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  • O LUGAR DA IDENTIDADE E DAS DIFERENAS NAS RELAES

    SOCIAIS

    Idilia Fernandes1

    RESUMO

    O presente artigo pretende demonstrar a contradio existente na concepo da

    construo da identidade como sinnimo de uma identificao com o que est estabelecido

    na cultura e no meio social. A contradio desta concepo se expressa na desconsiderao

    do movimento prprio das alteridades que transformam a realidade a partir da prpria

    condio das diferenas. Nas diferenas esto a propulso ao desenvolvimento das novas

    formas de interao entre sujeito e seu meio. Em muitas circunstncias a noo de

    identidade tem servido para criar distines de condies de vida ao mesmo tempo em que

    propicia o no reconhecimento das distines individuais. A condio de preconceito e

    segregao que vivem, por vezes, as pessoas portadoras de deficincia emblemtica do

    resultado da relao entre identidade e diferena numa sociedade que prima pelo padro de

    normalidade. As pessoas com deficincia por no se enquadrarem num processo de

    identificao igual ao padro so colocadas em um lugar social de diferenciao. A

    representao social desse lugar de diferenciao torna-se sinnimo de impossibilidade do

    exerccio prprio vida humana.

    PALAVRAS CHAVES: Identidade; Diferena, Diversidade e Pessoa com Deficincia.

    1 Assistente Social, mestre e doutora pela FSS/PUCRS Assistente Social da FADERS (Fundao de Articulao e Desenvolvimento da Poltica Pblica para Pessoas Portadoras de Deficincia e de Altas Habilidades) Professora da FSS/PUCRS

  • 2

    ABSTRACT

    To have an identity is synonymous of an identification with what it is established in the

    culture and the social environment. In this line of thought if it disrespects the proper

    movement of the diversity that transform the reality from the proper condition of the

    differences. In the differences they are the propulsion to the development of the new forms

    of interaction between citizen and its half one. In many circumstances the identity notion

    has served to create distinctions of life conditions at the same time where it propitiates not

    the recognition of the individual distinctions. The condition of preconception and

    segregation that live, for times, the disabled person is emblematic of the result of the

    relation between identity and difference in a society that cousin for the standard of

    "normality". The people with deficiency for if not fitting in a process of equal identification

    to the standard are placed in a social place of differentiation. The social representation of

    this place of differentiation becomes synonymous of impossibility of the proper exercise

    the life of the beings.

    Key - words: Identity; Diferent; Diversity; Carrying person of Deficiency

    O LUGAR DA IDENTIDADE E DAS DIFERENAS NAS RELAES

    SOCIAIS

    O formato implcito e explcito das relaes sociais parece sugerir que algo esttico e

    permanente, sem movimentao deveria moldar as personalidades humanas. Entretanto, o

    real dinmico, no permanece o mesmo e os sujeitos que nele fazem a histria esto em

    constante mutao. O reconhecimento dessa dinamicidade do sujeito e do contexto remete a

    um conceito de identidade onde o idntico, o igual no se encaixa. MARTINELLI (1995,

    p.142) situa o conceito de identidade no campo da diversidade, do movimento, da

    alteridade e da diferena em contraposio a idia de identidade como permanncia.

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    Segundo a mesma autora, referida acima, o princpio da permanncia, em nossa

    sociedade contempornea, ainda se faz fortemente presente (1995 p.143). H um apelo no

    social para que a identidade dos sujeitos permanea igual a um determinado tipo de

    identidade, que produzida pela cultura do seu tempo histrico. Da deve vir idia de que

    "tornar-se pessoa", signifique torna-se igual ao que foi socialmente estabelecido, onde a

    consolidao da identidade pessoal deva coincidir com a identidade idealizada no social.

    Ter uma identidade sinnimo de uma identificao com o que est estabelecido na

    cultura e no meio social. Nesta linha de pensamento se desconsidera o movimento prprio

    das alteridades que transformam a realidade a partir da prpria condio das diferenas.

    Nas diferenas esto a propulso ao desenvolvimento das novas formas de interao entre

    sujeito e seu meio. A igualdade pressuposta no "princpio de permanncia" o que leva ao

    entendimento de que as diferenas situam-se no campo da desqualificao pessoal ou da

    patologia.

    Tudo aquilo que no idntico ao convencional passa ser alvo de crticas,

    discriminaes e no reconhecimento. H uma necessria ruptura com o velho conceito de

    identidade atrelada a igualificao e a ausncia de movimento e mutao. Um trao

    histrico que traz como conseqncia uma srie de prticas preconceituosas e segregatrias,

    como se constata, por exemplo, na situao das pessoas portadoras de deficincia.

    "Assim, falar de identidade hoje pressupe a superao da nostalgia do idntico, a

    ruptura com o princpio da permanncia que, em nossas instituies, em muitos momentos,

    transmutou-se em um verdadeiro princpio de inrcia, produzindo prticas sociais

    orientadas por um ritualismo mimtico, eternas reprodutoras do j produzido"

    (MARTINELLI, 1995, p.145).

    As prticas sociais cristalizadas e preconceituosas, reproduzidas nas diferentes

    instituies so a sinalizao e a materializao da concepo que desconsidera a

    diversidade como caraterstica bsica dos indivduos. Quando se pressupe que todos tm

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    que ser idnticos uns aos outros, aqueles que no se enquadram na igualidade almejada so

    situados "fora do mundo" social. A concepo de identidade permeada pela idia da

    igualificao consolida a existncia dos processos de segregao. A identidade tem relao

    direta com a alteridade, que significa distino, o outro que distinto diferente do mesmo.

    Alteridade igual a "lter" do latim "altes", que significa: o outro ou alteres do verbo

    alterar (Dicionrio da Lngua Portuguesa, 1986, p.92). Entendendo os seres como distintos

    uns dos outros e situando a identidade nessa distino no caberia nenhum tipo de

    discriminao, nem to pouco uma prtica de excluso das diferenas. A diferena, a

    distino passa ser, nesta viso, uma caracterstica comum espcie humana. O outro

    aquele que altera o mesmo pela sua distino, essa alterao um movimento de

    enriquecimento do contexto geral no qual todos fazem parte. Um contexto que

    transformado e movimentado no desenrolar da diversidade.

    O problema que se coloca na discusso da identidade como campo do idntico que

    nessa constituio a identidade deixa a sua margem algo sobrante, em excesso, algo que lhe

    vai faltar. A falta diz respeito a tudo aquilo que ser excludo, mas que em verdade faz

    parte desta identidade. Quando a diversidade no includa na constituio da identidade se

    passa pelo processo de estranheza do outro, que ser percebido como algo exterior, fora do

    esperado.

    H um fechamento na idia de unidade e homogeneidade prpria dessa viso que cria

    espao para o que no se enquadra se tornar "inadequado", indesejvel e at intolervel. A

    sociedade ao no reconhecer a distino como parte de seu movimento, estranha o outro e o

    exclui de seus principais processos, criando assim o "ser correto" e dominante. A

    racionalidade que exclui a mesma que cria as condies objetivas de vida onde diversos

    segmentos vivem excludos dos processos sociais de acesso aos recursos da sociedade. A

    idia de identidade que pressupe o "ser correto" deixa de fora parcelas significativas de

    seres distintos e inigualveis ao que se considera "correto" ou "normal".

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    Eu sou um ser humano como outro qualquer, mas no sou igual, sou diferente. Minha

    diferena no muda os sentimentos que eu tenho e que so iguais aos de todos os que vivem

    neste mundo. Eu sinto frio, sinto calor, sinto amor, sinto dio. No o que todo mundo

    sente? O que tem em nossa identidade de diferente das dos demais? Nos sentimentos eu me

    identifico com todos deste planeta" (POA, maio de 2002)2.

    Em muitas circunstncias a noo de identidade tem servido para criar distines de

    condies de vida ao mesmo tempo em que propicia o no reconhecimento das distines

    individuais. O problema centra-se na primeira distino que no deveria ocorrer na mesma

    medida em que a segunda distino deveria ser o pressuposto principal da identidade. Em

    uma outra perspectiva de identificao a identidade inclui a pluralidade das caractersticas

    humanas e sociais.

    Considerando-se a distino de singularidades, se abriria espao no campo social para as

    diferenciaes individuais, o que poderia reduzir e/ou evitar o imenso abismo da

    diferenciao das condies objetivas de vida entre as pessoas. Em outras palavras se no

    horizonte social tivesse espao aberto para considerar identidade como construes plurais

    de individualidades no se criariam tantos "muros" para separar os distintos dos "comuns".

    A propsito da distino negativa criada historicamente entre os segmentos da sociedade,

    JOVCHELOVITCH, pontua que:

    "Tanto o sujeito negro como a mulher foram historicamente construdos por

    representaes marcadas pela violnci