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Coleção Aventuras Grandiosas Robert Louis Stevenson O LADRÃO DE CADÁVERES Adaptação de Rodrigo Espinosa Cabral 2 a edição O_Ladrao_de_cadaveres_Backup_23-12-2010.indd 1 29/12/11 10:26

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Coleção Aventuras Grandiosas

Robert Louis Stevenson

O LADRÃO DE CADÁVERES

Adaptação de Rodrigo Espinosa Cabral

2a edição

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Capítulo 1

O ESTRANHO DIÁLOGO DE FETTES E MACFARLANE

Todas as noites do ano, numa pequena sala da pousada George na cidade

de Debenham, costumávamos nos reunir: eu, o dono da funerária, Fettes e o

ALBERGUEIRO.

Às vezes ia mais gente, mas com qualquer tempo, fosse frio, estivesse

nevando, chovendo, ventando muito, com o céu estrelado ou cheio de nuvens,

lá estávamos nós na hora certa, confortavelmente instalados em nossas poltronas.

Fettes era um velho escocês que gostava muito de beber. Era um homem

muito culto, mas ACOMODADO, já que passava a maior parte do tempo sem fazer

nada. Tinha chegado a Debenham vários anos antes, quando ainda era jovem, e

agora todos o consideravam um filho adotivo do município. Vestia uma velha

capa azul no estilo CAMELOT que, assim como a torre da igreja, passava ao povo

uma ideia de algo muito antigo. Não era segredo para ninguém que Fettes tinha

CADEIRA CATIVA na pousada e alimentava vícios vergonhosos. Além disso, era

raríssimo vê-lo na igreja. Suas opiniões eram um pouco radicais e mantinha certo

CETICISMO religioso que, de vez em quando, gostava de exibir, enfatizando suas

palavras com IMPRESSIONANTES golpes contra a mesa.

Bebia RUM. Cinco canecos todas as noites e, durante a sua permanência

na pousada, ficava em um estado MELANCÓLICO, forçado pelo álcool. Nós

o chamávamos de O Doutor, porque ele tinha conhecimentos de medicina e

em casos de emergência tinha tratado de fraturas, luxações. No entanto, além

desses poucos detalhes, nada mais sabíamos de sua personalidade e do que

havia feito na vida.

✒ ALBERGUEIRO: dono de albergue ou pousada

✒ ACOMODADO: tranquilo, sem ambição

✒ CAMELOT: o castelo lendário de Rei Artur

✒ CADEIRA CATIVA: lugar reservado, exclusivo

✒ CETICISMO: descrença, atitude questionadora, de quem de tudo duvida

✒ IMPRESSIONANTE: que impressiona, que causa emoção

✒ RUM: bebida alcoólica obtida com a destilação do melaço de

cana-de-açúcar

✒ MELANCÓLICO: que tem melancolia, tristeza

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✒ LATIFUNDIÁRIO: dono de um latifúndio, de uma ou várias grandes

propriedades rurais

✒ PARLAMENTO: assembleia legislativa

✒ ACOMETIDO: que teve um ataque súbito

✒ APOPLEXIA: afecção cerebral repentina, determinada por lesão nos

vasos sanguíneos, que causa perda dos sentidos e do movimento

✒ TELÉGRAFO: sistema de transmissão de mensagens através de um

código de pontos e traços, inventado pelo norte-americano S. F. B.

Morse (1791-1872)

✒ ESTALO: alteração súbita de percepção

✒ ACLARAR: se tornar nítido, claro

Em uma noite muito escura de inverno, fomos informados que um grande LATIFUNDIÁRIO da região estava doente e hospedado na pousada. O fazen-deiro estava a caminho do PARLAMENTO em Londres quando foi ACOMETIDO de APOPLEXIA e, na falta de um hospital, teve de ser internado na pousada. Por TELÉGRAFO, um grande médico da capital foi avisado e sua presença era aguar-dada para aquela noite. Em uma cidade pequena como a nossa, em que o trem havia sido inaugurado havia muito pouco tempo, aquele era um acontecimento impressionante.

— Ele já chegou! — disse o dono da pousada, enchendo seu caneco.— Quem, o médico? — perguntei.— Isso mesmo — confirmou.— Qual é o nome dele?— Doutor MacFarlane — disse o dono.Fettes estava quieto, terminando de beber seu terceiro caneco de rum. Seus

olhos perdidos no vazio já demonstravam que sua consciência estava meio entor-tada pela bebedeira. Mas, ao ouvir o dono da pousada pronunciar “MacFarlane”, seus olhos despertaram e seu rosto ganhou uma cor. Falou de modo tranquilo, quase sem querer:

— MacFarlane...E depois repetiu a palavra com emoção na voz:— MacFarlane!— Isso mesmo, Fettes. O homem se chama doutor Wolfe MacFarlane.Foi como se o dono da pousada tivesse jogado um balde de água fria no

rosto do escocês. Em um ESTALO, a expressão do rosto de Fettes se ACLAROU.

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✒ VIGOROSA: forte.

✒ RUGA: prega ou dobra na pele, carquilha.

✒ VOLTAIRE: pseudônimo de François-Marie Arouet (1694-1778),

escritor francês.

Parecia um morto que acabava de ressuscitar. Ele deixou aquele estado sonolento

em que estava, sua voz ficou firme e VIGOROSA:

— Desculpe, mas eu não estava prestando a atenção na conversa de vocês.

Quem é esse tal de Wolfe MacFarlane?

O dono da pousada deu algumas explicações e Fettes falou:

— Não pode ser. Não pode ser! Tenho de ver esse sujeito cara a cara.

— Você o conhece, Fettes? — perguntou o nosso amigo agente funerário.

— Deus queira que eu não o conheça. Que não seja a mesma pessoa, embora

esse nome seja pouco comum para que possa haver dois Wolfe MacFarlane no

mundo. Esse MacFarlane já é velho?

— Olha, ele tem o cabelo todo branco, mas eu diria que é jovem ainda.

Bem mais jovem do que você.

— O MacFarlane que conheço é mais velho do que eu, bem mais velho —

disse o escocês, golpeando a mesa —, mas o que me envelheceu dessa forma foi

o rum. Essas minhas RUGAS são o rum e os meus pecados. Talvez ele esteja bem -

-conservado porque talvez não tenha tantos pecados como eu. Talvez ele tenha

uma consciência mais leve e se alimente bem. Ou será tudo uma coincidência?

Como ninguém respondeu, Fettes continuou:

— Vocês podem pensar que eu tenho sido um bom cristão, mas não, eu

não... Talvez VOLTAIRE mudasse de ideia se analisasse o meu caso. Minha cabeça

— ao pronunciar cabeça, Fettes deu um tapa na própria testa — até que funciona

bem, mas eu não consigo concluir nada com ela, nada mesmo, e olha que já vi e

pensei muita coisa.

Embora Fettes estivesse confuso e nervoso, arrisquei-me a perguntar:

— Fettes, se esse médico é alguém que você conhece... o albergueiro deve

ter se enganado a respeito dele, ou seja, parece que ele não é uma boa pessoa...

Por um momento Fettes ficou calado e depois falou alto:

— Sim, mas eu tenho de vê-lo olho no olho.

Ficamos em silêncio alguns segundos. Todos examinando a questão e, de

certa forma, preocupados com os motivos da alteração de comportamento de

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Fettes. Até que, no segundo andar da pousada, uma porta se fechou com uma batida forte e começamos a ouvir na escada.

— É o médico! — disse o dono da pousada com animação. — Se você se apressar, pode alcançá-lo, Fettes.

A escada dos hóspedes descia até a recepção, onde havia uma porta para a rua. Nós estávamos na sala ao lado, onde nos reuníamos todas as noites. Com rapidez, Fettes rumou até a recepção e logo os dois homens estavam no mesmo pequeno e bem-iluminado cômodo. O albergueiro, o agente funerário e eu ficamos na porta, entre a sala e a recepção, um pouco atrasados e ansiosos para saber se Fettes conhecia o hóspede ilustre.

Posso dizer que o doutor MacFarlane tinha um tipo físico forte. Seus cabelos brancos combinavam com o rosto ALVO, porém de traços firmes. Usava gravata e roupas muito bem-cortadas e alinhadas, de cores SÓBRIAS e tecidos de primeira qualidade. As roupas lhe deixavam com um ar mais sério. Eram roupas que confe-riam respeitabilidade e dignidade aos anos de vida expressos no rosto do médico.

Ao seu lado, Fettes representava um contraste surpreendente: malvestido, sujo e cheirando a rum ao pé da escada.

— MacFarlane! — Fettes gritou, mais como se fosse um capitão do que um amigo.

Surpreso com a familiaridade da voz, do alto do quarto degrau onde estava, o doutor se deteve. Parou e olhou para Fettes, como se aquela voz, aquela figura, aquele chamado o ofendesse de certa forma.

— Toddy MacFarlane! — Fettes gritou de novo.O londrino quase caiu rolando pela escada, tamanha surpresa, mas se

segurou a tempo. Com os olhos grandes, falou:— Fettes?! Você?!— Sim, sou eu! Por acaso você também achava que eu estava morto? Fique

sabendo que não é tão fácil terminar com a nossa ligação.— Não fale mais nada, por favor! — pediu o médico ilustre com firmeza e

humildade. — Por favor, fique quieto. Esse nosso encontro é tão inesperado que eu nem sei o que... Mas percebo que você está irritado comigo. Olha, eu nem o reconheci, assim de cara, mas agora vejo que é você mesmo e estou contente de que tenhamos nos reencontrado. É uma boa oportunidade. Só que agora estou com

✒ ALVO: branco.

✒ SÓBRIA: moderada, séria.

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✒ RECEIO: dúvida seguida de algum tipo de medo, apreensão

✒ COCHE: carruagem antiga.

pressa, tenho de pegar a condução até a estação de trem. Mas... vamos ver, você me dá o seu endereço e eu lhe garanto que em breve você terá notícias mi nhas. Vamos fazer algo por você, Fettes, não tenha dúvida! RECEIO que esses anos todos o tenham deixado empobrecido, mas daremos um jeito nisso também. Não se preocupe, será como nos velhos tempos, quando cantávamos durante o jantar.

— O dinheiro! Sempre o dinheiro! — Fettes gritou. — Fique sabendo que o dinheiro que você me deu está ainda onde eu o joguei naquela noite de chuva.

Por um momento, MacFarlane chegou a pensar que a situação estava sob controle, mas quando Fettes voltou a gritar, o médico perdeu seu ar de supe-rioridade e ficou com um nítida expressão preocupada no rosto. Escolhendo as palavras, disse:

— Meu amigo, não quero lhe aborrecer nem ofender. Vou lhe deixar o meu endereço e...

— Não quero! Não quero saber onde você vive. Eu ouvi o seu nome aqui neste albergue e tive medo que fosse você. Então precisava saber se era você mesmo, precisava saber se, depois de tudo o que aconteceu, Deus existe. Mas agora já sei que não existe. Saia daqui!

Porém, para sair dali, o médico teria de passar pelo irritado escocês que se postava entre a escada e a porta. Por um momento, pareceu ter muito medo de dar aqueles passos. Era uma situação humilhante para uma figura ilustre como a dele e já se sentia envergonhado ao perceber que pela janela da recepção o seu cocheiro o observava curioso. Mesmo no rosto pálido, notei que o médico tinha um brilho forte nos olhos ameaçadores, quando ele rapidamente fitou a mim, ao dono da pousada e ao agente funerário que espiávamos tudo da porta, ao lado da cantina.

Talvez pensando que Fettes não tentaria nada violento na presença de tantas testemunhas, MacFarlane desceu as escadas, veloz como uma cobra, e passou por Fettes meio de lado, se encostando na parede.

Quando pensou que já estava livre, sentiu a mão pesada do escocês lhe apertar o braço:

— Você voltou a vê-lo?O famoso doutor londrino soltou um grito abafado, enquanto se soltava da

mão de Fettes, e fugiu como um ladrão. Antes que qualquer um de nós se pusesse em movimento, ele já havia entrado em seu COCHE e o veículo já se locomovia

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a caminho da estação. A cena transcorreu como um sonho, mas um sonho com testemunhas e provas, já que no dia seguinte a camareira encontrou os óculos com armação de ouro do doutor MacFarlane.

Capítulo 2

SEM PERGUNTASAssim que o médico saiu, ficamos em pé, na janela da cantina, ao lado da

recepção. Fettes ficou ao nosso lado, muito concentrado e sério.— Que Deus nos ajude, Fettes — disse o dono da pousada. — Vocês tiveram

uma conversa muito estranha, hein? Que significa tudo isso?Fettes nos olhou com calma, um por um, e disse:— Não falem para ninguém sobre o que aconteceu aqui. Esse MacFarlane é

um sujeito muito perigoso. Quem já o enfrentou, acabou se arrependendo quando já era tarde demais.

Sem terminar seu terceiro caneco e sem tomar os outros dois que normal-mente tomava, o escocês nos disse adeus, abriu a porta, passou embaixo da luz da lâmpada a óleo da pousada e depois sumiu no escuro da noite.

Nós três nos acomodamos nas poltronas da saleta para debater o aconte-cido. A noite era fria, mas tínhamos um belo fogo na lareira e muito APETITE de palavras. Ficamos conversando sobre o EPISÓDIO durante horas. Nossa TERTÚLIA acabou tarde da noite, aliás mais tarde do que qualquer outra reunião que havía-mos feito antes. Ao final, cada um de nós tinha uma teoria para explicar o estra-nho diálogo de Fettes e MacFarlane. Comprometemo-nos a buscar EVIDÊNCIAS para comprovar nossas teorias nos próximos dias. Para tanto, seria preciso nos esforçarmos para conseguir informações sobre o passado de nosso misterioso amigo escocês. Penso que não seja um motivo a comemorar, mas fui eu quem se saiu melhor no papel de investigador e talvez hoje não exista mais ninguém capaz de contar a vocês tais feitos monstruosos e ABOMINÁVEIS.

✒ APETITE: vontade, disposição.

✒ EPISÓDIO: cena, capítulo, parte de uma narrativa.

✒ TERTÚLIA: reunião de amigos.

✒ EVIDÊNCIA: prova, comprovação.

✒ ABOMINÁVEL: detestável, execrável.

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Quando jovem, Fettes havia estudado medicina em Edimburgo. Na época

tinha uma memória EXCEPCIONAL, ouvia, entendia e guardava informações com

muita facilidade. Dessa forma, estudava pouco em casa, mas na sala de aula era

atencioso e amigo dos professores, que logo já ficaram admirados com a con-

centração e a memória do rapaz.

Embora possa parecer estranho, na época, Fettes gostava de cuidar de sua

aparência.

Nessa mesma época, fora da universidade, havia um professor de anatomia

que vou chamar de Sr. K. Era um sujeito que depois ficou famoso, um BOM-VIVANT

e um excelente professor. Sr. K gostava muito de Fettes. Tanto que, no segundo

ano da faculdade, deu a seu aluno o título de professor assistente.

Como funcionário do professor K, Fettes tinha várias OBRIGAÇÕES. Cuidava

da limpeza da sala de aula, monitorava o comportamento dos outros estudantes

e era o responsável por receber e guardar os cadáveres que seriam usados nas

aulas de DISSECAÇÃO. Era um trabalho duro. Naquela época o assunto era muito

polêmico, muitas pessoas pensavam que a ciência não tinha o direito de estudar

corpos de pessoas mortas. As pessoas mais religiosas consideravam a dissecação

algo PROFANO.

Por isso Fettes tinha de acordar no AUGE da madrugada, após uma noite

de prazeres TURBULENTOS. Tinha de sair de sua cama quentinha (seu quarto era

numa sala no andar de cima do laboratório de dissecação), descer as escadarias

no frio até o laboratório, abrir a porta dos fundos e acompanhar a entrega dos

cadáveres. Com a vista ainda ANUVIADA, tinha de se comunicar com os traficantes

✒ EXCEPCIONAL: excelente, fora do comum

✒ BOM-VIVANT: pessoa que vive na busca de certos prazeres, como

comidas, bebidas, viagens, geralmente sem preocupações sociais

✒ OBRIGAÇÃO: função, responsabilidade

✒ DISSECAÇÃO: separação de partes de um cadáver para o estudo

anatômico por meio de equipamento adequado

✒ PROFANO: que não pertence à religião; que é contrário às sagradas

escrituras; o que viola coisas sagradas

✒ AUGE: apogeu, topo, ponto mais elevado

✒ TURBULENTO: agitado, desregrado

✒ ANUVIADA: embaçada, turva

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✒ PENUMBRA: meia-luz, quase escuro

✒ MORAL: conjunto de regras válidas para as pessoas em uma

sociedade

✒ INDENIZAR: dar indenização, compensar, reparar

✒ RUIDOSA: barulhenta

✒ MATÉRIA-PRIMA: substância fundamental ou básica para que algo

possa ser realizado ou produzido

✒ QUID PRO QUO: expressão em latim para uma troca de favores,

“toma lá, dá cá”

✒ HIPÓTESE: suposição, teoria, conjectura

✒ OMITIR: deixar de mencionar ou de fazer algo importante, não agir,

não atuar, não se manifestar quando uma situação exige participação

de corpos, sujeitos nervosos e geralmente sujos de terra. Quando os traficantes iam embora, para dentro da noite, Fettes ficava na PENUMBRA, acompanhado daqueles restos humanos. Tentava então dormir por uma hora para não estar tão acabado quando o dia amanhecesse e ele tivesse de ir à aula.

Para que ninguém reparasse que andava cansado ou que dormia mal à noite, Fettes decidira andar sempre limpo e bem-arrumado. Estudava muito também e dessa forma se mantinha sempre entre os alunos com melhores notas. Aparentemente, Fettes não se importava com as condenações religiosas ou MORAIS sobre o que fazia. Contudo, o escocês sentia a necessidade de INDENIZAR todo o seu trabalho com RUIDOSAS noites de prazeres desavergonhados e sua consciência ficava tranquila.

Mas obter cadáveres era uma tarefa muito difícil, perigosa e cada vez mais necessária, já que eram muitos os alunos nas classes de anatomia. O laboratório de dissecação estava quase sempre prestes a ficar sem sua MATÉRIA-PRIMA. Por isso o Sr. K tinha estabelecido uma regra simples:

— Eles conseguem os corpos e nós pagamos o preço. Sem perguntas. QUID PRO QUO.

O Sr. K preferia não considerar ou examinar a HIPÓTESE de que os cadá-veres eram conseguidos após assassinatos. Se tivesse certeza disso, a compra dos corpos seria totalmente absurda e moralmente indefensável. De qualquer maneira, o simples fato de se OMITIR, de não fazer perguntas aos traficantes de corpos, deixava o caminho livre para que aqueles homens tivessem a tentação de matar para obter seu “produto”.

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Fettes várias vezes alertou seu mestre de que os corpos recebidos haviam

perdido a vida poucas horas antes da entrega, eram corpos muito bem-conser-

vados. Outra coisa que o deixava INTRIGADO era o jeito excessivamente preocu-

pado e nervoso dos traficantes. Mas era pago para receber os mortos, pagar pela

entrega, guardar o produto no laboratório e registrar a entrada dos cadáveres no

livro de controle do laboratório, não para investigar a origem ou para julgar se

aquilo era certo ou errado.

Capítulo 3

UM CADÁVER FAMILIARFoi numa manhã de novembro que o pacto de silêncio e CONIVÊNCIA de

Fettes começou a RUIR.

Fettes havia passado a noite EM CLARO com uma terrível dor de dente.

Caminhava pelo quarto como um tigre ENJAULADO. Quando se deitava, não

conseguia ficar na cama por muito tempo. A gengiva latejava e sentia pontadas

fortes no MOLAR. Quando, já bem no final da noite, vencido pelo cansaço, con-

seguiu dormir, foi acordado pelas batidas insistentes e duras na porta. Conhecia

aquela sequência de batidas, era a senha dos PROFANADORES. Espiou pela janela.

A lua, um quarto minguante, derramava uma luz fraca sobre o mundo gelado.

O luar parecia deixar tudo mais frio ainda e o vento sacudia as árvores.

Os traficantes haviam chegado muito mais tarde do que de costume. Não

ia demorar para o dia nascer. Morto de sono, Fettes apoiou o ombro na parede,

enquanto os homens carregavam o saco para dentro do laboratório conversando

com um inconfundível sotaque irlandês. Foi um sacrifício para Fettes encontrar

✒ INTRIGADO: desconfiado.

✒ CONIVÊNCIA: cumplicidade; fingir não ver que algo mau está

acontecendo.

✒ RUIR: desmoronar, cair.

✒ EM CLARO: acordado.

✒ ENJAULADO: preso em uma jaula.

✒ MOLAR: dente.

✒ PROFANADOR: quem profana alguma coisa.

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o dinheiro e dominar o cansaço. Enquanto procurava nas gavetas, seus olhos se

voltaram para o corpo e ele viu o rosto do cadáver:

— Santo céu! É a..., é a..., é a Jane! Jane Galbraith!

Sem falar nada, os homens foram se encaminhando para a porta.

— Eu a conheço! E ainda ontem a vi! Estava feliz e contente! Não dá para

acreditar que ela morreu. Acho impossível que vocês tenham conseguido esse

corpo de forma correta!

— O senhor está enganado! — disse um dos traficantes.

— Não estou, não!

— Pague o que nos deve, estamos atrasados — disse o outro traficante,

com um olhar ameaçador.

Aquele olhar não deixava dúvidas do perigo que Fettes estava correndo.

Por isso entregou o dinheiro aos dois, abriu a porta e os deixou sair. No laboratório

examinou o corpo com cuidado. Havia várias marcas que davam INDÍCIOS de que

poderia ter sido uma morte violenta. Sem dúvida a morta era a sua conhecida,

com quem havia conversado um pouquinho, um dia antes. Aquilo o deixou muito

mal e ele subiu correndo, quase em pânico, a escada até o seu quarto, em cima

do laboratório.

Começou a refletir. O Sr. K queria os corpos para a faculdade e não queria

perguntas sobre a origem dos cadáveres. Fettes concluiu que, se começasse a

se intrometer, acabaria se dando mal, por isso decidiu não falar nada para o seu

chefe. Mas a ANGÚSTIA que o envolveu era tão grande que sentiu necessidade de

contar o ocorrido para seu colega e também assistente do Sr. K: Wolfe MacFarlane.

MacFarlane era um jovem médico, muito querido dos outros estudantes, era

uma pessoa inteligente e sem nenhum ESCRÚPULO. Tinha estudado no exterior,

era bem-educado, mas um pouco atrevido. Era o melhor patinador no gelo que

havia na cidade, EXÍMIO com os tacos de golfe, sempre bem-vestido e dono de

uma carruagem confortável, puxada por um cavalo ROBUSTO. Ele e Fettes eram

amigos e compartilhavam segredos de profissão.

✒ INDÍCIO: vestígio, sinal

✒ ANGÚSTIA: aflição, agonia

✒ ESCRÚPULO: senso moral, bom caráter

✒ EXÍMIO: excelente, insigne

✒ ROBUSTO: rijo, forte, resistente.

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✒ ESCASSEAR: começar a terminar, acabar.

✒ MACABRO: tétrico, fúnebre, horrível.

✒ ÉTICA: estudo da conduta do ser humano.

✒ ABSOLVIDO: ser considerado inocente ou perdoado de uma culpa,

crime ou pena.

Por exemplo, quando os traficantes de corpos ficavam alguns meses sem aparecer e os cadáveres ESCASSEAVAM no laboratório de dissecação, os dois pegavam a carruagem de MacFarlane e se dirigiam a cemitérios do interior. Lá rou-bavam algum corpo e, antes que amanhecesse, estavam em frente ao laboratório de dissecação para depositar o produto roubado. Fettes tinha feito esse serviço MACABRO algumas vezes. Não era algo fácil. Bebia muito antes e depois dos crimes de violação de sepultura, mas acreditava que o progresso da ciência estava acima de questões ÉTICAS menores, afinal, os corpos que roubavam não tinham mais vida.

Naquela manhã em que os traficantes entregaram o corpo de Jane Galbraith, MacFarlane apareceu cedo no laboratório:

— Examine o corpo dela, Wolfe. Examine — dizia Fettes, nervoso.O jovem MacFarlane percorreu com os olhos o cadáver, demorando o olhar

nos pontos manchados ou marcados. Por fim, disse:— É... parece muito esquisito.— E agora, o que eu faço? — perguntou Fettes.— Como assim, o que você faz? Não há nada para fazer! O que foi feito está

feito. Você não teve culpa nenhuma disso. Deixe assim mesmo. Quanto menos você falar, melhor! — respondeu Wolfe com firmeza.

— Tá, eu deixo tudo assim, quieto. Não falo nada, mas e se alguém reco-nhecer a moça?

— Vamos torcer para que ninguém a reconheça, então. Mas se alguém reconhecer, você não a conhece, certo? E o assunto fica encerrado.

— Será que isso é o mais correto? — quis saber Fettes.— Isso é o possível. Porque, se você contar para todo mundo, eu, você e

o Sr. K estaremos perdidos!— Por quê? — Porque estou convencido de que quase todo o nosso “material” é

produto de assassinatos! Se esse caso for investigado a fundo, iremos parar num tribunal e acho que vai ser muito difícil sermos ABSOLVIDOS. Mas, mesmo que nos absolvam, nossas carreiras estarão destruídas, teremos de abandonar a medicina.

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— MacFarlane! Isso que você está dizendo é GRAVÍSSIMO!

— Vai dizer agora que você não sabia? Que não SUSPEITAVA que todos

esses corpos que compramos, a maioria deles bonitinhos, bem-conservados, era

fruto de assassinatos?

— Eu suspeitava, mas suspeitar é uma coisa...

— Provar é outra — completou MacFarlane. — Eu entendo sua forma de

pensar. E, assim como você, eu também sinto muito que tudo tenha acontecido

desse jeito. Mas não creio que seja o momento certo para mudar a situação. Por

que você acha que o Sr. K escolheu logo nós dois como seus assistentes?

— Sei lá, porque somos estudiosos?

— Ora, Fettes, há outros alunos que também são estudiosos.

— Então foi porque precisávamos do emprego.

— Assim como quase todos outros alunos aqui. TAMPOUCO foi pelo

emprego, Fettes.

— Qual foi o motivo dele, então?

— Ele sabia que a gente ia saber como se comportar, que não éramos

nenhuma velhinha chorona.

As palavras de MacFarlane convenceram o jovem escocês e o corpo da

jovem passou a ser usado na sala de dissecação sem que ninguém a reconhecesse.

Capítulo 4

GRAY

Uma tarde, após sair do trabalho, Fettes foi até uma TABERNA muito frequen-

tada pelos estudantes de medicina e encontrou MacFarlane conversando com um

desconhecido. Era um homem pequeno, tinha o rosto muito branco, os cabelos

muito escuros e os olhos negros como carvão. Pelos traços de seu rosto, alguém

✒ GRAVÍSSIMO: muito sério

✒ SUSPEITAR: desconfiar, supor.

✒ TAMPOUCO: também não.

✒ TABERNA: casa onde se serve vinho; espécie de restaurante ou bar

rústico.

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poderia dizer que se travava de um sujeito inteligente, mas suas maneiras eram

bem TOSCAS e vulgares.

Mesmo assim, era possível notar que o homem exercia um enorme poder

sobre MacFarlane. O estranho dava ordens para o médico, como se fosse um

grande PAXÁ. Não admitia ser contrariado e detestava qualquer RESMUNGO de

MacFarlane. Embora fosse RUDE e AUTORITÁRIO com MacFarlane, o estranho

tratou Fettes de forma muito generosa. Parecia ter gostado do escocês, ofereceu-

-lhe bebida e lhe contou várias FAÇANHAS de sua vida. Se um décimo das coisas

que contou fossem verdade, o estranho já poderia ser considerado um VELHACO

desprezível, um sujeito desses que as pessoas falam que “não vale nada”. Mas

Fettes, em sua mocidade e INGENUIDADE, sentiu-se ENVAIDECIDO pelo interesse

que aquele estranho cheio de histórias demonstrava por ele.

— Olha, eu não sou nenhum anjinho do céu — disse o estranho —, mas

MacFarlane confia em mim, né, Toddy? Eu o chamo de Toddy, sabe. Aliás, Toddy,

peça mais um caneco para nós.

E ao longo da conversa o estranho ia REQUISITANDO favores, quase ordens,

a MacFarlane:

— Toddy, encosta aquela janela.

— Toddy, alcança esse guardanapo.

✒ TOSCA: rude, grosseira, bronca

✒ PAXÁ: título que recebiam os governantes no antigo império

otomano; pessoa poderosa, mandona

✒ RESMUNGO: falar pronunciando as palavras entre os dentes ou em

baixo volume, geralmente de mau humor

✒ RUDE: tosco, não civilizado, primitivo

✒ AUTORITÁRIO: que tenta se impor através da autoridade, do poder

e possivelmente da arrogância

✒ FAÇANHA: proeza; ato notável, difícil de executar ou até mesmo

perverso em um sentido irônico

✒ VELHACO: traiçoeiro, pessoa de má índole, ordinário, patife

✒ INGENUIDADE: franqueza, inocência, ausência de malícia

✒ ENVAIDECIDO: que fica vaidoso, sentindo prazer em ser admirado

ou homenageado

✒ REQUISITANDO: pedindo de modo formal

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MacFarlane atendia aos pedidos com visível contrariedade no rosto. Até

que o estranho falou:

— Você não gosta de mim, né, Toddy? Aliás, você me odeia, né?

— Eu detesto que me chamem de Toddy! E você sabe disso!

O estranho jogou a cabeça um pouco para trás e sorriu com os lábios

fechados. Voltando a cabeça para a posição anterior, falou:

— Olha só, vocês já viram aqueles caras que atiram facas em um alvo? O

Toddy gostaria de fazer isso em mim. Não é, Toddy, que você adoraria que eu

fosse o seu alvo?

MacFarlane fez uma careta e Fettes falou:

— Na medicina nós temos um sistema bem melhor! Se não gostamos de

um amigo que, por acaso, morreu, nós o dissecamos! — disse rindo.

MacFarlane apenas olhou para Fettes, com nojo e reprovação no olhar.

A tarde foi passando e quando começou a anoitecer, GRAY, esse era o nome

do estranho, convidou os jovens para jantar. Gray pediu vários pratos deliciosos

e caros, fazendo com que a cozinha da Taberna trabalhasse bastante. Beberam

vinho e licores. Já começava a madrugada quando saíram do estabelecimento e

Gray disse a MacFarlane que pagasse a conta da noitada.

Na rua, Fettes percebeu que o tal Gray estava completamente bêbado.

MacFarlane estava quieto, pensando na enorme quantia de dinheiro que teve de

pagar e nas piadinhas e humilhações que teve de suportar. Com diferentes líquidos

dançando em sua cabeça, Fettes voltou para casa. Acordou no outro dia com

muita dor de cabeça e foi para a aula. MacFarlane não apareceu na faculdade de

medicina e Fettes imaginou, rindo por dentro, que seu colega de trabalho tinha

virado a noite de taberna em taberna, acompanhando o desconhecido. Assim

que se livrou de suas aulas e de seus afazeres, no meio da tarde, Fettes voltou à

taberna, na esperança de encontrar seus companheiros da noite anterior. Passou

por vários bares e restaurantes, mas não os encontrou. FRUSTRADO, voltou para

casa e foi dormir cedo, o chamado sono dos justos.

Mas, às quatro da manhã, a terrível sequência de batidas na porta o acordou.

Os golpes executavam a senha correta: era alguém entregando um novo cadáver,

✒ GRAY: em inglês, as palavras “grey” e “gray” significam cinza, a cor

cinza, mas também algo velho, escuro e triste

✒ FRUSTRADO: quem não conseguiu algo que queria.

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o primeiro após Fettes ter conhecimento de que realmente recebia o produto de

assassinatos. Desceu as escadas e abriu a porta. Com ASSOMBRO notou que era

MacFarlane que trazia um inconfundível embrulho de forma espichada.

— O que é isso? Você foi sozinho? Onde arrumou esse...— Shhhhh! Fique quieto e me ajude aqui com o corpo. Depois a gente

conversa.Agarraram o saco de lona e o levaram até a mesa. Assim que o ajeitaram,

MacFarlane deu dois passou em direção à porta, como se já estivesse indo embora, mas parou e disse:

— É melhor olhar o rosto. Abra a lona.— Mas quem é? Como você conseguiu esse corpo?— Olhe o rosto! — repetiu MacFarlane, de modo rude.Nervoso, Fettes pegou a lona e puxou devagar. Quando viu e reconheceu a

face do morto, seus olhos se arregalaram e ele deu um pulo para trás.Por alguns momentos não sabia o que dizer, não sabia se olhava para o morto,

para MacFarlane ou se continuava olhando para baixo. Olhou novamente para o morto. Era muito terrível constatar que o homem que na noite anterior estava tão vivo, tinha contado várias histórias, dado risada, bebido e comido como um rei, agora estava morto. Era o corpo de Gray, endurecido, sobre a mesa. Mais estranho ainda era o fato de que MacFarlane o tivesse trazido.

Era a segunda pessoa com quem havia falado e no dia seguinte a pessoa aparecia morta na fria mesa de dissecação. Isso era algo horrível, que mexia com a alma de Fettes. Mas, de todas as suas preocupações, a maior delas estava de pé, em frente a ele: Wolfe MacFarlane, o Toddy.

O fato de seu colega em uma noite estar irritado com Gray e na outra aparecer com o cadáver do mesmo Gray o tornava suspeito de ter assassinado o desconhecido. Fettes pensava em como falar com o colega, como perguntar para MacFarlane o que tinha ocorrido. Contudo, pego de surpresa, no momento Fettes mal conseguia olhar para Wolfe. Estava sem palavras e sem voz para carregar as possíveis palavras.

Sentindo a indecisão e a fraqueza de Fettes, MacFarlane se aproximou do colega e colocou a mão em seu ombro:

— Não se preocupe, o Richardson pode ficar com a cabeça, assim ninguém vai reconhecer o corpo.

✒ ASSOMBRO: espanto, terror.

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Richardson era um estudante que tentava se especializar na anatomia da cabeça e, há alguns meses, esperava ter uma cabeça humana para seus estudos particulares. Como Fettes nada disse, MacFarlane continuou:

— Tenho de ir, mas antes preciso receber.— Mas receber o quê, Wolfe?— Receber pelo meu serviço, ora.— Quer dizer que você quer receber por... isso! Pela morte de Gray! —

Fettes quis confirmar, ESTUPEFATO. — É um corpo, não é? — perguntou MacFarlane.— É, mas...— E aqui é um laboratório de dissecação, não é?— É, só que... — Fettes começava a responder, quando foi novamente

interrompido.— Então eu trouxe o corpo, eu tenho de receber. E você que recebe

o cadáver tem de pagar. Eu até poderia ter feito esse serviço de graça, mas a CONTABILIDADE da faculdade de Medicina não ficaria exata. As pessoas da diretoria iriam desconfiar e seria pior para todo mundo.

Fettes estava espantado com a lógica totalmente INSENSÍVEL que MacFarlane usava.

— E então? Onde o Sr. K guarda o dinheiro?Fettes permanecia quieto.— Vamos, homem, nós não temos a noite toda! Onde?— Ali na gaveta, Wolfe, como sempre — disse Fettes, desanimado.— Dá a chave — MacFarlane falou, estendendo o braço com a mão aberta.

Parecia estar muito mais calmo do que era de se supor para uma situação daquelas.Ao sentir o metal da chave em suas mãos, Wolfe MacFarlane abriu um sor-

riso. Olhando firme para o escocês, falou:— Fettes, vi que você se dispõe a colaborar e até agora DEU MOSTRAS de

que é um sujeito confiável. Mas ainda falta um pequeno passo para finalizarmos nosso negócio. Você precisa registrar a chegada do cadáver no livro do laboratório.

✒ ESTUPEFATO: pasmo, atônito, admirado

✒ CONTABILIDADE: cálculo de despesas e receitas de uma empresa,

instituição etc

✒ INSENSÍVEL: que não tem sensibilidade, bruto

✒ DAR MOSTRAS: demonstrar, mostrar.

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MacFarlane alcançou a PENA, o TINTEIRO e o livro para o escocês. Em seu

íntimo, Fettes não concordava com nada daquilo, mas não via saída para si mesmo

e queria ficar longe de MacFarlane, por isso preencheu o livro.

— Muito bem, Fettes. Muito bem, Fettes. Agora a TRANSAÇÃO está

CONSUMADA.

Capítulo 5

LEÕES E OVELHASQuando MacFarlane já estava por sair, Fettes não aguentou e disse:

— Ser assistente do professor é tudo que pode querer um aluno esforçado.

Não posso aceitar a ideia de que, para sermos assistentes, temos de viver nessa

OBSCURIDADE.

— Se você não aceitar isso, vai ter de sair da faculdade e ficar quieto sobre

tudo o que viu aqui — afirmou MacFarlane com a voz RÍSPIDA.

— Pense em outros alunos que também concorreram à vaga de assistente.

O Service mesmo, ele queria a vaga e não a conseguiu por pouco, pelo que me

lembro. Será que se ele estivesse em meu lugar teria passado por todas essas

situações? Será que teria aceitado as coisas que aceitei?

— Ora, Fettes, você fala como se estivesse no inferno. Mas saiba que nada

de ruim aconteceu para você nem vai acontecer, caso você fique calado. É um

jogo simples, você faz o seu serviço sem questionar, sem abrir a boca, e todos

ficam felizes.

— Todos menos aqueles que vão parar na ponta dos BISTURIS.

— Fettes, Fettes, não seja SENTIMENTAL.

✒ PENA: caneta usada antigamente

✒ TINTEIRO: recipiente para conter tinta usada para escrever

✒ TRANSAÇÃO: negociação

✒ CONSUMADA: efetuada, efetivada, realizada

✒ OBSCURIDADE: clandestinidade, escuridão

✒ RÍSPIDA: dura

✒ BISTURI: instrumento cirúrgico usado para cortar

✒ SENTIMENTAL: sensível, que se emociona ou se comove com facilidade

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— Service não aceitaria esse jogo, Wolfe, eu tenho certeza disso.

— Pode ser, afinal, o mundo está dividido entre dois tipos de pessoas, os

leões e as ovelhas. As ovelhas são as pessoas que terminam seus dias como Jane

Galbraith e esse homem dentro do saco.

— O nome dele é Gray — disse Fettes, com raiva.

— Sim, o senhor Gray também era uma ovelha ou, melhor dizendo, um

CARNEIRO. Assim como Service, que não foi escolhido por ser muito CORDEIRO.

— E você é um leão, Wolfe?

— Sim, Fettes. Os leões permanecem vivos e conseguem as coisas. Você

não quer ter um cavalo, uma carruagem? Eu já tenho a minha, mas quero ficar rico,

como o Sr. K. Você tem potencial para leão, Fettes, basta assumir sua capacidade.

Nós o admiramos, por isso o escolhemos. Ficar confuso no começo é normal,

mas depois nos acostumamos e entendemos que este é o melhor caminho para

nós. Você nasceu para ser grande e em alguns dias, três dias no máximo, você vai

esquecer esse sentimento de horror e REPULSA que sente agora. Eu sei porque já

passei por isso. Daqui a pouco você vai estar rindo de você mesmo, desse medo

bobo que sentiu hoje.

MacFarlane se despediu, abriu a porta e, poucos passos depois, já partia

em sua carruagem. Fettes ficou se sentindo o ser humano mais DESPREZÍVEL do

Reino Unido. Tinha sido fraco. Tinha visto várias coisas erradas acontecerem e foi

conivente com todas elas, das menores e inofensivas até as maiores e gravíssimas.

Sentia-se ATOLADO na lama e isso o envergonhava muito. “Se ao menos eu tivesse

tido a coragem de parar ou ainda de DENUNCIAR esses criminosos quando vi o

corpo de Jane ou quando MacFarlane chegou com o corpo de Gray! Mas não,

eu recebi os corpos e paguei os assassinos. Além disso, registrei a chegada dos

cadáveres na contabilidade do laboratório. Transformei-me em CÚMPLICE, troquei

✒ CARNEIRO: animal mamífero cujo corpo é coberto de lã; o macho da

ovelha.

✒ CORDEIRO: o filhote da ovelha.

✒ REPULSA: ato de repelir ou afastar alguém ou alguma coisa.

✒ DESPREZÍVEL: que merece desprezo; miserável, vergonhoso.

✒ ATOLADO: metido em um atoleiro, em algo muito difícil de sair.

✒ DENUNCIAR: acusar, delatar, revelar quem é o autor de um crime.

✒ CÚMPLICE: pessoa que participou de um crime de forma indireta.

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meus VALORES pelo desejo de ser aceito e respeitado pelo Sr. K e por Wolfe. Eu

sou uma vergonha, uma DESONRA ambulante!”, pensava o rapaz.

As horas se passaram, o sol saiu e os alunos começaram a chegar ao labo-

ratório. Braços, pernas, pés e mãos do infeliz Gray foram divididos e entregues aos

alunos. Richardson ficou muito feliz ao receber a cabeça e Fettes respirou aliviado

ao perceber que nenhum dos alunos havia conhecido Gray quando vivo ou recon-

hecido o seu cadáver. Dois dias se passaram e Fettes se deu conta, com alegria,

que estava feliz pela tranquilidade de não ter sido acusado pela morte de Gray.

Aparentar ser apenas um simples assistente do laboratório era algo maravilhoso

para ele, nada era mais valioso do que caminhar entre os alunos sem que estes

pensassem que ele era COAUTOR de crimes PREMEDITADOS.

No terceiro dia após a morte de Gray, MacFarlane apareceu no laboratório.

Disse que havia estado doente, mas trabalhou com muita disposição, dando

bastante atenção para Richardson, que ficou EMPOLGADO com a ajuda do

assistente. Neste dia, cumprindo a previsão de MacFarlane, Fettes estava bem

melhor, a paz voltava a se estabelecer em sua consciência. O escocês começava

a sentir certo ORGULHO por pertencer ao grupo dos leões. Tinha sobrevivido à

tensão de duas mortes envolvendo pessoas que conhecia e isso o deixava seguro

e o fazia se sentir mais forte.

Não teve muito contato com MacFarlane nos dias seguintes, mas, quando

se aproximava dele, não resistia e falava alguma coisa proibida no ouvido do

colega, por exemplo:

— Você estava certo, eu sou um leão, quero viver no meio dos leões.

DISCRETO, Wolfe apenas sorria e continuava seu trabalho.

✒ VALORES: códigos morais que as pessoas consideram importantes e

sobre os quais baseiam suas vidas

✒ DESONRA: falta de honra, de brio, de dignidade e de grandeza pessoal

✒ COAUTOR: quem ajuda a produzir algo. No caso do crime, aquele

que auxilia em um delito; cúmplice

✒ PREMEDITADO: planejado, pensado com antecedência

✒ EMPOLGADO: entusiasmado

✒ ORGULHO: conceito exagerado de amor-próprio ou de amor a uma

causa ou algo em que se acredita

✒ DISCRETO: reservado, recatado, prudente, sensato

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Capítulo 6

OS VALENTÕES

As semanas foram passando e os cadáveres de estudo foram novamente

terminando na faculdade de medicina. Muitos alunos já estavam impacientes, era

comum haver discussões sobre quem iria manusear tal parte de um corpo. Por isso

o Sr. K chamou seus dois assistentes e deu a eles a INCUMBÊNCIA de encontrar

mais material para o laboratório de dissecação.

— Cavalheiros, vocês estão com sorte. Fiquei sabendo que hoje está

ha vendo o enterro de uma senhora — disse o Sr. K, com satisfação no rosto.

— Em qual cemitério, senhor? — quis saber MacFarlane.

— No melhor deles. Agora vão, preparem-se para a missão e não falhem.

Quando os jovens saíram do escritório do professor, Fettes falou:

— Qual é o melhor cemitério? Para mim são todos ruins.

— Fettes, você deveria pensar que, para você, os cemitérios são todos

bons! — GRACEJOU MacFarlane com HUMOR NEGRO.

— É uma forma de pensar. Mas qual seria esse cemitério? Será que o Sr. K

se referiu ao cemitério municipal? Acho que é o maior...

— Não, não é o municipal. O melhor cemitério é aquele mais afastado,

longe de tudo, cercado de campos e florestas, onde não passa ninguém e onde

podemos agir com tranquilidade e segurança — explicou MacFarlane.

— Tá, entendi. Mas onde que fica esse cemitério maravilhoso?

Wolfe explicou enquanto preparavam o cavalo e a carruagem para a mis-

são. O CAMPO-SANTO ficava na região RURAL de Glencorse. No cruzamento de

quatro estradas, numa área movimentada de dia apenas por raros agricultores ou

pastores e deserta à noite.

✒ INCUMBÊNCIA: missão, encargo

✒ GRACEJAR: fazer graça

✒ HUMOR NEGRO: tipo de humor que se vale de situações mórbidas

ou macabras

✒ CAMPO-SANTO: cemitério

✒ RURAL: que pertence ao campo

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✒ CEDRO: árvore de grande porte, Cedrela fissilis✒ CASTANHEIRA: ou castanheiro, árvore grande, Castanea vesca✒ SECULAR: que existe há séculos

✒ GUIZO: bolinhas que, agitadas, produzem som, como um chocalho

✒ LÁPIDE: laje de túmulo com inscrições sobre a pessoa enterrada

✒ NECRÓPOLE: cemitério

✒ BALIDO: som produzido por ovelhas e cordeiros

✒ ENTE: pessoa

✒ APREÇO: estima, consideração, valor

✒ TUMBA: sepulcro, sepultura, cova onde se deposita um caixão

✒ MONETÁRIA: relativa a dinheiro

Chegaram ao cemitério depois das onze da noite. O vento balançava os

pesados galhos de CEDROS e CASTANHEIRAS SECULARES e milhares de folhas

se debatiam como o GUIZO de cascavéis. Era um cemitério bem antigo, cheio

de cruzes de madeira e LÁPIDES de pedra. Além de estar localizado em um local

afastado, as árvores o deixavam mais escondido da civilização. Em um dos lados

do cemitério corria um riacho, fazendo barulho entre pedras gordas e, dos campos

e colinas perto da NECRÓPOLE, era possível ouvir o BALIDO de ovelhas. Com o

lampião, Fettes iluminava o caminho, enquanto Wolfe ia espetando o chão com

uma barra de ferro. Procurava por terra fofa, sinal de que a sepultura era recente e

que o cadáver estaria bem-conservado. Uma chuva fraca caía de forma constante.

Nesse pequeno e antigo cemitério, estavam enterradas muitas gerações

do pequeno povoado de Glencorse. Eram pessoas simples que sabiam viver em

contato com a natureza e tinham laços de amizade e de família muito mais fortes

do que na cidade. Quando um deles morria, praticamente toda a comunidade ia

ao funeral se despedir. Aproveitavam também para deixar flores aos seus ENTES

queridos.

Para um ladrão de cadáveres nada disso tinha importância. O ladrão não

respeitava o corpo de uma pessoa morta nem o APREÇO que os familiares e

amigos tinham por ela. Por isso, Fettes e Wolfe caminhavam sem muito cuidado,

derrubando vasos de flores, pisando nas sepulturas e tropeçando nas TUMBAS.

Só pensavam em obter o corpo, por razões científicas ou MONETÁRIAS.

A barra de ferro cravou na terra e a penetrou sem resistência:

— É aqui — Wolfe sussurrou animado.

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As pás começaram a tirar a terra da sepultura. Quando o monte de terra já

estava grande e os dois cavavam de dentro de um buraco que já lhes cobria o

peito, Wolfe sentiu a pá bater contra algo duro.

— A tampa do caixão! Ajuda aqui, Fettes.

Para um ladrão de cadáveres não interessava que o caixão tivesse sido feito

pelo MARCENEIRO amigo da defunta, que chorava enquanto batia os pregos com

o martelo. Para os ladrões não importava que aquela senhora depositada naquele

local tranquilo tivesse vivido sessenta anos naquele povoado, em um sítio com

seu marido. Não interessava a Fettes e Wolfe saber que ela fazia uma manteiga

deliciosa e que adorava conversar com os vizinhos.

À meia-noite, como se fossem abutres atacando uma PRESA morta, eles a

arrancaram de sua tumba e a transportaram sem roupas na carruagem de Wolfe

MacFarlane. O corpo da mulher ia acomodado dentro de um saco de lona, entre

Fettes e Wolfe. Nua, aquela mulher fazia sua última viagem até a cidade que, quando

viva, gostava de visitar depois da colheita, sempre cheia de vida e vestida com

sua melhor roupa.

No começo da noite, horas antes de chegarem ao cemitério, Fettes e Wolfe

tinham parado na pousada Fisher’s Tryst, mais ou menos na metade do caminho.

Eles haviam saído da cidade no começo da tarde e estavam com fome. Talvez

não tivessem sede, já que durante o trajeto vinham bebendo rum, enfiados em

largos capotes negros, enquanto uma chuva enlouquecida pelo vento deixava

seus narizes gelados.

Na pousada, deram comida e água para o cavalo e pediram a melhor comida

do cardápio para eles. Tomaram cerveja.

— Pegue isto. É um presente para você — disse MacFarlane entregando

algumas moedas de ouro para Fettes. — Você tem sido um grande amigo e merece

ser recompensado.

O escocês guardou as valiosas moedas no bolso com um belo sorriso no rosto.

— Você é valente, Fettes. Já vi homens bem mais velhos que você fugindo

ao se deparar com um cadáver conhecido no meio da madrugada. Mas você

aguentou bem o encontro com Gray no laboratório, naquela noite.

✒ MARCENEIRO: profissional que trabalha com madeira de uma forma

mais artística que o carpinteiro.

✒ PRESA: animal que é caçado ou comido por outro.

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— Na verdade eu não tinha por que sair correndo. Não fui eu quem trouxe

o corpo. Se eu saísse correndo e falando para todo mundo, iria arrumar muita

confusão. Problemas. Então fiquei quieto, na minha. Agora vejo que me saí bem,

contando com sua gratidão — disse Fettes, fazendo TILINTAR as moedas com

as mãos.

MacFarlane não gostou de ouvir que Fettes agia como um MERCENÁRIO

e não como um colega. Mas antes que pudesse falar qualquer coisa, o escocês

continuou:

— Não podemos nos assustar. Não quero que me peguem, mas temos de

saber diferenciar o perigo real dos perigos inventados, da HIPOCRISIA. O inferno,

Deus, o diabo, o bem, o mal, o pecado e o crime... toda essa galeria de curiosi-

dades serve para assustar as criancinhas, mas homens como eu e você temos de

DESPREZAR tudo isso! Um brinde à memória de Gray!

Como já estava ficando tarde, saíram da pousada e entraram na carruagem.

Um funcionário perguntou para onde iam e Wolfe disse “para Peebles”. Com as

luzes da carruagem acessas, seguiram por quinze minutos naquela direção, até

que não fosse mais possível ver nenhuma luz da pousada ou das casinhas do

povoado e estivessem sozinhos no campo. Então Wolfe apagou as luzes da car-

ruagem e dobraram à esquerda, pegando um atalho que os levasse de volta ao

roteiro original: o cemitério de Glencorse.

A chuva havia diminuído, mas o céu estava carregado de nuvens, e a noite,

escura como uma boca de lobo. Para conduzir o veículo, Wolfe se guiava por

alguma pedra esbranquiçada ou pelo MATIZ de um muro de algum sítio que

fosse fácil de visualizar. Quando entraram no bosque que levava até o cemitério, a

escuridão engoliu a carruagem e os dois se viram obrigados a acender os lampiões

do veículo. Um festival de sombras se formou à medida que avançavam por entre

as árvores até o isolado cemitério.

✒ TILINTAR: som de sinos, moedas ou metais se tocando.

✒ MERCENÁRIO: pessoa interesseira; quem só trabalha por dinheiro,

sem buscar uma satisfação interior, sem se importar com os colegas,

a instituição ou a consequência de seu serviço.

✒ HIPOCRISIA: fingimento, falsidade, simulação.

✒ DESPREZAR: não dar importância, recusar, rejeitar.

✒ MATIZ: combinação delicada, suave, sutil de cores.

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Capítulo 7

UM MORTO PEDE CARONA

Como manejavam bem as ferramentas, levaram apenas vinte minutos até

que a pá de Wolfe raspasse na tampa do ATAÚDE.

Wolfe começou a limpar a madeira com as mãos, de forma agitada, até que

sentiu sua carne ser perfurada por uma pedra pontuda. Sem pensar, jogou a pedra

para trás e imediatamente ouviu o barulho de vidro se quebrando. Estavam no

escuro total. A pedra havia acertado o lampião que tinham pendurado em uma

árvore próxima à tumba, o farol se quebrou e desceu um barranco que havia na

extremidade do cemitério, onde se encontravam. Por alguns instantes ouviram o

lampião rolar nas pedras, mas depois parou, talvez na beira do riacho que por ali

corria. A escuridão parecia ainda maior com o vento e as árvores do cemitério.

Como já estavam terminando aquele serviço GROTESCO, decidiram que

era melhor seguir no escuro do que ir até a carruagem buscar outro lampião.

Forcejando muito, desenterraram o caixão, arrombaram a tampa e retiraram o

corpo, colocando-o sem roupas dentro do saco todo molhado pela chuva que

continuava a cair. Acomodaram o saco no veículo, entre os dois bancos dianteiros,

e lentamente conduziram a carruagem até a saída do bosque onde se animaram

com a TÊNUE luminosidade que, para eles, era como um sol.

Durante a viagem de volta à cidade, Wolfe e Fettes estavam completamente

molhados e gelados. Para piorar, com os SOLAVANCOS da estrada, parte do saco

PENDIA por cima deles. Fettes se arrepiava quando o saco molhado encostava nele

e o golpeava com o ombro em direção a Wolfe. Assim que o cadáver se inclinava

e tocava em MacFarlane, ele o RECHAÇAVA com violência.

— Essa colona velha não para quieta. Que praga! — gritou MacFarlane.

✒ ATAÚDE: caixão.

✒ GROTESCO: que provoca desprezo.

✒ TÊNUE: fino, frágil, sutil.

✒ SOLAVANCO: tranco, sacudida brusca, balanço inesperado e

violento de um veículo.

✒ PENDER: inclinar-se; cair para o lado.

✒ RECHAÇAR: rebater, repelir.

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Fettes não gostou de ver seu colega zombar da morta. Além disso, aqueles contatos horríveis, a escuridão da noite e a chuva foram deixando Fettes muito nervoso. Estava gelado, cansado e, inacreditavelmente, parecia para ele que o corpo havia mudado de tamanho: estava maior! Mesmo na escuridão da noite chuvosa, tinha a certeza de que o corpo do cadáver dentro do saco havia crescido.

Para piorar, dezenas de cachorros das propriedades rurais ao longo da estrada começaram a latir para eles. Não aguentava mais de PAVOR quando gritou:

— Pare, Wolfe. Pare aqui mesmo. Temos de acender a luz, pelo amor de Deus!Sem falar nada, Wolfe parou a carruagem, desceu e tentou por alguns

minutos acender o lampião que restava. A chuva, naquele momento, voltava a cair com força. Fettes tremia de frio e medo, segurando as RÉDEAS do cavalo, que RELINCHAVA nervoso. Por fim, MacFarlane conseguiu acender o lampião e voltou ao seu lugar no veículo.

O lampião criou um círculo fraco de luz entre os três corpos sobre a car-ruagem. Agora Fettes e Wolfe podiam ver um ao outro e ver com mais nitidez que o saco envolvendo o cadáver estava realmente ESTUFADO. De tanto bater contra a lona escura do saco, a chuva havia moldado o TÓRAX, os ombros e a cabeça do cadáver, mas, espantosamente, aquela forma em nada lembrava a de uma mulher de 66 anos. Os dois não tiravam os olhos do embrulho que transportavam, porque era INEGÁVEL que ele havia crescido em VOLUME.

Fettes estava a ponto de sair correndo pelo campo, de subir numa árvore, de começar a gritar sem parar, tamanho era seu desespero. Já ia falar, mas um segundo antes dele, Wolfe falou, com voz tímida e baixa:

— Isso aí não... não... Isso aí não é aquela mulher!— Mas, mas foi uma mulher que a gente tirou do caixão! Foi uma mulher que

embalamos e colocamos aqui na carruagem! — gritou Fettes, rangendo os dentes.— Segure o farol. Tenho de ver o rosto desse morto.— Tem certeza, Wolfe?

✒ PAVOR: terror, grande susto.

✒ RÉDEA: correia de couro para guiar cavalos, éguas etc.

✒ RELINCHAR: soltar rinchos, relinchos, som produzido pelo cavalo.

✒ ESTUFADO: cheio, lotado.

✒ TÓRAX: peito, parte do corpo que abriga coração, pulmões etc.

✒ INEGÁVEL: que não se pode negar, evidente.

✒ VOLUME: medida de espaço.

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— Claro que tenho. Vamos lá!Enquanto Fettes pegava o lampião, Wolfe, de olhos fechados, desamarrava

o saco e deixava a cabeça do cadáver à mostra. Com a mão TRÊMULA, o escocês dirigiu o FOCO do lampião para a cabeça morta, abriu os olhos e seus pelos de ERIÇARAM.

A luz se concentrou bem na face do morto. Aqueles jovens sentiram seus corações pararem e uma corrente elétrica VAROU suas barrigas. INSTINTIVAMENTE pularam da carruagem e saíram correndo. Fettes deixou cair o lampião, e o cavalo, assustado com a agitação dos humanos, também saiu em disparada na direção de Edimburgo. O cavalo galopou por vários minutos e depois seguiu a trote, levando com ele a carruagem, e nela seu único ocupante, o corpo de Gray, aquele mesmo que os estudantes de medicina haviam dissecado meses atrás.

✒ TRÊMULA: que treme, vacila, ondula.

✒ FOCO: ponto para onde a luz é direcionada.

✒ ERIÇAR: erguer, levantar.

✒ VARAR: atravessar, passar de forma impetuosa.

✒ INSTINTIVAMENTE: seguindo suas tendências naturais, seus impulsos

espontâneos, sem pensar.

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Roteiro de leitura

Antes da Leitura

Marque com um X a alternativa que melhor se adapte à sua conduta:

Suponha que seu amigo “goste” de atirar pedras em gatos, se é possível que

isso seja uma forma de prazer. Digamos que ele “sem querer” mate o gato de

sua vizinha com uma pedrada e que você tenha sido a única testemunha desse

crime. Você diz para ele confessar o assassinato, mas ele se recusa. Então você:

a. ( ) conta para a sua vizinha tudo sobre o assassinato, afinal foi

um ser vivo que morreu devido à covardia de um ser humano.

b. ( ) se omite e não faz nada, afinal o assassino é seu amigo, o gato já está

morto mesmo e era apenas um gato.

Durante a Leitura

1) A história se passa em três locais. Quais são eles?

2) A história se passa em duas épocas diferentes. Quais?

3) Quem é o narrador da história?

4) Parte da história se passa em uma pequena cidade inglesa que já contava com

o trem como meio de transporte. A sua cidade é pequena, média ou grande?

Que meios de transporte existem na sua cidade?

5) Pesquise a ideia principal da obra do pensador Voltaire e descubra por que,

no capítulo 1, Fettes disse: “Talvez Voltaire mudasse de ideia se analisasse o

meu caso”.

6) Como Fettes se vestia durante sua velhice e durante sua mocidade? Por que

ele mudou tanto?

7) No capítulo 1, MacFarlane usa roupas que, segundo o narrador, o deixam mais

respeitável. Você concorda com o autor? Uma roupa pode deixar alguém mais

respeitável? Atualmente, que tipo de roupas aumentaria a respeitabilidade de

uma pessoa? Que tipo de pessoas costumam usar as roupas que você citou?

8) Quando era aluno de Medicina, Fettes também tinha um emprego. Quais

eram suas funções nesse emprego? Um empregado deve fazer tudo o que

seu patrão manda?

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9) Quem era o Sr. K? Por que você acha que o narrador não informou o nome

verdadeiro dele?

10) Pode-se afirmar que o Sr. K liderava uma máfia que cometia crimes em nome

do avanço da ciência. Que crimes eram esses?

11) Quando descobriu que crimes aconteciam em seu laboratório, que a maioria

dos corpos que lá chegavam tinha sido assassinada, que atitude Fettes tomou?

Você acha que Fettes agiu de forma errada ou correta ao se omitir? Em seu

lugar, o que você faria?

12) Richardson era um estudante que gostava muito de estudar a cabeça nas aulas

de anatomia. E você? Que parte do corpo humano você acha mais fascinante?

Por quê?

13) No capítulo 6, a palavra “maravilhoso” está escrita com letras em itálico. Por quê?

14) Também no capítulo 6, Fettes diz que não acredita em Deus, mas no capítulo

7 ele se contradiz. Por quê?

15) Copie do livro duas passagens de que você tenha gostado e duas de que não

tenha gostado. Explique o porquê de suas escolhas.

16) Agora você é o autor. Reescreva o final da história. Pegue uma folha de papel e

faça uma redação com outro final para o livro e entregue para o(a) professor(a).

Depois, se quiser, você pode grampear o seu final na contracapa do livro e

mostrar para os seus pais.

17) Em trio, escolha uma cena do livro e a represente para os colegas em sala de aula.

Após a Leitura18) Na época na qual se passa a história, não havia outra forma de estudar a ana-

tomia humana senão dissecando os corpos. Hoje os laboratórios dispõem de

vários outros recursos, como livros ilustrados, programas de computador e

bonecos (modelos) de plástico e de outros materiais. Pergunte ao seu professor

de biologia se a sua escola ou cidade possui algum desses recursos. Tentem

organizar uma visita a algum laboratório.

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Robert Louis Stevenson

Biografia do autor

Robert Louis Stevenson nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 1850. Seu pai,

engenheiro importante da época, queria que o filho seguisse sua profissão, mas

ele preferiu a carreira de advogado. Formou-se em Direito, mas nunca exerceu o

ofício, e acabou tornando-se escritor. Durante a faculdade, teve uma vida boêmia,

conheceu pessoas e locais interessantes, que mais tarde serviriam de inspiração

para suas histórias.

Por volta dos 20 anos de idade, Stevenson começou a ter problemas res-

piratórios que se agravaram devido ao clima frio e úmido da Escócia. Para tentar

aliviar os sintomas, ele passou a viajar em busca de climas mais amenos. Foi em

uma dessas viagens, enquanto estava na França, que conheceu sua esposa, Fanny

Osbourne, uma americana dez anos mais velha e mãe de dois filhos. Casaram-se

depois que o divórcio de Fanny foi oficializado e mudaram-se para a Califórnia,

um local mais quente e favorável à saúde de Stevenson.

Após uma longa viagem pelo Pacífico, iniciada em 1888, Stevenson e sua

família estabeleceram-se em Samoa, na Polinésia. Foi nesse lugar, após tornar-se

um escritor respeitado, especialmente pelo povo local, que Stevenson morreu,

em 1894, vítima de hemorragia cerebral. Como romancista, ficou conhecido pela

criatividade e pelo cunho psicológico de sua obra.

Alguns de seus livros mais famosos, também publicados na coleção

Aventuras Grandiosas da editora Rideel, são:

A Ilha do Tesouro, de 1883, seu romance de estreia;

O Médico e o Monstro, de 1886, e

O Raptado, também publicado em 1886.

O Ladrão de Cadáveres foi escrito em junho de 1881 e publicado no final

de 1884, na edição de Natal da revista “Pall Mall”. Na época, a revista fez uma

campanha publicitária colando cartazes nas ruas de Londres com uma ilustração

sobre a história, mas a polícia retirou os cartazes por considerá-los muito macabros.

Em 1945, Hollywood produziu uma versão de O Ladrão de Cadáveres para

o cinema. Dirigido por Robert Wise, o filme contou com os atores Bela Lugosi e

Boris Karloff, já famosos por atuações em filmes de Drácula e Frankenstein.

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