O livro "50 Maratonas em 50 Dias"

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50 MARATONAS EM 50 DIAS

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Veja parte do livro por dentro.

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Prefácio

A revista Men’s Fitness declarou que era bem possível que eu fosse o ho-mem com o melhor condicionamento físico do planeta. A revista Time afirmou certa vez que eu não era um simples mortal. A revista Wired me chamou de o ser humano perfeito. Permitam-me dividir um pequeno segredo: não passo de uma pessoa comum. Talvez até um pouco abaixo da média. Sei disso melhor que ninguém. Não fui dotado de poderes so-bre-humanos. Não tenho nenhum dom especial. Não há mágica alguma na minha constituição genética. Sou apenas um cara comum.

Então, como consigo correr centenas de quilômetros seguidos? Como fui capaz de completar 50 maratonas, em 50 estados, em 50 dias conse-cutivos? De que modo, precisamente, faço tudo isso? Escrevi este livro para responder a estas perguntas. Há lições que aprendi ao longo do caminho, elas podem ajudá-lo a conquistar suas próprias incríveis façanhas de resistência, não importa como você as defina. Algumas dessas lições nada mais são do que dicas práticas reunidas ao longo da estrada, como todos os corredores fazem; outras vieram de experiên-cias desafiadoras e ajudam a ilustrar uma abordagem ou atitude que se mostraram eficientes para mim. Em ambos os casos, o objetivo deste livro é compartilhar o que me ajudou a realizar meus objetivos, na espe-rança de que você consiga realizar os seus, sejam quais forem.

Lembre-se apenas de que, por mais extremas que minhas façanhas tenham sido, você está lendo a respeito de um cara comum. Um cara extremamente comum.

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introduÇÃo

Pela estraDa

NUMA ENSoLARADA MANHã DE SáBADo, em fevereiro de 2002, partimos para outra viagem de carro, no estilo família Karnazes: sem nenhuma mala pronta na noite anterior à nossa partida; sem desper-tador para nos ajudar a começar cedo. Cada um se levantou por conta própria. E, então, se instaurou o caos. Houve uma disputa louca para fazer as malas e colocá-las na Nave-mãe, nosso amado motorhome de 8 metros. Na cozinha da nossa casa, a comida aparecia no fogão, na ban-cada e nas mesas e rapidamente desaparecia nas bocas. A gargalhada das crianças ressoava com frequência, e não era raro que uma bola ou outro brinquedo voasse de um lado ao outro da sala.

A todo instante meu pai perguntava a um de nós se tínhamos visto um item do qual necessitava desesperadamente e não conseguia achar. o último desses itens foi as chaves da Nave-mãe. Ele acabara de sair da cozinha à procura delas, quando minha esposa, Julie, entrou.

— Popou está pronto? — perguntou. o uso da palavra grega para “pa-pai” era um sinal claro de que ela estava entrando no espírito do fim de semana. Às vezes, o desorganizado caos grego das operações da minha família a aborrecia. Mas outras vezes, como agora, Julie participava alegremente e se tornava um de nós.

— Popou está procurando as chaves — disse Alexandria, nossa filha de 7 anos.

— Quem está com Nicholas? — perguntou Julie freneticamente, dando-se conta de repente que já não via nosso filho de 4 anos há bastante tempo.

— Popou disse que ele já está no motorhome com Yiayia — respondeu Alexandria, referindo-se à avó, minha mãe, também em grego.

Embora ainda fosse pequeno, Nicholas já mostrava sinais de ter her-dado do pai o desejo insaciável por viajar: se ficasse sozinho por alguns segundos, saía porta afora.

— Espere um minuto — continuou Alexandria —, se Nicholas e Yiayia já estão na Nave-mãe, eles têm de estar com as chaves. De que outra forma abririam o carro?

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É claro que ela estava certa. De qualquer forma, ser superado por uma criança era quase um golpe no orgulho de Popou. No fundo, ele nem se importou; só queria começar a aventura e estava feliz porque alguém finalmente localizara aquela droga daquelas chaves que ele procurara por todo canto nos últimos dez minutos.

Finalmente afivelamos os cintos de segurança e Popou começou a guiar o veículo para o norte com mãos firmes. Cantamos, brincamos e nos lembramos de filmes enquanto ele pilotava com habilidade.

Com o passar dos anos, acabei percebendo que a diferença entre os que correm e os que fazem jogging é que estes ainda têm o controle da própria vida. Quase uma hora depois de termos saído de casa em San Francisco, eu já estava agitado; meu contentamento inicial substituído por uma inquietação conhecida.

— Encoste — disse.Prevendo o inevitável, eu já estava vestido com minha roupa de cor-

rida. No primeiro desvio, papai saiu da estrada. Havíamos aperfeiçoa-do nossa rotina nas muitas viagens familiares anteriores. Às vezes, eu saía de casa a pé antes da família e eles me pegavam na estrada algu-mas horas mais tarde. outras vezes, esperava até chegarmos a nosso destino e então me mandava. De vez em quando, corria a noite toda, e os encontrava pela manhã. Hoje, a fórmula era bastante simples: eu correria pela estrada enquanto eles compravam comida, verificavam nosso local de acampamento e preparavam um almoço caprichado.

Dei um rápido beijo na bochecha de Alexandria e de Nicholas, en-quanto me dirigia à saída. Apertei a mão de mamãe, abracei Julie e ace-nei para meu pai.

— Até mais! A gente se vê daqui a pouco — disse, e já estava fora do carro.Hoje, eu percorreria 42 ou 43 quilômetros — aproximadamente

uma maratona. Essa distância era o desafio máximo para muitos cor-redores, mas para mim representava uma corrida longa, típica de fim de semana. Às vezes, eu corria uma maratona no sábado e outra no domingo. Corri 320 quilômetros sem parar mais de uma vez, e todos os anos eu completava diversas corridas de 100 milhas — que equivalem a 160 quilômetros — em locais difíceis. Logo, uma corrida sem pressa de apenas uma fração dessa distância não exigiria muito de mim. Poderia apenas desfrutar do ciclo hipnótico de minha respiração, das contra-ções rítmicas de meus músculos e do esplendor do dia. Era uma manhã perfeita, característica do inverno do Napa Valley, nem uma só nuvem

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no céu, o ar seco, nem frio nem quente, uma brisa suave refrescando minha pele exposta.

Havia duas peças do equipamento obrigatório que sempre carrega-va comigo nessas corridas: um telefone celular e um cartão de crédito. Depois de três horas de exercício, o telefone tocou.

— Alô! Querido, esquecemos de pegar parm… — Um comboio de ca-minhões rugiu, abafando o resto da frase dela.

Enfiei o dedo num ouvido e pressionei o telefone contra o outro.— Fale de novo.— Esquecemos de pegar o parmesão. o queijo, sabe?— Ah!— Você poderia parar e comprar algum no caminho?— Claro.Quando entrei no acampamento, cerca de uma hora e meia depois,

já estavam terminando os preparativos. Era uma linda refeição de mas-sa fresca, pão de levedura, salada Caesar, melão maduro e biscoitos quentes feitos no micro-ondas (a Nave-mãe não tinha um forno con-vencional, logo eles improvisavam). Eles tinham tudo pronto do lado de fora em uma mesa de piquenique.

— Conseguiu o parmesão? — perguntou Alexandria.— Que droga! Sabia que tinha esquecido algo — disse, dando um ta-

pinha na testa.— Papaaaiii! — Minha filha me repreendeu com um sorriso. Em se-

guida, correu para trás de mim e alcançou a mochila de corrida nas minhas costas. Ela me conhecia perfeitamente.

Após o almoço, fizemos uma longa caminhada. Meus pensamen-tos vagavam em uma direção conhecida, enquanto escolhíamos um caminho ao longo da trilha estreita ladeada por árvores. Essas via-gens de carro com a família eram como estar no paraíso para mim. Tinham de tudo: as pessoas que eu amava; a aventura; a liberdade, e eram repletas de oportunidades de corridas de longas distâncias. Fazíamos quatro ou cinco viagens dessas todos os anos, sempre na Califórnia, mas algumas se estendiam até oregon ou o Colora-do. outras vezes, a família toda voava para estados mais distantes, onde alugávamos um motorhome e aproveitávamos a mesma mistu-ra de acampamento, excursões e, para mim, corrida. Em cada uma dessas viagens curtas, mais cedo ou mais tarde, eu me pegava dese-jando que pudessem durar mais e ir mais longe. Mas dessa vez fui

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Cenário maravilhoso, em New Hampshire.

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Com

maratona de stowe, Vermont.

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além do desejo habitual: tinha uma ideia clara do que essas férias perfeitas poderiam ser.

Se existe algo a que dedico minha vida é ao desafio de comple-tar provas épicas de resistência que parecem totalmente impossíveis. Sempre procurando um novo desafio para superar, minha imaginação agora, de repente, concebia uma expedição para tentar correr uma ma-ratona em cada um dos 50 estados dos Estados Unidos em apenas 50 dias. Todos os dias seriam exatamente como este, a não ser pelo lugar diferente, com uma paisagem e uma cultura novas. Seria uma prova de resistência para a família toda, com viagens de centenas de quilôme-tros durante noites inteiras, pontuadas por meus trotes solitários de 42 quilômetros. As crianças e meus familiares poderiam se juntar a mim por curtos períodos ao longo do caminho, como faziam algumas vezes. Até Julie poderia participar, embora ela só tenha o hábito correr quan-do está sendo perseguida. Minha cabeça girava com as possibilidades.

Então, bati com a cabeça em um galho. Em que estava pensando? Não havia a menor possibilidade de algum dia arcar com as despesas para exe-cutar esse esquema mal planejado. Julie e eu trabalhávamos para cobrir as despesas. E a escola? Nicholas estava pronto para entrar no jardim de infância e Alexandria estava na segunda série e era muito estudiosa. Sem mencionar minha mãe, que ainda trabalhava como professora da escola pública de orange County. Ela jamais poderia ficar afastada do trabalho todo aquele tempo, e ainda faltavam quatro anos para se apo-sentar. Havia simplesmente obstáculos demais para ultrapassar. Por-tanto, naquele dia, classifiquei minha ideia como um sonho. Um sonho louco e distante.

Mas, ao longo dos anos que se seguiram, uma série de acontecimen-tos favoráveis deu um sopro de vida a esse sonho e, enfim, o levou mais longe do que eu poderia ter imaginado.

Primeiro, obtive um contrato de patrocínio de atleta com a The North Face, uma empresa de confecção de roupas e acessórios para esporte ao ar livre, estabelecida na área da baía de San Francisco. Eu ainda precisava de um emprego fixo para pagar as contas, mas o apoio empresarial ajudou a custear algumas das despesas com viagens para competir ao redor do mundo. Além disso, achava que esse apoio me dava um ponto de partida para voos mais altos. Alguns meses após assi-nar oficialmente com a The North Face tomei a iniciativa de submeter ao departamento de marketing uma proposta da minha aventura de

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Com David ames, que veste um agasalho oficial da seleção brasileira de futebol,

pela Golden Gate, cercado por amigos de uma vida inteira.

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“50 maratonas, em 50 estados, em 50 dias”. Tratava-se de uma proposta razoavelmente modesta. Em suma, só lhes pedia para cobrir as despe-sas com combustível e alimentação, enquanto eu me divertiria atraves-sando o país com minha família. No entanto, cometi o clássico erro de atleta patrocinado inexperiente de não pensar de fato nas pequenas questões, como as vantagens para o patrocinador. Apenas imaginei que vestiria o produto deles e talvez proporcionasse uma pequena exposi-ção do logotipo na revista Outside ou na Runner’s World.

o pessoal do marketing da The North Face não viu nada de muito vantajoso para eles na proposta, e a engavetou. os dias se transforma-ram em semanas, as semanas, em meses. Acho que eles esperavam que eu simplesmente me esquecesse dela.

Então aconteceu outro fato favorável: escrevi um livro que quase de um dia para o outro me transformou em um dos corredores mais conhecidos dos Estados Unidos — um dos poucos que os não corre-dores conheciam. o livro registrava minhas excêntricas aventuras de varar a noite correndo e para minha surpresa se tornou um best-sel-ler. Inesperadamente, as insanas e longas corridas que vinha fazendo na última década viraram “notícia”. Fui entrevistado no programa de televisão Late Show, de David Letterman, no programa 60 Minutes e por Howard Stern. os diretores de corridas e presidentes de clubes de corrida em todo o mundo começaram a me convidar para dar pa-lestras motivacionais para participantes e membros, o que costumava atrair um público muito grande, ficando muita gente de pé. Runner’s World e Outside me colocaram na capa, e a Time fez um artigo de opi-nião sobre mim. A revista Time! Minhas aventuras particulares agora eram uma curiosidade pública.

Minha visibilidade na The North Face também obteve enorme im-pulso. Então, em 2005, três anos depois de eu ter concebido minha primeira grande ideia, um homem chamado Joe Flannery se tornou o novo vice-presidente de marketing da empresa. Joe analisou breve-mente minha proposta obsoleta e teve uma visão própria.

Eu era uma pilha de nervos quando sentei no espaçoso escritório de Joe para conversar sobre o assunto.

— Quero tornar isso maior — disse Joe.— o quê? Você quer que eu corra mais de 50? — brinquei.Joe deu um risinho.

— Não mais, maior — disse.

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Com a tocha olímpica.

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A visão de Joe era transformar as excêntricas férias de minha família em um colossal e transcontinental festival de condicionamento físico ao estilo do festival de rock de Lollapalooza e um grande espetáculo de mídia chamado “The North Face Endurance 50”. Em vez de correr 50 maratonas sozinho, a meu bel-prazer, medidas pelo hodômetro da Nave-mãe, sempre que quisesse alongar minhas pernas em determinado estado, eu correria 50 eventos de maratonas oficiais e certificados que seriam abertos a outros participantes. Haveria atividades antes e depois da maratona e eventos extras, exatamente como em outras maratonas. As prefeituras e os governos estaduais de cada local das maratonas par-ticipariam dos eventos. Joe e sua equipe planejariam uma campanha de mídia dinâmica, cujo objetivo seria garantir que todo homem, mulher e criança nos Estados Unidos ouvisse falar do Endurance 50 pelo menos uma vez. A exposição da marca para a The North Face seria enorme!

Ótimo, pensei. As férias de minha família acabaram de sair do con-trole. Joe deve ter visto minha fisionomia desabar. Foi quando deu a cartada final.

— Dean, você se tornou uma figura inspiradora para muitas pessoas — disse com ar sério. — Essa é a oportunidade de inspirar mais pesso-as do que jamais sonhou inspirar. Sem mencionar a grande oportuni-dade para arrecadar fundos para as crianças de Karno — acrescentou, referindo-se à instituição de caridade que eu criara para motivar e ca-pacitar jovens a se tornarem ativos fisicamente.

o que disse selou a questão. Estava de volta a bordo, com mais vigor ainda. Se tudo o que eu tivesse feito no mundo fosse inspirar um pu-nhado de não corredores a se tornar corredores, morreria sabendo que fizera o possível para tornar o mundo um lugar melhor. Não significava que eu não tinha imaginação para encontrar uma causa maior. É que não acredito que haja causa maior. Correr é muito mais do que uma boa forma de perder peso. É a cura para a depressão e um caminho potencial para o crescimento pessoal e a autorrealização. É a minha receita para tornar este mundo um lar mais harmonioso para a espécie humana.

— Estou dentro — eu disse.o primeiro ato de Joe foi chamar Merrill Squires, fundador do Squi-

res Sports Group. Acho que você classificaria o SSG como uma empre-sa de produção de eventos. Eles são especializados em logística com vasta experiência em criar festivais itinerantes, como a corrida de re-vezamento da tocha olímpica pelos Estados Unidos.

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assinando livro para um jovem corredor.

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emoção na chegada da maratona de Lincoln, Nebraska.

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— É claro que podemos fazê-lo — disse Merrill a Joe, confiante.Mas a SSG não havia organizado antes nada remotamente parecido

com o Endurance 50. Nunca sequer tinham ouvido falar que algo se-melhante fora tentado. Mais tarde eu soube que, por trás, os amigos de Merrill acreditavam que ele tinha em torno de 5 por cento de chance de obter sucesso.

os desafios eram enormes. Primeiro, tínhamos de encontrar 50 di-retores de maratona dispostos a recriar os eventos em escala menor, na data que sugeríssemos, ou dispostos a permitir que fizéssemos nosso evento ao mesmo tempo que a maratona que eles normalmente pro-gramavam. Então, teríamos de organizar os eventos em sequência, para que fosse possível ir de um lugar a outro a tempo de organizar e admi-nistrar cada maratona durante a pequena oportunidade proporciona-da pelo apoio da polícia, pela autorização do pessoal local e pelo fecha-mento das ruas. Detalhes infindáveis sobre transporte, fornecimento de suprimentos, seguro e pessoal tinham de ser resolvidos. E não era só isso: tivemos de recrutar patrocinadores suficientes para cobrir o preço colossal de 1,2 milhão de dólares pela nossa “expedição” inédita, como veio a ser denominada.

Por sorte, não fui pessoalmente responsável por fazer todas essas variáveis acontecerem. o papel que eu deveria desempenhar no The North Face Endurance 50 era, com certeza, diferente do que eu pre-vira para as férias de minha família. Se o Endurance 50 fosse um fil-me, então outros assumiriam a responsabilidade de produzir, dirigir, explorar o local, montar a equipe e operar as câmeras. Eu seria o tal

“artista”. A pequena estrela de um imenso show.os 15 meses de intensa preparação — os quais incluíram quase 10 mil

quilômetros de corrida e treinamentos específicos além da participa-ção em algumas corridas de ultrarresistência — enfrentados por mim, entre o momento em que Joe Flannery sobrepôs a visão dele à minha e o começo da maratona número 1, são uma vaga memória. o botão de avançar rápido afinal foi liberado em setembro de 2006, quando voei para St. Louis, Missouri, e de lá dirigi para a bucólica cidade de St. Charles para começar o que seriam, sem dúvida alguma, os 50 dias mais intensos de minha vida.

St. Charles é onde se realiza a maratona de Lewis & Clark, a qual seria um dos oito “eventos ao vivo” da nossa excursão. É uma ma-ratona popular que acontece há 12 anos, e atrai aproximadamente

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Perna de alce decepada, encontrada no percurso da midnight sun marathon de mayor,

em anchorage, alaska.

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a ultramaratona de Badwater, já vencida por Karnazes: 217 km e um calor

que ultrapassa os 50˚C.

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5 mil participantes. St. Charles foi o lugar inicial da histórica expe-dição de Lewis e Clark. E esse ano marcou o ducentésimo aniversá-rio daquela jornada extraordinária. Portanto, começar o Endurance 50 lá parecia apropriado.

Na manhã seguinte à chegada, encontrei com Joe Flannery em um amplo estacionamento.

— Aqui está seu novo lar pelos próximos 50 dias — disse, apontando para um imenso ônibus de turismo totalmente envolvido em cobertura de vinil que exibia logotipos coloridos e chamativos dos patrocinado-res. — E aqui estão seus novos amigos — acrescentou.

À minha frente estava uma equipe heterogênea de caras de aparên-cia desmazelada, a maioria na faixa dos 20 anos, alguns dos quais eu encontrara uma ou duas vezes antes; outros eram completamente es-tranhos para mim. Eu passaria a maior parte dos 50 dias e noites muito próximo desses companheiros, em um compartimento móvel aperta-do, com camas-beliches empilhadas no estilo quartel. Tinha a esperan-ça de não matarmos uns aos outros.

Entre os membros da equipe, já sabia de antemão que estavam Ja-son Koop e Jimmy Hopper. Alto e magricelo, com o maxilar quadra-do e o cabelo emaranhado, “Koop” parecia ter saído naquele instante do set de filmagem de Carruagens de Fogo. Talentoso ex-corredor da faculdade, atualmente trabalhando com Chris Carmichael, técnico e treinador pessoal de Lance Armstrong, Koop estava aqui, sobretudo, para monitorar minhas adaptações alimentares e fisiológicas. “Hoops” tinha a aparência de um surfista do sul da Califórnia, com um ninho de cabelo louro que ele inexplicavelmente raspou antes que eu voltas-se a vê-lo na manhã seguinte.

Novidade para mim era o English, nosso motorista inglês do ônibus (levei muito tempo para perceber que o homem era da Inglaterra e que se chamava English), e Dave, gerente experiente de muitas ex-cursões de bandas de rock, que fora contratado para gerenciar nossa expedição porque, bem, a excursão de banda de rock era o modelo mais semelhante à nossa expedição em que poderíamos pensar. En-glish tinha um cabelo fofo, cinzento, uma barbicha de bode combi-nando e um aperto de mão poderoso. Dave tinha olhos que se moviam rapidamente, cabelos alisados para trás e parecia estar suspenso no ar, em um segundo plano, mesmo quando de pé falando com alguém. Esses eram os mais velhos do grupo.

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Completando a primeira maratona do Pólo sul – temperatura de 40˚C negativos

e altitude de 3.000m.

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Sem eu saber, os mais jovens da equipe já haviam desenvolvido a própria versão exclusiva do Endurance 50: 50 estados, 50 dias, 50 nú-meros de telefone! Esperavam seduzir algumas voluntárias despreve-nidas a dar-lhes o número do telefone em cada um dos estados dessa nossa grande nação. Um objetivo ambicioso, sem dúvida, mas, como acabei descobrindo, eles eram tão determinados quanto eu — e extre-mamente engenhosos também.

Dave explicou que iriam organizar o “Festival de Chegada” naquele estacionamento como um ensaio para a apresentação que se repetiria no dia seguinte e de novo todos os dias pelas sete semanas subsequen-tes. Então saí para as reuniões de logística de última hora. Ao retornar, duas horas depois, não podia acreditar. A turma construíra uma pe-quena cidade de tendas, tapetes, faixas e palcos. o local parecia mais uma feira de rua marroquina com patrocínio empresarial do que um estacionamento de hotel. As pessoas corriam com martelos, furadei-ras e outras ferramentas, geladeiras móveis repletas de comida e be-bida, e olhavam rapidamente os papéis de instruções de montagem. A música retumbava de alto-falantes com zilhões de watts de potência. Todos estavam ensopados de suor por carregar aquele material por toda parte. o arco inflável em forma de torre da linha de chegada que servia como uma entrada provisória para a cidade-sonho balançava para a frente e para trás como um pequeno dirigível prestes a voar, enquanto dois voluntários locais, integrados à equipe apenas para o fim de semana (uma tática que repetiríamos em cada local do evento), lutavam para fixá-lo ao chão.

Fiquei em silêncio, observando o quadro caótico, meu estômago cheio de uma sensação torturante de mau pressentimento.

Aquela seria minha última chance de ter uma noite inteira de des-canso por pelo menos dois meses. Minha mente estava inquieta quan-do me deitei ao lado de Julie em nosso quarto de hotel. Sem mais nem menos, me ocorreu o seguinte: Eu teria de correr 50 maratonas, em 50 estados, em 50 dias! Acreditava, naquela ocasião, que conseguiria, mas sabia haver inúmeros possíveis contratempos que poderiam me impe-dir de conseguir. Tudo, de uma ruptura dos ligamentos do calcanhar a uma luxação fora de controle ao ser atropelado por um carro, poderia levar todo o estardalhaço da obra artística e espetacular a uma para-da prematura. E estava ciente de que a corrida seria a parte “fácil” da expedição. Correr 50 maratonas em 50 dias da porta da minha casa

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era uma coisa; corrê-las entre frenéticos Festivais de Chegada e muitas horas de viagens de ônibus era outra, muito diferente.

Eu fracassara antes, mas nunca com tantas pessoas contando com meu sucesso. Pensei nas centenas de corredores que se inscreveram para correr comigo nos 42 eventos especialmente criados; nos profes-sores por todo o país que haviam planejado atividades para os alunos com foco no Endurance 50; na grande quantidade de revistas, jornais e estações de rádio e televisão que haviam reservado espaço e tempo para cobrir minhas façanhas; e nos patrocinadores que haviam desem-bolsado enormes somas de dinheiro para que tudo fosse possível.

Quando se passa tanto tempo na expectativa de uma tarefa impor-tante quanto eu passei na expectativa do Endurance 50, a mente ima-gina tantas situações possíveis que, quando se começa de fato, a gente fica um pouco convencido de que o evento não oferecerá surpresas. Mas elas sempre ocorrem. o Endurance 50 me surpreendeu de muitas formas, mas, sobretudo, pela forma como me desafiou a aplicar prati-camente todas as lições sobre corrida e sobre a vida que já aprendi, e me ensinou inúmeras lições novas para aplicar no futuro. Lições que valem a pena compartilhar. Então, lá vai…

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“Dean rejeita limites. Ele faz tudo parecer possível.” — WASHINGTON POST

“Faz o extraordinário parecer fácil.” — GQ

“Correr com Karnazes é como expor ao lado de Monet ou Picasso.”— NEW YORK TIMES

“Uma das 100 pessoas mais influentes do mundo” — TIME