O livro da capa laranja

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O livro da capa laranja Christine M. A vida dela era rodeada de livros. Havia muitos deles pela casa, pela escola e carregava sempre um para todos os lugares em que estivesse. Além dos livros, ela tinha uma coleção de canetas coloridas, blocos de papel e agendas, muitas agendas decoradas com adesivos, figurinhas, versinhos e papel de bala. Ela tinha histórias sobre ela contadas por outros e tinha a história dela em um diário escondido embaixo do colchão. Cresceu assim: pensando com as letras alheias e amadurecendo o pensamento com as suas próprias. Embora tudo estivesse emaranhado a sua volta e misturado dentro dela, não notava a possibilidade de transformar os seus inúmeros cadernos em algum daqueles reis de encadernação brochura, letras brilhantes e segredos compartilhados. Não pensou que seus segredos pudessem pertencem a outros. Foi assim até que um deles a escolheu. Ele existia em algum lugar no espaço em branco, entre um pensamento, uma canção e um descontentamento. Ele existia em algum lugar perdido nela que talvez o apreciasse tanto que temia dividi-lo. Provavelmente, ele já existia nas repetidas vezes em que ela não soube dar nome aos sentimentos ou nas vezes em que ela jogou tudo para o alto e recomeçou. Ele estava ali esperando ser notado, esperando ela querer brincar de fazer mais, ser mais. Talvez você pense que um livro seja escrito porque quem o fez acreditava ter algo muito importante a dizer ou, simplesmente, porque seu autor queria deixar a sua marca no mundo ou ainda por pura vaidade e você pode até estar certo, mas não nesse caso. Aquele livro nasceu para encontrá-la, nasceu para mostrar que mais gente vê o que ela vê, que mais gente sente o que ela sente e para provar que todas as suas esquisitices eram apenas uma parte de algo muito maior do que ela. Todas aquelas palavras que nasceram em sua cabeça, coração, estômago e nervosismo, hoje, estão em outros quartos, outras prateleiras, ao lado de outros cadernos e canetas coloridas. Todos os seus suspiros, falta de sono e lágrimas se repetem e ecoam sem parar. E ela mal podia imaginar suas emoções tão bem acolhidas fora de si. Um dia, sua lombada laranja se perderá entre diversas cores que também terão seu nome. Um dia, ele não será mais o seu favorito, mas continuará sendo o livro que a salvou, que a tirou da inércia e que a pegou pela mão. Tantos livros a cercaram, tantos a ensinaram e foram amados. Todas aquelas histórias escritas por outras mãos, mas que por muitas vezes falaram sobre ela, com ela. No entanto, o livro de capa laranja é o eleito. Aquele que foi escolhido pelo destino para transformar cada hora do seu dia e foi ele que a ensinou a contar histórias sobre si e sobre o outro, para o outro, com o outro, para sempre... Christine M. Autora de alguns livros, inclusive o da capa laranja que acabou de fazer aniversário.

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Conto "O livro da capa laranja" da autora Christine M. para o aniversário do Sobre Livros.

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O livro da capa laranja

Christine M.

A vida dela era rodeada de livros. Havia muitos deles pela casa, pela escola e carregava sempre

um para todos os lugares em que estivesse. Além dos livros, ela tinha uma coleção de canetas

coloridas, blocos de papel e agendas, muitas agendas decoradas com adesivos, figurinhas,

versinhos e papel de bala. Ela tinha histórias sobre ela contadas por outros e tinha a história

dela em um diário escondido embaixo do colchão. Cresceu assim: pensando com as letras

alheias e amadurecendo o pensamento com as suas próprias.

Embora tudo estivesse emaranhado a sua volta e misturado dentro dela, não notava a

possibilidade de transformar os seus inúmeros cadernos em algum daqueles reis de

encadernação brochura, letras brilhantes e segredos compartilhados. Não pensou que seus

segredos pudessem pertencem a outros.

Foi assim até que um deles a escolheu. Ele existia em algum lugar no espaço em branco, entre

um pensamento, uma canção e um descontentamento. Ele existia em algum lugar perdido

nela que talvez o apreciasse tanto que temia dividi-lo. Provavelmente, ele já existia nas

repetidas vezes em que ela não soube dar nome aos sentimentos ou nas vezes em que ela

jogou tudo para o alto e recomeçou. Ele estava ali esperando ser notado, esperando ela querer

brincar de fazer mais, ser mais.

Talvez você pense que um livro seja escrito porque quem o fez acreditava ter algo muito

importante a dizer ou, simplesmente, porque seu autor queria deixar a sua marca no mundo

ou ainda por pura vaidade e você pode até estar certo, mas não nesse caso. Aquele livro

nasceu para encontrá-la, nasceu para mostrar que mais gente vê o que ela vê, que mais gente

sente o que ela sente e para provar que todas as suas esquisitices eram apenas uma parte de

algo muito maior do que ela.

Todas aquelas palavras que nasceram em sua cabeça, coração, estômago e nervosismo, hoje,

estão em outros quartos, outras prateleiras, ao lado de outros cadernos e canetas coloridas.

Todos os seus suspiros, falta de sono e lágrimas se repetem e ecoam sem parar. E ela mal

podia imaginar suas emoções tão bem acolhidas fora de si.

Um dia, sua lombada laranja se perderá entre diversas cores que também terão seu nome. Um

dia, ele não será mais o seu favorito, mas continuará sendo o livro que a salvou, que a tirou da

inércia e que a pegou pela mão.

Tantos livros a cercaram, tantos a ensinaram e foram amados. Todas aquelas histórias escritas

por outras mãos, mas que por muitas vezes falaram sobre ela, com ela. No entanto, o livro de

capa laranja é o eleito. Aquele que foi escolhido pelo destino para transformar cada hora do

seu dia e foi ele que a ensinou a contar histórias sobre si e sobre o outro, para o outro, com o

outro, para sempre...

Christine M.

Autora de alguns livros,

inclusive o da capa laranja

que acabou de fazer aniversário.