O Labor S.L.A.T
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1
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
O “Labor” SLAT
Geografia Urbana
2º Semestre/2007 Orientador: José Ramiro Pimenta
Alexandre Silva
Genoveva Campos
Mafalda Sousa
Paulo Cartageno
Paulo Martins
Quando ela passa a minha porta Magra, lívida, quase morta, E vai até a beira mar, Lábios brancos, olhos pisados: Meu coração dobra a finados, Meu coração põe-se a chorar. “Pobre tísica”, António Nobre
2
Índice
Pág.
1. Introdução 3
2. Organização do espaço urbano 4
2.1 Crescimento populacional na Cidade do Porto 4
2.1.1 As ilhas 5
2.2 As Entidades no tratamento da Tuberculose 6
3. O Estado Novo na luta contra a Tuberculose 7
3.1 Marcas da doença na planta da Cidade 7
3.1.1 Os Sanatórios 8
3.1.2 Os Edifícios SLAT 9
3.1.3 Prática interna do SLAT 10
4. A Tuberculose pode afectar ricos e pobres 11
5. Conclusão 12
3
1. Introdução
Com uma breve história de um problema de saúde pública que afectou desde alguns
séculos grande parte da Europa, continuando a afectar ainda algumas famílias portuguesas,
propomo-nos demonstrar as “marcas” ainda actuais do edifício urbano (SLAT), que se
destinou ao tratamento da tuberculose, assim como a sua relação com a população e
representatividade do Poder e Capital enquanto responsáveis pelo controle e tratamento da
doença.
Na actualidade, procuramos identificar traços na arquitectura da cidade que
representem o tempo, a época e atitudes culturais, religiosas e ideológicas de quem detinha
poder e capital.
Neste estudo, cingimo-nos à região do Grande Porto, referenciando os antigos
Sanatórios situados nas áreas circundantes à cidade, dando maior relevância ao edifício do
antigo SLAT - Serviço de Luta Anti-Tuberculose existente na Praça Rainha D.Amélia, na
Cidade do Porto.
Pretendemos salientar os traços, relações históricas, ideológicas, culturais, sociais e
económicas, evidenciados pela planta da cidade.
Tomamos como ponto de partida nesta pesquisa, literatura publicada pela comunidade
científica da área em questão, assim como diversos conteúdos existentes na Internet e
testemunhos de pessoas que conviveram directamente com doentes.
2. Organização do espaço urbano
O espaço urbano encontra-se em constante movimento, tem vida própria, vai
prevalecendo ao longo dos tempos, deixando as suas marcas de identidade patrimonial com o
evoluir do tempo e do espaço de geração em geração.
No espaço urbano, para além dos edifícios típicos – igrejas, palácios, habitações,
espaços comerciais, espaços de lazer, – surge um tipo de construção muito específica: o
Hospital. A sua localização remete-nos para uma paisagem que o cidadão sabe identificar e
reconhecer, mas da qual não queria fazer parte integrante. Dificilmente algum cidadão se
poderá alhear do edifício e da memória de pendor negativo que o mesmo traz por efeito da
própria doença, devido ao seu carácter de prestação da caridade destinada a uma classe mais
pobre e desfavorecida.
4
“A proximidade necessária aos centros populosos é compensada por uma tendência
secular que direcciona os hospitais para os limites da jurisdição do município. É interessante
notar que recentemente, quando representantes eclesiásticos falam em financiar a construção
de um hospital especializado no combate contra a SIDA, lembram-se também de mencionar
que ele deveria ser localizado na periferia”1, tal como aconteceu quando se intensificou o
flagelo da tuberculose em Portugal.
Portugal não foi uma excepção em relação à Europa, atingindo no final do séc. XIX os
valores mais elevados de tuberculose nas grandes cidades.
2.1 Crescimento populacional na Cidade do Porto
Entre o final do séc. XIX e início do séc. XX, e como consequência da intensificação do
processo industrial, a população da Cidade do Porto aumentou aproximadamente para o triplo,
passando a constituir um importante centro de recepção de fluxos migratórios definitivos,
concentrando-se na sua maioria nas freguesias centrais da cidade. “Como resultado deste
processo de crescimento populacional, dão-se alterações significativas na imagem e
organização da cidade, em termos formais, funcionais, sociais e económicos2.
Este êxodo rural, de gente altamente carenciada e desprotegida, principalmente crianças
de tenra idade, sem qualquer protecção familiar - crianças vadias, que se encontravam nos
calabouços do Governo Civil - conhecidos como os “deserdados”- vai constituir a mão de
obra barata no intenso processo industrial da época, alimentando o enriquecimento dos
detentores das grandes fortunas (Eduardo Ferreirinha – no ramo da metalúrgica, Henrique de
Burnay – no sector da banca e do tabaco e Alfredo da Silva – na União Fabril)3 fundadores de
várias empresas que absorviam inúmeros trabalhadores em situações de quase escravatura.
Curiosamente, os ricos e detentores do capital, esses mesmos, que exploravam e se
aproveitavam da desgraça dos mais pobres, eram os beneméritos que doavam dinheiro ao
Estado para tratar os que maltratavam continuando assim a enriquecer.
1 ANTUNES, José Leopoldo Ferreira, “ Por uma Geografia Hospitalar”, Revista Social, Tempo Social U.S.P.1
(1) pág. 227-234, 1 Sem. 1989 2 MATOS, Fátima, 2001, Habitação do Grande Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, s/p
3 Circulo de Leitores, 2000, Portugal Século XX, Crónica em imagens 1900-1910, Printer Portuguesa, Ind.
Gráficas, Lda., s/d., pág. 56
5
2.1.1 As ilhas
Neste contexto socio-económico altamente desequilibrado, as ilhas surgiram como
resposta ao aumento da procura de habitação em resultado dos parcos recursos económicos
dos trabalhadores não especializados.
“As ilhas eram construídas nos quintais dos senhorios e podiam ter vários tipos conforme
o espaço”4. Cada ilha era constituída por cerca de doze casas com instalações sanitárias
comuns e em muitos casos o esgoto corria a céu aberto ao longo do corredor da ilha. As
condições de habitabilidade eram precárias e promíscuas: “E é n’estes quartos que
ordinariamente se faz tudo: cozinha-se, come-se, dorme-se, etc. (…)”5
O forte aumento populacional, associado ao facto de políticas permissivas da Câmara
Municipal do Porto que “regulamentava apenas as construções junto às fachadas das ruas,
elidindo da sua vista e preocupação tudo aquilo que fosse construído nas traseiras. O resultado
de tudo isto foi, de uma forma simplificada e sintética, que o Porto como que foi crescendo
para dentro, densificando-se nas traseiras com a construção das ilhas …”6, situação que levou
à existência de 14.000 “casas” em ilhas.
As condições de precariedade alimentar, habitação, salubridade e higiene abriram portas
ao aparecimento de diversas doenças infecto-contagiosas (sífilis, febre bubónica e
tuberculose) no seio de uma população amontoada e carenciada, tendo sido a tuberculose a
que atingiu maiores proporções, não só em número de infectados como na sua prevalência ao
longo do tempo.
Não existindo qualquer “estado de providência” os pobres estavam entregues à sua sorte,
tendo de obedecer e trabalhar para quem os explorava até aos limites, estando completamente
dependentes dos “Senhores” empregadores que além do trabalho também os alojavam nos
seus terrenos, normalmente nas proximidades dos locais de trabalho.
Quando adoeciam era necessário retirá-los imediatamente, não só pelo perigo de contágio,
como também para não os terem de tratar. As ilhas constituíam um verdadeiro barril de
pólvora, pronto a explodir a qualquer momento. Os casos de tuberculose começam a
multiplicar-se na cidade, um grupo de indivíduos ricos e detentores de grandes fortunas,
juntamente com o Estado de mãos dadas com a Igreja e o Capital manifestaram-se na
paisagem, edificando unidades de tratamento da doença em diversos locais limítrofes da
4 ALMEIDA, António R., 2006, O Porto e a Tuberculose, Fronteira do Caos, Porto, pág. 72
5 BARBOSA, António Pereira, 1906, Da Tuberculose no Porto, Typ. Da Empreza “Artes & Letras”, pág. 52
6 PEREIRA, Virgílio Borges, http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo8461.pdf, acedido em 30/03/2007
6
cidade, que não eram mais do que tratamentos paliativos, de beneficência e caridade que
desde sempre lhes é característica.
2.2 As Entidades no tratamento da Tuberculose
O papel das Misericórdias foi fundamental no tratamento dos inúmeros doentes. Sob a
alçada da Misericórdia do Porto, o então provedor da Misericórdia e seus beneméritos,
sensibilizados pela extensão do flagelo, criaram pavilhões independentes de tratamento para
homens e para mulheres, com o mesmo objectivo; Manuel José Rodrigues Semide deixou em
1903 um vultuoso legado para se construir um hospital para tuberculosos pobres, que devido
às convulsões sociais e da penúria dos tempos da I Guerra Mundial, só veio a ser concluído
em 1926, tendo tomado o nome de Hospital Rodrigues Semide (actual Universidade
Lusíada).7
Em 1900 funda-se a Assistência Nacional aos Tuberculosos (ANT), destacando-se nesta
luta a rainha D. Amélia de Orleães, irmandades, confrarias e filantropos recrutados entre os
proprietários e capitalistas pelo poder dominante.
3. O Estado Novo na luta contra a Tuberculose
A década de 30 do séc. XX, foi marcada pela reestruturação do aparelho de estado e do
funcionamento da sociedade civil em função do programa político de Salazar, formalizado em
1933 com a aprovação de uma nova Constituição.
Lopo de Carvalho, com o apoio do Ministério do Interior e da Assistência Nacional aos
Tuberculosos (ANT), elabora um “Plano de Luta contra a Tuberculose” em 1935, que
promove a realização de projectos-tipo para os diferentes edifícios de apoio à luta nacional
contra a tuberculose: os sanatórios, hospitais, preventórios, projectados por Vasco Regaleira;
os dispensários distritais e concelhios, projectados por Carlos Ramos. Com este investimento
na luta anti-tuberculose, pretendia-se controlar o desenvolvimento da doença através do
funcionamento em rede dos diferentes equipamentos.
Seguindo os modelos implementados em França, Alemanha ou Estados Unidos, a
actuação dos dispensários insidia no diagnóstico da doença, na terapêutica, na assistência
social à população contaminada e na propaganda activa de medidas de prevenção ao seu
alastramento.
7 Correio da manhã, http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?idCanal=9&id=217682, acedido em 30-03-2007
7
3.1 Marcas da doença na planta da Cidade
O edifício-hospital representa bem a ingerência do Estado na saúde do cidadão através dos
seus representantes (corpo médico), assim como levar o cidadão que a ele recorre a confiar a
sua vida nas mãos de estranhos.
Tendo como objectivo combater a doença, o Poder criou Unidades de tratamento
construindo edifícios de aspecto atractivo e simples, não deixando de evidenciar a imponência
política e económica, para que os cidadãos que a eles recorrem se sentissem acompanhados e
tratados por alguém importante e com poder para essa árdua tarefa; que era a de “pôr bom”
quem estava doente, mas isso não estava nas mãos de qualquer um, só quem detinha poder
económico e político.
Destacam-se na paisagem urbana marcas ainda bem visíveis dos locais de tratamento da
doença nas suas diversas fases tais como: o antigo Semide, o Hospital “Guelas de Pau”, actual
Hospital Joaquim Urbano, sendo os mais emblemáticos e representativos da época na
paisagem actual da cidade, os edifícios SLAT - Serviço de Luta Anti-Tuberculose, existentes
em diversas cidades capitais de distrito do país.
3.1.1 Os Sanatórios
Em nome do bem-estar e preocupação com a saúde dos seus cidadãos, o Estado,
prestando-lhes os primeiros cuidados leva-os (por vezes compulsivamente) ao internamento
em edifícios construídos fora da cidade. Devido ao alto risco de contágio, proibiam as visitas
da própria família, condenando os doentes ao isolamento, resultando daí, uma forma
camuflada de exclusão, dos indesejados doentes da vida social, em nome da ordem, saúde e
segurança.
Mais de 75% dos doentes que eram internados nos sanatórios morriam nos primeiros
cinco anos8, outros morriam na sala de operações. Com o alastrar da epidemia, a forma como
o Poder lida com a situação passa pela criação de espaços isolados, fora das cidades e
distantes destas, dissimulando a eventual interpretação de exclusão social através da criação
de uma imagem de que os tuberculosos necessitavam de ar puro e de espaços verdes para
“respirar melhor”. Internando os doentes tuberculosos em Sanatórios (por vezes
8 Mendes, Carla Marina, “Os factores de risco perduram, A epidemia que vem do passado”, Correio da Manhã de 2006-10-13
8
compulsivamente) era a única forma de afastar as pessoas doentes das cidades aproveitando o
argumento de o ar ser mais saudável para a saúde, justificando assim a sua exclusão da vida
social, familiar e os custos humanos de quem sofria e fazia sofrer.
3.1.2 Os Edifícios SLAT
Os edifícios SLAT centram na sua área circundante e em simultâneo a instituição médica
como força aliada ao poder político e ao capital, excluindo toda uma classe social
desprotegida que tem à vista a morte como destino próximo, onde a aceitação pela sociedade
em geral desse mesmo edifício é vista como um bem (ou mal) necessário.
A inserção do Edifício “SLAT” na malha urbana, do ponto de vista geográfico, remete
para um espaço planificado onde a centralidade do edifício apenas se verifica no espaço
circundante. O edifício é o centro de um espaço que estando dentro da cidade se situa no seu
perímetro mais afastado e num local de significativa altitude para que fosse arejado e os
doentes pudessem respirar melhor ar.
Os dispensários de Carlos Ramos9- arquitecto considerado um eclético nos compromissos
quer com o Governo quer com o reportório de estilos da época, marcaram decisivamente o
carácter de símbolo urbano no espaço da cidade. Situados no enfiamento de ruas ou em
pequenos largos, os projectos (distritais ou concelhios) são idênticos entre si, na forma e
organização, podendo diferir na sua dimensão. A sua arquitectura é um fiel representante de
uma “Casa Portuguesa”10
, caracterizada pelo “telhado em evidência expressiva, beiradas
sobre um frontão triangular que marca o eixo de simetria”11
.
A marca de um desses edifícios é o actual CAT – Oriental, ex-SLAT, situado na Praça
Rainha Dª Amélia, num dos locais mais altos da cidade (125m de altitude), oferecendo ao
cidadão agradáveis e convidativos jardins a rodearem o edifício, representando o natural, o
saudável e o agradável. A fachada do edifício, de arquitectura simples, linhas direitas,
coincidente com a simplicidade do programa, encontra-se ornamentada com o brasão da
cidade e com a Cruz de Lorena12
, constituída por dois braços que representam a distinção
9 Arquitecto autor do projecto tipo de dispensário Anti-tuberculoso (1897 – 1969)
10 LINO, Raul, A Nossa Casa – Apontamentos sobre o bom gosta na construção das casas simples, Lisboa,
Atlântida, 1918, citado em Arquitectura Ant-ituberculose, pág. 219 11
TAVARES, André, Arquitectura Anti-tuberculose, FAUP, 2005, pág. 219 12
Cruz de dupla barra de Godofredo de Boillon, príncipe de Lorena, que a colocou no seu estandarte ao
conquistar Jerusalém no ano de 1099. Converteu-se assim no símbolo das cruzadas antes de se tornar no
emblema da cruzada internacional contra a doença que mais matava nos séculos XVIII e XIX.
9
arquiepiscopal ou patriarcal, representando a fé redobrada. Cruz essa, adoptada como símbolo
da luta contra a tuberculose em 1902, no IV Congresso Internacional da Tuberculose, que teve
lugar em Berlim.
A associação do nome da Praça onde está localizado a uma figura feminina - Rainha D.
Amélia - última Rainha de Portugal, parece ter enorme importância no relacionamento do
poder com o cidadão associando-lhe a afectividade e protecção materna. Relacionando o seu
sofrimento e o já conhecido empenho da Rainha na protecção dos doentes mais
desfavorecidos ao próprio sofrimento de quem tinha a doença, esta associação reforça e
desenvolve laços de proximidade entre quem pode e manda e quem tem de obedecer.
O seu interior, revela pormenores de idêntica simplicidade, constituído por 3 salas
destinadas ao tratamento, consulta e farmácia, hall de entrada e dois espaços destinadas a
exames de RX e instalações sanitárias.
3.1.3 Prática interna do SLAT
Quem recorria ao SLAT necessitava de encontrar algum conforto, esperança, acolhimento
e carinho. Este transmitia para quem estava fora da problemática da doença um sentimento de
exclusão para com aqueles a quem a doença tinha atingido e em simultâneo o orgulho de ter
um espaço físico para os tratar. Embora, o doente necessitasse de ajuda, na maioria das vezes
tinha grandes dificuldades em informar os seus familiares ou amigos sobre a doença,
dirigindo-se ao SLAT, “envergonhadamente” e crente de que a doença se resolveria.
Quem recebia o doente era um corpo médico atento, atencioso, quase familiar. O doente,
era primeiramente identificado e feito um registo completo acerca dele e das pessoas com
quem ele convivia, passando ao exame de RX seguido de uma consulta, cujo registo e
controlo da toma diária da medicação era efectuado num cartão.
A enfermeira (normalmente mulher) e o próprio médico, ajudavam o doente a expressar
os seus sentimentos, emoções e a tomar as suas próprias decisões através de uma conversação
estruturada entre o corpo médico, o doente e seus familiares. Havia cordialidade e cuidado
com as pessoas adoptando o papel de conselheiros para encorajar os doentes a reconhecerem e
desenvolverem formas e métodos para conseguirem lidar com a doença e seus estigmas. O
diagnóstico da tuberculose era sempre traumático, e ainda mais traumático, quando era
prescrita a obrigatoriedade de uso de máscara.
Pese embora, a forma firme e obrigatória que o tratamento exigia, simultaneamente era
restituído ao doente a dignidade humana, procurando anular os efeitos de isolamento e
10
estigma social. Apesar da falta de tempo após o diagnóstico da doença, ao doente era-lhe
“dado” tempo, tempo esse, para que pudesse dizer o que sentia.
“As pessoas agonizantes levam muito tempo para falar e dizer o que pensam,
apresentando sinais distintos de medo, ansiedade, tristeza, depressão, maior irritabilidade, e
desinteresse com o dia-a-dia e até com a própria vida”13
.
Por vezes o sentimento de fúria invadia o doente, porque achava que ia morrer e era
injusto, voltando essa fúria contra tudo e todos. A certeza da presença diária do doente na
toma da medicação era uma vitória partilhada por todos, já que era a passagem para a
possibilidade da cura.
O SLAT era visto de fora como um local de morte e de dentro como local de vida.
4. A Tuberculose pode afectar ricos e pobres
Enquanto os pobres tinham que recorrer aos serviços públicos, os ricos tratavam-se com
médicos particulares e recorriam a “lugares com ar puro” no estrangeiro (Suíça, Sul de
França, Veneza e Alemanha) munidos de boas qualidades de tratamento e conforto. Em
Portugal, a Madeira e o Caramulo eram os locais preferidos de quem tinha dinheiro, onde o
próprio Chefe do Governo da época, António de Oliveira Salazar, se foi tratar quando
contraiu a doença.
A tuberculose também andou pelas artes, entre autores e personagens. Mais do que a
doença na vida real, foi a criação artística que elevou a tuberculose a personagens
extraordinárias da história das artes, como são exemplo: “La Traviatta de Verdi”, onde pela
primeira vez (1853) alguém morreu em palco por causa da tuberculose – reforçando a dor,
doença, sofrimento através da representação teatral – O teatro é a representação da realidade.
Apesar de quem ia para lugares luxuosos e confortáveis não deixar de sofrer da mesma
doença que os pobres - a tuberculose - o estigma social provocado por ser doente contagioso
acabava por ser suprimido pelo realçar de elevado poder económico de quem podia pagar para
estar num lugar tão requintado e luxuoso que mais parecia um privilégio do que um
tratamento.
13
Testemunho pessoal de um acompanhante de um doente com tuberculose
11
5. Conclusão
O edifício SLAT percorreu algumas épocas e tal como as pessoas, foi mudando,
permanecendo ainda no nosso imaginário como o edifício da tuberculose, perpetuando o
estigma que essa doença transporta.
No entanto, a população ignora voluntariamente a sua anterior função, esforçando-se por
apagar da memória do seu passado médico a memória das muitas famílias que lá sofreram. Na
verdade o SLAT era um “Labor” médico com uma componente de prática humana e social
que transformava algo de mau em esperança e vida. E esta vida nova era como que a chegada
de um ser humano “renascido”.
A presença ainda em evidência do edifício, hoje completamente integrado na malha
urbana que se expandiu e o envolveu, pode levar-nos a aceitar a sua especificidade,
independentemente da permanência das formas de urbanização e de fixação das populações.
O edifício, não tendo sido abandonado como tantos outros que hoje têm uma outra vida
(ou estão abandonados ao esquecimento) não menos importante e marcante no espaço social
da cidade e sua envolvente, continua ao serviço da população no combate ao actual flagelo
que varre a sociedade e que também esse leva ao isolamento e estigmatização de quem lá
acorre: a Droga.
12
Referências Bibliográficas:
o ALMEIDA, António R., 2006, O Porto e a Tuberculose, Fronteira do Caos, Porto, pág. 72
o ANTUNES, José Leopoldo Ferreira, Por uma Geografia Hospitalar, Revista Social,
Tempo Social U.S.P.1 (1) pág. 227-234, 1 Sem. 1989
o BARBOSA, António Pereira, 1906, Da Tuberculose no Porto, Typ. Da Empreza “Artes &
Letras”, pág. 52
o Circulo de Leitores, 2000, Portugal Século XX, Crónica em imagens 1900-1910, Printer
Portuguesa, Ind. Gráficas, Lda., s/d., pág. 56
o Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume XXXIII, Lisboa, Editorial
Enciclopédia, Lda., s/d., pág. 113 a 138
o LINO, Raul, A Nossa Casa – Apontamentos sobre o bom gosta na construção das casas
simples, Lisboa, Atlântida, 1918, citado em Arquitectura Antituberculose, pág. 219
o MATOS, Fátima, 2001, Habitação do Grande Porto, Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, s/ pág.
o Melícias, Padre Vítor, União das Misericórdias Portugal, Tuberculose? Misericórdia,
Senhor!, Correio da Manhã de 2006-10-13
o Mendes, Carla Marina, Os factores de risco perduram, A epidemia que vem do passado,
Correio da Manhã de 2006-10-13
o PEREIRA, Virgílio Borges, disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo8461.pdf
acedido, em 30/03/2007
o TAVARES, André, Arquitectura Antituberculose, FAUP, 2005, pág.219