O LIVRO DE OURO - purl.ptpurl.pt/17411/4/551011_PDF/551011_PDF_24-C-R0150/551011_0000_1-72... · I...

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O LIVRO DE OURO ^iographias dos personagem mais distinctos em politica, armas, religião, letíras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura ANNO I - VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO i885 ft D. PEDRO II IMPERADOR DO BRAZIL O Brazil c a única das antigas colónias hespa- nholas c portuguezas, que. ao declarar-sc inde- pendente, se constituiu em monarchia, sob a for- ma representativa. Poucas nações haverá em que o progresso tenha sido mais rápido, mais com- pleto e mais fecundo do que no Brazil, c poucas também "cuja marcha evolutiva esteja tão intima- mente ligada com os sentimentos c aspirações do sen soberano. D. Pedro c frueto do enlace matrimonial de D. Pedro, fundador do império brazileiro c des- cendente da Casa de Bragança, de Portugal, com a archi-duqueza Leopoldina d^Vustria, oriunda da casa de Habsburgo. Nasceu no Rio de Janeiro a 2 de dezembro de 1825. O seu nome é Pedro cTAlcantara João Carlos Leopoldo Lcocadio Mi- guel Gabriel Kaphacl Gonzaga; os seus títulos são: Imperador constitucional e defensor perpe- tuo do Brasil. A infância d^ste principe está muito longe de ter sido feliz, porque sua mãe morreu no anno seguinte ao do seu nascimento e seu pac acha- va-sc então envolvido n'cssa luta politica, en- carniçada e quasi quotidiana, que terminou pela sua abdicação. Tinha apenas cinco annos de edade quando, por este facto, começou a sentir o peso da co- roa. Desde esse dia ate á reforma da constitui- ção foi o império governado por uma regência, composta de três pessoas; a reforma confiou a regência a uma pessoa, eleita pela rui cão c substituída i v ou reeleita) de quatro em quatro an- nos. A direcção intellectual do joven monarcha foi confiada ao bispo de Chrisopoles. Debaixo d'esta sabia e paternal direcção se engrandecia D. Pe- dro, quando recebeu a infausta c dolorosa noti- cia da prematura morte de seu illustrc pac. Não tinha completado ainda dez annos. Tão triste como inesperado sue cesso produziu no adolescente monarcha, até alli despreoceupa- do da vida, uma singular transformação psycho- logica. Orphão de pac c mãe, futuro director dos des- tinos d"um vasto império, D. Pedro tomou a re- solução de se tornar um homem superior, pre- parando-sc assim seriamente, não para preve- nir os perigos que de futuro podessem ameaçal-o, mas para vencer, quando a contingência de cir- cumstancias especiacs o levassem a entrar cm luta. Os mais abalisados professores nacionaes c estrangeiros encontraram e admiraram no moço principe uma sede insaciável de saber, uma vo- cação apta c prompta para comprehender os mais complexos problemas. A sua applicação aos estudos traduzia resul- tados tão fecundos, que fazia a admiração de quantos se lhe acercavam c chegou a inspirar se- nos cuidados ao venerável bispo de Chrisopoles e ao regente, que temiam pela saude do principe. Conta-se que o douto bispo chegou a prohibir o seu discípulo de acccndcr luz para cstudajr, dn-~ runte o tempo que devia consagrar ao repouso; tendo tido de o admoestar por frequentes trans- gressões d"esta prescripção. A sua applicação ao estudo não foi estéril: bem cedo começou a dar fruetos; c nós que nos impuzemos a missão de agrupar nVste curto ar- tigo os traços mais principaes do seu caracter c os actos mais notáveis da sua vida, vamos pôr. cm relevo o partido que o joven monarcha sou- be tirar d^sse seu amor ao trabalho. As primeiras difliculdades começaram cm 1840. A 23 de julho dVste anno o conselho da regên- cia teve que abdicar da sua soberania; e tendo sido procUimada a maioria de D. Pedro H antes da epocha legal, houve viva agitação no império. fomentada por ambiciosos de todas as classes e matizes. A opposição havia triumpbado nas elei- ções de i S }.o, c encontrando-se o ministério á frente de camarás hostis, deliberou dissolvcl-as antes mesmo da sua convocação. Então a oppo- sição parlamentar appellou para as paixões mais exageradas, e os chefes do partido liberal conse- guiram sublevar duas provindas, a de S. Paulo c a de Minas Geraes. Uma decisiva batalha, na qual o barão de Ca- xias derrotou o principal corpo dos insurgem es. em Santa Luzia, poz termo á rebellião. O pen- samento *d\ima republica federal havia posto as armas na mão dos insurgentes; tal idéa não en- controu porem nas províncias eleme*ntos capazes de levar o cabo semelhante emprebendimento, Koi esta talvez a única desordem grave que ameaçou por um momento a coroa brazileira. D. Pedro casou a 3o de maio de 1843 com a princeza Thcrcza Christina Maria, filha de Fran- cisco ) rei das Duas Sicilias. Em seguida ao ca- samento percorreu em companhia da imperatriz as províncias do Rio Grande do Sul c S. Paulo, no intuito de estudar ellc mesmo os meios condu- centes a prevenirem futuros descontentamentos. Em 3848 novamente se congregaram os ele- mentos rebeldes e tomaram as armas; d^sta vez O LIVRO DE OURO *.Biographias dos personagens mais distinctos em politica, armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura ANNO I - VOLUME I PUBLICACAO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO i8S5 D D. PEDRO II I M P1: RA DOR DO BRAZIL O Brazil c a única das antigas colonias hespa- nholas c portuguezas, que. ao declarar-sc inde- pendente, sc constituiu em monorchia, sob a for- nia representativa. Poucas nações haverá cm que o progresso tenha sido mais rápido, mais com- pleto e mais fecundo do que no Brazil, c poucas também cuja marcha evolutiva esteja tão intima- mente ligada com os sentimentos e aspirações do seu soberano. D. Pedro é fructo do enlace matrimonial de D. Pedro, fundador do império brazileiro e des- cendente da Casa de Bragança, de Portugal, com a arebi-duqueza Leopoldina cTAustria, oriunda da casa de Habsburgo. Nasceu no Rio de Janeiro a 2 de dezembro de 1820. O seu nome é Pedro d'Alcantara João Carlos Leopoldo Lcocadio Mi- guel Gabriel Raphael Gonzaga; os seus títulos são: Imperador constitucional e defensor perpe- tuo do Brasil. A infanda d'este príncipe está muito longe de ter sido feliz, porque sua mãe morreu no anno seguinte ao do seu nascimento c seu pac acha- va-sc então envolvido n'essa luta politica, en- carniçada e quasi quotidiana, que terminou pela sua abdicação. Tinha apenas cinco an nos de edade quando, por este facto, começou a sentir o peso da co- roa. Desde esse dia até á reforma da constitui- ção foi o império governado por uma regência, composta de tres pessoas; a reforma confiou a regência a uma pessoa, eleita pela nação c substituída i v ou reeleita) de quatro em quatro an- nos. * A direcção intellectual do joven monarch a foi confiada ao bispo de Chrisopoles. Debaixo d'esta sabia e paternal direcção se engrandecia D. Pe- dro, quando recebeu a infausta e dolorosa noti- cia da prematura morte de seu illustrc pac. Não tinha completado ainda dez annos. Tão triste como inesperado succcsso produziu no adolescente monarcha, até alli despreoccupa- do da vida, uma singular transformação psycho- logies. Orphão de pac c mãe, futuro director dos des- tinos d'um vasto império, D. Pedro tomou a re- solução de se tornar um homem superior, pre- parando-sc assim seriamente, não para preve- nir os perigos que de futuro podessem ameaçal-o, mas pam vencer, quando a contingência dc cir- cumstancias especiacs o levassem a entrar em luta. Os mais abalísados professores nacionaes e estrangeiros encontraram e admiraram no moço príncipe uma sede insaciável dc saber, uma vo- cação apta e prompta para comprehender os mais complexos problemas, A sua applicação aos estudos traduzia resul- tados tão fecundos, que fazia a admiração de quantos se lhe acercavam c chegou a inspirar sé- rios cuidados ao venerável bispo de Chrisopoles c ao regente, que temiam pela saúde do príncipe. Conta-se que o douto bispo chegou a prohibit" o seu discípulo de accender luz para cstudiw, dH-"~ rante o tempo que devia consagrar ao repouso; tendo tido de o admoestar por frequentes trans- gressões d'esta prcscripção. A sua applicação ao estudo não foi esteril: bem cedo começou a dar fructos; e nós que nos impuzemos a missão de agrupar n'este curto ar- tigo os traços mais principacs do seu caracter c os actos mais notáveis da sua vida, vamos pòr_ em relevo o partido que o joven monarcha sou- be tirar d'esse seu amor ao trabalho. As primeiras difliculdadescomeçaram cm 1840. A 23 de julho d'este anno o conselho da regên- cia teve que abdicar da sua soberania; e tendo sido proclamada a maioria de D. Pedro antes da epocha legal, houve viva agitação no império, fomentada por ambiciosos de todas as classes e matizes. A opposição havia triumpbado nas elei- ções de 1S po, c encontrando-se o ministério á frente de camaras hostis, deliberou dissolvcl-as antes mesmo da sua convocação. Então a oppo - sição parlamentar appellou para as paixões mais exageradas, e os chefes do partido liberal conse- guiram sublevar duas provindas, a de S. Paulo e a de Minas Geraes. Uma decisiva batalha, na qual o barão dc Ca- xias derrotou o principal corpo dos insurgentes. em Santa Luzia, poz termo á rebellião. O pen- samento -d'uma republica federal havia posto as armas na mão dos insurgentes; tal idéa não en- controu porém nas províncias elementos capazes de levar a cabo semelhante emprehendimento, Foi esta talvez a única desordem grave que ameaçou por um momento a coroa brazileira. D. Pedro casou a 3o de maio de ]8q3 com a princeza Thereza Christina Maria, filha de Fran- cisco 1 rei das Duas Sicilias. Em seguida ao ca- samento percorreu em companhia da imperatriz as províncias do Rio Grande do Sul e S. Paulo, no intuito dc estudar ellc mesmo os meios condu- centes a prevenirem futuros descontentamentos. Em 1848 novamente sc congregaram os ele- mentos rebeldes c tomaram as armas; d'esta vez

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O LIVRO DE OURO ^iographias dos personagem mais distinctos em politica,

armas, religião, letíras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I - VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO — i885 ft

D. PEDRO II IMPERADOR DO BRAZIL

O Brazil c a única das antigas colónias hespa- nholas c portuguezas, que. ao declarar-sc inde- pendente, se constituiu em monarchia, sob a for- ma representativa. Poucas nações haverá em que o progresso tenha sido mais rápido, mais com- pleto e mais fecundo do que no Brazil, c poucas também "cuja marcha evolutiva esteja tão intima- mente ligada com os sentimentos c aspirações do sen soberano.

D. Pedro c frueto do enlace matrimonial de D. Pedro, fundador do império brazileiro c des- cendente da Casa de Bragança, de Portugal, com a archi-duqueza Leopoldina d^Vustria, oriunda da casa de Habsburgo. Nasceu no Rio de Janeiro a 2 de dezembro de 1825. O seu nome é Pedro cTAlcantara João Carlos Leopoldo Lcocadio Mi- guel Gabriel Kaphacl Gonzaga; os seus títulos são: Imperador constitucional e defensor perpe- tuo do Brasil.

A infância d^ste principe está muito longe de ter sido feliz, porque sua mãe morreu no anno seguinte ao do seu nascimento e seu pac acha- va-sc já então envolvido n'cssa luta politica, en- carniçada e quasi quotidiana, que terminou pela sua abdicação.

Tinha apenas cinco annos de edade quando, por este facto, começou a sentir o peso da co- roa. Desde esse dia ate á reforma da constitui- ção foi o império governado por uma regência, composta de três pessoas; a reforma confiou a regência a uma só pessoa, eleita pela rui cão c substituída ivou reeleita) de quatro em quatro an- nos.

A direcção intellectual do joven monarcha foi confiada ao bispo de Chrisopoles. Debaixo d'esta sabia e paternal direcção se engrandecia D. Pe- dro, quando recebeu a infausta c dolorosa noti- cia da prematura morte de seu illustrc pac. Não tinha completado ainda dez annos.

Tão triste como inesperado sue cesso produziu no adolescente monarcha, até alli despreoceupa- do da vida, uma singular transformação psycho- logica.

Orphão de pac c mãe, futuro director dos des- tinos d"um vasto império, D. Pedro tomou a re- solução de se tornar um homem superior, pre- parando-sc assim seriamente, não só para preve- nir os perigos que de futuro podessem ameaçal-o, mas para vencer, quando a contingência de cir- cumstancias especiacs o levassem a entrar cm luta.

Os mais abalisados professores nacionaes c estrangeiros encontraram e admiraram no moço principe uma sede insaciável de saber, uma vo- cação apta c prompta para comprehender os mais complexos problemas.

A sua applicação aos estudos traduzia resul- tados tão fecundos, que fazia a admiração de quantos se lhe acercavam c chegou a inspirar se- nos cuidados ao venerável bispo de Chrisopoles e ao regente, que temiam pela saude do principe.

Conta-se que o douto bispo chegou a prohibir o seu discípulo de acccndcr luz para cstudajr, dn-~ runte o tempo que devia consagrar ao repouso; tendo tido de o admoestar por frequentes trans- gressões d"esta prescripção.

A sua applicação ao estudo não foi estéril: bem cedo começou a dar fruetos; c nós que nos impuzemos a missão de agrupar nVste curto ar- tigo os traços mais principaes do seu caracter c os actos mais notáveis da sua vida, vamos pôr. cm relevo o partido que o joven monarcha sou- be tirar d^sse seu amor ao trabalho.

As primeiras difliculdades começaram cm 1840. A 23 de julho dVste anno o conselho da regên- cia teve que abdicar da sua soberania; e tendo sido procUimada a maioria de D. Pedro H antes da epocha legal, houve viva agitação no império. fomentada por ambiciosos de todas as classes e matizes. A opposição havia triumpbado nas elei- ções de i S }.o, c encontrando-se o ministério á frente de camarás hostis, deliberou dissolvcl-as antes mesmo da sua convocação. Então a oppo- sição parlamentar appellou para as paixões mais exageradas, e os chefes do partido liberal conse- guiram sublevar duas provindas, a de S. Paulo c a de Minas Geraes.

Uma decisiva batalha, na qual o barão de Ca- xias derrotou o principal corpo dos insurgem es. em Santa Luzia, poz termo á rebellião. O pen- samento *d\ima republica federal havia posto as armas na mão dos insurgentes; tal idéa não en- controu porem nas províncias eleme*ntos capazes de levar o cabo semelhante emprebendimento,

Koi esta talvez a única desordem grave que ameaçou por um momento a coroa brazileira.

D. Pedro casou a 3o de maio de 1843 com a princeza Thcrcza Christina Maria, filha de Fran- cisco ) rei das Duas Sicilias. Em seguida ao ca- samento percorreu em companhia da imperatriz as províncias do Rio Grande do Sul c S. Paulo, no intuito de estudar ellc mesmo os meios condu- centes a prevenirem futuros descontentamentos.

Em 3848 novamente se congregaram os ele- mentos rebeldes e tomaram as armas; d^sta vez

O LIVRO DE OURO

*.Biographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I - VOLUME I PUBLICACAO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO — i8S5 D

D. PEDRO II

I M P1: R A DOR DO BRAZIL

O Brazil c a única das antigas colonias hespa- nholas c portuguezas, que. ao declarar-sc inde- pendente, sc constituiu em monorchia, sob a for- nia representativa. Poucas nações haverá cm que o progresso tenha sido mais rápido, mais com- pleto e mais fecundo do que no Brazil, c poucas também cuja marcha evolutiva esteja tão intima- mente ligada com os sentimentos e aspirações do seu soberano.

D. Pedro é fructo do enlace matrimonial de D. Pedro, fundador do império brazileiro e des- cendente da Casa de Bragança, de Portugal, com a arebi-duqueza Leopoldina cTAustria, oriunda da casa de Habsburgo. Nasceu no Rio de Janeiro a 2 de dezembro de 1820. O seu nome é Pedro d'Alcantara João Carlos Leopoldo Lcocadio Mi- guel Gabriel Raphael Gonzaga; os seus títulos são: Imperador constitucional e defensor perpe- tuo do Brasil.

A infanda d'este príncipe está muito longe de ter sido feliz, porque sua mãe morreu no anno seguinte ao do seu nascimento c seu pac acha- va-sc já então envolvido n'essa luta politica, en- carniçada e quasi quotidiana, que terminou pela sua abdicação.

Tinha apenas cinco an nos de edade quando, por este facto, começou a sentir o peso da co- roa. Desde esse dia até á reforma da constitui- ção foi o império governado por uma regência, composta de tres pessoas; a reforma confiou a regência a uma só pessoa, eleita pela nação c substituída ivou reeleita) de quatro em quatro an- nos. *

A direcção intellectual do joven monarch a foi confiada ao bispo de Chrisopoles. Debaixo d'esta sabia e paternal direcção se engrandecia D. Pe- dro, quando recebeu a infausta e dolorosa noti- cia da prematura morte de seu illustrc pac. Não tinha completado ainda dez annos.

Tão triste como inesperado succcsso produziu no adolescente monarcha, até alli despreoccupa- do da vida, uma singular transformação psycho- logies.

Orphão de pac c mãe, futuro director dos des- tinos d'um vasto império, D. Pedro tomou a re- solução de se tornar um homem superior, pre- parando-sc assim seriamente, não só para preve- nir os perigos que de futuro podessem ameaçal-o, mas pam vencer, quando a contingência dc cir- cumstancias especiacs o levassem a entrar em luta.

Os mais abalísados professores nacionaes e estrangeiros encontraram e admiraram no moço príncipe uma sede insaciável dc saber, uma vo- cação apta e prompta para comprehender os mais complexos problemas,

A sua applicação aos estudos traduzia resul- tados tão fecundos, que fazia a admiração de quantos se lhe acercavam c chegou a inspirar sé- rios cuidados ao venerável bispo de Chrisopoles c ao regente, que temiam pela saúde do príncipe.

Conta-se que o douto bispo chegou a prohibit" o seu discípulo de accender luz para cstudiw, dH-"~ rante o tempo que devia consagrar ao repouso; tendo tido de o admoestar por frequentes trans- gressões d'esta prcscripção.

A sua applicação ao estudo não foi esteril: bem cedo começou a dar fructos; e nós que nos impuzemos a missão de agrupar n'este curto ar- tigo os traços mais principacs do seu caracter c os actos mais notáveis da sua vida, vamos pòr_ em relevo o partido que o joven monarcha sou- be tirar d'esse seu amor ao trabalho.

As primeiras difliculdadescomeçaram cm 1840. A 23 de julho d'este anno o conselho da regên- cia teve que abdicar da sua soberania; e tendo sido proclamada a maioria de D. Pedro lí antes da epocha legal, houve viva agitação no império, fomentada por ambiciosos de todas as classes e matizes. A opposição havia triumpbado nas elei- ções de 1S po, c encontrando-se o ministério á frente de camaras hostis, deliberou dissolvcl-as antes mesmo da sua convocação. Então a oppo - sição parlamentar appellou para as paixões mais exageradas, e os chefes do partido liberal conse- guiram sublevar duas provindas, a de S. Paulo e a de Minas Geraes.

Uma decisiva batalha, na qual o barão dc Ca- xias derrotou o principal corpo dos insurgentes. em Santa Luzia, poz termo á rebellião. O pen- samento -d'uma republica federal havia posto as armas na mão dos insurgentes; tal idéa não en- controu porém nas províncias elementos capazes de levar a cabo semelhante emprehendimento,

Foi esta talvez a única desordem grave que ameaçou por um momento a coroa brazileira.

D. Pedro casou a 3o de maio de ]8q3 com a princeza Thereza Christina Maria, filha de Fran- cisco 1 rei das Duas Sicilias. Em seguida ao ca- samento percorreu em companhia da imperatriz as províncias do Rio Grande do Sul e S. Paulo, no intuito dc estudar ellc mesmo os meios condu- centes a prevenirem futuros descontentamentos.

Em 1848 novamente sc congregaram os ele- mentos rebeldes c tomaram as armas; d'esta vez

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O LIVRO DE OURO

foi em Pernambuco. A luta foi sanguinolenta mas felizmente de pouca duração, porque os re- beldes foram rapidamente vencidos. O joven im- perador se ifcsta epocha não tinha ainda assaz experiência do governo dos homens, para preve- nir e evitar estas lutas fratricidas, teve comtudo occasião de mostrar bem claramente o subido quilate dos seus sentimentos magnânimos, usan- do de uma das mais bellas prerogativas, que a Constituição lhe faculta: a de redimir as penas pronunciadas e de amnistiar os culpados.

A mais bella prerogativa da coroa é, sem du- vida alguma, o direito de perdoar, a faculdade de usar de clemência, e D. Pedro possue em su- bido grau o gosto pelo exercicio d'estc direito, porque o seu coração c tão bondoso como o seu espirito illustrado.

Em I85I ou 52, tendo sido condemnado a 12 annos um pobre velho, portuguez, aceusado (diz-se que injustamente) pelo crime de homicí- dio, o visconde de Castilho dirigiu d imperatriz uma das suas mais esplendidas composições, d vista da qual o monarcha brazileiro immediata- mente indultou o preso.

#

Em 1859 visitou as províncias da Bahia, Per- nambuco, Alagoas e Parahyba, sendo alvo de calorosas c espontâneas ovações. Estas viagens no interior do império tem sido de grande van- tagem para o paiz, porque as impressões que d ellas resultam convertem-sc de prompto em medidas úteis c profícuas para lhes promover o desenvolvimento material e intcllectual.

#

Esta pacifica prosperidade que durou cerca de dez annos, foi repentinamente perturbada por um incidente vulgarmente conhecido pelo nome de — cpnfíicto inglcz. Eis o caso.

O ministro de Inglaterra no Rio de Janeiro, mr. Christie, exigiu em nome do seu governo, ao governo brazileiro, o pagamento de seis mil libras sterlinas, a titulo de indemnisacão de per- das e damnos, resultantes do naufrágio de um pe- queno navio inglcz nas costas do Brazil. O go- verno imperial recusou-sc terminantemente a pa- gar a somma exigida, antes que a questão fosse plenamente discutida. Então o ministro inglcz deu ao commandante da esquadra inglcza esta- cionada nas aguas brazileiras ordem de exercer rcprezalias, até ao embolso da referida quantia. Logo que esta ordem se tornou conhecida a po- pulação da capital levantou-se em massa e uma grande parte d^Ha, hasteando bandeiras nacio- naes, dingiu-se para o palácio de S. Christovam, residência habitual do imperador. No caminho a multidão encontrou o soberano e conduziu-o em tnumpho ate ao palácio da cidade, onde o mo- narcha tinha jit convocado o conselho de minis- tros. Foi ifesta occasião que D. Pedro pronun- ciou diante cPuma multidão immensa estas pala- vras, que para sempre lhe adquiriram o amor c o respeito do povo fluminense: *Em primeiro lugar eu tenho de mostrar-vos que em presença do perigo sou egual a todo e qualquer outro ci- dadão brasileiro, o

Depois de uma longa deliberação o ministério foi de accordo cjue a luta sobre o mar, com- quanto a principio podesse oííerecer alguma van- tagem, tornar-se-lua depois muito desegual e perigosa para o império. Foi por isso decidido que o governo pagaria a somma exigida. Esta foi paga, mas não sem ser acompanhada de um eloquente protesto. O imperador vendo na con- dueta do governo inglcz o effeito d\im puro ca- pricho de amor próprio, chamou immediatamente o seu representante em Londres, o que determi- nou o chamamento do ministro inglcz, no Rio de Janeiro. As relações diplomáticas entre o Brazil e a Inglaterra foram suspensas, c só se restabeleceram tres annos depois, por intermédio do rei de Portugal. O conflicto com a Inglaterra teve comtudo um lado proveitoso para o Brazil: fez com que os brazileiros reconhecessem que não' deviam oceupar-se exclusivamente da prosperida- de interior, mas também cuidar seriamente da acquisição de meios de acção com que podessem responder a quaesquer insultos vindos do exterior.

Alguns cidadãos respeitáveis tiveram então a feliz ideia de promoverem uma subscripeão na- cional permanente, para a compra de canhões modernos c navios couraçados. Esta patriótica lembrança foi applaudida por toda a nação e o imperador, desejando associar-se a dia, subscre- veu desde logo com a quinta parte da sua dota- ção annual. A subscripeão elevou-se em poucos mezes a muitos milhões. Numerosos vasos de guerra foram mandados construir na Europa, emquanto que os arsenaes do paiz trabalhavam com uma actividade ate* alli desusada. O próprio imperador deu n'essa occasião o nobre exemplo d\ima actividade infatigável: visitava quasi todos os dias, e sem ser esperado, arsenaes, fortale- zas, navios de guerra, fabricas, escolas militares, rcvcllando por toda a parte conhecimentos espe- ciaes, cjue faziam a admiração dos techmeos e dos peritos. A iniciativa nacional coroara-se cTum exito brilhante c o imperador tivera rfella o mais glorioso quinhão.

#

A maior dória de D. Pedro prende-se, sem duvida, á celebre guerra do Paraguav. O casus bel li d'esta tremenda luta foi ter o g"cneral Lo- pes, presidente da republica do Paraguav, man- dado aprisionar o barco a vapor deno"minado Marque; d'0lhida, pertencente a uma compa- nhia brazilcira, c a bordo do qual ia um coronel destinado a tomar o governo da província de Mano Grosso. A guerra durou cinco annos e foi a mais sanguinolenta c terrível que a America do Sul presenecou.

Morto o general Lopes c restabelecida a paz, o povo brazileiro manifestou o seu reconheci- mento a D. Pedro, que, pessoalmente, tomara parte na luta, d\ima maneira verdadeiramente notável. O projecto de levantar por subscripeão publica uma estatua a D. Pedro produziu cefea de trezentos ecincoenta contos, homenagem que o^ soberano não quiz acecitar, fazendo reverter tão considerável somma em favor da instrucção publica. Admirável prova de modéstia e amor do bem publico, que se não encontra na historia de Athenas nem de Sparta!

O LIVRO DE OURO

foi em Pernambuco. A luta foi sanguinolenta mas felizmente de pouca duração, porque os re- beldes foram rapidamente vencidos. O joven im- perador se n'esta cpocha não tinha ainda assaz experiência do governo dos homens, para preve- nir c evitar estas lutas fratricidas, teve comtudo occasião de mostrar bem claramente o subido

uilatc dos seus sentimentos magnânimos, usan- o de uma das mais bellas prerogativas, que a

Constituição lhe faculta: a de redimir as penas pronunciadas e de amnistiar os culpados.

. A mais be 11a prerogativa da corôa é, sem du- vida alguma, o direito de perdoar, a faculdade de usar de clemência, e D. Pedro possuc em su- bido grau o gosto pelo exercido d'estc direito, porque o seu coração é tão bondoso como o seu espirito illustrado.

Em 1851 ou 5e, tendo sido condemnado a 12 annos um pobre velho, portuguez, accusado (diz-sc que injustamente) pelo crime dc homicí- dio, o visconde de Castilho dirigiu d imperatriz uma das suas mais esplendidas composições, á vista da qual o monarcha brazileiro immcdiata- mente indultou o preso.

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Em 1859 visitou as províncias da Bahia, Per- nambuco, Alagoas e Parahyba, sendo alvo de calorosas e espontâneas ovações. Estas viagens no interior do império tem sido de grande van- tagem para o paiz, porque as impressões que d ellas resultam convertem-sc de prompto em medidas úteis e profícuas para lhes promover o desenvolvimento material e intellectual.

*

Esta pacifica prosperidade que durou cerca de dez annos, foi repentinamente perturbada por um incidente vulgarmente conhecido pelo nome de — conflicto inglcz. Eis o caso.

^ friinistro de Inglaterra no Rio de Janeiro, mr. Christie, exigiu em nome do seu governo, ao governo brazileiro, o pagamento dc seis mil libras sterlinas, a titulo de indemnisação de per- das e damnos, resultantes do naufrágio dc um pe- queno navio inglcz nas costas do Brazil. O go- verno imperial recusou-se terminantemente a pa- gar a somma exigida, antes que a questão fosse plenamente discutida. Então o ministro in^lez I deu ao commandantc da esquadra inglcza esta- cionada nas aguas brazileiras ordem de exercer reprezalias, até ao embolso da referida quantia. Logo que esta ordem se tornou conhecida a po- pulação da capital levantou-se em massa e uma grande parte cTella, hasteando bandeiras nacio- naes, dirigiu-se para o palacio de S. Chrístovam, residência habitual do imperador. No caminho a multidão encontrou o soberano e conduzíu-o em triumpho ate ao palacio da cidade, onde o mo- narcha tjnha jã convocado o conselho de minis- tros. Foi n esta occasião que D. Pedro pronun- ciou diante dMma multidão immensa estas pala- vras, que para sempre lhe adquiriram o amor e o respeito do povo fluminense: *Em primeiro lugat eu tenho cie mostrar-vos que em presença do perigo sou• egual a todo e qualquer outro ci- dadão brasileiro.o

Depois de uma longa deliberação o ministério foi de accordo cjue a luta sobre o mar, com- quanto a principio podessc oíferecer alguma van- tagem, tornar-se-lua depois muito áesegual c perigosa para o império. Foi por isso decidido que o governo _pagaria a somma exigida. Esta foi paga, mas não sem ser acompanhada de um eloquente protesto. O imperador vendo na con- ducta do governo inglez o effeito d\im puro ca- pricho dc amor proprio, chamou immedíatamente o seu representante cm Londres, o que determi- nou o chamamento do ministro inglez, no Rio de Janeiro. As relações diplomáticas entre o Brazil e a Inglaterra foram suspensas, c só se restabeleceram tres annos depois, por intermédio do rei de Portugal. O conflicto com a Inglaterra teve comtudo um lado proveitoso para o Brazil: fez com que os brazileiros reconhecessem que não de\iam oceupar-se exclusivamente da prosperida- de interior, mas também cuidar seriamente da acquisição de meios dc acção com que podessem responder a quaesquer insultos vindos do exterior.

Alguns cidadãos respeitáveis tiveram então a feliz ideia dc promoverem uma subscripção na- cional permanente, para a compra de canhões modernos e navios couraçados. Esta patriótica lembrança foi applaudida por toda a nação e o imperador, desejando associar-se a cila, subscre- veu desde logo com a quinta parte da sua dota- ção annual. A subscripção elevou-se em poucos mezes n muitos milhões. Numerosos vasos dc guerra foram mandados construir na Europa, emquanto que os arsenaes do paiz trabalhavam com uma actividade até alli desusada. O proprio imperador deu n'essa occasião o nobre exemplo d uma actividade infatigável: visitava quasi todos os dias, e sem ser esperado, arsenaes, fortale- zas, navios de guerra, fabricas, escolas militares, rcvcllando por toda a parte conhecimentos espe- ciaes, que faziam a admiração dos technicos e dos peritos. A iniciativa nacional coroara-se d"um êxito brilhante c o imperador tivera n'ella o mais glorioso quinhão.

# A maior gloria de D. Pedro prende-se, sem

duvida, á celebre guerra do Paraguav. O casus belli d'esta tremenda luta foi ter o general Lo- pes, presidente da republica do Paraguav, man- dado aprisionar o barco a vapor denominado Marque^ d Olinda, pertencente a uma compa- nhia brazileira, e a bordo do qual ia um coronel destinado a tomar o governo da província dc Matto Grosso. A guerra durou cinco annos e foi a mais sanguinolenta e terrível que a America do Sul prescnccou.

Morto o general Lopes c restabelecida a paz, o povo brazileiro manifestou o seu reconheci- mento a D. Pedro, que, pessoalmente, tomara parte na luta, d\ima maneira verdadeiramente notável. O projecto de levantar por subscripção publica uma estatua a D. Pedro produziu cerca de trezentos c cincoenta contos, homenagem que

soberano não quiz acceítar, fazendo reverter tão considerável somma cm favor da instrucçao publica. Admirável prova de modéstia e amor do bem publico, que se não encontra na historia de Athenas nem dc Sparta!

V

O LIVRO DK OURO

A guerra no exterior não impediu o governo imperial de tomar no interior todas as medidas administrativas que as círcumstancias reclama- vam para augmcnto da prosperidade do paiz. A navegação do Amazonas foi aberta ás nações estrangeiras, novas linhas de caminhos de ferro foram decretadas, e as que estavam já começa- das não soíírcram a mínima interrupção nos seus trabalhos, em uma palavra, o progresso conti- nuava a marchar com passo firme e seguro.

Entre todas as innovaçóes, cuja necessidade mais se fez sentir depois da guerra, foi a da in- troducçao de colonos n'cstc immenso império re- lativamente despovoado e que acabava de per- der cerca de cem mil homens, na maior parte cultivadores. A solução dVstc importante pro- blema dependia em grande parte, senão absolu- tamente, da solução diurna outra questão — a da abolição da escravatura.

A solução d^ste problema era já de ha muito tempo objecto dos cuidados particulares de D. Pedro.

Por isso, assim que a guerra do Paraguay ter- minou, chamou sobre este assumpto a attenção do ministro conservador ltaboury, que se acha- va então á testa dos negócios públicos, mas es- se, posto que se não tratasse diurna libertação brusca e radical como a que teve lugar nos Es- tados Unidos, mas só da libertação do ventre da mulher escrava, não teve a coragem de assumir a responsabilidade de qualquer medida abolicio- nista. Recciando a opposição dos ricos e numero- sos plantadores, alguns dos quacs tinham assento nas camarás, preferiu antes enviar a sua demissão ao imperador, que gostosamente lh'a acecitou.

O ministério seguinte teve também que rcti- rar-se no fim de quatro mezes, deante cia oppo- sição violentíssima do partido csclavista.

*N'estas círcumstancias, o imperador oflereceu o ministério ao visconde do Rio Branco, homem muito conhecido pela sua capacidade politica c singular talento conciliativo. Consequentemente, e a 28 de setembro de 1871, foi decretada pelo parlamento a lei conhecida pelo nome de — ven- tre livre.

Este acto legislativo, que declarava livres os filhos das mulheres escravas a partir d'essc mes- mo dia, foi recebido com indiscriptivel alvoroço pelo Brazil inteiro. No meio d'este contentamento geral nem um só momento foi olvidado o nome do generoso promotor de tão sabia leí—-D. Pe- dro II, apesar mesmo de n,essa occasião estar ausente do império.

Havia ja muito tempo que D. Pedro desejava ardentemente visitar a Europa, mas a realisação d'este desejo só poude, por diversos motivos, ter logar no mez de maio de 1871.

O imperador resolvendo viajar como simples particular, embarcou com o nome de Pedro d1 Alcântara, depois de ter confiado a regência do império a sua filha a condessa d'Eu.

O primeiro ponto de paragem do itenerario imperial era Lisboa, onde o monarcha se demo-

rou alguns dias, sendo alvo da mais viva curio- sidade c recebendo as maiores demonstrações de sympathia e enthusiasmo, que n'csta cidade se tem dado a algum príncipe estrangeiro.

Concorriam para isto diííerentes círcumstan- cias. Em primeiro logar a siudosa recordação de seu pae ainda vivaz no coração dos liberaes, que lhe devem o nosso código governativo, em seguida a fama das brilhantes qualidades do im- perador.

De Lisboa seguiu pelo caminho de ferro para Hcspanha, visitando suecessivamente a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Allemanha, a Suissa, a Áustria, a Itália e o Egypto. D. Pedro aprovei- tou a sua viagem para preparar as bases de mui- tos tratados de commercio e de amisade, sobre- tudo de extradição que mais tarde foram assi- gnados. Nestes diííerentes paizes D. Pedro examinou sobretudo es monumentos da arte, da sciencia e da industria; as escolas, as universi- dades, as sociedades scientificas, a cujas assem- bleias se comprazia de assistir. Convidou para a sua mesa notabilidades de toda a ordem, e sur- prchendeu mais de um Diógenes no seu tonel. Por toda a parte e com todos revellou conheci- mentos superiores aos que. geralmente, possuem os chefes das nações.

N'esta viagem D. Pedro recebeu as condeco- rações da ordem da Jarreteira, diplomas de hon- ra de muitas sociedades scientificas, entre os quaes mencionaremos o de membro honorário ao Instituto, de França, para a secção de scien- cias naturaes; justa recompensa dos estudos pro- fundos que sobre ellas havia feito. Em resumo, esta viagem foi um verdadeiro triumpho, não só para o imperador, mas para o Brazil, que tão nobremente se vira representado.

Um dos primeiros cuidados do soberano bra- zileiro ao regressar ao seu império foi o de abo- lir a ecremonia do beija-mão.

Em seguida procurou introduzir no seu impé- rio tudo quanto viu de mais útil no estrangeiro c compatível com o clima, com as instituições e costumes nacionaes. Sob este ponto de vista nu- merosos trabalhos de embellczamento foram fei- tos na capital, sendo principalmente attendidos os preceitos da mais rigorosa hvgiene.

Na ordem intellectual e politica fez também reformas quasi radicaes, nomeadamente a reorga- nisação do ensino primário e do ensino superior e a revisão da lei eleitoral.

Durante a sessão legislativa de 1870, D. Pe- dro aproveitando-se da tranquilidade de que go- sava o paiz no interior, c nada tendo a receiar do exterior pediu e obteve do parlamento uma licença de desoito mezes. O seu fim era acabar a excursão começada em 1871 e visitar a expo- sição universal que n^sse anno se rcalisou na Philadelphia.

Apesar de viajar sob o mais rigoroso incógni- to, D. Pedro recebeu na pátria de Washington e de Franklin o mais lisongeiro acolhimento, não só das auetoridades civis e militares, mas tam-

I

O LIVRO

# A guerra no exterior não impediu o governo

imperial de tomar no interior todas as medidas administrativas que as circumstancias reclama- vam para augmento da prosperidade do paiz. A navegação ao Amazonas foi aberta ás nações estrangeiras, novas linhas de caminhos de ferro foram decretadas, c as que estavam já começa- das não soffreram a minima interrupção nos seus trabalhos, em uma palavra, o progresso conti- nuava a marchar com passo firme e seguro.

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Entre todas as innovações, cuja necessidade mais se fez sentir depois da guerra, foi a da in- troducção de colonos n'este immenso império re- lativamente despovoado e que acabava de per- der cerca de cem mil homens, na maior parte cultivadores. A solução d'estc importante pro- blema dependia em grande parte, senão absolu- tamente, da solução d'uma outra questão — a da abolição da escravatura.

A solução dVste problema era já de ha muito tempo objecto dos cuidados particulares de D. Fedro.

Por isso, assim que a guerra do Paraguay ter- minou, chamou sobre este assumpto a attenção do ministro conservador ltaboury, que se acha- va então á testa dos negocios públicos, mas es- se, posto que se não tratasse d'uma libertação brusca e radical como a que teve lugar nos Es- tados Unidos, mas só da libertação ao ventre da mulher escrava, não teve a coragem de assumir a responsabilidade de qualquer medida abolicio- nista. Recciando a opposição dos ricos e numero- sos plantadores, alguns dos quaes tinham assento nas camaras, preferiu antes enviar a sua demissão ao imperador, que gostosamente lh'a acccitou.

O ministério seguinte teve também que rcti- rar-se no fim de quatro mezes, deante da oppo- sição violentíssima do partido csclavista.

N'cstas circumstancias, o imperador offcrcceu o ministério ao visconde do Rio Branco, homem muito conhecido pela sua capacidade politica e singular talento conciliativo. Consequentemente, e a 28 de setembro de 1871, foi decretada pelo parlamento a lei conhecida pelo nome de — ven- tre livre.

Este acto legislativo, que declarava livres os filhos das mulheres escravas a partir d'esse mes- mo dia, foi recebido com indiscriptivel alvoroço pelo Brazil inteiro. No meio d'estc contentamento geral nem um só momento foi olvidado o nome ao generoso promotor de tão sabia lei — D. Pe- dro II, apesar mesmo de n'essa occasião estar ausente do império.

Havia ja muito tempo que D. Pedro desejava ardentemente visitar a Europa, mas a realisação d'este desejo só poude, por diversos motivos, ter logar no mez de maio de 1871.

O imperador resolvendo viajar como simples particular, embarcou com o nome de Pedro d"1 Alcantara, depois de ter confiado a regência do império a sua filha a condessa d'Eu.

O primeiro ponto de paragem do itencrario imperial era Lisboa, onde o monarcha se demo-

DE OURO 3

rou alguns dias, sendo alvo da mais viva curio- sidade e recebendo as maiores demonstrações de sympathia e enthusiasmo, que n'esta cidade se tem dado a algum príncipe estrangeiro.

Concorriam para isto diíícrentes circumstan- cias. Em primeiro logar a saudosa recordação de seu pac ainda vivaz no coração dos liberaes, que lhe devem o nosso codigo governativo, em seguida a fama das brilhantes qualidades do im- perador.

De Lisboa seguiu pelo caminho dc ferro para Hcspanha, visitando successivãmente a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Allemanha, a Suissa, a Austria, a Italia e o Egypto. D. Pedro aprovei- tou a sua viagem para preparar os bases de mui- tos tratados dc commercio c de amisade, sobre- tudo dc extradição que mais tarde foram assi- gnados. N'cstes difierentes paizes D. Pedro examinou sobretudo cs monumentos da arte, da scicncia e da industria; as escolas, as universi- dades, as sociedades scicntificas, a cujas assem- bleias se comprazia de assistir. Convidou para a sua mesa notabilidades dc toda a ordem, e sur- prehendeu mais dc um Diogenes no seu tonel. Por toda a parte e com tooos revellou conheci- mentos superiores aos que. geralmente, possuem os chefes aas nações.

NT1csta viagem D. Pedro recebeu as condeco- rações da ordem da Jarreteira, diplomas dc hon- ra* dc muitas sociedades scicntificas, entre os quaes mencionaremos o de membro honorário ao Instituto, de França, para a secção de scicn- cias naturaes; justa recompensa dos estudos pro- fundos que sobre ellas havia feito. Em resumo, esta viagem foi um verdadeiro triumpbo, não só para o imperador, mas para o Brazil, que tão nobremente se vira representado.

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Um dos primeiros cuidados do soberano bra- zileiro ao regressar ao seu império foi o de abo- lir a ccrcmonia do beija-mão.

Em seguida procurou introduzir no seu impé- rio tudo quanto viu dc mais util no estrangeiro c compatível com o clima, com as instituições e costumes nacionaes. Sob este ponto de vista nu- merosos trabalhos dc embellczamento foram fei- tos na capital, sendo principalmente attendidos os preceitos da mais rigorosa hygiene.

Na ordem intellectual e politica fez também reformas quasi radicaes, nomeadamente a reorga- nisação do ensino primário c do ensino superior e a revisão da lei eleitoral.

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Durante a sessão legislativa de 1876, D. Pe- dro aproveitando-sc da tranquilidade de que go- sava o paiz no interior, e nada tendo a receiar do exterior pediu e obteve do parlamento uma licença de desoito mezes. O seu fim era acabar a excursão começada em 1871 e visitar a expo- sição universal que n'esse anno se realisou na Philadelphia.

Apesar de viajar sob o mais rigoroso incogni- to, D. Pedro recebeu na patria de Washington e de Franklin o mais lisongeiro acolhimento, não só das auctoridades civis e militares, mas tam-

O LIVRO DE OURO

bem da imprensa e do povo da operosa repu- blica. Dos Estados Unidos partiu para a Europa, onde teve recepções tão brilhantes e sympathi- cas, como aquellás de que havia sido objecto em

Só nos resta agora observar D. Pedro sob di- versos pontos de vista especiaes, quer como ho- mem quer como soberano. D. Pedro ê dotado de uma actividade extraordinária. Levanta-se as seis horas da manha, le certos jornaes, emquan- to o seu leitor passa em revista os restantes, para rfelles marcar as passagens dignas de attençáo. Trabalha até ás nove e meia c almoça rapida- mente. Sae em seguida, ou para visitar as esco- las, arsenaes, fortalezas, ou para assistir as reu- niões das sociedades scicntiíícas.

Nunca falta ás sessões magnas do Instituto de Historia e Geographia brasileiro, de que é sócio c presidente honorário. #

Possue uma bibliotbeca e um gabinete de seiencias physicas e naturaes muito completos.

Não lhe passam desapercebidas as descober- tas seientificas, que se rcalisam nos grandes em- pórios da sciencia, França e Alíemanha. O cele- bre medico Pasteur tinha apenas esboçado a sua theoria do micróbio das enfermidades contagio- sas quando foi convidado pelo imperador para ir ao Brazil estudar o micróbio da febre amarel- la c os trabalhos do dr. Domingos Freire sobre este objecto. .

As Htteraturas antigas foram sempre objecto de especial attençáo para o iílustrc estudioso. Por occasião da sua viagem em 1871, visitando uma svnagoga de Londres, deixou surprchendi- dos os" rabbinos, traduzindo deante dV-lles, com extrema facilidade, uma pagina da sua bíblia em hebreu. Visita amoldadas vezes os estabeleci- mentos de instrucçáo, quer oinciaes quer parti- culares, e assiste aos exames dos alumnos c a distribuição dos prémios; nassas occasiões man- da tomar nota dos nomes dos que se distingui- ram em seus estudos. Mais de um (Testes alum- nos tem achado mais tarde no imperador um protector desvelado e convicto. Carlos Gomes, o inspirado maestro do Guaraiiy, fornece-nos uma prova eloquente c demonstrativa d'essa pro- tecção.

Ó imperador não protege somente as letras e as artes; vae mais longe: ajuda e patrocina efh- cazmente todas as sociedades fabris e industnaes de utilidade geral, quer comprando do seu bolso grande numero de acções, quer pedindo aos cor- pos legislativos consideráveis subsídios a favor íTcllas.

D. Pedro preside duas vezes por semana ao conselho de ministros. A reunião começa ordina- riamente ás nove horas da noite e termina algu- mas vezes á uma hora da manhã. Cada ministro expõe por sua vez, na sua presença, os negócios da sua pasta que carecem da assignatura impe- rial. O soberano escuta-os com attençáo e pede- lhes por vezes esclarecimentos. Se se trata de questão importante, sobretudo se esta diz res- peito aos direitos e á bolsa do contribuinte, nada se decide n^esse dia. Elle estuda maduramente o assumpto para dar a sua opinião na assembleia

mais próxima. Se se trata de uma ínnovaçao ra- dical examina-a detalhadamente, consulta o con- selho (Testado e não a adopta definitivamente senão quando julga que o povo está apto para a comprehender e aproveitar; isto porque a longa experiência que tem do governo dos homens lhe ensinou que o verdadeiro progresso sò se conse- gue por meio de reformas opportunas, gradua- das e sobre tudo sensatas. Debaixo doeste ponto de vísta elle é conservador-libcral, como o deve ser todo o chefe de estado que deseja simulta- neamente respeitar as leis estabelecidas e acom- panhar a evolução continua das sociedades.

D. Pedro da'audiência publica duas vezes por dia e ê n'esta occasião que elle revelia as quali- dades de um soberano sinceramente liberal e que fornece a prova mais concludente de que considera os interesses da família brasileira como sendo os seus próprios. Elle recebe toda a gente, nacionaes e estrangeiros, com afabilidade e do- çura, apertando a mão aos que d'essa honra sao dinnos. Se é um artista ou um sábio que se lhe apresenta D. Pedro não deixa de se deleitar con- versando amigavelmente com elle sobre a arte ou sciencia que cultiva. D. Pedro falia com facilidade extrema a maior parte das línguas europeas.

A administração da justiça merece-lne a maior attençáo e em todos os ramos da gestão dos ne- gócios públicos, parece ambicionar a justa glo- na de ser o único soberano, cujos ministros nao transgridem as leis. Um dia um queixoso disse- lhe que fora victima de iniquidade ministerial, e D Pedro respondeu-lhe com certa vivacidade; Os meus ministros não commettem injustiças, voltando porem logo á sua habitual benevolên- cia, accresccntou: ComtuJo, eu examinarei esse negocio. Reconhecendo depois a verdade da quci- xa^ordenou a immediata reparação da injustiça commettida. j:e*;«

Em resumo: as nobres qualidades que distin- auem o iílustrc chefe do império braziíeiro dao- Fhc como a Tito, o direito de dizer que o dia que lhe não fornece ensejo de praticar uma boa acção c um dia perdido. # #

D Pedro observa um axioma particular que faz por assim dizer a synthese brilhante e ma- jestosa das suas qualidades cívicas e moraest Ista máxima è: O Brasil antes de tudo; tem-a cumprido religiosamente e ifisso consiste o seu maior elogio. Finalmente as brilhantes qualida- des moraes cTcstc príncipe careciam d um » lu- tarcho para as descrever e narrar com a elegân- cia e concisão, que tornam este escnptor um modelo admirável; a nossa pcnna e insnfhcicnte para tão elevado empenho e por isso limitamos a estes singelos traços o nosso esboço biogra- phico, no qual não pretendemos fazer historia, mas tão somente prestar tributo a esse príncipe que teria competência para reger uma grande nação pela sabedoria e instrucçáo. se nao hou- vera recebido pelo nascimento o direito de go- vernar. Com sobejo fundamento se lhe pode ap- plicar aquellc verso do nosso sublime épico:

Ditosa pátria que tal filho terei

TVP. ELZEMRIANA - Praça dos Restauradores, ?o a 56

O LIVRO DE OURO

bem da imprensa e do povo da operosa repu- blica. Dos Estados Unidos partiu para a Europa, onde teve recepções tão brilhantes e sympathi- cas, como aqucllas de que havia sido objecto em l87'-

Só nos resta agora observar D. Pedro sob di- versos pontos de vista especiaes, quer como ho- mem quer como soberano. D. Pedro é dotado de uma actividade extraordinária. Lcvanta-sc ás seis horas da manha, lê certos jornaes, emquan- to o seu leitor passa em revista os restantes, para Telles marcar as passagens dignas de attençao. Trabalha até ás nove e meia c almoça rapida- mente. Sae em seguida, ou para visitar as esco- las, arsenaes, fortalezas, ou para assistir ás reu- niões das sociedades scicntiíicas.

Nunca falta ás sessões magnas do Instituto de Historia e Gcographia brazileiro, de que é socio e presidente honorário. ,

Possuc uma bibliotbeca c um gabinete de sciencias physicas e naturaes muito completos.

Não lhe passam desapercebidas as descober- tas scicntificas, que se rcalisam nos grandes em- pórios da sciencia, França c Alíemanha. O cele- bre medico Pasteur tinha apenas esboçado a sua theoria do microbio das enfermidades contagio- sas quando foi convidado pelo imperador para ir ao Brazil estudar o microbio da lebre amarcl- la c os trabalhos do dr. Domingos Freire sobre este objecto. .

As litteraturas antigas foram sempre objecto de especial attenção para o iílustrc estudioso. Por occasião da sua viagem em 1871, visitando uma svnagoga de Londres, deixou surprehendi- dos os" rabbinos, traduzindo deante Telles, com extrema facilidade, uma pagina da sua bíblia cm hebreu. Visita ameudadas vezes os estabeleci- mentos de instrucção, quer officiaes quer parti- culares, e assiste aos exames dos aluirmos c á distribuição dos prémios; Tessas occasiõcs man- da tomar nota dos nomes dos que se distingui- ram cm seus estudos. Mais de um d estes alum- nos tem achado mais tarde no imperador um protector desvelado e convicto. Carlos Gomes, o inspirado maestro do Guarany, fornece-nos uma prova eloquente e demonstrativa d'essa pro- tecção.

Ó imperador não protege sómente as letras c as artes; vae mais longe: ajuda e patrocina eín- cazmentc todas as sociedades fabris e industnaes de utilidade geral, quer comprando do seu bolso grande numero de acções, quer pedindo aos cor- pos legislativos consideráveis subsídios a favor d'ellas.

D. Pedro preside duas vezes por semana ao conselho de ministros. A reunião começa ordina- riamente ás nove horas da noitc^ e termina algu- mas vezes á uma hora da manhã. Cada ministro expõe por sua vez, na sua presença, os ncgocios da sua pasta que carecem da assignatura impe- rial. O soberano escuta-os com attenção e pede- Ihcs por vezes esclarecimentos. Se se trata de questão importante, sobretudo se esta diz res- peito aos direitos e á bolsa do contribuinte, nada se decide Tcssc dia. Elie estuda maduramente o assumpto para dar a sua opinião na assembleia

mais próxima. Se se trata de uma innovação ra- dical examina-a detalhadamente, consulta o con- selho Testado e não a adopta definitivamente senão quando julga que o povo está apto para a comprehender e aproveitar; isto porque a longa experiência que tem do governo dos homens lhe ensinou que o verdadeiro progresso so se conse- gue por meio de reformas opportuiias, gradua- das e sobre tudo sensatas. Debaixo d'este ponto de vista ellc c conservador-libcral, como o deve ser todo o chefe de estado que deseja simulta- neamente respeitar as leis estabelecidas e acom- panhar a evolução continua das sociedades.

D. Pedro dá audiência publica duas vezes por dia e é Testa occasião que ellc revelia as quali- dades de um soberano sinceramente liberal e que fornece a prova mais concludente de que considera os interesses da família brazileira como sendo os seus próprios. Ellc recebe toda a gente, nacionaes e estrangeiros, com afabilidade e do- çura, apertando a mão aos que d'essa honra sao dignos Sc é um artista ou um sábio que se lhe apresenta D. Pedro não deixa de sc deleitar con- versando amigavelmente com ellc sobre a arte ou

sciencia que cultiva. D. Pedro falia com facilidade extrema a maior parte das línguas curopeas.

A administração da justiça merccc-lhe a maior attenção e cm iodos os ramos da gestão dos ne- gócios públicos, parece ambicionar a justa glo- ?ia de ser o único soberano, cujos ministros nao transgridem as leis. Um dia um queixoso dissc- lhe que fôra victima de iniquidade ministerial, e D Pedro respondeu-lhe com certa vivacidade. Ós meus ministros não commettem injustiças, voltando porém logo á sua habitual benevolên- cia, accrescentou: Comtudo, cu examinarei esse negocio. Reconhecendo depois a verdade da quei- xa53 ordenou a immediata reparaçao da injustiça commettida.

Em resumo: as nobres qualidades que distin- gem o illustre chefe do império brazileiro dao- fhe, como a Tito, o direito de dizer que o dia que lhe não fornece ensejo de praticar uma boa accão é um dia perdido. . ,

D. Pedro observa um axioma particular que faz por assim dizer a synthese brilhante e ma- jestosa das suas qualidades cívicas e moraes: esta maxima d: O Brasil antes de tudo; tem-a cumprido religiosamente c Tisso consiste o seu maior elogio. Finalmente as brilhantes qualida- des moraes d'este príncipe careciam d um » lu- tarcho para as descrever e narrar com a elegân- cia e concisão, que tornam este cscnptor um modelo admirável; a nossa penna e ínsuflicicnte para tão elevado empenho e por isso limitamos a estes singelos traços o nosso esboço biogra- phico, no qual não pretendemos fazer historia, mas tão sómente prestar tributo a esse príncipe que teria competência para reger uma grande nação pela sabedoria e instrucção. se nao hou- vera recebido pelo nascimento o direito de go- vernar. Com sobejo fundamento se lhe pode ap- plicar aquelle verso do nosso sublime épico:

Ditosa pat ria que tal filho terei

Tvp. Elwviruxa - Praça dos Restauradores, ?o a 56

O LIVRO DE OURO Itiographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, iettras, sciencias, artes, commercio, industria c agricultura

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ANNO I — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO — iS85

D. LUIZ I

REI DE PORTUGAL

É difficil c pesado, nas monarchias constitu- cionaes, o officio de reinar. Nem sempre a realeza cinge a fronte com coroas de rosas, e sente muitas vezes pungirem-lhe os espinhos do diadema, tanto mais agudos, quanto mais a consciência vem segredar ao espirito do monarcha que fez tudo quanto humanamente era possível para desem- penhar-se honradamente da sua árdua tarefa.

Ser rei, é exercer um sacerdócio augusto, de pdz, de conciliação c de amor, c offerecer-se ao sacrifício lento e constante que a pátria exige do seu primeiro funecionario, d^quelle que pa- rece haver erguido tão alto, adrede para lhe exigir mais alta responsabilidade moral, para melhor ver os seus actos, para ser mais inexorável no julgamento que a historia ha de registar em suas paginas.

Outrora, quando a realeza tinha por convicção profunda que provinha do direito divino, c que o seu poder era outhorgado por uma influição sobre humana, quando os monarchas eram tidos por uma casta previlegiada, erguida acima do commum dos mortaes, senhora da vida c da fazenda dos seus vassallos, pelo direito de uma herança incontroversa, despedindo do alto do throno os raios da sua cólera omnipotente ou semeiando em torno os risos das suas graças ao sabor das suas aííeições ou dos seus caprichos; outrora, quando o povo rastejava ignorado nas trevas da historia, massa confusa e inconsciente, que se movia á vontade dos potentados da terra, ora indifferente, ora attonita aos factos que se passavam cm torno dY*lla e a que sempre mais ou menos era estranha; outrora, quando o povo raras vezes tomava o seu papel de protogonista nas scenas gigantescas do grande drama social, e se contentava, quando muito, com a condição de comparsa nos actos esplendidos que marcavam as grandes dpocas da evolução da humanidade; então, podia escrever-se com sangue a historia dos reis; e era grande e notável nos fastos da sua pátria aquelle que melhores provas dava de valentia individual, aquelle que melhor sabia tor- nar os seus vassallos instrumentos da sua ambi- ção, aquelle que nos campos sangrentos da batalha melhor assegurava o triumpho, com que a pátria se ensoberbecia, mas cujos louros serviam só de entretecerem-se com as jóias da coroa real; c os bons e dedicados serviços de organisação, de me- lhoramento das instituições, de providencia admi- nistrativa, de garantia de paz c de ordem, a que

a posteridade veio prestar a justa homenagem da sua admiração, eram tidas em menos conta do que uma arrojada victoria, em que por vezes mais se lisongeava o orgulho do que se felicitava a nação.

Depois, um dia, o povo sentiu que o sol da liberdade o vinha despertar do seu somno de séculos. Ergueu-se então de pê, mediu-sc e reco- nheceu-se gigante. Compulsou o código da razão c da justiça, e encontrou nrellc inscriptos com caracteres indeléveis os títulos da sua soberania; ousou encarar serenamente o throno, ciue até ahi o deslumbrava, c soube ver que esse brilho fas- cinador não era mais que o rellexo do seu poder. Cahiu então o direito divino, e ergueu-sc, serena ebrilhante. arealeza liberal e democrática, synthese da vontade nacional.

Opcrara-se a grande transformação, effectuara- se o gigantesco trabalho que não alluia os sólios, pendentes até ahi sobre as nações como se do ceu proviessem, mas que os firmava cm solidas bases, erguidas da terra, cimentadas pela espon- tânea aheição dos súbditos, que sacudindo as peias da servidão tinham livres os braços para defender uma instituição que era sua.

O rei metamorphoseia-se então. Unge-o a von- tade nacional, entrega-lhe o sceptro, symbolo do mando, o poder popular, que lhe diz: «Serás o primeiro para velares por todos, tens o logar mais elevado para que todos te vejam, para que não possas deixar de ver ninguém, para que os que te contemplam reconheçam cm ti a parcella dos direitos soberanos que em ti delegaram. Vives para todos, porque vives pela vontade de todos. És grande, porque o povo que representas é grande. Es respeitado, porque em ti respeitamos o nosso próprio poder, es cercado de affeições, porque foi o amor do povo que te ergueu tão alto»,

E a historia dos reis confunde-se então com a historia das nações; c as alegrias c as dores, c as glorias e os revezes tornaram-sc communs, e n^essa communhão se firmou a fraternidade, a mutua confiança, a ordem e a estabilidade das instituições. Á'guerra c á conquista succedcu-sc a tranquillidade, o progresso e o desenvolvimento de todas as forças produetoras de vim paíz c que desde então ficaram sendo os mais ricos e apre- ciáveis florões da chronica de cada reinado.

*>'

Em Portugal, amanheceu o dia da liberdade no anno de 1820, mas não tardou muito que densa nuvem, soprada ainda pelos ventos desenca- deados do absolutismo toldasse de escuro os ho-

O LIVRO DE OURO m

ISiographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commcrcio, industria c agricultura

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ANNO I — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO — i S85

D. LUIZ I

Rei de Portugal

É díflicil c pesado, nas monarchias constitu- cionaes, o officio de reinar. Nem sempre a realeza cinge a fronte com coroas de rosas, e sente muitas vezes pungirem-lhe os espinhos do diadema, tanto mais agudos, quanto mais a consciência vem segredar ao espirito do monarcha que fez tudo quanto humanamente era possível para desem- penhar-se honradamente da sua ardua tarefa.

Ser rei, d exercer um sacerdócio augusto, de pdz, de conciliação e de amor, d offerecer-se ao sacrifício lento e constante que a patria exige do seu primeiro funccíonario, d^quelle que pa- rece haver erguido tão alto, adrede para lhe exigir mais alta responsabilidade moral, para melhor ver os seus actos, para ser mais inexorável no julgamento que a historia ha de registar em suas paginas.

Uutr'ora, quando a realeza tinha por convicção profunda que provinha do direito divino, c que o seu poefer era outhorgado por uma influição sobre humana, quando os monarchas eram tidos por uma casta previlegiada, erguida acima do commum dos mortaes, senhora da vida e da fazenda dos seus vassallos, pelo direito de uma herança incontroversa, despedindo do alto do throno os raios da sua cólera omnipotente ou semeiando em torno os risos das suas graças ao sabor das suas aííeições ou dos seus caprichos; outriora, quando o povo rastejava ignorado nas trevas da historia, massa confusa e inconsciente, que se movia á vontade dos potentados da terra, ora indiíferente, ora attonita aos factos que se passavam cm torno dV'lla e a que sempre mais ou menos era estranha; outriora, quando o povo raras vezes tomava o seu papel de protogonista nas scenas gigantescas do grande drama social, e se contentava, quando muito, com a condição de comparsa nos actos esplendidos que marcavam as grandes épocas da evolução da humanidade; então, podia escrever-se com sangue a historia dos reis; e era grande c notável nos fastos da sua patria aquelle que melhores provas dava de valentia individual, aquelle que melhor sabia tor- nar os seus vassallos instrumentos da sua ambi- ção, aquelle que nos campos sangrentos da batalha melhor assegurava o triumpho, com que a patria se ensoberbecia, mas cujos louros serviam só de cntretecerem-se com as jóias da coroa real; e os bons e dedicados serviços de organisação, de me- lhoramento das instituições, de providencia admi- nistrativa, de garantia de paz e de ordem, a que

a posteridade veio prestar a justa homenagem da sua admiração, eram tidas em menos conta do que uma arrojada victoria, em que por vezes mais se lisongeava o orgulho do que se felicitava a nação.

Depois, um dia, o povo sentiu que o sol da liberdade o vinha despertar do seu somno de séculos. Ergueu-se então de pê, mediu-se c reco- nheccu-se gigante. Compulsou o codigo da razão e da justiça, e encontrou n'elie inscriptos com caracteres indeléveis os títulos da sua soberania; ousou encarar serenamente o throno, que até ahi o deslumbrava, c soube ver que esse brilho fas- cinador não era mais que o reflexo do seu poder. Cahiu então o direito divino, e ergueu-se, serena e brilhante, arealezaliberale democrática, synthese da vontade nacional.

Operara-sc a grande transformação, eííectuara- se o gigantesco trabalho que não alluia os solios, pendentes até ahi sobre as nações como se do ceu proviessem, mas que os firmava em solidas bases, erguidas da terra, cimentadas pela espon- tânea aíleição dos súbditos, que sacudindo as peias da servidão tinham livres os braços para defender uma instituição que era sua.

O rei metamorphoseia-se então. Unge-o a von- tade nacional, entrega-lhe o sceptro, symbolo do mando, o poder popular, que lhe diz: «Serás o primeiro para velares por todos, tens o logar mais elevado para que todos te vejam, para que não possas deixar cie ver ninguém, para que os que te contemplam reconheçam em ti a parcella cios direitos soberanos que em ti delegaram. Vives para todos, porque vives pela vontade de todos. Es grande, porque o povo que representas é grande. Es respeitado, porque em ti respeitamos o nosso proprio poder, és cercado de aíFeições, porque foi o amor do povo que te ergueu tão alto».

E a historia dos reis confunde-se então com a historia das nações; c as alegrias c as dores, e as glorias e os revezes tornaram-sc communs, e iVcssa communhão se firmou a fraternidade, a mutua confiança, a ordem e a estabilidade das instituições. Águerra c á conquista succedeu-se a tranquillidade, o progresso e o desenvolvimento de todas as forças producioras de uni paíz e que desde então ficaram sendo os mais ricos e apre- ciáveis florões da chronica de cada reinado.

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Em Portugal, amanheceu o dia da liberdade no anno de 1820, mas não tardou muito que densa nuvem, soprada ainda pelos ventos desenca- deados do absolutismo toldasse de escuro os lio-

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O LIVRO DE OURO

risontcs da pátria, ofíuscando esse brilhante dilu- culo, que mal conseguira aquecer o paiz. Fcz-sc treva outra vez no ceu que momentaneamente allumiára um auspicioso arrebol, c só mais tarde o astro da liberdade brilhou com todo o seu fulgor, dissipados para sempre os negrumes que lhe haviam obscurecido o brilho matinal.

Dentre os cidadãos portuguezes que mais c melhor se haviam empenhado em conjurar a tem- pestade, erguc-se o vulto do Duque de Bragança, que descia do throno herdado, que arremessava para longe os suppostos direitos da realeza de origem divina e vinha, simples soldado, conquis- tar, entre os seus companheiros de armas, o ti- tulo de outros direitos mais sagrados c mais incontestáveis nas muralhas enegrecidas da Ter- ceira e do Porto.

Levantou-sc e proclamou-o o povo por seu chefe; c a sua filha primogénita, a princeza da Beira, conferiu o sceptro da realeza constitucio- nal, finda a luta gigantesca, que marca uma das mais brilhantes paginas da historia contempo- rânea.

Esta senhora de elevado espirito c de alentos varonis, a quem coube a sorte da aprendizagem da vida parlamentar na nação acostumada á ty- rannia do poder absoluto, foi a primeira a expe- rimentar as agruras c as dificuldades do encardo que a nação lhe impozera; c se teve no seu reinado os trabalhos e os escolhos de uma difíicil iniciação, se viu rugir-lhe por vezes cm torno a tempestade, encostou a cabeça na pedra tumular, cercada do respeito geral c consciente de que o paiz avançaria firme c constante na senda re- gular da vida constitucional, tão difficil c labo- riosamente inaugurada.

Não foi mentido o horóscopo que a branca pomba, mensageira dos arcanos do futuro, poi- sando sobre o carro funerário da illustrc rainha, foi segredar ao corpo inanimado, que decerto en- tão ainda estremeceria de jubilo no seu esquife, não podendo suffocar n*clle as expansões cTaquclle caloroso amor de mãe extremosa.

O curto reinado de D. Pedro V foi testemu- nho eloquente de que na lição da experiência ha- viam simultaneamente aprendido o povo c o rei; mas esse mancebo de generosos sentimentos, esse bom rapa\f como o classificara Alexandre Herculano devia breve deixar plantada uma sau- dade no seio do povo, seu irmão; e o infante D. Luiz, mancebo educado para a carreira da marinha, onde dera notáveis provas de aptidão, desembaraço c arrojo, devia encontrar, no re- gresso d\ima viagem, com a dor da perda de um irmão estremecido, o peso de uma coroa, que o absolutismo da morte lhe arrojara de im- proviso para sobre a cabeça.

D. Luiz I, 3i.° rei de Portugal, nasceu a 3i de outubro de i838; suecedeu em 11 de novem- bro de i8(5i a seu irmão D. Pedro V; prestou juramento c foi proclamado rei em 22 de dezem- bro do mesmo anno; casou por procuração cm Turim a 27 de setembro c cm possoa na egreja

de S. Domingos, cm Lisboa, a 6 de outubro de 1862, com a senhora D. Maria Pia de Saboya, que nasceu a 16 de outubro de 1847, c filha de Victor Manuel II, rei de Itália, c da archiduqueza de Áustria Maria Adelaide Francisca Clotilde.

Doeste matrimonio houveram dois filhos: D. Car- los, príncipe real, que nasceu a 28 de setembro de io(33 c foi reconhecido pelas cortes herdeiro c suecessor â coroa cm sessão de 11 de fevereiro de 1864, prestando juramento cm 14 de março de 1878; c o infante D. A Afonso, duque do Porto. que nasceu a 3i de julho de i865.

D. Luiz que apenas contava 23 annos, mediu todo.o alcance c todas as diffieuldades do encargo que a pátria lhe impunha; c a sua loura c juvenil cabeça, que sonhava outros sonhos de gloria, teve de vergar ao peso de um diadema, tanto mais entretecido de espinhos, quanto o destino o for- çara a succcdcr a um monarcha, que, acariciado ém vida pela sympathia publica, era na morte aureolado ainda por esse grande prestigio com que a saudade e a veneração mystcriosas de alem da campa circumdam os que na vida nos são caros.

Ê cedo para escrever a historia do actual rei- nado, nem para tão alto commettimento, sobrariam os alentos do nosso engenho, ainda quandojbssc já propicio o ensejo. O tumultuar das paixões, o desvairamento das theorias, a cegueira das am- bições não deixam brilhar cm toda a sua pureza a verdade, a que as gerações vindouras hão de fazer inteira justiça, prestando ao actual chefe da nação portugueza a devida c justa homenagem.

A historia dos reis constiturionaes é a historia dos povos; c Portugal, sob a direcção de D. Luiz 1, tem caminhado com passo audacioso c seguro na senda dos progressos moraes c materiacs. O reinado de D. Luiz tem sido de paz, de tranquil- idade cconscguintcmcntc de progresso. São estes os mais gloriosos titulosdo rei, são estes os títulos mais gloriosos do povo.

Como vimos, foi cm circumstancias bem do- lorosas c difficcis que D. Luiz I subiu ao throno. Resolvendo conservar-sc fiel ao estatuto jurado, rodeiou-sc de homens intelligcntcs c oceupou-sc da prosperidade moral c material do seu reino.

Comprchcndcndo a necessidade de crear recur- sos próprios para Portugal, D. Luiz preparou-sc desde logo para continuar a gloriosa tarefa da rcorganisacão politica c administrativa, tão aus- piciosamente iniciada por seu defunto irmão.

* Um rápido volver de olhos para os factos mais notáveis do seu reinado bastará para levar o convencimento d'csta aflirmativa ao espirito, ainda dos mais meticulosos.

Dotado de uma invencível predilecção pelas viagens, D. Luiz saiu do reino cm 2 de outubro de i8(35 cm companhia de sua illustrc esposa c do principe D. Carlos, visitando n'cssa occasião

G O LIVRO DE OURO

risontcs da patria, offuscando esse brilhante dilu- culo, que mal conseguira aquecer o paiz. Fcz-sc treva outra vez no ceu que momentaneamente allumiâra um auspicioso arrebol, c só mais tarde o astro da liberdade brilhou com todo o seu fulgor, dissipados para sempre os negrumes que lhe haviam obscurecido o brilho matinal.

Dentre os cidadãos portuguezes que mais e melhor se haviam empenhado em conjurar a tem- pestade, erguc-se o vulto do Duque de Bragança, que descia do throno herdado^ que arremessava para longe os suppostos direitos da realeza de origem divina e vinha, simples soldado, conquis- tar, entre os seus companheiros de armas, o ti- tulo de outros direitos mais sagrados c mais incontestáveis nas muralhas enegrecidas da Ter- ceira e do Porto.

Lcvantou-sc c proclamou-o o povo por seu chefe; e a sua filha primogénita, a princcza da Beira, conferiu o sceptro da realeza constitucio- nal, finda a luta gigantesca, que marca uma das mais brilhantes paginas da historia contempo- rânea.

Esta senhora de elevado espirito c de alentos varonis, a quem coube a sorte da aprendizagem da vida parlamentar na nação acostumada á tv- rannia do poder absoluto, foi a primeira a expe- rimentar as agruras e as dilíiculdades do encargo que a nação lhe impozera; c se teve no seu reinado os trabalhos e os escolhos de uma difiicil iniciação, se viu rugir-lhe por vezes cm torno a tempestade, encostou a cabeça na pedra tumular, cercada do respeito geral e consciente de que o paiz avançaria firme c constante na senda re- gular da vida constitucional, tão difTicil e labo- riosamente inaugurada.

Não foi mentido o horoscopo que a branca pomba, mensageira dos arcanos do futuro, poi- sando sobre o carro funerário da illustrc rainha, foi segredar ao corpo inanimado, que decerto en- tão ainda estremeceria de jubilo no seu esquife, não podendo suffocar tVclle as expansões d'aqucllc caloroso amor de mãe extremosa.

O curto reinado de D. Pedro Y foi testemu- nho eloquente de que na lição da experiência ha- viam simultaneamente aprendido o povo c o rei; mas esse mancebo de generosos sentimentos, esse bom rapaç, como o classificára Alexandre Herculano devia breve deixar plantada uma sau- dade no seio do povo, seu irmão; e o infante D. Luiz, mancebo educado para a carreira da marinha, onde dera notáveis provas de aptidão, desembaraço c arrojo, devia encontrar, no re- gresso d\ima viagem, com a dor da perda de um irmão estremecido, o peso de uma corGa, que o absolutismo da morte lhe arrojára de im- proviso para sobre a cabeça.

D. Luiz I, 3i.° rei de Portugal, nasceu a 3i de outubro de i S3S; succcdeu em 11 de novem- bro de 18(51 a seu irmão D. Pedro V; prestou juramento c foi proclamado rei em 22 de dezem- bro do mesmo anno; casou por procuração cm Turim a 27 de setembro c cm possoa na cgrcja

de S. Domingos, em Lisboa, a 6 de outubro de 1862, com a senhora D. Maria Pia de Saboya, que nasceu a 16 de outubro de 1847, c filha de Victor Manuel 11, rei de Italia, e da archiduqucza de Austria Maria Adelaide Francisca Clotilde.

DYste matrimonio houveram dois filhos: D. Car- los, príncipe real, que nasceu a 28 de setembro de 1863 c foi reconhecido pelas côrtcs herdeiro e successor á coroa em sessão de 11 de fevereiro de 1S64, prestando juramento cm 14 de março de 1878; c o infante D. Alfonso, duque do Porto, que nasceu a 3i de julho de íSôã.

D. Luiz que apenas contava 23 annos, mediu todo.o alcance c todas as dificuldades do encargo que ã patria lhe impunha; c a sua loura c juvenil cabeça, que sonhava outros sonhos de gloria, teve de vergar ao peso de um diadema, tanto mais entretecido de espinhos, quanto o destino o for- çára a succcdcr a um monarcha, que, acariciado cm vida pela sympathia publica, era na morte aureolado ainda por esse grande prestigio com que a saudade e a veneração mystcriosas de alem da campa circumdam os que na vida nos são caros.

È cedo para escrever a historia do actual rei- nado, nem para tão alto commettimento, sobrariam os alentos do nosso engenho, ainda quando jossc já propicio o ensejo. C) tumultuar das paixões, o desvairamento das theorias, a cegueira das am- bições não deixam brilhar em toda a sua pureza a Verdade, a que as gerações vindouras hão de fazer inteira justiça, prestando ao actual chefe da nação portugueza a devida c justa homenagem.

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A historia dos reis constitucionacs é a historia dos povos; c Portugal, sob a direcção de D. Luiz I, tem caminhado com passo audacioso c seguro na senda dos progressos moraes e materiacs. O reinado de D. Luiz tem sido de paz, de tranquil- idade cconscguintemcntc de progresso. São estes os mais gloriosos títulos do rei, são estes os títulos mais gloriosos do povo.

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Como vimos, foi cm circumstancias bem do- lorosas c difíiccis que D. Luiz I subiu ao throno. Resolvendo conscrvar-se fiel ao estatuto jurado, rodeiou-se de homens intelligences c occupou-se da prosperidade moral c material do seu reino.

Comprchcndcndo a necessidade de crcar recur- sos proprios para Portugal, D. Luiz prcparou-sc desde logo para continuar a gloriosa tarefa da reorganisação politica c administrativa, tão aus- piciosamente iniciada por seu defunto irmão.

* Um rápido volver de olhos para os factos mais notáveis do seu reinado bastará para levar o convencimento d'esta aflirmativa ao espirito, ainda dos mais meticulosos.

Dotado de uma invencível predilecção pelas viagens, D. Luiz saiu do reino cm 2 de outubro de i865 cm companhia de sua illustrc esposa e do príncipe D. Carlos, visitando n'essa occasião

O LIVRO DE OURO

seu augusto so^ro, o rei de Itália c mais alguns soberanos da Europa, onde lhe foram feitas as mais affectuosas e cordeaes recepções. Esta via- gem durou perto de um anno.

Em 3 de julho de 1867 emprchendeu nova viagem cm companhia de seu irmão o infante D. Augusto, afim de ir encontrar-se com a rainha, que anteriormente havia saído do reino c também visitar a exposição Universal de Paris, tendo previamente assumido a regência do reino seu pãe cl-rei D. Fernando II.

Os factos mais notáveis do seu reinado e a que o illustre soberano mais calorosamente se tem associado são os seguintes:

A abertura da escola normal de Lisboa, a que assistiu; a saida das irmãs da caridade para França, no vapor Orenoque; a abolição da lei dos morgados; a abolição do monopólio do ta- baco; a lei permanente da admissão dos cereaes; a abertura da exposição internacional, na cidade do Porto, a que assistiu; a lei da liberdade do commercio de vinhos pela barra do Douro; a inau- guração da estatua de D. Pedro V, e do monu- mento a D. Pedro IV na cidade do Porto; a abo- lição das penas de morte e de trabalhos públicos nos crimes civis; a publicação do código civil; a festa nacional da inauguração solcmne da es- tatua de Luiz de Camões; a sahida da expedição para Zambezia; a inauguração solcmne do mo- numento a Bocage, na cidade de Setúbal; a inau- guração do monumento do Duque da Terceira, em Lisboa; a inauguração da monumental ponte do caminho^ de ferro do norte, sobre o Douro; a inauguração do caminho de ferro da Regoa; a festa nacional do tri-centenariode Camões; a inau- guração, na sala da bibliotheca da Academia Real das Sciencías, dos congressos intci nacionaes lit- terarioc de antropologia prehistorica; a exposição da arte ornamental e a exposição agrícola; a inau- guração do caminho de Cerro de Salamanca; a lei da reforma penal; a reunião das cortes consti- tuintes para a revisão da carta constitucional; e muitos outros factos de largo alcance moral e material que nos abstcinos de enumerar, por isso que não temos em mira escrever a historia cir- cumstanciada do reinado de D. Luiz, c apenas registar a largos traços, os fruetos do seu muito zelo pelos interesses nacionaes.

Ainda assim nem sempre tem sido de com- pleta e absoluta paz o reinado de D. Luiz.

Por vezes a ordem publica tem sofírido altera- ções, mas felizmente de pouca gravidadee duração.

Os principaes acontecimentos que n^sse sen- tido se tem dado, são os seguintes:

Os tumultos no Minho em princípios de maio de 1862; a sedição militar, em Braga, do regi- mento G de infanteria em i5 de agosto do mesmo anno; a agitação popular, por causa das leis de administração civil e do consumo, e o movimento de janeiro de 18GS, que trouxe a queda do mi- nistério da fusão Martens-Fontes; a revolta cm Richolim em itj de fevereiro de 1870, do bata- lhão de infanteria, e seguida logo depois por ou-

tros corpos, em consequência da nova organisa- ção decretada para o exercito da Índia; os acon- tecimentos eleitoraes na Madeira, na egreja de Machico, no i.° de maio do mesmo anno; a re- volta da parte da guarnição de Lisboa, na ma- drugada de K) de maio de 1870, que trouxe a queda do gabinete Loulê-Braamcamp, ,e a no- meação do duque de Saldanha; a revolta em Goa em setembro de 1881 de alguns batalhões de tropa indígena; a crise monetária no Porto e Lisboa, havendo corrida geral cm 18 de agosto de 1876, sobre os bancos, que na generalidade deixaram de pagar, decretando o governo uma moratória de 60 dias, ciuc não foi preciso reno- var, nela patriótica resolução do corpo commer- cial cíc Lisboa; e diversos outros acontecimentos que a falta de espaço não nos permitte citar.

Poderíamos, é certo, exercer sobre os factos apontados e ainda sobre muitos outros que dei- xamos de enumerar uma critica mais ou menos justa, mais ou menos sincera; declinamos porém, por opportuna e intempestiva, tão árdua missão. Para nós c ponto de fé que D. Luiz nem sempre tem sido devidamente apreciado nas suas, aliás generosas intenções, c que não poucas vezes a maldade organisada tem procurado attíngil-o com as suas settas envenenadas.

Não terá comtudo D. Luiz errado? Tem; e affirmar o contrario, seria proferir uma banali- dade incensatoria. N1estc globo sublimar tudo ê fallivel c transitório; as verdades absolutas não existem; e, apezar (Testa múltipla e interminável cadeia de convenções que nos rodeia, todos erra- mos, e o que é mais—erramos a cada passo. O erro é uma gravitação — escreveu Victor Hugo no prologo de um dos seus livros de maior apre- ço e renome. Com efleito, quem, ainda hoje, ou- saria lapidar Magdalcna?

D. Luiz poderá, repetimos, ter errado no go- verno supremo da nação; mas o que ninguém pôde com verdade negar, é que na sua obediên- cia pelas leis, no seu interesse por todos os pro- gressos e n'uma justa intelligencia da arte de rei- nar, tem sabido D. Luiz fazer da monarchia por- tugueza a mais livre e a mais serena da Eu- ropa.

Digam lá o que disserem, rouquejem, muito embora, com fúria os energúmenos da politica, mas o certo, o que ninguém pôde negar é que D. Luiz tem sabido, em circumstancias quasí sempre diíHceis, conquistar a estima do paiz, hoje respeitado ante as nações estranhas, admi- rado pela dignidade e cordura com que no meio das tempestades .desencadeadas na Europa se tem conservado firme e tranquillo, estudando os meios de progredir e de se desenvolver; e o re- conhecimento (Testa verdade incontroversa faz com que o illustre soberano receba a homenagem sincera e devotada de milhões de portuguezes, que se dedicam ás sciencias, ás artes, ao com- mercio, d industria, á administração dos seus bens e fazendas, ao trabalho honroso e honesto e que melhor do que ninguém avaliam e apre- ciam as indisputáveis vantagens que da paz pu- blica advém.

O LIVRO DE OURO

seu augusto sogro, o rei de Italia e mais alguns soberanos da Luropa, onde lhe foram feitas as mais affectuosas e cordeaes recepções. Esta via- gem durou perto de um anno.

Em 3 de julho de 1867 emprehendeu nova viagem em companhia de seu irmão o infante D. Augusto, afim de ir encontrar-se com a rainha, que anteriormente havia saído do reino e também visitar a exposição Universal de Paris, tendo previamente assumido a regência do reino seu pãe el-rci D. Fernando II.

Os factos mais notáveis do seu reinado e a que o illustre soberano mais calorosamente se tem associado são os seguintes:

A abertura da escola normal de Lisboa, a que assistiu; a saida das irmãs da caridade para França, no vapor Orenoqtie; a abolição da lei dos morgados; a abolição do monopólio do ta- baco; a lei permanente da admissão dos cercaes; a abertura da exposição internacional, na cidade do Porto, a que assistiu; a lei da liberdade do commercio de vinhos pela barra do Douro; a inau- guração da estatua de D. Pedro V, e do monu- mento a D. Pedro IV na cidade do Porto; a abo- lição das penas de morte e de trabalhos públicos nos crimes civis; a publicação do codigo civil; a festa nacional da inauguração solemne da es- tatua de Luiz de Camões; o sabida da expedição para Zambezia; a inauguração solemne do mo- numento a Bocage, na cidade de Setúbal; a inau- guração do monumento do Duque da Terceira, em Lisboa; a inauguração da monumental ponte do caminho^ de ferro do norte, sobre o Douro; a inauguração do caminho de ferro da Regoa; a festa nacional do tri-ccntenario de Camões; a inau- guração, na sala da bibliotheca da Academia Real das Sciencias, dos congressos intcrnacionaes lit- terario e de antropologia prehistorica; a exposição da arte ornamental e a exposição agrícola; a inau- guração do caminho de (erro de Salamanca; a lei da reforma penal; a reunião das cortes consti- tuintes para a revisão da carta constitucional; e muitos outros factos de largo alcance moral e material que nos abstemos de enumerar, por isso que não temos em mira escrever a historia cir- cumstanciada do reinado de D. Luiz, e apenas registar a largos traços, os fructos do seu muito zelo pelos interesses nacionaes.

Ainda assim nem sempre tem sido de com- pleta e absoluta paz o reinado de D. Luiz.

Por vezes a ordem publica tem sofírido altera- ções, mas felizmente de pouca gravidade e duração.

Os principaes acontecimentos que n'esse sen- tido se tem dado, são os seguintes:

Os tumultos no Minho em princípios de maio de 1862; a sedição militar, em Braga, do regi- mento 6 de jnfanterio em i5 de agosto do mesmo anno; a agitação popular, por causa das leis de administração civil e do consumo, e o movimento de janeiro de 18GS. que trouxe a queda do mi- nistério da fusão Martens-Fontes; a revolta em Bicholim cm icj de fevereiro de 1870, do bata- lhão de infanteria, e seguida logo depois por ou-

tros corpos, em consequência da nova organisa- ção decretada para o exercito da índia; os acon- tecimentos eleitoraes na Madeira, na cgreja de Machico, no i.° de maio do mesmo anno; a re- volta da parte da guarnição de Lisboa, na ma- drugada de 1 e) de maio de 1870, que trouxe a queda do gabinete Loulé-Braamcamp, ,e a no- meação do duque de Saldanha; a revolta em Goa em setembro de iS8t de alguns batalhões de trona indígena; a crise monetária no Porto e Lisboa, havendo corrida geral em 18 de agosto de 1S76, sobre os bancos, que na generalidade deixaram de pagar, decretando o governo uma moratória de óo dias, que não foi preciso reno- var, pela patriótica resolução do corpo commer- cial de Lisboa; e diversos outros acontecimentos que a falta de espaço não nos permitte citar.

Poderíamos, ú certo, exercer sobre os factos apontados e ainda sobre muitos outros que dei- xamos de enumerar uma critica mais ou menos justa, mais ou menos sincera; declinamos porém, nor opportuna e intempestiva, tão ardua missão. Para nós é ponto de fé que D. Luiz nem sempre tem sido devidamente apreciado nas suas, aliás generosas intenções, e que não poucas vezes a maldade organisada tem procurado attíngíl-o com as suas settas envenenadas.

Não terá comiudo D. Luiz errado? Tem; e aflfirmar o contrario, seria proferir uma banali- dade incensatoria. N1este globo sublunar tudo ú fallivel e transitório; as verdades absolutas não existem; e, apezar d'esta múltipla e interminável cadeia de convenções que nos rodeia, todos erra- mos, e o que é mais—erramos a cada passo. O erro é uma gravitação — escreveu Victor Hugo no prologo de um dos seus livros de maior apre- ço e renome. Com eíléito, quem, ainda hoje, ou- saria lapidar Magdalena?

D. Luiz poderá, repetimos, ter errado no go- verno supremo da nação; mas o que ninguém pôde com verdade negar, é que na sua obediên- cia pelas leis, no seu interesse por todos os pro- gressos e n'uma justa intelligencia da arte de rei- nar, tem sabido D. Luiz fazer da monorchia por- tugueza a mais livre e a mais serena da Eu- ropa.

Digam lá o que disserem, rouquejem, muito embora, com fúria os energúmenos da politica, mas o certo, o que ninguém pode negar é que D. Luiz tem sabido, em circumstancias quasi sempre ditHceis, conquistar a estima do paiz, hoje respeitado ante as nações estranhas, admi- rado pela dignidade e cordura com que 110 meio das tempestades .desencadeadas na Europa se tem conservado firme e tranquillo, estudando os meios de progredir e de se desenvolver; e o re- conhecimento doesta verdade incontroversa faz com que o illustre soberano receba a homenagem sincera e devotada de milhões de portuguezes, que se dedicam ás sciencias, ás artes, ao com- mercio, á industria, á administração dos seus bens e fazendas, ao trabalho honroso e honesto e que melhor do que ninguém avaliam e apre- ciam as" indisputáveis vantagens que da paz pu- blica advém.

ò

O LIVRO DE OURO

Por sua generosidade, intclligenciac verdadeiro desejo de promover a felicidade dos seus súbdi- tos, tem D. Luiz um logar distincto entre os mo- narchas reinantes. A sua politica bascia-se no louvável intuito de unir c estreitar quanto pos- sível os laços da família portugueza, c se nem sempre p tem conseguido, c porque a força im- periosa das circumstancias subjuga o seu desejo ae acertar.

Em presença do perigo D. Luiz soube sempre conduzir-se com sabia prudência c mostrar-se digno da confiança da nação, oííerecendo a essa confiança seguras garantias. O seu fim tem sido procurar o bem publico não só curando os males da pátria, mas também promovendo, quanto caiba nas forças humanas, a sua prosperidade.

Apesar da rectidão da sua condueta, D. Luiz tem sido alvo de violentos ataques c de morda- zes censuras; o que afinal não é para estranhar.

Nenhum funccionario, seja qual fôr a sua ca- theçoría, pôde esperar uma approvação geral.

Cada um quer que o Estado seja governado â sua vontade; é esta a mania dos homens; ora, como o seu modo de pensar é tão variado como as suas phisionomías, já se vc que é impossível contentar a todos. O mesmo Júpiter, diziam os pagãos, não pôde agradar a todos, sempre ha quem se queixe, quer de bom tempo, quer dê chuva: Ne Júpiter quidem omnibus placei.

E demais, é impossível que o publico, que está, por assim dizer, na platéa do mundo, veja todas as molas que fazem mover os bastidores a cada mudança de scena politica.

Só a historia, no seu sombrio theatro anató- mico, pôde, com verdade, ajuizar d^clles, illu- minando-os com cures brilhantes ou sombrean- do-os com pesados negrumes.

Como homem, na sua vida panicular conserva intactas as tradicções da austeridade materna. Das mães recebem os filhos o aue ha de mais firme, de mais profundo c de mais duradouro no seu caracter c nos seus sentimentos: de cabeça erguida c sem receio de protestos cm contrario, se pôde dizer que D. Luiz tem sido digno filho de tão digna mãe.

Os títulos de nobreza do seu animo generoso c valcdor estão authenticados pela consideração publica, c não carecem por isso de nenhum ou- tro registro. O desvello com que cuidou e cuida da educação de seus filhos; a protecção que de- dica a todas as iniciativas uteis, quer pertençam á ordem material, quer digam respeito á intellc- ctual; são qualidades distinctas que o apresentam c recommendam á consideração do paiz c do estrangeiro.

Em um dos mais considerados jornaes franeczes lemos nós ha pouco tempo a seguinte apreciação, devida á sentenciosa pcnna de um dos illustrcs membros do congresso litterario internacional que cm junho de 1880 se reuniu cm Lisboa.

Ouçamos a voz insuspeita c desapaixonada d "'es se sábio eminente c distincto historiador francez:

«Tive occasião de privar de perto com o illus-

tre soberano de Portugal, c n'cssa curta convi- vência tive ensejo de reconhecer que D. Luiz c um grande protector das bellas artes, da indus- tria e do commercio; um cultivador primoroso da lítteratura, da musica, da pintura c das seien- cias exactas; um csclarecidissimo espirito, c um bonissimo coração. Estes dotes seriam a admira- ção c o respeito de todos, se a Índole facciosa dos partidos políticos os não adulterasse, para embaciar o seu brilho c desconceitual-o no animo d^qucllcs, que, por habito, por interesse, ou por ignorância, são injustos.

«O rei de Portugal e mais accessivel do que o presidente de uma republica. Quer se ache no seu incompleto palácio cTAjuda, quer em Cintra, quer na praia de Cascacs, grandes c pequenos suo reccoídos c aílavelmcntc attendidos por Sua Magestade, mostrando todavia uma perdoá- vel predilecção pelos homens scientificos, pelos grandes artistas, pelos industriacs illustrados c por todos aquellcs que tenham prestado serviços relevantes em qualquer ramo útil á sociedade. Raros são destes os que lhe tem sido apresen- tados c que se vão da sua augusta presença sem um penhor da sua magnificência ou um apertado shakehands. E depois a illustração de Sua Ma- gestade é vastíssima. Poucos assumptos littc- rarios, scientificos, económicos ou artísticos lhe são desconhecidos c nos quaes não possa revcllar os seus muitos conhecimentos.

«Mas ha ainda pormenores de bem mais alta importância c interesse c são os seguintes:

«Na administração da casa real ha uma conta inteiramente separada, das esmolas, dos subsí- dios a escolas e a estabelecimentos de caridade e de beneficência, de pensões a estudantes que cursam tanto as academias nacionaes como as estrangeiras, e de casas pagas por EI-ReÍ a grande numero de famílias necessitadas. Em tempos or- dinários, o conjuncto d"essa despeza cleva-sc, pelo menos á sexta parte da dotação real de cada anno, ou lista civil.»

Lá fora avalia-sc, pela forma transcripta, o ca- racter c as intenções do rei de Portugal; aqui nem sempre tem conseguido ver rectamente apre- ciados os seus actos, o que, todavia, se acha justi- ficado c absolvido por este velho proloquio ge- nuinamente nacional — ninguém é propheta na sua terra.

De D. Pedro Y fez o primeiro talento da nossa terra, o sincero c imparcial elogio na singela phrasc com que o denominou, ^fom rapa\ chamou A. Herculano a D. Pedro V, a quem consagrara a mais sincera estima.

D. Luiz não tem envergonhado a memoria do seu chorado irmão; c o povo, â semilhança do grande historiador, também o soube caracterisar n\ima curta c singella phrasc, sem o sabor da lisonja palaciana, chamando-lhe Topular. NVstc simples cognome reside a expressão do voto c do julgamento do actual reinante.

TYP. 1;L»EVJPTàSA — Praça dos Restauradores, 5o a 56 — Lisboa

8 O LIVRO DE OURO

Por sua generosidade, intelligence c verdadeiro desejo de promover a felicidade dos seus súbdi- tos, tem D. Luiz um logar distincto entre os mo- narches reinantes. A sua politica bascia-se no louvável intuito de unir c estreitar quanto pos- sível os laços da família portugueza, c se nem sempre o tem conseguido, é porque a força im- periosa das circumstancias subjuga o seu desejo ae acertar.

Em presença do perigo D. Luiz soube sempre conduzir-se com sabia prudência e mostrar-se digno da confiança da nação, offerecendo a essa confiança seguras garantias. O seu fim tem sido procurar o bem publico não só curando os males da patria, mas também promovendo, quanto caiba nas forças humanas, a sua prosperidade.

Apesar da rectidão da sua conducta, D. Luiz tem sido alvo de violentos ataques e dc morda- zes censuras; o que afinal não é para estranhar.

Nenhum funccionario, seja qual for a sua ca- thegoria, pôde esperar uma approvação geral.

Cada um quer que o Estado seja governado â sua vontade; é esta a mania dos homens; ora, como o seu modo dc pensar é tão variado como as suas phisionomias, já se vê que é impossível contentar a todos. O mesmo Jupiter, diziam os pagãos, não pôde agradar a todos, sempre ha quem se queixe, quer dc bom tempo, quer dc chuva: Ne Jupiter quidem omnibus placet.

E demais, é impossível que o publico, que está, por assim dizer, na platéa do mundo, veja todas as molas que fazem mover os bastidores a cada mudança ac seena politica.

Só a historia, no seu sombrio theatro anató- mico, pôde, com verdade, ajuizar deciles, illu- minando-os com cures brilhantes ou sombrean- do-os com pesados negrumes.

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Como homem, na sua vida particular conserva intactas as tradicções da austeridade materna. Das mães recebem os filhos o que ha dc mais firme, dc mais profundo e dc mais duradouro no seu caracter c nos seus sentimentos: de cabeça erguida e sem receio de protestos em contrario, se pôde dizer que D. Luiz tem sido digno filho dc tão digna mãe.

Os títulos dc nobreza do seu animo generoso e valcdor estão authenticados pela consideração publica, c não carecem por isso de nenhum ou- tro registro. O dcsvcllo com que cuidou c cuida da educação de seus filhos; a protecção que de- dica a todas as iniciativas uteis, quer pertençam á ordem material, quer digam respeito á intelle- ctual; são qualidades distinctas que o apresentam e recommcndam á consideração do paiz e do estrangeiro.

Em um dos mais considerados jornaes francczcs lemos nós ha pouco tempo a seguinte apreciação, devida á sentenciosa penna de um dos illustrcs membros do congresso Jitterario internacional que cm junho de 1880 se reuniu em Lisboa.

Ouçamos a voz insuspeita c desapaixonada d'essc sábio eminente c distincto historiador francez:

«Tive occasião de privar dc perto com o illus-

tre soberano de Portugal, e iPessa curta convi- vência tive ensejo dc reconhecer que D. Luiz é um grande protector das bellas artes, da indus- tria e do commercio; um cultivador primoroso da litteratura, da musica, da pintura c das scicn- cias exactas; um esclarecidissimo espirito, e um boníssimo coração. Estes dotes seriam a admira- ção e o respeito de todos, se a Índole facciosa dos partidos políticos os não adulterasse, para embaciar o seu brilho c dcsconceitual-o no animo d^quclles, que, por habito, por interesse, ou por ignorância, são injustos.

«O rei de Portugal é mais acccssivel do que o presidente dc uma republica. Quer se ache no seu incompleto palacio cTAjuda, quer em Cintra, quer na praia dc Cascacs, grandes e pequenos são reccoidos e ailávelmente attcndidos por Sua Magestade, mostrando todavia uma perdoá- vel predilecção pelos homens scientificos, pelos grandes artistas, pelos industriaes illustraaos e por todos aquelles que tenham prestado serviços relevantes cm qualquer ramo uril á sociedade. Raros são destes os que lhe tem sido apresen- tados e que se vão da sua augusta presença sem um penhor da sua magnificência ou um apertado shakehands. E depois a illustração de Sua Ma- gestade é vastíssima. Poucos assumptos littc- rarios, scientificos, economicos ou artísticos lhe são desconhecidos c nos quaes não possa revcllar os seus muitos conhecimentos.

«Mas ha ainda pormenores dc bem mais alta importância c interesse c são os seguintes:

«Na administração da casa real ha uma conta inteiramente separada, das esmólas, dos subsí- dios a escolas e a estabelecimentos de caridade e dc beneficência, de pensões a estudantes que cursam tanto as academias nacionacs como as estrangeiras, e dc casas pagas por El-Rci a grande numero de familías necessitadas. Em tempos or- dinários, o conjuncto d'essa despeza eleva-se, pelo menos á sexta parte da dotação real de cada anno, ou lista civil.»

Lá fóra avalia-sc, pela forma transcripta, o ca- racter e as intenções do rei de Portugal; aqui nem sempre tem conseguido ver rectamente apre- ciados os seus actos, o que, todavia, se acha justi- ficado e absolvido por este velho proloquío ge- nuinamente nacional — ninguém é propheta na sua terra.

De D. Pedro V fez o primeiro talento da nossa terra, o sincero c imparcial elogio na singela phrase com que o denominou. 7hm rapa\ chamou A. Herculano a D. Pedro V, a quem consagrara a mais sincera estima.

D. Luiz não tem envergonhado a memoria do seu chorado irmão; c o povo, á semilhança do grande historiador, também o soube caracterisar n1uma curta c singclla phrase, sem o sabor da lisonja palaciana, chamando-lhc Topular. NVstc simples cognome reside a expressão do voto e - do julgamento do actual reinante.

Tvp, 1;l*ev!P!asa — Praça dos Restauradores, 5o a 56 — Lisboa

O LIVRO DE OURO cBiographias dos personagens mais distinctos cm politica,

armas, religião, íettras, sciendas, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO — iSB5

Aníonio Maria de Fontes Pereira de Mello

A Regeneração — escrevia, ha dias, um pe- riódico proclamando os serviços, que o grupo politico assim denominado tem prestado ao paiz: — a regeneração é o progresso, é a ciriiisação, é a lu\. Nós, acerescentando a esse período enthusiasta a aílirmativa de que o cavalheiro, de quem nos vamos oceupar iTcstc artigo, tem sido a identificação, a unificação, a individualisação (Teste grupo tão brilhantemente conceituado, fa- zemos o elogio mais singelo e ao mesmo tempo mais sincero e verdadeiro do homem politico que entre nós mais se tem distinguido na segunda parte doeste século. J

Ha vultos que se não avaliim bem, que se não podem apreciar devidamente quando obser- vados muito de perto, como as obras primas de pintura c de estatuária; só cm distancia se ana- rysam com justiça, a aproximação prejudica o juizo, escapam ao julgador as bellczas do con- torno, perde-sc o mais bello efíeito das uuances. Aos estadistas succcdc outro tanto. Os con- temporâneos exageram o louvor c a censura. A pcnna do adversário é guiada pela paixão, a dos addictos pela sympathia; aquella porém quasi sempre predomina. Os ministros mais notáveis •— portuguezes — dos séculos xvii c XVJU conde de Castello Melhor c marquez de Pombal, foram por isso mal apreciados pelos escriptores do seu tempo. O nome do segundo está hoje vingado das injustiças dos coevos, mas o do primeiro ainda não surgiu completamente desempanado das sombras negras, com que o cnnublaram os amigos de D. Pedro II e os parciacs da rainha D. Maria Francisca.

Fontes também só pela posteridade será de- vidamente apreciado c só a luz suprema da impar- cialidade desapaixonada ■— do futuro — ha de pôr bem cm relevo toda a grandeza <Tcstc dis- tíncto estadista. Posto isto, licamos dispensados do louvor c da censura, por isso que o nosso único fim é agrupar aqui notas biographicas, para guia de mais auetorisados julgadores.

António Maria de Fontes Pereira de Mello, nasceu cm Lisboa aos 8 de setembro de 1S i o; foram seus progenitores o conselheiro João de Fontes Pereira de Mello, ministro de estado honorário, distincto membro da marinha portu-

gueza, c D. Jacintha Venancia Rosa da Cunha Mattos.

Fontes Pereira de Mello é viuvo. Um acaso fatal parece ter querido prival-o de todos os cui- dados c de todos os afíectos, para que não ti- vesse outro amor que o do seu paiz. outros cui- dados que os do estado.

Aproveitando esta circumstancia a voz publica, esse rumor vago que não tem imputação nem explicação, quasi todos os annos lhe attribuc um enlace matrimonial, tendo sido indigitadas para partilharem o seu thalamo conjugal as mais bcl- las, as mais opulentas, c as mais nobres damas da sociedade portugueza.

Cremos que o illustre estadista, sem rebeldia ao suave influxo que rendeu Marte e humilhou Hercules, não sacrificará novamente nas aras de Hymineu cmquanto se não divorciar da Divin- dade que até hoje tem sido o alvo de todos os seus atfcctos c de todos os seus extremos, a po- litica.

Se acreditarmos os seus adversários, podemos comtudo aflirmar com aflouteza que os negócios do coração não lhe são de todo extranhos e não é menos feliz do que nos do estado: o certo c que nenhum outro orador tem a fortuna de attrahir auditório mais selecto c numeroso ã galeria das camarás, reservada ao bello sexo.

S& António Maria de Fontes Pereira de Mello

entrou na vida publica pelos portaes do estudo, distinguindo-se brilhantemente nos cursos de ma- rinha c de engenharia militar.

Em iS51 o marechal Saldanha depois de ter obrigado a abandonar os conselhos da coroa, o grupo denominado Cabralista, constituiu o pri- meiro ministério a que se deu e ao grupo d^onde sahiu. o nome de regenerador, e convidou-o a applicar o seu reconhecido mérito c sapiente acti- vidade á gerência dos negócios públicos.

m Se nós quizessemos fazer espirito cm vez de

unicamente reunir aqui os apontamentos bíogra- phicos de um vulto tão distincto e tão digna- mente credor de figurar nas primeiras paginas do Lino de Ouro, da fidalguia nacional, diría- mos que um acaso feliz já presidiu ao seu nasci-

O LIVRO DE OURO

Hiographias dos personagens mais distinctos cm politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commcrcio, industria c agricultura

ANNO I — VOLUME I PUBL1CACAO PARA PORTUGAL E BRAZIL JANEIRO — i S85

Aníonio Maria de Fontes Pereira de Mello

A Regeneração — escrevia, ha dias, um pe- riódico proclamando os serviços, que o grupo politico assim denominado tem prestado ao paiz: — a regeneração é o progresso, é a cirilisação, é a lu\. Nós, accrescentando a esse período enthusiasta a aílirmativa de que o cavalheiro, de quem nos vamos occupar íríeste artigo, tem sido a identificação, a unificação, a individualisação d'este grupo tão brilhantemente conceituado, fa- zemos o elogio mais singelo e ao mesmo tempo mais sincero e verdadeiro do homem politico que entre nós mais se tem distinguido na segunda parte dVste século. *

Ha vultos que se não avaliam bem, que se não podem apreciar devidamente quando obser- vados muito de perto, como as obras primas de pintura c de cstatuaria; só em distancia se ana- íysam com justiça, a aproximação prejudica o juiz.o, escapam ao julgador as bellezas do con- torno, perde-se o mais bello eífeito das nuances. Aos estadistas succede outro tanto. Os con- temporâneos exageram o louvor e a censura. A penna do adversário é guiada pela paixão, a dos addictos pela sympathia; aquclla porém quasi sempre predomina. Os ministros mais notáveis — portuguezes — dos séculos xvn e xvm conde de Castello Melhor e marquez de Pombal, foram por isso mal apreciados pelos e script ores do seu tempo. O nome do segundo está hoje vingado das injustiças dos coevos, mas o do primeiro ainda não surgiu completamente descmpanado das sombras negras, com que o ennublaram os amigos de D. Pedro II e os parciacs da rainha D. Maria Francisca.

Fontes também só pela posteridade será de- vidamente apreciado e só a luz suprema da impar- cialidade desapaixonada -— do futuro — ha de por bem cm relevo toda a grandeza dVste dis- tíncto estadista. Posto isto, ficamos dispensados do louvor e da censura, por isso que o nosso único fim é agrupar aqui notas biographic as, para guia de mais auctorisados julgadores.

Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, nasceu em Lisboa aos 8 de setembro de íSiq; foram seus progenitores o conselheiro João de Fontes Pereira de Mello, ministro de estado honorário, distincto membro da marinha portu-

gueza, e D. Jacintha Ve nane ia Rosa da Cunha Mattos.

Fontes Pereira de Mello é viuvo. Um acaso fatal parece ter querido prival-o de todos os cui- dados e de todos os aílectos, para que não ti- vesse outro amor que o do seu paiz, outros cui- dados que os do estado.

Aproveitando esta circumstancia a voz publica, esse rumor vago que não tem imputação nem explicação, quasi todos os annos lhe attribuc um enlace matrimonial, tendo sido indigitadas para partilharem o seu thalamo conjugal as mais bel- las, as mais opulentas, e as mais nobres damas da sociedade portugueza.

Cremos que o illustre estadista, sem rebeldia ao suave influxo que rendeu Marte e humilhou Hercules, não sacrificará novamente nas aras de Hymineu emquanto se não divorciar da Divin- dade que até hoje tem sido o alvo de todos os seus alfectos e dc todos os seus extremos, a po- litica.

Se acreditarmos os seus adversários, podemos comtudo atfirmar com affouteza que os negocios do coração não lhe são de todo extranhos e não é menos feliz do que nos do estado: o certo é que nenhum outro orador tem a fortuna de attrahir auditório mais selecto e numeroso á galeria das camaras, reservada ao bello sexo.

Antonio Maria de Fontes Pereira dc Mello entrou na vida publica pelos portaes do estudo, distinguindo-se brilhantemente nos cursos dc ma- rinha c de engenharia militar.

Fm 1851 o marechal Saldanha depois de ter obrigado a abandonar os conselhos da coroa, o grupo denominado Cabralista, constituiu o pri- meiro ministério a que se deu c ao grupo dMnde sabiu. o nome de regenerador, e convidou-o a applícar o seu reconhecido mérito e sapiente acti- vidade á gerência dos negocios públicos.

Se nós quizessemos fazer espirito cm vez de unicamente reunir aqui os apontamentos bíogra- phicos de um vulto tão distincto e tão digna- mente credor de figurar nas primeiras paginas do Livro de Ouro, da fidalguia nacional, diría- mos que um acaso feliz já presidiu ao sett nasci-

IO O LIVRO DE OURO

mento, por isso que vciu ao mundo no dia que a sociedade christã denomina da ///,.

Com cffeito António Maria de Fontes Pereira de Mello tem sido um verdadeiro facho de luz, porque cllc concentrou cm si c no partido, que o elegeu por chefe, todas as aspirações de liber- dade que existiam já palpitantes e latentes em i85i, mas desaggrcgadas e sem força, nem ele- mentos para se traduzirem cm factos.

Fontes Pereira de Mello foi por muito tempo a encarnação do partido liberal, mais avançado c mais correcto, c por isso viu condensarem-se cm torno d\:llc todos os elementos a que acima nos referimos, elementos que d^elle receberam a unificação, dando-lhe cm troca a força que re- sulta da unidade.

Fontes, porém, não tem só defendido nos campos parlamentares os princípios liberaes; o seu amor a causa do progredimento humano atfirmou-sc cm tenra cdade c cm pugnas mais perigosas. A aurora da liberdade raiando cm 1820 encontrou-o no berço, mas a grande cam- panha que estabeleceu no nosso paiz definitiva- mente o regimen liberal, a campanha, que con- cluiu pelo tratado de Évora Monte, ntssa tomou cllc já parte; porque cm i3 de agosto de i833, com quatorze annos incompletos, sentava praça de guarda marinha para servir a causa liberal.

Ivcsta carreira, que foi outrora a fonte do engrandecimento, da riqueza c da gloria de Por- tugal, haviam já brilhantemente militado seu pac, o conselheiro João de Fontes Pereira de Mello, que era ministro de estado honorário, tendo re- gido a pasta de marinha, um tio, c outros mem- bros de sua familia.

Na famosa batalha naval do Cabo de S. Vi- cente, ferido no dia 11 de outubro de i833, re- cebeu o moço guarda marinha o baptismo do fogo.

Dissemos acima que o nosso biographado assi- gnalára brilhantemente a sua passagem pelos cursos seientificos; convêm dcmonstral-o.

Durante o estudo na Academia Real de Ma- rinha, Fontes foi premiado no primeiro c segundo anno d\iquclle curso, c no terceiro, não havendo premio, teve apnrovação distincta.

Quer dizer obteve todos os prémios ordiná- rios, mas por decreto de i8o3 com o fim de incitar o amor ao estudo d'csta arma especial fora creado um premio extraordinário destinado a galardoar o mérito excepcional. Em 1837 alcan- çou Fontes este premio especialíssimo, que só ti- vera occasião de ser dado tres vezes no decurso de 32 annos — de i8o5 a i83/.

Já a este tempo Fontes — c dcsi«namol-o assim, porque é este o nome que no baptismo da popularidade a voz publica lhe dá; a este tempo não satisfazia a sua ambição de saber com os conhecimentos que podia obter na Academia de Marinha c por isso seguia o curso professado na Academia de Fortificação, que pouco depois se converteu cm escola do exercito, passando cm seguida para o corpo de engenheiros, e n^cste curso alcançou também tres prémios.

Promovido cm 1839 a tenente de engenheiros c pouco depois despachado ajudante de ordens de seu pac, que então governava a província de Cabo Verde, o moço engenheiro propo/.-sc estu- dar com aqucllc amor c cuidado, que tão fecun- dos fruetos produzira nas aulas, os meios de engrandecer e fazer prosperar as colónias c os tres annos que decorrem de i83q a 1842 cm que regressou á metrópole foram por cllc empregados em levantar as plantas dos principaes portos do archipclago, fazer o estudo económico de cada uma das ilhas c da Guiné, descrever em impor- tantes relatórios essas possessões c os elementos de que careciam para prosperar, ao mesmo tempo que planeava dificrentes obras punha outras cm via de execução, merecendo entre estas men- cionar-sc o Hospital da Misericórdia na cidade da Praia de Cabo Verde, devido aos esforços do notável estadista.

Regressando á Europa cm 1842, correu logo a matricular-sc no curso de astronomia da Escola Polytcchnica, que não completou, porque duas perdas suecessivas c dolorosas lhe estiolaram no coração o amor aos trabalhos escolares.

ÍÚ

Em Cabo Verde desposara a sr.a D. Maria Joscpha de Souza, filha do negociante António de Souza Machado. Esta dama fallcccu pouco depois do regresso á Europa, sendo a perda da esposa cm curto espaço aggravada pela única fi- lha, que o matrimonio lhe dera.

Em 1844 tendo afogado no intimo d^lma as dores pungentes c talvez cicatrisado as feridas rasgadas pela prematura morte da esposa c da filha, Fontes regressou ao bulício do mundo en- trando sob a presidência d\im vulto também dis- tincto para os trabalhos geodésicos, onde se dis- tinguiu brilhantemente, prestando relevantes ser- viços a esse ramo então tão pouco conhecido ainda do saber humano.

E a^ora que vamos apresentar Fontes sob o seu aspecto de estadista, acabaremos de vez com os seus titulos honoríficos, que são:

Ministro de estado, fidalgo da real camará, general de engenheiros, grã-cruz de todas as ordens portuguezas, cavallciro de Tosão de Ouro, gra-cruz de Isabel a Catholica, c de Carlos III, de Hcspanha, de Leopoldo da Bélgica, de Leão Nccrlandcz dos Paizes Baixos, ete, ete, ete, c sócio de grande numero de sociedades luteranas e seientificas.

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O LIVRO DE OURO

mento, por isso que vciu ao mundo no dia que a sociedade christã denomina da lily.

Com cffeito Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello tem sido um verdadeiro facho de luz, porque clle concentrou cm si e no partido, que o elegeu por chefe, todas as aspirações de liber- dade que existiam já palpitantes e latentes em 1851, mas desaggregadas e sem força, nem ele- mentos para se traduzirem em factos.

Fontes Pereira de Mello foi por muito tempo a encarnação do partido liberal, mais avançado e mais correcto, c por isso viu condcnsarcm-se em torno decile todos os elementos a que acima nos referimos, elementos que dMllc receberam a unificação, dando-lhe em troca a força que re- sulta da unidade.

Fontes, porém, não tem só defendido nos campos parlamentares os princípios liberaes; o seu amor d causa do progredimento humano alfirmou-se em tenra edadc e em pugnas mais perigosas. A aurora da liberdade raiando em 1820 encontrou-o no berço, mas a grande cam- panha que estabeleceu no nosso paiz definitiva- mente o regimen liberal, a campanha, que con- cluiu pelo tratado de Évora Monte, nMssa tomou clle já parte; porque em i3 de agosto de 1833, com quatorze annos incompletos, sentava praça de guarda marinha para servir a causa liberal.

Fresta carreira, que foi outriora a fonte do engrandecimento, da riqueza c da gloria de Por- tugal, haviam já brilhantemente militado seu pac, o conselheiro João de Fontes Pereira de Mello, que era ministro de estado honorário, tendo re-

ido a pasta de marinha, um tio, e outros mem- ros de sua familia. Na famosa batalha naval do Gabo de S. i-

ccntc, ferido no dia 11 de outubro de 1833, re- cebeu o moço guarda marinha o baptismo do fogo.

Dissemos acima que o nosso biographado assi- gnalára brilhantemente a sua passagem pelos cursos scicntificos; convém demonstral-o.

Durante o estudo na Academia Real de Ma- rinha, Fontes foi premiado no primeiro e segundo anno dMquellc curso, c no terceiro, não havendo premio, teve apnrovação distincta.

Quer dizer obteve todos os prémios ordiná- rios, mas por decreto de ]8o3 com o fim de incitar o amor ao estudo d1esta arma especial fora crcado um premio extraordinário destinado a galardoar o mérito excepcional. Em 1837 alcan- çou Fontes este premio especialíssimo, que só ti- vera occasião de ser dado tres vezes no decurso de 32 annos — de i8o5 a ]83/.

Já a este tempo Fontes — e dcsignamol-o assim, porque é este o nome que no baptismo da popularidade a voz publica lhe dá; a este tempo não satisfazia a sua ambição de saber com os conhecimentos que podia obter na Academia de Marinha c por isso seguia o curso professado na Academia de Fortificação, que pouco depois se converteu em escola do exercito, passando em seguida para o corpo de engenheiros, e nMste curso alcançou também tres prémios.

Promovido cm i83ç> a tenente de engenheiros e pouco depois despachado ajudante efe ordens de seu pac, que então governava a província de Cabo Verde, o moço engenheiro propoz-sc estu- dar com aqucllc amor c cuidado, que tão fecun- dos fructos produzira nas aulas, os meios de engrandecer c fazer prosperar as colonias c os tres annos que decorrem de i83p a 1842 cm que regressou á metrópole foram por clle empregados em levantar as plantas dos principals portos do archipelago, fazer o estudo cconomico de cada uma das ilhas c da Guiné, descrever em impor- tantes relatórios essas possessões c os elementos dc que careciam para prosperar, ao mesmo tempo que planeava dilíerentes obras punha outras em via de execução, merecendo entre estas men- cionar-sc o Hospital da Misericórdia na cidade da Praia de Cabo Verde, devido aos esforços do notável estadista.

Regressando á Europa cm 1842, correu logo a matricular-se no curso dc astronomia da Escola Polytcchnica, que não completou, porque duas perdas succcssivas c dolorosas lhe estiolaram no coração o amor aos trabalhos escolares.

-1 - Í1'2

Em Cabo Verde desposára a sr.a D. Maria Joscpha de Souza, filha do negociante Antonio de Souza Machado. Esta dama fallcccu pouco depois do regresso á Europa, sendo a perda da esposa cm curto espaço aggravada pela única fi- lha, que o matrimonio lhe dera.

-JÉS.

Em 1844 tendo afogado 110 intimo d'alma as dores pungentes c talvez cicatrisado as feridas rasgadas pela prematura morte da esposa e da filha, Fontes regressou ao bulício do mundo en- trando sob a presidência d Mm vulto também dis- tincto para os trabalhos geodésicos, onde se dis- tinguiu brilhantemente, prestando relevantes ser- viços a esse ramo então tão pouco conhecido ainda do saber humano.

E a^ora que vamos apresentar Fontes sob o seu aspecto de estadista, acabaremos dc vez com os seus titulos honoríficos, que são:

Ministro dc estado, fidalgo da real camara, general dc engenheiros, grã-cruz dc todas as ordens portuguezas, cavalleiro dc Tosão dc Ouro, gra-cruz de Isabel a Catholica, c dc Carlos III, de Hespanha, dc Leopoldo da Bélgica, de Leão Ncerlandez dos Paizcs Baixos, etc., etc., etc., e socio de grande numero dc sociedades litteranas e scientificas.

O LIVRO DE OURO

É o vulto mais notável da nossa politica con- temporânea. Exceptuahdo a pasta da justiça, tem sido encarregado da gerência de todas as outras. Actualmente preside ao ministério e tem a seu cargo a pasta da guerra, que tem sido a sua favorita.

A carreira politica do actual presidente de conselho de ministros é larguíssima e dillicil- mente pode ser compendiada no pequeno espaço de que dispomos; e por isso teremos apenas de cifrar n'uma simples nomenclatura chronologica as suas relações com a historia publica do paiz.

A revolução do Minho mais vulgarmente co- nhecida pela denominação popular de Maria da Fonte, encontrou-o no posto de tenente de enge- nheria; tornou parte activa nas operações milita- res como ajudante de ordens do marechal duque de Saldanha e n'csta qualidade prestou relevan- tes serviços a causa da rainha procedendo de forma que se tornou credor das seguintes pala- vras proferidas a seu respeito pelo velho mare- chal — que o tenente Fontes Pereira de Mello sempre merecera os maiores elogios e o feliz re- sultado do ataque de Torres Vedras lhe fora de- vido em parte; porque elle marechal se aproveitara d'um reconhecimento feito por aquelle oflicial.

Em 1848 foi eleito deputado ás cortes, pela província de Cabo Verde, sendo muito contes- tada na camará a eleição; porque elle teve de de- fendel-a calorosamente logrando derribar os seus adversários, que eram dos homens mais consi- derados então na segunda casa do parlamento, D. José de Lacerda, Albano Caldeira Pinto, António Vicente Peixoto.

De 1848 a i85i tomou parte em todas as dis- cussões importantes que se travaram na camará electiva.

Em I85I fez parte da commissão encarregada de formular as melhores bases para que os actos cleitoraes fossem o mais livremente exercidos: nestes trabalhos collnborou com Rodrigo da Fonseca Magalhães e Alexandre Herculano.

A 17 de julho d'este mesmo anno entrou pela primeira vez para o governo, sendo encarregado pelo marechal duque da pasta da marinha, a que reuniu pouro depois a da fazenda. A força de vontade de Fontes Pereira de Mello e a energia c sabia experiência de Rodrigo da Fonseca Ma- galhães operaram prodígios durante esta dicta- dura. Os seus principaes fruetos foram os se- guintes: definição dos direitos litterarios, cuja iniciativa pertence ao eminente escriptor visconde de Almeida Garrett; construcção de estradas em grande numero; regulamento para o provi- mento de cargos públicos; regulamento da alfan- dega^ do Terreiro Publico, regulamento da Bulia da Cruzada, creação do Conselho Ultramarino, a reforma do Supremo Tribunal de Justiça, o regu- lamento da .Misericórdia, do Hospital de S. José e annexos, do Asylo da Mendicidade c Casa Pia, a reorgani sacão da Academia das Sei ene ias e a do Arsenal do Exercito, finalmente o regula- mento consular, e foi elaborado o acto addiccio-

nal da Carta Constitucional que as cortes discu- tiram e approvaram em i83-2.

Em 3o de agosto d'estc anno foi creado o ministério das obras publicas e o primeiro mi- nistro que referendou os trabalhos doesta secre- taria foi Fontes Pereira de Mello, sendo tam- bém elle quem assignou o decreto ordenando a construcção da primeira linha férrea que se construiu no paiz e foi de sua indicação a creação das quintas de ensino agricola.

Por esta occasião deu Fontes um golpe mor- tal no agiotismo nacional levantando no estran- geiro um empréstimo, pelo ciual o Banco de Por- tugal exigia um bónus elevadíssimo.

ã Fontes conservou-se no ministério apesar de

todas as recomposições que se deram depois de i85i e pôde dizer-se que a elle deve Portugal ter entrado na senda do progresso e ter levan- tado o seu credito no extrangeiro, para cujo fim o ministro se dirigiu em i8o5 a Londres e Pa- ris, onde rfesta ultima cidade foi convidado por Napoleão III para um jantar no paço.

Um dos fruetos doesta viagem foi a cotação dos_ fundos portuguezes pelo Stek-Exchatige, co- tação que o Stock sempre se recusara fazer.

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A 6 de junho de iS5ô findou o primeiro pe- ríodo da governação do ministro Fontes, suece- dendo-lhe o ministério presidido pelo marquez de Loulé, que se conservou no poder até i85<> tendo no deputado Fontes Pereira de Mello o mais ínportuno e tenaz adversário, devendo com- tudo notar-se que elle prestou sempre homena- gem ao merecimento dos seus mais encarniçados inimigos, cm todas as epochas da vida. Ainda ha poucos días confirmou esta verdade referin- do-se ao illustrc orador pregressista António Cândido.

Em 1C de março de iSõo entrou novamente para o ministério sendo-lhe distribuída a pasta do reino. Este ministério demittiu-se em 20 de ju- lho de 18G0.

A 4 de setembro de 186o foi encarregado no- vamente da pasta da fazenda, no ministério cha- mado da Pusão, resultado de accordo entre parte do partido histórico e do regenerador. Este gabi- nete recompoz-se cm maio de iS<36 e conser- vou-se no poder até 1868. Durante este periodo dedicou-sc especialmente Fontes a dar instrucção militar ao exercito, sendo creado o campo de manobras, que apesar de todas as aceusaçues, 3ue lhe tem sido dirigidas, todavia ninguém pôde

uvidar que foi uma creação indispensável de que o exercito tem colhido excellentes e profícuos resultados.

O desenvolvimento da arma de artilheria, a adopção dos canhões Krupp, o desenvolvimento

O LIVRO DE OURO

É o vulto mais notável da nossa politica con- temporânea. Exceptuando a pasta da justiça, tem sido encarregado da gerência de todas as outras. Actualmente preside ao ministério e tem a seu cargo a pasta da guerra, que tem sido a sua favorita.

A carreira politica do actual presidente de conselho de ministros é larguíssima e dillicil- mente pode ser compendiada no pequeno espaço de que dispomos; e por isso teremos apenas de cifrar n'uma simples nomenclatura chronologica as suas relações com a historia publica do paiz.

A revolução do Minho mais vulgarmente co- nhecida pela denominação popular de Maria da Fonte, cncontrou-o no posto cie tenente de enge- nheria; tomou parte activa nas operações milita- res como ajudante de ordens do marechal duque dc Saldanha e n'esta qualidade prestou relevan- tes serviços ti causa da rainha procedendo de forma que se tornou credor das seguintes pala- vras proferidas a seu respeito pelo velho mare- chal — que o tenente Fontes Pereira de Mello sempre merecera os maiores elogios e o feliz re- sultado do ataque dc Torres Vedras lhe fora de- vido em parte; porque elle marechal se aproveitara d'um reconhecimento feito por aquelle official.

Hm 1848 foi eleito deputado ás cortes, pela província dc Cabo Verde, sendo muito contes- tada na camara a eleição; porque elle teve dc de- fendel-a calorosamente logrando derribar os seus adversários, que eram dos homens mais consi- derados então na segunda casa do parlamento, D. José de Lacerda, Albano Caldeira Pinto, Antonio Vicente Peixoto.

De 1848 a 1851 tomou parte cm todas as dis- cussões importantes que se travaram na camara electiva.

Em 1 S31 fez parte da commissão encarregada de formular as melhores bases para que os actos cleitoraes fossem o mais livremente exercidos: rriestes trabalhos collaborou com Rodrigo da Fonseca Magalhães e Alexandre Herculano.

A 17 dc julho d'este mesmo anno entrou pela primeira vez para o governo, sendo encarregado pelo marechal duque da pasta da marinha, a que reuniu pouco^ depois a da fazenda. A força dc vontade de Fontes Pereira de Mello e a energia c sabia experiência de Rodrigo da Fonseca Ma- galhães operaram prodígios durante esta dicta- dura. Os seus principaes fructos foram os se- guintes: definição dos direitos litterarios, cuja iniciativa pertence ao eminente escriptor visconde de Almeida Garrett; construcção de estradas em grande numero; regulamento para o provi- mento de cargos públicos; regulamento da alfan- dega^ do Terreiro Publico, regulamento da Bulla da Cruzada, creação do Conselho Ultramarino, a reforma do Supremo Tribunal de Justiça, o regu- lamento da Misericórdia, do Hospital de S. José e annexos, do Asylo da Mendicidade e Casa Pia, a reorganisação da Academia das Sciencias e a do Arsenal do Exercito, finalmente o regula- mento consular, e foi elaborado o acto addiccio- ,

nal da Carta Constitucional que as côrtes discu- tiram e appro varam em 18Õ2.

Em 3o de agosto d'estc anno foi creado o ministério das obras publicas e o primeiro mi- nistro que referendou os trabalhos doesta secre- taria foi Fontes Pereira de Mello, sendo tam- bém elle quem assignou o decreto ordenando a construcção da primeira linha ferrea que se construiu no paiz e foi de sua indicação a creação das quintas ae ensino agrícola.

Por esta occasiuo deu Fontes um golpe mor- tal no agiotismo nacional levantando no estran- geiro um empréstimo, pelo qual o Banco de Por- tugal exigia um bonus elevauissimo.

Fontes conservou-se no ministério apesar de todas as recomposições que se deram depois de 1851 e pôde dizer-se que a elle deve Portugal ter entrado na senda ao progresso e ter levan- tado o seu credito no extrangeiro, para cujo fim o ministro se dirigiu em iSdd a Londres e Pa- ris, onde ifcsta ultima cidade foi convidado por Napoleão III para um jantar no paço.

Um dos fructos d'esta viagem foi a cotação dos_ fundos portuguezes pelo Stek-Exehauge, co- tação que o Stock sempre sc recusara fazer.

A 6 de junho de i856 findou o primeiro pe- ríodo da governação do ministro Fontes, succe- dendo-lhe o ministério presidido pelo marquez de Loulé, que se conservou no poder até i85<> tendo no deputado Fontes Pereira de Mello o mais ínportuno e tenaz adversário, devendo com- tudo notar-se que elle prestou sempre homena- gem ao merecimento dos seus mais encarniçados inimigos, cm todas as epochas da vida. Ainda ha poucos dias confirmou esta verdade referin- do-se ao illustrc orador pregressista Antonio Candido,

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Em 16 de março de iSõq entrou novamente para o ministério sendo-lhe distribuída a pasta do reino. Este ministério demittiu-se em 20 de ju- lho de i860.

A 4 de setembro de i865 foi encarregado no- vamente da pasta da fazenda, no ministério cha- mado da Fusão, resultado de accordo entre parte do partido histórico c do regenerador. Este gabi- nete rccompoz-se em maio de 1S66 e conser- vou-se no poder até 1868. Durante este periodo dedicou-sc especialmente Fontes a dar ínstrucção militar ao exercito, sendo creado o campo dc manobras, que apesar de todas as accusaçues, 3ue lhe tem sido dirigidas, todavia ninguém pôde

uvidar que foi uma creação indispensável dc que o exercito tem colhido excellentes e profícuos resultados.

O desenvolvimento da arma de artilheria, a adopção dos canhões Krupp, o desenvolvimento

O LIVRO DE OURO

da arma de cavallaria c da cngenheria c do ser- viço de saúde militar devem-se principalmente a elle.

Em 5 de janeiro de 1870 foi elevado ao pa- riato, e n'estc mesmo anno prestou talvez o mais relevante serviço ao seu paiz, inutilisando a insis- tência do governo hespanhol na candidatura do sr. D. Fernando, conforme declarou D. Fernan- des de los Rios, no seu livro — õ\ii mission em 'Portugal.

A i3 de setembro de 1871 constituiu-se novo ministério regenerador, tendo Fontes pela pri- meira vez a presidência e as pastas da guerra c fazenda. Este ministério demittiu-se em 3 de março de 1877. — Desde então passou o governo por differentes grupos políticos, sendo o pro- gressista que mais tempo conseguiu sustentar-se.

Desde 1881 que o poder está outra vez nas mãos do partido regenerador, que se oceupa, sob a direcção de seu illustrc chefe de realisar as reformas politicas, quaes são a revisão da constituição, organisação da camará dos pares e a reforma do exercito (já decretada).

Antonio Maria Fontes Pereira de Mello tem especial tacto para escolher quem o acompanhe.

Adversário leal c compassivo depois da victo- ria. empenhou-se e conseguiu que os oniciaes separados do quadro do exercito, e denominados «de Évora Monte» fossem encorporados no mi- nistério da guerra e tivessem um logar na mesa do orçamento ao lado dos seus antigos cama- radas.

Esta medida desagradou a muitos, que não podiam esquecer as antigas rivalidades e no qua- dro tristíssimo d'esses desgraçados sem pão, se compensavam de passados soíTrimentos. As almas generosas e liberaes não acompanhavam esses sentimenros egoistas e applaudiram a lembrança de Fontes como um acto de equidade.

Assim apresentou também em i853 ás cortes o projecto de revogação completa do monopólio do tabaco e sabão, a que chamou o único dos privilégios odiosos que a restauração de i833 não aboliu. As cortes approvaram o projecto unicamente na parte relativa ao sabão.

n Umas das feições mais pronunciadas de Fon-

tes é a sua supremacia de orador fluente e re- flectido. Elle deslumbra pelas scintillações do espirito ao mesmo tempo que acabrunha os adver- sários com o peso de conclusões valiosas e irres- pondiveis.

Toda a gente sabe que o orador ê também um artista. Rodrigo da Fonseca Magalhães, um eru-

dito e um ministro habilissimo, que poderia facil- mente desbancar dos seus columnellos gloriosos Machiavello e Taleyrand, se gerira os negócios d "um grande império em vez de governar a nau d'um pequeno estado, foi por assim dizer seu mestre e modelo. São conhecidos os seus admi- ráveis recursos para esmagar ou desnortear os adversários encommodos; sabe-sc como elle le- vava um interpellador impertinente a confessar-se vencido. O systema de quebrar os óculos, para evitar a leitura (Tuns cfocumentos espinhosos teve fama no parlamento. Pois o discípulo des- bancou o mestre. Fontes não recorre a essas Jicelles, triumpha sempre, esmaga os adversários sob a pressão d'uma lógica de ferro. Os seus argumentos são irrespondiveís. N^lle não ha appellações para a honra, esse supremo recurso do orador vulnerável; para elle ha apenas as conclusões lógicas duma serie de theoremas assentes sobre as allegações dos contrários.

Ora irónico, ora coercivo, ora zombeteiro, ora lancinante, ora gracioso, ora pungitiro, ora li- songeíro, ora fulminante, Fontes ê um athleta da palavra no parlamento portuguez.

O discurso corre-lhe espontâneo; as mais pro- fundas considerações surgem-lhe dos lábios sem esforço e como que sem reflexão. A oração não ê n^lle uma arte; parece apenas uma manifesta- ção verbal das mais reconhecidas verdades. Elle vence e convence.

Em 1880 por exemplo, o ministério pregressista pretendia fazer passar a lei que estabelecia o income tax entre nós; muitos oradores haviam dissertado sobre a proposta de fazenda, porém o único por assim dizer que teve as honras de um verdadeiro acontecimento foi o do sr. Fon- tes Pereira de Mello, proferido na camará alta em 2 de março d^aquelle anno.

Esse discurso, que ê um verdadeiro primor, tem sido considerado um dos melhores que tem sido proferidos n\iciuella casa do parlamento e na opi- nião dos julgadores mais conspícuos dá a medida justa do quanto vale o grande talento, a grande experiência e a grande habilidade doeste estadista, sem duvida o mais notável de Portugal moderno. O seu nome anda vinculado a tudo ciuanto de mais valioso e importante se tem realisado no seu paiz nos últimos trinta annos. Caminhos de ferro, tclegraphos eléctricos, códigos civis e mi- litares, código penal, constituição de estado, em tudo Fontes tem collaborado.

Contando sessenta e seis annos de edade, é em tudo um talento juvenil, commandando como ninguém uma batalha em qualquer das duas ca- marás.

Accusam-o de esbanjador aquelles que imagi- nam que se pôde colher sem se semeiar; mas o que é certo ê que Fontes, com o seu systema politico, com o seu tacto governativo, é o esta- dista que maior prestigio tem no paiz e que tem conseguido formar mais duradouros e mais for- tes ministérios.

O seu maior elogio consiste em dizer que o seu nome ê conhecido e considerado em toda a Europa.

TVP. ELZEVMUNA — Praça dos Restauradores, 5o ?. 56 — Lisboa

12 O LIVRO DE OURO

da arma de cavallaria e da engenheria e do ser- viço de saúde militar devem-se principalmente a elle.

Em 5 de janeiro de 1870 foi elevado ao pa- riato, e Teste mesmo anno prestou talvez o mais relevante serviço ao seu paiz, inutilisando a insis- tência do governo hcspanho! na candidatura do sr. D. Fernando, conforme declarou D. Fernan- des de los Rios, no seu livro — <fV// mission em ■Portugal.

A i3 dc setembro de 1871 constituiu-se novo ministério regenerador, tendo Fontes pela pri- meira vez a presidência e as pastas da guerra e fazenda. Este ministério demittiu-sc em 3 de março de 1877. — Desde então passou o governo por difíerentes grupos politicos, sendo' o pro- gressista que mais tempo conseguiu sustentar-se.

Desde 188! que o poder está outra vez nas mãos do partido regenerador, que se occupa, sob a direcção de seu illustrc chefe de realisar as reformas politicas, quaes são a revisão da constituição, organisação da carnara dos pares e a reforma do exercito (já decretada).

Antonio Maria Fontes Pereira de .Mello tem especial tacto para escolher quem o acompanhe.

Adversário leal e compassivo depois da victo- ria, empenhou-se e conseguiu que os ofticiaes separados do quadro do exercito, e denominados «de Évora Monte» fossem encorporados no mi- nistério da guerra e tivessem um logar na mesa do orçamento ao lado dos seus antigos cama- radas.

Esta medida desagradou a muitos, que não podiam esquecer as antigas rivalidades e no qua- dro tristissimo d'esscs desgraçados sem pão, se compensavam de passados soíírimentos. As almas generosas e liberaes não acompanhavam esses sentímenros egoistas e applaudiram a lembrança de Fontes como um acto de equidade.

Assim apresentou também cm j853 ás cortes o projecto de revogação completa do monopolio do tabaco e sabão, a que chamou o único dos privilégios odiosos que a restauração de 1833 não aboliu. As côrtes approvaram o projecto unicamente na parte relativa ao sabão.

£3,

Umas das feições mais pronunciadas de Fon- tes é a sua supremacia de orador fluente e re- flectido. Elle deslumbra pelas scintíllações do espirito ao mesmo tempo que acabrunha os adver- sários com o peso de conclusões valiosas e irres- pondiveis.

Toda a gente sabe que o orador c também um artista. Rodrigo da Fonseca Magalhães, um eru-

dito e um ministro habilissimo, que poderia facil- mente desbancar dos seus columnellos gloriosos Machiavello e Taleyrand, se gerira os negocios d\im grande império em vez de governar a nau dMm pequeno estado, foi por assim dizer seu mestre e modelo. São conhecidos os seus admi- ráveis recursos para esmagar ou desnortear os adversários encommodos; sabe-se como elle le- vava um interpellador impertinente a confessar-se vencido. O systema de quebrar os oculos, para evitar a leitura d'uns documentos espinhosos teve fama no parlamento. Pois o discípulo des- bancou o mestre. Fontes não recorre a essas ficelles, triumpha sempre, esmaga os adversários sob a pressão diurna lógica de ferro. Os seus argumentos são irrespondiveís. N'elle não ha appellações para a honra, esse supremo recurso do orador vulnerável; para elle ha apenas as conclusões lógicas duma serie de theoremas assentes sobre as allegaçõcs dos contrários.

Ora ironico, ora coercivo, ora zombeteiro, ora lancinante, ora gracioso, ora pungitivo, ora li- songeiro, ora fulminante, Fontes é um athleta da palavra no parlamento portuguez.

O discurso corre-lhe espontâneo; as mais pro- fundas considerações surgem-lhc dos lábios sem esforço e como que sem reflexão. A oração não é Telle uma arte; parece apenas uma manifesta- ção verbal das mais reconhecidas verdades. Elle vence e convence.

Em 1880 por exemplo, o ministério pregressista pretendia fazer passar a lei que estabelecia o income tax entre nós; muitos oradores haviam dissertado sobre a proposta de fazenda, porem o único por assim dizer que teve as honras de um verdadeiro acontecimento foi o do sr. Fon- tes Pereira de Mello, proferido na camara alta em 2 de março d'aquelle anno.

Esse discurso, que e um verdadeiro primor, tem sido considerado um dos melhores que tem sido proferidos Taquclla casa do parlamento e na opi- nião dos julgadores mais conspícuos dá a medida justa do quanto vale o grande talento, a grande experiência e a grande habilidade d'este estadista, sem duvida o mais notável de Portugal moderno. O seu nome anda vinculado a tuao quanto de mais valioso c importante se tem realisado no seu paiz nos últimos trinta annos. Caminhos de ferro, tclegraphos eléctricos, codigos civis e mi- litares, codigo penal, constituição de estado, em tudo Fontes tem collaborado.

Contando sessenta e seis annos de edade, c em tudo um talento juvenil, commandando como ninguém uma batalha em qualquer das duas Ca- maras.

Accusam-o de esbanjador aquclles que imagi- nam que se pôde colher sem se semeiar; mas o que é certo é que Fontes, com o seu systema politico, com o seu tacto governativo, é o esta- dista que maíor prestigio tem no paiz e que tem conseguido formar mais duradouros e mais for- tes ministérios.

O seu maior elogio consiste em dizer que o seu nome é conhecido e considerado em toda a Europa.

Typ. Elzevirian* — Praça dos Restauradores, 5o ?. 56 — Lisboa

O LIVRO DE OURO eBiograp/iias dos personagem mais dlstinctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

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ANNO 1 — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL K BRAZIL FEVEREIRO — )8S5

JOSÉ LUCIANO DE CASTRO

Entre a plêiade de homens distinctos, que ul- timamente teem atravessado as regiões do po- der, diilicil será encontrar individualidade mais pronunciada, caracter mais viril c mais firme nos seus princípios, mais rebelde ao sacrifício das suas convicções e ao mesmo tempo um es- pirito mais esclarecido c illustrado, do que o do cavalheiro de quem vamos dar hoje a lume al- gumas suecintas notas biographicas.

José Luciano de Castro tem deixado, como os meteoros igneos, um rasto luminoso c fe- cundo por todas as regiões que tem atraves- sado: nas escolas, no foro, no jornalismo, nas camarás e nas cadeiras ministeriaes. Aos' seus actos como membro do poder executivo nin- guém pôde duvidar que presidiu sempre a me- lhor, a mais liberal intenção.

As propostas de lei que foram submettidas ao poder legislativo e referendadas por José Lu- ciano de Castro, levaram todas o cunho do mais aturado estudo. Essas propostas não foram des- tinadas a armar ao cfteito, a produzir illusõcs, mas concebidas c meditadas á luz da inspiração do progredimento civilisador c cuidadosamente elaboradas para que produzissem eíTectivãmente os fins a que visavam.

Entre outras citaremos as leis conhecidas sob o titulo de — Leis da Jnstrucção —, cujos ef- feitos eram impedir a existência possível d'um único analphabeto em todo o paiz. Se essa lei não produziu cf feito, se contra cila se teem le- vantado hostilidades e protestos, se em grande pane das províncias nunca mesmo chegou a ter execução, nem a culpa provem da lei, nem a responsabilidade d^clla se pódc lançar ao minis- tro que a apresentou c que tão calorosamente a deífendeu.

A reacção contra essa lei, que, todavia, não foi ainda derogada nem o será tão cedo — por- que é diilicil apresentar-lhe uma substituição profícua c cxequivel—; essa reacção provem do egoísmo popular e partidário, que c, infeliz- mente, uma das feições mais salientes do nosso povo, apesar dos ruidosos exemplos em contra- rio, quando qualquer calamidade aflligc povoa- ções do paiz ou do estrangeiro.

Apesar dVssa singular contradicção, aliás mui- to frequente na natureza humana, o egoismo, re- petimos, popular c partidário é que protesta con- tra as sabias leis de 2 de maio c 0 de junho. O en- sino obrigatório não c, não representa nenhum ataque á liberdade individual, porque esta não tem, não pôde ter o direito de comprometter os

interesses da communidade. Um individuo, por ser livre, não tem o direito de se conservar an- alphabeto, ainda mesmo que queira entranhada- mente pertencer á sombria legião dessas almas sem sol e sem ideal: a primeira obrigação do homem livre é não ter vontade que se opponha ás leis liberaes, além de que na guerra á igno- rância, está o interesse do individuo e o da so- ciedade.

José Luciano de Castro, com um olhar que bem se pôde dizer de águia, abrangeu o paiz e comprehcndcu que o egoismo popular impcllc-o para a ignorância voluntária; por isso que de- cretou o ensino obrigatório, por meio do recen- seamento das creanças de 0 a 12 annos, sujei- tando a multa as infracções. Ellc viu que as au- thoridades nada poderiam fazer, se a vigilância do cumprimento d^sta lei não fosse exercida em cada uma freguezia; por isso regenerou as juntas de parochia, creou os delegados paro- chiaes, as juntas escolares, e interessou os pro- fessores na fiscalisação da lei, dando-lhes as gra- tificações de frequência.

Para que tudo se podesse rcalisar teve de au- thorisar um imposto parochial — o de 3 p. c. sobre as contribuições geraes do estado, o que é uma insignificância, mas que chega para pre- encher cabalmente os fins a que é destinada. Este foi comtudo um dos escolhos onde a lei correu c corre o risco de naufragar; porque mais directamente alfecta o sentimento a que acima nos referimos — o egoismo popular.

Não se pôde duvidar que tudo isto revelia um grande espirito de observação c um attilado es- tudo, e tão bem estudado e observado foi todo este machinismo, que a mais decidida boa von- tade de o conseguir ainda não logrou destruil-o.

Referimo-nos especialmente a esta lei, porque é uma das mais importantes e meritórias, senão aquclla que melhor accentua e .caracterisa as brilhantes faculdades do illustre jurisconsulto c distincto homem de estado.

Estamos convencidos que se José Luciano de Castro houver de discutir qualquer lei destinada a substituir a sua, entregar-sc-ha talvez a algum daquelles arrebatamentos, que os seus detracto- res lhe censuram. Na confecção das leis do en- sino poz elle não só todo o seu talento, mas todo o seu coração, toda a sua alma de cnthu- siasta c de apostolo fervoroso da mais nobre e sympathica de todas as causas sociaes — a da instrucção.

E pondo remate n'csta divagação, filha do amor da justiça e da imparcialidade com que pretendemos apreciar todos os cavalheiros, cujos nomes virão suecessivamente honrar as paginas

O LIVRO DE OURO

Idiograplrias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO 1 — VOLUME I PUBLICACAO PARA PORTUGAL E BRAZIL FEVEREIRO — iS85

JOSÉ LUCIANO DE CASTRO

Kntrc a plêiade de homens distinctos, que ul- timamente teem atravessado as regiões do po- der, ditlici! será encontrar individualidade mais pronunciada, caracter mais viril c mais firme nos seus princípios, mais rebelde ao sacrifício das suas convicções e ao mesmo tempo um es- pirito mais esclarecido e illustrado, do que o do cavalheiro de quem vamos dar hoje a lume al- gumas succintas notas biographicas.

José Luciano de Castro tem deixado, como os meteoros ígneos, um rasto luminoso e fe- cundo por todas as regiões que tem atraves- sado: nas escolas, no foro, no jornalismo, nas camaras e nas cadeiras ministeriaes. Aos seus actos como membro do poder executivo nin- guém pódc duvidar que presidiu sempre a me- lhor, a mais liberal intenção.

As propostas de lei que foram submettidas ao poder legislativo e referendadas por José Lu- ciano de Castro, levaram todas o cunho do mais aturado estudo. Essas propostas não foram des- tinadas a armar ao efícito, a produzir illusões, mas concebidas c meditadas á luz da inspiração do progredimento civilisador c cuidadosamente elaboradas para que produzissem effectivãmente os fins a que visavam.

Entre outras citaremos as Íeis conhecidas sob o titulo de — Leis da Jnstrucção —, cujos ef- feitos eram impedir a existência possível d'um único analphabcto em todo o paiz. Sc essa lei não produziu effeito, se contra cila se teem le- vantado hostilidades c protestos, se em grande parte das provindas nunca mesmo chegou a ter execução, nem a culpa provem, da lei, nem a responsabilidade d'ella se pódc lançar ao minis- tro que a apresentou c que tão calorosamente a delfcndeu.

A reacção contra essa lei, que, todavia, não foi ainda derogada nem o será tão cedo — por- que é diilicil apresentar-lhe uma substituição profícua e exequível —; essa reacção provem do egoísmo popular e partidário, que c, infeliz- mente, uma das feições mais salientes do nosso povo, apesar dos ruidosos exemplos em contra- rio, quando qualquer calamidade aflligc povoa- ções do paiz ou do estrangeiro.

Apesar cTcssa singular contradicção, alias mui- to frequente na natureza humana, o egoísmo, re- petimos, popular c partidário é que protesta con- tra as sabias leis de 2 de maio c (> de junho. O en- sino obrigatório não c, não representa nenhum ataque á liberdade individual, porque esta não tem, não pôde ter o direito de compromettcr os

interesses da communidade. Um individuo, por ser livre, não tem o direito de se conservar an- alphabcto, ainda mesmo que queira entranhada- mente pertencer á sombria legião d'essas almas sem sol e sem ideal: a primeira obrigação do homem livre c não ter vontade que se opponha ás leis liberaes, além de que na guerra ã igno- rância, esta o interesse do individuo e o da so- ciedade.

José Luciano de Castro, com um olhar que bem se pódc dizer de aguia, abrangeu o paiz e comprehendeu que o egoismo popular impclle-o para a ígnorancía voluntária; por isso que de- cretou o ensino obrigatório, por meio do recen- seamento das crcanças de 0 a 12 annos, sujei- tando a multa as infracções. Elie viu que as au- thoridades nada poderiam fazer, se a vigilância do cumprimento d'esta lei não fosse exercida cm cada uma freguezia; por issò regenerou as juntas de parochia, creou os delegados paro- chiaes, as juntas escolares, e interessou os pro- fessores na íiscalisação da lci,dando-lhcs as gra- tificações de frequência.

Para que tudo se podesse rcalisar teve de au- thorisar um imposto parochial — o de 3 p. c. sobre as contribuições geraes do estado, o que c uma insignificância, mas que chega para pre- encher cabalmente os fins a que c destinada. Este foi comtudo um dos escolhos onde a lei correu c corre o risco de naufragar; porque mais directamente alfecta o sentimento a que acima nos referimos — o egoismo popular.

Não se pôde duvidar que tudo isto revelia um grande espirito de observação e um attilado es- tudo, e tão bem estudado c observado foi todo este machinismo, que n mais decidida boa von- tade de o conseguir ainda não logrou destruil-o.

Referimo-nos especialmente a esta lei, porque é uma das mais importantes e meritórias, senão aquella que melhor accentua e caractcrisa as brilhantes faculdades do illustre jurisconsulto c distincto homem de estado.

Estamos convencidos que se José Luciano de Castro houver de discutir qualquer lei destinada a substituir a sua, entregar-sc-ha talvez a algum d'aqucllcs arrebatamentos, que os seus detracto- res lhe censuram. Na confecção das leis do en- sino poz elle não só todo o seu talento, mas todo o seu coração, toda a sua alma de enthu- siasta c de apostolo fervoroso da mais nobre c sympathica de todas as causas sociaes — a da ínstrucção.

E pondo remate n'esta divagação, filha do amor da justiça e da imparcialidade com que pretendemos apreciar todos os cavalheiros, cujos nomes virão successivamente honrar as paginas

IH

'4 O LIVRO DE OURO

do Livro de Ouro, entremos directamente no as- sumpto.

José Luciano de Castro viu a luz do mundo na nobre cidade de Aveiro, berço illustre de tantas notabilidades politicas c litterarias, entre as cjuaes citaremos apenas o fallccido mas nunca olvidado orador e patriota José Estevão Coelho de Magalhães.

Dizia-sc antigamente que Roma era a cidade do privilegio, porque nVlla se encontravam as mais prodigiosas maravilhas dVirte, rfella ha- viam nascido para a vida e para a fama os mais notáveis talentos e não havia grandeza que cila não possuísse ou não excedesse. Pois se é mérito ser berço de homens illustres e distinctos, n^essc sentido Aveiro não deve invejar a Roma, por- que grande numero de notabilidades de Portu- gal antigo e moderno d^lli se alaram ás excelsas regiões da gloria e do renome.

&s José Luciano de Castro, entrou no mundo vi-

tal a 14 de dezembro de 1834, e em 1848, isto é, tendo apenas 14 annos, entrou no mundo scientifico matriculando-se no i.° anno jurídico na Universidade de Coimbra, e formando-se na mesma faculdade a 11 de julho de 1854, quer dizer, levando de seguida o curso aspérrimo de Direito, sem perder um único anno; isto quando os ardores da idade adolescente mais impulsam para os ócios e folguedos que para as canceiras do trabalho e da meditação.

Mas isto não basta para mostrar o quanto a sua mocidade foi honesta e discreta, h1 mister dizer que formando-se aos 20 annos incomple- tos na faculdade de direito, saía da Universidade, onde não é fácil conquistar triumpho e renome, mercê do núcleo brilhante que forma pela abun- dância de capacidades de toda a ordem, — já com créditos de homem superior, distincto pelo estudo, pela fluência extrema, pela energia in- domável da sua palavra, pela tenacidade inven- cível da sua argumentação.

No jornalismo politico figurou brilhantemente José Luciano de Castro, tendo começado a sua carreira redigindo o Observador, em Coimbra, e depois o Conimbricense, que substituiu aquelle.

Em J8Ô2 entrou para a redacção do Campeão do Vouga, precursor do Campeão das Provín- cias, fundado nt-sse mesmo anno pelo nosso bio- craphado e pelo sr. Manuel Firmino de Almeida Maia, ainda hoje proprietário e redactor princi- pald^aquella folha,aue segue defendendo o credo politico do seu fundador.

-XZi

A 3 de dezembro de 1804 o moço doutor re- cebeu mais uma consagração do seu talento,

sendo-lhe conferido o mandato eleitoral pelos eleitores do concelho de Feira, Estarreja e Ovar, que então constituíam um circulo eleitoral, e me- recendo na sua estreia parlamentar os sinceros applausos da imprensa c dos collegas os mais distinctos.

Em i85(5 e i857 collaborára com o grande li- beral António Rodrigues Sampaio na Revolução de Setembro, porque Sampaio sympatbisava com o animo francamente enérgico e leal do talentoso deputado pela Feira e via n\:lle um varonil def- fensor dos princípios que elle tão profundamente apreciava.

Por esta occasiao publicou um volume intitu- lado o/l questão das subsistências, que n^ssa época era o objecto de todas as attenções dos homens que pretendiam figurar no plano da po- litica e conquistar a notoriedade publica. Este livro não causou sensação, apesar de ser escri- pto com notável critério, demonstrar pronun- ciado espirito de observação e conter dados muito valiosos e apreciáveis.

"***

Em i858, achando-se no Porto e não bas- tando a oceupar a grande actividade do seu es- pirito, fez parte da redacção do Commercio do 'Porto, collaborando também seguidamente no Jornal do Torto.

Em 1809 appareceram as suas o/lnnotações d legislação da imprensa, trabalho consciencioso e intelligente, publicado em folheto, n^quella ci- dade, e que bastaria só por si a dar-lhe reputa- ção de jurisconsulto abalisado e politico emi- nente.

Desde a sua entrada na vida activa da poli- tica poucas vezes tem estado o parlamento or- phanado da sua presença.

Como vimos, foi pela vez primeira eleito deputado em 1854; dois annos depois recebia novamente o mandato eleitoral pelo mesmo circulo, saindo em i858 do parlamento por ter sido dissolvida a camará de que fazia parte.

Em 1861 foi novamente eleito deputado por Villa Nova de Gaia; em J8()5 recebeu outra vez o mandato por este mesmo circulo; em 1867 foi eleito simultaneamente por Vianna do Cas- tello e por Aveiro; em 1870 repetiu-se o facto e de então para cd tem sempre representado aquelle circulo até á ultima eleição, em que ob- teve o suííragio quasi unanime dos eleitores de Anadia.

Como deputado fez parte de diversas com- missões nas quaes teve de relatar propostas im- portantíssimas, taes como a do código civil, a da lei hypothecaria, a da fundação de banco de cre- dito nrpothecario, e outras de não somenos im- portância.

14 O LIVRO

do Livro de Ouro, entremos directamente no as- sumpto.

José Luciano de Castro viu a luz do mundo na nobre cidade de Aveiro, berço illustre de tantas notabilidades politicas e litterarias, entre as quaes citaremos apenas o fallccido mas nunca olvidado orador e patriota Jose Estevão Coelho de Magalhães.

Dizia-se antigamente que Roma era a cidade do privilegio, porque n'clla se encontravam as mais prodigiosas maravilhas «farte, n'ella ha- viam nascido para a vida e para a fama os mais notáveis talentos e não havia grandeza que cila não possuísse ou não excedesse. Pois se é mérito ser berço de homens iliustres e distinctos, n^esse sentido Aveiro não deve invejar a Roma, por- que grande numero de notabilidades de Portu- gal antigo e moderno d^alli se alaram ás excelsas regiões da gloria e do renome.

José Luciano de Castro, entrou no mundo vi- tal a 14 de dezembro de i83q, e cm 1848, isto é, tendo apenas 14 annos, entrou no mundo scicntifico matriculando-se no i.° anno jurídico na Universidade de Coimbra, e formando-se na mesma faculdade a 11 de julho de 1864, quer dizer, levando de seguida o curso aspérrimo de Direito, sem perder um único anno; isto quando os ardores da idade adolescente mais impulsam para os ocios e folguedos que para as cancciras do trabalho e da meditação.

Mas isto não basta para mostrar o quanto a sua mocidade foi honesta e discreta. 1-/ mister dizer que formando-se aos 20 annos incomple- tos na faculdade de direito, saía da Universidade, onde não é fácil conquistar triumpho e renome, mercê do nuclco brilhante que fórma pela abun- dância de capacidades de toda a ordem, —- já com créditos de homem superior, distincto pelo estudo, pela fluência extrema, pela energia in- domável da sua palavra, pela tenacidade inven- cível da sua argumentação.

No jornalismo politico figurou brilhantemente José Luciano de Castro, tendo começado a sua carreira redigindo o Observador, em Coimbra, e depois o Conimbricense, que substituiu aquelle.

Em J 802 entrou para a redacção do Campeão do Vouga, precursor do Campeão das Provin- das, fundado n'esse mesmo anno pelo nosso bío- graphado e pelo sr. Manuel Firmino de Almeida Maia, ainda hoje proprietário e redactor princi- pal d'aquella folha, que segue defendendo o credo politico do seu fundador.

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A 3 de dezembro de íSõq o moço doutor re- cebeu mais uma consagração do seu talento,

DE OURO

sendo-lhe conferido o mandato eleitora! pelos eleitores do concelho de Feira, Estarreja e Ovar, que então constituíam um circulo eleitoral, e me- recendo na sua estreia parlamentar os sinceros applausos da imprensa e dos collcgas os mais distinctos.

Em i856 e 185-7 collaborára com o grande li- beral Antonio Rodrigues Sampaio na Ppvolução de Setembro, porque Sampaio sympatbisava com o animo francamente enérgico e leal do talentoso deputado pela Feira e via n'elle um varonil def- fensor dos princípios que ellc tão profundamente apreciava.

Por esta occasião publicou um volume intitu- lado c/J questão das subsistências, que nVssa época era o objecto de todas as attenções dos homens que pretendiam figurar no plano da po- litica e conquistar a notoriedade publica. Este livro não causou sensação, apesar de ser escri- pto com notável critério, demonstrar pronun- ciado espirito de observação e conter dados muito valiosos e apreciáveis.

JSSÍL

Em 1858, achando-se no Porto e não bas- tando a occupar a grande actividade do seu es- pirito, fez parte da redacção do Commercio do Porto, collaborando também seguidamente no Jornal do Porto.

Em 18Õ9 appareceram as suas c/ínnotaçoes d legislação da imprensa, trabalho consciencioso e intelligente, publicado em folheto, rfaquella ci- dade, e que bastaria só por si a dar-lhe reputa- ção de jurisconsulto abalisado e político emi- nente.

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Desde a sua entrada na vida activa da poli- tica poucas vezes tem estado o parlamento or- phanado da sua presença.

Como vimos, foi pela vez primeira eleito deputado em 1804; dois annos depois recebia novamente o mandato eleitoral pelo mesmo circulo, saindo em i858 do parlamento por ter sido dissolvida a camara de que fazia parte.

Em 1861 foi novamente eleito deputado por Villa Nova de Gaia; em j865 recebeu outra vez o mandato por este mesmo circulo; em 1867 foi eleito simultaneamente por Vianna do Cas- tello e por Aveiro; em 1870 repetiu-se o facto e de então para cá tem sempre representado aquelle circulo até á ultima eleição, em que ob- teve o suffragio quasi unanime dos eleitores de Anadia.

Como deputado fez parte de diversas com- missões nas quaes teve de relatar propostas im- portantíssimas, taes como a do codigo civil, a da lei hfpothecaria, a da fundação de banco de cre- dito hypothecario, e outras de não somenos im- portância.

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O LIVRO DE OCR O o

Em iS63 foi nomeado director geral dos Pró- prios Nacionacs, que c unia das repartições mais importantes do Ministério da Fazenda c onde o serviço c mais árduo c consequentemente mais aturado.

Em 1SG7 casou em Anadia com a Ex.ma Snr.a

D. Maria Emília de Seabra, filha do abalisado jurisconsulto o sr. conselheiro Alexandre de Sea- bra, dama muito respeitada pelas suas virtudes e de quem encontrámos a seguinte apreciação devida á pcnna d\im mimoso estylista e distin- cto professor*. — «senhora que allia os mais bcllos c elevados dotes do coração, que consti- tuem uma virtuosa e boa mãe, às opulentas ri- quezas da intclligcncia, que são apanágio dos espiritos superiores.»

D'este consorcio nasceram duas meninas, que fazem o encanto da existência de José Luciano de Castro c que nas felicidades e alegrias do lar lhe balsamisam as feridas produzidas pela ingratidão e pela malevolencia. fruetos agros c venenosos, que fartamente vigoram nos campos da politica.

ais Em 1S68 fundou em Lisboa, de parceria com

um dos mais brilhantes ornamentos do foro lis- bonense, o dr. Alves da Fonseca, um jornal que c único no seu género, o qual tem mere- cido o applauso dos entendidos c c tão apre- ciado que diflicil se torna encontrar um exem- plar á venda. Esse jornal chama-se O 'Direito, e é, como dissemos, o único periódico forense que se publica no paiz.

A 11 de agosto de 1SC9 foi nomeado ministro da justiça, sendo o gabinete presidido pelo fi- nado duque de Loulé, então chefe do partido histórico, e que sobremaneira apreciava os mé- ritos c talentos do illustrc deputado. Cahiu este ministério cm 1870 em virtude do movimento militar dirigido pelo marechal duque de Salda- nha, movimento conhecido na historia contem- porânea pelo nome de — embuscada de 19 de maio.

Durante a sua collaboração no poder execu- tivo cm 1S69-1870, José Luciano de Castro pro- vou que se não se avantajasse â maioria dos homens de mais nomeada do seu tempo por me- recimentos especiacs, facilmente conquistaria essa proeminência, pelo seu entranhado amor ao tra- balho c pela actividade c fecundidade — virtu- des pouco vulgares nos tempos que vão cor- rendo.

É diflicil incluir n'um artigo, tão rápido como este, todas as providencias por ellc adoptadas, as quaes se encontram publicadas em um vo- lume intitulado Providencias mais importantes do ^Ministério da Justiça em iSCg.

Entre as medidas e reformas propostas por este ministério durante o biennio da sua exis- tência (i8G()-i87o) figuram as seguintes, umas das quaes foram logo postas em execução, ou- tras não chegaram a ser discutidas em conse- quência da surpreza de 19 de maio:

Reforma penal, pela cjual foi admittido no paiz o systema penitenciário, já em execução cm muitas nações da Europa, sendo a principal a ttclgica, que a esse tempo era a nação mo- delo.

Está provado que o isolamento dos condem- nados c em geral dos presos é uma medida mo- ral, útil e eminentemente salutar. O systema então em pratica — e que apesar da legislação reformadora ter mais de quinze annos continua ainda em exercício — de collocar em contacto o preso preventivamente por uma suspeição, que o processo muitas vezes destroe, com o la- drão confesso e o assassino convicto, o inexpe- riente e o infeliz com o larapio de profissão c o vadio por habito, é perniciosíssimo e justifica o titulo de — escola do crime — que se tem dado á cadeia. O que dVquelles antros não sac cor- rompido c apto para o crime, sae pelo menos eivado de VíCIOS, que se o não lançam mais tarde no abysmo da extrema degradação, lhe enchem a existência de amarguras e o prejudicam nas relações sociacs e no conceito geral. ^

Foi este contagio brutal c anti-civilisador que José Luciano de Castro pretendeu remediar; e a subsistência da legislação — apesar de terem passado por cila tantas paixões politicas que no paiz muitas vezes anniquillam tudo quanto ha de bom e de útil — prova de sobejo a solidez d'essc notável trabalho.

Acompanharam essa reforma, a do processo criminal e a das fianças, dignas cgualmcnte de applauso.

A extineção da relação commcrcial foi pelo menos uma' reforma útil no sentido económico e ainda até hoje se não produziu um único cla- mor contra a reducção a uma só instancia das duas relações commcrcial c civcl; o que prova que era ociosa a despeza que se fazia com aquelle tribunal.

O regulamento do despacho dos juizes de i.a

e 2.* instancias e delegados para as Ilhas, era uma necessidade reconhecidíssima, mas que mi- nistro algum se decidira a estabelecer.

A reforma da dotação episcopal e dos cabi- dos e a reforma dos bispados vagos foram tam- bém emprezas arrojadas de que se saiu com ha- bilidade.

Mas o que nem os mais pertinazes adversá- rios tecm podido abster-se de admirar e louvar, é o relatório que precedeu todo este conjuncto de reformas e innovações. Ha n'esse trabalho a rcvellação de um enorme cabedal de conheci- mentos analysados e por assim dizer dissecados com um talento pouco commum, diremos mesmo excepcional.

Em 187S, achando-se enfraquecidos os dois partidos que faziam opposição politica ao par-

O LIVRO

Em i8f>3 foi nomeado director geral dos Pró- prios Nacionaes, que é uma das repartições mais importantes do Ministério da Fazenda e onde o serviço é mais árduo e consequentemente mais aturado.

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Em 1SO7 casou em Anadia com a Ex.ma Snr.a

D. Maria Emilia de Seabra, filha do abalisado jurisconsulto o sr. conselheiro Alexandre de Sea- bra, dama muito respeitada pelas suas virtudes e de quem encontrámos a seguinte apreciação devida á penna d\im mimoso cstylista c distin- cto professor: — «senhora que allia os mais bellos e elevados dotes do coração, que consti- tuem uma virtuosa e boa mãe, ás opulentas ri- quezas da intelligencia, que são apanagio dos espiritos superiores.»

D'este consorcio nasceram duas meninas, que fazem o encanto da existência de José Luciano de Castro c que nas felicidades c alegrias do lar lhe balsamisam as feridos produzidas pela ingratidão e pela malevolencia. fructos agros e venenosos, que fartamente vigoram nos campos da politica.

Em 1868 fundou em Lisboa, de parceria com um dos mais brilhantes ornamentos do foro lis- bonense, o dr. Alves da Fonseca, um jornal que ê uníco no seu género, o qual tem mere- cido o applauso dos entendidos e é tão apre- ciado que diflicil se torna encontrar um exem- plar á venda. Esse jornal chama-se O Direito, c é, como dissemos, o único periódico forense que se publica no paiz.

A 11 de agosto de 1869 foi nomeado ministro da justiça, sendo o gabinete presidido pelo fi- nado duque de Loulé, então chefe do partido histórico, e que sobremaneira apreciava os mé- ritos e talentos do illustre deputado. Cahiu este ministério em 1870 em virtude do movimento militar dirigido pelo marechal duque de Salda- nha, movimento conhecido na historia contem- porânea pelo nome de — cmbuscada de 19 de maio.

Durante a sua collaboração no poder execu- tivo cm 1.869-1870, José Luciano de Castro pro- vou que se não se avantajasse á maioria dos homens de mais nomeada do seu tempo por me- recimentos especiaes, facilmente conquistaria essa proeminência, pelo seu entranhado amor ao tra- oalho e pela actividade e fecundidade —- virtu- des pouco vulgares nos tempos que vão cor- rendo.

É difficií incluir n'um artigo, tão rápido como este, todas as providencias por ellc adoptadas, as quaes sc encontram publicadas cm um vo- lume intitulado Droridencias mais importantes do <£Ministério da Justiça em iSG9.

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Entre as medidas e reformas propostas por este ministério durante o biennio da sua exis- tência (1869-1870) figuram as seguintes, umas das quaes foram logo postas em execução, ou- tras não chegaram a ser discutidas em conse- quência da surpreza de 19 de maio:

Reforma penal, pela qual foi admittido no paiz o systema penitenciário, já cm execução em muitas nações da Europa, sendo a principal a Bélgica, que a esse tempo era a nação mo- delo.

Está provado que o isolamento dos condem- nados e em geral dos presos é uma medida mo- ral, util e eminentemente salutar. O systema então em pratica — c que apesar da legislação reformadora ter mais de quinze annos continua ainda em exercício — de collocar cm contacto o preso preventivamente por uma suspeição, que o processo muitas vezes destroe, com o la- drão confesso e o assassino convicto, o inexpe- riente e o infeliz com o larapio de profissão e o vadio por habito, é perniciosíssimo e justifica o titulo de — escola do crime — que se tem dado á cadeia. O que d'aqucllcs antros não sac cor- rompido e apto para o crime, sae pelo menos eivado de vícios, que se o não lançam mais tarde no abysmo da extrema degradação, lhe enchem a existência de amarguras e o prejudicam nas relações sociaes e no conceito geral.

Foi este contagio brutal c anti-civilisador que José Luciano de Castro pretendeu remediar; c a subsistência da legislação — apesar de terem passado por ella tantas paixões politicas que no paiz muitas vezes anniquillam tudo quanto ha de bom e de util — prova de sobejo a solidez d'esse notável trabalho.

Acompanharam essa reforma, a do processo criminal e a das fianças, dignas cgualmcnte de applauso.

A extineção da relação commercial foi 'pelo menos uma* reforma util no sentido economico e ainda até hoje se não produziu um único cla- mor contra a rcducção a uma só instancia das duas relações commercial e eivei; o que prova que era ociosa a despeza que sc fazia com aquelle tribunal.

O regulamento do despacho dos juizes de id e 2d instancias e delegados para as Ilhas, era uma necessidade reconhecidíssima, mas que mi- nistro algum se decidira a estabelecer.

A reforma da dotação episcopal c dos cabi- dos e a reforma dos bispados vagos foram tam- bém emprezas arrojadas de que se saiu com ha- bilidade.

Mas o que nem os mais pertinazes adversá- rios teem podido abster-se de admirar e louvar, é o relatório que precedeu todo este conjuncto de reformas c innovações. Ha n'esse trabalho a rcvellação de um enorme cabedal de conheci- mentos' analysados e por assim dizer dissecados com um talento pouco commum, diremos mesmo excepcional.

Em 1878, achando-sc enfraquecidos os dois partidos que faziam opposiçao politica ao par-

i6 O LIVRO DE OCRO

tido regenerador — o reformista, capitaneado pelo fallecido bispo de Vizeu, e o histórico, de que era chefe principal o brioso duque de Loulé. — tratou-se de fusionar esses elementos disper- sos, unindo-os n\ima forte communhãode con- dições e tendências opposicionistas.

No paiz existia, se não tão pronunciada como hoje. comtudo já bastante visível, a aspiração para differentes reformas que se não podiam ad- diar.

José Luciano de Castro, sendo encarregado pelos dois grupos políticos de elaborar um pro- gramma que despertasse a attenção c attrahisse as sympathias populares para o novo partido, apoderou-se de todas essas aspirações c synthc- tisou-as n^sse famoso documento, que teve a fortuna e o poder de interessar profundamente todo o paiz e que é conhecido pela denomina- ção de programma do partido progressista ou vulgar e abreviadamente por essoutra: pacto da Granja.

O mote, o conceito d'esse programma, são trez palavras e que bastaram só por si para gal- vanisarem as energias nacionaes: essas trez pa- lavras são:—Tolerância, Economia e Morali- dade.

Foram, podemos assegural-o, essas trez pala- vras e o programma que se lhe seguia, as re- formas que n^elle se promettiam, a causa prin- cipal do advento do partido progressista á ge- rência dos negócios públicos; do alvoroço com que foi acolhido por todo o paiz; da animação com que os eleitores correram á urna nas elei- ções seguintes; da maioria quasi absoluta que o governo obteve sobre a opposição surprehcn- dida. e emfim da confiança que nos primeiros tempos o paiz mostrou na gerência do gabinete presidido pelo sr. Braamcamp. A mola secreta que fez operar todos estes prodígios movera-a um só homem — José Luciano de Castro.

Como ministro do reino produziu, entre ou- tras propostas de menos vulto, — a reforma do código administrativo, que rchabilitou as juntas de parochia da tutella ecclesiastica, dando-lhes autonomia e jurisdição; a reforma eleitoral que conferiu o direito de votar a todos os chefes de família e cidadãos que saibam ler, alargando as- sim o uso dos direitos políticos; — c as leis da instrucção a que já no começo cTeste artigo nos referimos, medidas todas liberaes e honrosissi- mas para o ministro que as apresentou cm cor- tes.

Ficaram ainda muitas outras cm elaboração, e que tinham sido incluídas no programma da Granja, taes são a reforma do jury, a dotação do culto e do clero, e outras.

Se compulsarmos os jornaes adversos ao ga- binete, de que fez parte o nosso biographado tendo a gerência da pasta do reino, póde-se ad- mittir que a pratica divergiu bastante do que lôra estabelecido theoricamente no programma. Sobre este ponto nada diremos. Quando uma nação se acha dividida cm partidos, cada um olha de diflerente modo para as operações mí- nisteriaes. Se é certo que toda a administração, por muito má que seja. acha adherentes e apo- logistas, também e innegavel que nunca falta

quem condemne o melhor governo. Nenhum go- verno ate hoje conseguiu obter uma approvacão geral e absoluta.

**>. ^•í-3

Depois da queda do gabinete progressista cm 1881, José Luciano de Castro tem figurado em todas as sessões legislativas e podemos afíírmar que tem figurado brilhantemente.

Dos seus antigos arrebatamentos nada tem transparecido ali ultimamente e se era nuvem que lhe obscurecia uma merecida gloria e um justo preito, essa nuvem parece ter-se dissipado completamente.

Já depois de cahir o gabinete de que fez par- te, José Luciano tornou a cooperar vivamente para rehabilitar no paiz o credito c a populari- dade do partido de que é um dos mais vigorosos caudilhos.

A opinião publica mostrava-sc pouco favorá- vel ao grupo que não traduzira em factos to- das as promessas do seu programma; era mis- ter galvanisar essa opinião. Lsse choque deu-o José Luciano de Castro apparecendo, em colla- boração com os dirigentes do seu partido, na famosa promessa das reformas politicas, cuja paternidade lhe è attribuida.

É inútil demorarmo-nos insistindo sobre a in- fluencia d'csta promessa; ella foi tal que o chefe do partido adverso se viu forçado a perfilhal-a c sabe-se como o sr. Fontes procurou n'essa oc- casião o accordo dos partidos, para qiie não vies- se a terreno a disputa de preferencias sobre o direiro de realizar essas reformas.

**á?

Como orador José Luciano de Castro .possue dotes pouco communs e muito invejáveis. A fluên- cia e concisão allia prosódia admirável que é cousa rara no parlamento nacional; á força de raciocínio reúne a clareza de exposição e as con- clusões accodem-lhe expontâneas e tao fulminan- tes como o raio, que illumina e fulmina.

<5«t

Para concluirmos só duas palavras: José Luciano de Castro está ainda na força da

vida e no vigor da íntelligcncia; pôde prestar rele- vantes serviços ao paiz e cremos que hade pres- tal-os, quando a chamada rotação constitucional dos partidos o levar de novo ás eminências do poder. O paiz só pôde desejar duas cousas: c que esse ministro d então conserve a serenidade de animo e seja tão prestadio á nação, como é excellente chefe de família.

TVP. EuEvutUNA — Praça dos Restauradores, 5o a 56 — Lisboa.

i6 O LIVRO DE OURO

tido regenerador — o reformista, capitaneado pelo faílecido bispo de Yizeu, e o histórico, de que era chefe principal o brioso duque de Loulé. — tratou-se de fusionar esses elementos disper- sos. unindo-os n'urna forte communhão de con- dições e tendências opposicionlstas.

No paiz existia, se não tão pronunciada como hoje. comtudo já bastante visível, a aspiração para differentes reformas que se não podiam ad- diar.

José Luciano de Castro, sendo encarregado pelos dois grupos políticos de elaborar um pro- gramma que despertasse a attenção e attrahisse as sympathías populares para o novo partido, apoderou-se de todas essas aspirações e synthc- tisou-as «''esse famoso documento, que teve a fortuna e o poder de interessar profundamente todo o paiz e que é conhecido pela denomina- ção de program ma do partido progressista ou vulgar e abreviadamente por est'outra: pacto da Granja.

O mote, o conceito d'esse programma, são trez palavras e que bastaram só por si para gal- vanisarem as energias nacionaes: essas trez pa- lavras são:—Tolerância, Economia e Morali- dade.

Foram, podemos assegural-o, essas trez pala- vras e o programma que se lhe seguia, as re- formas que n'elle se promettiam, a causa prin- cipal do advento do partido progressista á ge- rência dos ncgocios públicos; do alvoroço com que foi acolhido por todo o paiz; da animação com que os eleitores correram á urna nas elei- ções seguintes; da maioria quasi absoluta que o governo obteve sobre a opposição surprehen- dida. e emfim da confiança que nos primeiros tempos o paiz mostrou na gerência do gabinete presidido pelo sr. Braamcamp. A mola secreta que fez operar todos estes prodígios movera-a um só homem — José Luciano de Castro.

Como ministro do reino produziu, entre ou- tras propostas de menos vulto, — a reforma do codigo administrativo, que rehahilítou as juntas de parochia da tutella ecclesiastica, dando-lhes autonomia e jurisdição; a reforma eleitoral que conferiu o direito de votar a todos os chefes de familia e cidadãos que saibam ler, alargando as- sim o uso dos direitos politicos; — e as leis da instrucção a que já no começo cTestc artigo nos referimos, medidas todas liberaes e honrosissi- mas para o ministro que as apresentou em cor- tes.

Ficaram ainda muitas outras em elaboração, e que tinham sido incluídas no programma da Granja, taes são a reforma do jury, a dotação do culto e do clero, e outras.

Se compulsarmos os jornaes adversos ao ga- binete, de que fez parte o nosso bíographado tendo a gerência da pasta do reino, póde-se ad- mittir que a pratica divergiu bastante do que lora estabelecido theoricamente no programma. Sobre este ponto nada diremos. Quando uma nação se acha dividida em partidos, cada um olha de difíerente modo para as operações mi- nisteriaes. Se é certo que toda a administração, por muito má que seja. acha adherentes e apo- logistas, também é innegavel que nunca falta

quem condemne o melhor governo. Nenhum go- verno até hoje conseguiu obter uma approvação geral e absoluta.

Depois da queda do gabinete progressista em 1881, José Luciano de (lastro tem figurado em todas as sessões legislativas e podemos affirmar que tem figurado brilhantemente.

Dos seus antigos arrebatamentos nada tem transparecido ali ultimamente e se era nuvem que lhe obscurecia uma merecida gloria e um justo preito, essa nuvem parece ter-se dissipado completamente.

Já depois de cahir o gabinete de que fez par- te, José Luciano tornou a cooperar vivamente para rehabilitar no paiz o credito e a populari- dade do partido de que é um dos mais vigorosos caudilhos.

A opinião publica mostrava-se pouco favorá- vel ao grupo que não traduzira em factos to- das as promessas do seu programma; era mis- ter galvanísar essa opinião. Lsse choque deu-o José Luciano de Castro apparecendo, em colla- boração com os dirigentes do seu partido, na famosa promessa das reformas politicas, cuja paternidade lhe é attribuida.

É inútil demorarmo-nos insistindo sobre a in- fluencia d'esta promessa; ella foi tal que o chefe do partido adverso se viu forçado a pcrfilhal-a e sabe-se como o sr. Fontes procurou n'essa oc- casião o accordo dos partidos, para qiíe não vies- se a terreno a disputa de preferencias sobre o direito de realizar essas reformas.

Como orador José Luciano de Castro .possue dotes pouco communs e muito invejáveis. A fluên- cia e concisão allia prosodia admirável que é cousa rara no parlamento nacional; á força de raciocínio reúne a clareza de exposição e as con- clusões accodem-lhe expontâneas e tão fulminan- tes como o raio, que illumina e fulmina.

Para concluirmos só duas palavras: José Luciano de Castro está ainda na força da

vida e no vigor da íntelligencia; pôde prestar rele- vantes serviços ao paiz e cremos que hade pres- tal-os, quando a chamada rotação constitucional dos partidos o levar de novo ás eminências do poder. O paiz só pôde desejar duas cousas: é que esse ministro d então conserve a serenidade ae animo e seja tão prestadio á nação, como é cxcellente chefe de íamilia.

Tvp. Elzeviruna — Praça dos Restauradores, 5o a 56 — Lisboa.

O LIVRO DE OURO <BÍographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, leííras, sciettcias, artes, cominercio, industria e agricultura

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ANNO I — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL FEVEREIRO — i885

0 CONSELHEIRO JOAQUIM PEITO DE CARVALHO

(ACTUAL GOVERNADOR CIVIL DE LISBOA)

Que a imprensa atravessa, ao declinar do pre- sente século, o periodo mais esplendido, mais po- deroso c mais opulento da sua existência, ê um facto incontroverso, que todos vemos, e que, por assim dizer, todos sentimos.

Verdadeira alavanca do progresso, excedendo cm força ao olympico Zeus, ella tem o poder creador de Jchovah: opera do seu throno ethe- rco concepções maravilhosas; arranca do barro bruto do obscurantismo a partícula onde assen- tou domicilio uma scentelha do génio; levanta-a ãs regiões que sô ãs águias c dado cursar.

Todavia, attingindo o apogeu do poderio pela influencia moral, deixou-se tomar da vertigem commum a todos que se remontam alem dos meios vulgares: essas allucinações traduzem-se na parcialidade apaixonada com que, especial- mente a imprensa periódica, exerce hoje a sua missão.

EiVectivamemc. é diflkil encargo descortinar como é que esta sacerdotisa moderna sacrifica nas aras da Verdade e da Justiça tão frequentes vezes a vemos ser injusta e menos verdadeira. É que no festim fraternal lançou a Politica um trago do seu amarissimo fel, trago que envene- nou todos os manjares.

E tão vulgar e tão manifesto c o facto, que as reconsiderações também são numerosas. Este, que foi algum tempo idolo^c em seguida feito pedestal e votado ao ostracismo, porque se re- conheceu que só os interesses partidários lhe ha- viam insuflado alguma importância; aguelle que fora votado ás gemonias c reconhecido cm se- guida com direito a ser levado ao capitólio e a decretarem-se-lhe as honras cívicas para justa revindicta. Todavia, o reconhecimento publico do erro e respectiva penitencia ê menos frequente do que a repetição dos factos, que vimos enu- merando.

Vingar as victimas das injustiças da mais po- derosa de todas as potencias do mundo moder- no; salvar do ailrontoso naufrágio a reputação c o mérito dos bons e dos prestantes, é render a essa mesma potencia um serviço relevante.

Próprio, c muito, è por certo este logar para vingar as victimas ejue a politica faz. em detri- mento da imparcialidade c rectidão, que deviam ser eternamente apanágios da imprensa. Levan- tar aqui sobre um pedestal de justas proporções aquellcs que as paixões partidárias c os compro- missos políticos deprimem e derribam d'outros,

que de direito lhe pertenciam, c serviço rele- vante que a Imprensa e a Politica nos deviam reconhecer. Nós pelo menos assim o entende- mos, e por isso damos hoje ingresso ao conse- lheiro Joaquim Peito de Carvalho J-Testa galeria, onde cabe assento á virtude, ao talento, á sabe- doria, á actividade, á intelligcncia, ou outra qual- quer qualidade briosa c digna da consideração geral.

Este integerrimo caracter, que bem merece ser assim denominado, tem sido uma das de- monstrações mais evidentes do que deixamos dito. Maravilhosamente dotado pela natureza de qualidades moraes distinctissimas, não podia dei- xar de encontrar detractores n\ima sociedade onde abundam fatalmente os pygmcus de moral e de intclligencia; motivo porque durante algum tempo viu cerradas contra cite as fileiras de certa fracção da imprensa periódica. Felizmente o gi- gante não suecumbiu, o luetador não se acobar- dou . o missionário não afírouxou no prosegui- meríto da sua missão, ao contrario: seguiu firme c audaz no cumprimento do seu dever, pres- tando serviços relevantes c logrando ver mais tarde nos seus braços os que anteriormente o procuravam com as armas na mão. K este sem duvida o seu principal titulo de gloria; mas nos capítulos subsequentes ver-sc-ha que não é o único.

O LUTO de Ouro, franqueando-lhe as suas pa- ginas, nobilita-se c cumpre a sua nobre missão.

No periodo calamitoso das guerras fratricidas chamadas da suecessão tornou-se notável um corpo que apparecia como se fora um cyclonc c que por onde passava semeiava em torno o ter- ror, o espanto e a morte: era o batalhão de La- mego. Dir-se-hia que nas veias dViqucllc punhado de valentes corria o sangue dos bravos habita- dores dos Herminios, que fizeram parar no vuo audacioso as atrevidas águias romanas. Não tar- dou que este batalhão ganhasse uma fama tal, que bastava nomeal-o, para espalhar o pânico entre os adversários, e ainda hoje dizer filho de Lamego equivale a dizer homem brioso, inteme- rato, aguerrido, dotado de virtudes másculas e animo sereno e recto.

Estas são também as qualidades mais caracte- rísticas do conselheiro Joaquim Peito de Carva- lho, qualidades provadas cm muitos actos da sua vida; e inútil será portanto dizer que é filho de Lamego, aonde nasceu aos 22 de dezembro de i836 da união conjugal do cx.mo sr. Joaquim Peito de Carvalho, bacharel formado em direito,

O LIVRO DE OURO

13iographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL FEVEREIRO — 1885

0 CONSELHEIRO JOAQUIM PEITO DE CARVALHO

(actual governador civil de lisboa)

Que a imprensa atravessa, ao declinar do pre- sente século, o período mais esplendido, mais po- deroso c mais opulento da sua existência, è um facto incontroverso, que todos vemos, e que, por assim dizer, todos sentimos.

Verdadeira alavanca do progresso, excedendo em força ao olvmpico Zeus, ella tem o poder creador de Jehovah: opéra do seu throno ethe- reo concepções maravilhosas; arranca do barro bruto do obscurantismo a partícula onde assen- tou domicilio uma scentelha do génio; levanta-a ás regiões que sô ás aguias c dado cursar.

Todavia, attingindo o apogeu do poderio pela influencia moral, deixou-se tomar da vertigem commum a todos que se remontam alem dos meios vulgares: essas allucinações traduzem-se na parcialidade apaixonada com que, especial- mente a imprensa periodica, exerce hoje a sua missão.

EiVcctivamente. é diílicil encargo descortinar como é que esta sacerdotisa moderna sacrifica nas aras da Verdade e da Ju stiça tão frequentes vezes a vemos ser injusta e menos verdadeira. É que no festim fraternal lançou a Politica um trago do seu amaríssimo fel, trago que envene- nou todos os manjares.

E tão vulgar e tão manifesto c o facto, que as reconsiderações também são numerosas. Este, que foi algum tempo idolo^é em seguida feito pedestal e votado ao ostracismo, porque se re- conheceu que só os interesses partidários lhe ha- viam insuflado alguma importância; aguelle que fora votado ás gemonias é reconhecido cm se- guida com direito a ser levado ao capitólio e a decretarem-se-llic as honras cívicas para justa revindicta. Todavia, o reconhecimento publico do erro e respectiva penitencia c menos frequente do que a repetição dos factos, que vimos enu- merando.

Vingar as victimas das injustiças da mais po- derosa de todas as potencias do mundo moder- no; salvar do aflrontoso naufrágio a reputação c o mérito dos bons e dos prestantes, é render a essa mesma potencia um serviço relevante.

Proprio, e muito, ê por certo este logar para vingar as victimas que a politica faz. em detri- mento da imparcialidade e rectidão, que deviam ser eternamente apanagios da imprensa. Levan- tar aqui sobre um pedestal de justas proporções aquellcs que as paixões partidárias e os compro- missos políticos deprimem e derribam dVutros,

que de direito lhe pertenciam, c serviço rele- vante que a Imprensa e a Politica nos deviam reconhecer. Nós pelo menos assim o entende- mos, e por isso damos hoje ingresso ao conse- lheiro Joaquim Peito de Carvalho n'esta galeria, onde cabe assento á virtude, ao talento, á sabe- doria, á actividade, á intelligcncia, ou outra qual- quer qualidade briosa c digna da consideração geral.

Este íntegerrimo caracter, que bem merece ser assim denominado, tem sido uma das de- monstrações mais evidentes do que deixamos dito. Maravilhosamente dotado pela natureza dc qualidades moraes distinctissimas, não podia dei- xar de encontrar detractores n'uma sociedade onde abundam fatalmente os pygmcus de moral e de intclligencia; motivo porque durante algum tempo viu cerradas contra eUc as fileiras de certa fracção da imprensa periodica. Felizmente o gi- gante não succumbiu, o luctador não se acobar- dou; o missionário não aflrouxou no prosegui- mento da sua missão, ao contrario: seguiu firme c audaz no cumprimento do seu dever, pres- tando serviços relevantes c logrando ver mais tarde nos seus braços os que anteriprmente o procuravam com as armas na mão. E este sem duvida o seu principal titulo de gloria; mas nos capítulos subsequentes ver-se-ha que não é o único.

O Urro de Ouro, franqueando-lhe as suas pa- ginas, nobilita-se c cumpre a sua nobre missão.

No período calamitoso das guerras fratricidas chamadas da successão - tornou-se notável um corpo que apparecia como se fõra um cvclonc e que por onde passava semeiava em torno o ter- ror, o espanto e a morte: era o batalhão de La- mego. Dir-se-hia que nas veias d'aquelle punhado de valentes corria o sangue dos bravos habita- dores dos Hcrminios, que fizeram parar no vuo audacioso as atrevidas aguias romanas. Não tar- dou que este batalhão ganhasse uma fama tal, que bastava nomeal-o, para espalhar o pânico entre os adversários, e ainda hoje dizer filho de Lamego equivale a dizer homem brioso, inteme- rato, aguerrido, dotado dc virtudes masculas e animo sereno e recto.

Estas são também as qualidades mais caracte- rísticas do conselheiro Joaquim Peito dc Carva- lho, qualidades provadas cm muitos actos da sua vida; e inútil será portanto dizer que é filho dc Lamego, aonde nasceu aos 22 de dezembro de 1836 da união conjugal do cx.mo sr. Joaquim Peito dc Carvalho, bacharel formado em direito,

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iS O LIVRO DE OURO

com a ex.ma sr.a D. Emília da Motta Azevedo, am- bos jã fallecidos.

Logo nos seus primeiros annos provou a cir- cumspecção c seriedade de caracter que jamais desmentiu depois e que lhe tem grangeado nu- merosas sympathias e dedicadas affeíções, mes- mo entre as pessoas que primeiramente lhe mos- travam maior animadversão. Quando a idade faz o homem folga são e o impeite para os prazeres encerrava-se cllc a estudar c era entre os livros que encontrava as suas mais gratas e apra- ziveis distracções. Kra o desvanecimento da fa- mília e dos estranhos o desenvolvimento e a ap» plicação intellcctual do joven estudante. Desde a escola auçuravam-lhe um futuro brilhante e li- bravam n clle as suas mais lisongeiras e entra- nhadas esperanças. O horóscopo não foi men- tido.

O afan com que procurava instruir-se tão pro- fícuos resultados deu. que lhe franqueou as por- tas da Universidade anno e meio antes de haver completado a idade legal para o ingresso n'a- quclla academia.

Continuando no regimen que se havia im- posto, fez suecessivãmente os exames annuaes da faculdade de direito e concluiu a sua forma- tura em 11 de junho de i856. não tendo ainda completado os vinte annos, que só fez em 22 de dezembro seguinte!

Quer dizer, era já formado na faculdade que tem por dever ser a mais instruída e que pede mais severo e aturado estudo, quando os da sua idade se gastam em orgias nocturnas e se inuti- lisam em passatempos estéreis.

Raro exemplo digno de meditação nVstes de- ploráveis tempos que vão correndo, c em que tudo são apparencias e exterioridades!

u* Não tardou muito que os poderes públicos

aproveitassem as faculdades preciosas do moço doutor: consagrados dois annos ao descanço de tão seguido exercício nas arenas escolásticas, em maio de i8f>8 foi despachado delegado do pro- curador régio para a comarca de Castello Branco, não chegando a tomar posse d'estc logar por pre- ferir a carreira administrativa, pelo que em ju- nho do anno seguinte foi nomeado secretario ge- ral do governo civil de Vi lia Real, onde serviu dois annos governando o districto quasi todo o tempo por se dar impedimento suecessívo do respectivo governador.

Teve logo ensejo de provar as brilhantes qua- lidades que o recommendam para chefe de um districto, a energia indomável e a actividade sciente e consciente.

A contribuição directa da repartição lançada pela camará que então geria o município do con-

celho cabeça de districto originou uma subleva- ção popular pouco mais ou menos como a da grère dos carreteiros, occorrida recentemente no Porto, aggravada alli por não ser unicamente uma classe que se sublevou, mas sim a collecti- vidade dos moradores varões do concelho. Não encontraram porém aquellcs revoltosos a tibieza e frouxidão com que se procedeu na segunda cidade do reino, mas empeceu-lhes os desatinos o secretario do governo civil, que, encontrando no valente capitão de caçadores 3 Thiago Ri- cardo de Sousa um auxiliar valioso pelo denodo c brio, subjugou e submetteu pela força os amoti- nados.

Se attentarmos principalmente a que tão im- portante facto se deu quando Peito de Carvalho ainda não estava temperado pela experiência, nem do cargo nem dos annos, não podemos dei- xar de admirar o desassombro com que desem- penhou o seu dever, sempre espinhoso quando tem de curnprir-se recorrendo á ultima ratio, que d o argumento brutal da pólvora e das ba- las.

Não teve muito tempo para repousar: logo em seguida o districto foi sobresaltado por um suecesso monstruoso c que encheu de indigna- ção toda a gente honesta. O delegado do procu- rador régio na comarca de Santa Manha de Penaguião, dr. Seixas, que gosava geraes sympa- thias, fora cobardemente assassinado, e ás po- voações da comarca estavam profundamente impressionadas, e temiam-se represálias sanguino- lentas, que naturalmente iriam ferir innocentes; porque o povo quasi sempre escolhe as suas vi- ctimas consoante as suas antipathias c não con- forme a justiça indica.

O secretario do governo civil collocou-se im- mediatamente à frente do poder judicial n'esta questão, e dirigindo as investigações e as inqui- rições com um tacto especial, bem depressa fez reconhecer os criminosos, tendo então de supe- rar terríveis ditficuldadcs para concluir a sua missão, que era apoderar-se d^lles para os fazer punir.

Succedcu que estes pertencessem a uma famí- lia das mais ricas c influentes da localidade. Sa- be-se quanto e' ditlicil, nas povoações sertanejas principalmente, arcar contra as influencias elei- toraes e contra as relações poderosas, que for- mam então uma espécie de circulo em torno do funecionario, que pretende fazer cumprir a lei, tornando-se-íhe dillicil c até perigoso pretender penetrar no rijo escudo que protege os delin- quentes. Quantos funecionarios não teem visto a sua carreira tatalmente cortada cm consequên- cia de pretenderem triumphar em pugnas d esta ordem; quantos não teem vacitlado e sacrificado a justiça ao seu interesse particular periclitante, cm casos tacs!

Não era porem de tal tempera a alma do se- cretario do governo civil de Villa Real: quanto mais elevadamente collocados estavam os crimi- nosos, maior obrigação lhe corna de os perse- guir e alcançar, c.\ . e assim o fez, sem de ma-

iS O LIVRO DE OURO

com a ex.ma sr.a D. Emilia da Motta Azevedo, am- bos já fallccidos.

Logo nos sens primeiros annos provou a cir- cumspecção c seriedade de caracter que jamais desmentiu depois e que lhe tem grangeado nu- merosas sympathias e dedicadas afleições, mes- mo entre as pessoas que primeiramente lhe mos- travam maior animadversão. Quando a idade faz o homem folga são e o impelle para os prazeres cnccrrava-se clle a estudar c era entre os livros que encontrava as suas mais gratas e apra- zíveis distracções. Era o desvanecimento da fa- mília e dos estranhos o desenvolvimento e a ap» plicação intellectual do joven estudante. Desde a escola auçuravam-lhe um futuro brilhante e li- bravam n clle as suas mais lisongeiras e entra- nhadas esperanças. O horoscopo não foi men- tido.

O afan com que procurava instruir-se tão pro- fícuos resultados deu. que lhe franqueou as por- tas da Universidade anno e meio antes de haver completado a idade legal para o ingresso n'a- quclla academia.

Continuando no regímen que se havia im- posto, fez succcssivamentc os exames annuaes da faculdade de direito e concluiu a sua forma- tura cm 11 de junho de i856. não tendo ainda completado os vinte annos, que só fez em 22 de dezembro seguinte!

Quer dizer, era já formado na faculdade que tem por dever ser a mais instruída e que pede mais severo e aturado estudo, quando os da sua idade se gastam em orgias nocturnas e se inuti- lisam em passatempos estereis.

Raro exemplo digno de meditação n^estes de- ploráveis tempos que vão correndo, c em que tudo são apparencias e exterioridades!

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Não tardou muito que os poderes públicos aproveitassem as faculdades preciosas cio moço doutor: consagrados dois annos ao descanço de tão seguido exercido nas arenas escolásticas, em maio de 1838 foi despachado delegado do pro- curador régio para a comarca de Castello Branco, não chegando a tomar posse d'este logar por pre- ferir a carreira administrativa, pelo que em ju- nho do anno seguinte foi nomeado secretario ge- ral do governo civil de Mila Real, onde serviu dois annos governando o districto quasi todo o tempo por se dar impedimento successivo do respectivo governador.

Teve logo ensejo de provar as brilhantes qua- lidades que o recommendam para chefe de um districto, a energia indomável e a actividade sciente c consciente.

A contribuição directa da repartição lançada pela camara que então geria o município do con-

celho cabeça de districto originou uma subleva- ção popular pouco mais ou menos como a da grère aos carreteiros, occorrida recentemente no Porto, aggravada aili por não ser unicamente uma classe que se sublevou, mas sim a collecti- vidade dos moradores varões do concelho. Não encontraram porém a que lies revoltosos a tibieza e frouxidão com que se procedeu na segunda cidade do reino, mas empeceu-lhes os desatinos o secretario do governo civil, que, encontrando no valente capitão de caçadores 3 Thiago Ri- cardo de Sousa um auxiliar valioso pelo denodo e brio, subjugou e submetteu pela força os amoti- nados.

Se attentarmos principalmente a que tão im- portante facto se deu quando Peito de Carvalho ainda não estava temperado pela experiência, nem do cargo nem dos annos, não podemos dei- xar de admirar o desassombro com que desem- penhou o seu dever, sempre espinhoso quando tem de curnprir-se recorrendo á ultima ratio, que é o argumento brutal da polvora c das ba- las.

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Não teve muito tempo para repousar: logo cm seguida o districto foi sobresaltado por um successo monstruoso c que encheu de indigna- ção toda a gente honesta. O delegado do procu- rador régio na comarca de Santa Martha de Penaguião, dr. Seixas, que gosava gera es sympa- thias, fora cobardemente assassinado, e ás po- voações da comarca estavam profundamente impressionadas, e temiam-se represálias sanguino- lentas, que naturalmente iriam ferir innocentes; porque o povo quasi sempre escolhe as suas vi- ctimas consoante as suas antipathias e não con- forme a justiça indica.

O secretario do governo civil co!locou-se im- mediatamente á frente do poder judicial n'esta questão, e dirigindo as investigações e as inqui- rições com um tacto especial, bem depressa fez reconhecer os criminosos, tendo então de supe- rar terríveis dificuldades para concluir a sua missão,que era apoderar-se dclles para os fazer punir.

Succedcu que estes pertencessem a uma famí- lia das mais ricas c influentes da localidade. Sa- be-sc quanto é dillicil, nas povoações sertanejas principalmente, arcar contra as influencias eleí- toraes e contra as relações poderosas, que for- mam então uma especie de circulo em torno do funccionario, que pretende fazer cumprir a lei, tornando-se-lhe dillicil c ate perigoso pretender penetrar no rijo escudo que protege os delin- quentes. Quantos funccionarios não teem visto a sua carreira latalmente cortada cm consequên- cia de pretenderem triumphar em pugnas dTsta ordem; quantos não teem vacillado e sacrificado a justiça ao seu interesse particular periclitante, em casos toes!

Não era porém de tal tempera a alma do se- cretario do governo civil de Villa Real: quanto mais elevadamente collocados estavam os crimi- nosos, maior obrigação lhe corria de os perse- guir e alcançar, e... e assim o fez, sem de ma-

O LIVRO DE OURO '9

neíra alguma attender âs consequências que po- dia occasionar a sua resolução.

Quer dizer: triumphou do mais perigoso es- colho que podia encontrar na vereda do funccio- nalismo publico!

A descoberta de uma quadrilha de salteado- res, que infestavam as cercanias de Villa Real, tendo â frente um facínora temido pelos repeti- dos crimes que com m et terá, foi também um dos mais valiosos serviços feitos ao districto, ser- viço que foi prestado com grave risco de vida.

O chefe da quadrilha exercia o mister de mar- chante nas proximidades da villa da Cumicíra. Ordenada a captura ao administrador do conce- lho e ao regedor da parochia, cada um doestes se recusou com receio do malvado, que já conta- va cinco aceusações de homicídio e devia vender cara a liberdade a quem pretendesse tomar-lh'a. Não soffria o animo do secretario que um fací- nora d1esta ordem continuasse livre e portanto foi pessoalmente dirigir a captura, e só á própria coragem e perícia no jogo das armas deveu rea- • lisal-a a salvo, pois teve de luetar com o assas- sino, que se defendia armado com um michado, que o secretario lhe fez saltar das mãos com um bote de espada!

Em 1860 foi exonerado do logar que tão pro- ficientemente exercera, sendo ainda a sua exone- ração devida a um acto de hombridade digno de todo o elogio. Tratava-se da eleição de depu- tados e pelo circulo do Peso da Régua propu- nha-se deputado de opposicão o actual director dos correios, conselheiro Guilhermino *de Rar- ros, cuja candidatura foi recebida com raro en- thusiasmo pelos eleitores. O governo pretendia guerrear a eleição e suppoz encontrar no secre- tario de Villa Real um dos dóceis apparelhos da machina eleitoral; soffreu porém o desaponta- mento de aquelle digno funecionario se negar a combater um candidato que os eleitores rece- biam com tanto alvoroço e enthusiasmo. A sua exoneração foi pois decretada e não ê por certo um dos seus menos valiosos títulos de gloria e honra.

N\:sse mesmo anno e decorrido apenas um mez foi nomeado para idêntico logar no distri- cto de Leiria, onde serviu onze mezes, sendo em seguida transferido para o de Vianna do Cas- tcllo, cargo que resignou por ter a sua familia aberto guerra, no Douro, ao governo que oc- cupava então o poder: raro exemplo de pondu- norosa delicadeza e lealdade politica.

Recolheu então a Lamego, onde tomou parte activa na vida politica da província, fazendo parte do centro regenerador, dirigindo em parte as lu- ctas que tiveram locar em 1864, conquistando então merecida popularidade, principalmente en- tre as classes laboriosas, que o acompanhavam dedicada e cegamente em todas as conjuncturas dilliceis e arrojadas.

Ate 1871 conservou-se o conselheiro Peito de Carvalho ausente da vida burocrática, porem n^ste anno a sua reconhecida aptidão para a ge- rência dos negócios administrativos levou-o no- vamente ao cargo de secretario geral do distri- cto de Évora, onde o decidido amor da justiça e a paixão de cortar abusos lhe inspiraram a fa- mosa syndicancia â Misericórdia d'aquella ci- dade.

Doesta syndicancia.de que existe impresso um documento valioso, o relatório respectivo, resul- tou o reconhecimento de grandes dilapidações, commettidas por dois empregados, que foram demittidos e processados.

De maneira que a passagem d'este notável funecionario è assignalada sempre pelos mais nobres actos de justiça.

•*!*'

Em janeiro de 1872 foi promovido a governa- nador civil do districto de Leiria, cargo que exer- ceu durante sete annos.

Esperavam-o aqui os maiores dissabores da sua vida publica, em consequência da guerra te- naz, sem tréguas e por muitas vezes profunda- mente desleal que lhe moveu o partido progres- sista, auc conta n\iquelle districto numerosas sympatnias. Outro menos enérgico teria infalli- velmente suecumbido perante as aleivosias e as aceusações miseráveis e as insinuações calum- niosas que quotidianamente inseriam os periódi- cos addictos ao partido, que o combatia. Peito de Carvalho, porém, recebia os ataques cobar- des, violentos e traiçoeiros dos seus adversários com ínperturbavcl aplomb. Como as rochas alte- rosas que defrontam com o oceano são muitas vezes salteadas pelas ondas, que lhe passam so- bre, sem todavia as dominarem, antes pelo con- trario lhes caem em seguida aos pês, humilhadas e desfeitas; assim o governador civil de Leiria affrontava a opposicão imbelle e iniqua que lhe moviam os espíritos mesquinhos, incapazes de o avaliarem, e ia prestando os valiosos e relevan- tes serviços, que hão de tornar sempre lem- brado e saudoso o seu nome no districto e es- crever indelevelmente a historia da sua adminis- tração.

Foram estes especialmente: — A criação cTum corpo de policia civil, o

primeiro que se organisou nos districtos do reino, depois dos das cidades de Lisboa e Porto;

A fundação do asylo districtal de expostos e abandonados, com sede na villa de Alcobaça, e no que foi coadjuvado pelas principaes pessoas da localidade;

A fundação do hospital de Nossa Senhora da Nazareth, destinado a receber os enfermos da localidade e os romeiros que ali concorrem .em grande numero por occasião das afamadas festas populares, que teem logar ali todos os annos;

A restauração do palácio, casa de recepção de esmolas e outras oílicinas da Real Casa da Nazareth;

O LIVRO

ncíra alguma attender as consequências que po- dia occasionar a sua resolução.

Quer dizer: triumphou do mais perigoso es- colho que podia encontrar na vereda do funccio- nalismo publico!

A descoberta de uma quadrilha de salteado- res, que infestavam as cercanias de Mila Real, tendo â frente um facínora temido pelos repeti- dos crimes que commettera, foi também um dos mais valiosos serviços feitos ao districto, ser- viço que foi prestado com grave risco de vida.

O chefe da quadrilha exercia o mister de mar- chante nas proximidades da villa da Cumieira. Ordenada a captura ao administrador do conce- lho e ao regedor da parochia, cada um d'estes se recusou com receio do malvado, que já conta- va cinco accusações de homicidio e devia vender cara a liberdade a quem pretendesse tomar-lhV Não sofíria o animo do secretario que um fací- nora dVsta ordem continuasse livre e portanto foi pessoalmente dirigir a captura, e só á propria coragem e perícia no jogo das armas deveu rea- lisal-a a salvo, pois teve de luctar com o assas- sino, que se defendia armado com um machado, que o secretario lhe fez saltar das mãos com um bote de espada!

Em i860 foi exonerado do logar que tão pro- ficientemente exercera, sendo ainda a sua exone- ração devida a um acto de hombridade digno de todo o elogio. Tratava-se da eleição de depu- tados e pelo circulo do Peso da Régua propu- nha-se deputado de opposicão o actual director dos correios, conselheiro Guilhermino de Bar- ros, cuja candidatura foi recebida com raro en- thusiasmo pelos eleitores. O governo pretendia guerrear a eleição e suppoz encontrar no secre- tario de Mila Real um dos dóceis apparelhos da machina eleitoral; soífreu porém o desaponta- mento de aquelle digno funccionario se negar a combater um candidato que os eleitores rece- biam com tanto alvoroço e enthusiasmo. A sua exoneração foi pois decretada e não é por certo um dos seus menos valiosos títulos de gloria e honra.

N'esse mesmo anno e decorrido apenas um mez foi nomeado para idêntico logar no distri- cto de Leiria, onde serviu onze mezes, sendo em seguida transferido para o de Manna do Cas- tello, cargo qne resignou por ter a sua familia aberto guerra, no Douro, ao governo que oc- cupava então o poder: raro exemplo de pondu- norosa delicadeza e lealdade politica.

Recolheu então a Lamego, onde tomou parte activa na vida politica da província, fazendo parte do centro regenerador, dirigindo em parte as lu~ ctas que tiveram logar em 1864, conquistando então merecida popularidade, principalmente en- tre as classes laboriosas, que o acompanhavam dedicada e cegamente em todas as conjuncturas dillíceis e arrojadas.

DE OURO 19

Até 1871 conservou-se o conselheiro Peito de Carvalho ausente da vida burocrática, porém n'este anno a sua reconhecida aptidão para a ge- rência dos negocios administrativos levou-o no- vamente ao cargo de secretario geral do distri- cto de Évora, onde o decidido amor da justiça e a paixão de cortar abusos lhe inspiraram a fa- mosa syndicancia á Misericórdia d'aquella ci- dade.

DAsta syndicancia.de que existe impresso um documento valioso, o relatório respectivo, resul- tou o reconhecimento de grandes dilapidações, com met tidas por dois empregados, que foram demittídos e processados.

De maneira que a passagem d'este notável funccionario é assign alada sempre pelos mais nobres actos de justiça.

LWL

Em janeiro de 1872 foi promovido a governa- nador civil do districto de Leiria, cargo que exer- ceu durante sete annos.

Esperavam-o aqui os maiores dissabores da sua vida publica, em consequência da guerra te- naz, sem tréguas e por muitas vezes profunda- mente desleal que lhe moveu o partido progres- sista, que conta íMiquelle districto numerosas sympatnias. Outro menos enérgico teria infalli- velmente succumbido perante as aleivosias e as accusações miseráveis e as insinuações calum- niosas que quotidianamente inseriam os periódi- cos addictos ao partido, que o combatia. Peito de Carvalho, porém, recebia os ataques cobar- des, violentos e traiçoeiros dos seus adversários com inperturbavel aplomb. Como as rochas alte- rosas que defrontam com o oceano são muitas vezes salteadas pelas ondas, que lhe passam so- bre, sem todavia as dominarem, antes pelo con- trario lhes caem em seguida aos pés, humilhadas e desfeitas; assim o governador civil de Leiria affrontava a opposicão imbelle e íniqua que lhe moviam os espíritos mesquinhos, incapazes de o avaliarem, e ia prestando os valiosos c relevan- tes serviços, que hão de tornar sempre lem- brado e saudoso o seu nome no districto e es- crever indelevelmente a historia da sua adminis- tração.

Foram estes especialmente: — A criação d\im corpo de policia civil, o

primeiro que se organisou nos districtos do reino, depois dos das cidades de Lisboa e Porto;

A fundação do asylo districtal de expostos e abandonados, com séde na villa de Alcobaça, e no que foi coadjuvado pelas principacs pessoas da localidade;

A fundação do hospital de Nossa Senhora da Nazareth, destinado a receber os enfermos da localidade e os romeiros que ali concorrem .em grande numero por occasião das afamadas festas populares, que teem logar ali todos os annos;

A restauração do palacio, casa de recepção de esmolas e outras ollicinas da Real Casa da Nazareth;

■20 O LIVRO DE OURO

O aquartela mento militar para cavallaria c in- fanteria na mesma villa, e o terraplenamento c aformoseamento do largo em frente da egreja e palácio, podendo dizer-se que a villa renasceu ao sopro vivificador do illustre governador ci- vil.

Foi cTcgua] importância por certo a cataloga- ção c classificação do archivo d^aquelle histórico estabelecimento, da reforma da sua escriptura- çáo c contabilidade, encontrando-se hoje tudo ali com uma regularidade e aceio que d pouco commum nos estabelecimentos cPesta ordem, no nosso paiz, onde. a julgar pelos mais valiosos monumentos históricos, ha razão para dizer que o desleixo e o desmazelo são as feições domi- nantes da physionomia nacional.

Entretanto* não se esqueceu Peito de Carva- lho de cortar abusos c seguidamente, submet- tendo a rigorosa syndicancia a administração da Real Casa da Nazareth. descobriu dilapidações que fez punir severamente, fazendo repor quan- tias consideráveis que haviam sido desviadas dos respectivos cofres; fez cumprir as leis do recru- tamento, remettendo ás fileiras cerca de i:õoo mancebos durante o tempo da sua gerência, al- guns dos quaes andavam sonegados pelas in- fluencias locaes; obrigou as camarás municipaes, as parochias e as irmandades a regularem c tra- zerem em dia as suas contas, fazendo por este meio duplicar a receita orçamental do districto; etc, etc.

Um dos mais relevantes serviços prestados pelo illustre funecionario foi a captura dos as- sassinos do barão de Porto de Moz, que se ha- viam evadido da cadeia de Lisboa e traziam os habitantes d^aquelles sítios cm contínuos sobre- saltos e terrores.

<*»

Km dezembro de 1879 foi o conselheiro Peito de Carvalho nomeado chefe da 1.* repartição da direcção geral do ultramar, e em maio de 1884 foi promovido a director geral das contribuições directas; cargos que exerceu com elevada pro- ficiência, merecendo por vezes sinceros louvores officiaes.

Em julho do mesmo anno o suflragio popular conccdeu-lhc o mandato eleitoral, sendo para no- tar que a eleição teve logar no circulo onde an- teriormente lhe fora feita a mais acirrada guerra, obtendo cerca de nove mil votos, libérrimos, es- pontâneos, representando e significando como que uma reparação de injustos aggravos.

tó<T'e)

A muitas instancias do governo accedeu o conselheiro Peito de Carvalho a exercer o cargo de governador civil do districto de Lisboa, sa- crificando-sc ás exigências partidárias, por isso que conhece por experiência dura quantos dis- sabores e contrariedades acarretam cargos tacs.

No desempenho d"esta nova posição manifes- tou já o conselheiro Peito de Carvalho a sua actividade c proverbial energia, conseguindo da

junta geral do districto a approvação da verba necessária para o augmento do corpo de policia civil; fazendo acertada escolha de um novo com- missario muito illustrado e sympathico; demit- tindo e punindo justificadamente ateuns mem- bros d"essa corporação; restabelecendo o registo dos serviçacs e regulando este serviço; toman- do acertadas providencias acerca da lotação c illuminação dos theatros; diminuindo conside- ravelmente a mendicidade das ruas, e continuará por certo cortando abusos e prestando os rele- vantes serviços que tem por habito prestar.

Conta o conselheiro Peito de Carvalho onze portarias de louvor, pelos seus serviços, sendo estes insuspeitos por haverem sido aquellcs do- cumentos referendados por governos saídos de diversos partidos; possuc o titulo do conselho de sua magestade, c as commendas das ordens da Conceição — portugueza — e a da Rosa, do Brazil, e a grã-cruz de Isabel a Catholica, de Hespanha. Não são, porem, as veneras que hon- ram aqucllc que as usa, honra-sc sobremaneira pela hombridade, zelo, presteza c intelligencia com que desempenha quantas commissões de serviço publico lhe são incumbidas.

Neutros tempos diz ia-se em honra dos por- tuguezes — «que eram gente de antes quebrar que torcer». O conselheiro Joaquim Peiío de Car- valho possue também em elevado grau essa vir- tude sublime, podendo dizer-se que cite é o per- feito typo do portuguez do norte, robusto, aus- tero, de uma bondade e lealdade inalteráveis. O seu caracter c como que um mixto harmonioso de benevolência enrista e de energia romana; valente c ousado como poucos, é uma criança em face da miséria e dos pobres. A historia de uma angustia commove-o; a revelação de um crime sohresalta-o.

Propenso a valer aos desgraçados, é inflexível na perseguição aos infames.

A sua vida tem sido toda de acção e de tra- balho. Collocando-o na brilhante posição social que oceupa, a fortuna não foi cega. como ordi- nariamente o costuma ser; viu bem que era di- gno das suas graças quem desde as primícias da mocidade se orientou sempre á luz do trabalho e do dever. Por seu lado também elle, lançan- do-sc na agitação da vida oiliciai, não enterrou, como o egoísta da parábola evangélica, os talen- tos que lhe foram concedidos, antes os fez frueti- ficar pelo aturado estudo e constante applicaçao das suas poderosas faculdades.

Honramo-nos cm dizer estas verdades, porque entendemos que o culto das individualidades me- ritórias é a justiça do passado e a lição do fu- turo.

TYP. ELZEVWANA — Prafn dos Restauradores, 5o a 56

20 O LIVRO DE OURO

O aquartelamento militar para cavallaria c in- faritcria na mesma villa, e o tcrraplenamento e aformoseamento do largo cm frente da egreja c palacio, podendo dizer-sc que a villa renasceu ao sopro vivificador do illustre governador ci- vil.

Foi d'egual importância por certo a cataloga- ção e classificação do archivo d^aquclle histórico estabelecimento, da reforma da sua cscriptura- ção e contabilidade, encontrando-se hoje tudo ali com uma regularidade e aceio que é pouco commum nos estabelecimentos d'esta ordem, no nosso paiz, onde. a julgar pelos mais valiosos monumentos históricos, ha razão para dizer que o desleixo e o desmazelo são as feições domi- nantes da physionomia nacional.

Entretanto' não se esqueceu Peito de Carva- lho de cortar abusos e seguidamente, submet- tendo a rigorosa syndicancia a administração da Real Casa da Nazareth, descobriu dilapidações que fez punir severamente, fazendo repor quan- tias consideráveis que haviam sido desviadas dos respectivos cofres; fez cumprir as leis do recru- tamento, remettendo ás fileiras cerca de i:5oo mancebos durante o tempo da sua gerência, al- guns dos quaes andavam sonegados pelas in- fluencias locaes; obrigou as camaras municipaes, as parochias e as irmandades a regularem c tra- zerem em dia as suas contas, fazendo por este meio duplicar a receita orçamental do districto; etc., etc.

Um dos mais relevantes serviços prestados pelo illustre funccíonario foi a captura dos as- sassinos do barão dc Porto de Moz, que se ha- viam evadido da cadeia dc Lisboa e traziam os habitantes d'aquelles sitios em contínuos sobre- saltos e terrores.

Em dezembro de 1879 foi o conselheiro Peito dc Carvalho nomeado chefe da i repartição da direcção geral do ultramar, e em maio dc 1884 foi promovido a director geral das contribuições directas; cargos que exerceu com elevada pro- ficiência, merecendo por vezes sinceros louvores ofiiciacs.

Em julho do mesmo anno o suflragío popular concedeu-lhe o mandato eleitoral, sendo para no- tar que a eleição teve logar no circulo onde an- teriormente lhe fora feita a mais acirrada guerra, obtendo cerca de nove mil votos, libérrimos, es- pontâneos, representando e significando como que uma reparação de injustos aggravos.

A muitas instancias do governo accedcu o conselheiro Peito dc Carvalho a exercer o cargo de governador civil do districto de Lisboa, sa- crificando-sc ás exigências partidárias, por isso que conhece por experiência dura quantos dis- sabores e contrariedades acarretam cargos tacs,

No desempenho d^sta nova posição manifes- tou já o conselheiro Peito de Carvalho a sua actividade e proverbial energia, conseguindo da

junta geral do districto a approvação da verba necessária para o augmento do corpo de policia civil; fazendo acertada escolha dc um novo com- missario muito iliustrado e sympathico; dcmit- tindo c punindo justificadamente alguns mem- bros d"essa corporação; restabelecendo o registo dos serviçacs e regulando este serviço; toman- do acertadas providencias acerca da lotação e illuminação dos theatros; diminuindo conside- ravelmente a mendicidade das ruas, e continuará por certo cortando abusos c prestando os rele- vantes serviços que tem por habito prestar.

Conta o conselheiro Peito de Carvalho onze portarias dc louvor, pelos seus serviços, sendo estes insuspeitos por haverem sido aqucllcs do- cumentos referendados por governos saidos dc diversos partidos; possuc o titulo do conselho dc sua magestade, c as commcndas das ordens da Conceição — portugueza — e a da Rosa, do Brazil, e a grã-cruz dc Isabel a Catholica, dc Hcspanha. Não são, porem, as veneras que hon- ram aquelle que as usa, honra-sc sobremaneira pela hombridade, zelo, presteza c intelligencia com que desempenha quantas commissõcs dc serviço publico lhe são incumbidas.

(vbc)

N'outros tempos dizia-sc cm honra dos por- tuguezes — «que eram gente de antes quebrar que torcer». O conselheiro Joaquim Peito de Car- valho possuc também cm elevado grau essa vir- tude sublime, podendo dizer-sc que cite é o per- feito typo do portuguez do norte, robusto, aus- tero, de uma bondade e lealdade inalteráveis. O seu caracter é como que um mixto harmonioso dc benevolência christã e de energia romana; valente c ousado como poucos, é uma criança em face da miséria c dos pobres. A historia de uma angustia commovc-o; a revelação dc um crime sohrcsalta-o.

Propenso a valer aos desgraçados, é inflexível na perseguição aos infames.

A sua vida tem sido toda de acção e dc tra- balho. Collocando-o na brilhante posição social que occupa, a fortuna não foi cega. como ordi- nariamente o costuma ser; viu bem que era di- gno das suas graças quem desde as primícias da mocidade se orientou sempre á luz do trabalho e do dever. Por seu lado também ellc, lançan- do-se na agitação da vida ollicial, não enterrou, como o egoista da parabola evangélica, os talen- tos que lhe foram concedidos, antes os fez fructi- ficar pelo aturado estudo e constante applicaçao das suas poderosas faculdades.

Honramo-nos cm dizer estas verdades, porque entendemos que o culto das individualidades me- ritórias é a justiça do passado c a lição do fu- turo.

Tvp. Elzeviruna — Praça dos Restauradores, 5o a 56

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O LIVRO DE OURO Tiiographias dos personagens mais distmeios em politica,

armas, religião, feltras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I —VOLUME ! PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL MAIO— iS85

0 Conselheiro José. de .Mello Gouveia

Ha na espécie humana uma propensão cons- tante para a celebridade. Testimunha-o esse li- dar constante, ininterrupto, allanoso e perenne de cada homem em perpetuar-se e sobre vi ver-se, que não pôde simplesmente explicar-se pelo na- tural instincto de conservação, porque não é, decerto, a posse perpetua da'vida, a perennidade da existência, o que realmente ambicionamos.

O amor da gloria não é senão o horror da morte.

Ha dentro de nós um estimulo secreto, que nos impelle a viver fora de nós mesmos, alguma coisa de mysterioso que, transpondo os acanha- dos limites da matena e da vida, nos arroja e libra nas azas da phantasia ás cerúleas regiões ignotas em busca de tempo sem medida, e de espaço sem termino.

A esta inquietação enorme, a este anceio des- medido, a este infinito haver que agita o pélago do nosso espirito, estreitamente contido no frágil vaso da vida mortal; a este incentivo que im- pelle o homem a perpetuar-se e a sobrevi verse; a este estimulo que ateia em sua alma o desejo de immortalisar-se; a este secreto impulso, sen- timento universal, que dá vida aos nossos senti- mentos e calor ás nossas acções chamar-se-ha instincto de conservação?...

Não: se é instincto, ê o instincto da immor- talidade ou da celebridade.

Nas naturezas superiores produz as grandes façanhas, as grandes virtudes, as grandes obras da sciencia e da arte; nas naturezas corrompi- das, infamadas e perversas os maiores crimes e aberrações; no vulgo ignaro, que prodigiosa- mente se estende por todas as espheras da es- pécie humana, produz as vaidades mais pueris, as ambições mais desmarcadas e mesquinhas, as invejas mais perigosas e humilhantes.

A celebridade!—eis a satisfação a que todos aspiramos. Tanto a procurava Alexandre ao con- quistar a Ásia, como a pretendia Diógenes ao rechaçar a sombra de Alexandre.

O mundo pertence ás capacidades. Cada um na sua profissão, no seu oílicio, nas suas aflei- ções, nos seus caprichos e nas suas extravagân- cias faz esforços para síngularisarse, para dis- tinguir-se, para erguer a cabeça acima do vulgo, para sobresahir aos homens que o rodeiam, para elevar-se, emfim, acima, sempre acima, do nivel em que nasceu.

Ksta multiplicidade de aspirações ê muitas ve- zes o gérmen permanente dessas reputações cphemeras, que brilham um momento e desap-

parecem como as rosas de Malherbe; porque a celebridade é um êcco que repete todos os sons, tanto os que causam admiração, como os que fazem escândalo; um espelho magico, um annel de Phyrro que reflecte todos os cambiantes so* ciaes, a luz dos grandes feitos e a sombra das nefandas tragedias.

Mas a celebridade verdadeira, a celebridade merecida, a celebridade cívica não se outhorga, nem se decreta, nem se impõe : ê espontânea; é filha legitima da gloria, reconhece-se; é a ho- menagem devida á virtude, ao valor e ao talento.

■è Quando hoje se falia em perseguições politi-

cas ha homens que não podem deixar de rir da seriedade com que essa phrase se emprega e da semeerimonia com que os suppostos perseguidos se referem aos seus soflrimentos e aos dos seus parciaes.

Esses homens são as relíquias preciosas d^essa plêiade de valentes que na primeira parte d'este século realisaram e consolidaram a conquista da liberdade e estabeleceram no paiz o reinado da equidade e.a observância respeitosa das leis mais justas e sensatas. Um d'esses homens, membro illustre d^ssa plêiade de luetadores infatigáveis, é o conselheiro José de Mello Gouveia, cuja bri- lhante biographia vamos traçar, como uma das dignas de figurar e honrarias paginas fidalgas do Livro de Ouro da aristocracia portugueza.

O conselheiro José de Mello Gouveia tem, por innumeros e valiosos títulos, direito a todas as homenagens devidas ao talento e ao mérito.

Poucos tem prestado tantos e tão relevantes serviços ao paiz; poucos começaram como elle a sua carreira publica entrando na vida activa pela porta da perseguição injusta; poucos inicia- ram uma carreira gloriosa fazendo registar seu nome no grande livro do martyriologio politico da liberdade.

Recordando o período histórico durante o qual o conselheiro José de Mello Gouveia encetou a sua carreira de homem publico não podemos deixar de saudar os homens, que sem respeito aos algozes e aos supplicios, que lhes eram libe- ralmente dispensados, abriram por assim dizer a porta á I iberdade no nosso paiz, dando o ul- timo golpe no collosso do despotismo, que tão forte se encontrava então.

Devemos ser justos. A conquista liberal não foi obrada unicamente pelo heroísmo aguerrido de tantos luetadores illustres, que floresceram de 1826 a 1834, não surgiu apenas da sorte das armas, que parecia acirrada em patrocinar a

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O LIVRO DE OURO

Tliographias dos personagens mais distincios em politica, armas, religião, let iras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL MAIO — 1885

0 Conselheiro José de Mello Gouveia

Ha na especie humana uma propensão cons- tante para a celebridade. Testimunha-o esse li- dar constante, ininterrupto, atl'anoso e perenne de cada homem em perpetuar-se e sobreviver-se, que não pôde simplesmente explicar-se pelo na- tural instincto de conservação, porque não ê, decerto, a posse perpetua da'vida, a perennidade da existência, o que realmente ambicionamos.

O amor da gloria não é senão o horror da morte.

Ha dentro de nós um estimulo secreto, que nos impelle a viver fóra de nós mesmos, alguma coisa de mysterioso que, transpondo os acanha- dos limites da materia e da vida, nos arroja e libra nas azas da phantasia ás cerúleas regiões ignotas em busca de tempo sem medida, e de espaço sem termino.

A esta inquietação enorme, a este anceio des- medido, a este infinito haver que agita o pélago do nosso espirito, estreitamente contido no frágil vaso da viaa mortal; a este incentivo que im- pelle o homem a perpetuar-se e a sobreviver-se; a este estimulo que ateia em sua alma o desejo de immortalisar-se; a este secreto impulso, sen- timento universal, que dá vida aos nossos senti- mentos e calor ás nossas acções chamar-se-ha instincto de conservação?...

Não: se é instincto, é o instincto da immor- talidade ou da celebridade.

Nas naturezas superiores produz as grandes façanhas, as grandes virtudes, as grandes obras da sciencía e da arte; nas naturezas corrompi- das, infamadas e perversas os maiores crimes e aberrações; no vulgo ignaro, que prodigiosa- mente se estende por todas as espheras da es- pecie humana, produz as vaidades mais pueris, as ambições mais desmarcadas e mesquinhas, as invejas mais perigosas e humilhantes.

A celebridade!—eis a satisfação a que todos aspiramos. Tanto a procurava Alexandre ao con- quistar a Asia, como a pretendia Diogenes ao rechaçar a sombra de Alexandre.

O mundo pertence ás capacidades. Cada um na sua profissão, no seu officio, nas suas aflei- ções, nos seus caprichos e nas suas extravagân- cias faz esforços para singularisar se, para dis- tinguir-se, para erguer a cabeça acima do vulgo, para sobresahir aos homens que o rodeiam, para elevar-se, emfim, acima, sempre acima, do nivel em que nasceu.

Esta multiplicidade de aspirações c muitas ve- zes o germen permanente d'essas reputações ephemeras, que brilham um momento e desap-

parecem como as rosas de Malherbe; porque a celebridade é um écco que repete todos os sons, tanto os que causam admiração, como os que fazem escândalo; um espelho magico, um annel de Phyrro que reflecte todos os cambiantes so- ciaes, a luz dos grandes feitos e a sombra das nefandas tragedias.

Mas a celebridade verdadeira, a celebridade merecida, a celebridade cívica não se outhorga, nem se decreta, nem se impõe : é espontânea; è filha legitima da gloria, reconhece-se; è a ho- menagem devida á virtude, ao valor e ao talento.

Quando hoje se falia em perseguições politi- cas ha homens que não podem deixar de rir da seriedade com que essa phrase se emprega e da semeerimonia com que os suppostos perseguidos se referem aos seus soflrimentos e aos dos seus parciaes.

Esses homens são as reliquias preciosas d'essa pleiade de valentes que na primeira parte d'este século realisaram e consolidaram a conquista da liberdade e estabeleceram no paiz o reinado da equidade e.a observância respeitosa das leis mais justas e sensatas. Um d'esses homens, membro illustre d'essa pleiade de luctadores infatigáveis, é o conselheiro José de Mello Gouveia, cuja bri- lhante biographia vamos traçar, como uma das dignas de figurar e honrarias paginas fidalgas do Livro de Ouro da aristocracia portugueza.

O conselheiro José de Mello Gouveia tem, por innumeros e valiosos títulos, direito a todas as homenagens devidas ao talento e ao mérito.

Poucos tem prestado tantos e tão relevantes serviços ao paiz; poucos começaram como elle a sua carreira publica entrando na vida activa pela porta da perseguição injusta; poucos inicia- ram uma carreira gloriosa fazendo registar seu nome no grande livro do martyriologio politico da liberdade.

Recordando o período histórico durante o qual o conselheiro José de Mello Gouveia encetou a sua carreira de homem publico não podemos deixar de saudar os homens, que sem respeito aos algozes e aos supplicios, que lhes eram libe- ralmente dispensados, abriram por assim dizer a porta á ! iberdade no nosso paiz, dando o ul- timo golpe no collosso do despotismo, que tão forte se encontrava então.

Devemos ser justos. A conquista liberal não foi obrada unicamente pelo heroísmo aguerrido de tantos luctadores illustres, que floresceram de 1826 a i83q, não surgiu apenas da sorte das armas, que parecia acirrada em patrocinar a

U O LIVRO DE OURO

causa libera!; foi principalmente produzida pela • tenacidade dos seus apóstolos, pela firmesa dos seus marivrcs, victimas d'um despotismo tão, violento e "brutal, quanto iniquo e ignaro.

Velos supportar o encarceramento cm annos juvenis e quando ainda se não pode ser conspi- rador; vcl-os caminhar para o cadafalso, sem culpas que justificassem a pena infame da forca ; vcl-os ser espancados nas ruas com fundamen- tos tão fúteis como o trazer só dois botões no colete — o que significava no dizer dos janisaros coevos—viva D. Maria II; — tudo isto revoltava quantos sentimentos briosos pode albergar o peito humano, e operava a reacção contra os per- seguidores que no afan de exterminarem os ad- versários, cavavam o abysmo que os devia cm- 8ulir- . I O conselheiro José de Mello Gouveia coopc- | rou pois — como adiante veremos — com o seu j estóico soíírcf* nos cárceres da usurpação tão po- ! derosamente para o estabelecimento do governo i da senhora D. Maria II, como os heroes da epoca í manejando a espada nas linhas do Porto e nos j campos de Asseiceira c da Piedade. Vcncran- < doo veneramos pois toda a illustre plêiade de valentes que prepararam e realisaram a conquista' liberal, cujos fruetos a geração nova está sabo- reando.

O conselheiro José de Mello Gouveia nasceu na Luza Athcnas, que, como se sabe, tem sido com o Porto uma das cidades do reino onde as ideias avançadas c generosas mais promptamente tem sido acolhidas c onde tem recrutado mais numerosos adeptos. Viu a luz a 12 de dezem- bro de 1815 c foram seus progenitores José de Mello Gouveia c sua santa esposa D. Maria For- tunata da Costa Mello Gouveia.

Foi destinado por seus paes á carreira da ma- gistratura, porém, em consequência dos desgra- çados suecessos que se seguiram ao desembarque do logar-tcnentc do reino, infante D. Miguel, cm seguida declarado rei, a universidade c todas as mais aulas pub'icas fecharam as suas portas» cm Coimbra, c por isso vciu para Lisboa "cursar hu- manidades.

Acompanhou-o, porem, uma cstrclla fatídica. Os sentimentos liberaes da familia do nosso il- lustre biographado, sendo conhecidos, — porque as aspirações generosas e nobres não'se masca- ram nem se disfarçam, — bem depressa o aponta- ram â vindicta e ao furor dos aulicos do poder, já então condemnado fatalmente pelas leis implacá- veis da evolução; e apesar dos annos juvenis cjue o deviam pôr a coberto de quaesquer suspeitas de conspirador, foi preso c aceusado perante a commissão mixta encarregada de julgar os dcli- ctos políticos, dos crimes de malhado e agente dos insurrectos da ilha Terceira.

Podíamos aproveitar o ensejo de pôr cm sa- liente relevo a fereza e iniquidade dos tribunaes miguclinos, os quacs para condemnarem admit- tiam como prova ate as delações anonymas c acceitavam por verídicas as aceusações ma%is es- drúxulas c illogicas; não o faremos, porém. A Historia puniu severa esse período inglório ins«

crevendo nas suas agendas immortacs os nomes das victimas c a narrativa das iniquidades. Não acordaremos pois inutilmente rancores extinctos c ódios já amortecidos.

KntrctíMito, ha factos tão luetuosos roesse pe- ríodo, que ao fim de cincoenta annos ainda des- pertam a indignação. N'cstc caso está o que va- mos referir.

Levado José de Mello Gouveia perante o san- guinário tribunal de D. Miguel I, este não se atreveu a declarar provada a aceusação que pe- sava sobre a creança que não completara i5 pri- maveras e jã era indigitada como ré de alta trai- ção e de crimes de lesa magestade, como então se dizia. O tribunal absolveu o aceusado c man- dou-o cm paz; mas a nia em pa^ foi simples fi- gura de rethorica, pois a creança—que nem mesmo-adolescente se lhe podia chamar — foi reconduzida ã cadeia, onde os algozes a con- servaram até raiar o dia 24 de julho, de i833, dia de eterna memoria para Lisboa c para a po- bre victima do despotismo que regressou a liber- dade, no fim de 3o mezes de iniquo captiveiro.

Acabada c luta pela convenção que se não pôde deixar de denominar vergonhosa, pois que d^m lado — do capitulante — existia a força po- derosa das armas, a força bruta, e do outro — do vencedor — apenas uma idea grande, nobre, ge- nerosa e profundamente enraisada no coração d'um punhado apenas de valentes c ainda por- que o vencido não se limitou a desistir por si só dos seus suppostos direitos, mas acorrentou também is obrigações, a que se submetteu, os seus descendentes, que ainda nem sequer existiam.

Começou então o governo liberal a traduzir cm factos as promessas feitas, entre as quacs figu- rava cm primeiro logar a divulgação da instruc- cão, que sob o antigo regimen era um privilegio de castas e classes.

Os inicios doestes grandes pensamentos são sempre laboriosos c difticcis de executar. Pôde dizer-sc que para os corpos dirigentes da pri- meira rede de professores, que se estendeu pelo paiz, foram escolhidas aptidões especiacs e ta- lentos reconhecidos c provados. Dizer pois que o conselheiro José de Mello Gouveia aos 20 an- nos de idade foi nomeado oificial de secretaria do conselho de instrucção publica, equivale a di- zer que uma intclligcncia precoce, desenvolvida pelas provações de quasi trez annos de cárcere, illustrada ao mesmo tempo por estudo aturado, tinham feito do joven funecionario um pensador muito bem conceituado.

Os primeiros annos de governo constitucional foram attribulados: a inexperiência dos gover- nantes c quiçá as ambições despertadas cm vista do accesso ao poder, facilitado, encheu de turbu- lências c de hesitações dolorosas a administração publica. Os ministérios suecediam-sc rápidos c os ministros procuravam distinguir-sc c cclebri- sar-sc destruindo o que encontravam feito, para

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causa libera!; foi principalmente produzida pela tenacidade dos seus apostolos, pela firmesa dos seus marivres, victimas d'um despotismo tão- violento e brutal, quanto iníquo e ignaro.

Velos sup portar o encarceramento em annos juvenis e quando ainda se não pôde ser conspi- rador; vei-os caminhar para o cadafalso, sem culpas que justificassem a pena infame da forca ; vel-os ser espancados nas ruas com fundamen- tos tão fúteis como o trazer só dois botões no colete — o que significava no dizer dos janisaros coevos—viva D. Maria II; — tudo isto revoltava quantos sentimentos briosos pode albergar o peito humano, e operava a reacção contra os per- seguidores que no afan de exterminarem os ad- versários, cavavam o abysmo que os devia cm- gulir.

O conselheiro José de Mello Gouveia coope- rou pois — como adiante veremos — com o seu estoico solíref1 nos cárceres da usurpação tão po- derosamente para o estabelecimento do governo da senhora D. Maria II, como os heroes da época manejando a espada nas linhas do Porto e nos campos de Asseiceira c da Piedade. Vcneran- do-o veneramos pois toda a illustre plêiade de valentes que prepararam e realisaram a conquista' liberal, cujos fructos a geração nova está sabo- reando. -t-

Á'}

O conselheiro José de Mello Gouveia nasceu na Luza Athenas, que, como se sabe, tem sido com o Porto uma das cidades do reino onde as ideias avançadas c generosas mais promptamente tem sido acolhidas e onde tem recrutado mais numerosos adeptos. Viu a luz a p. de dezem- bro de 1815 e foram seus progenitores José de Mello Gouveia e sua santa esposa D. Maria For- tunata da Costa Mello Gouveia.

Foi destinado por seus paes á carreira da ma- gistratura, porém, em consequência dos desgra- çados successos que se seguiram ao desembarque ào logar-tcnente do reino, infante D. Miguel, cm seguida declarado rei, a universidade c todas as mais aulas pubficas fecharam as suas portas, em Coimbra, c por isso vciu para Lisboa "cursar hu- manidades.

Acompanhou-o, porem, uma cstrella fatídica. Os sentimentos liberaes da família do nosso il- lustre biograpbado, sendo conhecidos, — porque as aspirações generosas e nobres não'se masca- ram nem se disfarçam, — bem depressa o aponta- ram á vindicta e ao furor dos auheos do poder, já então condemnado fatalmente pelas leis implacá- veis da evolução; e apesar dos annos juvenis que o deviam pôr a coberto de quaesquer suspeitas de conspirador, foi preso c accusado perante a commissão mixta encarregada de julgar os dcli- ctos políticos, dos crimes de malhado c agente dos insurrectos da ilha Terceira.

Podíamos aproveitar o ensejo de pôr cm sa- liente relevo a fereza e iniquidade dos tribunaes miguclinos, os quaes para condemnarcm admit- tiam como prova até as delações anonymas e acceitavam por verídicas as accusações mais es- drúxulas c illogicas; não o faremos, porém. A Historia puniu severa esse período ínglorio ins-

crevendo nas suas agendas immortaes os nomes das victimas e a narrativa das iniquidades. Não acordaremos pois inutilmente rancores extinctos c odios já amortecidos.

Entretanto, ha factos tão luctuosos n'esse pe- ríodo, que ao fim de cíncoenta annos ainda des- pertam a indignação. N'estc caso está o que va- mos referir.

Levado José de Mello Gouveia perante o san- guinário tribunal de D. Miguel 1, este não se atreveu a declarar provada a accusação que pe- sava sobre a creança que não completara 15 pri- maveras e já era indigitada como ré de alta trai- ção e de crimes de lesa magestade, como então se dizia. O tribunal absolveu o accusado c man- dou-o em paz; mas a ida em pa7 foi simples fi- gura de rcthorica, pois a creança—que nem mesmo- adolescente se lhe podia chamar — foi reconduzida à cadeia, onde os algozes a con- servaram até raiar o dia 24 de julho, de i833, dia de eterna memoria para Lisboa e para a po- bre victima do despotismo que regressou á liber- dade, no fim de 3o mezes ae iniquo captivciro.

Acabada c luta pela convenção que se não pôde deixar de denominar vergonhosa, pois que d'urn lado — do capitulante — existia a força po- derosa das armas, a força bruta, e do outro — do vencedor — apenas uma idéa grande, nobre, ge- nerosa e profundamente enraisada no coração d'um punhado apenas de valentes e ainda por- que o vencido não se limitou a desistir por si só dos seus suppostos direitos, mas acorrentou também ás obrigações, a que se submetteu, os seus descendentes, que ainda nem sequer existiam.

Começou então o governo liberal a traduzir cm factos as promessas feitas, entre as quaes figu- rava em primeiro logar a divulgação da instruc- cão, que sob o antigo regimen era um privilegio de castas e classes.

Os inicios d'estcs grandes pensamentos são sempre laboriosos e diíliccis de executar. Pódc dizer-sc que para os corpos dirigentes da pri- meira rede de professores, que se estendeu pelo paiz, foram escolhidas aptidões especiacs e ta- lentos reconhecidos e provados. Dizer pois que o conselheiro José de Mello Gouveia aos 20 an- nos de idade foi nomeado official de secretaria do conselho de instrucção publica, equivale a di- zer que uma intelligencia precoce, desenvolvida pelas provações de quasi trez annos de cárcere, illustrada ao mesmo tempo por estudo aturado, tinham feito do joven funccionario um pensador muito bem conceituado.

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Os primeiros annos de governo constitucional foram attribulados: a inexperiência dos gover- nantes e quiçá as ambições despertadas cm vista do acccsso ao poder, facilitado, encheu de turbu- lências c de hesitações dolorosas a administração publica. Os ministérios succediam-sc rápidos c os ministros procuravam distinguir-se e cclebri- sar-se destruindo o que encontravam feito, para

V O LIVRO DE OURO

o substituir por elaborações suas. Assim, o con- selho de instrucção publica centro, director cia instrucção no paiz, foi bem depressa derribado c o moço oflicial de secretaria achou-se outra vez desoecupado, porque então ainda não estava es- tabelecido o systema de supprimir as repartições conservando òs empregados... no orçamento.

Tomou-se porém em favor o que parecia ter sido desastre. O conselheiro José de Mello regres- sou a Coimbra; c porque seu pae houvesse entre- mentes fullccido consagrou a sua actividade á ge- rência dos negócios da casa de sua mãe viuva c de seus irmãos menores, ao mesmo passo que cursava na Universidade os cinco annos da fa- culdade de philosophia, na qual se doutorou no anno lectivo de 1841 e 184-2.

Era então esta a habilitação exigida para os cargos administrativos, porém só três annos de- pois, em 1845, encetou essa carreira.

Não foi longa, mas assas honrosa, a sua car- reira de funccionario administrativo.

Km 1845 foi despachado primeiro oflicial ou omcial maior do governo civil de Coimbra, no anno seguinte secretario geral do mesmo distri- cto, tendo exercido interinamente as funeções de governador civil.

_ Km 1S47 foi nomeado governador civil de Lei- ria e em 1840, transferido para Vianna do Gas- tei lo onde foi surprehendel-o a exoneração con- sequente do movimento revolucionário de i85i.

Gomo se vê curta foi a demora do conselhei- ro José de .Mello Gouveia em qualquer dos dis- trictos que governou; todavia em cada um d*el- les deixou memorias saudosas da sua administra- ção e ha delias documentos de muita valia e honra, firmados por amigos e adversários, c que se podem encontrar nosjornaes da época como são: O Copular de 4 de setembro de 1848; a lei de 9 de novembro de 1841), o Tribuno Popular de 8 de novembro e O Diário dos Pobres de 21 de de maio de 1854.

Nesses jornaes, alguns dos quacs filiados no partido adverso á politica que o conselheiro José de Mello sustentava, encontra-se a resenha dos valiosos serviços prestados por aquellc cavalhei- ro aos dois districtos que governou, os mais sa- lientes dos quaes são os seguintes e que maior importância somam sabendo-se que foram todos realisados em pouco mais de dois annos, cm cada districto:

A canalisação do rio Lima e os melhoramen- tos da barra de Vianna do Castello;

A organisação de uma companhia para a fac- tura de estradas que as forças económicas do districto não permittiam construir por outra for- ma \

A creação de casas de asylo para a infância desvalida devendo revindícarse para este conspi- cuo cidadão a honra do início deste sublime pen- samento, que tão fartos fruetos tem produ- sido.

Ao mesmo tempo que rcalisava tão importan- tes obras nos districtos confiados á sua gerência, encetava a sua carreira parlamentar, recebendo pela primeira vez o mandato eleitoral em 1848. mandato que conservou, até que o movimento de i85i lhe truncou esta carreira com a adminis- trativa.

Divorciado do partido, que assumiu a direc- ção dos negócios públicos, e desgostoso talvez de que a parcialidade politica podesse falar mais alto que os seus verdadeiros e valiosos serviços prestados ã pátria e não ás facções, conservou-se de i85i a i8?õ" retirado á vida privada onde o foi accordar novamente para a vida publica a gratidão dos povos de Vianna do Castello, que espontaneamente lhe concederam o diploma de deputado, em iS5l).

No anno seguinte foi logo pelo governo apro- veitada a sua actividade esclarecida e experimen- tada, sendo então nomeado administrador geral das Mattas do Reino, logar que exerceu até i8G5 e onde justificou o acerto da escolha organisando regularmente o serviço d^tquella repartição, que até ali nem sequer ao menos era comprehendido e existia n\im verdadeiro cahos.

Os bens do estado dependentes cTaquclIa re- partição haviam sido sempre considerados um encargo para o thesouro, mas depois que o con- selheiro José de Mello tomou conta da adminis- tração as mattas tornaram-se uma fonte de re- ceita.

Quem quizer saber quanto prodigiosa foi a transformação realisada pelo conselheiro José de Mello, deve ler o Diário do Governo n.° 186, de 10 de agosto de i858 que a este respeito publi- cou documentos muito interessantes e sobrema- neira laudativos para o nosso respeitável biogra- phado.

PI?

Em iSoo foi novamente eleito deputado pelo circulo da Figueira desempenhando nVsta legis- latura e na anterior, o cargo de secretario da ca- mará electiva.

Km i865 foi nomeado chefe da repartição de agricultura na secretaria de estado das obras pu- blicas, repartição que é uma das mais importan- tes d'aquelle ministério.

Km j 8G8 foi nomeado governador civil do distri- cto de Vizeu; em 1870 para idêntico cargo no districto do Porto, do qual todavia não chegou a tomar posse, cm consequência de ter sido cha- mado em seguida a desempenhar mais importan- tes funecões.

a Os homens, que possuem verdadeiro talento,

revelam-nV) principalmente na sabia escolha que fazem d aquellcs que hão de coadjuval-os nas ta- refas que se impõem ou que lhes são incumbi- das.

A nova forma de governo, que a evolução dos

O LIVRO DL OURO 23

o substituir por elaborações suas. Assim, o con- selho de instrucção publica centro, director da instrucção no paiz, foi bem depressa derribado e o moço official de secretaria achou-se outra vez dcsoccupado, porque então ainda não estava es- tabelecido o systema de supprimir as repartições conservando Ôs empregados... no orçamento.

Tornou-se porém em favor o que parecia ter sido desastre. O conselheiro Jose de Mello regres- sou a Coimbra; e porque seu pae houvesse entre- mentes fullccido consagrou a sua actividade á ge- rência dos negocios da casa de sua mãe viuva e de seus irmãos menores, ao mesmo passo que cursava na Universidade os cinco an nos da fa- culdade de philosophiu, na qua! se doutorou no anno lectivo de 1841 e 184-2.

Ura então esta a habilitação exigida para os cargos administrativos, porém só tres annos de- pois, em 1845, encetou essa carreira.

Não foi longa, mas assas honrosa, a sua car- reira de funccionario administrativo.

Km 1845 foi despachado primeiro official ou official maior do governo civil de Coimbra, no anno seguinte secretario geral do mesmo dístri- cto, tendo exercido interinamente as funeções de governador civil.

Um 1847 foi nomeado governador civil de Lei- ria c em 1849 transferido para Vianna do Cas- tello onde foí surprehendel-o a exoneração con- sequente do movimento revolucionário de 1851 -

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Como se vê curta foí a demora do conselhei- ro José de Mello Gouveia em qualquer dos dis- trictos que governou; todavia em cada um d*el- les deixou memorias saudosas da sua administra- ção e ha d'ellas documentos de muita valia c honra, firmados por amigos e adversários, c que sc podem encontrar nos jornaes da época como são: O Popular de 4 de setembro de 1848; a lei de 9 de novembro de 1849, o Tribuno Popular de 8 de novembro c O Diário dos Pobres de 21 de de maio de 1854.

N"esses jornaes, alguns dos quaes filiados no partido adverso á politica que o conselheiro José de Mello sustentava, encontra-se a resenha dos valiosos serviços prestados por aqucllc cavalhei- ro aos dois districtos que governou, os mais sa- lientes dos quaes são os seguintes c que maior importância somam sabendo-se que foram todos realisados em pouco mais de dois annos, em cada distrícto:

A canalisação do rio Lima e os melhoramen- tos da barra de Vianna do Castello;

A organisação de uma companhia para a fac- tura de estradas que as forças económicas do districto não permittiam construir por outra for- ma ;

A creação de casas de asylo para a infancía desvalida devendo revindicar-se para este conspi- cuo cidadão a honra do início deste sublime pen- . samento, que tão fartos fructos tem produ- sido.

Ao mesmo tempo que realisava tão importan- tes obras nos districtos confiados á sua gerência, encetava a sua carreira parlamentar, recebendo pela primeira vez o mandato eleitoral em 1848. mandato que conservou, até que o movimento de i85i lhe truncou esta carreira com a adminis- trativa.

Divorciado do partido, que assumiu a direc- ção dos negocios nublicos, e desgostoso talvez de que a parcialidade politica podesse falar mais alto que os seus verdadeiros e valiosos serviços prestados ã patria e não ás facções, conservou-sc de 1851 a i85<) retirado á vida privada onde o foi accordar novamente para a vida publica a gratidão dos povos de Vianna do Castello, que espontaneamente lhe concederam o diploma de deputado, em iS5ó.

No anno seguinte foi logo pelo governo apro- veitada a sua actividade esclarecida e experimen- tada, sendo então nomeado administrador gera! das Mattas do Reino, logar que exerceu até i8óã e onde justificou o acerto da escolha organisando regularmente o serviço d'aquclla repartição, que até ali nem sequer ao menos era comprehendido e existia n\im verdadeiro cahos.

Os bens do estado dependentes d'aquella re- partição haviam sido sempre considerados um encargo para o tbesouro, mas depois que o con- selheiro José de Mello tomou conta da adminis- tração as mattas tornaram-se urna fonte de re- ceita.

Quem quizer saber quanto prodigiosa foi a transformação realísada pelo conselheiro José de Mello, deve ler o Diário do Governo n.° 186, de 10 de agosto de 1858 que a este respeito publi- cou documentos muito interessantes e sobrema- neira laudativos para o nosso respeitável biogra- phado.

oí? ***

Em jSõo foi novamente eleito deputado pelo círculo da Figueira desempenhando n'esta legis- latura e na anterior, o cargo de secretario da ca- mara electiva.

Km i865 foi nomeado chefe da repartição de agricultura na secretaria de estado das obras pu- blicas, repartição que é uma das mais importan- tes d'aquellc ministério.

Um 18G8 foi nomeado governador civil do distri- cto de Vizeu; em 1870 para idêntico cargo no districto do Porto, do qual todavia não chegou a tomar posse, em consequência de ter sido cha- mado em seguida a desempenhar mais importan- tes funeções.

§15

Os homens, que possuem verdadeiro talento, revelam-nV) principalmente na sabia escolha que fazem d aqudlcs que hão de coadjuval-os nas ta- refas que se impõem ou que lhes são incumbi- das.

A nova forma de governo, que a evolução dos

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tempos estabeleceu em Portugal permittiu que diversos homens de vulto tenham oceupado o cargo de organisar gabinetes. Entre esses vultos um que sempre se distinguiu na escolha dos com- partílhadores do poder foi o já finado duque de Ávila e Bolama,'cuja probidade exemplar jamais adversário algum ousou pôr em duvida.

Foi esse chefe de gabinete o primeiro que se lembrou de chamar o conselheiro José de Mello aos conselhos da coroa c nVsse convite provou mais uma vez o fino tacto politico que nunca lhe foi contestado.

Em 1870 sendo chefe do gabinete o duque de Ávila tomou o conselheiro José de Mello conta da pasta da marinha e Ultramar, d qual reuniu depois, por interinidade, a dos negócios da justiça e ecclesiasticos, que em março de 1871 entregou a novo ministro, conservando a de Marinha, que geriu até setembro, epoca em que se demittiu o ministério.

Durante este período duas vezes foi eleito de- putado, uma por Mirandella c outra por Valença e em 187D foi ainda mais uma vez eleito peio circulo de Extremoz.

De 1871 a 187G oceuparam os conselhos da co- roa ministérios regeneradores, mas cm 1877 re- gressou ao poder o grupo a que pertencia o con- selheiro José de Mello que novamente tomava conta da pasta de marinha, gerindo também a da Fazenda até 187S cm que o gabinete se exo- nerou.

Em 1870 recebeu o mandato eleitoral pelo cir- culo de jVíertola nrefazendo com esta a sétima vez que esta subida demonstração da considera- ção popular lhe era concedida.

Dizer que tomara parte em mais de vinte sessões legislativas, fazendo parte de importantes commissões, a algumas das quaes presidiu, c di- zer que foi sempre poupado pela argumentação muitas vezes cáustica, algumas satyrica, c não poucas injuriosa das nossas camarás é confes- sar que o seu talento é superior e o seu caracter honestissimo.

&

Ha cm Portugal ainda algumas honrarias que não tem sofTrido desprestigio porque a parcimo- nia com que são concedidas lhe tem conservado toda a valia; entre essas não pode deixar de fi- gurar em primeiro logar, o par ia to.

Outr'ora era quasi concedido sempre ao valor guerreiro c ao mérito dos batalhadores; hoje é conferido especialmente ao talento e ao saber e só aos que teem provado a dignidade condigna de tão subida jerarchia.

Esta honra rcccbcu-a o conselheiro José de Mello do monarcha portuguez a 8 de janeiro de 1880.

Na camará alta as demonstrações de apreço c estima também lhe tem sido prodigalisadas. Por trez vezes tem sido nomeado supplentc á presidência e n'esta qualidade teve a honra de receber nas suas mãos o juramento constitucio- nal do Príncipe D. Carlos, quando por occasiao da visita de seu Augusto Pae ao visinho reino, ficou encarregado da regência do reino.

Os serviços que como ministro tem prestado não são menos valiosos que os prestados aos dis- trictos confiados A sua tutella durante a carreira administrativa. Como ministro da marinha des- envolveu prodigiosamente as obras publicas no Ultramar: como ministro da fazenda foi citado como modelo por muito tempo o seu relatório apresentado ao parlamento.

Hoje fala-se muito dos melhoramentos do porto de Lisboa e effectivamente ê uma impor- tante obra que tem de se fazer; mas o conse- lheiro José de Mello Gouveia foi quem abriu o caminho para essas obras, apresentando o pen- samento em 1871 e mandando fazer um magni- fico trabalho, que muito honra os engenheiros hydrographos, que o executaram, trabalho que tem de ser minuciosamente observado e seguido quando essa obra se traduzir em factos.

O sr. Fontes, como entendedor que é de me- recimentos reaes não podia deixar de associar a um dos notáveis períodos da sua administração o nome do conselheiro José de Mello. Em 1881 pois convidou-o a fazer parte de um gabinete,

' o que acceitou, acompanhando o ministério re- generador até i883, em que se demittiu, por incompatibilidade dos seus princípios e antece- dentes politicos com as reformas constitucionaes propostas por este gabinete; certificando no par- lamento o pesar de se separar de seus collcgas, que também manifestaram o sentimento profundo por se verem desacompanhados de tão aueton- sado e proficiente collega.

éfe O conselheiro José de Mello Gouveia tem re-

cebido as seguintes mercês e honras; Do conselho de sua magestade; vogal efle-

ctivo do supremo tribunal administrativo; minis- tro e secretario de estado honorário; pardo reino; commendador das ordens militares de Chrísto, e de N. S. de Villa Viçosa; gran cruz das de Carlos 111, da Rosa, de Mérito Naval, c da Ni- chan Iftias, da Turquia.

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Como homem publico subiu a passos honrados uma escada de gigantes c poucos podem dizer que tem caminhado.

Estreiou-se no cárcere c de ahi marchou para os mais elevados graus da escala social.

Como homem particular é tambem exemplo digno para procedimentos briosos. .

Poucos como elle tem o direito de escrever no seu escudo o Icmma dos antigos cavallcirost Sans petir et scuis reproche.

TVP. MATTOS MOREIRA — PRAÇA DOS RESTAURADORES, ti E |6

24 O LIVRO DE OURO

tempos estabeleceu em Portugal permittiu que diversos homens de vulto tenham occupado o cargo de organisar gabinetes. Entre esses vultos um que sempre se distinguiu na escolha dos com- partílhadores do^ poder foi o já finado duque de Avila e Bolama, cuja probidade exemplar jamais adversário algum ousou pôr em duviaa.

Foi esse cnefe de gabinete o primeiro que se lembrou de chamar o conselheiro José de Mello aos conselhos da coroa c nVsse convite provou mais uma vez o fino tacto politico que nunca lhe foi contestado.

Em 1870 sendo chefe do gabinete o duque de Avila tomou o conselheiro José de Mello conta da pasta da marinha e Ultramar, á qual reuniu depois, por interinidade, a dos negocios da justiça e ecclesiasticos, que em março de 1871 entregou a novo ministro, conservando a de Marinha, que geriu até setembro, época em que se demittíu o ministério.

Durante este período duas vezes foi eleito de- putado, uma por Mírandella c outra por Valença e em 187a foi ainda mais uma vez eleito pelo circulo de Extremoz.

De 1871 a 1876 occuparam os conselhos da co- roa ministérios regeneradores, mas cm 1877 re- gressou ao poder o grupo a que pertencia o con- selheiro José de Mello que novamente tomava conta da pasta de marinha, gerindo também a da Fazenda até 187S cm que o gabinete se exo- nerou.

Em 1879 recebeu o mandato eleitoral pelo cir- culo de Afertola nrefazendo com esta a sétima vez que esta subida demonstração da considera- ção popular lhe era concedida.

Dizer que tomara parte em mais de vinte sessões legislativas, fazendo parte de importantes commissões, a algumas das quaes presidiu, c di- zer que foi sempre poupado pela argumentação muitas vezes caustica, algumas satyrica, e não poucas inj'uriosa das nossas camaras é confes- sar que o seu talento é superior e o seu caracter honestíssimo.

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Ha em Portugal ainda algumas honrarias que não tem sofTrido desprestigio porque a parcimo- nia com que são concedidas lhe tem conservado toda a valia; entre essas não pódc deixar de fi- gurar em primeiro logar, o pariato.

Outr'ora era quasi concedido sempre ao valor guefreiro c ao mérito dos batalhadores; hoje é conferido especialmente ao talento e ao saber e só aos que teem provado a dignidade condigna dc tão subida jerarchia.

Esta honra rcccbcu-a o conselheiro José de Aiello do monarcha portuguez a 8 de janeiro de 1880,

Na camara alta as demonstrações de apreço c estima também lhe tem sido prodígalisadas. Por trez vezes tem sido nomeado supplentc á presidência e n'esta qualidade teve a honra de receber nas suas mãos o juramento constitucio- nal do Principe D. Carlos, quando por occasiâo da visita dc seu Augusto Pae ao visinho reino, ficou encarregado da regência do reino.

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Os serviços que como ministro tem prestado não são menos valiosos que os prestados aos dis- trictos confiados á sua tutella durante a carreira administrativa. Como ministro da marinha des- envolveu prodigiosamente as obras publicas no Ultramar: como ministro da fazenda foi citado como modelo por muito tempo o seu relatório apresentado ao parlamento.

Hoje fala-se muito dos melhoramentos do porto dc Lisboa e efectivamente é uma impor- tante obra que tem de se fazer; mas o conse- lheiro José ae Aiello Gouveia foi quem abriu o caminho para essas obras, apresentando o pen- samento em 1871 c mandando fazer um magni- fico trabalho, que muito honra os engenheiros hydrographos, que o executaram, trabalho que tem dc ser minuciosamente observado e seguido quando essa obra se traduzir em factos.

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O sr. Fontes, como entendedor que é de me- recimentos reaes não podia deixar dc associar a um dos notáveis períodos da sua administração o nome do conselheiro José de Aiello. Em 1881 pois convidou-o a fazer parte de um gabinete, o que acceitou, acompanhando o ministério re- generador até 1883, em que se demittiu, por incompatibilidade dos seus principios e antece-

1 dentes politicos com as reformas constitucionaes propostas por este gabinete; certificando no par- lamento o pesar de se separar dc seus collcgas, que também manifestaram o sentimento profundo por se verem desacompanhados de tão auctori- sado e proficiente collega.

O conselheiro José de Aiello Gouveia tem re- cebido as seguintes mercês e honras;

Do conselho de sua magestade; vogal efe- ctivo do supremo tribunal administrativo; minis- tro e secretario de estado honorário; pardo reino; commendador das ordens militares de Christo, e de N. S. de A'illa A'icosa; gran cruz das de Carlos 111, da Rosa, de Alerito Naval, c da Ni- chan Iftias, da Turquia.

Como homem publico subiu a passos honrados uma escada de gigantes c poucos podem dizer que tem caminhado.

Estreiou-se no cárcere c de ahi marchou para os mais elevados graus da escala social.

Como homem particular é também exemplo digno para procedimentos briosos. .

Poucos como elle tem o direito de escrever no seu escudo o Icmma dos antigos cavalleirost Sans pen?' et sans reproche.

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O LIVRO DE OURO 'liiographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, hl trás, sciencias. artes, commercio, industria e agricultura

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ANNO I —VOLtMK I PriílJCACAO PARA PORTl GAI. E DRAZIL JUNHO — rKK?

0 Visconde ilc Rio Vez

Vamos hoje cumprir o honroso encargo de di- zer de dois cidadãos prestantes que tecm a glo- ria de ver seus nomes aureolados n\ima apo- theose antecipada, mas justa, e que da opinião publica recebem já as coroas que vulgarmente só a posteridade concede, as devidas ã virtude c á benemerência : são estes cidadãos irmão5 de nascimentn, na elevação de sentimentos e no- bresa de caracter e por isto lhes consagramos o presente numero.

Referimo-nos ao visconde de Rio Vez, de quem nos oceuparemos em primeiro logar e ao visconde de Sistello.

Nasceu o visconde de Rio Vez em Vi'la Nova dos Arcos, no sitio denominado o Sistello, que é considerada a Cintra d'aquelles arredores.

Muito cedo sentindo estreito o horisonte da pátria para espandir a força viril do seu enge- nho e para dar toda a latitude ao seu genio cm- prehendedor, o visconde de Rio Vez, então ainda simplesmente o negociante Gonçalves Roque, di- rigiu-se para o império brazileiro que nas provin- das do norte de Portugal é ainda considerado o paiz encantado da fortuna e da riqueza.

Elíectivamente o lírasil está em absoluto an- tagonismo com a nossa pátria: allí todas as empresas para prosperarem carecem de uma nota grandiosa; aqui, pelo contrario, a grandesa, a sublimidade, a imponência são verdadeiros es- torvos; porque Portugal só admittc a grandesa das suas tradições.

Os grandes emprebendímentos no paiz apenas languecem emquanto que no território americano são as pequenas empresas que não logram pros- perar.

O visconde de Rio Vez, lançou-se arrojada- mente na vida commerciai, asssociando-se desde logo a tudo quanto no seu tempo foi cmprehen- dido e em resultado d'uma suecessão de actos de probidade e moralisadores acertos bem depressa se viu cercado de considerações e aflectos, sendo disputadas as suas relações com empenho e al- voroço.

Tendo grangeado uma fortuna colossal e con- solidado créditos c reputação muito invejáveis o visconde de Rio Vez consagrou-se a ser útil á humanidade por outra forma, isto é, benefician-

do-a, preferindo os seus compatrícios, que en- contravam n"ellc infallivel protecção, quando eram desvalidos c dignos.

Todas as corporações que tem por fim soc- correr as necessidades e aceudir á desgraça tcem a honra de contar o illustre chefe da família Gon- çalves Roque no numero dos seus fundadores, sócios protectores ou subscriptores mais impor- tantes. K não se limitava a sua cooperação a contribuir para as despezas d'csses estabeleci mentos com qualquer donativo. Alem da quan- tiosa esmola pecuniária concorria para a pros- peridade dos estabelecimentos pios com o va- lioso auxilio da propaganda, em que se mostrava fervoroso apostolo da caridade c evangelisador dedicado da phylantropia.

O Hospital da Sociedade Portugueza de Bene- ficência, um dos mais importantes, se não o mais completo instituto de caridade da America por- tugueza, o qual mais valiosos e relevantes ser- viços tem prestado á mãe pátria, já protegendo- Ihe os filhos que vão ao estrangeiro tentar for- tuna, já soccorrendo d 'ai 11 as victimas dos gran- des infortúnios, de que a metrópole ti testemu- nha; esse instituto modelo, deve ao visconde de Rio Vez o seu engrandecimento; vendo-se por isso em uma das salas principaes o retrato dVstc benemérito cidadão, cm commemoração de seus relevantíssimos serviços.

jfe

Como homem superiormente dotado, o vis- conde de Rio Vez sabe que não basta aceudir ao desvalido e ao faminto c que ha outra sede que se não mitiga com a esmola pecuniária.

É muito o pão. mas não basta para aquellcs que tem o espirito entenebrecido e o cérebro atrophiado pelos fanatismos da ignorância.

Por isso o visconde de Rio Vez ao mesmo tempo que protegia as instituições de caridade, contribuía para a organisação de outras, cujo fim fosse educar e instruir, e n'cstc intuito trabalhou poderosamente para a fundação de muitas esco- las e asylos, onde ao mesmo tempo se repartia o pão dô corpo e o do espirito.

O Gabinete Portuguez de Leitura no Rio de Ja- neiro é um instituto de muita valia no ponto de vista lit terá rio c pôde dizer-se que a nação por- tugueza por estas duas sociedades, a de Benefi- cência c a do Gabinete de Leitura, é a nação mais vantajosamente representada n\iquelle paiz, que se compõe por assim dizer mais dos repre- sentantes de todas as nações do mundo, que dos naturaes.

O LIVRO DE OURO

liiographias dos personagens mais distinct os em politica,

armas, religião. lettras, sciencias. artes, commercio, industria c agricultura

11

ANNO I — VOLUME I Pl/BLICACAO PARA PORTI GAI. E BRAZIL J UNHO — rS83

0 Yiscomlc de ilio Yez

Vamos hoje cumprir o honroso encargo de di- zer de dois cidadãos prestantes que teem a glo- ria de ver seus nomes aureolados iVuma apo- theose antecipada, mas justa, e que da opinião publica recebem já as coroas que vulgarmente só a posteridade concede, as devidas á virtude c á benemerência : são estes cidadãos irmãoS de nascimento, na elevação de sentimentos c no- bresa de caracter e por isto lhes consagramos o presente numero.

Referimo-nos ao visconde de Rio Vez, de quem nos occuparemos em primeiro logar e ao visconde de bistcllo.

Nasceu o visconde de Rio Vez em Vi'la Nova dos Arcos, no sitio denominado o Sistello, que é considerada a Cintra d'aquelles arredores.

Muito cedo sentindo estreito o horisonte da patria para espandir a força viril do seu enge- nho e para dar toda a latitude ao seu genio cm- prehendedor, o visconde de Rio Vez, então ainda simplesmente o negociante Gonçalves Roque, di- rigiu-se para o império braziieiro que nas provín- cias do norte de Portugal é ainda considerado o pai/, encantado da fortuna e da riqueza.

Elfecti vãmente o Brasil está cm absoluto an- tagonismo com a nossa patria: alli todas as empresas para prosperarem carecem de uma nota grandiosa; aqui, pelo contrario, a grandesa, a sublimidade, a imponência são verdadeiros es- torvos; porque Portugal só admitte a grandesa das suas tradições.

Os grandes emprehendimentos no paiz apenas languecem cmquanto que no território americano são as pequenas empresas que não logram pros- perar.

O visconde de Rio Vez, lançou-sc arrojada- mente na vida commercial, asssociando-se desde logo a tudo quanto no seu tempo foí emprehen- dido c em resultado d'uma succcssão de actos de probidade e moralisadores acertos bem depressa se viu cercado de considerações e afíectos, sendo disputadas as suas relações com empenho e al- voroço.

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Tendo grangeado uma fortuna colossal c con- solidado créditos c reputação muito invejáveis o visconde de Rio Vez consagrou-se a ser util á humanidade por outra fornia, isto é, bcncíician-

do-a, preferindo os seus compatrícios, que en- contravam n'ellc infallivel protecção, quando eram desvalidos c dignos.

Todas as corporações que tem por fim soc- correr as necessidades e accudir á desgraça teem a honra de contar o illustre chefe da família Gon- çalves Roque no numero dos seus fundadores, socios protectores ou subscriptores mais impor- tantes. K não se limitava a sua cooperação a contribuir para as despezas d'esscs estabeleci mentos com qualquer donativo. Alem da quan- tiosa esmola pecuniária concorria para a pros- peridade dos estabelecimentos pios com o va- lioso auxilio da propaganda, cm que se mostrava fervoroso apostolo da caridade e evangelisador dedicado da phvlantropia.

O Hospital da Sociedade Portugueza de Bene- ficência, um dos mais importantes, se não o mais completo instituto de caridade da America por- tugueza, o qual mais valiosos e relevantes ser- viços tem prestado á mãe patria, já protegendo- Ihe os filhos que vão ao estrangeiro tentar for- tuna, já soccorrendo d'alli as victimas dos gran- des infortúnios, de que a metrópole é testemu- nha; esse instituto modelo, deve ao visconde de Rio Vez o seu engrandecimento; vendo-se por isso cm uma das salas principacs o retrato d'este benemérito cidadão, cm commemoração de seus relevantíssimos serviços.

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Como homem superiormente dotado, o vis- conde de Rio Vez sabe que não basta accudir ao desvalido e ao faminto e que ha outra sede que se não mitiga com a esmola pecuniária.

É muito o pão. mas não basta para aquellcs que tem o espirito entenebrecido e o cérebro atrophiado pelos fanatismos da ignorância.

Por isso o visconde de Rio Vez ao mesmo tempo que protegia as instituições de caridade, contribuia para a organisação de outras, cujo fim fosse educar c instruir, e n'este intuito trabalhou poderosamente para a fundação de muitas esco- las e asylos, onde ao mesmo tempo se repartia o pão dò corpo e o do espirito.

O Gabinete Portuguez de Leitura no Rio de Ja- neiro é um instituto de muita valia no ponto de vista litterario e pôde dizer se que a nação por- tugueza por estas duas sociedades, a de Benefi- cência e a do Gabinete de Leitura, é a nação mais vantajosamente representada iVaquelle paiz, que se compõe por assim dizer mais dos repre- sentantes de todas as nações do mundo, que dos naturaes.

2b O UVUO HE OURO

Pois este instituto c um dos que mais deve a este benemérito cidadão, que presidiu a essa so- ciedade de maneira tão brilhante, que jamais será esquecido, grangeando lhe merecidamente os cré- ditos de protector das lettras.

Aquella associação deliberou ha annos cons- truir um edifício próprio para a sua grande bi- bliotheca, edifício que recordaria os nossos mais preciosos monumentos, pois seria construido em estylo manuelino.

Esse monumento foi orçado em 3oo contos de reis e deve-se principalmente á vigorosa ini- ciativa c à generosa dedicação do visconde de Rio Vez, que não descançou em quanto não viu executado tão elevado pensamento.

*• "ai-»-

Náo se limitaram porém os seus sentimentos generosos a acendir ás desgraças, que lhe demo- ravam perto, como já dissemos: as grandes ca- lamidades publicas encontraram ecco no seu cora- ção e despertaramlhe sempre os estímulos phv- lan trópicos.

Quando a calamidade que se propunha soc- correr não era de natureza que um só individuo podesse dar-lhes completo lenitivo, tomava elle o encargo de despertar os remissos e fazer res soar o clarim da santa crusada da Beneficência.

A maneira porque respondiam ao seu appclio, as cifras valiosas a que se elevavam sempre as subscri peões por elle iniciadas, são o principal documento da enorme inlluencia de que dispõe e a mais solida garantia da estima de que geral- mente è alvo.

Assim, quando cm iS(">i os habitantes do ar- chipelago de Cabo Verde, se \iram reduzidos á fome e â mais extrema penúria, o visconde de Rio Vez iniciou orna subscripção que produziu mais de J3 contos de rus e que foram o mais valioso donativo que receberam aquelles povos, tendo ainda a suprema qualidade de serem en- viados os soccorros ao seu destino, na força da crise, o que os torna mais valiosos ainda.

Fazemos este reparo porque entre nós ê cos- tume quasi geralmente seguido aceudir aos gran- des infortúnios quando a taça da amargura está esgotada ou os restiliados do desastre 'remedia- dos.

Em \X-h quando as repetidas innundações causaram tão terríveis dam nos á agricultura por- tugueza, reduzindo á miséria numerosas famílias, o visconde de Rio Vez reuniu em sua casa vários amigos aos quaes fez partilhar o desejo de dar lenitivo aos seus compatriotas alllictos e consti- tuiu a grande com missão, que enviou a impor- tante verba de 2(0:482^2^0 reis, a sua mages- tade a sr.a D. Maria Pia, para aceudir ás victi- mas d\iquelles terríveis acontecimentos.

Esta cifra — talvez a mais importante a que tenha subido uma subscripção particular para aceudir a victimas de qualquer rataclvsmo — attesta quão respeitado e estimado é o*homem que fez um appclio tão bem suecedido aos sen- timentos generosos d\im povo brioso.

Logo no anno seguinte a phylantropia d'estc cavalheiro verdadeiramente lidalgo pelos senti- mentos elevados que o nobilitam, teve ensejo de se manifestar. A província de Ceará foi devas- tada pela fome c o visconde de Rio Vez auxi- liou generosamente a subscripção popular aberta em favor dos famintos.

Em 1N80 concorreu também para que em Por- tugal se concluísse o monumento com que se re- solveu perpetuar a memoria dos gloriosos res- tauradores de 1640, a quem se deve a recon- quista da independência c autonomia nacional.

A regia instituição dos Albergues Nocturnos, --—exemplo raro dos sentimentos humanitários d*um monarca que se tem destinguido pela bon- dade — não podia deixar de merecer a sympa- thia de todas as almas generosas. Assim "suecc- deu.

O visconde de Rio Vez, que já havia regres- sado a Portugal, alistou-se logo n'essa cruzada sublime de Bem c solicitou dos seus amigos do Brasil a sua cooperação que se traduziu na re- messa de 11 :ooo-Tooo de reis.

síò

O homem particular completa o homem pu- blico ; se como cidadão possuc todas as virtudes cívicas, como chefe de família pratica todas as virtudes da vida privada. Não ha pae mais exem- plar, nem mais amoravel. Tendo perdido muito cedo a estremecida esposa, consagrou a existên- cia d educação de seus filhos, que a possuem es- merada em todos os sentidos. Sua filha a ex."u

sr.;i viscondessa de Sistello, é uma das damas brazileiras mais superiormente instruídas, falia e conhece a fundo as principaes línguas vivas, è insigne na musica e professa na pintura, como muito elegantemente disse um distinctissimo lit- terato, o sr. visconde de Sanches de Bacna, re- ferindo se a esta gentilissima dama.

Os relevantes serviços prestados pelo visconde de Rio Vez á humanidade e aos seus compatrí- cios não podiam ficar no olvido,— por isso pos- sue os seguintes documentos da consideração dos governos, e de diversas sociedades particu- lares: a commenda da Imperial ordem da Rosa, do Brasil; a de Christo. de Portugal; a meda- lha de honra da associação da Caixa de Socor- ros de D. Pedro V, a de benemérito da Asso- ciação i.° de Dezembro 1640; a da Real Socie- tária Humanitária, do Porto; a da Sociedade de Geographia, de 1 isboa; a da Real Associação dos Architectos Civis c Archeologos Portugue- zes e mensões distinctivas de benemérito e pro- tector de outras muitas corporações.

Estas são as mercês de honra* que lhe tem sido conferidas: mas os principaes títulos de glo- ria existem no fundo do seu coração, na bondade extrema e inalterável da sua alma generosa.

2t> O LIVRO DE OURO

Pois este instituto c um dos que mais deve a este benemérito cidadão, que presidiu a essa so- ciedade de maneira tão brilhante, que jamais será esquecido, grangeando lhe merecidamente os cré- ditos de protector das lettras.

A que! la associação deliberou ha an nos cons- truir um ediíicio proprio para a sua grande bi- bliotheca, edifício que recordaria os nossos mais preciosos monumentos, pois seria construído em estylo manuelino.

Esse monumento foi orçado em doo contos de reis e deve-se principalmente d vigorosa ini- ciativa c á generosa dedicação do visconde dc Rio \ cz, que não descançoti em quanto não viu executado tão elevado pensamento.

Não se limitaram porém os seus sentimentos generosos a accudir ás desgraças, que lhe demo- ravam perto, como já dissemos: as grandes ca- lamidades publicas encontraram ecco no seu cora- ção e despertaram lhe sempre os estímulos phv- lantro picos.

Quando a calamidade que se propunha soc- correr não era dc natureza que um só individuo podesse dar-lhes completo Icniiivo, tomava elle o encargo de despertar os remissos e fazer rcs soar o clarim da santa crusada da Beneficência.

A maneira porque respondiam ao seu appello, as cifras valiosas a que se elevavam sempre as subs cri pçÓes por elle iniciadas, são o principal documento da enorme influencia de que dispõe e a mais solida garantia da estima de que geral- mente é alvo.

Assim, quando cm iSC» ^ os habitantes do ar- chipelago de Cabo Verde, se \iram reduzidos á fome e á mais extrema penúria, o visconde de Rio \ ez iniciou uma subscripção que produziu mais de contos de réis e que foram o mais valioso donativo que receberam aquelles povos, tendo ainda a suprema qualidade de serem en- viados os soccorros ao seu destino, na força da crise, o que os torna mais valiosos ainda.

fazemos este reparo porque entre nós ú cos- tume quasi geralmente seguido accudir aos gran- des infortúnios quando a taça da amargura está esgotada ou os resultados do desastre remedia- dos.

Em 1876 quando as repetidas inntindaçÕes causaram tão terríveis dam nos ri agricultura por- tugueza, reduzindo á miséria numerosas famílias, o visconde de Rio Vez reuniu em sua casa vários amigos aos quaes fez partilhar o desejo de dar lenitivo aos seus compatriotas a 111 ic tos e consti- tuiu a grande commissao, que enviou a impor- tante verba de 2(0:4X2.72wo réis, a sua mages- tade a^ sr.a D. Maria Pia, para accudir ás victi- mas d "aquelles terríveis acontecimentos.

Esta cifra — talvez a mais importante a que tenha subido uma subscripção particular para accudir a victimas de qualquer rataclvsmo-—- attesta quão respeitado e estimado é o homem que fez um appello tão bem succcdido aos sen- timentos generosos dMm povo brioso.

Logo no anno seguinte a phylantropia d'estc cavalheiro verdadeiramente lidalgo pelos senti- mentos elevados que o nobilitam, teve ensejo dc se manifestar. A provinda de Ceará foi devas- tada pela fome c o visconde de Rio Vez. auxi- liou generosamente a subscripção popular aberta em favor dos famintos.

Km i<X8o concorreu também para que em Por- tugal se concluísse o monumento com que sc re- solveu perpetuar a .memoria dos gloriosos res- tauradores de 1Õ40, a quem se deve a recon- quista da independência e autonomia nacional.

A regia instituição dos Albergues Nocturnos, — exemplo raro dos sentimentos humanitários dum monarca que se tem destinguido pela bon- dade— não podia deixar dc merecer a sympa- tic a de todas as almas generosas. Assim succc- tlcu.

O visconde de Rio Vez, que já havia regres- sado a Portugal, alistou-se logo n'essa cruzada sublime de Bem e solicitou dos seus amigos do Brasil a sua cooperação que se traduziu na re- messa de 11:ooo-Tooo de reis.

O homem particular completa o homem pu- blico ; sc como cidadão possue todas as virtudes cívicas, como chefe de famitia pratica todas as virtudes da vida privada. Não ha pae mais exem- plar, nem mais amoravel. Tendo perdido muito cedo a estremecida esposa, consagrou a existên- cia á educação dc seus filhos, que a possuem es- merada em todos os sentidos. Sua filha a ex."u

sr.a viscondessa dc Sistello, é uma das damas brnzileiras mais superiormente instruídas, falia e conhece a fundo as principaes línguas vivas, é insigne na musica e professa na pintura, como muito elegantemente disse um distinctissimo lit- terato, o sr. visconde de Sanches de Baena, re- ferindo se a esta gentilissima dama.

94*) •ÍK*

Os relevantes serviços prestados pelo visconde de Rio Vez d humanidade e aos seus compatrí- cios não podiam ficar no olvido,—por isso pos- sue os seguintes documentos da consideração dos governos, e de diversas sociedades particu- lares: a commenda da imperial ordem da Rosa, do Brasil; a de Christo. de Portugal; a meda- lha de honra da associação da Caixa de Socor- ros de D. Pedro V, a de benemérito da Asso- ciação i.° de Dezembro 1640; a da Real Socie- tária Humanitária, do Porto; a da Sociedade de Gcographia, dc 1 isboa; a da Real Associação dos Architectos Civis c Archcologos Portugue- ses e mensões distinctivas de benemerito c pro- tector dc outras muitas corporações.

Estas são as mercês dc honra, que lhe tem s:do conferidas: mas os principaes títulos de glo- ria existem no fundo do seu coração, na bondade extrema e inalterável da sua alma generosa.

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O LIVRO 1)K OIRO

0 VISCONDE DE SISTELLO

O visconde de Sistello, .Manuel António Gon- çalves Koque, nasceu na casa das Lages, no lo- par do Sistello, nas cercanias de Villa Nova dos Arcos, a 14 de junho de 1SIÍ4.

Como se vé\ esta briosa família, conta já tra- dições honradas e memorias gloriosas de seus antepassados, glorias e tradições que acompa- nham as casas solarengas das províncias, prin- cipalmente das províncias do.norte, onde as re- miniscências feudacs se conservam ainda com uma tal ou qual importância.

K não se pôde anathematisar essa classe, hoje viva apenas nas paginas da historia e nas len- das ora lúgubres ora cavalleirosas que os anciãos contam à' lareira nas noites longas c cahgino- sas de inverno. Os barões feudacs também ti- veram o seu período, em que foram os elemen- tos do aperfeiçoamento da humanidade e da ci- vil isação dos povos.

A queira — esse exercício favorito das classes privilegiadas e das castas distinctas durante tan- tos séculos - ; a guerra, è tambem um elemento de civilisação e tanro mais poderoso, quanto maior é o atraso da instracção no paiz, que se civilisa. Foi a guerra que civilisou a Kuropa. Foram os barões feudacs nas suas correrias, nas suas lu- tas intestinas, nos seus coníliens com os reis a quem disputavam regalias de poder e com os bispos que lhes invadiam os territórios e os di- reitos, que promoveram o desenvolvimento das ideias generosas, c que provocaram as conces- sões aos povos da parte dos que lhe sol licitavam o concurso.

Involuntariamente em parte, em parte espon- taneamente, os barões feudacs prestaram, nas eras em que ilorescia o feudalismo, relevantes serviços à emancipação humana da escravidão da ignorância.

C)s solares provincianos, as casas solarengas parecem conservar a memoria cTesscs factos já passados.

Na casa solarenga das Lages, no Sistello, onde nasceu o nosso biographado, as tradições eram todas generosas e liberaes; por isso os dois irmãos alimentaram homogéneos sentimentos, em que predominam aquelíes que produzem os rasgos phylantrópicos e de caridade.

O visconde de Sistello que nutriu, como seu irmão, o desejo de ir ver essas terras formosas de Santa Cruz, onde vivem as lendas dos con- quistadores mais compassivos, cTaqucllcs que não macularam as suas sublimes obras com os la- trocínios, os assassinatos bárbaros e inúteis, as hecatombes espantosas que se encontram a

cada passo na historia da conquista do Peru e outras.

O visconde de Sistello, que nascera na formosa região do norte de Portugal, que é toda um vi- rente jardim, sentia o desejo de conhecer essas campinas phantasticas de verdura luxuriante e opulenta, onde a palmeira desdobra as suas lar- gas folhas e a magnólia embalsama os ares com o seu perfume singular.

Moderou pois o desejo de saber c concedendo aos estudos o mais curto espaço, em que toda- via logrou distinguir-se, partiu para o Rio de Ja- neiro, onde já seu irmão era muito considerado e lançou-se com ardor no commercio em larga escala. . . .

Não tardou a sorte a bafejai o propicia e ape- nas poude ter algum momento de repouso tra- tou de dedicar-se ao cultivo ameno das 1 et trás, applicando-se a completar a instrucçáo, que abreviara na pátria, pelo desejo de ir cedo para aquella terra onde lhe estava destinado oceupar tão brilhante logar.

Como o satélite segue o astro, assim o vis- conde de Sistello seguiu os passos de seu illus- tre irmão, a quem anteriormente nos referimos, implicando se a proteger as classes pobres, favo- recendo a ínstrucção. promovendo a fundação de escolas e auxiliando especialmente as socie- dades hospitaleiras, onde serviu os primeiros car- gos, dispendendo com cilas quantiosas som- mas. .

Km tudo tem dado pasto extenso as tendên- cias do seu coração nobilissimamente magnani-

 Caixa de Socorros de D. Pedro V uma das instituições portuguezas na capital do grande im- pério americano, é uma das sociedades que mais proficuamente tem experimentado estes elevados sentimentos.

No Hospital da Sociedade Portu^ueza de Be- neficência foi ha pouco tempo eregido o seu re- trato, na qualidade de Benemérito notável.

A ausência não fez esquecer a pátria, nem os encantos do novo mundo poderam obliterar no coração «Teste svmpathico cavalheiro as reminis- cências da terra" onde abrira os olhos á luz da vida. ..

É por isso que todos os emprehendimentos portugueses obtiveram o seu concurso, iniciando muitos commettimentos úteis e collocando-sc sempre na primeira fileira dos seus mais estré- nuos propugnadares, concorrendo valiosamente para os bons serviços tambem prestados por seu illustre irmão.

O LIVRO 1>E OURO 2"

0 VISCONDE DE SISTELLO

O visconde de Sistello, Manuel Antonio Gon- çalves Roque, nasceu na casa das Lages, no lo- gar do Sistello, nas cercanias de Villa Nova dos Arcos, a 14 de junho de 1804.

Como se vc, esta briosa familia, conta já tra- dições honradas e memorias gloriosas de seus antepassados, glorias e tradições que acompa- nham as casas solarengas das províncias, prin- cipalmente das províncias do.norte, onde as re- miniscências feudaes se conservam ainda com uma tal ou qual importância.

K não se pode anathematisar essa classe, hoje viva apenas nas paginas da historia e nas len- das ora lugubres ora cavalleirosas que os anciãos contam ú lareira nas noites longas c caligino- sas de inverno. Os barões feudaes também ti- veram o seu período, em que foram os elemen- tos do aperfeiçoamento da humanidade e da ci- vilisação dos povos.

A guerra — esse exercício favorito das classes priviltgiadas e das castas distinctas durante tan- tos séculos - ; a guerra, é tambem um elemento de civilisação e tanto mais poderoso, quanto maior é o atraso da instrucção no pai/., que se civilisa. Foi a guerra que civilisou a Luropa. I* oram os barões feudaes nas suas correrias, nas suas lu- tas intestinas, nos seus conílictos com os reis a quem disputavam regalias de poder c com os bispos que lhes invadiam os territórios c os di- reitos, que promoveram o desenvolvimento das ideias generosas, c que provocaram as conces- sões aos povos da parte dos que lhe sollicitavam o concurso.

Involuntariamente em parte, cm parte espon- taneamente, os barões feudaes prestaram, nas eras em que ilorescia o feudalismo, relevantes serviços ã emancipação humana da escravidão da ignorância.

(Js solares provincianos, as casas solarengas parecem conservar a memoria d'esses factos já passados.

Na casa solarenga das Lages, no Sistello, onde nasceu o nosso biographado, as tradições eram todas generosas e liberaes; por isso os dois irmãos alimentaram homogéneos sentimentos, em que predominam aquelles que produzem os rasgos phylantropicos e de caridade.

O visconde de Sistello que nutriu, como seu irmão, o desejo de ir ver essas terras formosas de Santa Cruz, onde vivem as lendas dos con- quistadores mais compassivos, dkquelles que não macularam as suas sublimes obras com^ os la- trocínios, os assassinatos barbaros e inúteis, as hecatombes espantosas que se encontram a

cada passo na historia da conquista do Peru e outras.

O visconde de Sistello, que nascera na formosa região do norte de Portugal, que ê toda um vi- rente jardim, sentia o desejo de conhecer essas campinas phantasticas de verdura luxuriante e opulenta, onde a palmeira desdobra as suas lar- gas folhas e a magnolia embalsama os ares com o seu perfume singular.

Moderou pois o desejo de saber c concedendo aos estudos o mais curto espaço, em que toda- via logrou distinguir-se, partiu para o Rio dc Ja- neiro, onde já seu irmão era muito considerado e lançou-se com ardor no commercio em laiga escala. . . .

Não tardou a sorte a bafejai o propicia c ape- nas poude ter algum momento de repouso tra- tou de dedicar-se ao cultivo ameno das lettras, applicando-se a completar a instrucção, que abreviara na patria, pelo desejo de ir cedo para aquclla terra onde lhe estava destinado occupar tão brilhante logar.

Como o satelite segue o astro, assim o vis- ' conde de Sistello seguiu os passos dc seu illus-

tre irmão, a quem anteriormente nos referimos, applicando se a proteger as classes pobres, favo- recendo a instrucção. promovendo a fundação de escolas e auxiliando especialmente as socie- dades hospitaleiras, onde serviu os primeiros car- gos, dispendendo com cilas quantiosas som- mas. .

Km tudo rem dado pasto extenso as tendên- cias do seu coração nobilissimamente magnani-

A Caixa dc Socorros de D. Pedro V uma das , instituições portuguezas na capital do grande im-

pério americano, é uma das sociedades que mais profkuamcnte tem experimentado estes elevados

I sentimentos. No Hospital da Sociedade Portugueza de Be-

neficência foi ha pouco tempo cregido o seu re- trato, na qualidade de BchcjjicviIo nolcivcl.

A ausência não fez esquecer a patria, nem os encantos do novo mundo poderam obliterar no coração dkste sympathico cavalheiro as reminis- cências da terra onde abrira os olhos á luz da

por isso que todos os emprehendimentos portuguezes obtiveram o seu concurso, iniciando muitos commcttimentos úteis e collocando-sc sempre na primeira fileira dos seus mais estic- nuos propugnadares, concorrendo valiosamente para os bons serviços tambem prestados por seu illustre irmão.

2$ O LIVRO DE OIRO

Tito relevantes serviços oão podiam deixar de ser devidamente galardoados; assim, recebeu suc- ccssivaincnte as seguintes mercês: foro de fidalgo cavalleiro, commenda da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo e a final o titulo de visconde de Sistcllo e a carta de brazão cTarmas, por su- cessão.

Do governo brasileiro recebeu também o otli- cialato da imperial ordem da Rosa, que o mo- narcha lhe concedeu, expressamente para com- memorar os valiosos serviços prestados áquelle paiz.

No Brasil contrahiu o visconde de Sistcllo con- sorcio com a mais gentil dama da sociedade bra- sileira, a ex.,na sr.a D. Júlia de La Bourdonnai, filha de seu irmão o visconde de Rio Vez, que alem de uma fortuna colossal dotou sua formosa filha com a mais preciosa educação e todas as virtudes que podem fazer do lar um paraíso.

Esta dama representa, por sua finada mãe, uma das mais antigas e illustres famílias francezas.

Ha alguns annos veio o visconde de Sis- tcllo, a Portugal, oceupando-sc desde logo a restaurar a casa solarenga de seus antepassa- dos.

A antiga casa das Lages acha-se hoje expiem •didamente transformada.

O visconde mandara construir dois torreões sobre arcarias, de maneira que o vetusto edifí- cio c hoje uma magnifica casa apalaçada, sem se- melhante nos arredores. v

Esta propriedade attesta hoje que o seu pos- suidor tem fino gosto artístico, e é ao mesmo tempo testemunho de que sente todas as delica- dezas de coração.

A biographia do visconde de Sistcllo, assim como a de seu benemérito irmão, constituem uma verdadeira epopeia, a epopeia do liem, o poema admirável e sublime, da Benemerência. De quantas maneiras se pôde exemplificar o de- sejo de ser útil a sociedade c beneficiar a huma- nidade, em todos teem traduzido em factos esse desejo sublime e intenso.

Náo é, comtudo, o beneficio mais eflicaz a es- mola que, por mais quantiosa que seja, representa um valor que se extingue em mais ou menos tempo; o visconde do Sistello, tem aceudido ás classes menos favorecidas do paiz por maneira mais eflicaz do que oifertando-Ihe donativos va- liosos. O visconde, bem como seu irmão, tem le-

vado o conforto a muitas famílias, desenvolvendo a agricultura nas suas propriedades, nas quaes estão adoptados os systemas modernos de cul- tura, ensinando assim/praticamente, a cultivar por maneira a competir com as nações mais adian- tadas ; o que é de certo o mais valioso impulso que se pôde dar á arte agrícola, no paiz, onde jaz escravisada aos processos rotineiros, únicos que conhece a generalidade dos lavradores indí- genas.

Por este motivo a Real Associação Central da Agricultura portugueza lhe conferiu o titulo de sócio protector.

Dissemos ha pouco que o visconde de Sis- tcllo amenisou o espirito no cultivo das lettras, e de tal maneira o fez, que possue hoje o diplo- ma de membro de algumas sociedades seienti- ficas e litterarias entre as quaes devemos men- cionar cm primeiro logar a sociedadodos Archi- tectos Civis e Archeoiogos Portuguezes que lhe concedeu a medalha dè mérito, e sabe-se que esta sociedade é uma das mais esclarecidas "do paiz e das menos liberaes na concessão de taes favores, que importam o reconhecimento de ver- dadeiros merecimentos.

A sociedade de Geographia de Lisboa tam- bém o honrou com a sua medalha e bem assim a Sociedade i.° de Dezembro de 1Ò40, que por este modo galardoou os seus serviços patrióticos e o entranhado amor, que consagra a terra onde nasceu.

Quem percorrer^ as províncias, especialmente as do norte do paiz, encontra por toda a parte signaes da passagem doesse vulto quasi lendário vulgarmente conhecido pelo nome genérico de brasileiro. N'esses logarcs tem sido elle o restau- rador do templo arruinado, neutro o fundador da escola ou do asvlo. n'outro o bem feitor dos pobres e desvalidos; por toda a parte emfim e por todas as maneiras se tem rcvellado o amor á pátria d\»sses expatriados voluntariamente, que entre os aflagos da sorte não se esquecem do torrão onde nasceram.

Dizer que os distinctos cavalheiros a que nos temos referido levantam a suprema altura a re- putação d'esse vulto lendário, o brazileiro, jus- tificando todas as generosidades, todas as gran- dezas, todas as virtudes a elle attribuidas é fa- zer-!hes o mais aquilatado elogio.

Effectivameme o brazileiro ê um verdadeiro emissário da Providencia para as terras peque- nas da província e para os habitantes infelizes: estes cavalheiros sabem melhor que ninguém re- presentar a Providencia, por isso o seu nome c acompanhado d\im cântico de bênçãos.

TVP. MATTOS MOREIRA — PRAÇA DOS RESTAURADORES, l5 E l6

2S O IJVRO DE OI RO

Tilo relevantes serviços oão podiam deixar de ser devidamente galardoados; assim, recebeu suc- cessivainente as seguintes mercês: fòro de fidalgo cavalleiro, commenda da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo e a final o titulo de visconde de Sistello e a carta de brazão d'armas, por su- cessão.

Do governo brasileiro recebeu também o ofli- cialato da imperial ordem da Rosa, que o mo- narcha lhe concedeu, expressamente para com- memorar os valiosos serviços prestados áquelle paiz.

No Brasil contrahiu o visconde de Sistello con- sorcio com a mais gentil dama da sociedade bra- sileira, a ex.,na sr.'1 D. Julia de La Bourdonnai, filha de seu irmão o visconde de Rio Vez, que alem de uma fortuna colossal dotou sua formosa filha com a mais preciosa educação e todas as virtudes que pódem fazer do lar um paraíso.

Lsta dama representa, por sua finada mãe, uma das mais antigas c iIlustres famílias francezas.

i*z-

Ha alguns annos veio o visconde de Sis- tello, a Portugal, o ocupando-se desde logo a restaurar a casa solarenga de seus antepassa- dos.

A antiga casa das Lages acha-se hoje cxplen- •didamente transformada.

O visconde mandara construir dois torreões sobre arcarias, de maneira que o vetusto edifí- cio é hoje uma magnifica casa apalaçada, sem se- melhante nos arredores. v

Esta propriedade attesta hoje que o seu pos- suidor tem fino gosto artístico, e é ao mesmo tempo testemunho de que sente todas as delica- dezas de coracão.

A biographia do visconde de Sistello, assim como a dc seu benemerito irmão, constituem uma verdadeira epopeia, a epopeia do Bem, o poema admirável e sublime, da Benemercncia. De quantas maneiras se pôde exemplificar o de-, sejo de ser util á sociedade e beneficiar a huma- nidade, cm todos teem traduzido em factos esse desejo sublime e intenso.

Não é, com tudo, o beneficio mais eflicaz a es- mola que, por mais quantiosa que seja, representa um valor que se extingue em mais ou menos tempo; o visconde do Sistello, tem accudido ás classes menos favorecidas do paiz por maneira mais eflicaz do que offertando-Ihe donativos va- liosos. O visconde, bem como seu irmão, tem le-

vado o conforto a muitas famílias, desenvolvendo a agricultura nas suas propriedades, nas quaes estão adoptados os sv st emas modernos de cul- tura, ensinando assim, praticamente, a cultivar por maneira a competir com as nações mais adian- tadas ; o que é de certo o mais valioso impulso que se pôde dar á arte agrícola, no paiz, onde jaz escravisada aos processos rotineiros, únicos que conhece a generalidade dos lavradores indí- genas.

Por este motivo a Real Associação Central da Agricultura portugueza lhe conferiu o titulo de socio protector.

Dissemos ha pouco que o visconde de Sis- tello amenisou o espirito no cultivo das lettras,

•e dc tal maneira o fez, que possue hoje o diplo- ma de membro de algumas sociedades scienti- fic as e litterarias entre as quaes devemos men- cionar em primeiro logar a sociedade dos Archi- tectos Civis c Archeoíogos Portuguezes que lhe concedeu a medalha de mérito, c sabe-se que esta sociedade é uma das mais esclarecidas "do paiz e das menos liberaes na concessão de tacs favores, que importam o reconhecimento de ver- dadeiros merecimentos.

A sociedade de Geographia de Lisboa tam- bém o honrou com a sua medalha e bem assim a Sociedade i.° dc Dezembro de 1640, que por este modo galardoou os seus serviços patrióticos c o entranhado amor, que consagra ã terra onde nasceu.

Quem percorrer as províncias, especialmente as do norte do paiz., encontra por toda a parte signaes da passagem d'esse vulto quasi lendário vulgarmente conhecido pelo nome genérico de brasileiro. N'esses logares tem sido elie o restau- rador do templo arruinado, n'outro o fundador da escola ou do asvlo, n'outro o bemfeitor dos pobres e desvalidos; por toda a parte emfím e por todas as maneiras se tem revel Indo o amor á patria d'esses expatriados voluntariamente, que entre os afíagos da sorte não se esquecem do torrão onde nasceram.

Dizer que os distinctos cavalheiros a que nos ternos^ referido levantam a suprema altura a re- putação d'esse vulto lendário, o brazíleiro, jus- tificando todas as generosidades, todas as gran- dezas, todas as virtudes a elle attribuidas è fa- zer-lhes o mais aquilatado elogio.

Effectivamente o brazilciro e um verdadeiro emissário da Providencia para as terras peque- nas da província e para os habitantes infelizes: estes cavalheiros sabem melhor que ninguém re- presentar a Providencia, por isso o seu nome é acompanhado d'um cântico de bênçãos.

TVP. MATTOS MOREIRA — FRACA DOS RESTAURADORES, l5 E l6

2y

O LIVRO DE OURO ''fiiographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lei iras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

AN NO I VOLUME 1 PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JU>blO — i885

0 Conde da Esperança Nas paginas do Livro de Ouro procuramos

sempre com interesse o ensejo de prestar as de- vidas homenagens aos cidadãos beneméritos que trabalham na grande obra do progresso e se as- sociam às festas do trabalho, as que mais pode- rosamente concorrem para o desenvolvimento dos povos. Eis o que explica a escolha da indi- vidualidade, sobre cuja vida e caracter vamos dizer algumas palavras.

Josc Maria de Barahona Cordovil da Gama Lobo, actual conde da Esperança, nasceu na villa de Cuba aos \? dias do mez de setembro de 181/1.

É filho do capitão-mór. Francisco Cordovil de Barahona Fragoso e de D. Maria Lúcia Olym- pia de Mira.

O conde da Esperança conta hoje (íu annos. Quando se tem passado a vida no austero

cumprimento do dever, na dedicação aos princí- pios generosos e bons, quando cada dia repre- senta uma oblata no culto da honra, quando se tem empregado a existência em ser útil á pátria e á sociedade, os longos annos são de per si um eloquente panegyrico, o mais significativo de to- dos os louvores.

Probo, d\ima probidade de raça, como seu iIlustre pae, que foi o typo da boa c proverbial probidade portugueza; herdeiro de tradições no- bilíssimas o conde da Esperança não só tem con- servado o lustre d'uma ascendência honrada, mas cabe-lhe a gloria de ter augmentado o esplendor que aureolava o vulto dos seus maiores.

Sendo um dos mais abastados proprietários e úteis lavradores do reino podia, se quizesse, vi- ver nas delicias de um ócio egoista, mas tem preferido dar constantemente azas á sua inicia- tiva benéfica, pondo ao serviço da sua terra to- da a dedicação e boa vontade, de que ê capaz um espirito cheio de intenções elevadas.

O conde da Esperança é por isso uma das in- dividualidades mais características da fidalguia prestante, a personificação mais veneranda da actividade benemérita e do civismo desinteres- seiro.

*!?.

O conde da Esperança casou em primeiras núpcias, em 25 de agosto de 1833 cum sua prima D. Maria Margarida de Barahona Fragoso, filha mais velha do morgado das Alcáçovas e do Tor- rão, Luiz Feliciano Fragoso e de D. Maria Igncz Sovereíra de Barahona. D"cstc matrimonio hou*

veram dois filhos, sendo o primeiro o dr. José Bernardo de Barahona Fragoso Cordovil da Ga- ma Lobo, bacharel formado em philosophia e actual visconde da Esperança; e o segundo o dr. Francisco Eduardo de Barahona Fragoso Cor- dovil da Gama Lobo, bacharel formado em di- reito e moço fidalgo com exercício no Paço.

Tendo enviuvado contrahiu segundas núpcias em dezembro de 1849 com D. Maria Josi de Carvalho e Mira. filha" do doutíssimo desembar- gador José Paulo de Carvalho ede D. Francisca Ludovina de Mira.

LVcstc consorcio apenas houve um filho: José Paulo de Barahona Carvalho e Mira, abastado proprietário, residente em Évora.

No ultimo quartel do presente século os cami- nhos de ferro- tem dado um impulso gigante á civilisação do nosso paiz, ligando estreitamente os povos entre si, favorecendo o commercio, as industrias e a educação popular. A locomotiva, atravessando com o seu penacho de fumo as pla- nícies e rasgando as montanhas, beneficiou im- mensas povoações até ahi ignoradas, annuncian- do lhes a aurora da civilisação e convidandoas para o grandioso festim do progresso.

Foi compenetrado d'cstas immensas vantagens que o conde da Esperança, auxiliando a inicia- tiva ofíicial, cedeu gratuitamente na distancia de vinte kilometros os seus terrenos para a cons- trucção do caminho de ferro no louvável intuito de approximar a estação á villa de Cuba,

Poucos, como o conde da Esperança, seriam susceptíveis de praticar acto de tamanha bisar- ria, principalmente se considerarmos que vive- mos sob a influencia d'uma epocha por demais utilitária e materialista:

Tão benemérita acção diz só por si o quanto o illustre titular se interessa pelo progredimento civilisador da sua terra natal e o quanto é digno da sympathia de todos os seus conterrâneos.

Durante largos annos, isto é, desde i835 a 1880 exerceu quasi ininterruptamente o cargo de presidente da camará municipal da villa de Cuba, bem como exerceu algumas vezes o logar de procurador á junta geral do districto.

No cumprimento doestas árduas funeções pa- tenteou o conde da Esperança todo o seu grande civismo c actividade, desenvolvendo de um mo- do notável a viação, augmentando os rendimen- tos municipaes, melhorando vários serviços e contribuindo incessantemente para a boa hygicne e embellesamento da villa.

O LIVRO DE OURO

'Hiographias dos personagens mais disliitclos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, connnercio, industria e agricultura

ANNO I VOLUME 1 PUBLI CACAU PARA PORTUGA!. E BRAZIL JU yjio — i 885

0 Conde da Esperança

Nas paginas do Livro de Ouro procuramos sempre com interesse o ensejo de prestar as de- vidas homenagens aos cidadãos beneméritos que trabalham na grande obra do progresso e se as- sociam ás festas do trabalho, as que mais pode- rosamente concorrem para o desenvolvimento dos povos. Eis o que explica a escolha da indi- vidualidade, sobre cuja vida e caracter vamos dizer algumas palavras.

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Jose Maria de Barahona Cordovil da Gama Lobo, actual conde da Esperança, nasceu na villa de Cuba aos i? dias do mez de setembro de 18 id.

É filho do capitao-mór. Francisco Cordovil de Barahona Fragoso e de D. Maria Lúcia Olym- pia de Mira.

O conde da Esperança conta hoje (>p annos. Quando se tem passado a vida no austero

cumprimento do dever, na dedicação aos princí- pios generosos e bons, quando cada dia repre- senta uma oblata no culto da honra, quando se tem empregado a existência em ser util á patria e á sociedade, os longos annos são de per si um eloquente panegyrico, o mais significativo de to- dos os louvores.

Probo, d1uma probidade de raça, como seu illustre pae, que foi o tvpo da boa c proverbial probidade portugueza; herdeiro de tradições no- bilíssimas o conde da Esperança não só tem con- servado o lustre d\ima ascendência honrada, mas cabe-lhe a gloria de ter augmentado o esplendor que aureolava o vulto dos seus maiores.

Sendo um dos mais abastados proprietários e úteis lavradores do reino podia, se quizesse, vi- ver nas delicias de um ocio egoísta, mas tem preferido dar constantemente azas d sua inicia- tiva benéfica, pondo ao serviço da sua terra to- da a dedicação e boa vontade, de que é capaz um espirito cheio dc intenções elevadas.

O conde da Esperança é por isso uma das in- dividualidades mais características da fidalguia prestante, a personificação mais veneranda da actividade benemérita e do civismo desinteres- seiro.

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O conde da Esperança casou em primeiras núpcias, em 25 de agosto de 1835 cum sua prima D. Maria Margarida de Barahona Fragoso, filha mais velha do morgado das Alcáçovas e do Tor- rão, Luiz Feliciano Fragoso e de D. Maria Ignez Sovcreira de Barahona. D'este matrimonio hou-

veram dois filhos, sendo o primeiro o dr. José Bernardo dc Barahona Fragoso Cordovil da Ga- ma Eobo, bacharel formado em philosophia e actual visconde da Esperança; e o segundo o dr. Francisco Eduardo de Barahona Fragoso Cor- dovil da Gama Lobo, bacharel formado em di- reito e moço fidalgo com exercício no Paço.

Tendo enviuvado contrahiu segundas núpcias em dezembro de 1849 com I). Maria Josi de Carvalho e Mira. filha" do doutíssimo desembar- gador José Paulo dc Carvalho e de D. Francisca Ludovina de Mira.

ITeste consorcio apenas houve um filho: José Paulo dc Barahona Carvalho e Mira, abastado proprietário, residente em Évora.

No ultimo quartel do presente século os cami- nhos de ferro- tem dado uni impulso gigante á civilisação do nosso paiz, ligando estreitamente os povos entre si, favorecendo o commercio, as industrias e a educação popular. A locomotiva, atravessando com o seu penacho de fumo as pla- nícies e rasgando as montanhas, beneficiou im- mensas povoações até ahí ignoradas, annuncian- do lhes a aurora da civilisação e convidando as para o grandioso festim do progresso.

Foi compenetrado d'estas immensas vantagens que o conde da Esperança, auxiliando a inicia- tiva official, cedeu gratuitamente na distancia de vinte kilometres os seus terrenos para a cons- trucção do caminho de ferro no louvável intuito de approximar a estação á villa de Cuba.

Poucos, como o conde da Esperança, seriam susceptíveis de praticar acto de tamanha bísar- ria, principalmente se considerarmos que vive- mos sob a influencia d'uma epocha por demais militaria e materialista:

Tão benemérita acção diz só por si o quanto o illustre titular se interessa pelo progredimento civilisador da sua terra natal e o quanto é digno da sympathia de todos os seus conterrâneos.

Durante largos annos, isto é, desde 1835 a 1880 exerceu quasi ininterruptamente o cargo de presidente da camara municipal da villa de Cuba, bem como exerceu algumas vezes o logar de procurador d junta geral do districto.

ÍNo cumprimento doestas arduas funeções pa- tenteou o conde da Esperança todo o seu grande civismo e actividade, desenvolvendo dc um mo- do notável a viação, augnientando os rendimen- tos municipaes, melhorando vários serviços e contribuindo incessantemente para a boa hygiene e embellcsamento da villa.

3o O LIVRO DE OURO

Em todos os actos realisados deu provas ine- quívocas de um grande tino e de largos conhe- cimentos administrativos: por isso na villa de Cuba e ainda distante d^ella, basta só proferir o seu nome, para que todo o homem de bem sinta o mais vivo enthusiasmo.

A agricultura, é a principal riqueza das na- ções: assim o disseram Quesnay, Semi th, Say, Mahhus, o terrorista da lei do progresso, Gas- par in e Garnier.

É por isto que as sociedades modernas, que se presam de civilisadas, dirigem todos os seus esforços a promover o desenvolvimento da agri- cultura, instruindo os lavradores nos processos da mechanica para que, por si próprios, conhe- çam a superioridade das machinas sobre os pro- cessos rudimentaes até hoje usados na cultura dos campos; para que se certifiquem dos immen- sos lucros em tempo, braços, c qualidade do trabalho que prodigalisam esses milhões de es- cravos laboriosos chamados machinas de vapor, cujo trabalho não custa nem penas, nem suores, nem lagrimas.

Os estrangeiros admiram-se de que nós, pos- suindo terrenos de tão variada constituição geo- lógica, não desentranhemos d^lles tudo o que podem produzir sem os empobrecer. K a causa d isto è porque nós preferimos a rotina velha c ronceira aos systemas modernos empregados vantajosamente pela industria agrícola.

Se fazemos estas considerações é para pôr cm saliente relevo a personalidade do conde da Es- perança, corno agricultor.

Apostolo convicto da animação agrícola, es- pirito essencialmente progressivo e contrario ao chouto da rotina, foi o primeiro que no districto de Beja tem usado desde 1804 dos mais aperfei- çoados e modernos instrumentos agrários, taes como debulhadoras a vapor, ceifeiras, charruas, engenhos hydraulicos para irrigação c fcrtilisa- ção do solo, ete, etc.

As suas propriedades são verdadeiras colónias agrícolas: vastos terrenos d'uma uberidade ten- tadora, extensas várzeas cerealíferas, innumcra- veis olivedos c vinhas, opulentas campinas para pastagem, bellas oflicinas agrícolas, tudo forman- do um quadro de operações e um campo de luta grandiosa, onde o trabalho recebe como convite o fascinante sorrir da natureza, exuberante de gallas e tentadora de fruetos!

É assim que o conde da Esperança dá, como agricultor, o nobre exemplo do quanto pôde a intelligencia humana alliada ás forças da natu- reza.

Como creador, tem conseguido tornar-se egual- mente notável no aperfeiçoamento das raças ca- vallar, ovina e suína, de que tem obtido exem- plares perfeitíssimos que rivalisam com os me- lhores das outras nações ou os excedem na especial apropriação ao fim a que se destinam.

Como recompensa doestes louváveis esforços tem recebido dilíerentes medalhas, mensões hon- rosas e prémios especiaes nas exposições de Pa- ris— Londres — Porto — Filadelphia ; e ultima- mente na que se realisou na Tapada da Ajuda.

A sua fama como agricultor e creador va- leu-lhe o ser eleito membro e vice-presidente honorário da Sociedade Nacional de Apicultura Manufactureira e Commercial de 'Paris, honra sobremaneira merecida.

-^**e- Altamente considerado pelos mais altos pode-

res do estado tem sido por diversas vezes visi- tado, em sua casa, na quinta da Esperança, por diversas pessoas da família real. Assim, recebeu em 1843 a rainha D. Maria II e el-rei D. Fer- nando; em i8()o El-rci D. Pedro V e o infante D. João, duque de Beja.

O actual reinante tem pelo caracter e méritos do conde da Esperança a mais particular estima e. sempre que vae caçar a Alvito, aproveita o en- sejo de lrTa testemunhar.

O conde da Esperança possue os seguintes tí- tulos nobiliários: fidalgo cavalleiro da casa real — commendador da Ordem da Conceição de Villa Viçosa—moço fidalgo com exercido no Paço — titulo de conde com grandeza n^este reino, etc.

^ £>

Como homem, na sua vida particular, o conde da Esperança tem o elogio das suas qualidades, na estima, respeito c sympathias de que disfru- cta. A sua família, c um modelo destas peque- nas tribus sociaes, que cada vez são mais raras, onde ha apenas uma vontade, uma aspiração c um sentimento commurn, suavíssimo, delicado, sublime. As paredes do seu solar podiam ser transparentes, que o povo só veria ali exemplos de caridade, de afíeiçáo c de nobreza d^lma.

A porta da quinta da» Esperança não bate uma desgraça que não seja soccorricia com o se- gredo e generoso mysterio que o evangelho rc commenda.

Os pobres tem n'elle um dcsvellado protector c os ricos um modelo a estudar.

Quantas virtudes podem esmaltar se n'uma consciência convictamente christã; quantos dotes ê legitimo requerer a um bom cidadão; quantas distmetas qualidades é mister que um homem reúna em si para exercer a mais larga influencia no circulo das suas vastas relações — tudo isto possue, em elevado grau, oillustre biographado.

O dever pelo dever é a norma a que obede- cem todos o> seus actos, e da qual não se afas- ta nunca.

O conde da Esperança é sempre o mesmo ho- mem: fidalgo nas acções, humanitário no espi- rito; grave, mas sempre delicado—benévolo para todos.

Para todos os seus creados não é um patrão é um protector, um amigo. Por isso, com a reci- procidade de sentimentos, com o fundo reconhe- cimento que caracterisa esses filhos do trabalho, elles tem por seu amo uma verdadeira veneração.

Abençoada existência a de um homem assim ! A Providencia compensa-lhe as virtudes, dan-

do lhe a mais apetecida coroa que pódc cingir a fronte de um pae amantíssimo, coroa que é feita da luz do talento de seus filhos.

O LIVRO DE OURO

Em todos os actos realísados deu provas ine- quívocas de um grande tino e de largos conhe- cimentos administrativos i por isso na villa dc Cuba e ainda distante d'clla, basta só proferir o seu nome, para que todo o homem de bem sinta o mais vivo enthusiasmo.

A agricultura, é a principal riqueza das na- ções: assim o disseram Quesnay, Semith, Say, Malthus, o terrorista da lei do progresso, Gas- parin c Garnier.

E por isto que as sociedades modernas, que se presam de civilisadas, dirigem todos os seus esforços a promover o desenvolvimento da agri- cultura, instruindo os lavradores nos processos da mechanica para que, por si próprios, conhe- çam a superioridade das machinas sobre os pro- cessos rudimentaes até hoje usados na cultura dos campos; para que se certifiquem dos immen- sos lucros em tempo, braços, c qualidade do trabalho que prodigaiisam esses milhões de es- cravos laboriosos chamados machinas de vapor, cujo trabalho não custa nem penas, nem suores, nem lagrimas.

Os estrangeiros admiram-se de que nós, pos- suindo terrenos de tão variada constituição geo- lógica, não desentranhemos d'elles tudo o que podem produzir sem os empobrecer. E a causa d isto è porque nós preferimos a rotina velha e ronceira aos systemas modernos empregados vantajosamente pela industria agrícola.

Se fazemos estas considerações é para pôr em saliente relevo a personalidade do conde da Es- perança, corno agricultor.

Apostolo convicto da animação agrícola, es- pirito essencialmente progressivo e contrario ao chouto da rotina, foi o primeiro que no districto dc Beja tem usado desde 1864 dos mais aperfei- çoados e modernos instrumentos agrarios, taes como debulhadoras a vapor, ceifeiras, charruas, engenhos hydraulicos para irrigação c fertilisa- ção do solo, etc., etc.

As suas propriedades são verdadeiras colonias agrícolas: vastos terrenos d'uma uberidade ten- tadora, extensas varzeas cerealíferas, innumera- veis olivedos e vinhas, opulentas campinas para pastagem, bellas officinas agrícolas, tudo forman- do um quadro de operações e um campo de luta grandiosa, onde o trabalho recebe como convite o fascinante sorrir da natureza, exuberante de galjas e tentadora de fructos!

E assim que o conde da Esperança dá, como agricultor, o nobre exemplo do quanto pôde a íntelligencia humana alliada ás forças da natu- reza.

Como creador, tem conseguido tornar-se egual- mente notável no aperfeiçoamento das raças ca- vallar, ovina e suina, de que tem obtido exem- plares perfeitíssimos que rivalisam com os me- lhores das outras nações ou os excedem na especial apropriação ao fim a que se destinam.

Como recompensa doestes louváveis esforços tem recebido dilíerentes medalhas, mensões hon- rosas e prémios especiaes nas exposições de Pa- ris— Londres — Porto — Filadelphia ; e ultima- mente na que se realisou na Tapada da Ajuda.

A sua fama como agricultor e creador va- leu-lhe o ser eleito membro e vice-presidente honorário da Sociedade Nacional de Agricultura Manufactureira e Commercial de cParis, honra sobremaneira merecida.

Altamente considerado pelos mais altos pode- res do estado tem sido por diversas vezes visi- tado, em sua casa, na quinta da Esperança, por diversas pessoas da familia real. Assim, recebeu em )8q3 a rainha D. Maria 11 e cl-rci D. Fer- nando; em 1860 El-rci D. Pedro V e o infante D. João, duque de Beja.

O actual reinante tem pelo caracter e méritos do conde da Esperança a mais particular estima c. sempre que vae caçar a Alvito, aproveita o en- sejo de lh'a testemunhar.

O conde da Esperança possuc os seguintes tí- tulos nobiliários: fidalgo cavalleiro da casa real — commendador da Ordem da Conceição de Mila Viçosa—moço fidalgo com exercício no Paço — titulo de conde com grandeza nTste reino, etc.

Como homem, na sua vida particular, o conde da Esperança tem o elogio das suas qualidades, na estima, respeito c sympathias de que disfru- cta. A sua família, é um modelo d'estas peque- nas tribus sociaes, que cada vez são mais raras, onde ha apenas uma vontade, uma aspiração e um sentimento commum, suavíssimo, delicado, sublime. As paredes do seu solar podiam ser transparentes, que o povo só veria ali exemplos de caridade, de afléição c de nobreza d'alma.

A porta da quinta da* Esperança não bate uma desgraça que não seja soccorrida com o se- gredo e generoso mysterio que o evangelho re commenda.

Os pobres tem n'elle um desvellado protector e os ricos um modelo a estudar.

Quantas virtudes pódem esmaltar se n'uma consciência convictamente christã; quantos dotes é legitimo requerer a um bom cidadão; quantas distmetas qualidades é mister que um homem reúna cm si para exercer a mais larga influencia no circulo das suas vastas relações — tudo isto possue, em elevado grau, o illustre bíographado.

O dever pelo dever é a norma a que obede- cem todos o> seus actos, e da qual não se afas- ta nunca.

O conde da Esperança é sempre o mesmo ho- mem: fidalgo nas acções, humanitário no espi- rito; grave, mas sempre delicado—benevolo para todos.

Para todos os seus creados não é um patrão é um protector, um amigo. Por isso, com a reci- procidade de sentimentos, com o fundo reconhe- cimento que caractcrisa esses filhos do trabalho, elles tem por seu amo uma verdadeira veneração.

Abençoada existência a de um homem assim ! A Providencia compensa-lhe as virtudes, dan-

do-lhe a mais apetecida coroa que pôde cingir a fronte de um pae amantíssimo, coroa que é feita da luz do talento de seus filhos.

t( O LIVRO DE OURO 3i

LUIZ .GONZAGA DOS REIS TORGAL

O dr. Reis Torgal, cuja biographia vamos contornar ao correr da pcnna, pertence á nobre pbalangc dos que trazem no peito a placa dia- mantina dos crentes do progresso, caminba na vanguarda íTCSSII legião desassombrada dos que entram na vida como os gladiadores romanos entravam na arena comando só com o esforço do próprio coração, indiferentes aos applausos ou aos apupos da plebe, e abrindo caminho atra- vez de todas as dificuldades.

A sua existência é o mais bello exemplo do quanto pode a intelligencia coadjuvada pela pro- bidade. O homem é a obra de si mesmo, como disse Viço; c a poucos, com tanta verdade e jus- tiça, se pódc appltcar a profunda sentença do illustre pensador, como ao dr. Reis Torgal. O que d a si o deve c a ninguém mais do que a si.

São do nosso século estes operários da evolu- ção; pertencem a épocas já mortas os que, des- crendo de si, se refugiam cm espirito na immo- bilidadc que antecedeu a ebullição das modernas aspirações sociacs.

Nasceu o dr. Luiz Gonzaga dos Heis Torgal. n"uma pequena aldeia du concelho de Fundão, denominada Barroca, aos 18 de julho de i8?2, contando por conseguinte a idade mais llores- cente e bcíla do homem — 33 annos.

Kez as suas Humanidades sob a direcção do douto jurisconsulto, seu tio, o dr. Manuel Ro- que, que as perturbações de 1834 haviam des- viado da vida activa do foro, sendo com tudo re- conhecida a sua superioridade c competência. O contacto com este caracter austero e inquebran- tável tnoculou-lhe no animo o gérmen das virtu- des severas e viris.

Em 1867 teve o desgosto de perder este amigo e director, pelo que teve de ir estudar em Coim- bra, onde pouco tempo se demorou; pois cm i8(><> o seu estado de saude tomou-se de tal forma melindroso, que a se iene ia teve de lhe aconselhar im media ta retirada para o remanso da sua terra natal.

Ksta doença parece ter operado no cérebro de Reis Torgal'uma singular revolução: um phrc- nologo diria que lhe houvera feito desenvolver a bossa da sensibilidade religiosa; um orador sa- grado consideraria esta enfermidade um benefi- cio divino, semilhante ao que lançou Ignacio de Loyola no seio da egreja catholica.

E tanto mais exacta seria a comparação, quanto é certo que a ordem dos jesuítas f<y a preferida. Reis Torgal escreveu ao superior d'um collegio da ordem que estava em Santarém e pouco depois era recebido ali como esperançoso noviço. K bem justificada era esta qualificação, pois a intelligencia superior do cathecumeno já pre- nunciava o talento que mais tarde se evidenciou.

A rasão venceu, porém, a phantasia e o^ pre- tenso jesuíta cm breve trecho regressou a Coim- bra.

O seu regresso á Lusa Athenas e aos estudos

foi a entrada n'uma campanha d*uquellas em que só c dado sair vencedor e triumpnantc a quem possuc uma energia suprema, uma perseverança tenaz e os dotes que caracterisam os heroes.

Privado dos meios indispensáveis para conti- nuar os estudos, teve que entrar ao mesmo tem- po na-vida pratica, na espinhosa luta pela exis- tência.

Foi a litteratura que lhe forneceu os meios in- dispensáveis para se conservar em Coimbra, pro- vindo-lhe esses meios da collaboração em diver- sos jornaes do paiz.

Este facto prova que o dr. Reis Torgal é tam- bém um escnptor de muito merecimento.

Os primeiros talentos contemporâneos enter- naram-se todos mais ou menos nos labyrintos da polemica jornalística, n'cssa litteratura que tem de tomar as mil formas de Protcu; poucos, porem, teem começado como o dr. Reis Torgal, que se iniciou nWa vereda colhendo proventos, o que evidenceia a sua manifesta superioridade e competência.

K um espelho c um exemplo esta pbase da vida do nosso btographado. Após as longas ho- ras dos seus labores jornalísticos, em que ga- nhava o sustento quotidiano, não ia buscar a distracção dissolvente das orgias, ao contrario; isolado'das alegrias, aííastado dos prazeres que enfloram a vida dos poderosos, elle, o austero, elle, o trabalhador emérito, procurava najnstruc- ção a fundamentada esperança de futuras com- pensações !

Caminhou rapidamente desde então. Tornou-sc infatigável, e as verduras da mocidade cederam lo^ar á reflexão, ao labor continuo c ao estudo profundo. De 1872 a i8;3 frequentou o primeiro anno de theologia; no anno de 1873 c 1874 cur- sou o primeiro anno jurídico e em 2 de julho de 1878 concluiu a sua formatura. E,j:omquanto não alcançasse prémios nem distineções nos ban- cos da Universidade, onde os mais babeis são não raro os mais obscuros alcançou, todavia, fo- ros de talentoso, foros que ora se acham refe- rendados pelo consenso publico.

D*abi por deante novos borisontes se abriram á sua actividade intelligcnte.

Depois de um curto período de descanço das fadigas académicas encetou a advocacia na co- marca do Fundão, onde assentou banca. A faci- lidade em discursar, a ardência da palavra, a erudição que se manifesta espontaneamente nos seus discursos, tudo concorreu para lhe grangear uma numerosa clientella, podendo dizer-se que não havia questão importante cm que elle não tivesse de patrocinar uma das partes. Dotado diurna instrucção variada e séria, vendo com o seu lúcido espirito o lado subtil, defeso ao vulgo, das questões, dos factos,c das personalidades tudo isto contribuiu para vulgarisar o seu nome em todo o districto, collocandoo muma plana distincta e invejável. Principalmente no foro cri-

O LIVRO DE OURO

LUIZ ,GONZAGA DOS REIS TORGAL

G dr. Reis Torgal, cuja biographia vamos contornar ao correr da penna, pertence à nobre pbaiange dos que trazem no peito a placa dia- mantina dos crentes do progresso, caminha na vanguarda d'essa legião desassombrada dos que entram na vida como os «ladiadores romanos entravam na arena contando só com o esforço do proprio coração, indiferentes aos applausos ou aos apupos da plebe, c abrindo caminho atra- vez de todas as dificuldades.

A sua existência é o mais bello exemplo do quanto pôde a intelligencia coadjuvada pela pro- bidade. O homem è a obra de si mesmo, como disse Vico; e a poucos, com tanta verdade e jus- tiça, se pódc appltcar a profunda sentença do illustre pensador, como ao dr. Reis Torgal. O que é a si o deve e a ninguém mais do que a si.

São do nosso século estes operários da evolu- ção; pertencem a épocas já mortas os que, des- crendo de si, se refugiam em espirito na immo- bilidadc que antecedeu a ebullição das modernas aspirações sociaes.

Nasceu o dr. Luiz Gonzaga dos Reis Torgal. n'uma pequena aldeia du concelho de Fundão, denominada Barroca, aos i<S de julho de i8ãa, contando por conseguinte a idade mais flores- ccntc e bel la do homem — 33 annos.

Fez as suas Humanidades sob a direcção do douto jurisconsulto, seu tio, o dr. Manuel Ro- que, que as perturbações de 1834 haviam des- viado da vida activa do fôro, sendo comtudo re- conhecida a sua superioridade e competência. O contacto com este caracter austero e inquebran- tável inoculou-lhe no animo o gérmen das virtu- des severas e viris.

Em 18G7 teve o desgosto de perder este amigo e director, pelo que teve de ir estudar em Coim- bra, onde pouco tempo se demorou; pois em 18(H) o seu estado de saúde tornou-sc de tal forma melindroso, que a sciencia teve de lhe aconselhar immediata retirada para o remanso da sua terra natal.

Esta doença parece ter operado no cérebro de Reis Torgal uma singular revolução: um phre- nologo diria que lhe houvera feito desenvolver a bossa da sensibilidade religiosa ; um orador sa- grado consideraria esta enfermidade um benefi- cio divino, semilhante ao que lançou Ignacio de Loyola no seio da egreja catholica.

F tanto mais exacta seria a comparação, quanto é certo que a ordem dos jesuítas fqi a preferida. Reis Torgal escreveu ao superior d"um collegio da ordem que estava em Santarém e pouco depois era recebido ali como esperançoso noviço. F bem justificada era esta qualificação, pois a intelligencia superior do cathecumeno já pre- nunciava o talento que mais tarde se evidenciou.

A rasão venceu, porém, a phantasia e pre- tenso jesuíta em breve trecho regressou a Coim- bra.

O seu regresso á Lusa Athcnas e aos estudos

foí a entrada n'uma campanha d'aquellas em que só é dado sair vencedor e triumpnantc a quem possuc uma energia suprema, uma perseverança tenaz e os dotes que caracterisam os heroes.

Privado dos meios indispensáveis para conti- nuar os estudos, teve que entrar ao mesmo tem- po na-vida pratica, na espinhosa luta pela exis- tência.

Foi a litteratura que lhe forneceu os meios in- dispensáveis para se conservar em Coimbra, pro- vindo-lhe esses meios da collaboração em diver- sos jornaes do paiz.

Este facto prova que o dr. Reis Torgal é tam- bém um escriptor de muito merecimento.

Os primeiros talentos contemporâneos enter- naram-se todos mais ou menos nos labyrintos da polemica jornalística, n'essa litteratura que tem de tomar as mil fórmas de Proteu; poucos, porem, teem começado como o dr. Reis Torgal, que se iniciou n'essa vereda colhendo proventos, o que evidenceia a sua manifesta superioridade e competência,

É um espelho e um exemplo esta phase da vida do nosso biographado. Após as longas ho- ras dos seus labores jornalísticos, em que ga- nhava o sustento quotidiano, nao ia buscar a distracção dissolvente das orgias, ao contrario; isolado'das alegrias, afastado dos prazeres que enfloram a vida dos poderosos, elle, o austero, ellc, o trabalhador emérito, procurava najnsfruc- cão a fundamentada esperança de futuras com- pensações !

Caminhou rapidamente desde então. Tornou-sc infatigável, e as verduras da mocidade cederam lo^ar á reflexão, ao labor continuo e ao estudo profundo. De 1872 a 1873 frequentou o primeiro anno de theología; no anno dc 1873 e 1874 cur- sou o primeiro anno jurídico e em 2 de julho de 1878 concluiu a sua formatura. E, comquanto não alcançasse prémios nem distineções nos ban- cos da Universidade, onde os mais babeis são não raro os mais obscuros alcançou, todavia, fo- ros dc talentoso, foros que ora se acham refe- rendados pelo consenso publico.

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D'abi por deante novos horisontes se abriram á sua actividade íntelligente.

Depois de um curto período de descanço das fadigas académicas encetou a advocacia na co- marca do Fundão, onde assentou banca. A faci- lidade em discursar, a ardência da palavra, a erudição que se manifesta espontaneamente nos seus discursos, tudo concorreu para lhe grangear uma numerosa clientella, podendo dizer-se que não havia questão importante em que elle não tivesse dc patrocinar uma das partes. Dotado d'uma instrucção variada e séria, vendo com o seu lucído espirito o lado subtil, defeso ao vulgo, das questões, dos factos ,c das personalidades tudo isto contribuiu para vulgarisar o seu nome em todo o distrícto, collocandoo n'uma plana distincta e invejável. Principalmente no fôro cri-

O LIVRO DE OURO

minai não tinha competidor; nas audiências ge- racs em que defendia algum rcu o tribunal en- chia se de espectadores, ávidos de escutarem a phrase ardente e colorida, desejosos de contem- plarem os arrebatamentos apaixonados da Índole generosa do illustre advogado.

<^—♦

A politica, não podia deixar de envolver nas suas vastas redes o novel e talentoso orador, mas prendendo-lhe o coração não lhe avassallou os brios. Ninguém consegue hoje resistir á tentação d*essa sereia, que nos embai la e i Ilude. A hora ê de lueta, e ninguém pode recostar-se nas-moi- tas floridas, cmquanto a sociedade se debate ao impulso de varias idéas.

Alas, como iamos dizendo, a politica em nada prejudicou a reputação do dr. Reis Torgal, por- que entrou iVcíla rcvellando em tanta maneira tantos brios e honestidade que os adversários políticos não duvidavam entregar-lhe as suas.cau- sas, sempre que lhe era permittido acceitar o pa- trocínio cTcllas.

O Fundão achava-se a esse tempo — como ainda hoje — dividido em dois campos profunda- mente extremados. D "um lado os constituintes, ou seja os amigos do digno par do reino o con- selheiro Vaz Preto, que o vulgo denomina por abreviatura, os pretos, e os adversários destes pertencentes a diversas parcialidades, mas em gloho designados pelo epitheto de brancos. O dr lieis Torgal tendo entre os primeiros os seus maiores amigos, filiou-se n'cssc partido, que tem seguido .lealmente e sem tergiversações de ne- nhuma espécie.

Pj9 4*i

A vida municipal, esse elemento precioso que tanto tem contribuído para o engrandecimento nacional também teve valiosa collaboração do nosso biographado. Na primeira eleição munici- pal que teve logar posteriormente ao seu esta- belecimento no Fundão foi eleito vereador e pouco depois escolhido para a vice-presidencia da camará. O quanto vale a sua incansável c vi- gorosa iniciativa, dizem-nV) eloquentemente as actas das sessões d'aquclla municipalidade e os povos que lhe sentiram a benéfica influencia.

O partido progressista nomeou o administra- dor do concelho, mas a scisão que em seguida se deu entre esse partido e o constituinte, lc- vou-o a declinar esse cargo.

Renovando-se a eleição municipal foi reeleito vereador, assumindo então a presidência d'cssa importante collcctividade.

Mais tarde recahiu também n"cstc esclarecido cidadão a eleição de procurador a junta geral de districto e a vicc-prcsidcncia da commissão re- censeadora; desempenhando estes cargos com a máxima circunspecção e inexcedivel zelo.

Apesar da sua boa vontade c como resultante natural do seu talento e da sua superioridade não faltaram inimigos, invejosos e despeitados, a pre- tenderem descontar-lhe os merecimentos na moe- da falsa da calumnia c da ingratidão. Isto co- meçou a desgostal-o da existência no Fundão. Fatigado com tantas intrigas, resolveu abandonar

aquella villa e vir estabelecer em Lisboa escri- ptorio de advogado. Ainda não ha dois annos que exerce a advocacia no foro da capital e já possue considerável clíentclla, promettendo tor- na r-se em breve um dos jurisconsultos mais po- pulares.

Em julho, de 1884, foi eleito deputado pelo cir- culo plurinominal de Castello Branco e no par- lamento continuou a sustentar os seus créditos de orador fluente e erudito.

Os seus discursos sobre as reformas politicas foram um modelo de isenção digna c correcta.

Pa t ri ora e liberal de alma e coração, jãmiis perdeu o ensejo de expor com franqueza e leal- dade as suas crenças e a sua opinião .sobre a marcha dos acontecimentos. N^ma das mais importantes sessões proferiu este cavalheiro as seguintes palavras:

«Ninguém extranhe a minha franqueza pe- rante esta asscmblca. Entendo que os represen- tantes do povo devem dizer ao paiz, o que sen- tem e pensam, sem averiguar se a sua palavra c ou não grata aos ouvidos do governo. Eu pugno c pugnarei sempre pelos meus princípios, embora saiba que me hade esmagar a arithmeiica ; varro a minha testada e lavro o meu protesto.

«Desejo aflirmar bem alto que não transijo com este incessante caminhar para a destruição dos costumes públicos.»

Estas palavras são a synthese dos sentimen- tos do illustre deputado. Elias provam não só a sua isenção de caracter, mas distaneciam-o da chusma dos políticos-trepadeiras que se enros- cam ãs hastes de todas as bandeiras politicas, comtanto que achem ponto de apoio que os ajude a crescer em honras e a medrar em pro- ventos.

Fundamentar a politica no caracter constitue por assim dizer tooa a aspiração dos publicistas modernos; o dr. Reis Torgal possue em elevado grau essa aspiração, que é ainda mais do que uma aspiração, porque é um dever e um pre- ceito.

Possue também em subido grau o dr. Reis Torgal uma sensibilidade profunda e delicada; c d'cssc sentimento tão raro nos homens do foro, deu provas tomando espontaneamente a missão de patrocinar o reu de homicídio Filippe Gon- çalves, que tanta sympathia inspirou pelo seu arrependimento. A oração foi das mais brilhan- tes que se tem produzido no foro da capital c pôde dizer-se que a cila deveu o réu ter porpia- culo de tão grande culpa uma pena relativamente insignificante.

Egual generosidade d^animo mostrou no par- lamento ao tornar-se écco e defensor da infeliz classe do professorado primário, para cuja classe foi incessante em pedir auxilio e protecção.

Eis quem c o dr. Reis Torgal: astro já bri- lhante no céu do foro c da politica contempo- rânea, e a quem se pôde prognosticar um zenith sobremaneira radioso em razão das qualidades e virtudes cívicas que servem de norma Á sua eondueta.

TYP. MATTOS MOREIRA —PRAÇA DOS RESTAI HADOliES, l5 C ifi

3 s

minai não tinha competidor; nas audiências ge- ra es em que defendia algum rcu o tribunal en- chia se de espectadores, ávidos de escutarem a phrase ardente e colorida, desejosos de contem- plarem os arrebatamentos apaixonados da indole generosa do íllustre advogado.

<5-—❖ A politica, não podia deixar de envolver nas

suas vastas redes o novel e talentoso orador, mas prendendo-lhc o coração não lhe avassallou os brios. Ninguém consegue hoje resistir ã tentação d essa sereia, que nos embai la c i ilude. A hora é de lucta, e ninguém pôde recostar-se nas-moi- tas floridas, cmquanto a sociedade se debate ao impulso de varias ideas.

Mas, corno Íamos dizendo, a politica em nada prejudicou a reputação do dr. Reis Torga!, por- que entrou rfella revellando em tanta maneira tantos brios e honestidade que os adversários políticos não duvidavam entregar-lhe as suas.cau- sas, sempre que lhe era permittido acceitar o pa- trocínio Tellas.

O Fundão achava-se a esse tempo — como ainda hoje — dividido em dois campos profunda- mente extremados. D "um lado os constituintes, ou seja os amigos do digno par do reino o con- selheiro Vaz Preto, que o vulgo denomina por abreviatura, os pretos, e os adversários destes pertencentes a diversas parcialidades, mas em gloho designados pelo epitheto de brancos. O dr Reis Torgal tendo entre os primeiros os seus maiores amigos, filiou-se n'essc partido, que tem seguido .lealmente e sem tergiversações de ne- nhuma especie.

pi? •Mífr

A vida municipal, esse elemento precioso que tanto tem contribuído para o engrandecimento nacional também teve valiosa collaboração do nosso biographado. Na primeira eleição munici- pal que teve logar posteriormente ao seu esta- belecimento no Fundão foi eleito vereador e pouco depois escolhido para a vice-presidencia da camara. O quanto vaie a sua incansável e vi- gorosa iniciativa, dizem-nM eloquentemente as actas das sessões d'aquella municipalidade e os povos que lhe sentiram a benéfica influencia.

O partido progressista nomeou o administra- dor do concelho, mas a scisão que em seguida se deu entre esse partido c o constituinte, 1c- vou-o a declinar esse cargo.

Renovando-se a eleição municipal foi reeleito vereador, assumindo então a presidência d'essa importante collectívidade.

Mais tarde recahíu também n'este esclarecido cidadão a eleição de procurador á junta geral de districto e a vicc-prcsidcncia da coinmissão re- censeadora; desempenhando estes cargos com a maxima circumspceção e inexcedivel zelo.

Apesar da sua boa vontade e como resultante natural do seu talento e da sua superioridade não faltaram inimigos, invejosos e despeitados, a pre- tenderem descontar-lhc os merecimentos na moe- da falsa da calumnia e da ingratidão. Isto co- meçou a desgostal-o da existência no Fundão. Fatigado com tantas intrigas, resolveu abandonar

aquella villa e vir estabelecer em Lisboa cscri- ptorio de advogado. Ainda não ha dois annos que exerce a advocacia no fòro da capital e já possue considerável clientella, promettendo tor- nar-se em breve um dos jurisconsultos mais po- pulares.

Em julho, de 1884, foi eleito deputado pelo cir- I culo piurinominal de Castello Branco e no par-

lamento continuou a sustentar os seus créditos de orador fluente e erudito.

Os seus discursos sobre as reformas politicas foram um modelo de isenção digna e correcta.

Patriota e liberal de alma c coração, jamais perdeu o ensejo de cxpòr com franqueza e leal- dade as suas crenças e a sua opinião .sobre a

I marcha dos acontecimentos. NMma das mais importantes sessões proferiu este cavalheiro as seguintes palavras:

«Ninguém extranhe a minha franqueza pe- rante esta assemblea. Entendo que os represen- tantes do povo devem dizer ao paiz, o que sen- tem e pensam, sem averiguar se a sua palavra c ou não grata aos ouvidos do governo. Ku pugno e pugnarei sempre pelos meus principios, embora saiba que me hade esmagar a arithmeiica ; varro a minha testada e lavro o meu protesto.

«Desejo aflirmar bem alto que não transíjo com este incessante caminhar para a destruição dos costumes públicos.»

Estas palavras são a synthese dos sentimen- tos do iilustre deputado. Elias provam não só a sua isenção de caracter, mas distanceiam-o da chusma dos políticos-trepadeiras que se enros- cam ás hastes de todas as bandeiras politicas, comtanto que achem ponto de apoio que os ajude a crescer em honras e a medrar em pro- ventos.

Fundamentar a política no caracter constitue por assim dizer toda a aspiração dos publicistas modernos; o dr. Reis Torgal possue em elevado grau essa aspiração, que é ainda mais do que uma aspiração, porque d um dever e um pre- ceito.

Fossue% também em subido grau o dr. Reis Torgal uma sensibilidade profunda e delicada: e d'esse sentimento tão raro nos homens do fòro, ' deu provas tomando espontaneamente a missão de patrocinar o reu de homicídio Filippe Gon- çalves, que tanta sympatbia inspirou pelo seu arrependimento. A oração foi das mais briihan-

i tes que se tem produzido no fòro da capital e 1 pôde dizer-sc que a ella deveu o réu ter por pia-

culo de tão grande culpa uma pena relativamente insignificante.

Egual generosidade d^animo mostrou no par- lamento ao tornar-se écco e defensor da infeliz classe do professorado primário, para cuja classe foi incessante em pedir auxilio e protecção.

Eis quem é o dr. Reis Torgal: astro já bri- lhante no céu do foro e da politica contempo- rânea, e a quem se pôde prognosticar um zenith sobremaneira radioso em razão das qualidades e virtudes cívicas que servem de norma á sua conducta.

TTP. MATTOS MOREIRA —PRAÇA DOS RESTAI MADORES, l5 Z l6

n

O LIVRO DE OURO liiographias dos personagens mais distiiictos cm politica.

armas, religião, lettras*scicncias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL AGOSTO— 188?

Barão do Calvário

Diziam os antigos que o rosto é o espelho da alma, e comquanto a arte de oceultar o pensamen- to tão largamente cultivada no presente século tenha reduzido muito a importância e veracida- de d^aquelle proloquio, dão-se todavia ajnda exu- berantes provas da justiça de tão judicioso con- ceito.

Uma d'cssas provas brilhantes c concludentes tcmol-a no cidadão venerando c respeitável, cu- jos traços biographicos agrupamos no presente artigo.

Nao se pode fixar sem respeito aquclle rosto onde abunda uma gentilesa especial que não c incompatível com o pendor dos annos, porque deriva diurna consciência tranquilla que dá ao sem- blante o aspecto sereno c calmo craqucllcs for- mosos lagos da poctica Florença, onde, sem for- çar a rethorica, se pôde dizer que os astros fol- gam de retratar-sc.

As cans, que revestem a nobre cabeça do ba- rão do Calvário tem sido testemunhas de uma existência toda applicada á pratica do bem, c por isso, paraphrascando a concisa c eloquente cxhortaçao de Bonaparte aos scus^ soldados pe- rante o'maior monumento das civilisações anti- gas, se pôde dizer á sociedade contemporânea, indicando o nosso biogranhado: Do alto laquei- la fronte as mais nobres virtudes vos contemplam.

Infunde repeito e sympathia o aspecto vene- rável dVjucllc ancião que se elevou d\ima clas- se honesta mas humilde ás phalangcs da aristo- cracia, conquistando as suas esporas de ouro apostolisando o trabalho e honrando a lide afa- nosa.

O barão do Calvário c duplamente nobre : de- ve os arminhos á munificência régia, mas con- quistou os também com o exemplo, que c o mais eloquente apostolado, o santo c salutar princi- pio do trabalho.

Dizia Cícero que se o que fazemos não é pro- veitoso â sociedade, inútil c o esforço e a lida. O barão do Calvário tem seguido este preceito, sendo sempre mil aos seus irmãos c â pátria, onde abriu os olhos á luz da existência.

Dando lhe ingresso no patriciado portuguez o monarcha que o distinguiu praticou um acto de justiça e um bom serviço; porque honrou o mais nobre exemplo do trabalho activo c da perse- verança honesta.

Nasceu o barão do Calvário, Manuel Pereira da Silva, na freguezia de S. Mamede de Villa Verde do concelho de Felgueiras aos 16 de ju- nho de i8i3, devendo o $er a uma família ho- nesta de lavradores pouco abastados, mas muito bem conceituados nas freguezias de Santa Christi- na de Felgueiras, do concelho d'Amarantc c de S. Mamcac de Felgueiras.

Todos sabem quanto dolorosa ca existência dos pequenos lavradores provincianos. Os tributos cxaggerados por um lado; as dissenções politi- cas por outro, principalmente no primeiro quar- tel do corrente século, expõem aquclla prestimo- sa classe ás mais rudes provações.

Os mais d'elles para manterem o nome hon- rado que deriva sempre de um proceder correc- to, tem de se impor os mais árduos sacrifícios não sendo por certo o menos considerável a ne- cessidade cie se apartarem de seus filhos, para lhes facultar meios de conquistarem um futuro mais prospero, do que lhes pode facultar os li- mitados horisontes da sua industria.

Os paes do barão do Calvário tiveram de pas- sar por este doloroso transe. Como tantos ou- tros viram seu filho aos 14 annos abandonar o torrão natal, para ir ás terras de Santa Cruz cm busca da prosperidade c da ventura, que a clles não fora dado encontrar na pátria.

Km 1827 embarcou, pois, Manuel Pereira da Silva para a Bahia, apartando-sc com profunda iruigua, d'aquclles a quem devia o ser e que lhe tinham inoculado na alma de adolescente os se- veros princípios da honra e da dignidade que nunca se estérilisaram, antes se tem desentra- nhado cm fruetos opimos c reilectido cm todos os actos da sua activa e utilíssima existência.

Quem contempla o triumphador, raro faz jus- tiça lis amarguras porque transitou^ e ás dores que lhe comprimiram antes o coração.

Assim succcdc com esses cidadãos que voltam abastados â pátria, onde vem procurar o repou- so, provando principalmente" que o amor filial não e uma utopia.

Quaes foram as amarguras, as contrariedades c vicissitudes porciuc passou esse adolescente de 14 annos, lançando-se na senda tão aventurosa do commercio cm terra estranha, orphanado do amor dos seus, soffrendo a nostalgia da pátria c dos aflectos puríssimos não é possível dizei o no curto espaço doestas limitadas paginas.

A narrativa' das vicissitudes porque passa o

n

O LIVRO DE OURO

lliogvaphias dos personagens mais distinctos cm politica,

armas, religião, let trás," scicncias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO 1 —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGA!. E BRAZIL AGOSTO — 1885

Barão do Calvário

Diziam os antigos que o rosto é o espelho da alma, e comquanto a arte dc occultar o pensamen- to tão largamente cultivada no presente século tenha reduzido muito a importância e veracida- de d'aquellc proloquio, dão-se todavia ainda exu- berantes provas da justiça dc tão judicioso con- ceito.

Uma d'essas provas brilhantes c concludentes tcmol-a no cidadão venerando c respeitável, cu- jos traços biographicos agrupamos no presente artigo.

Nao se pódc fixar sem respeito aquclle rosto onde abunda uma gentilesa especial que não ó incompatível com o pendor dos annos, porque deriva d'uma consciência tranquilla que dá ao sem- blante o aspecto sereno c calmo d'aquellcs for- mosos lagos da poética Florença, onde, sem for- çar a rethorica, se pódc dizer que os astros fol- gam de retratar-sc.

As cans, que revestem a nobre cabeça do ba- rão do Calvário tem sido testemunhas de uma existência toda applicada á pratica do bem, c por isso, paraphraseando a concisa e eloquente exhortacao dc Bonaparte aos seus soldados pe- rante o maior monumento das civilisaçõcs anti- gas, se pôde dizer á sociedade contemporânea, indicando o nosso biographado: Do alto d'aquel- la fronte as mais nobres virtudes vos contemplam.

Infunde repeito c sympathia o aspecto vene- rável d'aqucllc ancião que se elevou d'uma clas- se honesta mas humilde ás phalanges da aristo- cracia, conquistando as suas esporas dc ouro apostolisando o trabalho e honrando a lide afa- nosa.

O barão do Calvário e duplamente nobre : de- ve os arminhos á munificência regia, mas con- quistou os também com o exemplo, que c o mais eloquente apostolado, o santo c salutar princí- pio do trabalho.

Dizia Cicero que se o que fazemos não é pro- veitoso á sociedade, inútil c o esforço e a lida. O barão do Calvário tem seguido este preceito, sendo sempre útil aos seus irmãos c á patria, onde abriu os olhos á luz da existência.

Dando lhe ingresso no patriciado portuguez o monarcha que o distinguiu praticou um acto de justiça e um bom serviço; porque honrou o mais nobre exemplo do trabalho activo e da perse- verança honesta.

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Nasceu o barão do Calvario, Manuel Pereira da Silva, na freguezia dc S. Mamede dc Villa Verde do concelho dc Felgueiras aos 16 de ju- nho de j8i3, devendo o $er a uma família ho- nesta dc lavradores pouco abastados, mas muito bem conceituados nas freguezias de Santa Christi- na dc Felgueiras, do concelho d'Amarantc e dc S. Mamede dc Felgueiras.

Todos sabem quanto dolorosa é a existência dos pequenos lavradores provincianos. Os tributos exaggerados por um lado; as dissenções politi- cas por outro, principalmente no primeico quar- tel do corrente século, expõem aquclla prestimo- sa classe ás mais rudes provações.

Os mais d'elles para manterem o nome hon- rado que deriva sempre dc um proceder correc- to, tem dc se irr.por os mais árduos sacrifícios não sendo por certo o menos considerável a ne- cessidade ae se apartarem dc seus filhos, para lhes facultar meios dc conquistarem um futuro mais prospero, do que lhes pódc facultar os li- mitados horisontes aa sua industria.

Os paes do barão do Calvario tiveram de pas- sar por este doloroso transe. Como tantos ou- tros viram seu filho aos 14 annos abandonar o torrão natal, para ir ás terras dc Santa Cruz cm busca da prosperidade c da ventura, que a clles não fora dado encontrar na patria.

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Km 1827 embarcou, pois, Manuel Pereira da Silva para a Bahia, apartando-sc com profunda magua, d'aquelles a quem devia o ser e que lhe tinham inoculado na alma dc adolescente os se veros princípios da honra e da dignidade que nunca se estérilisaram, antes se tem desentra- nhado cm fructos opimos c reilcctido em todos os actos da sua activa e utilissima existência.

Quem contempla o triumphador, raro faz jus- tiça ás amarguras porque transitou^ e ás dores que lhe comprimiram antes o coração.

Assim succcdc com esses cidadãos que voltam abastados á patria, onde ven^ procurar o repou- so, provando principalmente* que o amor filial não é uma utopia.

Quaes foram as amarguras, as contrariedades e vicissitudes porque passou esse adolescente de 14 annos, lançanuo-se na senda tão aventurosa do commcrcio cm terra estranha, orphanado do amor dos seus, soffrendo a nostalgia da patria c dos aífcctos puríssimos não é possível dizei o no curto espaço doestas limitadas paginas.

A narrativa' das vicissitudes porque passa o

;>4 O LIVRO DE OURO

ex-patriado dariam um poema vasto, a que o nos- so débil intellecto se não atreve. Diremos ape- nas que durante vinte e cinco annos o futuro ba- rão do Calvário sobrenadou no oceano cPessas vicissitudes logrando por fim conquistar uma po- sição independente e nobremente merecida.

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Em 5 de abril de 184o aos trinta e dois annos de edade uniu-se pelos laços matrimoniaes á ex.m* sr.a D. Rosa Adelaide' Leal da Silva, natu- ral da cidade de Penafiel.

Este consorcio é ainda uma prova dos patrió- ticos intentos do barão do Calvário.

É sabido que ao moço europeu, que no Bra- sil conquista bons créditos e se abre uma car- reira prospera nunca faltam ailianças dinheirosas com as famílias mais distinctas indígenas. Exis- te mesmo um pronunciado empenho dos natu- raes em prender alli os estranhos que adquirem fortuna e conquistam bom nome.

O barão do Calvário escolheu, porem, uma conterrânea, porque não quer que laço algum o isole da pátria. Nobre exemplo bem digno de fi- gurar entre as acções gloriosas dos homens de Plutarcho !

A cidade da Bahia fora o local escolhido peio nosso biographado para encetar a sua carreira commercial e devemos dizer que não passou lar- go espaço em adquirir geraes sympathias não só dos compatrícios, mas também dos índigenas e dos estrangeiros que com elle se relacionavam. O seu nome foi considerado em todas as praças do império e procurava-se com afinco estar em relações com um cavalheiro que se distinguia por correcto entre os mais correctos.

Foi alli que elle provou quanto nobre filho é de Portugal, porque honrando o seu nome glo- riava a terra onde nascera.

A reputação de honesto e prestante deulhe logar proeminente no commercio bahiano, sen- do nomeado director de um estabelecimento ban- cário, que era o primeiro da província, denomi- nado Caixa Commercial da 'Bahia.

Não se presuma, porem, que só as institui- ções produetivas ^mereciam a applicação da sua actividade enérgica.

TSo bondoso como activo, os institutos piedo- sos também lhe inspiravam affecto entranhado e fervorosa dedicação; por isso exerceu diversos cargos na ordem 3.* de S. Francisco e nas con- frarias do Santíssimo Sacramento e Nossa Se- nhora da Conceição da Praia, da dita cidade, ás quaes prestou relevantíssimos e inolvidáveis ser- viços, fazendo as florescer e animar.

_ Assim o entendeu por vezes a imprensa ba- hiana, tecendo ao illustre cidadão os mais levan- tados e eloquentes panegyricos.

m Se fora filho piedoso foi cônjuge modelo. Do

seu matrimonio houve cinco filhos aos quaes pro- fessou extremoso affecto.

É ainda esta uma prova da bondade da sua alma. Os corações sensiveis formam uma plêia- de gloriosa, e não ha coração sensível que não adore esses pequeninos seres, que são como que as vergonteas da sociedade futura.

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Em i85 ia nostalgia da pátria grangeou-lhe uma enfermidade grave que o obrigou a retirar para^Portugal com sua família.

Não se ausentou, porem, d^aquella terra onde havia passado os melhores annos da existência, e onde adquirira fortuna quantiosa com labor continuo, sem se lembrar dos desventurados e sem manifestar generosamente essa lembrança. t Antes de embarcar para a Europa fez dona-

tivo de 2:000^000 de reis ao hospício dos me- ninos orphãos de S. José e distribuiu considerá- veis oflertas aos numerosos afilhados, que con- tava na Baliia, porque a sua apadrinhacão era sollicitada com ardor.

É um dos característicos dNíste cavalheiro não deixar sem beneficio os desvalidos que tem a summa ventura de appellar para a magnanimida- de do seu coração e não é por certo este o me- nos louvável e digno de registo.

é>

Chegado a Portugal fixou residência em Pe- nafiel onde comprou differentes propriedades, convertendo uma d'ellas cm principesca habita- ção, onde reside, sendo d'essa propriedade, deno- minada quinta do Calvário, que lhe provém o titulo que usa.

E devemos dizel-o, poucos como este distincto cavalheiro sabem fazer honra aos títulos fidalgos.

La noblesse oblige diz o rifão; e o barão do Calvário comprehende perfeitamente as obriga- ções da nobresa, honrando a aristocracia portu- gueza de que é um dos membros mais presti- mosos.

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34 O LIVRO DE OURO

ex-patriado dariam um poema vasto, a que o nos- so débil intellecto se não atreve. Diremos ape- nas que durante vinte e cinco annos o futuro ba- rão do Galvario sobrenadou no oceano d'essas vicissitudes logrando por fim conquistar uma po- sição independente e nobremente merecida.

Em 5 de abril de iSq5 aos trinta e dois annos de edade uniu-se pelos laços matrirnoniaes á ex.ml sr.* D. Rosa Adelaide Leal da Silva, natu- ral da cidade de Penafiel.

Este consorcio é ainda uma prova dos patrió- ticos intentos do barão do Calvário.

É sabido que ao moço europeu, que no Bra- sil conquista bons créditos e se abre uma car- reira prospera nunca faltam allianças dinheirosas com as famílias mais distinctas indígenas. Exis- te mesmo um pronunciado empenho dos natu- raes em prender alli os estranhos que adquirem fortuna e conquistam bom nome.

O barão do Galvario escolheu, porem, uma conterrânea, porque não quer que laço algum o isole da patria. Nobre exemplo bem digno de fi- gurar entre as acções gloriosas dos homens de Plutarcho!

A cidade da Bahia fora o local escolhido pelo nosso biographado para encetar a sua carreira commercial e devemos dizer que não passou lar- go espaço em adquirir geraes sympathias não só dos compatrícios, mas também dos indígenas e dos estrangeiros que com elle se relacionavam. O seu nome foi considerado em todas as praças do império e procurava-se com afinco estar êm relações com um cavalheiro que se distinguia por correcto entre os mais correctos.

Foi alli que elle provou quanto nobre filho é de Portugal, porque honrando o seu nome glo- riava a terra onde nascera.

A reputação de honesto e prestante deu-lhe logar proeminente no commercio bahiano, sen- do nomeado director de um estabelecimento ban- cário, que era o primeiro daprovincia, denomi- nado Caixa Commercial da cÈahia.

Não se presuma, porem, que só as institui- ções productivas 'mereciam a applicaçao da sua actividade enérgica.

Tão bondoso como activo, os institutos piedo- sos também lhe inspiravam affecto entranhado e fervorosa dedicação; por isso exerceu diversos cargos na ordem 3.* de S. Francisco e nas con- frarias do Santíssimo Sacramento e Nossa Se- nhora da Conceição da Praia, da dita cidade, ás quaes prestou relevantíssimos e inolvidáveis ser- viços, fazendo as florescer e animar.

Assim o entendeu por vezes a imprensa ba- hiana, tecendo ao illustre cidadão os mais levan- tados e eloquentes panegyricos.

Se fòra filho piedoso foi cônjuge modelo. Do seu matrimonio houve cinco filhos aos quaes pro- fessou extremoso affecto.

E ainda esta uma prova da bondade da sua alma. Os corações sensíveis formam uma plêia- de gloriosa, e não ha coração sensível que não adore esses pequeninos seres, que são como que as vergonteas da sociedade futura.

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Em i S51 a nostalgia da patria grangeou-lhe uma enfermidade grave que o obrigou a retirar para Portugal com sua família.

Não se ausentou, porem, d'aquella terra onde havia passado os melhores annos da existência, e onde adquirira fortuna quantiosa com labor continuo, sem se lembrar aos desventurados e sem manifestar generosamente essa lembrança.

Antes de embarcar para a Europa fez dona- tivo de 2:ooo£ooo de réis ao hospício dos me- ninos orphaos de S. José e distribuiu considerá- veis oífertas aos numerosos afilhados, que con- tava na Bahia, porque a sua apadrinhação era sollicitada com ardor.

É um dos característicos d^ste cavalheiro não deixar sem beneficio os desvalidos que tem a summa ventura de appellar para a magnanimida- de do seu coração e não é por certo este o me- nos louvável e digno de registo.

Chegado a Portugal fixou residência em Pe- nafiel onde comprou differentes propriedades, convertendo uma d'ellas cm principesca habita- ção, onde reside, sendo d'essa propriedade, deno- minada quinta do Calvário, que lhe provém o titulo que usa.

E devemos dizel-o, poucos como este distincto cavalheiro sabem fazer honra aos titulos fidalgos.

La noblesse oblige diz o rifão; e o barão do Galvario comprehende perfeitamente as obriga- ções da nobresa, honrando a aristocracia portu- gueza de que é um dos membros mais presti- mosos.

•y O LIVRO t>E OURO 35

Portugal deve muito áquclles de seus filhos que vão lá fora laboriosamente, sob a dura so- ga do trabalho continuo grangear a fortuna e a prosperidade que na Patna se não encontra.

Portugal deve muito a esses homens, grande parte dos quaes morrem obscuros e ignorados, deixando apenas memorada a enorme paixão que aterra natural lhes inspirou,nalgum monumento que só os conterrâneos apreciam.

Muitos templos consagrados pela piedade popu- lar e que os poderes públicos deixaram desman- telar por esse atroz iconoclasta que se chama o tempo tem sido pairioticamente restaurados pe- los brasileiros.

W necessário dizer se. Na província existe um typo especial designado por este epitheto. O bra- sileiro desde Melgaço até Coimbra que é o má- ximo espaço alTectado pela febre da emigração, o vocábulo brasileiro, dizemos, não significa es- pecialmente o natural do império americano que Portugal fez incluir na carta geographíca do sé- culo xvi, a palavra brasileiro designa o homem que foi ás terras de Santa Cruz colher fortuna para derramar na sua pátria ; e devemos dizel-o, um concerto de benções acompanha sempre es- te vocábulo; porque nas províncias do norte não ha fabrica, não ha ofíicina, não ha egreja, não ha escola, não ha asylo, que não deva aos bra- sileiros a totalidade ou pelo menos a parte má- xima da sua construcção ou fundação.

N^estc ponto o barão do Calvário não só tem seguido escrupulosamente a tradição, mas avan- tajou-se roesse tributo porque as obras a que vin- culou seu nome são magestosas e de superna valia.

v& ۥ

Regressando á pátria o íllustre barão do Cal- vário fundou uma fabrica na terra de seus maio- res, isto é, na visinhança de Amarante, na fre- guezía de Pedronello.

Mal sabe, quem anda distanciado do movimen- to industrial, quanta coragem é necessária ao fundador de uma empreza doestas, onde se tem de luetar primeiro com o desconhecimento dos trabalhos fabris e em segundo com a reluctan- cia natural dos que trabalham para entrarem n\ima industria nova.

O provinciano portuguez c por índole e por costume pessimista. Em todos os cmprehendi- mentos novos prophetisa um mau futuro e infe- lizmente os factos justificam as mais das vezes estas apprehensoes.

O barão do Calvário não se embaraçou porém com este e outros entraves que se lhe oiíere- ceram; pelo contrario, mostrou-sc visionário e intransigente, luetou contra as apprehensoes, venceu as difficuldades e montou a fabrica, fun- dando a firma social Garcia Ribeiro & C* de que elle era o principal elemento; porque fornecera o capital necessário, substituindo-sc esta em I86<J pela firma Pereira & Costa, da qual o nosso

biographado foi ainda o elemento mais activo c enérgico.

Hoje aquella fabrica pertence a uma socieda- de anonyma á qual o barão do Calvário forneceu a quarta parte do capital. No ramo lanifícios os seus produetos são conhecidos em todo o rei- no e tem geral acceitação.

Tão notável e benemérito emprehendimento define só por si o barão do Calvário.

O seu maior prazer é patrocinar todas as cm- prezas úteis e nascentes, dar vida e animação ás classes produetoras e á industria nacional.

E esta Índole proteccionista ê tanto mais para louvar, quanto e certo que, presentemente, as operações bancarias, o jogo de fundos, o ágio- tismo constituem por assim dizer a oceupação predilecta d^esses mimosos da fortuna.

O barão do Calvário, consagrando a maior parte dos seus avultados capitães ao desenvolvi- mento da industria nacional tornou-se credor do affecto e consideração de todos aquelles que ain- da sentem vibrar no coração a nota cnthusiasti- ca do amor pátrio e alimentam a fagueira espe- rança do rejuvenescimento doesta nação artística e aventureira, heróica e sonhadora.

m

Não ficou porém satisfeito o animo generoso do barão do Calvário com o ter aberto uma fonte ubérrima de prosperidade e receita aos povos de Pedronello.

N'cssa fonte poder-se hia ver ainda apenas um emprego de capital. O barão do Calvário quiz ir mais longe. Rasgar os horisontes da industria abrindo as portas da officina aos trabalhadores obscuros é já um enorme beneficio local, mas o barão do Calvário fez mais; abriu ao mesmo tempo de par em par as portas d\im templo novo, o templo da mstrucção, juntando ao pão material o do espirito; e pondo ao lado da ofíi- cina a escola.

Não se pôde duvidar que os apóstolos chris- tãos foram os iniciadores da civilisaçao, a cujo apogeu chegámos; hoje abrese uma era nova, um outro período que tem de ser o comple- mento da obra dos evangelistas c a cúpula indis- pensável do seu trabalho sobrehumano. Essa cú- pula é a instrucção. Os que hoje lidam por cila remontam-sc ámissão de Moysés c á do Cruci- ficado.

A instrucção é hoje o ponto capital, a ques- tão magna, o problema grandioso que todas as nações de per si procuram resolver. Instruir e construir, disse-o esse sublime poeta francez, cuja perda recente ainda hoje choram as nações; c o templo do futuro só pôde ter por alliccrce a instrucção.

O templo do ensino c a egreja moderna c os que facultam ao povo ignorante a instrucção não prestam á humanidade serviço inferior ao que lhe prestaram os que pregaram contra a disso- lução dos costumes no império romano.

35

Portugal deve muito áquelles de seus filhos que vão lá fora laboriosamente, sob a dura so- ga do trabalho continuo grangear a fortuna e a prosperidade que na Patria se não encontra.

Portugal deve muito a esses homens, grande parte dos quaes morrem obscuros e ignorados, deixando apenas memorada a enorme paixão que a terra natural lhes inspirou, n^algum monumento que só os conterrâneos apreciam.

.Muitos templos consagrados pela piedade popu- lar e que os poderes públicos deixaram desman- tellar por esse atroz iconoclasta que se chama o tempo tem sido pairioticamente. restaurados pe- los brasileiros.

P"1 necessário dizer se. Na provineia existe um typo especial designado por este epitheto. O bra- sileiro desde Melgaço até Coimbra que é o má- ximo espaço alTectado pela febre da emigração, o vocábulo brasileiro, dizemos, não significa es- pecialmente © natural do império americano que Portugal fez incluir na carta geogruphíca do sé- culo xvi, a palavra brasileiro designa o homem que foi ãs terras de Santa Cruz colher fortuna para derramar na sua patria ; e devemos dize!-o, um concerto de benções acompanha sempre es- te vocábulo; porque nas provincías do norte não ha fabrica, não ha oflicina, não ha egreja, não ha escola, não ha asylo, que não deva aos bra- sileiros a totalidade ou pelo menos a parte ma- xima da sua construcção ou fundação.

N^este ponto o barão do Cal vario não só tem seguido escrupulosamente a tradição, mas avan- tajou-se n'esse tributo porque as obras a que vin- culou seu nome são magestosas e de superna valia.

Regressando á patria o íllustre barão do Cai- vano fundou uma fabrica na terra de seus maio- res, isto é, na visínhança de Amarante, na fre- guezía de Pedronello.

Mal sabe, quem anda distanciado do movimen- to industrial, quanta coragem é necessária ao fundador de uma empreza doestas, onde se tem de lucrar primeiro com o desconhecimento dos trabalhos fabris e em segundo com a reluctan- cia natural dos que trabalham para entrarem n'uma industria nova.

O provinciano portuguez c por indole e por costume pessimista. Em todos os emprehendi- mentos novos prophetisa um mau futuro e infe- lizmente os factos justificam as mais das vezes estas apprehensões.

O barão do Calvario não se embaraçou porém com este e outros entraves que se lhe oííere- ceram; pelo contrario, mostrou-sc visionário e intransigente, luctou contra as apprehensões, venceu as difficuldades e montou a fabrica, fun- dando a firma social Garcia Ribeiro & C.a de que clle era o principal elemento; porque fornecera o capital necessário, substituindo-sc esta cm i86u pela firma Pereira & Costa, da qual o nosso

biographado foi ainda o elemento mais activo e enérgico.

Hoje aqueila fabrica pertence a uma socieda- de anonyma á qual o barão do Calvario forneceu a quarta parte do capital. No ramo lanifícios os seus productos são conhecidos em todo o rei- no e tem geral acceitação.

Tão notável e benemérito emprehendimento define só por si o barão do Calvario.

O seu maior prazer é patrocinar todas as cm- prezas úteis e nascentes, dar vida e animação ãs classes productoras e á industria nacional.

E esta indole proteccionista é tanto mais para louvar, quanto è certo que, presentemente, as operações bancarias, o jogo de fundos, o agio- tismo constituem por assim dizer a occupação predilecta dresses mimosos da fortuna,

O barão do Calvario, consagrando a maior parte dos seus avultados capitacs ao desenvolvi- mento da industria nacional tornou-se credor do aft'ecto e consideração de todos aquelles que ain- da sentem vibrar no coração a nota enthusiasn- ca do amor pátrio c alimentam a fagueira espe- rança do rejuvenescimento doesta nação artística e aventureira, heróica e sonhadora.

Não ficou porém satisfeito o animo generoso do barão do Calvario com o ter aberto uma fonte ubérrima de prosperidade e receita aos povos de Pedronello.

N'cssa fonte poder-se hia ver ainda apenas um emprego de capital. O barão do Calvario quiz ir mais longe. Rasgar os horisontes da industria abrindo as portas da officina aos trabalhadores obscuros é já um enorme beneficio local, mas o barão do Calvario fez mais; abriu ao mesmo tempo de par em par as portas d'um templo novo, o templo da mstrucção, juntando ao pão material o do espirito; e pondo ao lado da offi- cina a escola.

Não se pôde duvidar que os apostolos chris- tãos foram os iniciadores da civilisaçao, a cujo apogeu chegámos; hoje abre se uma era nova, um outro período que tem de ser o comple- mento da obra dos evangelistas c a cupula indis- pensável do seu trabalho sobrehumano. Essa cu- pula é a instrucção. Os que hoje lidam por cila remontam-sc á missão de Moysés c á do Cruci- ficado.

A instrucção é hoje o ponto capital, a ques- tão magna, o problema grandioso que todas as nações de per si procuram resolver. Instruir e construir, disse-o esse sublime poeta francez, cuja perda recente ainda hoje choram as nações; e o templo do futuro só pôde ter por alltccrce a instrucção.

O templo do ensino é a egreja moderna c os que facultam ao povo ignorante a instrucção não prestam á humanidade serviço inferior ao que lhe prestaram os que pregaram contra a disso- lução dos costumes no império romano.

36 O LIVRO DE OURO

O barão do Calvário c um apostolo da ins- trucção e a manifestação do seu afíecto â edu- cação do povo lá está também em Pedronello rfuma escola onde todos os dias se reparte o pão do espirito aos que desejam irromper as brumas da ignorância em que os nossos governos dei- xam jazer as populações ruraes.

Em face do quasi indiííerentismo ofíicial é um dever e uma honra exaltar a nobre dedicação dos que se votam sem reserva á defesa da mais nobre, da mais sympathica e salutar de todas as causas, qual é a de fazer a luz na noite do es- pirito.

Bastará pois esta manifestação de caracter ma- gnânimo do biographado para fazer o seu elogio.

Se a industria manufactureira lhe tem mereci- do estimulo e protecção, a industria agrícola não lhe è devedora de somenos interesse.

Km Penafiel construiu uma propriedade ma- gnifica e adjunto possuc um prédio rústico de que tem feito uma quinta modelo, adoptando alli os processos mais vantajosamente conhecidos para o fabrico de vinhos e para todos os outros produetos agrícolas.

No concelho de Penafiel é elle o primeiro pro- duetor de vinhos.

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N"esta propriedade teve a honra de fazer uma recepção principesca em 1872 ao sr. D. Luiz I, ao sereníssimo sr. infante D. Augusto e aos mi- nistros á frente dos quaes se encontrava então o sr. Fontes, esclarecido chefe do partido rege- nerador, no qual se acha filiado aquelle cavalheiro.

O monarcha ficou tão profundamente impres- sionado pela physionomia sympatica e veneran- do aspecto do seu hospedeiro e pelas informa- ções que d^elle colheu, que em seguida lhe con- feriu o titulo de barão do Calvário.

Estamos certos que ninguém mereceu mais o ingresso entre a aristocracia do seu paiz.

Devemos confessar porém que o agraciado não viu com bons alhos a mercê: porque preferia o modesto nome de que usava e a que ligara uma aureola de honestidade e correcção immorredou- ra, acceítando comtudo o titulo para não desgos- tar o monarcha que HVo conferiu em demonstra- ção de estima.

Km 5 de agosto de 1874, tornou a receber el-rei na sua passagem para Vidago, fazendo- lhe uma recepção das mais lisongeiras que sua magestade tem recebido, no seu transito pelas províncias.

&

Além do titulo de barão do Calvário possuc também a commenda da ordem militar de Nos- sa Senhora da Conceição de Villa Viçosa.

Devemos dizer que poucas vezes as veneras sentem palpitar um coração tão nobre e tão ri- camente dotado de virtuosos sentimentos.

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Na cidade de Penafiel d muito considerado e todas as corporações da cidade tem sollicitado a honra de possuírem o seu nome na relação dos seus associados; as instituições de caridade tem comtudo merecido as suas especiaes attençoes.

Assim, foi um provedor exemplar da Miseri- córdia, cujos benefícios por muito conhecidos ê inútil encarecer; exerceu diversos cargos na or- dem Terceira de S. Francisco, á qual tem pres- tado relevantes serviços; e é presidente da so- ciedade de S. Vicente de Paula e Nossa Senho- ra do Rosário, que prestam soccorros muito in- teressantes a diversos infortúnios.

<k

Em 1S78, os seus concidadãos querendo pro- var-lhc quanto o consideram e apreciam as suas raras virtudes, elegeram-no para o primeiro lo- gar da camará municipal de Penafiel; porém a sua modéstia, que lhe eguala o merecimento, c uma deficiência injustificada, levaram-no a recu- sar o cargo saindo pela tangente da edade, que, segundo a lei, lhe permitte esquivar-se aos car- gos de confiança publica.

Foi mal para Penafiel porque a sua diligencia no município devia ser profícua e muito vanta- josa.

Está a concluir a nossa missão e devemos con- fessar que poucas vezes temos tido de nos oc- cupar de um vulto que tanto merecesse a nossa sympathia.

Afável como poucos, agradável para todos, consolador para os afllictos, provídente para o*> necessitados ; falia como amigo e aconselha como pae. Eis os traços finaes que podemos dar nVs- te quadro que devia ser uma verdadeira apo- theose se essa não existisse na consciência do bem que faz c do muito que merece.

Eis o levantado exemplo de bons cidadãos que hoje olferecemos aos nossos leitores, sentindo não ter os merecimentos de Plutarcho para tor- nar completo este tributo da nossa admiração que é a svmhese dos sentimentos da geração coeva.

TV!'. MATTOS MflUMPA -- V1M0A l>OS t»F«-T»l RADORFt, lí E l'i

36 O LIVRO DE OURO

O barão do Calvario c um apostolo da ins- truccão e a manifestação do seu aííecto á edu- cação do povo lá está também em Pedronello n'uma escola onde todos os dias se reparte o pão do espirito aos que desejam irromper as brumas da ignorância em que os nossos governos dei- xam jazer as populações ruraes.

Em face do quasi indiííerentismo official é um dever e uma honra exaltar a nobre dedicação dos que se votam sem reserva á defesa da mais nobre, da mais sympathica e salutar de todas as causas, qual é a de fazer a luz na noite do es- pirito.

Bastará pois esta manifestação de caracter ma- gnânimo do biographado para fazer o seu elogio.

Além do titulo de barão do Calvario possuo também a commenda da ordem militar de Nos- sa Senhora da Conceição de Villa Viçosa.

Devemos dizer que poucas vezes as veneras sentem palpitar um coração tão nobre e tão ri- camente dotado de virtuosos sentimentos.

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Se a industria manufactureira lhe tem mereci- do estimulo e protecção, a industria agrícola não lhe é devedora de somenos interesse^

Em Penafiel construiu uma propriedade ma- gnífica e adjunto possue um prédio rústico de que tem feito uma quinta modelo, adoptando alli os processos mais vantajosamente conhecidos para o fabrico de vinhos e para todos os outros productos agrícolas.

No concelho de Penafiel é elle o primeiro pro- ductor de vinhos.

N'esta propriedade teve a honra de fazer uma recepção principesca em 1872 ao sr. D. Luiz I, ao sereníssimo sr. infante D. Augusto e aos mi- nistros á frente dos quaes se encontrava então o sr. Fontes, esclarecido chefe do partido rege- nerador, no qual se acha filiado aquelle cavalheiro.

O monarcha ficou tão profundamente impres- sionado pela physionomia sympatica e veneran- do aspecto do seu hospedeiro e pelas informa- ções que d'elle colheu, que em seguida lhe con- feriu o titulo de barão do Calvario.

Estamos certos que ninguém mereceu mais o ingresso entre a aristocracia do seu paiz.

Devemos confessar porém que o agraciado não viu com bons alhos a mercê; porque preferia o modesto nome de que usava e a que hgára uma aureola de honestidade e correcção immorredou- ra, acceitando comtudo o título para não desgos- tar o monarcha que HLo conferiu em demonstra- ção de estima.

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Km 5 de agosto de 1874, tornou a receber el rei na sua passagem para Vidago, fazendo- lhe uma recepção das mais lisongeiras que sua magestade tem recebido, no seu transito pelas províncias.

Na cidade de Penafiel e muito considerado e todas as corporações da cidade tem sollicitado a honra de possuírem o seu nome na relação dos seus associados; as instituições de caridade tem comtudo merecido as suas especiaes attenções.

Assim, foi um provedor exemplar da .Miseri- córdia, cujos benefícios por muito conhecidos c inútil encarecer; exerceu diversos cargos na or- dem Terceira de S. Francisco, á qual tem pres- tado relevantes serviços; e é presidente da so- ciedade de S. Vicente de Paula e Nossa Senho- ra do Rosario, que prestam soccorros muito in- teressantes a diversos infortúnios.

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Em 1S78, os seus concidadãos querendo pro- var-lhe quanto o consideram e apreciam as suas raras virtudes, elegeram-no para o primeiro lo- gar da camara municipal de Penafiel; porém a sua modéstia, que lhe eguala o rricrecimento, e uma deficiência injustificada, levarnm-no a recu- sar o cargo saindo pela tangente da edade, que, segundo a lei, lhe permitte esquivar-se aos car- gos de confiança publica.

Foi mal para Penafiel porque a sua dil igencia no município devia ser profícua e muito vanta- josa.

Está a concluir a nossa missão e devemos con- fessar que poucas vezes temos tido de nos oc- cupar de um vulto que tanto merecesse a nossa sympathia.

* Afável como poucos, agradavel para todos, consolador para os afilictos, providente para os necessitados; falia como amigo e aconselha como pae. Eis os traços finaes que podemos dar n''es- te quadro que devia ser uma verdadeira apo- theose se essa não existisse na consciência do bem que faz c do muito que merece.

Eis o levantado exemplo de bons cidadãos que hoje olferecemos aos nossos leitores, sentindo não ter os merecimentos de Plutarcho para tor- nar completo este tributo da nossa admiração que é a svmhese dos sentimentos da geração coeva.

T\T. MATTO® MTWMPA -- 1'RACA l»OS t»F»T»l RAfXlPT-, lí E :'i

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O LIVRO DE OURO TSiographias dos personagens mais distiuctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

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ANNO I —VOt.tJMK I PUBtJCAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL OUTUBRO — i SS5

Ur. Luiz Jardiml

Lucidez, bondade, desinteresse, constante bom humor, pasmosa estabilidade physjca, taes são as feições salientes, por que se distingue e recom- menda o dr. Luiz Leite Pereira Jardim.

Opulento de bens de fortuna, riquíssimo de dores cívicos e intellectuaes, todo o paiz o co- nhece, todos os grupos sociaes o estimam; e sem hvperbole se pôde afilrmar que c um dos homens mais populares e distinctos de Portugal. Da in- teireza do seu caracter, das qualidades do seu coração, das provas do seu talento, dão testimu- nho todos os seus amigos e admiradores.

O dr. Luiz Jardim está ainda na força da vi- da, na ilorescencia genial das suas faculdades. Tão-enérgico assim como intclligente e laborio- so, logo á primeira vista impressiona pela serie- dade do seu aspecto e pelo fulgor sereno do seu olhar. De physionomia expressiva e insinuante, de fronte desassombrada e límpida, allia a in- comparável modéstia, as mais correctas e aris- tocráticas maneiras, que exalçam as nobres qua- lidades e tradições de sua illustre familia, tradi- ções que honra constantemente dando as mais irrecusáveis provas da cultura aprimorada do seu espirito.

Onde nasceu, quando, de quem descende, tu- do isso nos não importa n'este momento. Não é nosso intuito apresentar aqui, em forma de cer- tidão, todos os accessorios da sua existência. Para dar, n'esta galeria, um solemne testemunho do cmanto sabemos apreciar e respeitar as bellas qualidades de tão distincta individualidade, jul- gamos não ser necessário ir fazer exeavações por entre um arvoredo de antigas genealogias nem tão pouco penetrar longas abobadas sepulchraes, cheias de ossos volvidos cinzas, mesmo porque n'esta época de solemnes reivindicações que va- mos atravessando, já não subsistem nem glorias nem ignominias reflexas.

áfe

O dr. Luiz Jardim, filho do visconde de Mon- tc-São, nasceu em berço amimado de confortos, brincou sobre macias alfombras, e foi, desde a infância, alvo dos mais aífectuosos e acrysolados disvellos.

' A biographia que vac ler-te c reproducçáo de uma outra lia tempos escripta pelo actual director do *Ltvro de Ouro- c inserti n'uma publica- ção biographka, de lisbo».

Seu pae, homem de rija tempera, trabalhador emérito e infatigável, educouo esmeradamente, com afhnco, com devoção, na doce e bem fun- dada esperança de que lhe abria uma carreira brilhante.

K a semente dos paternaes esforços não caiu em terreno estéril. Ainda na mais verde moci- dade, na quadra em que os lineamentos do espi- rito se desenham vagamente na maioria das m- telligencias juvenis, o dr. Luiz Jardim começou a denunciar inclinação fervorosa para o estudo, talento especulativo, e um juizo lirme e sagaz, admiravelmente adaptado para as soluções da vida moderna.

Logo ao sair da adolescência, no alvorecer da mocidade se tornou eminente pelo seu talento, assídua applicação, honradez inquebrantável e, sobretudo, grande força de vontade para o tra- balho constante e fecundo.

E no emtanto, não deixou de pagar o tributo as folganças da juventude, ã alegre bohemia de Coimbra, aos doces enlevos do poético Mon dego.

O dr. Luiz Jardim, o futuro lente, o erudito publicista, o benemérito philantropo, também se alistou n'essas legiões numerosas de rapazes ar- dentes, irrequietos, desordenados e tumultuosos como as ondas que se agitam incertas, ao sopro dos vários ventos no oceano, mas que levam os navios a portos, que tantas vezes abastecem de fortuna e prosperidades.

Comtudo, já nesses dias folgados da juventu- de o vemos instituir na Figueira da Foz uma Associação Naval, cujos estatutos approvados nas estações superiores ainda hoje governam aquella agremiação, de que o dr. Jardim foi eleito pre- sidente;^ logo depois, em Coimbra, com J. J. de Mendonça Cortez, nrganisar ali uma escola de tiro e jogo d*armas, que viveu durante alguns annos.

A sua imaginação viva e ardente, fazia lhe por vezes esquecer os commentarios do código, e li- brar-se em altaneiro voo ás regiões do ideal.

Durante a sua mocidade académica, no decur- so dos seus diíficeis estudos, em que foi laureado pelo assentimento dos rivaes e pelo voto dos pro- fessores, o dr. Luiz Jardim deu livre curso ás suas poderosas faculdades, escrevendo e publi- cando varias composições poéticas. A arte ine- bria va-o; a gloria seduzia o. Os seus versos, dis- persos por diíferentes publicações litterarias, são cheios de bellas imagens originaes e de um sen- timento delicado e oriental. Conhecemos-lhe tre- chos de poesia parnasiana â altura das melhores no género de Sully e Copée.

O seu delicado e gracioso engenho lembra

O LIVRO DE OURO

7Hographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sc iene ias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO | — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL OUTUBRO — jSS5

llr. Luiz Jardim1

Lucidez, bondade, desinteresse, constante bom humor, pasmosa estabilidade physica, taes são as feições salientes, por que se distingue e recom- mend» o dr. Luiz Leite Pereira Jardim.

Opulento de bens de fortuna, riquíssimo de dotes civicos e intellectuaes, todo o paiz o co- nhece, todos os grupos sociaes o estimam; e sem hvperbole se pôde aftirmar que c um dos homens mais populares e distinctos de Portugal. Da in- teireza do seu caracter, das qualidades do seu coração, das provas do seu talento, dão testímu- nho todos os seus amigos e admiradores.

O dr. Luiz Jardim está ainda na força da vi- da, na ilorescencia genial das suas faculdades. Tão-enérgico assim como intelligente e laborio- so. logo á primeira vista impressiona pela serie- dade do seu aspecto e pelo fulgor sereno do seu olhar. De pbysionomia expressiva e insinuante, de fronte desassombrada e límpida, allia a in- comparável modéstia, as mais correctas e aris- tocráticas maneiras, que exalçam as nobres qua- lidades e tradições de sua illustre família, tradi- ções que honra constantemente dando as mais irrecusáveis provas da cultura aprimorada do seu espirito.

Onde nasceu, quando, de quem descende, tu- do isso nos não importa n'este momento. Não é nosso intuito apresentar aqui, em fórma de cer- tidão, todos os accessorios da sua existência. Para dar, n'esta galeria, um solemne testemunho do quanto sabemos apreciar e respeitar as bellas qualidades de tão distincta individualidade, jul- gamos não ser necessário ir fazer exeavações por entre um arvoredo de antigas genealogias nem tão pouco penetrar longas abobadas sepulchraes, cheias de ossos volvidos cinzas, mesmo porque n'esta época de solemnes reivindicações que va- mos atravessando, já não subsistem nem glorias nem ignominias reflexas.

O dr. Luiz Jardim, filho do visconde de Mon- te-São, nasceu em berço amimado de confortos, brincou sobre macias alfombras, e foi, desde a infancia, alvo dos mais affectuosos e acrysolados disvellos.

1 A bioeraphi* que vac !er-tc c reproducçáo áe uma outra lia tempos escripta peio actual director do «Livro de Ouro» c inserta n'uma publica- ção biographies, de Lisboa.

Seu pae, homem de rija tempera, trabalhador emérito e infatigável, educou-o esmeradamente, com aífinco, com devoção, na doce e bem fun- dada esperança de que lhe abria uma carreira brilhante.

K a semente dos paternaes esforços não caiu em terreno esteril. Ainda na mais verde moci- dade, na quadra em que os lineamentos do espi- rito se desenham vagamente na maioria das in- telligencias juvenis, o dr. Luiz Jardim começou a denunciar inclinação fervorosa para o estudo, talento especulativo, e um juizo lirme e sagaz, admiravelmente adaptado para as soluções da vida moderna.

Logo ao sair da adolescência, no alvorecer da mocidade se tornou eminente pelo seu talento, assidua applicação, honradez inquebrantável e, sobretudo, grande força de vontade para o tra- balho constante e fecundo.

E no emtanto, não deixou de pagar o tributo às folganças da juventude, á alegre bohemia de Coimbra,' aos doces enlevos do poético Mon dego.

O dr. Luiz Jardim, o futuro lente, o erudito publicista, o benemérito philantropo, também se alistou n'essas legiões numerosas de rapazes ar- dentes, irrequietos, desordenados e tumultuosos como as ondas que sc agitam incertas, ao sopro dos vários ventos no oceano, mas que levam os navios a portos, que tantas vezes abastecem de

, fortuna e prosperidades. Comtudo, já n'esses dias folgados da juventu-

de o vemos instituir na Figueira da Foz uma Associação Naval, cujos estatutos approvados nas estações superiores ainda hoje governam aquella agremiação, de que o dr. Jardim foi eleito pre- sidente;^ logo depois, em Coimbra, com J. J. de Mendonça Cortez, nrganisar ali uma escola de tiro e jogo d'arnias, que viveu durante alguns annos.

A sua imaginação viva e ardente, fazia-lhe por vezes esquecer os commentarios do codigo, e li- brar-se em altaneiro voo ás regiões do ideal.

Durante a sua mocidade académica, no decur- so dos seus difficeis estudos, em que foi laureado pelo assentimento dos rivaes e pelo voto dos pro- fessores, o dr. Luiz Jardim deu livre curso ás suas poderosas faculdades, escrevendo e publi- cando varias composições poéticas. A arte inc-

' briava-o; a gloria seduzia o. Os seus versos, dis- persos nor diíferentes publicações litterarias, são cheios de bellas imagens originaes e de um sen- timento delicado e oriental. CÍonhecemos-lhe tre- chos de poesia parnasiana á altura das melhores no genero de Sully e Copée.

O seu delicado e gracioso engenho lembra

38 O LIVRO DE OURO

por vezes, certas ílures que nos deliciam menos pela viveza do colorido do que pela suavidade do perfume.

Durante a sua permanência na lusa Athenas, escreveu muitos artigos de critica litteraria e ar- tística, em vários jornaes de Coimbra, Lisboa e Porto, aftirmando sempre a sua admirável com- Eetencia para este género de litteratura, a que a

clleza e o esplendor da forma accrescentavam o valor, dando-lhe realce. Para se reconhecer o verdade dVsta aflirmatíva, basta consultarem se os seguintes jornaes: <Viario SMercantil, do Porto; Correio de Lisboa; Revista de Coimbra; Tribuno Topular; Liberdade; Commercio de Coimbra, que fundou com o conselheiro Men- donça Cortez; Revista de Coimbra, que fundou com Guimarães Fonseca-, Instituto; Nacional do Porto y Jornal do Commercio; Diário Popu- lar; QA Tribuna, de Lisboa, etc.

Na Universidade foi um estudante distincto, entremos mais distinctos. Em seguida ã sua dou- toração em direito, obteve em brilhante concurso uma cadeira no magistério da referida facul- dade.

Aos vinte e cinco annos, era pois, o dr. Luiz Jardim lente da faculdade de direito, onde du- rante sete annos regeu diíferentes disciplinas, com a elevada proficiência do seu talento e do seu estudo.

Se a fortuna lhe não tivesse travado do braço para o conduzir ás eminências de uma invejável posição social, teria sido um dos ornamentos do professorado no primeiro estabelecimento scien- tifico do paiz. Apaixonado pelo estudo das scien- cias sociaes, inalterável no amor do trabalho, que é esta ainda hoje a feição mais predomi- nante do seu caracter, quem' sabe até onde po- deria levar o sentir vivo, e a paixão do estudo?

O destino não quiz, porem, que elle conti- nuasse a honrar o magistério da Universidade, e obrigou o a deixar a sua cadeira, não para se entregar aos ócios que lhe proporcionava a ri- queza, mas para collocar a sua actividade, os seus esforços e o seu talento ao serviço da mais generosa de todas as causas — a dos famintos de pão e a dos famintos de luz.

Cheio d^sra piedosa devoção cívica, estuda constantemente no remanso do seu gabinete, os problemas de administração, de economia poli- tica, de direito publico, em suas variadas applica- ções praticas, dando á estampa, sobre estes as- sumptos, notáveis e apreciabilissimos trabalhos.

Nas primícias da mocidade ou no fastigio da opulência, o dr. Jardim tem sido sempre o mesmo homem: nobre pelos impulsos da bon- dade ingenita: respeitável pelo trabalho e pela virtude.

Jg&S.

De todas as instituições sociaes ê a instrucção a que mais deve prender o cuidado dos que* se interessam pelo progresso dos povos. É o meio pelo qual a humanidade transmute a sua riqueza

intellectual ás gerações que se suecedem. E se c certo que as plantas se estiolam pela ausência de luz, não c menos verdadeiro que os cérebros se atrophiam pela falta de instrucção. Por obvia e por essencial haveria quasi pejo em fazer reim- primir pela milionessima vez esta verdade, se tantos e tão graves factos não estivessem com- provando que os administradores dos destinos públicos ou lhe não dão importância, ou não crêem n'clia absolutamente, ou imaginam talvez que a illustração do povo é machina fatal como a do cavai lo de Troya—Jnspeclura domos ventu- raaue desuper urbi.

Km quanto os dois exércitos, o das armas e o das pennas, o dos quartéis e o das repartições publicas, absorvem a este reino pobríssimo o melhor da sua substancia, o exercito da civili- sação, o magistério publico jaz rareado, esque- cido, sem disciplina, sem soldo, sem pão, sem estímulos; não triumpha, não vence, não com- bate, não marcha, c quasi tão negativo, quanto aos resultados, como o dos funecionarios; quasi tão ocioso e estéril como o das bayonetas.

O magistério rural, principalmente, c uma palavra e nada mais; falsa homenagem a um principio santo que se não ousa atacar declara- damente, um gravame no orçamento sem espé- cie alguma de explicação justificativa ou'atenua- tiva, publica ou individual. Homens com habi- litações não acceitam essas cadeiras, e os parias que a cilas se condemnam não as podem man- ter, porque primeiro se hão de manter a si. O professor rural detesta a profissão, toda espinhos e nada fruetos, fecha a escola para ir cavar no bacello ou concertar calçado, ou a entrega a outro ainda mais leigo do que elle, ou se alguma vez lá entra 6 sem amor, sem fé, sem fibra pa- ternal nem cívica no coração. Elle detesta as let- tras e os alumnos; e estes por seu turno des- prezam e odeiam o professor. Ê uma campanha de ódios mútuos cm que a moral arrisca tudo e a instrucção nada ganha.

A face d'este esboço verdadeiro, e ainda dimi- nuto, nenhum homem de bem pôde deixar de se entristecer profundamente e nenhuma alma, que não esteja galvanisada a prata ou ouro, se de- fenderá de muita lastima, vendo tantos centos de milhares de entendimentos de pousio, tanta intelligencia por desbravar, tanta penúria por onde podia ílorir' a abundância! Ora pois, se este mal em que todos os males vão cifrados, c um mal grande, immenso, horrendo de vergo- nha, urgentíssimo para se lhe aceudir, da mesma forma se devem reputar beneméritos e dignos do amor e das bênçãos da pátria, todos aquelles que se esforçam por elevar o sacerdócio do en- sino e por derramar e diífundir a luz nas trevas dos párias da civilisação moderna.

O dr. Luiz Jardim é um devotado, fervoroso e eloquente apostolo da instrucção popular.

Sendo eleito vereador da camará municipal de Lisboa, e seu vice presidente, cabendo-íhe o pe- louro da instrucção dedicou todos os seus intel- ligcntes e vigorosos esforços ao melhoramento do ensino elementar. Durante a sua gerência conseguiu que se votasse a cada professor de Lisboa, a verba annual de cem mil réis para

38 O LIVRO DE OURO

por vezes, certas Aures que nos deliciam menos pela viveza do colorido do que pela suavidade do perfume.

Durante a sua permanência na lusa Athenas, escreveu muitos artigos de critica litteraria e ar- tística, em vários jornaes de Coimbra, Lisboa e Porto, afiirmando sempre a sua admirável com-

etencia para este genero de litteratura, a que a elleza e o esplendor da fórma accrescentavam

o valor, dando-lhe realce. Para se reconhecer a verdade d'esta aflirmattva, basta consultarem se os seguintes jornaes: diário CMercantil, do Porto; Correio de Lisboa; Revista de Coimbra; Tribuno Popular; Liberdade; Commercio de Coimbra, que fundou com o conselheiro Men- donça Cortez; Revista de Coimbra, que fundou com Guimarães Fonseca; Instituto; Nacional do Portof Jornal do Commercio; Diário Popu- lar; qA Tribuna, de Lisboa, etc.

Na Universidade foi um estudante distincto, entremos mais disttnetos. Em seguida á sua dou- toração em direito, obteve em brilhante concurso uma cadeira no magistério da referida facul- dade.

Aos vinte c cinco annos, era pois, o dr. Luiz Jardim lente da faculdade de direito, onde du- rante sete annos regeu diíferentes disciplinas, com a elevada proficiência do seu talento e do seu estudo.

Se a fortuna lhe não tivesse travado do braço para o conduzir ás eminências de uma invejável posição social, teria sido um dos ornamentos do professorado no primeiro estabelecimento scien- tifico do paiz. Apaixonado pelo estudo das scien- cias sociaes, inalterável no amor do trabalho, que é esta ainda hoje a feição mais predomi- nante do seu caracter, quem sabe até onde po- deria levar o sentir vivo, e a paixão do estudo?

O destino não quiz, porem, que elle conti- nuasse a honrar o magistério da Universidade, e obrigou-o a deixar a sua cadeira, não para se entregar aos ocios que lhe proporcionava a ri- queza, mas para collocar a sua actividade, os seus esforços e o seu talento ao serviço da mais generosa de todas as causas — a dos famintos de pão e a dos famintos de luz.

Cheio d'esta piedosa devoção civica, estuda constantemente no remanso do seu gabinete, os problemas de administração, de economia poli- tica, de direito publico, em suas variadas applica- çoes praticas, dando â estampa, sobre estes as- sumptos, notáveis e apreciabilissimos trabalhos.

Nas primícias da mocidade ou no fastígio da opulência, o dr. Jardim tem sido sempre o mesmo homem: nobre pelos impulsos da bon- dade ingenita: respeitável pelo trabalho e pela virtude.

De todas as instituições sociaes é a instrucção a que mais deve prender o cuidado dos que se interessam pelo progresso dos povos. É o meio pelo qual a humanidade transmitte a sua riqueza

intellectual ás gerações que se succedem. E se é certo que as plantas se estiolam pela ausência de luz, não é menos verdadeiro que os ccrebros se atrophiam pela falta de instrucção. Por obvia e por essencial haveria quasi pejo em fazer reim- primir pela milionessima vez esta verdade, se tantos e tão graves factos não estivessem com- provando que os administradores dos destinos públicos ou lhe não dão importância, ou não crêem n'ella absolutamente, ou imaginam talvez que a illustração do povo é machina fatal como a do cavallo de Troya—Inspectura domos ventu- raaite desuper urbi.

Em quanto os dois exércitos, o das armas e o das pennas, o dos quartéis e o das repartições publicas, absorvem a este reino pobríssimo o melhor da sua substancia, o exercito da civili- sação, o magistério publico jaz rareado, esque- cido, sem disciplina, sem soldo, sem pão, sem estímulos; não triumpha, não vence, não com- bate, não marcha, ú quasi tão negativo, quanto aos resultados, como o dos funccionarios; quasi tão ocioso e esteril como o das bayonetas.

O magistério rural, principalmente, é uma palavra c nada mais; falsa homenagem a um principio santo que se não ousa atacar declara- damente, um gravame no orçamento sem espe- cie alguma de explicação justificativa ou'atenua- tiva, publica ou individual. Homens com habi- litações não acceitam essas cadeiras, e os parias que a cilas se condemnam não as podem man- ter, porque primeiro se hão de manter a si. O professor rural detesta a profissão, toda espinhos e nada fructos, fecha a escola para ir cavar no bacello _ ou concertar calçado, ou a entrega a outro ainda mais leigo do que elle, ou se alguma vez lá entra é sem amor, sem fé, sem fibra pa- ternal nem civica no coração. Elle detesta as let- tras c os aluirmos; e estes por seu turno des- prezam e odeiam o professor. Ê uma campanha de odios mutuos em que a moral arrisca tudo e a instrucção nada ganha.

A face deste esboço verdadeiro, e ainda dimi- nuto, nenhum homem de bem pôde deixar de se entristecer profundamente c nenhuma alma, que não esteja galvanisada a prata ou ouro, se de- fenderá dc muita lastima, vendo tantos centos de milhares de entendimentos de pousio, tanta intelligencia por desbravar, tanta penúria por onde podia llorir'a abundancia! Ora pois, se este mal em que todos os males vão cifrados, c um mal grande, immense, horrendo dc vergo- nha, urgentissimo para se lhe accudir, da mesma fórma se devem reputar beneméritos e dignos do amor e das bênçãos da patria, todos aquelles que se esforçam por elevar o sacerdócio do en- sino e por derramar e difiundir a luz nas trevas dos párias da civilisação moderna.

O dr. Luiz Jardim é um devotado, fervoroso e eloquente apostolo da instrucção popular.

Sendo eleito vereador da camara municipal de Lisboa, e seu vice presidente, cabendo-lhe o pe- louro da instrucção dedicou todos os seus intel- ligentcs e vigorosos esforços ao melhoramento do ensino elementar. Durante a sua gerência conseguiu que se votasse a cada professor de Lisboa, a verba annual de cem mil reis para

*? O LIVRO DE OURO 49

auxilio de renda de casas e mobília das escolas. Esta generosa medida, além de muito contribuir para melhorar as condições económicas da in- strucção primaria, foi também a causa imme- diata de serem providas varias cadeiras, que es- tavam, e, por certo se conservariam vagas, rPeste município.

A sua benemérita dedicação pela causa do en- sino c ao seu muito prestigio se devem, entre outras, as seguintes concessões:

Á oAssociação Civilisação Popular, mil c seis- centos e trinta metros quadrados de terreno cn- i tre a calçada da Estrella e a rua do Quelhas, para ahi se construir um edifício escolar;

Um subsidio annual á Irmandade dos lassos de S. Caetano, para auxiliar a sua escola de en- sino primário;

Um subsidio á escola nocturna da freguezia do Castello de S. Jorge;

Um logar de professor de gymnastica na es- cola n.° i, com o ordenado de trezentos mil réis;

Finalmente, um logar de professor substituto na escola da rua da Inveja, c construcçao do seu gymnasio.

" Infatigável nos seus propósitos civilisadores, solicitou e obteve a creação de mais duas im- portantes escolas de ensino primário; conse- guindo egualmente distribuir a todas as do mu- nicípio, objectos necessários para a proficiente e bem regularisada educação de um e outro sexo, taes como machinas, livros elementares, esphe- ras, armas de combate, mappas do nosso código politico, ctc.

No ultimo perjodo da sua gerência, o dr. Luiz Jardim escreveu e fez imprimir um magnifico relatório, contendo o registo de todos os seus actos administrativos e a proposta sobre a re- forma da instrucçáo primaria no município de Lisboa. Essa publicação é mais do que um sim- ples relatório: é um livro tramado de pensa- mentos judiciosos, de reflexões pedagógicas, de exemplos persuasivos, cuja leitura, ao contrario de enfastiar, agrada, instrue e delicia. São pa- ginas simples e desambíciosas, mas edificantes e úteis.

Desde então tem pugnado sempre, já com os seus substanciosos escriptos, já com a sua pala- vra authorisada, pelo aperfeiçoamento da ins- trucçáo elementar do povo.

Eleito deputado pelo importante circulo de . Extremoz, apresentou logo*n\ima das primeiras sessões a que assistiu, um bem elaborado pro- jecto sobre a reforma da instrucçáo primaria em Portugal e seus dominios, que lhe valeu os mais alevantados elogios, tanto dos seus collc- gas da camará como de toda a imprensa liberal e honesta.

Ha largos annos que se erguiam geraes cla- mores contra o procedimento das estações ofli- ciaes, por causa cTcsscs desgraçados parias, que dormiam as noutes nas vias publicas, famintos c desconfortados. Entre essa gente, quantas ve- zes não eram vistos grandes infelizes, cm quem

a vagabundagem longe de ser vicio, era antes a triste expressão da miséria, a ultima palavra da desgraça e do infortúnio! Sem pão e sem abrigo, cabiam nas mãos da policia, que baralhando in- difíerente, desgraçados e viciosos, enviava todos ao calabouço, á cadeia,-—a universidade da per- dição !

Largas considerações faziam quotidianamente as folhas periódicas sobre o assumpto e... nada mais. Esgotada a matéria seguia tudo como dan- tes ; o desgraçado sem abrigo e a policia hos- pedando na cadeia o vício a par do infortúnio.

Accudiu então a el-rci a generosa ideia de prover a essa necessidade publica, tomando a iniciativa de fundar um asylo nocturno para abrigo d'esscs desventurados.

A auxiliar o nobilíssimo intuito de el-rei cor- reram pressurosos c satisfeitos muitos cidadãos phil antro picos e de animo valcdor. O dr. Luiz Jardim foi um dos primeiros, senão o primeiro, a responder ao chamamento do monarcha.

Acceite o seu concurso o dr. Luiz Jardim des- entranhou-se para logo em esforços d'uma de- dicação extraordinária.

Depois de sua magestade foi elle a alma, o centro, a coragem, a perseverança, o impulso da commissão organisadora de tão útil melho- ramento. Redigia com admirável critério os es- tatutos, concitava c animava os amigos a que se associassem a tão caridoso empenho, punha, em summa, os recursos da sua riqueza e a luz da sua poderosa intelligencia ao serviço da huma- nitária tarefa.

Ninguém, mais do que elle, trabalhou para a fundação dos Albergues Nocturnos.

Os pobres devem-lhe esta justiça. Tendo merecido a honra de ser escolhido para

secretario de tão piedosa instituição, redobrou de esforços e de boa vontade. N'esta qualidade redigiu é apresentou relatórios, que causaram viva sensação, pois que ao esplendor d'uma lin- guagem primorosa e castiça, reuniam a elevação varonil dos conceitos e a doutrina do mais puro altruísmo.

O dr. Jardim foi também um dos que mais activamente cooperaram para a realisação. brilho, esplendor, e eihcaz resultado d'essa brilhante c sympathica festa de caridade denominada — &er messe, festa que serviu como que de esti- mulo a tantas outras acções piedosas e magnâ- nimas.

Prova isto que o nosso biographado, além de ser apostolo sincero e convicto da diflusão c ge- neralisação do ensino pelas camadas sociacs. é também', e muito particularmente, um philan- tropo, um operário do bem, acendrado em ge- nerosos affectos e magnânimos intuitos.

Como politico o dr. Jardim tem sido um dos mais honestos e desinteressados. Na imprensa e no parlamento, tem provado sempre a sua sym- pathia pelo bem publico e o seu muito pátrio- tismo.

O LIVRO DE OURO 49

auxilio de renda de casas e mobília das escolas. Esta generosa medida, além de muito contribuir para melhorar as condições económicas da in- strucçao primaria, foi também a causa imme- diata de serem providas varias cadeiras, que es- tavam, c, por certo se conservariam vagas, iVeste município.

A sua benemérita dedicação pela causa do en- sino c ao seu muito prestigio se devem, entre outras, as seguintes concessões:

Á CAssociação Civilização Popular, mil e seis- centos e trinta metros quadrados de terreno en- tre a calçada da Estrella e a rua do Quelhas, para ahi se construir um edificio escolar;

Um subsidio annual á Irmandade dos Passos de S. Caetano, para auxiliar a sua escola de en- sino primário;

Um subsidio á escola nocturna da freguezia do Castello de S. Jorge;

Um logar de professor de gymnastica na es- cola n.° í, com o ordenado dc trezentos mil réis;

Finalmente, um logar de professor substituto na escola da rua da Inveja, e construcção do seu gymnasio.

" Infatigável nos seus propositos civilisadores, solicitou e obteve a creação de mais duas im- portantes escolas de ensino primário; conse- guindo egualmcnte distribuir a todas as do mu- nicípio, objectos necessários para a proficiente e bem regularísada educação de um e outro sexo, taes como machinas, livros elementares, esphe* ras, armas de combate, mappas do nosso codigo politico, etc.

No ultimo período da sua gerência, o dr. Luiz Jardim escreveu e fez imprimir um magnifico relatório, contendo o registo de todos os seus actos administrativos e a proposta sobre a re- forma da instrucçao primaria no município de Lisboa. Essa publicação é mais do que um sim- ples relatório: é um livro tramado de pensa- mentos judiciosos, dc reflexões pedagógicas, de exemplos persuasivos, cuja leitura, ao contrario de enfastiar, agrada, instrue e delicia. São pa- ginas simples e desambiciosas, mas edificantes e úteis.

Desde então tem pugnado sempre, já com os seus substanciosos escriptos, já com a sua pala- vra authorisada, pelo aperfeiçoamento da ins- trucçao elementar do povo.

EÍeito deputado pelo importante circulo de Extremoz, apresentou logomLima das primeiras sessões a que assistiu, um bem elaborado pro- jecto sobre a reforma da instrucçao primaria em Portugal e seus dominios, que lhe valeu os mais alcvantados elogios, tanto dos seus collc- gas da camara como de toda a imprensa liberal e honesta.

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Ha largos annos que se erguiam geraes cla- mores contra o procedimento das estações otfi- ciaes, por causa desses desgraçados parias, que dormiam as noutes nas vias publicas, famintos c desconfortados. Entre essa gente, quantas ve- zes nao eram vistos grandes infelizes, cm quem

a vagabundagem longe de ser vicio, era antes a triste expressão da miséria, a ultima palavra da desgraça e do infortúnio! Sem pão e sem abrigo, cabiam nas mãos da policia, que baralhando m- differente, desgraçados e viciosos, enviava todos ao calabouço, á cadeia, —a universidade da per- dição !

Largas considerações faziam quotidianamente as folhas periódicas sobre o assumpto e... nada mais. Esgotada a matéria seguia tuao como d'an- tes; o desgraçado sem abrigo e a policia hos- pedando na cadeia o vicio a par do infortúnio.

Accudiu então a el-rei a generosa ideia de prover a essa necessidade publica, tomando a iniciativa de fundar um asylo nocturno para abrigo d'esses desventurados.

A auxiliar o nobilíssimo intuito de el-rei cor- reram pressurosos e satisfeitos muitos cidadãos philantropicos e de animo valedor. O dr. Luiz Jardim foi um dos primeiros, senão o primeiro, a responder ao chamamento do monarcha.

Acceite o seu concurso o dr. Luiz Jardim des- entranhou-se para logo em esforços d'uma de- dicação extraordinária.

Depois de sua magestade foi elle a alma, o centro, a coragem, a perseverança, o impulso da commissão organisadora de tão util melho- ramento. Redigia com admirável critério os es- tatutos, concitava e animava os amigos a que sc associassem a tão caridoso empenho, punha, em summa, os recursos da sua riqueza e a luz da sua poderosa intelligencia ao serviço da huma- nitária tarefa.

Ninguém, mais do que elle, trabalhou para a fundação dos Albergues Nocturnos.

Os pobres devem-lhe esta justiça. Tendo merecido a honra dc ser escolhido para

secretario dc tão piedosa instituição, redobrou de esforços e de boa vontade. N'esta qualidade redigiu é apresentou relatórios, que causaram viva"sensação, pois que ao esplendor d'uma lin- guagem primorosa e castiça, reuniam a elevação varonil dos conceitos e a doutrina do mais puro altruísmo. *

O dr. Jardim foi também um dos que mais activamente cooperaram para a realisação. brilho, esplendor, e eihcaz resultado d'essa brilhante e sympathies festa de caridade denominada —•

I Kcrmesse, festa que serviu como que de esti- mulo a tantas outras accões piedosas e magnâ- nimas.

Prova isto que o nosso biographado, além de ser apostolo sincero e convicto da diflusão e ge- neralisação do ensino pelas camadas sociaes. é

. também', e muito particularmente, um philan- tropo, um operário do bem, acendrado em ge- nerosos affectos e magnânimos intuitos.

Como politico o dr. Jardim tem sido um dos mais honestos e desinteressados. Na imprensa e no parlamento, tem provado sempre a sua sym- pathía pelo bem publico c o seu muito pátrio- tismo.

40 O LIVRO DE OURO

Filiado no partido monarchico mais liberal e mais avançado, tem sido sempre claro nas pa- lavras e nas acções, discutindo c praticando sem ódios nem rancores de facção, sem compromis- sos de partido, com a razão serena e fria de um julgador consciencioso e justo.

Tão admirável isempção provocou as seguin- tes palavras a um illustre jornalista: ase iVestc paiz a civilisação popular não estivesse ainda bal- buciante, como nas faixas infantis, a cadeira do dr. Luiz Jardim nunca ficaria devoluta no par- lamento portuguez.»

Da mesma forma e merecendo sempre os mes- mos espontâneos e conscienciosos elogios o dr. Jardim tem exercido diversos e importantes Jo- gares, já na magistratura judicial e na magistra- tura administrativa, já em associações de credito e bancarias, já finalmente em coiíimissões legis- lativas, mostrando sempre em todos o mesmo inexcedivel zelo, a mesma nobre e admirável abnegação.

Km 18ÕS recebeu o diploma de sócio cffectivo do Instituto, uma das congregações scient.íicas mais respeitáveis do paiz.

Um armo antes a Associação dos Artistas, de Coimbra, havia-o nomeado seu sócio honorário, por njclla ter feito varias conferencias sobre ins- trucção intellectual e profissional que lhe mere- ceram grandes louvores da imprensa conimbri- cense e das classes laboriosas.

Em 1869, fazendo parte do jury mixto, que de Coimbra, Arganil e S.t;' Comba, foi a Tábua julgar o facínora João Brandão, c!cgeram-n,o presidente d^quelle tribunal integerrimo, que condemnou o famigerado criminoso á pena ul- tima e por unanimidade. Este enorme serviço libertando as duas Beiras de um salteador au- daz e destemido que os assoberbava, tornou popular o nome do dr. Luiz Jardim, que ape- nas contava então 24 annos! João Brandão já havia sido julgado duas vezes e duas vezes fura absolvido!

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Como particular o dr. Luiz Jardim c também digno do maior apreço e veneração. Prestante e amigo de fazer bem, nunca nos constou que elle deixasse de auxiliar todos os nobres infortúnios de que tem conhecimento. Na vida do dr. Jar- dim ba rasgos de generosidade sublimes e dignos de eterna recordação. Elle obsequeia e se«ue : não fica a olhar para traz á espera do agrade- cimento. Patrocina, soccorre, ampara e engran- dece sem humilhar aquelles que beneficia.

O dr. Jardim faz recordar o caracter um tanto excêntrico do dr. Brilhante. Este, quando falle- ceu, deixou em testamento umas pensões de cento e cincoenta mil reis, para os filhos pobres da sua terra, que quizessem estudar, mas com a" clausula de que esse dinheiro o receberiam de chapéu^ na cabeça. O dr. Jardim é o mesmo. Tem n'isto um dos seus mais valiosos títulos de benemerência.

O dr. Luiz Jardim é também um publicista, um litterato muito distincto, um estudioso para quem as lettras tem sido como que paixão do- minante; e que. homem do mundo, pussuidor de avultados haveres, e tendo por sua família um nome de notoriedade e honradez, constan- temente porfia em illustrar o seu espirito na ave- riguação e estudo incessante dos bons livros,

■ muitas vezes raros, que o dinheiro pôde com- prar, mas a cuja leitura se entregará somente quem tiver em prau subido o amor pela erudi- ção, a nobre curiosidade de saber e de produzir.

São muitas e varias as publicações promana- das da sua penna. Sobre jurisprudência e ins- trucção publica — os seus dois assumptos favo- ritos — podemos citar as seguintes. — Theses de Direito; — Estudos sofre organisação judiciai; — Do regimen dassuecessões. (A liberdade testa- mentária) ; — As alfandegas e o srstema econó- mico de Portugal. (Averiguações históricas des- de o século xn até ao século xvmi;—As magis- traturas populares. (Os juizes ordinários, o jury}; — A instrucção primaria no município de Lisboa;

— Projecto de lei sobre instrucção primaria; — Os albergues nocturnos de Lisboa. {Projecto de Estatutos, Regulamento e Relatório).

O tumulo de Gambetta em Nice, folheto de 22 paginas, edição de luxo e iIlustrada com duas magnificas gravuras. Este esplendido trabalho, em que o author faz uma resenha criticados fa- ctos notáveis da vida do illustre tribuno francez e descreve o tumulo em que repousam os res- tos mortaes do eminente patriota, é uma verda- deira joía liiteraria: phrase ardente c colorida, concepção esplendorosa, critério notabilissimo, tudo abunda n'cstc prccioSo folheto, que produ- ziu ruido pouco commum no nosso mundo litte- rario.

Outras mais publicações tem dado á estampa o illustre escriptor, e de que, n'este momento nos não podemos recordar.

Pelas que ficam apontadas se poderá avaliar o quanto ha de estimável na dedicação d'um homem, que por entre as agitações brilhantes da vida elegante, sabe encontrar as horas de concentração^ necessárias para dar a medida da sua applicação, da firmeza da sua vontade, da distineção das suas faculdades.

O dr. Luiz Jardim se quizesse podia viver sô para gozar, porque tem de sobra com que ali- mentar a ociosidade mais egoísta e mais capri- chosa. A fortuna, porem, não o divorciou do trato notabilissimo do pensamento e muito pelo contrario fez d'elle um benemérito, um philan- tropo, um lidador infatigável do progresso, para quem seriam merecidos todos os prémios hono- ríficos, todas as condecorações, todos os títulos e louvores, se elle a tudo' não sobrepozesse a satisfação da sua própria consciência.

RFomado» lodo* o* direito* do propriedade lltle-

TVP. MATTOS MOftMM — IHUÇA DOS Rtó TA'IR A DORES, t* * «6

40 O LIVRO DE OURO

Filiado 110 partido monarchico mais liberal e mais avançado, tem sido sempre claro nas pa- lavras e nas acções, discutindo c praticando sem odios nem rancores de facção, sem compromis- sos de partido, com a razão serena e fria de um julgador consciencioso e justo.

fão admirável isempção provocou as seguin- tes palavras a um illustre jornalista: «se neste paiz a civilisação popular não estivesse ainda bal- buciante, como nas faixas infantis, a cadeira do dr. Luiz Jardim nunca ficaria devoluta no par- lamento portuguez.»

Da mesma forma e merecendo sempre os mes- mos espontâneos e conscienciosos elogios o dr. Jardim tem exercido diversos e importantes Jo- gares, já na magistratura judicial e na magistra- tura administrativa, já em associações de credito e bancarias, já finalmente em commissõcs legis- lativas, mostrando sempre em todos o mesmo inexcedive! zelo, a mesma nobre e admirável abnegação.

Km 18t>S recebeu o diploma de socio eíTcctivo do Instituto, uma das congregações scientificas mais respeitáveis do paiz.

, Fm anno antes a Associação dos Artistas, de Coimbra, havia-o nomeado seu socio honorário, por njella ter feito varias conferencias sobre ins- trucção intellectual e profissional que llie mere- ceram grandes louvores da imprensa conimbri- cense e das classes laboriosas.

Km 186y, fazendo parte do jury mix to, que de Coimbra, Arganil c S.!-' Comba, foi a Tabua julgar o facinora João Brandão, elegeram-n^o presidente d^aquelle tribunal integerrimo, que condemn ou o famigerado criminoso á pena ul- tima e por unanimidade. Kste enorme serviço libertando as duas Beiras de um salteador au- daz e destemido que os assoberbava, tornou popular o nome do dr. Luiz Jardim, que ape- nas^ contava então 24 annos! João Brandão já havia sido julgado duas vezes e duas vezes fura absolvido!

Como particular o dr. Luiz Jardim é também digno do maior apreço e veneração. Prestante e amigo de fazer bem, nunca nos constou que clle deixasse de auxiliar todos os nobres infortúnios de que tem conhecimento. Na vida do dr. Jar- dim ha rasgos de generosidade sublimes e dignos de eterna recordação. Elie obsequeia e scue: não fica a olhar para traz á espera do agrade- cimento. Patrocina, soccorre, ampara e engran- dece sem humilhar aquelles que beneficia.

O dr. Jardim faz recordar o caracter um tanto excêntrico do dr. Brilhante. Este, quando falle- ceu, deixou em testamento umas pensões de cento e cincoenta mil reis, para os filhos pobres da sua terra, que quizessem estudar, mas com a" clausula de que esse dinheiro o receberiam de chapéu^ na cabeça. O dr. Jardim é o mesmo. Tem n'isto um dos seus mais valiosos títulos de benemerencia.

O dr. Luiz Jardim é também um publicista, um litterato muito distincto, um estuaioso para

| quem as lettras tem sido como que paixão do- minante; e que. homem do mundo, pussuidor de avultados haveres, e tendo por sua família um nome de notoriedade e honradez, constan- temente porfia em illustrar o seu espirito na ave- riguação e estudo incessante dos bons livros, muitas vezes raros, que o dinheiro pôde com-

1 prar, mas a cuja leitura se entregará sómente , quem tiver em grau subido o amor pela erudi-

ção, a nobre curiosidade de saber e de produzir. São muitas e varias as publicações promana-

das da sua penna. Sobre jurisprudência e ins- trucção publica — os seus dois assumptos favo- ritos— podemos citar as seguintes. — Theses de Direito;— Estudos solve organização judicial; — Do regimen das successÔes. (A liberdade testa- m ema ria); — As alfandegas c o systemci ecouo- mico de Portugal. (Averiguações históricas des- de o século xii ate ao século xvmi;—As magis- traturas populares. (Os juizes ordinários, o jurv); — A instrucção primaria no município de Lisboa;

— Projecto de lei sobre instrucção primaria ; — Os albergues nocturnos de Lisboa. (Projecto de Estatutos, Regulamento e Relatório).

O tumulo de Cambel ta em Nice, folheto de 22 paginas, edição de luxo e iliustrada com duas magnificas gravuras. Este esplendido trabalho, em que o author faz uma resenha critica dos fa- ctos notáveis da vida do illustre tribuno francez e descreve o tumulo em que repousam os res- tos mortaes do eminente patriota, é uma verda- deira jóia litteraria: phrase ardente e colorida, concepção esplendorosa, critério notabilissimo, tudo abunda n'este precioSo folheto, que produ- ziu ruido pouco commum no nosso mundo litre- rario.

Outras mais publicações tem dado á estampa o illustre escriptor, e de que, n'este momento nos não podemos recordar.

Pelas que ficam apontadas se poderá avaliar o quanto ba de estimável na dedicação d'um homem, que por entre as agitações brilhantes da vida elegante, sabe encontrar as horas de concentração^ necessárias para dar a medida da sua applicação, da firmeza da sua vontade, da distineção das suas faculdades.

O dr. Luiz Jardim se quizesse podia viver só para gozar, porque tem de sobra com que ali- mentar a ociosidade mais egoísta e mais capri- chosa. A fortuna, porem, não o divorciou do trato notabilissimo do pensamento e muito pelo contrario fez d'elle um benemérito, um philan- tropo, um lidador infatigável do progresso, para quem seriam merecidos todos os prémios hono- ríficos, todas as condecorações, todos os títulos e louvores, se el!e a tudo não sobrepozesse a satisfação da sua propria consciência.

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TVr. MATTOS MOREIRA— IHUÇA DOS RESTAURADORES. |5 E l6

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O LIVRO DE OURO THograpIíias dos personagens mais disthtcíos em politica,

armas, religião, lei trás, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL DEZEMBRO —i835

Conde de Mesquitella

É um dos personagens mais distinctos da corte portugueza e uma das individualidades mais sym- pathicas da antiga nobreza, o illustre conde de Mesquitella.

A sua casa é das mais antigas e distinctas de Portugal c escrever d'ella seria produzir uma erudita memoria em que se haveriam de com- pendiar os factos mais salientes da historia pá- tria.

Limitar-nos-hemos, portanto, a dizer que o actual conde de Mesquitella è o representante dos Costas, dos Sousas de Macedo e dos Albu- querques.

Cte Costas, cujo solar é a Quinta da Costa em Estarreja em tempos anteriores á fundação da monarchia, eram já tratados de ricos homens e com esta designação figuram no auto de doa- ção que D. Affonso Henriques fez aos religiosos de Cister logo apoz a tomada de Santarém.

Os Sousas de Macedo são, como é sabido, aquelles illustres descendentes do heróico e es- forçado cavalleiro Martim Gonsalves, que na ba- talHa de Aljubarrota salvou a vida do mestre de Aviz, decepando com um tremendo golpe de maça a cabeça do cavalleiro Sandoval na occa- sião em que esse cavalleiro ameaçava de morte certa o fundador da nova dynastia.

«Martim Gonsalves, lhe disse o rei, d'aqui em diante te chamarás Martim Gonsalves de Maça- da e terás por timbre de tuas armas um braço com uma maça, tendo enfiada a coroa real, co- mo se v£ no brazão de armas collocado por cima do portão do palácio do Poço Novo, solar dos Sousas de Macedo.

Dos Albuquerques, cujo solar é em Azeitão, onde possuem um palácio feito á imitação da for- taleza de Ormuz, uma das glorias do immortal Affonso de Albuquerque, é ocioso repetir o que todos sabem. Esse nome vinculado á maior das epopêas e cantado pelo maior dos épicos, tem um echo enorme em todo o mundo culto, e é d7essas glorias que não são património exclusivo de uma nação porque esses nomes sagrados pela tradição pertencem á veneração e ao culto per- petuo de toda a família humana.

A isto acrescentaremosunicamenteque o actual representante d'estas illustres familias não des- diz nenhuma das grandes virtudes cívicas, de isenção fidalga e cavalheiresca de seus antepas- sados.

Homem do seu tempo, de um trato amabilis- simo e accessivel a todos com egual lhaneza e despretencão, possue em grau superior a grande

sciencia de saber viver, tornando-se querido e estimado e lisongeando-se de sinceramente tra- zer captiva a estima de todos que admitte ao seu trato e as sympathias ainda dos que, por simples tradição, o conhecem.

Na corte e nas suas relações de sociedade, o conde de Mesquitella, sempre um cavalheiro com- pleto em extremos de delicadeza e galanteria sem competência, é o legitimo representante da tra- dição fidalga em primores de etiqueta cortezã que a sua educação e espirito accommoda ás circumstancias do tempo, com a extrema finura e o bom senso e o bom gosto que o distinguem em especial.

Torna-se d^ste modo adorável a sua presença e precisa, porque vão rarejando já os homens do tempo em que os salões da aristocracia lisbo- nense eram o templo consagrado ao culto deli- cado da belleza e do talento; homens taes como o duque de Loulé, nunca excedido n'esses for- mosos torneios de elegância e do bom tom.

De todo estranho ás luetas da politica parti- dária, o conde de Mesquitella parece ter por único ideal de suas aspirações de nomem aquella divisa fidalga e cavalheiresca da austera corte de D. João 1. «Tudo por bem.»

E' essa a norma da sua vida; de sorte que, o conde de Mesquitella, é dos raros homens da sua esphera que teem escapado ás malquerenças do despeito ou da inveja insoffrida, sendo aliás mui- tos os que se lhe confessam gratos, pelo que lhe devem em extremos de bizarria e delicadeza; sem que, todavia, as suas prodigalidades da bolsa e de coração hajam alterado a modesta norma da sua vida regrada e honestíssima, ou compro- mettido a sua casa, que elle mantém intacta co- mo precioso monumento que é da historia pá- tria.

<5H

Á gravidade desafectada do seu trato, allia-se a simplicidade da sua vida intima, no isolamen- to do seu solar de família, conservado em toda a sua pureza primitiva sem nenhum dos modernos atavios que lhe alterem ou transformem o typo da construcção, conservada em todo o rigor do tempo em que foi feita.

Esse solar é o palácio do Poço Novo imme- morial.

Ahi habitou António de Sousa de Macedo, mi- nistro que foi de el-rei D. Affonso VI e 5.° avô em linha recta do illustre conde de Mesquitella.

7 /•

O LIVRO DE OURO

Tdiographias dos personagens mais distinct os em politica, armas, religião, lettras, scicncias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO I —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL DEZEMBRO — 1885

Conde de Mcsqoilclia

É um dos personagens mais distinctos da côrte portugueza e uma das individualidades mais sym- pathicas da antiga nobreza, o illustre conde de Mesquitella.

A sua casa é das mais antigas e distinctas de Portugal e escrever d'ella seria produzir uma erudita memoria em que se haveriam de com- pendiar os factos mais salientes da historia pa- tria.

Limitar-nos-hemos, portanto, a dizer que o actual conde de Mesquitella é o representante dos Costas, dos Sousas de Macedo e dos Albu- querques.

Cte Costas, cujo solar é a Quinta da Costa em Estarreja em tempos anteriores á fundação da monarchia, eram já tratados de ricos homens e com esta designação figuram no auto de doa- ção que D. Alfonso Henriques fez aos religiosos ae Cister logo apoz a tomada de Santarém.

Os Sonsas de Macedo são, como é sabido, aquelles illnstres descendentes do heroico e es- forçado cavalleiro Martim Gonsalves, que na ba- talha de Aljubarrota salvou a vida do mestre de Aviz, decepando com um tremendo golpe de maça a cabeça do cavalleiro Sandoval na occa- sião em que esse cavalleiro ameaçava de morte certa o fundador da nova dynastia.

«Martim Gonsalves, lhe disse o rei, d?aqui em diante te chamarás Martim Gonsalves de Maça- da e terás por timbre de tuas armas um braço com uma maça, tendo enfiada a coroa real, co- mo se vê no brazão de armas coliocado por cima do portão do palacio do Poço Novo, solar dos Sousas de Macedo.

Dos Albuquerques, cujo solar é em Azeitão, onde possuem um palacio feito á imitação da for- taleza de Ormuz, uma das glorias do immortal Alfonso de Albuquerque, é ocioso repetir o que todos sabem. Esse nome vinculado á maior das epopêas e cantado pelo maior dos épicos, tem um echo enorme em todo o mundo culto, e é d'essas glorias que não são património exclusivo de uma nação porque esses nomes sagrados pela tradição pertencem á veneração e ao culto per- petuo de toda a família humana.

A isto acrescentaremosunicamente que o actual representante d'estas illustres famílias não des- diz nenhuma das grandes virtudes cívicas, de isenção fidalga e cavalheiresca de seus antepas- sados.

Homem do seu tempo, de um trato amabilís- simo e accessivel a todos com egual lhaneza e despretenção, possue em grau superior a grande

sciencia de saber river, tornando-se querido e estimado e lisongeando-se de sinceramente tra- zer captiva a estima de todos que admitte ao seu trato e as sympathias ainda dos que, por simples tradição, o conhecem.

Na corte e nas suas relações de sociedade, o conde de Mesquitella, sempre um cavalheiro com- pleto em extremos de delicadeza e galanteria sem competência, é o legitimo representante da tra- dição fidalga em primores de etiqueta cortezã que a sua educação e espirito accommoda ás circumstancias do tempo, com a extrema finura e o bom senso e o bom gosto que o distinguem em especial.

Torna-se d'este modo adoravel a sua presença e precisa, porque vão rarejando já os homens do tempo em que os salões da aristocracia lisbo- nense eram o templo consagrado ao culto deli- cado da belleza e do talento; homens taes como o duque de Loulé, nunca excedido n'esses for- mosos torneios de elegância e do bom tom.

De todo estranho ás luctas da politica partí- daria, o conde de Mesquitella parece ter por único ideal de suas aspirações de homem aquella divisa fidalga e cavalheiresca da austera corte de D. João 1. «Tudo por bem.»

E' essa a norma da sua vida; de sorte que, o conde de Mesquitella, é dos raros homens da sua esphera que teem escapado ás malquerenças do despeito ou da inveja insoffrida, sendo aliás mui- tos os que se lhe confessam gratos, pelo que lhe devem em extremos de bizarria e delicadeza; sem que, todavia, as suas prodigalidades da bolsa e de coração hajam alterado a modesta norma da sua vida regrada e honestíssima, ou eompro- mettido a sua casa, que elle mantém intacta co- mo precioso monumento que é da historia pá- tria.

Á gravidade desafectada do seu trato, allia-se , a simplicidade da sua vida intima, no isolamen-

to do seu solar de família, conservado em toda a : sua pureza primitiva sem nenhum dos modernos , atavios que lhe alterem ou transformem o typo

da construcção, conservada em todo o rigor ao tempo em que foi feita.

Esse solar é o palacio do Poço Novo imme- morial.

Ahi habitou Antonio de Sousa de Macedo, mi- nistro que foi de el-rei D. Alfonso VI e 5.° avô

i em linha recta do illustre conde de Mesquitella.

42 O LIVRO DE OURO

Antunio de Sousa de Macedo foi poeta muito celebrado no seu tempo e jurisconsulto de subi- do valor.

Como homem de estado em nada desdisse, nem dos merecimentos próprios, de que tão ale- vantado conceito gosava, nem das tradições fi- dalgas de seus beneméritos antepassados.

toi nosso representante na embaixada de Ho- landa e depois em Inglaterra, cm períodos difti- ceís e agitados de revolução e guerra civil, lo- grando por três vezes salvar a vida de Carlos 1 com o maíor risco próprio e mantendo ilezo o prestigio e respeito da pequena nação que re- presentava.

Grato a tão assignalados e excepcionaes servi- ços, Carlos 11 seu Íntimo amigo como se prova das muitas cartas que lhes escrevia com o maior aífecto — conferiu a este illuslre fidalgo portu- guez um titulo e o pariato de Inglaterra fazen- do-lhe doação em terras de renda superior á quantiosa somma de Soo contos, de renda para elle e seus suecessores in perpetum prodigiosa para o tempo, em que o valor da moeda tinha maior estimação.

António de Sousa Macedo, porém, recusou tudo, desde a primeira grandeza de Inglaterra, à colossal fortuna com que a regia magnificên- cia a fazia acompanhar em galardão e proveito d'este nosso illustre compatriota.

Respeitou Carlos II os escrúpulos de António de Sousa Macedo, pela alta comprchensão e con- ceito em que lhe tinha a grandeza da alma c a isenção do caracter, mas insistiu no propósito em que estava e a consciência o obrigava, escre- vendo a El-rei D. Pedro II de Portugal, para que ordenasse áquelle fidalgo que acceitasse as mercês que lhe fazia o rei de Inglaterra.

Accedeu gostosamente o rei de Portugal ao pedido do rei de Inglaterra, e ordenou terminan- temente ao fidalgo portuguez que acceitasse as mercês que lhe fazia o monarcha inglez.

N'estcs apuros António de Sousa Macedo sem querer faltar ao seu propósito nem á obediência que devia a uma ordem do seu rei, declarou de- pois de apertado em muitas instancias «que para si nada queria, mas que, por dever de obediên- cia acceitaria para seu filho e suecessores, o ti- tulo e o pariato inglez, todavia quanto ás terras e seus rendimentos, regeitava tudo, absoluta- mente tudo \ porque osjidalgos portugueses não fa\em serviços por dinheiro.*

A esta altiva e nobre isenção não houve mais que replicar, mas que louvar e celebrar a sua ele- vadíssima significação moral, pela qualidade da tempera do homem superior que punha em re- levo.

Estas nobilissimas qualidades tornaram-se na família Mcsquitella norma e preceito, que ne- nhum dos seus illustres descendentes até hoje deixou de seguir e imitar nobremente.

A casa Mesquitella está entrelaçada com prin- cipes não só da família real portugueza, mas de outras nações e tem dado ao paiz altos funecio- narios para o governo das Índias, vice-reis, em- baixadores, secretários de estado, generaes e a religião defensores e martyres dos quaes a egreja canonisou dois que ao Japão haviam ido pregar

a fé, e possue uma grande fortuna sendo todavia modelo de boa e regrada administração, sem fal- tar a nenhuma das liberalidades a que a nobreza da condição d'essa família obriga; liberalidades que, todavia, não se traduzem em faustos e ap- paratos supérfluos, mas em actos de bizartia fi- dalga e da mais pura caridade evangélica, que perpetua o amor do próximo como a primeira das virtudes christãs e dos deveres sociaes.

Não obstante, nos serviços á pátria prestados pelos membros d'essa família com o desinteresse mais absoluto, tem por cila consumido uma boa parte dos seus haveres.

Sendo capitão general no Algarve o avô do actual conde, fez edificar a Villa Real de Santo António, sem encargo nenhum para o thesouro.

Foi-lhe por esses serviços oiíerecido o titulo de marquez de Villa Real de Santo António e uma pensão do estado.

Uma e outra coisa foram egualmente recusa- das, como quem não queria ver o mérito da sua obra, de que tão ligitimamente se ufanava, de- preciado com a idéa de que cila fora um pre- texto para acrescentamento maior de suas hon- ras e da sua fortuna.

O filho doeste illustre patriota e pae do esti- mável fidalgo de quem vimos memorando as glo- riosas tradições de família, tendo sido enviado embaixador extraordinário a corte de Turim, não só se desempenhou do encargo com toda a ha- bilidade e talentos de que era dotado, como pa- gou de seu bolso todas as despezas da embaixa- da, aliás valiosas, sem que acceitasse do thesouro os subsídios que lhe eram devidos e elle perti- nazmente recusou.

&

Á imitação de seu pae, o actual conde jamais recebeu, não sô do estado como ainda da casa real, a mais insignificante remuneração de seus serviços, sendo aliás certo ter o illustre fidalgo desde a mais tenra idade exercido no paço dos nossos reis e quasi todos os cargos de ofíicial- mór da casa real.

Ainda em 1870 organisando ministério seu tio, o duque de Saldanha, foi o sr. conde convidado para tomar parte no governo, como Ministro dos Negócios Estrangeiros sendo-lhe offerecido o ti- tulo de duque de Albuquerque e a Gran Cruz da Ordem de Christo por egual tudo foi nobremente recusado pelo digno continuador das virtudes cí- vicas doesta respeitável família, sob pretextos os mais amáveis e respeitosos.

Um alevantado sentimento de delicadeza e lealdade obrigava n'esse momento á recusa de tão^ merecida mercê,o fidalgo representante da antiga nobreza do reino e ofiicial da casa do rei.

A situação pouco constitucional creada pelo duque de Saldanha n'essa epocha, levantava es- crúpulos na consciência do fidalgo inteiramente estranho ás luetas e paixões da politica do seu seu tempo e unicamente inspirado na tradição de seus maiores.

O LIVRO

Antunio dc Sousa de Macedo foi poeta muito celebrado no seu tempo e Jurisconsulto de subi- do valor.

Como homem de estado em nada desdisse, nem dos merecimentos proprios, de que tão ale- vantado conceito gosava, nem das tradições fi- dalgas de seus beneméritos antepassados.

boi nosso representante na embaixada de Ho- landa e depois em Inglaterra, em períodos difíi- ceis e agitados de revolução e guerra civil, lo- grando por tres vezes salvar a vida de Carlos 1 com o maior risco proprio c mantendo ilezo o prestigio e respeito da pequena nação que re- presentava.

Grato a tão assignalados e excepcionaes servi- ços, Carlos 11 seu intimo amigo como se prova das muitas cartas que lhes escrevia com o maior aíTecto — conferiu a este illuslre fidalgo portu- guez um titulo c o pariato de Inglaterra fazen- do-lhe doação em terras de renda superior á quantiosa somma de Soo contos, de renda para elle e seus successores in perpetum prodigiosa para o tempo, em que o valor da moeda tinha maior estimação.

Antonio de Sousa Macedo, porém, recusou tudo, desde a primeira grandeza de Inglaterra, à colossal fortuna com que a regia magnificên- cia a fazia acompanhar cm galardão e proveito d'este nosso illustre compatriota.

Respeitou Carlos II os escrúpulos dc Antonio de Sousa Macedo, pela alta comprehensão c con- ceito em que lhe tinha a grandeza da alma e a isenção do caracter, mas insistiu no proposito em que estava e a consciência o obrigava, escre- vendo a El-rei D. Pedro II de Portugal, para que ordenasse áquellc fidalgo que acceitassc as mercês que lhe fazia o rei ae Inglaterra.

Accedcu gostosamente o rei de Portugal ao pedido do rei dc Inglaterra, e ordenou terminan- temente ao fidalgo portuguez que acceitassc as mercês que lhe fazia o monarcha inglez.

N'cstes apuros Antonio de Sousa Macedo sem querer faltar ao seu proposito nem á obediência que devia a uma ordem do seu rei, declarou de- pois de apertado em muitas instancias «que para si nada queria, mas que, por dever de obediên- cia acceitaria para seu filho e successores, o tí- tulo e o pariato inglez, todavia quanto ás terras e seus rendimentos, regeitava tudo, absoluta- mente tudo; porque os jidalgos portugueses não fa^em serviços por dinheiro, d

A esta altiva e nobre isenção não houve mais que replicar, mas que louvar e celebrar a sua ele- vadíssima significação moral, pela qualidade da tempera do homem superior que punha em re- levo.

Estas nobilíssimas qualidades tornaram-se na família Mesquitella norma e preceito, que ne- nhum dos seus illustres descendentes até hoje deixou de seguir e imitar nobremente.

A casa Mesquitella está entrelaçada com prín- cipes não só da familia real portugueza, mas de outras nações e tem dado ao paiz altos funccio- narios para o governo das Inaias, vice-reis, em- baixadores, secretários de estado, generaes e á religião defensores e martyres dos quaes a egreja canonisou dois que ao Japão haviam ido pregar

DE OURO

a fé, e possue uma grande fortuna sendo todavia modelo de boa e regrada administração, sem fal- tar a nenhuma das liberalidades a que a nobreza da condição d'essa família obriga; liberalidades que, todavia, não se traduzem em faustos e ap- paratos supérfluos, mas em actos de bizarria fi- dalga e da mais pura caridade evangélica, que perpetua o amor do proximo como a primeira das virtudes christãs e dos deveres sociaes.

Não obstante, nos serviços á patria prestados pelos membros d'essa família com o desinteresse mais absoluto, tem por cila consumido uma boa parte dos seus haveres.

Sendo capitão general no Algarve o avô do actual conde, fez edificar a Villa Real de Santo Antonio, sem encargo nenhum para o thesouro.

Foi-lhe por esses serviços olíerecido o titulo de marquez de Villa Real de Santo Antonio c uma pensão do estado.

Uma e outra coisa foram cgualmcnte recusa- das, como quem não queria ver o mérito da sua obra, de que tão ligitimamente se ufanava, de- preciado com a idéa de que cila fora um pre- texto para acrescentamento maior de suas hon- ras e da sua fortuna.

O filho doeste illustre patriota e pae do esti- mável fidalgo dc quem vimos memorando as glo- riosas tradições dc familia, tendo sido enviado embaixador extraordinário á corte de Turim, não só se desempenhou do encargo com toda a ha- bilidade e talentos de que era dotado, como pa- gou dc seu bolso todas as despezas da embaixa- da, aliás valiosas, sem que acccitasse do thesouro os subsídios que lhe eram devidos e elle perti- nazmente recusou.

Á imitação de seu pae, o actual conde jámais recebeu, não sô do estado como ainda da casa real, a mais insignificante remuneração de seus serviços, sendo aliás certo ter o illustre fidalgo desde a mais tenra idade exercido no paço dos nossos reis e quasi todos os cargos de ofiicial- mór da casa real.

Ainda em 1870 organisando ministério seu tio, o duque de Saldanha, foi o sr. conde convidado para tomar parte no governo, como Ministro dos Negocios Estrangeiros sendo-lhe olíerecido o ti- tulo dc duque de Albuquerque c a Gran Cruz da Ordem de Christo por egual tudo foi nobremente recusado pelo digno continuador das virtudes cí- vicas d'esta^respeitável familia, sob pretextos os mais amaveis e respeitosos.

Um alevantado sentimento de delicadeza e lealdade obrigava 11'esse momento d recusa de tão merecida mercê, o fidalgo representante da antiga nobreza do reino e official da casa do rei.

A situação pouco constitucional creada pelo duque dc Saldanha n'essa epocha, levantava es- crúpulos na consciência do fidalgo inteiramente estranho ás luctas e paixões da politica do seu seu tempo e unicamente inspirado na tradição de seus maiores.

')/

O LIVRO DE OURO 43

Sc esse titulo, que é uma justíssima gloria que de direito assiste á casa Mesquitella, traduzisse a iniciativa expontânea do monarcha c fosse a expressão independente da sua vontade soberana, cm vez de um acto politico imposto pelas cir- cumstancias á sua saneção como chefe do estado, estamos que o nobre conde de Mesquitella não teria recusado a distineção que era feita na sua pessoa á illustre casa que representa.

Perdoe-nos s. ex.a a interpretação que damos a esse acto da sua vida, perfeitamente correcto e em que se põe em evidencia as finas qualida- des de um espirito delicado e toda a grandeza de alma de uma consciência recta e imparcial.

Tal c e foi a nobilíssima família de que nos temos oceupado, n'estcs breves traços, que são como que a moldura do quadro em que procura- mos destacar o perfil moral do illustre conde de Mesquitella.

D. João Afionso da Costa de Sousa Macedo Albuquerque, conde de Mesquitella, ê filho do conde do mesmo titulo D. Luiz da Costa de Sousa de Macedo e Albuquerque c da condessa D. Maria Ignacía de Saldanha Oliveira e Daum, filha do conde de Rio Maior e neta por parte de sua mãe, do extraordinário estadista marquez de Pombal.

Habilitado muito creança a entrar no collegio dos nobres, ahi formou o seu espirito cursando os estudos superiores e obteve em todos os an- nos os primeiros prémios devidos A sua applica- çao e talento.

Terminados os seus estudos pela maneira que fica exposta, seu pae resolveu para complemento da educação do joven fidalgo, mandai o em via- gem de instrucção ás principaes capitães da Eu- ropa.

Este acertado propósito dá bem a medida da sua illustração e bom senso.

Ei-rei agradavelmente impressionado pelas pre- coces manifestações da capacidade mental que distinguiam o laureado estudante e desejando por egual ser agradável a pae e filho não só agra- ciou com o titulo de conde o joven fidalgo, co- mo lhe fez mercê das honras de official mór da casa real para servir no impedimento de seu pae e da commenda de Nossa Senhora da Conceição de Viila Viçosa.

Com estes títulos que traduziam a considera- ção que disfruetava no seu paiz, se apresentou o joven fidalgo nas cortes de Hespanha, -Paris e Londres sendo recebido com as attenções devi- das á sua jerarchia c illustração, e as demonstra- ções do mais subido apreço.

Admittido á intimidade dos homens mais no- táveis d'essa epocha tanto na politica, como nas lettras e nas sciencias, o conde de Mesquitella, soube confirmar perfeitamente no estrangeiro o alto conceito, que os seus mentos pessoaes e na- tural talento lhe haviam alcançado no seu paiz.

Não estava ainda completo o itinerário da via-

gem que se proposera rcalisar quando veio sur- prehendel-o entre os prazeres da vida elegante de Paris, a noticia cruel e inesperada da morte de seu pae.

Este fatal acontecimento foi o maior e mais profundo golpe que ha ferido o coração do illus- tre fidalgo, mais subordinado á disciplina do es- pirito e da reflexão, que ás paixões que desorien- tam ainda as organisações mais privilegiadas.

Obrigado por clle a pôr immediatamente de parte os projectos e pnantasias de touriste, o conde de Mesquitella regressou ao seu paiz, tra- zendo como única recordação da viagem que em- prehendera, a idêa lúgubre de que perdera seu pae.

Nem as relações que cultivara nem os conhe- cimentos que adquerira n'esses paízes, podiam compensal-o da perda que sentira e do vácuo immenso que ella deixava na sua alma aonde até então, nem ainda até hoje, sentimento maior c mais santo se abrigou.

Não quiz a fatalidade que elle experimentasse o prazer de abraçar seu pae no regresso ao seu paiz e fosse testemunha do jubilo provável c na- tural do venerando ancião ao vcl-o regressar ao seu antigo solar, para continuar a illustrar com seus actos a esse nome que lhe era tão glorioso para si como para o paiz.

Esta morte prematura, este golpe que não era esperado, fez o homem de quem hoje tratamos e modificou-lhe por assim dizer o caracter, im- primindo-lhe esse cunho de gravidade e de refle- xão que o distinguem e recommendam.

A norma da sua vida assente desde esse mo mento em princípios invariáveis, jamais até hoje foi alterada por nenhumas circumstancias de oc- casião ou considerações de qualquer ordem.

Esta firmeza é traço característico dos homens superiores.

El-rei apenas o conde de Mesquitella se achou de regresso ao reíno, conferiu-lhe a commenda de Christo e investiu-o na posse dos cargos de 12.° armador-mór e 12.0 armeiro-mór do reino, que por suecessão lhe pertenciam, tomando tam- bém por suecessão assento na camará dos pares, dignidade a que seu pae fora elevado cm 1826.

Mas afflieções d'alma maiores que a votada a seu pae e consagrada á sua memoria, jamais quiz conhecer o illustre fidalgo.

Sabendo quanto custava a perda de um pae, não desejou nunca calcular quanto poderia cus- tar a perda de um filho, depois de ter experi- mentado a felicidade de o ver educar, illustrar- sc, íazer-sc homem c formar-se um cidadão de futuro promettedor e bem auspiciado.

Essas considerações por certo actuando no seu espirito reflectido, tenvno determinado até agora ao celibato, em cujo propósito tem permanecido sem que o demovam a idea de deixar descen- dente â casa, nem as propostas provocadoras da sua vaidade pessoal de allianças com as mais for-

O LIVRO DE OURO 43

Se esse titulo, que é urna justíssima gloria que de direito assiste á casa Mesquitella, traduzisse a iniciativa expontânea do monarcha e fosse a expressão independente da sua vontade soberana, em vez de um acto politico imposto pelas cir- cumstancias á sua saneção como chefe ao estado, estamos que o nobre conde de Mesquitella não teria recusado a distineçao que era feita na sua pessoa á ilíustre casa que representa.

Perdoe-nos s. ex.* a interpretação que damos a esse acto da sua vida, perfeitamente correcto e cm que se põe em evidencia as finas qualida- des de um espirito delicado e toda a grandeza de alma de uma consciência recta e imparcial.

Tal é e foi a nobilíssima família de que nos temos oecupado, n'estes breves traços, que são como que a moldura do quadro em que procura- mos destacar o perfil moral do illustre conde de Mesquitella.

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D. João Afíonso da Costa de Sousa Macedo Albuquerque, conde de Mesquitella, é filho do conde do mesmo titulo D. Luiz da Costa de Sousa de Macedo e Albuquerque e da condessa D. Maria Ignacia de Saldanha Oliveira e Daum, filha do conde de Rio Maior e neta por parte de sua mãe, do extraordinário estadista marquez de Pombal.

Habilitado muito creança a entrar no collegio dos nobres, ahi formou o seu espirito cursando os estudos superiores e obteve em todos os an- nos os primeiros prémios devidos á sua appliea- ção e talento.

Terminados os seus estudos pela maneira que fica exposta, seu pae resolveu para complemento da educação do joven fidalgo, mandai o em via- gem de instrucção ás principaes capitaes da Eu- ropa.

Este acertado proposito dá bem a medida da sua illustração e bom senso.

El-rei agradavelmente impressionado pelas pre- coces manifestações da capacidade mental que distinguiam o laureado estudante e desejando por egual ser agradavel a pae e filho não só agra- ciou com o titulo de conde o joven fidalgo, co- mo lhe fez mercê das honras de official mór da casa real para servir no impedimento de seu pae e da commenda de Nossa Senhora da Conceição de Mila Viçosa.

Com estes títulos que traduziam a considera- ção que disfructava no seu paiz, se apresentou o joven fidalgo nas cortes de Hespanha, Paris e Londres sendo recebido com as attenções devi- das á sua jerarchia e illustração, e as demonstra- ções do mais subido apreço.

Admittido á intimidade dos homens mais no- táveis d'essa epocha tanto na politica, como nas lettras e nas sciencias, o conde de Mesquitella, soube confirmar perfeitamente no estrangeiro o alto conceito, que os seus méritos pessoaes e na- tural talento lhe haviam alcançado no seu paiz.

Não estava ainda completo o itinerário da via-

gem que se proposera realisar quando veio sur- prehendel-o entre os prazeres da vida elegante de Paris, a noticia cruel e inesperada da niorte de seu pae.

Este fatal acontecimento foi o maior e mais profundo golpe que ha ferido o coração do illus- tre fidalgo, mais subordinado á disciplina do es- pirito e da reflexão, que ás paixões que desorien- tam ainda as organisações mais privilegiadas.

Obrigado por elle a pôr immediatamente de parte os projectos e phantasias de touriste, o conde de Mesquitella regressou ao seu paiz, tra- zendo como única recordação da viagem que em- prehendera, a idea lugubre de que perdera seu pae.

Nem as relações que cultivára nem os conhe- cimentos que adquerira n'esses paízes, podiam eompensal-o da perda que sentira e do vacuo immenso que ella deixava na sua alma aonde até então, nem ainda até hoje, sentimento maior e mais santo se abrigou.

Não quiz a fatalidade que elle experimentasse o prazer de abraçar seu pae no regresso ao seu paiz e fosse testemunha do jubilo provável e na- tural do venerando ancião ao vel-o regressar ao seu antigo solar, para continuar a illustrar com seus actos a esse nome que lhe era tão glorioso para si como para o paiz.

Esta morte prematura, este golpe que não era esperado, fez o homem de quem hoje tratamos e modificou-lhe por assim dizer o caracter, im- primindo-lhe esse cunho de gravidade e de refle- xão que o distinguem e recommendam.

A norma da sua vida assente desde esse mo mento em princípios invariáveis, jamais até hoje foi alterada por nenhumas circumstancias de oc- casião ou considerações de qualquer ordem.

Esta firmeza é traço caracteristico dos homens superiores.

El-rei apenas o conde de Mesquitella se achou de regresso ao reino, conferiu-lhe a commenda de Christo e investiu-o na posse dos cargos de !2.° armador-mór e 12.0 armeiro-mór do reino, que por successão lhe pertenciam, tomando tam- bém por successão assento na caniara dos pares, dignidade a que seu pae fora elevado em 1826.

Mas afflicções d'alma maiores que a votada a seu pae e consagrada á sua memoria, jâmais quiz conhecer o illustre fidalgo.

Sabendo quanto custava a perda de um pae, não desejou nunca calcular quanto poderia cus- tar a perda de um filho, depois de ter experi- mentado a felicidade de o vêr educar, illustrar- se, fazer-se homem e formar-se um cidadão de futuro promettedor e bem auspiciado.

Essas considerações por certo actuando no seu espirito reflectido, tem-no determinado até agora ao celibato, em cujo proposito tem permanecido sem que o demovam a idéa de deixar descen- dente â casa, nem as propostas provocadoras da sua vaidade pessoal de allianças com as mais for-

44 O LIVRO DE OURO

mosas damas não só da corte portugucza como das cortes estrangeiras, onde uma princeza lhe foi offerecida em casamento.

A todas estas solicitações o conde de Mesqui- tella tem sabido ser superior, tornando-as um objecto de galanteria e intertenimento elegante.

<$\,l/3

Honrado com a particular estima do chorado monarcha D. Pedro V, foi por elle convidado por mais de uma vez a acceitar a nomeação de seu camarista e veador da rainha D. Estephania; convites a aue soube esquivar-se com os pretex- tos mais delicados, que forçoso foi ao rei accei- tal-os, com pezar seu.

Idênticas solicitações lhe foram feitas por parte de outros membros da nossa Familia Real.

Tanto na occasião da chegada a Lisboa da rainha D. Estephania, como da rainha, a senho- ra D. Maria Pia de Saboya, o conde de Mesqui- tella foi o fidalgo portuguez incumbido de rece- ber ao desembarque no Terreiro do Paço, as au- gustas senhoras.

A fama da não excedida galanteria cortezã do nobre conde recommcndavam-n,o para essa mis- são de honra, ao mesmo tempo uma homenagem prestada pelos monarchas portuguezes á natural distineção d^ste fidalgo.

Por essa occasião el rei concedeu-lhe a gran- cruz da ordem militar de Nossa Senhora da Con- ceição de Yilla Viçosa, e mais tarde confiando- Iheo commando da guarda real dos archeiros por impedimento do duque de Palmella.

Temos exposto, quanto ao homem publico, o bastante para o apreciarmos com justiça. Não ha na sua vida presente e passada uma nota discor- dante. Ella obedece invariavelmente aos mesmos dictames do dever e da honra.

É, dadas as variantes das circumstancias do tempo e da ordem diversa das idéas, a conti- nuação austera dos exemplos tradicionaes da sua familia, cuja historia se entrelaça em relações in- timas com os factos e épocas mais notáveis da historia pátria.

O conde de Mesquttella ê por isso um espiri- to illustrado, uma alma affectuosa sem rancores que a prevertam, nem paixões que a deslus- trem.

A imparcialidade c para elle a expressão da justiça e a justiça a expressão do direito, assim como a lealdade o primeiro dos deveres.

Por isso as suas crenças e condições não of- fendem ninguem e conquistam o respeito de to- dos.

Quanto a homem particular bastaria aceres- centar que, para supprir o isolamento da sua vida de celibatário, o illustre fidalgo adoptou por sua a numerosa familia de pobres recolhidos e proletários honestos, que habita não só algumas dependências do seu palácio, como as proximi- dades d^elle.

E' essa familia adoptiva que enche de benção

todos os dias o solar dos Macedos, residência do actual conde de Mesquitella; é dessas bênçãos 3ue se alimenta a alma affectuosa d^sse fi-

algo. Nos dias próprios para as recepções das ren-

das que são attribulados para todos que não dis- põe de fortuna e cruéis para os que mal po- dem supprir as necessidades impreteriveis do pão de cada dia, esse solar è refugio certode quan- tos sabem corresponder á generosa bizarria do illustre conde que, com os títulos das suas pro- priedades não ê menos fidalgo que com os títu- los da sua nobreza, por que elles nunca lhe ser- viram de pretexto ao exercício de uma violência ou abuso de um direito, ou a qualquer acto vil- lão de que o egoísmo interesseiro de alguns ar- gentados nobilitados não escrupulisa utilisar-se.

E' que n^quelle palácio do Poço Novo que muitos cuidam a quasi deserta habitação do fi- dalgo celibatário, se encontra e reúne uma corte numerosa, os pobres; corte a que a esposa es- piritual d^sse fidalgo, a caridade, preside com a soberana sollicitude de uma affectuosa mãe.

Tanto assim que tendo ha três annos entrado na convalescença de uma febre muito grave, o sr. conde de Mesquitella e deliberando a irman- dade do Santíssimo da sua freguezia celebrar um Te-Deum em acção de graças pelo seu restabele- cimento, esse exemplo foi immediatamente se- guido por todos os seus inquilinos, que para esse fim se cotisaram, assistindo ao acto religioso to- dos os que, por suas circumstancias de fortuna, para elle não poderam contribuir e aos quaes o sr. conde dá, como já indicámos, casa gratuita- mente.

Estes traços são bastante expressivos e cre- mos que completam d'uma maneira brilhante a physionomia moral d'este fidalgo, em que legiti- mamente acertam os títulos de nobreza com a nobreza do caracter e das acções.

E' a essas circumstancias que nós mais par- ticularmente prestamos as nossas homenagens.

A velha aristocracia portugucza tem no no- bre conde um representante legitimo das glo- rias do seu passado, que em nenhum acto da sua vida desdiz das tradições que lhe foram le- gadas.

O conde de Mesquitella é do conselho de sua magestade, par do reino, armador-mór de el-rci, armeiro-mór do reino, grã-cruz da ordem mili- tar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, commendador da ordem de Christo e condecorado com varias outras ordens estran- geiras.

Registando estes apontamentos em que se re- flectem as virtudes de "eracões passadas já aos domínios da historia e da critica, prestamos uma homenagem que lhes é devida e offerecemos á apreciação desapaixonada dos que teem por ideal a verdade e a justiça, elementos seguros de apre- ciação imparcial.

llCNcrvailo* íoiio» o* direito* de propriedade lltte- rarln.

TYP. MATTOS MOREIRA—TRAÇA DOS RESTAURADORES, t5 C l6

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mosas damas não só da corte portugueza como das cortes estrangeiras, onde uma prínceza lhe foi offerecida em casamento.

A todas estas solicitações o conde de Mesqui- tella tem sabido ser superior, tornando-as um objecto de galanteria e intertenimento elegante.

Honrado com a particular estima do chorado monarcha D. Pedro V, foi por elle convidado por mais de uma vez a acceitar a nomeação de seu camarista e veador da rainha D. Estephania; convites a que soube esquivar-se com os pretex- tos mais delicados, que forçoso foi ao rei accei- tal-os, com pezar seu.

Idênticas solicitações lhe foram feitas por parte de outros membros da nossa Familia Ileal.

Tanto na occasião da chegada a Lisboa da rainha D. Estephania, como da rainha, a senho- ra D. Maria Pia de Saboya, o conde de Mesqui- tella foi o fidalgo portuguez incumbido de rece- ber ao desembarque no Terreiro do Paço, as au- gustas senhoras.

A fama da não excedida galanteria cortezã do nobre conde recommendavam-n,o para essa mis- são de honra, ao mesmo tempo uma homenagem prestada pelos monarchas portuguezes á natural distineção d'este fidalgo.

Por essa occasião el rei concedeu-lhe a gran- cruz da ordem militar de Nossa Senhora da Con- ceição de Villa Viçosa, e mais tarde confiando- Ihe o commando da guarda real dos archeiros por impedimento do duque de Palmella.

Temos exposto, quanto ao homem publico, o bastante para o apreciarmos com justiça. Não ha na sua vida presente e passada uma nota discor- dante. Ella obedece invariavelmente aos mesmos dictames do dever e da honra.

É, dadas as variantes das circumstancias do tempo e da ordem diversa das idéas, a conti- nuação austera dos exemplos tradicionaes da sua família, cuja historia se entrelaça em relações in- timas com os factos c épocas mais notáveis da historia patria.

O conde de Mesquitella é por ísso um espiri- to illustrado, uma alma aííectuosa sem rancores que a prevertam, nem paixões que a deslus- trem.

A imparcialidade c para elle a expressão da justiça e a justiça a expressão do direito, assim como a lealdade o primeiro dos deveres.

Por isso as suas crenças e condições não of- fendem ninguém e conquistam o respeito de to- dos.

Quanto a homem particular bastaria accres- ccntar que, para supprir o isolamento da sua vida de celibatário, o iIlustre fidalgo adoptou por sua a numerosa familia de pobres recolhidos e proletários honestos, que habita não só algumas dependências do seu palacio, como as proximi- dades dVle.

E' essa familia adoptiva que enche de benção

todos os dias o solar dos Macedos, residência do actual conde de Mesquitella; é d'essas bênçãos 3ue se alimenta a alma aííectuosa d'esse fi-

algo. Nos dias próprios para as recepções das ren-

das que são attribulados para todos que não dis- põe de fortuna e cruéis para os que mal pó- dem supprir as necessidades impreteriveis do pão de cada dia, esse solar è refugio certo de quan- tos sabem corresponder á generosa bizarria do illustre conde que, com os títulos das suas pro- priedades não é menos fidalgo que com os títu- los da sua nobreza, por que elles nunca lhe ser- viram de pretexto ao exercício de uma violência ou abuso de um direito, ou a qualquer acto vil- 15o de que o egoísmo interesseiro de alguns ar- gentarios nobilitados não escrupulisa utilisar-se.

E' que nVquelle palacio do Poço Novo que muitos cuidam a quasi deserta habitação do fi- dalgo celibatário, se encontra e reúne uma corte numerosa, os pobres; corte a que a esposa es- piritual doesse fidalgo, a caridade, preside com a soberana sollicitude de uma aííectuosa mãe.

Tanto assim que tendo ha tres annos entrado na convalescença de uma febre muito grave, o sr. conde de Mesquitella e deliberando a irman- dade do Santíssimo da sua freguezia celebrar um Te-Deum em acção de graças pelo seu restabele- cimento, esse exemplo fot immediatamente se- guido por todos os seus inquilinos, que para esse fim se cotisaram, assistindo ao acto religioso to- dos os que, por suas circumstancias de fortuna, para elle não poderam contribuir c aos quaes o sr. conde dá, como já indicámos, casa gratuita- mente.

Estes traços são bastante expressivos e cre- mos que completam d'uma maneira brilhante a physionomia moral d'estc fidalgo, em que legiti- mamente acertam os títulos ae nobreza com a nobreza do caracter e das acções.

E' a essas circumstancias que nós mais par- ticularmente prestamos as nossas homenagens.

A velha aristocracia portugueza tem no no- bre conde um representante legitimo das glo- rias do seu passado, que em nenhum acto da sua vida desdiz das tradições que lhe foram le- gadas.

O conde de Mesquitella ó do conselho de sua magestade, par do reino, arrnador-mór de el rei, armeiro-mór do reino, grã-cruz da ordem mili- tar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, commendador da ordem de Christo e condecorado com varias outras ordens estran- geiras.

Registando estes apontamentos em que se re- flectem as virtudes de gerações passadas já aos domínios da historia e da critica, prestamos uma homenagem que lhes é devida e oíícrecemos á apreciação desapaixonada dos que teem por ideal a verdade e a justiça, elementos seguros de apre- ciação imparcial.

■tCMcrvailo* todo» ok direito* dc propriedade littc- rarla.

TVP. MATTOS MOREIRA—PRAÇA DOS RESTAURADORES, l5 E l6

O LIVRO DE OURO Ttiographias dos personagens mais disíinctos em politica,

armas, religião, leltras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

YL

AN NO II — VOLUMK I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL 1£ BRAZIL ABRIL —iSSô

Luiz íiiiimaríies Júnior

Desde que no cérebro dos primitivos habitan- tes da terra se operou aquella prodigiosa opera- ção de transformismo óptimo, que produsiu^o animal-pensante os braços e os olhos, o coração e o pensamento d'csscs novos seres que a lucta devia tornar mais tarde quasi rivaes da Divin- dade omnipotente, erguerem-se para o Ceu.

É que viam alli os dois mais grandiosos espe- ctáculos: para a matéria —o Firmamento, para o espirito —Deus.

Ao Creador Supremo aprouve então brindar a Humanidade nascente, c offertar-lhe um mimo mais que principesco — divino; — arrancou dos céus uma das suas estreitas e atirou-a rutilante e refulgente âquelles que com os olhos e o pen- samento pretendiam desvendar a cerrada nuvem que lhes oceultava as bellezas incomparáveis do Desconhecido. Esse astro chamava-se Génio.

Dividido em partículas infinitas o astro scin- tillante, presente do Eterno, foi partilhado pelos homens.

Essas partículas geniaes tomaram depois di- versos nomes consoante as suas aptidões; esta denominou se Arte, aquclla, Sciencia, aquelPou- tra Poesia c todas se designam por um titulo gencrico 1alento.

&

É ao possuidor diurna d'essas partículas pre- ciosas e peregrinas que nos vamos referir; é a um poeta por excellencia na mais elevada acce- pção do vocábulo que vamos dedicar algumas linhas.

O que d a poesia ? A traducção em linguagem humana de todas

as sublimidades dispersas pela Natureza. O cân- tico das aves, a gravitação das espheras, as me- lodias do oceano não podem ter outra traducção que não seja o poema. As suavíssimas alegrias e as assombrosas dores do coração humano não podem exprimir-se senão pelo edylío ou pela ele- gia.

O sábio pôde surprehender as forças da na- tureza na electricidade e no vapor e subordi- nadas á sua vontade poderosa, obrigando uma

a levar-lhe a expressão dos seus sentimentos, dos seus desejos aos confins da terra com velo- cidade equivalente á do pensamento; pôde obri- gar a natureza a encher o férreo ventre das suas machinas c das suas locomotivas; mas fallar a linguagem incomprehcnsivel e mysteriosa que só Deus e os anjos comprehendem, essa suprema faculdade do génio, cabe unicamente ao poeta.

As machinas passam rapidamente a nossos olhos voando ligeiras como o vento ou lidando rápidas como o escravo mais obediente e ope- roso. A electricidade pôde realisar proilgios es- pantosos fallando a lingua humana atravez dos seus telephones c dos seus phonographos.

Tudo isso passa, esquece e morre; mas a lin- guagem sublime e mystica da Poesia essa fica sempre, vive eternamente, porque éamaisbclla e a mais pura das partículas geniaes.

Muda a forma, altera se o systcma, aperfei- çoa-se o contorno, mas o Bello de hontem per- manece indelével porque ê a genuína inspiração da Divindade creadora.

Franklin foi eclipsado por Fulton e Edison; Hipócrates não lembra depois de Gallcno e Averroes; Newton foi excedido pelos naturalis- tas do século passado; porém Virgílio e Homero serão sempre os grandes cantores da antiguida- de, assim como Milton e Camões são príncipes dos poetas do seu tempo.

A gloria de uns não eclipsa a de outros.

• •-<.?.'—■"

É a um filho dilecto das musas; a um herdeiro opulentíssimo da inspiração dos poetas mais laureados do mundo; a um d^esses homens que atravessam as sociedades vivendo pela alma c pelo coração e que por isso passam soffrendo pelas gerações que muitas vezes os não compre- hendem, — que nos vamos referir.

Luiz Guimarães Júnior é uma natureza privi- legiada, d'essas naturezas que sabem compre- hender todas as dores, por que possuem sensi- bilidade bastante para as partilharem; um des- ses homens que tem todas as delicadezas do" coração e por isso a sua alma vibra como a harpa eólia ao perpassar das mais ténues brisas.

O LIVRO DE OURO

7tiographias dos personagens mais distinctos cm politica,

armas, religião, Icttras, sc iene ias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO II — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL ABRIL — iSSó

Luiz Guimarães Junior

Desde que no cerebro dos primitivos habitan- tes da terra se operòu aquella prodigiosa opera- ção de transformismo optimo, que produsiu o ánimal-pensante os braços e os olhos, o coração e o pensamento d'esses novos seres que a lucta devia tomar mais tarde quasi rivaes da Divin- dade omnipotente, erguerem-se para o Ceu.

É que viam alli os dois mais grandiosos espe- ctáculos: para a materia —o Firmamento, para o espirito —Deus.

Ao Creador Supremo aprouve então brindar a Humanidade nascente, e oflertar-lhe um mimo mais que principesco — divino; — arrancou dos ceus uma das suas estrellas e atirou-a rutilante e refulgente áquelles que com os olhos e o pen- samento pretendiam desvendar a cerrada nuvem que lhes occultava as bellczas incomparáveis do Desconhecido. Esse astro chamava-se Génio.

Dividido cm partículas infinitas o^ astro scin- tillante, presente do Eterno, foi partilhado pelos homens.

Essas partículas geníaes tomaram depois di- versos nomes consoante as suas aptidões; esta denominou-sc Arte, aquella, Sciencia, aquelPou- tra Poesia e todas se designam por um titulo genérico Talento.

&

É ao possuidor d'uma d'essas partículas pre- ciosas e peregrinas que nos vamos referir; é a um poeta por excellencia na mais elevada acce- pção do vocábulo que vamos dedicar algumas linhas.

O que é a poesia ? A traducção em linguagem humana de todas

as sublimidades dispersas pela Natureza. O cân- tico das aves, a gravitação das espheras, as me- lodias do oceano não podem ter outra traducção que não seja o poema. As suavíssimas alegrias e as assombrosas dores do coração humano não podem exprimir-sc senão pelo edylio ou pela ele- gia.

O sábio pódc surprehender as forças da na- tureza na electricidade e no vapor e subordi- nal-as á sua vontade poderosa, obrigando uma

a levar-lhe a expressão dos seus sentimentos, dos seus desejos aos confins da terra com velo- cidade equivalente á do pensamento; pôde obri- gar a natureza a encher o ferreo ventre das suas machinas e das suas locomotivas; mas fallar a linguagem incomprehcnsivel e mysteriosa que só Deus e os anjos comprehendem, essa suprema faculdade do génio, cabe unicamente ao poeta.

As machinas passam rapidamente a nossos olhos voando ligeiras como o vento ou lidando rapidas como o escravo mais obediente e ope- roso. A electricidade pôde realisar prod gios es- pantosos fallando a lingua humana atravez dos seus telephones e dos seus phonographos.

Tudo isso passa, esquece e morre; mas a lin- guagem sublime e mystica da Poesia essa fica sempre, vive eternamente, porque éamaisbclla e a mais pura das partículas geniaes.

Muda a fórma, altera se o systema, aperfei- çoa-se o contorno, mas o Bello de hontem per- manece indelével porque é a genuína inspiração da Divindade creadora.

Franklin foi eclipsado por Fulton e Edison; Hipocrates não lembra depois de Galieno e Averrocs; Newton foi excedido pelos naturalis- tas do século passado; porém Virgilio e Homero serão sempre os grandes cantores da antiguida- de, assim como Milton e Camões são príncipes dos poetas do seu tempo.

A gloria de uns não eclipsa a de outros.

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Ê a um filho dilecto das musas; a um herdeiro opulcntissimo da inspiração dos poetas mais laureados do mundo; a um dresses homens que atravessam as sociedades vivendo pela alma e pelo coração e que por isso passam sofírendo pelas gerações que muitas vezes os não compre- hendem, — que nos vamos referir.

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Luiz Guimarães Junior é uma natureza privi- legiada, d'essas naturezas que sabem compre- hender todas as dòres, por que possuem sensi- bilidade bastante para as partilharem; um d'es- ses homens que tem todas as delicadezas do' coração e por isso a sua alma vibra como a harpa eólia ao perpassar das mais tenues brisas.

46 O LIVRO DE OURO

Almas admiravelmente dotadas elles decifram, comprehcndem e sentem o que o vulgo na sua animalidade inconsciente não consegue sequer advinhar.

São por isso duplamente venturosos ? não; são por isso simplesmente mais desafortunados.

Luiz Guimarães Júnior é, repetimos, uma natu- reza esplendida e assombrosamente privilegiada e ainda mal para clle; porque se as alegrias do seu coração tem alguma cousa de divino c im- material, a dur é também na sua alma giganteo titan que a esmaga e despedaça com as torturas horríveis da imaginação inquisitória], que logrou descobrir todos os recônditos da Dôr, e sondar os abysmos profundos, em que pôde afundar-se o máximo soffrimento.

Luiz Guimarães Júnior é da plêiade litterana moderna, a a^uia que mais alto voa, auc mais se aproxima as alturas olympicas d^onae domi- nava as lettras francezas o grande Victor Hugo.

Luiz Guimarães é um poeta lyrico incompa- ravel. Uma composição sua ê um acontecimento litterario, e se o nosso asserto não fosse um axio- ma, provado o tem o grande apreço publico que merecem todas essas producções.

Luiz Guimarães é um homem bello e um bello homem. Na sua physionomia sympathica e at- trahente encontram-se as linhas que os physio- nomistas consideraram indicativas dos mais no- bres e elevados sentimentos, nos seus olhos lím- pidos espelha-se uma alma formosa; no seu sor- riso fagueiro e.\primem-se todos os sentimentos afáveis; na sua dicção franca e leal traduzem-se as mais nobres inspirações e a mais requintada modéstia. Gall e Laváter tel-o-hiarn admirado como um typo completo da perfeição terrena. Na sua fronte espaçosa e ampla encontram se os indicativos da intelligcncia orientada para o Bem: é elle, emfim, o mais bello traço de união do ve- lho mundo ao mundo novo.

Um dos nossos mais talentosos escriptores disse d^lle: Luiz Guimarães é simplesmente um dos maiores poetas que tem escripto em lingua portugueza. Esta apreciação concreta é uma das mais rectas que se tem feito ao talento d^ste homem invejável.

W

Nasceu Luiz Caetano Pereira de Guimarães Jú- nior no Rio de Janeiro aos 17 de fevereiro de 1843.

Foram seus progenitores José Caetano Pereira Guimarães, portuguez, e sua esposa, dama bra- zileira. Doesta juneção nasceram cm sua alma os sentimentos aílectuosos que dedica a estas duas nações sympathicas; Portugal, a nação dos gran- des feitos históricos, que encheu o mundo com a fama das suas homéricas façanhas e o Brazil a pátria do sol e das pujanças de uma natureza luxuriante c opulenta.

Na sua imaginação ardente reproduzem-se as inspirações doestas'duas grandiosidades.

De Portugal tem os pensamentos gigantescos; do Brazil a suavidade amena.

Desde os primeiros annos que estes senti- mentos superiores se rcvellaram n'ellc e, como Bocage :

«das faixas infantis despido apenas sentia o sacro fogo arder na mente.»

Natureza ardente e apaixonada vibrava rPelle a corda da sensibilidade que produz os Lamartine, os Hugo, os Dante c os Pctrarcha.

A faculdade juridiea de Pernambuco contou-o no numero dos seus alumnos mais dilectos e es- clarecidos e com muita distineção concluiu a sua formatura em Direito.

Os meandros da justiça tantas vezes injusta e ingrata não lhe mereceram sympathia. Á sua alma talhada nos grandes moldes dos génios re- pugnavam os escarninhos labyrinthos do pro- cesso e dos julgamentos que nem sempre estão cm harmonia com a idéa sobrehumana do Justo.

Um outro campo mais florido e mais vasto se offerecia á sua intellectuidade singular: a vida di- plomática c onde a intelligencia e a sabedoria podem prestar mais assignalados serviços á Humanidade. Alhear dVste campo um legioná- rio tão ferveroso e ardente, tão sinceramente devotado á causa da Civilisação e do Progresso seria uma culpa grave. Plantae uma camélia en- tre mattos c vela«heis definhar e morrer.

Luiz Guimarães lançou se pois de coração nVssa vereda abrolhosa mas cheia de gloria; e a primeira commissão que recebeu do governo bra- zileiro foi a de representar o império junto á" re- publica do Chili na qualidade de addido á lega- ção brazileira, em 1872.

No anno seguinte foi transferido no mesmo cargo para a legação imperial em Londres onde foi curtir a nostalgia do límpido ceu e do formoso sol americano.

De Londres passou á Itália, á histórica Roma, onde durante cinco annos se consagrou ao estu- do da Arte nas suas mais sublimes e grandio- sas manifestações.

Por toda a parte ia colhendo os louros devi- dos aos seus merecimentos de poeta originalís- simo e superior.

Desde 1878 que se acha entre nós exercendo o cargo de secretario de embaixada, tendo n^ste espaço desempenhado diversas commissões co- mo a de delegado do Brazil ao Congresso pos- tal Internacional, ctc.

Dizer que em todos estes cargos e commis- sões Luiz Guimarães deixou assignalada a inter- ferência da sua notabilissima individualidade é por certo ocioso.

Homem de talento incontestável c geralmente reconhecido, conhecedor das necessidades e dos interesses das sociedades modernas, não podia deixar de promover as conquistas da civilisação e do progresso.

Os seus notáveis serviços, a sua extremada superioridade e o seu talento invejável conquis- taram-lhc sympathias e estima em todas as cor- tes onde tem passado.

O monarcha brazileiro, cavalheiro também ta- lentoso c académico distincto, apreciador sincero do verdadeiro mérito consagra-lhe uma afieiçao

O LIVRO DE OURO

Almas admiravelmente dotadas elles decifram, comprehendem e sentem o que o vulgo na sua animalidade inconsciente não consegue sequer advinhar.

São por isso duplamente venturosos ? não; são por isso simplesmente mais desafortunados.

Luiz Guimarães Junior é, repetimos, uma natu- reza esplendida e assombrosamente privilegiada e ainda mal para clle; porque se as alegrias do seu coração tem alguma cousa de divino e im- material, a dor é também na sua alma giganteo titan que a esmaga e despedaça com as torturas horríveis da imaginação inquisitorial, que logrou descobrir todos os recônditos da Dor, e sondar os abysmos profundos, em que pôde afundar-se o máximo soffrimento.

Luiz Guimarães Junior é da pleiade litteraria moderna, a aguia que mais alto vua, que mais se aproxima as alturas olympicas dbnae domi- nava as Icttras írancezas o grande Victor Hugo.

Luiz Guimarães é um poeta lyrico incompa- ravel. Uma composição sua è um acontecimento litterario, e se o nosso asserto não fosse um axio- ma, provado o tem o grande apreço publico que merecem todas essas producções.

Luiz Guimarães é um homem bello e um bello homem. Na sua physionomia sympathica c at- trahente encontram-se as linhas que os physio- nomístas consideraram indicativas dos mais no- bres e elevados sentimentos, nos seus olhos lím- pidos espelha-se uma alma formosa; no seu sor- riso fagueiro e.\primem-se todos os sentimentos afaveis; na sua dicção franca c leal traduzcm-sc as mais nobres inspirações e a mais requintada modéstia. Gall e Lavátcr tel-o-hiarn admirado como um tvpo completo da perfeição terrena. Na sua fronte espaçosa e ampla encontram se os indicativos da intelligcncia orientada para o Bem: é clle, cmfim, o mais bello traço de união do ve- lho mundo ao mundo novo.

Um dos nossos mais talentosos cscriptores disse d'elle: Luiz Guimarães é simplesmente um dos maiores poetas que tem cscripto em lingua portugueza. Ésta apreciação concreta é uma das mais rectas que se tem feito ao talento d^ste homem invejável.

w -t-

Nasceu Luiz Caetano Pereira de Guimarães Ju- nior no Rio de Janeiro aos 17 de fevereiro de 1846.

Foram seus progenitores José Caetano Pereira Guimarães, portuguez, e sua esposa, dama bra- zileira. D'esta juneção nasceram em sua alma os sentimentos aíléctuosos que dedica a estas duas nações sympathicas; Portugal, a nação dos gran- des feitos históricos, que encheu o mundo com a fama das suas homéricas façanhas e o Brazil a patria do sol e das pujanças de uma natureza luxuriante e opulenta.

Na sua imaginação ardente reproduzem se as inspirações destas duas grandiosidades.

De Portugal tem os pensamentos gigantescos; do Brazil a suavidade amena.

Desde os primeiros annos que estes senti- mentos superiores se revellaram n'elle e, como Bocage:

«das faixas infantis despido apenas senna o sacro fogo arder na mente.»

Natureza ardente e apaixonada vibrava n'ellc a corda da sensibilidade que produz os Lamartine, os Hugo, os Dante' e os Petrareha.

A faculdade juridiea de Pernambuco contou-o no numero dos seus alumnos mais dilectos e es- clarecidos e com muita distineção concluiu a sua formatura em Direito.

Os meandros da justiça tantas vezes injusta e ingrata não lhe mereceram sympatbia. Ã sua alma talhada nos grandes moldes dos génios re- pugnavam os escarninhos labyrinthos do pro- cesso e dos julgamentos que nem sempre estão em harmonia com a idéa sobrehumana do Justo.

Um outro campo mais florido e mais vasto se oíTercáa á sua intellectuidade singular: a vida di- plomático é onde a intelligencia e a sabedoria podem prestar mais assignalados serviços á Humanidade. Alhear d'este campo um legioná- rio tão ferveroso e ardente, tão sinceramente devotado à causa da Civilisação e do Progresso seria uma culpa grave. Plantae uma camélia en- tre mattos e vel a-hels definhar e morrer.

Luiz Guimarães lançou se pois de coração n^ssa vereda abrolhosa mas cheia de gloria; e a primeira commissão que recebeu do governo bra- zileiro foi a de representar o império junto á re- publica do Chili na qualidade de addido á lega- ção brazileira, em 1872.^

No anno seguinte foi transferido no mesmo cargo para a legação imperial em Londres onde foi curtir a nostalgia do limpido ceu c do formoso sol americano.

De Londres passou á Italia, á histórica Roma, onde durante cinco annos se consagrou ao estu- do da Arte nas suas mais sublimes e grandio- sas manifestações.

Por toda a parte ia colhendo os louros devi- dos aos seus merecimentos de poeta originalís- simo e superior.

Desde 1878 que se acha entre nós exercendo o cargo de secretario de embaixada, tendo n'este espaço desempenhado diversas commissões co- mo a de delegado do Brazil ao Congresso pos- tal Internacional, etc.

Dizer que em todos estes cargos e commis- sões Luiz Guimarães deixou assignaiada a inter- ferência da sua notabilissima individualidade ú por certo ocioso.

Homem de talento incontestável e geralmente reconhecido, conhecedor das necessidades e dos interesses das sociedades modernas, não podia deixar de promover as conquistas da civilisação e do progresso.

Os seus notáveis serviços, a sua extremada superioridade e o seu talento invejável conquis- taram-lhe sympathias e estima em todas as cor- tes onde tem passado.

O monarcha braziteiro, cavalheiro também ta- lentoso e académico distíncto, apreciador sincero do verdadeiro mérito consagra-lhe uma afieição

yj O LIVRO DE OURO 47

particular, porque reconhece n'elle um dos mais gloriosos filhos da America portugueza.

DVissa estimação tem provas Luiz Guimarães Júnior nas numerosas mercês que tem recebido das diversas cortes.

E porem no mundo litterario, e nos trabalhos artísticos da penna que Luiz Guimarães tem ma- nifestado toda a grandesa da sua intcllectuidade. E' tfcsta feição característica que nos vamos oc- cupar mais detidamente porque ê n^Ua que se tem revelado em toda a plenitude o perfil ma- gestoso do seu vulto.

Q\\/3

Luiz Guimarães encetou a sua carreira escre- vendo litteratura amena no cDiario do cRio de Janeiro, o primeiro periódico do império e dis- tinguiu-se loco especialmente nos artigos críticos em que manifestou um senso especial.

O jornal è o vehiculo do pensamento. Se con- siderarmos a civilização pela sua face material, diremos que se semelha a um comboio atraves- sando com a Humanidade a longa extensão dos tempos e das idades; a locomotiva que a arrebata por montes e valles, planícies e desfiladeiros, transpondo abysmos e vencendo penedias - é o periódico.

O sábio pôde meditar largamente sobre o aperfeiçoamento da sociedade, pôde resolver no silencio do gabinete os mais intrincados proble- mas da lueta pela existência; pôde escavar das ruínas da Historia e extrahir dos escombros dos grandes cataclysmos lições e ensinamento, que o seu labor ficará por muito tempo estéril e in- fecundo, se o periódico, se o jornalismo os não tomar nas suas garras acerinas e os levar em pe- regrinação por toda o orbe. Só então as mais soberbas doutrinas, os mais tangíveis axiomas se poderão traduzir em factos.

Caminhar sempre, luetar sempre é a eterna e gloriosa aspiração do ser intelligente e forte cha- mado homem. O jornalismo é a manifestação d'esta intensa verdade, por isso a sua divisa é a mesma do trabalho—progredior.

Luiz Guimarães comprehendedor admirável das mais santas verdades phylosophicas tem sido pois um jornalista ardente e incansável. Em to- das as terras onde se tem demorado algum tem- po tem consagrado alguns trabalhos á litteratura periódica. Poucos escriptores podem contar col- laboração em maior numero de jornaes. Em Por- tugal temos encontrado o seu nome em varia- díssimas publicações. O cDiario Illustrado, a fo- lha escolhida e preferida pela sociedade elegante tem honrado as suas columnas com muitas pro- ducções mimosas como são todas as que proma- nam da magica penna do insigne poeta.

Em livro tem feito publicações que são admi- radas em Portuga] e Brazil.

O seu primeiro volume de versos a que deu o titulo de Corymbos publicado em Pernambuco causou sensação e os Sonetos e Rimas editado em Roma, consagraram-lhe os foros do maior poeta

que tem escripto modernamente em língua por- tugueza.

A estes seguiu-se uma longa serie porque Luiz Guimarães ê um escriptor laborioso e fecundo. A Pai ria do ideal obra escripta em Roma e con- sagrada a Itália, exprime o assombro de um grande espirito perante as glorias de um povo grande. Descripções magnificas, paginas encan- tadoras comtêm esse livro em que vibra a alma do poeta desferida pelo contacto com as gran- desas da Arte.

A estas suecederam e acompanharam muitas outras, de que faremos um breve apontamento bibliographíco.

Historias para gente alegre, 2 vol.; Curtias e Zigs-yags, 1 vol.; Filagranas, 1 vol.; Contos sem pretenção, Nocturnos; Biographias de Carlos Go- mes; de Pedro Américo, etc.

K para o theatro : Os dramas: André Vidal, 5 actos, e Quedas

fataes, 5 actos; e as comedias: Uma scena con- temporânea. Um demónio, O caminho mais curto A gallinha e os pintos; etc., etc.

Algumas doestas composições foram represen- tadas recebendo o auetor a confirmação do seu merecimento no ruidoso applauso das platéas do Rio de Janeiro e Pernambuco.

O mais esplendido e magnifico porém de to- dos os seus livros, aquelle em que se revelia em toda a original pujança a sua individualidade lit- teraria é o que tem o titulo singelo de Sonetos c Rimas, cujo apparecimento fez com que por muito tempo o seu auetor fosse a celebridade poética do dia. Ha n^quelle volume poemas pe- queninos mas assombrosos, ha a partícula genial que eternisa um nome, ha o cunho do verdadeiro talento que refulge entre a plêiade das numero- sas insignificâncias coevas, como o diamante re- saíta de entre as brumas negras da hulha onâe se gera.

Disse um critico notável não nos occorre ago- ra quem, mas o nome nada importa quando a sentença por si própria se auetorisa — que um bom soneto equivale a um poema.

É uma grande verdade litteraria, verdade que se reconhece lendo os sonetos de Luiz Guima- rães nos quaes se encontram todos os predica- dos que o abalisado critico D. Alexandre Lobo exigia nestas producções rithniicas. O argu- mento c tal que por si só esperta e prende a at- tenção do leitor; os pensamentos dizem com elle e entre si, e ajudam-se reciprocamente; todo o supérfluo ê rigorosameme excluído; a disposição satisfaz a critica sem prejudicar a naturalidade da marcha e prepara com arte insensivel um fi- nal que enche a expectação e merece conservar- se em lembrança.

Estas são as dificuldades principaes com que o sonetista tem de arcar, e que Luiz Guimarães reúne em iodos os seus sonetos.

Bocage foi um dos auetores mais felizes n'este género, mas tolheu-o o engano de seguir as ve- lhas e pesadas formas; produziu sonetos admirá- veis mas ásperos e bravios; satisfaziam as exi- gências da arte, mas faltava-lhes o sentimento, a sensibilidade; vibrava a corda sonora, mas não se encontra Telles a nota que ressoa no coração.

O LIVRO DE OURO 47

particular, porque reconhece n'elle um dos mais gloriosos filhos da America portugueza.

D'essa estimação tem provas Luiz Guimarães Junior nas numerosas mercês que tem recebido das diversas cortes.

E porem no mundo litterario, e nos trabalhos artísticos da penna que Luiz Guimarães tem ma- nifestado toda a grandesa da sua intellectuidade. E' cresta feição característica que nos vamos oc- cupar mais detidamente porque ê n'ella que se tem revelado em toda a plenitude o perfil ma- gestoso do seu vulto.

Luiz Guimarães encetou a sua carreira escre- vendo litteratura amena no cDiario do cI{io de Janeiro, o primeiro periódico do império e dis- tinguíu-se logo especialmente nos artigos críticos cm que manifestou um senso especial.

_ O jornal é o vehiculo do pensamento. Se con- siderarmos a civilisação pela sua face material, diremos que se semelha a um comboio atraves- sando com a Humanidade a longa extensão dos tempos e das idades; a locomotiva que a arrebata por montes e valles, planícies e desfiladeiros, transpondo abysmos e vencendo penedias - é o periódico.

O sábio pôde meditar largamente sobre o aperfeiçoamento da sociedade, pôde resolver no silencio do gabinete os mais intrincados proble- mas da lucta pela existência; pôde escavar das ruínas da Historia e extrabir dos escombros dos grandes cataclysmos lições e ensinamento, que o seu labor ficará por muito tempo esteril e in- fecundo, se o periódico, se o jornalismo os não tomar nas suas garras acetinas e os levar em pe- regrinação por toda o orbe. Só então as mais soDerbas doutrinas, os mais tangíveis axiomas se poderão traduzir em factos.

Caminhar sempre, luctar sempre é a eterna e gloriosa aspiração do ser intelligente e forte cha- mado homem. O jornalismo ê a manifestação d'esta intensa verdade, por isso a sua divisa é a mesma do trabalho—progredior.

Luiz Guimarães comprehendedor admirável das mais santas verdades phylosophicas tem sido pois um jornalista ardente e incansável. Em to- das as terras onde se tem demorado algum tem- po tem consagrado alguns trabalhos á litteratura periodica. Poucos escriptores podem contar co!- laboração em maior numero de jornaes. Em Por- tugal temos encontrado o seu nome em varia- dissimas publicações. O diário Hlustrado, a fo- lha escolhida e preferida pela sociedade elegante tem honrado as suas columnas com muitas pro- ducçõcs mimosas como são todas as que proma- nam da magica penna do insigne poeta.

Em livro tem feito publicações que são admi- radas em Portuga] e Brazil.

O seu primeiro volume de versos a que deu o titulo de Coymbos publicado em Pernambuco causou sensação e os Sonetos e Rimas editado em Roma, consagraram-lhc os foros do maior poeta

que tem escripto modernamente em lingua por- tugueza.

A estes seguíu-se uma longa serie porque Luiz Guimarães é um escriptor laborioso c fecundo. A Patria do ideal obra escripta em Roma e con- sagrada á Italia, exprime o assombro de um grande espirito perante as glorias de um povo grande. Descripçoes magnificas, paginas encan- tadoras comtém esse livro em que vibra a alma do poeta desferida pelo contacto com as gran- desas da Arte.

A estas succederam e acompanharam muitas outras, de que faremos um breve apontamento bibliographico.

Historias para gente alegre, 2 vol.; Curras e Zigs-\ags, 1 vol.; Filagro.nas, 1 vol.; Contos sem pretençáo, Nocturnos; Biographias de Carlos Go- mes; de Pedro Américo, etc.

E para o theatro: Os dramas: André Vidal, 5 actos, e Quedas

fataes, 5 actos; e as comedias: Uma scena con- temporânea, Um demonio, O caminho mais curto A gall in ha e os pintos; etc., etc.

Algumas d'estas composições foram represen- tadas recebendo o auctor a confirmação do seu merecimento no ruidoso applauso das platéas do Rio de Janeiro e Pernambuco.

O mais esplendido e magnifico porém de to- dos os seus livros, aqueile em que se revelia em toda a original pujança a sua individualidade lit- teraria é o que tem o titulo singelo de Sonetos c Rimas, cujo apparecimento fez com que por muito tempo o seu auctor fosse a celebridade poética do dia. Ha n'aquelle volume poemas pe- queninos mas assombrosos, ha a partícula genial que eternisa um nome, ha o cunho do verdadeiro talento que refulge entre a pleiade das numero- sas insignificâncias coevas, como o diamante re- salta de entre as brumas negras da hulha onâe se géra.

Disse um critico notável não nos occorre ago- ra quem, mas o nome nada importa quando a sentença por si propria se auctorisa — que um bom soneto equivale a um poema.

É uma grande verdade litteraria, verdade que se reconhece lendo os sonetos de Luiz Guima- rães nos quaes se encontram todos os predica- dos que o abalisado critico D. Alexandre Lobo exigia nestas produccões rithmicas. O argu- mento c tal que por si só esperta e prende a at- tenção do leitor; os pensamentos dizem com elle e entre si, e ajudam-se reciprocamente; todo o supérfluo c rigorosamente excluído; a disposição satisfaz a critica sem prejudicar a naturalidade da marcha e prepara com arte insensível um fi- nal que enche a expectação e merece conservar- se em lembrança.

Estas são as diíficuldades principacs com que o sonetista tem de arcar, e que Luiz Guimarães reúne em todos os seus sonetos.

Bocage foi um dos auctores mais felizes n'este genero, mas tolheu-o o engano de seguir as ve- lhas e pesadas formas; produziu sonetos admirá- veis mas ásperos e bravios; satisfaziam as exi- gências da arte, mas faltava-lhes o sentimento, a sensibilidade; vibrava a corda sonora, mas não se encontra n'elles a nota que ressoa no coração.

4S O LIVRO DE OURO

Os sonetos de Bocage são occos e duros e nem mesmo aquelle, aliás admirável proferido nos momentos de agonia Outro Aretino fui'... nem esse mesmo satisfaz o coração como satisfaz a arte.

Poesia que não ressoa no intimo da Alma não é verdadeiramente poesia, meiga filha do Ceu que só pode ter um acompanhamento racional —o do sentimento.

Os sonetos de Luiz Guimarães possuem esta qualidade: accordam um ecco sonoro no fundo das almas mais entorpecidas; ê que foram inspi- rados pelo lyrismo natural que existe depositado no íundo do coração humano e de que Lamar- tine foi o mais gentil e tocante interprete. Feli- zes os que como Narciso de Lacerda e Gonçal- ves Crespo—esse insigne lapidario do verso que a morte arrebatou tão prematuramente conse- guem triumphar cm campo tão abrolhado de es- pinhos. Luiz Guimarães pertence por este lado, aos homens pnviligiados.

O soneto de Camões — Alma minha gentil, que íe partiste... soneto, que se não estivesse escripto, seria composto por Luiz Guimarães, c considerado, apesar do cacophaton queo acom- panha, o melhor que se tem escripto no mundo, na douta opinião de D. Francisco de S. Luiz. Pois bem; só no livro de Luiz Guimarães temos encontrado sonetos que, pelo complexo das qua- lidades de energia e delicadesa de que se acham revestidos, rivalisam com este.

E pontos de contacto existem entre o Luiz que legou ao mundo os Lufadas e aquelle a quem n'este momento nos estamos referindo.

Quantas vezes aquella nobre alma scismadora terá exclamado no sanctuario do seu lar:

«Se lá no assento etherio onde subsiste Memorias d'esta vida se consente Não te esqueças de aquelle amor ardente Que ateiar-se em meu peito, puro viste!»

Sim. Luiz Guimarães chora também a sua Nathercia, porque quiz o Omnipotente que es- tas almas privilegiadas que sabem apreciar todas as dores e todas as alegrias da Humanidade; que podem arrancar à Natureza os seus segre- dos para os traduzir nas linguagens dos homens provassem a gotta mais amarga do fel da taça servida pela Fatalidade aos habitantes da Terra.

Luiz Guimarães sentiu também uma paixão grandiosa; amou com a sua alma de poeta gigan- teo como Tasso e a lyra partiu-selhe nas mãos no momento em que Deus arrancara do seu la- do a esposa idolatrada. Não podendo

qneixar-se do espantoso crime

como disse Guilherme Braga, impoz silencio ao estro que já não lhe inspira senão queixumes e sentidas lamentações.

A morte da esposa foi para o illustre poeta um golpe fatal; curvou a cerviz á dur e consa- grando a existência a seus filhos encerrou no tu- mulo das suas afleições a cythara em que dedi- lhava as suas inspiradas estrophes. Callemo-nos perante essa dor suprema que ã penna não é

dado descrever sem ferir penosamente a alma d'aquelle que da sua dôr tem feito um culto c da sua saudade um sacerdócio.

Pouco mais diremos. Luiz Guimarães vae compendiar os últimos cantos n"um livro cujo titulo synthetisa os sentimentos a que acabamos de nos" referir: — c a Lyra final, após essa pu- blicação o poeta esquece as musas, assim como o coração feneceu para os amores.

Luiz Guimarães c louco por seus filhos. Como Victor Hugo professa a idolatria das creanças, e tendo prematuramente perdido a estremecida esposa revê n'aquellas relíquias preciosas, as queridas memorias d'aquclla que tão ternamente adorou.

N'esse adorável fanatismo concentrou todas as potencias de sua alma.

Um dos gemidos dolorosos da sua alma ferida por aquella dôr tremenda é a sublime poesia re- citada na mal ince do COR PEIO DA MANHã õMater dolorosa que lhe valeu uma estrondosa ovação, poesia inimitável e mystcriosa, como os threnos que o vento arranca baixinho â lyra fusiforme aos cyprestcs, ou como as vibrações solitárias do órgão no silencio de uma cathcdral da idade-

. média. Quando virmos passar aquelle vulto sympa-

thico e attrahcnte descubramo nos respeitosa- mente, porque é um grande poeta e um coração dolorosamente desfibrado pelos cardos da des- craca.

Dissemos que Luiz Guimarães tem recebido distineções de todas as cortes, assim d, como se pôde ver do seguinte elenco: Oíhcial da ordem da Rosa, do Brazil; commendador de Christo, Cavalleiro de S. Thiago e da Conceição de Por- tugal; do Santo Scpulchro e de S. Gregório Ma- gno de Roma, de Santiago do Chili, etc, etc.

Faz também parte das seguintes sociedades litterarias: da Academia Real das Sciencias de Lisboa, como sócio correspondente; da Asso- ciação dos Escriptores e Artistas Hespanhoes; dos escriptores portuguezes; dos escriptores bra- zil eiros, da Arcádia Romana onde tem o nome de Admeto Triamideu, da Academia Ti be ri na, da Dei Guiriti de Roma, das Sociedades de Geo- graphia, de Roma, Lisboa, Porto, etc.

Superiores porem a estes titulos honrosos es- tão, aos litterarios, os seus formosíssimos e es- plendidos versos, que valem mais que os mais honrosos diplomas, e aos honoríficos, os dotes peregrinos do seu caracter immaculado.

Na sua vida irreprehensivel e illibada jamais deixaram de florescer as palmas da honra. A sua vida particular, como a publica, tem sido sem- pre um exemplo e uma lição.

llcMcrtmloM Inilo* «* dJrfHo* ili* proinlrilvilc lllto- riiriu.

TYP. MATTOS MOREIRA — FKACA DOS RESTAIRADORES, iS E |6

O LIVRO

Os sonetos de Bocage são occos e duros e nem mesmo aquelle, aliás admirável _ proferido nos momentos de agonia Outro Aretino fui... nem esse mesmo satisfaz o coração como satisfaz a arte.

Poesia cjue não ressôa no intimo da Alma não é verdadeiramente poesia, meiga filha do Ceu que só pode ter um acompanhamento racional —o do sentimento.

Os sonetos de Luiz Guimarães possuem esta qualidade: accordam um ecco sonoro no fundo das almas mais entorpecidas; é que foram inspi- rados pelo lyrismo natura! que existe depositado no íundo do coração humano e de que Lamar- tine foi o mais gentil e tocante interprete. Feli- zes os que como Narciso de Lacerda e Gonçal- ves Crespo—esse insigne Inpidario do verso que a morte arrebatou tão prematuramente conse- guem ti iumphar cm campo tão abrolhado de es- pinhos. Luiz Guimarães pertence por este lado, aos homens pnviligiados.

O soneto de Camões — Alma minha gentil, que te partiste... soneto, que se não estivesse escripto, seria composto por Luiz Guimarães, é considerado, apesar do cacophaton queo acom- panha, o melhor que se tem escripto no mundo, na douta opinião de D. Francisco de S. Luiz. Pois bem; só no livro de Luiz Guimarães temos encontrado sonetos que, pelo complexo das qua- lidades de energia e delicadesa de que se acham revestidos, rivalisam com este.

E pontos de contacto existem entre o Luiz que legou ao mundo os Lufadas e aquelle a quem n'este momento nos estamos referindo.

Quantas vezes aquella nobre alma scismadora terá exclamado no sanctuario do seu lar:

«Se lá no assento etherio onde subsiste Memorias d'esta vida se consente Não te esqueças de aquelle amor ardente Que ateiar-se em meu peito, puro viste!»

Sim. Luiz Guimarães chora também a sua Nathercia, porque quiz o Omnipotente que es- tas almas privilegiadas que sabem apreciar todas as dores e todas as alegrias da Humanidade; que pòdem arrancar á Ncitureza os seus segre- dos para os traduzir nas linguagens dos homens provassem a gotta mais amarga do fel da taça servida pela Fatalidade aos habitantes da Terra.

Luiz Guimarães sentiu também uma paixão grandiosa; amou com a sua alma de poeta gigan- teo como Tasso e a lvra partiu-se lhe nas mãos no momento em que "Deus arrancára do seu la- do a esposa idolatrada. Não podendo

queixar-se do espantoso crime

como disse Guilherme Braga, impoz silencio ao estro que já não lhe inspira senão queixumes e sentidas lamentações.

A morte da esposa foi para o illustre poeta um golpe fatal; curvou a cerviz á dur e consa- grando a existência a seus filhos encerrou no tu- mulo das suas afieíções a cythara em que dedi- lhava as suas inspiradas estrophes. Callemo-nos perante essa dor suprema que á penna não é

OURO

dado descrever sem ferir penosamente a alma d'aquclle que da sua dôr tem feito um culto e da sua saudade um sacerdócio.

Pouco mais diremos. Luiz Guimarães vac compendiar os últimos cantos n\im livro cujo titulo synthetisa os sentimentos a que acabamos de nos" referir : — ó a Lvra Jinal, após essa pu- blicação o poeta esquece as musas, assim corno o coração feneceu para os amores.

Luiz Guimarães c louco por seus filhos. Como Victor Hugo professa a idolatria das creancas, e tendo prematuramente perdido a estremecida esposa revê n'aquellns relíquias preciosas, as queridas memorias dnquella que tão ternamente adorou.

N'esse adoravcl fanatismo concentrou todas as potencias de sua alma.

Um dos gemidos dolorosos da sua alma ferida por aquella dôr tremenda é a sublime poesia re- citada na inatinèe do Cobreio da M anhã £\later dolorosa que lhe valeu uma estrondosa ovação, poesia inimitável e mystcriosa, como os threnos que o vento arranca baixinho á lyra fusiforme aos cvprestes, ou como as vibrações solitárias do orgão no silencio dc uma cathedral da idade-

. média. Quando virmos passar aquelle vulto sympa-

thico e attrahente descubramo nos respeitosa- mente, porque é um grande poeta e um coração dolorosamente desfibrado pelos cardos da des- graça.

Dissemos que Luiz Guimarães tem recebido distinccões de todas as cortes, assim c, como se pôde ver do seguinte elenco: Official da ordem da Rosa, do Brazil; commendador de Christo, Cavalleiro dc S. Thiago e da Conceição de Por- tugal; do Santo Scpulchro e de S. Gregorio Ma- gno de Roma, dc Santiago do Chili, etc., etc.

Faz também parte das seguintes sociedades litterarias: da Academia Real das Sciencias de Lisboa, como socio correspondente; da Asso- ciação dos Escriptores e Artistas Hespanhoes; dos escriptores portuguezes; dos escriptores bra- zileiros, da Arcadia Romana onde tem o nome de Admeto Triamideu, da Academia Tiberina, da Dei Guiriti de Roma, das Sociedades de Geo- graphia, de Roma, Lisboa, Porto, etc.

Superiores porem a estes titulos honrosos es- tão, aos litterarios, os seus formosíssimos e es- plendidos versos, que valem mais que os mais honrosos diplomas, e aos honoríficos, os dotes peregrinos do seu caracter immaculado.

Na sua vida irreprehensivel e illibada jamais deixaram de florescer as palmas da honra. A sua vida particular, como a publica, tem sido sem- pre um exemplo e uma lição.

!lc«rrtsiilo« lodo* dliHllo* ill- prop» loií ;<lc llltc- rnriii.

TYP. MATTOS MOBEIRA — PRAÇA DOS RESTAt RADOBES, iS E l6

A IV

O LIVRO DE OURO Tiiographias dos personagens mais distmctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria e agricttltura

ANNO II—VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZ1L MAIO —1886

0 conselheiro Julio Lourenço Pinto

Tempos houve em que a prosperidade de uma nação dependia do valor e intrepidez dos seus guerreiros.

A espada era por assim dizer o símbolo da Providencia. O commercio acolhíase á protec- ção da força e a voz do canhão dictava as leis.

Hoje vão mudados completamente os tempos e os costumes: as nações mais bellicosas não são certamente as que podem servir de modelo nem as que caminham na vanguarda das demais, pela senda do progresso e da civííisaçao.

A administração perspicaz consegue hoje mais do que a invasão e os pensamentos prestigiosos dos talentos consagrados, realisam mais largas e solidas conquistas do que as realisadas pelos valorosos dominadores da antiguidade.

Hoje o talento individual é a arma mais po- derosa não só para franquear as portas do capi- tólio, mas também para promover o engrande- cimento e a prosperidade das nações, que de- pendem modernamente mais da honestidade e critério e patriotismo dos dirigentes que do seu valor marcial.

Nestas hostes modernas, que bem podem de- nominar-se os exércitos do génio, poucos se tem assignalado tão distinctamente como o cavalheiro a quem nos vamos referir, que na alta bureau- cracia contemporânea e nas hostes litterarias oceupa logar proeminente pelos serviços presta- dos e pelos admiráveis trabalhos produsidos.

Sob duas faces devemos encarar a sua presti- mosa individualidade, como escriptor e como homem publico. Na primeira faz parte saliente d'essa bizarra plêiade coetânea onde avultam Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e o inimitá- vel Camillo; como funecionano poucos tem illus- trado tanto o nome que possuem.

A existência do conselheiro Julio Lourenço Pinto compõe um poema invejável, não peia va- riedade das aventuras que haja de descrever n'ella, mas pela insistência com que se tem em- penhado sempre em promover o bem publico nas localidades que tem administrado.

Cumprir o dever c também servir a Pátria e scrvil-a admiravelmente, é dar exemplo a coevos e vindouros, exemplo profícuo e salutar; ê con- correr para o monumento constituído por cada sé- culo decorrido com as lapides mais notáveis. É isto o que tem feito o conselheiro Julio Lourenço Pinto, seguindo n'este caminho a vereda traçada por seu honrado pae.

Cumprir o dever é também para o litterato ou para o jornalista stygmatisar os vícios da sua época e cxaltar-lhe as virtudes; escalpellar as ex-

crecencias odiosas e cauterisar as chagas pustu- lentas; sem lançar o pomo da discórdia n'estas núpcias de Pcleo da sociedade moderna.

Como escriptor também elle nitidamente com- prehendeu a sua missão e a tem desempenhado por maneira invejável. li homem politico dizem os que vêem na poli-

tica um contagio. Ainda bem que o ê; porque n'essa árida vereda tem feito converter os abro- lhos em flores c fruetos. A politica é uma cham- ma divina quando em vez de guiar ambições desperta uma nobre emulação que se desentra- nha em serviços óptimos e benelicios fecundos, e c assim que Julio Lourenço Pinto tem colla- borado na acção politica do seu tempo.

Enérgico sem violências, intransigente sem fac- ciosismo, tolerante sem cobardia cumpre os seus deveres sem adular gregos nem sacrilicar troya- nos.

Nasceu o conselheiro Julio Lourenço Pinto na capital da formosa província do Douro, no seio cPesse éden maravilhoso que justificadamente tem sido denominada jardim de Portugal, n'cssa ci- dade patrícia e altiva que foi berço das liberda- des pátrias que tantas vezes tem regado com seu sangue generoso.

Ha na athmosphera que se respira n'cssa va- lorosa região alguma cousa de grandioso civismo, que faz de seus filhos os espartanos modernos. Portuenses eram os irmãos Passos, esses glorio- sos tropheus do partido liberal, que no campo da batalha e no parlamento com tanto denodo pugnaram sempre pelas ideias politicas que re- presentavam.

Julio Lourenço Pinto não tem tido ensejo de se elevar ás proporções épicas desses heroes do liberalismo, mas possue no coração os germens que os inspiraram e não cede em civismo ás mais gloriosas tradições. Acha-se na pujança da vida; deante de si abrem-se as veredas que conduzem aos mais proeminentes cargos; c se o desgosto que muitas vezes vem nos tempos modernos das injustas e odiosas retaliações pessoaes o não des- viar da senda que trilha, hemos de velo nas mais culminantes alturas defíender com denodo o pendão hasteado pelos liberaes mais conspí- cuos, porque nutre sentimentos e aspirações para o fazer.

Veiu pois ao mundo na cidade invicta que o admira e bemquer, no dia 24 de maio de 1842, e foram seus progenitores o conselheiro Julio Lourenço Pinto e D. Anna Júlia Pinto, dama

O LIVRO DE OURO

Tiiographias dos personagens mais distinct os cm politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, commercio, industria c agricultura

ANNO I! —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL MAIO — 1886

0 conselheiro Julio Lourenco Pinto

Tempos houve em que a prosperidade de uma nação dependia do valor e intrepidez dos seus guerreiros.

A espada era por assim dizer o símbolo da Providencia. O commercio acolhía-se á protec- ção da força e a voz do canhão dictava as leis.

Hoje vão mudados completamente os tempos e os costumes: as nações mais bellicosas não são certamente as que podem servir de modelo nem as que caminham na vanguarda das demais, peia senda do progresso e da rivilisaçao.

A administração perspicaz çonsegue hoje mais do que a invasão e os pensamentos prestigiosos dos talentos consagrados, realisam mais largas c solidas conquistas do que as reaiisadas pelos valorosos dominadores da antiguidade.

Hoje o talento individual ú a arma mais po- derosa não só para franquear as portas do capi- tólio, mas tamoem para promover o engrande- cimento e a prosperidade das nações, que de- pendem modernamente mais da honestidade c critério e patriotismo dos dirigentes que do seu valor marcial.

N'estas hostes modernas, que bem podem de- nominar-se os exércitos do génio, poucos se tem assignalado tão distinctamentc como o cavalheiro a quem nos vamos referir, que na alta bureau- cracia contemporânea e nas hostes litterarias occupa logar proeminente pelos serviços presta- dos c pelos admiráveis trabalhos produsidos.

Sob duas faces devemos encarar a sua presti- mosa individualidade, como escriptor e como homem publico. Na primeira faz parte saliente d'essa bizarra pleiade coetanea onde avultam Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e o inimitá- vel Camillo; como funccionano poucos tem illus- trado tanto o nome que possuem.

A existência do conselheiro Julio Lourenço Pinto compõe um poema invejável, não pela va- riedade das aventuras que haja de descrever n'clla, mas pela insistência com que se tem em- penhado sempre cm promover o bem publico nas localidades que tem administrado.

Cumprir o dever c também servir a Patria e servil-a admiravelmente, é dar exemplo a coevos e vindouros, exemplo profícuo c salutar; é con- correr para o monumento constituído por cada sé- culo decorrido com as lapides mais notáveis. E isto o que tem feito o conselheiro Julio Lourenço Pinto, seguindo n'este caminho a vereda traçada por seu honrado pae.

Cumprir o dever é também para o litterato ou para o jornalista stygmatisar os vícios da sua época e exaltar-lhe as virtudes; cscalpellar as ex-

crecencias odiosas e cauterisar as chagas pustu- lentas; sem lançar o pomo da discórdia n'estas núpcias de Peleo da sociedade moderna.

Como escriptor também elle nitidamente com- prehendeu a sua missão e a tem desempenhado por maneira invejável.

E homem politico dizem os que veem na polí- tica um contagio. Ainda bem que o é; porque n'essa arida vereda tem feito converter os abro- lhos em ílôres c fructos. A politica é uma cham- ma divina quando em vez de guiar ambições desperta uma nobre emulação que se desentra- nha cm serviços optimos e benelicios fecundos, e é assim que Julio Lourenço Pinto tem colla- borado na acção politica do seu tempo.

Enérgico sem violências, intransigente sem fac- ciosismo, tolerante sem cobardia cumpre os seus deveres sem adular gregos nem sacrilicar troya- nos.

Nasceu o conselheiro Julio Lourenço Pinto na capital da formosa província do Douro, no seio d'esse eden maravilhoso que justificadamente tem sido denominada jardim de Portugal, n'essa ci- dade patrícia e altiva que foi berço das liberda- des patrias que tantas vezes tem regado com seu sangue generoso.

Ha na athmosphera que se respira n'essa va- lorosa região alguma cousa de grandioso civismo, que faz de seus filhos os espartanos modernos. Portuenses eram os irmãos Passos, esses glorio- sos tropheus do partido liberal, que no campo da batalha e no parlamento com tanto denodo pugnaram sempre pelas ideias politicas que re- presentavam.

Julio Lourenço Pinto não tem tido ensejo de se elevar ás proporções épicas d'esses heroes do liberalismo, mas possue no coração os germens que os inspiraram c não cede cm civismo ás mais gloriosas tradições. Acha-se na pujança da vida; deante de si abrem-sc as veredas que conduzem aos mais proeminentes cargos; c se o desgosto que muitas vezes vem nos tempos modernos das injustas e odiosas retaliações pessoaes o não des- viar da senda que trilha, hemos de vel o nas mais culminantes alturas delíender com denodo o pendão hasteado pelos liberaes mais conspí- cuos, porque nutre sentimentos e aspirações para o fazer.

Veiu pois ao mundo na cidade invicta que o admira e bemquer, no dia 24 de maio de 1842, e foram seus progenitores o conselheiro Julio Lourenco Pinto e D. Anna Julia Pinto, dama

O LIVRO DE OURO

virtuosa cuja nobresa de sentimentos se trans- mittiu intacta a seu filho.

Como seu filho seguira o pae do nosso bio- graphado a carreira administrativa da qual foi um dos mais honrados e brilhantes ornamentos, tendo tido occasião de prestar os mais relevan- tes serviços ao districto que governou por vezes interinamente.

Exerceu por largos annos o logar de secreta- rio geral no districto do Porto, tendo resistido a todas as instancias do governo e dos seus amigos políticos e particulares que pretendiam entregar-lhe definitivamente a governação civil, chegando mesmo a ser nomeado governador ci- vil de Aveiro, mas não tomando conta do cargo por haver declinado a honra d^sta nomeação.

Tão considerável era o prestigio e tão reco- nhecida a popularidade do íllustrc secretario ge- ral que nas circumstancias mais dilíiceis o mi- nistério do Reino o nomeava governador civil interino, quasi como um elemento de pacifica- ção.

A esse prestigio, a essa popularidade deveu muitas vezes sair incólume dos motins popula- res, em que teve de intervir.

A questão dos enterramentos ainda hoje le- vanta os ânimos nas províncias do Norte do paiz; mas na época em que se decretou a sccularisa- ção dos cemitérios esta medida promoveu as mais serias e graves commoçoes, e só o respeito que inspirava o nome de Lourenço Pinto lhe sal- vou a vida, porque no afan de impedir tumultos e desordens clle não duvidava arremessar-se ao centro das turbas enfurecidas.

As crises alimentícias que deram causa ás gra- ves desordens no districto do Porto também for- neceram ensejo ao zeloso funecionario de expor a vida por mais de uma vez para conjurar tem- pestades mais procellosas.

Este arrojo era mais um direito adquirido á estima e veneração que o povo lhe tributava por- que a coragem que se impõe em toda a parte, no Porto é a qualidade que mais se admira e aprecia, porque a população do Porto ê um povo de valentes.

As paixões partidárias esse terrível e nefasto phylloxcra da vida civil, que ameaça de continuo as mais elevadas individualidades e tem esterili- sado tantos méritos consagrados envolveu-o tam- bém um dia nos seus tentaeulos ascorosos e der- ribou-o cTcsse cargo, que foi para clle um glo- rioso pedestal. Um ministério regenerador dc- mittiu o secretario geral que invejava e temia por ser um idolo do povo do districto, mas o decreto da exoneração tornou-se no elemento produetor da mais comino vedora a po th cose. A residência do funecionario ferido pelas paixões partidárias tornou-se um templo onde corriam cm massa to- das as classes a o flertar a sua dedicação c a pro- testar contra uma medida odiosa ate aos adver- sários políticos. Por essa occasião, como des- afronta da cidade, os influentes cleitoraes offere- ceram ao iIlustre cidadão uma candidatura si- multânea por todos os circulos do Porto; mas Lourenço Pinto, com uma iscnpçao verdadeira- mente spartana, digna dos tempos áureos da nobre Grécia repudiou essa ofiferta que teria se-

duzido e deslumbrado o homem mais popular e prestigioso. Lourenço Pinto replicou que preferia â actividade politica o remanso do seu lar e o encanto de se recolher ao seio da família que idolatrava, e de quem era amado como tão gran- de coração merecia sel-o.

Como se vê o nosso biographado aprendeu nos exemplos salutares de seu honrado pae a adejar sobranceiro ús mesquinhas paixões da tri- vialidade humana.

Os primeiros annos de Júlio Lourenço Pinto foram consagrados a adquirir a vastíssima som- ma de conhecimentos liiterarios e scientificos que todas as suas producçoes denunciam, especiali- sandose um profundo conhecimento da língua pátria que lhe dá logar a merecida notoriedade entre os mais vernáculos prosadores modernos.

Em 25 de junho de 1864 terminava brilhante- mente a sua carreira estudiosa, formando-sc na faculdade de direito na Universidade de Coim- bra, faculdade onde se assignalou de uma ma- neira muito superior e distincta e no anno se- guinte encetava a carreira administrativa toman- do, a i3 de janeiro, a administração do concelho de Povoa de Varzim.

Quasi pela mesma época apparcciam no Com- mercio do Porto os seus primeiros trabalhos lit- terarios em que se reconhecia já o notável escri- ptor do Homem Indispensável c do Sr. Deputa- do. Esses primeiros trabalhos a que deu o titulo de Revistas Semanaes tem sido classificados pe- los críticos como «trabalho interessante modelado nas mais elegantes e correctas formas de uma linguagem primorosa e vernácula.»

Ao mesmo tempo foi Júlio Lourenço Pinto avançando na burcaucracia e na litteratura. Em 8 de agosto de 186*5 era transferido para o con- celho de Villa Nova de Gaya, voltando para Varzim em setembro seguinte; cm 26 de dezem- bro era nomeado para Louzada, e em 14 de ju- lho de i8GG para Santo Thyrso.

Em 20 de janeiro de 1868 era lhe novamente confiado o concelho de Villa Nova de Gaya, sen- do exonerado, a seu pedido, em março seguinte.

Em 17 d"abril de ifíhS era nomeado secreta- rio geral do governo civil de Villa Real passando em outubro seguinte a exercer egual cargo, a seu pedido, no districto de Santarém e em 6 de ju- nho de JS-TO tomava conta do secretariado de Coimbra, cronde o governo de 19 de maio o dc- mittiu por lhe nãn ser aflecto.

Em i3 de dezembro de 1X70 foi nomeado se- cretario geral para o districto de Bragança des- pacho que não acceitou. sendo em 14 de junho de 1879 nomeado governador civil de Santarém.

Em todos estes cargos que exerceu desde i8fi5 ate1 1879 justificou sempre o íllustrc funecionario os mais elevados dotes de engenho e as mais apreciáveis qualidades, conquistando por toda a parte sympathias sinceras e profundas. Foi to- davia no governo do districto de Santarém que poude evidenciar mais desafogadamente todo o seu talento administrativo e provar a sua rara e hábil aptidão.

O LIVRO DE OURO

virtuosa cuja nobrcsa de sentimentos se trans- miti iu intacta a seu filho.

Como seu filho seguira o pae do nosso bio- grapliado a carreira administrativa da qual foi um dos mais honrados c brilhantes ornamentos, tendo tido occasião de prestar os mais relevan- tes serviços ao districto que governou por vezes interinamente.

Exerceu por largos annos o logar de secreta- rio geral no districto do Porro, tendo resistido a todas as instancias do governo e dos seus amigos políticos e particulares que pretendiam entregar-lhe definitivamente a governação civil, chegando mesmo a ser nomeado governador ci- vil de Aveiro, mas não tomando conta do cargo por haver declinado a honra d'esta nomeação.

Tão considerável era o prestigio e tão reco- nhecida a popularidade do íllustrc secretario ge- ral que nas circumstancias mais difiiceis o mi- nistério do Reino o nomeava governador civil interino, quasi como uni elemento de pacifica- ção.

A esse prestigio, a essa popularidade deveu muitas vezes sair incólume dos motins popula- res, em que teve de intervir.

A questão dos enterramentos ainda hoje le- vanta os ânimos nas províncias do Norte do paiz; mas na época em que se decretou a secuiarisa- ção dos cemitérios esta medida promoveu as mais serias e graves commoçõcs, e só o respeito que inspirava o nome de Lourenço Pinto lhe sal- vou a vida, porque no afan de impedir tumultos e desordens elle não duvidava arremessar-se ao centro das turbas enfurecidas.

As crises alimentícias que deram causa ás gra- ves desordens no districto do Porto também for- neceram ensejo ao zeloso funccionario de expor a vida por mais de uma vez para conjurar tem- pestades mais procellosas.

Este arrojo era mais um direito adquirido á estima e veneração que o povo lhe tributava por- que a coragem que se impõe em toda a parte, no Porto é a qualidade que mais se admira c aprecia, porque a população do Porto é um povo de valentes.

As paixões partidárias esse terrível e nefasto phylloxera da vida civil, que ameaça de continuo as mais elevadas individualidades e tem esterili- sado tantos méritos consagrados cnvolvcu-o tam- bém um dia nos seus tcntaculos ascorosos c der- ribou-o doesse cargo, que foi para elle um glo- rioso pedestal. Um ministério regenerador de- mittiu o secretario geral que invejava e temia por ser um Ídolo do povo do districto, mas o decreto da exoneração tornou-se no elemento productor da mais commo vedora a po th cose. A residência do funccionario ferido pelas paixões partidárias tornou-se um templo onde corriam em massa to- das as classes a o flertar a sua dedicação c a pro- testar contra uma medida odiosa até*aos adver- sários politicos. Por essa occasião, como des- afíronta da cidade, os influentes eleitoraes offere- ccram ao illustre cidadão uma candidatura si- multânea por todos os círculos do Porto; mas Lourenço Pinto, com uma isenpção verdadeira- mente spartana, digna dos tempos áureos da nobre Grécia repudiou essa offerta que teria se-

duzido e deslumbrado o homem mais popular e prestigioso. Lourenço Pinto replicou que preferia á actividade politica o remanso do seu lar e o encanto de se recolher ao seio da família que idolatrava, e de quem era amado como tão gran- de coração merecia sel o.

Como se vê o nosso biographado aprendeu nos exemplos salutares de seu honrado pae a adejar sobranceiro ás mesquinhas paixões da- tri- vialidade humana.

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Os primeiros annos de Julio Lourenço Pinto foram consagrados a adquirir a vastíssima som- ma de conhecimentos liiterarios e scientificos que todas as suas producções denunciam, especiali- sando-se um profundo conhecimento da lingua patria que lhe dá logar a merecida notoriedade entre os mais vernáculos prosadores modernos.

Em 25 de junho de 1864 terminava brilhante- mente a sua carreira estudiosa, formando-sc na faculdade de direito na Universidade de Coim- bra, faculdade onde se assignalou de uma ma- neira muito superior c distincta c no anno se- guinte encetava a carreira administrativa toman- do, a i3 de janeiro, a administração do concelho de Povoa de Varzim.

Quasi pela mesma época appareciam no Com- mercio do Porto os seus primeiros trabalhos lit- terarios em que se reconhecia já o notável escri- ptor do Homem Indispensável e do Sr. Deputa- do. Esses primeiros trabalhos a que deu o titulo de Revistas Semanaes tem sido classificados pe- los críticos como «trabalho interessante modelado nas mais elegantes e correctas formas de uma linguagem primorosa e vernacular

Ao mesmo tempo foi Julio Lourenço Pinto avançando na bureaucracia e na litteratura. Em 8 de agosto dc 1865 era transferido para o con- celho de Villa Nova de Cava, voltando para Varzim em setembro seguinte; cm 26 de dezem- bro era nomeado para Louzada, e em 14 dc ju- lho dc 1866 para Santo Thyrso.

Em 20 dc janeiro de 1808 era lhe novamente confiado o concelho de Villa Nova de Cava, sen- do exonerado, a seu pedido, em março seguinte.

Em 17 d'abril de i8(>8 era nomeado secreta- rio geral do governo civil dc Villa Rea! passando em outubro seguinte a exercer egual cargo, a seu pedido, no districto de Santarém e em 6 de ju- nho de íS-to tomava conta do secretariado dc Coimbra, (.ronde o governo de 19 de maio o de- rnittiu por lhe nan ser aífccto.

Em i3 de dezembro de 1870 foi nomeado se- cretario geral para o districto de Bragança des- pacho que não acceitou. sendo em 34 dc junho de 1879 nomeado governador civil de Santarém.

Em todos estes cargos que exerceu desde i8f>5 até 1879 justificou sempre o illustre funccionario os mais elevados dotes de engenho e as mais apreciáveis qualidades, conquistando por toda a parte sympathias sinceras e profundas. Foi to- davia no governo do districto de Santarém que poude evidenciar mais desafogadamente todo o seu talento administrativo e provar a sua rara e habi! aptidão.

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O LIVRO DR OURO

Occupar-nos-hcmos, pois, mais detidamente d'esta phase da sua laboriosa collaboração na vida politica do seu tempo.

íT-a) ©

Quem pretenda concorrer para o bem publico nos tempos modernos, tem de começar, como os agricultores, por desbravar o terreno onde queira fazer a sua sementeira.

As terras desbravam-se com a charrua, os po- vos com a instrucção. Abrir uma escola ou pro- mover o seu aperfeiçoamento, incitar o amor do estudo, despertar o desejo de aprender c des- vendar o sol dos espíritos e levantar no deserto da ignorância, a columna de fogo que orienta as almas no caminho da Jerusalém da felicidade.

Entrando na administração civil do districto de Santarém o conselheiro Júlio Lourenço Pinto entendeu e entendeu bem, que o primeiro artigo do seu código seria promover a instrucção e educação dos povos.

Assim, pelas instancias do digno e esclarecido governador civil durante a sua gerência as ca- marás do districto votaram pela primeira vez nos seus orçamentos verbas especiaes destinadas ás escolas, creando prémios para os ai um nos mais distinctos e subsídios para os mais pobres.

Ampliando a que! la iniciativa promoveu a cr ca- ção das bibliothecas populares, que uma lei es- quecida iccommendava e que o districto de San- tarém foi talvez o primeiro a possuir por inicia- tiva do zeloso magistrado.

A agricultura, essa alavanca da riquesa e pros- peridade rural tão esquecida, tão despresada, tão aviltada mesmo pelos poderes públicos que se lembram d\illa quasi unicamente para lhe pedir tributos, essa foi também alvo das attençoes c cuidados do illustre governador civil.

A quinta districtal creou-sc por impulso dV quellc funecionario, que logrou assistir á sua ins- tallação e a viu ainda prosperar.

Em seguida promoveu uma exposição agrícola districtal para cuja realisaçao teve que luetar com um grande numero de obstáculos, o menor dos quaes não foi certamente a inclinação, que tem o nosso povo para a rotina, c a aversão que tem para as innovações; apesar porem d'essas difi- culdades todas, a força de vontade do governa- dor civil foi superior a tudo porque conseguiu realisar a exposição com grande êxito.

Esta exposição era o primeiro passo para uma obra maior que seria uma serie continua de ex- posições de que a agricultura c a industria dis- trictal deveriam colher numerosos e profícuos re- sultados, o que se não realisou por ter sido exo- nerado, a seu pedido, em fins de março de 1881, não tendo o seu suecessor sabido aproveitar tão lisonjeiro inicio.

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Ainda outros factos devemos citar que provam o quanto Júlio Lourenço Pinto sabe fazer brilhar o seu paiz, um dos quaes e tanto mais impor- tante que foi admirado por estrangeiros.

Geria o districto quando se realisou o con- gresso antropológico. Os congressistas quizeram admirar as relíquias terciárias c quaternárias de Muge. Azada era a occasião para impressionar fovoravelmentc os illustres visitantes c Júlio Lou- renço Pinto não a deixou perder.

Promoveu pois que as camarás de Santarém, Almeirim e Salvaterra llzessem uma recepção festiva e pomposa de que os congressistas leva- ram'a mais grata impressão, a que a imprensa estrangeira mais tarde se referiu lisongeiramcnte tendo os próprios congressistas 'declarado que em paiz algum lhes havia sido feito acolhimento tão festivo e surprchendente!

Aproveitando singularmente bem as circums- tancias locaes, Júlio Lourenço Pinto fez assistir os congressistas a uma desfilada de campinos a cava lio, que dava idéa de uma correria de be- duínos em planuras africanas.

É sabido que os campinos aleirtejanos são admiráveis cavalleiros, ha n'elles alguma cousa de semelhante a essas tribus de guerreiros sel- vagens da America e da Africa que parecem formar com o animal que montam uma entidade única, tão seguras são as regras da sua equitação toda primitiva. Este espectáculo único, pittores- co c natural causou a mais agradável impressão aos congressistas, que mostraram enthusiastica admiração.

Tendo havido uma innundação no Tejo, que assumiu proporções assombrosas o digno gover- nador civil adoptou tão promptas medidas e to- mou tão enérgicas providencias prestando soc- corros especialmente em viveres ás povoações innundadas como nunca tinha havido tão profí- cuas e completas, o que foi reconhecido por toda a imprensa que sem distineção de cores politicas se desentranhou em applausos sinceros e unani- mes, applausos confirmados pelo governo que louvou oflicialmcntc o zeloso magistrado.

O centenário de Camões celebrado durante o consulado de Júlio Lourenço Pinto foi também commemorado cm Santarém com festas que se prolongaram por tres dias, sendo executado um programma que comprehendia: bodo a pobres, conferencias e sessões solemnes, recitação de poesias e discursos em honra do grande épico, mensagem á camará fazendo-a depositaria de uma coroa de louro, illuminações, etc, etc.

Esta parte prova quanto se enthusiasma Júlio Lourenço Pinto pelas nossas glorias e grandesas passadas, que poderiam bem renovar-sc se hou- vesse muitos cidadãos animados dos sentimentos cívicos, que cnnobrecem este distincto funecio- nario.

Devemos aqui fazer menção da extrema mo- déstia de Júlio Lourenço Pinto, que tendo sido o principal promotor de todos os melhoramen- tos e benefícios públicos que temos citado, de- clina sempre de si a parte mais importante dVl- les, attribuindo tudo áquelles cavalheiros, que o coadjuvaram e de quem todavia não podia par- tir a iniciativa, mas apenas a secundação. Esta virtude tão rara quanto valiosa, é uma das fei- ções mais características da sua individualidade.

Em J88I foi infelizmente exonerado por haver mudado a situação politica.

O LIVRO DE OURO 5i

Occupar-nos-hcmos, pois, mais detidamente d'esta phase da sua laboriosa collaboraçáo na vida politica do seu tempo.

Quem pretenda concorrer para o bem publico nos tempos modernos, tem de começar, corno os agricultores, por desbravar o terreno onde queira fazer a sua sementeira.

As terras dcsbravam-se com a charrua, os po- vos com a instrucçao. Abrir uma escola ou pro- mover o seu aperfeiçoamento, incitar o amor do estudo, despertar o desejo de aprender e des- vendar o sol dos espíritos e levantar no deserto da ignorância, a columna de fogo que orienta as almas no caminho da Jerusalem da felicidade.

Entrando na administração civil do districto de Santarém o conselheiro Julio Lourenço Pinto entendeu e entendeu bem, que o primeiro artigo do seu codigo seria promover a instrucçao e educação dos povos.

Assim, pelas instancias do digno e esclarecido governador civil durante a sua gerência as ca- ntaras do districto votaram pela primeira vez nos seus orçamentos verbas cspcciaes destinadas ás escolas, crcando prémios para os alumnos mais distinctos e subsídios para os mais pobres.

Ampliando a quel la iniciativa promoveu a cr ca- ção das bibliothccas populares, que uma lei es- quecida iccommendava e que o districto de San- tarém foi talvez o primeiro a possuir por inicia- tiva do zeloso magistrado.

A agricultura, essa alavanca da ríquesa e pros- peridade rural tão esquecida, tão despresada, tao aviltada mesmo pelos poderes públicos que se lembram d'ella quasi unicamente para lhe pedir tributos, essa foi também alvo das attençoes e cuidados do illustre governador civil.

A quinta districtal creou-se por impulso dV quelle funccionario, que logrou assistir á sua ins- tai lação e a viu ainda prosperar.

Em seguida promoveu uma exposição agricola districtal para cuja realisação teve que luctar com um grande numero de obstáculos, o menor dos quaes não foi certamente a inclinação, que tem o nosso povo para a rotina, e a aversão que tem para as innovações; apesar porem d "essas difi- culdades todas, a força de vontade do governa- dor civil foi superior a tudo porque conseguiu realisar a exposição com grande êxito.

Esta exposição era o primeiro passo para uma obra maior que seria uma serie continua de ex- posições de que a agricultura e a industria dis- trictal deveriam colher numerosos e profícuos re- sultados, o que se não realisou por ter sido exo- nerado, a seu pedido, em fins de março de 1881, não tendo o seu successor sabido aproveitar tão lisongeiro inicio. 1?

Ainda outros factos devemos citar que provam o quanto Julio Lourenço Pinto sabe fazer brilhar o seu paiz, um dos quaes e tanto mais impor- tante que foi admirado por estrangeiros.

Geria o districto quando se realisou o con- gresso antropológico. Os congressistas quizeram admirar as relíquias terciárias e quaternárias de Muge. Azada era a occasiao para impressionar fovoravclmente os illustres visitantes e Julio Lou- renço Pinto não a deixou perder.

Promoveu pois que as camaras de Santarém, Almeirim e Salvaterra fizessem uma recepção festiva e pomposa de que os congressistas leva- ram* a mais grata impressão, a que a imprensa estrangeira mais tarde sc referiu hsongeiramente tendo os próprios congressistas 'declarado que em paiz algum lhes havia sido feito acolhimento tão festivo e surprehendente!

Aproveitando singularmente bem as circums- tances locaes, Julio Lourenço Pinto fez assistir os congressistas a uma desfilada de campinos a cavallo, que dava idea de uma correria de be- duínos em planuras africanas.

E sabido que os campinos aleirtejanos são admiráveis cavalleiros, ha n'elles alguma cousa de semelhante a essas tribus de guerreiros sel- vagens da America e da Africa que parecem formar com o animal que montam uma entidade única, tão seguras são as regras da sua equitação toda primitiva. Este espectáculo único, pittores- co c natural causou a mais agradável impressão aos congressistas, que mostraram enthusiastica admiração.

Tendo havido lima innundação no Tejo, que assumiu proporções assombrosas o digno gover- nador civil adoptou tao promptas medidas e to- mou tão enérgicas providencias prestando soc- corros especialmente em viveres ás povoações innundadas como nunca tinha havido tão profí- cuas e completas, o que foi reconhecido por toda a imprensa que sem distineção de cores politicas se desentranhou em applausos sinceros e unani- mes, applausos confirmados pelo governo que louvou oílicialmente o zeloso magistrado.

O centenário de Camões celebrado durante o consulado de Julio Lourenço Pinto foi também commemorado em Santarém com festas que se prolongaram por tres dias, sendo executado um programma que comprehend ia: bodo a pobres, conferencias c sessões solemnes, recitação de poesias e discursos em honra do grande épico, mensagem á camara fazendo-a depositaria de uma coroa de louro, illuminaçoes, etc., etc.

Esta parte prova quanto se enthusiasma Julio Lourenço Pinto pelas nossas glorias e grandesas passadas, que poderiam bem renovar-se se hou- vesse muitos cidadãos animados dos sentimentos cívicos, que ennobrecem este distincto funccio- nario.

Devemos aqui fazer menção da extrema mo- déstia de Julio Lourenço Pinto, que tendo sido o principal promotor de todos os melhoramen- tos e benefícios públicos que temos citado, de- clina sempre de si a parte mais importante d'el- les, attribuindo tudo áquelles cavalheiros, que o coadjuvaram e de quem todavia não podia par- tir a iniciativa, mas apenas a secundação. Esta virtude tão rara quanto valiosa, é uma das fei- ções mais características da sua individualidade.

Em 1881 foi infelizmente exonerado por haver mudado a situação politica.

52 O LIVRO DE OURO

Km iS83 foi eleito procurador a Junta geral do districto do Porto, cargo que já havia exer- cido cm 1878, recusando porem d7esta vez o

r cargo. Em i3 de março do corrente anno assumiu o

governo civil do districto de Coimbra, onde lhe foi feita a mais solemne e enthusiastica recepção, e onde c de crer que prestará os relevantes ser- viços que se devem esperar do seu talento apri- morado e cívica isenpçiío.

Júlio Lourenço Pinto recebeu cm 1880 o titulo de conselho de sua magestade e em ISJO foi agraciado com a commenda da Ordem de Chris- to, que recusou por não sympathisar com a po- iitiça do governo d'aquclia epoca.

E contado no numero dos mais prestimosos e distínctos membros da Associação dos Jorna- listas e homens de letras, do Porto.

Acabamos de ver o funecionario; vejamos agora o homem de letras,

Júlio Lourenço Pinto começou como já disse- mos, a sua carreira iitteraria collaborando no Commerxio do Porto onde redigiu admiráveis fo- lhetins c artigos edictoriacs sempre notáveis, col- laborando também na l^evista dos Estudos Li- vres c outros periódicos.

O romance que fora sempre um trabalho frí- volo em Portugal tornou-sc nas suas mãos vigo- roso c importante instrumento de revolução Iit- teraria» O romance serviu-lhe para fundar uma escola nova, a realista, que todavia está longe dos vícios de que Zola tem eivado a sua. Os ro- mances de Júlio Pinto são antes naturalistas que realistas, o que n^ellcs se encontra c a copia fiel do que se encontra na vida, repleto d^quella admirável naturalidade que tornam as Bucólicas o poema de todos os tempos apesar de compos- to ha cerca de dois mil annos. Os Esboços do Natural, collccção de contos admiráveis justifi- cam o titulo que o auetor lhes deu. Está alli a verdade palpitante c flagrante da natureza; co- nhecem-se aqucllas scenas apesar de vestidas com as galas mais ricas de uma linguagem pri- morosa c de um cst}rlo peregrino, Dir-se-hia ao ler aqucllas paginas "perfumadas de uma poesia admirável que evocamos recordações, que vivem na nossa memoria, em vez de assistirmos a phantasiados episódios. Esta apreciação pode ser applícada a qualquer dos àcus livros, c n'isto está o seu maior elogio porque é rcconheccr- Ihe estylo c maneira especial, para aproveitar- mos uma phrasc consagrada de Júlio César Ma- chado.

A bibtiographia conta as seguintes producções de Júlio Lourenço Pinto:

MARGARIDA, scenas da PI d a contemporânea, edi- ção do Porto 1879.

Vmx ATTRIBULADA, Porto, 1880. SENHOR DEPUTADO, Porto, 1882. ESBOçOS DO NATURAL, (contos) Porto, 1882. O HOMEM INDISPENSáVEL, Porto, 1884.

ESTHÉTICA NATURALISTA, CStudoS C7'ÍtÍC0S SOÒ7'C a Arte, Porto 1886.

Tem em preparação um outro romance O BASTARDO, que não tem ultimado por que o seu estado de saude o não tem permittido, c já agora tarde concluirá porque llVo vedam os cuidados do governo civil de Coimbra.

São numerosas c lisongeiras as apreciações que alguns dos litteratos contemporâneos mais auetorisados tem feito dos livros de Júlio Lou- renço Pinto, e transcreveremos apenas algumas palavras.

A respeito dos Esboços do Natural diz por exemplo o visconde de Benalcanfor.

«Júlio Lourenço Pinto entronca-se pelas ten- dências do seu talento na familia desses experi- mentadores do mundo moral, que aspiram a re- colher no romance as locubraçÕcs c os resulta- dos scientificos dos pensadores c dos sábios, al- lumiando-se na dupla luz da psycologia»

...—O seu estylo adapta-se maravilhosamente á descripçao c embebe-se de tintas tão vivas e opulentas, que nos transporta à mesma reali- dade,»

Referindo se a mesma obra diz o conhecido escriptor Simões Dias.

«Emulo de Bento Moreno e Eça de Queiroz na exploração da novel ta realista, Júlio Lourenço Pinto é um escriptor de primeira grandesa e tem qualidades de observação c critica que o collo- cam a par dos grandes iniciadores da escola de Flaubert c Zola. Na passagem da escola român- tica para a escola realista, o seu nome tem de ficar como um glorioso marco miliario.»

Acerca do Se?thor ^Deputado escreve Alexan- dre da Conceição:

«O Senhor cDeputado é um romance realista na melhor e na mais elevada accepção do termo. Tem todas as qualidades de um verda-

deiro romancista moderno, educação scientifica, consciência dos intuitos, comprchensão artística c inteira posse dos processos.»

O mesmo julgador referindo-se ao Homem In- dispensável escreve:

aA somma de bcllcsa de detalhe e copia de quadros, de paisagens, de scenas, de persona- gens, que se accumulam em volta das figuras capitães para lhes darem relevo c perspectiva, collocando-as logicamente c harmonicamente no conflicto da vida quotodiana é verdadeiramente notável e constitue d'cstc romance um dos tra- balhos litterarios mais sérios, que ultimamente se tem escripto cm Portugal.»

Alem d'estas muitas outras apreciações pode- ríamos produzir da individualidade Iitteraria de Júlio Lourenço Pinto porque toda a imprensa periódica se tem referido lisongeiramente ás pro- ducções d^ste tão primoroso quanto modesto litterato.

Mas depois das que ficam citadas, resta-nos apenas formular votos porque tão subido engenho possa espandir-se em novas e porventura tão bri- lhantes revelações.

llrMcnoilo* todo» UM «llreitoM de propriedade lllíe- ritrlii.

TVP. MATTOS MOREIRA— PRAÇA DO» RESTAVRADORES, l5 E «6

52 O LIVRO

Km iS83 foi eleito procurador á Junta geral do districto do Porto, cargo que já havia exer- cido cm 1878, recusando porem doesta vez o cargo.

Lm i3 de março do corrente anno assumiu o governo civil do districto de Coimbra, onde lhe foi feita a mais solemne e enthusiastica recepção, e onde c de crer que prestará os relevantes ser- viços que se devem esperar do seu talento apri- morado e cívica iscnpção.

Julio Lourenço Pinto recebeu cm 1880 o titulo de conselho de sua magestade e em 1870 foi agraciado com a commenda da Ordem de Chris- to, que recusou por não sympathisar com a po- iitiça do governo d'aquella época.

E contado no numero dos mais prestimosos e distínctos membros da Associação dos Jorna- listas e homens de letras, do Porto.

Acabamos de ver o funccionario; vejamos agora o homem de letras,

Julio Lourenço Pinto começou como já disse- mos, a sua carreira litteraria collaborando no Commercio do Porto onde redigiu admiráveis fo- lhetins c artigos edictoriacs sempre notáveis, col- laborando também na Invista dos Estudos Li- vres c outros periódicos.

O romance que fora sempre um trabalho frí- volo em Portugal tornou-sc nas suas mãos vigo- roso c importante instrumento de revolução lit- teraria, O romance serviu-lhe para fundar uma escola nova, a realista, que todavia está longe dos vicios de cjue Zola tem eivado a sua. Os ro- mances de Julio Pinto são antes naturalistas que realistas, o que n'ellcs sc encontra c a copia fiel do que se encontra na vida, repleto d'aquella admirave) naturalidade que tornam as Bucólicas o poema dc todos os tempos apesar de compos- to ha cerca de dois mil annos. Os Esboços do Natural, collccção de contos admiráveis justifi- cam o titulo que o auctor lhes deu. Está alii a verdade palpitante c flagrante da natureza; co- nhcccm-se aqucllas scenas apesar de vestidas com as galas mais ricas dc uma linguagem pri- morosa c de um cstylo peregrino. Dir-se-bia ao ler aqucllas paginas "perfumadas dc uma poesia admirável que evocamos recordações, que vivem na nossa memoria, em vez de assistirmos a phantasiados episódios. Esta apreciação pódc ser applicada a qualquer dos j>cus livros, c n'isto está o seu maior elogio porque é rcconhcccr- Ihe estylo c maneira especial, para aproveitar- mos uma phrase consagrada dc Julio Cesar Ma- chado.

A bibliographia conta as seguintes producçõcs dc Julio Lourenço Pinto:

Margarida, scenas da vida contemporânea, edi- ção do Porto 1879.

VinA. Attribulada, Porto, 1880. Senhor Deputado, Porto, 1882. Esboços do Natural, (contos) Porto, 1882. O Homem Indispensável, Porto, 1884.

DE OURO

Esthetic a naturalista, estudos críticos sobre a Arte, Porto 1885.

Tem cm preparação um outro romance O Bastardo, que não tem ultimado por que o seu estado de saude o não tem permittido, e já agora tarde concluirá porque Ih'o vedam os cuidados do governo civil dc Coimbra.

São numerosas e lisongeiras as apreciações que alguns dos litteratos contemporâneos mais auctorisados tem feito dos livros de Julio Lou- renço Pinto, e transcreveremos apenas algumas palavras.

A respeito dos Esboços do Natural diz por exemplo o visconde de Benalcanfor.

«Julio Lourenço Pinto entronca-se pelas ten- dências do seu talento na familia d'esses experi- mentadores do mundo moral, que aspiram a re- colher no romance as loeubrações c os resulta- dos scientificos dos pensadores c dos sábios, al- lumiando-se na dupla luz da psycologia,

.. .—O seu cstylo adapta-se maravilhosamente á descripção c embebe-se de tintas tão vivas e opulentas, que nos transporta á mesma reali- dade,»

Referindo se á mesma obra diz o conhecido escriptor Simões Dias.

«hmulo dc Bento Moreno c Eça dc Queiroz na exploração da novella realista, Julio Lourenço Pinto é um escriptor de primeira grandesa e tem qualidades dc observação c critica que o collo- cam a par dos grandes iniciadores da escola dc Flaubert c Zola. Na passagem da escola român- tica para a escola realista, o seu nome tem de ficar como um glorioso marco miliario.»

Acerca do Senhor (Deputado escreve Alexan- dre da Conceição:

«O Senhor cDeputado é um romance realista na melhor e na mais elevada accepção do termo. Tem todas as qualidades dc um verda-

deiro romancista moderno, educação scientifica, consciência dos intuitos, comprehcnsão artística e inteira posse dos processos.»

O mesmo julgador rcferindo-sc ao Homem In- dispensável escreve:

«A somma de bcllesa dc detalhe e copia dc quadros, dc paisagens, de scenas, de persona- gens, que se accumulam cm volta das figuras capitaes para lhes darem relevo c perspectiva, collocando-as logicamente c harmonicamente no conflicto da vida quotodiana é verdadeiramente notável e constituo d'estc romance um dos tra- balhos littcrarios mais sérios, que ultimamente sc tem cscrípto cm Portugal.»

Alem d'estas muitas outras apreciações pode- ríamos produzir da individualidade litteraria de Julio Lourenço Pinto porque toda a imprensa periodica sc tem referido lisongeiramente ás pro- ducçõcs d'este tão primoroso quanto modesto litterato.

Mas depois das que ficam citadas, rcsta-nos apenas formular votos porque tão subido engenho possa espandir-se cm novas e porventura tão bri- lhantes revelações.

IIcMcrtoilo* lo«lo* um dlreitoM de propriedade lllle- ritrlai.

TYP. MATTOS MOREIRA — Pl> AÇA DOS RESTAURADORES, !$ E |6

O LIVRO DE OURO Tiiographias dos personagens mais distincios em politica,

armas, religião, letiras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

0 {

ANNO II— VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JUNHO— 1SS6

António José de Seixas

O Livro de Ouro honra hoje as suas paginas expondo á consideração dos seus leitores a his- toria honrosissima de um cidadão prestante, que ao seu legitimo esforço, á sua incxcedivcl forca de vontade deve exclusivamente o logar que oceupa na sociedade e a estima geral de que c alvo. t .

Vamos fallar de António José de Seixas,— cPesse verdadeiro homem de bem, honradíssimo no commercio, leal na politica c nobre nas acções que tendo entrado na vida publica de fronte er- guida para a eterna luz da justiça c do dever, por méritos c serviços assignalados, hoje oceupa um logar distincto entre os homens distinctos e veneráveis de Portugal.

No que vamos escrever acerca d'cste conspí- cuo cidadão não haverá cxaggero nem requinte de forma litteraria; por isso que escrevemos á vista de numerosos documentos elucidativos e comprovativos, nomeadamente a Historia Geral publicada cm Genebra em ISóQ onde se encon- tra elegantemente esboçada até aquclla data a biograpbia d'este benemérito cidadão e cujo texto seguiremos o mais fielmente possível no prosc- guimento d'este trabalho.

* *

António José de Seixas, nasceu no dia 6 de fevereiro de 1817, na freguezia de Fcrvença, concelho de Celorico de Basto, na formosa pro- víncia do Minho.

Seus paes, modestos lavradores, possuíam uma pequena propriedade rústica, que por mo- tivos da invasão franceza, em 1808, foram obri- gados a onerar de suecessivas hypothccas. Não tendo meios suilicicntcs para d"ar a seus filhos uma boa e solida instrucçáo opac encarregou-se de lhes ministrar o pouco que sabia, e que aprendera quando se destinava a carreira ccclc- siastica.

Aos 10 annos António José de Seixas sabia ler e escrever e conhecia tão profundamente a arithmetica que nenhum rapaz da aldeia lhe le- vava as lampas. Dotado d*uma intelligencia pre- coce c d'um temperamento impetuoso cm breve começou de sentir a necessidade de aspirar a mais altos destinos do que aquclles a que na sua terra se achava circumscripto. O Brazil appare- ceu aos olhos da sua imaginação cheio efuma grandeza tentadora e tornou-se o ponto fixo de todas as suas ambições. Por isso, e apesar das instancias dos seus, partiu para a capital cTaqucllc

império em companhia de mais alguns emigran- tes da sua terra.

Foi duro — como se deve imaginar — quebrar cm tão pouca idade as cadeias que o uniam aos aflagos da família: mas a sua força de vontade c o êxito que esperava obter na carreira esco- lhida, foram superiores.

Chegado ao Kio de Janeiro obteve o logar de caixeiro em um armazém de venda a retalho, de que pouco depois tomava a direcção. .Mais tarde deixou esta casa para se aggrcgar a uma sociedade de mineiros que partia para o interior do paiza tentar fortuna. No caminho, porém,aborreceu-se c voltou para traz.

Por intermédio de um dos seus companheiros de viagem obteve nova collocação em um esta- belecimento importante, onde não tardou a ficar como sócio. .Mas a sua intelligencia impellia-o irresistivelmente para o estudo; sentia, vivo e ardente, o desejo de se instruir, de engrandecer o espirito c empregava por isso tudos os momen- tos cTocto, e mesmo grande parte da noite na lei- tura de livros c jornaes. Os consócios não viam com bons olhos esta diligente applicação, te- mendo talvez que ella lhes prejudicasse os inte- resses. António José de Seixas, dotado de um ca- racter enérgico e independente não quiz dar logar a recriminações, e a despeito da crescente pros- peridade do estabelecimento, desligou-se da so- ciedade.

*

Possuidor d'uma pequena fortuna poude cn- tregar-se completamente á paixão que o domi- nava. Leitor infatigável começou de profundar em toda a espécie de livros. A facilidade que ti- nha de reter tudo quanto lia, o talento recepta- tivo que possuía e a perseverança que se impu- nha 11'esta honrosa tarefa tinham-no feito uma espécie de bibliotheca viva; mas pouco satisfeito com a sua instrucçáo a que elle sabia faltar me- thodo e profundeza dispunha-se, no anno^ de i83b a partir para Portugal, afim de seguir o curso da Universidade, quando uma circ um st an- ciã imprevista veio transtornar completamente a realisacão (Teste propósito. O acaso tendo-o le- vado um dia às salas do Hotel iVeiiml, uma das mais celebres casas de jogu do Rio de Janeiro jogou ali pela primeira vez na sua vida, c des- graçadamente com suecesso. Esta estreia em- briagou-o: durante dois mezes foi um jogador desenfreado; e como os seus ganhos fossem con- sideráveis viu-sc para logo rodeado de uma numerosa clientclla de falsos amigos, que tor- nando-se seus companheiros de prazer, o insti-

O LIVRO DE OURO

biographies dos personagens mais disiinctos em politica,

armas, religião, let Iras, s ciências, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO II — VOLUME I PURI.JCACAO PARA PORTUGAL L BRAZIL JUNHO — 1SS6

Antonio José de Seixas

O Livro de Ouro honra hoje as suas paginas expondo á consideração dos seus leitores a his- toria honrosissíma de um cidadão prestante» que ao seu legitimo esforço, á sua incxcedivel força de vontade deve exclusivamente o logar que occupa na sociedade e a estima geral dc que é alvo. , .

Vamos fallar de Antonio Jose de Seixas,— cTesse verdadeiro homem de bem, honradíssimo no commercio, leal na politica e nobre nas acções que tendo entrado na vida publica de fronte er- guida para a eterna luz da justiça c do dever, por méritos c serviços assignalados, hoje occupa um logar distincto entre os homens distínctos e veneráveis de Portugal.

No que vamos escrever acerca d'este conspí- cuo cidadão não haverá exaggero nem requinte de fórmn litteraria; por isso que escrevemos á vista de numerosos documentos elucidativos e comprovativos, nomeadamente a Historia Geral publicada em Genebra em iSót) onde se encon- tra elegantemente esboçada até aquella data a biographia d'este benemérito cidadão e cujo texto seguiremos o mais fielmente possível no prose- gmmento d'este trabalho.

* * *

Antonio José de Seixas, nasceu no dia G dc fevereiro dc 1817, na freguezia de Fervença, concelho de Celorico dc Basto, na formosa pro- vinda do Minho.

Seus paes, modestos lavradores, possuíam uma pequena propriedade rústica, que por mo- tivos da invasão franc eza, cm 1808, foram obri- gados a onerar de successivas hypothecas. Não tendo meios suilicientes para dar a seus filhos uma boa e solida instrucçáo o pae encarrcgou-se dc lhes ministrar o pouco que sabia, e que aprendera quando se destinava á carreira ecclc- siastica.

Aos to annos Antonio José de Seixas sabia lêr e escrever e conhecia tão profundamente a arithmetica que nenhum rapaz da aldeia lhe le- vava as lampas. Dotado d uma intelligencia pre- coce e d'um temperamento impetuoso em breve comccou de sentir a necessidade de aspirar a mais altos destinos do que aquellcs a que na sua terra se achava círcumscripto. O Brazil appare- ceu aos olhos da sua imaginação cheio iFuma grandeza tentadora e tornou-se o ponto fixo de I . .. U' -n 1 r rtnc odas as suas ambições. Por isso, e apesar das istancias dos seus, partiu para a capital d'aquelle

império em companhia de mais alguns emigran- tes da sua terra.

Foi duro — como se deve imaginar — quebrar em tão pouca idade as cadeias que o uniam aos alíagos da familiar mas a sua força de vontade e o êxito que esperava obter na carreira esco- lhida, foram superiores.

Chegado ao Kio de Janeiro obteve o logar de caixeiro em um armazém de venda a retalho, de que pouco depois tomava a direcção. .Mais tarde deixou esta casa para se aggregar a uma sociedade de mineiros que partia para o interior do paiz. a tentar fortuna. No caminho, porém,aborrcccu-se c voltou para traz.

Por intermédio de um dos seus companheiros de viagem obteve nova collocação cm um esta- belecimento importante, onde não tardou a ficar como socio. Mas a sua intelligencia impellia-o irresistivelmente para o estudo; sentia, vivo e ardente, o desejo de sc instruir, de engrandecer o espírito c empregava por isso tudos os momen- tos d'ocio, e mesmo grande parte da noite na lei- tura de livros e jornaes. Os consocios não^ viam com bons olhos esta diligente applicação, te- mendo talvez que cila lhes prejudicasse os inte- resses. Antonio José dc Seixas, dotado de um ca- racter enérgico e independente não quiz dar logar a recriminações, c a despeito da crescente pros- peridade do estabelecimento, desligou-se da so- ciedade.

* * *

Possuidor d'uma pequena fortuna poude en~ tregar-se completamente á paixão que o domi- nava. Leitor infatigável começou de profundar em toda a espccie de livros. A facilidade que ti- nha dc reter tudo quanto lia, o talento reccpta- tivo que possuia e a perseverança que se impu- nha 11'esta honrosa tarefa tinham-no feito uma especie de bibliotheca viva; mas pouco satisfeito com a sua instrucção a que elle sabia Ditar me- thodo e profundeza dispunha-se, no anno de i836 a partir para Portugal, afim de seguir o curso da Universidade, quando uma circumstan- cia imprevista veio transtornar completamente a realisação d'este proposito. O acaso tendo-o le- vado um dia às salas do Hotel Neurit, uma das mais celebres casas de jogu do Rio de Janeiro jogou ali pela primeira vez na sua vida, e des- graçadamente com successo. Esta estreia em- briagou-o: durante dois mez.es foi um jogador desenfreado; e como os seus ganhos fossem con- sideráveis viu-se para logo rodeado de uma numerosa clientella de falsos amigos, que tor- nando-se seus companheiros dc prazer, o insti-

54 O LIVRO DE OCRO

gavam na senda damninha. O novel jogador es- tava maravilhado, e não pensava já nem suspi- rava senão pela noite, que partilhava entre a embriaguez do jogo e a vertigem das orgias.

Como tudo, porém, no mundo é instável e transitório; como não ha ctfcitos últimos e tudo é uma suecessão de instabilidades, claro está que não podia àurar muito aquelle engano d\i! ma ledo e cego. Assim foi. A roda desandou, a fe- licidade converteu-se cm azar e António José de Seixas perdeu em pouco tempo tudo quanto ha- via ganho ao jogo e uma boa parte do que tinha adquirido pelo seu trabalho honesto.

Os remorsos appareceram como consequência natural da sua condueta, e a consciência fez-lhe vêr as negridões do abysmo a que seria arras- tado se não abandonasse aquella negregada e fa- tal paixão. Felizmente a retlexão venceu o sen- timento c António Josi de Seixas nunca mais jogou.

*

Afim de procurar restabelecer e sua fortuna embarcou para a colónia portugueza de Angola. Esta colónia era então o primeiro mercado pára o negocio dos pretos: António José de Seixas entrou n^este commercio; mas á vista das cruel- dades exercidas para com estes desgraçados não teve animo para proseguir. Sem ser um espirito fraco ou supersticioso estava tão fortemente pe- netrado dos horrores d'este abominável trafico, que receiava que as riquezas que d^elle lhe po- dessem advir se convertessem em futuras desgra- ças. Tendo, pois, abandonado a escravatura en- iregou-se á cabotagem sobre as costas do Hrasil, navegando terra a terra por todo o littoral que se estende desde o La Plata ao sul, até Para- hyba, ao norte de Pernambuco. Sahiu-se tão bem d'este negocio que os lucros que dVIle tirou lhe permittiram bem depressa tornar a ver a pátria e a família. j

Em 1842, de regresso á sua terra natal, pagou ! todas as dividas de seus pães, desempenhou o | seu património e começou desde logo uma serie j de viagens de Lisboa á Costa Occidental d "Africa, onde vendia mercadorias, que levava de Portugal, próprias para uso dos indígenas. Estas operações tiveram também um resultado muito feliz, adqui- rindo em pouco tempo meios suficientes para fixar residência na capital do seu paiz, objecto único de todas as suas aspirações cívicas e pa- trióticas.

* *

Estabelecido em Lisboa e matriculado como ne- gociante de grosso trato tia praça do commercio d'esta cidade, António Josi de Seixas foi eleito membro da junta commercial e de outras com- missões de interesse publico, cargos que desem- penhou com zelo c summa intelligencia.

A sua longa residência nas colunias portugue- zas, assim como os estudos a que se tinha de- dicado sobre outras colónias da sua pátria e ainda sobre as pertencentes a vários paizes da Europa, collocaram-n1© em circumstanciãs de po- der discutir na imprensa muitas,questões de in-

teresse colonial. Adoptando como pseudonvmo o signal de *„. S. collaborou no Jornal do Com- mercio c n'ou trás folhas escrevendo sobre vários assumptos com muita elevação e competência.

ísto contribuiu para que em 1861 fosse eleito pela colónia d'Angola deputado ás cortes onde a sua condueta politica satisfez cabalmente a cs- pectativa dos seus eleitores porquanto lhe reno- varam o mandato em todas as eleições que se lhe seguiram, ofierecendo lhe em i8o5 uma me- dalha de ouro guarnecida de brilhantes, como testemunho de reconhecimento pelos serviços que tinha prestado á província.

Ainda que não seja um orador de primeira ordem, facto que elle é o primeiro a confessar e reconhecer, tomou com tudo parte activa em to- das as discussões relativas a negócios coloniacs, particularmente às de Angola; defendeu sempre os melhores princípios de economia, com uma rara abnegação e independência de caracter, sem a minima subserviência aos homens e ás questões de chance!la ministerial. A sua voz era escutada com attenção pelos seus collegas, como sendo a de um homem de bem c a de um erudito expo- sitor em matéria colonial e financeira.

Além das suas funeções parlamentares e oc- c upa cão em diversas com missões de serviço pu- blico, a pedido dos portadores de titulos da di- vida publica interna foi elevado a vogal da Junta do Credito Publico, cuja alta missão é superin- tender acerca das emissões e administração e pagamento da divida nacional.

Em março de 1809, alguns jornaes da capital nomeadamente o.Jornal do Commercio deram pu- blicidade a uma carta de António José de Seixas aos seus eleitores, na qual lhes fazia o pedido de não renovarem o mandato com que o tinham honrado em quatro legislaturas. É que o illustre biographado estava cançado e aborrecido de tra- balhar durante dez a mios de funeções parlamen- tar em favor dos negócios de Angola, sem ter podido obter resultados correspondentes ás suas deligencias e ás necessidades da rica colónia que então representava no parlamento portuguez.

Foi este o motivo de regeitarum quinto man- dato dos seus eleitores. Posteriormente tem-se negado a todos os convites de voltar a represen- tar a mesma colónia, porque as suas opiniõe* acerca do systema de dirigir as colónias portu- guesas estão em completo desaccordo com o que está adoptado por parte da metrópole. Aquella carta representa pois o traço ma's natural do caracter d'es te benemérito cidadão e merece tanto mais ser notada, quanto é visível o inte- resse e a ambição dos que se a fadigam por al- cançar um logar na representação nacional. E os eleitores angolcnscs foram os primeiros a reco- nhecer e premiar a benemerência c isenção do seu ex-representar.te, ollertandolhe dois annos depois de elle ter resignado o mandato uma rica penna de ouro cravejada de riquíssimos brilhan- tes.

Como se vê, António José de Seixas, em 1870 deu por findas as suas funeções parlamentares

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gavam na senda damninha. O novel jogador es- tava maravilhado, e não pensava já nem suspi- rava senão pela noite, que partilhava entre a embriaguez do jogo e a vertigem das orgias.

Como tudo, porém, no mundo é instável e transitório; como não ha efeitos últimos e tudo é uma successão de instabilidades, claro esta que não podia durar muito aquelle engano d''alma ledo e cego. Assim foi. A roda desandou, a fe- licidade converteu-se em azar c Antonio José de Seixas perdeu em pouco tempo tudo quanto ha- via ganho ao jogo e uma boa parte do que tinha adquirido pelo seu trabalho honesto.

Os remorsos appareceram como consequência natural da sua conducta, e a consciência fez-lhe ver as negridões do abysmo a que seria arras- tado se não abandonasse aquella negregada e fa- tal paixão. Felizmente a reilexão venceu o sen- timento c Antonio José de Seixas nunca mais jogou.

* * *■

Afim de procurar restabelecer e sua fortuna embarcou para a colonia portugueza de Angola. Esta colonia era então o primeiro mercado para o negocio dos pretos: Antonio José de Seixas entrou n"este comiucrcio; mas á vista das cruel- dades exercidas para com estes desgraçados não teve animo para proseguir. Sem ser um espirito fraco ou supersticioso estava tão fortemente pe- netrado dos horrores d'este abominável tratico, que receiava que as riquezas que d"elle lhe po- dessem advir se convertessem cm futuras desgra- ças. l endo, pois, abandonado a escravatura cn- tregou-se á cabotagem sobre as costas do Brasil, navegando terra a terra por todo o littoral que se estende desde o La Plata ao sul, até Para- hyba, ao norte de Pernambuco. Snhiu-se tão bem deste negocio que os lucros que dV-lle tirou lhe permit tiram bem depressa tornar a ver a patria e a família.

Em 1842, de regresso á sua terra natal, pagou todas as dividas cie seus paes, desempenhou o seu património e começou desde logo uma serie de viagens de Lisboa á Costa Occidental d "Africa, onde vendia mercadorias, que levava de Portugal, próprias para uso dos indígenas. Estas operações tiveram também um resultado muito feliz, adqui- rindo em pouco tempo meios suficientes para fixar residência na capital do seu paiz, objecto único de todas as suas aspirações cívicas e pa- trióticas.

* * *

Estabelecido em Lisboa e matriculado como ne- gociante de grosso trato na praça do commercio doesta cidade, Antonio Josi de Seixas foi eleito membro da junta commercial e de outras com- missues de interesse publico, cargos que desem- penhou com zelo e sumina i mel li gene ia.

A sua longa residência nas colunias portugue- zas, assim como os estudos a que se tinha de- dicado sobre outras colonias da sua patria e ainda sobre as pertencentes a vários paizes da Europa, collocaram-iPo em circumstanctas de po- der discutir na imprensa muitas,questões de in-

teresse colonial. Adoptando como pseudonvmo o signal de ** S. collaborou no Jornal do Com- mercio c n "outras folhas escrevendo sobre vários assumptos com muita elevação e competência.

isto contribuiu para que em 1861 fosse eleito pela colonia d"Angoia deputado ás cortes onde a sua conducta politica satisfez cabalmente a cs- pectativa dos seus eleitores porquanto lhe reno- varam o mandato em todas as eleições que se lhe seguiram, oferecendo lhe em i8l>5 uma me- dalha de ouro guarnecida de brilhantes, como testemunho de reconhecimento pelos serviços que tinha prestado á província.

Ainda que não seja um orador de primeira ordem, facto que elle é o primeiro a confessar e reconhecer, tomou comtudo parte activa em to- das as discussões relativas a negocios coloniacs, particularmente ás de Angola; defendeu sempre os melhores princípios de economia, com uma rara abnegação u independência de caracter, sem a minima subserviência aos homens e ás questões de chancel la ministerial. A sua voz era escutada com attençáo pelos seus collegas, como sendo a de um homem de bem c a de um erudito expo- sitor em materia colonial e financeira.

Além das suas funeções parlamentares e oc- cupação em diversas commissões de serviço pu- blico, a pedido dos portadores de títulos da di- vida publica interna foi elevado a vogal da Junta do Credito Publico, cuja alta missão é superin- tender acerca das emissões e administração c pagamento da divida nacional.

Em março de 1809, alguns jornaes da capital nomeadamente o.Jornal do Commercio deram pu- blicidade a uma carta de Antonio José de Seixas aos seus eleitores, na qual lhes fazia o pedido de não renovarem o mandato com que o tinham honrado em quatro legislaturas. É que o illustre biograpliado estava cançado e aborrecido de tra- balhar durante dez annos de funeções parlamen- tar em favor dos negocios de Angola, sem ter podido obter resultados correspondentes ás suas deligencias e ás necessidades da rica colonia que então representava no parlamento portuguez.

Foi este o motivo de regeitarum quinto man- dato dos seus eleitores. Posteriormente tem-se negado a todos os convites de voltar a represen- tar a mesma colonia, porque as suas opiniões ácerca do systema de dirigir as colonias portu- guesas estão em completo desaccordo com o que está adoptado por parte da metrópole. Aquella carta representa pois o traço ma's natural do caracter d'este benemérito cidadão e merece tanto mais ser notada, quanto é visível o inte- resse e a ambição dos que se a fadigam por al- cançar um logarna representação nacional. E os eleitores an go lenses foram os primeiros a reco- nhecer e premiar a benemerência e isenção do seu ex-representar.te, olVertando-lhe dois annos depois de elle ter resignado o mandato uma rica penna de ouro cravejada de riquíssimos brilhan- tes.

* * *

Como se vê, Antonio José de Seixas, em 1870 deu por findas as suas funeções parlamentares

o O LIVRO DE OURO 55

como deputado por Angola, resistindo a todas as propostas para ahi voltar, até dos seus con- terrâneos de Celorico de Bastos.

Em t$74, porem, achando-se nos conselhos da coroa o partido regenerador, presidido pelo seu illustre chefe, um interesse politico do dito mi- nistério havia creado a necessidade de combater a eleição de Saraiva de Carvalho n^m dos cír- culos ciei tora es de Lisboa, que reunia as mais ricas e povoadas freguezias da capital.

A. Rodrigues Sampaio, então ministro do reino, recorreu a homens da maior valia filiados no seu partido para a ceei tarem a espinhosa mis- são de combaterem aquella candidatura, o que todos regeitaram, indicando António José de Seixas como o único capa/, de o fazer com van- tagem, pois qoe Saraiva de Carvalho, além dos nobres dotes pessoaes. d'iIlustração e fortuna, já tinha sido ministro e havia representado no parlamento em repetidas eleições o circulo dispu- tado; reunião de circumstancias que tornavam quasi certa a sua victoria.

António José de Seixas que resistira aos pri- meiros convites de lane ar-se na lucia em que o seu partido estava empenhado, resolveu se final- mente a prestar lhe o serviço tão insistentemente reclamado.

A lueta foi renhida e pertinaz.: o triumpho do nosso biographado foi completo e honroso, por haver vencido um adversário de tanta respeitabili- dade; mas António José de Seixas, que li/.era um sacriíício apolítica regeneradora d^tquella época, não a ceei tava parabéns pela victoria, até porque nutria toda a consideração pelo seu antagonista, que níquel la época não poderá entrar no parla- mento.

Tomando assento na camará desde 1874 a 1878 fez parte de diversas commissões, sem as solicitar; entre cilas a do ultramar e de fazenda, c prestando os serviços que poude as colónias portuguezas, de-empenhou com dedicação o en- cargo que acceitára de deputado por Lisboa e entre os serviços que prestou ha um, o da lei de 10 de fevereiro de 1876, que creou um rendi- mento para a Associação Commercial de Lisboa, protegendo na camará como deputado ministe- rial influente da maioria um projecto de lei que habilitou aquella associação a possuir uma casa própria para as suas sessões com o andar dos tempos e fundos para desempenhar condigna- mente a sua missão e a prestar ao governo o auxilio de 100 contos de reis para a construcção de um edifício destinado ao correio geral da ci- dade.

António José de Seixas acompanhou com toda a lealdade partidária o partido regenerador, em que se fíliãra desde iSòi ao entrar no parlamento, durante toda a legislatura parlamentar de 1874 a 1878; mas nas eleições do anno seguinte, tendo facilidade em ser reeleito pelo circulo de Lis- boa, pois os seus eleitores estavam satisfeitos com o seu procedimento, e tendo regei ta do na mesma occasião a eleição pelo circulo da sua naturalidade que amigos conterrâneos até vieram a Lisboa oíferecer-lhe, elle resolveu abandonar a politica por conhecer que não podia continuar a acompanhar com a mesma firmeza e lealdade o

partido regenerador, como o fizera até ali; isto porque, aparte o seu respeito e alta considera- ção por Fontes Pereira de Mello, que António José de Seixas não obstante os erros políticos que lhe reconhece entende ser o mais sagaz e in- telligente homem de estado em Portugal da pre- sente época c o ultimo Abcncerrage do partido regenerador, os novos elementos entrados no partido, compostos de homens qoe na maior parte vieram acolher-se â bandeira politica has- teada por Kontes para fazerem fortuna, levaram o nosso biographado a retirar-se do partido, não querendo filiar-se em outro até ao presente.

Se António José de Sctxrs abandonando o parlamento, conhecera que o partido regenera- dor ia ficando reduzido na maior parte a um agrupamento de homens dependentes apenas do prestigioso nome de Fontes e dos velhos rege- neradores, é certo que elle, depois de deixar cor- rer um praso de tempo suti 1 ciente para fazer mais alguns estudos e accentoar um certo ecclc- ctismo politico, tencionava voltar ao parlamento para discutir a questão colonial, cuja gravidade para a existência da monarchia portugúeza, tem sido o assumpto principal de todas as suas locu- brações. Klle entende que Portugal não pôde conservar a vastidão de improvisadas províncias ultramarinas em frente das exigências dos pro- gressos modernos, tanto para a metrópole como para aqoellas províncias que no espaço de quasi meio século tecm custado valiosos sacrifícios a Portugal, sem vantagem correspondente para as colónias. António José de Seixas não é partidá- rio de venda de colónias; apenas entende que todos os partidos políticos se devem congregar para resolverem a questão colonial dentro das forcas do reino, e renunciar a um império colo- nial imaginário, que muitos vj Mona rios da me- trópole defendem fora de toda a reflexão, não querendo admittir o dilemma d2 que, em pre- sença dos largos sacrifícios feitos com as coló- nias desde 1S60 ou cilas não tecm as riquezas que lhe attribuem ou Portugal não tem elemen- tos para as explorar em seu benefício, das coló- nias e dos progressos dos mundo.

Fortificando as suas antigas idéas e adqui- rindo novos estudos desde 1N7N António José de Seixas preparava-se para voltar ao parlamento afim de tratar esta sua questão predilecta, como deputado ou par do reino pois as novas leis so- bre o paria to abriam-lhe as portas dVsta ultima camará por duas cathegorias.) quando assaltado d*um padecimento d*olhos teve de renunciar á sua patriótica ambição.

Ainda que privado de fazer uso aturado da vista, tornou-se collaboradcr do jornal Commer- cio de Portugal desde iSx^. onde de então para cã tem tratado largamente dos negócios cólon ia es sempre sob o antigo ps^udonymo ** S., tendo attiahido especial attenção os últimos artigos so- bre a epigraphe: A organis.ieão financeira do p.v\, depende de novo systein.t colonial.

Todas estas publicações formam uma rectifi- cação ampla e aperfeiçoada das idéas que se acham expostas no seu magnifico livro A questão colonial portuguesa, publicado em 1S80, de que e diílicil obter hoje um exemplar.

DE OURO 55

como deputado por Angola, resistindo a todas as propostas para ahi voltar, até dos seus con- terrâneos de Celorico de Bastos.

Em 1874, porem, achando-se nos conselhos da corôa o partido regenerador, presidido pelo seu illustre chefe, um interesse politico do dito mi- nistério havia crendo a necessidade de combater a eleição de Saraiva de Carvalho n'um dos cír- culos cleitoraes de Lisboa, que reunia as mais ricas e povoadas freguesias da capital.

A. Rodrigues Sampaio, então ministro do reino, recorreu a homens da maior valia filiados no seu partido para acceitarem a espinhosa mis- são de combaterem aquella candidatura, o que todos regei taram, indicando Antonio José de Seixas como o único capa/, de o fa/cr com van- tagem, pois qoe Saraiva de Carvalho, além dos nobres dotes pessoaes. d'illustracao e fortuna, já tinha sido ministro e havia representado no parlamento em repetidas eleições o circulo dispu- tado; reunião de circumstancias que tornavam quasi certa a sua victoria.

Annnio José de Seixas que resistira aos pri- meiros convites de la near-se na lucta em que o seu partido estava empenhado, resolveu se final- mente a prestar lhe o serv iço tão insistentemente reclamado.

A lucta foi renhida e pertinaz: o triumpho do nosso biographado foi completo e honroso, por haver vencido um adversário de tanta respeitabili- dade; mas Antonio José de Seixas, que li/.era um sacrifício á politica regeneradora d'aquella cpoca, não acceitava parabéns pela victoria, até porque nutria toda a consideração pelo seu antagonista, que níquel la época não poderá entrar no parla- mento.

Tomando assento na cantara desde 1874 a 1878 fez parte de diversas commissões, sem as solicitar; entre cilas a do ultramar e de fazenda, c prestando os serviços que poude ás colonias portuguezas, desempenhou com dedicação o en- cargo que acceitára de deputado por Lisboa e entre os serviços que prestou ha um, o da lei de 10 de fevereiro de 1*876, que creou um rendi- mento para a Associação Commercial de Lisboa, protegendo na cantara como deputado ministe- rial inHuente da maioria um projecto de lei que habilitou aquella associação a possuir uma casa propria para as suas sessões com o andar dos tempos e fundos para desempenhar condigna- mente a sua missão c a prestar ao governo o auxilio de ioo contos de reis para a construcção de um edifício destinado ao correio geral da ci- dade.

Antonio José de Seixas acompanhou com roda a lealdade partidária o partido regenerador, cm que se tíliára desde 1861 ao entrar no parlamento, durante toda a legislatura parlamentar de 1874 a 1878; mas nas eleições do anno seguinte, tendo facilidade em ser reeleito pelo circulo de Lis- boa, pois os seus eleitores estavam satisfeitos com o seu procedimento, e tendo regei ta do na mesma occasião a eleição pelo circulo da sua naturalidade que amigos conterrâneos até vieram a Lisboa oflcrecer-lhe, elle resolveu abandonar a politica por conhecer que não podia continuar a acompanhar com a mesma firmeza c lealdade o

partido regenerador, como o fizera até ali; isto porque, aparte o seu respeito c alta considera- ção por Fontes Pereira de Mello, que Antonio José de Seixas não obstante os erros políticos que lhe reconhece entende ser o mais sagaz e in- telligente homem de estado em Portugal da pre- sente época c o ultimo Abencevrage do partido regenerador, os novos elementos entrados no partido, compostos de homens qoe na maior parte vieram acolher-se a bandeira politica bas- teada por Fontes para fazerem fortuna, levaram o nosso biographado a rctirar-se do partido, não querendo filiar-se em outro ate ao presente.

Se Antonio José de Seixas abandonando o parlamento, conhecera que o partido regenera- dor ia ficando reduzido na maior parte a um agrupamento de homens dependentes apenas do prestigioso nome de Fontes c dos velhos rege- neradores, é certo que elle, depois de deixar cor- rer um praso de tempo sufhciente para fazer mais alguns estudos e ncccntoar um certo eccle- ctismo politico, tencionava voltar ao parlamento para discutir a questão colonial, cuja gravidade para a existência da monarchia portugúeza, tem sido o assumpto principal de todas as suas locvi- brações. Elle entende que Portugal não pôde conservar a vastidão de improvisadas províncias ultramarinas cm frente das exigências dos pro- gressos modernos, tanto para a metrópole como para aquellas províncias que 110 espaço de quasi meio século teem custado valiosos sacrifícios a Portugal, sem vantagem correspondente para as colonias. Antonio José de Seixas não é partidá- rio de venda de colonias; apenas entende que todos os partidos políticos se devem congregar para resolverem a questão colonial dentro das forças do reino, e renunciar a um império colo- nial imaginário, que muitos visionários da me- trópole defendem fõra de toda a reflexão, não querendo admittir o dilemma de que, em pre- sença dos largos sacrifícios feitos com as colo- nias desde i860 ou cilas não teem as riquezas que lhe attribuem ou Portugal não tem elemen- tos para as explorar em seu beneficio, das colo- nias e dos progressos dos mundo.

Fortificando as suas antigas idéas e adqui- rindo noves estudos desde 1878 Antonio José de Seixas preparava-se para voltar ao parlamento afim de tratar esta sua questão predilecta, como deputado ou par do reino pois as novas leis so- bre o pariato nbriam-lhe as portas Testa ultima camara por duas cathegorias.) quando assaltado d*um padecimento Tolhos teve de renunciar á sua patriótica ambição.

Ainda que privado de fazer uso aturado da vista, tornou-se colhi bora der do jornal Commer- cio de Portugal desde i8Sq onde de então para cá tem tratado largamente dos negocios coloniaes sempre sob o antigo pseudonymo ** S., tendo attrahido especial attenção os últimos artigos so- bre a epigraphe: A org an: sacão financeira do paiç, depende de novo system a colonial.

Todas estas publicações formam orna rectifi- cação ampla e aperfeiçoada das idéas que se acham expostas no seu magnifico livro A questão colonial portuguesa, publicado em 1880, de que e diflicil obter hoje um exemplar.

56 O LIVRO DE OURO

Em 1882 António José de Seixas resignou o^. cargo de vogal da Junta de Credito Pubjiío, que exercera por espaço de 3 5 annos, publican- do n'essa occasiao um interessante opúsculo in- titulado— A Junta de Credito Publico e as cai- xas de depósitos económica e portuguesa, — que foi honrosamente citado na imprensa e nas duas casas do parlamento, por occasiao de serem ali discutidos os quadros e as despezas das citadas caixas posteriores aos determinados pelas leis de 10 de abril de 1876 e 26 de abril de 1880.

António José de Seixas deu a demissão de membro da administração alíecta á Junta de Cre- dito Publico, por não ter encontrado appoio na maioria dos seus collegas em exercício, para re- presentarem contra os regulamentos e decretos do então ministro da fazenda Lopo Vaz de Sam- paio que António José de Seixas entendia que violavam os regulamentos e as leis anteriores a 18S2 sobre a creação da 'T Wa de Credito Pu- blico e das duas citadas ri.

Este procedimento mosVíá a !' " in- dependência de caracter, de Antói. ^ J, N? Seixas, que resignou honrosas funeções pi | bem remuneradas para senão conservar em n> partições de estado, authorisando com os seus actos e presença visivel desperdício dos dinhei- ros públicos, c serviços negativos d'uma parte dos empregados verdadeiras sinecuras creadas na caixa económica portugueza pela legislação já citada.

Estas superiores qualidades, esta civíca isen- ção não se encontram hoje facilmente; e no meio do scepticismo de bom tom, por entre a indilVe- rença e a relaxação egoísta e desoladora em que nos arrastamos é um prazer contemplar homens que, como António José de Seixas, symbolisam épocas mais fortes e mais ingénuas e não sabem euphemismos que attenuem os rigores das suas consciências rígidas e castas nem se prestam a tergiversações indecorosas.

Em iK83 foi eleito presidente da direcção da Associação Commeicial d'esta praça, cargo que não acceitou, reservando-se simplesmente o pra- zer de desempenhar um cargo subalterno, onde lhe haviam sido abertas as portas para exercer o primeiro. Assim, fez parte da direcção então nomeada, a qual lindou, depois de algumas reeleições em março do corrente anno, prestan- do á praça relevantes e assignalados serviços.

O nosso biographado tem-se retirado de todo dos negócios públicos e apenas no jornal Com- mercio de Portugal continua tratando, com a proficiência que todos lhe reconhecem, de assum- ptos coloniaes e doutros que lhe permitte a vis- ta enfraquecida pela doença e por aturados tra- balhos desde a infância.

Uma das qualidades que mais tornam sympa- thico o nosso biographado é a sua excessiva mo-

déstia. Se fosse vaidoso, se lhe fossem gratas as pompas ociosas, já teria addicionado a um appel- lido honradíssimo e glorificado por uma reputa- ção de honestidade suprema, titulos e distineções honorificas. Nunca quiz, porém, ser o que se chama na linguagem dos bastidores políticos — um medalhão. Elle não possue titulos ou conde- corações de qualquer graduação nacionaes ou es- trangeiras. Em 1873, depois de serviços presta- dos ao governo foi-lhe olVerecido por A. R. Sam- paio, seu constante amigo, ministro do reino, o ti- tulo de visconde c em seguida a carta de conselho, não querendo acecitar nenhuma d'estas honrarias; isto a despeito de serem bem conhecidos os seus sentimentos monarchicos, comprovados em to- dos os seus actos parlamentares e discussões na imprensa.

Um procedimento que ainda augmenta as pro- vas de seriedade de caracter de António José de Seixas, está no facto que vamos relatar.

Quando se resolvera a ultima fornada de pa- res vitalícios nomeados pelo partido regenerador, alguns amigos disseram-lhe que o seu nome es- tava indigitado para fazer parte da lista a ado- ptar; mas que era necessário que elle mostrasse desejos de ser par do reino e solicitasse a inclu- são do seu nome na lista; resistindo a qualquer passo n'este sentido, declarou terminantemente a esses amigos que depois da publicação do opús- culo sobre os motivos que o fizeram deixar a administração das caixas de depósitos e econó- mica, apesar da consideração e estima que tinha por todos os regeneradores, que elle appellida de históricos ou da velha guarda á frente dos quaes collocava Fontes, não podia acceitar fune- ções parlamentares que nãu o deixassem com toda a liberdade de voto e na politica ecclectica. A fornada levou se a etVeito e o seu nome não figurou nVUa, talvez por não serem bem acceites estas declarações francas e leaes. O que é certo, porém, é que o nosso biographado nunca se mostrou despeitado por ficar na penumbra, de- pois de haver prestado serviços políticos de im- portância ao partido em que se filiara desde 1861.

António Jusé de Seixas tem plena confiança no futuro do seu paiz, que elle ama como os romanos do tempo de Regulo e Cincinnato; c só o que lamenta é que a administração publica, as finanças do estadu e a cunservação das coló- nias, não sejam attendi das c reguladas por sys- temas diversos dos que estão vigorando pre- sente mente.

Em tudo o que deixamos esc ri p to apenas con- seguimos esboçar uns traços esmorecidos da ac- centuada e nobre phisionomia de António José de Seixas. Merecia muito mais este benemérito cidadão, cuja existência laboriosa e prestadia é um consolador exemplo da mais pura, da mais intemerata honradez.

Reservados todos raria.

>s direito» de propriedade litte-

I1P, HE tHIllíTOVÃO AlOfSTO BODBIGIE*— BUA UE ?. l'Att.O, CO f. 62.

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Em 1882 Antonio Jose de Seixas resignou cargo de vogal da Junta de Credito PubJkTo, que exercera por espaço de 3 5 annos, publican- do n'essa occasiao um interessante opusculo in- titulado— A Junta cie Credito Publico e as cai- xas de depósitos ecouomica e portuguesa, — que foi honrosamente citado na imprensa e nas duas casas do parlamento, por occasião de serem ali discutidos os quadros e as despezas das citadas caixas posteriores aos determinados pelas leis de 10 de abril de 1876 e 26 de abril de 1880.

Antonio José de Seixas deu a demissão de membro da administração alTecta á Junta de Cre- dito Publico, por não ter encontrado appoio na maioria dos seus collegas cm exercício, para re- presentarem contra os regulamentos e decretos do então ministro da fazenda Lopo Vaz de Sam- paio que Antonio José de Seixas entendia que violavam os regulamentos e as leis anteriores a 1882 sobre a crcação da ,J uta de Credito Pu- blico e das duas citadas ri.

Este procedimento mosVrd a . v in- dependência de caracter, de Antót. ^ j, ""■? Seixas, que resignou honrosas funeções pi \ bem remuneradas para senão conservar em »e- partições de estado, authorisando com os seus actos e presença visivel desperdicia dos dinhei- ros públicos, e serviços negativos d'uma parte dos empregados verdadeiras sinecuras creadas na caixa económica portugueza pela legislação já citada.

Estas superiores qualidades, esta civica isen- ção não se encontram hoje facilmente; e no meio do scepticismo de bom tom, por entre a indilVe- rença e a relaxação egoista e desoladora em que nos arrastamos é um prazer contemplar homens que, como Antonio José de Seixas, symbolisam épocas mais fortes e mais ingénuas e não sabem euphemismos que attenuem os rigores das suas consciências rígidas e castas nem se prestam a tergiversações indecorosas.

* * *

Em i883 foi eleito presidente da direcção da Associação Commeicial d'esta praça, cargo que não acceitou, reservando-se simplesmente o pra- zer de desempenhar um cargo subalterno, onde lhe haviam sidu abertas as portas para exercer o primeiro. Assim, fez parte da direcção então nomeada, a qual lindou, depois de algumas reeleições em março do corrente anno, prestan- do á praça relevantes e assignalados serviços.

O nosso biographado tem-se retirado de todo dos negocios públicos e apenas no jornal Com- uiercio de Portugal continua tratando, com a proficiência que todos lhe reconhecem, de assum- ptos coloniaes e d'outros que lhe permitte a vis- ta enfraquecida pela doença e por aturados tra- balhos desde a infanda.

* * s:

Uma das qualidades que mais tornam sympa- thico o nosso biographado é a sua excessiva mo-

déstia. Se fosse vaidoso, se lhe fossem gratas as pompas ociosas, já teria addicionado a um appel- lido honradíssimo e glorificado por uma reputa- ção de honestidade suprema, títulos e distineções honorificas. Nunca quiz, porém, ser o que se chama na linguagem dos bastidores politicos — um medalhão. Elie não possue títulos ou conde- corações de qualquer graduação nacionaes ou es- trangeiras. Em 1873, depois de serviços presta- dos ao governo foi-lhe olíerecido por A. li. Sam- paio, seu constante amigo, ministro do reino, o ti- tulo de visconde c em seguida a carta de conselho, não querendo acceitar nenhuma d'estas honrarias; isto a despeito de serem bem conhecidos os seus sentimentos monarchicos, comprovados em to- dos os seus actos parlamentares e discussões 11a imprensa.

Um procedimento que ainda augmenta as pro- vas de seriedade de caracter de Antonio José de Seixas, está no facto que vamos relatar.

Quando se resolvera a ultima fornada de pa- res vitalícios nomeados pelo partido regenerador, alguns amigos disseram-lhe que o seu nome es- tava indigitado para fazer parte da lista a ado- ptar; mas que era necessário que elle mostrasse desejos de ser par do reino e solicitasse a inclu- são do seu nome na lista; resistindo a qualquer passo n'este sentido, declarou terminantemente a esses amigos que depois da publicação do opus- culo sobre os motivos que o fizeram deixar a administração das caixas de depósitos e econó- mica, apesar da consideração e estima que tinha por todos os regeneradores, que elie appellida de históricos ou da velha guarda á frente dos quaes collocava Fontes, não podia acceitar func- ções parlamentares que nau o deixassem com toda a liberdade de voto e na politica ecclectica. A fornada levouse a etVeito e o seu nome não figurou n'clla, talvez por não serem bem acceitcs estas declarações francas e leaes. C) que é certo, porém, é que o nosso biographado nunca se mostrou despeitado por ficar na penumbra, de- pois de haver prestado serviços politicos de im- portância ao partido em que se tiliára desde 18G1.

Antonio Jusé de Seixas tem plena confiança no futuro do seu paiz, que elle ama como os romanos do tempo de Regulo e Cincinnato; e só o que lamenta é que a administração publica, as finanças do estado e a cunservação das coló- nias, não sejam attendidas e reguladas por svs- temas diversos dos que estão vigorando pre- sentemente.

* *

Em tudo o que deixamos escripto apenas con- seguimos esboçar uns traços esmorecidos da ac~ centuada e nobre phisionomia de Antonio José de Seixas. Merecia muito mais este benemerito cidadão, cuja existência laboriosa e prestadia é um consolador exemplo da mais pura, da mais intemerata honradez.

Reservados todos os direito» de propriedade Jitte- raria.

TtP. DE CMHíTOVÀO AlOtSTO BO&HIGlES ^—RUA DE ?. l'.Ut.O, 60 E 62.

O LIVRO DE OURO liiographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, scieucias, artes, commercio, industria e agricultura

5<

AN NO II-VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JULHO — 1SS6

Visconde d1 Azarujinha

Se é certo o provérbio que attribue ao ros- to o privilegio de espelhar os sentimentos do co- ração, este tem mais unia confirmação no ca- valheiro de quem nos vamos oceupar o vis- conde da Azarujinha, António Augusto Dias de Freitas.

A physionomia s}'mpathica c aumente do di- gno restaurador da grande fabrica de vidro em Marinha Grande,— e diremos mesmo da indus- tria vidraceira em Portugal, — revelia a um tem- po sentimentos bondosos e grande força de von- tade c são estes exactamente os tópicos caracte- rísticos das suas inspirações.

O visconde da Azarujinha nasceu sob a in- fluencia d "uma estrelia radiante — a sua existen- tencia não podia deixar de assignalar-se e dis- tinguir-sc; nas eras remotas em que tudo se conseguia pelas armas, o visconde da Azaruji- nha teria sido um bat.ilhador como o Cid de Andaluzia; teria talhado o seu logar na historia com um corte do seu montante; nascendo em tempos menos belicosos, não se tem assignalado menos distinctamente prestando ainda mais im- portante serviço aos seus contemporâneos.

File milita como general infatigável, mas as suas campanhas são as do Bem; lueta pela Ci- vilisaçao, combate pelo Progresso nas fileiras venerandas do grande exercito da industria c do trabalho.

Tudo isto está por assim dizer éstereotypado nas feições, nobremente accentuadas do nosso biographado, nas quaes Lavater teria lido clara- mente bondade, santas intenções, força de von- tade e intelligencia superior, o que tudo se tem confirmado na sua existência de que vamos bu- rilar um ligeiro esboço, por que a estreiteza do espaço de que dispomos não permittc mais.

Nasceu o visconde da Azarujinha. António Augusto Dias de Freitas, na cidade de Lisboa, freguezia de S. João da Praça, no dia ID de fe- vereiro de i83o.

Foram seus progenitores o iIlustre negociante da praça de Lisboa, do mesmo nome do seu no bre suecessor, e D. Li bania Carlota Dias de Freitas, dama de acrisoladas virtudes, c por cau- sa delias muito estimada na sociedade que lhe foi coeva.

Se esta família houvesse de adoptar uma di- visa, como se usava nos antigos tempos da ca- vallaria, essa divisa teria sido: — trabalho, eco- nomia e virtude, ^isto ê, os três requisitos in-

dispensáveis aos grandes cidadãos e aos homens beneméritos de todos os tempos.

Fllec ti vãmente com trabalho, economia e vir- tude grangeou o pac do nosso biographado um nome, que desfruetou a mais profunda e mereci- da confiança na praça de Lisboa, que não é exag- gerada em questó»-» de confiança, — para a con- quistar é mister rte exemplarmente corre- cto n Augusto Dias de Frei- T .u)0.

i aquelle cavalheiro patriota amante do sys- - liberal, que serviu dedicamente, fazendo

parte dos batalhões do commercio na Guarda Nacional depois de se haver estabelecido o go- verno da sr.a D. .Maria II, que encontrara nVlle um ferve roso adepto. Tão relevantes serviços lhe prestou que o governo, em remuneração dtl- les, o agraciou com o grau de cavalleiro da or- dem de Torre-Espada, mercê que n'essa epoca ainda tinha uma alta significação porque só ga- lardoava— consoante a sua divisa —, o valor, a lealdade e o mérito.

.Mas não se limitaram a estes os serviços pres- tados á pátria pelo pae do nosso biographado; cite contribuiu também sabia e poderosamente para o engrandecimento do corpo commercial da capital e cm geral do commercio nacional, concorrendo activamente para a fundação do pri- meiro estabelecimento de credito do paiz, o Ban- co de Portugal, e basta por certo esta menção para se entender que foi um dos negociantes mais consideráveis do seu tempo.

Tendo servido na Guarda Nacional — bata- lhão do commercio,— gosava as honras de ca- pitão honorário do exercito.

Taes foram os progenitores do nobre viscon- de que o exemplo,— que êa licção mais profi- qua e levantada, — formou uma alma nobre e um grande coração.

Passaram-se os annos da mocidade do vis- conde da Azarujinha em intimo convívio com as lettras e as >sciencias, convívio bem aproveitado como hoje se reconhece no seu tracto e na opu- lência e viveza da sua linguagem, que revelia um espirito culto e um estudo profundo e são.

Cursou as aulas da escola militar e da escola polytechnica preparando-sc para ir na lusa Athc- nas receber o grau, que devia franquear-lhe o ingresso na aristocracia das sei ene ias.

Começava porém a accentuar-se o caracter ope- roso que o distingue e cedendo ao animo desejo- so de entrar immediatamente nas actividades da vida, recusou-se a continuar estudos e alistou-

O LIVRO DE OURO

Hiographias dos personagens mais distiuclos cm politica, armas, religião, leltras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO II-VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL JULHO — 1S86

Visconde d'Azarujinha

Se é certo o provérbio que attribue ao ros- to o privilegio de espelhar os sentimentos do co- ração, este tem mais uma confirmação no ca- valheiro de quem nos vamos occupar o vis- conde da Azarujinha, Antonio Augusto Dias de Freitas.

A physionomia sympathica e aura ente do di- gno restaurador da grande fabrica de vidro em Marinha Grande,— e diremos mesmo da indus- tria vidraceira em Portuga!, — revelia a um tem- po sentimentos bondosos, e grande força de von- tade e são estes exactamente os topicos caracte- rísticos das suas inspirações.

O visconde da Azarujinha nasceu sob a in- fluencia d''uma estrella radiante — a sua cxisten- tencia não podia deixar de assignalar-sc e dis- tinguir-se; nas eras remotas em que tudo se conseguia pelas armas, o visconde da Azaruji- nha teria sido um bat ilha dor como o Cid de Andaluzia; teria talhado o seu logar na historia com um córte do seu montante; nascendo em tempos menos belicosos, não se tem assignalado menos distinctamente prestando ainda mais im- portante serviço aos seus contemporâneos.

Elie milita como general infatigável, mas as suas campanhas são as do Bem; lucta pela Ci- vilisaçao, combate pelo Progresso nas fileiras venerandas do grande exercito da industria c do trabalho.

Tudo isto está por assim dizer estercotypado nas feições, nobremente accentuadas do nosso biographado, nas quaes Lava ter teria lido clara- mente bondade, santas intenções, força de von- tade e intelligencia superior, o que tudo se tem confirmado na sua existência de que vamos bu- rilar um ligeiro esboço, por que a estreiteza do espaço de que dispomos não permitte mais.

Nasceu o visconde da Azarujinha. Antonio Augusto Dias de Freitas, na cidade de Lisboa, freguezia de S. João da Praça, no dia lã de fe- vereiro de i83o.

Foram seus progenitores o illustre negociante da praça de Lisboa, do mesmo nome do seu no bre successor, e D. Li ban ia Carlota Dias de Freitas, dama de acrisoladas virtudes, e por cau- sa (Telhas muito estimada na sociedade que lhe foi coeva.

Se esta família houvesse de adoptar uma di- visa, como se usava nos antigos tempos da ca- vallaria, essa divisa teria sido: — trabalho, eco- nomia e virtude,isto é, os tres requisitos in-

dispensáveis aos grandes cidadãos e aos homens beneméritos de todos os tempos.

Elfec ti vãmente com trabalho, economia e vir- tude grangeou o pae do nosso biographado um nome, que dcsfrtictou a mais profunda e mereci- da confiança na praça de Lisboa, que não é exag- gerada em questõ»* de confiança, — para a con- quistar é mister rie exemplarmente corre- cto ~ Augusto Dias de Frei- r .iilO.

i aquelle cavalheiro patriota amante do sys- _ liberal, que serviu dcdicamente, fazendo

parte dos batalhões do commercio na Guarda Nacional depois de se haver estabelecido o go- verno da sr.a D. Maria 11, que encontrara n'elle um ferveroso adepto. Tão relevantes serviços lhe prestou que o governo, em remuneração d'el- les, o agraciou com o grau de cavalleiro da or- dem de Torre-Espada, mercê que n'essa época ainda tinha uma alta significação porque só ga- lardoava— consoante a sua divisa —, o valor, a lealdade e o mérito.

Mas não se limitaram a estes os serviços pres- tados á patria pelo pae do nosso biographado; elle contribuiu também sabia e poderosamente para o engrandecimento do corpo commercial da capital e em geral do commercio nacional, concorrendo activamente para a fundação do pri- meiro estabelecimento de credito do paiz, o Ban- co de Portugal, e basta por certo esta menção para se entender que foi um dos negociantes mais consideráveis do seu tempo.

Tendo servido na Guarda Nacional — bata- lhão do commercio,— gosava as honras de ca- pitão honorário do exercito.

Taes foram os progenitores do nobre viscon- de que o exemplo,— que éa licção mais profi- qua e levantada, — formou uma alma nobre e um grande coração.

Passaram-se os annos da mocidade do vis- conde da Azarujinha em intimo convívio com as lettras e as sciencias, convívio bem aproveitado como hoje se reconhece no seu tracto e na opu- lência e viveza da sua linguagem, que revelia um espirito culto e um estudo profundo e são.

Cursou as aulas da escola militar e da escola polytechnica preparando-sc para ir na lusa Athc- nas receber o grau, que devia franquear-lhe o ingresso na aristocracia das sciencias.

Começava porém a accentuar-se o caracter ope- roso que o distingue e cedendo ao animo desejo- so de entrar immediatamente nas actividades da vida, recusou-se a continuar estudos e alistou-

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sc, sob as ordens de seu pae, na illustre pha- lange do commercio contemporâneo.

Erro grave certamente teria sido desviar o moço estudante da vereda em que tanto havia de nobilitar-sc e tão distinctamente atlirmar a sua personalidade.

A circumstancia de haver sacrificado no tem- plo da sciencia, contribuiu poderosamente para o distinguir e exalçar na carreira de seu pae, porque alem de vastíssimos conhecimentos, ma- neja como a própria, as línguas france/.a e ingle za, cujos mais recônditos segredos lhe são fami- liares.

Contribuiu também para este desvio da car- reira, a que o destinavam seus paes, a sua dé- bil saúde porque elle era tão insaciável de sa- ber, que sacrificava ao estudo os momentos de repouso, tendo por isso mais de uma vez enfer- mado gravemente.

Fazendo convergir para esta nova orientação as suas poderosas e especiaes faculdades o es- tudante desquitado de Minerva converteu-se ra- pidamente n'um negociante de sisudez excedente ao verdor dos annos, merecendo desde logo a confiança de seu pae, que lhe incumbiu os mais importantes negócios, sendo elle quem ia ás pro- víncias quando as relações commerciaes da casa assim o exigiam.

Achava-se o illustre visconde n'uma d'essas jornadas, em Évora, quando uma nova fatal o assaltou al!i, qual foi a de que seu pae adoece- ra repentina e gravemente.

Regressou immediatamente ao lar paterno, mas a Parca já não lhe concedeu a dita de oscular mais uma vez aquelle varão, que tanto o ama- va, e que por elle tão ternamente amado tam- bém fora.

Golpes tremendos são esses para um coração sensível e bom, atrophia-sc a rasão contemplan- do a obra destruidora da morte; e a lei fatal do transformismo imposta a toda a natureza, tão iníqua nos parece então que ainda os ânimos mais piedosos sentem instigações de rebeldia contra a magestade da Providencia,

O futuro visconde da Azarujinha sentiu na máxima intensidade essa enorme e lancinante dôr, e certamente ter-se-ia deixado assoberbar por ella se não o houvesse distraído e consola do em primeiro logar o carinhoso aflecto de sua desolada mãe, que possuindo um animo varonil dominou a sua dur para não aagravsr a de seu filho; e em segundo a necessidade de tomar o leme do importante baixel, que desde este mo- mento ficava exclusivamente a seu cargo.

Estas duas circumstancias juntas á paixão na- tural pela actividade, o desejo de ser útil, a an- ciedade de prestar serviços importantes ao paiz, operaram o milagre de realentar-ihc o animo abatido por tão irreparável perda.

Por este tempo puz o governo em arremata- ção o arrendamento da fabrica de vidro, esta- belecida na Marinha Grande, próximo a Leiria, fabrica que estava em posse da Fazenda Nacio- nal.

Esta fabrica tinha então uma triste historia, que se prende com a da industria indígena.

Pouco mais de um século havia em que pen- sar na inauguração de uma industria importante era considerado uma utopia de vulto. Toda a gente mesmo pessoas aliás muito esclarecidas e illustradas apegavam-se ao prejuiso, quasi con- vertido em axioma, de que Portugal não podia ser nação industrial. Era a rotina imposta como lei. Infelizmente os acontecimentos pareciam en- carregados de justificar os prognósticos dos pes- simistas pois quasi todas as tentativas aborta- vam, e pôde dizer-se que foi Jeronymo Ratton o primeiro obstáculo valioso que se levantou con- tra a corrente de taes idéas.

Depois do estabelecimento das fabricas de Rat- ton, outras se espalharam por diversos pontos do paiz, mas quasi todas antes atravessaram pe- ríodos calamitosos que prósperos.

Uma das mais importantes ofíicinas da indus- tria indígena era a fabrica de vidros de Marinha Grande, que depois de haver fruido uma época muito lisongeira, entrava n\im período de de- cadência, semelhante já a anemia chronica, e o mal aggravava-se de anno para anno â falta dos prophylaticos de uma vontade enérgica, uma opulência corajosa e uma direcção sciente.

O governo mesmo sc convencera de que a fa- brica estava comdemnada, quando a poz em ar- rematação, suppondo-se com fundamento que não haveria quem d'clla quizesse tomar en- cargo.

Quem passava n'aquella povoação, que flo- rescera á sombra das otlicinas vidraceiras, sen- tia o coração opprimido como aquelles viajan- tes, que vão nas ruinas de Palmyra ou de Car- thago meditar sobre quão varia é a sorte dos homens e das cidades.

A povoação da Marinha Grande, composta quasi na generalidade de empregados da fabri- ca, achava-se na miséria pela paralysação dos trabalhos fabris, depois dos successivos desas- tres de Quíntella, Esteves Costa e Manuel Joa- quim Aftbnso; muitas famílias haviam abando- nado a terra, onde os braços validos jaziam ociosos; os que restavam recorriam aos trabalhos campestres para viverem ; as casas deshabitadas começavam de cahir em ruinas; o desgosto só ai li imperava; era a verdadeira imagem da ter- ra da desolação.

Operar completa metamorphose n'estc quadro de miséria era um pensamento grandioso, em que concorria ao mesmo tempo o sentimento humanitário e o patriótico; concebeu esse pen- samento, sedusiu-se d'essa missão o nosso bio- graphado, e levado do desejo ardente de ser útil ao paiz e aos contemporâneos, (que tem sido o inspirador de todos Y>s actos da sua vida),— de accordo com Jorge Croft, depois visconde da Graça, arrematou por trinta annos a fabrica com todas as suas dependências, ern nome d'uma companhia ingleza cujos representantes eram em Portugal.

Re*alisouse esta arrematação no dia i5 de fe- vereiro de 1864, isto é, no mesmo dia em que completava '$4 annos o arrematante, que devia restaurar e engrandecer a fabrica e enriquecer

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se, sob as ordens de seu pac, na illustre pha- lange do commercio contemporâneo.

Erro grave certamente teria sido desviar o moço estudante da vereda em que tanto havia de nobilitar-sc e tão distinctamente atlirmar a sua personalidade.

A circumstancia de haver sacrificado no tem- plo da sciencia, contribuiu poderosamente para o distinguir c exalçar na carreira de seu pac, porque alem de vastíssimos conhecimentos, ma- neja como a propria, as línguas francezn e ingle- za, cujos mais recônditos segredos lhe são fami- liares.

Contribuiu também para este desvio da car- reira, a que o destinavam seus paes, a sua dé- bil saúde porque elle era tão insaciável de sa- ber, que sacrificava ao estudo os momentos de repouso, tendo por isso mais de uma vez enfer- mado gravemente.

Fazendo convergir para esta nova orientação as suas poderosas e especiaes faculdades o es- tudante desquitado de Minerva converteu-se ra- pidamente n'um negociante de sisudez excedente ao verdor dos annos, merecendo desde logo a confiança de seu pae, que lhe incumbiu os mais importantes negocios, sendo elle quem ia ás pro- víncias quando as relações commerciaes da casa assim o exigiam.

Achava-se o iliustre visconde n'uma d'essas jornadas, em Évora, quando uma nova fatal o assaltou alli, qual foi a de que seu pae adoece- ra repentina e gravemente.

Regressou immediatamente ao lar paterno, mas a Parca já náo lhe concedeu a dita de oscular mais uma vez aquelle varão, que tanto o ama- va, e que por elle tão ternamente amado tam- bém fôra.

Golpes tremendos são esses para um coração sensível e bom, atrophia-sc a rasão contemplan- do a obra destruidora da morte; e a lei fatal do transformismo imposta a toda a natureza, tão iniqua nos parece então que ainda os ânimos mais piedosos sentem instigações de rebeldia contra a magestade da Providencia.

O futuro visconde da Azarujinha sentiu na maxima intensidade essa enorme e lancinante, dôr, e certamente ter-se-ia deixado assoberbar por cila se não o houvesse distraído e consola do em primeiro logar o carinhoso aflecto de sua desolada mãe, que possuindo um animo varonil dominou a sua dur para não aggravor a de seu filho; e em segundo a necessidade dc tomar o leme do importante baixel, que desde este mo- mento ficava exclusivamente a seu cargo.

Estas duas circumstancias juntas d paixão na- tural pela actividade, o desejo de ser util, a an- ciedade de prestar serviços importantes ao paiz, operaram o milagre de realentar-ihe o animo abatido por tão irreparável perda.

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Por este tempo puz o governo em arremata- ção o arrendamento da fabrica de vidro, esta- belecida na Marinha Grande, proximo a Leiria, fabrica que estava em posse da Fazenda Nacio- nal.

Esta fabrica tinha então uma triste historia, que se prende com a da industria indígena.

Pouco mais de um século havia em que pen- sar na inauguração de uma industria importante era considerado uma utopia de vulto. Toda a gente mesmo pessoas aliás muito esclarecidas e iliustradas apegavam-se ao prejuiso, quasi con- vertido em axioma, de que Portugal não podia ser nação industrial. Era a rotina imposta como lei. Infelizmente os acontecimentos pareciam en- carregados de justificar os prognósticos dos pes- simistas pois quasi todas as tentativas aborta- vam, e pôde dizer-se que foi Jeronymo Ratton o primeiro obstáculo valioso que se levantou con- tra a corrente de tacs ideas.

Depois do estabelecimento das fabricas de Rat- ton, outras se espalharam por diversos pontos do paiz, mas quasi todas antes atravessaram pe- ríodos calamitosos que prósperos.

Uma das mais importantes ofíicinas da indus- tria indígena era a fabrica de vidros de Marinha Grande, que depois de haver fruido uma época muito lisongeira, entrava n'um período de de- cadência, semelhante já a anemia chronica, e o mal aggravava-se dc anno para anno á falta dos prophylaticos de uma vontade energica, uma opulência corajosa e uma direcção sciente.

O governo mesmo sc convencera de que a fa- brica estava comdemnada, quando a poz em ar- rematação, suppondo-sc com fundamento que não haveria quem d'ella quizesse tomar en- cargo.

Quem passava n'aquella povoação, que flo- rescera á sombra das oflicinas vidraceiras, sen- tia o coração opprimido como aqueUes viajan- tes, que vão nas ruínas de Palmyra ou de Car- thago meditar sobre quão varia é a sorte dos homens e das cidades.

A povoação da Marinha Grande, composta quasi na generalidade de empregados da fabri- ca, achava-se na miséria pela paralysaçao dos trabalhos fabris, depois dos successivos desas- tres de Quintella, Esteves Costa e Manuel Joa- quim Aftonso; muitas famílias haviam abando- nado a terra, onde os braços validos jaziam ociosos; os que restavam recorriam aos trabalhos campestres para viverem ; as casas deshabitadas começavam de cahir em ruínas; o desgosto sô alli imperava; era a verdadeira imagem da ter- ra da desolação.

Operar completa metamorphose n'estc quadro de miséria era um pensamento grandioso, em que concorria ao mesmo tempo o sentimento humanitário e o patriótico; concebeu esse pen- samento, sedusiu-se d'essa missão o nosso bio- graphado, e levado do desejo ardente de ser util ao paiz e aos contemporâneos, (que tem sido o inspirador de todos X>s actos da sua vida),— de accordo com Jorge Croft, depois visconde da Graça, arrematou por trinta annos a fabrica com todas as suas dependências, em nome d'uma companhia ingleza cujos representantes eram em Portugal.

Realisou se esta arrematação no dia i5 de fe- vereiro de 1864, isto é, no mesmo dia em que completava 04 annos o arrematante, que devia restaurar e engrandecer a fabrica e enriquecer

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pelo trabalho bem remunerado aquclla povoa- ção que definhava de miséria c fome.

Providencial coincidência! Sentimo-nos repledos de legitimo orgulho ao

escrever estas palavras, rápido esboço de um quadro enorme; sentimo-nos replectos de orgu- lho, repetimos, admirando o poder magnifico e por assim dizer providencial do homem opulen- to, que pondo de lado os prazeres, que podia gosar ociosamente, toma sobre os hombros a onerosa cru/, de uma em preza formidável, e con- segue tradusir em factos bellos, bellissimos, to- das as formosuras seduetoras do seu altaneiro pensamento dando o bem estar a numerosas fa- mílias.

Quanto superior se nos apresenta este heroc das campanhas modernas aos grandes conquis- tadores romanos que subiam ao Capitólio alçan- do se sobre milhares de cadáveres.

Oh! a nossa época é bem superior ãquella, e os homens que como — o visconde da Azaruji- nha—sacrificam os regalos, que a sua opulência lhes proporciona, a lidarem na santa cruzada da Humanidade c da Pátria, são bem mais di- gnos da admiração de postheros c coevos, que os Césares e os Pompeus da historia antiga.

Pouco tempo depois de arrematada a fabrica fallia a companhia ingleza, mas os arrematantes honraram a sua assignatura, tomando para si e para uma pequena companhia que organisaram o arrendamento da fabrica e suas dependências, c começou então a desenvolver-se e a manifes- tar-se a potente direcção do nosso biographado e esta foi tal que — caso digno de assombro, em vista do decadente estado já descripto —que con- correndo um anno depois os produetos da fa- brica á exposição industrial portuense, em i865, ficaram para logo honrados com merecido pre- mio,

Comprehendeu com o seu instruido e attilado espirito o novo director, que se tornava mister acompanhar o movimento progressivo de egoal fabrico no estrangeiro e por isso depois de haver estudado quanto lhe era possível estudar no paiz sobre o assumpto, foi examinar as grandes oííicinas congéneres da Inglaterra, França, Bél- gica c Ailemanha, importando tTahi melhores methodos de trabalho e de administração fabril, e especialmente os modernos fomos, alimentados a gaz, que representam uma importante eco- nomia na fabricação; assim como outras muitas innovações desconhecidas no paiz e que teve en- sejo de estudar e apreciar lá fora.

Os produetos da Marinha Grande são hoje co- nhecidos em todo o Portugal; os seus merecimen- tos tem sido consagrados em diversos certamens industriaes sem exceptuar os dos centros mais aptos para os apreciarem, como foram as expo- sições de Paris de 1867 e 187S, de Vienna de Áustria de 1873, de Philadelphia 1877, do Rio de Janeiro em 1879, onde lhe foi conferida uma medalha de ouro, e a da Tapada de Ajuda em 1884, onde teve outra de prata.

A producção da fabrica actualmente é enorme

e a essa condição se deve a moderação dos pre- ços ; essa producçao pode-se aflerir pelo pessoal que não ê inferior a mil operários; sendo o visconde da Azarojinha alvo de uma veneração profunda c sincera.

Um facto provara a verdade d'es te asserto. Em 1875 adoeceu gravemente o illustre direc-

tor da fabrica sendo-lhe recommendada uma via- gem de repouso e distracção; pelo que sahiu de Lisboa em companhia de sua alfectuosa mãe que não quiz apartar-se d'elle.

Bem necessários ciam esses momentos de des- canço a quem havia onze annos, emprehendera uma verdadeira lueta de gigante, um trabalho heróico, uma empreza titânica.

• A doença era grave mas a distracção produziu os seus salutaics efleitos, e em 1876 regressou á pátria completamente restabelecido.

As festas soíemnes que se fizeram na Marinha Grande festejando o regresso e o restabelecimento do illustre director não se descrevem. O povo cTaquella localidade parecia acommettido de de- lírio; na egreja os cânticos religiosos em acção de graças; nas ruas os brados de enthusiasmo, acompanhando os accordes musicaes; nos ares o estrondo dos fogos de artificio tudo parecia re- petir perante Deus e o mundo o nome abençoado de um grande bemfeitor da humanidade.

Os governos tecm sabido apreciar os notá- veis serviços prestados por este cavalheiro c e por isso o tem recommendado ao chefe do es- tado, para lhe conferir honras merecidas, mas não superiores ás que resultam da grande nobreza de sua alma; assim, em 1807, certamente com- memorando a grande revolução operada na fa- brica da Marinha Grande revolução de que bro- taram tão profícuos resultados para o povo da localidade e para o paiz nome e fama, conferiu- Ihe a commenda da ordem de N. Senhora da Conceição de Yilla Viçoza, por decreto de 3 de junho.

Em 11 de agosto de 1870 foi agraciado — em decreto referendado pelo illustre e esclarecido es- tadista dr. José Dias Ferreira, com o titulo de Visconde da Azarujinha, titulo que deriva de uma das suas magnificas propriedades, no Alemtejo, que é assim denominada.

Em 3o de setembro de 1872 foi-lhe conferida a mercê de fidalgo cavalleiro da Casa Real.

Em 29 de dezembro de 1881 houve ainda por bem sua magestade demonstrar o seu reconheci- mento pelos serviços prestados por este illustre patriota, e considerado como é um dos primei- ros homens do mundo commcrcial e industrial do seu tempo, elevou-o ao paria to. tomando assento na camará respectiva cm 7 de janeiro do anno seguinte.

Estamos crentes que não podem as mercês re- gias assentar em peito mais nobre nem em indi- vidualidade mais distincta. O visconde da Aza- rujinha fidalgo já pela elevação e bizarria de seus sentimentos, pela correcção e nobreza do seu porte, pelos serviços prestados á Pátria, pelo de- sejo intenso de ser útil, pela actaividde operosa

O LIVRO

pelo trabalho bem remunerado aquella povoa- ção que definhava de miséria e fome.

Providencial coincidência! Sentimo-nos replectos de legitimo orgulho ao

escrever estas palavras, rápido esboço de um quadro enorme; sentimo-nos replectos de orgu- lho, repetimos, admirando o poder magnifico e por assim dizer providencial do homem opulen- to, que pondo de lado os prazeres, que podia gosar ociosamente, toma sobre os hombros a onerosa cruz de uma em preza formidável, e con- segue tradusir em factos bellos, bellissimos, to- das as formosuras seductoras do seu altaneiro pensamento dando o bem estar a numerosas fa- mílias.

Quanto superior sc nos apresenta este heroe das campanhas modernas aos grandes conquis- tadores romanos que subiam ao Capitólio alçan- do-se sobre milhares de cadáveres.

Oh! a nossa época é bem superior aquella, e os homens que como — o visconde da Azaruji- nha— sacrificam os regalos, que a sua opulência lhes proporciona, a lidarem na santa cruzada da Humanidade c da Patria, são bem mais di- gnos da admiração de postheros e coevos, que os Cesares e os Pompeus da historia antiga.

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Pouco tempo depois de arrematada a fabrica fallia a companhia ingleza, mas os arrematantes honraram a sua assignatura, tomando para si e para uma pequena companhia que organisaram o arrendamento da fabrica e suas dependências, c começou então a desenvolvei-se e a manifes- tar-se a potente direcção do nosso biographado e esta foi tal que—caso digno de assombro, em vista do decadente estado já dcscripto — que con- correndo um anno depois os productos da fa- brica d exposição industrial portuense, em i865, ficaram para logo honrados com merecido pre- mio,

Comprehendeu com o seu instruído e at tilado espirito o novo director, que se tornava mister acompanhar o movimento progressivo de egual fabrico no estrangeiro e por isso depois de haver estudado quanto lhe era possível estudar no paiz sobre o assumpto, foi examinar as grandes olficinas congéneres da Inglaterra, França, Bél- gica c Allemanha, importando d'ahi melhores methodos de trabalho e de administração fabril, e especialmente os modernos fornos, alimentados a gaz, que representam uma importante eco- nomia na fabricação; assim como outras muitas innovações desconhecidas no paiz. e que teve en- sejo de estudar e apreciar lá fora.

Os productos da Marinha Grande são hoje co- nhecidos em todo o Portugal; os seus merecimen- tos tem sido consagrados em diversos certamens industriaes sem exceptuar os dos centros mais aptos para os apreciarem, como foram as expo- sições de Paris de 1867 e 187(8, de Vienna de Áustria de 1875, de Philadelphia 1877, do Rio de Janeiro em 1879, onde lhe foi conferida uma medalha de ouro, e a cia Tapada de Ajuda em 1884, onde teve outra de prata.

A producção da fabrica actualmente é enorme

DE OURO 59

e a essa condição sc deve a moderação dos pre- ços ; essa producção pode-se afíerir pelo pessoal que não c inferior a mil operários; sendo o visconde da Azarojinha alvo de uma veneração profunda c sincera.

Um facto provará a verdade d'es te asserto. Em 1S7Õ adoeceu gravemente o illustre direc-

tor da fabrica sendo-lhe recommendada uma via- gem de repouso e distracção; pelo que sahiu de Lisboa em companhia de sua alfectuosa mãe que não quiz apartar-se d'elle.

Bem necessários ciam esses momentos de des- canço a quem havia onze annos, emprehendera uma verdadeira lucta de gigante, um trabalho heroico, uma empreza titanica.

• A doença era grave mas a distracção produziu os seus salutaies efieitos, e em 1876 regressou á patria completamente restabelecido.

As festas solemnes que se fizeram na Marinha Grande festejando o regresso e o restabelecimento do illustre director não se descrevem. O povo cTaquella localidade parecia acommettido de de- lirio; na egreja os cânticos religiosos em acção de graças; nas ruas os brados de enthusiasmo, acompanhando os accordes musicaes; nos ares o estrondo dos fogos de artificio tudo parecia re- petir perante Deus e o mundo o nome abençoado de um grande bemfeitor da humanidade.

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Os governos teem sabido apreciar os notá- veis serviços prestados por este cavalheiro e e por isso o tem recommendado ao chefe do es- tado, para lhe conferir honras merecidas, mas não superiores ás que resultam da grande nobreza de sua alma; assim, em 1807, certamente com- memorando a grande revolução operada na fa- brica da Marinha Grande revolução de que bro- taram tão profícuos resultados para o povo da localidade e para o paiz nome e fama, conferiu- Ihe a comtnenda da ordem dc N. Senhora da Conceição de Villa Viçoza, por decreto de 3 de junho.

Em n de agosto de 1870 foi agraciado — em decreto referendado pelo illustre e esclarecido es- tadista dr. Jose Dias Ferreira, com o titulo de Visconde da Azarujinha, titulo que deriva de uma das suas magnificas propriedades, no Alemtejo, que é assim denominada.

Em 3o de setembro de 1872 foi-lhe conferida a mercê de fidalgo cavalleiro da Casa Real.

Em 29 de dezembro de 1881 houve ainda por bem sua magestade demonstrar o seu reconheci- mento pelos serviços prestados por este illustre patriota, e considerado como é um dos primei- ros homens do mundo commercial e industrial do seu tempo, eievou-o ao pariato, tomando assento na camara respectiva em 7 de janeiro do anno seguinte.

Estamos crentes que não podem as mercês re- gias assentar cm peito mais nobre nem em indi- vidualidade mais distincta. O visconde da Aza- rujinha fidalgo já pela elevação e bizarria de seus sentimentos, pela correcção e nobreza do seu porte, pelos serviços presiados d Patria, pelo de- sejo intenso de ser util, peia actaividde operosa

6o O LIVRO DE OURO

tão proficientemente exercida, é um dos mais no- táveis membros da aristocracia moderna que não funda os seus títulos de gloria nos pergaminhos nem nas tradições, mas no próprio merecimento e na superioridade individual.

Não se presuma todavia, que com quanto fosse enormemente importante e afadigosa a missão a que o visconde da Azarujinha se impoz, elle não tenha ao mesmo tempo dirigido outros empre- hendimentos.

Pelo contrario; os seus trabalhos são numero- sos; assim como Anteo recobrava forcas apenas tocava a terra o visconde da A/arujinha repousa das fadigas de um emprehendimento encetando outro; assim como Proteu tomava mil formas,a actividade do illustrc biographado, manifesta-se de variadas maneiras: elle c lavrador, negociante, vereador municipal e legislador, ao mesmo tempo que as operações da alta finança lhe não são des- conhecidas, occorrendo a tudo com animo supe- rior e com um espirito de ordem admirável.

São numerosas as companhias que tem tido nascença sob a sua inspiração, e quasi impossí- vel nos parece podermos fazer d'cilas uma rese- nha completa, citaremos pois unicamente as mais importantes e recentes:

Companhia do Mercado da Praça da Figueira, que realisou a transformação d\im vetusto par- dieiro na mais elegante construcção do seu seu género, existente no paiz.

Esta obra, que não pôde dár proventos á com- panhia, ficará sendo como uma das melhores da iniciativa municipal, posto que a sua realisação se deva antes á bizarria da Companhia que á ini- ciativa da camará.

A Companhia das Minas de Gondarem de que foi o iniciador e a exploradora dos jazigos de Alcncarse, de que é director, as quaes hão-de cm breve trecho produzir interesses considerá- veis, com lucros certos para as classes trabalha- doras.

A Companhia dos Carros Rippcrt, cujo dire- ctor é, e que representa também um valioso ser- viço prestado aos habitantes da capital, pois gra- ças a esta concorrência tcem obtido melhor ser- viço d^essa outra companhia que ao mesmo tempo pretendia usofruir dois privilégios, dispor a seu talante dos caminhos municipaes e zombar dos munícipes da cidade.

Afora tudo isto tem ainda a administração de sua casa da qual fazem parte vastíssimas pro- priedades no Alemtejo, Lezírias no Ribatejo e outras vivendas em diversos pontos do paiz, to- das as quaes são verdadeiros modelos de boa e discreta dirigencia.

Ha dois annos a Junta geral do districto de Lisboa pensou em promover no centro do dis- tricto uma exposição industrial, commercial e agrícola. Esta idea foi tão agradável ao chefe do estado, que lhe prestou especialíssima atten-

ção concedendo a Tapada da Ajuda para se construírem os edifícios necesssarios para a ex- posição.

Não se levou ella a etTeito sem que se prati- cassem muitos actos de verdadeira dedicação e sem que fosse necessário desenvolver larga acti- vidade pelos membros da commissão promotora.

O visconde da Azarujinha tendo em vista que estes certamens são sempre um prodigioso impulso para as classes que a elles concorrem, desenvolveu a sua maravilhosa actividade, con- correndo poderosamente para que a exposição se levasse a etTeito não sendo este o menor ser- viço que tem prestado á agricultura nacional.

Em i885, tratando o governo de proceder á nova organisacão da administração municipal da capital convocou os representantes das varia- díssimas classes da cidade afim de elegerem uma commissão, que tivesse por fim preparar a transic- ção do systema administractivo no município.

Entre os cavalheiros eleitos n'essa reunião foi logo incluído o nome do visconde daAzarujinha como um dos mais competentes para se encar- regarem dessa espinhosa e delicada tarefa.

Procedendo-sc em seguida á eleição da nova camará, foi um dos eleitos o visconde da Aza- rujinha, provando-se d'esta vez o são critério dos eleitores, que devem preferir sempre homens de habilidade administractiva reconhecida, e que hajam provado a sua competência da maneira brilhante como o tem feito o nosso illustre bio- graphado, o qual ha de deixar da sua gerência memoria gloriosa e laudativa de suas virtudes.

Parece-nos ocioso insistir na exposição das qualidades pessoaes do nobre visconde, — pose- mos em relevo a sua piedade filial, sentimento que se não pode elevar a mais alto grau, e que ainda hoje se manifesta; dissemos que o seu co- ração é profundamente sensível â prosperidade e a gloria pátria tendo consagrado a maior parte da sua existência a levantar" e engrandecer uma localidade: parece-nos que são estas as mais pre- ciosas virtudes que podem adornar o coração de um patriota e de um chefe de família. Afável no trato, benévolo para com todos, prompto a aceudir a quantos infortúnios verdadeiros se lhe deparam, confirma em todos os actos o axioma de que a vida dos pães é exemplo para os filhos; pois tem seguido pontualmente a gloriosa lenda da probidade inquebrantável e do civismo acri- solado, que lhe legou seu nobre e honrado pae.

Tecendo este modesto quadro não só cum- primos a gostosa missão de render o devido tri- buto ao mérito, mas produsimos uma licção pro- fícua muito para seguir e ainda mais para admi- rar.

IV uervatloi todos o§ direitot de propriedade lltte- raria.

"111». I>K CIIRISTOYÃO .UCISTO RODRIGIKS— RUA DE S. PUXO, 60 E Gá.

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tão proficientemente exercida, é um dos mats no- táveis membros da aristocracia moderna que não funda os seus títulos de gloria nos pergaminhos nem nas tradições, mas no prop rio merecimento e na superioridade individual.

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Não se presuma todavia, que com quanto fosse enormemente importante e afadigosa a missão a que o visconde da Azarujinha se impoz, elle não tenha ao mesmo tempo dirigido outros empre- hendimentos.

Pelo contrario; os seus trabalhos são numero- sos; assim como Anteo recobrava forças apenas tocava a terra o visconde d.i Azarujinha repousa das fadigas de um emprehendimento encetando outro; assim como Proteu tomava mil formas,a actividade do illustre biographado, manifesta-se de variadas maneiras: elle é lavrador, negociante, vereador municipal e legislador, ao mesmo tempo que as operações da alta finança lhe não são des- conhecidas, occorrendo a tudo com animo supe- rior e com um espirito de ordem admirável.

São numerosas as companhias que tem tido nascença sob a sua inspiração, e quasi impossí- vel nos parece podermos fazer d'ellas uma rese- nha completa, citaremos pois unicamente as mais importantes e recentes:

Companhia do Mercado da Praça da Figueira, que realisou a transformação d\ttn vetusto par- dieiro na mais elegante construcção do seu seu genero, existente no paiz.

Esta obra, que não pôde dár proventns d com- panhia, ficará sendo como uma das melhores da iniciativa municipal, posto que a sua realisação se deva antes d bizarria da Companhia que d ini- ciativa da camara.

A Companhia das Minas de Gondarem de que foi o iniciador e a exploradora dos jazigos de Alencarse, de que é director, as quaes hão-de cm breve trecho produzir interesses considerá- veis, com lucros certos para as classes trabalha- doras.

A Companhia dos Carros Uippcrt, cujo dire- ctor é, e que representa também um valioso ser- viço prestado aos habitantes da capital, pois gra- ças a esta concorrência tcem obtido melhor ser- viço d'essa outra companhia que ao mesmo tempo pretendia usofruir dois privilégios, dispor a seu tnlante dos caminhos municipaes e zombar dos munícipes da cidade.

Afóra tudo isto tem ainda a administração dc sua casa da qual fazem parte vastíssimas pro- priedades no Alemtejo, Lezírias no Ribatejo e outras vivendas em diversos pontos do paiz, to- das as quaes são verdadeiros modelos de boa e discreta dirigcncta.

Ha dois annos a Junta geral do districto de Lisboa pensou em promover no centro do dis- tricto uma exposição industrial, commercial e agrícola. Esta idea foi tão agradavel ao chefe do estado, que lhe prestou especialíssima atten-

ção concedendo a Tapada da Ajuda para se construírem os edifícios necesssarios para a ex- posição.

Não se levou ella a etteito sem que se prati- cassem muitos actos de verdadeira dedicação e sem que fosse necessário desenvolver larga acti- vidade pelos membros da commissão promotora.

O visconde da Azarujinha tendo em vista que estes certamens são sempre um prodigioso impulso para as classes que a elles concorrem, desenvolveu a sua maravilhosa actividade, con- correndo poderosamente para que a exposição se levasse a elíeito não sendo este o menor ser- viço que tem prestado á agricultura nacional.

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Em i885, tratando o governo de proceder á nova organisação da administração municipal da capital convocou os representantes das varia- díssimas classes da cidade afim de elegerem uma commissão, que tivesse por fim preparar a transic- ção do systema administractivo no município.

Entre os cavalheiros eleitos n'essa reunião foi logo incluído o nome do visconde daAzarujinha como um dos mais competentes para se encar- regarem dessa espinhosa e delicada tarefa.

Procedendo-sc em seguida d eleição da nova camara, foi um dos eleitos o visconde da Aza- rujinha, provando-se d'es ta vez o são critério dos eleitores, que devem preferir sempre homens de habilidade administractiva reconhecida, e que hajam provado a sua competência da maneira brilhante como o tem feito o nosso illustre bio- graphado, o qual ha de deixar da sua gerência memoria gloriosa e laudativa de suas virtudes.

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Parecc-nos ocioso insistir na exposição das qualidades pessoacs do nobre visconde, — pose- mos em relevo a sua piedade filial, sentimento que se não pode elevar a mais alto grau, e que ainda hoje se manifesta; dissemos que o seu co- ração é profundamente sensível â prosperidade e ã gloria patria tendo consagrado a maior parte da sua existência a levantar e engrandecer uma localidade: parece-nos que são estas as mais pre- ciosas virtudes que podem adornar o coração de um patriota e de um chefe de familia. Afável no trato, benevolo para com todos, prompto a accudir a quantos infortúnios verdadeiros se lhe deparam, confirma em todos os actos o axioma de que a vida dos paes é exemplo para os filhos; pois tem seguido pontualmente a gloriosa lenda da probidade inquebrantável e do civismo acri- solado, que lhe legou seu nobre e honrado pae.

Tecendo este modesto quadro não só cum- primos a gostosa missão de render o devido tri- buto ao mérito, mas produsimos uma licçao pro- fícua muito para seguir e ainda mais para admi- rar.

Reservado» todos os direitos de propriedade litte- raria»

1»r. I>K CltniSTOYÃO AUGUSTO RODRIGUES RUA »E S. PAULO, CO B C5.

O LIVRO DE OURO cBiographias dos personagens mais dislinctos em politica,

armas, religião, lellras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

/

AN NO II —VOLUME l PUBLICAÇÃO .PARA PORTUGAL E BRAZIL SETEMBRO— 1886

0 Visconde de Alcântara

Michclct, o mais erudito escriptor dos tempos modernos definindo a Civilização diz que cila — é o aperfeiçoamento moral e intcllectttal das nações e dos liomens.

Ora o homem — collectívo e individualmente perfeito — é absolutamente respeitador dos di- reitos alheios. Partindo d'esta thcoria, que è a synthcse da verdade histórica relativamente aos laços sociaes, cae-se naturalmente no reconheci- mento de que uma das instituições que tendem a desaparecer das sociedades quando a civilisaçao haja attingido o grau máximo da perfectibilidade é aquella que na sua existência nega implícita e explicitamente o laço que deve unir entre si os homens e as nações a fraternidade—essa insti- tuição é a dos exércitos.

Entretanto—sendo como é ainda hoje a civi- lisaçao um theorema eriçado de hypotheses, — as corporações militares, a que esta cunfíada a manutenção dos direitos nacionaes, continuam sendo o reposíto da lealdade, o sacrário da hon- ra e a vereda mais gloriosa que pôde trilhar o homem animado do sacratíssimo desejo de ser útil á Pátria; inspiração nobilíssima inseparável dos mais elevados caracteres e que tem produ- sido os vultos mais bem illuminados pela gloria, vultos que hão attingido c ultrapassado as raias da sublimidade, em muitos casos.

Se escavamos nas ruinas da Historia, se re- volvemos os fastos da humanidade, se descerra- mos os véus do passado, se profundamos os annaes da civilisaçao mesmo — essa inimiga im- plícita das luetas fratricidas, encontramos no pe- ríodo mythologico— o guerreiro tau necessário, tão importante, tão indispensável á prosperidade das nações que estas dão aos seus heroes com- batentes o titulo de deuses e semi-deuses con- fundindo-os com a divindade e conferindo-lhes attributos olympicos.

A historia Universal não sabe como descri- minar a existência d'alguns d'esses heroes da an- tiguidade, em tanta maneira a admiração e o en- thusiasmo dos escriptores e historiographos re- motos confundiu a interferência divina nos actos bellicos de que resultaram a fundação dos im- périos e nações antigas.

Emquanto pois a civilisaçao não houver attin- gido— se attingil-o pôde — um período de per- fectibilidade completa, o escriptor imparcial não se eximirá a prestar vassalagem ás individuali- dades preciosas, que se sobrelevam ao vulgo nas legiões militares.

Portugal—devemos confessal-o com justifi- cado orgulho — é uma das nações que tem con-

tado maior numero de notabilidades mar- ciaes.

Nenhum portuguez que conheça a historia pá- tria pôde deixar de repetir cum orgulho os no- mes do rnarquez de Marialva e do conde de Vil- la Flor, D. Sancho Manuel, os heroes da inde- pendência no decimo sétimo século; o nome de Nuno Alvares Pereira, um dus avuengos da re- gia dynastia, que talhou com o seu montante — novo Alexandre cortando o nó gordio — nos cam- pos de Valverde e Aljubarrota as ambições de Castella; o nome de Allonso de Albuquerque, o heroe das Índias; o nome de D, João de Castro admirável defensor de Diu, e tantos outros cada um dos quaes —daria assumpto para uma epo- pea ímmortal — se os heroes do poema fossem tão numerosos como os heroes da espada.

Sentimo-nos profundamente commovidos quan- do folheando as paginas dos annaes portuguezes defrontamos com esses e outros nomes gloriosos que constituem uma brilhante constellação nos horisontes históricos doesta gloriosa nação pe- ninsular tão acanhada no território quanto'grande nos brios.

Não ha Mcttiades, não ha Themistocles, não ha Annibacs que possam rivalisar com os he- roes portuguezes, e são estes tanto mais justa- mente credores de preito, quanto é certo que nas qualidades do coração excedem em muito áquelles.

Os vencedores romanos impunham-se pela co- ragem e pela ferocidade, venciam pelo valor e pelo terror que infundiam; a sua gloria era em- panada sempre pelos horrores que se lhe se- guiam; elles caiam sobre a presa como águias e como abutres; eram leões no combate e tigres depois do triumpho.

Não suecedia outro tanto aos portuguezes — com orgulho e vaidade o podemos dizer, —porque em seguida á Victoria a benignidade natural ma- nifesta va-se na brandura com que acolhiam os vencidos e na magnanimidade com que preten- diam lenir as agruras da conquista.

É por isso que ainda hoje nos sertões africa- nos e nos palmares indiaticos o nome da nação portugueza é proferido com estima e o pendão das quinas olhado com respeito.

O exercito portuguez — nos tempos coetâneos — é um sacrário glorioso dessas reminiscências admiráveis e por isso quando defrontamos com um militar distincto, com um desses homens va- lorosos que possuem a um tempo como diz o poeta: «braço ás armas feito e peito ás musas dado» nos sentimos possuídos de uma santa e justa veneração: estes são os sentimentos que nos inspira o nome honrado e laureado do vis-

O LIVRO DE OURO

cBiographias dos personagens mais dislinctos em politica,

armas, religião, leltras, sciencias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO II —VOLUME l PUBLICAÇÃO .PARA PORTUGAL E BRAZIL SETEMBRO — 1886

0 Visconde de Alcantara

Michelct, o mais erudito escriptor dos tempos modernos definindo a Civilisação diz que cila — é o aperfeiçoamento moral e intellectual das nações e dos homens.

Ora o homem — eolleetivo e individualmente perfeito —é absolutamente respeitador dos di- reitos alheios. Partindo d'esra theoria, que ú a synthese da verdade histórica relativamente aos laços sociaes, cae-se naturalmente no reconheci- mento de que uma das instituições que tendem a desaparecer das sociedades quando a civilisação haja attingído o grau máximo da perfectibilidade é aquella que na sua existência nega implícita e explicitamente o laço que deve unir entre si os homens c as nações a fraternidade — essa insti- tuição é a dos exércitos.

Entretanto—sendo como é ainda hoje a civi- lisação um theorema eriçado de hypotheses, — as corporações militares, a que esta cunfiada a manutenção dos direitos nacionaes, continuam sendo o reposito da lealdade, o sacrário da hon- ra e a vereda mais gloriosa que pôde trilhar o homem animado do sacratíssimo desejo de ser util á Patria; inspiração nobilíssima inseparável dos mais elevados caracteres e que tem produ- sido os vultos mais bem illumínados pela gloria, vultos que hão attingído e ultrapassado as raias da sublimidade, em muitos casos.

Se escavamos nas ruinas da Historia, se re- volvemos os fastos da humanidade, se descerra- mos os véus do passado, se profundamos os annaes da civilisação mesmo— essa inimiga im- plícita das luctas fratricidas, encontramos no pe- ríodo mythologico—o guerreiro tãu necessário, tão importante, tão indispensável â prosperidade das nações que estas dão aos seus heroes com- batentes o titulo de deuses e semi-deuses con- fundindo-os com a divindade e conferindo-lhes attributos olympicos.

A historia Universal não sabe como descri- minar a existência d'alguns d'esses heroes da an- tiguidade, em tanta maneira a admiração e o en- thusiasmo dos escriptores e historiographos re- motos confundiu a interferência divina nos actos bellicos de que resultaram a fundação dos im- périos e nações antigas.

Emquanto pois a civilisação não houver attin- gído— se attingil-o pôde — um período de per- fectibilidade completa, o escriptor imparcial não sc eximirá a prestar vassalagem ás individuali- dades preciosas, que se sobrelevam ao vulgo nas legiões militares.

Portugal—devemos confessal-o com justifi- cado orgulho — é uma das nações que tem con-

tado maior numero de notabilidades mar- ciaes.

Nenhum portuguez que conheça a historia pá- tria pôde deixar de repetir cum orgulho os no- mes do marquez de Marialva e do conde de Vil- la Flor, D. Sancho Manuel, os heroes da inde- pendência no decimo sétimo século; o nome de Nuno Alvares Pereira, um dus avuengos da re- gia dynastia, que talhou com o seu montante — novo Alexandre cortando o nó gordio — nos cam- pos de Valverde c Aljubarrota as ambições de Castella; o nome de Allonso de Albuquerque, o heroe das Índias; o nome de D, João de Castro admirável defensor dc Diu, e tantos outros cada um dos quaes —daria assumpto para uma epo- pea immortal — se os heroes do poema fossem tão numerosos como os heroes da espada.

Sentimo-nos profundamente commovidos quan- do folheando as paginas dos annaes portuguezes defrontamos com esses e outros nomes gloriosos que constituem uma brilhante constellação nos horisontes históricos d'esta gloriosa nação pe- ninsular tão acanhada no território quanto'grande nos brios.

Não ha Mettiades, não ha Themistocles, não ha Annibacs que possam rivalisar com os he- roes portuguezes, e são estes tanto mais justa- mente credores de preito, quanto é certo que nas qualidades do coração excedem em muito áquelles.

Os vencedores romanos impunham-se pela co- ragem e pela ferocidade, venciam pelo valor e pelo terror que infundiam; a sua gloria era em- panada sempre pelos horrores que se lhe se- guiam; elles caiam sobre a presa como aguias e como abutres; eram leões no combate e tigres depois do triumpho.

Não succedia outro tanto aos portuguezes — com orgulho e vaidade o podemos dizer, —porque em seguida á Victoria a benignidade natural ma- nifestava*se na brandura com que acolhiam os vencidos e na magnanimidade com que preten- diam lenir as agruras da conquista.

E por isso que ainda hoje nos sertões africa- nos e nos palmares indiaticos o nome da nação portugueza é proferido com estima e o pendão das quinas olhado com respeito.

O exercito portuguez — nos tempos coetâneos —é um sacrário glorioso dessas reminiscências admiráveis e por isso quando defrontamos com um militar distincto, com um d'esses homens va- lorosos que possuem a um tempo como diz o poeta: «braço ás armas feito e peito ás musas dado» nos sentimos possuídos de uma santa e justa veneração: estes são os sentimentos que nos inspira o nome honrado e laureado do vis-

G2 O UVRO DE OURO

conde de Alcântara, por que n'elle encontramos resurgidas quantas virtudes e quantas qualida- des valiosas tornaram os soldados portuguezes os mais bem conceituados da Europa, c este também o motivo porque lhe prestamos d'este modo o tributo do nosso acatamento.

# Antes de entrar no assumpto que nos propo-

mos permitta se-nos uma divagação ainda. O cavalheiro a quem nos referimos tem mul-

típlices direitos á estima e veneração de seus compatrícios; militar brioso provou no campo de batalha os seus méritos de lidador, c lá traz ao peito uma cruz attestando o seu esforço; escri- ptor talentoso ahi estão nos archivos militares as suas codificações provando que não maneja a penna com menor proflicicncia do que a es- pada; antiquário Hlustradissimo possue cm sua casa os documentos do seu entranhado aflecto — esclarecido e sabedor — das preciosidades ar- tísticas do passado; — phylantropo distincto, as bênçãos de numerosos desvalidos attestam os seus generosos benefícios.

Quantos haverá ahi nas summidades do po- der, nos regiões olympicas da sociedade con- temporânea que reunam tantos direitos á glorifi- cação e aos incensos que a litteratura moderna dis- pensa superfluamente? —Bem poucos, se alguns.

Posto isto, desenvolvamos na citação dos fa- ctos a verdade doeste proemio.

* João José de Alcântara, actualmente visconde

de Alcântara, nasceu em 1827. Os primeiros annos do nosso biographado fo-

ram passados no santo estudo das virtudes do- mesticas, que seus progenitores cultivavam por maneira pouco commum e n'csse admirável areó- pago formou o coração, dispondo-se para o c.ver- cicio das mais elevadas acções, como tem pro- vado em todos os casos da vida.

O nome de seus illustres pães não eram des- conhecidos no livro de ouro do patriciado da pro- víncia; pelo contrario, eram d'cllc membros dis- tinctissimos, honrosos e muito queridos.

De seus progenitores recebeu as primeiras no- ções da educação social, tão peregrinas que ainda hoje se admiram na estremada delicadeza, nos requintes da urbanidade que o visconde de Al- cântara manifesta em todas as suas relações.

Não foram estéreis para o cultivo de humani- dades os primeiros annos do nosso biographa- do; pelo contrario, parece que respirou na ado- lescência uma athmosphera de sciencia; pois que aos 16 annos que contava quando fez o seu as- sentamento de praça no regimento de infanteria n.° 4, manifestava já precoces talentos, não vul- gares conhecimentos e uma entranhada propen- são para as cousas litterarias e artísticas.

Passara-se isto em 1843 e Portugal atraves- sou um período turbulento nos oito annos que decorreram doesta época a i85i, em que se ini- ciou um período de paz interna apenas inter- rompido por algumas pugnas partidárias sem im- portância.

Não compete n'este logar a citação histórica, diremos apenas que o visconde de Alcântara hon-

rou n^sse período as fileiras do exercito portu- guez, militando á sombra das bandeiras da lega- lidade e da ordem, cumprindo brilhantemente o seu dever e provando a coragem proverbial nos militares portuguezes.

Da maneira como o nosso biographado justi- ficou esta asserção possue documento glorioso e assaz laudativo na commenda da Ordem de Tor- re e Espada que lhe foi concedida em reconhe- cimento ufhcial pela bizarria com que se portara na famosa acção de Torres Novas, ferida a 22 de dezembro de 1846.

Foi esta a sua primeira conquista e não é de certo a menos gloriosa.

Da plêiade de militares briosos que hoje cons- tituem a nobresa do exercito, ha muitos decora- dos com veneras que confirmam méritos, mas poucos são os que as conquistaram I.JS campos de batalha, graças á longa paz em que o paiz se mantém ha 35 annos; aquella pois a que nos referimos tem duplo valor no peito honrado e brioso do visconde de Alcântara.

Foi pois no meio tempestuoso da guerra civil tantas vezes iriado pelos relâmpagos das retalia- ções injustas c das insidias cruéis que o viscon- de de Alcântara poz em evidencia a superiori- dade de seus talentos e qualidades pessoaes, e em tanta maneira foi reconhecida essa superiori- dade que logo após ao estabelecimento de uma situação mais normal fui promovido a alteres para o batalhão de caçadores n.° 5, seguindo-se a esta promoção a escolha para o cargo de ajudante.

Raro o verdadeiro talento deixa de ser acom- panhado de uma exagerada modéstia. A prova d'este axioma existe na formal recusa opposta pelo nobre alferes de caçadores 5 ás instancias dos que pretendiam conferir-lhe a importante missão de ajudante, recusa não graciosa, mas fundada n^ma resolução immutavel porque pre- sistiu n'clla, rasgo que admirou todos os seus companheiros de armas.

Não é estranho a pessoa alguma que intima ou remotamente conheça as instituições milita- res, que a legislação do exercito andou por muito tempo entre nós assas descurada, dessiminada por ordens do exercito que começaram na cele- bre organisação do conde de Lippe, sem existir um guia seguro, um único indicador auetorisado n'esse maré magnum de disposições, que se con- tradiziam e confundiam a cada passo.

Era manifesta a necessidade de agrupar esses elementos dispersos'; todavia ninguém se arro- java a empreender obra de tamanho vulto porque a mais potente vontade se sentia desarmada ao defrontar com esse labyrintho mais confuso, que o de Greta, e a que faltava o fio conduetor de Ariadna.

O alferes de caçadores 5 animado da mais nobilíssima emulação empreendeu prestar esse re- levante serviço aos seus camaradas e ao paiz, serviço que devia notabilisar o seu nome nos annaes do exercito portuguez e colocal-o entre os dos militares mais prestimosos.

62 O LIVRO DE OURO

conde de Alcantara, por que n'elle encontramos resurgidas quantas virtudes e quantas qualida- des valiosas tornaram os soldados portuguezes os mais bem conceituados da Europa, é este também o motivo porque lhe prestamos d'este modo o tributo do nosso acatamento.

* Antes de entrar no assumpto que nos propo-

mos permitta se-nos uma divagação ainda. O cavalheiro a quem nos referimos tem mul-

típlices direitos á estima e veneração de seus compatrícios; militar brioso provou no campo de batalha os seus méritos de lidador, c lá traz ao peito uma cruz attestando o seu esforço; escri- ptor talentoso ahi estão nos archívos militares as suas codificações provando que não maneja a penna com menor proflicicncia do que a es- pada; antiquário illustradissimo possue cm sua casa os documentos do seu entranhado aflecto — esclarecido e sabedor — das preciosidades ar- tísticas do passado; — phylantropo distincto, as bênçãos de numerosos desvalidos attestant os seus generosos benefícios.

Quantos haverá ahí nas summidades do po- der, nos regiões olympicas da sociedade con- temporânea que reunam tantos direitos á glorifi- cação e aos incensos que a litteratura moderna dis- pensa superfluamente? — Beni poucos, se alguns.

Posto isto, desenvolvamos na citação dos fa- ctos a verdade doeste proemio.

* João José de Alcantara, actualmente visconde

de Alcantara, nasceu em 1827. Os primeiros annos do nosso biographado fo-

ram passados no santo estudo das virtudes do- mesticas, que seus progenitores cultivavam por maneira pouco commnm e n'essc admirável areó- pago formou o coração, dispondo-se para o e.ver- cicio das mais elevadas acções, como tem pro- vado cm todos os casos da vida.

O nome de seus illustres paes não eram des- conhecidos no livro de ouro do patriciado da pro- víncia; pelo contrario, eram d'elle membros dis- tinctissimos, honrosos e muito queridos.

De seus progenitores recebeu as primeiras no- ções da educação social, tão peregrinas que ainda hoje se admiram na estremada delicadeza, nos requintes da urbanidade que o visconde de Al- cantara manifesta em todas as suas relações.

Não foram estercis para o cultivo de humani- dades os primeiros annos do nosso biographa- do; pelo contrario, parece que respirou na ado- lescência uma athmosphera de sciencia; pois que aos 16 annos que contava quando fez o seu as- sentamento de praça no regimento de infanteria n.° 4, manifestava já precoces talentos, não vul- gares conhecimentos e uma entranhada propen- são para as cousas litterarias e artísticas.

Passara-sc isto em 1843 e Portugal atraves- sou um período turbulento nos oito annos que decorreram doesta época a i85i, em que se ini- ciou um período de paz interna apenas inter- rompido por algumas pugnas partidárias sem im- portância.

Não compete n'este logar a citação histórica, diremos apenas que o visconde de Alcantara hon-

rou n'esse período as fileiras do exercito portu- guez, militando á sombra das bandeiras da lega- lidade c da ordem, cumprindo brilhantemente o seu dever e provando a coragem proverbial nos militares portuguezes.

Da maneira como o nosso biographado justi- ficou esta asserção possue documento glorioso e assaz luudativo na commenda da Ordem de Tor- re e Espada que lhe foi concedida em reconhe- cimento uíhcial pela bizarria com que se portára na famosa acção de Torres Novas, ferida a 22 de dezembro de 184Õ.

Foi esta a sua primeira conquista e não c de certo a menos gloriosa.

Da plêiade de militares briosos que hoje cons- tituem a nobresa do exercito, ha muitos decora- dos com veneras que confirmam méritos, mas poucos são os que as conquistaram i.js campos âc batalha, graças á longa paz em que o paiz se mantém ha 35 annos; aquella pois a que nos referimos tem duplo valor no peito honrado c brioso do visconde de Alcantara.

*

Foi pois no meio tempestuoso da guerra civil tantas vezes iriado pelos relâmpagos das retalia- ções injustas e das insidias cruéis que o viscon- de de Alcantara poz em evidencia a superiori- dade de seus talentos e qualidades pessoaes, e em tanta maneira foi reconhecida essa superiori- dade que logo após ao estabelecimento de uma situação mais normal fui promovido a alferes para o batalhão de caçadores n.° 5, seguindo-se a esta promoção a escolha para o cargo de ajudante.

Raro o verdadeiro talento deixa de ser acom- panhado de uma exagerada modéstia. A prova d'este axioma existe na formal recusa opposta pelo nobre alferes de caçadores 5 ás instancias dos que pretendiam conferir-lhe a importante missão de ajudante, recusa não graciosa, mas fundada n'uma resolução immutavel porque pre- sistiu n'clla, rasgo que admirou todos os seus companheiros de armas.

*

Não é estranho a pessoa alguma que intima ou remotamente conheça as instituições milita- res, que a legislação do exercito andou por muito tempo entre nós assás descurada, dessiminada

or ordens do exercito que começaram na celc- re organisação do conde de Lippe, sem existir

um guia seguro, um único indicador auctorisado n'esse mare magnum de disposições, que se con- tradiziam e confundiam a cada passo.

Era manifesta a necessidade de agrupar esses elementos dispersos'; todavia ninguém se arro- java a empreender obra de tamanho vulto porque a mais potente vontade se sentia desarmada ao defrontar com esse labyrintho mais confuso, que o de Creta, e a que faltava o fio conductor de Ariadna.

O alferes de caçadores 5 animado da mais nobilissima emulação empreendeu prestar esse re- levante serviço aos seus camaradas e ao paiz, serviço que devia notabilisar o seu nome nos annaes do exercito portuguez e colocal-o entre os dos militares mais prestimosos.

£>/ O LIVRO DE OURO 63

Era mais do que um trabalho importante aquelle, era um verdadeiro monumento, e assim o reconheceu o ministro da guerra, n'cssa época, Belchior José Garcez, que poz immediatamente á disposição do talentoso investigador todos os elementos de que carecesse.

Ao fim de muito labor e muito esforço de von- tode, apareceu a Legislação militar de execução permanente até i863, obra perfeita que mereceu os mais acrisolados louvores e d qual ainda não foi citado um único senão, prova exbuberante do talento c capacidade do auetor.

O governo de então foi um dos primeiros a reconhecer o mérito d'esta obra pelo que man- dou louvar ollicialmente o auetor, conferindo-lhe ao mesmo tempo a commenda da ordem militar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa c mais taide a medalha de ouro de bons serviços.

Mui valiosas por certo são estas distineções e honrarias, mas superiores a ellas ergue-sc o va- lor do monumento que o visconde de Alcântara erigira por suas mãos confeccionando aquelle código.

* Escasseia o espaço e abreviaremos portanto a

narrativa, citando rapidamente os progredimen- tos do nosso biographado na carreira das ar- mas, na qual se nobilitara tanto nos labores da campanha como nos de secretaria.

Em ir* de abril de i863 foi promovido a te- nente ajudante e transferido para infanteria n.° 4.

Pouco depois nomeado ajudante de campo do com mandante da Torre de S. Julião da Barra, alli prestou relevantes serviços humanitários, que lhe mereceram a concessão da medalha de prata do mérito, phylantropia c generosidade.

Serviu como ajudante de campo do general José Marques Salgueiral — que teve por este seu companheiro de armas tão subido apreço que lhe legou em testamento a sua gloriosa espada em signal de estima e consideração por seus me- recimentos e bravura.

Serviu egualmente como ajudante do briga- deiro José Ricardo Peixoto, cargo que só oceu- pou depois de muito instado.

Em 1878 sua magestade pretendendo remu- nerar os serviços prestados por este distincto militar agraciou-o com o titulo de visconde de Alcântara, concedendo-lhe cm seguida a com- menda da ordem militar de S. Bento de Aviz.

Em 3o de dezembro de 1879 foi reformado, a seu pedido, no posto de major/terminando trinta c seis annos de serviços militares no exercito activo, carreira esmaltada por lampejos da mais subida benemerência c acompanhada sempre pela estima c respeito de superiores e inferiores; trin- ta c seis profícuos annos para a pátria c para o excicito, de que foi—c é — um dos mais glo- riosos ornamentos.

O legado do general José Marques Salgueiral, a que acima nos referimos, e que consistiu na espada d'aquelle bravo militar~é uma prova ine- quívoca de como o nosso biographado sabia con- citar a estima dos superiores e do brio com que honrava as fileiras do exercito.

A espada do militar c a sua alma, a sua honra, o que elle possue de mais caro e precioso; posto

isto ocioso se torna encarecer a importância e a smnificacão d^sse lesado.

AHastou-se o visconde de Alcântara do exer- cito activo, mas não se afiastou das cousas mi- litares a sua alma apaixonada por tudo quanto respeita ao militarismo, e ao mesmo tempo a sua compaixão por aquelles que tendo servido a Pá- tria—quasi sempre—mui breve são por ella vo- tados ao olvido e muitas vezes ao ostracismo de todas as alegrias terrenas. Assim o provou no parlamento.

O povo que tem sempre na memoria a bene- merência e a virtude não lhe consentiu o isola- mento, a que pretendia retirar-se, e pelo circulo de Elvas conferiu-lhe o encargo de representar cm cortes aquella região.

Entrado no parlamento a sua competência e auetoridade em cousas militares indigitaram-no logo para membro conspícuo das commissões de guerra e marinha, para que foi eleito, sendo em seguida nomeado secretario dessas commissões prestando importantes serviços, manifestando a elevação de seu espirito c os nobres e elevados sentimentos que o inspiram.

Entre as propostas apresentadas em cortes c defendidas calorosamente, empenhando-se por uma solução justíssima merece especial menção a que tinha por fim proteger os bravos vetera- nos da guerra peninsular.

A proposta do nobre deputado pretendia que fossem admittidos nos batalhões de veteranos c nos postos cm que se achavam, quando termi- nou a guerra peninsular, todos os indivíduos que na classe de praça de pret houvessem feito toda ou parte da mesma campanha. Apesar da rectidão da roposta e da eloquente sustentação do pro- ponente, perdeu-se todo esse esforço porque não foi convertida em lei.

Outra proposta que prova a sua natural be- nignidade e o apreço em que tem tudo o que é grande e nobre é a que tinha por fim obter uma pensão pecuniária, com sobrevivência para os fi- lhos, ao patrão Joaquim Lopes. Esta foi coroada de mais feliz resultado e convertida em lei.

O patrão Joaquim Lopes era um heroe da abne- gação humana; tudo quanto por elle se praticasse honrava o promotor e constituía uma boa acção: quem melhor podia comprehender o heroísmo d'esse glorioso e valente ancião, do que o nosso biographado, que nem mesmo a elle cede cm sentimentos humanitários?!

Dignos um do outro, nem só por este serviço prestado pelo benemérito deputado ao marinheiro benemérito, mas também pela natural elevação de sentimentos, prova da veracidade do apophte- gma: plus in amicitia valere similitndinem ruo- rnm qnani adjinitatem.

Em 1881 o governo reconhecendo não só os elevados dotes e talentos consagrados d'cste ca- valheiro commetteu-lhe a importantíssima missão de governador civil do districto de Portalegre.

Concitar vontades, applacar rancores, termi- nar díssençÕes, extirpar opiniosas rebeldias, foi o empenho do visconde de Alcântara durante a

63

Era mais do que um trabalho importante aquelle, era um verdadeiro monumento, e assim o reconheceu o ministro da guerra, n'essa época, Belchior José Garcez, que poz immediatamente á disposição do talentoso investigador todos os elementos de que carecesse.

Ao fim de muito labor e muito esforço de von- tode, apareceu a Legislação militar de execução

permanente até 1863, obra perfeita que mereceu os mais acrisolados louvores e á qual ainda não foi citado um único senão, prova exbuberante do talento e capacidade do auctor.

O governo de então foi um dos primeiros a reconhecer o mérito d'esta obra pelo que man- dou louvar ollicialmente o auctor, conferindo-lhe ao mesmo tempo a commenda da ordem militar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa e mais taide a medalha de ouro de bons serviços.

Mui valiosas por certo são estas distincçÕes e honrarias, mas superiores a ellas ergue-se o va- lor do monumento que o visconde de Alcantara erigira por suas mãos confeccionando aquelle codigo.

Escasseia o espaço e abreviaremos portanto a narrativa, citando rapidamente os progredimen- tos do nosso biographado na carreira das ar- mas, na qual se nobilitara tanto nos labores da campanha como nos de secretaria.

Em 10 de abril de 1863 foi promovido a te- nente ajudante e transferido para infanteria n.° 4.

Pouco depois nomeado ajudante de campo do commandante da Torre de S. Julião da Barra, alli prestou relevantes serviços humanitários, que lhe mereceram a concessão da medalha de prata do mérito, phylantropia c generosidade.

Serviu como ajudante de campo do general José Marques Salgueiral — que teve por este seu companheiro de armas tão subido apreço que lhe legou em testamento a sua gloriosa espada em signal de estima e consideração por seus me- recimentos e bravura.

Serviu egualmente como ajudante do briga- deiro Jose Ricardo Peixoto, cargo que só occu- pou depois de muito instado.

Em 1878 sua magestade pretendendo remu- nerar os serviços prestados por este distincto militar agraciou-o com o titulo de visconde de Alcantara, concedendo-lhe em seguida a com- menda da ordem militar de S. Bento dc Aviz»

Em 3o de dezembro de 1879 reformado, a seu pedido, no posto de major, terminando trinta c seis annos de serviços militares no exercito activo, carreira esmaltada por lampejos da mais subida benemerência e acompanhada sempre pela estima c respeito de superiores e inferiores; trin- ta c seis profícuos annos para a patria e para o cxcicito, dc que foi—e é — um dos mais glo- riosos ornamentos.

O legado do general José Marques Salgueiral, a que acima nos referimos, e que consistiu na espada d'aquelle bravo militar—c uma prova ine- 1 quivoca de como o nosso biographado sabia con- ■ citar a estima dos superiores e do brio com que < honrava as fileiras do exercito.

A espada do militar é a sua alma, a sua honra, 1 o que elle possuc de mais caro e precioso; posto <

isto ocioso sc torna encarecer a importância e a significação d'esse legado.

Allastou-se o visconde de Alcantara do exer- cito activo, mas não se alíastou das cousas mi- litares a sua alma apaixonada por tudo quanto respeita ao militarismo, e ao mesmo tempo a sua compaixão por aquelles que tendo servido a Pa- tria— quasi sempre—mui breve são por ella vo- tados ao olvido e muitas vezes ao ostracismo de todas as alegrias terrenas. Assim o provou no parlamento.

O povo que tem sempre na memoria a bene- merência e a virtude não lhe consentiu o isola- mento, a que pretendia retirar-se, e pelo circulo de Elvas conferiu-lhe o encargo de representar em cortes aquella região.

Entrado no parlamento a sua competência e auctoridade em cousas militares indigitaram-no logo para membro conspícuo das commissões de guerra e marinha, para que foi eleito, sendo em seguida nomeado secretario d'essas commissões prestando importantes serviços, manifestando a elevação de seu espirito c os nobres e elevados sentimentos que o inspiram.

Entre as propostas apresentadas em cortes e defendidas calorosamente, empenhando-se por uma solução justíssima merece especial menção a que tinha por fim proteger os bravos vetera- nos da guerra peninsular.

A proposta do nobre deputado pretendia que fossem admittidos nos batalhões de veteranos e nos postos em que se achavam, quando termi- nou a guerra peninsular, todos os indivíduos que na classe de praça de pret houvessem feito toda ou parte da mesma campanha. Apesar da rectidão da roposta e da eloquente sustentação do pro- ponente, perdeu-se todo esse esforço porque não foi convertida em lei.

Outra proposta que prova a sua natural be- nignidade e o apreço em que tem tudo o que é grande e nobre é a que tinha por fim obter uma pensão pecuniária, com sobrevivência para os fi- lhos, ao patrão Joaquim Lopes. Esta foi coroada de mais feliz resultado e convertida em lei.

O patrão Joaquim Lopes era um heroe da abne- gação humana; tudo quanto por elle se praticasse honrava o promotor e constituia uma boa acção: quem melhor podia comprehender o heróis mo d'esse glorioso e valente ancião, do que o nosso biographado, que nem mesmo a elle cede cm sentimentos humanitários?!

Dignos um do outro, nem só por este serviço restado pelo benemérito deputado ao marinheiro enemerito, mas também pela natural elevação

de sentimentos, prova da veracidade do apophte- gma: plus in amicitia valere similitndinem mo- ram piam adjinitatem.

* . Em 1881 o governo reconhecendo não só os

elevados dotes e talentos consagrados d'este ca- valheiro commetteu-lhe a importantissima missão de governador civil do districto de Portalegre.

Concitar vontades, applacar rancores, termi- nar dissençÕes, extirpar opiniosas rebeldias, foi o empenho do visconde de Alcantara durante a

64 O LIVRO DE OURO

sua gerência. Todavia não estava no seu animo a lucta surda e inglória que os partidos travam á sombra da governança civil e por isso em breve pediu e alcançou a sua exoneração,

_ Entretanto como nem mesmo as voíives—que são astros de momento deixam de assignalar a sua trajectória, lavrando na amplidão dos hori- sontes um traço luminoso, o nosso biographado, astro do espirito, illuminou também a sua pas- sagem pela administração por maneira tão notá- vel que entre outros serviços prestou ta es e de tal importância ao visinho reino que em signal de reconhecimento lhe foi conferida a commenda de Carlos III *

A influencia, e prestigio que exerce no exer- cito e a estima que os seus antigos camaradas lhe tributam maniiestou-se recentemente.

Em i883 os olticiaes da guarnição de Elvas e do forte da Graça organisaram uma sociedade cooperativa e unanimemente elegeram o nosso biographado para o cargo de presidente da di- recção, eleição que foi uma verdadeira surpreza para o nobre visconde.

Acertada escolha foi esta por que a interven- ção do presidente manifestou-se brilhantemente

Era necessário montar o preciso deposito e para elle não existiam fundos, —era realisar o impossível, mas conseguiu realisal-o o visconde de Alcântara, pois no fim de um mez apenas ti- nha removido todas as difliculdades e a institui- ção prestava todos os serviços, a que era desti- nada e ainda hoje se mantêm com desafogo e prosperidade.

Tão reconhecida e manifesta é a elevação de espirito e os nobres e patrióticos sentimentos do visconde de Alcântara que suas magestades lhe votam uma particular estima, a que o nobre vis- conde retribuc com a mais subida devoção.

Quando occorreu a doença da senhora D. Ma- ria Pia que poz em susto todos os afeiçoados á virtuosa dama, o visconde de Alcântara empe- nhou-sc por estar sempre ao facto dos progressos ou dccrescencia do mal ; e apenas constou o seu restabelecimento mandou celebrar a expensas suas uma missa cantada, com sermão e Te Denm em acção de graças, pelo restabelecimento, a qual assistiram todas as pessoas mais qualificadas de Elvas, os ofticiaes da guarnição e as auetoridades civis.

Por occasião da entrevista dos reis de Portu- gal e de Hespanha na fronteira, o visconde de Alcântara poz a disposição do governo toda a mobília que fosse precisa para a ornamentação do pavilhão, assim como a magnifica vivenda que possue junto á estação.

Todas as pessoas entendidas que tem tido oc- casião de admirar aquella collecção, concordam que uoucas ha no paiz, tão selectas, profusas e magnificas,

*

Como phylan tropo são numerosos os actos de caridade praticados pelo visconde de Alcântara, não só em Elvas depois que se retirou da vida activa, como ainda quando militar; e a este res- peito fazemos apenas uma breve resenha dos factos que nos occorrem.

Sendo ajudante em S. Julião da Barra salvou 15 tripulantes do navio hespanhol Hamburgo que alli naufragou.

Por occasião dos terremotos cm Hespanha procedeu com a máxima bizarria declarando que contribuiria com a quantia que lhe fosse arbitrada e sendo esta fixada em 5o£ooo réis immediata- mente a saldou.

Sabendo que uma família infeliz, que elle nem sequer conhecia, se achava ã beira d\im abysmu, do qual se podia resgatar com a quantia de 400-5000 réis, apesar da importância da cifra o visconde de Alcântara em prova de que o seu elevado altruísmo não trepidava preferiu pri- var-se dessa quantia a deixar aquella família na miséria. Admirável rasgo, que mostra toda a grandesa de alma e bizarria do distincto militar que nem carece de conhecer aquelles a quem dispensa tão magníficos benefícios!

Sendo amigo particular do fallecido coronel Salgado, durante a sua enfermidade, a que afinal suecumbiu, deu-lhe as máximas provas de ami- sade e dedicação, assim como á esposa do fina- do militar.

Além d'cstes outros muitos factos poderiamos citar provando todos que o visconde de Alcân- tara é um altruísta pouco vulgar, e que na phy- lan tropja se sobreleva entre os bemfeitores da humanidade como em todas as outras manifes- tações do seu brilhantíssimo talento.

Como antiquário é o illustrc visconde um dos mais sabedores e esclarecidos do paiz, sendo a sua collecção de moveis c louças muito preciosa e importante; a sua casa é um verdadeiro museu, tendo alli ha seis annos um artista de Lisboa com- petente para restaurar moveis antigos. Entre ou- tros existe alli um espelho, moldura e meza de um trabalho cm talha surpreendente, uma per- feita maravilha, única no seu género.

Chefe de família exemplar, o seu coração bon- doso é um manancial de a (Tectos e carinhos.

Por occasião da entrevista dos soberanos da península soííreu o desgosto de perder um neto muito querido; a dor, que o pungiu, foi tão pro- funda que o impedio de assistir ãquelle acto.

O presidente de conselho Fontes, tendo noti- cia d este suecesso immediatamente lhe mandou apresentar sentimentos por esse desgosto, ma- nifestando assim a consideração em que tem aquelle cavalheiro.

Que mais diremos? Em quanto temos traça- do encontra se a demonstração de que o obje- ctivo do presente escripto é um dos vultos mais sympathicos, uma das individualidades mais pres- tantes da nossa época; nas armas, nas letras, nas artes como amador de antiguidades, no exer- cício das mais elevadas virtudes tem procedido sempre de maneira que se lhe pôde applicar o celebre verso do grande épico:

«Das almas grandes a nobresa é esta.»

IVeiervado» todo» 01 direito» de propriedade litte-

•HP DE CHRISTOVÃO AUGUSTO RODRIGUES RUA DE S. PALXOr CO B C2.

64 O LIVRO DE OURO

sua gerencia. Todavia não estava no seu animo a lucra surda e inglória que os partidos travam á sombra da governança civil e por isso em breve pediu e alcançou a sua exoneração,

_ Entretanto como nem mesmo as volives—que são astros de momento deixam de assignalar a sua trajectória, lavrando na amplidão dos hori- sontes um traço luminoso, o nosso biographado, astro do espirito, illuminou também a sua pas- sagem pela administração por maneira tão notá- vel que entre outros serviços prestou taes e de tal importância ao visinho reino que em signal de reconhecimento lhe foi conferida a commenda de Carlos III *

A influencia, e prestigio que exerce no exer- cito e a estima que os seus antigos camaradas lhe tributam maniiestou-se recentemente.

Em 1883 os ofliciaes da guarnição de Elvas e do forte da Graça organisaram uma sociedade cooperativa e unanimemente elegeram o nosso biographado _ para o cargo de presidente da di- recção, eleição que foi uma verdadeira surpreza para o nobre visconde.

Acertada escolha foi esta por que a interven- ção do presidente manifestou-se brilhantemente

Era necessário montar o preciso deposito e para elle não existiam fundos, —era realisar o impossível, mas conseguiu rcalisai-o o visconde de Alcantara, pois no fim de um mez apenas ti- nha removido todas as difliculdades e a institui- ção prestava todos os serviços, a que era desti- nada e ainda hoje se mantêm com desafogo e prosperidade.

Tão reconhecida e manifesta é a elevação de espirito e os nobres e patrióticos sentimentos do visconde de Alcantara que suas magestndes lhe votam uma particular estima, a que o nobre vis- conde retribuc com a mais subida devoção.

Quando occorreu a doença da senhora D. Ma- ria Pia que poz em susto todos os afeiçoados á virtuosa dama, o visconde de Alcantara empe- nhou-se por estar sempre ao facto dos progressos ou decrescencia do mal; e apenas constou o seu restabelecimento mandou celebrar a expensas suas uma missa cantada, com sermão e Te Deum cm acção de graças, pelo restabelecimento, a qual assistiram todas as pessoas mais qualificadas de Elvas, os ofliciaes da guarnição e as auctoridades civis.

Por occasião da entrevista dos reis de Portu- gal e de Hespanha na fronteira, o visconde de Alcantara poz á disposição do governo toda a mobília que fosse precisa para a ornamentação do pavilhão, assim como a magnifica vivenda que possue junto á estação.

Todas as pessoas entendidas que tem tido oc- casião de admirar aquella collecção, concordam que poucas ha no paiz, tão selectas, profusas e magnificas,

*

Como phy Ian tropo são numerosos os actos de caridade praticados pelo visconde de Alcantara, não só em Elvas depois que se retirou da vida activa, como ainda quando militar; e a este res- peito fazemos apenas uma breve resenha dos factos que nos occorrem.

Sendo ajudante em S. Julião da Barra salvou 15 tripulantes do navio hespanhol Hamburgo que alti naufragou.

Por occasião dos terremotos cm Hespanha procedeu com a maxima bizarria declarando que contribuiria com a quantia que lhe fosse arbitrada e sendo esta fixada em 5o£ooo réis immediata- mente a saldou.

Sabendo que uma família infeliz, que elle nem sequer conhecia, se achava á beira d "um abysmu, do qual se podia resgatar com a quantia de 400&000 réis, apesar da importância da cifra o visconde de Alcantara em prova de que o seu elevado altruísmo não trepidava preferiu pri- var-se dessa quantia a deixar aquella familia na miséria. Admirável rasgo, que mostra toda a grandesa de alma e bizarria do distincto militar que nem carece de conhecer aquelies a quem dispensa tão magníficos benefícios!

Sendo amigo particular do fallecido coronel Salgado, durante a sua enfermidade, a que afinal succumbiu, deu-lhe as maximas provas de ami- sade e dedicação, assim como á esposa do fina- do militar.

Além d'estes outros muitos factos poderiamos citar provando todos que o visconde de Alcan- tara é um altruísta pouco vulgar, e que na phy- lan tropia se sobreleva entre os bem feitores da humanidade como em todas as outras manifes- tações do seu brilhantíssimo talento.

Como antiquário é o illustrc visconde um dos mais sabedores e esclarecidos do paiz, sendo a sua collecção dc moveis e louças muito preciosa e importante; a sua casa é um verdadeiro museu, tendo alli ha seis annos um artista de Lisboa com- petente para restaurar moveis antigos. Entre ou- tros existe alli um espelho, moldura e meza de um trabalho em talha surpreendente, uma per- feita maravilha, única no seu genero.

Chefe de familia exemplar, o seu coração bon- doso é um manancial de affectos e carinhos.

Por occasião da entrevista dos soberanos da peninsula sofireu o desgosto de perder um neto muito querido; a dor, que o pungiu, foi tão pro- funda que o ímpedio de assistir áquelle acto.

O presidente de conselho Fontes, tendo noti- cia d'este succcsso immediatamente lhe mandou apresentar sentimentos por esse desgosto, ma- nifestando assim a consideração em que tem aquclle cavalheiro.

Que mais diremos? Em quanto temos traça- do encontra se a demonstração de que o obje- ctivo do presente escripto é um dos vultos mais sympathicos, uma das individualidades mais pres- tantes da nossa época; nas armas, nas letras, nas artes como amador de antiguidades, no exer- cício das mais elevadas virtudes tem procedido sempre de maneira que se lhe pôde applicar o celebre verso do grande é'pico:

«Das almas grandes a nohresa é esta.»

Iteiervado» todo» os direito» de propriedade litte-

T\P DE C UR ISTO VÃO AlGllSTO RODRIGUES — REA DE S. PAEtOr CO E G2.

O LIVRO DE OURO cBhgraphias dos personagens mais disiincios em politica,

armas, religião, lettras, seteadas, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO II —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL SETEMBRO —1SS6

Paulo Porto-Alegre

Devc-se a todos os homens, que se notabíli- sam um preito egual de consideração e estima, quer elles sejam quer não nossos compatrícios; quando porém esses homens fazem honra cenal- tecem uma nação amiga, mais do que amiga ir- mã, é obrigação gostosa cumprir esse dever so- bremaneira aprasivel; é por isso que enriquece- mos hoje as paginas d'esta galeria com o nome que representa a personalidade distinctissima de Paulo Porto-Alegre.

Não é d'um heroe da espada mas o d'um le- gionário da sciencia esse nome,—que pertence já hoje aos annacs das nossas relações diplomáticas com um paiz, que tanta sympathia nos merece a nós, portuguezes, c do qual tantas e tão va- liosas demonstrações de estima e sympathia tam- bém havemos recebido: — o Brasil.

É com justificado orgulho, é com merecido desvanecimento, que, — citando o nome d'essa nação americo-portugueza—nos recordamos de haverem sido os nossos antepassados mais glo- riosos, que levaram ás terras de Santa Cruz os inicios da civilisação e aos povos cthnicos d'essa região as luzes do christianismo, assim como ha- ver sido portuguez quem fundou a sua naciona- lidade autónoma e independente. Da mesma forma não podemos esquecer que n^sse paiz nobre- mente hospitaleiro e generosamente amigo dos que trabalham se têm formado e robustecido enormes fortunas e opulentos patrimónios de que tem derivado consideráveis benefícios para o paiz.

Quem percorre as nossas províncias especial- mente as do norte, encontrará por toda a parte perduráveis documentos do que deixamos atfir- mado. Aqui uma escola modelo; alli um hospí- cio de caridade, além um asylo para a infância indigente ou para o invalido paupérrimo; acolá um templo christao, mais longe uma olhVma ou uma fabrica, attestam quanto são profícuas as for- tunas conquistadas no grande império, porque geralmente são obras de brasileiros

Tão numerosos são esses monumentos que o termo—brasileiro—tem no norte do paiz um sen- tido privilegiado; não significa o natural do Bra- sil mas um homem que n'essa terra abençoada c prodigiosa conquistou independência e haveres de que a terra natal jamais lhe poderia facultar a conquista.

Em compensação dos thesouros, que o Brasil faculta aos portuguezes, nós tributamos aos fi- lhos d'essa nação gloriosa o ouro precioso do nosso affecto e as jóias valiosas da nossa sincera estima, dccupladas quando o alvo de taes senti-

mentos é um caracter tão distincto, uma naturesa tão privilegiada como Paulo Porto-Alegre.

Não liberalisamos louvores superíluos, nem tecemos elogios cxaggerados fazendo referencia aos talentos cTeste cavalheiro; as preciosas qua- lidades que o nobilitam são reconhecidas por quantos se lhe aproximam e os méritos quepos- sue estão auetonsadamente reconhecidos por mui sabias academias, que se honram de inscrever seu nome laureado entre os dos seus membros mais prestantes e beneméritos, como passamos a de- monstrar colleccionando os actos, correctos todos que constituem uma das mais honrosas biogra- phias que temos escripto.

Paulo Porto-Alegre é filho do Rio Grande do Sul, uma das mais formosas províncias do grande império brazileiro, uma das que mais soíTreu com a invasão hollandeza no reinado calamitoso dos monarchas castelhanos, e uma das que mais se empenhou em saecudir-lhe o jugo depois da res- tauração de 1640.

No* dia 24 de julho — data celebre nos annaes da liberdade portugueza—do anno de 1842 nas- ceu o cavalheiro a quem nos referimos.

Os seus progenitores constituíam uma das mais preclaras famílias d'aquellc imperio, na qual se nutria já um affecto especial pela nação portu- gueza, pois que essa família era a do barão de Santo Angelo, que por muitos annos desempe- nhou o cargo importante de cônsul geral do Bra- sil em terras portuguezas.

Decorreram os primeiros annos de Paulo Porto- Alegre n'aquelle pri tango intimo do lar, onde se adquirem as mais valiosas sciencias, as que for- mam o coração, orientando-o para o Bem e es- maltando-o com as virtudes mais preciosas, que se estudam n'esse único livro, o mais peregrino e magniiico, que se chama o coração materno, e profícuos furam esses estudos porque Paulo Porto-Alegre possue as mais nobres e invejáveis qualidades.

A infância c uma aurora. Nos primeiros clarões denuncia qual será o dia,

se radioso, se obscuro. Infante era ainda Pico de la iMirandola quando confundia os eruditos pro-

O LIVRO DE OURO

'Biographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sc iene ias, artes, commercio, industria e agricultura

ANNO II—VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL SETEMBRO — 1SS6

Paulo Porto-Alegre

Deve-se a todos os homens, que se notabili- sam um preito egual de consideração e estima, quer elles sejam quer não nossos compatrícios; quando porém esses homens fazem honra e enal- tecem uma nação amiga, mais do que amiga ir- mã, c obrigação gostosa cumprir esse dever so- bremaneira aprasivel; é por isso que enriquece- mos hoje as paginas desta galeria com o nome que representa a personalidade distinctissima de Paulo Porto-Alegre.

Não é d'um heroe da espada mas o d'um le- gionário da sciencia esse nome,—que pertence já hoje aos annaes das nossas relações diplomáticas com um paiz, que tanta sympathia nos merece a nós, portuguezes, c do qual tantas e tão va- liosas demonstrações de estima e sympathia tam- bém havemos recebido: — o Brasil.

É com justificado orgulho, é com merecido desvanecimento, que, — citando o nome d'essa nação amcrico-portugueza—nos recordamos de haverem sido os nossos antepassados mais glo- riosos, que levaram ás terras de Santa Cruz os inícios da civilisação e aos povos cthnicos d'essa região as luzes do ehristianismo, assim como ha- ver sido portuguez quem fundou a sua naciona- lidade autonoma e independente. Da mesma forma não podemos esquecer que n'essc paiz nobre- mente hospitaleiro e generosamente amigo dos que trabalham se têm formado e robustecido enormes fortunas e opulentos patrimónios de que tem derivado consideráveis benefícios para o paiz.

Quem percorre as nossas províncias especial- mente as do norte, encontrará por toda a parte perduráveis documentos do que deixamos affir- mado. Aqui uma escola modelo; alli uni hospí- cio de caridade, além um asylo para a infanda indigente ou para o invalido paupérrimo; acolá um templo christão, mais longe uma oíficina ou uma fabrica, attestam quanto são profícuas as for- tunas conquistadas no grande império, porque geralmente são obras dc brasileiros

Tão numerosos são esses monumentos que o termo—brasileiro—tem no norte do paiz um sen- tido privilegiado; não significa o natura! do Bra- sil mas um homem que n'essa terra abençoada c prodigiosa conquistou independência e haveres dc que a terra natal jamais lhe poderia facultar a conquista.

Em compensação dos thesouros, que o Brasil faculta aos portuguezes, nós tributamos aos fi- lhos d'essa nação gloriosa o ouro precioso do nosso affecto e as jóias valiosas da nossa sincera estima, decupladas quando o alvo de taes senti-

mentos é um caracter tão distincto, uma naturesa tão privilegiada como Paulo Porto-Alegre.

Não liberalisamos louvores supérfluos, nem tecemos elogios exaggerados fazendo referencia aos talentos Teste cavalheiro; as preciosas qua- lidades que o nobilitam são reconhecidas por quantos sc lhe aproximam e os méritos quepos- sue estão auctonsadamentc reconhecidos por mui sabias academias, que se honram de inscrever seu nome laureado entre os dos seus membros mais prestantes e beneméritos, como passamos a de- monstrar colleccionando os actos, correctos todos que constituem uma das mais honrosas biogra- phias que temos escripto.

Paulo Porto-Alegre é filho do Rio Grande do Sul, uma das mais formosas províncias do grande império brazileiro, uma das que mais sofl'reu com a invasão hollandeza no reinado calamitoso dos monarchas castelhanos, e uma das que mais se empenhou em saccudir-lhe o jugo depois da res- tauração de 1640.

No* dia 24 de julho —data celebre nos annaes da liberdade portttgueza—do anno de 1842 nas- ceu o cavalheiro a quem nos referimos.

Os seus progenitores constituíam uma das mais preclaras íamilias d'aquellc imperio, na qual se nutria já um affecto especial pela nação portu- gueza, pois que essa família era a do barão de Santo Angelo, que por muitos annos desempe- nhou o cargo importante de consul geral do Bra- sil em terras portuguezas.

Decorreram os primeiros annos de Paulo Porto- Alegre n'aquelle priranéo intimo do lar, onde sc adquirem as mais valiosas sciencias, as que for- mam o coração, orientando-o para o Bem e es- maltando-o com as virtudes mais preciosas, que se estudam n'essc único livro, o mais peregrino e magnifico, que se chama o coração materno, e profícuos furam esses estudos porque Paulo Porto-Alegre possue as mais nobres e invejáveis qualidades.

A infanda é uma aurora. Nos primeiros clarões denuncia qual será o dia,

sc radioso, se obscuro. Infante era ainda Pico dc la Mirandola quando confundia os eruditos pro-

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vcctos com a promptidão da réplica c a rapidez da concepção.

Paulo Porto-Alegrc também desde a infância revcllou os dotes opulentos d'um espirito não vulgar, c por isso seu pac se apressou em apro- vei tar-lhe as precoces disposições para os estu- dos sérios, collocando-o no imperial collegio de Pedro IF. onde recebeu o baptismo da scien- cia, e onde fez as suas humanidades com ra- pidez pouco commum, pois aos 17 annos es- tava habilitado para se matricular n\ima Univer- sidade. Ha iniciações que imprimem caracter.

Basta comparar o numero de seus annos com o estado de cultivo de seu espírito para se evi- denciar o que acima dissemos que possue umas peregrinas aptidões e talento natural—o mais apreciável presente dos deuses amigos—como diria um quinhentista nos áureos tempos do clas- sicismo romântico.

Em 1809 dava pois entrada n'uma das mais respeitáveis universidades da Europa, a de Ber- lim.

Possue cada nação europêa a sua especialida- de, mas nenhuma ainda ousou disputar á Alle- manha o titulo nobilíssimo de imporio da scien- cia. Nem mesmo a litterata França pôde ainda eclypsar o saber da sua velha rival germânica; a França é ainda hoje uma divulgadora; as scien- cias que cila ensina e espalha por todo o mun- da, vai colhcl-as e recebe-as da sua visinha de álcm do Rheno. Pode-se dizer que no grave im- pério de Frederico Guilherme a própria athmos- phera está impregnada de átomos scicntificos.

Vivendo n^ste meio a natural disposição do moço estudante para o estudo por tal maneira se assignalou que attrahiu a attençãode analisa- dos professores que se dignaram admittil-o com praser a colaborar na indagação dos mais árduos problemas.

Frequentando os cursos de phylosophia e scien- cias naturaes, foi recebido nos laboratórios chi- micos dos celebres professores d'aquclla época Henrique Rose, Mithscherlich e Sonnenschein, on- de fez rápidos progressos n'aquclla dificílima sciencia, sendo considerado em breve trecho apto para leccionar aquclle que por modéstia e amor impetuoso de saber se não fatigava de estudar, como se prova pela seguinte menção.

Em 1862, contando apenas 20 annos, foi ins- cripto sócio do instituto chimico pharmaceutico de Berlim, onde lhe foi logo confiada a direcção pratica dos trabalhos no laboratório de analysc quantitativa. A importância da commissão põe em evidencia a lisongeira reputação do comis- sionado.

mentos humanos partiu, cm 1S63, para a Saxo- nia, inscrevendo-se alli modestamente como alum- no na celebre academia de Freiberg, seguindo o curso de engenheiro de minas, curso que comple- tou no praso de tres annos, habilitando-se em 1866 com os diplomas doeste instituto, que é o primeiro do seu género.

A qualquer outro bastariam por certo as con- sagrações doestes dois institutos, porém o dis- tincto filho do Brazil, cujo espirito se não mede em cousa alguma pelo do vulgo, quiz conquistar novos c por ventura mais viridentes louros, apro- fundando ainda mais os estudos mineralógicos.

Matriculou-se pois como discípulo extraordi- nário na Imperial c Real Academia de minas em Leoben, na Áustria, de qual se desligou para ir experimentar-sc praticamente na grande lueta da intclligcncia com a matéria, servindo como en- genheiro de segunda classe na construcção da li- nha férrea, que liga Salgburg a Corinthia, pas- sando pela Styria onde se conservou até 1867.

Não bastavam a Paulo Porto-Alcgre estes triumphos. Desejoso de aprofundar os conheci-

* * *

No anno seguinte regressou aos estudos uni- versitários indo então matricular-sc na afamada universidade de Heidelberg, que recebe alumnos de todas as partes do mundo civilisado; ahi pra- ticou a eudiometria, tendo ainda gosado a dis- tincta honra de ser recebido como auxiliar dos trabalhos, no laboratório privado do eminente chimico e physico Roberto Bunsen, onde se noz em relevo a sua competência em tão melindro- sos estudos.

* * *

Em 1869 vciu a Portugal abraçar seus cari- nhosos paes que então oceupavam o impor- tante logar que lhe competia na sociedade esco- lhida doesta nação, que tanto aflecto lhes mere- ceu e lhes tributou.

Que doce e suavíssimo praser deveriam resen- tir aquclles dois nobres corações, estreitando ao peito aquclle que em tão breves annos conquis- tara já a amisade e a consideração de tantos sá- bios c que regressava ao lar possuindo os mais valiosos thesouros; os únicos que jamais se es- gotam— os da sabedoria.

Com que ufania não veriam elles que se não extraviara no caminho da vida o deposito de virtudes, que haviam accumulado com a salutar exhortação dos mais correctos exemplos!

Estamos certos que está assignalado na exis- tência de Paulo Porto-Alegre como um dos mais

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vcctos com a promptidão da replica c a rapidez da concepção.

Paulo Porto-Alegrc também desde a infancia revellou os dotes opulentos d'um espirito não vulgar, c por isso seu pac se apressou em apro- veitar-lhe as precoces disposições para os estu- dos sérios, collocando-o no imperial collegio de Pedro lí. onde recebeu o baptismo da scien- cia, e onde fez as suas humanidades com ra- pidez pouco commum, pois aos 17 annos es- tava habilitado para se matricular n'uma Univer- sidade. Ha iniciações que imprimem caracter.

Basta comparar o numero de seus annos com o estado de cultivo de seu espírito para se evi- denciar o que acima dissemos que possue umas peregrinas aptidões e talento natural—o mais apreciável presente dos deuses amigos—como diria um quinhentista nos áureos tempos do clas- sicismo romântico.

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Em 1859 dava pois entrada n'uma das mais respeitáveis universidades da Europa, a de Ber- lim.

Possue cada nação europea a sua especialida- de, mas nenhuma ainda ousou disputar á Alle- manha o titulo nobilíssimo de imporio da scien- cia. Nem mesmo a litterata França pôde ainda eclypsar o saber da sua velha rival germânica; a França é ainda hoje uma divulgadora; as scien- cias que cila ensina e espalha por todo o mun- da, vai coihcl-as e recebe-as da sua visinha de álcm do Rheno. Pode-sc dizer que no grave im- pério de Frederico Guilherme a própria athmos- phera está impregnada de átomos scicntifkos.

Vivendo n'estc meio a natural disposição do moço estudante para o estudo por tal maneira se assignalou que attrahiu a attençãode abalisa- dos professores que se dignaram admittil-o com praser a colaborar na indagação dos mais árduos problemas.

Frequentando os cursos de phylosophia e scien- cias naturaes, foi recebido nos laboratórios chi- micos dos celebres professores d'aquella época Henrique Rose, Mithscherliche Sonnenschein, on- de fez rápidos progressos n'aquclla dificílima sciencia, sendo considerado em breve trecho apto para leccionar aquclle que por modéstia e amor impetuoso de saber se não fatigava de estudar, como se prova pela seguinte menção.

Em I8Ó2, contando apenas 20 annos, foi ins- cripto socio do Instituto chimico pharmaceutic de Berlim, onde lhe foi logo confiada a direcção pratica dos trabalhos no laboratório de analyse quantitativa. A importância da commissão põe em evidencia a lisongeira reputação do comis- sionado.

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Não bastavam a Paulo Porto-Alcgre estes triumphos. Desejoso de aprofundar os conheci-1

mentos humanos partiu, cm 1863, para a Saxo- nia, inscrcvcndo-se alli modestamente como alum- no na celebre academia de Freiberg, seguindo o curso de engenheiro dc minas, curso que comple- tou no praso de tres annos, habilitando-se em 1866 com os diplomas d'este instituto, que é o primeiro do seu genero.

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A qualquer outro bastariam por certo as con- sagrações destes dois institutos, porém o dis- tincto filho do Brazil, cujo espirito se não mede em cousa alguma pelo do vulgo, quiz conquistar novos c por ventura mais viridentes louros, apro- fundando ainda mais os estudos mineralógicos.

Matricu!ou-se pois como discípulo extraordi- nário na Imperial c Real Academia de minas em Leoben, na Áustria, de qual se desligou para ir experimcntar-sc praticamente na grande lucta da intclligcncia com a materia, servindo como en- genheiro de segunda classe na construcção da li- nha ferrea, que liga Salgburg a Corinthia, pas- sando pela Sty ria onde se conservou até 1867.

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No anno seguinte regressou aos estudos uni- versitários indo então matricular-sc na afamada universidade de Heidelberg, que recebe aluirmos de todas as partes do mundo civilisado; ahi pra- ticou a eudiometria, tendo ainda gosado a dis- tincta honra de ser recebido como auxiliar dos trabalhos, no laboratório privado do eminente chimico e physico Roberto Bunsen, onde se poz em relevo a sua competência em tão melindro- sos estudos.

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Em 1869 vciu a Portugal abraçar seus cari- nhosos paes que então occupavam o impor- tante logar que lhe competia na sociedade esco- lhida d'esta nação, que tanto affecto lhes mere- ceu e lhes tributou.

Que doce e suavíssimo praser deveriam resen- tir aquelles dois nobres corações, estreitando ao peito aquelle que em tão breves annos conquis- tara já a amisade e a consideração de tantos sá- bios e que regressava ao lar possuindo os mais valiosos thesouros; os únicos que jamais se es- gotam— os da sabedoria.

Com que ufania não veriam elles que se não extraviara no caminho da vida o deposito dc virtudes, que haviam accumulado com a salutar exhortaçao dos mais correctos exemplos!

Estamos certos que está assignalado na exis- tência de Paulo Porto-Alegre como um dos mais

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ditosos da sua vida operosa e utilíssima, aquelle momento em que elle se apresentou a seus pães podendo dizer-lhes ufano: — em todo o meu ca- minho ceifei louros, que tanto me pertencem como a vós, que haveis cimentado na minha alma o amor da virtude e o amor da gloria.

Ditosos os que podem repetir convictos estas sublimes aílirmacões.

De Portugal regressou Paulo Porto-Alegre— apoz a longa ausência de dez annos — â sua pá- tria onde se lançou no turbilhão do commercio e dos empreendimentos fabris, já porque não es- tava no seu animo permanecer ocioso, já por obediência ao meio em que se encontrava.

Parece que no continente americano está re- concentrada a actividade humana. A Europa cae no marasmo da indolência, quando alli todas as forcas da intelligencia e da matéria estão em pleno e vigoroso exercício.

A lueta pela existência parece concentrada ali; é* lá onde se fere o combate mais renhido; no resto do mundo resente-se apenas o ecco e os cfleitos da peleja. E' no novo mundo tão justa- mente nomeado assim, que as emprezas gigan- tescas teem o seu berço, e tudo o que moder- nament: causa espanto, vem de aquelle conti- nente onde se presta culto ao trabalho e onde se engendrou o axioma: o movimento é a vida.

Paulo Porto-Alegrc armado com os formidá- veis elementos, que temos referido, aílirmou a sua existência e que sabia existir.

No curto espaço de cinco annos, que tantos foram os que se demorou no Brazil, accentuou disiinctamente a sua individualidade, fez-se re- conhecer como um dos filhos mais nobres e glo- riosos das terras de Santa Cruz, vinculando o seu nome a grande numero de emprezas indus- triaes c outras de variados géneros e fins.

Todavia a sua longa permanência na Europa e nos paizes do norte d:esta grande região, tor- naram-lhe importuno o clima dos paizes tropicaes e a necessidade de os abandonar impoz-se-lhe imperiosamente.

Em 1874 regressou pois a Portugal na cjuali- lade de chanceller de consulado Geral do impé- rio.

Iniciava-se em nova carreira o cavalheiro que se preparara com tão hábeis armas para luetas mais renhidas e por ventura mais salutares para a Humanidade, todavia n'cssa nova carreira lo grou mostrar-sc tão superior quanto os dotes maravilhosos do seu intellecto deviam fazer es- perar.

Durante o período em que exerceu esse cargo e em que por vezes teve a dirigencia dos negó- cios consulares, em rasão de estar ausente o chefe do consulado, durante esse período, di- zíamos, prestou os mais relevantes serviços á colónia Brazileira e aos portuguezes, serviços que foram reconhecidos pelos soberanos d'estas duas nações.

fcm 1877, foi nomeado vice-consul do Brasil,

em Lisboa, sendo esta nomeação convertida dois annos mais tarde na de encarregado do consu- lado geral em rasão de se achar enfermo o res- pectivo chefe.

Vindo a fallecer aquelle funecionario em 1881 recebeu Paulo Porto-Alegre a prova mais signifi- cativa do muito apreço em que os seus compa- triotas, residentes em Lisboa, teem as preciosas qualidades, que o distinguem, pois que todos lhe manifestaram o mais entranhado desejo de que elle fosse, como foi, nomeado pelo governo im- perial para a elíectividade d^aquelle cargo.

Este desejo não só foi manifestado por todos os membros da colónia brasileira, mas também por todo o funecionalismo portuguez que esta em contacto com as auctoridndes representativas do grande império americano.

Demonstrações são estas de tanta e tão grande valia, que constituem por si só uma apotheose incontestável dos merecimentos do íllustre mem- bro do corpo consular.

Infatigável trabalhador, estudioso constante como tem sido sempre Paulo Porto-Alegre os ócios, que poucos podem ser na laboriosa missão que hoje desempenha, tem sido oceupado em trabalhos Htterarios, alguns dos quaes tem um merecimento especial e de tão subido que lhe franquearam o ingresso na Academia das Scien- cias, de Lisboa.

Referimo-nosaos seus estudos sobre «a influen- cia nas artes e industria do acido carbónico.» N^este estudo vastíssimo e largamente desenvol- vido, revelia o enorme pecúlio de conhecimentos chimicos, que possue o auetor, ao mesmo tempo prova a proficiência d^aquelles estudos a que já nos referimos.

Esta obra especialíssima foi uma verdadeira novidade em Portugal, onde a chimica e a phy- sica—salvo raras excepções — é apenas estudada superficialmente, e não passa d^ma sciencia de transito para outras de que cila não é só prepa- ratório mas também complemento.

A academia real das sciencias conferindo a Paulo Porto-Alegre o titulo de seu sócio corres- pondente, único que lhe pndia olíertar, como es- trangeiro, reconheceu e consagrou os manifestos merecimentos d'esse trabalho, que abriu horison- tes novos aos entendedores competentes no as- sumpto, que tratou de maneira nimiamente há- bil e superior.

Além d'essa obra, verdadeiro monumento le- vantado em honra da vastidão dos seus conhe- cimentos em sciencias naturaes, tem produzido outras o nosso hiographado, tendo ainda mais algumas em preparação.

Monographia do café — obra dedicada ao im- perador do Brazil. N'este escripto compendiou Paulo Porto-Alegrc importantes noções scientifi- cas e commerciacs, podendo dizer-se que esgo- tou completamente o assumpto sob todos os pon- tos de vista.

Como facilmente se deprehende do titulo esta

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ditosos da sua vida operosa e utilíssima, aquelle momento em que clle se apresentou a seus paes podendo diz.er-lhes ufano:—em todo o meu ca- minho ceifei louros, que tanto me pertencem como a vós, que haveis cimentado na minha alma o amor da virtude e o amor da gloria.

Ditosos os que podem repetir convictos estas sublimes aílirmaçÕes.

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De Portugal regressou Paulo Porto-Alegre— apoz a longa ausência de dez annos — á sua pa- tria onde se lançou no turbilhão do commercio e dos empreendimentos fabris, já porque não es- tava no seu animo permanecer ocioso, já por obediência ao meio em que se encontrava.

Parece que no continente americano está re- concentrada a actividade humana. A Europa cae no marasmo da indolência, quando alli todas as forcas da intelligencia e da materia estão em pleno e vigoroso exercício.

A lucta pela existência parece concentrada ali; é lá onde se fere o combate mais renhido; no resto do mundo resente-se apenas o ecco e os cfteitos da peleja. E' no novo mundo tão justa- mente nomeado assim, que as emprezas gigan- tescas teem o seu berço, e tudo o que moder- nament; causa espanto, vem de aquelle conti- nente onde se presta culto ao trabalho e onde se engendrou o axioma: o movimento é a vida.

Paulo Porto-Alegre armado com os formidá- veis elementos, que temos referido, aílirmou a sua existência e que sabia existir.

No curto espaço de cinco annos, que tantos foram os que se demorou no Brazil, accentuou distinctamente a sua individualidade, fez-se re- conhecer como um dos filhos mais nobres e glo- riosos das terras de Santa Cruz, vinculando o seu nome a grande numero de emprezas indus- triacs e outras de variados géneros e fins.

Todavia a sua longa permanência na Europa e nos paizes do norte d'esta grande região, tor- naram-lhe importuno o clima dos paizes tropicaes e a necessidade de os abandonar impoz-se-ihe imperiosamente.

Em 1874 regressou pois a Portugal na quali- lade de chanceller de consulado Geral do irnpe- rio.

Iniciava-se em nova carreira o cavalheiro que se preparara com tão hábeis armas para luctas mais renhidas e por ventura mais salutares para a Humanidade, todavia n'essa nova carreira lo grou mostrar-se tão superior quanto os dotes maravilhosos do seu intellecto deviam fazer es- perar.

Durante o periodo em que exerceu esse cargo e em que por vezes teve a dirigencia dos negó- cios consulares, em rasao de estar ausente o chefe do consulado, durante esse periodo, di- zíamos, prestou os mais relevantes serviços á colonia Brazileira e aos portuguezes, serviços que foram reconhecidos pelos soberanos d'estas duas naçóes.

fcm 1877, foi nomeado vice-consul do Brasil,

em Lisboa, sendo esta nomeação convertida dois annos mais tarde na de encarregado do consu- lado geral em rasão de se achar enfermo o res- pectivo chefe.

Vindo a fallecer aquelle funccionario em i8Si recebeu Paulo Porto-Alegre a prova mais signifi- cativa do muito apreço em que os seus compa- triotas, residentes em Lisboa, teem as preciosas qualidades, que o distinguem, pois que todos lhe manifestaram o mais entranhado desejo de que elle fosse, como foi, nomeado pelo governo im- perial para a elfectividade d'aquelle cargo.

Este desejo não só foi manifestado por todos os membros da colonia brasileira, mas também por todo o funccionalismo portuguez que esta em contacto com as auctoridades representativas do grande império americano.

Demonstrações são estas de tanta e tão grande valia, que constituem por si só uma apotheose incontestável dos merecimentos do íllustre mem- bro do corpo consular.

* * *

Infatigável trabalhador, estudioso constante como tem sido sempre Paulo Porto-Alegre os ocios, que poucos pódem ser na laboriosa missão que hoje desempenha, tem sido occupado em trabalhos litterarios, alguns dos quaes tem um merecimento especial e de tão subido que lhe franquearam o ingresso na Academia das Scien- cias, de Lisboa.

Refcrirno-nosaos seus estudos sobre «a influen- cia nas artes e industria do acido carbónico.» N'este estudo vastíssimo e largamente desenvol- vido, revelia o enorme pecúlio de conhecimentos chimicos, que possue o auctor, ao mesmo tempo prova a proficiência d^iquelles estudos a que já nos referimos.

Esta obra especialíssima foi uma verdadeira novidade em Portugal, onde a chimica e a phy- sica—salvo raras excepções — c apenas estudada superficialmente, e não passa diurna sciencia de transito para outras de que cila não é só prepa- ratório mas também complemento.

A academia real das sciencias conferindo a Paulo Porto-Alegre o titulo de seu socio corres- pondente, único que lhe podia olíertar, como es- trangeiro, reconheceu c consagrou os manifestos merecimentos d'esse trabalho, que abriu horison- tes novos aos entendedores competentes no as- sumpto, que tratou de maneira nimiamente há- bil e superior.

Além d'essa obra, verdadeiro monumento le- vantado em honra da vastidão dos seus conhe- cimentos em sciencias naturaes, tem produzido outras o nosso hiographado, tendo ainda mais algumas em preparação.

Monographia do café — obra dedicada ao im- perador do Brazil. N'este escripto compendiou Paulo Porto-Alegre importantes noções scientifi- cas e commerciaes, podendo dizer-se que esgo- tou completamente o assumpto sob todos os pon- tos de vista.

Como facilmente se deprehende do titulo esta

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obra constitue um trabalho ingrato c uma tarefa árdua, porém Paulo Porto-Àlegrc conseguiu iilu- minar-lhe as paginas com os brilhantíssimos cla- rões de seu grande engenho e enriquecel-as com preciosas noticias reveladoras do aturado estudo de que o auetor precede as suas produeçues.

cOocimasia pratica, — obra originalmente escri- ptas em allemão, idioma que Paulo Porto-Ale- gre conhece profundamente e maneja como se filho fora da pensadora Germânia — ê outro tra- balho, cujo titulo pouco indica, mas que dá luz aos sábios c a outros ensina, podendo ser lido com prazer ate pelos profanos da seiencia.

Manual de Sideroteclmia, é um indicador se- guro na especialidade de que se oceupa.

Guia vara a analyse mineral quantitativa. Já acima dissemos quanto é melindroso e especial o estudo quantitativo, portanto um guia para estes estudos ê um serviço altamente valioso pres- tado á seiencia, e como tal tem sido considerado porquantos os tem podido apreciar.

A Sideroteclmia na exposição universal de iSÓ j em Paris, è uma apreciação meticulosa de tudo quanto n'aquelle género se apresentou n'aquelle grande certamen, acompanhada de variadíssimas e interessantes noticias a respeito de alguns des- ses exemplares.

O Cacaeiro sua origem e cultura no Brasil co- lónias europeas e continente americano é um bom estudo economico-agricola, também dedicado ao imperador de Brasil.

Esta obra assim como a Monographia do café, — apesar de serem uma variante no género es- pecial dos conhecimentos c estudos de Paulo Porto-Alegre, tratadas magistralmente provam que o seu espirito não conhece fronteiras quando tenta pur-se em evidencia.

Estas producções constituem já uma galeria importante e valiosa, que lhe dão o direito de oceupar distinctissimo logar entre os publicistas mais notáveis do império, onde não abundam os escriptores sobre matérias seientifleas.

Tantas e tão variadas manifestações d'um in- tellecto invejável, enriquecido por variados e pro- fundos estudos, não podia deixar de attrair a atten- ção do mundo scientifico contemporâneo.

Paulo Porto-Alegre tem pois recebido não só as íclict tacões pelos seus vastos conhecimentos em diversas matérias, dos homens mais compe- tentes, mas também numerosas associações de litteratos notáveis, corporações de sábios e aca- demias scientificas lhe tem enviado diplomas, que tanto honram aquelle que os recebe como os que os conferem.

Entre outras muitas, que por numerosas nos escapam, citaremos as seguintes.

Academia Africana de Berlin da qual é mem- bro honorário, assim como do Cede Consulaire de Belgique, desde 1878.

Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, da qual é sócio correspondente.

Sociedade propagadora de conhecimentos geo- graphico—africanos, de Loanda, também sócio correspondente.

Société Acadcmique franco-hispano, — portu- gueza, de Toloza.

Sociedade central de emigração do Rio de Ja-

neiro, de que é delegado, e à qual tem prestado assignalados serviços.

Muito mais poderíamos dilatar este escripto demonstrando os elevados dotes do espirito admi- ravelmente culto do nosso biographaao, mas pre- ferimos calar o mais que o nosso enthusiasmo nos pedia, para que se não lance á conta de li- sonja o que é apenas sincero preito a uma indi- vidualidade tão distincta, a uma intellectuidade tão superna, que não se lhe pode negar a posse da scentelha genial.

E cabe aqui uma lamentação justíssima sohre a levesa do espirito no século XIX; os doutos passam desapercebidos ainda para o vulgo, em- quanto as illustrações levianas c superliciaes re- cebem os applausos do maior numero; não com- petia isto ao estado avançadissimo da civilisação mas deve attribuir-se á condição humana geral- mente propensa para admirar ouropéis acima do finíssimo ouro. E por isso que o nome de Paulo Porto-Alegre, é conhecido apenas e apreciado pe- los homens superiores ficando oceulto na penum - bra para o vulgo ignaro, penumbra que elle toda- via illumina radiosamente.

Vingam-no porém com soberbia aquelles que se inclinam perante elle acatando lhe e reconhe- ccndo-lhe a auetoridade incontestável.

Os soberanos de Portugal e do Brasil como apreciadores competentes do mérito verdadeiro, tributam-lhe, a mais aflectuosa estima.

É Paulo Porto-Alegre de afável semblante e maneiras ultra-delicadas. Não é possível aproxi- mar-se-lhe sem sentir o influxo sympathico de uma extrema afabilidade. Aos lábios afluenvlhe por assim dizer diluídas em phrases aíTectuosas os bons e nobres sentimentos, que lhe enchem o coração. Ha na sua phrase sempre elegante e correcta como que o doce calor da sensibilidade, que é apanágio das grandes almas e dos mais cultos espíritos. O rosto nobre espelha egual- mente os estímulos da dignidade; olnando-o en- contra-se-lhe nos olhos vividos, cujo fogo é do- cemente temperado pela expressão de natural benignidade, a luz divina das íntelligcncias supe- riores, lnstincti vãmente, ou vindo-o, applaudimos os antigos que pintavam a Eloquência brotando dos lábios correntes de ouro por que a linguagem de Paulo Porto-Alegre é opulenta e captiva.

Filho dilecto e honroso do Brasil, eis o único registro que fazemos com pesar, lembrando-nos que se aquella nobre terra fora ainda colónia nossa Paulo Porto-Alegre seria cidadão portuguez e consequentemente mais uma gloria aa nação de que assim apenas pôde ser hospede querido eil- lustre.

Reiervado» todo» o» díreitoi de propriedade litte-

TVP DE CHH1ST0YÃ0 AUGUSTO líODIUCCES RUA CE S. PAULO, CO E G2.

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obra constitue um trabalho ingrato c uma tarefa ardua, porém Paulo Porto-Alegre conseguiu iilu- minar-lhe as paginas com os brilhantíssimos cla- rões de seu grande engenho e enriqueccl-as com preciosas noticias reveladoras do aturado estudo de que o auctor precede as suas producções.

(Docimasía pratica, — obra originalmente escri- ptas em allemão, idioma que Paulo Porto-Ale- gre conhece profundamente e maneja como se filho fora da pensadora Gcrmania — c outro tra- balho, cujo titulo pouco indica, mas que dá luz aos sábios e a outros ensina, podendo ser lido com prazer ate pelos profanos da scieticia.

Manual de Siderolechnia, é um indicador se- guro na especialidade de que se occupa.

Guia para a analyse mineral quantitativa. Já acima dissemos quanto é melindroso e especial o estudo quantitativo, portanto um guia para estes estudos é um serviço altamente valioso pres- tado á sciencia, e como tal tem sido considerado porquantos os tem podido apreciar.

A Siderotechnia na exposição universal de 1S6 7 em Paris, é uma apreciação meticulosa de tudo quanto n'aquelle género se apresentou n'aquclle grande certamen, acompanhada de variadíssimas e interessantes noticias a respeito de alguns d'es- ses exemplares.

O Cacaeiro sua origem e cultura no Brasil co- lónias curopcas e continente americano é um bom estudo economico-agricola, também dedicado ao imperador de Brasil.

Esta obra assim como a Monographia do café, — apesar de serem uma variante no genero es- pecial dos conhecimentos c estudos de Paulo Porto-Alegre, tratadas magistralmente provam que o seu espirito não conhece fronteiras quando tenta pur-se em evidencia.

Estas producções constituem já uma galeria importante e valiosa, que lhe dão o direito de occupar distinctissimo logar entre os publicistas mais notáveis do império, onde não abundam os cscriptores sobre matérias scientificas.

Tantas e tão variadas manifestações d'um in- tellect invejável, enriquecido por variados e pro- fundos estudos, não podia deixardeattraira atten- ção do mundo scicntifico contemporâneo.

Paulo Porto-Alegre tem pois recebido não sô as lelieitações pelos seus vastos conhecimentos em diversas matérias, dos homens mais compe- tentes, mas também numerosas associações de litteratos notáveis, corporações de sábios e aca- demias scientificas lhe tem enviado diplomas, que tanto honram aqueile que os recebe como os que os conferem.

Entre outras muitas, que por numerosas nos escapam, citaremos as seguintes.

Academia Africana de Berlin da qual é mem- bro honorário, assim como do Cecle Consul aire de Belgique, desde 1878.

Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, da qual é socio correspondente.

Sociedade propagadora de conhecimentos geo- graphico—africanos, de Loanda, também socio correspondente.

Société Academique franco-hispano, — portu- gueza, de Toloza.

Sociedade central de emigração do Rio de Ja-

neiro, de que é delegado, e á qual tem prestado assignalados serviços.

* * *

Muito mais poderíamos dilatar estc cscripto demonstrando os elevados dotes do espirito admi- ravelmente culto do nosso biographaao, mas pre- ferimos calar o mais que o nosso enthusiasmo nos pedia, para que se não lance á conta de li- sonja o que é apenas sincero preito a uma indi- vidualidade tão distincta, a uma intellcctuidade tão superna, que não se lhe pode negar a posse da seentelha genial.

E cabe aqui uma lamentação justíssima sobre a levesa do espirito no século XIX*, os doutos passam desapercebidos ainda para o vulgo, em- quanto as illustrações levianas e superliciacs re- cebem os applausos do maior numero; não com- petia isto ao estado avançadissimo da civilisação mas deve attribuir-se á condição humana geral- mente propensa para admirar ouropéis acima do finíssimo ouro. E por isso que o nome de Paulo Porto-Alegre, c conhecido apenas e apreciado pe- los homens superiores ficando occulto na penum- bra para o vulgo ignaro, penumbra que elle toda- via illumina radiosamente.

Vingam-no porém com soberbia aquelles que se inclinam perante elle acatando ihe e reconhe- cendo-lhe a auctoridade incontestável.

Os soberanos de Portugal e do Brasil como apreciadores competentes do mérito verdadeiro, tributam-lhe, a mais aflcctuosa estima.

* * *

É Paulo Porto-Alegre de afavel semblante e maneiras ultra-delicadas. Não é possível aproxi- mar se-lhe sem sentir o influxo sympathico de uma extrema afabilidade. Aos lábios afluem-lhe por assim dizer diluídas em phrases afiectuosas os bons e nobres sentimentos, que lhe enchem o coração. Ha na sua phrase sempre elegante e correcta como que o doce calor da sensibilidade, que é apanagio das grandes almas c dos mais cultos espíritos. O rosto nobre espelha cgual- mente os estímulos da dignidade; olnando-o en- contra-se-lhe nos olhos vividos, cujo fogo é do- cemente temperado pela expressão de natural benignidade, a luz divina das intelligendas supe- riores. Instinct! vãmente, ou vindo-o, applaudimos os antigos que pintavam a Eloquência brotando dos lábios correntes de ouro por que a linguagem de Paulo Porto-Alegre é opulenta e captiva.

Filho dilecto e honroso do Brasil, eis o único registro que fazemos com pesar, lembrando-nos que se aqueíla nobre terra fora ainda colonia nossa Paulo Porto-Alegre seria cidadão portuguez e consequentemente mais uma gloria da nação de que assim apenas pôde ser hospede querido c il- lustre.

Retervado» todo» o» direito» de propriedade litte-

TYP DE CHBISTOYÃO AUGUSTO nODMCCES — RUA DE S. PAULO, 60 E 62.

O LIVRO DE OURO Biographias dos personagens mais distinctos em politica,

armas, religião, lettras, sciencias, artes, comviercio, industria e agricultura

ANNO II — VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL SETEMBRO—Í336

0 conselheiro João José de Mendonça Corícz

Só quem se entrega á aprasivel, ainda que pe- nosa tarefa, de fazer a nomenclatura dos serví- ços^prestados á humanidade ou á pátria, pela ge- ração hodierna: só quem, como nós, se tem im- posto a missão de çollocar em saliente relevo os merecimentos, as virtudes, os talentos ou as qua- lidades dos coevos, sabe, como nós sabemos, que na plêiade dos contemporâneos tão menosca- bada, tantas vezes e tão profundamente ferida pelas settas aceradas do facciosismo ou da inve- ja, avultam homens distinctissimos, de mereci- mento incontestável, e sobremaneira prestimo- sos.

Abundam estas individualidades d;stinctas e salientes, e se o vulgo passa deante d'ellas sem as venerar, sem lhes prestar o culto que mere- cem, essa indiferença inconsciente não as tolhe de continuarem manifestando os seus méritos, honrando os tempos em que florescem, e a ter- ra, que lhes foi berço.

Um doestes contemporâneos illustres é o cava- lheiro a quem vamos referir-nos no presente ar- tigo, o conselheiro João José de Mendonça Cor- tez, trabalhador infatigável, espirito esclarecido, e intelligencia culta, que se tem assignalado bri- lhantemente, c cujo talento reproduz a ficção de Protheu tomando variadas formas, sob o'cunho d'uma originalidade singular.

Vasta e longa tem sido a carreira d'este cava- lheiro, mas desde os bancos universitários até as cadeiras ministeriacs, sempre esta feição es- pecial se tem accentuado honrosamente,' como vamos demonstrar na seguinte menção dos lan- ces principaes da sua prestadia existência.

Nasceu o conselheiro João José de Mendonça Cortez no districto de Faro, na villa de Olhão, a 9 de Janeiro de i8'S8.

A causa liberal encontrou n'esta região mui- tos e ardentes sectários, porque o Algarve abra- ça com enthusiasmo todas as causas generosas e nobres.

Apesar de ter sido olvidado sempre na parti- lha dos favores governativos, o Algarve é uma das províncias mais patriotas e mais zelosas pela prosperidade commum, per isso a revolução, — que devia acabar por uma vez com todas*as re- miniscências obnoxias do poder senhorial,— en- controu ali dedicações sinceras e abnegação cre- dora dos mais levantados encómios.

A família de Mendonça Cortez foi uma das

que se distinguiu na lueta contra a usurpação e em^prol dos princípios proclamados em 1820.

Entre os defensores da carta constitucional e do throno de D. _ Maria II assignalaram-se os membros da família Mendonça, que pertencia a mais distincta^ sociedade algarvia d^quella época.

Os progenitores do nosso biographado, João Viegas de Mendonça e D. Maria do Rosário Lo- pes, eram acatados e queridos não só porque se assignalavam de maneira notável pela pureza dos costumes e correcção de porte, mas também por serem modelos de virtudes domesticas e civicas.

Educada n^esta athmosphera a alma de João José de Mendonça Cortez imprcgnou-se da mais pura essência, adquiriu os hábitos da mais in- quebrantável rectidão e da lealdade mais enalte- civel, sentimentos de que tem produzido provas eloquentes no decurso da sua operosa carreira.

Ainda não completos deseseis annos partiu Mendonça Cortez para o imporio das sciencias no paiz, Coimbra, franqueando a porta férrea n'uma idade em que a poucos é dado aproxi- mar se-lhe, sequer.

Esta circumstancia, que pomos em relevo, at- testa a precocidade dos talentos do novel estu- dante, assim como é documento irrefragavel de uma não vulgar disposição para os estudos mais transcendentes.

A universidade de Coimbra orgulha-se com lídimos direitos de contar João José de Mendon- ça Cortez no numero dos seus alumnos mais honrosos e dilectos.

Dez annos passou João José de Mendonça Cortez no dace-agro convívio das lettras, cursan- do as faculdades de direito e estudando tão pro- fkuamente as sciencias naturaes, que obteve sem- pre os primeiros prémios.

Não é circumstancia vulgar esta e por isso per- mitte que insistamos n'ella.

Conquistar prémios na Universidade é vencer um torneio que por ser litterario, se não é san- grento como os da idade media, é comtudo ár- duo e ingente, e só confere triumphos apoz tra- balhosa lueta.

Annos se passam sem que a Universidade con- fira premio, porque não encontra alumno digno; mas Mendonça Cortez não conquista um único premio, conquista sempre os primeiros: este é o alpha incontestável e por assim dizer tangível de uma capacidade superior, que posteriormente se não desmentiu jamais; esta é a prova provada que Mendonça Cortez não é meramente o estu- dente mais distincto d\im anno ou d'uma secção,

O LIVRO DE OURO

Biographias dos personagens mais distinct os em politica, at was, t cltgião, lettras, sciencias., artes, comviercto, industria e agricultura

ANNO II —VOLUME I PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL J£ BRAZIL SETEMBRO — i886

0 conselheiro João José de Mendonça Cortez

Só quem se entrega ã aprasivcl, ainda que pe- nosa tarefa, de fazer a nomenclatura dos servi- ços prestados á humanidade ou á patria, pela ge- ração hodierna: só quem, como nós, se tem im- posto a missão de collocar em saliente relevo os merecimentos, as virtudes, os talentos ou as qua- lidades dos coevos, sabe, como nós sabemos, que na pleiade dos contemporâneos tão menosca- bada, tantas vezes e tão profundamente ferida pelas settas aceradas do facciosismo ou da inve- ja, avultam homens distinctissimos, de mereci- mento incontestável, e sobremaneira prestimo- sos.

Abundam estas individualidades d'stinctas e salientes, e se o vulgo passa deante delias sem as venerar, sem lhes prestar o culto que mere- cem, essa indiferença inconsciente não as tolhe de continuarem manifestando os seus méritos, honrando os tempos em que florescem, e a ter- ra, que lhes foi berço.

Um d'estes contemporâneos illustres é o cava- lheiro a quem vamos referir-nos no presente ar- tigo, o conselheiro João José de Mendonça Cor- tez, trabalhador infatigável, espirito esclarecido, e intelligencia culta, que se tem assignalado bri- lhantemente, c cujo talento reproduz a ficção de Protheu tomando variadas formas, sob o cunho d'uma originalidade singular.

Vasta e longa tem sido a carreira d'este cava- lheiro, mas desde os bancos universitários até ás cadeiras ministeriaes, sempre esta feição es- pecial se tem accentuado honrosamente, como vamos demonstrar na seguinte menção dos lan- ces principaes da sua prestadiu existência.

Nasceu o conselheiro João José de Mendonça Cortez no districto de Paro, na villa de Olhão, a 9 de Janeiro de 1838.

A causa liberal encontrou n'esta região mui- tos e ardentes sectários, porque o Algarve abra- ça com enthusiasmo todas as causas generosas e nobres.

Apesar de ter sido olvidado sempre na parti- lha dos favores governativos, o Algarve é uma das províncias mais patriotas e mais zelosas pela prosperidade commum, per isso a revolução, — que devia acabar por uma vez com todas as re- miniscências obnoxias do poder senhorial,— en- controu ali dedicações sinceras e abnegação cre- dora dos mais levantados encomios.

A família de Mendonca Cortez foi uma das

que se distinguiu na lucta contra a usurpação e em prol dos princípios proclamados em 1820.

Entre os defensores da carta constitucional e do throno de D. Maria II assignalaram-sc os membros da família Mendonça, que pertencia á mais distincta sociedade algarvia d'aquella época.

Os progenitores do nosso biographado, João Viegas de Mendonça e D. Maria do Rosario Lo- pes, eram acatados e queridos não só porque se assignalavam de maneira notável pela pureza dos costumes e correcção de porte, mas tombem por serem modelos de virtudes domesticas e civicas.

Educada n^esta athmosphera a alma de João José de Mendonça Cortez impregnou-se da mais pura essencia, adquiriu os hábitos da mais in- quebrantável rectidão e da lealdade mais enalte- civel, sentimentos de que tem produzido provas eloquentes no decurso da sua operosa carreira.

Ainda não completos deseseis annos partiu Mendonça Cortez para o imporio das sciencias no paiz, Coimbra, franqueando a porta ferrea n'uma idade em que a poucos é dado aproxi- mar se-lhe, sequer.

Esta circumstancía, que pomos em relevo, at- testa a precocidade dos talentos do novel estu- dante, assim como é documento irrefragavel de uma não vulgar disposição para os estudos mais transcendentes.

A universidade de Coimbra orgulha-se com lídimos direitos de contar João José de Mendon- ça Cortez no numero dos seus alumnos mais honrosos e dilectos.

Dez annos passou João José de Mendonça Cortez no dace-agro convívio das lettras, cursan- do as faculdades de direito e estudando tão pro- ficuamente as sciencias naturaes, que obteve sem- pre os primeiros prémios.

Não é circumstancia vulgar esta e por isso per- mitte que insistamos n'clla.

Conquistar prémios na Universidade é vencer um torneio que por ser litterario, se não é san- grento como os aa idade media, é comtudo ár- duo e ingente, e só confere triumphos apoz tra- balhosa lucta.

Annos se passam sem que a Universidade con- fira premio, porque não encontra alumno digno; mas Mendonça Cortez não conquista um único premio, conquista sempre os primeiros: este é o alpha incontestável e por assim dizer tangível de uma capacidade superior, que posteriormente se não desmentiu jámais; esta é a prova provada que Mendonça Cortez não é meramente o estu- dente mais distincto d'um anno ou d'uma secção,

O LIVRO DE OUKO

mas sim o de todas as classes que constituem a faculdade.

Ainda mais. E' sabido que o primeiro escolho, que o estu-

dante encontra na sua carreira, é a carência de guias seguros, é a falta de elementos concatena- dos ; esta falta ainda hoje tão sensível era quasi absoluta na época cm cjue Mendonça Cortez fre- quenta as aulas; todavia essa carência não o en- tibia, não lhe põe estorvos no seu caminho ovan- te ; elle respiga afouto os conhecimentos de que carece c surge sempre avantajado na fileira dos condiscípulos. K1 assim que as sumidades litte- rarias ou scientifkas se denunciam aos primei- ros passos.

Finalmente depois de uma serie de tripmphos académicos dos mais honrosos, em i863 Men- donça Cortez toma o grau de doutor na facul- dade de Direito.

Durante a vida académica não limitou^ Men- donça Cortez as locubraçóes do seu espirito á consulta dos authores a que necessitava recorrer para o seu progredimento, peloteontrario afirmou os vastos recursos da sua intellígencia raramente fecunda, dando é estampa diversos trabalhos lit- terarios, entre os quaes avulta um estudo pro- fundo sobre a organisação dojury, obra que viu a luz publica em 1861,' assim como um volume de theses, redigindo ao mesmo passo o jornal académico — O instituto.

Por occasião da visita de el-reí D. Pedro V á universidade de Coimbra proferiu Mendonça Cor- tez uma oração, a que mais tarde deu publici- dade instado por algunsamigos, que deploravam se não tornasse conhecido esse modelo de ora- tória.

El rei D. Pedro V, que era também um espi- rito sobremaneira culto, — manifestou o prazer, que lhe causara a eloquente oração do moço académico, e este testemunho de um vulto tão esclarecido e illustrado não é por certo premio menos digno do que os annuaimente conferidos pela universidade.

Ainda em 1861 se produziram outras manifes- tações do engenho do nosso biographado, mani- festações não menos louváveis, porque provam o amor que sempre teve pelos estudos mathe- matícos e mechameos, mas também porque cons- tituíam os primórdios trabalhos n'uma sciencia quasi desconhecida entre nós ainda n^iquella .época. Referimonos aos modelos que fez apre- sentar ao governo para applicação da electrici- dade como força motriz das locomotivas.

Algumas d"essas invenções acham-se já postas em execução em França e Allemanha, como por exemplo o commutador eléctrico.

Outros modelos, tendentes á solução do pro- blema mechanico; se na rada motn\ de uma lo- comotiva em movimento o ponto de avoio e o solo, a transmissão do movimento adoptada é essencial- mente defeituosa; se é o eixo, os princípios de me- chanica adoptados nas escholas carecem de refor- ma, foram mandados estudar por differentes commissões, que concluíram pela necessidade do exame pratico.

Estes estuaos ou ensaios nunca se rcalisaram

porque os governos que geralmente estão sem- pre promptos a facultar meios para os interes- ses de campanário, os recusam para as questões de que deve resultar gloria e honra para o paiz; todavia o merecimento dos estudos de Mendon- ça Cortez não ficou sem consagração, porque do estrangeiro lhe foram feitas alguma_s propostas que o inventor regeitou com isenção nobre e pouco commum patriotismo.

Cabe aqui dizei o. Mendonça Cortez é, como todos os homens notáveis, profunda e sincera- mente amante da sua pátria; por mais de uma vez tem produzido dVstas recusas, despresando quantiosas offerras para que não saiam do paiz inventos que lhe honram o nome e glorificam a nação, onde se produzem.

È1 bem raro este desinteresse que sem lisonja podemos proclamar um dos florões da sua coroa de talento e conslderal-o um dos attributos mais laudativos da sua gloriosa individualidade.

Se a menção, que fizemos, da maneira distin- cta como elle se sobrelevou nadasse escolar ca- recesse de demonstração, tel-a-iamos na consagra- ção oíficial de seus merecimentos, porque no mesmo anno em que tomou o capello foi nomea- do lente substituto extraordinário da universida- de, nomeação que em breve trecho se mudou na de substituto ordinário, despacho que tem a data de janeiro de 1864.

No anno seguinte metteu hombros a uma em- preza espinhosa c que bem merece a classifica- ção de gigantesca, porque para a levar a cabo teve de proceder a verdadeiras escavações his- tóricas, e revolver e consultar uma porção enor- me de trabalhos incompletos e difusos, impres- sos uns, outros manuscriptos. Esta empreza era a publicação de um índice da legislação pratica desde o *Codcx j>etus» (século xvu) até ao pre- sente. Este trabalho, aue possue inédito, fazia parte duma Historia da cgi eja portugueza.

Esta publicação exigia aturadjssimo estudo e foi commettida a uma commissão, de que fazia parte o illustre historiador Alexandre Herculano.

Não se ultimou a publicação por negligencias do governo, e porque a commissão teve um membro, que foi elemento dissolvente, perden- do-se o ensejo de realisar esta importantíssima obra. Entretanto Mendonça Cortez realisou a parte mais importante —o 1.° volume, no qual se acha restaurada a collecção das Íris ccclcsias- ticas peninsulares, precedida de um extenso proemio, em que se descreve a largos traços a historia da egreja hispano-lusitana até ao século xui. Esta obra é um verdadeiro monumento lit- terariu que bastaria por si sò para crear uma reputação sobremaneira invejável e imperecível, e dar â Mendonça Cortez um logar honroso en- tre os mais distinctos escriptores portuguezes.

¥

Ao mesmo tempo, e apesar da enorme appli- cação que exigia tarefa tão espinhosa, o nosso biographado não descurava os seus queridos es-

tudos mecânicos, e em 1864 appareceu com um

O LIVRO DE QUKO

mas sim o cie todas as classes que constituem a faculdade.

Ainda mais. E' sabido que o primeiro escolho, que o estu-

dante encontra na sua carreira, é a carência de guias seguros, é a falta de elementos concatena- dos ; esta falta ainda hoje tão sensível era quasi absoluta na época cm que Mendonça Cortez fre- quenta as aulas; todavia essa carência não o en- tibia, não lhe põe estorvos no seu caminho ovan- te ; elle respiga afouto os conhecimentos de que carece e surge sempre avantajado na fileira aos condiscípulos. K' assim que as sumidades litte- rarias ou scientificas se denunciam aos primei- ros passos.

Finalmente depois de uma serie de triumphos académicos dos mais honrosos, em i863 Men- donça Cortez toma o grau de doutor na facul- dade de Direito.

Durante a vida académica não limitou Men- donça Cortez as locubraçóes do seu espirito á consulta dos authores a que necessitava recorrer para o seu progredimento, pelo contrario afirmou os vastos recursos da sua intelligencia raramente fecunda, dando é estampa diversos trabalhos lit- terarios, entre os quaes avulta um estudo pro- fundo sobre a organisação do jury, obra que viu a luz publica em 1861, assim como um volume de theses, redigindo ao mesmo passo o jornal académico — O instituto.

Por occasião da visita de el-reí D. Pedro V á universidade de Coimbra proferiu Mendonça Cor- tez uma oração, a que mais tarde deu publici- dade instado por alguns amigos, que deploravam se não tornasse conhecido esse modelo de ora- tória.

El rei D. Pedro V, que era também um espi- rito sobremaneira culto, — manifestou o prazer, que lhe causára a eloquente oração do moço académico, e este testemunho de um vulto tão esclarecido e illustrado não é por certo premio menos digno do que os annualmente conferidos pela universidade.

Ainda em 1861 se produziram outras manifes- tações do engenho do nosso biographado, mani- festações não menos louváveis, porque provam o amor que sempre teve pelos estudos mathe- maticos e mechanicos, mas também porque cons- tituíam os primórdios trabalhos n'uma sciencia quasi desconhecida entre nós ainda n'aquella .época. Referimo nos aos modelos que fez apre- sentar ao governo para applicação da electrici- dade como força motriz das locomotivas.

Algumas d essas invenções acham-se já postas em execução em França e Allemanha, como por exemplo o commutador eléctrico.

Outros modelos, tendentes á solução do pro- blema mechanico; sc na roda motri7 de uma lo- comotiva em movimento o ponto de apoio é o solo, a transmissão do movimento adoptada é essencial- mente defeituosa; se é o ef.vo, os principios de me- chanic a adoptadoi nas escholas carecem de refor- ma, foram mandados estudar por diíferentes commíssões, que concluíram pela necessidade do exame pratico.

Estes estuaos ou ensaios nunca se rcalisaram

porque os governos que geralmente estão sem- pre promptos a facultar meios para os interes- ses de campanario, os recusam para as questões de que deve resultar gluria e honra para o paiz; todavia o merecimento dos estudos de Mendon- ça Cortez não ficou sem consagração, porque do estrangeiro lhe foram feitas algumas propostas que o inventor regeitou com isenção nobre e pouco commum patriotismo.

Cabe aqui dizei o. Mendonça Cortez é, como todos os homens notáveis, profunda e sincera- mente amante da sua patria; por mais de uma vez tem produzido d'estas recusas, despresando quantiosas oííertas para que não saiam do paiz inventos que lhe honram o nome e glorificam a nação, onde se produzem.

È1 bem raro este desinteresse^que sem lisonja podemos proclamar um dos florões da sua coroa de talento e consideral-o um dos attributos mais laudativos da sua gloriosa individualidade.

Se a menção, que fizemos, da maneira distin- cta como elle se sobrelevou na classe escolar ca- recesse de demonstração, tel-a-iamos na consagra- ção official de seus merecimentos, porque no mesmo anno em que tomou o capello foi nomea- do lente substituto extraordinário da universida- de, nomeação que em breve trecho se mudou na de substituto ordinário, despacho que tem a data de janeiro de 1864.

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No anno seguinte metteu hombros a uma em- preza espinhosa e que bem merece a classifica- ção de gigantesca, porque para a levar a cabo teve de proceder a verdadeiras escavações his- tóricas, e revolver e consultar uma porção enor- me de trabalhos incompletos e difusos, impres- sos uns, outros manuscriptos. Esta empreza era a publicação de um Índice da legislação pratica desde o «Codcx vetus» (século xvu) até ao pre- sente. Este trabalho, que possue inédito, fazia parte d'uma Historia aa egicja portuguesa.

Esta publicação exigia aturadjssimo estudo e foi commettida a uma commissão, de que fazia parte o illustre historiador Alexandre Herculano.

Não se ultimou a publicação por negligencias do governo, e porque a commissão teve um membro, que foi elemento dissolvente, perden- do-se o ensejo de realisar esta importantíssima obra. Entretanto Mendonça Cortez realisou a parte mais importante — o 1.° volume, no qual se acha restaurada a collecção das leis ecclesias- ticas peninsulares, precedida de um extenso proemio, em que se descreve a largos traços a nistoria da egreja hispano-lusitana até ao século xm. Esta obra é um verdadeiro monumento lit- terariu que bastaria por si só para crear uma reputação sobremaneira invejável e imperecível, e dar â Mendonça Cortez um logar honroso en- tre os mais distinctos escriptores portuguezes.

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Ao mesmo tempo, e apesar da enorme appli- cação que exigia tarefa tão espinhosa, o nosso biographado não descurava os seus queridos es- tudos mecânicos, e em 1864 appareceu com um

O LIVRO DE OURO

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novo invento—o propulsor para barcos de fundo cf ia to e para rios de pequena profundidade, — em que se combinam os movimentos perpendi- cular e vertical, dispensando por consequência o emprego de remos.

Quasi ao mesmo tempo apresentava também um obturador especial de espingarda, que o go- verno mandou fabricar no arsenal do exercito, segundo os desenhos, modelo e calculo do in- ventor. Este invento pôde ser admirado no mu- seu d'aauelle arsenal onde tem sido examinado c louvado por notabilidades entendidas em me- cânica militar, nacionaes e estrangeiras.

Ainda pela mesma época inventou e organisou um jogo*destinado a pôr em pratica os preceitos da guerra terrestre e naval, cm que por meio de uma engenhosa combinação reproduz os phe- nomenos reaes por uma forma deveras curiosa.

Esta complexidade de trabalhos prova a va- riedade das aptidões e multiplicidade de conhe- cimentos scientificos de Mendonça Cortes; mas ainda c mais para notar o grande desinteresse do illustradissimo inventor, porque elle põe sem- pre á disposição do governo e do paiz, não sò o seu trabalho, mas também os seus haveres.

Para a publicação da Historia da Egreja Lu- sitana oftereceu Mendonça Cortez os seus orde- nados, sacrificio que não produziu resultado porque a incúria dos governos está sempre su- perior a dedicação dos patriotas, e inutílisa por vezes todos os esforços e a mais acrisolada abnegação.

Es,te facto, que se tem repetido mais vezes no decurso da — para o paiz — tão profícua car- reira publica d'este esclarecido cidadão, é uma das circumstancías mais laudativas da sua vida.

Em 1868 foi despachado lente cathedratico da cadeira de finanças da faculdade de direito, na Universidade, ccincidindo este despacho com a sua primeira eleição de deputado ás cortes.

Iniciava se então outra phase brilhantíssima— a da vida politica do nosso biographado, — que n^sta nova carreira não se assignalou menos distincta, menos brilhantemente, que nas ante- riormente citadas.

Nos tempos modernos, a maneira d'um cida- dão merecer o titulo de prestimoso e útil á pá- tria é mui diversa e sobremaneira mais árdua do que nas eras em que no valor pessoal consis- tia todo o mérito do patriota dedicado. Intellecto hábil para comprehender a verdade d'este axio- ma, possue Mendonça Cortez e demonstrou-o de modo altamente lúcido.

Entrou no parlamento n'uma época critica, em que d um lado as aspirações do paiz para um estado de administração mais perfeito e comple- to, e do outro, os desmandos e erros consequen- tes d'um longo período de serenidade ou de in- difíerença popular, haviam tornado impossível a continuação da politica existente.

Dotado d'um fecundíssimo talento e de um previdente bom senso politico Mendonça Cortez adquiriu de prompto a convicção de que se tor- nara indispensável a constituição de um grupo

novo, no qual se agremiassem homens rectos e independentes que quízessem governar por amor do bem commum, e nãn pelo interesse ou pela vaidade pessoal.

Entrando pois na camará reconheceu que lhe cumpria substituir o mot (Pordre dos partidos pelos dictames do civismo e da consciência; reu- nindo outros deputados de egual sentir, formou o grupo dos eccíecíicos isto é dos deputados in- dependentes, que não discutiam nem votavam por facciosismo, mas unicamente segundo as suas convicções, e assim contribuiu para a queda do ministério Ávila—Dias Ferreira,— que, di- gamol-o de passagem e sem offensa do estadista ainda sobrevivo, não foi dos que tem disfructado maior somma de sympathia nacional.

Succedendo a este o ministério Sá •— Vizeu conservou Mendonça Cortez a mesma attitude; mas cahindo o governo, em janeiro de 1869, de- clarou-se abertamente favorável ao gabinete de- missionário, victima d'uma surpreza, e reunindo os deputados, que seguiam a mesma idéa, orga- nisou o partido reformista — de que mais tarde, pela fusão com o partido histórico, devia sahir o partido progressista, em cujas fileiras ainda actualmente milita.

O partido reformista foi um dos que maior acceitação teve do paiz por isso que do seu cre- do o principal artigo visava a pôr termo ás des- sipações dos governos, que escandalisavam toda a gente de brio a cujos olhos se antolhava emi- nente a bancarrota.

O ministério, que então se formou, e que tam- bém é denominado Sá —Vizeu foi um dos que mais religiosamente observou os artigos do seu programma politico; este ministério desejando reunir um núcleo de estadistas, que por suas lu- zes inspirasse inteira confiança ao paiz e podesse arcar com as difficuldades naturalmente emer- gentes da onerosa tarefa oue se impunha, refor- mar, mas reformar radical e sabiamente, convi- dou Mendonça Cortez a acceitar a pasta da fa- zenda ao que se recusou dando lição de rara hombridade, porque a ambição de todos os po- líticos— ambição aliás honrosa — é ser ministro.

As instancias do gabinete pcrem continuaram or tal maneira, que o nosso biographado vira-se orçado, em agosto de 1869, a acceitar a pasta

da justiça, impondo porém a condição de que seriam admítudas as reformas cjue propunha peia sua pasta, condição que lhe foi acceite.

O ministério teve porém de demittir se em breve trecho, ficando por isso sem effeito as pro- jectadas reformas, que todavia forneceram im- portantes elementos para as gerências seguintes.

As situações, que se succedera.n procuraram obter a collaboração do seu esclarecido engenho; todavia Mendonça Cortez nunca mais accedeu a libar o acidulado néctar da governação, posto que seja rara a legislatura em que elle não tenha tido logar no parlamento, como deputado eleito por diversos círculos, sendo a sua carreira par- lamentar uma das mais luminosas, porque a tem iriado, quer na discussão quer nos trabalhos de commissões, com os vívidos fulgores do seu es- pecialíssimo talento.

Fe

O LIVRO DE OURO

novo invento—o propulsor para barcos de fundo c/iato e para rios de pequena profundidade,— em que se combinam os movimentos perpendi- cular e vertical, dispensando por consequência o emprego de remos.

Quasi ao mesmo tempo apresentava também um obturador especial de espingarda, que o go- verno mandou fabricar no arsenal do exercito, segundo os desenhos, modelo e calculo do in- ventor. Este invento pôde ser admirado no mu- seu d'aquelle arsenal onde tem sido examinado c louvaao por notabilidades entendidas em me- cânica militar, nacionaes e estrangeiras.

Ainda pelat mesma época inventou e organisou um jogo "destinado a pôr em pratica os preceitos da guerra terrestre e naval, em que por meio de uma engenhosa combinação reproduz os phe- nomenos reaes por uma forma devéras curiosa.

Esta complexidade de trabalhos prova a va- riedade das aptidões e multiplicidade de conhe- cimentos scientificos de Mendonça Cortez; mas ainda c mais para notar o grande desinteresse do illustradissimo inventor, porque elle põe sem- pre á disposição do governo e do paiz, não sò o seu trabalho, mas também os seus haveres.

Para a publicação da Historia da Egreja Lu- sitana oftereceu Mendonça Cortez os seus orde- nados, sacrifício que não produziu resultado porque a incúria dos governos está sempre su- perior á dedicação dos patriotas, e inutíhsa por vezes todos os esforços e a mais acrisolada abnegação.

Este facto, que se tem repetido mais vezes no decurso da — para o paiz — tão profícua car- reira publica d'este esclarecido cidadão, é uma das circumstancías mais laudativas da sua vida.

Em 1868 foi despachado lente cathedratico da cadeira de finanças da faculdade de direito, na Universidade, ccincidindo este despacho com a sua primeira eleição de deputado ás cortes.

Iniciava se então outra phase brilhantíssima— a da vida politica do nosso biographado, — que n'esta nova carreira não se assignalou menos distincta, menos brilhantemente, que nas ante- riormente citadas.

Nos tempos modernos, a maneira d'um cida- dão merecer o titulo de prestimoso e util á pá- tria é mui diversa e sobremaneira mais ardua do que nas eras em que no valor pessoal consis- tia todo o mérito do patriota dedicado. Intellecto hábil para comprehender a verdade d'este axio- ma, possue Mendonça Cortez e demonstrou-o de modo altamente lúcido.

* * # Entrou no parlamento n'uma época critica, em

que dum lado as aspirações do paiz para um estado de administração mais perfeito e comple- to, e do outro, os desmandos e erros consequen- tes d um longo periodo de serenidade ou de in- diferença popular, haviam tornado impossível a continuação da politica existente.

Dotado d'um fecundíssimo talento e de um previdente bom senso politico Mendonça Cortez adquiriu de prompto a convicção de que se tor- nára indispensável a constituição de um grupo |

novo, no qual se agremiassem homens rectos e independentes que quizessem governar por amor do bem commum, e nãn pelo interesse ou pela vaidade pessoal.

Entrando pois na camara reconheceu que lhe cumpria substituir o mot cfordre dos partidos pelos dictames do civismo e da consciência; reu- nindo outros deputados de egual sentir, formou o grupo dos eccleclicos isto é dos deputados in- dependentes, que não discutiam nem votavam por facciosismo, mas unicamente segundo as suas convicções, e assim contribuiu para a queda do ministério Avila—Dias Ferreira,— que, di- gamol-o de passagem e sem offensa do estadista ainda sobrevivo, não foi dos que tem disfructado maior somma de sympathia nacional.

Succedendo a este o ministério Sá — Vizeu conservou Mendonça Cortez a mesma attitude; mas cahindo o governo, em janeiro de 1869, de- clarou-se abertamente favorável ao gabinete de- missionário, victima d'uma surpreza, e reunindo os deputados, que seguiam a mesma idéa, orga- nisou o partido reformista — de que mais tarde, pela fusão com o partido histórico, devia sahir o partido progressista, em cujas fileiras ainda actualmente milita.

O partido reformista foi um dos que maior acceitação teve do paiz por isso que do seu cre- do o principal artigo visava a pôr termo ás des- sipações dos governos, que escandalisavam toda a gente de brio a cujos olhos se antolhava emi- nente a bancarrota.

O ministério, que então se formou, e que tam bem é denominado Sá —Vizeu foi um dos que mais religiosamente observou os artigos do seu programma politico; este ministério desejando reunir um núcleo de estadistas, que por suas lu- zes inspirasse inteira confiança ao paiz e podesse arcar com as dificuldades naturalmente emer- gentes da onerosa tarefa que se impunha, refor- mar, mas reformar radical e sabiamente, convi- dou Mendonça Cortez a acceitar a pasta da fa- zenda ao que se recusou dando lição de rara hombridade, porque a ambição de todos os po- líticos— ambição aliás honrosa — é ser ministro.

As instancias do gabinete porém continuaram por tal maneira, que o nosso biographado vira-se forçado, em agosto de 1869, a acceitar a pasta da justiça, impondo porém a condição de que seriam admitidas as reformas que propunha pela sua pasta, condição que lhe foi acceite.

O ministério teve porém de demittír se em breve trecho, ficando por isso sem effeito as pro- jectadas reformas, que todavia forneceram im- portantes elementos para as gerências seguintes.

As situações, que se succedera.n procuraram obter a collaboração do seu esclarecido engenho; todavia Mendonça Cortez nunca mais accedeu a libar o acidulado nectar da governação, posto que seja rara a legislatura em que elle não tenha tido logar no parlamento, como deputado eleito por diversos circulos, sendo a sua carreira par- lamentar uma das mais luminosas, porque a tem iriado, quer na discussão quer nos trabalhos de commissões, com os vividos fulgores do seu es- pecialíssimo talento.

O LIVRO DE OURO

Nos annos de 1874 e 1873 afirmou a sua competência e conhecimentos theoricos nos as- sumptos de administração, publicando vários es- criptos sobre finanças, que não podem ser lidos sem se reconhecer os elevados dotes e os varia- dos conhecimentos económicos de que dispõe, Sj-tithese do orçamento gerai c propostas de lei de receita e despesa do estado para o anno de 1874. Estudos de finanças, c Syvthese do orça- mento para o anno de 1875-1876.

Estas obras, especialmente a segunda, gran- gejam-lhe logar proeminente entre os mais notá- veis entendedores em sciencias economico-polití- cas.

Em 1876 o presidente do tribunal de contas cometteu-lhe o oneroso encargo de organisar os archivos do mesmo tribunal, missão dependente de laboriosas indagações, e que só um douto po- deria executar tão completamente como elle a realisou, como provam diversos relatórios que por essa época deu á estampa.

No mesmo anno a assembléa geral dos accio- nistas do banco Luzitano, um dos estabeleci- mentos de credito, que disfrueta mníor somma de confiança do commercio e dos capitalistas do paiz e do Brazil, deu lhe honrosa demonstração de apreço, elegendo o membro da direcção, á qual desde 1878 que preside com applauso geral, contribuindo para a lisongeira reputação deste estabelecimento, que em diversas occasioes de crise financeira tem sempre provado a discreta administração a que está submettido.

#

Km 1878, tendo o conselheiro Saraiva de Car- valho, tão prematuramente arrebatado pela mor- te á estima de seus correligionários e admirado- res, adquirido a propriedade da livraria editora da viuva Bertrand, Mendonça Cortez, tomou so- ciedade por metade n'essa acquisiçao, da qual è hoje o único possuidor, porque comprou aos her- deiros d^quelle fallecido estadista a parte, que lhes pertencia.

Esta casa, que tem parte notável na historia bibliographica nacional, continua nas mãos de Mendonça Cortez a prestar bons e efíectivos ser- viços ás letras pátrias, não só editando obras de incontestável merecimento, mas ainda represen- tando honrosamente nos mercados estrangeiros o commercio portuguez no seu género especial.

Em 1879 assumindo a dirigencia dos negócios públicos os seus amigos políticos, foi Ãlendonça Cortez elevado ao pariato. Por eerto é um dos cavalheiros mais dignos de entrarem n^quella casa do parlamento, reservada ainda á represen- tação da nobreza hereditária, mas entre a qual fazem sempre honrosa figura os que conquistam tão subida distineçáo pelos seus méritos pes- soaes.

Mendonça Cortez é um dos membros mais

competentes e illustres da camará alta, onde foi acompanhado pelos pergaminhos da superiori- dade do saber manifestada sob tão múltiplas formas, pergaminhos que por novéis não cedem em valor aos mais provectos.

Em 1880 o governo presidido por Anselmo José Braamcamp — o Bayard, pela lealdade, da politica contemporânea, — querendo reconhecer os serviços prestados por este seu correligioná- rio, nomeouo conselheiro efíectivo do tribunal de contas, ficando por essa nomeação vaga a cadeira, que oceupava, na Universidade de Coim- bra.

O ultimo invento produzido pela fecundidade operosa de Mendonça Cortez tem oceupado li- sonjeiramente a attenção da Europa e da Ame- rica, porque constitue a solucção d\im impor- tante problema.

Refcrimonos ás cartas geographícas em rele- vo vertical, por processos chymicos e physicos taes que permittem a publicação d'estas cartas por preços eguaes ao custo das singelas.

Este problema, que fez por muito tempo o desespero dos homens competentes em geogra- phia e geodesia, resolvido por Mendonça Cortez satisfatoriamente, como prova a concessão do privilegio que obteve para toda a Europa por i5 annos, é uma gloria para a nação portugueza que tão raro contingente dá para a historia das invenções e descobertas scíentiticas.

Bastaria esta produção dos seus aturados es- tudos, para illuminar gloriosamente o nome de Mendonça Cortez.

Como escriptor possue o nosso biographado inéditos diversos trabalhos, taes como o Trata- do de finanças, Historia das Jinanças portugue- sas, Collecção de legislação sobre recrutamento e outras, além de valiosa collaboração em diver- sos jornaes — o que tudo lhe garante proeminên- cia distincta entre os nossos modernos publicis- tas. Especialmente a variedade das suas produc- ções justificando a sumula de conhecimentos dão a prova mais brilhante da sua superioridade entre os homens de talento da nossa quadra.

Além d'outras qualidades preciosas, a genero- sidade de Mendonça Cortez tem se tornado pro- verbial. Ainda ha pouco tempo encarregado pelo governo de estudar nas nações estrangeiras os systemas e processos de administração, acceitou o encargo repudiando qualquer subsidio, repu- dio, que por singular, o honra sobremaneira.

E não só em questões pecuniárias se manifes- ta a isenção do seu caracter. — Numerosas dis- tincçÕes honorificas, commendas e gran-cruzes lhe tem sido ollerecidas e comquanto tenha, como poucos, direito a usalas todas, tem recusado acceitar.

Bem faz. Não carece de decorações sobre o peito, quem, d'entro d'elle, possue a mais no- bre e gloriosa das veneras—o seu nobre coração, repositório sacratíssimo dos mais preciosos e im- ponderáveis sentimentos.

RESEHVíOOS TODOS OS DIREITOS DE PROPRIEDADE UTTEflARl»

86—Typ. de Eduardo Roza—R. N. da Palma, :5o e IÍ4

72 O LIVRO DE OURO

Nos annos de 1874 e 1875 afirmou a sua competência e conhecimentos theoricos nos as- sumptos de administração, publicando vários es- criptos sobre finanças, que não podem ser lidos sem se reconhecer os elevados dotes e os varia- dos conhecimentos economicos de que dispõe, Sjuthese cio orçamento geral e propostas de lei de receita e despesa do estado para o anno de 1874. pstudos de finanças, c Syvthese do orça- mento para o anno de 1875-1876.

Estas obras, especialmente a segunda, gran- geíam-lhe logar proeminente entre os mais notá- veis entendedores em sciencias economico-polití- cas.

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Em 1876 o presidente do tribunal de contas cometteu-lhe o oneroso encargo de organisar os archivos do mesmo tribunal, missão dependente de laboriosas indagações, e que só um douto po- deria executar tão completamente como elle a realisou, como provam diversos relatórios que por essa época deu á estampa.

No mesmo anno a assembléa geral dos accio- nistas do banco Luzitano, um dos estabeleci- mentos de credito, que disfructa maior somma de confiança do commercio e dos capitalistas do paiz e do Brazil, deu lhe honrosa demonstração ae apreço, elegendo o membro da direcção, d qual desde 1878 que preside com applauso geral, contribuindo para a lisongeira reputação d este estabelecimento, que em diversas occasioes de crise financeira tem sempre provado a discreta administração a que está submettido.

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Km 1878, tendo o conselheiro Saraiva de Car- valho, tão prematuramente arrebatado pela mor- te á estima de seus correligionários e admirado- res, adquirido a propriedade da livraria editora da viuva Bertrand, Mendonça Cortez, tomou so- ciedade por metade n'essa acquisiçao, da qual é hoje o único possuidor, porque comprou aos her- deiros d'aquelle fallecido estadista a parte, que lhes pertencia.

_ Esta casa, que tem parte notável na historia bibliograpbica nacional, continua nas mãos de Mendonça Cortez a prestar bons e eflectivos ser- viços ás letras patrias, não só editando obras de incontestável merecimento, mas ainda represen- tando honrosamente nos mercados estrangeiros o commercio portuguez no seu genero especial.

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Em 1879 assumindo a dirigencia dos negocios públicos os seus amigos políticos, foi Mendonça Cortez elevado ao pari ato. Por certo é um dós cavalheiros mais dignos de entrarem n'aquella casa do parlamento, reservada ainda á represen- tação da nobreza hereditaria, mas entre a qual fazem sempre honrosa figura os que conquistam tão subida distineção pelos seus méritos pes- soaes.

Mendonça Cortez é um dos membros mais

competentes e illustres da camara alta, onde foi acompanhado pelos pergaminhos da superiori- dade do saber manifestada sob tão múltiplas fórmas, pergaminhos que por novéis não cedem em valor aos mais provectos.

Em 1880 o governo presidido por Anselmo José Braamcamp — o Bayard, pela lealdade, da politica contemporânea, — querendo reconhecer os serviços prestados por este seu correligioná- rio, nomeou o conselheiro effectivo do tribunal de contas, ficando por essa nomeação vaga a cadeira, que occupava, na Universidade de Coim- bra.

O ultimo invento produzido pela fecundidade operosa de Mendonça Cortez tem occupado li- sonjeiramente a attenção da Europa e da Ame- rica, porque constitue a solucção d\im impor- tante problema.

Referimo-nos ás cartas geographícas em rele- vo vertical, por processos chymicos e physicos taes que permittem a publicação d'estas cartas por preços eguaes ao custo das singelas.

Este problema, que fez por muito tempo o desespero dos homens competentes em geogra- phia e geodesia, resolvido por Mendonça Cortez satisfatoriamente, como prova a concessão do privilegio que obteve para toda a Europa por i5 annos, é uma gloria para a nação portugueza que tão raro contingente dá para a historia das invenções e descobertas scíentiticas.

Bastaria esta produção dos seus aturados es- tudos, para illuminar gloriosamente o nome de Mendonça Cortez.

Como escriptor possue o nosso biographado inéditos diversos trabalhos, taes como o Trata- do de finanças, Historia das Jinanças portugue- sas, Collecção de legislação sobre recrutamento e outras, além de valiosa collaboração em diver- sos jornaes — o que tudo lhe garante proeminên- cia distincta entre os nossos modernos publicis- tas. Especialmente a variedade das suas produc- ções justificando a sumula de conhecimentos dão a prova mais brilhante da sua superioridade entre os homens de talento da nossa quadra.

Além d'outras qualidades preciosas, a genero- sidade de Mendonça Cortez tem se tornado pro- verbial. Ainda ha pouco tempo encarregado pelo governo de estudar nas nações estrangeiras os systemas e processos de administração, acceitou o encargo repudiando qualquer subsidio, repu- dio, que por singular, o honra sobremaneira.

E não só em questões pecuniárias se manifes- ta a isenção do seu caracter. — Numerosas dis- tincçÕes honorificas, commendas e gran-cruzes lhe tem sido oílerecidas e comquanto tenha, como poucos, direito a usalas todas, tem recusado acceitar.

Bem faz. Não carece de decorações sobre o peito, quem, d'entro d'elle, possue a mais no- bre e gloriosa das veneras—o seu nobre coração, repositório sacratíssimo dos mais preciosos e im- ponderáveis sentimentos.

PESERVIDOS TODOS OS DIREITOS DE PROPRIEDADE UTTEflARtA

86—Typ. dc Eduardo Roza—R. N, da Palma, t5oc tS4