O Livro Do Riso e Do Esquecimento -Milan Kundera

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F0&(T' 2'RTELitost, 633.EPT' 2'RTEOs an os, 68>. T&M' 2'RTE

' /ronteira, =6> ___ 2R&ME&R' 2'RTE'. 'RT'. 2ER%&%'.6Em /evereiro de 67C9, o diri+ente comunista KlementHottQald ;ostou"se na sacada de um ;alAcio :arroco de 2ra"+a ;ara discursar lon+amente ;ara centenas de milhares de ci"dadãos concentrados na ;raça da idade )elha# !oi um +randemarco na hist ria da BoSmia# 0m momento /at*dico que ocorreuma ou duas ve es ;or milSnio#HottQald estava cercado ;or seus camaradas, e a seu la"do, :em ;erto, encontrava"se lementis# (evava, /a ia /rioe HottQald estava com a ca:eça desco:erta# lementis, cheiode solicitude, tirou seu +orro de ;ele e colocou"o na ca:eçade HottQald#O de;artamento de ;ro;a+anda re;rodu iu centenas demilhares de e em;lares da /oto+ra/ia da sacada de onde Hott"Qald, com o +orro de ;ele e cercado ;or seus camaradas, /a"lou ao ;ovo# !oi nessa sacada que começou a hist ria da BoS"mia comunista# Todas as crianças conheciam essa /oto+ra/ia ;or a terem visto em carta es, em manuais ou nos museus#Fuatro anos mais tarde, lementis /oi acusado de trai"ção e en/orcado# O de;artamento de ;ro;a+anda imediata"mente /e com que ele desa;arecesse da -ist ria e, claro, detodas as /oto+ra/ias# %esde então HottQald estA so inho nasacada# (o lu+ar em que estava lementis não hA mais nadaa não ser a ;arede va ia do ;alAcio# %e lementis, s restouo +orro de ;ele na ca:eça de HottQald#7=Estamos em 6786 e MireU di a luta do homem contrao ;oder N a luta da mem ria contra o esquecimento#Ele quer usti/icar assim aquilo que seus ami+os chamamde im;rudSncia mantNm cuidadosamente seu diArio, +uardasua corres;ondSncia, redi+e as minutas de todas as reuniõesem que discutem a situação e se inda+am como continuar# Elelhes e ;lica não estão /a endo nada que se a contra a consti"tuição# Esconder"se e sentir"se cul;ado seria o começo daderrota#-A uma semana, quando tra:alhava com sua equi;e demontadores de o:ra no telhado de um edi/*cio, em constru"

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ção, olhou ;ara :ai o e sentiu verti+em# 2erdeV o equil*:eioe se+urou"se numa vi+a mal consolidada, que soltouJ em se"+uida /oi ;reciso retirA"lo dali# W ;rimeira vista, o /erimento ;arecia sNrio, mas um ;ouco de;ois, quando veri/icou que eraa;enas uma /ratura :anal do ante:raço, ;ensou com satis/a"

ção que iria ter al+umas semanas de /ol+a e que ;oderia /inal"mente ;Xr em dia ;ro:lemas com os quais não ;udera se ocu" ;ar atN então#'/inal aca:ou enquadrando"se na o;inião de seus ami"+os mais ;rudentes# ' constituição, N verdade, +arante a li" :erdade de ;alavra, mas as leis ;unem tudo que ;ode ser qua"li/icado de atentado Y se+urança do Estado# (unca se sa:equando o Estado vai çomeçar a +ritar que essa ;alavra ou aque"la atentam contra a sua se+urança# %ecidiu ;ortanto levar ;aralu+ar se+uro seus escritos com;rometedores#Mas quer ;rimeiro acertar esse ;ro:lema com 1dena# Te"le/onou ;ara a cidade onde ela mora, mas não conse+uiuencontrA"la# 2erdeu assim quatro dias# . ontem conse+uiu/alar"lhe# Ela ;rometeu es;erA"lo naquela tarde#O /ilho de MireU, que tem de essete anos, ;rotestou Mi"reU não ;odia diri+ir com um :raço en+essado# E, na verda"de, ele diri+ia com di/iculdade# O :raço machucado, na ti; ia,6G :alançava diante do ;eito, im;otente e inVtil# 2ara ;assar asmarchas, MireU era o:ri+ado a lar+ar o volante#DTivera uma li+ação com 1dena hA vinte e cinco anos e,dessa N;oca, restavam"lhe a;enas al+umas lem:ranças#0m dia em que eles se encontraram, ela não ;arou deen u+ar os olhos com um lenço e /un+ava# Ele lhe ;er+untouo que tinha# Ela e ;licou que um homem de Estado russo mor"rera na vNs;era# 0m certo Ddanov, 'r:ou ov ou Mastur:ov#' ul+ar ;ela a:undZncia das lA+rimas, a morte de Mastur" :ov a sensi:ili ara mais do que a morte do ;r ;rio ;ai#Teria isso acontecido realmente$ (ão seria a;enas a rai"va que ele sentia ho e que inventava esse choro ;or causa damorte de Mastur:ov$ (ão, isso sem dVvida acontecera# Masevidentemente N verdade que as circunstZncias imediatas quehaviam tornado aquelas lA+rimas veross*meis e reais lhe esca" ;avam ho e, e que a lem:rança delas as tornava inveross*meiscomo uma caricatura#Todas as lem:ranças que ele tinha dela eram assim Elesvoltavam untos, de :onde, do a;artamento onde haviam /ei"to amor ;ela ;rimeira ve # MireU constatava com es;ecial sa"tis/ação que esquecera totalmente suas relações se uais, nãoconse+uindo lem:rar nem um detalhe delas# Ela estava sen"tada num canto do :anco, o :onde sacole ava, e estava com

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a /isionomia a:orrecida, /echada, es;antosamente velha#Fuando ele lhe ;er+untou ;or que estava tão taciturna, sou" :e que ela não /icara satis/eita com a maneira como tinham/eito amor# %isse que ele /i era amor como um intelectual#' ;alavra intelectual, no ar+ão ;olitico de então, era um

insulto# %esi+nava um homem que não com;reende a vida,que estA e clu*do do ;ovo# Todos os comunistas que /oramen/orcados nessa N;oca ;or outros comunistas /oram a+racia"66dos com essa in Vria# 'o contrArio daqueles que tinham os ;Ns solidamente na terra, di ia"se que eles ;airavam em al+umlu+ar no es;aço# Era ;ortanto usto, num certo sentido, quea terra /osse, como casti+o, de/initivamente recVsada a seus ;Ns e que eles /icassem sus;ensos um ;ouco acima do solo#Mas o que 1dena queria di er quando o acusava de /a"

er amor como um intelectual$2or uma ra ão ou ;or outra, ela estava descontente comele e, assim como ela era ca;a de im;re+nar a relação maisirreal relação com Mastur:ov, que ela não conhecia com osentimento mais concreto materiali ado numa lA+rima , eraca;a de dar ao mais concreto dos atos uma si+ni/icação a:s"trata e <a sua insatis/ação uma denominação ;ol*tica#CEle olha ;elo retr#ovisor e ;erce:e que um carro deturismo, sem;re o mesmo, vem atrAs dele# (unca duvidou que/osse se+uido, mas atN a+ora eles a+iram com discrição e em" ;lar# -o e aconteceu uma mudança radical querem que ele ;erce:a a ;resença deles# (o meio do cam;o, hA uns vinte quilXmetros de 2ra+a,e iste uma +rande cerca e, atrAs dela, um ;osto de +asolinacom uma o/icina# Ele tem um ami+o que tra:alha a*, e +osta"ria de mandar trocar o motor de arranque de/eituoso# 2arouo carro em /rente Y entrada :loqueada ;or uma :arreira ;in"tada com listras vermelhas e :rancas# 'o lado, de ;N, estavauma mulher +orda# MireU es;erou que ela levantasse a :ar"reira mas ela se contentou em olhA"lo lon+amente, sem se me"

er# Ele :u inou, mas em vão# 2Xs a ca:eça ;ara /o!a da anela#" Eles ainda não ;renderam vocS$ " ;er+untou a mulher#" (ão, eles ainda não me ;renderam " res;ondeu Mi"reU# " )ocS ;oderia levantar a :arreira$Ela continuou olhando ;ara ele durante lon+os se+un"dos com ar ausente, de;o[s :oce ou e voltou ;ara sua +uari"ta# &nstalou"se ali, atrAs da mesa, e não lhe diri+iu mais oolhar#Ele então desceu do carro, contornou a :arreira e /oi atNa o/icina ;rocurar o mecZnico, que era seu conhecido# Este

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voltou com ele e levantou a :arreira a mulher +orda conti"nuava sentada na +uarita com o mesmo olhar ausente , ;araque MireU ;udesse entrar no ;Atio com o carro#" )iu$ ;orque vocS a;areceu demais na televisão "disse o mecZnico# " Todas as mulheres reconhecem vocS#

" Fuem N$ " ;er+untou MireU#!icou sa:endo que a invasão da BoSmia ;elo e Nrcito rus"so, que ocu;ara o ;a*s e e ercia sua in/luSncia ;or toda ;ar"te, si+ni/icou ;ara ela o sinal de uma vida /ora do comum#)ia que as ;essoas colocadas acima dela e o mundo inteiroestava acima dela eram, ao menor ;rete to, ;rivadas de seu ;oder, de sua ;osiçãoJ de seu em;re+o e de seu ;ão, e issoa e citavaJ ela começara a denunciar ;or conta ;r ;ria#" E como N que ainda continua como +uarda$ Ela ain"da não /oi ;romovida$O mecZnico sorriu" Ela não sa:e contar nem atN de # (ão ;odem arran ar"lhe outro tra:alho# (ão ;odem /a er outra coisa senão recon"/irmar seu direito de denunciar# &sso N que N ;ara ela a ;romoção\Levantou o ca;X e olhou o motor#%e re;ente MireU se deu conta de que havia um homemao seu lado# )irou"se o homem vestia um ;alet cin aJ umacamisa :ranca com +ravata e calça marrom# Em cima do ;es"coço +rosso e do rosto inchado ondulava uma ca:eleira +risa"lha /risada a /erro# Estava ;lantado de ;N e o:servava o me"cZnico de:ruçado so: o ca;X levantado#'o /im de um instante, o mecZnico ;or sua ve se deuconta de sua ;resença, levantou"se e ;er+untou" EstA ;rocurando al+uNm$O homem de ;escoço +rosso e rosto inchado res;ondeu" (ão, não estou ;rocurando nin+uNm#O mecZnico de:ruçou"se novamente so:re o motor e disse6= " 63" (a 2raça .ão )enceslau, em 2ra+a, um su eito estAvomitando# 0m outro su eito ;assa diante d]le, olha"o comtriste a e :alança a ca:eça .e vocS sou:esse como eu ocom;reendo###>O assassinato de 'llende enco:riu ra;idamente a lem" :rança da invasão da BoSmia ;elos russos, o san+rento mas"sacre de Ban+ladesh /e esquecer 'llende, a +uerra no deser"to do .inai co:riu com seu alarido as lamentações de Ban+la"desh, os massacres do am:o a /i eram esquecer o .inai, eassim ;or diante, atN o esquecimento com;leto de tudo ;or todos# (uma N;oca em que a -ist ria caminhava ainda lenta"

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mente, seus acontecimentos ;ouco numerosos se inscreviam/acilmente na mem ria e teciam um ;ano de /undo conheci"do de todos, diante do qual a vida ;articular a;resentava oes;etAculo cativante de suas aventuras# -o e, o tem;o avan"ça a +randes ;assos# O acontecimento hist ricoJ esquecido nu"

ma noite, cintila a ;artir do dia se+uinte com o orvalho donovo e não N mais ;ortanto um ;ano de /undo no relato donarrador, mas sim uma sur;reendente aventura que se desen"rola no se+undo ;lano da :analidade, demasiadamente /ami"liar, da vida ;articular# (ão e iste um s acontecimento hist rico que se ;ossasu;or que se a conhecido de todos, N ;reciso /alar de aconte"cimentos que se ;assaram hA al+uns anos como se tivessemmil anos de idade Em 6737, o e Nrcito alemão entrou na BoS"mia, e o Estado dos tchecos dei ou de e istir# Em 67C>, o e Nr"cito russo entrou na BoSmia, e o ;a*s /oi mais uma ve cha"mado de re;V:lica inde;endente# 's ;essoas /icaram entusias"madas com a RVssia, que e ;ulsara os alemães, e como viamno ;artido comunista tcheco seu :raço /iel, trans/eriram ;ara^^ "uas sim;atias# om isso, quando os comunistas se a;os"

saram do ;oder em /evereiro de 67C9, não o /i eram nem comsan+ue nem ;ela violSncia, mas sim saudados ;elo ale+re cla"mor de cerca da metade do ;a*s# '+ora, ;restem atenção es"sa metade, que dava +ritos de ale+riaJ era mais dinZmica, maisinteli+ente, melhor#.im, di+a"se o que se quiser, os comunistas eram maisinteli+entes# Tinham um ;ro+rama +randioso# O ;lano de ummundo inteiramente novo onde todos encontrariam seu lu+ar#Os que estavam contra eles não tinham +randes sonhos, a;e"nas al+uns ;rinc*;ios morais +astos e en/adonhos, de que que"riam se servir ;ara remendar a calça /urada da ordem esta:e"lecida# 2ortanto não N de sur;reender que esses entusiastas,esses cora osos tenham triun/ado /aciliriente so:re os t*:iose os ;rudentes e que tenham :em de;ressa em;reendido a rea"li ação de seu sonho, esse i "o de ustiça ;ara todos#.u:linho um idi8io e ;ara todos, ;ois todos os seres hu"manos as;iram desde sem;re ao idi8io, a esse ardim onde can"tam os rou in is, a esse reino da harmonia, onde o mundonão se coloca como um estranho contra o homem, e o homemcontra os outros homens, mas onde o mundo e todos os ho"mens, ao contrario, são moldados numa `nica e mesma ma"tNria# LA, cada um N uma nota de uma su:lime /u+a de Bach,e quem não quer ser uma nota torna"se um ;onto ne+ro inVtile destitu*do de sentidoJ que :asta a;anhar e esma+ar so: aunha como uma ;ul+a#-A ;essoas quN lo+ com;reenderam que não tinham o

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tem;eramento necessArio ;ara o id*lio e quiseram ;artir ;arao estran+eiro# Mas como o idilio N essencialmerite um mundo ;ara todos, aqueles que queriam emi+rar se revelaram ne+a"dores do id*lio, e em ve de irem ;ara o estran+eiro /oram ;a"ra atrAs das +rades# Outros não demoraram a se+uir o mesmo

caminho aos milhares e de enas de milhares, e entre estes ha"via inVmeros comunistas, como o Ministro das Relações E "teriores, lementis, que em;restara seu +orro de ;ele a Hott"Qald# (as telas dos cinemas, os t*midos a;ai onados se da"vam as mãos, o adultNrio era severamente re;rimido ;elos tri" :unais de honra, /ormados ;or cidadãos comuns, os rou i"6C " " 6>n is cantavam e o cor;o de lementis :alançava como um si"no re;icando ;ela nova manhã da humanidade#Então, esses seres ovens, inteli+entes e radicais tiveramsu:itamente a estranh ", "ensação de ter lançado no vasto mundoa ação que começava a viver ;or conta ;r ;ria, dei ando dese ;arecer com a idNia que eles haviam conce:ido, dei andode se im;ortar com aqueles que lhe tinham dado ori+em# Es"ses seres ovens e inteli+entes ;useram"se a +ritar ;or sua ação,a chamA"la, a cul;A"la, a ;erse+ui"la, a caçA"la# .e eu escre"vesse um romance so:re a +eração desses seres dotados e ra"dicais, eu lhe daria o t*tulo de ' caça Y ação ;erdida#,tes de seus ;a;Nis com;rometedores# .e tivesse /eito isso des"de o ;rimeiro dia de seu acidente, sem es;erar ;ara conse+uir /alar com 1dena ;or tele/one, ;oderia ainda tS"los trans;or"tado sem ;eri+o# . que não conse+uia ;ensar em outra coisasenão nessa via+em ;ara ver 1dena# (a verdade, ;ensa nissohA muitos anos# Mas, nessas Vltimas semanas, sente que não ;ode es;erar mais tem;o, ;orque seu destino se a;ro ima a+randes ;assos do /im, e ele deve /a er tudo ;or sua ;er/eiçãoe sua :ele a#i&8HO mecZnico /echou o ca;X e MireU ;er+untou quanto lhedevia#" (ada " res;ondeu o mecZnico#MireU sentou"se ao volante, comovido# (ão tinha a me"nor vontade de continuar sua via+em# 2re/eriria /icar com omecZnico ouvindo h[st rias en+raçadas# O mecZnico de:ruçou"se ;ara dentro d carro e deu"lhe um ta;inha ami+Avel# Emse+uida, diri+iu"se A +uarita ;ara levantar a :arreira#Fuando MireU ;assou diante dele, ele lhe mostrou comum sinal da ca:eça o carro estacionado em /rente Y entradado ;osto de +asolina#

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O hdmem do ;escoço +rosso e ca:elo ondulado estava ;ostado ao lado da ;orta do carro a:erta# Olhava ;ara Mi"reU# O su eito que estava na direção tam:Nm o o:servava# Osdois homens o encuravam com insolSncia e sem constran+i"mento, e MireU, ao ;assar ;erto deles, Ns/orçou"se ;ara olhA"

los com a mesma " ;ressão#2assou ;or el "s e viu ;elo retrovisor que o su eito entrouno carro e deu me a"volta ;ara ;oder continuar a se+ui"lo#2ensou então "que realmente deveria ter se descartado an" " (esses dias lon+*nquos em que rom;era com 1dena ali+ação dos dois durara a;ro imadamente trSs anos , ele e " ;erimentara o sentimento ;ertur:ador de uma imensa li:er"dade e tudo de re;ente começou a dar certo ;ara ele# 2oucode;ois se casara com uma mulher cu a :ele a lhe dava /inal"mente se+urança# %e;ois sua mulher morreu e ele /icou so i"nho com o /ilho, numa solidão sedutora que lhe valia a admi"ca ração, o interesse e a solicitude de muitas outras mulheres#'o mesmo tem;o, ele se im;unha na ;esquisa cient*/ica<J e esse sucesso o ;rote+ia# O Estado ;recisava dele, e assimele ;odia se ;ermitir ser cAustico em relação a este numa N;ocaem que ainda quase nin+uNm ousava sS"lo# 2ouco a ;ouco,Y medida que aqueles que ;erse+uiam a ;r ;ria ação aumen"tavam sua in/luSncia, ele começou a a;arecer cada ve maisnas telas de televisão e tornou"se uma cele:ridade# %e;ois dache+ada dos russos, quando recusou"se a ne+ar suas convic"ções, /oi demitido de seu tra:alho e cercado ;or ;oliciais Y ;aisana# &sso não o a:ateu# Estava a;ai onado ;or seu ;r " ;rio destino e sua caminhada ;ara a ru*na ;arecia"lhe no:ree :ela#

om;reendam"me :em eu não disse que ele estava a;ai"onado ;or si mesmo, mas ;or seu destino# .ão duas coisas

6?68hrtotalmente di/erentes# omo se sua vida se emanci asse eti" &sto contava mesmo de lon+e, o nari +rande de 1dena ;vesse de re;ente seus ;r ;rios interesses, que não corres;on" " ;ro etava uma som:ra em sua vida#diam de maneira al+uma aos de MireU# assim que, na mi" 'nosantes, tivera uma amante :onita# 0m dia, ela /oinha o;inião, a vida se trans/orma em destino# O destino não atN acidade onde 1dena mora e voltou contrariada %i+a ,tem intenção de levantar nem ao menos o dedo mindinho ;or " como Nque vocS ;Xde dormir com aquele horror$

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, MireU ;or sua /elicidade, sua se+urança, seu :om humor e Eledeclarou que s a conhecia de lon+e e ne+ou ener+i"sua saVde , enquanto MireU estA ;ronto a /a er tudo ;or seu tcamente ter tido um caso com ela#destino ;or sua +rande a, sua clare a, sua :ele a, seu

estilo 2ois o +rande se+redo da vida não lhe era desconhecidoe seu sentido # Ele se sente res;onsAvel ;or seu destino, mas 'smulheres não ;rocuram o homem :onito# 's mulheres ;ro"seY destino não se sente res;onsAvel ;or ele# curam o homem queteve mulheres :onitas# 2ortanto N umTinha com sua vida a mesma relação que o escultor tem erro /atalter uma amante /eia# MireU es/orçou"se ;ara varrer com sua estAtua ou o romancista com seu romance# Odireito qualquer traço de 1dena e, como aqueles que +ostavam dosintan+*vel do romancista N ;oder retra:alhar seu romance#.e rou in is o detestavam cada dia mais, ele es;erava que 1de"o começo não lhe a+rada, ;ode reescrevS"lo ou su;rimi"lo# Mas na,que /a ia uma carreira ass*dua como elemento remunera"a e istSncia de 1dena recusava a MireU essa ;rerro+ativa do do do ;artido, /osse esquecS"lo rA;ido e de :om +rado#autor# 1dena insistia em ;ermanecer nas ;rimeiras ;A+inas do Masen+anou"se# Ela /alava sem;re dele, ;or toda ;arteromance e não se dei ava a;a+ar# "< e em todas as o;ortunidades#0ma ve , ;or uma /unesta coin" cidSncia, eles se encontraram numa reunião social, e ela a;ressou"se em lem:rar um /ato que mostrava claramente que eles tinham sido muito *ntimos# Ele /ic<ou /ora de si# h i i / d ec +os que a con a ra ve , um e seus am 0ma ou ;er+untou"lhe .e vocS detesta tanto essa moça, me di+a, ;or que viveu com Nla no ;assado$Mas ;or que e atamente sentiria ele tanta ver+onha$ MireU começoua e ;licar"lhe que na N;oca era um +a"' e ;licação mais /Acil N esta MireU N daqueles que muita roto :o:ode vinte anos, e elY era sete anos mais velha do quecedo ;erse+uiram sua ;r ;ria ação, enquanto 1dena /oi sem" ele# Elaera r "s;eitada, admirada, ;oderosa\ onhecia todo

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;re /iel ao ardim onde cantam os rou in is# Esses Vltimostem" mundo no comitS central do ;artido\ ' udava"o, estimulava" ;os, ela /a ia ;arte dos dois ;or cento da nação que acolhe" o,a;resentava"o a ;essoas in/luentes\ram com ale+ria a che+ada dos tanques russos# " Eu era um

arrivista, seu idiota\ " começou a +ritar#.im, N verdade, mas não creio que essa e ;licação se a " !oi ;orisso que me ;endurei no ;escoço dela, e nem meconvincente# .e houvesse a;enas essa ra ão, o /ato de ela ter s<<im;ortei que ela /osse /eia\se ale+rado com a che+ada dos tanques russos, ele a teria in"# sultado em vo alta, ;u:licamente, mas não teria ne+ado quea conhecia# Era de uma coisa mais +rave que 1dena se torna"ra cul;ada em relação a ele# Ela era /eia#Mas o que im;ortava que ela /osse /eia, A que hA vinte 6,anos não dormia com ela$69 677MireU não estA di endo a verdade# Em:ora tivesse cho"rado a morte de Mastur:ov, 1dena, hA vinte e cinco anos, nãotinha +randes relações e não tinha nenhum meio de /a er car"reira, nem de /acilitar a carreira dos outros#Então ;or que ele inventou isso$ 2or que mentiu$Ele se+ura o volante com uma das mãos, vS o carro da ;olicia secreta no retrovisor e su:itamente enru:esce# 0ma lem" :rança inteiramente ines;erada aca:a de sur+ir na suamem riaFuando ela reclamou, na ;rimeira ve em que dormiram untos, de seu eito muito intelectual, ele quis, lo+o no diase"+uinte, reti/icar essa im;ressão e demonstrar uma ;ai ão es" ;ontZnea, desen/reada# (ão, não era verdade que esqueceratodas as suas relações se uais\ Esta ele vS com muita clare aEle se movia so:re ela com /in+ida violSncia, arrancava de den"tro de si um lon+o +emido, como um cão que se :ate com ochinelo do dono, e ao mesmo tem;o o:servava com li"+e[ro estu;or a mulher estendida de:ai o dele, muito calma,silenciosa e quase im;ass*vel#O autom vel ressoava com esse +emido velho de vintee cinco anos, ru*do [nsu;ortAvel de sua su:m[ssão e de seu e"lo servil, ru*do de sua solicitude e de sua com;lacSncia, de seurid*culo e de sua misNria#.im, era isso MireU che+ava a se ;roclamar arrivista, a/im de não ter de con/essar a verdade ele dormira com um :ucho ;orque não ousava a:ordar as mulheres :onitas# Elemesmo achava que não merecia mais que uma 1dena# Essa/raque a, essa ;o:re a, era o se+redo que ele escondia#

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Ele estA sentado em /rente a 1dena e :alança o :raço nati; ia# 1dena olha ;ara o lado, evita seus olhos e /ala sem ;arar" (ão sei ;or que vocS veio# Mas /ico contente que vo"cS este a aqui# !alei com uns çamaradas# '/inal de contas, N

um a:surdo que vocS aca:e seus dias como o;erArio de o:ras#Eu sei com certe a que o ;artido ainda não /echou as ;ortas ;ara vocS# 'inda estA em tem;o#Ele ;er+unta o que deve /a er#" ;reciso que vocS ;eça uma audiSncia# )ocS mesmo#

vocS que deve dar o ;rimeiro ;asso#Ele sa:e do que se trata# 'visam que ele tem ainda cincominutos, os cinco Vltimos, ;ara ;roclamar :em alto que re"ne+a tudo aquilo que disse e /e # onhece esse mercado# Es"tão ;rontos a vender Ys ;essoas um /uturo em troca de seu ;assado# )ão o:ri+A"lo a /alar na televisão com uma vo es"tran+ulada ;ara e ;licar ao ;ovo que estava en+anado quan"do /alava contra a RVssia e contra os rou in is# )ão /orçA"loa o+ar lon+e sua vida e trans/ormar"se numa som:ra, numhomem sem ;assado, num ator sem ;a;el, e a trans/ormar em som:ra atN mesmo sua vida re eitada, atN mesmo esse ;a" ;el a:andonado ;elo ator# %essa maneira, metamor/oseadoem som:ra, eles o dei arão viver#Ele olha ;ara 1dena 2or que ela /ala tão de;ressa e comuma vo tão hesitante$ 2or que olha de lado, ;or que evitaseus olhos$

mais do que evidente ela ;re;arou"lhe uma armadi"lha# '+iu so: instruções do ;artido ou da ;ol*cia# Tem a tare"/a de convencS"lo a ca;itular#6=Mas MireU se en+ana\ (in+uNm encarre+ou 1dena de ne"+ociar com ele# 'h, não\ (in+uNm mais ho e em dia, entreos ;oderosos, concederia uma audiSncia a MireU, mesmo queele im;lorasse# tarde demais#.e 1dena o incita a /a er al+uma coisa ;ara se salvar ese ;retende transmitir a ele um recado dos camaradas que ocu" ;am ;ostos mais im;ortantes, N a;enas ;orque sente um de"se o v " h e con/uso de a udA"lo como ;ode# E se /ala tão de" ;re " "r "e evita seus olhos, não N ;orque tem nas mãos uma ar"madilha ;ronta, mas sim ;orque tem as mãos a:solutamenteva ias#Teria MireU amais com;reendido isso$Ele sem;re ;ensou que 1dena era tão /reneticamente /ielao ;artido ;or /anatismo# (ão N verdade# Ela continuou /iel ao ;artido ;orque ama"va MireU#Fuando ele a dei ou, ela dese ou a;enas uma coisa ;ro"

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les$ Eles assistiam a reuniões interminAveis, /icavYm com :o"lhas nas nAde+as, mas na hora em que se levantavam ;ara ;ro"/erir o;iniões e tremas era ;reciso casti+ar ainda mais dura"mente o inimi+o de classe, /ormular esta ou aquela idNia emtermos ainda mais cate+ ricos , tinham a im;ressão de que

;areciam ;ersona+ens de quadros hist ricos ele cai ;or ter"ra, um rev lver na mão e um /erimento san+rando no om:ro,e ela, de ;istola em ;unho, vai em /rente, atN onde ele nãoconse+uiu che+ar# (aquele tem;o ele ainda tinha a ;ele co:erta de acne u"venil e, "ara que isso não /osse notado, tra ia so:re o rostoa ma " a da revolta# ontava ;ara todo# mundo que rom" ;er ara sem;re com o ;ai, um rico /a ende[ro# us;ia, di"

ia ele, na cara da secular tradição rural que estava li+ada Yterra e Y ;ro;riedade# %escrevia a cena da :ri+a e sua dramA"tica sa*da da casa ;aterna# Em tudo isso não havia um +ramade verdade# -o e, quando olha ;ara trAs, não vS nisso senãolendas e mentiras#" (aquele tem;o, vocS era um homem di/erente do deho e " disse 1dena#E ele ima+inou"se levando consi+o o ;acote de cartas# 2A"ra diante da ;rimeira li eira, se+ura ;rudentemente as cartasentre os dedos, como se /ossem ;a;Nis su os de merda, e o+a"asno meio do li o#=C =>6C" 2ara que iriam lhe servir essas cartas$ " ;er+untaela# " 2or que e atamente vocS as quer$Ele não ;odia di er que queria o+A"las na li eira# 'ssu"miu ;ortanto uma vo melanc lica e começou a contar"lhe queestava numa idade em que se olha ;ara trAs#

.entia"se ;ouco A vontade ao di er isso, tinha a im;res"são de que seu conto de /adas não er " convincente, e sentiaver+onha #

, ele olha ;ara trAs, ;orque ho e esquece aquele que eraquando era ovem# Ele sa:e que /racassou# ;or isso que quer sa:er de onde ;artiu, ;ara com;reender onde cometeu o er"ro# ;or [sso que quer voltar ", sua corres;ondSncia com 1de"na, ;ara encontrar a* o se+redo de sua uventude, de seus co"meços e de su "s ra* es#Ela :alançou a ca:eça ne+ativamente" (unca vou devolvS"las a vocS#Ele mentiu" Fueria a;enas em;restado#\ Ela :alançou de novo a ca:eça ne+ativamente#Ele ;ensou que em al+um lu+ar, nesse a;artamento, es"tavam suas cartas e que ela a qualquer momento ;odia dA"las

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;ara qualquer um ler# 'chava insu;ortAvel que um ;edaço desua vida /icasse nas mãos de 1dena, tinha vontade de :ater na ca:eça dela com o ;esado cin eiro de vidro que estava en"tre eles, em cima da mesa :ai a, e carre+ar suas cartas# Emve disso, recomeçou a e ;licar"lhe que olhava ;ara trAs e que"

ria sa:er de onde tinha ;artido#Ela levantou"se e o /e calar"se com um olhar" Eu nunca vou devolver as cartas# (unca#=?#6>Fuando eles sa*ram untos do ;rNdio de 1dena, os doiscarros estavam estacionados, um atrAs do outro, diante da ;or"ta# Os tiras andavam de um lado ;ara o outro na calçada em< /rente# (esse momento ;araram e /icaram olhando#Ele mostrou"os" Esses dois homens me se+uiram o tem;o todo na "strada#" )erdade$ " disse ela, incrNdula, com uma ironia /or"çada# " Todo mundo ;erse+ue vocS$

omo ;ode ela ser c*nica a ;onto de a/irmar"lhe na caraque os dois homens que os estão e aminando de maneira os"tensiva e c " " insolSncia são a;enas transeuntes ocasionais$. e, e uma e ;licação Ela /a o o+o deles# O o+oque con e em /[n+ir que a ;ol*cia secreta não e iste e quenin+uNm N ;erse+uido#Enquanto isso, os tiras atravessaram a rua e, so: o olhar de MireU e 1dena, entraram no carro#" 2asse :em " disse MireU, sem nem ao menos olhA"la# Tomou a direção# )iu ;elo retrovisor o carro dos tiras, queaca:ava de arrancar atrAs dele# (ão via 1dena# (ão queriavS"la# (ão queria vS"la nunca mais#< 2or isso não sou:e que ela /icou na calçada e que o se"+uiu ;or muito tem;o com os olhos# Tinha um ar assustado#< (ão, não era cinismo da ;arte de 1dena recusar"se a re"conhecer como tiras os dois homens que andavam de um ladoJ ;ara o outro na calçada em /rente# Ela /ora tomada de ;Zni"co diante de coisas que não com;reend[a# Fuisera esconder",lhe a verdade, e escondS"la de si mesma# "r # "##_ ### " __##_###_##,#,#### "* " "[ "r, ",a, t "uui "ca 'r " "or iIiatm< " " "=8&H0m carro es;orte vermelho diri+ido ;or um motoristaem desa:alada carreira a;areceu de re;ente entre MireU e ostiras# Ele ;isou no acelerador# Eles entraram num ;ovoado#' estrada /a ia uma curva# MireU com;reendeu que naquele

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momento seus ;erse+uidores não ;odiam vS"lo e desviou ;or uma ;equena rua# Os /reios cantaram e um +aroto que se ;re" ;arava ;ara atravessar a rua teve o tem;o e ato de se o+ar ;ara trAs# MireU en er+ou ;elo retrovisor o carro vermelhoque corria ;ela estrada ;rinci;al# Mas o carro dos ;erse+ui"

dores ainda não ;assara# 0m instante de;ois ele conse+uiu en"trar numa outra rua e desa;arecer assim de/initivamente docam;o visual dos dois#.aiu da cidade ;or um caminho que ia numa direção in"teiramente di/erente# (in+uNm o se+uia, a estrada estavadeserta#Ele ima+inou os in/eli es tiras que o ;rocuravam e quetinham medo de ser es+anados ;elos su;eriores# %esatou a rir#%iminuiu a velocidade e começou a olhar a ;aisa+em# (a ver"

dade, nunca tinha olhado a ;aisa+em# &a sem;re em direçãoa um o: etivo, ;ara resolver uma coisa ou discutir outra,de modo que o es;aço do mundo se tornara ;ara ele uma coi"sa ne+ativa, uma ;erda de tem;o, um o:stAculo que /reava

sua atividade#' uma certa distZncia diante dele, duas :arreiras com lis"tras vermelhas e :rancas se a:ai am lentamente# Ele ;Ara#%e re;ente sente"se in/initamente cansado# 2or que /oivS"la$ 2or que quis tomar de volta aquelas cartas$.ente"se assaltado ;or tudo o que hA de a:surdo, de ri"d*culo, de ;ueril em sua via+em# (ão /oi um racioc*nio nemum cAlculo que o levou atN ela, mas um dese o insu;ortYvel#O dese o de estender o :raço atN o seu ;assado e esma+Y"locom o ;unho# O dese o de dilacerar com uma /aca o quadrode sua uventude# 0m dese o arre:atado que ele não ;Xde do"minar e que vai continuar insatis/eito#Ele se sente in/initamente cansado# '+ora, sem dVvida,não vai mais conse+uir tirar de seu a;artamento os ;a;Nis com" ;rometedores# Os tiras estão nos seus calcanhares, não vãolar+Y"lo# tarde demais# .im, tarde demais ;ara tudo#Ele ouviu ao lon+e o arque o de um trem# Em /rente Ycasa do +uarda"cancela estava uma mulher com um lenço ver"melho na ca:eça# O trem a;ro imava"se, era um carro lento,um :om cam;onSs com seu cachim:o ;endurava"se numa a"nela e cus;ia# %e;ois ouviu um toque cont*nuo de cam;ainha,e a mulher do lenço vermelho deu al+uns ;assos em direçãoY ;assa+em de n* "el e +irou uma manivela# 's :arreiras co"meçaram a levantar, e MireU arrancou# Entrou numa ;eque"na cidade que era a;enas uma rua interminAvel em cu o /im/icava a estação " uma casinha :ai a e :ranca, com uma cercade madeira at fNs da qual se via a ;lata/orma e os trilhos#68's anelas da estação estão en/eitadas de vasos de /lores

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onde crescem :e+Xnias# MireU ;arou o carro# EstA sentado avolante e olha a casa, a anela e as /lores vermelhas# %e umaN;oca hA muito esquecida volta Y sua lem:rança a ima+em deuma outra casa ;intada de :ranco, que tinha na :eirada das anelas a vermelhidão das ;Ntalas de :e+Xnia# um ;equeno

hotel numa cidade inha de montanha, e isso acontece duranteas /Nrias de verão# (a anela, entre as /lores, a;arece um na"ri +rande# MireU tem vinte anosJ er+ue os olhos em direçãoa esse nari e sente um imenso amor#Ele lo+o quis ;isar no acelerador ;ara esca;ar dessa lem" :rança# Mas dessa ve não vou me dei ar en+anar, e chamoessa lem:rança ;ara detS"la um instante# 2ortanto, re;ito na anela, entre as :e+Xnias, estA o rosto de 1dena com um nari+i+antesco e MireU sente um imenso amor#

;oss*vel$=9 " =7

# E ;or que não$ 0m ra;a /raco não ;ode sentir umamor verdadeiro ;or uma * "oça /eia$Ele lhe contava que tinha se revoltado contra o ;ai rea"cionArio, ela insultava os intelectuais, eles tinham :olhas nasnAde+as e davam"se as mãos# &am As reuniões, denunciavamseus concidadãos, mentiam e se amavam# Ela chorava a mor"te de Mastur:ov, ele +emia como um cachorro so:re seu cor" ;o e eles não ;odiam viver um sem o outro#.e ele queria a;a+A"la das /oto+ra/ias de sua vida, nãoera ;orque não a amava, mas sim ;orque a tinha amado# Elea a;a+ara, a ela e a seu amor ;or ela, ras;ara a ima+em delaatN /a S"la desa;arecer, como o de;artamento de ;ro;a+an"da do ;artido /i era desa;arecer lementis da sacada de ondeHottQald havia ;ronunciado seu hist rico discurso# MireU rees"creveu a -ist ria e atamente como o ;artido comunista, co"mo todos os ;artidos ;ol*ticos, como todos os ;ovos, comoo homem# Hritamos que queremos moldar um /uturo melhor,mas não N verdade# O /uturo nada mais N do que um va ioindi/erente que não interessa a nin+uNm, mas o ;assado N cheiode vida e seu rosto irritaJ revolta, /ere, a ;onto de querermasdestru*"lo ou ;intA"lo de novo# . queremos ser mestres do/uturo ;ara ;odermos mudar o ;assado# Lutamos ;ara ter acesso aos la:orat rios onde se ;ode retocar as /otos e rees"crever as :io+ra/ias e a -ist ria#2or quanto tem;o ele ;ermaneceu em /rente Aquelaestação$E o que si+ni/icava aquela ;arada$ (ão si+ni/icava nada#Ele riscou"a imediatamente de seu ;ensamento, o que /a"

ia com que nesse momento A tião sou:esse mais nada so:reaquela casinha :ranca onde havia :e+Xnias# Mais uma ve ,

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andava de;ressa sem olhar a ;aisa+em# Mais uma ve , o es," ;aço do mundo era a;enas um o:stAculo que atrasava suaação#69O carro que ele conse+uira des;istar estava estacionado

em /rente a sua casa# Os dois homens estavam um ;ouco maislon+e#Ele se colocou atrAs do carro deles e desceu# Eles sorriram"lhe quase ale+remente, como se sua esca;ada tivesse sido a;e"nas uma travessura que os tinha divertido# Fuando ele ;as"sou diante deles, o homem de ;escoço +rosso e ca:elos /risa"dos a /erro /e "lhe um sinal com a ca:eça# MireU /icou an+us"tiado com essa /amiliaridade que si+ni/icava que a+ora esta"riam mais intimamente li+ados#.em ; "stane ar, MireU entrou em casa# ':riu a ;orta doa;artam , "o com sua chave# 2rimeiro viu o /ilho e seu olhar cheio c<#luma emoção contida# 0m desconhecido de culosa;ro imou"se de MireU e declarou sua identidade" O senhor quer ver o mandado de ;erquirição do ;rocurador$" Fuero " disse MireU# (o a;artamento havia mais dois desconhecidos# 0m es"tava de ;N em /rente A mesa de tra:alho, onde estavam amon"toadas ;ilhas de ;a;Nis, cadernos e livros# ';anhava os o: e"tos na mão, um a um# 0m se+undo homem, sentado em /ren"te A escrivaninha, escrevia o que o ;rimeiro lhe ditava#O homem de culos tirou um ;a;el do:rado do :olsoe entre+ou"o a MireU _ " Tome, eis o mandado do ;rocurador, e ali " a;on"tou os dois homens ", estamos ;re;arando ;ara o senhor alista dos o: etos a;reendidos# (o chão havia muitos ;a;Nis e livros es;alhados, as ;or"tas dos armArios em:utidos estavam a:ertas, os m veis esta"vam a/astados das ;aredes#O /ilho virou"se ;ara MireU e disse" Eles che+aram cinco minutos de;ois de sua sa*da#Em /rente Y mesa de tra:alho, os dois homens /a iama lista dos o: etos a;reendidos cartas de ami+os de MireU,3G & 36documentos dos ;rimeiros dias da ocu;ação russa, anAlisesda situação ;ol*tica, atas de reuniões e al+uns livros#"" O senhor não tem muita consideração com seus ami"+os " disse o homem de culos# om um movimento de ca" :eça, a;ontou os o: etos a;reendidos#"" (ão e iste nada a* que se a contrArio Y constituição" disse o /ilho, e MireU sa:ia que eram ;alavras suas, ;ala"vras de MireU#

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triste ;asseio, mamãe, miserAvel e miVda como estava, lheshavia censurado, com uma veemSncia que acharam des;ro" ;ositada, todas as in ustiças que eles haviam cometido com ela#" (ada mais vai mudA"la " disse Karel a MarUeta de" ;ois, quando estavam no trem# " triste, mas ;ara mim vai

glser sem;re lon+e de mamãe#%e;ois os anos se ;assaram e se era verdade que mamãecontinuava a mesma, ela, MarUeta, sem dVvida mudara, ;or"que de re;ente teve a im;ressão de que tudo que sua so+ra/i era era no /undo :em ino/ensivo e que ela, MarUeta, N que

tinha cometido o verdadeiro erro dando muita im;ortZnciaYs suas +ritarias# (aquela N;oca considerava mamãe como uma3>criança considera um adulto, ao ;asso que a+ora os ;a;Nis sehaviam invertido MarUeta era adulta e, nessa +rande distZn"cia, mamãe lhe ;arecia ;equena e inde/esa como uma crian"ça# MarUeta sentiu ;or ela uma ;aciSncia indul+ente e atN co"meçou a escrever"lhe re+ularmente# ' velha senhora acostu"mou"se de;ressa, res;ondia"lhe cuidadosamente e e i+ia deMarUeta cartas cada ve mais /req`entes, ;ois suas cartas, di"

ia ela, eram a Vnica coisa que lhe ;ermitia su;ortar a solidão#-A al+um tem;o a /rase que nascera durante o enterrodo ;ai de Karel recomeçara a martelar"lhes a ca:eça# E de no"vo /oi o /ilho que re;rimiu o acesso de :ondade da nora, demodo que, em ve de di er a mamãe mamãe, venha morar conosco, eles a convidaram ;ara ;assar uma semana com eles#Era 2Ascoa, e o /ilho deles de de anos tinha sa*do de/Nrias# 2ara o /im de semana, eles es;eravam Eva# Fueriammuito ;assar toda a semana com mamãe, menos o domin+o#Eles disseram lhe" )enha ;assar uma semana conosco# %e sA:ado ;r "

imo atN o sA:ado se+uinte# Estamos com o domin+o se+uin"te tomado# )amos ;ara /ora# (ãolhe disseram nada de mais ;reciso, ;orque não que"riam muito /alar so:re Eva# Karel re;etiu"lhe ainda duas ve"

es ao tele/one" %e sA:ado ;r imo atN o sA:ado se+uinte# Estamoscom o outro domin+o tomado, vamos ;ara /ora#E mamãe disse" EstA :em, meus /ilhos, vocSs são muito amAveis, ;o"dem /icar certos de que irei em:ora quando vocSs quiserem#Tudo o que dese o N /u+ir um ;ouco da minha solidão#Mas no sA:ado Y noite, quando MarUeta veio lhe ;er"+untar a que horas ela queria que eles a levassem Y estaçãona manhã se+uinte, mamãe anunciou, calmamente, sem hesi"tar, que ;artiria na se+unda"/eira# MarUeta olhou"a com sur"

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te, mas começou lo+o a /alar de si mesma, um ;ouco comoas ;essoas que se conhecem ;or anVncios e que se es/orçam,desde a ;rimeira carta, ;ara e ;licar ao /uturo ;arceiro, comuma densidade lacXnica, quem são e o que /a em#Fuem N então Eva, se+undo as ;alavras de Eva$ Eva N

uma ale+re caçadora de homens# Mas ela não os caça ;ara ocasamento# Ela os caça como os homens caçam as mulheres#O amor não e iste ;ara ela, s a ami ade e a sensualidade#2or isso tem muitos ami+os os homens não temem que elaqueira se casar com eles e as mulheres não receiam que ela ;ossa ;rivA"las de um marido# 'liAs, se um dia ela se casasse, seumarido seria um ami+o a quem ela ;ermitiria tudo e de quemnão e i+iria nada#%e;ois de e ;licar tudo isso a MarUeta, ela declarou queMarUeta tinha um :elo arca:ouço, o que era uma coisa mui"to rara, ;orque, se+undo Eva, muito ;oucas mulheres tinhamum cor;o realmente :onito# Esse elo+io lhe esca;ara com tanta37

"<naturalidade que MarUeta sentiu um ;ra er maior do que seele tivesse vindo de um homem# Essa moça lhe virava a ca:e"ça# Tinha a sensação de ter entrado no reino da sinceridadee marcou encontro com Eva ;ara dois dias de;ois, Y mesmahora, na sauna# Mais tarde, a;resentou"lhe Karel, mas nessaami ade ele sem;re /e /i+ura de terceiro#" Estamos com nossa s:+ra em casa " disse"lhe Mar" ; Ueta, num tom cul;ado, saindo da estação# " )ou a;resentA"la< como minha ;rima# Es;ero que isso não a a:orreça#" 'o contrArio " disse Eva, e ;ediu a MarUeta que lhedesse al+umas in/ormações sumArias so:re sua /am*lia#CMamãe nunca se interessou muito ;ela /am*lia de sua no"ra, mas as ;alavras ;rimA, so:rinha, tia e neta reanimavam ; seu coraçãoJ era o :om reinado das noções /amiliares#E ela aca:ava de ter uma nova con/irmação daquilo que*iJ " A sa:ia hA muito tem;o seu /ilho era um incorri+*vel ori+i"nal# omo se ela ;udesse atra;alhar ;or estar ali ao mesmotem;o que uma ;arenta# Fue eles quisessem /icar so inhos ;araconversar Y vontade, ela com;reendia# Mas não era ra ão ;a"< ra mandA"la em:ora um dia antes# !eli mente, ela sa:ia co"mo a+ir com eles# .im;lesmente decidira que tinha se en+ana"do de dia, e ;or ;ouco não riu ao ver que a valente MarUeta< não conse+uia lhe di er que /osse em:ora no domin+o demanhã#.im, era ;reciso reconhecer, eles se mostravam mais sim" ;Aticos do que antes# 'l+uns anos antes Karel lhe teria ditoim;iedosamente que /osse em:ora# (a verdade, ontem, com

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%urante esse :reve silSncio, ouviu"se a vo de MarUeta#Ela se diri+ia a Eva e o que ela di ia não era relativo nem Yrecitação de mamãe nem a 6769#Mamãe sentiu"se a:andonada em suas lem:ranças, tra*"da ";or esse sV:ito desinteresse e ;ela /alha de sua mem ria#

" %ivirtam"se, meus /ilhos, vocSs são moços e tSm mui"to assunto#Tomada ;or um sV:ito descontentamento, ela /oi ;arao quarto do neto#.Enquanto Eva ;ressiohava mamãe com ;er+untas, Ka"rel a olhava com comovida sim;atia# Ele a conhecia hA deanos e ela sem;re /ora assirn, ;ireta, intrN;ida# Ele a conhe"icera quase tão ra;idamente quanto a mulher, al+uns anos mais, tarde# 0m dia rece:eu no es "rit rio uma carta de uma desco"nhecida# Ela di ia# conhecS"lo de vista e ter decidido escrever"&he ;orque as convenções não tinham nenhum sentido ;araela quando um homemlhe a+radava# Karel lhe a+radava e elaera uma mulher caçadora# LDma caçadora de e ;eriSncias ines"quec*veis# (ão admitia o a "or# . a ami ade e a sensualida"de# 'com;anhando a carta ga a /oto+ra/ia de uma moça nua,numa atitude ;rovocante#Karel a ;rinc*;io hesit;u em res;onder, ;ois ;ensou queera uma :rincadeira# Mas, ;or "m, aca:ou não resistindo# Es"creveu Y moça, ;ara o endereço indicado, convidando"a a ir ao a;artamento de um amg+o, Eva veio, alta, ma+ra e malvestida# Tinha o ar de uma adolescente +rande demais que ti"vesse ;osto as rou;as da av , .entou"se diante dele e e ;licou"C=lhe que as convenções não /a iam sentido ;ara ela quando umhomemlhe a+radava# Fue s admitia a ami ade e a sensuali"dade# O constran+imento e o es/orço ;odiam ser lidos em seurosto, e Karel sentiu ;or ela mais uma es;Ncie de com;ai ão/raterna do que dese o# Mas em se+uida ;ensou que toda o;or"tunidade deve ser a;roveitada" /ormidAvel " disse ele ;ara recon/ortA"la ", doiscaçadores que se encontram#!oram essas as ;rimeiras ;alavras com que ele interrom" ;eu /inalmente a con/issão loqua da moça, e Eva lo+o recu" ;erou a cora+em, aliviada do ;eso de uma situação que elacarre+ava so inha, heroicamente, hA quase quin e minutos#Ele lhe disse que ela estava :onita na /oto+ra/ia que ti"nha lhe mandado e ;er+untou"lhe com a vo ;rovocante decaçador se ela /i < a e citada em mostrai"se nua#" .ou um " " ":icionista " disse ela, inocentemente, co"mo se tivesse con/essado que era ana:atista#

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Ele lhe disse que queria vS"la nua#'liviada, ela ;er+untou"lhe se havia uma vitrola naque"le a;artamento#.im, havia uma vitrola, mas o ami+o de Karel +ostavas de mVsica clAssica, Bach, )ivaldi e as ;eras de a+ner#

KYrel teria achado estranho que a moça se des;isse ao somdo canto de &solda# Eva tam:Nm não /icou satis/eita com osdiscos# #" (ão hA mVsica ;o; ;or aqui$ (ão, não havia mVsica ;o;# (ão achando outra sa*"da, ele con/ormou"se em colocar na vitrola uma su*te de Bach ;ara ;iano# !icou sentado num canto da sala ;ara ter umavisão ;anorZmica#Eva tinha tentado se movimentar no ritmo, mas de;oisdisse que com aquela mVsica não era ;oss*vel#Ele re;licou severamente, aumentando a vo" Tire a rou;a e cale a :oca\' mVsica celeste de Bach enchia a sala e Eva continuavamovendo"se# om essa mVsica, que era tudo menos dançan"te, seu desem;enho era ;enoso, e Karel ;ensava que desde omomento em que ela tirasse o suNter atN o momento em queC3 " irasse a calcinha, o caminho a ;ercorrer seria ;ara ela inter"jninAvel# Ouvia"se o ;iano, Eva se contorcia em movimentos "ie dança sinco;ados e dei ava cair as ;eças de rou;a, uma "; s a outra# (ão olhava ;ara Karel# oncentrava"se intei"famente em si mesma e em seus +estos, como um violinista " "ue toca de cor um trecho di/*cil e teme se distrair levantando " "s olhos ;ara o ;V:lico# Fuando /icou [nteiramente nua, virou"ke de /rente ;ara a ;arede, colocando uma mão entre as co"Jcas# l "as nisso Karel tam:Nm A estava des;ido e o:servava "m S tase as costas da moça que se mastur:ava# Era /antAsti" " "o e N :em com;reens*vel que a ;artir de então ele não tivesse "erdido Eva de vista#'lNm disso, ela era a Vnica mulher que não se irritava " "om o amor de Karel ;or MarUeta#" .ua mulher deveria com;reender qu,e vocS a ama, mas " ue N um cAçador, e que essa caça não a ameaça# %e qualquer jnaneira, nenhuma mulher entende isso# (ão, não e iste umajnulher que com;reenda os homens " acrescentara ela com "Jriste=a, como se /osse ela esse homem incom;reendido#%e;ois ;ro;Xs a Karel /a er tudo ;ara a udA"lo#HO quarto de criança, ;ara onde mamãe se retirara, /ica" "ra a a;enas seis metros, e s /icava se;arado ;or duas /inas, "ivis rias# ' som:ra de mamãe estava sem;re entre eles, e Mar" " eta se sentia o;rimida com isso#

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Eva, /eli menteJ estava ta+arela# !a ia tanto tem;o que "les não se viam e tinham acontecido tantas coisas ela /orainorar em outra cidade e, so:retudo, casara"se com um ho"inem mais velho que encontrara nela uma ami+a insu:stitu*" "rel, ;ois, como sa:emos, Eva N muito dotada ;ara a camara"

,ia+ern e recusa o amor com seu e+o*smo e sua histeria#Tinha tam:Nm um novo tra:alho# Hanhava a vida :as"tante :em, mas quase não tinha tem;o ;ara res;irar# 'ma"nhã de manhã, ;recisava estar lA#MarUeta /icou assustada" omo$ Mas então quando N que vocS quer ;artir$" Tenho um trem direto Ys cinco horas da manhã#" Meu %eus, Eva, vocS vai ter de levantar Ys quatro ho"ras, que horror\ " E, nesse momento, ela sentiu, se não rai"va, ;elo menos uma certa amar+ura com a idNia de que a mãede Karel tivesse /icado na casa deles# 2ois Eva morava lon+e,dis;unha de ;ouco tem;o e tinha, a;esar de tudo, reservadoesse domin+o ;ara MarUeta, que nem ;odia se dedicar a elacomo queria, ;or causa da so+ra, cu o /antasma estava sem" ;re com eles# "O :om hum " " "de MarUeta aca:ara, e, como uma con"trariedade nunca vem s , o tele/one começou a tocar# Karellevantou o /one# .ua vo mostrou"se hesitante, havia qualquer coisa de sus;eito em suas res;ostas lacXnicas e equ*vocas, eele dava a im;ressão a MarUeta de escolher ;rudentemente suas ;alavras ;ara esconder o sentido de suas /rases# Tinha certe"

a, ele estava marcando encontro com uma mulher#" Fuem N$ " ;er+untou ela#Karel res;ondeu que era uma cole+a de uma cidade vi i"nha que deveria vir na semana se+uinte e queria conversar comele# ' ;artir desse momento, MarUeta não disse mais uma ;alavra#Era assim tão ciumenta$-A muitos anos, no ;rimeiro ;er*odo do amor dos dois,incontestavelmente, era# . que os anos ;assaram e o que elavive ho e como ciVme nãa N sem dVvida mais do que um hA:ito#%i+Amos as coisas de outra maneira toda relação amo"rosa re;ousa so:re convenções não escritas que aqueles quese amam esta:elecem ;reci;itadamente nas ;rimeiras sema"nas de amor# Eles ainda estão numa es;Ncie de sonho, masao mesmo tem;o, sem sa:S"lo, redi+em como uristas ri+oro"s s as clAusulas detalhadas de seu contrato# Oh, amantes, se" am ;rudentes nesses ;eri+osos ;rimeiros dias\ .e vocS levar ;ara o outro o ca/N da manhã na cama, vai ter que levA"lo ;ara sem;re, se não quiser ser acusado de desamor e de traição#CC " " C>%esde as ;rimeiras semanas de amor, /icara esta:eleci"

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do entre Karel e MarUeta que Karel seria in/iel e que MarUetaaceitaria isso, mas que MarUeta teria o direito de ser a me"lhor, e que Karel se sentiria cul;ado diante dela# (in+uNm sa" :ia melhor do que MarUeta como era triste ser a melhor# Elaera a melhor, mas s ;orque não tinha outro eito#

Evidentemente, MarUeta sa:ia :em, no /undo de si mes"ma, que essa conversa tele/Xnica era em si uma coisa insi+ni"/icante# Mas o im;ortante não era o que era essa conversa,mas o que ela re;resentava# Ela e ;rimia, numa eloq`ente con"cisão, toda a situação de sua vida tudo o que MarUeta /a ,s o /a ;or Karel e ;or causa de Karel# Ela se ocu;a de suamãe# Ela lhe a;resenta sua melhor ami+a# Ela a dA de ;resen"te ;ara ele# 0nicamente#;ara ele e ;ara o ;ra er dele# E ;or que /a tudo isso$ 2or que se es/orça$ 2or que, como .*si/o,em;urra ela sua ;edra$ 2or ais que /aça, Kare& estA ausentementalmente# Ele marca encontro com outra e sem;re lheesca;a#Fuando estava no colN+io, ela era indomAvel, re:elde,muito cheia de vida# .eu velho ;ro/essor de matemAtica +os"tava de ;rovocA"la Em vocS, MarUeta, nã se ;ode ;Xr rN"deas\ Tenho ;ena de seu marido desde A# Ela ria com or+u"lho, essas ;alavraslhe ;areciam de um :om au+Vrio# E de re" ;ente, sem sa:er como, ela se vira num ;a;el inteiramente di"/erente, contra sua e ;ectativa, contra sua vontade e seu +os"to# E tudo isso, ;or não ter /icado atenta durante a semanaem que inconscientemente redi+ira o contrato# (ão a divertia mais ser sem;re a melhor# %e re;ente, to"dos os anos do seu cAsamento ca*ram so:re ela como um /ar"do muito ;esado#8MarUeta estava cada ve mais mal"humorada, e o rostode Karel e ;rimia raiva# Eva /oi tomada de ;Znico# Ela se sentiares;onsAvel ;ela /elicidade con u+al deles e conversava ani"madamente ;ara dissi;ar as nuvens que tinham invadido a sala#Mas era uma tare/a acima de suas /orças# Karel, revolta"do ;or uma in ustiça que dessa ve era muito evidente, calava"se, o:stinado# MarUeta, ;or não ;oder controlar sua amar"+ura nem su;ortaT \ raiva do marido, levantou"se ;ara ir Yco inha I# " " "Eva tentou "& nvencer Karel a não estra+ar uma noiteque eles es;eravam hA tanto tem;o# Mas Karel estavaintratZvel" he+a um momento em que não se ;ode mais conti"nuar# Estou começando a /icar cansado\ .ou sem;re acusadode uma coisa ou de outra (ão me interessa mais me sentir sem;re cul;ado, e ;or uma :o:a+em dessas\ 0ma :o:a+emdessas\ (ão, não ;osso mais vS"la\ %e eito nenhum\

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tudo isso$ Fualquer ;essoa teria hA muito tem;o /eito de Mar"Ueta uma mulher ale+re, sensual e /eli # Fualquer ;essoa, me"< < nos Karel# Ele se achava um .*si/o# " mesmo$ 0m .*si/o$ E não era a , * i/o que MarUeta, aca:ava de se com;arar$

.im, com os anos, os dois viraram +Smeos, tinham o mes"mo voca:ulArio, as mesmas idNias, o mesmo destino# Eles se< " ;resenteavam um ao outro com Eva, ;ara /a erem o outro, /eli # Tinham a im;ressão de em;urrar, cada um, sua ;edra#Estavam cansados#Karel ouvia o :arulho de ã+ua e o riso das duas mulhe"res no :anheiro e ;ensava que nunca ;udera viver como que"ria, ter as mulheres que queria e tS"las como +ostaria de tS"las# Tinha vontade de /u+ir ;ara um lu+ar onde ;udesse tecer sua ;r ;ria hist ria, so inho e con/orme sua vontade, lon+e< do alcance dos olhos amorosos# (o /undo, não queria nem mesmo tecer "sua hist ria, que", ria sim;lesmente /icar so inho#D "#Mf7 (ão /ora sensato, da ;arte de MarUeta, ;ouco ;ers;icaem sua im;aciSncia, não ter ido di er :oa"noite a mamãe e ;ensar que ela estivesse dormindo# %urante essa visita ã casado /ilho, os ;ensamentos de mamãe tinham começado a +irar mais de;r]ssa em sua ca:eça, e nessa noite estavam ;articu"larmente a+itados# ' cul;a era dessa sim;Atica ;arente quecontinuava lem:rando"lhe al+uNm de sua uventude# Mas quemera que ela lem:rava$!inalmente ela conse+uiu se lem:rar (ora\ &r, e atamentea mesma silhueta, o mesmo ;orte do cor;o que sai ;elo mun"do so:re suas :elas ;ernas lon+as#!altava a (ora :ondade e modNstia, e mamãe /icara mui"tas ve es ma+oada com seu com;ortacr*ento# Mas no momen"to não ;ensava nisso# O que contava mais ;ara ela era queaca:ara de encontrar aqui, de re;ente, um /ra+mento de sua uventude, um sinal que che+ava a ela de uma distZncia demeio sNculo# 'le+rava"se ao ;ensar que tudo que vivera no ;assado estava sem;re com ela, cercava"a na sua solidão e con"versava com ela# Er <I "ra nunca tivesse +ostado de (ora, es"tava /eli de tS"la e< v:ntrado aqui, ainda mais ;orque ela es"tava com;letamen "domesticada e era encarnada ;or al+uNmctue se mostrava cheia de res;eito ;or mamãe#Fuando essa idNia lhe ocorreu, ela quis se ;reci;itar ;a"ra untar"se a eles# Mas controlou"se# .a:ia muito :em queestava aqui ho e unicamente ;or es;erte a e que aqueles doisinsensatos queriam /icar a s s com a ;rima# 2ois :em, que

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não tinham nada de tão im;ortante ;ara se di er e se descul" ;aria não queria atra;alhar e certamente não teri " voltadose Karel não lhe tivesse ;er+untado como ;oderia ela ter reci"tado numa reunião solene do colN+io se ela A havia termina"do o curso secundArio#

Então ouviu uma ;orta que se a:ria e /echava# Ouviu duasvo es /emininas, de;ois uma ve mais uma ;orta que se a:ria#%e;ois um riso e o :arulho de A+ua corre "do# %isse consi+oque as duas mulheres A estavam /a endo sua toalete ;ara dor"mir# Era então o momento de ir atN lA, se ela ainda quisesseconversar um ;ouco com aqueles trSs#6G' volta de mamãe era a mão que um %eus ovial esten"dia sorrindo a Karel# Fuanto mais o momento era mal esco"lhido, mais a ;ro; sito ela che+ava# Ela não ;recisava ;rocu"rar descul;as, Karel a co:riV lo+o de ;er+untas calorosas oque ela havia /eito a tarde toda, não tinha se sentido um ;ou"co triste, ;or que não viera ;rocurA"los$Mamãe e ;licoi " e que os ovens tinham sem;re mui"tas coisas ;ara conv< "I# "vr e que as ;essoas mais velhasdeviamentender isso e evit " rmeomodar#DA se ouviam as duas moças que vinham ;ela ;orta +ar"+alhando# Eva entrou ;rimeiro, vestida com uma camiseta a ul"escuro que vinha e atamente atN onde terminavam os ;Slos ;retos# 'o ver mamãe, /icou com medo, mas não ;odia maisrecuar, s ;odia sorrir"lhe e diri+ir"se a uma ;oltrona ;ara es"conder :em de;ressa sua nude mal dissimulada#Karel sa:ia que MarUeta a se+uiria de ;erto e ima+inavaque ela estaria em tra es de dormir, o que, na lin+ua+em co"mum a eles, si+ni/icava que ela não usaria nada, a não ser umcolar de ;Nrolas em volta do ;escoço e, em volta da cintura,uma /ai a de veludo escarlate# Ele sa:ia que deveria inter/erir ;ara im;edi"la de entrar e ;ou;ar a mamãe esse susto# Maso que deveria /a er$ %everia +ritar não entra$ Ou então vista"sede;ressa, mamãe estA aqui$ -avia talve uma maneira maishA:il de deter MarUeta, mas Karel tinha ;ara ;ensar a;enasum ou dois se+undos, durante os quais não lhe ocorreu ne"nhuma idNia# 'o contrArio, /oi invadido ;or uma es;Ncie detor;or eu/ rico que lhe tirava toda a ;resença de es;*rito# Elenão /a ia nada, de modo que MarUeta avançou ;ela ;orta dasala e estava realmente nua, somente com um colar e uma /ai"

a em volta da cintura#E atamente nesse momento, mamãe virou"se ;ara Evae disse com um sorriso amAvel" )ocSs com certe a querem ir dormir, e eu não querodetS"los#

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Eva, que tinha en er+ado MarUeta com o canto do olho,>= >3res;ondeu que não, e disse isso quase +ritando, como se qui"sesse co:rir com sua vo o cor;o da ami+a, que com;reendeuen/im a situação e recuou ;ara o corredor#

Fuando ela voltou, no /im de um instante, envolta num ;enhoar lon+o, mamãe re;etiu o que aca:ara de di er a Eva" MarUetaJ não quero detS"los# )ocSs com certe a que"rem ir dormir#MarUeta teria concordado, mas Karel :alançou ale+re"mente a ca:eça" (ão, mamãe, estamos contentes que vocS este aconosco#E mamãe ;Xde en/im contar"lhes a hist ria da recitaçãona reunião solene do colN+io de;ois da +uerra de 6C, no mo"mento da queda do &m;Nrio 'ustro"hVn+aro, quando o dire"tor ;edira A sua anti+a aluna que viesse recitar uma ;oesia ;atri tica#'s duas mulheres não ouviam o que mamãe di ia, masKarel a escutava com interesse# Fuero ;recisar essa a/irma"ção ' hist ria da estro/e esquecida não lhe interessava mui"to# Ele a escutara muitas ve es, e muitas ve es a esquecera#O que lhe interessava não era a hist ria contada ;or mamãe,mas mamãe contando a hist ria# Mamãe e seu mundo, que ;arecia uma +rande ;Sra, so:re a qual ;ousara um tanque rus"so, como se /osse uma oaninha# ' ;orta do :anheiro, ondeo ;unho do diretor :atia, /icava em ;rimeiro ;lano e, atrAsdessa ;orta, a im;aciSncia Avida das duas mulheres mal era ;erce:ida#Era isso que a+radava muito a Karel# Ele olhava com de"leite Eva e MarUeta## ' nude das duas estremecia de im;a"ciSncia ;or :ai o da camiseta e do ;enhoar# Ele /a ia cadave mais ;er+untas so:re o diretor, so:re o colN+io, so:re a+uerra de 6C, e ;or /lm ;ediu a mamãe ;ara recitar"lhe a ;oe"sia ;atri tica da qual ela esquecera a Vltima estro/e#Mamãe re/letiu e em se+uida começou, com e trema con"centração, a di er a ;oesia que ela recitara na /esta do colN+ioquando tinha tre e anos# Em ve de um ;oema ;atri tico, eramversos so:re o ;inheiro de (atal e a estrela de BelNm, mas nin"+uNm ;erce:eu esse detalhe# (em ela# Ela s ;ensava em umacoisa iria lem:rar"se dos versos da Vltima estro/e$ E lem:rou"se# ' estrela de BelNm cintila e os trSs reis che+am ao ;resN" ;io# Ela /icou muito comovida com esse sucesso, ria e :alan"çava a ca:eça#Eva a;laudiu# Olhando"a, mamãe lem:rou"se do que ti"nha vindo di er"lhes de mais im;ortante" Karel, sa:e quem a ;rima de vocSs me lem:ra$ (ora\

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A66Karel olhava ;ara Eva e não ;odia acreditar que ouvira :em" (ora$ ' %ona (ora$

%os seus anos de in/Zncia, lem:rava"se :em dessa ami+ade mamãe# Era uma mulher de uma :ele a estonteante, alta,com um so:er:o rosto de rainha# Karel não +ostava dela ;or"que ela era or+ulhosa inacess*vel e, no entanto, não ;odianunca tirar os olhos dela# Meu %eus, que semelhança ;odiahaver entre ela e a calorosa Eva$" " res;ondeu mamãe# " (ora\ Basta olhA"la# Essaaltura# E esse andar# E esse rosto\" Levante, Eva\ " disse Karel#Eva temia levantar"se ;orque não estava certa de que suacurta camiseta co:ria su/icientemente seu ;V:is# Mas Karelinsistiu tanto que ela ;or /im teve de o:edecer# Levantou"see, com os :raços +rudados no cor;o, ;u ou discretamente acamiseta ;ara :ai o# Karel a o:servava intensamente e, de re" ;ente, teve de /ato a im;ressão de que ela se ;arecia com (o"ra# Era uma semelhança distante e di/icilmente ca;tAvel, sa;arecia em :reves lam;e os, que lo+o se e tin+uiam, mas Ka"rel +ostaria de retS"los, ;orque dese ava ver atravNs de Eva a :ela %ona (ora, de maneira duradoura e demorada#" !ique de costas\ " ordenou ele#Eva hesitou em dar meia"volta, ;orque não ;arava um.C ..v,,se+undo de ;ensar que estava nua ;or :ai o da camiseta# MasKarel insistia, em:ora mamãe tam:Nm começasse a ;rotestar" ' moça não vai /a er e erc*cios como no e Nrcito\Karel o:stinava"se" (ão, não, eu quero que ela /ique de costas#E Eva aca:ou o:edecendo"lhe# (ão esqueçamos que mamãe en er+ava muito mal# To"mava /rades"de";edra ;or cidades e con/undia Eva com %o"na (ora# Mas :astava ter os olhos semi/echados e Karel tam" :Nm ;oderia tomar /rades"de";edra ;or casas# (ão tinha ele,durante uma semana inteira, inve ado a ;ers;ectiva de ma"mãe$ !echou ;arcialmente as ;Al;e:ras e viu diante dos olhosuma :ele a do ;assado#Huardara disso uma lem:rança inesquec*vel e secreta# Eletinha talve quatro anos, mamãe e %ona (ora estavam comele numa estação de A+uas onde seria$ ele não tinha a menor idNia , e ele devia es;erA"las num vestiArio deserto# Es;eravaali ;acientemente, so inho, entre rou;as /emininas a:ando"

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era %ona (ora que ele tinha diante dos olhos, mas suas duasvelhas ami+as, as #testemunhas de sua vida, MarUeta e Eva,e ele se sentiu como um +rande o+ador de adre que aca:ade triun/ar so:re adversArios em dois ta:uleiros# Essa com" ;aração a+radou"lhe enormemente, e ele não ;Xde dei ar de

;roclamar em vo alta" Eu sou o Bo:: !isher, eu sou o Bo:: !isher\ "+ritava rindo Ys +ar+alhadas#>86=Enquanto Karel :errava que se achava o Bo:: !isher

que mais ou menos nessa N;oca aca:ava de +anhar na &slZn"# ,b dia o cam;eonato mundial de adre , Eva e MarUeta esta"vam estendidas, a:raçadas uma na outra, no divã, e Eva sus"surrou no ouvido da ami+a< " om:inado$MarUeta res;ondeu que sim e a;ertou os lA:ios contraos lA:ios de Eva#0ma hora antes, quando estavam untas no :anheiro, Eva, lhe ;edira /ora com essa idNia que ela viera, idNia cu a hones"tidade lhe ;arecia duvidosa ;ara ir um dia Y sua casa, a /imde retri:uir a visita# Ela +ostaria de convidar Karel tam:Nm,mas Karel e o marido de Eva eram ciumentos e não tolera"vam a ;resença de outro homem# (a hora MarUeta achara quelhe seria im;oss*vel aceitar,contentando"se em rir# (o entanto, al+uns minutos mags tar"de, no quarto, onde a ta+arelice da mãe de Karel a;enas lheroçava as orelhas, a ;ro;osta de Eva tornara"se tão o:sessivaquanto a ;rinc*;io lhe ;arecera inaceitAvel# O es;ectro do ma" " rido de Eva estava com elas#E de;ois, quando Karel começara a +ritar que tinha qua"tro anos, quando se ;usera de c coras ;ara olhar, de :ai o,

Eva de ;N, ela dissera consi+o que era realmente como se ele,tivesse quatro anos, como se /u+isse diante dela ;ara sua in"/Zncia, e as duas /icaram so inhas, somente com seu cor;oe traordinariamente e/ica , tão mecanicamente /orte que ;a", rec*a im;essoal, va io, e ;odia"se ima+inar nele qualquer al"ma# 'tN mesmo, se /osse necessZrio, a alma do marido de Eva,esse homem inteiramente desconhecido, sem rosto e sema;arSncia#MarUeta se dei ou amar ;or esse cor;o masculino mecZ"nico, em se+uida olhou esse cor;o se atirar entre as ;ernas deEva, mas ela se es/orçava em não ver o rosto ;ara ;oder ;en"sar que era o cor;o de um desconhecido# Era um :aile de m#As"caras# Karel ;usera em Eva a mAscara de (ora, ;usera em simesmo uma mAscara de criança, e MarUeta tirava"lhe a ca:e"

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ça do cor;o# Ele era um cor;o de homem sem ca:eça# Karelhavia desa;arecido e aconteceu um mila+re MarUeta estavalivre e ale+re\.erA que ql " o con/irmar, com isso, a sus;eita de Karel,que achava que " "as ;equenas or+ias a domic*lio tinham sido

atN então, ;a " MarUeta, a;enas um sacri/*cio e umso/rimento$ (ão, seria sim;li/icar demais# MarUeta dese ava realmen"te, com o cor;o e os sentidos, as mulheres que ela considera"va amantes de Karel# E as dese ava tam:Nm com a ca:eçareali ando a ;ro/ecia do velho ;ro/essor de matematica, elaqueria " ;elo menos dentro dos limites d /unesto contrato" revelar"se audaciosa e ovial e es;antar Karel#. que, assim que se via nua com elas no +rande divã,as diva+ações sensuais desa;areciam lo+o de sua ca:eça, e :as"tava ver o marido ;ara assumir novamente o seu ;a;el, o ;a" ;el daquela que era a melhor e a quem se ma+oava# Mesmoquando estava com Eva, de quem +ostava muito e de quemnão sentia ciVmes, a ;resença do homem muito amado lhe ;e"sava muito, su/ocando o ;ra er dos sentidos# (o momento em que lhe tirou a ca:eça do cor;o, ela sen"tiu o contato desconhecido e em:ria+ador da li:erdade# Esseanonimato dos cor;os era o ;ara*so desco:erto re;entinamen"te# om um ;ra er curioso, ela e ;ulsava de si sua alma ma"+oada e vi+ilante demais, e trans/ormava"se em sim;les cor" ;o sem mem ria nem ;assado, mas ainda mais rece;tivo e Avi"do# 'cariciava ternamente o rosto de Eva, enquanto o cor;osem ca:eça movia"se s :re ela com vi+or#Mas eis que o cor;o sem ca:eça interrom;eu seus movi"mentos e, com uma vo que lem:rava desa+radavelmente avo de Karel, ;ro/eriu uma /rase incrivelinente idiota Eu souBo:: !isher\ Eu sou Bo:: !isher\!oi como um des;ertador que a tirasse de um sonho# E,nesse momento, como ela se a:raçasse com Eva assim comoquem dorme, ao ser acordado, se a:raça ao travesseiro, ;araesconder"se da lu ;ertur:adora do dia , Eva ;er+untou"lhe

om:inado$ E ela assentiu, com um +esto que indicava que>9 " >7estava de acordo, e a;ertou seus lA:ios contra os lA:ios de Eva#.em;re A amara, mas ho e, ;ela ;rimeira ve , amava"a comtodos os sentidos, ;or ela mesma, ;or seu cor;o e ;or sua ;e"le, e em:ria+ava"se com esse amor carnal como se /osse umarevelação sV:ita#Em se+uida elas deitaram uma ao lado da outra, de :ru"ços, o traseiro levemente levantado, de;ois MarUeta sentiu emsua ;ele que aquele cor;o in/initamente e/ica /i ava nova"mente os olhos so:re elas e que iria, a qualquer instante, re"

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o/ensas a ela# Fuando ele ainda morava na casa dela com Mar"Ueta, ele era im;aciente com ela, muitas ve es atN mesmo +ros"seiro, indi/erente, e tinha"lhe /eito so/rer muito# .im, dessave ela reconhecia, eles tinham sido muito amAveis, di/eren"tes do que eram antes# Tinham mudado, sim# Mas ;or que

tiveram de es;erar tanto$Karel escuta essa lon+a ladainha de reclamações ele aconhece de cor , mas não se irrita nem um ;ouco# Olha ma"mãe com o canto do olho e mais uma ve /ica sur;reso ;or ela estar tão ;equena# omo se sua vida inteira tivesse sidoum ;rocesso de encolhimento ;ro+ressivo#Mas o que seria e atamente esse encolhimento$.eria o encolhimento real do homem que a:andona suasdimensões de adulto e em;reende a lon+a via+em atravNs davelhice e da morte em direção Ys distZncias onde e iste a;e"nas um nada sem dimensões$?6Ou seria esse encolhimento a;enas uma ilusão de tica,devida ao /atC " de mamãe estar se a/astando, de ela estar emoutro lu+ar, "le ser vista ;or ele ;ortanto de muito lon+e, eela lhe a; "ecce como um cordeiro, um ;assarinho, uma :or:oleta$Fuando mamãe interrom;eu um instante sua ladainhade reclantlaçõ "s, Karel lhe ;er+untou" O quoe aconteceu a/inal com %ona (ora$" " umla velha a+ora, sa:e$ EstA quase ce+a#" )ocS a vS de ve em quando$" ntãc$ vocS não sa:e$ " ;er+untou mamãe, enca" :ulada# 's du " m "eTes tinham dei ado de se ver havia muitotem;o, elas ti "h " se se;arado, an+adas e amar+as, e nãose reconciliar " nunca mais# Karel devia se lem:rar#" E v " não sa:e onde estivemos dN /Nrias c m ela quan"do eu era ;eqlueno$" laro que sei\ " e clamou mamãe, e ela disse o no"me de uma es "ação de A+uas na BoSmia# Karel conhecia :emo lu+ar, nsas n(nca sou:era que era lA, ;recisamente, que /ica"va o vestgArio onde ele vira %ona (ora inteiramente nua#Tinha a+rora dian/e dos olhos a ;aisa+em de vales ondu"lados daquela cidade de estação de A+uas, o ;eristilo de ma"deira cor "6 co6Dn " escul;idas e, em volta, as colinas co:ertasde ;radarias o "nde ;astavam ovelhas cu os +ui os eram ouvi"dos tilintando# Ele ;lantava em ;ensamento, nessa ;aisa+em

como o autor de uma cola+em coloca so:re uma +ravura umaoutra +ravura "ecortada , o cor;o nu de %ona (oraJ veio"lhea idNia de que /a :ele a N a /aisca que sur+e quando, de re;en"te, atravNs da c3istãncia dos anos, duas idades di/erentes se en"contram# Fue a :ele a N a a:olição da cronolo+ia e a revolta

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contra o tem; o#Ele estav " re2leto atN em cima dessa :ele a e de +ratidão ;or ela# &De;o/s disse A queima"rou;a"6) " "ã,e, n s ;ensamos, MarUeta e eu, que talde vo"cS queira v "ir m2r " conosco# (ão N di/*cil trocar o a;artamento

;or outro um ;ouco maior#Mamãe a "iciou"lhe a mão" ) "S N muito :om, Karel# Muito :om# !ico contente ;or vocS me di er isso# Mas, sa:e, meu cachorro A tem seushA:itos lA# E /i # "i ade com al+umas vi inhas#Em se+uida< " " s su:iram no trem, e Karel ;rocurou umcom;artimento ; "ra mamãe# 'chou todos muito cheios e des"con/ortAveis# !inalmente, ele a /e sentar"se na ;rimeira clas"se e correu ;ara ;rocurar o ins;etor a /im de ;a+ar a di/eren"ça# E, como estava com a carteira na mão, tirou dela uma no"ta de cem coroas e colocou"a na mão de mamãe, como se ma"mãe /osse uma mocinha que estivesse sendo mandada ;ara :emlon+e, ;elo vasto mundo, e mamãe se+urou a # nota semes;antar"se, com muita naturalidade, como uma cole+ial ha" :ituada a que os adultoslhe dessem de ve em quando um ;ou"co de dinheiro#E de;ois o trem começou a andar, mamãe estava na a"nela, Karel estava na ;lata/orma e acenou ;ara ela durantemuito tem;o, muito tem;o, atN o Vltimo instante#?= 4 ?3TER E&R' 2'RTEos "Dos6r J<<,6Rinoceronte N uma ;eça de Eu+ene &onesco cu os ;erso"na+ens, ;ossu*dos ;elo dese o de serem semelhantes uns aosoutros, trans/ormam"se ;ouco a ;ouco em rinocerontes# Ha" :rielle e Michele, duas ovens americanas, estudavam essa ;eçaD, num curso de /Nrias ;ara estudantes estran+eiros numa ;equenacidade da costa mediterrZnea# Eram as alunas ;re/eridas deMme# Ra;hael, a ;ro/essora, ;orque a olhavam sem;re aten"tamente e anotavam com cuidado todas as suas o:servações#&io e ela lhes ;edira que ;re;arassem untas, ;ara a aula se"i +uinte, uma e ;osição so:re a ;eça#" (ão entendi muito :em o que si+ni/ica eles se trans"< /ormarem todos em rinocerontes " disse Ha:rielle#" &sso tem que ser inter;retado como um s*m:olo " e " ;licou Michele#

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" " verdade " disse Ha:rielle# " ' literatura N /eitae de s*m:olos#" O rinoceronte N antes de mais nada um s*m:olo "disse Michele#f " ", mas mesmo admitindo que eles não tenham se

J trans/ormado em rinocerontes de verdade, mas a;enas em s*m" :olos, ;or que teriam eles se trans/ormado ustamente nesse$ s*m:olo, e não num outro$" ", N mesmo um ;ro:lema " disse Michele, triste,e as duas moças, que estavam voltando ;ara a re;V:lica deJ estudantes, /i eram uma lon+a ;ausa#" " !oi Ha:rielle que rom;eu o silNncio, " )oce não acha que N um s*m:olo /Zlico$?8O quS$ " ;er+untou Michele#" O chi/re " disse Ha:rielle#" r verdade\ " e clamou M[clgele, mas em se+uidahesitou# " .A que### ;or que se trans/ormariam todos em s*m" :olos /Alicos$ 's mulheres e os homens$'s duas moças, que andavam em direção Y re;V:lica, se< calaram novamente#" Tenho uma idNia " disse Michele de re;ente#" Fual$ " inda+ou Ha:rielle com interesse#, < " 'liAs, N uma coisa que Mme# Ra;hael mais ou menossu+eriu " d[sse Michele, a+uçando a curiosidade de Ha:rielle#< " Então o que N$ !ala\ " i`sist[u Ha:r[elle comim;aciSncia#" O autor quis criar um e/eito cXm[co\< ' idNia que sua am[+a e ;ressara cativou a tal ;onto Ha" :rielle que, inteiramente concentrada no que tinha na ca:eça,ela esqueceu suas ;ernas e diminuiu o ;asso# 's duas moças ;araram#" )ocS acha que o s*m:olo do rinoceronte estA ali ;ara\ criar um e/eito comico$ " ;er+untou ela#" 'cho " res;ondeu M[chele, e sorriu com o sorrisoor+ulhoso de quem encontrou a verdade#" )ocS tem ra ão " disse Ha:r[elle#'s duas moças se olharam, /eli es com a ;r ;ria audA"cia, e o canto de suas :ocas estremecia de or+ulho# %e;ois,de re;ente, elas começaram a em[tir sons a+udos, curtos, des",, cont*nuos, muito di/*ceis de descrever com ;atavras#=Riso$ 'l+uNm amais se im;orta com o riso$ %i+o rir real"mente, alNm da :rincadeira, da ca!oada, do rid*culo# Rir, sa"tis/ação imensa e deliciosa, satis/a "ão com;leta###Eu di ia Y minha irmã, ou ela me di ia, vem, vamos :rin"car de rir$ %eitAvamos uma ao lado da outra numa cama e

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come "Avamos# !in+indo, N claro# Risos /or "ados# Risos rid*"culos# Risos tão rid*culos que nos /a iam rir# Então ele vinha,o verdadeiro riso, o riso inteiro, nos levar em sua imensa va"+a# Risos e ;lodidos, retomados, sacudidos, desencadeados,risos ma+n*/icos, suntuosos e loucos### E r*amos atN o [n/ini"

to do riso de nossos risos### 'h, o riso\ Riso de satis/a "ão,satis/a "ão do risoJ rir N viver de maneira muito ;ro/unda#O te to que aca:o de citar /oi tirado de um livro intitu"lado 2arole de /emme# Ele /oi escrito em 678C ;or uma dasa;ai onadas /eministas que marcaram com um traço caracte"r*stico o clima de nosso tem;o# D um mani/es t^o m*stico daale+ria# 'o dese o se ual do macho, dedicado aos instantes/u+a es da ereção, ;ortanto /atalmente associado Y violSncia,ao aniquilamento, ao desa;arecimento, a autora o;õe,e altando"o como seu o;osto, o ;ra er /eminino, suave, oni" ;resente e cont*nuo# 2ara a mulher, desde que ela não se aalienada de sua ;r ;ria essSncia, comer, :e:er, urinar, de/e"car, tocar, ouvir, ou mesmo estar ;resente, tudo N ;ra er# Es"sa enumeração de volV;ias estende"se atravNs do livro comouma :ela ladainha# )iver N :om ver, ouvir, tocar, :e:er, co"mer, urinar, de/ecar, mer+ulhar na A+ua e olhar o cNu, rir echorar# E se o coito N :elo, N ;orque ele N a totalidade dos ;ra eres ;oss*veis da vida o tocar, o ver, o ouvir, o /alar, osentir, mas ainda o :e:er, o comer, o de/ecar, o conhecer eo dançar# O amamentar tam:Nm N uma ale+ria, mesmo o ;ar"to N uma satis/ação, a menstruação N uma delicia, essa salivamorna, esse leite o:scuro, esse escoamento morno e como queadocicado do san+ue, essa dor que tem o +osto quente da/elicidade#. um im:ecil ;oderia rir desse mani/esto da ale+ria# To"do misticismo N um e a+ero# O m*stico não deve temer o rid*"culo, se quiser ir atN o /im, atN o /im da humildade, ou atNo /im do ;ra er# 'ssim como .anta Teresa sorria em sua a+o"nia, .anta 'nnie Leclerc N assim que se chama a autora dolivr " de onde tirei as citações a/u"ma que a morte N um /ra+"mento de ale+ria e que s o macho a teme, ;orque estA mise"ravelmente ;reso a seu ;equeno eu e a seu ;equeno ;oder#

+ ?7 (o alto, como se /osse a a: :ada desse tem;lo da volV" ;ia, e ;lode o riso, transe delic[oso da /elicidade, au+e e tre"mo da ale+ria# Riso de sat[s/a;ão, sat[s/ação do r[so# &ncon"testavelmente, esse riso estA alNm da :rincadeira, da caçoada,do rid*cuio# 's duas irmãs deitadas na cama não riem de na" ", b da de ;recgso, o riso delas não tem o: eto, N a e ;ressão doser que se ale+ra em ser# %o mesmo modo que, ;elo seu +emi"do, a ;essoa que so/re ;rende"se ao momento ;resente de seu& , cor;o que so/re e /ica inteiramente /ora do ;assado e do

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/u"turo , tam:Nm aquele que e ;lode nesse riso e tAtico /ica sem, lem:rança e sem dese o, ;ois lança seu +rito no momento ;re"sente do mundo e s quer sa:er desse momento#)ocSs certamente se lem:ram desta cena ;or tS"la visto

em de enas de /ilmes ruins uma moça e um ra;a se dão a, mão e correm numa :ela ;aisa+em de ;!imavera ou de ve"rão # Eles correm, correm, correm e riem# O riso dos dois cor"redores deve ;roclamar ;ara o mundo inteiro e ;ara os es;ec"tadores de todos os cinemas n s somos /eli es, estamos con", tentes de estar no mundo, estamos de acordo com o ser\ uma cena idiota, um clichS, mas ela e ;rime uma atitude hu"mana /undamental o riso sNrio, o riso alNm da :rincadeira#Todas as &+re as, todos os /a:ricantes de lin+erie, todos

os +enerais, todos os ;artidos ;oliticos estão de acordo a res" ;eito desse riso e todos se ;reci;itam ;ara colocar a ima+em

desses dois corredores risonhos nos carta es onde /a em ;ro"r " "J, ;a+anda de sua reli+iãoJ de seus ;rodutos, de sua ideolo+ia,i de seu ;ovo, de seu se o e de seu sa:ão de lavar louça#

ustamente esse riso que riem MichNle e Ha:rielle# Elassaem de uma ;a;elaria, se dão a mão e, na mão que estA li"f vre, cada uma delas :alança um ;equeno em:rulho onde hAe<i ;a;el colorido, cola e elAsticos#" Mme# Ra;hael vai /icar entusiasmada, vocS vai ver < " di Ha:rielle, e emite sons a+udos e descont*nuos# MichNleconcorda com ela e /a mais ou menos o mesmo :arulho#2ouco de;ois de terem ocu;ado meu ;ais em 67?9, osrussos me e ;ulsaram do meu tra:alho como outros milha"res e milhares de tchecos , e nin+uNm tinha o direito de medar outro em;re+o# Então al+uns ovens ami+os vieram me ;rocurar, ami+os que eram ovens demais ;ara A estarem naslistas dos russos e que ;odiam ;ortanto continuar nas salasde redação, nas escolas, nos estVdios de cinema# Esses :onse ovens ami+os, que nunca trairei, me ;ro;useram escrever,usando o nome deles, dramas ;ara o rAdio e a televisão, ;e"ças de teatro, arti+os, re;orta+ens, roteiros de /ihnes, ;ara quedessa maneira eu ;udesse +anhar a vida# 0tili ei al+uns des"ses serviços, mas recusei a maior ;arte deles, ;orque não con"se+uia /a er tudo o_ que me ;ro;unham e, tam:Nm, ;orqueera ;eri+oso# (ão ;ara mim, mas ;ara eles# ' ;olicia secretaqueria nos matar de /ome, nos redu ir A# misNria, nos o:ri+ar a ca;itular ou a nos retratar ;u:licamente# Era ;or isso queela vi+iava com atenção as lamentAveis sa*das ;elas quais ten"tAvamos esca;ar do cerco, e casti+ava duramente aqueles queem;restavam seus nomes#Entre esses +enerosos doadores, havia uma moça chamada

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quando era criança , mas que o ;oder de uns e de outros se amais ou menos equili:rado# .e e iste no mundo muito senti"do indiscut*vel o ;oder dos an os , o homem sucum:e so:o seu ;eso# .e o mundo ;erde todo o seu sentido o reino dosdemXnios , tam:Nm não se ;ode viver#

's coisas de re;ente ;rivadas de seu su;osto sentido, dolu+ar que lhes N destinado na ordem es;erada das coisas ummar ista /ormado em Moscou acreditar em hor sco;os ;ro"vocam em n s o riso# Em sua ori+em, o r[so ;ertence ;ortan"to ao dom*nio do dia:o# E iste al+uma coisa de mau as coi"sas de re;ente se revelam di/erentes daquilo que ;areciam ser ,mas e iste nele tam:Nm uma ;arte de al*vio salutar as coisassão mais leves do que ;areciam, elas nos dei am viver maislivremente, dei am de nos o;rimir so: sua austera seriedade #Fuando o an o ouviu ;ela ;rimeira ve o riso do demX"nio, /oi tomado de estu;or# &sso se ;assou num /estim, a salaestava cheia de +ente e as ;essoas /oram dominadas umas a; sas outras ;elo riso do dia:o, que N horrivelmente conta+ian"te# O an o com;reendeu claramente que esse riso era diri+idocontra %eus e contra a di+nidade de sua o:ra# .a:ia que ti"nha de rea+ir ra;idamente, de uma maneira ou de outra, massentia"se /raco e sem de/esa# (ão conse+uindo inventar nada,imitou seu adversArio# ':rindo a :oca, emitiu sons entrecor"tados, descont*nuos, em intervalos acima de seu re+istro vo"ca& era mais ou menos o mesmo som que MichNle e Ha:rielle/a iam ouvir numa rua de uma cidade da costa mediterrZnea ,mas dando"lhe um sentido o;osto Enquanto o riso do dia:omostrava o a:surdo das coisas, o an o, ao contrArio, queriaale+rar"se ;or tudo aqui em:ai o ser :em ordenado, sa:ia"mente conce:ido, :om e cheio de sentido#'ssim, o an o e o dia:o se en/rentavam e, mostrando a :oca a:ertaJ emitiam mais ou menos os mesmos sons, mas cadaum e ;ressava, com seu ru*do, coisas a:solutamente contrA"rias# E o dia:o olhava o an o rir, e ria cada ve mais, cadave melhor e cada ve mais /rancamente, ;orque o an o rindoera in/initamente cXmico#0m riso rid*culo N um desastre# (o entanto, os an os ain"da assim o:tiveram um resultado# Eles nos en+anaram comuma im;ostura semZntica# 2ara desi+nar sua imitação do ri"so e o riso ori+inal o do dia:o , e iste a;enas uma ;alavra#-o e em dia nem nos damos conta de que a mesma mani/es"tação e terior enco:re duas atitudes interiores a:solutamenteo;ostas# E istem dois risos e não temos uma ;alavra ;aradistin+ui"los#>0ma revista ;u:licou esta /oto+ra/ia uma /ila de homensde uni/orme, com /u il ao om:ro, um ca;acete na ca:eça, com"

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O l +ico, ;ara o velho 2e+ue uma /olha de ;a;el e cal"cule# Tirando duas ;atas de dois +atos, quantas ;atas /icam ;ara cada +ato$

O velho, ;ara o l +ico E [stem vArias solu "ões ;oss*"veis# 0m +ato ;ode ter quatro ;atas, o outro duas# 2ode ha"

ver um +ato com cinco ;atas e um outro +ato com uma ;ata#Tirando as duas ;atas, de oito, dos dois +atos, ;odemos ter um +ato com seis ;atas e um +ato sem nenhuma ;ata# Miclgele interrom;e a leitura" (ão entendo como se ;ode tirar as ;atas de um +a"to# .erA que ele seria ca;a de cortA"las$" Michele\ " e clamou Ha:rielle#" E tam:Nm não entendo como N que um +ato ;ode ter seis ;atas#" Michele\ " e clamou de novo Ha:rielle#" O quS$ " ;er+untou Michele#" .erA que vocS esqueceu$ )ocS mesma disse\" O quS$ " ;er+untou de novo" Michele#" Esse diAlo+o certamente tem ;or o: etivo criar um e/ei"to cXmico\" )ocS tem ra ão " disse Michele, e olhou com ale+ria ;ara Ha:rielle# 's duas moças se olhavam nos olhos, haviacomo que um estremecimento de or+ulho no canto de seus lA" :ios, e /inalmente suas :ocas dei "caram esca;ar sons curtos edescont*nuos em intervalos acima de seu re+istro vocal# %e" ;ois, mais uma ve , os mesmos sons e ainda os mesmos sons#0m riso /orçado# 0m riso rid*culo# 0m r[so tão rid*culo queelas não ;odem /a er outra co[sa senão rir# %e;o[s vem o ver"dadeiro riso, o riso estrondoso, retomado, sacud[do, desen"/reado, as e ;losões de riso, ma+n*/icas, suntuosas e loucas#Elas riem de seu riso atN o in/in[to de seu r[so### 'h, o riso\Riso de satis/a "ão, satis/ação do riso###E, em al+um lu+ar, Mme Ra;hael, inteiramente s , va"+ava ;elas ruas da ;equena cidade da costa mediterrZnea# Elalevantou de re;ente a ca:eça, como selhe che+asse de lon+eo /ra+mento de uma melodia, /lutuando no ar leve, ou comose um ;er/ume distante lhe alcançasse o nari # Ela ;arou e ou"viu em sua ca:eça o +rito do va io que se revoltava e que que"ria ser co:erto# 2arecia"lhe que em al+um lu+ar, não muitolon+e dela, tremulava a chama do +rande riso, que havia, tal"ve , em al+um lu+ar, :em ;erto, ;essoas de mãos dadas quedançavam em roda###Ela continuou assim al+um tem;o, olhou em volta de si,nervosa, de;ois, :ruscamente, a mVsica misteriosa ;arou Mi"chele e Ha:rielle tinham ;arado de rirJ elas tinham de re;enteo ar cansado e diante delas uma no[te va ia sem amor , e Mme#8? & 88

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/estação de sua inocSncia, que contrastava, com :rilho, coma escuridão cul;ada dos dois en/orcados, traidores do ;ovoe de sua es;erança#'ndrN Breton não acreditava que Kalandra tivesse tra*"do o ;ovo e sua es;erança e, em 2aris, chamara Jluard nu"

ma carta a:erta datada de 63 de unho de 67>G ;ara ;rotes"tar contra a acusação insensata e tentar salvar o velho ami+o#Mas luard estava muito ocu;ado dançando numa +i+antes"ca roda entre 2aris, Moscou, 2ra+a, )ars via, . /ia e HrN"cia, entre todos os ;a*ses socialistas e todos os ;artidos co"munistas do mundo, e em todos os lu+ares recitava seus :elosversos so:re a ale+ria e a /raternidade# %e;ois de ler a cartade Breton, ele dera dois ;assos no lu+ar, de;ois um ;asso ;a"ra a /rente, :alançara a ca:eça ne+ativamente, recusando"sea de/ender um traidor do ;ovo na revista'ction de 67 de u"nho de 67>G , e ;usera"se a rec[tar com vo metAlica

)amos alimentar a inocSnciaom a /orça que ;or muito tem;o

(os /altou (unca mais /icaremos sAs# E eu va+ava ;elas ruas de 2ra+a, em volta de mim +ira"vam as rodas de tchecos que riam dançando, e eu sa:ia que89 87 "lf " \inão est "ava do lado deles, mas do lado de Kalandra, que tam" :Nm sa*ra da tra et r[a circular e ca*ra, ca*ra, ;ara terminar sua queda num cai ão de condenado, mas, mesmo não estan"do do lado deles, eu os olhava dançar com inve a e nostal+ia,não ;odia tirar os olhos deles# E nesse momento en er+uei"o :em na minha /rente\Ele os se+urava ;elos om:ros, cantava com eles duas outrSs notas :em s[m;les, levantava a ;erna esquerda de um la"do, de;ois a ;erna direita do outro# .im, era ele, o /ilho que"rido de 2ra+a, luard\ E de re;ente aqueles que dançavamcom ele calaram"se, continuaram a mover"se num silSncio a:"soluto, enquanto ele entoava um de seus ;oemas no ritmo das :atidas das solas de seus sa;atos

!u+iremos do descanso, /u+iremos do sono,Tomaremos de assalto a madru+ada e a ;rimaveraE ;re;araremos dias e esta "ões (a med[da de nossos sonhos# Em se+uida, :ruscamente, todos recomeçaram a cantar aquelas trSs ou quatro notas :em sim;les e aceleraram o rit"mo de sua dança# !u+iam do descanso e do sono, tomavamo tem; de assalto e alimentavam sua inocSncia# Todos sor"

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riam, e Eluard inclinou"se ;ara uma moça que se+urava ;elosom:ros

O homem ;ossu*do ;ela ;a tem sem;re um sorriso# E a moça começou a rir, :atendo mais /orte com o ;Nno as/alto, de modo que su:iu a al+uns cent*metros do solo,

levando os outros consi+o ;ara cima, e no instante se+uintenenhum deles tocava mais o chão, davam dois ;assos no lu"+ar e um ;asso ;ara a /rente, sem tocar o chão, N, eles voa"vam so:re a 2raça .ão )enceslau, sua roda dançante ;areciauma +rande coroa que alçava vXo, e eu corria em:ai o, naterra, er+uendo os olhos ;ara vS"los, e eles estavam cada vemais lon+e, voavam levantando a ;erna esquerda de um la"do, de;ois a ;erna direita do outro, e em:ai o deles estava2ra+a com seus ca/Ns cheios de ;oetas e suas ;risões cheiasde traidores do ;ovo, e no cremat rio estavam incinerandouma de;utada socialista e um escritor surrealista, a /umaçasu:ia ;ara o cNu como um /eli ;ressA+io, e eu ouvia a vometAlica de luard

O amor estA tra:alhando, ele N incansAvel# Eu corria atrAs dessa vo ;elas ruas ;ara não ;erder devista aquela es;lSndida coroa de cor;os ;lanando so:re a ci"dade, e sa:ia, com an+Vstia no coração, que eles voavam co"mo os ;Assaros e que eu ca*a como ;edra, que eles tinham asase que eu nunca mais as teria#8%e oito anos a; s sua e ecução, Kalandra /oi totalmen"te rea:ilitado, mas al+uns meses mais tarde os tanques russosirrom;eram na BoSmia e lo+o de enas de milhares de ;essoastam:Nm /oram acusadas de terem tra*do o ;ovo e sua es;e"rança, al+uns /oram o+ados na ;risão, a maioria /oi e ;ulsade seu tra:alho e, dois anos mais tarde ;ortanto,, vinte anosde;ois do vXo de luard so:re a 2raça .ão )enceslau , umdesses novos acusados eu tinha uma seção de astrolo+ia nu"ma revista ilustrada destinada Y uventude tcheca# Tinha"se ;assado um ano desde o meu Vltimo arti+o so:re .A+itArio issoaconteceu ;ortanto em de em:ro de 6786 , quando rece:i avisita de um ra;a que eu não conhecia# .em di er uma ;ala"vra, ele me entre+ou um envelo;e# Ras+uei"o, li a carta, mas/oi"me ;reciso um momento ;ara com;reender que era umacarta de R# ' letra estava irreconhec*vel# Ela devia estar mui"to nervosa quando escrevera a carta# Es/orçara"se em redi+ir as /rases de maneira que nin+uNm mais alNm de mim ;udesse9G " 96entendS"las, tanto que eu mesmo s as com;reendia ;ela me"tade# ' Vnica coisa que eu entendia era que, com um ano deatraso, minha identidade de autor /ora desco:erta# (essa N;oca, eu tinha um ;equeno a;artamento em 2ra"

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+a, na Rua Bartolome sUa# uma rua ;equena, mas /amosa#Todos os im veis, com e ceção de dois entre os quais aqueleem que eu morava , ;ertenciam Y ;ol*cia# Fuando olhava ;a"ra /ora da minha +rande anela do quarto andar, eu via, noalto, ;or cima dos telhados, as torres do -radehine e, em:ai"

o, os ;Atios da ;olicia# (o alto des/ilava a +loriosa hist riados reis da BoSmia, em:ai o desenrolava"se a hist ria de ;ri"sioneiros ilustres# Todos ;assaram ;or lA, Kalandra e -ora"Uova, .lansU e lementis, e meus ami+os .a:ata e -`:l#O ra;a tudo indicava que era o noivo de R# olhava emtorno de si com a maior circuns;ecção# 2ensava visivelmenteque a ;ol*cia vi+iava meu a;Artamento com micro/ones escon"didos# ( s nos /i emos um sinal com a ca:eça em silSncio esa*mos# 2rimeiro andamos sem di er uma Vnica ;alavra e /oisomente quando desem:ocamos na :arulheira da 'venida (a"rodni Trida que ele me disse que R# queria me ver e que umami+o dele, que eu não conhecia, nos em;restaria um a;arta"mento no su:Vr:io ;ara esse encontro clandestino# (o dia se+uinte, ;ortanto, /i um lon+o tra eto de :on"de atN a ;eri/eria de 2ra+a, estAvamos em de em:ro, eu tinhaas mãos +eladas e os con untos residenciais estavam inteira"mente va ios Yquela hora da manhã# 'chei a casa, +raças Ydescrição que o ra;a me tinha /eito, tomei o elevador atN oterceiro andar, olhei os cartões de visita nas ;ortas e toqueia cam;ainha# O a;Artamento estava silencioso# Toquei maisuma ve , mas nin+uNm a:riu# )oltei ;ara a rua# 'ndei cercade meia hora no /rio +lacial, achando que R# estava atrasadae que iria cru ar com ela quando ela viesse, ;ela calçada de"serta, do ;onto de Xni:us# Mas não vinha nin+uNm# Tomeide novo o elevador atN o terceiro andar# Toquei mais uma vea cam;ainha# (o /im de al+uns se+undos, ouvi o :arulho dedescar+a dentro do a;artamento# (esse momento, tive a im" ;ressão de que tinham ;osto em mim o cu:o de +elo da an"+Vstia# .entia dentro do meu ;r ;rio cor;o o medo da moçaque não ;odia me a:rir a ;orta ;orque sua ansiedade lhe re"volvia as entranhas#Ela a:riu, estava ;Alida, mas sorria N es/orçava"se em ser amAvel como sem;re# !e al+umas :rincadeiras desastradasdi endo que /inalmente /icar*amos untos so inhos num a;ar"tamento va io# .entamos e ela me contou que /ora recente"mente convocada Y ;ol*cia# Eles a tinham inter ro+ado duran"te um dia inteiro# (as duas ;rimeiras horas, eles tinham lhe ;er+untado uma ;orção de coisas insi+ni/icantes, ela A esta"va se sentindo dona da situação, :rincava com eles e ;er+untara"lhes com insolSncia se eles se davam conta de queela iria /icar sem almoçar ;or causa daquelas :o:a+ens# !oranesse momento que eles tinham lhe ;er+untado ara .rta#

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R#, quem a/inal escreve os arti+os de astrolo+ia ;ara a suarevista$ Ela enru:escera e tentara /alar num /*sico cNle:re cu" o nome não ;odia revelar# Eles lhe ;er+untaram ' senho"rita conhece o .r# Kundera$ Ela dissera que me conhecia# -a"veria al+um mal nisso$ Eles lhe res;onderam (ão hA nada

de mal nisso, mas a senhorita sa:ia que o .r# Kundera se inte"ressa ;or astrolo+ia$ urila coisa que i+noro, res;ondera ela# uma coisa que a senhorita i+nora$, disseram eles rindo# 2ra+a

inteira /ala nisso e N uma coisa que a senhorita i+nora$ Ela/alara ainda al+uns instantes do es;ecialista em Atomo e umdos tiras começara a +ritar de;ois que ela não ne+asse nada\'/inal ela lhes dissera a verdade# ' redação do ornalqueria ter uma :oa seção de astrolo+ia mas não sa:ia a quemdiri+ir"se, R# me conhecia e ;edira então minha a uda# Ela es"tava certa de não ter violado nenhuma lei# Eles lhe deram ra"

ão# (ão, ela não tinha violado nenhuma lei# Tinha a;enasin/rin+ido os re+ulamentos de serviço internos que ;ro*:ema cola:oração com certas ;essoas cul;adas de terem en+ana"do a con/iança do ;artido e do Estado# Ela esclarecera quenão acontecera nada de +rave o nome do .r# Kundera /i"cara escondido so: um ;seudXnimo e ;ortanto não ;oderiater o/endido nin+uNm# Fuanto aos honorArios que o .r# Kun"dera rece:era, nem valia a ;ena /alar# Mais uma ve eles lhederam ra ão (ão tinha acontecido nada de +rave, era verda"de, eles iriam se contentar em /a er um relat rio so:re o que9= " 93&tinha acontecido, ela iria assinA"lo e não teria nada a temer#Ela assinara o relat rio e dois dias de;ois o redator"che/ea convocara ;ara anunciar que ela estava demitida sem aviso ;rNvio# (o mesmo dia ela /ora Y rAdio onde tinha al+uns ami"+os que hA muito tem;o lhe ;ro;unham tra:alho# Eles a re"ce:eram com ale+ria, mas quando ela voltou no dia se+uinte ;ara ;reencher os ;a;Nis, o che/e do ;essoal, que +ostava muitodela, estava com um ar desolado Fue :o:a+em vocS /e ,minha /ilha\ Estra+ou sua vida# (ão ;osso /a er a:solutamentenada ;or vocS#2rimeiro ela havia hesitado em /alar comi+o, ;orque ti"nha ;rometido aos ;oliciais não dar uma ;alavra com nin+uNmso:re o interro+at rio# Mas, tendo rece:ido uma nova con"vocação da ;olicia deveria ir atN lA no dia se+uinte , tinha con"clu*do que era melhor me encontrar em se+redo ;ara se en"tender comi+o e evitar que /i Nssemos declarações contradi"t rias, se ;or acaso eu tam:Nm /osse convocado#

om;reendam :em, R# não era medrosa, era sim;lesmen"te ovem e não sa:ia nada do mundo# 'ca:ava de rece:er o ;rimeiro +ol;e, incom;reens*vel e ines;erado, e nunca mais

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iria esquecS"lo# om;reendi que eu /ora escolhido ;ara ser omensa+eiro que distri:ui ;ara as ;essoas advertSncias e casti"+os e começava a /icar com medo de mim mesmo#" )ocS acha " ;er+untou"me ela com um n na +ar"+anta " que eles estão sa:endo das mil coroas que vocS rece"

:eu ;elo hor sco;o$" (ão tenha medo# 0m su eito que estudou o mar ismo"leninismo em Moscou durante trSs anos não ousarA nunca con"/essar que mandou /a er hor sco;os#Ela riu, e esse riso, em:ora mal tenha durado meio se"+undo, tinia no meu ouvido como uma t*mida ;romessa desalvação# 2ois era e atamente esse riso que eu +ostaria de ou"vir quando escrevia aqueles arti+o inhos :o:os so:re 2ei es,)ir+em e ries, era e atamente esse riso que eu ima+inava co"mo recom;ensa, mas elN não che+ava de ;arte al+uma, ;or"que nesse meio tem;o os an os, no mundo inteiro, tinham ocu" ;ado todas as ;osições decisivas, todos os estados"maiores,tinham conquistado a esquerda e a direita, os Ara:es e os u"9Cdeus, os +enerais russos e os dissidentes russos# Eles nos olha"vam de toda ;arte com seu olho +lacial e esse olhar nos tiravaa sim;Atica rou;a+em de ale+res misti/icadores e nos desmas"carava como ;o:res im;ostores que tra:alhavam ;ara a re"vista da uventude socialista sem acreditar nem na uventudenem no socialismo, que /a iam um hor sco;o ;ara o redator"che/e ;ouco se im;ortando tanto com o redator"che/e comocom os hor sco;os, e que se ocu;avam com coisas irris riasquando todo mundo Y nossa volta a esquerda e a direita, osAra:es e os udeus, os +enera[s e os dissidentes com:atia ;elo/uturo do +Snero humano# .ent*amos so:re n s o ;eso de seuolhar que nos trans/ormava em insetos di+nos de serem es"ma+ados com o ;N#

ontrolei minha an+i*stia e tentei inventar ;ara R# o ;lanomais ra oAvel a adotar ;ara res;onder Y ;olicia no dia se+uinte#%urante a conversa, ela se levantou vArias ve es ;ara ir ao :a"nheiro# .uas voltas eram acom;anhadas ;elo :arulho da des"car+a e e ;ressões de constran+imento amedrontado# Essamoça cora osa tinha ver+onha de seu medo# Essa mulher de :om +osto tinha ver+onha de suas entranhas, que a casti+a"vam diante dos olhos de um estranho#9

erca de vinte ra;a es e moças de diversas nacionalida"des estavam sentados em suas carteiras e olhavam distraida"mente Michele e Ha:rielle que, com ar nervoso, estavam em ;N diante da cAtedra onde estava sentada Mme# Ra;hael# Elastinham na mão vArias /olhas de ;a;el co:ertas com o te tode sua e ;osição e ainda carre+avam um curioso o: eto de ;a"

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;elão munido de um elAstico#" )amos /alar da ;eça de &onesco, Rinoceronte " dis"se Michele, e inclinou a ca:eça ;ara ;lantar no nari um tu:ode ;a;elão no qual estavam colados ;edaços de ;a;el multi"9>

<,[l6 E, coloridos, de;ois ;rendeu o tu:o atrAs da ca:eça com oelAs" im;ulso e chutou de novo, dessa ve o traseiro de Ha:rielle# tico# Ha:rielle /e o mesmo# Em se+uida elas se olharam eemi" Em se+uida, voltou ;ara sua carteira com calma, com di+ni", tiram em tom a+udo sons curtos e descont*nuos# dade, atN# ' turma havia com;reendido, em suma muito /acilmen" (a hora,houve um silSncio a:soluto# te, que as duas moças queriam mostrar, ;rimeiro, que orino" %e;ois as lA+rimas começaram a ca[r dos olhos de Mi" ceronte tem um chi/re no lu+ar do nari e, se+undo, que a ;e" chele e, imediata#nente em se+uida, dos olhos de Ha:rielle# ça de &onesco N cXmica# Elas tinham decidido e ;rimir essas %e;oistoda a classe e ;lodiu num riso enorme# duas idNias, certamente com ;alavras, mas so:retudo ;elaação %e;ois .arah sentou no seu :anco# de seus ;r ;rios cor;os# %e;ois Mme# Ra;hael, ;rimeiro a;anhadades;reveni"f < Os lon+os chi/res :alançavam na e tremidade de seus ros" da echocada, com;reendeu que a intervenção de .arah era tos, e a classe ca*a numa es;Ncie de com;ai ão constran+ida, ume;is dio com:inado de uma /arsa de estudantes cuidado" como se al+uNm tivesse vind a;resentar diante dascarteiras samente ;re;arada, que não tinha outro o: etivo senãoescla" um :raço am;utado# recer o tema da anAlise a inter;retação da o:rade arte nãoJ .omente Mme# Ra;hael /icou maravl#lhada com o acha" ;ode selimitar Y a:orda+em te rica tradicionalJ N ;reciso uma do de suas ovens /avoritas e res;ondeu a seus sonsa+udos a:orda+em moderna, uma leitura ;ela ;rAtica, ;ela ação, ;e" e descont*nuos com um som semelhante# lo ha;;enin+ , e como nãovia as lA+rimas de suas /avoritas 's moças sacudiram seus lon+os nari es com um ar sa" elasestavam de /rente ;ara a turma e conseq`entemente lhe tis/eito e Michele começou a ler sua ;arte da e ;osição# davam ascostas , ela inclinou a ca:eça e assentiu com uma -avia entre os a&unos uma moça udia chamada .arah# :oa+ar+alhada# Ela ;edira, al+uns dias antes, ãs duas americanas que adei" Michele e Ha:rielle, ouvindo atrAs de si o riso da ;ro/es"< assem dar uma olhada em suas anotações todos sa:iam que sora

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querida, sentiram"se tra*das# '+ora as lA+rimas ca*am de < elas não ;erdiam uma s ;alavra do que di ia Mme# Ra;hael ,, seus olhos c mo de uma torneira# ' humilhaçãolhes /a ia tão mas elas tinham recusado s vocS não /altar ao curso ;ara mal queelas se contorc[am como se tivessem cãi:ras no

, a< < << " " ir Y ;raia# %esde esse dia, .arah as detestavacordialmente, estXma+o#, e a+ora se divertia com o es;etAculo :o:o das duas# Mme# Ra;haelima+inou que as convulsões de suas alu" Michele e Ha:rielle liam alternadamente sua anAlise do nas/avoritas /ossem um movimento de dança, e nesse momen" Rinoceronte, e os lon+os chi/res de ;a;el sa*am de seus rostos touma /orça mais ;oderosa do que sua circuns;ecção ;ro/es"< como uma vã oração# .arah com;reendeu que seria ;ena dei" soral aatirou ;ara /ora da cadeira# Ela chorava de rir, a:ria "car ;assar essa o;ortunidade# omo Michele /i esse uma ;ausa os :raços, e seu cor;o sacudia tanto que sua ca:eça era ;ro" em sua intervenção e se virasse ;ara Ha:rielle ;araindicar" etada ;ara /rente e ;ara trAs so:re o ;escoço, como umsino

i lhe que a+ora era sua ve , ela levantou"se de seu :anco ediri+iu" que um sacristão se+ura virado ;ara :ai o na ;alma da mão se As duas moças# Ha:rielle, em ve de tomar a ;alavra, /i ou etoca com toda /orça# ';ro imou"se das moças que se con" so:re .arah o ori/*cio de seu /also nari e /icou :oquia:erta# torciam convulsivamente e ;e+ou Michele ;ela mão# Eeis to" he+ando onde estavam as duas estudantes, .arah as contor" dasas trSs diante das carteiras, todas as trSs se contorciam nou as americanas não estavam em condições de virar a ca" eestavam aos ;rantos# Mme# Ra;hael dava dois ;assos no lu" :eça ;ara olhar o que se ;assava atrAs delas, como se o nari +ar,levantava a ;erna esquerda de um lado, de;ois a ;erna acrescentado /osse mu[to ;esado ;ara suas ca:eças , tomou" direita do outro, e as duas moças aos ;rantos começavam ti" im;ulso e deu em Michele um ;onta;N no traseiro, tomounovo midamente a imitA"la# 's lA+rimas escorriam ;elos seus nari"9? 9 "&<\

es de ;a;elão, e elas se contorciam e saltavam no lu+ar# %e" ;ois a .ra# 2ro/essora ;e+ou Ha:rielle ;ela mãoJ elas /orma" vam a+ora urr c*rculo diante das carteiras, davam"se as mãos todas as trSs, davam uns ;assks no lu+ar e de lado e +iravam em roda no chão da sala de aula# Do+avam a ;erna ;ara a /ren"

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te, ora ;ara a direita, ora ;ara a esquerda, e no rosto de Ha" :rielle e de MichNle as caretas dos soluços tornavam"se im;er"

, ce;tivelmente caretas de riso#\ <,

's trSs mulheres dançavam e riam, e a turma calava"se

, e olhava com muito es;anto# Mas a+ora as trSs A não en er" +avam mais os outros, estavam nteiramente concentradas em> si mesmas e em seu ;ra er# %e re;ente Mme# Ra;hael :ateu6 " mais /orte com o ;N, er+ueu"se a al+uns cent*metros acima do< &

soalho e, no ;asso se+uinte, não tocou mais o chão# arre+a" va atrAs de si suas duas com;anheiras, mais um instante e elasR \ " " +iravam todas as trSs acima do chão, su:iam em es;iral, len" tamente# .eus ca:elos A tocavam o teto, que começava a se a:rir ;ouco a ;ouco# 2or essa a:ertura, elas su:iam cada ve mais alto, seus nari es de ;a;elão não eram mais vis*veis, ha" via a;enas trSs ;ares de sa;atos que eram vistos ;elo :uraco,< << mas que aca:aram ;or sua ve desa;arecendo, enquanto do alto che+ava aos ouvidos dos alunos es;antados o riso que se

<< a/astava, o riso res;landecente dos trSs arcan os#a#r " "p,\,,ii Meu encontro com R# no a;artamento em;restado /oi

decisivo ;ara mim# (aquele momento, com;reendi de/initi"< vamente que tinha me tornado o mensa+eiro da des+raça, que

não ;odia continuar vivendo entre as ;essoas que amava sem ;re udicA"las e que s me restava sair do meu ;a*s#4 Mas tenho ainda uma outra ra ão ;ara lem:rar esse Vl" timo encontro com R# .em;re +ostei mu[to daquela moça, da maneira mais inocente, menos se ual ;oss*vel# omo se seu, 99, cor;o estivesse sem;re ;er/eitamente escondido atrAs de suainteli+Sncia radiosa, e tam:Nm atrAs da modNstia de seu com" ;ortamento e do :om tom de suas rou;as# Ela não me o/ere"i, c[a a menor /enda ;ela qual eu ;udesse entrever a lu de suanude # E de re;ente o medo a a:riu como a /aca de um açou"& +ueiro# Eu tinha a im;ressão de vS"la a:erta diante de mim,como a carcaça ;artida de uina vitela sus;ensa no +ancho deum açou+ue# EstAvamos sentados um ao lado do outro no di"vã desse a;artamento em;restado, do :anheiro che+ava atNn s o :arulho da A+ua que ca*a na cai a, e eu senti de re;enteuma vontade /renNtica de /a er amor com ela# Mais e atamen"te uma vontade /renNtica de violA"la# %e me atirar so:re ela,

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de a+arrA"la de uma s ve com todas as suas contradições in"su;ortavelmente e citantes, com suas rou;as ;er/eitas e seusintestinos em revolta, com sua ra ão e seu medo, com seu or"a +ulho e sua ver+onha# E ;arecia"me que nessas contradiçõesse escondia sua essSncia, esse tesouro, essa ;e;ita de ouro, es"

se diamante ocultado em suas ;ro/unde as# Fueria me atirar so:re ela e arrancA"lo dela# Fueria a:arcA"la inteira com suamerda e sua alma ine/Avel#Mas eu via dois olhos an+ustiados /i ados em mim olhosan+ustiados num rosto inteli+ente e quanto mais esses olhos/icavam an+ustiados, maior era o meu dese o de violA"la, eainda mais a:surdo, im:ecil, escandaloso, incom;reens*vel eirreali Avel#Fuando sa* naquele dia do a;artamento em;restado e mevi na rua deserta daquela cidade do su:Vr:io de 2ra+a R# /i"cou ainda um instante no a;artamento, tinha medo de sair aomesmo tem;o que eu e d " sermos vistos untos , /iquei muitotem;o sem ;oder ;ensar em outra coisa a não ser no imensodese o que tinha sentido de violar minha sim;Atica ami+a# Essedese o /icou em mim, ;risioneiro como um ;Assaro num sa"\ co, um ;Assaro que acorda de ve em quando e :ate as asas#2ode ser que esse dese o insensato de violar R# tenha si"do a;enas um es/orço deses;erado ;ara me a+arrar a al+umacoisa no meio da queda# 2orque, de;ois que me e clu*ram daroda, não ;aro de cair, ainda a+ora estou caindo, e no mo"mento eles não /i eram outra coisa senão me em;urrar mais97uma ve ;ara que eu ca*sse ainda mais lon+e, ainda mais /undo,cada ve mais lon+e do meu ;a*s, no es;aço deserto do mun"do onde ressoa o riso assustador dos an os que co:re com seucarrilhão todas as minhas ;alavras#Eu sei, e iste em al+um lu+ar .arah, a moça udia .a"rah, minha irmã .arah, mas onde a encontrarei$Os trechos em it "l[co /oram tirados das se+uintes o:ras" 'nnie Leclerc, 2arole de /emme, 678?#" 2aul luard, Le visa+e de la ;ai , 67>6#" Eu+:ne &onesco, Rinocrronte, 67>7#F0'RT' 2'RTE'. 'RT'. 2ER%&%'.7G& T6

alculei que, a cada se+undo, dois ou trSs novos ;erso"na+ens /ict*cios rece:em aqui em:ai o o :atismo# ;or issoque hesito sem;re em untar"me a essa numerosa multidão de.ãos Doão Batista# Mas o que /a er$ necessArio que eu dSum nome a meus ;ersona+ens# %essa ve , ;ara mostrar clara"

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mente que minha hero*na N minha e s ;ertence a mim estoumais ;reso a ela do que a qualquer outra , vou chamA"la ;or um nome que nenhuma mulher amais teve Tamina# &ma+i"no que ela N :ela, alta, que tem trinta e trSs anos e que N de2ra+a#

)e o"a em ;ensamento descendo uma rua de uma cida"de de interior no oeste da Euro;a# , vocSs A ;erce:eramN 2ra+a, que estA lon+e, que chamo ;elo nome, mas dei o noanonimato a cidade onde acontece minha hist ria# in/rin"+ir todas as re+ras de ;ers;ectiva, mas a vocSs s resta aceitar isso#Tamina tra:alha como +arçonete num ;equeno ca/N que ;ertence a um casal# O ca/N rende tão ;ouco que o marido ;e+ou o ;rimeiro em;re+o que encontrou e Tamina conse+uiuo lu+ar que, assim, /icou livre# ' di/erença entre o salArio mi"serAvel que o ;atrão rece:e em seu novo em;re+o e o salArioainda mais miserAvel que o casal ;a+a a Tamina re;resentasua ;equena vanta+em#Tamina serve ca/N e a+uardente de maçã aos /re+ueses

não são muitos, a sala estA sem;re com a metade dos lu+aresva ios , de;ois volta ;ara atrAs do :alcão# .entada no :ar,num tam:orete, quase sem;re hA al+uNm que quer conversar 73com ela# Todo mundo +osta de Tamina# 2orque ela sa:e es"cutar o que lhe contam#Mas serA que ela escuta mesmo$ Ou não /a outra coisasenão olhar, muito atenta, muito calada$ (ão sei, e isso nãotem muita im;ortZncia# O que conta N que ela não interrom" ;e# )ocSs sa:em o que acontece quando duas ;essoas conver"sam# 0ma /ala e a outralhe corta a ;alavra N e atamente co"mo eu, ]u### e começa a /alar de si atN que a ;rimeira consi+a ;or sua ve cortar N e atamente como eu, eu###Essa /rase, N e atamente como eu, eu###, ;arece ser umeco a;rovador, uma maneira de continuar a re/le ão do ou"tro, mas N um en+odo na verdade, N uma revolta :rutal con"tra uma violSncia :rutal, um es/orço ;ara li:ertar nosso ;r " ;rio ouvido da escravidão e ocu;ar A /orça o ouvido do ad"versArio 2ois toda a vida do homem entre seus semelhantesnada mais N do que um com:ate ;ara se a;ossar do ouvidodo outro# Todo o mistNrio da ;o;ularidade de Tamina N queela não dese a /alar de si mesma# Ela aceita sem resistSnciaos ocu;antes de seu ouvido e nunca di N e atamente comoeu, eu###=Bi:i N de anos mais nova do que Tamina# -A quase umano ela lhe /ala de si mesma dia a; s dia# (ão /a muito tem" ;o e /oi na realidade nesse momento que tudo começou , ela

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lhe disse que ;retendia ir a 2ra+a no verão com o marido, du"rante as /Nrias#Então, Tamina achou que acordava de um sono de mui"tos anos# Bi:i /ala ainda al+uns instantes e Tamina contra"riando seus hA:itos corta"lhe a ;alavra

" Bi:i, se vocS vai a 2ra+a, serA que ;oderia ;assar nac "asa de meu ;ai ;ara tra er uma coisa ;ara mim$ (ada de7Cmuito +rande# . um em:rulho ;equeno, vai ca:er /acilmen"te na sua mala#" 2ara vocS, qualquer coisa\ " di Bi:i, muito sol*cita#" )ou /icar eternamente +rata " di Tamina#" 2ode contar comi+o " di Bi:i# 's duas mulheres /a"lam ainda um ;ouco so:re 2ra+a e Tamina /ica com o rostoem chamas#" Eu quero escrever um livro " di em se+uida Bi:i#Tamina ;ensa no seu ;equeno em:rulho lA na BoSmiae sa:e que deve +arantir a ami ade de Bi:i# 2ortanto lo+o lheo/erece o ouvido" 0m livro$ E so:re o quS$' /ilha de Bi:i, uma +arota de um ano, en+atinha em" :ai o do tam:orete do :ar onde estA sentada sua mãe# !amuito :arulho#" Fuieta\ di Bi:i em direção ao chão, e so;ra comar ;ensativo a /umaça do ci+arro# " .o:re o mundo tal co"mo o ve o#' +arota dA +ritos cada ve mais a+udos e Tamina ;er+unta" )ocS sa:eria escrever um livro$" 2or que não$ " di Bi:i, e /ica de novo com o ar ;en"sativo# " Evidentemente ;reciso me in/ormar um ;ouco ;a"ra sa:er como se /a ;ara escrever um livro# )ocS ;or um acasoconhece BanaUa$" Fuem N$ " ;er+unta Tamina#" 0m escritor " di Bi:i# " Mora ;or aqui# 2recisoconhecS"lo#" O que /oi que ele escreveu$ _ " (ão sei " di Bi:i, e acrescenta, ;ensativa " Talveeu ;recise ler al+uma coisa dele# "7>&&Jr r " i 6,

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JJ63Em ve de uma e clamação de ale+re sur;resa, não hou"ve no / ne nada a não ser um +lacial

" Ora essa\ )ocS /inalmente se lem:rou de mim$" )ocS sa:e que eu não nado em ouro# ' li+ação N cara" disse Tamina ;ara se descul;ar#" )ocS ;ode escrever# Fue eu sai:a, os selos não cus"tam tão caro assim# (em me lem:ro mais quando rece:i suaVltima carta###

om;reendendo que a conversa com a so+ra começaramal, Tamina começou a inda+ar so:re sua saVde e so:re o queela estava /a endo, antes de se decidir a di er" Fuero lhe ;edir um /avor# 'ntes de nossa ;artida, dei"

amos um em:rulho na sua casa#" 0m em:rulho$" , 2avel colocou"o com vocS na anti+a escrivaninhado ;ai, e /echou a +aveta Y chave# )ocS lem:ra, ele sem;reteve uma +aveta nessa mesa# E dei ou a chave com vocS#" Eu não estou com a sua chave#" Mas, minha so+ra, vocS deve estar com ela# 2avelentre+ou"a a vocS# Tenho certe a# Eu estava ;resente#" )ocSs não me deram nada, não#" DA /a muitos anos, vocS deve ter esquecido# Tudo Gque lhe ;eço N que ;rocure essa chave# Tenho certe a de quevai encontrA"la#" E o que quer que eu /aça com ela$" . olhar se o em:rulho ainda estA lA#" E ;or que não estaria$ )ocSs não o colocaram lA$" olocamos#" Então ;or que tenho que a:rir a +aveta$ O que N quevocSs ;ensam que eu /i de seus cadernos$Tamina teve um choque omo a so+ra ;oderia sa:er quehavia cadernos na +aveta$ Eles estavam em:rulhados e o em" :rulho muito :em /echado com vArias tiras de /itas adesivas#

ontudo, não dei ou trans;arecer sua sur;resa7?" Mas eu não disse nada disso# . queria que vocS veri"/icasse se estA tudo no lu+ar# ' ;r ima ve dou mais detalhes#" E não ;ode me e ;licar do que se trata$" Minha so+ra, não ;osso /alar muito tem;o, N tão caro\' so+ra começou a soluçar" .e N tão caro, então não me tele/one mais#" (ão chore, so+ra " disse Tamina# onhecia de cor seus soluços# ' so+ra sem;re chorava quando quer[a /orçA"los a al+uma coisa# 'cusava"os chorando e não havia nada

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mais a+ressivo do que suas lA+rimas#O /one ressoava com os soluços e Tamina disse" 'tN lo+o, so+ra, voltarei a li+ar#' so+ra chorava, e Tamina não ousava desli+ar antes queela dissesse atN lo+o# Mas os soluços não ;aravam e cada lA"

+rima custava muito dinheiro#Tamina desli+ou#" %ona Tamina " disse a ;ro;rietAria do ca/N com avo a/lita, mostrando o rel +io ", a senhora /alou muito tem" ;o# %e;ois calculou quanto custava a li+ação ;ara a BoSmia,e Tamina se assustou com a quantia tão +rande# Teria de des"contar cada centavo ;ara a+`entar atN o ;r imo ;a+amen"to# Mas, acertou a conta sem ;estane ar#CTamina e o marido haviam dei ado a BoSmia ile+almen"te# Eles tinham se inscrito ;ara uma tem;orada Y :eira"mar que a a+Sncia de via+ens o/icial tcheca or+ani ava na &u+oslA"via# he+ando lA, a:andonaram o +ru;o e, atravessando a/ronteira da ustria, diri+iram"se ;ara o oeste#Temendo que /ossem notados durante a via+em em +ru" ;o, tinham levado a;enas uma mala cada um# (o Vltimo mo"mento, não ousaram levar o em:rulho volumoso que conti"nha sua corres;ondSncia mVtua e os diArios de Tamina# .e78&<J&um ;olicial da TchecoslovAquia ocu;ada os /i esse a:rir as :a"+a+ens durante o controle de al/Znde+a, acharia imediatamentesus;eito que eles estivessem levando todos os arquivos de suavida ;articular ;ara quin e dias de /Nrias Y :eira"mar# E co"mo não quisessem dei ar o em:rulho em casa, sa:endo quede;ois de sua ;artida o seu a;artamento seria con/iscado ;e"lo Estado, eles o tinham dei ado +uardado na casa da so+rade Tamina, numa +aveta da escrivaninha a:andonada, e ;or"tanto inVtil, do /alecido so+ro# (o estran+eiro, o marido de Tamina caiu doente, e Ta"mina s ;udera ver a morte levA"lo lentamente# Fuando ele

morrera, ;er+untaram"lhe se ela queria enterrA"lo ou cremA"< < lo# Ela disse que o cremassem# Em se+uida ;er+untaram"lhe

< J se queria +uardA"lo numa uma ou se ;re/eria /a er es;alhar f " " "\,< as cin as# Em nenhum lu+ar ela se sentia em casa, etemia car"re+ar o marido a vida toda como uma :a+a+em de mão# Man"J dara dis;ersar as cin as#" &ma+ino que o mundo se er+ue ao redor de Tamina, ca"da ve mais alto, como um muro circular, e que ela N um ;e"queno +ramado lA em:ai o# (esse +ramado cresce a;enas uma

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b, rosa, a lem:rança de seu marido#s " i " J "f Jt Ou então ima+ino que o ;resente de Tamina ele consis"< " " , te em servir ca/N e o/erecer seu ouvido N uma an+ada Yderi"

a ,J va so:re a A+ua e que ela estA nessa an+ada e olha ;ara trAs,, r " " " somente ;ara trAs#-avia al+um tem;o que estava deses;erada ;orque o ;as"" sado estava cada ve ma "s ;Alido# (ão tinha do marido senão

a /oto+ra/ia de seu ;assa;orte, todas as outras /otos tinham/icado em 2ra+a no a;artamento con/iscado# Ela olhava essa ;o:re ima+em carim:ada, de cantos cortados, em que o ma"J rido tinha sido /ocali ado de /rente como um criminoso /o"to+ra/ado ;ara o 'rquivo 2olicial e que não era nada /iel#J, Todo dia ela se dedicava diante dessa /oto+ra/ia a uma es;N"cie de e erc*cio es;iritual es/orçava"se em ima+inar o maridoe de ;er/il, de;ois de meio";er/il, de;ois de trSs quartos# !a iareviver a linha de seu nari , de seu quei o, e constatava tododia com es;anto que o es:oço ima+inArio a;resentava novos79 ;ontos discut*veis em que a mem ria que desenhava tinha\ < dVvidas#%urante esses e erc*cios, ela es/orçava"se em evocar a ;elee sua cor, e todas as ;equenas alterações da e;iderme, as ver"ru+as, as ;rotu:erZncias, as sardas, as ;equenas veias# Era di"/*cil, quase im;oss*vel# 's cores de que se servia sua mem riaeram irreais, e com essas cores não havia meio de imitar a ;e"le humana# Ela inventara ;ortanto uma tNcnica ;essoal de re"memorar# Fuando estava sentada em /rente a um homem,servia"se de sua ca:eça como um material a escul;ir olhava"a /i amente e re/a ia em ;ensamento as /ormas do rosto, dava"lhe uma cor mais escura, colocava nele as sardas e as verru"+as, diminu*a as orelhas, coloria os olhos de a ul#Mas todos esses es/orços s /a iam demonstrar que a ima"+em do marido lhe /u+ia irrevo+avelmente# (o começo da li"+ação dos dois ele lhe ;edira ele era de anos mais velho doque ela e A tinha /ormado uma certa idNia da ;recariedadeda mem ria humana ;ara ter um diArio e nele anotar ;araos dois o desenrolar de suas vidas# Ela tinha se re:elado, a/ir"# mando que era /a er ;ouco do amor deles# Ela o amava de"mais ;ara ;oder admitir_que aquilo que quali/icava de ines"quec*vel ;udesse ser esquecido# Evidentemente, aca:ara o:e"decendo, mas sem entusiasmo# Os diArios tinham se ressenti"do dissoJ muitas ;A+inas estavam va ias e as anotações,/ra+mentadas#>Ela vivera on e anos na BoSmia com o marido, e os diA"

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rios dei ados na casa da so+ra tam:Nm eram em nVmer; deon e# 2ouco de;ois da morte do marido, ela com;rara um ca"derno e o dividira em on e ;artes# claro que conse+uira se,, lem:rar :em dos acontecimentos e das situações meio esque"cidas, mas não sa:ia a:solutamente em que lu+ar do diArio

77escrevS"las# ' sucessão cronol +ica estava irremediavelmente ;erdida#Ela tentara ;rimeiro reencontrar as lem:ranças que ;o "deriam servir de ;onto de re/erSncia na ;assa+em do tem;oe tornar"se a estrutura ;rinci;al do ;assado reconstru*do# 2or e em;lo, suas /Nrias# %everia haver on e, mas ela conse+uialem:rar"se a;enas de nove# -avia duas que estavam ;erdidas ;ara sem;re#Em se+uida ela se es/orçara em or+ani ar nos on e ca;* "tulos do caderno as nove /Nrias que conse+uira relem:rar# .conse+uira /a S"lo com e atidão nos anos que se distin+uia " ;or al+uma coisa de e ce;eional# Em 67?C, a mãe de Taminatinha morrido e eles tinham [do um mSs mais tarde ;ara osTatras, onde ttnham ;assado /Nrias tristes# E ela sa:ia que naano se+uinte eles tinham ido ;ara a :eira"mar na Bul+Aria#,Lem:rava"se tam:Nm das /Nrias de 67?9 e das do ano se+uin "te, ;orque /oram as Vltimas que eles tinham ;assado na "BoSmia#Mas se tinha conse+uido :em ou mal reconstituir a maio "ria de suas /Nrias sem conse+uir datar todas , /racassara com " ;letamente quando tentava se lem:rar de seus (atais e de seus'nos"novos# %e on e (atais, s encontrava dois nos recan "tos de sua mem ria, e de on e 'nos"novos, s se lem:rava "de cinco#Fueria tam:Nm se lem:rar de todos os nomes que ele lheJdera# Ele s a tinha chamado ;or seu nome verdadeiro nos "quin e ;rimeiros dias# .ua ternura era uma mAquina de /a"# :ricar continuamente a;elidos# Ela ;ossu*a muitos nomes e,como cada nome se +astava de;ressa, ele lhe arran ava ou"#tros sem ;arar# %urante os do e anos que eles haviam ;assa"#do untos, ela tivera uns vinte ou trinta a;elidos, e cada um# ;ertencia a um ;er*odo ;reciso da vida deles#Mas como redesco:rir o elo ;erdido entre um a;elido e "o ritmo do tem;o$ Tamina s conse+uia tornar a encontrA"lo "em al+uns casos# Lem:rava"se ;or e em;lo dos dias que ti"#nham se se+uido Y morte de sua mãe# O marido lhe cochicha"#va seu nome no ouvido o nome daquela N;oca, daquele ins"tante , com insistSncia, como se tentasse acordA"la de um ;e"sadelo# Era um a;elido de que ela se lem:rava e que ela ;ude"ra re+istrar com certe a na ;arte intitulada 67?C# Mas todosos outros nomes voavam ;ara /ora do tem;o, livres e loucos

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como ;Assaros /u+idos de um viveiro# ;or isso que ela quer tão deses;eradamente ter em ca"

sa esse em:rulho de diArios e cartas#, Evidentemente, sa:e que e iste tam:Nm nos diArios uma ;orção de coisas desa+radAveis, dias de insatis/ação, de :ri"

+as e atN mesmo de tNdio, mas não se trata disso a:solutamente#Ela não quer devolver ao ;assado sua ;oesia# Fuerlhe devol"ver seu cor;o ;erdido# O que a im;ele não N um dese o de :e"le a# um dese o de vida#2ois Tamina estA A deriva numa an+ada e olha ;ara trAs,somente ;ara trAs# O volume do seu ser não N senão aquiloque ela vS lA lon+e, atrAs dela# 'ssim como seu ;assado se con"trai, se des/a , se dissolve, Tamina encolhe e ;erde seuscontornos#

la quer ter esses diArios ;ara que a /rA+il estrutura dosacontecimentos, tal como a construiu em seu diArio, ;ossa re"ce:er ;aredes e tornar"se a casa onde ela ;oderA morar# 2or"que, se o edi/*cio vacilante das lem:ranças cai como uma ten"da mal levantada, não vai so:rar nada de Tamina a não ser o ;resente, esse ;onto invis*vel, esse nada que avança lenta"mente em direção Y morte#HEntão ;or que não ter dito hA mais tem;o Y so+ra quelhe mandasse os diArios$Em seu ;a*s, a corres;ondSncia com o estran+eiro ;assa ;elas mãos da ;ol*cia secreta, e Tamina não ;odia aceitar aidNia de os /uncionArios da ;ol*cia meterem o nari em suavida ;articular# 'lNm disso, o nome do marido que era tam" :Nm seu nome certamente /icara nas listas ne+ras, e a ;ol*cia6GG 6G6R

&# #<# " #,

"Ml;el,a

, J, &<,, ,, " i, " ,em;resta a todos os documentos relacionados com a vida deseus adversArios, mesmo mortos, um interesse sem trN+uas#

(esse ;onto, Tamina não se en+anava a:solutamente# nosdossiSs dos arquivos da ;ol*cia que se encontra nossa Vnicaimortalidade#

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Bi:i era ;ortanto sua Vnica es;erança e ela /aria tudo ;aranão lar+A"la# Bi:i queria ser a;resentada a BanaUa e Tamina ;ensava sua ami+a deveria conhecer o enredo de ;elo menosum de seus livros# (a verdade N indis;ensAvel que ela mencio"ne na conversa , N e atamente o que o senhor di no seu

livro# Ou então O senhor se ;arece tanto com seus ;ersona+ens,.r# BanaUa\ Tamina sa:ia que Bi:i não tinha um Vnico livroem casa e que ela se a:orrecia com leituras# Fueria ;ortantodesco:rir o que havia nos livros de BanaUa ;ara ;re;arar aami+a ;ara esse encontro com o escritor#-u+o estava na sala e Tamina aca:ava de colocar em /ren"te a ele uma ic*cara de ca/N" -u+o, vocS conhece BanaUa$-u+o tinha mau hAlito, mas Y ;arte isso Tamina o acha"va muito sim;Atico era um ra;a calmo e t*mido, que era maisou menos cinco anos mais novo do que ela# )inha ao ca/N umave ;or semana e olhava ora os muitos livros que carre+ava,ora Tamina de ;N atrAs do :alcão#" onheço " disse ele#" Hostaria de sa:er o tema de um dos seus livros#" Escuta, Tamina " res;ondeu -u+o ", nunca nin"+uNm leu nada de BanaUa# im;oss*vel ler um livro de Bana"Ua sem ;assar ;or im:ecil# BanaUa, nin+uNm duvida disso, Num escritor de se+unda, de terceira ou mesmo de dNcima cate"+oria# Eu lhe asse+uro que BanaUa N a tal ;onto v*tima de sua ;r ;ria re;utação que des;re a as ;essoas que leram seuslivros#'ssim sendo, ela não tentou mais conse+uir os livros deBanaUa, mas estava muito decidida a or+ani ar ela mesma oencontro com o escritor# %e ve em quando em;restava seuquarto, que /icava va io durante o dia, a uma a;onesinha casa"da, de a;elido Dou ou, ;ara encontros discretos com um ;ro"/essor de /iloso/ia que tam:Nm era casado# O ;ro/essor co"6G=nhecia BanaUa, e Tamina /e os amantes ;rometerem que olevariam Y sua casa num dia em que Bi:i /osse visitA"la#Fuando Bi:i sou:e da novidade, disse" Talve BanaUa se a :onitão e tua vida se ual /inal"mente mude#8Era verdade, desde a morte do marido, Tamina não ti"nha /eito amor# (ão era ;or ;rinc*;io# Essa /idelidade alNmda morte ;arecia"lhe, ao contrArio, quase rid*cula, e ela nãose +a:ava dela com nin+uNm# Mas toda ve que ima+inava eela ima+inava isso com /req`Sncia tirar a rou;a diante de umhomem, tinha diante de si a ima+em do marido# .a:ia entãoque o veria# .a:ia que veria seu rosto e seus olhos que a

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"# " 0m romance$ " ;er+untou BanaUa com uma vo que O ;ro/essorde /iloso/ia /umava um cachim:o e se es"s,&<J

,J tra*a a desa;rovação# condia atrAs da /umaça como se tivessever+onha#,,,

Bi:i reti/icou de maneira evasiva" %esde Dames Do ce ," disse ele ", sa:emos que a

< << " (ão seria necessariamente um romance# " " maior aventura denossa vida N a ausSncia de aventuras# 0lis" " 2ense :em no que N um romance " disse BanaUa# " " ses, quetinha lutado em Tr ia, voltava sin+rando os mares,

i ;ilotava ele mesmo seu navio, tinha uma amante em cada ilha, (essa multidão de ;ersona+ens di/erentes# )ocS quer que acre"

"ditemos que vocS conhece tudo so:re eles$ Fue sa:e como eles não,

não N isso nossa vida# ' odissNia de -omero trans;ortou"se são, o que ;ensam, como se vestem, de que /am*lia vSm$ on" ;aradentro# Ela se interiori ou# 's ilhas, os mares, as sereias<< /esse que isso não lhe interessa a:solutamente\ " que nossedu em, 4taca que nos chama, não são ho e senão " verdade " reconheceu Bi:i ", isso não me interessa# vo es denosso ser interior#+i " "\ " )ocS sa:e " disse BanaUa ", o romance N /ruto de " \ e atamente isso o que sinto\ " e clamou Bi:i uma ilusão humana# ' ilusão de ;oder com;reender o outro# ediri+iu"se novamente a BanaUa# " E N ;or isso que eu que",, Mas o que sa:emos uns dos outros$ ria lhe ;er+untar o que sedeve /a er# Tenho muitas ve es a& im;ressão de que meu cor;o inteiro estA cheio de dese o de, " (ada " disse Bi:i#J ,,, " verdade " concordou Dou ou# se e ;rimir# %e /alar# %e se/a er ouvir# Ws ve es ;enso que\ vou /icar louca, or ue me sinto cheia a O ;ro/essor de /iloso/ia :alançava a ca:eça em sinal de ; q ;ontode estourar,< a;rovação# de ter vontade de +ritar# O senhor certamente conheceisso, " Tudo o que ;odemos /a er " disse BanaUa " N a;re" .r# BanaUa#Hostaria de e ;ressar minha vida, meus sentimen" sentar um relato so:re n s mesmos# 0m relato de cada um tos, quesão, sei disso, a:solutamente ori+inais, mas quando

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" ,&i " sento diante de uma /olha de ;a;el, de re;ente não sei mais so:re si mesmo# Todo o resto N a;enas a:uso de ;oder# Todo

o resto N mentira# " o que escrever# Então disse a mim mesma que N

certamente Bi:i a;rovava com entusiasmo & uma questão de tNcnica# !altam"me,N claro, certos conheci" " verdade\ inteiramente verdade\ Eu tam:Nm não f mentos que osenhor ;ossui# O senhor escreveu livros tão quero escrever um romance\ Eu me e ;ressei mal# Hostaria" :onitos###, de /a er e atamente o que o senhor disse, escrever so:re mim#

6GC 6G> "/ ,/nr 7)ou dis;ensA"*os do curso so:re a arte de escrever queos dois . crates deram Y moça# Fuero /alar de outra coisa#-A al+um tem;o, atravessei 2aris de tA i e o cho/er era /ala"dor# Ele não conse+uia dorm[r Y noite# .o/ria de uma insXniacrXnica# &sso tinha começado na +uerra# Era marinheiro# .eunavio tinha a/undado# Ele nadara durante trSs dias e trSs noi"tes# %e;ois /ora salvo# 2assara muitos meses entre a vida ea morte# !icara :om, mas ;erdera o sono#" Eu tenho atrAs de mim um terço de minha vida a maisdo que vocS " disse ele com um sorriso#" E o que N que vocS /a com esse terço a mais$ " ;er+untei#Ele res;ondeu" Eu escrevo#Eu quis sa:er o que ele escrevia#Escrevia a sua vida# ' hist ria de um homem que tinhanadado durante trSs dias no mar, que tinha lutado contra amorte, que tinha ;erdido o sono e que no entanto conservaraa /orça de viver#" )ocS escreve isso ;ara seus /ilhos$ omo uma crXni"ca de /am*lia$E*e sorriu com amar+ura" 2ara meus /ilhos$ &sso não iria interessA"los# um li"<vro que escrevo# 'cho que ;oderia a udar muita +ente#Essa conversa com o cho/er de tA i de re;ente esclareceu ;ara mim a nature a da atividade de escritor# ( s escrevemoslivros ;orque nossos /ilhos se desinteressam de n s# ( s nosdiri+imos ao mundo anXnimo ;orque nossa mulher ta;a osouvidos quando /alamos com ela#)ocSs irão re;licar que, no caso do cho/er de tA i, trata"

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se de um +ra/oman*aco e de modo al+um de um escritor# 2or"tanto, ;ara começar, N necessArio ;recisar os conceitos# 0mamulher que escreve quatro cartas ;or dia ;ara o seu amantenão N uma +ra/oman*aca# " uma a;ai onada# Mas meu ami"+o que tira /otoc ;ias de sua corres;ondSncia amorosa ;ara

a & G? ;oder ;u:licA"las um dia N um +ra/oman*aco# ' +ra/omanianão N o dese o de escrever cartas, diArios *ntimos, crXnicas /a"miliares isto N, escrever ;ara si ou ;ara seus ;r imos , masde escrever livros ;ortanto ter um ;V:lico de *eitores desco"nhecidos # (esse sentido, a ;ai ão do cho/er de tA i e a deHoethe são a mesma# O que distin+ue Hoethe do cho/er detA i não N uma ;ai ão di/erente, mas o resultado di/erente da ;ai ão#' +ra/omania mania de escrever livros assume /atalmen"tN ;ro;orções de e;idemia quando o desenvolvimento da so"ciedade ;reenche trSs condições /undamentais6 um n*ve* elevado de :em"estar +eral, que ;ermite Ys ;essoas dedicar"se a uma atividade inVtilJ= um a*to +rau de dis;ersão da vida social e, conseq`en"temente, de iso*amento +eral dos indiv*duosJ3 a /alta radical de +randes mudanças sociais na vida in"terna da nação so: esse ;onto de vista, ;arece"me sintomAti"co que na !rança, onde nada ;raticamente acontece, a ;or"centa+em de escritores se a vinte e uma ve es mais elevada doque em &srael# Bi:i aliAs se e ;ressou muito :em ao di er que,visto do e terior, ela nadA viveu# O motor que a,im;ele a es"crever N ustamente essa ausSncia de conteVdo vital, esse va io #Mas o e/eito, ;or um contra+ol;e, se re;ercute na cau"sa# O isolamento +eral en+endra a +ra/omania, e a +ra/oma"nia +enera*i ada re/orça e a+rava, ;or sua ve , o isolamento#' invenção do ;relo no ;assado ;ermitiu aos homenscom;reenderem"se mutuamente# (a era da +ra/ mania uni"versa*, o /ato de escrever livros adquire um sentido o;ostocada um se cerca de suas ;r ;rias ;alavras como de um murode es;elhos que não dei a ;assar nenhuma vo de /ora#6G8/<J6 ,JJ [lJJ J, ",f, " ,,

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U, " " "M "sfJa

i6G" Tamina " disse -u+o, um dia em que conversava comela no ca/N deserto ", sei que não tenho nenhuma chance comvocS# 2ortanto não tentarei nada# Mas ;elo menos serA que ;oderia convidA"la ;ara almoçar no domin+o$O em:rulho estA na casa da so+ra de Tamina numa cida"de do interior, e Tamina quer mandA"lo ;ara 2ra+a, ;ara acasa de seu ;ai, onde Bi:i ;oderA ;assar ;ara a;anhA"lo# ';a"rentemente, não e iste nada de mais sim;les, mas vai ser ;re"ciso muito tem;o e dinheiro ;ara convencer ;essoas velhas elunAticas# O tele/onema custa caro e o salArio de Tamina maldA ;ara ;a+ar o alu+uel e a alimentação#" 2ode " disse Tamina, lem:rando"se que -u+o comcerte a tinha um tele/one em casa#Ele vei :uscA"la de carro e eles /oram a um restauranteno cam;o#' situação ;recAria de Tamina deveria ter tornado /Acil ;ara -u+o o ;a;el de conquistador so:erano, mas ;or trAsdo ;ersona+em de +arçonete mal ;a+a, ele via a e ;eriSnciamisteriosa da estran+eira e da viVva# .entia"se intimidado# 'ama:ilidade de Tamina era como uma couraça que as :alasnão conse+uem atravessar# Ele queria chamar sua atenção,cativA"la, entrar em sua ca:eça#Es/orçava"se em inventar ;ara ela al+uma coisa de inte"ressante# 'ntes de che+ar ao destino, ;arou o carro ;ara /a S"lavisitar um ardim ool +ico instalado no ;arque de um :elocastelo de ;rov*ncia# Eles ;asseavam entre os macacos e os ;a;a+aios num cenArio de torres + ticas# Estavam s sJ um ar"dineiro com ares de cam;onSs varria as lar+as alNias co:ertasde /olhas# 2assaram ;or um lo:o, um castor, um macaco eum ti+re e che+aram a um +rande descam;ado circundado ;or uma cerca de arame atrAs da qual havia al+uns avestru es#Eram seis# 'o ;erce:erem Tamina e -u+o, correram ;araeles# '+ora /ormavam Vgn "equeno +ru;o que se com;rimiacontra a cerca, es;ichavam sNus lon+os ;escoços, olhavam ;araeles e a:riam seus :icos com;ridos e achatados# ':riam"nos6G9e /echavam"nos numa velocidade incr*vel, /e:rilmente, comose quisessem /alar cada um mais alto do que o outro# . queesses :icos eram deses;eradamente mudos e deles não sa*a omenor som#

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Os avestru es eram como mensa+eiros que tivessem a;ren"dido de cor uma mensa+em im;ortante, mas o inimi+o lhescortara as cordas vocais no caminho, e eles, tendo che+adoao destino, não ;odiam /a er nada a não ser me er suas :o"cas a/Xnicas#

Tamina os olhava, como que /ascinada, e os avestru escontinuavam /alando cada ve com mais insistSncia# %e;ois,como ela se a/astasse com -u+o, eles se ;reci;itaram atrAsdeles, ao lon+o da cerca, e continuaram a :ater seus :icos ;a"ra ;reveni"los de al+uma coisa, mas de quS, Tamina não sa:ia#66" !oi como uma cena de uma hist ria de terror " di iaTamina cortando seu ;atS# " omo se quisessem me di er al+uma coisa de muito im;ortante# Mas o que queriam di er$-u+o e ;licou que eram avestru es ovens e que se com" ;ortavam sem;re assim# ' Vltima ve que ele dera uma voltanaquele ardim ool +ico, todos os seis tinham corrido atN acerca, como ho e, a:rindo os :icos mudos#Tamina continuava ;ertur:ada" .a:e, dei ei uma coisa na BoSmia# 0m em:rulho com ;a;Nis# .e me mandarem esse em:rulho ;elo correio, hA o riscode a ;ol*cia con/iscA"lo# Bi:i quer ir a 2ra+a neste verão# 2ro"meteu tra S"los ;ara mim# E a+ora estou com medo# Eu me ;er+unto se os avestru es não vieram me avisar que aconte"ceu al+uma coisa com o em:rulho#-u+o sa:ia que Tamina era viVva e que seu marido ti"nha sido o:ri+ado a emi+rar ;or ra ões ;ol*ticas#" %ocumentos ;ol*ticos$ " ;er+untou ele#6G7Ao6 " <&r #, Jbe,,aJ "4 # #Tamina estava hA muito tem;o convencida de que, se qui"ses "e que as ;essoas do lu+ar com;reendessem al+uma coisade "sua vida, teria de sim;li/icã"la# Teria sido e tremamentedi/*cil e ;licar ;or que essa corres;ondSncia ;articular e es"ses diArios *ntimos seriam a;reendidos ;ela ;ol*cia e ;or quera ões ela /a ia tanta questão deles# %isse então" , documentos ;ol*ticos#%e;ois teve medo que -u+o lhe ;edisse detalhes so:reesses documentos, mas seus temores eram su;Nr/luos# 'l+u"ma ve A lhe tinham /eito ;er+untas$ Ws ve es as ;essoas lhe

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e ;licavam o que ;ensavam de seu ;a*s, mas não se interessa"vam ;ela sua e ;eriSncia#-u+o ;er+untou" Bi:i sa:e que são documentos ;ol*ticos$" (ão " res;ondeu Tamina#

" melhor assim " disse -u+o# " (ão di+a a ela quese trata de al+uma coisa ;olitica# (a Vltima hora, ela teria medoe não iria ;e+ar o seu em:rulho# )ocS não ima+ina como as ;essoas tSm medo, Tamina# Bi:i deve /icar ;ensando que setrata de uma coisa inteiramente insi+ni/icante, :anal# 2or e em" ;loJ de sua corres;ondSncia amorosa# lr isso, di+a a ela quesão cartas de amor que estão,no seu em:rulho#-u+o ria com sua idNia" artas de amor\ &D\ &sso não /o+e ao seu hori onte\&sso estA ao alcance de Bi:i\Tamina ;ensa que ;ara -u+o cartas de amor são umacoisa insi+ni/icante e :anal# (ão ocorre a nin+uNm que elatenha amado al+uNm e que isso tenha sido im;ortante#-u+o acrescentou" .e ;or acaso ela desistir dessa via+em, ;ode contar comi+o# Eu irei atN lA :uscar o seu em:rulho#" O:ri+ada " disse calorosamente Tamina#" )ou :usca"lo ;ara vocS " re;etiu -u+o ", mesmoque eu tenha de ser ;reso#Tamina ;rotestou" onvenhamos, nada ;ode acontecer com vocS\ " Etentou e ;licar"lhe que os turistas estran+eiros não corriamnenhum risco em seu ;a*s# LA a vida s era ;eri+osa ;ara os66Gtchecos, e nem eles ;erce:iam mais isso# %e re;ente, ela /aloulon+amente e com animação, conhecia aquele ;a*s de cor, e ;osso con/irmar que ela estava com toda a ra ão#0ma hora mais tarde, ela a;ertava contra o ouvido o te"le/one de -u+o# ' conversa com a so+ra não terminou de ma"neira melhor do que da ;rimeira ve" )ocSs nunca me con/iaram chave nenhuma\ )ocSssem;re esconderam tudo de mim\ 2or que vocS estã me o:ri"+ando a lem:rar do modo como vocSs sem;re me trataram$6=.e Tamina N tão a;e+ada a suas lem:ranças, ;or que nãovolta ;ara a BoSmia$ Os emi+rantes que dei aram ile+almen"te o ;a*s de;ois de 67?9 /oram mais tarde anistiados e convi"dados a voltar# %e que Tamina tem medo$ Ela N muito insi+"ni/icante ;ara /icar em ;eri+o em seu ;a*s\lJ, ela ;oderia voltar sem medo# E no entanto não ;ode# (o ;a*s, todos tinham tra*do seu marido# Ela achava quevoltando ;ara o meio deles o trairia tam:Nm#

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J o" " on+e, ;ara o a< J[ ara ;ara/ s na tu:o de tranq`ili antes# %e;o

, mar# 'chou que os com;rimidos ;rovocariam um imenso can"\< :< ",< ff "Q " saço e que ela iria se a/o+ar# Mas a A+ua /ria e seusmovimen" ediam de dora a im d l t / Q "J " ; a en e na ora e ce tos de atleta sem;re, r " " "< dormir e os com;rimidos eram certamente mais /racos doque ela ima+inara# )oltara ;ara a ;raia, /ora ;ara o quarto e dormira vinte\ horas# Fuando acordara havia nela calma e ;a # Ela estava resolvida a viver ]m silSncio e ;ara o silSncio#J,,3 ,#J,66=63' lu a ul";rateada do televisor de Bi:i iluminava as ;es"soas ;resentes Tamina, Dou ou, Bi:i e o marido %edN, queera cai eiro via ante e voltara na vNs;era de;ois de quatro dias#de ausSncia# !lutuava na sala um leve cheiro de urina, e natela a;arecia uma +rande ca:eça redonda, velha, careca, A qualum ornalista invis*vel aca:ava de diri+ir uma ;er+unta ;rovocante" ( s lemos nas suas Mem rias al+umas con/issões er "ticas chocantes#Era um ;ro+rama semanal durante o qual um ornalistade +rande ;o;ularidade conversava com os autores dos livros ;u:licados na semana anterior#' +rande ca:eça nua sorria com com;lacSncia" 'h, não\ (ão hA nada de chocante\ ';enas um cAl"culo inteiramente ;reciso\ onte comi+o# Minha vida se ual

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começou na idade de quin e anos# " ' ca:eça velha e redon"da olhava com or+ulho em torno de si# " , na idade de quin eanos# Tenho ho e sessenta"e cinco# Tenho ;ortanto atrAs demim cinq`enta anos de vida se ual# 2osso su;or, e essa N uma_ estimativa muito modesta, que /i amor em mNdia duas ve es#

;or semana# &sso dA cem ve es ;or ano, ;ortanto cinco mi6ve es na minha vida# ontinueriios os cAlculos# .e um or+as"mo dura cinco se+undos, tenho atrAs de mim vinte e cinco mi6se+undos de or+asmo# O que dA um total de seis horas e cin"q`enta e seis minutos de or+asmo# (ada mal, hein$ (a sala todo mundo :alança "a a ca:eça +ravemente eTamina ima+inava o velho careca tomado ;or um or+asmaininterru;to ele se contorce, leva a mão ao coração, no /imde quin e minutos sua dentadura cai da :oca e cinco minutosmais tarde ele cai morto# Ela deu uma +ar+alhada#Bi:i lhe chamou a atenção" %o que vocS estA rindo$ (ão N um :alanço tão ruimassim\ .eis horas e cinq`enta e seis minutos de or+asmo#Dou ou disse" %urante muitos anos eu não sou:e a:solutamente a663&<i<i " ( ",JJ, ,J&<f,< ",r ,r,bR n#,i "f 6 "& "J& L ", 6( ", "Ji ",,# "i , "; "i# #<</ !##Jque era ter um or+asmo# Mas a+ora, hA muitos anos, tenhoor+asmo com :astante re+ularidade#Todo mundo começou a /alar do or+asmo de Dou ou, en"

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quanto na tela um outro rosto e ;ressava indi+nação#" 2or que N que ele estA tão an+ado$ " ;er+untou%edN# (a tela o escritor di ia" muito im;ortante# Muito im;ortante# Eu e ;lico isso

no meu livro#" O que N muito im;ortante$ " ;er+untou Bi:i#" Fue ele tenha ;assado sua in/Zncia na cidade de Rou"rou " e ;licou Tamina#O su eito que tinha ;assado sua in/Zncia na cidade deRourou tinha um nari com;rido que ;esava de maneira talque sua ca:eça ;endia cada ve mais ;ara :ai o, e em deter"minados momentos tinha"se a im;ressão de que ela iria cair da tela na sala# O rosto ;endido ;or causa do ;eso do naricom;rido estava e tremamente a+itado quando ele disse" E ;lico isso no meu livro# Toda a minha o:ra escritaestA li+ada A ;equena cidade de Rourou, e quem não com;reen"de isso não ;ode com;reender nada da minha o:ra# '/inal/oi lA que escrevi meus ;rimeiros versos# .im, na minha o;i"nião, N muito im;ortante#" E istem homens com os quais nunca tenho or+asmo" disse Dou ou#" (ão esqueçam " disse o escritor, e seu rosto estavacada ve mais a+itado " ue /oi em Rourou que andei de :i"cicleta ;ela ;rimeira ve # ", conto isso com detalhes em meulivro# E v cSs sa:em o que si+ni/ica a :icicleta na minha o:ra#

um s*m:olo# ' :icicleta N ;ara mim o ;rimeiro ;asso dahumanidade ;ara /ora do mundo ;atriarcal, no mundo da ci"vili ação# O ;rimeiro namoro com a civili ação# O namoroda vir+em antes do ;rimeiro :ei o# 'inda a vir+indade e Ao ;ecado#" verdade " disse Dou ou# " Minha cole+a TanaUateve o seu ;rimeiro or+asmo andando de :icicleta, quando ain"da era vir+em#66CTodo mundo começou a discutir o or+asmo de TanaUae Tamina disse a Bi:i" )ocS me dA licença de dar um tele/onema$6CO cheiro de urina estava ainda mais /orte no cXmodo vi"

inho# Era onde dormia a /ilha de Bi:i#" Eu sei que vocSs não se /alam " cochichava Tamina#" Mas sem isso não vou conse+uir que ela me entre+ue o em" :rulho# O Vnico meio N vncS ir A casa dela ;ç+A"lo# .e ela nãoachar a chave, vocS a o:ri+a a arrom:ar a +aveta# .ão coisasminhas# artas e coisas assim# Tenho direito a elas#" Tamina, não me o:ri+ue a /alar com ela\

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" 2a;ai, /aça um es/orço, /a isso ;or mim# Ela temmedo de vocS e a vocS não ousarA recusar#" Escute, se seus ami+os vierem a 2ra+a, darei a elesum casaco de ;ele ;ara vocS# mais im;ortante do que umascartas velhas#

" Mas eu r#ão quero casaco de ;ele# Fuero meuem:rulho\" !ala mais alto\ (ão estou ouvindo\ " disse o ;ai, masa /ilha /alava :ai o de ;ro; sito, ;orque não queria que Bi:iouvisse /rases tchecas que iriam revelar que ela tinha tele/o"nado ;ara o estran+eiro e que cada se+undo de conversa iriacustar caro#" Eu disse que quero meu em:rulho, e não um casaco de ;ele\ " re;etiu Tamina#" )ocS sem;re se interessa ;or :o:a+ens\" 2a;ai, a li+ação custa horrivelmente caro# 2or /avor,vocS não ;oderia mesmo ir vS"la$' conversa estava di/*cil# ' cada instante, seu ;ai lhe /a"

ia re;etir as ;alavras e recusava"se o:stinadamente a ir ver sua so+ra# 'ca:ou di endo66>i&Jr "f" Tele/one ;ara o seu irmão\ s ele ir vS"la\ E ele ;o"de me tra er teu em:rulho\" Mas ele nem a conhece\" essa ustamente a vanta+em " disse o ;ai rindo#" .enão ele nunca iria vS"la#Tamina re/letiu ra;idamente# (ão era uma idNia tão mAmandar Y casa de sua so+ra seu irmão, que era enNr+ico e decidi"do# Mas Tamina não tinha vontade delhe tele/onar# Eles nãotinham se escrito uma Vnica carta desde que ela estava no es"tran+eiro# .eu irmão tinha um car+o muito :em remuneradoe s tinha conse+uido conservA"lo rom;endo todos os laçoscom a irmã emi+rada#" 2a;ai, não ;osso tele/onar ;ara ele# Talve vocS mes"mo ;udesse e ;licar# 2or /avor, ;a;ai\6>2a;ai era ;equeno e raqu*tico, e, anti+Amente, quandodava a mão a Tamina na rua, em;erti+ava"se todo, como sea;resentasse ao mundo inteiro o monumento da noite her i"ca em que a tinha +erado# (unca +ostara do +enro e travavacom ele uma +uerra sem /im# 'o ;ro;or a Tamina enviar"lheum casaco de ;ele que herdara com certe a de uma ;arentemorta , não ;ensava a:solutamente na saVde da /ilha, mas nes"

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sa velha rivalidade# Fueria que ela desse ;re/erSncia ao ;aio casaco de ;ele e não ao marido o em:rulho de cartAs #

Tamina estava a;avorada com a idNia de que a sorte deseu ;acote de cartas estava nas mãos hostis do ;ai e da so+ra#-A al+um tem;o, acontecia"lhe cada ve com mais /req`Sn"

c[a ima+inar que seus diArios /ossem lidos ;or olhos estranhose ela se di ia que os olhares dos outros são como a chuva quea;a+a as inscrições nos muros# Ou como a lu que cai ;rema"turamente no ;a;el /oto+rA/ico dentro do :anho revelador eestra+a a ima+em#66?

om;reendia que o que dava a suas lem:ranças escritassentido e valor era elas serem destinadas a;enas a ela# (o mo"mento em que ;erdessem essa qualidade, o elo *ntimo que aunia a elas seria rom;ido, e ela não ;oderia mais lS"las comseus ;r ;rios olhos, mas somente com os olhos do ;V:lico quetoma conhecimento de um documento so:re outra ;essoa# En"tão, mesmo aquela que as escrevera se tornaria outra, uma es"tranha# ' semelhança acentuada que, a;esar de tudo, su:sis"tiria entre ela e a autora dos diArios lhe daria a im;ressão deuma ;ar dia, de uma om:aria# (ão, ela não ;oderia nuncamais ler seus diArios se eles /ossem lidos ;or olhos estranhos#Era ;or isso que estava cheia de im;aciSncia e dese avarecu;erar o mais de;ressa ;oss*vel seus diArios e suas cartas,enquanto a ima+em do ;assado que neles estava /i ada aindanão estivesse estra+ada#6HBi:i sur+iu no ca/N e sentou"se ao :alcão" 'lX, Tamina\ Me dA um u*sque\Bi:i em +eral tomava ca/N e, somente em casos e ce;"cionais, vinho do ;orto# O ;edido de um u*sque mostrava queela estava com dis;osições de es;*rito ;ouco comuns#" Teu livro estA adiantado$ " ;er+untou Tam[na des" ;e ando a :e:ida num co;o#" .eria ;reciso que eu estivesse de melhor humor " disseBi:i# Ela esva iou o co;o de um s +ole e ;ediu uma se+undadose#Outros /re+ueses aca:avam de entrar no ca/N# Tamina ;er+untou a cada um o que queria, voltou ;ara trAs do :al"cão, des;e ou uma se+unda dose de u*sque ;ara a ami+a e /oiservir os /re+ueses# Fuando voltou, Bi:i lhe disse" (ão consi+o mais entender %edN# Fuando ele voltade suas via+ens, /ica na cama dois dias inteiros# %urante dois668

dias não tira o ;i ama\ )oeS a+`entaria isso$ E o ;ior N quandoele quer /a er amor# Ele não conse+ue entender que não me

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real e encantadora, semelhante Y vo a ulada dos lu+aresdistantes#0m ra;a vitimado ;or uma doença mortal so:e numtrem e de;ois desce numa estação desconhecida, entra numacidade cu o nome i+nora e numa casa qualquer, na casa de

uma velha cu a testa N co:erta de manchas vermelhas, e alu+aum quarto# (ão, não vou contar o que acontece de;ois nessaha:itação su:locada, quero a;enas lem:rar um acontecimen"to insi+ni/icante quando o ra;a doente andava no quarto,ele ul+ava ouvir nos quartos vi inhos, entre o martelar de seus ;assos, um :arulho inde/in*vel, uma nota leve, l*m;ida, me"tAlica# Mas talve /osse a;enas uma ilusão# omo de um anelde ouro caindo num vaso de ;rata, ima+inava ele### (a novela, esse ;equeno detalhe acVstico /ica sem con"seq`Sncia e sem e ;licação# .omente do ;onto de vista da ação,ele ;oderia ser omitido sem inconvenientes# Esse som sim;les"mente ressoouJ de re;enteJ assim#'cho que Thomas Mann /e tinir essa nota leve, l*m;i"da, metAlica ;ara que nascesse o silSncio# Ele ;recisava disso ;ara que ouv*ssemos a :ele a ;orque a morte da qual ele /a"lava era a morte":ele a e a :ele a, ;ara ser ;erce;t*vel, ;re"669 667cisa de um +rau m*nimo de silSncio cu a medida N ;recisa"mente o som que ;rodu um anel de ouro caindo num vasode ;rata #

.im, eu sei, vocSs não sa:em de que estou /alando ;or"que a :ele a desa;areceu hA muito tem;o# Ela desa;areceuso: a su;er/*cie do :arulho " :arulho das ;alavras, :arulhodos carros, :arulho da mVsica " no qual vivemos constante"mente# EstA su:mersa como a 'tlZntida# %ela s restou uma ;alavra cu o sentido N cada ano menos inteli+*vel#Tamina ouviu ;ela ;rimeira ve esse silSncio ;reciosocomo um /ra+mento de uma estAtua de mArmore da 'tlZnti"da su:mersa quando acordou, de;ois de ter /u+ido do seu ;a*s, num hotel de montanha cercado de /lorestas# Ela o ou"viu uma se+unda ve quando nadou no mar, com o estXma+ocheio de com;rimidos, que lhe trou eram, em ve da morte,uma ;a ines;erada# Esse silSncio, ela quer ;rote+er com oseu cor;o e em seu cor;o# ;or isso que a ve o em seu sonhode ;N, encostada na cerca de arameJ na :oca convulsivamente/echada, ela tem um anel de ouro#%iante dela estão seis ;escoços com;ridos encimados ;or mi "Vsculas ca:eças com :icos achatados que se a:rem e /e"cham sem ru*do# Ela não os com;reende# (ão sa:e se os aves"tru es a ameaçam, a alertam, a encora am ou im;loram# Te"me ;elo anel de ouro esse dia;asão do silSncio # e +uarda"oconvulsivamente na :oca#

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Tamina nunca sa:erA o que vieram lhe di er esses +ran"des ;Assaros# Mas eu sei# Eles não vieram nem ;ara ;reveni"la, nem ;ara chamA"la Y ordem, nem ;ara ameaçA"la# Eles nãose interessam a:solutamente ;or ela# )ieram todos ;ara lhe/alar de si# Todos ;ara lhe di er como comeram, como dor"

miram, como correram atN a cerca e o que viram atrAs# Fue ;assaram sua im;ortante in/Zncia na im;ortante cidade deRourou# Fue seu im;ortante or+asmo durou seis horas# Fueviram uma mulher ;assear atrAs da cerca e que ela usava um

ale# Fue nadaram, /icaram doentes e de;ois /icaram :ons#Fue andavam de :icicleta quando moços e que ho e comeramum saco de ca;im# olocam"se todos diante de Tamina e /alam"lhe ao mesmo tem;o, com veemSncia, com insistSncia e coma+ressividade ;orque não e iste nada no mundo mais im;or"tante do que aquilo que eles querem lhe di er#69'l+uns dias mais tarde, BanaUa /e sua a;arição no ca"/N# om;letamente :S:ado, sentou"se no tam:orete do :ar,caiu dele duas ve es, tornou a su:ir, ;ediu uma a+uardentede maçã e deitou a ca:eça no :alcão# Tamina ;erce:eu queele chorava#" O que estA acontecendo, .r# BanaUa$ " ;er+untou ela#BanaUa levantou ;ara ela um olhar lacrimoso e a;on"tou com o dedo ;ara o ;eito" Eu não sou, vocS com;reende$ Eu não sou\ Eu nãoe isto\%e;ois /oi ao :anheiro e do :anheiro diretamente ;araa rua, sem ;a+ar#Tamina contou o incidente a -u+o, que, Y +u[sa de e " ;licação, mostrou"lhe uma ;A+ina de ornal em que havia mui"tas resenhas de livros e, so:re a ;rodução de BanaUa, umanota com;osta de quatro linhas sarcAsticas#O e;is dio de BanaUa, que a;ontava o dedo indicador" ;ara o ;eito chorando ;orque não e istia, me lem:ra um ver"so do %ivã ocidental"oriental de Hoethe Estamos vivos quandooutros homens vivem$ (a ;er+unta de Hoethe se esconde to"do o mistNrio da condição de escritor O homem, ;elo /atode escrever livros, trans/orma"se em universo não se /ala nouniverso de Bal ac, no universo de TcheUhov, no universo deKa/Ua$ e o ;r ;rio de um universo N ustamente ser Vnico#' e istSnciA de um outro universo o ameaça na sua ;r ;riaessSncia#%ois sa;ateiros, desde que tenham suas lo as e atamen"te na mesma rua, ;odem viver em ;er/eita harmonia# Mas secomeçarem a escrever um livro so:re a vida dos sa;ateiros,6=G 6=6eles vão lo+o incomodar um ao outro e /a er entre si a ;er"

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+unta 0m sa;ateiro estA vivo quando vivem outros sa;ateiros$Tamina tem a im;ressão de que um s olhar estranho ;o"de destruir todo o valor de seus diArios *ntimos, e Hoethe estAconvencido de que um s olhar de um s ser hurriano que nãoeste a ;resente nas linhas da sua o:ra coloca em questão a ;r "

;ria e istSncia de Hoethe# ' di#/erença entre Tamina e HoetheN a di/erença entre o homem e o escritor#'quele que escreve livros N tudo um universo Vnico ;a"ra si mesmo e ;ara todos os outros ou nada# E ;orque nuncaserA dado a nin+uNm ser tudo, n s todos que escrevemos li"vros não somos nada# .omos desconhecidos, ciumentos, a e"dos, e dese amos a morte do outro# (isso somos todos i+uaisBanaUa, Bi:i, eu e Hoethe#' irresist*vel ;roli/eração da +ra/omania entre os homens ;ol*ticos, os motoristas de tA i, as ;arturientes, os amantes,os assassinos, os ladrões, as ;rostitutas, os ;re/eitos, os mN"dicos e os doentes me demonstra que todo homem sem e ce"ção tra em si sua ;otencialidade de escritor, de modo que to"da a es;Ncie humana ;oderia com todo direito sair na rua e+ritar .omos todos escritores\2ois cada um de n s so/re com a idNia de desa;arecer,sem ser ouvido e notado, num universo indi/erente, e ;or issoquer, enquanto ainda N tem;o, trans/ormar a si mesmo emseu ;r ;rio universo de ;alavras#Fuando um dia isso acontecerA lo+o todo homem acor"dar escritor, terA che+ado o tem;o da surde e da incom;reen"são universais#67'+ora, -u+o N sua Vnica es;erança# onvidou"a ;ara an"tar e dessa ve ela aceitou o convite sem hesitar#-u+o estA sentado Y mesa, em /rente a ela, e tem a;enasuma idNia Tamina continua esca;ando"lhe# E&e se sente inse"+uro com ela e não ousa atacar de /rente# E quanto mais so"/re ;or não ;oder atin+ir um alvo tão modesto e tão ;reciso,maior N o seu dese o de conquistar o mundo, essa imensidãoim;recisa# Tira do :olso uma revista, a desdo:ra e a entre+aa Tamina# (a ;A+ina em que a:riu estA um lon+o arti+o assi"nado com o nome dele#Ele começa um lon+o discurso# !ala da revista que aca" :a de lhe entre+ar sim, no momento, ela tem so:retudo umadistri:uição local, mas ao mesmo tem;o que N uma s lida re"vista te rica, seus autores são ;essoas cora osas que irão lon"+e# -u+o /alava, /alava, e suas ;alavras queriam ser a metA"/ora de sua a+ressividade er tica, o des/ile de sua /orça viril#-avia em suas ;alavras a d*s;oni:ilidade do a:strato que se ;reci;itara ;ara su:stituir o concreto in/le *vel#E Tamina olha -u+o e reti/ica seu rosto# Esse e erc*cio

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es;iritual tornou"se uma mania# Ela não sa:e mais olhar umhomem de outra maneira# !a um es/orço, todo o ;oder desua ima+inação N mo:ili ado, mas em se+uida os olhos casta"nhos de -u+o mudam realmente de cor e, de um s +ol;e,tornam"se a uis# Tamina olha"o /i amente, ;orque, ;ara evi"

tar que a cor a ul desa;areça, ela tem de mantS"la nos olhosde -u+o com toda a /orça de seu olhar#Esse olhar inquieta -u+o, e ;or causa disso ele /ala, /alamais ainda, seus olhos são de um :elo a ul, sua testa alar+a"se suavemente dos lados atN que dos seus ca:elos resta a;enasum ;equeno triZn+ulo na /rente, com a ;onta virada ;ara :ai o#" .em;re diri+i minhas cr*ticas contra nosso mundo oci"dental e somente contra ele# Mas a in ustiça que reina em nosso ;a*s ;oderia nos condu ir a uma indul+Sncia errada em rela"ção a outros ;a*ses# Hraças a vocS, N, +raças a vocS, Tamina,com;reendi que o ;ro:lema do ;oder N o mesmo em toda ;ar"te, no seu ;a*s e no nosso, no Oeste e no Leste# ( s não deve"mos tentar su:stituir um ti;o de ;oder ;or outro, mas sim ne"+ar o ;r ;rio ;rinc*;io do ;oder e re eitA"lo em todos oslu+ares#-u+o curva"se em direção a Tamina so:re a mesa, e seu6== " 6=3hAlito a edo a atra;alha nos seus e erc*cios es;irituais, tantoque a testa de -u+o se co:re novamente de uma es;essa ca:e"leira que vem atN em:ai o# E -u+o re;ete que com;reendeutudo isso +raças a ela#" omo$ " interrom;e Tamina# " (unca conversa"mos so:re isso\O rosto de -u+o tem a+ora somente um olho a ul, quelentamente trans/orma"se em castanho#" Eu não ;recisava que vocS me /alasse, Tamina# Bastaeu ter ;ensado muito em vocS#O +arçom inclina"se ;ara colocar diante deles a entrada#" )ou ler isso em casa " disse Tamina, en/iando a re"vista na :olsa# %e;ois disse " Bi:i não irA a 2ra+a#" Eu tinha certe a disso " disse -u+o, e acrescentou" (ão tenha medo de nada, Tamina# 2rometi a vocS# Eu ireiatN lA ;ara vocS#=G" Tenho uma :oa not*cia ;ara vocS# !alei com seu ir"mão# Ele vai ver sua so+ra no sA:ado#" verdade$ E vocS e ;licou tudo a ele$ %isse a ele quese minha so+ra não encontrar a chave, ele deve arrom:ar a+aveta$ #Tamina desli+ou, tinha a im;ressão de estar :S:ada#" 0ma :oa not*cia$ " ;er+untou -u+o#

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" " disse Tamina#Tinha no ouvido a vo do ;ai, ale+re e enNr+ica, e ;ensa"va que /ora in usta com ele#-u+o levantou"se e a;ro imou"se do :ar# ';anhou doisco;os e des;e ou u*sque neles

" Tamina, tele/one da minha casa quando quiser e oquanto quiser# )ou re;etir aquilo que A lhe disse# .into"me :em com vocS, mesmo sa:endo que vocS nunca va[ dorm[r comi+o#Ele se o:ri+ara a di er sa:endo que voc] nunca vai dor"mir comi+o unicamente ;ara ;rovar a si mesmo que era ca" ;a de di er certas ;alavras Yquela mulher inacess*vel se :emque so: uma /orma ;rudentemente ne+ativa e achava"se quaseaudacioso#Tamina levantou"se e diri+iu"se a -u+o ;ara a;anhar seuco;o# 2ensava no irmão eles não se /alavam mais, no entan"to +ostavam muito um do outro e estavam ;rontos a se a u"darem mutuamente#" Fue todos os seus dese os se reali em\ " disse -u+o,e esva iou o co;o#Tamina tam:Nm :e:eu seu u*sque de um s tra+o e colo"cou o co;o na mesa :ai a# !e menção de sentar"se novamente,mas -u+o A a a;ertava em seus :raços#Ela não se de/endeu, contentou"se em desviar a ca:eça#Torcia a :oca e /ran ia a testa#Ele a tomara nos :raços sem mesmo sa:er como# ' ;rin"c*;io /icou assustado com seu +esto e, se Tamina o tivesse em" ;urrado, teria se a/astado timidamente dela, quase se descul" ;ando# Mas Tamina não o em;urrou, e seu rosto contorcidoe sua ca:eça virada o e citaram enormemente# 's ;oucas mu"lheres que conhecera atN então nunca rea+iam de maneira tãoeloq`ente Ys suas car*cias# .e estivessem decididas a dormir com ele, tiravam a rou;a tranq`ilamente, com uma es;Nciede indi/erença, es;erando ;ara ver o que ele iria /a er comseus cor;os# ' careta no rosto de Tamina dava a esse a:raçoum si+ni/icado com o qual ele amais sonhara# Ele a a;ertavacom /renesi e tentava arrancar"lhe as rou;as#Mas ;or que Tamina não se de/endia$-A trSs anos que ;ensava com temor nesse momento# -AtrSs anos que vivia so: o olhar hi;n tico desse instante# E eleche+ara ] atamente como ela ima+inara# 2or isso não se de"/endia# 'ceitava"o como se aceita 5 inelutAvel#2odia a;enas desviar a ca:eça<# Mas isso não adiantavanada# ' ima+em do marido estava lA, e Y medida que ela vira"va o rosto, a ima+em se deslocava ao redor da sala# Era um6=C " 6=>i ",, ",

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J,J, 7 ,,,,b#<J6

&,,A,Jr\ U

"f ": "f " &/ "f, " "m "+rande retrato de um marido +rotescamente +rande, maior doque o tamanho natural, sim, e atamente o que ela ima+inaranos trSs Vltimos anos#%e;ois ela /ieou inteiramenre nua, e -u+o, e citado comaquilo que ;ensava ser e citação nela, constatou cam es;an"to que o se o de Tamina estava seco#=6 (o ;assado, su:metera"se a uma intervenção cirVr+icasem anestesia e durante a o;eração o:ri+ara"se a re;etir os ver" :os irre+ulares in+leses# '+ora tentava /a er o mesmo e con"centrava tod s os seus ;ensamentos em seus diArios# 2ensavaque lo+o estariam a salvo na casa de seu ;ai e que esse :om-u+o iria :uscA"los ;ara ela#DA hA al+um tem;o que o :om -u+o me ia"se violenta"mente so:re ela, quando ela ;erce:eu que ele estava curiosa"mente a;oiado nos ante:raç s e a+itava os /lancos em todosos sentidos# om;reendeu que ele estava insatis/eito com suasreações, que não achava que ela estivesse su/icientemente e "citada e que es/orçava"se ;or ;enetrA"la so: di/erentes Zn+u"los, ;ara encontrar em al+um lu+ar nas suas ;ro/unde as o ;onto misterioso de sua sensi:ilidade que se esquivava dele#Ela não queria ver seus es/orços la:oriosos e virou a ca" :eça# Tentou controlar <seus ;ensamentos e diri+i"los de novo ;ara os diArios# !orçou"se a re;etir mentalmente a ordem desuas /Nrias, tal como conse+uira, ainda de maneira incom;le"ta, reconstitu*"la as ;rimeiras /Nrias Ys mar+ens de um ;equenola+o na BoSmia, de;ois a &u+oslAvia, novamente o ;equenola+o na BoSmia e uma estação de A+uas, i+ualmente na BoS"mia, mas a ordem de suas /Nrias era incerta# Em 67?C, elestinham ido ;ara os Tatras e no ano se+uinte ;ara a Bul+Aria,mas de;ois disso as marcas se a;a+avam# Em 67?9 tinham /i"cado em 2ra+a as /Nrias inteiras, no ano se+uinte tinham ido6=? ;ara uma estação de A+uas, de;ois acontecera a emi+ração,e suas Vltimas /Nrias eles tinham ;assado na &tAlia#-u+o a/astou"se dela e tentou virar"lhe o cor;o# Ela com" ;reendeu que ele queria que ela /icasse de quatro# (esse mo"mento lem:rou"se que -u+o era mais moço que ela e sentiuver+onha# Mas /e um es/orço ;ara su/ocar dentro de si to"

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dos os sentimentos e o:edecer"lhe com total indi/erença# Emse+uida sentiu os choques duros do cor;o dele no seu trasei"ro# om;reendeu que ele queria im;ressionA"la com sua /or"ça e sua resistSncia, que ele travava um com:ate decisivo, quese su:metia a um e ame de admissão em que devia /ornecer

a ;rova de que era ca;a de vencS"la e de ser di+no dela#Ela não sa:ia que -u+o não a en er+ava# om a /u+iti"va visão do traseiro de Tamina do olho a:erto desse traseiroadulto e :elo, do olho que o olhava sem ";iedade , ele /icaratão e citado que /echava os olhos, diminu*a seu ritmo e res;i"rava ;ro/undamente# Tam:Nm es/orçava"se a+ora em ;ensar o:stinadamente em al+uma outra coisa era o Vnico ;onto queeles tinham em comum ;ara continuar ainda um instante a/a er amor com ela#E Tamina, enquan o isso, via diante dela o rosto +i+antedo marido na ;orta :ranca do armArio de -u+o# !echou ra" ;idamente os olhos ;ara re;etir mais uma ve a ordem de suas/Nrias, como se /ossem ver:os irre+ulares ;rimeiro as /NriasYs mar+ens do la+oJ de;ois, a &u+oslAvia, o la+o, a estaçãode A+uas, ou então a estação de A+uas, a &u+oslAvia, o la+oJem se+uida os Tatras e a Bul+Aria, de;o[s o /io se ;erdiaJ maistarde 2ra+a, a estação de A+uas e ;ara terminar a &tAlia#' res;iração :arulhenta de -u+o arrancou"a de sua evo"cação# Ela a:riu os olhos e no armArio :ranco viu o rosto domarido#2or sua ve , -u+o a:riu de re;ente os olhos# En er+ouG olho do traseiro de TaminaJ a volV;ia o atin+iu como umraio#6=8's ;alavras são cada ve mais ;esadas, como +randesmordidas numa carne dura de masti+ar# -u+o se cala# Tami"na N :ela e ele a detesta# 'cha que ela a:usa da sorte# Ela secolocou no alto de seu ;assado de emi+rante e de viVva comoso:re um arranha"cNu de um /also or+ulho, do alto do qualolha ;ara os outros# heio de ciVme, -u+o ;ensa na torre queele mesmo tentou er+uer /ace a esse arranha"cNu e que elarecusou"se a ver uma torre /eita de um arti+o ;u:licado e do ;ro eto de um livro so:re o amor deles#Em se+uida Tamina lhe di" Fuando N que vocS vai a 2ra+a$E -u+o considera que ela nunca o amou# .e estA comele N unicamente ;orque ;recisa que ele vA a 2ra+a# Ele N to"mado de um irresist*vel dese o de vin+ar"se dela" Tamina " di ele ", ;ensei que vocS mesma iria com" ;reender# '/inal vocS leu o meu arti+o\" Li " res;ondeu Tamina#Ele não acredita nela# E se ela o leu, não sentiu o menor

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interesse ;or ele# (unca /e alusão a ele# E -u+o sente queo Vnico +rande sentiment de que N ca;a N a /idelidade a essatorre desconhecida e a:andonada a torre do arti+o ;u:lica"do e do ;ro eto de um livro so:re seu amor ;or Tamina , queN ca;a de com:ater ;or essa torre e que o:ri+arA Tamina a

a:rir os olhos ;ara ela e maravilhar"se com sua altura#" )ocS sa:e então que /alo so:re o ;ro:lema do ;oder em meu arti+o# (ele analiso o /uncionamento do ;oder# E cri"tico o que acontece em seu ;a*s# !alo sem rodeios#" Escuta, vocS acha mesmo que conhecem seu arti+o em2ra+a$-u+o sente"se /erido com sua ironia" -A muito tem;o que vocS não vive mais em seu ;a*s,vocS esqueceu do que a ;ol*cia de lA N ca;a # Esse arti+o teveuma +rande re;ercussão# Rece:i uma ;orção de cartas# ' ;o"l*cia do seu ;a*s sa:e quem eu sou# .ei disso#Tamina se cala e estA cada ve mais :onita# Meu %eus,ele aceitaria /a er uma centena de via+ens a 2ra+a, de ida evolta, se ;elo menos ela a:risse um ;ouco os olhos ;ara o uni"verso em que ele queria ;rendS"la, o universo de seu san+uee de seus ;ensamentos\ E de re;ente ele muda de tom" Tamina " disse com triste a ", sei que vocS estA comraiva de mim ;orque não ;osso ir a 2ra+a# 2rimeiro eu acheique ;oderia es;erar ;ara ;u:licar esse arti+o, mas de;ois com" ;reendi que não tinha o direito de me calar ;or mais tem;o#J, )ocS com;reende$" (ão " res;ondeu Tamina#-u+o sa:e que s di a:surdos que o levam ;ara ondeele não queria se dei ar levar ;or nada no mundo, mas não ;ode mais recuar e estA deses;erado# Manchas vermelhas co"lorem seu rosto e sua vo vacila" )ocS não me com;reende$ (ão quero que as coisasaca:em no nosso ;a*s como no seu\ .e todos nos calarmos,aca:aremos todos escravos# (esse momento uma terr*vel re;u+nZncia se a;ossou deTamina, ela levantou da cadeira e correu ;ara o :anheiroJ oestXma+o lhe su:ia ;ara a +ar+anta, ela a oelhou"se diante dovaso ;ara vomitar, seu cor;o se contorcia como se ela /ossesacudida ;or soluços e ela via diante dos olhos os colhões, ora:o e os ;Slos daquele su eito e sentia o :a/o a edo de sua,, :oca, sentia o contato das co as dele so:re suas nAde+as eatravessou"lhe a mente a idNia de que ela não ;odia mais ima"+inar o se o #e os ;Slos do marido, que a mem ria do no oN ;ortanto maior do que a mem ria da ternura ah, meu %eus,a mem ria do no o N maior do que a mem ria da ternura\e que em sua ;o:re ca:eça não iria so:rar nadA a não ser essesu eito que tinha mau hAlito, e ela vomitava, se contorcia e

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vomitava#.aiu do :anheiro e sua :oca ainda cheia do cheiro Aci"do estava /irmemente /echada#Ele estava em:araçado# Fuis acom;anhA"la atN em ca"sa, mas ela não di ia uma ;alavra e continuava com a :oca

/irmemente /echada como no sonho em que +uardava na :o"ca um anel de ouro #Ele /alava e como Vnica res;osta ela a;ertava o ;asso#Lo+o ele não encontrou mais nada ;ara di er, andou aindaal+uns metros ;erto dela em silSncio, de;ois /icou ;arado, sem63G 636se me er# Ela se+uiu reto em /rente e nem mesmo se virou#

ontinuou servindo ca/Ns e nunca mais tele/onou ;ara< 2ra+a#

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hristine N uma ;essoa de uns trinta anos, tem um /ilho,um marido açou+ueiro com quem se entende muito :em e umcaso intermitente com um +ara+ista do lu+ar, que de tem;osem tem;os /a amor com ela em condições ;ouco con/ortA"veis, de;ois do horArio de tra:alho, numa o/icina# ' cidade"

inha não se ;resta nada a amores e tracon u+ais, ou melhor, ;ara nos #e ;ressarmos de outro modo, seriam necessArios te"souros de en+enhosidade e de audAcia, qualidades de que a.ra# hristine não N a:undantemente dotada#O encontro com o estudante não /e outra coisa senãovirar ainda mais sua ca:eça# Ele veio ;assar as /Nrias na casada mãe, na cidade inha, ;or duas ve es olhou lon+amente ;araa açou+ueira de ;N, em seu :alcão no açou+ue, na terceira vediri+iu"lhe a ;alavra na ;iscina da cidade, havia em sua atitu"de uma timide tão encantadora que a ovem mulher, acostu"mada com o açou+ueiro e com o +ara+ista, não ;Xde resistir#%esde o casamento hA uns de anos , ela não tinha ousadotocar em outro homem alNm do marido, a não ser quando es"tava em se+urança na +ara+em trancada, entre autom veis des"m ntados e velhos ;neus, e eis que de re;ente encontrou au"dAcia ;ara ir a um en "ontro de amor ao ar livre, e ;osta atodos os olhares indiscretos# Em:ora eles escolhessem ;ara seus ;asseio s os lu+ares mais isolados, onde a eventualidade de umencontro com im;ortunos era ;ouco ;rovAvel, a .ra# hristi"ne /icava com o coração acelerado, cheia de um medo esti"mulante# Mas, quanto mais se mostrava cora osa diante do ;eri+o, mais reservada /icava com o estudante# Eles não /o"63>ram muito lon+e# Ele conse+uiu a;enas rA;idos a:raços e :ei" os carinhosos, mais de uma ve ela esca;ou de seus :raçose, quando ele a acariciava, ela mantinha as "ernas /echadas# (ão que ela não quisesse o estudante# E que ela se a;ai"

onara, desde o começo, ;or sua terna timide e dese ava

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rara#O estudante conhecia os livros de to "os os ;oe "as que es"tariam lA no dia se+uinte, mas da o:ra "o +rande ;oeta eleconhecia de cor ;A+inas inteiras de verso ", (unca t nha dese" ado nada tão ardentemente como ;assa,r uma noite conver"

sando com eles# %e;ois lem:rou"se de que#, não dormia hA mui"tos meses com uma mulher e re;etiu qule era im;nss*vel ir#)oltaire não com;reende que ;ossa e istir al+ "uma coisa6CGmais im;ortante do que encontrar +randes homens# 0ma mu"&her$ (ão N uma coisa que se ;ossa adiar ;ara mais tarde$%e re;ente seus culos /icam cheios de /a*scas irXnicas# Maso estudante tem diante dos olhos a ima+em da mulher do açou"+ueiro que lhe esca;ou timidamente durante um lon+o mSs de/Nrias e, em:ora isto lhe custe um +rande es/orço, /a que nãocom a ca:eça# hristine nesse momento vale mais do que to"da a ;oesia do seu ;a*s#O acordFEla che+ou de manhã# %urante o dia /e em 2ra+a umascom;ras que deviam lhe servir de Ali:i# O estudante marcaraum encontro com ela A noite num ca/N que ele mesmo esco"lhera# Fuando entrou, ele quase teve medo a sala estava cheiade :S:ados e a /ada ;rovinciana de suas /Nrias estava sentadano canto dos :anheiros, numa mesa que não era destinada aosclientes, mas sim A louça su a# Estava vestida com uma desa" eitada ele+Zncia, como s ;oderia se vestir uma moça do in"terior que vem visitar a ca;ital onde não vem hA muito tem;oe onde quer e ;erimentar todos os ;ra eres# Ela usava um cha" ;Nu, ;Nrolas vistosas em volta do ;escoço e escar;ins ;retosde salto alto#O estudante sentia que seu rosto queimava " não de emo"ção, mas de " in/elicidade# (o ;ano de /undo de sua ;equenacidade com seus açou+ueiros, seus +ara+istas e seus a;osenta"dos, hristine tinha ;rodu ido "ma im;ressAo inteiramentedi/erente da de 2ra+a, cidade de estudantes e de :onitas ca:e"leireiras# om suas ;Nrolas rid*culas e seu dente de ouro dis"creto no alto, no canto da :oca , ela lhe a;arecia como a ne"+ação ;ersoni/icada daquela :ele a /eminina, ovem e vesti"da de eans, que o re eitava cruelmente hA vArios meses# Eleavançou em direção a hristine com um ;asso incerto e sualitost o acom;anhava#6C6,#r ".e o estud "te estava dece;eionado, hristine não /ica"va atrAs# O restaurante ;ara o qual ele a convidara tinha um :onito nome " " "qo Rei )enceslau ", e hristine, que co"

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nhecia mal 2ra+a " "a ima+inado um esta:elecimento de lu o,onde o estudante iria antar com ela ;ara de;ogs /a S"la des"co:rir os /o+os de a " /*cios dos ;ra eres de 2ra+a# Tendo cons"tatado que o Rei @enceslau era e atamente o +Snero de lu+ar em que o +ara+ "sla :e:ia sua cerve a e que ela tinha de es;e"

rar o estudante a; lado dos :anheiros, ela não e ;erimentouo sentimento q e desi+nei ;elo nome de litost, mas uma raivairneiramente : "n "# Fuero di er com isso que ela não se sen"tia nem misera "el nem humilhada, mas que achava que o es"tudante não sa "ia se com;ortar# (ão hesitou, aliAs, em lhedi er isso# Tinha o ar /urioso e /alou com ele como /alava como açou+ueiro#Eles estav " ;ostados /rente a /rente, ela o re;reendiacom muitas ;alavras e com vo /orte, e ele se de/endia sem/irme a# ' re;v+nZncia que elalhe ins;irava era cada vemaior# Fueria lQA_la :em de;ressa ;ara sua casa, escondS"lade todos os olhares e es;erar que a intimidade de seu re/V+io/i esse reviver ; ,encanto desa;arecido# Mas ela recusou# -Amuito tem;o q "e não vinha A ca;ital e queria ver al+uma coi"sa, sair, divert "se# .eus escar;ins ;retos e suas vistosas ;N"rolas reivindicatram ruidosamente seus direitos#" Mas N "m lu+ar /o midAvel, N aqui que as melhores ;essoas vSm " comentou o estudante, dando a entender des"sa maneira A rrL0lher do açou+ueiro que ela não entendia na"da do que era Cu não interessante na ca;ital# " &n/eli menteho e estA cheio, vou ter que levar vocS em outro lu+ar# " Mas,como se /osse de ;ro; sitc ", todos os outros ca/Ns estavami+ualmente cheios, eles tinham de andar um :om ;edaço en"tre um e outro e a .ra# hristine ;arecia"lhe insu;ortavelmentecXmica com se " cha;eu inho, suas ;Nrolas e seu dente de ou"ro :rilhando na :oca# Eles andavam ;or ruas cheias de mu"lheres ovens, e o estudante "om;reendia que nunca iria se ;er"doar ;or ter re "unciado, ;Cr causa de hristine, A o;ortuni"dade de ;assar uma noite cJom os +i+antes de seu ;a*s# Mastam:Nm não q "eria ;rovocar a hostilidade dela, ;orque, co"6C=mo eu A disse, ele não dormia hA muito tem;o com uma mu"lher# . um acordo ma+istralmente en+endrado ;oderia solu"cionar esse dilema#'/inal os dois acharam uma mesa va ia num ca/N :ema/astado# O estudante ;ediu dois co;os de a;eritivo e olhou

hristine nos olhos com triste a aqui em 2ra+a, a vida N cheiade circunstZncias im;revistas# Ontem, ustamente, ele rece:euum tele/onema do mais /amoso ;oeta do ;a*s#Fuando ele disse o nome, a .ra# hristine deu um salto# (o colN+io ela a;rendera de cor seus ;oemas# Os +randes ho"mens cu os nomes a;rendemos no colN+io tSm al+uma coisa

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de irreal e de imaterial, entram vivos na ma estosa +aleria dosmortos# hristine não ;odia acreditar que era verdade que oestudante o conhecia ;essoahnente#

laro que ele o conhecia, declarou o estudante# Era atNso:re ele que estava /a endo sua tese, uma mono+ra/ia que

estava redi+indo e que um dia certamente iria ser ;u:licada# (unca /alara disso com a .ra# hristine ;orque ela iria ;e "n"sar que ele estava contando vanta+em, mas tinha que di er a+o"ra, ;orque o +rande ;oeta de re;ente se atravessara no cami"nho deles# (a verdade, haveria um de:ate /echado essa noite,no lu:e dos -omens de Letras, com os ;oetas do ;a*s, e a;e"nas al+uns cr*ticos e uns ;oucos iniciados estavam convida"dos# Era uma reunião e tremamente im;ortante# Es;erava"seum de:ate em que voariam /a*scas# Mas, evidentemente, o es"tudante não iria# Estava tão contente de estar com a .ra#

hristine\ (o meu doce e sin+ular ;a*s, o encAnto dos ;oetas aindanão dei ou de a+ir so:re o coração das mulheres# hristinesentiu admiração ;elo estudante e uma es;Ncie de dese o ma"ternal de aconselhA"lo e de de/ender seu interesse# %eclarou,com um notAvel e ines;erado altru*smo, que seria uma ;enao estudante não ;artici;ar de uma reunião em que o +rande ;oeta estaria ;resente#O estudante disse que tinha tentado tudo ;ara que hris"tine ;udesse ir com ele, ;orque sa:ia que ela /icaria contentede ver o +rande ;oeta e seus ami+os# &n/eli mente, não N ;os"s*vel# Mesmo o +rande "oeta vai sem a mulher# ' discussão6C3, #Jse diri+e e clusivamente a es;ecialistas# ' ;rinc*;io, ele nemmesmo ;ensou em ir lA, mas a+ora acha que hristine tem ra"

ão# , sem dVvida N uma :oa idNia# '/inal ele ;oderia ;assar lA uma horinha# Enquanto isso, hristine es;eraria na casadele e em se+uida eles /icariam untos, s os dois#' tentação dos teatros e das variedades /oi esquecida e

hristine entrou na mansarda do estudante# .entiu a ;rinc*" ;io a mesma dece;ção que havia sentido ao entrar no Rei )en"ceslau# (ão era nem mesmo um a;artamento, a;enas uma ;eçaminVscula, "sem sala de entrada, tendo como Vnicos m veisum divã e uma mesa de tra:alho# Mas ela não estava mais se"+ura de seus ul+amentos# Tinha ;enetrado num mundo emque e istia uma misteriosa escala de valores que ela não com" ;reendia# 2ortanto reconciliou"se lo+o com essa ;eça ;oucocon/ortAvel e su a e a;elou ;ara todo o seu talento /eminino ;ara se sentir em casa# O estudante disse ;ara ela tirar o cha" ;Nu, deu"lhe um :ei o, a /e sentar"se no divã e mostrou"lhe

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a ;equena estante de livros onde ela encontraria com o quese distrair na ausSncia dele#Então hristine teve uma idNia" )ocS não tem o livro dele$ " Estava /alando do +rande ;oeta#

.im, o estudante tinha seu livro#Ela continuou timidamente" )ocS não quer me dar de ;resente$ E ;edir a ele umadedicat ria ;ara mim$O estudante e ultou# ' dedicat ria do +rande ;oeta su:s"tituiria ;ara hristine os teatros e os es;etAculos de varieda"des# Ela o tinha /eito /icar com a consciSncia ;esada e ele es"tava ;ronto a /a er qualquer coisa ;or ela# omo ele A es;e"rava, a intimidade de sua mansarda reavivou o encanto de

hristine# 's moças que iam e vinham nas ruas tinham desa" ;arecido e o encanto de sua modNstia invadiu silenciosamentea ;eça# ' dece;ção dissi;ou"se lentamente e, quando ;artiu ;ara o clu:e, o estudante estava tranq`ili ado e encantado coma idNia do ;ro+rama du;lo e ma+n*/ico quelhe ;rometia a noiteque estava começando#6CCOs ;oetasEs;erou )oltaire em /rente ao lu:e dos -omens de Le"tras e su:iu com ele ao ;rimeiro andar# 2assaram ;elo vestiA"rio, de;ois ;elo hall e dali A ouviam um ale+re vo erio# )ol"taire a:r[u a ;orta do salão e o estudante viu em torno de uma+rande mesa toda a ;oesia de seu ;a*s#Eu os o:servo de uma distZncia de dois mil quilXmetros#Estamos no outono de 6788, meu ;a*s adormece hA nove anosno doce e vi+oroso a:raço do im;Nrio russo, )oltaire /oi e " ;ulso da universidade e meus livros, recolhidos de todas as :i:liotecas ;V:licas, /oram trancados em al+um ;orão do Es"tado# Es;erei então mais al+uns anos, de;ois entrei num car"ro e andei o mais lon+e ;oss*vel em direção ao oeste atN a ci"dade :retã de Rennes, onde achei lo+o no ;rimeiro dia uma;artamento no andar mais alto da torre mais alta# (o diase+uinte de manhã, quando o sol me acordouJ com;reendi queessas +randes anelas davam ;ara o leste, ;ara o lado de 2ra+a#2ortanto, eu os olho a+ora do alto do meu :elvedere, masN muito lon+e# !eli mente, tenho no olho uma lA+rima que,semelhante a uma lente de telesc ;io, me torna mais ;r i"mos seus rostos# E a+ora distin+o claramente, solidamentesentado entre eles, o +rande ;oeta# Ele tem certamente maisde setenta anos, mas seu rosto continua :elo, seus olhos ain"dY são vivos e sA:ios# .uas duas muletas estão encostadas namesa ao lado dele#)e o"os todos so:re o ;ano de /undo de 2ra+a ilumina"

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da, tal como ela era hA quin e anos, quando seus livros aindanão estavam trancados num ;orão do Estado e quando elesconversavam ale+re e ruidosamente em torno da +rande mesacheia de +arra/as# Hosto muito deles todos e hesito em dar a eles nomes :anais escolhidos ao acaso no catAlo+o de tele"

/one# .e N ;reciso esconder seus rostos atrAs da mascara de umnome de em;rNst[mo, quero dar"lhes esse nome como um ;re"sente, como um en/eite e uma homena+em#.e os estudantes a;elidaram o aluno ouvinte de )oltai"6C> re, o que N que me im;ede de chamar de Hoethe o +rande ;oeta :em"amado$\i %iante dele estA Lermontov# E aquele lA, com olhos ne+ros e sonhadores, quero cha"< f f mar de 2etrarca#\ " , " , E de;ois vem )erlaine, &essenin e muitos outros, que não vale a ;ena mencionar, mas tam:Nm al+uNm que certamente<, estA ali ;or en+ano# %e lon+e dessa distãncia de dois mil qui"[ " < lXmetros , /ica evidente que a ;oesia não lhe deu o dom de "J seu :ei o e que ele não +osta de versos# Ele se chama Boccaccio#< J

)oltaire a;anhou duas cadeiras encostadas na ;arede,f H "<< C ,, trou e"as ;ara a mesa cheia de +arra/as ea;resentou o estu" dante a s ;oetas# Os ;oetas /i eram um sinal amAvel com a# ca:eça, s 2etrarca não o viu, ;orque estava discutindo comf " , "; Boccaccio# Ter*ninou o de:ate com essas ;alavras ' lh " mu er sem;re nos N su;erior# .o:re isso ;oderia /alar semanas inteiras#

"d<\ U E Hoethe encora ando"o " .emanas N muito# !ale ;elo menos de minutos#i < <<", ",db,,/,,2,"/ " " ",

O relato de 2etrarca

" ' semana ;assadA aconteceu"me uma coisa incr*vel# Minha mulher aca:ava de tomar seu :anho, estava :onita com

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seu ;enhoar vermelho e os ca:elos dourados soltos# Eram nove e de e al+uNm tocou a cam;ainha# Fuando a:ri a ;orta de entrada, vi uma moça encostada na ;arede# Reconheci"a ime" diatamente# )ou uma ve ;or semana a um colN+io de moças#, Elas or+ani aram um clu:e de ;oesia e me adoram em se+redo#

Eu lhe ;er+untei " O que N que vocS estA /a endo aqui$ " Tenho que /alar com o senhor\, " O que N que vocS tem a me di er$< " " terrivelmente im;ortante o que tenho a lhe di er\, " Escute " disse eu ", N tarde, vocS não ;ode vir Y mi"nha casa a+ora, desça de;ressa e me es;ere em /rente Y ;ortado ;orão#

)oltei ;ara o quarto e disse Y minha mulher que al+uNmse en+anara de ;orta# %e;ois, como se nada houvesse, anun"ciei que tinha de ir ainda ao ;orão :uscar carvão e a;anheidois :aldes va ios# &sso /oi um erro# O dia inteiro minha ves*"cula tinha do*do e eu /icara deitado# Esse elo sV:ito deve ter ;arecido sus;eito Y minha mulher#" )ocS tem ;ro:lemas com sua ves*cula$ " ;er+untouHoethe com interesse#" -A muitos anos " res;ondeu 2etrarca#" 2or que vocS não o;era$" 2or nada no mundo\ " disse 2etrarca#Hoethe :alançou a ca:eça em sinal de sim;atia#" Onde era que eu estava$ " ;er+Vntou 2etrarca#" )ocS estava com dor na ves*cula e tinha a;anhado dois :aldes ;ara ;e+ar carvão " so;rou"lhe )erlaine#" Encontrei a moça em /rente Y ;orta do ;orão " ;ros"se+uiu 2etrarca " e disse a ela que descesse# ';anhei uma ;A, enchi os :aldes e tentei sa:er o que ela queria# Ela conti"nuou a re;etir que ;recisava me ver# (ão conse+ui sa:er na"da mais#

Em se+uida escutei ;assos no alto da escada# ';anheio :alde de carvão que aca:ara de encher e sa* do ;orão cor"rendo# Minha mulher estava descendo# 2assei"lhe o :alde 2or /avor, se+ure de;ressa isso, que vou encher outro# Minha mu"lher su:iu com o :alde e eu desci de novo ao ;orão e disseY moça que não ;od*amos /icar ali, que ela me es;erasse narua# Enchi de;ressa o :alde e su:i correndo# %ei então um :ei o na minha mulher e disse"lhe que /osse se deitar, que euainda queria tomar um :anho antes de dormir# Ela /oi se dei"tar e eu entrei no :anheiro e a:ri as torneiras# ' A+ua come"çou a correr no /undo da :anheira# Tirei os chinelos e sa* scom as meias# Os sa;atos que usava naquele dia estavam dianteda ;orta de entrada# %ei ara"os ali ;ara mostrar que nã: ti"nha ido lon+e# 2e+uei um outro ;ar de sa;atos no armArio,calcei"os e sa* sem :arulho do a;artamento#

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'qui Boccaccio interveio6C? q 6C8" 2etrarca, todos n s sa:emos que voc] N um +rande ;oeta# Mas constato que vocS tam:Nm N muito met dico, umestrate+ista astuto que não se dei a nem um se+undo ce+ar ;ela

;ai ão\ O que vocS /e com os chinelos e com os dois ;aresde sa;atos /oi uma o:ra";rima\Todos os ;oetas ;resentes concordaram com Boccaccioe co:riram 2etrarca de elo+ios, com o que ele /icou visivel"mente envaidecido#" Ela me es;erava na rua# Tentei acalmA"la# E ;liquei"lhe que teria que voltar ;ara casa e su+eri que voltasse na tar"de do dia se+uinte, quando minha mulher estaria no tra:alhoe ;oder*amos /icar sosse+ados# -A uma ;arada de :onde em/rente ao ;rNdio em que moro# &nsisti ;ara que ela /osse em" :ora# Mas quando o :onde che+ou, ela desatou a rir e quiscorrer ;ara a ;orta do ;rNdio#" )ocS deveria tS"la o+ado de:ai o do :onde " disseBoccaccio#" Meus ami+os " declara 2etrarca com um tom quasesolene ", hA momentos em que, queiramos ou não, ;recisa"mos ser maus com as mulheres# Eu lhe disse .e vocS nãoquiser voltar ;ara casa ;or :em, vou trancar Y chave a ;ortado ;rNdio# (ão se esqueça que este N meu lar e que eu não ;osso /a er dele um :ordel\ 'lNm disso, meus ami+os, ve" am :em que enquanto eu discutia com ela na /rente do ;rN"dio, lA em cima as torneiras do :anheiro estavam a:ertas ea :anheira corria o risco de trans:ordar a qualquer momento\

%ei meia"volta e corri em direção Y ;orta do ;rNdio#Ela começou a correr atrAs de mim# 2ara com;letar, outras ;essoas entravam no ;rNdio naquele mesmo momento, e elaa;roveitou e es+ueirou"se com elas ;ara dentro# .u:i a esca"da como um corredor ;ro/issional\ Ouvi seus ;assos atrAs demim# ( s moramos no terceiro andar\ !oi uma /açanha\ !uimais velo e ;raticamente :ati"lhe com a ;orta no nari # 'in"da tive tem;o de arrancar da ;arede os /ios da cam;ainha, ;ara que esta não tocasse, ;orque eu sa:ia ;er/eitamente queela ;oria o dedo na cam;ainha e não o tirar[a ma[s# %e;oisdisso corri na ;onta dos ;Ns ;ara o :anheiro#" ' :anheira t[nha trans:ordado$ " ;er+untou, sol*ci"to, Hoethe#" Eu /echei as torne[ras no Vltimo momento# Em se+ui"da /ui dar uma olhada na ;orta de entrada# ':ri o ;osti+oe constatei que ela ainda estava lA, im vel, os olhos cravadosna ;orta# Meus ami+os, isso me deu medo# 2er+untei" ne seela não iria /icar ali atN a manhã se+uinte#Boccaccio se ;orta rnal

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" 2etrarca, vocS N um [ncorri+*vel adorador " [nterveioBoccaccio# " &ma+ino que essas +arotas que /ormaram umclu:e de ;oesia o invocam como ';olo# 2or nada no mundo+ostaria de encontrA"las# 0ma mulher ;oeta N du;lamente inu"&her# demais ;ara um mis +ino como eu#

Escute, Boccacc[o " disse Hoethe ", ;or que N quevocS sem;re se +a:a de ser m[s +ino$" 2orque os m[s +inos são os melhores homens#%iante dessas ;alavras, todos os ;oetas rea+[ram comvaias# Boccaccio /oi o:r[+ado a elevar a vo" om;reendam"me# O m[s +ino não des;re a as mu"lheres# O mis +ino não +osta da /em[nilidade# Os homens sem" ;re se div[diram em duas +randes cate+orias os adoradoresde mulheres, isto N, os ;oetas, e os mis +inos, ou melhor di"

erldo, os +in /o:os# Os adoradores ou ;oetas veneram os va"lores /emininos tradicionais como o sentimento, o lar, a ma"ternidade, a /ecundidade, os raios d[vinos da hister[a e a vodivina da nature a em n s, enquanto que nos mis +inos ou +i"n /o:os esses valores ins;iram um li+eiro ;avor# (a mulher,o adorador venera a /eminilidadeJ enquanto que o mis +inodA sem;re ;re/erSncia Y mulher so:re a /emin[l[dade# (ão es"queçam uma coisa a mulher não ;ode ser realmente /eli se"não com um mis +ino# om vocSs, nenhuma mulher ama[s/oi /eli \6C9 6C7Essas ;alavras ;rovocaram um novo clamor hostil#" O adorador ou ;oeta ;ode dar Y mulher o drama, a ;ai ão, as lA+rimas, as ;reocu;ações, mas nunca nenhum ;ra"

er# onheci um# Ele adorava sua mulher# %e;ois começoua adorar outra# (ão queria humilhar uma en+anando"a, nema outra trans/ormando"a em sua amante clandestina# 2ortan"to con/essou tudo Y sua mulher ;edindo"lhe que o a udasse,sua mulher /icou doente, ele chorava o tem;o todo, a tal ;ontoque a amante aca:ou não a+`entando mais e avisou que iriadei A"lo# Ele deitou em aima dos trilhos ;ara ser esma+ado ;or um :onde# &n/eli mente, o condutor o en er+ou de lon+ee meu adorador teve que ;a+ar cinq`enta coroas ;or atra;a"&har o trA/e+o#" Boccaccio N um mentiroso\ " " clamou )erlaine#" ' hist ria que 2etrarca aca:a de nos contar " conti"nuou Boccaccio " N do mesmo ti;o# .erA que tua mulher deca:elos dourados merece que vocS leve a sNrio essa histNrica$" O que N que vocS sa:e da minha mulher$ \ " retrucou2etrarca er+uendo o tom de vo # "" Minha mulher N minhaami+a /iel\ (ão temos se+redos um com o outro\" Então ;or que /oi que vocS trocou de sa;atos$ " ;er"+untou Lermontov#

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Mas 2etrarca não se dei ou ;ertur:ar#" Meus ami+os, no instante crucial em que aquela mo"ça estava no ;atamar e em que eu não sa:ia o que /a er, /ui ;rocurar minha mulher no quarto e contei"lhe tudo#" omo, meu adorador\ " disse Boccaccio rindo# "

ontar tudo\ o re/le o de todos os adoradores\ )ocS comcerte a ;ediu"lhe que o a udasse\' vo de 2etrarca estava cheia de ternura" , ;edi"lhe que me a udasse# Ela nunca me recusou a u"da# %essa ve tam:Nm não# !oi ela mesma atN a ;orta# Eu /i"quei no quarto ;orque tive medo#" Eu tam:Nm teria medo " disse Hoethe, cheio decom;reensão#" Fuando ela voltou, estava com;letamente calma# Ti"nha olhado o ;atamar ;elo ;osti+o, tinha a:erto a ;orta e nãohavia mais nin+uNm# 2oderia ;arecer que eu tinha inventado6>Gtudo# Mas, de re;ente, ouvimos :atidas /ortes atrAs de n se vidros que voavam com estridSnciaJ como vocSs sa:em, mo"ramos num a;artamento velho, as anelas dão ;ara uma +ale"ria# E a moça, vendo que niri+uNm atendia a seu toque de cam" ;ainha, tinha encontrado uma :arra de /erro, não sei onde,tinha voltado com ela ;ara a +aleria e começado a que:rar todas as nossas anelas, uma a; s a outra# ( s a o:servAva"mos de dentro do a;artamento, sem ;oder /a er nada, quaseçom ;avor# %e;ois disso, vimos a;arecer, do outro lado da+aleria mer+ulhada na escuridão, trSs som:ras :rancas# Eramas trSs velhas do a;artamento de /rente# O :arulho do vidroas tinha acordado# Tinham acorrido de camisola, Avidas e im" ;acientes, /eli es com o escZndalo ines;erado# &ma+inem essequadro\ 0ma :ela adolescente com uma :arra de /erro na mãoe em volta dela as som:ras malN/icas das trSs :ru as\

Em se+uida a moça que:rou o Vltimo vidro e entrouna ;eça#

Eu quis ir /alar com ela, mas minha mulher me a+ar"rou com os :raços e su;-cou (ão vai, eta vai te malar\ Ea moça se ;ostou no meio da ;eça com suA :arra de /erro namão como Doana d<'rc com sua lança, :ela, ma estosa\ Eume so&tei dos :raços de m*nha mulher e me diri+i Y moça# EY medida que me a;ro imava dela, seu olhar ;erdia a e ;res"são ameaçadora, se suavi ava e se enchia de uma ;a celes"tial# 2e+uei a :arra de /erro, o+uei"a no chão e se+urei a mo"ça ;e*a mão#Os insultos" (ão acredito numa Vnica ;alavra de sua hist ria "declarou Lermontov#" claro, isso não aconteceu e atamente como 2etrar"

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ca contou " interveio de novo Boccaccio ", mas acredito queaconteceu realmente# Essa moça N uma histNrica em quem qual"6>6quer homem normal, numa s[tuação ;arecida, teria hA muitotem;o dado um ;ar de :o/ " "s# ;s adoradores ou ;oetas

sem;re /oram uma ;resa sonhada ;elas histNricas que sa:emque eles nunca vão es:o/eteA "_ ;s adoradores são desarma"dos diante das mulheres, ;orque nunca ultra;assaram a som" :ra de suas res;ectivas mães_ Eles vSem em cada mulher a men"sa+eira da mãe e se su:metem a ela# 's saias da mãe são ;araeles a a: :ada celes "te# " ; "ssa Vltima /rase a+radou"lhe muitoe ele a re;etiu vArias ve es " ; "tas, aquilo que vocSs vSemac[ma de suas ca:eças não N o cNu, mas sim a saia +i+antescade suas mães# )ocSs todo v[vem em:ai o da saia da mãe\" O que N que vocS estA d[ endo$ " &essenin começoua :errar com uma vo inacred[tAvel e ;ulou da cadeira# am" :aleou# %esde o começo da noite era quem mais :e:ia# " Oque /o[ que vocS disse a res;eito de minl*a mãe$ O que /oique vocS disse$" Eu não /ale[ da sua mãe " disse Boccaccio com do"çura# .a:ia que &essenin "[ " "m uma cNle:re dançarina queera tr[nta anos mais velha do que ele e sentia ;or ele uma s/n"cera com;a[ ão# Mas &essenin A tinha /eito a/luir cus;e atNos lA:ios e, inclinando"se ;ara a /rente, cus;iu# Mas estavamuito :N:ado e o cus;e ca[u na +ola de Hoethe# Boccaccio ;u ou o lenço e lim;ou o " "de ;oeta#2or ter cus;ido, &essenin sentiu"se mortalmente cansadoe tornou a cair na cadeira_ 2etrarca cont[nuou" Hostaria que todos vocSs, meus ami+os, tivessem ou"vido o que ela me disse, /oi inesquec*vel# Ela me disse, e /oicomo uma oração, como uma ladainha, sou uma moça sim" ;les, sou uma mo;a inte[ra,nente comum, não tenho nada ao/erecer, mas vim ;orque /uf " " "a aqui ;elo amor, vim,e nesse momento ela me a; "ou a mão com muita /orça, ;a"ra que vocS sai:a o que N o erdadeiro amor, ;ara que vocSo conhe!a uma ve rra "F#" E o que disse sua mul:er dessa mensa+eira do amor$" ;er+untou Lermontov "m "a ironia :em acentuada#Hoethe e ;lod[u nu " + "+* "a "" O que não daria Lermontov ;ara que uma mulher vies"se lhe que:rar as anelas\ 'tN ;a+aria ;or isso\Lermontov lançou ;ara Hoethe um olhar /urioso e 2e"trarca continuou" Minha mulher$ )ocS se en+ana, Lermontov, se tornaessa hist ria ;or um conto humor*stico de Boccaccio# ' mo"ça virou"se ;ara minha mulher, com um olhar celeste, e disse"

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lhe, e /oi de novo como uma ;rece, como uma ladainha, não ;recisa /icar com raiva de mim, senhora, ;orque a senhoraN :oa e tam:Nm +osto da senhora, +osto de vocSs dois, e ;e"+ou tam:Nm a mão dela#" .e /osse uma cena de um conto de Boccaccio, eu não

teria nada contra " disse Lermontov# " Mas o que vocS estAcontando N al+o ;ior, N ;oesia de mA qualidade#" )ocS estA com inve a de mim " +ritou"lhe 2etrarca#" (unca lhe aconteceu na vida /icar so inho num quarto comduas mulheres :onitas que +ostam de vocS\ .a:e lA vocS co"mo minha mulher /ica :onita com ;enhoar vermelho e os ca" :elos dourados soltos$Lermontov riu com um riso irXnico, mas dessa ve Hoe"the resolveu ;uni"lo ;or seus comentArios acer:os" )ocS N um +rande ;oeta, Lermontov, todos sa:emosdisso, mas ;or que tem tantos com;le os$%urante al+uns se+undos, Lermontov /icou aturdido, de" ;ois res;ondeu a Hoethe controlando"se com di/iculdade" Dohann, vocS não devia me di er isso# a ;ior coisaque vocS ;odia me di er# uma i+nom*nia de sua ;arte#Hoethe, ami+o da conc rdia, não teria continuado a im" ;licar com Lermontov, mas )oltaire interveio rindo" .alta aos olhos, Lermontov, vocS N cheio de com;le"

os# " E começou a analisar toda a sua ;oesia, que não ;os"suiria nem a +raça /eli e natural de Hoethe, nem o so;ro a;ai"

onado de 2etrarca# omeçou mesmo a destrinchar cada umade suas metA/oras ;ara demonstrar com :r[lho que o com;le"

o de in/erioridade de Lermontov N a /onte direta de sua ins" ;iração e tem ori+em na in/Zncia do ;oeta, marcada ;ela ;o" :re a e ;ela in/luSncia o;ressiva de um ;ai autoritArio# (esse momento, Hoethe inclinou"se ;ara 2etrarca e disse"6>= 6>3lhe, num cochicho que invadiu a sala, de modo que todos ou"viram, inclusive Lermontov" Ora, vamos\ Bo:a+ens, tudo isso# O ;ro:lema de Ler"montov N que ele não tre;a\O estudante se colocado lado de LermontovO estudante continuava calado, servia"se de vinho um+arçom discreto levava sem /a er :arulho as +arra/as va iase tra ia +arra/as cheias e escutava com atenção a conversaem que voavam /a*scas# (ão tinha tem;o de virar a ca:eça ;ara acom;anhar o tur:ilhão verti+[noso destas#2er+untava"se qual era o ;oeta com quem mais sim;ati"

ava# Hoethe, ele venerava, tanto quanto o venerava a .ra#hristine e aliAs o ;a*s inteiro# 2etrarca o en/eitiçava com seus

olhos incandescentes# Mas, estranho, era Lermontov o/endi"

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do que lhe ins;irava a mais viva sim;atia, so:retudo de;oisdo Vltimo comentArio de Hoethe, que lhe /e ;ensar que um+rande ;oeta e Lermontov N realmente um +rande ;oeta ;o"dia ;assar ;elas mesmas di/iculdades que qualquer estudantecomo ele# Olhou seu rel +io e constatou que era mais do que

tem;o de ir em:ora se não quises#se terminar e atamente co"mo Lermontov# (o entanto não conse+uia se a/astar dos +randes homense, em ve de ir em:ora ;ara unto da .ra# hristine, /oi aotoalete# Estava lA, cheio de ;ensamentos +randiosos, em /renteao a ule o :ranco, quando ouviu ao seu lado a vo deLermontov" )ocS ouviu o que eles disseram# Eles não são /inos#)ocS com;reende, eles não são /inos#Lermontov ;ronunciou a ;alavra "nos como se estives"se escTita em itAlico# , e istem ;alavras que não são comoas outras, ;alavras que ;ossuem um valor es;ecial conhecidoa;enas ;elos iniciados# O estudante i+norava ;or que Lermon"tov tinha ;ronunciado a ;alavra /inos como se /osse escritaem itAlico, mas eu, que /aço ;arte dos iniciados, sei que no ;assado Lermontov tinha lido o ;ensamento de 2ascal so:reo es;*rito de /ine a e o es;*rito de +eometria e dividia desdeentão o +Snero humano em duas cate+orias aqueles que são/inos e os outros#" )ocS ;or acaso acha que eles são /inos$ " ;er+untouele, num tom a+ressivo, ao ver que o estudante se calava#O estudante a:otoou a :ra+uilha e constatou que Ler"montov, e atamente como tinha escrito a ondessa Ro;tchins"Ui em seu diArio havia cinq`entA anos, tinha as ;ernas muitocurtas# .entiu +ratidão ;or ele ;orque e "a o ;rimeiro +rande ;oeta que /a ia uma ;er+unta sNria es;erando dele uma res" ;osta i+ualmente sNria#" (a minha o;inião " disse ele ", eles não são nada/inos#Lermontov ;arou com suas ;ernas curtas" (ão, nada /inos# " E acrescentou, mais alto " Maseu sou or+ulhoso\ om;reende$ Eu sou or+ulhoso\' ;alavra or+ulhoso tam:Nm estava escrita em itAlico nasua :oca, ;ara dar a entender que s um im:ecil ;oderia ;en"sar que Lermontov tinha or+ulho como uma moça tem or+u"lho de sua :ele a, ou como um comerciante tem or+ulho doseu ne+ cio, ;ois trata"se de um or+ulho muito sin+ular, deum or+ulho usti/icado e no:re#" Eu sou or+ulhoso " voci/erou Lermontov, e voltoucom o estudante ;ara a sala onde )oltaire estava /a endo Gelo+io de Hoethe# Então Lermontov en/ureceu"se# 2ostou"seem /rente Y mesa, o que /e com que de re;ente ele /icasse

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uma ca:eça mais alto do que os outros, que estavam senta"dos, e disse " E a+ora vou mostrar"lhes como sou or+ulho"so\ '+ora vou di er"lhes uma coisa, ;orque sou or+ulhoso\. e istem dois ;oetas neste ;a*s Hoethe e eu#%essa ve /oi )oltaire que elevou a vo

" )ocS talve se a um +rande ;oeta, mas como homemN deste tamanho\ Eu ;osso di er de vocS que vocS N um +ran"de ;oeta, mas vocS não tem o direito de di er isso#6>C " 6>>2 Lermontov /icou estarrecido um momento# Ha+ue ou, <

" E ;or que eu não teria o direito de di er isso$ Eu sous or+ulhoso\ Lermontov re;etiu ainda muitas ve es que era or+ulho" so# )oltaire desatou a rir e os outros d "sataram a rir com ele# O estudante com;reendeu que tinha che+ado o momen" to es;erado# ' e em;lo de Lermontov, ;Xs"se de ;N e lançou um olhar circular so:re os ;oetas ;resentes\ " " " )ocSs não com;reendem nada do que di Lermon" tov# O or+ulho do ;oeta não N um or+ulho :anal# . o ;r "& " " s ;rio ;oeta conhece o valor daquilo que escreve# Os outrosoJ J, com;reenderão muito mais tarde ou talve nunca o com;reen" dam# O ;oeta tem ;ortanto o dever de ser or+ulhoso# .e não /osse, trairia sua o:ra# " " " E " , 0m instante antes, eles tinham se torcido de rir, masde " "/, " re;ente todos concordaram com o estudante, ;ois eram tão] or+ulhosos quanto Lermontov, s que tinham ver+onha de di S" "< ", " / i lo, ;orque não sa:iam que a ;alavra or+ulhoso , com acon" dição de ser ;ronunciada da maneira correta, dei a de ser ri"< " g d*cula e torna"se, ao contrArio, uma ;alavra es;iritual eno:re#, !icaram ;ortanto +ratos ao estudante que aca:ava de lhes dar < " "m conselho tão :om, e houve atN mesmo um deles que o "

fC, a;laudiuJ com certe a )erlaine#,,i i, " "ro i,< hristine N trans/ormada em rainha, # ;or HoetheO estudante se sentara e Hoethe virou"se ;ara ele com

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um sorriso amAvel" Ra;a , vocS sa:e o que N a ;oesia$Os outros estavam de novo mer+ulhados em suas discus"sões de homens :S:ados, de maneira que o estudante se vius diante do +rande ;oeta# Fueria a;roveitar essa o;ortuni"

dade ;reciosa, mas de re;ente não sa:ia o que di er# omo< 6>?& i \ ;rocurasse intensamente a /rase conveniente " Hoethecontentava"se em sorrir em silSncio ", não conse+uia encon"trAr nenhuma e não /a ia nada a não ser sorr[r tam:Nm# Masa lem:rança de hristine veio em seu socorro"v " (o momento estou saindo com uma moça, ou melhor,com uma mulher# Ela N casada com um açou+ueiro#&sso a+radou muito a Hoethe, que res;ondeu com um ri"so muito amistoso#" Ela o venera# %eu"me um de seus livros ;ara que vocS/aça uma dedicat ria#" %S"me " d[sse Hoethe, e ;e+ou o volume de seus ver"sos das mãos do estudante# ':riu na ;A+ina do t*tulo e conti"nuou " !ale"me dela# omo N que ela N$ :onita$%iante de Hoethe, o estudante não ;odia mentir# on"/essou que a mulher do açou+ueiro não era uma :ele a# -o" e, ainda ;or c[ma, estava vestida de maneira rid*cula# O diainteiro, ;asseara ;or 2ra+a com +randes ;Nrolas em volta do ;escoço e sa;atos ;retos ;r ;rios ;ara a no[te como não seusava mais hA muito tem;o#Hoethe ouviu o estudante com um sincero interesse e dissequase com nostal+ia" maravilhoso#O estudante se entusiasmou e che+ou a con/essar que amulher do açou+ueiro tinha um dente de ouro que :rilhavaem sua :oca como uma mosca dourada#

omovido, Hoethe riu e corri+iu" omo um anel#" omo um /arol\ " re;licou o estudante#" omo uma estrela\ " sorriu Hoethe#O estudante e ;licou que a mulher do açou+ueiro era naverdade uma ;rovinciana inteiramente comum e que era us"tamente isso que o atra*a tanto#" omo eu o com;reendo\ " disse Hoethe# " .ão us"tamente esses detal "es, uma rou;a mal escolhida, um [+eirode/ei"to nos dentes, uma estranha mediocridade de alma, que /a"

em com que uma mulher se a viva e real# 's mulheres doscarta es de ;ro;a+anda ou das revistas de moda, que ho e qua"se todas as mulheres _;rocuram imitar, não tSm encanto ;or"

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todos eles se sentiram enca:ulados e ;equenos# E ele re;etiasem ;arar que queria /icar ali\ (in+uNm se entendia, a;enas Lermontov a;roveitou aocasião ;ara se mostrar mais es;erto do que os outros" Meus ami+os, dei em"no aqui, eu /aço com;anhia a

ele atN de manhã# )ocSs não ;erce:em$ Fuando ele era mo"ço, /icava semanas inteiras sem voltar ;ara casa# Ele quer reen"contrar sua uventude\ .erA que vocSs não com;reendem is"so, :ando de idiotas$ (ão N verdade, Dohann$ ( s vamos nosdeitar aqui so:re o ta;ete e /icaremos atN de manhã com essa+arra/a de vinho tinto, e eles ;odem ir em:ora\ 2etrarca ;o"de correr ;ara unto de sua mulher de ;enhoar vermelho e ca" :elos soltos\Mas )oltaire sa:ia que não era saudade da uventude oque retinha Hoethe# Hoethe estava doente e ;roi:ido de :e" :er# Fuando :e:ia, <suas ;ernas se recusavam a sustentA"lo#)oltaire a;anhou as duas muletas e ordenou aos outros quedesistissem de sua su;Nr/lua timide # Então os :raços /racosdos ;oetas :S:ados se+uraram Hoethe ;elas a ilas elevantaram"no da cadeira# Levaram"no do salão ;ara o hall,ou melhor, arrastaram"no ora os ;Ns de Hoethe encostavamno chão, ora :alançavam como os ;Ns de uma criança comquem os ;ais :rincam de :alanço # Mas Hoethe era ;esadoe os ;oetas estavam :S:ados che+ando no hall, eles o lar+a"ram, e Hoethe lamentou"se e +ritou" Meus ami+os, dei em eu morrer aqui\6>7Ji "r <, J, "h " #<J " " " J,J,&,i "J "tJ " " n4st# JJ " " que são irreais, " "a:stratas# (ascQ "

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" )ocS se dA conta do que estA vendo$ )ocS N estudan"te e não conhece nada da vida# E esta N uma cena +randiosa\

arre+a"se um ;oeta# .a:e o ;oema que isso daria$Enquanto isso, Hoethe ca*ra na calçadaJ 2etrarca e Boc"caccio tentavam levantA"lo de novo#

" Olha " disse Lermontov ao estudante ", eles não vãonem conse+uir levantA"lo# (ão tSm /orça nos :raços# (ão tSma menor idNia do que N a vida# arre+a"se um ;oeta# Fue t*tu"lo ma+n*/ico# )ocS com;reende# (esse momento estou escre"vendo dois livros de versos# %ois livros inteiramente di/eren"tes# 0m deles numa /orma ri+orosamente clAssica, com rimase um ritmo ;reciso# O outro em versos livres# Este vai se cha"mar 2restação de contas # O Vltimo ;oema do livro se cha"marA arre+a"se um ;oeta # E serA um ;oema duro, mashonesto# 0m ;oema honesto#Era a terceira ;alavra de Lermontov ;ronunciada em itA"lico# Essa ;alavra e ;ressava o contrArio de tudo o que N a;e"nas ornamento e o+o de ima+inação# E ;ressava o contrAriodas diva+ações de 2etrarca e das /arsas de Boccaccio# E ;res"sava o lado ;atNtico do tra:alho do o;erArio e uma /N a;ai o"nada na A mencionada deusa %ure a da )ida#)erlaine, em:e:edado ;elo ar noturno, ;ostou"se no meioda calçada, olhou as estrelas e cantou# &essenin sentou"se, en"costado na ;arede do ;rNdio, e adormeceu# )oltaire continuoua +esticular no meio da rua e conse+uiu /inalmente /a er ;a"rar um tA i# Em se+uida, com a a uda de Boccaccio, instalouHoethe no :anco de trAs# Hritou ;ara 2etrarca sentar"se aolado do motorista, ;orque 2etrarca era o Vnico que, :em oumal, ;odia amansar a .ra# Hoethe# Mas 2etrarca se de/endeu/reneticamente" 2or que eu$ 2or que eu$ Eu tenho medo\" EstA vendo$ " disse L,ermontov ao estudante# " Fuan"do N ;reciso a udar um ami+o, ele /o+e# (enhum deles N ca" ;a de /alar com a velha# " %e;ois, inclinando"se ;ara den"tro do carro, onde Hoethe ", Boccaccio e )oltaire estavam hor"6?6rivelmente es;remidos no :anco de trAs, disse " Meus ami"+os, vou com vocSs# Eu me encarre+o da .ra# Hoethe# " Einstalou"se no assento va io, ao lado do motorista#2etrarca condena o riso de BoccaccioO tA i cheio de ;oetas desas;areceu e o estudantelem:rou"se de que era mais do que tem;o de ir encontrar a.ra# hristine#" Tenho que ir em:ora " disse ele a 2etrarca#2etrarca concordou, se+urando"o ;elo :raço e diri+iu"se ;ara o lado o;osto ao da casa do estudante#" .a:e " disse"lhe ele ", vocS N um ra;a sens*vel# )ocS

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um amor ardente e +randioso# 0m ;ouco antes, Hoethe tinharevestido hristine com um manto real e a+ora era 2etrarcaque es;alhava /o+o no coração do estudante# ' noite que oes;erava seria a:ençoada ;or dois ;oetas#" 2or outro lado, o riso " continuou 2etrarca "" N uma

e ;losão que nos a/asta do mundo e nos em;urra ;ara a nos"sa /ria solidão# ' :rincadeira N uma :arreira entre o homeme o mundo# ' :rincadeira N a inimi+a do amor e da ;oesia#

;or isso que lhe di+o mais uma ve e quero que vocS se lem" :re :em disso Boccaccio não com;reende o amor# O amor não ;ode ser ris*vel# O amor não tem nada em comum como riso#6?= " 6?3&&" , sim " concordou o estudante com entusiasmo# Oundo lhe ;areceu dividido em duas metades, das quais umaN a metade do amor e a outra a da :rincadeira, e viu que, noque lhe di ia res;eito, ele ;ertencia e ;ertenceria ao e Nrcitode 2etrarca#Os an os voam so:re a camado estudanteEla não andava nervosamente de um lado ;ara o outrona mansarda do estudante, não estava com raiva, não estavaem:urrada, não estava olhando lan+uidamente ;ela anela# Es"tava deitada de camisola, enroscada so: as co:ertas# Eleacordou"a com um :ei o nos lA:ios e ;ara se adiantar Ys re"clamações contou"lhe com uma eloq`Sncia /orçada a incr*velreunião em que /ora testemunha de um dramAtico con/rontoentre Boccaccio e 2etrarca, enquanto Lermontov insultava to"dos os outros ;oetas# Ela não se interessou ;or suas e ;lica"ções e interrom;eu"o com descon/iança" ';osto que vocS esqueceu meu livro#Fuando ele lhe estendeu o volume de versos em que Hoe"the tinha escrito uma lon+a dedicat ria, ela não conse+uiu acre"ditar nos seus olhos# Releu muitas ve es se+uidas as /rases ina"creditAveis que ;areciam encarnar toda a sua aventura i+ual"mente inacreditAvel com o estudante, todo o seu Vltimo ve"rão, os ;asseios clandestinos ;elos caminhos silvestres desco"nhecidos, toda aquela delicade a e toda aquela ternura que ;areciam tão distantes de sua vida#Enquanto isso, o estudante tirou a rou;a e deitou# Elatomou"o "/[rmemente nos :raços# !oi um a:raço que atN en"tão ele nunca conhecera# 0m a:raço sincero, vi+oroso, ardente,maternal, /raterno, amistoso e a;ai onado# %urante a noite,Lermontov t[nha usado muitas ve es a ;alavra honesto, e oestudante disse consi+o que o a:raço de hristine :em que me"

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r recia essa desi+nação sintNtica que continha em si toda umamultidão de ad etivos#< O estudante sentiu que seu cor;o estava numa notAvelJ dis;osição ;ara o amor# (uma dis;osição tão certa, dura edurAvel, que ele se recusava a qualquer ;reci;itação e s /a ia

sa:orear esses doces e lon+os minutos de a:raço im vel#Ela mer+ulhava em sua :oca uma lin+ua sensual e um< instante de;ois o :ei ava da maneira mais /raternal ;oss*velno rosto# om a ;onta da l*n+ua ele a;al;ava seu dente deouro, no alto Y esquerda, lem:rando"se do que lhe dissera Hoe"the hristine não nasceu de uma mAquina ci:ernNtica, masde um cor;o humano\ a mulher certa ;ara um ;oeta\ Ti"nha vontade de +ritar de ale+ria# E em seu es;*rito ecoavamas ;alavras de 2etrarca que lhe tinha dito que o amor N ;oesiae que a ;oesia N o amor, e que com;reenc "er N se con/undir com o outro e queimar nele# .im, os trSs ;oetas estão todosaqui com ele, voam so:re a cama como an os, se ale+ram, can"tam e o a:ençoam\ O estudante trans:ordava com um imen"so entusiasmo e decidiu que era mais do que tem;o de trans"/ormar a honestidade lermontoviana do a:raço im vel numato de amor real# 'tirou"se so:re o cor;o de hristine e ten"tou a:rir suas ;ernas co[n o oelho#Mas o quS$ hristine resiste\ !echa as ;ernas com a mes"ma o:stinação do verão, durante seus ;asseios ;elos :osques\Ele queria lhe ;er+untar ;or que ela lhe resistia, mas nãoconse+uia /alar# ' .ra# hristine era tão t*mida, tão delicadaque em ;resença dela as coisas do amor ;erdiam seus nomes#Ele não ousava /alar senão a lin+ua+em do sus;iro e do to"que# Fue teriam eles a ver com o ;eso das ;alavras$ (ão eraverdade que ele queimava nela$ Os dois ardiam na mesma cha"ma\ 2ortanto, num silSncio o:stinado, ele renovava suas ten"9 tativas ;ara /orçar com o oelho as co as solidamente /echa"das de hristine#Ela tam:Nm se calava# Tam:Nm temia /alar e queria e " ;ressar tudo ;or meio de :ei os e car*cias# Mas na vi+Nsima"quinta tentativa que ele /e ;ara a:rir"lhe as co as, ela disse" (ão, ;or /avor, não# Eu morreria#" omo$6?C 6?> "u " "Eu morreria# verdade# Eu morreria " re;etiu a .ra#ine, e de novo mer+ulhou a lin+ua na sua :oca, ;ro/un" " "J# "# # "# nte, ao mesmo tem;o que a;ertava com muita /orça umaco "ca contra a outra#O estudante e ;erimentava um deses;ero tin+ido de :ea"titmdN# Fueimava com um dese o /renNtico de /a er amor comela e ao mesmo tem;o queria chorar de ale+ria# hristine o

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amiava como nin+uNm o amara# Ela o amava a ;onto de mor"rer , a ;onto de ter medo de /a er amor com ele, ;orque, se/i eesse amor com ele, nunca mais ;oderia viver sem ele e mor"rer ia de triste a e de dese o# Ele /icou /eli , /icouloucamente

/eli ;orque conse+uiu, de re;ente, ino;inadamente, sem na"da ter /eito ;ara merecS"lo, aquilo que sem;re dese ara, esseam "or in/inito diante do qual todo o +lo:o terrestre, com to"do " os seus continentes e todos os seus mares, não N nada#" Eu entendo vocS\ Eu morrerei com vocS\ " di ia elenum murmVrio, e ao mesmo tem;o a acariciava e :ei ava, e ;o " ;ouco teria chorado de amor# Esse +rande enternecimen"to, ;orNm, não su/ocava o dese o /*sico, que se tornou dolo"ro "o e quase intolerAvel# Ele /e ainda al+umas tentativas ;a"ra aen/iar o oelho como uma alavanca entre as co as de hris"tin "e e a:rir assim o caminho ;ara o seu se o, que su:itamente/icrou sendo ;ara ele mais misterioso do que o .anto Hraal#" (ão, com vocS não vai acontecer nada# Eu N que voummrrer\ " disse hristine#Ele ima+inou uma volV;ia in/inita, uma volV;ia de mor"rer<, e re;etiu mais uma "e" Morreremos untos\ Morreremos untos\ " E conti",Jnu "ou em;urrando o oelho entre as co as dela, mas sem;re< emt vão#Os dois não tinham mais nada a se di er# ';ertavam"seurm contra o outro# hristine :alançava a ca:eça ne+ativamente< e e# le lançou ainda muitos ataques ã /ortale a de suas co asanttes de desistir en/im# %eitou"se ao lado dela, de costas, re"J si+ nado# Ela o se+urou ;elo cetro de seu amor, que se levan"taQa em sua honra e que ela a;ertava com toda a sua es;lSn", didla honestidade sinceramente, vi+orosamente, ardentemente,6?? "G/raternalmente, maternalmente, ami+avelmente e a;ai onada"mente# (o estudante, a :eatitude do homem que N amado in/i"nitamente misturava"se com o deses;ero do cor;o que N re ei"tado# E a mulher do açou+ueiro continuava se+urando"o ;or sua arma de amor, sem co+itar de su:stituir com al+uns +es"tos sim;les o ato carnal que ele dese ava, mas como se se+u"rasse na mão al+o de raro, al+o de ;recioso, al+o que ela nãoqueria estra+ar, que queria conservar assim, ereto e duro, ;or muito tem;o#Mas che+a dessa noite que vai se ;rolon+ar sem mudan"ças notAveis atN quase de manhã#' lu su a da manhã

omo tinham dormido muito tarde, eles não acordaram

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com a idNia de que iria +uardar dele al+uma coisa de durAvelos versos de Hoethe e a incr*vel dedicat ria que ;oderiaconvencS"la a qualquer momento de que sua aventura não eraum sonho#O estudante /icou deses;erado# Teria :astado naquela

noite a;enas uma /rase sensata\ Teria :astado dar Ys coisasseus devidos nomes e ele a teria ;ossu*do\ Ela tivera medo queele a en+ravidasse, e ele ;ensou que ela temesse o in/inito deseu amor\ Mer+ulhou os olhos na ;ro/unde a insondAvel desua estu;ide e teve vontade de desatar a rir, um riso cheiode lA+rimas, histNrico#6?9)oltou da estação ;ara o seu deserto sem noites de amor,e a litost o acom;anhava# (ovas o:servações ;ara uma teoria da litost2or meio de dois e em;los tirados da vida do estudante,e ;liquei as duas reações elementares do homem /ace Y sua ;r ;ria litost# .e nosso interlocutor N mais /raco do que n s,encontramos um ;rete to ;ara a+redi"lo, como o estudantea+rediu a estudante que nadava muito de;ressa#.e nosso interlocutor N mais /orte, s nos resta escolher uma vin+ança dis/arçada, um ta;a dado indiretamente, umassassinato ;elo meio indireto do suic*dio# ' criança toca umanota errada em seu violino atN que o ;ro/essor enlouqueça ea atire ;ela anela# E a criança cai e durante a queda ale+ra"secom a idNia de que ;ro/essor cruel serA acusado de assassinato#Eis a* dois mNtodos clAssicos, e se o ;rimeiro N encontra"do constantemente na vida dos amantes e dos casais, aquiloque se convencionou chamar# de a +rande -ist ria da -uma"nidade o/erece inumerAveis e em;los do outro ;rocedimen"to# ;rovAvel que tudo o que nossos mestres :ati aram como nome de hero*smo tenha sido a;enas essa /orma de litostque ilustrei com a hist ria do menino e do ;ro/essor de violi"no# Os ;ersas conquistaram o 2elo;oneso e os es;artanos acu"mularam erros militares# E do mesmo modo que o menino serecusa a tocar direito, eles tam:Nm são ce+ados ;elas lA+ri"mas de raiva e recusam qualquer ação sensata, não são ca;a"

es nem de lutar melhor, nem de se entre+arem, nem de se sal"varem na /u+a, e N ;or litost que se dei am matar atN o Vltimo#)em"me a idNia, neste conte to, que não /oi a:soluta"mente ;or acaso que a noção de litost nasceu na BoSmia# 'hist ria dos tchecos, essa hist ria de eternas revoltas contraos mais /ortes, essa sucessão de +loriosas derrotas que ;unham6?7a ",em movimento o curso da -ist ria e levavam Y sua ;erda o

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;r ;rio ;ovo que a tinha desencadeado, N a hist ria da litost#Fuando em a+osto de 67?9 milhares de tanques russos ocu" ;aram esse ;equeno e maravilhoso ;a*s, eu vi escrita nos mu"ros de uma cidade a se+uinte divisa (ão queremos acordo,queremos a vit ria\ om;reendam que, naquele momento, s

havia escolha entre muitas variantes de derrota, nada mais,mas essa cidade recusava o acordo e dese ava a vit ria\ (ãoera a ra ão, era a litost que /alava\ 'quele que recusa o acor"do /inalmente não tem outra escolha a não ser a ;ior das der"rotas ima+inAveis# MAs N ustamente o que quer a litost# O ho"mem ;ossu*do ;or ela se vin+a ;or meio de seu ;r ;rio ani"quilamento# ' criança esma+ou"se na calçada, mas sua almaimortal vai se re+o i ar eternamente, ;orque o ;ro/essor en/orcou"se no /errolho de uma anela#Mas como N que o estudante ;ode /a er mal a hristine$'ntes que ele ;udesse ima+inar o que quer que /osse, ela su" :iu no trem# Os te ricos conhecem uma situação desse ti;oe a/irmam que se assiste então ao que eles chamam de um :lo"queio da litost#lV o que ;ode acontecer de ;ior# ' litost do estudante eracomo um tumor que aumentava de minuto a minuto e ele nãosa:ia o que /a er com ele# omo não havia nin+uNm em quem ;udesse se vin+ar, ele as;irava ao menos a uma consolação#!oi ;or isso que se lem:rou de Lermontov# Lem:rou"se deLermontov, que Hoethe insultara, que )oltaire humilhara eque en/rentara a todos +ritando o seu or+ulho, como se todosos ;oetas sentados em volta da mesa não /ossem outra coisasenão ;ro/essores de violino a quem ele quisesse ;rovocar ;a"ra que eles o atirassem ;ela anela#O estudante dese ou Lermontov como se dNse a um ir"mão e en/iou a mão no :olso# .eus dedos a;al;aram uma +ran"de /olha de ;a;el do:rada# Era uma /olha arrancada de umcaderno onde se ;odia ler Es;ero vocS# Eu te amo# hristi"ne# Meia"noite#Ele com;reendeu# O ;alet que estava usando estava ;en"durado na vNs;era num ca:ide em sua mansarda# O :ilhetetardiamente desco:erto a;enas con/irmou aquilo que ele A68Gsa:ia# Tinha ;erdido o cor;o de hristine ;or causa de sua < ;r ;ria :urrice# ' litost o enchia atN a :orda e ele não via ;or onde esca;ar# (o /undo do deses;eroEra :em no /im da tarde e ele achou que os ;oetas de"viam estar /inalmente acordados, de;ois da :e:edeira da noi"te# Talve estivessem no lu:e dos -omens de Letras# Ele su" :iu a escada de quatro em quatro de+raus atN o ;rimeiro an"dar, atravessou o vestiArio e virou Y direita ;ara o restauran#"

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te# (ão era um /req`entador ass*duo, ;arou na soleira e olhou#2etrarca e Lermontov estavam sentados no /undo da sala comdois su eitos que ele não conhecia# -avia uma mesa livre ;er"toJ ele ;u ou uma cadeira e sentou# (in+uNm re;arou nele#Ele teve atN mesmo a im;ressão de que 2etrarca e Lermontov

o tinham olhado um se+undo com ar ausente e não o tinhamreconhecido# 2ediu ao +arçom um conhaqueJ em sua ca:eçaressoavam dolorosamente o te to in/i "tamente triste e in/i"nitamente :elo do :ilhete de hristine Es;ero vocS# Eu te amo#

hrlstine# Meia"noite#Ele /icou assim cerca de vinte minutos, :e:endo seu co"nhaque em ;equenos +oles# ' visão de 2etrarca e Lermon"tov, lon+e de recon/ortA"lo, s lhe trou e uma nova triste a#Ele /ora a:andonado ;or todos, a:andonado ;or hristinee ;elos ;oetas# Estava s aqui, tendo ;or com;anhia a;enasuma +rande /olha de ;a;el na qual estava escrito Es;ero vo"cS# Eu te amo# hristine# Meia"noite# Teve vontade de levan"tar e de :randir esse ;a;el em cima de sua ca:eça ;ara quetodo mundo o visse, ;ara que todo mundo sou:esse que ele,o estudante, era amado, in/initamente amado#

hamou o +arçom ;ara ;a+ar# %e;ois acendeu mais umci+arro# (ão tinha mais nenhuma vontade de /icar no clu:e,mas sentia um terr*vel des+osto com a idNia de voltar ;ara sua686, "l,i/ "Jv ,E ,il " ,<## " " @ ",i,V ,,b #s,, "< i,,

"<, - "#J,) \7i ) nmansarda, onde nenhuma mulher o es;erava# !inalmente es"ma+ou o ci+arro no cin eiro e ustamente nesse momento no"tou que 2etrarca o en er+ara e /a ia"lhe sinal, com a mão,de sua mesa# Mas era tarde demais, a litost o e ;ulsava doclu:e em direção Y sua triste solidão# Levantou"se e, no Vlti"mo momento, tirou mais uma ve do :olso a /olha de ;a;el

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socorro#O que resta desta hist ria realmente /racassada$ (ada,a não ser a ;oesia# &nscritas no livro de Hoethe, ;alavras que

hristine leva consi+o, e numa /olha de ;a;el ;autada, as li"nhas que vestiram o estudante com uma +l ria ino;inada#

" Meu ami+o " disse 2etrarca se+urando o estudante ;elo :raço ", con/esse que vocS escreve versos, que vocS N ;oeta\O estudante :ai ou os olhos e con/essou que 2etrarcanão se en+anava#683E Lermontov /ica #so inho!oi Lermontov que o estudante veio ver no lu:e dos-omens de Letras, mas a ;artir dess " momento ele estA ;er"dido ;ara Lermontov e Lermontov estJA ;erdido ;ara ele# Ler"montov detesta os amantes /eli es# !t#an e as so:rancelhas e/ala com des;re o da ;oesia dos sentirnentos adocicados e das+randes ;alavras# %i que um ;oema deve ser honesto comoum o: eto moldado ;ela mão de urq tral[Alhador# !a cara/eia e mostra"se desa+radAvel com 2etrarca e com o estudan"te# .a:emos :em do que se trata# Hoethe tam:Nm sa:ia# ;or tre;ar ;ouco# 0ma terr*vel litos de não tre;ar#Fuem ;oderia com;reendS"lo melhor do que o estudan"te$ Mas esse incorri+*vel im:ecil vS a;enas o rosto /echadode Lermontov, ouve a;enas suas ; "avras maldosas e /icao/endido#Eu, na !rança, /ico olhando"os "e lon+e, do alto da mi"nha torre# 2etrarca e o estudante se levantam# %es;edem"se/riamente de Lermontov# E Lernlon "ov /ica so inho#Meu caro Lermontov, o +Snio dessa dor que chamamosna minha triste BoSmia de litost,.EPT' 2'RTEO. '(DO.68C6 ( " "Ein /evereiro de 67C9, o diri+ente comunista KlementHottQald ;ostou"se na sacada de um ;alAcio :arroco de 2ra"+a ;ara discursar lon+amente ;ara centenas de milhares de ci"dadãos concentrados na ;raça da idade )elha# !oi um +randemarco na hist ria da BoSmia# (Nvava, /a ia /rio e HottQaldestava com a ca:eça desco:erta# lementis, cheio de solicitu"de, tirou seu +orro de ;ele e colocou"o na ca:eça de HottQald# (em HottQald nem lementis sa:iam que !ran Ka/Uase servira todos os dias, durante oito anos, da escada ;ela qualeles aca:avam de su:ir Y sacada hist rica, ;ois so: o &m;Nrio'ustro"hVn+aro esse ;alAcio a:ri+ava um liceu alemão# Eles

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tam:Nm não sa:iam que, no andar tNrreo do mesmo ;rNdio,o ;ai de !ran , -ermann Ka/Ua, tinha uma lo a cu a ta:uletada entrada mostrava uma +ralha"das"torres ao lado do seu no"me, ;orque, em tchec , Ua/Ua si+ni/ica +ralha"das"torres#.e HottQald, lementis e todos os outros i+noravam tu"

do de Ka/Ua, Ka/Ua conhecia"lhes a i+norZncia# 2ra+a, em seuromance, N uma cidade sem mem ria# Essa cidade esqueceuatN mesmo como se chama# LA, nin+uNm se lem:ra, nin+uNmse recorda de nada, mesmo Dose;h K# ;arece não sa:er nadade sua vida de antes# LA, nenhuma canção ;ode ser ouvida ;ara nos evocar o instante de seu nascimento e li+ar assim o ;resente ao ;assado#O tem;o do romance de Ka/Ua N o tem;o de uma huma"nidade que ;erdeu a continuidade com a humanidade, de umahumanidade que não sa:e mais nada, que não se lem:ra demais nada e que mora em cidades que não tSm nome e cu as688

<r ",ruas são ruas sem nome ou com um nome di/erente do de on"tem, ;ois o nome N uma continuidade com o ;assado e as ;es"soas que não tSm ;assado são ;essoas sem nome#2ra+a, como di ia Ma Brod, N a cidade do mal# Fuan"do, de;ois da derrota da Re/orma tcheca em 6?=6, tentaramreeducar o ;ovo inculcando"lhe a verdadeira /N cat lica, os esu*tas mer+ulharam 2ra+a no es;lendor das catedrais :ar"rocas# Esses milhares de santos ;etri/icados que nos olham detodas as ;artes, e nos ameaçam, nos es;iam, nos hi;noti am,são o e Nrcito /renNtico dos ocu;antes que invadiram a BoS"mia hA tre entos e cinq`enta anos ;ara arrancar da alma do ;ovo sua /N e sua lin+ua#' rua onde nasceu Tamina chamava"se Rua .chQerino"va# &sso /oi durante a +uerra, e 2ra+a estava ocu;ada ;elosalemães# .eu ;ai nasceu na 'venida TchernoUostelecUa " aavenida da i+re a ;reta# !oi so: o &m;Nrio 'ustro"hVn+aro#.ua mãe instalou se na casa de seu ;aV, na 'venida doMarechal"!och# &sso /oi de;ois da +uerra de 6C"69# Tamina ;assou a in/Zncia na 'venida .talin e /oi na 'venida de )i"nohrad que seu marido /oi :uscA"la ;ara levA"la ;ara seu novolar# (o entanto, era sem;re a mesma rua, s #o seu nome eramudado, constantemente, /a iam"lhe lava+em cere:ral ;araa;atetA"la# (as ruas que não sa:em como se chamam va+am os es" ;ectros dos monumentos derru:ados# %erru:ados ;ela Re/or"ma tcheca, derru:ados ;ela ontra"Re/orma austr*aca, der"ru:ados ;ela Re;V:lica tchecoslovaca, derru:ados ;elos co"munistasJ atN as estAtuas da .talin /oram derru:adas# (o lu"+ar de todos esses monumentos destru*dos crescem ho e, em

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toda a BoSmia, aos milhares, estAtuas de LeninJ elas crescemlA como a relva so:re as ru*nas, como as /lores melanc licasdo esquecimento#689=

.e !t "an Ka/Ua N o ;ro/eta de um mundo sem mem ria,Hustav -usaU N o seu construtor# %e;ois de T#H# Masar U,que era chamado de o ;residente li:ertador todos os seus mo"numentos , sem e ceção, /oram destru*dos , de;ois de Benes,HottQald, 1a;otocU , (ovotn e .vo:oda, N o sNtimo ;resi"dente de rneu ;a*s, e chamam"no de o ;residente do esqueci"mento#Os russos o instalaram no ;oder em 67?7# %esde 6?=6,a hist ria do ;ovo tcheco não conhecia semelhante massacreda cultura e Aos intelectuais# &ma+ina"se ;or toda ;arte que-usaU s /a ;erse+uir seus adversArios ;oliticos# Mas a luta contra a o;osição ;ol*tica s /oi ;ara os russos a o;ortunida"de sonhada de reali ar, ;or intermNdio de seu lu+ar"tenente,Al+o de muito mais /undamental#'cho muito si+ni/icativo, so: esse ;onto de vista, que-usaU tenha mandado e ;ulsar das universidades e dos insti"tuLos cient*/icos cento e qVarenta e cinco historiadores tche"cos# %i em que, ;ara cada historiador, misteriosamente, co"mo num conto de /adas, um novo monumento de Lenin sur"+iu em al+uma ;arte da BoSmia# Em 6786, um desses histo"riadores, Milan -`:l, com seus culos de lentes# e traordina"riamente +rossas, estava no meu a;artamento da Rua Barto"lome sUa# OlhAvamos ;ela anela as torres do -radean e es"tAvamos trisies#" 2ara liquidar os ;ovos " di ia -`:l ", começa"se ;or lhes tirar a mem ria# %estroem"se seus livros, sua cultura,sua hist ria# E uma outra ;essoa lhes escreve outros livros,lhes dA uma outra cultura e lhes inventa uma outra -ist ria#< Em se+uida, o ; vo começa lentamente a esquecer o que N eo que era# O mundo ã sua volta o esquece ainda mais de;ressa#" E a l*n+ua$" 2or que tirA"la de n s$ Trata"se a;enas de um /olclo"re que morrerA mais cedo ou mais tarde de morte natural#, .eria isso uma hi;Nr:ole ditada ;or uma triste a muito+rande$687ruas são ruas sem %urante esses ;asseios, /alAvamos de mVsica#Fuando ;a"ão ;oderA atravessar vivo # _ ,tem, ;ois o nom/ ;ai /alava normalmente, eulhe /a ia ;oucas ;er+untas# E a+ora

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"mr as ;alavras que queria usar, e seu te to tornava"se incom;reen"r " s*vel ;orque ele com;unha ;alavras que não e istiam# 0m dia ele me chamou em seu quarto# Tinha a:erto so"

,# :re o ;iano as variações da sonata o;us 666# %isse"me olheeis meses mais tarde mostrando a ;artitura ele não conse+uiamais tocar ;iano ,-`:l /oi ;reso e condenado a lon", re;etiu olhe e ainda conse+uiu di er de;ois de um lon+o+os anos de ;risão# (essa N;oca, meu ;ai estava mori:undo#/,r %urante os Vltimos de anos de sua vida, ele ;erdeu ;ouco <es/orço '+ora eu sei\ e continuou tentando me e ;licar a ;ouco o uso da ;alavra# (o começo, /u+iam"lhe a;enas al" al+umacoisa de im;ortante, mas sua mensa+em se com;unha+umas ;alavras, ou, em seu lu+ar, ele di ia outras ;arecidas de ;alavras totalmente incom;reens*veis, e, vendo que eu nãocom estas, e lo+o começava a rir# Mas, no /inal, ele s conse" oentendia, olhou"me com sur;resa e disse estranho#+uia ;ronunciar muito ;oucas ;alavras, e toda ve quetenta" Evidentemente, eu sei o que ele queria /alar, ;orque eleva ;recisar seu ;ensamento, terminava sem;re com a mesma , se/a ia essa ;er+unta hA muito tem;o# 's variações eram a/rase, uma das Vltimas que lhe restavam estranho# /orma/avorita de Beethoven no /inal de sua vida# 2oder"se"Ele di ia N estranho, e havia em seus olhos o imenso es" iaachar, A ;rimeira vista, que N a /orma mais su;er/icial, uma ;anto de tudo sa:er, mas de nada ;oder di er# 's coisasha" sim;les e i:ição de tNcnica musical, um tra:alho que convNmo mais a uma rendeira do que a Beethoven# E Beethoven ;elaa viam ;erdido seu nome e con/undiam"se num Vnico ser indi"

;rimeira ve na hist ria da mVsica /e dela uma /orma so:e"/erenciado# E eu era o V `co, quando lhe /alava, que ;odia,

rana, nela re+istrou<suas mais :elas meditações# ;or um instante, /a er ressur+ir daquele in/inito sem ;alavrasentidades dotadas de nomes# .im, N uma coisa muito conhecida# Mas ;a;ai queria sa".o:re seu rosto :onito, os +randes olhos a uis e ;rimiam :ercomo se deve com;reendS"la# 2or que e atamente varia"a mesma sa:edoria de antes# Eu o levava muitas ve es ;ara ções$Fue sentido se esconde ;or trAs$dar seu ;asseio# !a *amos invariavelmente a volta no mesmo < Era ;or isso que ele me havia chamado em seu quartoquarteirão, ;a;ai não tinha /orça ;ara ir mais lon+e# Ele an" e memostrava a ;artitura di endo '+ora eu sei\dava com di/iculdade, dava ;assinhos curtos e, lo+o que sesentia um ;ouco cansado, seu cor;o começava a inclinar"se

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" )ocS nunca teve vantade de ;artir$" laro que sim " con/essa Tam[na# " Tenho uma ter"r*vel vontade de ;artir# Mas ;ara onde$" 2ara um lu+ar onde as coisas se am leves como a :ri"sa# Onde as coisas tenham ;erdido seu ;eso# Onde não hA

remorsos#" " di Tamina, sonhadora# " &r ;ara um lu+ar on"de as coisas não ;esem nada#E, como num conto, como num sonho mas N um conto\N um sonho\ , Tamina a:andona o :alcão atrAs do qual ;as"sou vArios anos de sua vida e sai do ca/N com o ra;a # 0m carroes;orte vermelho estA estacionado unto ao me[o"/io# O ra" ;a se instala ao volante e convida Tamina ;ara entrar e sentar"se ao seu lado#8Entendo as censuras que Tamina /a a si mesma# Eu tam" :Nm me censurei quando ;a;ai morreu# (ão ;odia me ;er"doar ;or ter"lhe /eito tão ;oucas ;er+untas, ;or sa:er tão ;oucacoisa so:re ele, ;or ter"me ;ermitido /icar sem ele# E /oram ustamente esses remorsos que me /i eram com;reender de re" ;ente o que com certe a ele queria me di er diante da ;artitu"ra a:erta da sonata o;us 666#)ou tentar e ;licar"me ;or meio de uma com;aração#' sin/onia N uma e;o;Nia musical# 2oder"se"ia di er que elase assemelha a uma via+em que condu , atravNs do in/initodo mundo e terior, de uma coisa a outra coisa, cada ve maislon+e# 's variações tam:Nm são uma via+em# Mas essa via"+em não condu atravNs do in/inito do mundo e terior# )o"cSs certamente conhecem o ;ensamento de 2ascal se+undo Gqual o homem vive entre o a:ismo do in/initamente +randee o a:ismo do in/initamente ;equeno# ' via+em das variaçõescondu ;ara dentro deste outro in/inito, ;ara dentro da in/i"nita diversidade do mundo interior que se dissimula em todasas coisas# (as variações, Beethoven desco:riu então um outro es" ;aço a ser e ;lorado# .uas variações são um novo convite Yvia+em#' /orma das variações N a /orma em que a concentraçãoN levada a seu mA imoJ ela ;ermite ao com;ositor di er a;e"nas o essencial, ir direto ao nVcleo das coisas# O tema das va"riações muitas ve es não tem mais do que de esseis com;as"sos# Beethoven vai no interior desses de esseis com;assos co"mo se descesse num ;oço dentro da terra#' via+em ;ara o outro in/inito não N menos aventurosaque a via+em da e;o;Nia# assim que o /*sico ;enetra nas en"tranhas mi*a+rosas do Atomo# ' cada variação, Beethoven sedistancia mais do tema inicial, que não se assemelha mais Y

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Vltima variação do que a /lor Y sua ima+em ao microsc ;io#O homem sa:e que não ;ode a:arcar o universo com seuss is e suas estrelas# Muito mais insu;ortAvel ;ara ele N ser con"69C 69>denado a /icar sem o outro in/inito, esse in/inito :em ;r i"

mo, ao seu alcance# Tamina /icou sem o in/inito de seu amor,eu /iquei sem ;a;ai e cada um /ica sem sua o:ra, ;orque, na :usca da ;er/eição, vamos ao interior da coisa, e a* não ;ode"mos nunca ir atN o /im#Fue o in/inito do mundo e terior nos tenha esca;ado,n s aceitamos como uma condição natural# Mas, ;or termos/icado sem o outro, n s nos censuraremos atN a morte# 2en"sAvamos no in/inito das estrelas, mas com o in/inito que ;a" ;ai tra ia em si mesmo, n s não nos ;reocu;Avamos# (ão N de sur;reender que, na maturidade, as variaçõestenham se tornado a /orma ;re/erida de Beethoven, que sa" :ia muito :em como sa:e Tamina e como sei eu que não e istenada de mais insu;ortAvel do que /icar sem o ser que ama"mos, esses de esseis com;assos e o universo interior de suas ;ossi:ilidades " in/initas#9Este livro todo N um romance em /orma de variações# 'sdi/erentes ;artes se se+uem como as di/erentes eta;as de uma

ro " via+em que condu ao interior de um tema, ao interior de um ;ensamento, ao interior de uma s e Vnica situação cu o sen"tido se ;erde ;ara mim na imensidão#

um romance so:re Tamina e, no momento em que Ta"mina sai de cena, N um romance ;ara Tamina# Ela N o ;rinci" ;al ;ersona+em e o ;rinci;al ouvinte, e todas as outras histA"rias são uma variação so:re sua hist ria e se reVnem na suavida como num es;elho#

um romance so:re o riso e so:re o esquecimento, so" :re o esquecimento e so:re 2ra+a, so:re 2ra+a e so:re os an" os# 'liAs, não N a:solutamente um acaso se o ra;a que estAao volante se chama Ra;hael#' ;aisa+em se tornava cada ve mais deserta, havia ca"da ve menos ve+etação e cada ve mais ocre, cada ve menosrelva e Arvores e cada ve mais areia e :arro# Então o carrodei ou a estrada e entrou num caminho estreito que termina"va de re;ente num declive escar;ado# O ra;a ;arou o carro#Eles desceram# Estavam na e tremidade do decliveJ cerca dede metros a:ai o /[cava a estreita orla de uma ;raia ar+ilosae, mais adiante, uma A+ua turva, amarron ada, estendia"se a ;erder de vista#" Onde estamos$ " ;er+untou Tamina, com um n na+ar+anta# Tinha vontade de di er a Ra;hael que queria vol"tar, mas não ousava tinha medo que ele recusasse e sa:ia que

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essa recusa aumentaria ainda mais sua an+Vstia#Eles estavam na :eira do declive, diante deles havia a A+uae em volta deles nada alNm de :arro, :arro "dilu*do e sem ma"to, como se /i essem e tração de ar+ila ;or ali# E, de /ato,um ;ouco mais adiamte, er+uia"se uma dra+a a:Andonada#

Essa ;aisa+em lem:rava a Tamina a re+ião da BoSmiaonde seu marido tivera seu Vltimo em;re+o, quando conse"+uira, de;ois de ter sido des;edido de seu tra:alho, um lu+ar de condutor de motoniveladora a cerca de cem quilXmetrosde 2ra+a# %urante a sem "na, ele morava num carro"re:oquee s vinha a 2ra+a no domin+o, ;ara ver Tamina# 0ma ve ,ela /ora encontrA"lo lA e os dois haviam ;asseado numa ;ai"sa+em muito ;arecida com essa de ho e# (o :arro Vmido semmato e sem Arvores, acossados ;or :ai o ;ela cor ocre e ama"rela e, do alto, ;or nuvens cin as e ;esadas, eles caminhavamlado a lado, calçados com :otas de :orracha que a/undavamna lama e desli avam# Estavam s s no mundo, cheios de an"+Vstia, de amor e de inquietude deses;erada um ;elo outro#Era o mesmo deses;ero que aca:ava de ;enetrA"la, e elaale+rou"se ;or encontrar ali, de re;ente, como que de sur;re"sa, um /ra+mento ;erdido de seu ;assado# Era uma lem:ran"ça totalmente ;erdida e era a ;rimeira ve , de;ois de todo es"se tem;o, que ela lhe voltava# Era ;reciso anotA"la em seu,diA"rio\ Ela sa:eria atN o ano e ato\E ela sentia vontade de di er ao ra;a que queria voltar# (ão, ele não tinha ra ão quando d[ ia que sua triste a era a;e"nas uma /orma sem conteVdo\ (ão, não, seu marido conti"69? & 698denado ( , s que ele estava ;erdid e ela tinha, mo, a " " ua ;rocura no mundo inteiro\ .im,eu "/ " SJ " ia\ 'quele que quer se lem:rar não6" " " +ar e es;erar que as lem:ranças ve" 's lem:ranças se dis;ersaram neste via ar ;ara reencontrA"las e /a S"lasnJ< L, " , "___ tso ao ra;a e ;edir"lhe ;ara levA"la devolta# Mas, nesse momento, de :ai o, do lado da A+ua, elesJ ouviram um asso:io#7Ra;hael se+urou Tamina ;elo :raço# Era um a;erto enNr"+ico, do qual não era ;oss*vel desvencilhar"se# 0m estreito ca"minho escorre+adio i+ue a+ueava ao lon+o do declive# Elecondu iu Tamina ;or esse caminho#0m menino de cerca de do e anos es;erava na ;raia, ondeum ;ouco antes não havia o menor vest*+io de vida# .e+urava ;ela ;onta de uma corda um :arco que :alançava levementeY :eira d<A+ua, e sorria ;ara Tamina#

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< " " Ela se virou ;ara Ra;hael# Ele tam:Nm sorria# Ela osolhou alternadamente, e então Ra;hael desatou a rir, e o me"nino /e o mesmo# Era um riso ins lito, ;orque não estavaacontecendo nada de en+raçado, mas, ao mesmo tem;o, eraum riso conta+ioso e en+raçado convidava"a a esquecer a an"

+Vstia e ;rometia"lhe al+o de va+o, talve ale+ria, talve ;a ,de modo que Tamina, que queria esca;ar de sua an+Vstia, ;Xs"se a rir docilmente com eles#" EstA vendo$ " disse"lhe Ra;hael# " )ocS não temnada a temer#Tamina su:iu no :arco, que se ;Xs a :alançar so: o seu ;eso# Ela se sentou no :anco na ;arte de trAs# O :anco estavaVmido# Ela usava um vestido /ino, de verão, e sentiu a umi"dade nas nAde+as# Esse contato ;e+a oso so:re a sua ;eledes;ertou"lhe a an+Vstia#O menino deu um im;ulso ;ara a/astar o :arco da ;raia, ;e+ou os remos, e Tamina virou a ca:eça Ra;hael continua"va no mesmo lu+ar e se+uia"os com os olhos# .orria, e Tami"na achou al+o de estranho nesse sorriso# &D\ Ele sorria :alan"çando a ca:eça de maneira im;erce;t*vel\ .orria e :alançavaa ca:eça da direita ;ara a esquerda, com um movimento to"ta "mente im;erce;t*vel#6G2or que Tamina não ;er+unta ;ara onde estA indo$'quele que não se ;reocu;a com o o: etivo não ;er+un"ta ;ara onde estA indo\Ela olhava o menino que estava sentado diante dela e queremava# 'chava"o /raco e os remos muito ;esados#" )ocS não quer que eu /aça isso ;or vocS$ " ;er+un"tou ela#O menino concordou com ;ra er e lar+ou os remos#Eles trocaram de lu+ar# Ele se sentou na ;arte de trAs,olhou Tamina remar e ;u ou um ;equeno +ravador que esta"va de:ai o do :anco# 0m rocU começou a tocar, ouviam"se+uitarras elNtricas e ;alavras, e o menino começou a se con"torcer no ritmo da mVsica# Tamina o olhava com re;u+nZn"cia aquela criança re:olava com movimentos de adulto queela achou o:scenos#':ai ou os olhos ;ara não vS"lo# (esse momento, o me"nino aumentou o volume do +ravador e começou a cantaro"lar# 'o /im de um instante, quando ela er+ueu novamente osolhos ;ara ele, ele lhe ;er+untou" 2or que vocS não canta$" (ão conheço essa mVsica#699 & 697" omo não conhece$ uma mVsica que todo mundoconhece#

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Ele continuou contorcendo"se so:re o :anco, e Taminase sentiu cansada" )ocS não quer reve ar um ;ouco comi+o$" Reme\ " re;licou o menino rindo#Mas Tamina estava realmente cansada# olocou os re"

mos de volta so:re o :arco ;ara descansar" EstA ;erto$O menino a;ontou ;ara a /rente# Tamina se virou# ' ;raia A não estava muito distante# O/erecia ao olhar um ;ai"sa+em di/erente daquela que eles aca:avam de dei ar era ver"de ante, relvosa, co:erta de Arvores#'o /im de um instante, o :arco tocou o /undo# ercade de +arotos o+avam :ola na ;raia e os olhavam com cu"riosidade# Tamina e o meriino desceram# O menino amarrouo :arco numa estaca# %a orla arenosa ;artia uma lon+a ala"meda de ;lAtanos# Eles se+uiram ;or ela e, em menos de deminutos, che+aram a uma +rande construção :ai a# (a /ren"te havia +randes o: etos coloridos cu a utilidade ela não en"tendeu, e vArias redes de volei:ol# Elas tinham al+o de curio"so que im;ressionou Tamina# , elas estavam armadas muito :ai o#O menino ;Xs dois dedos na :oca e asso:iou#ll0ma menina de no mA imo nove anos avançou arras"tando "s ;Ns# Tinha uma carinha encantadora e a :arri+a /a"ceiramente arqueada, como as vir+ens dos quadros + ticos#Olhou ;ara Tamina sem interesse es;ecial, com o olhar de umamulher que tem consciSncia de sua :ele a e quer acentuA"lacom uma ostensiva indi/erença ;or tudo o que não N ela#' menina a:riu a ;orta da casa de muros :rancos# Elesentraram diretamente não havia vest*:ulo nem corred r nu"ma +rande sala cheia de camas# .eu olhar deu a volta na sala,como se ela contasse as camas, e em se+uida ela a;ontou"lheuma" )ocS vai dormir nesta#Tamina ;rotestou" O quS$\ Eu vou dormir num dormit rio$" riança não tem direito de ter quarto individual#" riança$ Eu não sou criança\" 'qui, somos todos crianças\" %e qualquer /orma, deve haver adultos tam:Nm\" (ão, aqui não hA adultos#" Então, o que N que eu estou /a endn aqui$ " +ritouTamina#' menina não ;erce:eu o seu nervosismo# %iri+iu"se Y ;orta, deteve"se na soleira e disse" Eu coloquei vocS unto com os esquilos#

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Tamina não entendeu#" Eu coloquei vocS unto com os esquilos " re;etiua criança com um tom de ;ro/essora descontente# " .omostodos classi/icados em +ru;os que tSm nomes de animais#Tamina recusou"se a discutir so:re os esquilos# Fueria

voltar# 2er+untou onde estava o menino que a havia tra idoatN aqui#' menina /in+iu não ouvir o que Tamina di ia e conti"nuou suas e ;licações#" &sso não me interessa\ " +ritou Tamina# " Fuerovoltar\ Onde estA o menino$" (ão +rite\ " (enhum adulto ;oderia ser tão arro"+ante quanto aquela criança :onita# " (ão entendo " reto"mou ela :alançando a ca:eça ;ara e ;rimir sua sur;resa "2or que veio ;ara cA se quer ir em:ora$" Eu não ;edi ;ara vir ;ara cA\" Tamina, não minta# (in+uNm ;arte numa lon+a via"+em sem sa:er ;ara onde estA indo# 2erca o costume de mentir#Tamina virou as costas ;ara a menina e ;reci;itou"se ;elaalameda de ;lAtanos# 0ma ve na ;raia, ;rocurou o :arco que67G &, 676o menino havia amarrado a uma estaca não havia nem umahora# Mas não se via nem :arco nem estaca#Ela começou a correr ;ara e aminar a ;raia# ' /ai a deareia lo+o se ;erdeu num ;Zntano que era ;reciso contornar de lon+e, e ela teve de ;rocurar um :om tem;o antes de en"contrar novamente a A+ua# ' mar+em virava sem;re na mes"ma direção e sem encontrar vest*+io do :arco nem de um ;on"tão , ao /inal de uma hora, ela voltou ao lu+ar em que a ala"meda de ;lAtanos desem:ocava na ;raia# om;reendeu queestava numa ilha#.u:iu lentamente a alameda atN o dormit rio# LA, cercade de crianças, meninas e meninos com idades de seis a do eanos, estavam num c*rculo# Eles a viram e começaram a +ritar" Tamina, unte"se a n s\':riram o c*rculo ;ara lhe dar lu+ar# (esse momento, ela se lem:rou de Ra;hael sorrindo e :alançando a ca:e "a#O medo lhe a;ertou o coração# Ela ;assou /riamente dian"te das crianças, entrou no dormit rio e deitou"se na cama#6=.eu marido estava morto no hos;ital# Ela ia vS"lo o maior nVmero de ve es ;oss*vel, mas ele morrera Y noite, so inho# (o dia se+uinte<, quando ela /ora ao hos;ital e encontrara acama va ia, o senhor idoso que estava no mesmo quarto lhedissera" Moça, a senhora devia dar quei a\ horr*vel como

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eles tratam os mortos\ " O medo estava inscrito em seus olhos,ele sa:ia que :reve seria a sua ve de morrer# " Eles o a+ar"raram ;elos ;Ns e o arrastaram ;elo chão# 2ensaram que euestava dormindo# Eu vi a ca:eça dele :ater na soleira da ;orta#' morte ;ossui um as;ecto du;lo Ela N o não"ser# Mas

tam:Nm N o ser, o ser atro mente material do cadAver#Fuando Tamina era muito nova, a morte s lhe a;are"cia so: sua ;rimeira /orma, so: o as;ecto do nada, e o medoda morte ;or sinal, muito va+o era o medo de não mais e istir#Esse medo havia diminu*do com os anos e ;raticamente ha"via desa;arecido a idNia de que um dia não veria mais o cNue as Arvores não a a;avorava , mas em com;ensação ela ;en"sava cada ve mais no outro as;ecto, no as;ecto material damorte /icava horrori ada com a idNia de tornar"se um cadAver#.er um cadAver era o ultra e insu;ortAvel# -A a;enas uminstante Nramos um ser humano ;rote+ido ;elo ;udor, ;elocarAter sa+rado da nude e da intimidade, e :asta que che+ueo momento da morte ;ara que nosso cor;o /ique de re;enteY dis;osição de qualquer um, ;ara que ;ossam desnudA"lo,estri;A"lo, escrutar suas entranhas, ta;ar o nari diante de seu/edor, o+A"lo no /ri+or*/ico ou no /o+o# Fuando ela quiseraque o marido /osse incinerado e suas cin as es;alhadas, era ;ara não ser torturYda a vida inteira ;ela idNia do que so/riaaquele cor;o amado#E, al+uns meses mais tarde, quando ;ensara em suic*dio,decidira a/o+ar"se :em lon+e, em mar alto, ;ara que a in/Z"mia de seu cor;o de/unto /osse conhecida a;enas dos ;ei es,que são mudos#DA /alei da novela de Thomas Mann um ra;a acometi"do de uma doença mortal ;e+a o trem e diri+e"se a uma c[da"de desconhecida# (o seu quarto hA um armArio, e toda noiteele tira desse armArio uma mulher nua, dolorosamente :ela,que lhe conta durante muito tem;o al+uma coisa de suave"mente triste, e essa mulher e esse relato são a mkrte#.ão a morte suavemente a ulada com " o não"ser# 2or"que o não"ser N um va io in/inito e o es;aço va io N a ul, enão hA nada mais :elo nem mais calmante do que o a ul# (ãoN a:solutamente um acaso se (ovalis, ;oeta da morte, +osta"va do a ul e nunca ;rocurou outra coisa senão ele, em suasvia+ens# ' suavidade da morte tem uma cor a ul#. que, se o não"ser do ;ersona+em de Thomas Mannera tão :elo, o que /oi /eito de seu cor;o$ 'rrastaram"no ;e"los ;Ns ;ara trans;or a soleira$ Estri;aram"no$ Do+aram"nona cova ou no /o+o$67= " # 673Mann tinha então vinte e seis anos e (ovalis não che+ouaos trinta# Eu tenho mais, in/eli mente, e, ao contrArio deles,

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não consi+o não ;ensar no cor;o# 2ois a morte não N a ul eTamina sa:e disso, como eu tam:Nm sei# ' morte N um la:or i " terr*vel# Meu ;ai a+oni ou dias durante a /e:re, e eu tinha a< im;ressão de que ele tra:alhava# Ele /icava molhado de suor 6 ' e concentrado totalmente na sua a+onia, como se a morte es"

tivesse acima de suas /orças# (em sa:ia mais que eu estavasentado ao lado de sua cama, nem ;odia mais ;erce:er mi"nha ;resença, o tra:alho da morte o es+otava com;letamen"te, ele /icava concentrado como o cavaleiro so:re o seu cava"& C lo, quando quer che+ar a um destino lon+*nquo e s tem umVltimo resto de /orça#.im, ele +alo;ava so:re um cavalo# "<, 'onde ia$' al+um lu+ar distante esconder seu cor;o#J, (ão, não N um acaso se todos os ;oemas so:re a mortea re;resentam como uma via+em# O ra;a de Thomas Mannentra num trem, Tamina num carro es;orte vermelho# .enti"mos um dese o in/inito de,;artir ;ara esconder nosso cor;o#Mas essa via+em N vã# Halo;amos so:re um cavalo, masencontramo"nos numa cama e :atem com a nossa ca:eça nasoleira de uma ;orta#6 "2or que Tamina estA na ilha das crianças$ 2or que a ima"+ino ustamente nesse lu+ar$ (ão sei#Talve ;orque, no dia em que meu ;ai a+oni ava, o ar estava cheio de canções, ale+res cantadas ;or vo es in/antis$2or toda ;arte, a leste do El:a, as crianças /a em ;artede associações ditas de ;ioneiros# Elas usam um lenço verme"lho em volta do ;escoço, vão a reuniões como os adultos ecantam Ys ve es o hino da &nternacional# TSm o :om hA:itode amarrar de tem;os em tem;os um lenço vermelho no ;es"coço de um adulto eminente e de lhe con/erir o t*tulo de ;io"neiro de honra# Os adultos +ostam disso e quanto mais velhossão, mais lhes a+rada rece:er ;ara o seu cai ão um lenço ver"melho o/erecido ;elos +arotos#Todos eles rece:eram um, Lenin rece:eu, assim como .ta"lin, Mastur:ov e holoUhov, 0l:richt e Bre nev, e -usaU tam" :Nm rece:eu o seu nesse dia, ;or ocasião de uma +rande /estaor+ani ada no astelo de 2ra+a#' /e:re de ;a;ai havia cedido um ;ouco# EstAvamos emmaio e t*nhamos a:erto a anela que dava ;ara o ardim# %acasa em /rente, atravNs dos +alhos /loridos das macieiras, nosche+ava a retransmissão televisionada da cerimXnia# Ouv*a"mos canções no re+istro a+udo das vo es in/antis#O mNdico estava no quarto# Estava inclinado so:re ;a"< ;ai, que não conse+uia mais ;ronunciar uma Vnica ;alavra

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sequer# )irou"se então ;ara mim e disse em vo alta" Ele estA em coma# .eu cNre:ro estA se decom;ondo#)i os +randes olhos de ;a;ai se a:rirem ainda maiores#Fuando o mNdico /oi em:ora, eu me senti terrivelmenteem:araçado e quis di er al+uma coisa de;ressa ;ara a/u+en"

tar aquela /rase# ';ontei a anela" EstA ouvindo$ en+raçado\ -o e -usaU estA rece" :endo o t*tulo de ;ioneiro de honra\E ;a;ai começou a rir# Ria ;ara me mostrar que seu cN"re:ro estava vivo e que eu ;odia continuar a /alar e a :rincar com ele#' vo de -usaU che+ava atN n s atravNs das macieiras

Minhas crianças\ )ocSs são o /uturo\E, ao /im de um instante Minhas crianças, nunca olhem

;ara trAs\" )ou /echar a anela ;ara não Oouvirmos /alar\2isquei o olho ;ara ;a;ai e ele me olhou com seu sorr[soin/initamente :elo, /a endo sim com a ca:eça#'l+umas horas mais tarde, a /e:re voltou a su:ir de re" ;ente# Ele montou em seu cavalo e +alo;ou durante vArios dias# (unca mais me viu novamente#67C 67>6CMas o que ela ;ode /a er a+ora que estA ;erdida entreas crianças$ O :arqueiro desa;areceu com o :arco e ao redor hA a;enas o in/lnito da A+ua#Ela vai tentar lutar#

omo N triste na ;equena cidade no oeste da Euro;a,ela nunca /a ia /orça ;ara nada, e aqui, entre crianças no mun"do das coisas sem ;eso , vai lutar$E como ela quer lutar$ (o dia em que ela che+ara, quando se recusara a :rincar e se re/u+iara ercl sua cama como num castelo inacess*vel, sen"tira no ar a hostilidade nascente das crianças e tivera medo#Fueria adiantar#se a esta# %ecidira conquistar a sim;atia de"las# 2ara isso, era ;reciso identi/icar"se com elas, aceitar sualin+ua+em# Ela ; "ci;a, então, voluntariamente, de todas assuas :rincadeiras, coloca suas idNias e sua /orça /*sica nos em" ;reendimentos delas, ] lo+o as crianças são conquistadas ;or seu encanto#.e quer identi/icar"se com elas, ela tem então de renun"ciar a sua ;rivacidade# )ai com elas ao :anheiro, em:ora no ;rimeiro dia tenha se recusado a acom;anhA"las ;orquere;u+nava"lhe /a er a toalete so: os seus olhares#O :anheiro, uma am;la ;eça quadrada, N o centro da vi"da das crianças e de seus ;ensamentos secretos# %e um ladohA os de vasos sanitArios e do outro, de ;ias# -A sem;re um

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curiosos de es+uelha N a ;equena Tamina de anti+amente# Elase identi/ica com os olhos sensuais da menina de /aces man"chadas de sardas de maneira tão ;er/eita, que sente em al+umlu+ar nas ;ro/unde as distantes de sua mem ria /remir a an"ti+a e citação semides;erta#

&HHraças a Tamina, os esquilos +anhavam em quase todosos o+os, e eles decidiram recom;ensA"la solenemente# Era no :anheiro que as crianças e ecutavam todas as suas ;uniçõese que con/eriam todas as suas recom;ensas, e a recom;ensade Tamina /oi de ter todo mundo a seu serviço nessa noiteessa noite, ela não tinha o direito de tocar em si mesma comas ;r ;rias mãos, os esquilos /ariam tudo ;or ela com dili"+Sncia, como servidores totalmente devotados#Eles se ;useram então a seu serviço começaram ;or lim;A"la cuidadosamente no vaso sanitArio, em se+uida a le"vantaram, ;u aram a descar+a, tiraram"lhe a camisola,em;urraram"na atN a ;ia e ali todos quiseram lavar seu ;eitoe seu ventre, todos estavam Avidos ;ara ver como ela era /eitaentre as ;ernas e qual a sensação que dava tocA"la nesse lu"+ar# Ela teve vontade, ;or ve es, de re;eli"los, mas era di/*cilnão ;odia ser mA com os +arotos, ainda menos ;orque eles a+iamcom uma seriedade admirAvel, /in+iam não /a er outra coisasenão servi"la ;ara recom;ensA"la#!inalmente /oram colocA"la na cama e lA encontraramde novo mil ;rete tos encantadores ;ara se a;ertarem contraela e acariciA"la no cor;o todo# -avia um nVmero muito +randede crianças, e ela não distin+uia a quem ;ertencia essa mãoe aquela :oca# .entia ;ressões ;or todo o cor;o, ;rinci;al"mente onde não era /eita como eles# !echou os olhos e ul+ousentir o cor;o :alançar, :alançar lentamente, como se ele esti"vesse num :erço e ;erimentava uma volV;ia calma e sin+ular#.entia que esse ;ra erlhe /a ia estremecer as comissurasdos lA:ios# ':riu novamente os olhos e viu um rosto in/antilque es;iava sua :oca e di ia a um outro rosto in/antil" Olhe\ Olhe\-avia a+ora dois rostos in/antis inclinados so:re ela ;a"ra o:servar avidamente as comissuras de seus lA:ios que es"tremeciam, como se olhassem o interior de um rel +io des"montado ou uma mosca de asas arrancadas#Mas ela teve a im;ressão de que seus olhos viam al+o in"teiramente di/erente do que seu cor;o sentia, como se não hou"vesse li+ação entre as crianças inclinadas "so:re ela e aquelavolV;ia, silenciosa e em:aladora, que a invadia# Mais uma ve ,/echou os olhos ;ara des/rutar de seu cor;o, ;ois ;ela ;rimeirave na vida seu cor;o sentia ;ra er sem a ;resença da alma,que não ima+inava nada, não se lem:rava de nada e saiu do

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dormit rio sem /a er :arulho#68Eis o que ;a;ai me contava quando eu tinha cinco anoscada tonalidade N uma ;equena corte# O ;oder N e ercido ;e"lo rei o ;rimeiro +rau , q "ie N a;oiado ;or dois tenentes o

quinto e quarto +raus # Eles tSm Ys suas ordens outros quatrodi+nitArios que tSm, cada um, uma relação es;ecial com o reie seu tenente# 'lNm disso, a corte hos;eda outras cinco no"tas, chamadas de cromAticas# Elas certamente ocu;am umlu+ar no ;rimeiro ;lano das outras tonalidades, mas s estãoaqui como convidadas#2orque cada uma das do e notas tem uma ;osição, umt*tulo, uma /unção ;r ;ria, a o:ra que ouvimos N mais do queuma massa sonora ela desenvolve uma ação diante de n s#67+ 677Ws ve es os acontecimentos são terrivelmente em:aralhados

como, ;or e em;lo, na mVsica de Mahler ou mais ainda, nade Bart U ou .travinsUi , os ;r*nci;es de vArias cortes inter"vSm e de re;ente A não se sa:e que nota estA a serviço de quecorte e se ela não estA a serviço de vArios reis# Mas, mesmonesse caso, o ouvinte mais in+Snuo ainda conse+ue advinhar numa sucessão rA;ida de notas do que se trata# Mesmo a mV"sica mais com;licada N ainda uma lin+ua+em#&sso era o que me di ia ;a;ai e a continuação N minhaum dia, um homem alto constatou que, em mil anos, a lin"+ua+em da mVsi "a se es+otara e s ;odia re;isar continuamen"te as mesmas mensa+ens# om um decreto revolucionArio, elea:oliu a hierarquia das notas e as tornou todas i+uais# &m;Xsa elas uma disci;lina severa ;ara evitar que uma a;arecessecom mais /req`Sncia do que a outra na ;artitura e se arro+as"se assim os anti+os ;rivilN+ios /eudais# 's cortes /oram a:oli"das de uma ve ;or todas e su:stitu*das ;or um im;Nrio Vnico/undado numa i+ualdade chamada de dodeca/onia#' sonoridade da mVsica era talve ainda mais interessanteque antes, mas o homem, acostumado hA um milSnio a acom" ;anhar as tonalidades nas suas intri+as de corte, ouvia um some não o entendia# O im;Nrio da dodeca/onia, ;or sinal, nãotardou a desa;arecer# %e;ois de .chon:er+ veio )arese, e es"te a:oliu, não s a tonalidade, mas a ;r ;ria nota a nota davo humana e dos instrumentos musicais , su:stituindo"a ;or uma or+ani ação re/inada de ru*dos que N sem dVvida al+u"ma ma+n*/ica, mas que A inau+ura a hist ria de al+o di/eren"te, /undado em outros ;rinc*;ios e numa outra l*n+ua#Fuando Milan -`:l desenvolvia em meu a;artamentode 2ra+a suas re/le ões so:re o eventual desa;arecimento do ;ovo tcheco no im;Nrio russo, am:os sa:*amos que essa idNia,talve usti/icada, nos ultra;assava, que /alAvamos do im;en"

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sAvel# O homem, em:ora mortal, não conse+ue ima+inar nemo /im do es;aço, nem o /im do tem;o, nem o /im da -ist ria,nem o /im de um ;ovo, ele vive sem;re num in/in[to [lus rio#'queles a quem /ascina a idNia de ;ro+resso não descon"/iam que todo ;asso Y /rente torna, ao mesmo tem;o, o /im

mais ;r imo e que ;alavras de ordem ale+res como maisadiante e em /rente nos /a em ouvir a vo lasciva da morteque nos incita a nos a;ressarmos#

.e o /asc*nio da e ;ressão em /rente se tornou univer"sal, não seria, antes de mais nada, ;orque a morte A nos /alade ;erto$ (a N;oca em que 'rnold .chon:er+ /undou o im;Nrioda dodeca/oniaJ a mVsica era mais rica do que nunca e em" :ria+ada com sua li:erdade# (ão ocorria a nin+uNm a idNiade que o /im ;udesse estar tão ;r imo# (enhum cansaço\ (enhum cre;Vsculo\ .chtin:er+ era animado ;elo es;*rito mais uvenil da audAcia# Enchia"o de um or+ulho le+*timo ter esco"lhido o Vnico caminho em /rente ;oss*vel# ' hist ria da mVsi"ca terminou com o desa:rochar da audAcia e do dese o#69.e N verdade que a hist ria da mVsica aca:ou, o que res"tou da mVsica$ O silSncio$Ora, mas o que N isso$ -A cada ve mais mVsica, de e"nas, centenas de ve es mais do que amais houve em suas N;o"cas mais +loriosas# Ela sai dos alto"/alantes ;resos nos murosdas casas, dos ;avorosos a;arelhos sonoros instalados nosa;artamentos e nos restaurantes, dos ;equenos rAdios tran"sistores que as ;essoas carre+am na mão nas ruas#.chtin:er+ morreu, Ellin+ton morreu, mas o violão N eter"no# ' harmonia estereoti;ada, a melodia :anal e o ritmo ain"da mais lancinante ;or ser mon tono, eis o que restou da mV"sica, eis a eternidade da mVsica# om essas com:inações sim" ;les de notas, todo mundo ;ode /raterni ar, ;ois N o ;r ;rioser que +rita nelas seu u:iloso estou aqui# (ão e iste comu"nhão mais ruidosa e mais unZnime do que a sim;les comu"nhão com o ser# (ela, os Ara:es se encontram com os udeuse os tchecos com os russos# Os cor;os se a+itam no ritmo dasnotas, em:ria+ados com a consciSncia de e istir# 2or isso, ne" " =GG =G6 "##_# " v "r#" _ "\R " " " " ### " " "# _" ## " <# #de que o amor se a;ro;ria , ela ;artici;ava ;ortanto de al+ode dramAtico, de res;onsAvel, de +rave# 'qui, entre as crian"ças, no reino da insi+ni/icZncia, a atividade se ual voltou a/i"nal a ser o que era na ori+em um :rinquedinho ;ara ;rodu"

ir ;ra er /*sico#Ou, ;ara me e ;rimir de outra maneira a se ualidade

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livre da li+ação dia: lica com o amor tornou"se uma ale+riade uma sim;licidade an+elical#=G.e a ;rimeira violação de Tamina ;elas crianças estavacarre+ada desse sur;reenden "te si+ni/icado, re;etindo"se a mes"

ma situação ;erdia ra;idamente seu carAter de mensa+em ;a"ra tornar"se uma rotina cada ve mais va ia e cada ve maissu a#Lo+o começou a haver :ri+as entre as crianças# 'quelasque adoravam os o+os amorosos ;useram"se a detestar aquelasque eram indi/erentes a estes# E, entre os que se haviam tor"nado amantes de Tamina, aumentava a hostilidade entre osque se sentiam ;rote+idos e os que se sentiam re;elidos# E to"dos esses rancores começavam a se voltar contra Tamina e a ;esar so:re ela#0m dia em que as crianças estavam de:ruçadas so:re seucor;o nu elas estavam a oelhadas na cama ou de ;N ao lado,montadas so:re o seu cor;o ou a+achadas ;erto de sua ca:e"ça e entre suas ;ernas , ela sentiu de re;ente uma dor a+uda#0ma criança :eliscava"lhe um mamilo# Ela deu um +rito e não ;Xde resistir e ;ulsou"os todos de sua cama e ;Xs"se a :ater os :raços no ar#.a:ia que a dor não era e/eito nem do acaso nem da sen"sualidade um dos +arotos a odiava e lhe queria mal# Ela ;Xs/im aos encontros amorosos com as crianças#=6E, su:itamente, A não hA ;a no reino onde as coisassão leves como a :risa#Eles :rincam de amarelinha e ;ulam de casa em casa, ;ri"meiro com o ;N direito, de;ois com o ;N esquerdo, e em se"+uida com os ;Ns untos# Tamina tam:Nm ;ula# )e o seu cor;o+rande entre as silhuetas ;equenas das crianças, ela ;ula, seusca:elos volteiam ao redor de seu rosto e ela sente no coraçãoum imenso tNdio# (esse instante, os canArios começam a +ri"tar que ela ;isou na linha#Evidentemente, os esquilos ;rotestam ela não ;isou nalinha# 's duas equi;es se inclinam so:re a linha e ;rocuramuma marca do ;N de Tamina# Mas o traço riscado so:re a areia ;ossui contornos incertos, e a marca da sola do ;N de Taminatam:Nm# ' questão N discut*vel, as crianças voci/eram, isso A dura quin e minutos e elas estão cada ve mais a:sorvidas ;ela discussão# (esse momento, Tamina tem um +esto /atalJ levanta o :raço e d<i" Muito :em, estA certo, eu ;isei#Os esquilos começam a +ritar ;ara Tamina que não N ver"dade, que ela estA louca, que ela estA mentindo, que ela não

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;isou# Mas eles ;erderam o ;rocesso# .uas a/irmações desmen"tidas ;or Tamina não tSm ;eso, e os canArios lançam um cla"mor vitorioso#Os esquilos /icam /uriosos, +ritam ;ara Tamina que elaN uma traidora, e um menino a em;urra com tanta :rutalida"

de que ela quase cai# Ela /a menção de :ater neles, e ;araeles N o :astante, eles se lançam so:re ela# Tamina se de/en"de, ela N adulta, N /orte e cheia de raiva, ah, sim, :ate nascrianças como se :atesse em tudo o que sem;re detestou navida , e as crianças san+ram no nari , mas uma ;edra voa eatin+e Tamina na testa, Tamina vacila, leva a mão Y ca:eça,o san+ue escorre e as crianças se a/astam# !a "se um silSncio :rusco, e Tamina volta lentamente ;ara o dormit rio# Estende"se na cama, decidida a nunca mais ;artici;ar das :rincadeiras#=GC & =G>==)e o Tamina de ;N no meio do dormit rio cheio de crian"ças deitadas# Ela N o alvo# (um canto, al+uNm +ritou Ma"minhas, maminhas\ , todas as vo es re;etem em coro, e Ta"mina ouve escandir este +rito Maminhas, maminhas, ma"minhas###O que ainda recentemente era o seu or+ulho e sua arma,os ;Slos ne+ros do :ai o"ventre e seus :elos seios, tornara"sealvo de insultos# 'os olhos das crianças, seu ser de adulto setrans/ormara numa coisa monstruosa os seios eram a:sur"dos como um tumor, o :ai o"ventre desumano ;or causa dos ;Slos lhes lem:rava um animal#'+ora ela estava acuada# Eles a ;erse+uiam ;ela ilha, ati"ravam ;edaços de ;au e ;edras nela# Ela se escondia, /u+iae ouvia em todos os lu+ares seu nome Maminhas, mami"nhas###O /orte que /o+e do /raco, não e iste nada de mais avil"tante# Mas eles eram muito numerosos# Ela /u+ia e sentia ver"+onha de estar /u+indo#0m dia ela lhes ;re;arou uma em:oscada# Eles eram trSsJela :ateu em um deles atN que ele ca*sse, e os outros dois chis" ;aram# Mas ela era mais rA;ida, e a+arrou"os ;elos ca:elos#Então uma rede caiu so:re ela, e mais outras redes# .im,todas as redes de volei:ol que /icavam armadas muito :ai oem /rente ao dormit rio# Eles a es;eravam nesse ;o`to# 'strSs crianças que ela aca:ava de surrar eram uma isca# '+oraela estA ;resa num em:aralhamento de redes, se contorce, sede:ate, e as crianças a arrastam atrAs de si aos :erros#=32or que essas crianças são mAs$Ora, elas não são mAs de modo al+um# 'o contrArio, tSm :om coração e não ;aram de dar umas Ys outras ;rovas de

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ami ade# (enhuma delas quer Tamina s ;ara si# Ouve"se atodo instante seus olhe, olhe# Tamina estA ;resa nas redes em" :aralhadas, as cordas lhe es/olam A ;ele, e as crianças mos"tram umas Ys outras o san+ue dela, suas lA+rimas e suas care"tas de dor# Elas a o/erecem +enerosamente umas Ys outras#

Ela se tornou o cimento da /raternidade delas#.ua in/elicidade " não N que as crian "ças se am mAs, masN ela encontrar"se alNm da /ronteira do mundo delas# O ho"mem não se revolta ;orque se matam :e erros nos a:atedou"ros# O :e erro estA /ora da lei ;ara o homem, assim como Ta"rnina estA /ora da lei ;ara as crianças#.e hA al+uNm que estA cheio de uma raiva amar+a, N Ta"mina, e não as crianças# O dese o que elas sentem de /a er omal N um dese o ;ositivo e ale+re, e ;ode"se com ra ão chamA"lo de ale+ria# .e elas dE.e am maltratar aquele que se encon"tra alNm da /ronteira do mundo delas, N unicamente ;ara e al"tar seu ;r ;rio mundo e sua lei# #=CO tem;o a+e, todas as ale+rias e todos os divertimentos sees+otam na re;etiçãoJ atN mesmo a ;erse+uição a Tamina#'liAs, N verdade que as crianças não são mAs# O menininhoque urinou so:re ela quando ela estava so: ele, ;resa nasredes de volei:ol, lhe sorrirA um dia, com um :elo sorrisoinocente#Tamina ;artici;ava novamente das :rincadeiras, mas emsilSncio# (ovamente, ela ;ulava de uma casa ;ara a outra, ;ri"=G? " =G8 _ " " _ "#"#_ " " "## _ __ esca;ar essa o;ortunidade# .eu coração :ate com muita /or"ça no ;eito e a ;artir desse momento ela s ;ensa em /u+ir#O menino tem os olhos /i os no +ravador e +ira os qua"dris# 'l+umas crianças a;ro imam"se correndo ;elo cam;oe untam"se a ele lançam os :raços ;ara a /rente, ora um, oraG outro, viram a ca:eça ;ara trAs, a+itam as mãos a;ontandoo dedo indicador como se aineaçassem al+uNm, e seus +ritosse misturam com a canção que sai do +ravador#Tamina estA escondida atrAs do tronco +rosso de um ;lA"tano, não quer que eles a ve am, mas não conse+ue desviar G olhar deles# Eles se com;ortam com uma sensualidade ;ro"vocante de adultos, movendo os quadris ;ara a /rente e emse+uida ;ara trAs, como se imitassem o coito# ' o:scenidadedos movimentos estam;ada nos cor;os in/antis a:ole a anti"nomia entre o o:sceno e o inocente, entre o ;uro e o imundo#' sensualidade se torna a:surda, a inocSncia se torna a:sur"da, o voca:ulArio se decom;õe e Tamina se sente mal comose tivesse um saco va io no estXma+o#E a im:ecilidade das +uitarras ressoa, e as crianças dan"

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çam, lançam com sensualidade a :arri+a ;ara a /rente, e Ta"mina sente o mal"estar que emana das coisas sem ;eso# Essesaco va io no estXma+o N e atamente a insu;ortAvel ausSnciade ;eso# E, assim como um e tremo ;ode a qualquer momen"to trans/ormar"se em seu contrArio, a leve a levada ao seu mA"

imo tornou"se o terr*vel ;eso da leve a, e Tamina sente quenão ;oderA su;ortA"lo nem mais um se+undo# Ela dA meia"volta e começa a correr#.e+ue ;ela alameda em direção Y A+ua#DA alcançou a ;raia# Olha em volta# Mas não hA :arco#

omo no ;rimeiro dia, ela dA a volta na ilha correndoao lon+o da ;raia ;ara encontrar o :arco# Mas não o vS emlu+ar al+um# 2or /im, volta ao ;onto onde a alameda de ;lA"tanos desem:oca na ;raia# )S +arotos a+itados correndo des"se lado#2Ara#'s crianças a viram e se lançaram em sua direção aos :erros#=8Ela ;ulou dentro d<A+ua# (ão era ;orque tinha medo# 2ensava nisso hA muito tem" ;o# '/inal de contasJ a travessia de :arco atN a ilha não eraassim tão lon+a# Em:ora não se visse a ;raia do outro lado,não devia ser ;reciso em;re+ar /orças so:re"humanas ;ara na"dar atN lA\ Os +arotos ;reci;itaram"se +ritando atN o local onde Ta"mina aca:ava de dei ar a ;raia e al+umas ;edras ca*ram aoredor dela# Mas ela nadava de;ressa e lo+o estava /ora do al"cance dos :raços ;equenos# (adava e, ;ela ;rimeira ve de;ois de muito tem;o,sentia"se :em# .entia seu cor;o, sentia sua anti+a /orça# 'in"da era uma e celente nadadora e seus movimentos lhe ;ro" ;orcionavam ;ra er# ' A+ua estava /ria, mas ela se deleitavacom o /rescor que ;arecia lavar sua ;ele de todo o cascão in"/antil, de toda a saliva e de todos os olhares dos +arotos#Ela nadava hA muito tem;o, e o sol começava a descer lentamente so:re a A+ua#Então a escuridão se es;essou e lo+o /e "se com;letamentenoite, não havia nem lua nem estrel "s, e Tamina es/orçava"seem se+uir sem;re a mesma direção#=92ara onde e atamente ela queria voltar$ 2ara 2ra+a$Ela esqueceu atN mesmo a e istSncia desta#2ara a cidade inha no oeste da Euro;a$ (ão# Fueria sim;lesmente ;artir#&sso quer di er que ela dese ava morrer$ (ão, não, isso, não# 'o contrArio, sentia um terr*vel de"

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se o de viver#=6G " =66Mas devia, ;elo menos, ter uma idNia do mundo ondequeria viver\Ela não tinha nenhuma idNia# Em tudo e ;ara tudo, s

&he restavam uma e traordinAria sede de viver e seu cor;o# .essas duas coisas, nada mais# Ela queria tirA"los da ilha ;arasalvA"los# .eu cor;o e essa sede de viver#=7O dia começava a des;ontar# Ela estreitou os olhos ;aratentar ver a ;raia Y sua /rente#Mas não havia nada diante dela, nada a não ser a A+ua#Ela olhou ;ara trAs# (ão muito distante, a menos de cem me"tros, estava a ;raia da ilha verde#Mas como$ Ela havia nadado a noite inteira sem sair dolu+ar$ O deses;ero a invadiu e, a ;artir do momento em que ;erdeu a es;erança, ela sentiu que seus mem:ros estavam /racose a A+ua, insu;ortavelmente +elada# !echou os olhos e /e um es"/orço ;ara continuar a nadar# (ão contava mais alcançar ooutro lado, a+ora não ;ensava em mais nada a não ser em suamorte, e queria morrer em al+um lu+ar no meio das A+uas,lon+e de qualquer contato, so inha, somente com os ;ei es#.eus olhos se /echavam e, ;or ter cochilado um instante, en"trara A+ua em seus ;ulmões, ela tossia, su/ocava, e, no meioda tosse, ouviu de re;ente vo es in/antis#Ela continuava no mesmo lu+ar, tossia e olhava ao seuredor# ' al+umas :raças havia um :arco cheio de +arotos# Eles+r[tavam# Fuando ;erce:eram que ela os tinha visto, calaram"se# ';ro imavam"se sem desviar o olhar dela# Ela via a enor"me a+itação deles#Teve medo de qu " eles quisessem salvA"la ;ara o:ri+A"la a :rincar com eles como antes# .entiu seu es+otamento e a ri+i"de de seus mem:ros#O :arco estav " :em ;erto e cinco rostos in/antis se de"< :ruçavam com avide #Tamina a+itava a ca:eça deses;eradamente, como que ;ara lhes di er dei "em"me morrer, não me salvem#Mas seu receio /oi inVtil# 's crianças não /a iam um Vnico+esto, nin+uNm lhe esteridia um remo ou a mão, nin+uNm queria, salvA"la# Eles não /ariam outra coisa senão olhA"la com os olhosarre+alados e Avido " " o:servavam"na# 0m +aroto, com um re"mo ;or leme, manlinha o :arco :em ;erto#Ela en+oliu A+`a novamente nos ;ulmões, toss[u, a+itouos :raços, sentindo que não ;odia mais manter"se na su;er/*"cie# .uas ;ernas est "vam cada ve mais ;esadas# Elas a arras"i tavam ;ara o /undo como um ;eso#.ua ca:eça a/iandava na A+ua# Ela /e movimentos vio"

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lentos e conse+uiu "Arias ve es su:ir novamenteJ a cada vevia o :arco e os olhos in/antis o:servandk"a#< Então desa;ai eceu so: a su;er/*cie#=6= =63. T&M' 2'RTE

' !RO(TE&R'6O que ele achava sem;re mais interessante nas mulheresdurante o amor era o rosto# O movimento dos cor;os ;areciadesenrolar uma lon+a ;el*cula cinemato+rA/ica, ;ro etando so" :re o rosto, como que so:re a tela de um televisor, um /ilmecativante cheio de ;ertur:ação, de es;era, de e ;losão, de dor,de +ritos, de emoção e de raiva# . que o rosto de EdQi+e erauma tela a;a+ada que Dan olhava /i amente, atormentado ;or ;er+untas ;ara as quais não encontrava res;ostas .erA queela se entediava com ele$ Estava cansada$ !a ia amor contraa sua vontade$ Estava acostumada com amantes melhores$Ou serA que se escondiam, so: a su;er/*cie irn vel de seu ros"to, sensações insus;eitadas ;or ele$Ele ;odia evidentemente ;er+untar"lhe isso# Mas acon"tecia com eles al+o curioso# Eram sem;re ta+arelas e /rancosum com o outro, mas ;erdiam o uso da ;alavra assim que seuscor;os nus se a:raçavam#Ele nunca sou:era e ;licar muito :em esse mutismo# Tal"ve /osse ;orque, /ora de suas relações amorosas, Ed vi+e erasem;re mais intrN;ida do que ele# Em:ora /osse mais ovem,ela dissera na sua vida um nVmero no m*nimo trSs ve es maior de ;alavras do que o que ele dissera e dis;ensara lições e con"selhos de ve es mais# Ela era como uma mãe terna e sA:iaque lhe dava a mão ;ara +uiA"lo ;ela vida#Muitas ve es ele ima+inava que lhe murmurava no ouvi"do ;alavras o:scenas durante o amor# Mas, mesmo nesses de"vaneios, a tentativa terminava num /racasso# Ele tinha certe"=68

a de que sur+iria no seu rosto um sorriso tranq`ilo de censu"ra e de sim;atia indul+ente, o sorriso da mãe que o:serva o/ilho rou:ar no armArio um :iscoito ;roi:ido#Ou então ima+inava que lhe sussurrava da maneira mais :anal ;oss*vel EstA +ostando disso$ om as outras mulhe"res, essa sim;les interro+ação tinha sem;re uma conotação ma"liciosa# 'o desi+nar o ato de amor, nem que /osse ;ela ;ala"vra :em"com;ortada isso, des;ertava imediatamente o dese" o de outras ;alavras, nas quais o amor /*sico ;udesse se re"/letir como num o+o de es;elhos# Ele tinha a im;ressão, ;o"rNm, que sa:ia de antemão a res;osta de EdQi+e claro queestou +ostando, ela lhe e ;licaria com ;aciSncia# )ocS achaque eu /aria voluntariamente al+o que me desa+radasse$ 0m

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;ouco de l +ica, Dan\Então ele não lhe di ia ;alavras o:scenas e nem lhe ;er"+untava se estava +ostando daquilo# 2ermanecia em silSncio,enquanto seus cor;os se moviam vi+orosa e demoradamente,desenrolando uma :o:ina va ia, sem ;el*cula#

'contecia"lhe muitas ve es achar que ele mesmo era ocul;ado do mutismo das noites deles# Ele criara de EdQi+e"amante uma ima+em caricatural que se er+uia a+ora entre elae ele e que ele era inca;a de trans;or ;ara che+ar Y verdadei"ra EdQi+e, a seus sentidos e Ys suas trevas o:scenas# %e qual"quer maneira, de;ois de cada noite muda dos dois, ele se ;ro"metia não /a er amor com ela da ;r ima ve # 'mava"a co"mo uma ami+a inteli+ente, /iel, insu:stitu*vel, não como umaamante# (o entanto, era im;oss*vel se;arar a amante da ami"+a# Toda ve que a eneontrava, eles discutiam atN tarde da noi"te, EdQi+e :e:ia, desenvolvia teorias, dava lições e, ;ara ter"minar, quando Dan não a+`entava mais de cansaço, ela se ca"lava su:itamente e so:re seu rosto a;arecia um sorriso tran"q`ilo e :eato# Então, como se o:edecesse a uma su+estão ir"resist*vel, Dan tocava"lhe um seio e ela se levantava e começa"va a se des;ir#2or que ela quer dormir comi+o$, ;er+untava"se ele mui"tas ve es, mas não encontrava res;osta# . sa:ia de uma coi"sa, que seus coitos taciturnos eram inelutAveis, como N inelu"tAvel que um cidadão se coloque em ;osição de sentido ao ouvir o hino nacional, mesmo que não sinta com isso nenhum ;ra"

er, nem ele nem sua ;Atria#='o lon+o dos Vltimos du entos anos, o melro a:ando"nou as /lorestas ;ara tornar"se um ;Assaro das cidades# 2ri"meiramente na Hrã"Bretanha, desde o /inal do sNculo P)&&&,al+umas de enas de anos mais tarde em 2aris e na Bacia doRuhr# (o decorrer do sNculo P&P, ele cqnquistou, uma a; sa outra, as cidades da Euro;a# &nstalou"se em )iena e em 2ra+a ;or volta de 67GG, de;ois ;ro+rediu em direção ao leste, +a"nhando Buda;este, Bel+rado e &stam:ul#'os olhos do ;laneta, essa invasão do melro no mundodo homem N incontestavelmente mais im;ortante do que a in"vasão da 'mNrica do .ul ;elos es;anh is ou do que a voltados udeus ;ara a 2alestina# ' modi/icação das relações en"tre as di/erentes es;Ncie<s da criação ;ei es, ;Assaros, homens,ve+etais N uma modi/icação de uma ordem mais elevada doque as mudanças nas relações entre "os di/erentes +ru;os deuma mesma es;Ncie# Fue a BoSmia se a ha:itada ;elos celtasou ;elos eslavos, a BessarA:ia conquistada ;elos romanos ou ;elos russos, a Terra não dA im;ortZncia a isso# Mas que omelro tenha tra*do a nature a ;ara se+uir o homem no seu

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te\ Eu lhe di+o, N o mais ovem de n s todos\Ela olhou ;ara o ;ole+ar, que não ;arava um se+undode descrever c*rculos na :eira da mesa, e_disse" Então /ui colher co+umel s com 2asser# !oi maravi"lhoso\ ( s nos ;erdemos na /loresta e em se+uida encontra"

mos um ca/N# 0m ;equeno ca/N imundo de cidade do inte"rior# assim que +osto deles# (esses :istrXs, a +ente :e:e vi"nho tinto :arato, como :e:em os su eitos que tra:alham nasconstruções# 2asser /oi es;lSndido# Eu o adoro\C (o verão, na N;oca a que me re/iro, as ;raias do oesteda Euro;a se co:riam de mulheres que não usavam sutiã, ea ;o;ulação se dividia entre ;artidarios e adversarios dos seiosnus# ' /am*lia levis " o ;ai, a mãe e a /ilha de quator eanos " estava sentada diante da televisão e acom;anhava umde:ate cu os ;artici;antesJ que re;resentavam todas as cor"rentes intelectuais da N;oca, desenvolviam seus ar+umentos a/avor ou contra o sutiã# O ;sicanalista de/endia ardentemen"te os seios nus e /alava da li:eração dos costumes que nos li" :erta da oni;otSncia dos /antasmas er ticos# O mar ista, semse ;r#onunciar so:re o sutiã o ;artido comunista contava, en"tre seus mem:ros, com ;uritanos e li:ertinos e não era de :oa ;ol*tica o+ar uns contra os outros , desviou ha:ilmente o de" :ate ;ara o ;ro:lema, mais /undamental, da moral hi; critada sociedade :ur+uesa, que /oi condenada# O re;resentantedo ;ensamento cristão se sentiu o:ri+ado a de/ender o sutiã,mas s o /e muito timidamente, ;ois tam:Nm não esca;avaao es;*rito oni;resente da N;ocaJ s encontrou a /avor do su"tiã um Vnico ar+umento, a inocSncia das crianças, que, se+undoele, temos todos o dever de res;eitar e de ;rote+er# Ele /oicon"testado ;or uma mulher enNr+ica que declarou que era ;reci"so aca:ar desde a in/Zncia com o ta:u hi; c`ta da nude erecomendou aos ;ais que andassem nus em casa#Dan s che+ou na casa dos levis no momento em quea locutora anunciava o /im do de:ate, mas no a;artamentoa animação ;ersistiu ainda um :om momento# Todos os le"vis eram es;*ritos avançados, ;ortanto contrArios ao sutiã# O+esto +randioso de milhões de mulheres atirando ao lon+e, co"mo que em res;osta a uma ordem, essa ;eça do vestuArio in"/amante sim:oli ava ;ara eles a humanidade li:ertando"se desua escravidão# Mulheres de seios nus des/ilavam ;elo a;ar"tamento dos levis como um :atalhão<invis*vel de li:ertadoras#Os levis, como eu A disse, eram es;*ritos avançados etlnham idNias ;ro+ressistas# E istem muitas es;Ncies de idNias ;ro+ressistas, e os "evis de/endiam sem;re a melhor ;oss*"vel# ' melhor das idNias ;ro+ressistas N aquela que co`tNm uma

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dose :astante /orte de ;rovocação ;ara que seu ;artid/irio ;os"sa se s "ntir or+ulhoso de ser ori+inal, mas que atrai ao mesmotem;o um nVmero tão +rande de Smulos que o risco de ser a;enas uma e ceção solitAria N imediatamente con urado ;e"las ruidosas a;rovações da multidão vitoriosa# 2or e em;lo,

se, em ve de serem contra o sutiã, os levis /ossem contraa rou;a de um modo +eral e tivessem declarado que as ;es"s as deviam andar nuas nas ruas das cidades, sem dVvida elesainda estariam de/endendo uma idNia ;ro+ressista, mas cer"tamente não a melhor ;oss*vel# Essa idNia teria se tornado in"=== , ==3cXmoda ;elo que tinha de desmedida, teria ;recisado de mui"ta ener+ia su;Nr/lua ;ara sua de/esa quando a melhor idNia ;ro+ressista ;oss*vel se de/ender, ;or assim di er, so inha eseus ;artidArios nunca teriam tido a satis/ação de ver sua atitudea:solutamente incon/ormista revelar"se de re;ente a atitudede todos#Ouvindo"os atacar o sutiã, Dan lem:rou"se de urr " ;equenoinstrumento de madeira, chamado n*vel de :olha de ar, queseu ;ai, que era ;edreiro, colocava na su;er/*cie su;erior dosmuros em construção# (o meio do instrumento, so: uma lZ"mina de vidro, havia A+ua e uma :olha de ar cu a ;osição indi"cava se a /ileira de ti olos estava hori ontal# ' /am*lia levis ;odia servir de n*vel de :olha intelectual# olocado so:re umaidNia qualquer, indicava e atamente se se tratava ou não damelhor idNia ;ro+ressista ;oss*vel#Fuando os levis, que /alavam todos ao mesmo tem;o,tinham contado ;ara Dan todo o de:ate que aca:ava de acon"tecer na televisão, o .r# levis inclinou"se atN ele e disse emtom de +race o" )ocS não acha que ;ara os ;eitos :onitos N uma re"/orma que ;odemos a;rovar sem restrições$2or que o .r# levis e ;rimia seu ;ensamento nesses ter"mos$ Era um an/itrião e em;lar e es/orçava"se sem;re em es"colher uma /rase aceitAvel ;ara todas as ;essoas ;resentes# o"mo Dan tinha a re;utação de +ostar muito de mulheres, le"vis /ormulava sua a;rovação aos seios nus, não no sentido e a"to e ;ro/undo, ou se a, como um entusiasmo Ntico diante daa:olição de umA servidão milenar, mas, Y maneira de condes"cendSncia em consideração aos su;ostos +ostos de Dan e contrasua ;r ;ria convicção , como uma concordZncia estNtica coma :ele a de um seio#'o mesmo tem;o, ele queria ser ;reciso e ;rudente co"mo um di;lomata não ousava di er sem rodeios que os ;ei"tos /eios deviam /icar escondidos# ontudo, sem ser dita, es"sa idNia a:solutamente inaceitAvel escoava com muita clare a

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triste a tão sincera que ela ressoou durante muito tem;o nasala# Era uma /rase que di/icilmente se ;odia rece:er com si"lSncio, mas tam:Nm não era ;oss*vel res;onder a ela# Ela nãomerecia ser a;rovada, uma ve que não era ;ro+ressista, mastam:Nm não merecia uma ;olSmica, A que não ia mani/esta"

mente contra o ;ro+resso# Era a ;ior /rase ;oss*vel, ;orquese situava /ora do de:ate diri+ido ;elo es;*rito do tem;o# Erauma /rase alNm do :em e do mal, uma /rase ;er/eitamenteim;r ;ria#-ouve uma ;ausa, Dan sorria com um ar constran+ido,como se se descul;asse do que aca:ava de di er, então o .r#

levis, mestre em lançar ;ontes entre seus semelhantes, ;Xs"se a /alar de 2asser, que era ami+o comum deles# Eles eramunidos na sua admiração ;or 2asser era um terreno sem ;e"ri+o# levis elo+iou o otimismo de 2asser, seu amor ina:alA"vel ;ela vida que nenhum re+ime mNdico conse+uia su/ocar# (o entanto, a e istSncia de 2asser era a+ora limitada a umaestreita /ai a de vida sem mulheres, sem i+uarias, sem :e:idaalco lica, sem movimento e sem /uturo# Ele viera recentementevisitA"los em sua casa de cam;o, num dia em que a atri -an"na tam:Nm estava lA#DYn estava muito curioso ;ara ver o que indicaria o n*velde :olha dos levis ;ousado so:re a atri -anna, em quemele o:servara sintomas de um e+ocentrismo quase insu;ortA"vel# Mas o n*vel de :olha indicava que Dan se en+anava# le"vis a;rovava sem restrições o modo como a atri se condu iracom 2asser# Ela s se consa+rara a ele# !ora e tremamente+eneroso de sua ;arte# E no entanto, todo mundo sa:ia o dra"ma que ela aca:ara de viver#" Fue drama$ " inda+ou com sur;resa o esta:anadodo Dan#

omo, Dan não estava a ;ar$ O /ilho de -anna /u+irae /icara desa;arecido durante vArios dias\ Ela tivera uma de" ;ressão nervosa\ E no entanto, diante de 2asser, que estava con"denado Y morte, ela não ;ensara mais nem um ;ouco em simesma# Fueria arrancA"lo de suas ;reocu;ações e ;usera"sea +ritar Eu +ostaria tanto de ir colher co+umelos\ Fuem quer ir comi+o$ 2asser untara"se a ela e os outros haviam se recu"sado a acom;anhA"los ;orque descon/iavam que ele queria /i"car so inho com ela# Eles haviam caminhado na /loresta du"rante trSs horas e haviam ;arado num ca/N ;ara :e:er vinhotinto# 2asser estava ;roi:ido de caminhar e de :e:er :e:idaalco lica# Ele voltara cansado, mas /eli # (o dia se+u[nte tive"ra de ser levado ;ara o hos;ital#" 'cho que seu estado N :em +rave " disse o .r# le"visJ de;ois, como se diri+isse uma censura a Dan, acrescentou" )ocS deveria ir vS"lo#

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>Dan se disse (o começo d " vida " er tica do homem hAe citação sem ;ra er, e no /inal hA ;ra er sem e citação#' e citação sem ;ra er N %a;hnis# O ;ra er sem e cita"ção N a :alconista da lo a de alu+uel de arti+os de es;orte#

0m ano antes, quando a conhecera e a convidara ;arair Y sua casa, ela lhe dissera uma /rase inesquec*vel .e n sdormirmos untos, serA certamente muito :om do ;onto devista tNcnico, mas não estou certa quanto ao as;ecto sentimen"tal#Ele lhe dissera que, no tocante a ele, ela ;odia estar a:"solutamente certa do as;ecto sentimental, e ela havia aceita"do essa asse+uração como tinha o hA:ito de aceitar r "a lo aum de; sito de +arantia ;ara o alu+uel de esquis, e não disse"ra mais uma ;alavra so:re sentimentos# Em com;ensação, notocante ao as;ecto tNcnico, ela o tinha literalmente es+otado#Era uma /anAtica do or+asmo# O or+asmo era ;ara ela==? " ==8uma reli+ião, um o: etivo, um im;erativo su;remo da hi+ie"ne, um s*m:olo de saVde, mas tam:Nm seu or+ulho, que a dis"tin+uia das mulheres menos a/ortunadas, como /aria um iateou um noivo ilustre#E não era /Acil lhe ;ro;orcionar ;ra er# Elalhe +ritavamais rA;ido, mais rA;ido, de;o[s ao contrArio deva+ar, deva"+ar e novamente mais /orte, mais /orte, como um treinador +rita suas rdens ;ara os remadores de um outri++er a oito#

oncentrada totalmente nos ;ontos sens*veis de sua ;ele, ela+uiava sua mão ;ara que ele a colocasse no lu+ar certo no mo"mento certo# Ele trans;irava e via os olhares im;acientes damulher e os +estos /e:ris de seu cor;o, aquela mAquina m velde ;rodu ir uma ;equena e ;losão que era o sentido e o o:" etivo de qualquer coisa#.aindo da casa dela a Vltima ve , ele ;ensou em -ert ,diretor da ;era da cidade da Euro;a entral onde havia ;as"sado sua uventude# -ert o:ri+ava as cantoras a inter;retar nuas diante dele os seus res;ectivos ;a;Nis ;or ocasião dos en"saios es;eciais com o+os de cena# 2ara veri/icar a ;osição deseus cor;os, ele as o:ri+ava a en/iar um lA;is no reto# O lA;is ;ro etava"se ;ara :ai o no ;rolon+amento da coluna verte" :ral, de modo que o minucioso diretor ;oderia assim contro"lar o andar, o movimento, o ;asso e a ;ostura do cor;o dacantora com uma ;recisão cient*/ica#0m dia, uma ovem so;rano :ri+ou com ele e o denun"ciou Y direção# -ert se de/endeu di endo que nunca haviaim;ortunado as cantoras, que nunca havia tocado em nenhu"ma delas# Era verdade, mas, com isso, o +ol;e do lA;is s ;a"receu mais de;ravado, e -ert teve de dei ar a cidade natal

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de Dan com um escZndalo nos :raços#.ua desventura tornou"se cNle:re e, +raças a ela, Dan co"meçou a assistir muito ovem a es;etAculos l*ricos# Ele ima+i"nava nuas todas as cantoras, as quais via /a er +estos ;atNti"cos, virar a ca:eça e escancarar a :oca# ' orquestra +emia,

as cantoras se+uravam o lado esquerdo do ;eito e ele ima+i"nava os lA;is saindo dos traseiros nus# .eu coração :atia, a+i"tado ele /icava e citado com a e citação de -ert \ 'inda ho eele não conse+ue ver de outra maneira um es;etAculo l*rico,==9ainda ho e, se vai Y o;era, N com os sentimentos de um ra;amuito novo que entra, sorrateiro, num teatro ;ornX#Dan se di ia -ert era um alquimista su:lime do v*cioque havia desco:erto no lA;is en/iado no trase[ro a / rmulamA+ica da e citação# E Dan sentia ver+onha diante dele -ertnunca se teria dei ado coa+ir Y la:oriosa atividade que eleaca:ava de e i:ir docilmente so:re o cor;o da :alconista dalo a de alu+uel de arti+os de es;orte#H%o mesmo modo que a invasão dos melros acontece no< reverso da hist ria euro;Nia, meu relato se desenrola no re"verso da vida de Dan# Eu o com;onho a ;artir de aconteci"mentos isolados aos quais sem dVv[da Dan não concedeu umaatenção es;ecial, ;ois a ;arte da /rente de sua vida estava en"tão ocu;ada ;or outros acontecimentos e outras ;reocu;açõesa o/erta de um novo ;osto na 'mNrica, uma atividade ;ro/is"sional /e:ril e os ;re;arativos ;ara a via+em#Ele encontrou recentemente Bar:ara na rua# Ela lhe ;er"+untou em tom de censura ;or que ele nunca vai Y sua casaquando ela rece:e os ami+os# ' casa de Bar:ara N cNle:re ;e"los divertimentos er ticos coletivos que ela or+ani a lA# Danteme a calVnia e recusou os convites durante anos# Mas dessave ele sorri e di EstA :em, irei com ;ra er# .a:e que nuncamais voltarA a essa cidade e ;ortanto ;ouco lhe im;orta a dis"crição# &ma+ina a casa de Bar:ara cheia de ;essoas nuas e ale"

< +res e di consi+o que a/inal de contas não seria assim tão mal/este ar desse modo a sua ;artida#2ois Dan estA de ;artida# %entro de al+uns meses, vai atra"i vessar a /ronteira# E, desde que lhe ocorreu essa [dNia, a ;ala"vra /ronteira, em;re+ada no sentido +eo+rA/ico corrente,lhelem:ra uma outra /ronte*ra, imaterial e intan+*vel, na qual ele ;ensa cada ve mais hA al+um tem;o# ,==7Fu " /ronteira$' mlulher que ele mais amou no mundo ele tinha na N;ocatrinta anc "s lhe di ia ele /icava quase deses;erado quando ou"via isto que ela s se ;rendia Y vida ;or um /io muito /ino#

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.im, ela queria viver, a vida lhe ;ro;orcionava uma ale+riaimensa, /nas ela sa:ia ao mesmo tem;o que esse +uero viver era tecid " com /ios de teia de aranha# Bastava tão ;ouco, tãoin/initarr "ente ;ouco, ;ara se encontrar do outro lado da /ron""

teira alNrn da qual nada mais tinha sentido o amor, as con"vicções, a /N, a -ist ria# Todo o mistNrio da vida humanaconsistia no /ato de que ela se desenrola em ;ro imidade ime"diata e mlesmo em contato direto com essa /ronteira, que elanão /ica se;arada desta ;or quilXmetros, mas a;enas ;or ummil*metr;#8Todo homem ;ossui duas :io+ra/ias er ticas# Em +erals se /al " da ;rimeira, que se com;õe de uma lista de casose de enc "ntros amorosos#' nlais interessante N sem dVvida al+uma a outra :io+ra"/ia o :a;do de mulheres que quer*amos ter e que nos esca;a"ram, a hist ria dolorosa das ;ossi:ilidades irreali adas#Ma> e iste ainda u "rra terceira, uma misteriosa e inquie"tante catc+oria de mulheres# Elas nos a+radam, n s lhes a+ra"damos, rnas ao mesmo tem;o com;reendemos lo+o que não ;od*amas tS"las ;orque, na nossa relação com elas, nos en"contrAvamos do outro lado da /ronteira#Dan estava no trem e lia# 0ma ovem e :ela desconheci"da veio entar"se no seu com;artimento o Vnico lu+ar livreera ustamente em /rente ao seu e lhe /e um sinal com a ca" :eça# Ele res;ondeu ao seu cum;rimento e ;rocurou lem:rar"sede onde a conhecia# Em se+uida, mer+ulhou novamente osolhos na> ;A+inas de seu livro, mas lia com di/iculdade# .en"=3Gtia o olhar da mulher /i ado nele, cheio de curiosidade e dee ;ectativa#Ele /echou novamente o livro" %e onde a conheço$ (ão era nada de e traordinArio# Eles haviam se encon"trado, disse"lhe ela, cinco anos antes entre ;essoas insi+ni/i"cantes# Ele se lem:rava desse ;er*odo e lhe /e al+umas ;er"+untas o que /a ia ela e atamente na N;oca, quem ela via,onde tra:alhava a+ora e tinha um tra:alho interessante$Ele estava acostumado com isto entre ele e qualquer mu"lher, ele sa:ia /a er saltar a centelha ra;idamente# . que dessave ele tinha a ;enosa im;ressão de ser um em;re+ado do de" ;artamento ;essoal que /a ;er+untas a uma mulher que veio ;edir em;re+o#

alou"se# ':riu novamente o livro e /e um es/orço ;a"ra ler, mas sentia"se o:servado ;or uma invis*vel :anca e a"minadora que ;ossu*a a seu res;eito todo um dossiS de in/or"

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mações e não tirava os olhos de cima dele# Ele olhava as ;A+i"nas a contra+osto, sem sa:er o que havia nelas, e não lhe ;as"sava des;erce:ido que a :anca re+istrava ;acientemente os mi"nutos de seu silSncio ;ara levA"los em conta no cAlculo da no"ta /inal#

Ele /echou novamente o livro e tentou mais uma ve con"versar com a mulher em tom /r*volo, mas constatou de novoque isso não dava em nada#

oncluiu que o /racasso ;rovinha de eles estarem con"versando num com;artimento muito cheio# onvidou a mu"lher ;ara ir ao va+ão"restaurante, onde eles encontraram umamesa ;ara dois# Ele /alava com mais /acilidadeJ mas tam:Nmali não conse+uia acender a centelha#Os dois voltaram ;ara o com;artimento# Ele a:riu no"vamente o livro, mas, como um ;ouco antes, não sa:ia o quehavia em suas ;A+inas#' mulher /icou al+uns instantes sentada diante dele, emse+uida levantou e /oi ao corredor olhar ;elo vidro#Ele se sentia terrivelmente descontente# ' mulher lhe a+ra"dava e sua sa*da do com;artimento não ;assava de um cha"mado silencioso#=36 (o Vltimo instante, ele quis mais uma ve salvar a situa"ção# !oi ;ara o corredor e ;Xs"se ao lado dela# %isse"lhe quese não a havia reconhecido era sem dVvida ;orque ela haviamudado o ;enteado# '/astou"lhe os ca:elos da testa e olhouseu rosto su:itamente di/erente#" .im, reconheço"a a+ora " disse# O:viamente, nãoa reconhecia# E isso, aliAs, não tinha im;ortZncia# Tudo o queD ele queria era a;ertar com /irme a a mão contra o alto de seucrZnio, inclinar"lhe suavemente a ca:eça ;ara trAs e olhA"laassim, nos olhos#Fuantas ve es na sua vida ele havia ;ousado a mão so" :re a ca:eça de uma mulher ;er+untando"lhe Mostre comovocS /icaria assim$ Esse contato im;erioso e esse olhar so" :erano invertiam de um s +ol;e toda a situação# omo seeles contivessem em +erme e ;u assem do /uturo a +randecena em que ele se a;ossaria dela totalmente#Mas dessa ve seu +esto não ;rodu iu nenhum e/eito# .euolhar era muito mais /raco do que o olhar que ele sentia so:resi, o olhar du:itativo da :anca e aminadora que sa:ia muito :em que ele se re;etia e que lhe /a ia com;reender que todare;etição não ;assa de uma imitação e que toda imitação Nsem valor# Dan, de re;ente, se via com os olhos da mulher#)ia a de;lorAvel ;antomima de seu olhar e de seu +esto, aqueladança"de"são"+uido estereoti;ada que se esva iara de todo si+"ni/icado Y /orça de se re;etir no decorrer dos anos# 2or ter

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;erdido sua es;ontaneidade, seu sentido natural e imediato,seu +esto lhe causava de re;ente um cansaço insu;ortAvel, co"mo se ele tivesse ;esos de de quilos ;resos aos ;unhos# O olhar da mulher criava em volta dele um am:iente estranho que au"mentava o ;eso#

(ão havia mais meio de continuar# Ele lar+ou a ca:eçada mulher e olhou ;elo vidro da anela os ardins quedes/ilavam#O trem che+ou ao seu destino# .aindo da estação, ela dissea Dan que não morava lon+e e convidou"o a ir Y sua casa#Ele recusou#Em se+uida, ;ensou nisto semanas inteiras como ;ude"ra recusar uma mulher que lhe a+radava$ (a sua relação com ela, ele se encontrava do outro ladoda /ronteira#OO olhar do homem A /oi descrito muitas ve es# Ele ;ou"sa /riamente so:re a mulher, ao que ;arece, como se a medis"se, a ;esasse, a avaliasse, a escolhesse, ou se a, como se atrans"/ormasse em coisa#O que não se sa:e tão :em N que a mulher não estA intei"ramente desarmada contra esse olhar# .e ela N trans/ormadaem coisa, ela então o:serva o homem com o olhar de uma co["sa# como se o martelo tivesse de re;ente olhos e o:servasse/i amente o ;edreiro que se serve dele ;ara en/iar um ;re+o#O ;edreiro vS o olhar mau do martelo, ;erde a se+urança edA uma martelada no ;r ;rio dedo#O ;edreiro N o senhor do martelo, ;orNm N o martelo queleva vanta+em so:re o ;edreiro, ;orque a /erramenta sa:e e a"tamente como deve ser mane ada, enqnanto aquele que a ma"ne a s ;ode sa:S"lo mais ou menos#O ;oder de olhar trans/orma o martelo em ser vivo, maso :ravo ;edreiro tem de sustentar seu olhar insolente e, coma mão /irme, trans/ormA"lo novamente em coisa# %i em quea mulher vive assim#um movimento c smico ;ara o alto e de" ;ois ;ara :ai o a elevação da coisa tornada criatura e a que"da da criatura tornada coisa#Mas acontecia a Dan cada ve com mais /req`Sncia queo o+o do ;edreiro e do martelo não /osse mais o+Avel# 'smulheres olhavam mal# Estra+avam o o+o# .eria ;orque nessaN;oca elas haviam começado a se or+ani ar e tinham decidi"do trans/ormar a condição secular da mulher$ Ou seria ;or"que Dan estava envelhecendo e via de outro modo as mulherese seu olhar$ Era o mundo que mudava ou era ele$%i/*cil di er# ' verdade N que a mulher do trem o olhava=3= =33

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com olhos descon/iados, cheios de dVvidas, e ele lar+ara o mar"< telo antes de ter tido tem;o de er+uS"lo#Encontrara recentemente 2ascal, que se quei ara com elede Bar:ara# Bar:ara o havia convidado ;ara ir Y sua casa# LAestavam duas moças que 2ascal não conhecia# Ele conversara

um ;ouco, e, em se+uida, sem ;reveni"lo, Bar:ara /ora Y co"inha :uscar um +rande des;ertador de /erro :ranco, comoaqueles de anti+amente# omeçara a tirar a rou;a sem d[ er uma ;alavra e as duas moças haviam /eito o mesmo#2ascal se lamentou" )ocS com;reende, elas tiraram a rou;a com indi/e"rença, com dis;licSncia, como se eu /osse um cachorro ou um arro de /lores#Em se+uida, Bar:ara lhe ordenara, que tirasse a rou;atam:Nm# Ele não queria ;erder a o;ortunidade de /a er amor com duas desconhecidas, e o:edecera# Fuando A estava nu,Bar:aralhe mostrara o rel +io Olhe :em ;ara o ;onteirode se+undos# .e vocS não /icar de ;au duro dentro de um mi"nuto, ;ode se retirar\" Elas não tiravam# os olhos da re+ião entre as minhas ;ernas e, como os se+undos começassem a ;assar, elas desa"taram a rir\ %e;ois disso, me ;useram ;orta a/ora\Eis um caso em que o martelo decidiu castrar o ;edreiro#" )ocS sa:e, 2ascal N um +rosseirão e eu senti umasim;atia secreta ;elo comando disci;linar de Bar:ara " di"

ia Dan a EdQi+e# " 'liAs, 2ascal e seus cole+as /i eram comal+umas moças al+o muito ;arecido com a ;eça que Bar:ara ;re+ou nele# ' moça vinha, queria /a er amor, e eles a des" ;iam e a amarravam so:re o divã# ' moça não se im;ortavanem um ;ouco em ser amarrada, isso /a ia ;arte do o+o# Omais escandaloso N que eles não /a iam nada com ela, nemsequer a tocavam, contentavam"se em e aminA"la ;or todosos lados# ' moça tinha a im;ressão de estar sendo violentada#" com;reens*vel " disse EdQi+e#" Mas ;osso muito :em ima+inar que essas moças,amarradas e olhadas, /icavam :astante e citadas# (uma si"tuação semelhante, 2ascal não /icou e citado# Ele /oi castrado#DA era noite alta, eles estavam na casa de EdQi+e, e uma+arra/a de u*sque esva iada ;ela metade estava diante delesso:re uma mesa :ai a#" O que vocS quer di er com isso$ " ;er+untou ela#" Fuero di er " res;ondeu Dan " que, quando umhomem e uma mulher /a em a mesma coisa, não N a mesmacoisa# O homem violenta, a mulher castra#" )ocS quer di er com isso que N /eio castrar um ho"mem, mas que N uma :ela coisa violentar uma mulher#" om isso, quero di er a;enas " re;licou Dan " que

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a violação /a ;arte do erotismo, mas que a castração N a suane+ação#EdQi+e esva iou seu co;o de um s +ole e res;ondeu,encoleri ada" .e a violação /a ;arte do erotismo, isso quer di er

que todo o erotismo N diri+ido contra a mVlher e que N ;reci"so ;ortanto inventar outro#Dan :e:eu um +ole, /icou em silSncio um instante eretomou" -A muitos anos, no meu anti+o ;a*s, com;us comal+uns cole+as uma antolo+ia das ;alavras que nossas aman"tes di iam durante o amor# .a:e qual /oi a ;alavra que sur+iucom mais /req`Sncia$EdQi+e não sa:ia#" ' ;alavra não# ' ;alavra não re;etida muitas ve esse+uidas não, não, não, não, não, não, não### ' moça vinha ;ara /a er amor e, quando o ra;a a tomava nos :raços, elao re;elia di endo não, de modo que o ato de amor, ilumina"do ;ela lu vermelha dessa ;alavra que N a mais :ela de to"das, tornava"se uma ;equena imitação da violação# Mesmoquando se a;ro imavam do or+asmo, elas di iam não, não,não, não, não e muitas +o avam +ritando não# %esde essa N;o"ca, não N ;ara mim uma ;alavra ;rinci;esca# )ocS tam:Nmtinha o costume de di er não$"" rdQi+e res;ondeu que nunca di ia não# 2or que di er uma coisa que ela não ;ensava$" Fuando uma mulher di não, quer sem;re di er sim# Esse a/orismo de machos sem;re me revoltou# " uma/rase tão idiota quanto a hist ria humana#=3C " =3>" Mas essa hist ria estA em n s e não ;odemos /u+ir a ela " re;licou Dan# " ' mulher que /o+e e se de/ende# 'mulher que se entre+a, o homem que se a;ossa# ' mulher quese co:re de vNus, o homem que arranca sua rou;a# .ão ima"+ens seculares que tra emos conosco\" .eculares e idiotas\ Tão idiotas quanto as ima+ensreli+iosas\ E se as mulheres começassem a /icar /artas de secom;ortar de acordo com esse modelo$ .e sentissem nAuseascom essa eterna re;etição$ .e quisessem inventar outras ima"+ens e um outro o+o$" , são ;alavras idiotas que se re;etem de maneiraid[ota# )ocS tem toda ra ão# Mas, e se nosso dese o do cor;o/eminino de;endesse ustamente dessas ima+ens idiotas e so"mente delas$ Fuando elas /orem destru*das em n s, um ho"mem ainda ;oderA /a er amor com uma mulher$EdQi+e desatou a rir" 'cho que vocS estA se a;oquentando sem ra ão#

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Em se+uida, ela /i ou so:re ele seu olhar maternal" E não /ique ima+inando que todos os homens sãof como vocS# omo se com;ortam os homens quando se vSem/ace a /ace com uma mulher$ O que N que vocS sa:e disso$Dan não sa:ia realmente como se com;ortavam os ho"

mens quando se viam so [nhos /ace a /ace com uma mulher#< -ouve um silSncio e EdQi+e tinha so:re o rosto o sorriso :eatoque indicava que A era tarde e que a;ro imava"se o momen", to em que Dan ia desenrolar so:re o seu cor;o a :o:ina cine"mato+rA/ica va ia#'; s um instante de re/le ão, ela acrescentou" (o /inal das contas, não N tão im;ortante assim /a er amor#Dan /icou de orelha em ;N" )ocS acha que não N tão im;ortante /a er amor$Ela lhe sorriu com ternura" (ão, não N tão im;ortante assim#Ele esqueceu imediatamente a discussão ;orque aca:avade com;reender al+o muito mais im;ortante ;ara EdQi+e, oamor /*sico era a;enas um si+no, um ato sim: lico, uma con"/irrriação da ami ade#Essa noite, ;ela ;rimeir " ve , ele ousou di er que estavacansado# %eitou"se ao lado dela na cama como um ami+o castosem desenrolar a :o:ina de ;el*cula# 'cariciavA"lhe os ca:e"los e via er+uer"se acima do /uturo comum dos dois o arco"*ris tranq`ili ador da ;a #7-A cerca de de anos, Dan rece:ia visitas de uma mulher casada# Eles se conheciam hA al+uns anos mas se viam muitoraramente, ;orque essa mulher tra:alhava e, mesmo quandoela estava livre ;ara vS"lo, eles não tinham tem;o a ;erder#Ela começava ;or sentar"se numa ;oltrona e eles conversavamum instante# Lo+o Dan se levantava, se a;ro imava dela, lhedava um :ei o e a er+uia nos :raços#Em se+uida a soltava, eles se a/astavam um ;ouco umdo outro e começavam a tirar a rou;a Ys ;ressas# Dan atiravao ;alet so:re uma cadeira# Ela tirava o ;ulXver e colocava"onas costas da cadeira# Ele desa:otoava as calças e dei ava"asescorre+ar# Ela inclinava"se ;ara a /rente e começava a tirar sua malha# Os dois se a;ressavam# Estavam de ;N /ace a /ace,inclinados ;ara a /rente, Dan soltava um ;N, de;ois o outro,das calças ;ara isso, er+uia as ;ernas muito alto, como umsoldado que des/ila , ela se curvava ;ara /a er a malha descer atN os torno elos, de;ois li:ertava as ;ernas levantando"as ;arao alto, e atamente como ele /a ia#Era sem;re ;arecido, mas um dia ;rodu iu"se um ;eque"no /ato que ele nunca iria esquecer Ela o olhou e não ;Xde

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conter um sorriso# Era um sorriso quase terno, cheio de com" ;reensão e sim;atia, um sorriso t*mido que ;rocurava se /a"

er ;erdoar, mas incontestavelmente um sorriso nascido dalu do rid*culo que inundou de re;ente toda a cena# Ele tevemuita di/iculdade ;ara se dominar e não lhe devolver esse sor"

riso# 2ois tam:Nm via emer+ir da ;enum:ra do hA:ito o rid*"=3? " =38culo ino;inado de duas ;essoas que estão de /rente uma ;araa outra e que levantam as ;ernas muito alto numa estranhai ;reci;itação# 2or ;ouco ele não desatou a rir# Mas sa:ia queem se+uida eles não ;oderiam mais /a er amor# O riso estavaali como uma enorme armadilha que es;erava ;acientementena ;eça, escondido atrAs de uma ;arede /ina e invis*vel# ';e"nas al+uns mil*metros se;aravam o amor /*sico do riso, e elereceava trans;X"los# 'l+uns mil*metros o se;aravam da /ron"teira alNm da qual as coisas não tSm mais sentido#Ele se controlara# Re;elira a sorriso, o+ara as calças ;arao lado e avançara de;ressa ;ara unto da amante, ;ara tocar"lhe lo+o o cor;o, cu o calor ia es;antar o dia:o do riso#6GEle sou:e que o estado de sav*de de 2asser ; "orava# Odoente s resistia +raças a in eções de mor/ina e s se sentia :em al+umas horas ;or dia# Dan ;e+ou o trem ;ara ir visitA"lonuma cl*nica distante e, durante o tra eto, censurou"se ;or ir vS"lo tão ;ouco# 'ssustou"se ao ver que 2asser havia enve"lhecido muito# 'l+uns ca:elos ;rateados desenhavam so:reo seu crZnio uma curva ondulante, a mesma que desenhava,não havia muito tem;o, sua es;essa ca:eleira castanha# .euJ rosto era a lem:rança do rosto do ;assado#2asser o acolheu com a e u:erZncia de sem;re# 2e+ou"o ;elo :rAço e, com um ;asso enNr+ico, levou"o ;ara o quarto,onde os dois se sentaram um de cada lado de uma mesa#' ;rimeira ve que Dan encontrara 2asser, A /a ia mui"to tem;o, 2asser havia /alado das +randes es;eranças da hu"manidade e, /alando, :atia com o ;unho na mesa acima daqual :rilhavam seus +randes olhos eternamente entusiasma"& dos# -o e ele não /alava das es;eranças da humanidade, masdas es;eranças de seu cor;o# Os mNdicos a/irmavam que, se& ele conse+uisse, +raças a um tratamento intensivo com in e"ções e ao ;reço de +randes dores, ;assar ;elo ca:o dos ;r i"mos quin e dias, ele teria +anho# %i endo isso a Dan, ele :atiacom o ;unho se:re a mesa e seus olhos :rilhavam# O relatoentusiasmado a res;eito das es;eranças do cor;o era o eco me"lanc lico do relato so:re as es;eranças do +Snero humano# Es"ses dois entusiasmos eram i+ualmente ilus rios e os olhos :ri"&hantes de 2asser em;restavam a todos os dois uma lu i+ual"mente mA+ica#

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%e;ois ele ;Xs"se a /alar da atri -anna# om uma ;u"dica timide masculina, con/essou a Dan que ainda uma Vlti"ma ve /icara louco# !icara louco ;or uma mulher loucamen"te :onita, sa:endo muito :em que era a mais insensata de to"das as loucuras ;oss*veis# !alava, os olhos :rilhante ", da /lo"

resta onde os dois tinham ;rocurado co+umelos como quem ;rocura um tesouro, e do ca/N onde eles ;araram ;ara :e:er vinho tinto#" E -anna /oi /ormidAvel\ )ocS com;reende$ Ela nãoassumia ares de en/ermeira sol*cita, não tinha olhares com" ;assivos ;ara me lem:rar a minha doença e a minha decre;i"tude, ria e :e:ia comi+o# Entornamos um litro de vinho\ Eutinha a im;ressão de ter de oito anos\ Minha cadeira estavacolocada e atamente sol[re a linha da morte, e eu tinha von"tade de cantar#2asser :ateu com o ;unho na mesa e olhou Dan com seusolhos :rilhantes, acima dos quais a a:undante ca:eleira desa" ;arecida era a+ora desenhada ;or trSs /ios ;rateados#Dan disse que estamos todos a cavalo so:re a linha damorte# Fue o mundo inteiro, que a/unda na violSncia, na cruel"dade e na :ar:Arie, se sentou so:re essa linha# Ele disse isso ;orque +ostava de 2asser e achava atro que esse homem, que :atia de maneira ma+n*/ica com o ;unho so:re a mesa, mor"resse antes do mundo que não merecia nenhum amor#Es/orçava"se ;or /a er ;arecer mais ;r imo o /im do mun"do ;ara que a morte de 2asser se tornasse mais su;ortAvel#Mas 2asser não aceitava o /im do mundo, :atia com o ;unhona mesa e recomeçava a /alar das es;eranças da humanidade#%isse que vivemos uma N;oca de +randes mudanças#Dan nunca ;artilhara da admiração de 2asser ;elas coi"=# "+ " =37< sas que mudam mas +ostava de seu dese o de mudança, ;or"que via nele o mais anti+o dese o do homem, o conservantis"mo mais conservador da humanidade# ontudo, em:ora +os"< tasse desse dese o, queria tirA"lo dele, a+ora que a cadeira de2asser estava a cavalo so:re a linha da morte# Fueria su ar a seus olhos o /uturo, ;ara que ele lamentasse um ;ouco me"nos a vida que estava ;erdendo#%isse"lhe" .em;re nos di em que vivemos uma +rande N;oca#

lev[s /ala do /im da era udaico"cristã, outros da revoluçãoJ mundial e do comunismo, mas tudo isso são asneiras# .e nos"sa N;oca N um momento decisivo, N ;or uma outra ra ão#2asser o olhava nos olhos com seu olhar :rilhante, aci"ma do qual a lem:rança da ca:eleira era desenhada ;or trSs/ios ;rateados#Dan ;rosse+uia

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v " )ocS conhece a hist ria do lorde in+lSs$J 2asser :ateu com o ;unho so:re a mesa e disse que não& conhecia essa hist ria#i " '; s a noite de nV;eias, um lorde in+lSs disse ;araa mulher Lad , es;ero que este as +rAvida# (ão +ostaria de

re;etir uma se+unda ve esses movimentos rid*culos#2asser sorriu, mas sem :ater com o ;unho so:re a mesa#$ Essa anedota não era daquelas que suscitavam seu entusiasmo# # Dan ;rosse+uiu" Fue não venham me /alar de revolução mundial\ )i"vemos uma +rande N;oca hist rica em que o ato se ual se trans"/orma de/initivamente em movimentos rid*culos#0m sorriso de traçado delicado sur+iu no rosto de 2as"ser# Dan conhecia :em esse sorriso# (ão era um sorriso ale+renem a;rovador, mas o sorriso da tolerZncia# Eles sem;re ti"f nham /icado muito a/astados um do outro e, nos raros mo"t& mentos em que a di/erença entre eles se mani/estava de ma"neira muito vis*vel, eles se diri+iam mutuamente esse sorriso ;ara asse+urar que a ami ade dos dois não estava em ;eri+o#&l2or que tem ele sem;re diante dos olhos essa ima+em da/ronteira$Ele se di que N ;orque estA /icando velho 's coisas sere;etem e ;erdem a cada ve uma /ração de seu sentido# Ou,mais e atamente, ;erdem +ota a +ota sua /orça vital, que ;res"su;õe automaticamente o sentido# ' /ronteira, se+undo Dan,quer di er etatão a dose mA ima admiss*vel de re;etições#0m dia ele assistira a um es;etAculo em que, no meioda ação, um cXmico muito talentoso começava de re;ente acontar muito lentamente e com uma e ;ressão de e trema aten"ção um, dois, trSs, quatro###, di ia cada mVmero com um ar muito concentrado, como se ele lhe tivesse esca;ado, e ;rocurava"o no es;aço Y sua volta cinco, seis, sete, oito### (onVmero quin e, o ;V:lico começara a rir, e quando ele che+a"ra a cem, lentamente e com ar cada ve mais concentrado, as ;essoas ca*am de seus assentos# (uma outra re;resentaçã , o mesmo ator se ;usera ao ;iano e começara a tocar uma Aria de valsa com a mão es"querda tantantam, tantantam# .ua mão direita ;endia, nãose ouvia nenhuma melodia, mas sem;re<o mesmo tantantam,tantantam que se re;etia continuamente, e ele olhava o ;V:li"co com um olhar eloq`ente como se esse acom;anhamentode valsa /osse uma mVsica es;lSndida, di+na de emoção, dea;lausos e de entusiasmo# Tocou sem ;arar vinte ve es, trintave es, cinq`enta ve es, cem ve es o mesmo tantantam, tan"tantam, e o ;V:lico morria de rir#.im, quando se trans;õe a /ronteira, o riso ressoa, /at*"

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dico# Mas quando se vai ainda mais lon+e, ainda alNm do riso$Dan ima+ina que os deuses +re+os a ;rinc*;io ;artici;a"ram com ;ai ão das aventuras dos homens# Em se+uida eles ;araram no Olim;o ;ara olhar ;ara :ai o e riram muito# Eho e, estão dormindo hA muito tem;o#

' meu ver, ;orNm, Dan se en+ana se ;ensa que a /rontei"ra N um traço que corta a vida do homem num lu+ar determi"nado, que ela indica uma ru;tura no tem;o, um se+undo ;re"=CG =C6ciso no rel +io da vida humana# (ão# Estou, ao contrArio,certo de que a /ronteira estA constantemente conosco, inde" ;endentemente do tem;o e de nossa idade, que ela N oni;re"sente, em:ora se a mais ou menos vis*vel, se+undo ascircunstZncias#' mulher que Dan tanto amou tinha ra ão em di er queo que a mantinha ;resa Y vida era a;enas um /io de teia dearanha# Basta tão ;ouco, uma *n/ima corrente de ar ;ara queas coisas se movam in;erce;tivelmente, e aquilo ;or que ain"da ter*amos dado a vida um se+undo antes a;arece de re;entecomo um contra"senso no qual não hA nada#Dan tinha ami+os que, como ele, haviam dei ado a anti+a ;Atria e que consa+ravam todo o seu tem;o Y luta ;or sua li" :erdade ;erdida# DA lhes acontecera a todos sentir que o eloque os unia a seu ;a*s não ;assava de uma ilusão e que eraa;enas uma ;ersistSncia de hA:ito se eles ainda estavam ;rontosa morrer ;or al+uma coisa que lhes era indi/erente# Todos elesconheciam esse sentimento e ao mesmo tem;o temiam conhecS"lo, viravam a ca:eça, com medo de verem a /ronteira e de des"li arem atra*dos ;ela verti+em como ;or um a:ismo ;ara ooutro lado, lA onde a l*n+ua de seu ;ovo torturado não /a iamais nada a não ser um :arulho insi+ni/icante ;arecido como" ;i;ilo dos ;Assaros#.e Dan de/ine ;ara si mesmo a /ronteira como a dose mA"

ima admiss*vel de re;etições, ve o"me então na o:ri+ação decorri+i"lo a /ronteira não N o resultado da re;etição# ' re;e"tição N a;enas uma das maneiras de tornar a /ronteira vis*vel#' linha da /ronteira estA co:erta de ;oeira e a re;etição N co"mo que o +esto da mão que a/asta essa ;oeira#Eu +ostaria de lem:rar a Dan esta e ;eriSncia notAvel queremonta Y sua in/Zncia Ele tinha então cerca de tre e anos#!alava"se de criaturas que vivem em outros ;lanetas e ele :rin"cava com a idNia de que esses e traterrestres tinham so:re ocor;o mais onas er +enas do que o homem, ha:itante da ter"ra# ' criança que ele era então e que se e citava Ys escondidasdiante da /oto rou:ada de uma dançarina nua /inalmente ti"vera a sensação de que a mulher terrestre, dotada de um se oe de dois seios, essa trindade sim;les demais, so/re de indi"

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;Nu desli ou lentamente ;ara a :eira da cova# levis decidiu"se# %eu um ;asso enNr+ico, estendeu o :raço e se a:ai ou# Ocha;Nu se esquivava, se esquivava sem;re, estava quase so:os dedos dele quando desli ou ao lon+o da :eira e caiu dentroda cova#

levis estendeu mais uma ve o :raço, como que ;arachamA"lo ;ara unto de si, mas resolveu de re;ente /a er deconta que o cha;Nu nunca e istira e que ele se encontrava Y :eira da cova ;or um acaso insi+ni/icante# Fueria mostrar"sea:solutamente natural e tranq`ilo, mas era di/*cil ;orque to"dos os olhares estavam /i ados nele# Ele tinha o ar cris;AdoJ/e um es/orço ;ara não ver nin+uNm e /oi colocar"se na ;ri"meira /ila, onde soluçava o /ilho de 2asser#Fuando o es;ectro ameaçador do homem que se ;re;a"rava ;ara ;ular desa;areceu, o ;erso`a+em da /olha de ;a;el=CC =C>recu;erou a calma e er+ueu os olhos ;ara a multidão, que Anão Oouvia a:solutamente, a /im de di er a Vltima /rase deseu discurso# )irando"se ;ara os coveiros, declarou num tomsolene )ictor 2asser, aqueles que o amavam não o esque"cerão amais# Fue a terra lhe se a leve\Ele se inclinou na :eira do tVmulo so:re um monte deterra onde estava /incada uma ;A ;equena, ;e+ou um ;oucode terra com a ;A e de:ruçou"se so:re a cova# (esse momen"to, o corte o /oi sacudido ;or um riso a:a/ado# 2ois todasas ;essoas ima+inavam que o orador, que se imo:ili ara coma ;A de terra na mão e olhava ;ara :ai o sem se me er, viao cai ão no /undo da cova e o cha;Nu so:re o cai ão, comose o morto, num vão dese o de di+nidade, não tivesse querido/icar com a ca:eça desco:erta durante o instante solene#O orador se dominou, o+ou a terra so:re o cai ão cui"dando ;ara que ela não ca*sse so:re o cha;Nu, como se a ca" :eça de 2asser se escondesse realmente so: ele# Em se+uida,estendeu a ;A ;ara a viVva# .im, eles teriam todos de :e:er atN o /im o cAlice da tentação# Todos teriam de viver aqueleterr*vel com:ate contra o riso# Todos, inclusive a es;osa e o/ilho que soluçava, teriam de ;e+ar a terra com a ;A e se incli"nar so:re a cova, onde havia um cai ão e, so:re o cai ão, umcha;Nu, como se 2asser, com sua vitalidade e seu otimisrrioindomAveis, quisesse ;Xr a ca:eça ;ara /ora#63

erca de vinte ;essoas estavam reunidas na villa de Bar" :ara# Todos estavam no +rande salão, sentados no divã, nas ;oltronas ou no chão# (o centro, no c*rculo de olhares dis"tra*dos, uma moça que, ao que ;arecia, vinha de uma cidadedo interior se a+itava e se contorcia de todas as maneiras ;oss*veis#

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o:ediente# Bar:ara, sem dei ar de :ei ar a mulher, descreveuum c*rculo no ar com a mão levantada# O homem com;reen"deu que eia um chamado que lhe era diri+ido, mas não sa:iase lhe ordenavam que /icasse ou que se a/astasse# O:servavacom uma atenção tensa a mão cu o movimento era cada ve

mais enNr+ico e im;aciente# Bar:ara terminou ;or a/astar seuslA:ios da :oca da mulher e e ;rimiu seu dese o em vo alta#O homem assentiu, desli ou novamente ;ara o chão e untou"se ;or trAs Y mulher, que estava a+ora ;resa entre ele e Bar:ara#" Todos n s somos os ;ersona+ens do sonho de Bar" :ara " disse Dan#" " concordou o careca# " Mas nunca dA muitocerto# Bar:ara N como um relo oeiro que tem de deslocar elemesmo os ;onteiros de seu rel +io#'ssim que conse+uiu mudar a ;osição do homem, Bar" :ara se desinteressou imediatamente da mulher que ela acA" :ava de :ei ar com ;ai ão# Levantou"se e a;ro imou"se de umcasal de amantes muito ovens encolhidos um contra o outro,com uma e ;ressão de an+Vstia, nVm canto do salão# Esta"vam a;enas semivestidos, e o ra;a es/orçava"se ;ara escon"der a moça com seu cor;o# omo /i+urantes numa cena de

;era que a:rem a :oca sem emitir um som e a+itam a:sur"damente as mãos ;ara criar a ilusão de uma conversa anima"da, eles ;enavam muito ;ara /a er crer que estavam totalmentea:sorvidos um ;elo outro, ;ois tudo o que queriam era ;as"sar des;erce:idos e /u+ir aos outros#Bar:ara não se dei ou en+anar ;ela mano:ra dos dois,a oelhou"se contra eles, acariciou"lhes um instante os ca:e"los e disse"lhes al+uma coisa# Em se+uida desa;areceu numa ;eça vi inha e voltou acom;anhada de trSs homens nus# 2Xs"se novamente de oelhos contra os dois amantes, ;e+ou nasmãos a ca:eça do ra;a e :ei ou"a# Os trSs homens nus, +uia"dos ;elas in unções mudas de seu olhar, inclinaram"se so:rea menina e lhe tiraram o resto das rou;as#" Fuando tudo tiver aca:ado, haverA uma reunião "disse o careca# " Bar:ara vai nos convocar a todos, nos /arA/ormar um semic*rculo ao redor dela, se ;ostarA diante de n s,colocarA os culos, analisarA o que /i emos de :om e de ruim,elo+iarA os alunos a;licados e distri:uirA censuras aos vadios#Os dois amantes t*midos dividiam /inalmente seus cor" ;os com os outros# Bar:ara dei ou"os e diri+iu"se aos dois ho"rriens# %iri+iu um sorriso :reve a Dan e a;ro imou"se do care"ca# Fuase no mesmo instante, Dan sentiu so:re a ;ele o con"tato delicado da ;rovinciana cu o des;imento dera o sinal de ;artida da noite# Ele disse consi+o que o +rande rel +io de Bar" :ara não /uncionava tão mal assim#' ;rovinciana ocu;ava"se dele com um elo /ervente, mas

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a todo instante ele dei ava os olhos desviarem"se ;ara o ou"tro lado da ;eça, em direção ao careca, cu o se o era tra:a"lhado ;ela mão de Bar:ara# Os dois casais estavam na mesmasituação# 's duas mulheres, o :usto inclinado, ocu;avam"se,com os mesmos +estos, da mesma coisaJ dir"se"ia que eram

ardineiras cuidadosas de:ruçadas so:re um canteiro de /lo"res# ada casal era a;enas a ima+em do outro re/letida numes;elho# Os olhares dos dois homens se cru aram e Dan viuque o cor;o do careca estremecia com o riso# E ;orque esta"vam mutuamente unidos, como estA uma coisa a seu re/le onum es;elho, um não ;odia estremecer sem que o outro es"tremecesse tam:Nm, Dan virou a ca:eça ;ara que a moça queo acariciava não se sentisse o/endida Mas sua ima+em re/le"tida o atra*a de maneira irresist*vel# Ele olhou novamente ;a"ra aquele lado e viu os olhos do careca es:u+alhados ;elo risocontido# Eles estavam unidos ;or uma corrente tele;Atica muito/orte# (ão somente cada um sa:ia o que o outro estava ;en"sando, mas sa:ia que ele sa:ia disso# Todas as com;araçõescom que eles haviam a+raciado Bar:ara al+uns momentos antesvoltavam"lhe Y mente, e eles desco:riam novas com;arações#Olhavam"se evitando Oolhar do outro, ;ois sa:iam que aquio riso seria um sacrilN+io tão +rande quanto na i+re a, quan"=C9 =C7do o ;adre eleva a h stia# Mas quando essa com;araçãolhes ;assou ;ela ca:eça, os dois s tiveram mais vontade de rir#Eles eram /racos demais# O riso era mais /orte# .eus cAr;oseram acometidos de irresist*veis so:ressaltos#Bar:ara olhou a ca:eça de seu ;arceiro# O careca haviaca;itulado e ria a valer# omo se adivinhasse onde estava acausa do mal, Bar:ara virou"se ;ara Dan# Dustamente nessemomento, a ;rovinciana lhe murmurava" O que N que estA acontecendo com vocS$ 2or queestA chorando$Mas Bar:ara A estava unto dele e di ia entre os dentes" (ão ;ense que vocS vai dar aqui o +ol;e do enterrode 2asser\" (ão /ique an+ada " disse DanJ ele ria e as lA+ri"mas corriam"lhe ;elas /aces#Ela lhe ;ediu ;ara sair#6C'ntes de ;artir ;ara a 'mNrica, Dan levou EdQi+e ao li"toral# Era uma ilha a:andonada onde havia a;enas al+umasminVsculas cidade inhas, ;astos onde ;astavam carneiros in"dolentes, e, um Vnico hotel numa ;raia cercada# Eles haviamalu+ado um quarto cada um#Ele :ateu Y sua ;orta# ' vo , que lhe che+ou do /undodo quarto, lhe disse ;ara entrar# 2rimeiro ele não viu nin+uNm#

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" Estou /a endo i i " +ritou ela do :anheiro, cu a ;orta estava entrea:erta#Ele conhecia isso de cor# Mesmo quando na casa dela ha"via um +rande nVmero de ;essoas reunidas, ela anunciava cal"mamente que ia /a er i i e /icava conversando atravNs da ;orta

entrea:erta do :anheiro# (ão era nem coquetismo nem im" ;udor# Muito ao contrArio era a a:olição a:soluta do coque"tismo e do im;udor#=>GEdQi+e não aceitava as tradições que ;esam so:re o ho"mem como um /ardo# Recusava"se a admitit# que um rosto nuN casto, mas um traseiro nu N im;udico# (ão sa:ia ;or queo l*quido sal+ado que ;in+a de nossos olhe "s tinha de ser deuma;oesia su:lime enquanto o liquido que e " "limos do ventretinha de suscitar a re;u+nZncia# Tudo isso lhe ;arecia idiota,arti/icial, insensato, e ela tratava essas convenções como uma+arota revoltada trata o re+ulamento intern: de um internatocat lico#.aindo do :anheiro, sorri` ;ara Dan A dei ou"se :ei ar nas duas /aces" )amos Y ;raia$Dan aceitou#" %ei e suas rou;as no meu quarto " "sse ela tiran"do o ;enhoar so: o qual estava nua#Dan sem;re achava um ;ouco ins lito des;ir"se na /ren"te dos outros e quase inve ava EdQi+e, que ia e vinha na suanude como num con/ortAvel rou;ão# Elame "strava"se atN mui"to mais natural nua do que vestida, como se " ao livrar"se desuas rou;as se livrasse ao mesmo tem;o de sua di/*cil condi"ção de mulher ;ara ser a;enas um ser humano sem caracteresse uais# omo se o se o estivesse nas rou; "s e a nude /osseum estado de neutralidade se ual#Os dois desceram a escada nus e se virqm na ;raia, onde+ru;os de ;essoas nuas descansavam, ;asseavam, se :anha"vam mães nuas com crianças nuas, av s nu ",s e seus netos nus,ra;a es e velhos nus# -avia uma enorme qhantidade de seios/emininos nas /ormas mais diversas, :onitos " menos :onitos,/eios, +randes, enru+ados, e Dan com;reenqeu com melanco"lia que ;erto dos seios ovens os velhos nto /icam mais o"vens, que ao contrArio, os ovens /icam mais<relhos e que untossão todos i+ualmente estranhos e insi+ni/i,antes#E mais uma ve ele /oi assaltado ;or quela va+a e mis"ter[osa idNia da /ronteira# Tinha a im;ress "o de se encontrar e atamente so:re a linha, de estar atraves,ando"a# E / i to"mado ;or uma estranha triste a e dessa trgJte a emer+ia, co"mo que de uma nNvoa, uma idNia mais estranha ainda era emmultidão e nus que os udeus iam ;ara as c*,maras de +As# Ele

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#6## #;C, " 6 ;o ;erdido# Mas, e ;ulso de seu ;a*sa; s sucessivas ;erse+ui "ões, a Vnica

sa*da encontrada ;elo escritor tchecoN o riso, o riso an+ustiado de todos osque :uscam a identidade que lhes /oirou:ada# E vamos encontrar o risonos elementos mais :anais do coti"dtano, constatando que o cXmico es"tA indissociavelmente li+ado ao trA+i"co e mesmo Y morte no enterro deum e ilado, o vento o+a um cha;Nudentro da covaJ num encontro de es"critores cNle:res, um adolescente dis"seca as a:surdas ra ões de seu ;ri"meiro /racasso amoroso# omo em' :rincadeira e ' insustentAvel leve"

a do ser, Kundera /a de /orma ad"mirAvel a articula "ão, muitas ve esi i * l t d ti i di id l