O Livro Tibetano Dos Mortos

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7/14/2019 O Livro Tibetano Dos Mortos http://slidepdf.com/reader/full/o-livro-tibetano-dos-mortos-5625331cd7835 1/135 o LIVRO TIBETANO DOS MORTOS Com pilação e coordenação W. Y.Evans- Wentz o Bardo Thõdol , apropriadamente intitulado por seu organizador , W. Y. Evans -Wentz: O l iv ro t ib et an o d os m ort os , pertence a essa catego- ria de escritos que não interessam apenas aos estudiosos do Budismo Mahayana, mas também e especialmente - pelo fato de possuir um pro- f un do h uma ni sm o e um a c om pr ee ns ão ai nd a ma is p ro fun da do s se gr ed os da psique humana - ao leitor comum que procura ampliar seus conheci- mentos da vida. Durante anos, desde que foi publicado pela primeira vez, o Bardo Thõdol t em s ido me u c om pan he iro co ns tan te e a e le d evo n ão a pe na s mu it as idéias e descobertas estimulantes, mas também muitos esclarecimentos fun- damentais. Ao contrário dO livro egípcio dos mortos, q ue s em pr e n os i nd uz a falar demais ou muito pouco, o Bardo Thõdo l nos oferece uma filosofia in te lig ív el , en de re ça da a s ere s h uma nos , m ai s do q ue a d eus es o u a s el va - gens primitivos. Sua filosofia contém a quintessência da crítica psicológica budista; nes s a qualidade, podemos realmente dizer que ele é de uma supe- rioridade sem par. ........................... ....................... . o l iv ro n ão é u m c er imo ni al f ún ebr e, ma s u m c on jun to d e i ns tr uçõ es para os mortos, um guia através dos cambiantes fenômenos do reino do Bardo, esse estado de existência que continua por 49 dias após a morte at é a próxima reencarnação. ......... ....................................... ............ . o Bardo Th õdol é , e ntã o, c on fo rme o bs er va i gu al me nt e o D r , Evans- Wentz, · um processo de iniciação cujo propósito é o de restaurar na alma a divindade que ela perdeu ao nascer. [ .. ' .] O livro descreve um caminho d e i ni ci açã o e m s en tid o in ve rs o, a q ua l, d if ere nt eme nt e d as e xpe ct ati va s escatológicas da Cristandade, prepara a alma para uma descida à existên- cia física. .... ...... . Esse tratado dos mortos é tão detalhado e tão adaptado às aparentes modificações na c o nd iç ão d o m or to q ue qu al que r l ei to r sé ri o v er -s e- â p ro - penso a perguntar se esses velhos sábios lamas não teriam, afinal de contas , apreendido algo da ' quarta dimensão e levantado o véu de um dos maiores segredos da vida . C. G. Jung  Comentário Psicológico EDITORA PENSAMENTO

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    o LIVRO TIBETANO DOS MORTOSCom pilao e coordenaoW. Y.Evans- Wentz

    o Bardo Thdol, apropriadamente intitulado por seu organizador,W. Y. Evans-Wentz: O livro tibetano dos mortos, pertence a essa catego-ria de escritos que no interessam apenas aos estudiosos do BudismoMahayana, mas tambm e especialmente - pelo fato de possuir um pro-fundo humanismo e uma compreenso ainda mais profunda dos segredosda psique humana - ao leitor comum que procura ampliar seus conheci-mentos da vida.

    Durante anos, desde que foi publicado pela primeira vez, o BardoThdol tem sido meu companheiro constante e a ele devo no apenas muitasidias e descobertas estimulantes, mas tambm muitos esclarecimentos fun-damentais. Ao contrrio dO livro egpcio dos mortos, que sempre nos induza falar demais ou muito pouco, o Bardo Thdol nos oferece uma filosofiainteligvel , endereada a seres humanos, mais do que a deuses ou a selva-gens primitivos. Sua filosofia contm a quintessncia da crtica psicolgicabudista; nessa qualidade, podemos realmente dizer que ele de uma supe-rioridade sem par................................................... .

    o l ivro no um cerimonial fnebre, mas um conjunto de instruespara os mortos, um guia atravs dos cambiantes fenmenos do reino doBardo, esse estado de existncia que continua por 49 dias aps a morte ata prxima reencarnao............................................................. .o Bardo Thdol , ento, conforme observa igualmente o Dr, Evans-Wentz, um processo de iniciao cujo propsito o de restaurar na almaa divindade que ela perdeu ao nascer. [ .. '.] O livro descreve um caminhode iniciao em sentido inverso, a qual, diferentemente das expectativasescatolgicas da Cristandade, prepara a alma para uma descida existn-cia fsica........... .Esse tratado dos mortos to detalhado e to adaptado s aparentesmodificaes na condio do morto que qualquer lei tor srio ver-se- pro-penso a perguntar se esses velhos sbios lamas no teriam, afinal de contas,apreendido algo da 'quarta dimenso e levantado o vu de um dos maioressegredos da vida.

    C. G. JungComentrio PsicolgicoEDITORA PENSAMENTO

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    Outras obras de interesse:o LIVRO EGIPCIODOS MORTPS,E . A . W a llis B ud geA REENCARNAO,Papus

    r MORTE ... E DEPOI~?,Anni e B e sa n tOS CICLOSDE REENCARNAO,Mona RolfeA REENCARNAO E A LEIDO CARMA,W. W. AtkinsonA RODA DA ETERNIDADE,Helen GreavesKARMA - A LEI UNIVERSAJ.,DA HARMONIA,Vtrginia Hansen. e RosemarieStewart (orgs.)A REENCARNAO NA BffiLIA,

    H erminio MirandoTANTRA NO TIBETE,Tsong-Ka-Pa

    \

    A TRANSIO CHAMADAMORTE,Charles Hampton

    Capa: ReprOduo deum f6l io domanuscrito do Bardo Thdol.

    )1II/

    o LIVRO TIBETANO DOS MORTOS

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    Livraria e DistribuidoraCATARINENSELtda.FONE 22.4766Rua Cons. Mafra,47 - CentroFlorianpolis - Santa Catarina

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    o L IV R O T IB ET AN OD O S M OR T O S

    ouExperincias Ps-morte no Plano do Bardo,segundo a verso do Lama Kazi Dawa-Samdup

    Compilao e CoordenaoW. Y. EVANS-WENTZEstudos Introdutriosc. G. JUNG

    LAMA ANAGARIKA GOVINDASIR JOHN WOODROFFEeW. Y. EVANS-WENTZ

    TraduoJESUALDO CORREIA GOMES DE OLIVElRA

    Reviso EstilisticaVICENTE CECHELERO

    ~EDITORA PENSAMENTO

    So Paulo

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    Edio Ano

    E M M E M R IA DEM EU S FA LE CID OS P AI E MEDEDICOE ST E L IV RO A OS M EU S M ES TR ESSECULARES E RELIG lOSOSD A E UR OP A E D A A MRICAE D E T OD O O O RIE NT E.

    Publicado originalmente em ingls com o ttulo de:The T ibetan Book of lhe Dead

    Copyright 1960 by W. Y. Evans-Wentz

    1-2-3-4-5-6-7 -8-9 85-86-87 -88-89-90-91-92-93Direitos reservadosEDITORA PENSAMENTORua Dr, Mrio Vicente, 374 - 0 4270 So Paulo, SP - Fone: 63-3141

    . .Impresso em nossas oficinas grficas .

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    Compreenders que esta a mais ti l das cincias, e que se adianta a todasas demais , poi s com ela se aprende a morre r. Saber que morre r , i sto comum atodos os homens; da mesma forma que no h homem que possa viver para sem-pre, tenha ele esperana ou confiana nisso, mas encontrars bem poucos que tmessa habil idade de aprender a morrer ... Eu te revelarei o mistrio dessa doutrina;a qua l mui to te benef ic ia r para o incio da sade espi ri tual e para uma estvelfundamentao de todas asvirtudes.Orologium Sapientiae.

    Contra a sua vontade ele morreu, porque no aprendeu a morrer. Aprendea morrer e aprenders a v iver , po is ningum aprender a viver se no houveraprendido a morrer. A Viagem de Todas as Viagens: Ensina oHomem a Morrer , Livro da Arte de Mo er.

    Tudo o que existe aqui, existe l; o que existe l, existe aqui. Aqueleque estranha o aqui, encontra morte aps morte.Isso s pode ser compreendido a travs da mente, e [ento J no havermais estranheza aqui. Aquele que estranha o aqui, vai de morte em morte.

    Katha-Upanishad, IV, 10-11.(Trad. inglesa de Swami Sharvananda.)

    SUMRIO

    PREFCIO (impresso de 1960)PREFCIO TERCEIRA EDIOPREFCIO SEGUNDA EDIOPREFCIO PRIMEIRA EDIOILUSTRAESCOMENTRIO PSICOLGICO (Dr. C. G. Jung)PREFCIO: A CrnNCIA DA MORTE (Sir John Woodroffe)INTRODUOI. A importncia do Bardo Thdol

    11. O simbolismoIII. O significado esotrico dos quarenta e nove dias do BardoIV. O significado esotrico ds cinco elementosV. Os ensinamentos de sabedoriaVI. As cerimnias fnebresVII. O Bardo ou estado ps-morteVIII. A psicologia das vises do BardoIX. OjuzoX. A doutrina do renascimentoXI. A cosmografiaXII. Resumo dos ensinamentos fundamentaisXIII. O manuscritoXIV. A origem do Bardo ThodolXV. A traduo e a edio (inglesas)

    XIXIIIXIXXXVXXIXXXXVLIX1256712202124

    274245464953

    LIVRO IO CHIKHAl BARDO E O CHONYID BARDOSEES INTRODUTRIASAS OBEDrnNCIASINTRODUOA transferncia do princpio de conscinciaA leitura deste ThodolAplicao prtica deste Thodol pelo oficiante

    595959606061

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    Parte Io BARDO DOS MOMENTOS DA MORTEINSTRUES SOBRE OS SINTOMAS DA MORTE, OU O PRIMEIROESTGIO DO CHIKHAI BARDO: A CLARA LUZ PRIMRIAVISTA NO MOMENTO DA MORTEINSTRUES SOBRE O SEGUNDO ESTGIO DO CHIKHAI BAR-DO: A CLARA LUZ SECUNDRIA VISTA IMEDIATAMENTEAPSAMORTE

    Parte 11O BARDO DA VIVeNCIA DA REALIDADEINSTRUES INTRODUTRIAS SOBRE A EXPERI~NCIA DAREAUDADE DURANTE O TERCEIRO ESTGIO DO BARDO,CHAMADO CHONY/D BARDO, QUANDO SURGEM APARIESKRMICASA AURORA DAS DIVINDADES PACFICAS, DO PRIMEIRO AOSTIMO DIA .Primeiro diaSegundo diaTerceiro dia

    Quarto diaQuinto diaSexto diaStimo diaA AURORA DAS DIVINDADES IRADAS, DO OITAVO AO DCIMOQUARTO DIAIntroduoOitavo diaNono diaDcimo diaDcimo primeiro diaDcimo segundo diaDcimo terceiro diaDcimo quarto dia

    CONCLUSO, MOSTRANDO A IMPORTNCIA FUNDAMENTALDOS ENSINAMENTOS DOBARDO

    LIVRO 1 1O S/DPA BARDOSEES INTRODUTRIASAS OBEDIeNCIASVERSOS INTRODUTRIOS

    62

    69

    71

    7474768688899297

    1 11 0 11 0 51 0 51 0 61 0 61 71 811

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    11 91 1 9119

    Parte IO MUNDO DO PS-MORTEO CORPO DO,BARDO: SEU NASCIMENTO E SUAS FACULDADES

    SOBRENATURAISCARACTERSTICAS DA EXIST~NCIA NO ESTADO INTERMEDI-RIOo nnzoA INFLOONCIA SOBREDETERMINANTE DO PENSAMENTOA AURORA DAS LUZES DOS SEIS LOKAS

    Parte 11O PROCESSO DO RENASCIMENTOO FECHAMENTO DA PORTA DO VENTREMtodo para impedir a entrada num ventrePrimeiro mtodo para fechar a porta do ventreSegundo mtodo para fechar a porta do ventreTerceiro mtodo para fechar a porta do ventreQuarto mtodo para fechar a porta do ventreQuinto mtodo para fechar a porta do ventreA ESCOLHA DA PORTA DO VENTRE

    Vises premonitrias do lugar de renascimentoProteo contra as frias atormentadorasESCOLHA ALTERNATIVA: NASCIMENTO SOBRENATURAL OUNASCIMENTO NO VENTRENascimento sobrenatural por transferncia a um reino paradisacoNascimento no ventre: retomo ao mundo humano

    CONCLUSO GERAL

    AP~NDICEI. INVOCAO DOS BUDAS E BODDIDSATTV AS11. O CAMINHO DOS BONS DESEJOS PARA SALVAR DAPERIGOSA PASSAGEM ESTREITA DO BARDOIII. OS VERSOS FUNDAMENTAIS DOS SEIS BARDOSIV. O CAMINHO DOS BONS DESEJOS QUE PROTEGEM DO

    TEMOR NO BARDOV. COLOFOADENDOS

    I. YOGA11. TANTRISMOIII. MANTRAS OU PALAVRAS DE PODER

    11 9

    123127129132

    1331 3 41 3 41351 3 51371381391 3 91411431 4 3144146

    1 5 0

    1511 5 31 5 515 8

    16162167

    . .

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    N.V .VI.VII.

    o GURU, O SHISHYA (OU CHELA) E AS INICIAESREALIDADEBUDISMO DO NORTE, DO SUL E CRISTIANISMOO JUZO CRISTO MEDIEVAL

    16 8169175179

    NDICE ANALTICO 18 3

    PREFCIOResumo do prefcio impresso de 1960.

    Que os vivos de fato procedem dos mortos, como Scrates intuitivamentepercebeu quando estava prestes a beber cicuta e sofrer a morte, o que este tratadoreza, no em virtude de tradio ou crena, mas sobre as bases slidas do inequ-voco testemunho de iogues que proclamam haver morrido e reent rado no ventrehumano conscientemente.Se este tratado, transmitido ao Ocidente pelos Sbios das Cordilheiras Neva-das, for como se pretende ser, ele indubitavelmente oferece orientao segura parao momento da morte e para o estado do ps-morte, atravs do qual todo serhumano inevitavelmente dever passar, e do qual bem poucos tm uma compreen-so clara. Ele , por conseguinte, de inestimvel valor.A explorao do homem, o Desconhecido, de uma maneira verdadeiramentecientfica e ygica, tal como este l ivro sugere, incomparavelmente mais impor-tante que a explorao do espao exter ior. Transportar-se no corpo fsico Lua,a Vnus ou a qualquer outra das esferas celestes acrescentar algo ao conhecimentohumano, mas apenas ao conhecimento de coisas transitrias. A meta fnal dohomem, ta l como os sbios aqui ensinam, a transcendncia sobre o transitrio.Atualmente, como aconteceu durante o Renasc imento europeu, quando asinfluncias orienta is inspira ram vrios tratados notvei s sobre a Arte de Morrer(aos quais sero feitas referncias mais adiante), h um inte resse cada vez maiorem se saber mais sobre a origem e o destino do homem. Conforme aconselhou-mecerta vez, quando de minha estadia em seu shram, o recentemente falecido GrandeMestre Bhagavn Sri Rmana Mahrsh, de Tiruvannamalai, no Sul da ndia; cada .

    um de ns deveria se perguntar:Quem ou o que sou eu? Por que estou aqui encarnado? A que estoudestinado? Por que h o nascimento e por que h a morte?Essas so as indagaes supremas para a humanidade; e, a qualquer tentativade respond-Ias, este livro oferece ajuda que, segundo o editor, tem sido universal-mente reconhecida, no apenas por representantes de vrias crenas, inclusivecatlicos e protestantes, mas tambm por cientistas. O Dr. C. G. Jung, eminentedecano dos psiclogos, reconheceu o valor nico deste livro e, em seu long~Comentrio Psicolgico ao mesmo, que reproduzimos mais adiante, diz a propo-sito: Durante anos, desde que foi publicado pela primeira vez [em 1927], oBardo Thodol tem sido meu companheiro constante, e a ele devo no apenasmuitas idias e descobertas estimulantes, mas tambm inmeros esclarecimentosfundamen tais.XI

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    Espero que o livro siga atendendo s expecta tivas de seu tradutor e editor, *proporcionando no apenas uma melhor compreenso entre o Oriente e o Ocidente,mas tambm corrigindo, especialmente no Ocidente, a falta de um Correto Conheci-mento no que tange ao problema supremo da humanidade: o problema do nasci-mento e da morte.O editor aproveita a oportunidade para agradecer queles que mais recente-mente expressaram seu apreo em relao a este livro, em revistas especializadas,em conferncias ou mesmo por carta, da mesma forma como agradece queles queo fizeram anteriormente. Graas a esses jornal istas, conferencistas e lei tores detodas as partes do mundo, este livro ficou marcado pelo sucesso que alcanou.Expressando meus melhores desejos a todos os que leram ou lero este livro,em particular os estudantes, o editor tem o alto privil gio de solic ita r aqui a suaateno para as significativas palavras cont idas nos ensinamentos de despedidade Milarepa, um dos mais queridos gurus tibetanos:Combina, num todo nico, a meta da aspirao, a meditao e a prtica,e atinge a Compreenso pela Experimentao.Considera como nica esta vida, a prxima e a que se interpe entre elas,no Bardo, e acostuma-te a elas como se fossem uma s.Com a aplicao prtica desses ens inamentos , ass im nos asseguram os gurus,o objetivo espiritual revelado por este livro se r alcanado, como o foi para Mila-repa. W. Y. E.-W.

    San Diego, Califmia,V er o d e 1 95 9.

    * A palavra editor usada neste livro no sentido que tem no ingls: o de organizador,comentador, compilador, preparador de um texto para publicao; no caso, W.Y.E.-W.XII - - XIII

    P R E F C I O T ER CE IR A E DI O

    com a conscincia da mais profunda gra tido que escrevo este Pre fcio.No haveria maior honra a ser demonstrada pelo Mundo Ocidental a este t ratadotibetano sobre a Cincia da Morte e do Renascimento do que aquela expressapelo mais ilustre psiclogo do Ocidente em seu Comen tr io Ps ico lg ico ao mesmo,publicado pela primeira vez na edio sua de Da s T ibe ta n is ch e To ten bu c h, peloRascher Verlag, Zurique , em 1938, e aqui apresentado em traduo [inglesa] in-dit a. E nenhuma outra exposio sobre o significado secreto dos ensinamentosdo Livro poderia ter sido escrita com maior inteligncia do que a apresentadano prefcio introdutrio em apenso, esc rito originalmente em ingls, pelo doutoLama Anagarika Govinda.O editor e todos os que leram este livro acham-se em dbito com ambos,o Dr. Jung e o Lama Govinda , por terem estes tornado possve l esta edio maiore mais rica, assim como com o SI. R. F. C. Hull, pela fie l t raduo do originalalemo que fez do Comentr io P s ic o l g ic o do DI. Jung. Nossos agradecimentostambm Fundao Bollingen, por permitir a publicao da verso inglesa doComentrio Psicolgico.Para cada membro da Famlia Humana Unida encarnada agora, aqui noplaneta Terra, este livro traz a maior de todas as grandes mensagens. Ele revelaaos povos do Ocidente uma Cincia da Morte e do Renascimento tal como somenteos povos do Oriente tm conhecido at hoje.Visto que toda a humanidade deve abandonar seus corpos carnai s e experi-menta r a morte, muit ssimo benfico que aprendam como encontr -Ia correta-mente quando esta se aproximar. O Lama Govinda expl ica, conforme diziam osantigos mist rios e os Upanishads 'dec laram, que o no-iluminado encontra umamorte aps a outra incessantemente.De acordo com o Avatra Kri shna, no Bhagavad-Git, somente os Despertosrecordam suas inmeras mortes e nascimentos. Buda es tabeleceu o mtodo iogue,pelo qual todos aqueles que duvidam desses ensinamentos relat ivos pluralidadede nascimentos e mortes podem tirar prova de veracidade, tal como Ele o fez,atravs da auto-realizao.O argumento do homem no-iluminado, que parte do pressuposto de que,j que no tem memria consciente de seus inmeros nascimentos e mortes, no podecrer na veracidade dos ens inamentos, cientificamente insustentvel. O alcanceda percepo sensoria l do homem comum, conforme pode ser demonstrado, estestreitamente circunscrito e extremamente limitado. H objetos e cores que ele

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    no pode ver, sons que no pode ouvir, odores que no pode cheirar, gostos queno pode degustar e sensaes que no pode sentir . E, para alm da sua conscinciado dia-a-dia, que ele assume como sua nica, h outras conscincias, das quaisos iogues e santos tm conhec imento e das qua is os psiclogos esto comeando aobter alguma compreenso, ainda que bem pequena. Conforme Lama Govindaexplica concisamente, existe um estado integral, numa conscincia potencialmenterealizvel, a memria de um passado esquecido, no qual cada um de ns, agoraencarnado, tem uma parte.Em seu Comentrio Psicolgico, O Dr. Jung nos faz ver que , embora Freudseja a primeira tenta tiva fei ta no Ocidente, no sentido de investiga r, como que apartir de baixo, isto , da esfera animal do inst into, o terri trio psquico que corres-ponde, no Lamasmo tnt rico, ao Sidpa Bardo , ou estado de reencarnao, ummedo bastante justificvel da meta fsica impediu-o de penetrar na esfera do'oculto '. Sob este aspecto, Freud foi tipicamente no-oriental e cerceado porsuas prprias e auto- impostas l imitaes. Porm, tais l imitaes auto- impostasda Cincia Ocidental, que so em larga medida idnticas quelas que a teologiaocidental se imps atravs da recusa de tomar em justa considerao o esotricona tradio crist, nem sempre conseguem deter a pesquisa psicolgica. O prprioDr. Jung foi , na verdade, bem mais alm dessas l imitaes de Freud, seu predeces-sor. Portanto, no possvel , afirma Jung, a psicologia freudiana chegar aqualquer resultado alm de uma avaliao essencialmente negativa do inconsciente ,onde se alojam, aparentemente imperecveis, como o prprio psiclogo de Zuriqueafirma, os registros completos do passado da humanidade. A uma concluso anlogaa essa da cincia ocidental chegou Lama Govinda, atravs da cincia oriental.O Dr. Jung relata que, entre os psicanalistas , h quem afirme ter inves tigadoat as recordaes de origem intra-uterina ; e que, sea psicanlise freudiana conse-guisse seguir o curso das chamadas experincias intra-uterinas mais remotas, elater ia cer tamente desembocado para l do Sidpa Bardo, e a seguir penetrado, a par tirda retaguarda, nos planos infer iores do Chonyid Bardo . Mas, 'segundo ele nos fazver, com o equipamento de nossos atuais conhecimentos biolgicos, tal aventurano poderia ser coroada de xito; ser ia necessria uma preparao filosf ica total-mente diferente daquela baseada nos pressupostos cientficos correntes. Entretanto,se essa viagem regressiva houvesse sido realizada com sucesso, ela teria indubitavel-mente conduzido postulao de uma existncia pr-uterina, uma verdadeira vidaBardo, caso se pudesse encont rar pelo menos algum vestgio de um suje ito dessaexperincia .Os psiclogos ocidentais, portanto, avanaram consideravelmente, em relaoa Freud, no estudo da vida psquica do homem. E avanaro ainda mais, quandoj no estiverem tolhidos pelo medo freudiano da metafsica quanto entradana rea do oculto. Esta lt ima observao encontra plena corroborao no seguintepronunciamento de Jung:Penso, ento, que podemos estabelecer como tal o fa to de que , com a ajudada psicanlise, a mente racionalsta ocidental foi impelida para aquilo que podera-mos chamar de neurot ismo do estado do Sidpa (ou renascimento), e, a, foi levadaa uma inevitvel para lisao pelo pressuposto acrti co segundo o qual tudo o que psiclogico subjetivo e pessoal. Mesmo assim, esse avano foi uma grande con-quista, posto que nos impossibilitou de dar mais um passo atrs em nossas vidasconscientes.XIV xv

    Portanto, de enorme importncia histrica o fato de que a profunda dou-trina da preexistncia e do renascimento - que tantos dos muitos iluminados detodas as pocas ensinaram como possvel de ser compreendida - est agora sendoob jeto de investigao pelos nossos c ient istas do Ocidente. E mui tos desses cien-tistas parecem estar se aproximando , nas t rilhas de seus progressos cientfi cos,daquele ponto em que - assim como sucedeu com outras descobertas entre osSbios da sia muito antes do aparecimento das c inc ias ocidenta is - o Ocidentee o Oriente parecem destinados a se encontrar em mtuo entendimento.

    Aparentemente, entretanto, antes que esse to desejado entendimento possaser alcanado, dever haver , conforme observa o Dr. Jung, um tipo de preparaofilosfca totalmente diferente daquele baseado nos atuais conhecimentos biol-gicos ocidentais . No pode acaso ocorrer que os psiclogos ocidentais ' 'herticos'' ,preparados para traar uma nova tri lha de pesquisas , eventualmente considereminadequados os mtodos das tcnicas psicolgicas da Yoga oriental , t ais como osreferidos no prefcio do Lama Govinda? Eu, pelo menos, creio que eles no osconsideraro. De acordo com tal viso, esse to propalado esforo de entendimentosuperior acerca da psique humana no ser obtido pelos inadequados mtodosfreudianos, atualmente em voga, de pscanalsar um indivduo, mas mediante ameditao e uma auto-anlise integradora, tal como os mestres iogues fazem eBuda prescreve. Ele acredita tambm que, atravs desse processo, a cincia ociden-tal e a oriental, finalmente, se concertaro.

    Ento, quando essa to esperada unio sehouver consumado, no haver maisdvidas , nem argumentos falazes, nem anatematizaes pouco sbias e no-cient-ficas do Conselho Eclesistico, dirigidas contra a suprema doutrina da preexistnciae do renascimento, sobre a qual o Bardo Tlzodo/ est assentado. Ento, no apenasPi tgoras, Pla to e Plotino, os cristos gnsti cos, Krishna e Buda sero v ingadospela defesa da doutrina, mas, igualmente , os hierofantes dos ant igos mist rios doEgito, Grcia, Roma e os druidas do mundo clt ico. E o homem ocidental desper-tar daquele torpor de ignorncia, que hipnotcarnente o tem conduzido a umaequivocada ortodoxia. Ele saudar com os olhos plenamente abertos a mensagemh muito negligenciada pelos Sbios Homens do Oriente.Conforme antecipei em meu primeiro trabalho importante, The Fairy-Faithin Celtic Countries, h 44 anos, o postulado do renascimento implica um desdo-bramento c ient fi co e a correo da concepo de Darwin acerca da lei da evolu-o. Apenas at ravessando o cic lo de morte e nascimento, conforme foi ensinadopor nossos venerados ancestrais - os druidas da Europa - h mais de 25 sculos,o homem atinge, na esfera psqu ica e espi ritua l, a perfe io a que est destinado,perfe io que todos os processos da vida e das coi sas vivas exibem no fim de seusciclos evolutivos, e da qual o homem se encontra atualmente to distanciado.Que esta terceira edio do primeiro volume da srie tibetana da Oxfordseja portadora das melhores aspiraes dos editores a todos os que a lerem - noapenas aos que habi tam no distante Tibete e Hindusto; mas tambm aos que vivem

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    no mundo ocidental. E que possamos a tender solene admoestao contida' nestelivro, no sentido de no desperdiarmos, nas coisas triviais des te mundo, a oportu-nidade suprema oferecida pelo nascimento, pois, caso contrrio, partiremos destavida, espiritualmente, de mo vazias.

    S an Di ego Califmia,Pscoa de 1955.

    XVI

    W . Y .E .-W .

    EM M EM R IA DE SRI K .R ISHNAlMuitasvidas, Arjuna, tu e eu vivemos;Eu me lembro de todas, mas tu no.

    Bhagavad-Git, IV , 5

    S UJE I O A O R EN AS C IM E NT OConfo rme fo r o desejo do homem, assim ser o seu destino. Porque assimcomo for o seu .desejo, assim ser a sua vontade; e conforme a sua vontade, assimsero os seus atos; assim como forem os seus atos, ass im ser ele recompensado,bem ou mal.Um homem age de acordo com os desejo s ao s quais se apega. Aps amorte, ele parte para o outro mundo, levando em sua mente as sutis impresses deseus atos; e, aps obter l o fruto de seus a tos, reto rna de novo a este mundo deao. Assim sendo, aquele que tem desejos continua sujei to aos renascimentos.

    Brihadaranyaka -Upanishad.

    L IBERTAO D O RENASC IMENTOAquele que carecer de dscernmento, cuja mente for instvel e cujocorao for impuro, no a lcanar jamai s a meta, e , sim, nascera repetidas vezes.Contudo, aquele que possu i discern imento, cuja men te est f irme e o coraopuro, este alcanar a meta, e , alcanando-a, no estar mais sujei to ao renasci-mento.

    Katha-Upanishad (t rad. inglesa de Swami Pra-bhavananda e de Frederick Manchester).

    XVII

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    P R E F C I O S EG UN DA E DI OA M EN SA GE M D ES T E L IV RO

    Quando esta segunda edio dO Livro Tibetano dos Mortos estava paraser publicada, seu editor viu-se convidado a explicar, por meio de um prefcioadicional, qual a mensagem essenc ial deste livro para povos to enamorados dout ili tari smo deste mundo da existnc ia f si ca e to atados sensualidade corporalcomo ospovos do Ocidente.A mensagem resume-se no fato de que a Arte de Morrer to importantequanto a Arte de Viver (ou de Chegar ao Nascimento), da qual o complementoe a soma; -e de que o futuro do ser depende, talvez inteiramente, de uma mortecorretamente controlada, conforme enfatiza a segunda parte deste livro, com aapresentao da Arte de Reencarnar.A Arte de Morrer - segundo indicada pelo rito de morte associado inicia-o nos mistrios da Ant igidade e referida por Apuleo,' filsofo platnico, elemesmo um iniciado, assim como por inmeros outros i lustres niciados .? e como

    1. Acerca des ta exper inc ia pr -mor te do morre r, presurnive lmente enquanto se estfo ra do corpo , Apuleio escreve, em suas Metamorphoses (XI, 23) : Cheguei prximo dosconfins da mor te . P ise i no l imia r deProse rpina [na regio da mor te ). Nasc i a travs de todososelementos, e retomei de novo Terra (cf. t rad. deH. E. Butler. Londres, Oxford, ClarendonPress, 1910).A arte de sair do corpo , ou de tr an sf er ir a conscincia do plano terrestre para o planodo ps-morte, ou para qualquer outro piano , ainda praticada no T ibete, onde conhecidacomo Pho-wa (ver W.Y. Evans-Wentz, Tibetan Yoga and Secret Doctr ines . Londres,OxfordUniversity Press, 1935, pp. 169-70, 246-76).2. Entre esses i lustres iniciados - que, em seus vrios escri tos existentes, fazem refern-cias semelhantes ao r ito da mor tede que t ra ta Apuleio, mas habitua lmente em l inguagem maisvelada que a des te - podemos mencionar squi lo , o c ri ador do tea tro grego; P ndaro, o poe tagrego; PIa to, dis cpulo de P it goras; P luta rco, o bigrafo grego; C cero, orador e homem deEstado romano; Plotino, o neoplatnico, e seus discpulos Porfrio e Jmblico. Ccero, regozi-jando-se com sua iluminao adquirida por iniciao, escreve: Ns, afinal, possumos razesdo porqu vivemos , e no s estam os vidos de viver , mas acalentamos uma melhor esperanana morte. (De Legibus, Il, 14; trad . de A. Moret, em seu Kings and Gods of Egypt. Nova Yorke Londres, 1912, p. 194.) No mesmo contexto, A. Moret afirma: O mesmo sentimento encontrado nos dizeres de um in iciado eleu sino : 'Veja - ~ um belo mistrio que nos vemdo Bem-aventurado; para os mor ta is, a morte no mais um mal, mas uma felicidade.' EPlutarco, em A Imorta lidade da Alma. refere-se 'mult ido das gentes que no so inici adase pur if ieadas e que se apinha no buraco de lama [da sensual idade J e sedebate nas t revas e ,port emor mor te , s e apega s suas desgraas , no confiando na fel ic idade do futuro' (op. cit.,p. 148 n. 111).

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    o Livro Egpcio dos Mortos sugere - parece ter sido bem mais conhecida entre osantigos povos que habitavam os pases medite rrneos do que o , hoje, pelos seusdescendentes na Europa e nas Amricas.Para aqueles que passa ram pela secreta experincia do morrer pr-morte,morrer corretamente iniciao, o que proporciona, como o faz o rito de morteinicitico, o poder de controlar conscientemente o processo da morte e da rege-nerao. Durante a Idade Mdia, e durante o Renascimento que a sucedeu, a Europaainda conservava bastante os ensinamentos do mistrio relativo morte, paraentender a suprema importncia de saber como morrer; inmeros tratados,referidos adiante, sobre a Arte de Morrer, e ram correntes na poca. Vrias Igre jasprimitivas do Cristian ismo, em espec ial a romana, a grega, a anglicana, a siraca,a arrn n ia, a copta, e out ras que datam da poca da Reforma, incorporaram sabia-mente em seus r ituais e observncias muitos princpios dessa Arte de Morre r pr -crist. Hoje , em seus esforos no sentido de ajudar a morre r, essas Igrejas se encon-tram em flagrante contras te, cultural e socio logicamente, em re lao cinciamdica limitada Terra, cincia que no tem nenhuma palavra orientadora queleve passagem para o outro plano, para o estado do ps-morte, mas sim, aocon trrio, aumenta mais do que resolve, a travs de suas pr ticas questionve is,os infundados temores e, freqentemente, a extrema relutncia em morrer dosseus pacientes moribundos, aos quais provavelmente prescrever drogas e injeesentorpecentes.Segundo ensina O Livro Tibe tano dos Mortos, aque le que est para morrerdever enfrenta r a morte no s lcida, ca lma e heroicamente, mas com o in telectocorretamente treinado e dir igido, transcendendo mentalmente, se for necessrio,os sofrimentos e enfermidades do corpo, como se tivesse podido praticar eficiente-mente durante sua vida ativa a Arte de Viver, e, prximo d morte, a Arte deMorrer. Quando Milarepa, o santo mestre da Yoga do Tibete, estava se preparandopara morrer, escolheu no apenas um lugar apropr iado, na Caverna de Bri lche, emChubar, no Tibete, mas tambm um estado interior de equilbrio mental que omantinha prximo do Nirvna vindouro. Cont rolando com firmeza o corpo, que,havendo sido envenenado por um inimigo, achava-se enfraquecido pela molstiae atacado pela dor, Milarepa deu asboas-vindas morte com canes, encarando-acomo natural e inevitvel. Aps se haver desincumbido de seus ensinamentostestamentrios finais e dado conse lhos aos seus discpulos reunidos, ele comps,de improviso, um hino notvel em grato louvor a seu guru Marpa, hino esse queainda se encontra em sua Biografia. Ento, quando Milarepa terminou de cantaro hino, entrou ele no calmo estado de samdhi e abandonou sua forma carnal.Ass im Milarepa morreu triunfalmente, como o fazem os santos e sbios de todasas crenas libertadoras em todas as pocas.fNo Ocidente, onde a Arte de Mor rer pouco conhecida e raramente prati-cada, h, pelo contrrio, a comum relutncia em morrer, a qual, conforme explicao ritual do Bardo, produz resultados desfavorveis.Tanto aqui como na Amrica, todo o esforo costuma ser feito, por meio de

    3. Ver W. Y. Evans-Wentz, Tibet Great Yogi M ilarepa. Londres, Oxford UniversityPrcss, 1928, pp. 244-304.

    uma cincia mdica materialisticamente inclinada, no sentido de postergar e,conseqentemente, interferir no processo da morte. Muito freqentemente, aomoribundo no permitido morrer em sua prpria casa, ou mesmo num estadode tranqilidade mental, mas colocam-no num hospital. Morrer num hospital,provavelmente sob o efeito de alguma droga entorpecente, ou tambm sob oestimulo de alguma droga injetada no corpo, que age no sentido de prolongar umdesejo de ir contra a morte, nada mais que sofrer uma morte indesejada, damesma maneira como indesejada a morte de um soldado atrs de uma trincheira.Da mesma forma que o resultado normal do processo do nascimento pode serabortado, assim tambm pode ocorrer com o processo da morte.Os sbios orientais acreditam que, a despeito dessas infel izes circuns tnciasque atualmente o acompanham na morte, o ocidental reconhecer, medidaque sua compreenso das coisas aumente, que neste imenso universo, cuja extensomede milhes de anos-luz, h o reino da infalvel Lei. O Ciclo da Necessidade,o Crculo da Existncia da ant iga crena drudica, as Rotinas de Vida e Morte,ele os reconhecer como universais, e que mundos e sis, assim como ele mesmoe todas as coisas vivas, retomam repetidamente ilusria forma da corporificao,e que cada uma dessas vrias mani festaes mediada por aquilo que os lamas doTibe te chamam de Bardo, estado que intervm entre a morte e o renascimento.Se as suges tivas observaes apresentadas neste novo prefcio , as quais soextradas das doutr inas contidas nos textos traduzidos deste l ivro, puderem ajudar,o mnimo que seja, a desperta r a ateno do Ocidente quanto ao extremo perigoao qual ele se tem inclinado, em grande medida devido a uma cincia mdicaignorante quanto Arte de Morre r, ento as preces dos lamas tero sido ouvidas,elas que esperam dissipar essas Trevas de Ignorncia que, conforme Buda percebeu,envolvem o mundo. Conforme ensinaram o Plenamente lluminado e todos osSupremos Guias da Humanidade , somen te atravs da Luz in terior da Sabedoria- a verdadeira luz, que ilumina todo homem que vem a este mundo? - que asTrevas da Ignorncia podero ser dissipadas.O Livro Egpcio dos Mortos, corretamente inti tulado, o Surgir do Dia,na ar te sagrada egpcia de sa ir desta vida para out ra, ou, na linguagem do faranicoEgito, o Per em Hrus . Da mesma forma, O Livro Tibetano dos Mortos, no originaltibetano, o Bardo Thaol, que significa Libertao pe la Audio no Plano doPs-morte , e que implica um mtodo iogue de chegar Libertao nirvnica,para alm do Ciclo do Nascimento e da Morte. Cada um desses dois l ivros sobre amorte incute, atravs de seu mtodo peculiar, uma Arte de Morrer e de Sair parauma Nova Vida, porm de maneira simblica e esotericamente mais profunda doque o faziam os tratados da Europa medieval crist sobre a Arte de Morrer, ent reos quais encontra-se o Ars Moriendi (Arte de Morre r), que pode ser tomado comotpico e ilustrativo dessa contrastante diferena.Ficou a fervorosa esperana do fa lecido Lama Kazi Dawa-Samdup, o tradutor,e dos outros ilustres lamas que dirigiram a pesquisa do edi tor - uma esperana queeste tambm - compartilha - no sentido de que, ajudado pelos ensinamentos do

    4. Cf.So Joo, 1,9.5. Cf. H.M.Tirard, TheBook of theDead. Londres, 1910, pp. 48-9.

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    Mistrio e pelas prprias verses cri sti anizadas de muitos de seus princpios, oOcidente possa reformular e praticar uma Arte de Morrer, assim como uma Artede Viver. Para os povos do Ocidente, assim como o foi para os iniciados da Anti-gidade e ainda o para os povos do Oriente, a transio do plano humano daconscincia para o do processo chamado morte pode e deve ser acompanhadade uma solene alegria. Finalmente, segundo declaram os mestres iogues, quandoa humanidade houver amadurecido e fortalecido espiritualmente, a morte servivida extaticamente, nesse estado conhecido pelos or ientais como samdhi. Atra-vs da correta prtica de uma fidedigna Arte de Morrer, a morte ter, ento, perdidoo seu sentido negativo e redundar em vitr ia.Este prefcio est sendo escri to durante a Pscoa, na Califrnia. Conformeo costume de tantas civilizaes passadas, tambm aqui hoje, do alto das colinas,com preces e alegres cantos, est sendo prestada reverncia ao novo sol que surgena aurora, em meio ao fresco e reluzente verdor das folhas renascentes e da fragn-cia das f lores no esplendor da primavera. Trata-se, na verdade, da contnua Ressur-reio, o devir para uma nova vida de coisas que haviam morrido; e, de maneirasemelhante, acontece com aqueles que adormeceram em Cristo para serem capazesde se levantarem de seus tmulos. Por sobre a superf cie da Me-terra, em pulsantesvibraes, radiante e vigoroso, corre o eterno Fluxo da Vida; e quem quer quetenha o poder de enxergar corretamente ver que, para os seres no-emancipados,a morte no seno o preldio, necessrio e verdadeiro, para a vida.

    W . Y . E .-W .S an D i ego , Califrnia,Pscoa de 1948.

    A C OR RE TA O RIE NT A O D O P EN SA ME NT O D O M OR IB UN DOTanto os budistas quanto os hindus acreditam que o derradeiro pensa-men to que ocor re no momento da morte determina o carter da prx ima encar-nao . Assim como o Bardo Thdol ensina, da mesma forma os ant igos sbiosda Inda en sinaram que o processo de pensamento de uma pessoa mor ibundadeveria ser corretamente orientado, de p referncia po r ela mesma, como se elahouvesse sido inici ada ou psiquicamente t re inada para encontrar a mor te , ou,

    em outras palavras, como se houvesse sido ensinada por um guru, amigo ouparente, na cincia da morte.Sri Krishna, no Bhagavad-Git (VIII, 6), d iz a Arjuna: Atinge-se qualquerestado [do ser] no qual se pensa por ltimo, quando , abandonado o co rpo, seestiver sempre absorto nesse pensamento.Nosso pensamento passado determinou o nosso estado presente, e o nossopensamento atual determinar o nosso estado futuro; poi s o homem aquilo queele pensa. Nas palavras do verso de abertura do Dhammapda: Tudo o f lue somos o resultado do que pensamos: est fundado nos nossos pensamentos, compostode pensamentos nossos.O mesmo ensinaram os sbios hebreus, segundo os Provrbios, XXIII, 7:O homem aquilo que e le pensa em seu corao.

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    P R EF C IO PR IM EIR A E DI O

    Neste livro, na medida do possvel, eu procuro suprimir minhas prpriasopinies e agir apenas como porta-voz de um sbio tibetano, de quem fui discpuloconfesso.Seu desejo era que eu tornasse conhecida a sua interpre tao dos mais al tosensinamentos lamaicos, e do sutil esoterismo subjacente no Bardo Thodol, deacordo com as ins trues que lhe haviam sido transmitidas, oral e individualmente,por seu guru-ermito em Buto, quando ele vivia a v ida de um jovem asceta . Sendoele prprio uma pessoa dotada de um considervel volume de conhecimentosocidenta is, deu-se ao grande trabalho de ajudar-me a reproduz ir idias orienta isde maneira a torn-Ias compreensveis mente europia. Se, para efeito de enrique-cimento, me refer i f reqentemente a paralelos ocidentais de vr ias correntes ms-t icas e ocultas no Oriente, eu o fiz la rgamente porque em minhas andanas por l,principalmente nos altos Himalaias e nas fronteiras tibetanas de Cachemira, Garhwale Sikkim, me deparei por acaso com sbios f ilsofos e homens santos que encontra-ram ou acredi tavam ter encon trado crenas e prti cas religiosas - algumas regi s-tradas em livros, outras preservadas apenas pela tradio oral - no apenas anlogass de les mesmos, mas tambm to semelhantes s ocidenta is que se suspe ita haveralguma conexo his trica entre elas. Se a suposta inf luncia passou do Oriente parao Ocidente ou do Ocidente para o Oriente, isto eles no sabem com clareza. Umacerta similaridade, contudo, parece ter a ver com a cultura dessas regies geogra fi-camente afastadas.Dediquei, portanto, cinco anos a essa pesquisa, viajando do litoral do Ceilo,com suas palmeiras , atravs da maravilhosa terra dos hindus, at as glidas Cordi-lheiras do Himalaia, procura dos sbios do Oriente. Vivi por vezes nas cidades,outras vezes nas solides das f lorestas e montanhas, em meio aos iogues; s vezesem mosteiros, com os monges; s vezes fui em peregrinaes, como algum damultido que busca a redeno. A Introduo - a qual, na sua incomum extenso,pre tende serv ir como um coment rio bastante necessrio traduo - e as notasao texto so o testemunho dos resultados mais importantes dessa pesquisa, maisespecialmente em relao ao Budismo do Norte ou Mahyana.Entretanto, fui em verdade apenas pouco mais que o compilador e editordO Livro Tibetano dos Mortos. Ao fa lecido tradutor - que combinava em si umconhecimento das cincias ocultas do Tibete e das cincias ocidentais maior quequalquer outro sbio tibetano da poca - cabe , evidentemente, o principal crditodeste trabalho.

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    Alm disso, no maior de todos os dbitos que o estudante sempre tem paracom o seu preceptor, reconheo minha dvida a cada um dos vrios e bons amigose auxiliares que me ajudaram pessoalmente neste trabalho. Alguns deles pertencema determinadas crenas, outros a outras; alguns so de longe, do Japo, da China;outros so de minha terra natal, a Amrica; muitos vivem no Ceilo e na India,uns poucos no Tibete.Aqui na Inglaterra, penso em primeiro lugar no Dr. R. R. Marett, professorde Antropologia Social na Universidade de Oxford e Fe/low do Exeter College, oqual, desde minha primei ra chegada a Oxford, em 1907, tem orientado fielmenteminhas pesquisas antropolgicas. Sir John Woodroffe, ex-juiz da Suprema Corte,em Calcut, atualmente professor de Di rei to Indiano na Universidade de Oxford,e a maior autoridade ocidental em matria de Tantras, leu do comeo ao fim anossa traduo, principalmente o aspecto da obra enquanto um ritual mais oumenos tn trico, e ofereceu importantes conselhos. Sou-lhe mui to grato tambmpelo Prefcio.A Sj. Atal Bihari Ghosh, de Calcut, sec ret rio co-honorro de Sir JohnWoodroffe do gamnusandhna Samiti, assim como a Sir E . Denison Ross, diretorda Escola de Estudos Orientais da London Institution e ao Dr. F. W. Thomas,bibliotecrio do India Office, de Londres - a todos estes sinto-me grato por todasas crticas construtivas sobre o livro como um todo. Ao Major W. L. CampbelI,representante poltico britnico no Tibete, em Buto e em Sikkim, durante minhaestada em Gangtok, pelo seu grande estmulo e erudita ajuda, ass im como peladoao de duas val iosas telas preparadas por sua ordem no moste iro principal deGyantse, no Tibete, para i lustra r o simboli smo do texto do Bardo Thodol : Ao seupredecessor, assim como ao seu sucessor naquele mesmo posto, Si r Charles Bel I,encontro-me tambm em dbito por seus importantes conselhos no incio deminhas pesquisas, em Darjeeling. A Mr. E. S. Bouchie r, M. A. (Univ. de Oxford),F. R. Hist. S., autor de Syr ia asa Roman Province, A Short His tory of Antioch, etc.,os meus mais sinceros agradecimentos pe la assistncia que to amave lmente meproporcionaram com a lei tura de todo este livro, quando a inda estava em provas.A Sardar Bahadur S. W. Laden La, chefe de polcia de Darjeeling, que meenviou a Gangtok com uma carta de recomendao ao Lama Kazi Dawa-Samdup,o tradutor do Bardo Thodol; ao Dr. Johan van Manen, secretr io da Asiat ic Society,de Calcut, que me emprestou livros t ibetanos que foram de grande ajuda enquantoa traduo tomava forma e foi quem, posteriormente, contr ibuiria com observaesquanto traduo; e ao Dr. Cassius A. Pereira, de Colombo, Ceilo, que criticoupartes da Introduo sob a luz do Budismo Theravda - a todos estes devo tambmos meus agradecimentos.Assim, sob os melhores auspcios, este livro est sendo enviado ao mundo,com a esperana de que possa contribuir com algo soma total do Corre to Conhe-cimento, e servir como mais um elo espiritual na cadeia da boa vontade e da pazuniversal, unindo o Ocidente e o Oriente em mtuo respeito e compreenso, e comtal amor que ultrapasse a barreira de credos, castas e raas. W. Y. E.-W.Jesus College, Oxford,Pscoade 1927.

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    I. RENNCIAAlja-te das paixes da vida, das vaidades,Da ignorncia e da loucura da dis trao;Rompe asamarras; sassim acabars um diaCom o Mal. Livra-te da Cadeia do nascimentoE morte, pois sabes o que eles significam.Assim, l iberta-te do desejo, nesta vida na terra,E i rsem teu caminho calmo e sereno.

    Buda, Salmos dos Primeiros Budistas, I, LVI(trad. inglesa de Mrs. Rhys Davids).

    1 1 V TRMas a angs ti a tomou conta de mim, a t de mim,Enquanto eu meditava em minha pequena cela:Aide mim . Como pude entrar neste mau caminhoSob o poder da Ansiedade me perdiCur ta a vida que a inda me cabe viver ;A velhice, as doenas ameaam assolar-me.Em breve este corpo perecer e se dissolver;Hei de ser ligeiro; poi s no tenho tempo a perder.E, contemplando como elesrealmente so,Os Agregados da Vida, que vm e que vo,Ergui -rne e fiquei com a mente emancipadaPara mim, as palavras de Buda haviam acontecido.

    Mittakali, um brmane Bhikkhuni,Salmos dos Primeiros Budistas, I, XLIII(trad. inglesa de Mrs. Rhys Davids).

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    I L U S T R A E S

    I. A EF(GIE DO MORTO P.iSReproduo (lig eir amente reduzida) de uma cp ia de um papel Chang-ku tibetanoimpresso.

    11 . O TRADUTOR E O EDITOR Prancha p.77Detalhe de uma fotogra fi a do t radutor com o edi tor, em indument ri as t ibetanas, toma-daem Gangtok, S ikkim, no ano de 1919.

    I II . FLlOS 35A E 67A DOMANUSCRITO DOBARDO THODOL Prancha 2 p.78Uma reproduo fotogrfica (cerca de dois teros do tamanho original). As iluminuras,no original, so em cores (agora bastante descoradas), pintadas nos flios (cf. p. 46 et aI.)A pintu ra de flio de cima ilustra, com as co res, emblemas, e a orien tao em estritaconcordncia com as t radies da art e monst ica t ibetana, a descr io contida no texto dasmandalas unidas, ou conclaves divinos , das Divindades Pac f icas do Primeiro ao Sexto Diado Bardo que descem reunidas num nico conclave no Sexto Dia (cf. pp. 92-7). No crculocentral (Centro) encontra-se o Dhyni Buda Vai rochana, abraado sua shakti, ou esposadivina, a Me do Espao Inf in ito. No c rculo seguinte , cada qua l abraado iguaimente suashakti, encontram-se os Qua tro Dhyni Budas, os qua is , com Vai rochana, const ituem a manodala dos Cinco Dhyni Budas. No crculo mais externo esto os tpicos Boddhisat tvas e outrasdivindades que acompanham os Cinco Dhyanj Budas (cf. pp. 92-4 ); e nos quatro pequenoscrculos externos as quatro fmeas Guardis da Porta do conc1ave completo (cf. p. 93).A pintura do fl io infer ior i lust ra , da mesma manei ra , em cores, emblemas e ori entaoas mandalas unidas das Divindades Furiosas do Oitavo ao Dcimo Quarto Dia, as quais descem

    reunidas num conclave completo no Dcimo Quarto Dia (cf. pp. 110-12). No desenho crucifor-me do cen tro, encon tram-se o s Herukas de trs c abeas de Buda - Vajra, Ratna, Padma e aOrdem do Karma - cada um com a sua shakti, que descem, mandala aps mandala, do Oitavoao Dcimo Segundo Dia (cf. pp. 105-08). O crculo externo mostra representaes das vriasdivindades com cabea de animais , as qua is descem nos Dc imo Terce iro e Dc imo QuartoDias (cf. pp. 108-10). Nos quatro pequenos crculos externos encontram-se as Quatro Yoginisda Por ta (cf . pp. 111).A t raduo do texto dos flios est indicada por marcaes espec ia is (ba rras ver ti ca is)nas pginas 93 e 110..IV. A GRANDE MANDALA DAS DIVINDADES PAcfFICAS Prancha 3 p.79

    Esta e a ilustrao ao lado (nmero V) so reprodues fotogrficas (cerca de um quartodo tamanho original ) de duas pinturas em cor , em espesso tec ido de a lgodo, fei ta no mostei roXXIX

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    principal de Gyantse, Tibete, e sob as instrues do Major W. L. Campbe11, a fim de ilustrar anossa traduo do Bardo Thodol (veja pre fcio p. XXVI). As cores, emblemas e ori entaes,como nas iluminuras dos dois manuscritos descritos acima, esto de acordo com as estritasconvenes da arte rel igiosa do Tibete. As correlaes, tambm, entre o tex to e as d ivindadespintadas, conforme ficou expresso na desc ri o das duas i luminuras do manuscrito, so igual-mente aplicveis a estas duas pinturas mais elaboradas.O mais interno dos crcu los (representando o Centro da orientao) apresenta: aocentro, Vairochana (branco) e sua shakti, no trono- leo (cf . pp. 74-5) ; ac ima, Samanta-Bhadra(azul) e sua shakti; no crculo inferior esquerda, Chenrazee (acima), Manjuslui (embaixo, esquerda), Vajra-Pani (embaixo, direi ta); no crculo inferior direit a, Tson Khapa, umfamoso guru t ibetano (acima), e seus do is pr incipais shishyas (ou discpulos), Gendundub(embaixo, esquerda) e Gy1tshabje (embaixo, direita).No crculo in ferior (Leste) : no cen tro Vajra-Sattva (azul), o reflexo de Akshobhya esua shakti, no t rono-elefante; Pushpa (acima); Lsy (embaixo); e Boddhisat tvas ( esquerdae direita). (Cf. pp . 76 e 85 .)Crculo esquerdo (Sul) : no centro, Ratna-Sambhava (amarelo) e sua shakti. no trono-cavalo: Dhpa (ac ima) ; Mi (embaixo) ; e Boddhisat tvas (s esquerda e direi ta). (Cf. pp.86-7.) Crcu lo superior (Oeste): no centro , Amitabha (vermelho) e sua shakti, no t rono-pavo; loka (ac ima) ; Git (abaixo); Boddhisattvas ( esquerda e direita). (Cf . p . 88 .)C rculo direi to (Norte) : no centro, Amogha-Siddh (verde) e sua shakti no t rono-harpia; Naidevya (acima); Gandha (embaixo); Boddhisat tvas ( esquerda e direita). (Cf,pp.90-1.)Ocupando os qua tro cantos do grande c rculo , encontram-se os qua tro-principais Guar-dies da Porta (cf. p.93) da manda/a, cada par num lato aureolado de fogo como trono:acima, esquerda, Yamantaka (amarelo) e sua shakti, os Guardies da Po rta do Sul; acima direita, Hayagriva (vermelho) e sua shakti, os Guardies da Por ta do Oeste; embaixo direita,

    Arnri t-Dhra (branco) e sua shakti, os Guardies da Por ta do Norte; embaixo esquerda,Vijaya (verde) e sua shakti, os Guardies da Por ta do Les te . Embaixo, no centro, Padma Sam-bhava, o Grande Guru Humano da doutr ina do Bardo Thdol, em trajes reais e com o toucadodos pnditas , segurando, mo esquerda, uma caveira com sangue, s mbolo de renncia da vida,e, direita, um dorje, smbolo de domnio da vida.A seus ps encontram-se as ddivas: (1) o Tri-Ratna ou Trs Tesouros da Doutr inaBudista, (2 ) um par de pr esas de elef ante, e (3) um ramo de coral vermelho. direita doGuru est o Buda do Loka (ou Mundo) Humano (em amare lo), Shakya Muni, segurando umbculo bhikkhu e lima tigela de pedinte; direi ta o Buda do Loka dos Brutos (azul), segurandoum liv ro que simbo liza a linguagem e a exp resso, ou sabedor ia d iv ina, da qual car ecem ascriaturas brutas.Nos quatro cantos encon tram-se o s outros quatro Budas dos Seis Lokas ( cf. p. 94 ):acima, esquerda, o Buda do Deva-loka (branco) segurando um violo, simbolizando com istoa maest ri a nas a rtes e cincias e a harmonia da existncia no mundo dos devas (divindades);acima, direita, o Buda do Asura-loka ou mundo dos demnios ( verde), que segura umaespada, s imbolizando a natureza guerreira dos asuras; embaixo, esquerda, o Buda d Preta-

    loka (vermelho), segu rando uma caixa com todos os ob jetos que satisfazem os anseias dospretas; embaixo, dir eita, o Buda do Inf erno (de co r enfumaada), segu rando o fogo paraa destruio e a gua para a purificao.Entre outros adornos acrescentados pelo artista, encontra-se um espelho sagrado (sim-bolizando a forma ou co rpo que ele reflete) pr ximo s rvores, esquerda, assim como umaconcha sagrada, que a trombeta da vitria, simbolizando a vitria sobre o Sangsra (smbolodo som); e entre os dois Budas de baixo, nas duas cavernas, os iogues ou homens sagrados,na floresta virgem tibetana.No alto, ao centro, dominando toda a mandala, o Buda Amitbha (vermelho) sobre

    Um lato aureolado, e no trono lunar, segu rando uma tigela de pedinte, com latos e a Lua(branco), esquerda e la tos e o Sol, direita.XXX

    V. A GRANDE MANDALA DAS DIVINDADES IRADAS EDETENTORAS DO CONHECIMENTO Prancha 4 p 8Na parte mais interna do crculo: acima, no centro, Sarnanta-Bhadra (azul) e sua shakti,com aspecto irado; mais abaixo, no centro (Centro), o Buda Heruka (marrom escuro) e suashakti (cf. p. 105); mais aba ixo esquerda (Leste), o Vajra Heruka (azul escuro) e sua shakti(cf. p. 106); mais acima esquerda (Sul), o Ratna Heruka (amarelo) e sua shakti (cf. pp.106-07); na par te super ior direi ta (Oeste), o Padma Heruka (marrorn-avermelhado) e suashakti (cf. p. 107); mais abaixo, direita (Norte), o Karma Heruka (verde escuro) e suashakti (cf. P: 107). Cada par dessas divindades se encontra sob re um lato e no tr ono solar,aureoladas por chamas de sabedoria e mantendo sob os ps seres mr (is to , seres humanos,cuja existncia, sendo pur amente fenomenal ou krmica, i luso ou mizy), simbolizando asubjugao da existncia sangsrica (mundana). Embaixo esto as ofe rt as dos c inco sentidossangsaricos, simbolizadas por: (1 ) dois 0111OS,( 2) duas or elhas, (3) uma lngua, (4) umcorao (no centro) e (5) um nariz (acima do cor ao); tambm de tr s caveiras humanascheias de sangue, sustentadas por outras pequenas caveiras, todas simbolizando a renncia domundo.Segundo crculo: asOito Kerimas (cf. p. 109).Terceiro crculo: as Oito Htamenrnas (cf. p . 109) e asQua tro Fmeas Guardis daPor ta(cf . pp. 110-11). No mais externo dos cr culos: as Vin te e Oito Podero sas Div indades deVr ias Cabeas (cf. p.ll1); quatro das quais so as Quatro Yoginis da Porta (cf. p.111). Embaixo, no centro (Cent ro), encontra-s e a Divindade Detentora do Conhecimento,o Senhor do Loto da Dana (vermelho, para as cinco co res do texto ) e sua shakti. Nos quatrocantos, suas quatro divindades acompanhantes: embaixo, esquerda (Leste) , o Detentordo Conhecimento Habitan te da Terr a (br anco) e sua shakti; mais acima, esquerda (Sul), oDetentor do Conhecimento Com Poder Sobre a Durao da Vida (amarelo) e sua shakti; mais

    acima, direi ta (Oeste), a Divindade Detentora do Conhecimento do Grande Smbolo (verme-lho ) e sua shakti; mais abaixo, direi ta (Norte), o Detentor do Conhecimento Autodesenvol-vido (verde) e sua shakti. Cada casal de divindades desta mandala, que assoma como interme-di ri a (entre as mandalas das Divindades Pacficas e as manda/as das Divindades Iradas) noStimo Dia (cf. pp. 97-8), pos sui aspec to pac f ico, sobre um loto no t rono lunar , rea li zandouma dana mstica, tntrica.No alto, ao centro, presidindo o conjunto maior da manda/a, encontra-se Samanta-Bhadra (azul-escuro) , o Buda-di e sua shakti (branco), de aspec to pac f ico, sobre um loto eno trono lunar, aur eo lado nas cores do arco-ris, com latos e a Lua (branco) sua direi ta, elatos e o Sol (ouro) esquerda.vi . o n n z o P ra nc ha S p 81

    Reproduo fotogrfica ( cerca de um quarto do tamanho o riginal) de uma pin tura mo-nstica em cores, sobre espesso tecido de a lgodo, feito sob instrues do editor, em Gangtok,Sikkirn, por um artista t ibetano, Lharipa-Pernpa-Tendup-La, para i lustrar o Juizo (vide p. 26).Ocupando a posio central est o Dharrna-Rja, o Rei da Verdade, ou Adminis tradorda Verdade e da Justia, t ambm chamado de Yama-Rja, Rei e Juiz dos Mortos. Ele oaspecto irado de Chenrazee, o Protetor Divino Nacional do Tibete. sua testa est o terceiroolho do discernimento espiritual. E le seencont ra envol to em chamas de sabedor ia , num t ronosolar apoiado sobre um trono-lato, mantendo sob os ps um ser mar, smbolo da naturezam y (is to , i lusria) da exi st ncia humana. Seu toucado adornado com cavei ras humanase uma serpente lhe serve de colar . Sua colei ra uma pele humana cuja cabea assoma dapart ede trs de seu lado d ireito, enquanto um p e uma mo pendem junto ao seupe ito. Uma guir-landa de cabeas humanas envolve-lhe os quadris. Seu pavilho e as paredes de sua Cor te estoadornadas com caveiras, smbolos de morte. Sua espada a espada do poder esp iritual. Oespelho em sua mo esquerda o Espelho do karma, no qual so refletidos todos osatos, bonse maus (cf. p. 127), de cada um dos mor tos que esto sendo julgados, um aps o outro. Noespelho encontra-se a inscrio em tibetano ; Hri , o bij ou principal mantra de Chenrazee.XXXI

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    Na frente do Dharma-Rja encontra-se o Cabea-de-Macaco , Sp rehu-gochan (emtibetano, Spre.hu.mgochan), tambm chamado Shinje (cf. p. 24), o qual segura os pratosda balana, num dos quais est um monte de seixos negros, que representam as ms aese no outro, seixos brancos, simbolizando as boas aes. A esquerda de Shinje acha-se o Pe-q~eno Deus Branco, despejando um saco de seixos brancos; do outro lado, o Pequeno DeusNegro, esvaziando um saco de seixos negros (cf . p . 127).Guardando a pesagem esto o Cabea-de-Touro, Wang-gochan ( em tibetano, Glang-mgochan), segurando out ro espelho do karma, e o Cabea-de-Serpente, Dul-gochan (emtibetano, Sbrnl-mgochan), com um ltego e um lao.Uma divindade amar ela, direita do Dharma-Rja, segurando uma tbua de escrevere uma p.luma, e uma divindade marrom, esquerda, segurando uma espada e um lao, so osdois Advogados. O advogado amarelo o defensor e o marrom o advogado de acusao.Seis divindades - cinco das quais tm cabeas de an imais - sentadas na Corte do Juizo, trsde cada lado, como um jri de juzes subordinados, supervisionam os processos a fim de asse-gurar regularidade e just ia imparcial (cf. pp. 24-5). A primeira delas, acima direi ta , segura oespelho do karma e uma tigela-caveira de sangue; a segunda, uma lana e uma cavei ra che ia desangue; a terce ira, um lao. A primeira, acima esquerda, s egura uma lana e uma cavei ra desangue; a segunda, um pequeno vaso de f lores em suamo direit a; e a terce ira, um dorje e umacaveira de sangue.Junto ao por to da esquerda e da direit a acha-se uma das fr ias vingadoras que age comosentinela. H dez tibetanos no ptio da Corte aguardando julgamento. Aquele com uma peacnica (em vermelho ) na cabea um lama de go rro vermelho; o out ro , com uma pea redonda(em amare lo) na cabea um representante do governo. Osdemais so pessoas comuns. Ostrsportes, atravs dos qua is os condenados en tram no Inf erno , abaixo , so guardados por trs.porteiros com cabeas de animais, cada qual segurando um lao.Par tindo da Cor te , de cada lado do Juiz, est o os Sei sCaminhos krmicos que conduzemos Sei s Budas dos Seis Lokas nos quais o s caminhos terminam; cada caminho de cada Budaest pintado em. cor prpria (cf. p. 96 e ilustrao IV.) Ao longo dos caminhos esto dozedos mortos r ecm-julgados. O que se encon tra mais ao alto, esquerda, no caminho de luzbranca que d acesso ao Buda do Deva-loka, um lama de gorro amarelo; prximo a eleest um representante do governo, no caminho de luz amarela que d acesso ao Buda do LokaHumano; na parte mais alta, direita, no caminho de luz verde que d acesso ao Buda doAsura-loka, est um lama de gorro vermelho.No Mundo In ferior, na parte inferior da pintura, esto representadas as punies t picasem vrios Infernos; nenhuma delas, contudo, eterna. A esquerda, no canto super ior, doi specadores esto imersos numa regio glacial, representando-se, ali, os Oito .Infernos Frios.Prximo margem da pintura, do lado oposto, um pecado r em meio s chamas simbolizaos Oito Infernos Quentes. Qua lquer um dos dez a tos profanos, comet idos del iberadamentee por mot ivos egostas, leva purgao nos Infernos Frios. Qua lquer um desses mesmos atoscometidos com dio conduz purgao nos Infernos Quentes.Logo abaixo dos Infernos Fr ios acha-se o In ferno da rvore Espinhosa ou Montede Espinhos (em t ibetano: Shal-ma-li), no qual um malfeitor foi esquartejado e seus pedaosafixados nos espinhos. Ao lado dele, a cargo de uma fria infernal, est a Casa de Ferro semPortas (em tibetano Lachags-khang-sgo-med). Prximo a ela encontram-se qua tro lamas,mantidos sob o peso das montanhas de um enorme livro sagrado tibetano; eles esto sendopunidos po r se haverem, na vida terrena, apres sado e omi tido pas sagens na lei tura de textossagrados. O t ri ngulo no qual um malfeitor est p reso simbo liza o terr vel I nferno Avitcl,no qua l a culpa por um pecado abominvel, tal como o uso de bruxar ias para destruir inimigosou falhas deliberadas na prtica de rituais tntricos, sofre punio du rante um perodo detempo imensurvel. Prximo ao tringulo, uma fria infernal est derramando colheradasde metal fervente sobre uma mu lher condenada por prostituio. A pessoa prxima a ela,curvada sob o peso de uma pesada pedra amarrada s suas costas, est sendo punida dessaforma por haver matado pequenos animais domsticos, como vermes ou out ros insetos. Opecador que est sendo segurado por uma fria infernal e estendido sobre um tabuleirode ferro com cravos, enquanto que outro se prepara para cor t-lo em pedaos (cf. p. 127)- esse pecador culpado por um dos dez atos herticos. Da mesma forma o foi a mulherque est em vias de ser cortada verticalmente em duas metades; seu pecado foi um assassinato.XXXII

    Como no Inferno de Dante, outros pecadores, incapazes, conforme o nosso texto explica, ouque sucumbem ao processo (cf. p. 127) , esto sendo cozidos num caldeiro de metal no cantoesquerdo, mais abaixo, no quadro. Trs figuras infernais (uma marrom, uma amarela e outraazul, no original) so vistas segurando os laos com que arrastam devida punio trs peca-dores que acabaram de ser lanados ao Inferno.Na parte mais alta do quadro, no centro, num loto aureolado e, sobre o trono lunar,com a Lua (branco) sua direita e o Sol (ouro) esquerda, presidindo tudo, est o Dorje Chang(azul), o Guru Divino da Escola do Chapu Vermelho de Padma-Sambhava; ele , pois, consi-derado a Fonte Espiritual e Eterna de onde continuam a emanar, como nos tempos do BudaShakya Muni, todas as doutrinas csotricas que formam o Bardo Thodol, as quais so referidass pginas 102 e 103 da presente traduo.

    S M B O L O S

    1. A RODA INDIANA DA LEI (DHARMACHAKRA) Lmina 6 p.82De motivos esculpidos nos P icos de Sanchi, datado de cerca de 500 a. C. a 100 d. C.

    2. O DORJE CRUZADO LAMAICO Lmina 6 p.82Smbolo de equilbrio, imutabilidade e poder onipresente (cf . pp. 43, 90 n.105).

    3. A RODA TIBETANA DA LEI Lmina 7 p 83A Roda de Oi to Raios (cf. pp. 745), num trono de loto envolto em Chamas de Sabedoria,representa a Roda de Mil Raios da Bondosa Lei de Buda, smbolo da s imet ri a e daplenitude daLei Sagrada do Dharma ou Escrituras. O desenho, ao centro, chamado em tibetano rgyan-k yil,composto de t rs segmentos giratrios, simboliza - assim como a svastika (sustica) no centroda Roda Indiana da Lei - o Sangsra, o incessante cambiar ou devr ,

    1. Deve-se observar que cada morto possui um corpo apropr iado ao reino do para soou ao inferno, em cujo karma se realiza o nascimento; e quando termina qualquer um dosestados ps-morte humanos da existncia, ocorre outra vez um processo de morte e o despo-jamento de um corpo (cf. pp. 11922 e Livro 11passim). O Bardo o estado intermediriode onde se pode renascer neste mundo num corpo humano, ou no mundo dos espr itos sob aforma de um corpo correspondente, ou num dos reinos do paraso, tal como o Deva-loka, numcorpo divino, ou no Asura-loka, num corpo asura, ou ainda num dos in fernos num corpo capazde suportar sofrimento e incapaz de morrer at que a purgao esteja consumada. Aps a morteno in ferno, ou em qualquer outro dos estados ps-morte humanos. o processo normal renas-cer na Terra como um ser humano. A Verdadeira Meta, conforme expli ca repet idamente oBardo Thdol, encontra-se alm de todos os estados de incorporaes, alm de todos os infer-nos, mundos e parasos, alm do Sangsra e alm da Natureza; o que se chama Nirvna (emtibetanoMyanghdas). Veja Adendo V, pp. 16975.

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    Lmina 7 p 4. A MANTRA DE CHENRAZEE (AVALOKITESHV ARA)Caracteres indianos Ranja ou Lantsa aproximadamente do sculo VII d.C. Os caracteres

    Lantsa, l igeiramente modificados, so usados nos manuscritos t ibetanos, geralmente nas pgi-~ C \ ~ onas-ttulos. Em caracteres tibetanos, a Mantra sagrada ~J,J r~~l que literalmente

    significa m I O Tesouro no Lo to 1 Hm I (cf. pp. 103 n .161 , 114 n. 194, 156 ).

    5. O DORJE, CETRO LAMAICO Lmina 8 p.84Um tipo de Raio de Indra , o Jpit er indiano, usado princ ipalmente nos r itua is lamaicos(cf . pp.76 n. 84 , 105, 109-11 ), smbolo de domn io sob re a ex istncia sangsarica (ou mun-dana).

    YYYTV

    o LIVRO TIBETANO DOS MORTOSC O M EN T R I o P S IC O L G IC O

    D r. C. G. Jung'Antes de entrar no comentrio psicolgico, eu gostaria de dizer algumaspalavras sobre o prprio texto. O Livro Tibetano dos Mortos, ou Bardo Thodol, um livro de instrues para os mortos e para os moribundos. Como O LivroEgpcio dos Mortos, o Bardo Th'dol pretende ser um guia para os mortos duranteo perodo de sua existncia no Bardo, s imbolicamente descr ita como um estadointennedirio, de 49 dias de durao, entre a morte e o renascmento. O textoest dividido em trs par tes. A primeira, chamada Chikhai Bardo, descreve aconte-cimentos psquicos no momento da morte. A segunda parte, ou Chonyid Bardo,

    tra ta dos estados de sonho que comeam imedia tamen te aps a morte , assim comodaqui lo a que chamamos de iluses krmicas . A te rce ira parte, ou Sidpa Bardo,conceme ao surgimento do impulso de nascimento e aos acontecimentos pr-natais,Nesta parte, caracterstico que a suprema compreenso e a iluminao - e, por-

    1. O edi tor encontra-se em dbito com o Dr. James Kirsch- psicana li st a de Los Ange les,Califmia , um dos mais bem- sucedidos discpulo s de Jung, que discutiu este ComentrioPsicolgico com Jung em Zur ique e ajudou na traduo ing lesa do mesmo - pela impor tanteadmoestao, guisa de prefcio, endereada ao leitor oriental:Este livr o se destin a, em primeiro lugar, ao leito r ociden tal e p rocura descr ever, emtermos ocidentais, importantes experincias e concepes orientais . O Dr. Jung procura atenuaressa dificuldade atravs de seu Comentrio Psicolgico. Foi inevitvel, contudo, que, ao faz-lo,ele empregasse termos familiares mente ocidental , mas que, em certos casos, parecero obje-tveis mente oriental.Um desses termos objetveis 'alma'. Deacordo com a crena budis ta, a alma efmera,uma i luso e , por tanto , no tem exi st ncia rea l. O termo alemo Seele, tal como empregadono original do Comentrio Psicolgico, no s innimo do termo ingls soul, apesar de comu-mente ser t raduzido ass im. Seele uma palavra ant iga, rat if icada pela t radio germnica eusada por notvei s ms ti cos a lemes , como Eckhart , e grandes poe tas a lemes como Goethe,s ignificando a Realidade ltima, s imbolizada na figura feminina ou shakti. O Dr. Jung usa aquio termo poeticamente, com referncia a psique, como a psique colet iva. Na linguagem psicol-gica, representa o Inconsc iente Cole tivo, enquanto mat ri z de tudo. E o seio de tudo, a t mesmodo DharmaJeya: o prprio Dharmakaya,Ass im sendo, os lei tbres ori enta is esto convidados a deixarem de lado, por ora , a suaconcepo de 'a lma' e a ace it arem o uso que o Dr. Jung faz dapalavra , a f im de que suas mentesse abram e possam segui- Ia nas profundezas em seu intento de estabelecer uma ponte entre asmargens do Ocidente e do Oriente , assim como revelar os diversos caminhos que conduzem Grande Libertao, a Una Salus.

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    tanto, a maior poss ibilidade de alcanar a l iber tao - sejam concedidos duranteo verdadeiro processo da morte. Logo aps, comeam as iluses , que conduzemfinalmente reencarnao, as luzes i luminadoras vo ficando cada vez mais opacase variadas, e as vises mais e mais aterradoras. Essa descida traduz o afastamentoda conscincia da verdade libertadora, medida que ela se aproxima do renasci-mento f sico. O propsito da instruo fixar a ateno do homem morto, a cadaetapa sucessiva de engano e de confuso, na sempre presente possibilidade delibertao, assim como explicar a ele a natureza de suas vises. O texto do BardoThodol recitado pelo lama na presena do cadver .No creio que possa dar melhores provas de minha dvida para com os pri-meiros tradutores do Bardo Thaol - o falecido Lama Kazi Dawa-Samdup e o Dr.Evans-W entz - do que com a tentativa, atravs de um comentrio psicolgico,de tornar um pouco mais inteligvel mente ocidental o magnfico mundo deidias e os problemas contidos neste tratado. Estou certo de que todos os quelerem este livro com ateno e se deixarem tocar por seu contedo sem precon-ceitos tero valiosa recompensa.O Bardo Thaol, apropriadamente intitulado por seu editor, o Dr. W. Y.Evans-Wentz, como O Livro Tibetano dos Mortos, causou grande comoo nospa ses de l ngua inglesa, quando de sua primeira edio, em 1927. Ele pertencea essa categoria de escri tos que no interessam apenas aos estudiosos do BudismoMahyna, mas tambm e especia lmente - isto pelo fato de possui r um profundohumanismo e uma compreenso ainda mais profunda dos segredos da psiquehumana - ao leitor comum que procura ampliar seus conhecimentos da vida.Durante anos, desde que foi publicado pela primeira vez, o Bardo Th'dol temsido meu companheiro constante e a ele devo no apenas muitas estimulantesidias e descobertas, mas tambm muitos esclarecimentos fundamentais. Ao con-trrio dO Livro Egpcio dos Mortos, que sempre nos induz a falar demais ou muitopouco, o Bardo Thodol nos oferece uma filosofia intel igvel , endereada a sereshumanos, mais do que a deuses ou a selvagens primitivos. Sua filosofia contma quintessncia da crtica psicolgica budista; nessa qualidade, podemos realmentedizer que ele de uma superioridade sem par. No s as divindades iradas, mastambm as pacficas , so concebidas como projees sangsricas da psiquehumana, uma idia que parece bvia demais ao europeu instrudo, j que o fazlembrar-se de suas prprias s implificaes banais. Entretanto, embora o europeupossa facilmente explicar essas divindades como projees, ele seria completamenteincapaz de pressup-Ia s ao mesmo tempo como reais. O Bardo Thodol pode fazerisso porque, em algumas de suas mais essenciais premissas metafsicas, ele suplantano s o europeu no-instrudo como tambm o instrudo. O freqente pressu-posto implcito no Bardo Thodol o ant inrnico car ter de toda assero meta -fsica, assim como a idia da diferena qualitativa dos vr ios nveis de conscinciae das realidades meta fsicas condicionadas por eles. O back-ground deste rarol ivro no o mesquinho ou/ou europeu, mas uma magnfica afirmativa am-bos/e. Esta postulao pode parecer questionvel ao fi lsofo ocidental, j queo Ocidente ama a clareza e a no-ambigidade; conseqentemente, um filsofomantm a posio Deus existe, enquanto que um outro, com igual fervor, afirmaque Deus no existe. O que pensariam tais confrades hostis diante de uma decla-rao como esta:

    Reconhecendo o vazio do teu prprio intelecto como sendo o estado deBuda, e sabendo que ele ao mesmo tempo tua prpria conscincia, perma-necers no estado da divina mente de Buda.Tal postulado , penso eu, to indesejvel para a nossa filosofia ocidentalcomo para a nossa teologia. O Bardo Thodol, em sua concepo das coisas, domais alto carter psicolgico; contudo, entre ns, a filosofia e a teologia acham-seainda no estgio medieval, pr-psicolgico, onde apenas as asseres so ouvidas,explicadas, defendidas, criticadas e disputadas, enquanto que a autoridade queas faz tem sido, por consenso geral, colocada de lado como impertinente ao objet ivode discusso.As postulaes metafsicas, ent retanto, so afirmaes da psique e, porconseguinte, psicolgicas. Para a mente ocidental, que compensa os seus conhecidossentimentos de indignao por um respeito servil pelas explicaes racionais ,essa bvia verdade parece ser bvia demais, ou ento parece ser uma inadmissvelnegao da verdade metafsica. Toda vez que o ocidental ouvir a palavra psico-lgico, e la sempre lhe soar como apenas psicolgico . Para ele, a alma algodeploravelmente pequeno, sem valor, pessoal, subjetivo e muitas outras coisasmais. O ocidental, por tanto, prefere uti lizar a palavra mente, embora ele goste depretender, ao mesmo tempo, que uma afirmao que pode ser de fato bastantesubjetiva seja, na verdade, fei ta pe la mente , como na tural, pela Mente Univer-sal, ou mesmo - em caso de apuros - pelo prprio Absoluto . Essa presuno,bas tante r idcula, , provavelmente, uma compensao para a lamentvel pequenez

    da alma. como se Anatole France houvesse proferido uma verdade que fossevlida para o mundo ocidenta l intei ro, quando, no seu livro A Ilha dos Pingins,Cathrine d 'Alexandrie d este conselho a Deus: Donnez leur une me, mais unepetite [Dai-lhes uma alma, mas uma alma pequena ]. a alma que, pelo poder criativo divino inerente a ela, faz a declaraometafsica; ela que estabelece as distines entre as entidades metafsicas. Aalma no apenas a condio de toda realidade metafsica - ela essa realidade. 2 essa grande verdade psicolgica que abre o Bardo Thaol. O livro no um cerimonial fnebre, mas um conjunto de instrues para os mortos, um guiaatravs dos cambiantes fenmenos do reino do Bardo, esse estado de existnciaque continua por 49 dias aps a morte at a prxima encarnao. Se, por ummomento, deixarmos de lado a supratemporalidade da alma - que o Oriente

    aceita como um fato bvio por si s - ns, como leitores do Bardo Thaol, pode-remos colocar-nos facilmente na posio do morto, e consideraremos atentamenteo ensinamento apresentado na seo inicial do l ivro, ensinamento que est esboadono fragmento citado anter iormente. Nesse ponto, so pronunciadas as seguintespalavras, no presunosamente, mas de maneira corts: O nobre f ilho [fulano de tal], escuta. Agora ests experimentando o Res-plendor da Clara Luz da Realidade Pura. Reconhece-a. O nobre filho,

    2. Este pargrafo torna manifesta a importncia interpretativa da nota anterior, p. 35,relativa diferena de significado do termo alma (soul) da verso inglesa e do termo Seele, nooriginal alemo. A este propsito, remetemos o lei tor a uma releitura da nota anterior.Y~v.....V - -- '_' 11 XXXVII

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    teu presente, intelecto, vazio em sua real natureza, no-formado no querespeita a caractersticas ou cor, naturalmente vazio, a verdadeira Realidade,o Todo-Bondoso.Teu prprio inte lecto, que agora vacuidade, no deve , contudo, se r vi stocomo vazio de nada, mas como sendo o prprio intelecto, desobstrudo,claro, vibrante e jubiloso, a prpria conscincia , o Todo-Bondoso Buda.

    Essa reali zao o estado de Dharmakya de iluminao perfeita; ou, comodeveramos expressar em nossa prpria l inguagem, o fundamento criat ivo de todapostulao metafsica conscincia, enquanto manifestao invisvel, intangvel,da alma . A Vacuidade ou Vazio o estado transcendente que suplanta toda asse r- o e toda predicao. A plenitude de suas manifestaes di sc rimina tivas aindapermanece latente na alma.O texto continua: Tua prpria conscincia, bri lhante , vazia e inseparvel do Grande Corpode Resplendor, no tem nascimento nem morte: a Luz Imutvel - o BudaAmitbha.A alma [ou, conforme aqui foi apresentado, a prpria conscincia de cadaum] certamente no pequena, pois o prprio Deus. O Ocidente consideraesta afi rmao bastante perigosa, quando no francamente blasfema, ou mesmo

    aceita-a impensadamente e, assim, cai no mal da retrica teosfica vazia. Mas,se pudermos controlar-nos o suficiente para nos prevenirmos de nosso erro princi-pal , de sempre querer fazer algo com as coisas e dar a elas um uso prtico, podere-mos ta lvez ser bem-sucedidos em aprender uma importante l io a part ir dessesensinamentos; ou, pe lo menos, sermos capazes de apreciar a grandeza do BardoThodol, que confere ao morto a verdade ltima e suprema, ou seja, que mesmoos deuses so o resplendor e a ref lexo de nossas prprias almas. Por conseguinte,nenhum sol eclipsado para o oriental como o seria para o cristo, que sentr-se-roubado por seu Deus; pelo contrrio, sua alma a luz do prprio Deus, e o pr-prio Deus a a lma . O Oriente pode sustentar esse paradoxo melhor que o desafor-tunado Angelus Silesius, que mesmo hoje em dia estaria psicologicamente bem maisadiante de seu tempo.Pode-se observar com nitidez que o Bardo Th'dol se preocupa em deixarclaro ao morto a primazia da alma, j que esta uma das coisas que a vida no nosesc larece. Estamos to oprimidos, condicionados e obst rudos pelas coisas, quenunca temos uma oportunidade, em meio a todas essas coisas dadas , de perguntarquem as deu . deste mundo das coisas dadas , que o morto se liberta; e opropsito da instruo o de ajud-Io no sentido dessa liber tao. Se nos colocar-mos em seu lugar, obteremos uma recompensa no menor, j que aprendemos,logo no primeiro pargrafo, que o doador de todas as coisas dadas habitadentro de ns mesmos. Esta uma verdade que, diante de todas as evidncias,tanto nas pequenas como nas grandes coisas, nunca conhecida, apesar de freqen-temente ser to necessrio, mesmo vital , para ns , conhec-Ia. Tal conhecimento,sem dvida, conveniente s aos contemplativos, que esto inclinados a compreen-der a razo da existncia, aos que so gnsticos por temperamento e que, portanto,

    acreditam num salvador, o qual, como salvador dos mandeanos , se autoproclamagnose da vida (manda d'hajie). Talvez no seja dado a muitos de ns ver omundo como algo dado . necessria uma reestruturao radical do pontode vista, custa de muito sacrifc io, antes que possamos ver o mundo como coisadada pela prpria na tureza da a lma . Trata-se de algo muito mais dire to, maisvvido, mais impress ionante e, por conseguinte, mais convincente ver que ascoisasacontecem para mim do que observar como eu as fao acontecer. De fa to, a natu-reza animal do homem faz com que ele resista em enxergar a si mesmo como oautor de suas circuns tncias. Esta a razo pela qual as tentativas desse tipo foramsempre objeto de iniciaes secretas, culminando, via de regra, numa morte f igura-t iva que s imbolizava o carter total dessa inverso. Na realidade, a ins truo dadano Bardo Thodol se rve para lembrar ao morto as experinc ias de sua iniciaoe os ensinamentos de seu guru, j que a instruo, em ltima instncia, nadamenos que a iniciao do morto na vida do Bardo, ass im como a iniciao do vivofoi uma preparao para o Alm. Tal foi o caso, pelo menos, de todos os cultosmisteriosos das antigas civil izaes, desde os tempos dos mistrios egpcios oueleus inos . Na iniciao do vivo, entretanto, esse Alm no um mundo alm-morte, mas uma inverso das intenes da mente e em suas perspectivas; umAlm psicolgico ou, em termos cristos , uma redeno das peias do mundoe do pecado. Redeno separao e libertao de uma condio anterior deobscuridade e de inconscincia, que levam condio de iluminao e livramento, vitria e transcendncia sobre todas as coisas dadas .

    O Bardo Thddoi , ento, conforme observa igualmente o Dr. Evanz-Wentz,um processo de iniciao cujo propsito o de restaurar na alma a divindadeque ela perdeu ao nascer. Trata-se de uma caracterstica da literatura religiosaoriental que o ensinamento se inicie, invariavelmente, com o item mais importante,com os princpios bsicos e mais e levados, que, de acordo com o gosto ocidental,viriam por ltimo, como por exemplo em Apuleio, onde Lcio adorado comoHl io apenas no fina l. Por isso, no Bardo Thddol, a iniciao uma sr ie de clma-ces decrescentes que terminam com o renascimento no ventre . O nico processode iniciao ainda vigente e praticado hoje no Ocidente a anlise do inconscientetal como a realizada pelos mdicos com propsitos teraputicas. Essa penetraonas camadas mais profundas da conscinc ia uma espcie de maiutica raciona lno sentido socrtico, implicando a emergncia de contedos psquicos que seencontram ainda em estado germinal, subliminal, como que ainda no-nascidos.Originar iamente, essa terapia tomou a forma de psicanlise freudiana e esteve preo-cupada sobretudo com fantasias sexuais. Este o domnio que corresponde ltima e mais inferior regio do Bardo, conhecida como Sidpa Bardo, onde omorto, incapaz de assimi lar os ensinamentos do Chikhai e do Chdnyid Bardo,comea a cair vtima de fantasias sexuais e atrado pela viso da copulao decasais. Finalmente, ele capturado por um ventre e nascer de novo no mundoterrestre. Enquanto isso, como seria de supor, o Complexo de Edpo comea afuncionar. Se o seu karma o destinar a nascer como homem, ele se enamorardaquela que deve ser sua me e nutrir pelo pai dio e desgosto. Ao contrrio,se for do sexo feminino, sentr-se- atrado por aquele que deve ser seu pai erejeitar a me. O europeu passa por esse domnio especificamente freudianoquando os contedos de seu inconsciente so trazidos luz atravs da anlise,:Y.YVJIl -_. XXXIX

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    mas ele vai na direo oposta. Ele via ja de volta atravs do mundo da fantasiasexual infantil em direo ao ventre. Tem-se mesmo sugerido, em crculos psica-nalticos, que o trauma por excelncia a prpria experincia do nascimento;ou, ainda mais, h psicanalistas que afirmam ter investigado at memrias deorigem intra-uterina, Neste ponto, a razo ocidental se depara, infelizmente,com seus limites. Digo infelizmente porque desejaramos que a psicanlisefreudiana tivesse, com felicidade, seguido analisando essas experincias chamadasntra-uterinas ainda mais anter iores; se ela houvesse logrado essa ousada empresa,t eria certamente ult rapassado o plano do Sidpa Bardo e 'penetrado nas regiesinferiores do Chonyid Bardo. verdade que, com o aparato de nossos atuais conhe-cimentos biolgicos, ta l aventura no poderia ser coroada de xito; seria necessriauma preparao filosf ica totalmente diferente daquela baseada nos pressupostoscientf icos correntes . Entretanto, se essa viagem regress iva tivesse sido realizadacom sucesso, ela ter ia indubitavelmente conduzido postulao de uma existnciapr-uterina, uma verdade ira vida Bardo, caso se pudesse encont rar pe lo menosalgum vestgio de um sujei to dessa experinc ia. Da mane ira que tem sido, a psica -nlise nunca foi alm dos aspectos meramente conjecturais das experincias intra-ute rinas, e mesmo o famoso t rauma do nascimento permaneceu um trusmobvio demais, a ponto de no poder mais expl ica r, de no poder dizer mais que ahiptese de que a vida uma doena com um mau prognstico, j que o seu efeito sempre fatal.A psicanlise freudiana, em todos os seus aspectos essenciais, no foi nuncaalm das experincias do Sidpa Bardo; isto , ela no foi capaz de libertar-sedas fantasias sexuais e de outras tendncias incompatveis similares, que causamansiedade e outros estados emotivos. No obstante, a teoria freudiana a primeiratentativa, no Ocidente, no sentido de inves tigar, como que a partir de baixo, daesfera animal do ins tinto, o terri trio psquico que corresponde , no LamasmoTntrico, ao Sidpa Bardo. Um medo bastante jus tificvel da metafsica impediuFreud de penetrar na esfera do oculto. Alm disso, o estado de Sidpa se acei-tarmos a psicologia do Sidpa Bardo, caracte rizado por um forte sopro do karmaque faz com que o morto rodopie at chegar porta do ventre . Em outraspalavras, o estado do Sidpa no permite retorno, j que se encontra vedado aoestado do Chonyid por uma intensa fora que puxa para baixo, em direo esfera animal do inst into e do renascimento f s ico. Isso equivale a dizer que aqueleque penetra r no inconsciente com simples postulados biolgicos esta r fadadoa deter-se na esfera dos inst intos e se r incapaz de avanar alm dal i, pois serpuxado de volta, mais e mais, para a existncia fsica. Portanto, no possvel psicologia freudiana chegar a qualquer resultado alm de uma avaliao essen-cialmente nega tiva do inconsc iente. Trata-se apenas de um nada . Ao mesmotempo, necessrio admitir que essa viso da psique tipicamente ocidental, sque expressada de uma forma mais espalhafatosa, mais direta e cruel do que outrospoderiam express-Ia, embora, no fundo, no sejam diferentes. No que diz respeitoao sentido de mente nesse contexto, podemos apenas acalentar a esperana deque nos traga alguma convico. Entretanto, como at mesmo Max Scheler notoucom pesar , o poder dessa mente , pelo menos, duvidoso.Penso, ento, que podemos estabelecer como talo fato de que, com a ajudada psicanlise, a mente racionalista ocidental foi impelida para aquilo que poder a-XL

    mos chamar de neurotismo do estado Sidpa e, a, foi levada a uma inevitvel parali-sao pelo pressuposto acrftico de que tudo o que psicolgico subjetivo epessoal. Mesmo assim, esse avano representou uma grande conquis ta, posto quenos possibili tou dar mais um passo atrs em nossas vidas conscientes. Tal conheci-mento nos d, igualmente, uma sugesto de como deveramos ler o Bardo Thdol- isto , de trs para frente. Se, com a ajuda de nossa cincia ocidental, formosbem-sucedidos em captar o carter psicolgico do Sidpa Bardo, nossa prximatarefa consistir em ver o que poderemos fazer em relao ao Bardo anterior, oChonyid.O estado do Chonyid o da iluso krmica - isto , i luses que resultamdos res duos psquicos de existncias anteriores. De acordo com a viso oriental ,o karma implica uma espcie de teoria psquica de hereditariedade baseada nahiptese da reencarnao que, em ltima instncia, uma hiptese da supratern-poralidade da alma. Nem o nosso conhecimento cientfico nem a nossa razopodem acompanhar essa idia . H se e porm demais em seu enfoque. Almdisso, sabemos infel izmente muito pouco acerca das possibilidades da existnciacontnua da alma individua l aps a morte; to pouco que sequer podemos conce-ber como pode algum provar o que quer que seja a esse respe ito. Sabemos, contu-do, muito bem, a par tir de fundamentos epistemolgicos, que tal prova ser ia to im-possvel quanto a da existncia de Deus. Da podermos prudentemente aceitar a idiade karma se a entendermos como herana psquica, no sentido mais amplo possveldesse termo. A heredi tari edade psquica exi ste - isto , existe a herana de caracte-rsticas psquicas, t ais como predisposio a doenas, t raos de carte r, aptidesespeciais, etc. Isso no violenta a natureza psquica desses complexos fatos se acincia natural os reduz ao que aparenta ser aspectos f s icos (estruturas nuclearesnas clulas, etc.). H fenmenos essenc iai s da vida que se expressam, em gera l,psiquicamente, assim como h out ras caracte rsticas herdadas que se expressam,em sua maioria, f is iologicamente, no nvel f s ico. Entre esses fatores psquicosherdados h uma classe especia l, no-confinada na famlia ou na raa. Existemas disposies universais da mente, que devem ser entendidas como as formas(eidola) de Piato, de acordo com as quais a mente organiza os seus contedos.Poder-se-ia igualmente descrever essas formas como categorias anlogas s catego-rias lgicas, que esto presentes sempre, e onde quer que seja, como postuladosbsicos da razo. Acontece apenas, no caso das nossas formas , que no tra tamosde categorias da razo, mas de categorias da imaginao. Como os produtos daimaginao so sempre essencialmente visuais, suas formas devem, de incio, possuiro carter de imagens, e a lm disso de imagens tpicas, razo por que, seguindoSanto Agostinho, eu as chamo de arqutipos. A religio e a mitologia comparadasso ricas minas de arqutipos, da mesma forma que o a psicologia dos sonhos edas psicoses. O assombroso paralelismo entre essas imagens e as idias que elasservem para expressar tem dado freqentemente margem s mais descabidas teorias,se bem que teria sido muito mais natural pensar na notve l simi la ridade da psiquehumana em todos os tempos e lugares . Formas de fantasia arquetpicas so, ~averdade, reproduzidas espontaneamente em qualquer lugar e tempo, sem que hajaqualquer vestgio de transmisso direta. Os componentes estruturais originaisda psique so de uma uniformidade no menos surpreendente que aqueles do corpovisvel. Os arqu tipos, por assim dizer, so rgos da psique pr-raciona l. So

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    formas e id ias ete rnamente herdadas que no tm, a princpio, nenhum con tedo desinibida. Trata-se de puro sonho ou fantasia , contra a qual qualquer pessoa

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    especfico. Seus contedos especficos aparecem somente no curso da vida doindivduo, quando a experincia pessoal se f ixa precisamente nessas formas. Se osarqutipos no preexis tissem de forma idntica em todos os lugares , como se pode-ria explicar o fato, postulado praticamente em toda parte pelo Bardo Thodol, deque o morto no sabe que est morto, e que essa afirmao pode ser encontradana sombria e mal-acabada lit era tura do Espi ritual ismo europeu e americano?Ainda que encont remos a mesma af irmao em Swedenborg , o conhecimen to deseus escritos di fic ilmente pode ser di fundido o sufic iente para que essa pequenaparce la de info rmao possa se r captada pelo mdium de cada vilare jo. E umacomparao entre Swedenborg e o Bardo Thiidol completamente impensvel.Trata-se de uma idia primordial, universal , de que os mortos seguem suas existn-cias terrenas e no sabem que so espri tos desencarnados - uma idia a rque t picaque se mani festa imediatamente quando algum v um espri to . igualmentesignif icat ivo que os espri tos de todos os cantos do mundo tenham certas caracte-rsti cas comuns. Natura lmente, estou cnscio da inverif icvel hip tese esp rit a,embora no deseje defend-Ia. Devo contentar-me com a hiptese de uma estruturapsquica onip resente, mas di ferenciada, est rutura que herdada e d necessaria-mente uma certa forma e direo a toda experincia. Pois, assim como os rgosdo corpo no so apenas massas informes de matria passiva, indiferente, mass im complexos dinmicos, funcionais, que se fazem valer com imperiosa urgncia- assim tambm os arqutipos, como rgos da psique, so complexos instinti-vos, dinmicos, que de terminam a vida psquica num grau ext raordinrio. porisso que tambm eu os chamo de dominantes do inconsciente. A camada dessapsique no-consciente , consti tuda dessas formas dinmicas universa is, foi pormim chamada de inconsciente coletivo.Que eu saiba, no existe uma herana de memrias individuais p r -natasou pr-ute rinas, rnas arqu tipos, sem dvida, herdados, embora desprovidos decontedo; isso porque, em primeiro lugar, no contm experincias pessoais.E les s emergem conscincia quando as experincias pessoais os tomam visveis.Conforme j vimos, a psicologia do Sidpa consi ste numa von tade de vivere denas-cer . (O Sidpa Bardo o Bardo da Busca do Renascimento .) Tal estado, portanto,imposs ibil ita qualquer exper incia de realidades psquicas transubjetivas, a menosque o indivduo se recuse, de forma categrica, a nascer novamente no mundoda conscinc ia . De acordo com os ensinamentos do Bardo Thdol, ainda possvelpara ele, em cada um dos estados do Bardo, alcanar o Dharmakya pela trans-cendncia do quadrifacetado Monte Meru, isso desde que ele no ceda aos seusdesejos de seguir as luzes opacas . Isso equivale a dizer que o morto dever res is tirdesesperadamente aos ditames da razo, tal como a entendemos, e abrir mo dasupremacia do ego, vi sto pela r azo como sacrossanto. Isso signi fica , na prti ca ,uma completa capitulao dos poderes objetivos da psique, com tudo o que issoenvolve : uma espc ie de morte simbl ica, correspondendo ao Juzo dos Mortosno Sidpa Bardo. Isso signifi ca o fim de toda condu ta de v ida moralmente respon-sve l, racional , consc iente , e uma volunt ria rennc ia qui lo que o Bardo Thodolchama de ilu so krmica . A iluso krmica se origina na crena num mundovisionrio de natureza extremamente irracional, que no combina nem derivade nossos julgamentos racionais , mas , s im, um produto exclusivo da imaginaoXLII

    bem-intencionada cuidar logo de precaver-nos; de fato, no possvel dis tinguir,num pr imeiro momento, as fantasias desse tipo e a fantasmagoria de um maluco.Muito freqentemente , basta um pequeno abaissement du niveau mental paradesfazer esse mundo de iluses . O terror e o obs