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O lugar - Um hotel centenário, em Pirenópolis/GO. A casa, de dois pavimentos, possui apenas dez quartos, sendo sete na parte de cima e em baixo, três. No térreo, existem ainda duas salas grandes, uma enorme cozinha e um espaço gourmet bem arejado e amplo. Enfim, um casarão antigo que agora virou hotel cinco estrelas para quem pode pagar diárias caras. O espaço só é aberto em alguns meses do ano: segunda quinzena de novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, primeira quinzena de março. Depois, em junho, segunda quinzena, e o mês de julho. Nos meses em repouso, o lugar dá espaço a visitantes curiosos que vêm à cidade fora da temporada para descansos. Na maioria das vezes, grupos de idosos ou crianças. Mas apenas o visitam, nestas ocasiões não há hospedagem. Os atores - A família Cavalcante precisava de férias. Pirenópolis foi o lugar escolhido por abrigar parte da história do patriarca, Alaor Cavacante. Seus antepassados, Antônio Plínio Cavalcante e Olivia Monteiro Cavalcante Freire, moraram na cidade desde a sua origem. Eram garimpeiros vindos de Portugal para povoar o lugar. Assim chegando, estes imigrantes portugueses começaram a buscar ouro, pelo método aluvionário do Rio das Almas. As obras de edificações não tardaram, e estes estrangeiros construíram de pronto uma bela mansão. Eram jovens, em 1727, ele tinha vinte e dois anos e ela, dezoito. A vida se iniciava. Por isso a construção de uma casa enorme, pois tinham a pretensão de muitos filhos. Entretanto, os patriarcas tiveram apenas três filhos. Eduardo Plínio Cavalcante Freire, Maria Eduarda Cavalcante Freire e o caçula, e de gênio difícil, Carlos Cavalcante Freire. Reza a lenda que Carlos, ou Casico, como era conhecido, começou a se interessar pelo garimpo ainda menino, com seus nove anos. Tinha verdadeira obsessão por riqueza e mesmo vindo de uma família abastada de Portugal, queria ser dono de seu próprio império. Em tempos remotos já falava em comprar a parte do irmão no casarão e ali viver com sua futura família. Rico e senhor da cidade. Aos dezoito anos de idade, Eduardo se matou por amor de uma pequena. Mas tinha o seu punhado de ouro, pois sempre ia com o pai aos garimpos da região. Maria Eduarda foi embora para a Espanha, fugida com um soldado da coroa Portuguesa que tinha desertado. Contam também que ela, na pressa da fuga, deixou para trás uma enorme quantidade de ouro. Fruto de presentes de seu pai e mãe, além de joias feitas na época por ourives judeus, que

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O lugar - Um hotel centenário, em Pirenópolis/GO. A casa, de dois

pavimentos, possui apenas dez quartos, sendo sete na parte de cima e em baixo,

três. No térreo, existem ainda duas salas grandes, uma enorme cozinha e um

espaço gourmet bem arejado e amplo. Enfim, um casarão antigo que agora virou

hotel cinco estrelas para quem pode pagar diárias caras. O espaço só é aberto em

alguns meses do ano: segunda quinzena de novembro, dezembro, janeiro,

fevereiro, primeira quinzena de março. Depois, em junho, segunda quinzena, e o

mês de julho. Nos meses em repouso, o lugar dá espaço a visitantes curiosos que

vêm à cidade fora da temporada para descansos. Na maioria das vezes, grupos de

idosos ou crianças. Mas apenas o visitam, nestas ocasiões não há hospedagem.

Os atores - A família Cavalcante precisava de férias. Pirenópolis foi o lugar

escolhido por abrigar parte da história do patriarca, Alaor Cavacante. Seus

antepassados, Antônio Plínio Cavalcante e Olivia Monteiro Cavalcante Freire,

moraram na cidade desde a sua origem. Eram garimpeiros vindos de Portugal para

povoar o lugar. Assim chegando, estes imigrantes portugueses começaram a buscar

ouro, pelo método aluvionário do Rio das Almas. As obras de edificações não

tardaram, e estes estrangeiros construíram de pronto uma bela mansão. Eram

jovens, em 1727, ele tinha vinte e dois anos e ela, dezoito. A vida se iniciava. Por

isso a construção de uma casa enorme, pois tinham a pretensão de muitos filhos.

Entretanto, os patriarcas tiveram apenas três filhos. Eduardo Plínio

Cavalcante Freire, Maria Eduarda Cavalcante Freire e o caçula, e de gênio difícil,

Carlos Cavalcante Freire. Reza a lenda que Carlos, ou Casico, como era

conhecido, começou a se interessar pelo garimpo ainda menino, com seus nove

anos. Tinha verdadeira obsessão por riqueza e mesmo vindo de uma família

abastada de Portugal, queria ser dono de seu próprio império. Em tempos remotos

já falava em comprar a parte do irmão no casarão e ali viver com sua futura família.

Rico e senhor da cidade. Aos dezoito anos de idade, Eduardo se matou por amor de

uma pequena. Mas tinha o seu punhado de ouro, pois sempre ia com o pai aos

garimpos da região. Maria Eduarda foi embora para a Espanha, fugida com um

soldado da coroa Portuguesa que tinha desertado. Contam também que ela, na

pressa da fuga, deixou para trás uma enorme quantidade de ouro. Fruto de

presentes de seu pai e mãe, além de joias feitas na época por ourives judeus, que

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no desejo de riqueza migraram para a cidade, na época com o nome de Minas de

Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte. A moça tinha apenas dezesseis anos.

CRONOMETRIA

1727 – Fevereiro - Chegam os antepassados – Ele 22 – Ela 18

1728 – Abril - Nasce Eduardo – Junho de 1746 Morre

1730 – Setembro - Nasce Maria Eduarda – Novembro 1746 Foge

1734 – Nasce Carlos* – 1819 – Morre – 85 anos

* 1754 - Ele se casa com Helena Mendes Dantas

* 1756 - Primeiro e único Filho – Paulo Plínio Cavalcante Freire Dantas –

avô de Alaor1

* 1781 – Plínio se casa com Jacinta Pereira de Souza - avó de Alaor1

* 1803 – Nasce Ferdinando Eduardo Cavalcante Dantas (Filho de Plínio e

Jacinta) – Pai de Alaor1

* 1823 – Casa-se com Maria Teresa de Araújo – Mãe de Alaor1

* 1846 – Morre “PP” - como era chamado na infância

* 1846 – Nasce Alaor Cavalcante Filho (1) (assessório)

* 1871 – Alaor casa-se com Ester Muniz (Bisavós de Alaor 2)

* 1895 – Aos 24 anos – Ester dá à luz Domingas Muniz Cavalcante (Avó de

Alaor2)

* 1930 – Domingas se casa – grávida – aos 30 anos

* 1931 – Nasce Paulo Plínio Cavalcante Muniz – pai de Alaor2 – nosso

personagem

* 1955 – Nasce Alaor Cavalcante(2) – O protagonista

Aprígio Araújo – 1878 – Morre assassinado em 1890 – Aos doze anos

Antenor Araújo – 1898 – Irmão de Aprígio

Arlindo Araújo* – filho de Aprígio nasce em 1933

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1953 – Nasce Pedro Araújo - Historiador - Pais – *Arlindo Araújo -

* 1933

+ 2011

Rute Lima Araújo - * 1935

+ 2014

1970 – Casa-se com Marta

O casarão tem suas histórias. O que antes era motivo de disputa, deixa de

existir com a morte do irmão e a fuga da irmã. “Casico” se torna herdeiro único. O

único a ser contemplado com a bonança dos pais. Um enorme veio de ouro, (depois

veio a extração da famosa pedra Pirenópolis) às margens do rio das Almas, no Meia

Ponte, um casarão belíssimo e ainda propriedades rurais na produção de tecidos.

Em 1754, aos 20 anos, Carlos inicia seus negócios e suas economias. Começa a

investir pesado nos negócios do pai, já moribundo. Muito ouro é achado. Muito ouro

é escondido. Mas nada é mantido pelo filho único de Casico.

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De sonho e de pó

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“Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.

Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para

onde os rios vão, para ali tornam eles a correr.” Eclesiastes 1:2-7

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CAPÍTULO I – AS FÉRIAS (revisto)

A família Cavalcante chega à cidade de Pirenópolis para um merecido fim de

semana. De 16 a 22 de julho, Alaor Cavalcante, Cristina Cavalcante Lemos, Marcos

Lemos Cavalcante e Ana Beatriz Lemos Cavalcante ficarão no hotel Casarão. O

mais tradicional e elegante da cidade.

_ Crianças, não corram. As escadarias são altas. Tomem cuidado. - Gritou

Cristina, a mãe preocupada.

_ Mãe, qual o nosso quarto? - Quis saber Ana Beatriz, já pensando na senha

do wi fi.

_ Calma. Retrucou Alaor.

Enquanto isso, Marcos estava ainda no carro pegando sua mochila e

resmungando alguma coisa adolescente. Ele tem 13 anos e está na fase de achar

que tudo é um saco. Ana Beatriz tem 17, já mocinha, vive a fase da saída da

adolescência e início da fase adulta. Já tem uma rede de contatos afetivos, e um

desses contatos é o príncipe para toda a vida.

Ela sobe as escadas até o segundo piso e abre a porta do quarto 107. A vista

é para a frente do hotel. Um jardim amplo e um estacionamento. Árvores

centenárias compõem a paisagem e mais ao fundo é possível ver a cidade. O hotel

Casarão fica distante uns três quilômetros do centro de Pirenópolis.

_ Ana, já está neste celular, minha filha? Será possível que nem aqui você

consegue esquecer essa porcaria? - Diz Cristina, em tom ameno.

_ Deixa ela, mãe. É o amor. - Provoca Marcos, para desespero de Ana Beatriz

e surpresa de Alaor.

_ Como é que é?! - Insiste Cristina.

_ Deixa seu pai saber disso. Ai, ai.

Lá fora, ainda, Alaor, tirava os restos das coisas do carro. Enquanto pegava

tudo, deu um suspiro e fitou o local, como se os olhos buscassem respostas a

perguntas feitas lá atrás. Respostas a segredos. Respostas a detalhes que ficaram

perdidos no tempo. O olhar, fixo, percorria todos os cantos, de uma ponta a outra,

de baixo a cima. Suas palavras até então não pronunciaram nada e seu silêncio

poderia revelar algo mais do que um simples fim de semana em família.

_ Senhor. Senhor. - Chamou o carregador.

_ Pois não. Ah! Me desculpe. Estou distraído. - Disse Alaor.

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Subiram as escadas e foram para o quarto. Na entrada, Alaor presenteou o

funcionário com uma gorjeta de cem reais. O moço, vendo aquela nota novinha,

quase se ajoelha diante do cliente. Alaor entra e observa mais uma vez o local. Seu

semblante parecia conhecer cada canto daquele quarto. Era como se ali ele visse

em família, numa época longe daquilo que hoje era o hotel. Quis dizer algo, mas foi

interrompido por Cristina.

_ Querido, deixe as malas no canto. Vamos tomar um drinque.

_ Sim, claro. Eu já vou fazer isso.

Abriu o frigobar e buscou algo para brindar aquele momento. Uma garrafa de

vinho e duas taças eram o que precisavam. Abriu o frasco, serviu à esposa e a si.

Após um brinde, beberam o néctar de uva como se fosse um último gole de algo

entre eles.

_ Muito bom este vinho. - Disse Alaor.

_ Uma delícia. Nunca tinha tomado algo tão bom. - Disse, entre risos,

Cristina.

Uma música rolava longe, talvez na recepção, e era um som romântico. Os

dois, segurando suas taças, ensaiavam uns passos de dança. Se olharam por um

instante e pela primeira vez Cristina notou um brilho diferente no olhar do marido.

Não era nada como romantismo, surpresa ou felicidade. Mas um brilho de surpresa.

Era como se os olhos de Alaor quisessem dizer algo sobre aquele lugar. Ela ajeitou-

se em seu ombro e saboreou, ao som da música de John Denver e Plácido

Domingo, “Perhaps love”, resto de vinho.

Era o início de umas férias memoráveis.

A tarde do primeiro dia começa a se findar. Na cidade, à noite, era sempre de

festas e diversões. Por onde se andar em Pirenópolis há um local de boa culinária,

gente bonita e elegantes souvenires. As ruas da cidade, em bloquetes de cimento, é

um convite ao passeio em família, ao contemplar a lua e as estrelas e se encantar

com os namorados, apaixonados, destilando juras eternas. Era nesse clima que a

família Cavalcante pretendia ficar até o fim.

_ Olha, pai. Ali tem um lugar bem legal para a gente jantar. - Disse Ana

Beatriz, sempre de olho no wi fi.

_ Não quero pizza. - Disse Marcos.

_ Eu também não. Em casa a gente sempre como pizza. - Concluiu Cristina.

_ Tá bem, seus esfomeados. Vamos procurar um local com comidas típicas e

uma maravilhosa cerveja artesanal. - Decidiu o patriarca.

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Um “obaaaa” em coro soou pela rua e o quarteto seguiu em busca de um

restaurante legal para o jantar. Enquanto caminhava olhavam as vitrines e numa loja

de artesanato uma peça chamou a atenção de Alaor. Viu uma estátua de garimpeiro

fundida em cobre. Ficou ali por alguns instantes e resolveu entrar.

_ Quanto custa esta peça?

_ Cem reais. - Respondeu a atendente.

_ Nossa, amor. É linda. Te fez lembrar da sua família? - Disse Cristina.

_ Sim. Muito.

_ Então compra.

_ Moça, vou levar esta. - Concluiu Alaor para a atendente.

Embrulharam a peça e saíram na captura do restaurante. Quando enfim

acharam um lugar aconchegante e com um cardápio bem variado não tiveram

dúvidas. Entraram e foram logo tratando de se acomodarem. O garçon, e também

dono, um ex-roqueiro, veio atendê-los e já trouxe a carta de cervejas.

_ Temos as melhores cervejas artesanais de Pirenópolis.

_ Não duvido. - Disse Alaor.

_ Sugiro, como entrada, esta cerveja com sabor leve de pimenta. Minha

preferida.

Enquanto Alaor olhava o resto da carta, disse que poderia trazer aquela, mas

que provaria outros sabores interessantes que estava lendo.

_Ótima escolha. - Disse o barbudo cheio de tatuagens dono do lugar.

A noite prometia ser especial. A família estava junta, feliz e os sonhos para

estas férias seriam tantos que nem poderiam se conter. Ana Beatriz e seu wi fi

inseparável. Marcos e sua mania por jogos eletrônicos e o casal, apaixonado, se

curtindo como há muito não faziam.

Enquanto comiam, bebiam e sorriam, a família Cavalcante se encontrava com

o passado de seu patriarca. Já alto pela quinta cerveja artesanal, Alaor já não se

continha em dizer que seus antepassados eram exploradores de ouro naquela

região e de como cresceram no comércio de joias e tecidos e aquisição de terras.

Alaor citou o antepassado Casico, ao qual se referiu como “parente distante”, que

segundo constava na história da família, tinha sido o herdeiro de tudo. Alaor disse

que Casico não tinha deixado herdeiros, pois seu único filho acabou por perder toda

a herança da família, advinda da época do império. Mas que tinha certeza que

havia, ainda, alguma riqueza em algum lugar daquela cidade.

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Na mesa ao lado um senhor de barbas longas ouvia a tudo. Coçava a barba,

esfrega lentamente o rosto e olhava tudo como se estivesse observando os

movimentos à sua volta.

_ Tá bom, meu historiador próprio. Agora já chega. Me dê as chaves do carro

e vamos prá casa. - Pediu a doce e gentil Cristina.

_ Tá bem. Vamos. - Consentiu Alaor.

Pagaram a conta e chamando as crianças saíram.

Por se tratar da segunda quinzena de julho, fim de férias, o hotel estava vazio.

No piso superior estava apenas a família Cavalcante. Embaixo estavam outras duas

famílias. Uma delas com três crianças e outra apenas um casal e uma idosa, talvez

mãe ou sogra de um deles. Nada de muita gente. Logo, um silêncio propício ao

descanso e ao refletir sobre a vida era convidativo. Aliás, uma das metas do casal.

_ Ai, comi demais. - Disse Cristina.

_ Eu comi pouco, preferi degustar as cervejas. Cada uma melhor que a outra.

- Disse Alaor.

Marcos seguiu para sua cama e como o quarto era amplo, as crianças

podiam ficar à vontade em seus lugares sem interferirem umas com as outras e até

mesmo com o casal, pois o espaço era dividido em três pequenos ambientes. Um

lugar para unir, mas sem interferir.

_ Toma um vinho comigo, querida?!

_ Sim, mas só uma taça.

_ Eu prometo. Só uma taça.

Mesmo sem a música, face a hora adiantada, fingiam dançar e lentamente

conduziam seus corpos um no outro. Bebiam e se acariciavam. Curtiam aquele

momento.

Ana Beatriz assistia a tudo, mas focada no celular não se atentava ao

momento romântico entre os pais. E era preciso que ficasse atenta, pois os

próximos dias seriam bem marcantes.

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Mais um dia de julho amanhece. Os poucos hóspedes descem para o café. A

família com as crianças, depois do café, vai para a recepção fechar sua conta. Irão

voltar para a vida real. Alaor e sua turma estão numa conversa animada com o casal

e a senhora idosa. Esta, ainda bem lúcida, apesar da idade avançada, pois está

com 92 anos, diz que nasceu e viveu Pirenópolis. Só foi para Brasília, porque o filho,

Paulo, a levou, depois da morte do esposo, para viver com ele e a mulher. Dona

Francisca, ou “Chica”, como ficou conhecida na cidade, diz que ali, naquele

casarão, antes de ser um hotel, morou um grande amigo seu. Aliás, motivo de

ciúmes do marido. A senhora contou “causos” a Alaor dos donos daquele sobrado.

_ Ah, meu filho, aqui era de gente rica. Donos de ouro. Donos de Tecido.

_ É mesmo?! – Perguntou Alaor parecendo não crer nas palavras de Chica.

_ Você está duvidando? Pois saiba que Valdomiro Filho, meu amigo, foi

descendente de escravos que viveram aqui no tempo da escravidão. Recebeu esse

nome em homenagem a um antigo escravo de confiança do primeiro morador. O

que ergueu este império.

Alaor então percebeu que aquela senhora não estava blefando e que suas

palavras se encontravam com pensamentos de sua infância a respeito do que ouvia

sobre a sua árvore genealógica.

Após o café decidiram em conjunto que não iriam à cidade naquela manhã.

Ficariam no casarão e desbravariam os arredores da enorme residência. Dona

Chica e família saíram do restaurante e foram para o centro fazer umas compras.

Os Cavalcante, então, seguiram para o programa matinal da sexta. Caminhariam

pelas trilhas existentes no enorme terreno e praticariam arvoredos, nadariam na

piscina e talvez almoçassem por lá mesmo. O espaço em volta do casarão era muito

grande e alguns espaços, muitos cobertos pelo mato, não foram avistados pelos

“desbravadores”. Dos quatro, apenas Ana Beatriz discordou em ir para o mato, lá

não tinha wi fi. Mas foi assim mesmo.

_ Minha filha, isso não tem graça. Venha fazer algo diferente. – Pediu o pai.

_ Afff. Tá bom. Eu vou, mas quero voltar logo.

_ Certo. Voltaremos logo. – Disse Alaor.

_ Eu vou demorar. Quero ser aventureiro. - Disse Marcos sorrindo.

Todos riram da “coragem” do pequeno.

_ Até parece. – Concluiu Cristina.

Chega ao hotel um senhor alto e bigodudo. Procura um quarto para se

hospedar e a recepcionista o indica um no segundo piso, ao lado da família

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Cavalcante. O quarto cinco. Durante todo dia o homem de barba caminhou pelas

ruas da cidade levando consigo alguns papéis e sempre verificando algo no tablet.

Assim como Ana Beatriz, também exigiu senha de wi fi.

_É que sou um velho “antenado”.

_Imagine. - Disse meio sem graça a atendente.

Na verdade ele tem plantas arquitetônicas do local. Ele conhece a história de

toda a trajetória dos antigos moradores daquele casarão e da riqueza de ouro

depositada em algum lugar por ali. Tinha uma missão dura. Convencer alguém a

explorar a casa e descobrir onde o tesouro de quase trezentos anos estava

escondido.

Sua escolha para se hospedar no casarão não fora à toa, pois no dia anterior

ouviu no restaurante a conversa de Alaor com a esposa sobre suas origens e nos

estudos e pesquisas do bigodudo, aquele homem, ali perto bem, no quarto ao lado

era um possível herdeiro. Mas antes disso tuto, o velho antenado já tentara uma

aproximação com o casal. Um trágico problema de família os uniu.

O homem misterioso é Pedro Araújo, um historiador de Goiás que vive em

função de pesquisar sobre edificações antigas e suas histórias. Aquele casarão

tinha tudo que o velho professor de história queria. Tradição, fatos e o mais

importante: consequências. Pedro sempre foi dado ao fascínio de ser reconhecido

por uma grande descoberta e se ali existisse o ouro de que ouviu falar e até leu em

documentos velhos de cartórios da capital, fecharia seu ciclo de vida famoso com

seu nome nos futuros livros de história.

Entrou no quarto e de imediato começou a bater com os dedos na madeira da

porta. Repetiu o gesto no banheiro e numa outra porta que dava para um pequeno

espaço dentro do quarto. Sem encontrar algo parecido com paredes ocas, desistiu

naquele momento. Correu os olhos pelo teto, foi à janela, mexeu nas cortinas. Olhou

de novo e deixou cair-se sobre a cama de casal. Ali ficou por alguns instantes

pensando na sua estratégia e de como convenceria o vizinho ao lado de que aquele

era o casarão de sua família e que havia ouro ali. Isso Alaor talvez soubesse. O

problema era convencê-lo de que era herdeiro. Isso seria dureza.

Pedro retirou da mochila o tablet e passou a vasculhar arquivos. Via os

mapas da cidade, das casas à época, e, claro, de velho casarão. Nos idos imperiais

uma suntuosa construção estilo colonial, com projetos e plantas arquitetônicas

vindas diretas de Portugal. Uma obra de arte. Enquanto lia detalhadamente projetos

e plantas baixas da velha casa, ouviu a família Cavalcante de volta. Arrumou-se

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numa cadeira próximo à sua porta de entrada para ouvir quando os vizinhos

entrassem. Era preciso observar os movimentos e os hábitos do seu alvo.

_ Pai! - Grita Ana Beatriz.

_ Para de gritar, menina. - Retruca a mãe.

_ É que eu estou com muito calor. Vou tomar banho primeiro.

A garota subiu as escadas correndo e foi direto ao banheiro.

_ Nossa filha está cada dia mais parecida com sua mãe. Deus me livre.

_ Não vejo isso. Só se parece com a avó quando é pra ser malcriada. Quando

é para ser gênio, aí é com sua mãe, não é amor?! Brincou o patriarca enquanto

entravam no quarto.

Ouvia as vozes do casal e parecia anotar cada palavra. Na verdade, a raposa

da história não queria saber detalhes de comportamentos e de como poderia usar

isso em sua abordagem. Já os tinha. Precisava era de um tempo certo para isso. A

abordagem. Enquanto isso não acontecia, Pedro se limitou a ler os jornais e

registros antigos da cidade.

_ Meu amor, vou fazer uma ligação para o escritório. Preciso apenas

encaminhar uma petição.

_ Não acredito, Alaor. Você vai trabalhar?!

_ Meu amor, calma. Eu só quero confirmar a emissão da peça ao juiz. É um

caso importante.

_ Tá bem. Mas eu que não quero saber de clínica hoje. Crianças, só as

nossas. - Disse rindo.

_ Então vamos tomar um vinho. - Sugeriu Alaor.

Pedro não precisava de muita informação, talvez por já ter o suficiente. Alaor

era advogado, logo saberia usar bons argumentos da justiça de família, caso fosse

necessário ao plano. Já Cristina cuidava de crianças, era pediatra. A sensibilidade

aflorada da esposa de Alaor também era um obstáculo, pois podia usar isso contra,

na hora de Pedro argumentar sua ideia de “garimpar” o ouro do casarão, quando o

assunto fosse Ética, por exemplo. Mas ele era paciente. Saberia o que fazer e como

fazer.

_ Ana. Marcos. Vamos descer até o bar do hotel. Se forem para a piscina não

esqueçam toalhas e o protetor solar. Se ficarem no quarto, comportem-se.

_ Eu vou ficar aqui, pai. Vou ver minhas redes.

_ Eu vou tomar banho na piscina. - Disse Marcos.

_ Está bem. Pegue o protetor, a toalha e vamos descer.

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Os três desceram. Pedro aproveitou e os seguiu. No bar, Alaor e Cristina

sentaram numa mesa que dava para olhar a piscina, assim vigiavam o mais novo.

Pedro, ficou numa mesa em que poderia ver facilmente Alaor e com isso tentar uma

aproximação. O casal parecia apaixonado e não poderia ser atrapalhado. Mas

Pedro precisou daquele momento. Só tinha de ficar a sós com Alaor. Era a chance.

Torcia para que Cristina, por alguma razão, saísse um instante.

De repente, um garçom do bar se aproxima do casal e diz a Cristina que o

filho Marcos, na beira da piscina, pede que a mãe fique ali com ele. O coração

materno não se furta a isso e, lógico, ela vai ao encontro do filho. Pedro fica radiante

e um brilho nos olhos surge. Era a sua grande oportunidade. Mal Cristina se afasta

da mesa, o historiador se aproxima de Alaor.

_ Olá. Bonita família a sua. - Diz o velho Pedro gentilmente.

_ Obrigado. - Responde Alaor, displicente.

_ Me perdoe a intromissão, mas não pude deixar de ouvir o senhor. É

advogado, certo?

_ Sim. Possuo um escritório em Brasília.

_ Ah! Que ótimo! E qual área você atua?

_ Direito criminal e cível.

_ Hum. Boas escolhas. Mas eu prefiro o de família.

_ Ah, não. Este é o mais complicado. Um bando de abutres em busca de

heranças. Não. Definitivamente não.

Sorriram e Pedro mudou de assunto.

_ E este hotel. Como é lindo, meu Deus.

_ Sim, Uma bela casa colonial.

_ Sim, pelo que li, do tempo do imperador. – Conclui o historiador.

_ Perfeito. – Vaticina Alaor.

_ Li a respeito de casas antigas. Sou professor de História e tudo que é antigo

me interessa.

Eles riram e Pedro continuou.

_ A propósito, descobri quase tudo sobre este casarão. Sei de suas histórias:

da origem ao dia de hoje.

_ É mesmo?! E o que sabe tanto?!

_ Bem, pra começo de conversa, sua família o fundou. Ou melhor, seus

antepassados.

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_ Isso faz muito tempo. De nossa família nada restou. Inclusive o atual dono é

alguém quem não conhecemos.

_ Sim. Claro. Mas eu sei de histórias que talvez lhe interessem.

_ Ah, é?! Como assim?

_ Ouro, por exemplo.

Ao ouvir esta frase, Alaor franziu a testa e fez cara de reprovação. Mas antes

que ousasse falar algo em contrário ao que pensava ou queria o professor, Pedro já

tratou de emendar sua tese.

_ Acalme-se. Eu sei que os seus antepassados esconderam ouro neste local.

Atrás de portas ocas. Li tudo sobre isso em velhos livros. Ninguém nunca veio atrás

porque os registros dão conta de que um negro escravo o escondia. E que somente

ele saberia o local exato onde escondera o ouro. Mas isso não é verdade. O negro

registrou tudo em forma de desenho. Deixou guardado em seu quarto, na casa

grande.

_ Isso é loucura. Nunca se ouviu falar disso.

_ Você sabe que não é bem assim.

_ Onde você quer chegar?

_ O ouro é seu.

_ Claro que não.

_Pense bem. O casarão pertenceu aos seus antepassados. Você e eu somos

os únicos que sabemos desta informação. Vamos explorá-la.

_ Isso é roubo. - Disse Alaor, ainda em tom calmo.

_ Roubo?!

_ Sim, pois não me pertence.

_ Ora, doutor. Como advogado o senhor sabe que não é bem assim.

_ Sim, eu sei. Mas sei também que não é fácil e que também nãos seria ético

de minha parte.

_ Pois esqueça a Ética e a Lei. Vamos simplesmente nos meter numa

aventura de caça ao tesouro.

_ Me diga como.

_ Viu?! Você parece interessado.

_ Óbvio que não. Quero apenas saber de sua loucura. Disse Alaor com um

sorriso tímido.

_ Sim, de fato. Sou realmente louco. Mas sou visionário.

_ Visionário?! Isso para mim tem outro nome.

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_ Por favor. Não leve a conversa por este lado. Visionário, sim. Não quero seu

ouro. Quero apenas a fama por ter descoberto uma fortuna.

_ Mas como pode ser isso? Sua fama lhe custará sua reputação.

_ Não me importo. Veja o lado bom. Lhe faço rico e fico famoso com uma

descoberta improvável. Imagine. “Ouro em Pirenópolis brota de portas de madeiras.”

Disse isso como se fosse externar uma manchete futura de jornal.

_ Você é louco.

_ Louco?! Não. Visionário.

Riram. E Alaor tentou desconversar. Neste momento Cristina vinha se

aproximando. O velho professor se afastou e com um aceno à esposa do advogado,

saiu de sua presença.

Cristina percebeu o semblante aflito do esposo e quis saber do que se

tratava. Mas ela também tinha lá um segredo sobre o velho bigodudo, mas por ética

médica não comentou de imediato ao marido que já o conhecia. Mas isso

saberemos mais tarde.

_ Nada. Apenas mais um louco na minha vida. – Finalizou Alaor.

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CAPÍTULO II – O ENCONTRO

Alaor é advogado e sabe que aquela herança não pode ser dele, afinal de

contas ele não herdou absolutamente nada dos antepassados. Mesmo que existisse

uma brecha na lei, e que isso fosse possível, ele estaria em um dilema ético, pois o

imóvel, agora pertencente a alguém longe de sua origem genética, não era mais

objeto de questionamentos entre herdeiros.

Mas Pedro continua insistindo que ele pode ficar rico e pode mudar os

conceitos do direito de família e que seu escritório ganhará fama com a causa e isso

lhe renderia muitos lucros, tanto em dinheiro como em notoriedade. Alaor diz que

não precisa de dinheiro que é bem estável como advogado. Embora não fosse de

todo uma verdade, mas por orgulho, não assumiria a Pedro. Não naquele momento.

O esposo de Cristina tem um escritório de advocacia. Sua esposa é médica pediatra

e tem uma clínica. Mas o velho insiste que ele pode usufruir daquele ouro. Afirma

saber onde a fortuna está.

O Advogado, à noite, senta-se na varanda do quarto e fica olhando uma

árvore frondosa. Uma espécie de jacarandá. Enquanto admira a noite e a luz das

estrelas seus pensamentos voam em direção às portas do hotel. “São tantas. Em

qual delas o ouro deve estar escondido?”

_ Hum, dou um pote de ouro pelos seus pensamentos. - Diz a esposa entre

risos.

_ Não valem tanto.

_ Aposto que está pensando na sua família que viveu aqui.

_ Hum, andou bem perto.

_ Sério?!

_ Sim. Sério.

_ E no que você pensa tanto? Posso saber?!

_ Meu amor. Você sabia que este casarão esconde uma grande quantidade

de ouro?

_ Para meu bem. Está delirando com o vinho. Isso já tem trezentos anos.

_ É verdade. Em algum lugar aqui dentro existe ouro. Muito ouro escondido.

_ Ah, é?! E como o meu gênio do Direito sabe disso?

_ Pesquisei sobre este casarão.

_ Sei. Esta história não tem nada a ver com o velho estranho com quem você

falava hoje pela manhã, tem?

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Cristina fingia não conhecer Pedro Araújo. Dois motivos a mantinha nesta

posição: o primeiro sua ética médica. Ele era um de seus clientes. O segundo

motivo era porque Alaor estava visivelmente perturbado com as conversas que

vinha tendo com o velho historiador.

_ De certa forma, sim. Ele é historiador.

_ Entendi, senhor Alaor. O estranho lhe convenceu a explorar a casa e buscar

um ouro escondido.

_ Sim. Quase isso.

_ Mas você sabe que não pode fazer isso. Você sabe que não nos pertence.

_ Sim. Claro. Jamais. Mas é que…

_ Alaor. Não tem “mais”. Vamos deitar. Esta história pode nos meter em uma

confusão matrimonial.

_ Está bem. Vá na frente. Irei em seguida.

Cristina saiu da presença do marido e ele ficou na varanda admirando a noite

e a árvore frondosa. Tomou um gole de vinho e debruçou-se na grade de madeira

que cerca a varanda para poder olhar o jacarandá mais de perto. Nitidamente

pareceu ver alguém dependurado na antiga árvore. Inclinou-se mais um pouco, mas

a penumbra não lhe deixou ver nada. Deduziu que estava alto pelo vinho e já vendo

visagens e achou por bem ir deitar-se. Na cama, enquanto via o corpo belo e lindo

da esposa, seus pensamentos o levavam para outra dimensão. Longe daquele

quarto e daquela respiração, Alaor só imaginava na história de Pedro sobre o ouro.

“Será?”!

Na manhã seguinte, Cristina não espera o marido para o café da manhã.

Desce sozinha para o restaurante do hotel e seus olhos procuram o tal historiador.

Ela não o acha e volta para o quarto. Alaor, ainda deitado, não percebe que Cristina

está procurando Pedro para uma conversa sobre as loucuras que ele anda

pregando ao marido.

_ Onde você estava?

_ Fui lá embaixo procurar o seu “amigo”.

_ Por que fez isso?

_ Quero pedir a ele que pare de lhe incutir estas loucuras.

_ Calma, querida.

_ Não me peça para ficar calma. Não gosto destas histórias.

_ Isso foi apenas uma ideia. Não vamos brigar por isso.

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O tom das vozes deles estava alto e as crianças acordaram. Perceberam o

clima conflituoso e correram para juntos dos pais. Ana Beatriz olhou fixamente para

o pai e com ar de reprovação indagou:

_ Vocês estão brigando?

_ Não, filha. Não estamos brigando.

_ Por favor, pai. Viemos aqui para nos divertir e vocês descansarem um

pouco. Estávamos bem. Vamos continuar assim.

_ Claro, filha. Claro. Vamos tomar nosso café e vamos passear na cidade.

Hoje vamos comprar souvenires.

Depois do café a família Cavalcante rumou para o centro da cidade. Estavam

dispostos a fazer compras de presentes para amigos do escritório dele e da clínica

dela. Enquanto entraram numa loja de artesanato, Alaor disse:

_ Meu bem, vou até o outro lado da rua comprar umas peças de decoração

em metal que vi ali na praça.

_ Tudo bem. Esperamos você aqui.

_ Ótimo.

Beijou a esposa e os filhos e seguiu para a lojinha na praça. Cristina, ainda

desconfiada o seguiu com os olhos até ele sumir na rua.

_ Bom dia.

_ Bom dia. Em que posso ajudá-lo?

_ Vi umas miniaturas de carros antigos. Onde estão?

_ Ah, sim. Temos umas excelentes.

_ São feitas aqui mesmo?

_ Sim. Um artesão local que as fabrica. Ele já recebeu até prêmios

internacionais.

_ Hum. São lindas, mesmo.

Alaor se distraiu vendo peças antigas. Eram carros, motos, equipamentos do

lar. Tudo em miniaturas e feito em latão. Começou a separar algumas peças para

comprar. O advogado era aficionado por coisas antigas. Ainda mais quando tão

bem-feitas como aquelas.

_ Separe estes para mim. Vou levar.

_ Bela escolha, senhor. São realmente maravilhosos.

Enquanto pagava a conta e recebia o pacote com as peças, uma voz

conhecida lhe falou:

_ Vejo que não só sou que aprecio coisas velhas por aqui.

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_ Olá. Sim. É verdade. Sou um museu ambulante. - Disse Alaor sorrindo.

_ Meu caro, ontem não pude deixar de ouvir você falando com sua esposa.

Ela é bem resistente.

_ Sim. Não concorda e até brigamos. Não quero continuar com essa

proposta.

_ Eu entendo. Relacionamentos são complicados, mesmo. Eu mesmo tenho

um de longa data e até hoje me causa calafrios. Hoje me vejo com minhas loucuras

de aposentado e meu casamento velho. - Disse Pedro sorrindo.

_ Não é isso. É que a história é confusa para ela. Minha esposa é muito

certinha com as coisas. Não quer confusão e não acredita em milagres. Não esses.

_ Não estamos falando de confusão. De crimes. Muito menos de milagres.

Estamos falando de uma fortuna em ouro. Ninguém sabe onde está. Mas eu sei.

Você também sabe.

_ Meu Deus. Isso é demais para mim.

_ É demais para nós. Mas sou paciente

Alaor volta para junto da esposa e filhos e de lá rumam para mais compras. A

esposa percebe que o marido está inquieto. Parece estar disperso e sem atenção

ao que estão fazendo. O silêncio de Alaor projeta em Cristina uma certeza: ele está

tentado a buscar o tal ouro e precisa mentir para conseguir convencê-la disto. Ela

precisa ser inteligente para que o assunto não provoque uma briga entre eles e as

crianças não venham a sofrer. Cristina conhece bem o marido, são casados há

dezoito anos. Ela sabe bem suas qualidades, mas não pode negar seus defeitos.

Alaor é ambicioso. Tem vontade de crescer e se tornar bem-sucedido no ramo da

advocacia. Cristina Sabe também que os negócios no escritório não vão bem, pois

um dos sócios deu um rombo grandioso nas contas da firma ao defender uma causa

de uma grande empreiteira e sumir com os honorários. Alaor e o terceiro sócio estão

se virando para pagar contas e o escritório pode vir a fechar. Já até combinaram de

dividir os clientes caso isso ocorra. Ela sabe que a situação faz o ladrão e o marido

pode não resistir e cair em tentação.

_ Meu amor, o que está havendo? Você voltou da loja mais perdido do que

quando foi.

_ Nada meu bem. Nada.

_ É o tal ouro, não é?

Ele a olhou com ternura e deixou escapar sua vontade de acreditar em Pedro

e explorar o ouro. Cristina entendeu e como já estavam perto da saída do hotel, ela

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pediu que ele só esperasse o fim do programa de passeio. Depois ela iria com as

crianças de volta para casa e ele Alaor poderia fazer o que quisesse.

_ Não concordo com isso. Mas não posso combater sua vontade.

_ Me perdoe. Por favor. É uma chance de nos salvar.

_ Nos salvar?! De quê? Não estamos em perigo. Seu escritório está ruim,

mas pode melhorar. Não precisa disso.

_ Eu sei. Mas se ele existe, por que não?

_ Porque não é seu. Simples assim.

_ E se eu tiver uma chance legal de que ele seja?

_ Como uma chance legal? Como pode ser isso? São trezentos anos de

espaço de tempo.

_ Eu li sobre o assunto. Há uma chance legal de torná-lo nosso.

_ Nosso?! Não quero isso pra mim. Não mesmo. Não desse jeito.

_ Por favor. Me dê uma chance.

_ Não compactuarei com isso. Mas se você quer. Não posso impedir.

Cristina resolve voltar para o casarão e deixar o marido com suas ideias. Ele

reluta em concordar com o retorno dela a Brasília e pede que ela fique, ao menos,

enquanto durar a programação do fim do recesso que haviam programado

anteriormente. Ela pede a ele, então, que neste período não fale mais sobre o

assunto. Concordando, Alaor vai falar com Pedro para que aguarde até a saída da

esposa e as crianças do hotel. Assim, ele ficará e dará vazão ao projeto de

“garimpar” o ouro nas sete portas do hotel. Era este o esconderijo das barras de

ouro dentro do enorme casarão. Pedro tinha falado disso com Alaor, pois segundo o

velho professor, num dos velhos documentos que pesquisou havia esta informação

que o escravo Valdomiro deixou escapar a Casico.

Cristina não resiste e procura Pedro para mais uma conversa.

– O senhor não tinha o direito de importuná-lo com essa loucura.

– Calma, doutora Cristina. Nosso encontro não foi premeditado.

– Não me peça para ficar calma.

– A senhora tem bom coração. Acredite em mim. Vai dar certo.

Era preferível nunca ter te conhecido professor. – Disse Cristina, antes de se

afastar do historiador.

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CAPÍTULO III – O MENINO CASICO

(primeiro acessório)

Casico, com 12 anos brinca no quintal no casarão. Uma charrete se aproxima

e desce do veículo seu pai com duas bolsas de couro nas mãos. Elas pareciam

pesadas. O menino vê, mas não dá muita importância. E continua por ali brincando.

Logo em seguida, o pai de Casico as entrega a um escravo. Valdomiro, um escravo

de idade, que está com os Cavalcante há anos, sai carregando as duas bolsas de

couro e se volta para os fundos da casa. Casico resolve ir atrás. O velho escravo

caminha lentamente e desce um alçapão que o leva a um porão.

Casico, mesmo pequeno, alcança os passos de Valdomiro e desce as

escadas do alçapão. O local é escuro. Mesmo assim ainda é possível enxergar

alguns metros dentro do porão, com a luz vinda de fora. Um enorme labirinto se

mostra e vai ficando cada vez mais escuro. Valdomiro, por estar acostumado aos

locais do casarão, segue tranquilamente. Casico desiste e apenas escuta os passos

do escravo escuridão a dentro. Valdomiro parece pegar uma lamparina. Casico fica

quieto e espera o velho se afastar. A luz some e o garoto, então, volta para as

escadas. Mas traz consigo uma pulga atrás da orelha. Aventureiro, o menino já se

imaginava descendo as escadas e indo ver o que o velho escravo levava nas bolsas

de couro e onde as deixava. Nas escadas ele não enxerga mais Valdomiro, mas

ouve barulhos como se algo fosse depositado em algum local. Provavelmente

alguma estante de madeira em algum cômodo do porão. A luz da lamparina se

aproxima e ele sai correndo e volta a brincar como se nada tivesse acontecido.

Dali em diante o pequeno Casico ficou atento aos passos do pai. Toda vez

que ele voltava da cidade trazia as tais bolsas. Sua imaginação voava longe e ele se

convenceu de que o pai estava guardando alguma coisa. O menino ouvia as

conversas do pai com outros senhores e o assunto era sempre sobre terras, tecidos

e ouro. Os anos se passam, mas a memória do garoto era sempre viva e ele

entendeu que o conteúdo das bolsas era escondido no porão. Não sabia, ou não

tinha certeza de que era ouro, mas ele descobriria, mais cedo ou mais tarde. Assim,

quieto, tinha um gênio forte e era um garoto pesquisador. Um garoto que ia atrás e

não se convence até provar suas teses. Não pensou duas vezes e num belo dia foi

até o local. Caminhou até o porão da casa e descobriu onde as várias e várias

bolsas de ouro estavam guardadas. Afligiu-se por um momento, mas logo manteve

a calma. Sua mente ambiciosa já maquinava um plano mirabolante.

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O menino passou a todos os dias, no fim da tarde, descer ao porão com uma

sacola de lona cheia de pedras. O garoto trocava o ouro das bolsas por pedras e

escondia o metal precioso em outros pontos da casa. Casico tinha visto algumas

portas do casarão serem substituídas, pois a madeira ficou enfestada de cupins.

Foram sete portas no total. Ele sabia que algumas portas já não eram mais de

madeira maciça e isso o fez ter uma ideia genial. Soltar os tampos das portas,

silenciosamente, quando todos estavam fora ou ocupados em seus afazeres e com

isso colocava as bolsas de ouro dentro. Ardiloso, ele envolvia as moedas em panos

para não fazerem barulho.

_ Clementina! Clementina!

_ Pois não, sinhá.

_ Onde estão meus panos de pratos? Noto que eles estão sumindo.

_ Uai, sinhá! Estão onde a senhora sempre guarda, aí no seu armário. Só a

senhora tem a chave.

_ Pois alguém também tem. Percebi que, pelo menos, uns dez já sumiram

desde a semana passada. Isso é bem coisa do Plínio.

_ Qual o quê, sinhá. Pra que o Sinhozinho Plínio vai querer seus panos?

_ Sabe Deus! Sabe Deus!

A desconfiança do sumiço dos panos de cozinha de Olivia não eram de perto

grave como quando Antônio Plínio descobriu que o ouro guardado em bolsas de

couro, no porão de sua casa, também estava sumindo. O pobre escravo Valdomiro,

único que fazia os serviços e sabia do local, foi logo interpelado pelo velho patriarca.

_ Negro, confiei em você. Mas penso que você esteja me roubando.

_ Jamais, meu senhor. - Respondeu o pobre escravo sem entender a

acusação.

_ Ontem estive no porão. Minhas bolsas estão lá. Mas sabe o que tem

dentro?

_ Seu ouro, meu senhor.

Antônio Plínio esbofeteou o negro, ao ouvir a resposta, por achar que o

escravo zombava de sua desgraça.

_ Seu insolente. Só tem terra, pedras, areias.

_ Pois não sei o que tem de errado, senhor. Faço como o senhor manda.

_ Vou lhe dar dois dias para este ouro aparecer. São sete bolsas. Se neste

prazo não voltarem, você receberá um castigo de morte.

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A família escuta o alvoroço, mas ninguém contesta o pai. Afinal, a criação vem

dos dogmas católicos, e outros problemas estão sendo vivenciados pelos irmãos de

Casico. Eduardo, por exemplo, está enamorado por uma moça e já estava afastado

do garimpo deixando pai quase sempre só. Sempre que Plínio saía a campo, o

jovem Casico não perdia tempo e seguia os passos do velho. Eduardo não era dado

aos estudos, mas sabia ler e escrever. Seu objetivo, porém, era fazer sua fortuna e

casar-se com a bela Eulália. Seus sonhos eram longe de Pirenópolis.

Já a formosa Maria Eduarda, então com 16 anos, já se encontrava às

escondidas com um rapagão do exército real. Pouco se importa com as confusões

do pai e seu ouro. Casico, com tudo isso, tinha tempo de sobra, apesar da pouca

idade, para maquinar suas travessuras. Ele era observador e todos diziam que tinha

saído ao pai. Um grande negociador e um astuto descobridor de coisas. O velho pai

achou ouro na região. Casico também. O único diferencial era que o pai cavava a

terra. Casico roubava.

O ano de 1746 não foi bom para a primária família Cavalcante. A descoberta

do sumiço do ouro não foi uma aflição maior do que a morte de Eduardo, aos 18

anos. O rapaz, que nutria uma paixão por Eulália, não aceitou que a moça fosse

voltar para Portugal. Os dois se encontravam às escondidas e ela estava prometida

a um nobre nas terras d´além-mar. Os pais da moça, tão logo reuniram as posses

necessárias nas terras recebidas da coroa, trataram de vender tudo e rumaram de

volta a Lisboa. Estavam no Brasil há 18 anos e a menina Eulália tinha nascido por

aqui. Mas antes de virem para cá, uma dívida fez com que a moça, assim que

nascesse, fosse prometida ao filho de um conde português. Um contrato em que a

parte interessada sequer existia, mas reza a lenda que naquele tempo era assim.

Eduardo, no momento em que viu a amada zarpar num navio refugiou-se em

sua solidão e dali a três dias enforcou-se numa árvore, nos fundos do casarão. O

desespero de dona Olivia com o sumiço do filho, pois apenas sete dias depois é que

encontraram o corpo, era tamanho que por pouco não definhou. Recebeu o filho, já

podre, para o enterro, entre lágrimas e uma dor profunda.

_ Meu Deus! O que este menino fez? Perguntava a mãe em prantos.

O enterro se deu em silêncio e a casa toda estava presente. Vizinhos e

negociantes também vieram solidarizar-se com os pais de Eduardo. Padre Olavo fez

uma prece e disse palavras de consolo. Maria Eduarda estava quieta, chorando em

silêncio, sendo observada por seu soldado raso. O velho Plínio, do auge de sua

soberba, não ousava verter uma lágrima, mas a tudo assistia com uma dor

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resignada. Casico, com doze anos, ficou de longe e contemplava sua futura vida

milionária, ainda que sem saber. Era junho de 1746.

O luto de Olivia durou sua vida restante. A vida deveria voltar ao normal, mas

para uma mãe que perde sua cria isso jamais é possível. Nada traria de volta o filho

morto, mas ela ainda tinha dois que precisavam de cuidados. A velha senhora tinha

certeza da ousadia de Casico e com ele pouco se importava, no sentido de

preocupação. Mas a Olivia precisava ajudar a filha a enamorar-se do soldado.

Francisco Guedes tinha 19 anos e prestava seus serviços ao exército do rei

de Portugal, na tropa que veio de Lisboa para o Brasil compor a guarda real. Nosso

país, até então, não tinha um exército composto, mas as forças militares cuidavam

dos príncipes, princesas e das vilas. O Soldado Guedes era um desses guardiões.

Ele não tinha posses, não era nobre, mas o fato de ser da força militar portuguesa

lhe dava um certo status quo. Mas para o velho Antônio Plínio, Maria Eduarda

deveria casar-se com um nobre, para que as fortunas fossem resguardadas. Essa

condição era ímpar para a felicidade da moça. Um tormento para os paixonados. E

um problema para Olívia.

_ Mamãe, preciso falar-lhe.

_ Minha filha, poupe-me. Já sei. Apesar de não concordar com a filosofia do

seu pai, não posso ir contra ele.

_ Mamãe, eu sei que a senhora sofreu muitos nos últimos meses. Mas não

quero me casar arranjada. Amo Guedes, é com ele que quero viver.

_ Seu pai vai lhe deserdar.

_ Não me importo. Vivo com meu amor e seremos felizes.

_ Minha filha, isso é loucura! Pense no seu pai. Veja como sofre a perda de

seu irmão.

_ Perdoe-me, mamãe. Mas não sinto isso. Papai é duro e só pensa em ouro,

terras, tecidos, fortunas.

_ Não diga isso. Seu pai se preocupa com vocês. O que faz é para o futuro de

vocês.

_ Mamãe, me ajude. Preciso fugir. De outra forma papai não me deixará

casar. A não ser com suas indicações nobres.

_ Como vou fazer isso? Como vou me explicar ao Plínio depois? Me diga.

_ Não sei. Mas preciso fugir.

_ O rapaz pode tentar falar com o seu pai. Certamente ele entenderá.

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_ Ora, mamãe. A senhora bem sabe que não. Papai jamais me dará a mão a

um pobre.

_ Tens razão. Tens razão. Me dê uns dias. Vou pensar e talvez eu consiga

convencer seu pai.

_ Não! Não faça isso. Papai jamais aceitará e aí irá me prender neste

casarão. Jamais verei meu amor outra vez. Por favor, mamãe, prometa-me que não

falará nada. Por favor!

_ Está bem. Está bem. Acalme-se, sim?! Não falarei nada. Vamos pensar

num outro jeito.

_ Só tem um, mamãe: fugir.

Cinco meses após o velho Plínio perder o filho, acordou assustado com a

escrava Clementina gritando pelos corredores do segundo piso do casarão.

_ Acuda, sinhá! Acuda!

_ O que diabos esta negra maldita está vendo? Indagou Plínio em cólera.

_ A menina Maria Eduarda não tá na cama dela, sinhô.

O velho patriarca rumou para o quarto da filha e notou que ela sequer tinha

dormido em casa. Furioso, abriu seu guarda roupas e notou que a moça fugira

levando apenas o necessário. Voltou-se para o seu quarto e ao entrar viu dona

Olivia sentada na cama com um terço na mão.

_ Você sabia disto, mulher?! Sabia?!

Olivia o olhou com mansidão e resignada acenou positivamente com a

cabeça.

_ Pois ela não terá de mim um único centavo. Um único vintém.

As bolsas de couro que guardavam o ouro nem sempre ficaram no porão.

Plínio não deixava transparecer, mas nutria pela filha Maria Eduardo um amor maior.

Era sua princesa, sua filhinha querida. O velho pai, mesmo não sendo dos mais

amáveis com os filhos, trabalhava diuturnamente para que os filhos tivessem um

futuro promissor nos negócios, mas para a filha ele queria garantir uma riqueza, pois

a moça só deveria viver se fosse como uma eterna princesa. Seu legado estava

separado em outas bolsas de couro, estas continham, inclusive, as iniciais da moça.

Com um sorriso de alívio, Olivia sacudiu a cabeça negativamente e em seu

pensamento limitou-se a proferir:

“O único bem que Maria Eduarda quer é o seu amor soldado. O resto, ela

conquistará, pois tudo o mais é vaidade.”

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CAPÍTULO IV – O PLANO

A quarta feira nascia lenta. A cidade de Pirenópolis fora do período de festas,

férias e recessos é uma cidade quase morta. Mesmo assim ainda existiam turistas

nas ruas. Alaor e a família foram até o centro comprar mais presentes. Almoçaram e

por volta do meio dia deixaram o hotel. No caminho de volta para Brasília, no carro,

os membros da família foram conversando sobre a necessidade de o pai voltar à

cidade de Pirenópolis para tratar de uns negócios do escritório de advocacia.

Cristina ouvia as “explicações” do marido e embora resoluta com a ideia não ousou

desmenti-lo diante dos filhos.

_ O senhor vai demorar muito, pai? Quis Saber Marcos.

_ Não, filho. Voltarei em uma ou duas semanas, no máximo.

Ao dizer isto, Cristina o olhou com cara de espanto. Não tinham falado do

prazo para a loucura. Mas ele a fitou com severidade, deixando entender que depois

lhe explicaria o motivo do tanto de tempo ser preciso para a conclusão do plano.

De volta à Pirenópolis, Alaor procura um outro hotel para se hospedar.

Entrando numa pequena pousada, o celular toca.

_ Ei, amigo. Onde vai?

Era Pedro Araújo querendo saber o motivo de o advogado não voltar ao

casarão para ficarem no projeto de busca pelo ouro. O historiador parecida seguir os

passos do advogado e o encontrava sempre.

_ Você está me espionando? Indagou o causídico.

_ Claro que não. Só temos interesses em comum. Estou apenas me

certificando que não iremos nos perder.

_ Nos perder?!

_ Sim. Para ter certeza de que você não vai fugir. - Disse entre risos.

_ Fale-me. Por que ficará nesta pousada? – Perguntou o historiador.

_ Pensei melhor e acredito que estaremos mais seguros se ao menos um de

nós ficar em outro local. Talvez levantemos menos suspeitas.

_ Ora, o que é isto?! O casarão está vazio. Existem apenas mais uma família,

que logo devem sair. Os outros que chegaram ontem são apenas namorados que

ficarão fora o tempo todo. Teremos o dia inteiro para começar as buscas. Eu mesmo

já andei bisbilhotando as portas.

Alaor desligou o telefone e fez seu check in na pousada.

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Amanhã seguinte estava mais quente do que de costume. A cidade já estava

calma. Era uma sexta e o fim e semana não parecia atrair mais turistas. Afinal, o

período de férias chegara ao fim e os poucos visitantes estavam só completando as

últimas horas de descanso. A cidade vazia, o hotel vazio, tudo era perfeito para que

os dois fossem atrás do ouro deixado pela família Cavalcante primeira.

_Aquela quantidade de ouro deixada por Casico está em portas de madeira

maciça. São ocas no meio e o ouro está embutido, envolto em panos para não fazer

barulho com o abrir e fechar das portas.

_Isso é loucura. Não vamos conseguir achar estas portas depois de tantos

anos.

_Acredite, homem. Vamos conseguir. Pense positivo. Pense grande.

Alaor estava sentado no bar do casarão, conversando com Pedro. Os dois

observavam a movimentação e de fato, os turistas tinham saído todos. O café da

manhã se resumia a dois casais de namorados e a ele, Pedro.

_ Viu?! Estamos a sós.

_ Você já pensou em algo?

_ Sim. A camareira só precisa sair dos quartos ocupados. Ela faz o trabalho

rápido. Como só existe ela no hotel, agora, teremos tempo para vasculhar com

calma.

_ Algum plano para localizar as portas?

_ Como eu disse, são ocas. Vamos usar o toque e comparar os sons. Venha,

vamos ao meu quarto. A minha é oca. Vou lhe mostrar a diferença de barulho.

Entraram no quarto cinco e Pedro trancou a porta por dentro. Em silêncio,

aguardaram que a camareira saísse do último quarto ocupado. Começaram a

vasculhar a primeira porta. A do quarto de Pedro. Bateram e Alaor rapidamente

distinguiu a diferença de sons. Neste momento um calafrio tomou conta do

advogado e a calma deveria imperar. Pedro retirou de uma mochila um pequeno

formão, uma chave de fenda e uma espátula e começaram a retirar o tampo da

porta. A madeira era uma tampa comprida, deveria ter oitenta centímetros de altura

por oitenta de largura. Ia do meio da porta, próximo ao trinco, até a base. Era neste

local que o som se diferenciava da parte de cima. Pedro sabia da troca das

madeiras, quando as portas originais fora comida pelos cupins.

Enquanto Pedro deslocava o compensado, indagou a Alaor.

_ Diga-me, como convenceu sua esposa a deixá-lo ficar na cidade?

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_ Falei do seu projeto. Do ouro. Da minha pretensão… digo, da nossa

pretensão.

_ Não se preocupe. Que seja a sua. - Disse Pedro rindo.

_ Primeiro convenci a ela de que o ouro poderia ser retirado, pois você tinha

conferido tudo sobre as portas.

_ Ela entendeu?

_ Claro que não. Jamais entenderia.

_ Pois deveria.

_ Por que diz isso?

_ Sua esposa tem motivos para concordar conosco.

_ Por que me diz disso? O que você sabe de nossas vidas?

_ Você descobrirá a seu tempo.

Eles precisavam ser rápidos e precisos. Mas o primeiro passo pareceu fácil.

Afinal, bater em madeira e diferenciar um som não parecia nada estranho. O

segundo era fazer isso sem chamar atenção dos funcionários do hotel e se tem

mais hóspedes, destes também.

Pedro abriu e retirou o primeiro tampo e a decepção foi grande. Se seus

estudos e leituras sobre o casarão contam-lhe uma história do esconderijo de

Casico, em algum momento uma nova estratégia fora traçada e esqueceram de

lançar mão em algum diário da família Cavalcante, a origem.

_ Não pode ser. Tem de estar nestas portas. Eu li as informações nos velhos

documentos.

_ Calma. Você disse que são sete portas. Alinda estamos na primeira.

_ Sim. Sete portas. Agora temos apenas seis para descobrir. Elas devem

guardar algo.

_ Vamos em frente. Vamos para a próxima.

Pedro colocou de volta o tampo da porta e a abriu para seguirem a outro

quarto.

_ Vamos no três. Está vazio.

Alaor obedeceu e seguiu para fazer o teste da porta oca.

Enquanto Pedro vigiava o corredor de acesso às escadas, Alaor tocava a

porta para verificar se o som se diferenciava. O casarão, no piso superior, tinha

apenas sete quartos. Mas dentro destes quartos existiam pequenos cômodos,

também fechados por portas. Não eram em todos, mas precisavam vasculhar, em

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média, umas vinte portas. Um trabalho que ainda precisava contar com a ajuda de

alguém que trabalhasse no hotel para pegar as chaves dos quartos vazios.

_ A camareira. Já combinei com ela.

_ Esta porta do três é oca. Então vou pegar a chave com ela.

Saiu para pegar a chave.

Alaor abriu o quarto três. Novamente fizeram a retirada do tampo e mais uma

vez descobriram que nada tinha no interior oco da porta. Rumaram para a porta que

dividia o cômodo e perceberam que também era oca. Nova tentativa. Três portas

violadas. Três esperanças mortas.

_ Não pode ser. Tem algo de errado.

_ Você leu mesmo sobre isso? Falava de portas?

_ Não sou idiota, Alaor. Sou professor. Passei a vida lendo. Estudei esses

papéis velhos.

_ Aliás, uma pergunta: onde os conseguiu?

_ Museus da cidade, casas paroquiais, cartórios.

_ Você parece ser bem familiarizado com a cidade.

_ Digamos que tenho meus contatos.

Desistir não era uma opção e Pedro pediu a Rita, a camareira, que trouxesse

as chaves do quarto número um.

_ Ele está ocupado. Tem um casal lá.

_ Mas eles não estão no hotel.

_ Mas não posso trazer as chaves.

_ Por favor. Pense na sua recompensa.

A moça desceu as escadas e colocou no claviculário as chaves do quarto

três. Ela voltou e muito tensa entregou as chaves do quarto do casal. Eles estavam

na cidade e Alaor e Pedro tinham pressa. Enquanto Rita vigiava a rua, da varanda

do corredor, os dois entravam na suíte. Mas, mais uma vez, nada de novo.

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CAPÍTULO V - AS PORTAS QUE NÃO ABREM

Os motivos eram muitos para encontrarem as portas. Mas o plano parecia

naufragar, pois as portas não abriam horizontes. Três portas foram mexidas. O

cinco, o três e um. Até agora, incluindo as portas internas, nada trazia uma luz que

os levasse ao ouro. Era preciso continuar com as demais. Mais quartos seriam

vistoriados. Quatro portas e os que tivessem portas internas, até mesmo de

banheiros. Destes quartos, apenas o cinco, de Pedro, estava ocupado e o um, do

casal. Os outros já se encontravam totalmente vazios. Como já tinham seguido pelo

quarto, digamos, perigoso, o um, os outros seriam fáceis.

_ Vamos retomar nossas buscas hoje à tarde.

_ Tudo bem. Vou aproveitar e vou à cidade. Na pousada ligarei para Cristina.

_ Tranquilo. Vamos almoçar juntos lá mesmo. Depois seguimos para o

casarão.

_ Como quiser.

Pedro ficou no casarão e disse a Alaor que ficaria no hotel e pede um tempo

para pensar no plano “b”, caso as portas continuem ocas de ouro.

_ Tudo bem.

_ Mas hoje à tarde já terei uma saída. - Diz Pedro.

Alaor chegou na pousada e ligou para esposa. Cristina estava na sua clínica e

os dois conversaram sobre o plano do marido e do historiador louco na busca pelo

ouro.

_ Então, seu maluco, achou alguma coisa?

_ Somente portas ocas.

_ Ué, e o ouro?

_ Nada, ainda.

_ Desista homem. Não há nada lá.

_ Como você sabe disso?

_ Apenas sei.

_ A propósito, você conhece o Pedro de algum lugar?

Cristina emudeceu.

_ Alô. Cris.

_ Oi… alô… estou aqui.

_ O que houve? Ficou muda, de repente.

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_ Nada. Sua pergunta me causou espanto. De onde eu o conheceria?

_ Acredito que ele tenha razão. Existe o ouro na casa.

_ Por que diz isso? Qual a sua certeza?

_ Ele está muito motivado. Não tem sentido não ter nada lá.

_ E você, Alaor? Você está motivado?

_ Confesso que às vezes desanimo. Mas quero me convencer que ele está

certo.

_ Isso lhe será bem útil.

_ Como assim?

_ Ué. Achando a fortuna, você consegue colocar as dívidas do seu escritório

em quitação.

Alaor agora foi quem emudeceu. A esposa, que até bem pouco tempo não

concordava com sua loucura, agora parecia convencida de que o ouro existia, e

mais, que a iniciativa do historiador parecia ter algum tipo de nexo. Tanto no mundo

financeiro como no mundo jurídico. Ela acabara se convencendo de que o marido,

como advogado, saberia lidar com a questão de herança, caso fosse contestada, e

isso, se lhe rendesse uma vitória judicial, seria muito positivo para o escritório. Se

não houvesse contestação, caso o ouro fosse retirado sem levantar suspeitas,

indiretamente o marido teria o direito a ele, já que vinha de seus antepassados, e o

valor seria o suficiente para uma vida confortável e tranquila por um bom tempo.

Mas e Pedro? O que ele ganha com isso?

_ Não esperava esta mudança de hábitos. O que deu em você?

_ Nada, querido. Apenas estou do seu lado.

Um ano antes deste diálogo - (segundo assessório)

_ Clínica pediátrica “Criança Feliz”, bom dia.

_ Bom dia. Eu gostaria de marcar uma consulta com a dra. Cristina.

_ Pois não. Qual a nome e idade da criança?

_ Sofia Araújo Santos. Tem quatro anos.

_ O senhor possui algum convênio saúde?

_ Não. É particular.

_ Tá certo. Agendada para o dia quatorze de março, às quatorze horas. Valor

de 170,00 reais.

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_ Obrigado. Estarei aí.

_ Bom dia. Que menina linda! Qual o seu nome?

A mudez da criança deixou a dra Cristina constrangida, mas como médica,

tratou de indagar ao senhor que a acompanhava do que se tratava.

_ Bem, doutora, minha neta sofre um mal terrível. Foi diagnosticado ainda na

infância, mas o recurso pouco nos limitou ao tratamento. Penso que houve uma leve

melhora. Mas estamos preocupados com a evolução do quadro.

Cristina, já preparando para avaliar as primeiras sensações da criança como

aferir a pressão, escutar os batimentos e a respiração, disse:

_ Não se preocupe. Faremos o nosso melhor.

_ Assim, espero. Pois isto me causa grande dor. Ela perdeu os pais em um

acidente. Meu filho e minha nora se foram de forma trágica e prematura e desde

então eu e Marta, minha esposa, cuidamos dela.

_ Onde está sua esposa?

_ Marta está em casa. Vive deprimida com a situação da neta e não suporta

médicos. Esta missão coube a mim.

_ Eu entendo. Vamos fazer uns exames.

Pedro entregou à dra Cristina uma série de exames que vinha fazendo na

criança desde a descoberta da síndrome. O problema que o trazia ali, além da

doença de Sofia, era o que o afligia mais. Pedro, professor aposentado da

Universidade Federal, não tinha mais o plano de saúde completo. A depressão da

esposa, sua idade avançada e os constantes exames e consultas feitas na neta

estavam consumindo boa parte da renda. Para o veterano das salas de aula, o que

ele queria era a compaixão da médica em tratar a neta, por um período até as

coisas melhorarem. Ele temia que a parada no tratamento poderia comprometer a

vida adulta de Sofia, que por enquanto, apresentava poucas deformações.

_ Por favor, me ajude.

Cristina não conseguiu dizer não a Pedro e se comprometeu em ajudá-lo no

que fosse preciso. Sua clínica não era consolidada, mas a médica tinha alguns

clientes fixos e isso lhe dava uma certa segurança. Cristã e piedosa, a doutora de

crianças se prontificou a ajudar. Ela sabia das complicações da doença e sentiu,

naquele momento, vendo aquele avô e a criança, que Deus colocara-os na sua

presença por alguma razão.

_ Farei o possível.

_ Eu prometo lhe retribuir.

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_ Eu acredito.

A síndrome de Aase, também chamada de síndrome de Aase-Smith, é uma

doença rara, genética, de caráter dominante recessivo, caracterizada por ocasionar

anemia e deformações ósseas. A base genética dessa patologia não é conhecida

até o momento. A anemia da síndrome resulta de um desenvolvimento retardado da

medula óssea, local onde as células sanguíneas são produzidas.

Dentre as manifestações clínicas, observa-se: Hidrocefalia, devido ao

fechamento tardio da fontanela; Orelhas deformadas; Contraturas; Fenda palatina;

Pés deformados; Escoliose; Luxação de quadril; Pálpebras caídas; Alargamento

nasal; Pele pálida, em consequência da anemia causada por esta síndrome; Queixo

pequeno; Ombros estreitos; Tripla articulação do polegar, articulações ausentes ou

pequenas e diminuição das dobras cutâneas nas articulações dos dedos.

O diagnóstico é obtido por meio de: Biópsia da medula óssea (mielograma);

Hemograma, que identifica a presença de anemia e uma redução na contagem de

glóbulos brancos; Ecocardiograma, que é capaz de evidenciar malformações

cardíacas; Radiografia, que mostra as anormalidades esqueléticas presentes nesta

síndrome.

Para o tratamento desta patologia, costuma-se realizar diversas transfusões

sanguíneas no primeiro ano de vida para tratar a anemia. A prednisona pode ser

utilizada, porém não é recomendada durante a infância, pois apresenta efeitos

colaterais sobre o crescimento e o desenvolvimento do cérebro. Também existe a

opção de um transplante de medula, caso as outras opções de tratamento não

levem a resultados satisfatórios.

_ Minha neta é minha vida. Vivemos, eu e Marta, para ela.

_ Senhor Pedro, Acalme-se. Farei o que for possível. Vejo que sua neta está

bem. O tratamento com os medicamentos e o controle da anemia estão dando

resultados. Vamos continuar com eles. As deformações são poucas e creio que não

ficarão piores.

_ Temo tanto por ela. Se morrer não sei o que será de nós.

_ Isso não vai acontecer. Acalme-se.

...

No restaurante, Pedro e Alaor almoçavam e planejavam a segunda investida

no plano de achar as portas milionárias. Era preciso correr contra o tempo, pois as

diárias do hotel estavam ficando caras e logo o aposentado levantaria a suspeita.

Isso sem falar que o hotel, numa época do ano, fecha para hospedagem e vira

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objeto de visitação histórica. Ele sabia bem disso, pois esteve lá, enquanto

professor, várias vezes.

_ Hoje à tarde abriremos mais portas. Ao menos duas.

_ Sim. Penso que a tarde teremos tempo.

_ Rita vai nos ajudar.

_ Pedro, o que você sabe sobre Cristina?

_ Sua mulher?!

_ Sim. Quem mais?

_ Meu caro, é uma longa e triste história.

_ Penso que temos tempo, não?

_ É o que menos temos, tempo. - Disse sorrindo o velho professor.

Rita os recebeu na entrada do casarão. Disse que naquela tarde estaria na

recepção, pois o funcionário do setor estava ausente por motivos pessoais.

_ Olha, hoje somos só nos. O colega precisou sair.

_ Ótimo, Rita. Então vamos iniciar logo os serviços.

_ Vamos, sim. Aqui estão as chaves do quarto dois e também do quarto

quatro.

_ Por que não vamos ao que eu fiquei hospedado? Sugeriu Alaor.

_ Como quiser. Disse Pedro.

_ Rita pegou as chaves do dois e entregou a Alaor a do quarto sete.

Entraram no quarto quatro e a busca começou. No recinto nenhum sinal de

porta oca, muito menos do ouro. Mas o desejo de conseguir o ouro era muito maior.

Era preciso encontrar aquela fortuna. Alaor já até sonhava com o que fazer. Mas era

apenas um sonho.

_ Nada, aqui.

_ Continue tentando.

_ Só falta a de entrada.

_ Nada.

Abriram, então, a porta do quarto sete e Alaor parecia dono do cômodo.

Trancou a porta por dentro e foi até o outro espaço, também dividido por uma porta

menor. Iniciou os testes de batimento na madeira e notou que aquela porta não era

oca. Voltou-se para a porta do banheiro e ali também não tinha nada de anormal.

Enquanto corria os olhos pelo quarto em que estivera hospedado com a esposa e

filhos, notou algo de estranho numa das paredes.

_ Não tinha visto esta diferença na parede.

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_ Qual diferença? Perguntou Pedro voltando-se para ele.

_ Esta, veja. Parece uma marca aqui.

_ De fato. O que será isto?

_ Parece que a parede foi quebrada e depois remendada.

_ Será?!

Bateram na parede e o som era diferente em pontos específicos.

_ Tem algo aqui.

_ Será se meu antepassado ousou mais do que imaginávamos?

_ É possível.

_ Só que temos um problema. Uma coisa é abrir tampos de madeira. Outra é

quebrar uma parede.

_ Precisamos pensar em algo.

Deixaram o recinto e foram até o bar. Pediram a Rita uma cerveja e enquanto

bebiam tentavam achar uma solução para quebrar a parede sem levantar suspeitas.

A presença dos dois no local nunca foi motivo de dúvidas entre os poucos

funcionários do casarão. Afinal, desde que se encontraram para as hospedagens, os

dois estavam sempre a conversar. O problema é que Alaor tinha passado a

frequentar o casarão como convidado de Pedro e já até tinha dito ao funcionário da

recepção que continuava na cidade, mas que estava em uma pousada.

...

_ Optei por ficar lá. E mais perto do centro.

_ Entendi. - Disse Mateus, o recepcionista

_ Estou trabalhando num caso. Sou advogado. Lá no centro me mobilizo mais

rápido.

_ Com certeza. - Concluiu Mateus, saindo de lado.

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CAPÍTULO V – UM GRAVE ACIDENTE

Alaor volta ao casarão e na recepção pergunta por Pedro.

_ Olhe, hoje ele saiu bem cedo. Nem tomou café. - Disse Mateus

_ Será se ele volta logo?

_ É possível. Ele não costuma demorar nas saídas. Geralmente compra

cigarros e livros.

_ Taí. Nunca o vi fumando.

_ Nem eu. - Conclui o atendente.

_ Meu caro, me veja um quarto.

_ Ué. Lá na pousada não tá bom?! Desculpe. Desculpe. Não quis ser

indiscreto.

_ Tudo bem. Relaxe. Lá é bom. Mas preciso de um pouco de sossego. Lá

ainda tem muito barulho.

_ Verdade. Aqui é bem mais sossegado.

_ Ótimo. Me veja um bem tranquilo.

_ Não costumamos mais hospedar nesta época, mas como vejo que o senhor

está sempre perto do professor Pedro, acho que vamos abrir uma exceção.

_ Ha, que ótimo. Obrigado pela consideração.

Entre sorrisos, Mateus deu a Alaor as chaves de um quarto, no piso inferior,

mais aos fundos do casarão.

_ Este é só sossego.

_ Acredito. O que tem ali nos fundos?

_ Apenas um quintal e os restos mortais de um dos antigos moradores. Ao

comprar, o atual proprietário assinou um termo de compromisso de não remover o

túmulo com os restos.

_ Será se posso ir até lá? - Pergunta Alaor.

_ Doutor, o senhor não gostará de ir lá. Muito mato. Quase nãos se vê nada.

Aliás, não há nada lá. Só uma sepultura velha.

_ Mesmo assim, irei. Se não for problema para você.

_ Não, claro que não.

_ Ótimo. É que tenho minhas manias. - Disse Alaor rindo.

_ Vai entender...

O Advogado guarda as coisas no quarto e fica olhando pela janela o velho

matagal. Se lembrou de quando veio ali a primeira vez com a família para um

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recesso e de como contemplara a casa na frente. Ele se esqueceu do que tinha

ouvido falar sobre o imóvel e de como nos fundos da casa existia um enorme

quintal. Nos tempos de menino de Casico, ali deveria ser o lugar onde ele brincava

também. Era um campo amplo, sem muitas árvores e com uma grama densa, hoje

tomada por um capim gordura muito alto. Mais ao fundo, próximo a um jequitibá,

estava o túmulo de que falou Mateus.

Alaor botou uma bermuda e saiu para a recepção.

_ Mateus, uma cerveja por favor.

_ Tá na mão, doutor.

_ Não, não. Quero uma que eu possa levar.

_ Ok. Aqui está.

_ Ótimo. Obrigado.

_ O doutor vai fazer o seu passeio pelo terreno?

_ Vou caminhar um pouco. Caso o professor apareça, diga que estou no

casarão.

_ Será dado o recado.

Alaor jogou uma nota de cinquenta reais no balcão.

_ A essa hora não tenho troco.

_ Não é pagamento ainda. É uma gorjeta pela sua simpatia.

_ Uau! Começar o dia com cinquenta pratas. Nada mal.

_ Não conte aos outros. - Disse e saiu sorrindo.

Alaor caminha em direção aos fundos do casarão. Enquanto perambula

parece que sua mente caminha com ele nos tempos do seu antepassado Casico.

Nitidamente o advogado parece ver o menino brincando pelos arredores e

observando tudo o que passa a sua volta. Alaor continua e na lateral do sobrado vê

uma grande armação de madeira, colada ao solo. Um cadeado bem enferrujado

parece guardar o local. Alaor examina o cadeado e percebe que o tempo o fez velho

demais para segurar algo. Move, e o objeto se solta da madeira. O Advogado

percebe que é um alçapão e que embaixo daquela tampa de madeira tem uma

escada para um porão. Não entrou, e apenas olhou com mais cuidado o lugar.

Seguiu para os fundos e se aproximou do jequitibá. A árvore estava imponente

naquela época e Seu tronco era bem largo. Sua copa cobria o velho túmulo. A

construção era feita em cimento bruto. Uma cruz guardava as iniciais do morto e

numa placa de cobre estava registrado o início e o fim daquela vida. “Carlos

Cavalcante Freire *1819 + 1904”.

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Observou o jazigo e como se procurasse uma coisa tocou e ladrilhou com as

mãos em toda a sua superfície. Percebeu que os blocos de cimento não estavam

colados entre si e que a tampa do sepulcro parecia poder se deslocar, como se

fosse preparado para receber um novo corpo. Pelo que ouviu dos parentes antigos,

ali naquele local só existia um único corpo. O de Casico.

_ Bom dia meu caro Alaor. - Disse a voz grossa de Pedro Araújo.

_ Ora, se não é o meu velho amigo e garimpeiro.

_ Garimpeiro? Acho que somos piratas. - Disse entre gargalhadas.

_ Como queira.

_ Mas me diga: o que faz aqui fora, neste matagal?

_ Vim vasculhar minhas memórias e achei este túmulo.

_ E quem aí descansa?

_ Meu tataravô, Casico.

_ Sério?! Que interessante.

_ Pois é. Também achei. Veja o que descobri. A tampa do jazigo não é colada

no resto da construção. Parece que podemos removê-la.

_ Hummm. Isso é interessante.

_ O problema é como removê-la.

_ Daremos um jeito. Não é tão pesada.

_ De fato não é. Mas chamaremos a atenção.

_ Ora. Hoje o hotel só tem a Rita e o rapaz da recepção. Ela está do nosso

lado. Ela virá também.

_ Será?!

_ Daremos um jeito.

Saíram do lugar e voltaram para a recepção. Entrando no casarão, sentaram-

se no bar e pediram uma cerveja para jogar conversa fora.

_ Não sabia que você fumava.

_ E não fumo.

_ Ué. Pensei ter ouvido o Mateus, da recepção, dizer que você sempre sai

para comprar livros e cigarros.

_Ah, sim. De fato. Compro livros e cigarros. Mas só os livros são para o uso.

O cigarro é um hobby que tenho. Uma tática que uso para parar e demonstrar que

não fumarei mais. Ao final de dois dias, jogo o maço fora e compro outro.

_ Gasta uma nota com algo que não tem certeza?

_ É o preço de trinta anos de vício.

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_ Você é louco.

_ Sim. Mas creio que me convencerei logo e deixarei de comprar os cigarros.

Disse rindo.

Mateus trouxe a cerveja e os serviu. Ao fundo, próximo ao telefone, Rita

parecia falar com alguém e olhava aos dois com certo receio. Era como se a moça

estivesse denunciando os hóspedes por alguma situação irregular. Os dois não

perceberam nada e trataram de degustar a cerveja.

_ Eu tive um filho. Um belo rapaz.

(aqui abre-se um acessório que ilustra o acidente dos jovens)

_ É mesmo?! Por que diz que o teve?

_ Ele se foi. Há sete anos. Um terrível acidente de carro.

_ Meu Deus. Sinto muito.

_ Tudo bem. Já consigo superar em partes. Mas tenho dificuldade em aceitar.

_ Nem imagino como deva doer.

_ Não há dor maior. Ele morreu com minha nora. Deixou uma neta. Sofia.

Uma linda criança com pouco mais de seis meses de vida. Desde então nossa vida

foi cuidar da criança.

_ Sua esposa. Como lida com tudo isso?

_ Penso que Sofia é sua alegria. Ela vê na menina um motivo para sorrir.

Mesmo assim não tem sido fácil.

_ Como assim?

_ Sofia sofre de uma doença que pode prejudicá-la na fase adulta. Se não for

tratada.

_ Qual a doença? Minha esposa é pediatra. Talvez possa ajudá-lo.

_ Ela já nos ajuda. Acredite. Eu a conheci há alguns meses. Ela vem

cuidando de Sofia desde então.

_ Ela nunca me disse nada sobre conhecê-lo.

_ Nem poderia. Talvez tenha guardado isso como segredo profissional.

_ De fato. Cristina é muito reservada em sua profissão. Eu a admiro por isso.

_ Pois é. Reservada e muito solidária. Pois me cobra bem menos do que

custam as consultas.

_ Fico feliz em ouvir isso.

_ Acredite. Devo muito à sua esposa.

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_ Não se preocupe. Está tudo bem.

_ Era uma festa de aniversário de casamento de um amigo em comum do

meu filho e nora. Eles deixaram Sofia conosco e foram para a chácara desse casal

e na volta, lá pelas duas da madrugada, um motorista alcoolizado, na estrada, jogou

uma caminhonete em cima deles. Meu filho tentou desviar. Mas colidiu com uma

árvore e capotou o carro. No impacto, seu sedã não teve outra saída senão explodir.

_ Santo Deus! Isso é horrível!

_ Horrível. Os corpos foram carbonizados e nada restou que pudesse

identificá-los. Apenas os ossos, num teste de DNA.

_ Meu Deus! Eu sinto muito.

_ Obrigado. Desde então, eu e minha esposa nos dividimos em cuidar da

neta e a remoer as saudades de nossos “filhos”.

_ E o outro motorista?

_ O desgraçado não teve nada. Seguiu seu caminho e sequer olhou no

retrovisor.

_ Sempre assim. No Brasil estas leis são frágeis.

_ Pela lei, ou não, o fato é que perdi duas pessoas maravilhosas. Novos,

recém-casados e na flor da idade. Imagine.

_ Sinto muito.

Continuaram bebendo e o velho professor parecia afogar-se em lembranças

tristes. Lágrimas lhe rolaram face abaixo e ele mostrou-se constrangido com a cena.

Alaor o observava e em silêncio tentou confortar o amigo.

_ Ei, amigo. Já chega de cerveja por hoje.

_ Mais uma para eu dormir em paz.

_ Não, já chega. Já chega.

Alaor levantou o amigo e seguiu com ele para quarto no segundo piso do

casarão. Mesmo tonto, Pedro se ajudou na caminhada. Alaor o colocou na cama e

ajudou a tirar-lhes os sapatos. Foi então que viu, saindo pelo bolso da calça um

pedaço de papel pardo, já bem velho e carcomido.

_”O que é isto?” Pegou o papel e leu para si: “Seu Carlos, o ouro está no

lugar de sempre.”

Rita bateu na porta do quarto de Pedro às nove horas da manhã.

_ Professor. O café está servido.

_ Já vou, Rita, obrigado.

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A camareira saiu e desceu as escadas para convidar o advogado para o café

da manhã. Ao bater à porta e chamar por Alaor, não obteve respostas. Mexeu a

maçaneta e viu que o quarto estava trancado. Mas as chaves não estavam na

recepção. Chamou de novo e nada.

_ Dr. Alaor! Dr. Alaor.

Sem respostas, ela voltou para a recepção.

O professor desceu as escadas quase arrastado. Estava bem ruim de ressaca

depois das cervejas e da depressão que o atingira na tarde e noite anterior. Sentou-

se para o café e sequer perguntou por Alaor. Rita, percebendo a mudança de hábito

entre os dois, rumou para o telefone e fez uma nova ligação. Pedro mais uma vez

não percebeu nada. Alaor não estava, mas havia algo de errado no comportamento

antes gentil da camareira, para agora cheio de mistérios.

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CAPÍTULO VI – O OURO DE TOLO

_ Preciso lhe mostrar uma coisa. - Disse Alaor ao professor.

_ Não me diga que achou o ouro antes de mim.

_ Claro que não.

_ Então fale logo, hoje estou com a cabeça a mil.

_ Pudera. Bebe que nem se lembra.

_ Ora, não me amole.

_ Venha comigo.

Rumaram para os fundos do casarão e Alaor mostrou ao velho professor o

túmulo com a inscrição.

_ Não tem sentido.

_ Como assim?!

_ Nas minhas pesquisas pelos cartórios da cidade, descobri um documento

que atesta a morte de Casico. O seu sepultamento foi no cemitério da cidade.

_ Como assim?! Está escrito na lápide.

_ Sim. Está. Mas ele não foi depositado aí. Acredite.

_ Me explique o motivo de alguém construir um túmulo no quintal de sua

casa. Deixar registrado que não deveria ser removido. A família segue à risca o

determinado e o corpo não está?

_ Acredite. Carlos Cavalcante Freire, seu parente de sangue, não está

enterrado aí.

Rumaram para a cidade e foram ao cemitério local. Pedro mostrou a Alaor o

local onde estavam depositados os restos mortais de Casico. Um mausoléu da

família erguido em pedra pirenópolis todo gradeado e com dois bancos em cada

lateral. De longe, o mais bonito do campo santo. Alaor nunca se preocupou com

este detalhe funeste de saber se seus antepassados tinham um mausoléu.

_ Viu?! Aqui está seu tataravô.

_ Mas o que há ali no lugar daquela cova nos fundos casarão?

_ Vamos raciocinar, Alaor. Casico não era burro. Sempre foi tido como um

garoto esperto e meticuloso.

_ Sim. Mas não entendo o que ele pretendia com isto, professor.

_ Ora, não seja tolo. Ele só quis nos enganar.

_ Como nos enganar?!

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_ Não digo, nós. Eu e você. Digo a todos que um dia descobrissem seu

segredo. – Disse Pedro.

_ Não é possível. - Duvida Alaor.

_ Pense, homem. As portas não deram em nada. Uma parede com espaço

oco… - Continua Alaor.

_ Que não vimos, ainda. – Pondera Pedro.

_ Mas duvido que esteja lá. - Disse Alaor.

_ Quero verificar lá também. – Insiste Pedro.

_ Não será preciso. O túmulo nos levará aonde queremos.

_ Tem uma coisa que preciso lhe mostrar. – Diz Alaor.

_ Mais uma?! O que você fez tanto enquanto eu dormia.

_ Eu trabalhava.

Voltaram ao casarão e Alaor mais que depressa o levou para a lateral da

casa. O velho alçapão estava lá. O cadeado no local, mas sem proteger. Abriram e

discretamente desceram. Acenderam um isqueiro e arriscaram-se na escuridão e

teias de aranha. Morcegos começavam a se alvoroçar e eles insistiram na busca.

_ Aqui é um local da casa que somente os mais velhos conheciam. E também

um escravo, Valdomiro.

Pedro disse a Alaor que viu algo sobre o subsolo da casa, mas os desenhos

não mostravam com exatidão o espaço e ele não acreditou ter uma saída. Mesmo

porque, o velho professor estava focado nas portas do casarão e jamais imaginaria

que na parte externa pudesse existir um novo esconderijo.

_ Lembro-me de papai me contar esta história. – Continuou Alaor.

_ Pois é. Pelo que asei, aqui, as bolsas de ouro eram guardadas por

Valdomiro. – Frisa Pedro.

_ Devem estar em algum lugar. – Acredita Alaor.

_ Vamos insistir na procura. – Conclui Pedro.

Voltaram para o quarto e planejaram melhor a ida ao porão. Precisavam de

lanternas para iluminar o local e uma lupa para ler algo que acaso estivesse no lugar

demarcando espaços. Desceram as escadas novamente e foram mais adiante. O

local era um imenso corredor. O mesmo que Casico, anos antes, seguira o escravo

Valdomiro, mas que por ser menino demais não seguiu adiante. Ali, os dois homens

estavam no rumo certo. Mais algumas voltas pelo subsolo, em corredores estreitos,

chegaram a um local maior. Uma espécie de sala com várias prateleiras em

madeira, muitas já carcomidas pelo tempo. Sobre as prateleiras umas bolsas em

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couro, estes bem ressecados. Os olhos brilharam e a respiração ofegante quase

não os deixa pensar. Entre morcegos, ratos e aranhas, apressaram-se em pegar os

objetos e conferir os conteúdos.

_ Pedras. – Consta desapontado o advogado.

_ Apenas pedras. Não pode ser. Não posso ter me enganado tanto. –

Lastima-se o velho professor.

_ É, meu velho. Nosso sonho de dias melhores acabou.

_ Não é possível. Tem algo de errado.

_ Claro que tem, Pedro. Nossa estupidez.

_ Não me conformo.

_ Desista, homem. Não há nada aqui.

_ Tem algo de errado. Tem algo de misterioso, Alaor.

_ Meu amigo. Primeiro as portas. Depois a parede. Agora isto.

_ Vamos embora. Vamos descobrir o que há por trás da parede. – Insiste

Pedro.

_ Você não desiste nunca?

_ Você não entende, Alaor. Isto significa muito para mim.

_ Muito? Como assim?! O que você quer dizer?

_ Vamos. Siga-me.

Voltaram. E chamaram Rita.

_ Consiga as chaves do quarto sete, por favor.

_ Agora mesmo.

A moça entregou as chaves e os dois abriram a porta. Pedro foi direto na

parede com o som diferente.

_ Tem de estar aqui. Só pode ser.

_ Como vamos descobrir? Temos de quebrar a parede. Isso faz barulho.

_ Tudo bem. Só estou eu no casarão. Mateus foi à cidade comprar

mantimentos. Amanhã virá um grupo de idosos para visitação.

_ Hoje é o dia. Vamos quebrar. Rita, desça e fique atenta. Qualquer coisa nos

avise.

_ Está bem.

_ Alaor, pegue o martelo. Vamos quebrar.

_ Espera. Como devolveremos a parede como está?

_ Vemos isso depois.

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Pegaram o martelo e começaram o processo de quebra do pequeno espaço

oco na parede do quarto sete. Localizaram o perímetro do espaço e começaram a

remoção do tampo. Eram um bloco de gesso revestido de tinta e cal. Com cuidado,

eles foram quebrando o bloco até localizarem o interior da parede. Pedro colocou a

mão por dentro, tateou o outro lado, depois se esticou para alcançar o fundo.

_ Que merda!

_ O que houve?

_ Não tem nada aqui também.

_ Que droga. Esse ouro é de tolo. Ele não existe.

_ Existe, sim. Claro que existe.

_ Pedro. Só existe na sua cabeça.

_ Pode ser. Mas não me entrego. Vou continuar procurando. Com ou sem

você.

_ Se é o que quer. Vamos continuar.

Desceram as escadas correndo e pediram a Rita que chamasse alguém na

cidade que pudesse fazer um remendo numa parede. Deram as dimensões e foram

esperar o gesseiro. No bar do hotel tomaram uma cerveja. Era perto do meio dia.

_ Espero que ele não demore. – Disse Pedro.

_ Ele está a caminho. Tem de terminar antes de duas horas. O Mateus volta

para cá. Não temos como explicar isso. - Disse Rita.

_ Deste cuido eu. Fizemos amizade. - Disse Alaor.

O gesseiro chegou.

Perto de duas da tarde Pedro pagou ao gesseiro e Rita foi limpar o quarto.

Enquanto a moça saia para o serviço, os dois garimpeiros ficaram na varanda

observando a rua. Mateus chegou no carro do hotel e ao cumprimentá-los foi para a

recepção. O rapaz não percebeu nada de anormal, exceto por Rita não está no

posto de trabalho. _“Onde ela se meteu?”

Rita desceu as escadas com um balde, rodo e pano e encarou o olhar de

reprovação do colega.

_ O que houve?

_ Tive de limpar um quarto.

_ Como assim? Você não fez o trabalho hoje cedo.

Neste instante Alaor intervém em defesa da moça.

_ Eu pedi, Mateus. Deixei cair uma tinta de tecido. Mandaria para minha

esposa em Brasília. Mas deixei cair. À tarde comprarei outra e terei mais cuidado.

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_ Está certo, senhor.

_ Ótimo. Obrigado.

Rita guardou as coisas e foi para a cozinha. Ali, pegou o celular e fez uma

nova ligação.

Enquanto isso, os dois hóspedes foram aos seus quartos para um descanso e

combinaram de se encontrar ao fim do dia para uma nova estratégia de busca pelo

ouro. Deitaram, e cada um na sua solidão começou a pensar no que estaria

acontecendo. Pedro falou com a esposa e quis saber da neta Sofia se estava bem.

Marta lhe disse que ele precisava ir até Brasília para levar a menina à pediatra.

_ Está bem, meu amor. Quando é a consulta?

_ Na próxima terça.

_ Estarei aí. Disse, enquanto passava a mão pela testa, preocupado.

Na outra ponta, Alaor liga para a esposa e explica as frustrações das últimas

horas. Explicou das portas, da parede, do túmulo, do cemitério e das certezas de

Pedro. Também deixou claro sua decepção, mas não se deixou abater e nem

transparecer que desistiria.

_ Vamos pensar em algo novo.

_ Desista, meu amor. Esse ouro não existe.

_ Não posso. Não agora. Sinto que estamos perto.

_ Perto de quê, Deus?

_ Vai dar certo. Confie em mim.

_ Confio. Mas penso que você deveria voltar para casa.

_ Pedro me disse de sua boa vontade com a neta dele. Por isso você não

criou tanto caso com a história do ouro, certo?

_ É. Você está certo. Mas embora eu não tenha criado tanto caso, não

significa dizer que concorde com essa loucura.

_ Eu sei.

_ Só me deixei levar pela história dramática de vida de Pedro. Ele me falou de

sua antiga família e da ligação dela com o casarão.

_ Como assim?

_ Pedro não te disse nada sobre isso?

_ Não. Só falou da neta doente e que você o ajudara.

_ Mas tem algo mais. Ele também tem ligações com a família Cavalcante. Um

antepassado dele serviu a família, em especial ao Alaor, seu bisavô.

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_ Isso explica a loucura dele pelo ouro. Explica ele falar com veemência que o

ouro me pertence por direito.

_ Explica muita coisa. Não sei se justifica.

_ Preciso conversar melhor com aquele carcamo para entender mais sobre

sua obstinação.

Por volta de cinco da tarde Alaor e Pedro se encontraram na recepção do

hotel.

_ O que eu preciso saber mais sobre sua ligação com este casarão, professor

Pedro?

_ Há muita coisa em jogo. Na hora certa você saberá.

_ Por que não agora?!

Foram interrompidos pelo barulho de uma moto. Era Patrício, namorado de

Rita. Um cara com olhar desconfiado, intimidador e que não andava por ali.

_ “O que deu nesse sujeito de vir até aqui hoje?” - Perguntou Mateus, mas

para si mesmo.

A moça saiu com o namorado e nem deu adeus aos dois “amigos”.

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CAPÍTULO VII – OUTRO MOTIVO

(terceiro acessório)

O ano era 1890, Alaor Cavalcante Filho, aos 44 anos, o bisavô de Alaor

Cavalcante, nosso protagonista, está limpando sua arma, um Remington modelo

1875. Um revólver tido como excelente à época. Sem se preocupar com as crianças

que brincavam ao redor da casa, como o pequeno Aprígio Araújo, então com 12

anos. Os pais do menino, empregados da família Cavalcante desde os mais

remotos tempos, nunca tiveram problemas com a família até aquele dia.

_ Aprígio, me traga um pouco de café, por favor.

O garoto que estava na varanda saiu depressa em busca do café para o

patrão. A esposa de Alaor não gostava daquilo, pois os pais da criança tinham medo

de que ele fizesse algo de errado, como, por exemplo, derramar o café no colo de

alguém. Mas Alaor não seguia ordens de ninguém, apenas mandava.

_ Aqui patrão.

Alaor se vira para pegar o café e esbarra no garoto, que em desequilíbrio,

deixa cair todo o líquido quase no rosto de Alaor. O homem, visivelmente

transtornado, esbofeteia o garoto que sai cambaleando. O barulho atrai os outros

membros da família, em especial Severino, pai de Aprígio, com seus 50 anos de

idade.

_ O senhor não devia ter feito isso com o menino. Não devia.

_ Esse moleque não presta atenção em nada do que faz.

_ É só um menino.

_ Ora, Severino, não me aborreça.

O irritado patrão se afasta e deixa Severino só abraçado ao filho. O menino,

com o rosto vermelho e com um olhar mortal sobre Alaor, não se intimida e se

desvencilha dos braços do pai. Corre na direção do patrão e tenta arremessar sobre

ele uma cadeira de madeira que encontra no caminho. Alaor percebe a agressão e

saca do Remington 1875. Apenas um tiro e a criança cai morta.

_ Meu Deus. O que você fez? - Grita Severino em desespero.

_ Alzira, corre aqui. – Pede, aflita, a esposa de Alaor.

Chega Alzira, mãe de Aprígio, e debruça-se sobre o corpo da criança. O

desespero só não é maior porque imediatamente outros empregados do casarão

retiram os pais da criança da sala e o corpo do menino é levado para um quarto.

_ Ele me atacou. Eu me assustei. - Disse Alaor sem apresentar remorsos.

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_ Você o matou. Você o matou. – Diz Severino.

Alzira segura Severino e saem da presença do patrão. Eles procuram a dona

da casa e pedem para cuidar do filho.

_ Eu lhes ajudo. O Alaor enlouqueceu. Só pode.

_ Ele vai me pagar. Ele me paga. – Insiste o pai da criança.

_ Deixe disse Severino. Deixe disso. Não é hora para isso. Diz Ester Muniz,

esposa de Alaor.

Depois dos sete dias decorridos da morte de Aprígio, Alaor que esteve fora

durante este tempo, retorna a casa e manda chamar os dois empregados. Como

tinha posses, não fora incomodado pelas autoridades locais. O país ainda

capengava nas leis e na ordem.

_ Quero que vocês saiam desta casa. Lhes darei um bom dinheiro e vocês

vão viver longe daqui.

_ O senhor não me deve nada. O mais importante me foi tirado.

_ Severino, sei da sua dor. Mas você mesmo viu que ele me agrediu.

_ O senhor bateu nele. Ele ficou com raiva. Era só um menino.

_ Não quero mais falar sobre isso. O Getúlio, meu contador, vai lhes pagar o

que devo. Saiam o mais rápido possível. - Disse isso e se afastou dos dois.

Nesta lida maldita, os dois rumaram para o outro lado da região e por lá

ficaram até que nasceu Antenor, em 1898. Este é pai de Arlindo Araújo, futuro pai de

Pedro Araújo, o nosso professor pesquisador.

De volta a 2015 -

_ É esta a minha ligação com sua família.

_ Mas eu imaginei que você apenas fosse curioso.

_ E sou. Mas cresci ouvindo meu avô e meus pais falarem desse assassinato.

Meus antepassados nunca foram recompensados pela ação covarde de seu bisavô.

_ Não me culpe. Eu não estava lá.

_ Não estou lhe culpando. Mas não nego que às vezes sinto que você me

deve isso.

_ Eu?! Por que eu te devo isso?!

_ Não sei. Apenas sinto. Mas acredite. Não tenho raiva de você.

_ Espero que não queira me matar também.

_ Não seja ridículo. Não sou assassino.

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_ Acalme-se, homem.

_ Essa dívida me persegue. Toda as vezes que meu pai me contava esta

história, seus olhos enchiam de lágrima, ao saber da morte do ente querido

_ Eu sinto muito.

_ Não sinta.

_ É por isto que você quer o ouro? Para se sentir compensado?

_ Não. Quero apenas devolver à minha neta um pouco de dignidade. Sinto

que ela merece.

_ Começo a entender suas razões.

_ Espero que você não desista do nosso projeto.

_ Depois de tudo isso ser dito, nada mais me resta senão ajudá-lo.

_ Sabia que entenderia.

_ Você contou tudo isso a Cristina?

_ Sim. Quando você se sentiu inseguro quanto a ela não aceitar a ideia.

_ Isso explica ela não reclamar tanto.

_ É uma boa mulher.

_ Eu que o diga.

A morte de Aprígio, em 1890, há 125 anos, não parecia ter sumido da

memória daquele velho professor. Não necessitava de vingança, mas ao saber de

tudo o que aconteceu e da riqueza dos Cavalcante, ora esquecida pelo tempo,

tratou de buscar informações e ao descobrir que de fato existia ouro no casarão,

deixado por Casico, alguém que nem sequer viveu os anos de que se falou há

pouco, ele não pensou duas vezes. Tratou de bolar um plano e quis o destino que

Cristina cruzassem seu caminho, com a morte do filho e da nora, a doença da neta

e um passeio “proposital” em Pirenópolis neste julho de 2015.

_ Olá, seu Pedro, deixe eu lhe apresentar meu namorado. Diz Rita ao

professor.

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CAPÍTULO VIII – O ENGANO LETAL

Pedro Araújo ouviu aquele cumprimento com um certo desprezo. De imediato

não se atentou a observar o rapaz que falava com ele. Mas, educado, respondeu.

_ Bom dia, meu caro.

_ Ele quer trocar uma palavrinha com o senhor, pode ser? – Pede Rita ao

professor.

Neste momento, Alaor, com espírito desconfiado que todo advogado tem,

olhou o rapaz com total desconfiança. Se aproximou do professor e Rita, de

imediato, diz:

_ Só os dois, por favor.

Pedro Araújo pediu a Alaor que os deixassem sozinhos um instante.

_ Eu vou direto ao ponto. Rita me contou o que vocês estão tramando. O

senhor e o tal lá.

_ Tramando?!

_ É. Sei que tem coisa grande.

_ O que você quer, meu rapaz?

_ Quero uma parte. Eu conheço o dono do casarão.

_ Já está ameaçando?! Me diga, o que exatamente você sabe?

_ É ouro, não é?! Rita ouviu vocês falarem em ouro.

_ Ela ouviu errado. Não é desse ouro que estamos falando.

_ E existe outro tipo de ouro?

_ Sim. Existe. Acredite.

_ Não sou trouxa. Não tente me enrolar. Se não fizer o que peço. Conto tudo.

_ Acalme-se. Eu preciso conversar com o meu colega. Me dê um prazo e lhe

aviso.

_ Esse seu colega, aí, é advogado. Não gosto e não confio nele.

_ Pois deveria. Ele é um bom advogado.

_ Por que está dizendo isso?

_ Nunca se sabe quando vamos precisar de um.

Pedro deixou o sujeito sozinho e saiu de sua presença. Olhou para Mateus

atrás do balcão e disse em voz alta.

_ Mateus, coloca mais uma cerveja aqui na mesa. É por minha conta.

Ele atendeu prontamente ao pedido do professor e Patrício ficou sozinho,

saboreando o líquido com ar de vencedor.

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_ O que o gigolô queria? – Quis saber o advogado.

_ Grana. Senão vai contar tudo ao dono do casarão.

_ Mais essa agora.

_ Essa Rita é uma filha da puta. – Diz Pedro.

_ Põe puta nisso.

_ Eu devia ter comido essa vaca quando tive a chance. Assim a teria em

minhas mãos.

_ Sério, professor? E o que impediu?

_ A idade. - Disse rindo.

Saíram e foram até o centro da cidade. Aproveitaram para comprar umas

ferramentas e almoçaram no lugar de sempre. Depois seguiram para uma parte alta

da cidade e visitaram algumas casas antigas.

_ Gosto dessa paisagem. Me faz pensar o quanto rico éramos artisticamente.

_ Também me agrada. Mas o tempo é dinâmico e tudo muda.

_ Sim, muda. Mas pouco inspirado. – Vaticina o historiador.

_ Professor, Belchior já dizia: “o novo sempre vem”.

Sorriram e decidiram o que fazer com o bandido do namorado de Rita.

_À noite falaremos com ele. Nós quatro. – Sugere Pedro.

_ Está bem. Mas vamos falar fora do casarão. Nossa presença lá já está bem

suspeita.

_ Relaxe. Somos hóspedes que pagam bem. As visitas não cessaram por

nossa causa.

_ Sou advogado. Tudo me gera suspeição.

_ Acalme-se. - Disse Pedro enquanto rumava para o casarão.

A noite parecia tranquila. Era uma sexta feira de céu limpo e as estrelas

parecem brilhar mais intensamente, o que na cabeça dos homens tem seus

significados: Rita e Patrício, um convite ao amor (e agora à ganância); Pedro e

Alaor, um convite a riqueza e a uma vida mais tranquila. Será?!

_ O cara vai chegar a que horas? – Questiona Alaor.

_ Devem estar vindo.

_ Agora estamos nas mãos desses dois. Já pensou?!

_ Não estamos, não. Eu controlo as coisas.

_ Ah é, professor. E posso saber como?

_ Você verá.

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Rita e Patrício chegaram ao casarão e já foram pedindo uma cerveja. A

postura do rapaz era a de quem dominava a situação. Chantagista e mau caráter,

ele usaria qualquer artifício para colocar a mão numa grana fácil.

_ Então, doutor. Como eu fico?

_ Você receberá a sua parte. Assim que a gente encontrar.

_ E quando vai ser isso?

_ Estamos procurando. Não temos como prever. – Diz Pedro.

_ O senhor está querendo bancar o esperto prá cima de mim, velhote?

_ Respeite o professor. Ele não é como você. - Disse Alaor.

_ Quer bancar o machão também, doutor?

_ Acalmem-se. Querem um escândalo?! - Pede Pedro.

_ Tô de olho em você, advogado.

_ Na hora que acharmos, você ficará sabendo.

_ Certo. E quanto vou levar nesta brincadeira? Não quero pouco.

_ Te dou dez por cento do que achar.

_ Tá me zoando. Dez por cento? Quero cinquenta.

_ Você é louco. Cinquenta por cento. Mas é um canalha.

_ Quem é canalha aqui? Tá me irritando esse doutorzinho.

_ Trinta por cento.

_ Professor, eu lhe ajudei. Também mereço. - Disse Rita.

_ Quanto a você, mocinha, o que é seu tá guardado.

A frase deixou Patrício com a pulga atrás da orelha. Mas não levou adiante.

Fecharam em trinta por cento e os dois saíram do casarão.

_ Vadia.

A noite para os amigos do ouro estava no fim. Terminaram a conversa e o

último gole de cerveja e foram para os quartos. Já o casal de chantagistas rumou na

moto para a cidade.

_ Será se tem muito ouro lá?

_ Deve ter, gata. Muito ouro.

_ O que vamos fazer quando a gente receber nossa parte?

_ Vamos sumir daqui. Essa cidadezinha não ajuda.

_ Eu gosto daqui.

_ Pois fique.

_ Ei, já está me dispensando?

_ Claro que não. E para provar que tô grudado em você, vamos para Brasília.

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_ Agora?!

_ Sim. Já.

_ Amanha eu trabalho.

_ Pois eu lhe dou folga.

_ Meu chefe, agora?

_ Chefe, dono. O que você quiser.

Sumiram na moto em direção à capital Federal.

O setor de mansões do Park Way, em Brasília, é um dos lugares mais caros

do DF. Aqui, o metro quadrado custa muito e as casas abrigam a elite da capital do

país. Não são raros os casos de festinhas nas mansões. Muitas regadas a drogas,

música alta, bebedeiras, confusões e a presença da polícia. Esta festa não seria

diferente.

O barulho ensurdecedor que vinha dos paredões impedia qualquer conversa

mais longa. Para se comunicar era preciso quase que colar no ouvido do outro.

Mesmo assim a juventude livre não se importava e cada um no seu estilo tocava

seu ritmo de dançar e de cantar, claro, com muita bebida e uma fumaça densa que

subia em todo canto.

_ Tá bombando! – Disse o motoqueiro de Rita.

_ Hu ru!!!!!

Patrício e Rita adentaram na festa e numa roda de pessoas trataram de se

enturmar. O cara tinha conseguido um “convite” de um ex motorista dos donos da

casa, que agora estava servindo de espaço para festas.

_ Meu chapa me deu um convite.

_ Você conhece esse “chapa” de onde? – Quis saber Rita.

_ Ele trabalhava para os donos daqui, antes. Uns magnatas do governo.

_ Sei.

_ Relaxa. Tudo gente boa.

Conversa vai, conversa vem e dois caras musculosos se aproximaram do

casal. O primeiro, um branco, 1m80, careca e cheio de tatuagens, parecia não estar

muito animado em ver o casal. O outro, moreno, mais baixo e igualmente forte,

também cheio de tatuagens e um piercing no nariz, apenas acompanhava o amigo,

como que esperando uma ordem para agir.

_ E aí, gatinha. Há quanto tempo.

_ Oi, Léo.

_ Esse aí é o seu namorado? O tal do interior.

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_ Sim, Patrício. Ele mesmo.

_ E aí, fera. Tá gostando?

_ Legal o som. As bebidas.

_ Aproveita. Tudo por minha conta. - Disse isso e agarrou Rita pela cintura.

_ Pega leve. A mina tá comigo.

_ Relaxa. Antes de conhecer você a gente viveu uma história. Não é gata?!

_ Já era, Léo. Já foi.

_ Hi! Vai bancar a difícil. Você não era assim.

Patrício perde o controle e empurra o grandão. Nesta hora se inicia um

tumulto e Léo revida dando outro empurrão em Patrício, que cai sobre Rita.

_ Quer bancar o herói? Vamos ver se tem coragem mesmo. Léo saca uma

arma.

Rita, percebendo o perigo contra Patrício, mete a mão na bolsa e do chão

efetua um disparo. Mas em desequilíbrio acaba atingindo o peito do namorado.

Patrício cambaleia e cai morto no chão. Rita se desespera e tenta acudir o

namorado. Léo, vendo o pior, desaparece no meio da multidão que parece não

perceber nada. Música alta, drogas e o entra e sai de pessoas o tiro quase não foi

notado. O corpo estendido no chão parecia mais alguém caído de bêbado. Rita

pede socorro, mas não a ajudam. O jeito é sair do local e fugir do flagrante. Na fuga,

a moça consegue jogar a arma nos fundos do jardim, numa área de vegetação

densa.

_ Escuta, a Rita não veio trabalhar hoje?

_ Não, senhor Pedro. Aliás, desde segunda que não vem. Daqui a pouco vai

ser mandada embora.

_ O que será que houve com ela?

_ Quem sabe. Aquilo lá é porra louca.

_ Nos vimos naquele sábado. Ela e o namorado.

_ Pois é, desde aquele dia que ela sumiu.

_ Você sabe onde mora aqui na cidade?

_ Sei. Com uma tia na ladeira da matriz.

_ Talvez fosse melhor ir lá para ver o que houve.

_ Vou nada. Ela que se vire.

Ouvindo isto, Pedro sai para o café da manhã e Alaor o aguarda para um

novo momento em busca das bolsas de ouro.

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CAPÍTULO IX – A GRANDE DESCOBERTA

_ Imagine ter vivido aqui há mais de um século. Pense no que estas pessoas

viveram. Como se vestiam. O que falavam. Quais seus sonhos.

_ Você é professor de história. Resolveu filosofar, agora?!

_ É arte que designa tudo. A filosofia. Uma ciência tão antiga quanto o pensar.

_ Como dizia um velho professor meu de ginásio: “a ciência pela qual ou sem

a qual o homem torna-se o tal pelo qual”.

_Só você mesmo. - Disse Pedro gargalhando.

_ É possível remover esta lápide?

_ Sim, professor. Veja que não há rejunte de cimento. A tampa é solta.

_ Verdade. Pedro se afasta e acende um cigarro.

_ Ei! Voltou a fumar?!

_ Penso que não vou me convencer de que eles estando ao alcance eu seja

forte o bastante para reprimi-los.

_ Não faça isso. Você já está há tanto tempo sem eles.

_ Eu menti.

_ Como assim?

_ Menti. Ué. Menti. Fumo todos os dias.

_ O que mais você mentiu?

_ O que quer dizer?

_ Isto. Mostrou ao professor o papel achado em seu bolso no dia do porre.

_ Achei este papel na cantina. Um dia antes da nossa bebedeira eu fui até a

copa buscar uma água. Não estavam nem Mateus, nem Rita. Entrei. Abri a geladeira

e peguei a água. Ao lavar o copo e pegar um pano para secar, vi este papel num

canto do armário, junto com uma receita. Achei que fosse algo importante. Mas pela

cor do papel, percebi sua antiguidade. Aí, a curiosidade aguçou.

_ Você leu o conteúdo e o guardou. Porquê?!

_ Ora, você também leu. É uma puta dica.

_ De fato. Do que será que ele está falando?

_ Do local do nosso ouro.

_ Vamos então remover a lápide. Pode ser esta a pista que faltava.

Dedicaram-se a retirar o tampo da cova. Uma pedra em concreto armado,

inteiriça, e que deveria pesar uns cento e vinte quilos. Os dois não conseguem

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removê-la e pedir por ajuda pode sair mais caro, pois já estão comprometidos

inclusive em repartir a fortuna com Rita e Patrício.

– Muito pesada, Alaor. Não tenho mais forças.

– Precisamos de um pé de cabra. Achei que não pesasse tanto.

– Mas pesa.

_ Muito pesada, Alaor. Não tenho mais forças.

_ Precisamos de um pé de cabra. Acreditei que não pesasse tanto.

_ Mas pesa.

Pegaram um pé de cabra e retomaram a missão. Procuraram nas bordas

alguma fresta que fosse capaz de receber a ponta da ferramenta e o movimento de

subida seria facilitado pelo calço na fenda. Nos pés do túmulo, no canto, um

pequeno espaço parecia ser o suficiente para encaixar o pé de cabra. Fizeram e

após uma forçada, a tampa saiu um pouco. Mais uma tentativa e o espaço se abriu

a ponto de ser iluminado e visto por dentro.

_ Não há um único resquício de que alguém tinha sido enterrado aqui. A cova

é limpa como o juízo de uma freira.

_ É, pode ser que seja limpa, mas o que uma freira tem a ver com isso?

_ Modo de falar. Seu velho rabugento.

Pedro sorriu e continuou buscando algum vestígio.

_ Veja, Alaor, tem uma argola no fundo e na cabeça.

_ Parece uma nova tampa.

_ É, e se for tão pesada quanto esta, morrerei e fico aqui mesmo.

_ Não. Esta é mais leve. Senão as alças não seriam estas.

_ Bem pensado, doutor.

_ Vamos levantar um pouco mais a tampa e eu entro.

_ Ótimo.

Alaor entrou no túmulo e procurou um local para se posicionar. Percebeu que

a tampa interna era dividida e logo conseguiu erguer umas das metades. Quando o

espaço ficou à mostra, iluminou e mais uma vez nada de novo.

_ Não pode ser.

_ Me diga o que está vendo.

_ Não tem nada aqui.

Alaor volta e eles resolvem guardar tudo o que mexeram na sepultura. Se

afastam do local e seguem para a recepção do hotel, que hoje, especialmente, está

com mais velhinhos do que nos outros dias. Mas para eles isto é bom porque

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mantém o Mateus ocupado e a turma fica entretida na frente da casa com as ações

lúdicas para os idosos.

_ Mateus!

_ Sim, professor.

_ Chegaram mais idosos, hoje?

_ Sim. Uma turma que veio de Formosa.

_ Nossa, de longe.

_ O que o senhor deseja?

_ Um café bem forte.

_ Dr. Alaor, o senhor quer um também?

_ Sim, Mateus, obrigado.

Ficaram olhando o entra e sai de idosos e por um instante Alaor começou a

pensar na sua família e de como eles eram quando viveram ali. Seus tataravós, tios,

primos, parentes e empregados. A presença daqueles idosos o fez pensar em como

as coisas eram na antiguidade e como eles se comportavam.

_ Meu jovem, você pode pegar um copo ali no armário para mim?

Era uma senhora de seus oitenta e cinco anos pedindo a Alaor que pegasse

um copo no armário da cozinha para ela.

_ Aqui hoje está insuportável. Um calor terrível.

_ Está mesmo, senhora.

_ Me lembro de uma colega que viveu aqui. Mas já faleceu.

_ É mesmo?! Qual o nome dela?

_ Inácia. Era enfermeira. Igual a mim. Cuidou do último moribundo desta

casa.

_ Olha, que interessante.

_ Pois é. Um velho cheio de manias. Era desenhista e vivia desenhando as

plantas do casarão. Tinha um monte delas.

_ Plantas da casa?

_ Isso mesmo. Plantas baixas, escadas, corredores, quartos, portas.

_ A senhora lembra de sua amiga ter falado o que o velho moribundo fez com

os papéis?

_ Ah, sim. Uma vez ela chegou para trabalhar e o pegou sentado nos fundos

da casa, ali. (Aponta na direção do túmulo) e colocado fogo em todos.

_ Queimou as plantas?! - Pergunta Alaor admirado.

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_ Sim. Mas Inácia disse que ele tinha escondido uma. Em formato grande.

Estava em algum lugar na casa.

_ Entendo. A senhora quer mais água?

_Não. Obrigado, meu rapaz.

Alaor saiu da presença da senhora e foi ter com Pedro.

_ Adivinhe o que eu descobri?

_ Não me venha com mais histórias de Sherlock Holmes.

_ Plantas.

_ Plantas? Como plantas?

_ Plantas de arquitetura. A casa tem plantas. Uma delas está em algum lugar.

Uma senhora que está visitando o casarão teve uma amiga que foi enfermeira de

alguém da família aqui. Disse que ele adorava plantas baixas.

_ Ela disse o nome do morador?

_ Não. Também nem perguntei. Mas isso agora é o de menos.

_ Precisamos achar estas plantas.

_ Queimaram!

_ Puta merda, Alaor. Você dá com uma mão e retira com a outra.

_ Calma. Existe uma grande, da casa, guardada em algum lugar.

_ Não aguento mais revirar portas, paredes, túmulos, porões…

_ Droga. Onde será que está?

_ Pense, Alaor. Se você fosse um velho da sua família onde colocaria uma

planta que te leva a um local com bolsas de ouros.

_ XIIIIIIIIII. Fala baixo. Quer entregar a mina?

_ Certo. Está certo. Onde?

_ Vamos pensar. Vamos pensar.

Ficaram por ali pensando no que tinham acabado de descobrir enquanto os

olhos corriam todas as paredes do ambiente da recepção. A cada olhar uma

indagação. Ficavam imaginando em qual daquelas paredes a planta baixa da casa

poderia ter sido escondida. Sabiam que os únicos armários da casa estavam vazios

nos quartos e os da cozinha eram poucos. Também sabiam que uma cozinha não

seria um bom lugar para guardar uma planta baixa.

_ Acho que vou deitar. Assim penso melhor.

_ Então não fume.

_ Vou tentar.

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À noite, no jantar, Alaor está na varanda vendo a entrada do portão principal

do casarão. A entrada de pedestres era composta de dois blocos grandes que

formavam os pilares de sustentação das grades.

_ É ali. Só pode ser.

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CAPÍTULO X – UMA LUZ DOURADA

_ Ontem eu observei aquele espaço do portão de pedestres, ali embaixo.

_ Descobriu algo?

_ Nada. Ali não existe espaço para guardar uma planta.

_ Entendi.

_ O que vamos fazer agora?

_ Não sei ainda. Mas vamos achar uma maneira. Estamos perto.

_ Seu otimismo me emociona. - Disse Alaor.

Enquanto os dois pensam numa saída para localizar o tesouro, Rita aparece

no portão de entrada do casarão.

_ Olha quem está ali!

_ É a Rita?!

_ Sim. Em graça e elegância.

A moça se aproxima dos dois e começa a chorar. Sem entenderem nada,

Alaor e Pedro a convidam para se sentar. Nesta hora Mateus, que só observa tudo,

serve um café para a moça.

_ O que houve com você estes dias? Por onde andou?

_ Aconteceu uma tragédia.

_ Como uma tragédia? O que você fez?

_ Eu matei o Patrício. Atirei nele por engano.

_ Como foi isso?

_ Saímos daqui naquela sexta. Fomos a Brasília. Uma festa. Lá teve uma

confusão entre ele e um ex namorado meu. Os dois se desentenderam a saíram no

tapa. Na confusão, o meu ex, Léo, sacou de uma arma. Eu estava com uma arma

também, do Patrício, e não pensei duas vezes. Saquei o revólver da bolsa e

disparei. Mas errei o alvo. Acertei o peito do meu namorado.

_ Que loucura. E onde você esteve este tempo todo?

_ Na mesma noite eu fugi. Deixei ele lá. Nem sei o que houve.

_ E a polícia?!

_ No jornal deu que ninguém viu quem atirou. Eu não sei de mais nada.

_ Fiquei na casa de uma colega e só no sábado, à noite, vim para cá. Fiquei

na minha tia.

_ Pensamos em ir até lá. Mas não tínhamos notícias e resolvemos esperar.

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_ Fizeram bem. Minha tia não suportaria se vocês perguntassem algo de mim.

Ela é rígida, mas tem muito amor por mim.

_ E como você está agora?

_ Estou bem. Um pouco mais calma.

_ Ótimo.

_ Seu namorado, foi enterrado? - Pergunta Alaor.

_ Não sei. Não sei. Não vou atrás disso. Tenho medo de ser presa.

Rita fala do namorado, de como o conheceu. A moça disse que um dia faltou

luz no casarão e precisavam de um eletricista. Uma cozinheira do local falou de

Patrício. O rapaz veio e depois de vasculhar toda a fiação de entrada de energia

descobriu, no portão de entrada, uma caixa de inspeção elétrica. A noite caía e o

rapaz precisou correr contra o tempo. Mesmo com pouca luz, ele resolveu o

problema da falta de energia.

...

_ Você quer um café?

_ Aceito. A parada aqui está enrolada. Mas vou consertar.

_ Espero. O povo lá dentro está revoltado e o chefão conta com isso.

_ Farei o meu melhor.

_ Faça mais e será muito bem recompensado.

Rita saiu e o rapaz não pode deixar de notar na beleza da moça. Um tipo

meio vulgar, mas dona de uma beleza diferente. Ele ficou fascinado e Rita pareceu

corresponder ao charme.

_ São cento e cinquenta reais a minha mão de obra. Fiz uma ligação direta

nos cabos, mas você precisa comprar uns disjuntores para controlar a entrada de

energia pelo medidor. Mas isso só amanhã. Hoje, pelo adiantado da hora, melhor

não mexer.

_ Teremos algum problema de queda de energia hoje?

_ Prá hoje eu garanto. Pode ligar tudo aí que não vai faltar.

_ Aqui está sua grana. Obrigado.

_ Amanhã, se precisar, volto para colocar os aparelhos no quadro de luz.

_ Nós chamaremos. Obrigado.

Patrício saiu e no dia seguinte a copeira o chama para concluir os trabalhos

com os disjuntores que faltam. Patrício chega por volta de duas da tarde e encontra

apenas Rita no casarão. Ele pega as ferramentas e as peças de substituição do

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relógio de medição e ruma para o portão de entrada. Após umas duas horas, o

rapaz volta.

_ Pronto. Agora está tudo pronto.

_ Foi até rápido.

_ Estava quase tudo arranjado. Só liguei os disjuntores.

_ Espero que funcione.

_ Vai funcionar.

_ Olha, o patrão não está. Mas ligou e disse que está vindo. Senta aí e toma

alguma coisa enquanto espera. É por conta da casa.

_ Vou tomar, mas queria me lavar.

_Ali tem um banheiro de serviço. Você pode ir até lá e se lavar. Vou lhe trazer

uma toalha.

Patrício vai ao banheiro indicado por Rita e começa o asseio. A moça chega

em seguida e coloca uma tolha no banheiro e observa a silhueta de Patrício dentro

do boxe. Sem pensar duas vezes, ela se insinua para o rapaz, que não resistindo a

possui ali mesmo. Um silêncio no local só quebrado pelos gemidos da “rapidinha”

entre os dois.

_ Rita! Rita!

_ Meu Deus, o chefe chegou.

_ Saia na frente. Vou logo depois.

A moça sai do banheiro e se dirige à recepção.

_Aqui, patrão.

_ Onde estavas?

_ Fui levar uma toalha ao eletricista.

_ Ele terminou o trabalho?

_ Sim. Está tudo certo.

_ Pois então pague a ele e fique com o contato, caso precisemos no futuro.

_ Está certo.

O Dono do hotel sai do casarão no mesmo rastro que entrou. Rita volta ao

banheiro e pede a Patrício que saia de lá. O rapaz vem em sua direção.

_ Eu achei isto na caixa de inspeção de luz.

_ O que é?

_ Não sei. É uma folha de papel dobrada em partes.

_ Você não viu?

_ Eu não. Meu negócio é luz.

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_Rita, você disse que ele lhe entregou um papel.

_ Sim, disse.

_E onde está este papel?

_ Está comigo. No meu armário.

_ Você pode nos mostrar?

_ Sim, posso.

A moça saiu e foi até o armário buscar a folha de papel que Patrício lhe

entregara. Estava velha e quase em ruínas. Era preciso cuidado para não rasgar ao

abrir as dobras. Mas para Pedro isso era uma bobagem, ele tinha experiência em

manusear papéis velhos e neste estado.

_ Dê-me aqui. Eu abro.

_ Tome.

O professor foi abrindo a folha de papel devagar e a surpresa estatelou nos

olhos deles. Uma planta baixa completa, mostrando os dois pisos do casarão, um

porão, sótão e detalhes do jardim, contando, inclusive, o sepulcro.

_ Está tudo aqui. Tudo. – Disse radiante o velho professor.

_ É a nossa planta. – Concluiu Alaor.

_ Rita, você e seu namorado mala nos salvaram.

_ Não era mala. Era só “marrento”. Só queria se enturmar.

_ Seja como for, está morto agora.

_ Nem me lembre disso.

_ Vamos. Vamos até o meu quarto.

Saíram todos em direção ao quarto cinco e Mateus, o silencioso e prestativo

funcionário, apenas observa o movimento deles.

Analisaram com todo cuidado a planta e perceberam um corredor que ligava

a entrada do porão aos fundos da casa. O caminho percorria o subsolo do casarão,

atravessando toda a sua extensão e no outro extremo a saída era uma pequena

janela que dava para os jardins e de onde era possível avistar o túmulo. Mas ela não

era a saída do corredor. Uma porta ainda se abria e seguia em frente. A direção que

tomava era justamente o buraco da sepultura, coberto com o fundo falso que eles

viram anteriormente.

_É a cova!

_ Isso mesmo. A cova.

_ O ouro está na cova.

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_ Mas só tem acesso por aqui.

_ Seu parente bem que poderia ter facilitado.

_ Pelo que me contam de Casico, aquilo era uma raposa.

_ Bem ardiloso.

Alaor volta no tempo e se lembra de quando tinha doze anos e vai a uma

missa na matriz de Pirenópolis, Igreja Nossa Senhora do Rosário. Era aniversário

de morte de um ente da família, centenário. Enquanto o menino escutava o sermão

do padre, seus olhos percorriam a nave da igreja. Os santos, os enfeites, os lustres

e as peças decorativas do altar lhe deixavam fascinados. Alaor, pequeno e sem

conhecimento da vida, observa aquela luz forte e cintilante e em passos lentos

caminhou pela igreja. Num canto, próximo à sacristia, estava um altar muito bem

montado e de onde se avista a imagem de Nossa Senhora do Rosário. O rosto da

santa parecia brilhar com a intensa luz dourada que vinha de dentro do adorno.

_ Que lindo!

_ Alaor, vamos meu filho. A homilia já vai começar. - Chama a mãe de Alaor.

_ Caríssimos irmãos, nossa fé hoje se firma nas palavras do livro de

Eclesiastes, capítulo um, versos dois e sete: a fogueira das vaidades.

Alaor ouvia atentamente o que o padre dizia, mas sua mente parecia estar

sempre voltada para luz dourada intensa que o fizera se esquecer do mundo fora

dos umbrais da igreja. Enquanto o padre falava o sermão, uma frase lhe chamou a

atenção, tanto quanto a luz cor de ouro.

_ “Vaidade de vaidades, diz o pregador. Vaidade de vaidades! Tudo é

vaidade. Todos os rios vão para o mar, e, contudo, o mar não se enche; ao lugar

para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr.”

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CAPÍTULO XI – POR TODO O DINHEIRO DO MUNDO

O corredor estreito descamba na janela em que se observa o túmulo, no alto

do solo. De lado, um pouco à esquerda, uma porta de madeira maciça, com travas

em ferro fundido e cheia de teias de aranha como a esperar alguém para abri-la há

anos. Os dois forçam os ferrolhos e com um esforço abrem. Do outro lado está uma

pequena sala e uma breve fresta de luz parece entrar. Eles analisam com cuidado e

a luz da lanterna do celular mostra o que há no interior do buraco.

_As bolsas de couro de Casico.

_E um tesouro grandioso.

_ Pedro, você tinha razão.

_ É muito ouro.

_ Caramba! Durante anos este precioso metal esteve escondido e ninguém

achou.

_ Era preciso garimpar. O mundo moderno não permite mais isso. Não numa

cidade.

_ Vamos penar em como tirá-lo daqui.

_ Já pensei em tudo. O túmulo.

_ Vamos colocar tudo no túmulo e à noite levamos para os carros.

_ Amanha fechamos a conta e adeus.

_ Perfeito. Vamos, vamos.

Transferiram as bolsas de couro do buraco e pela meia lápide que servia de

fundo falso foram colocando as bolsas no túmulo. Depois, era só estacionar os

carros próximos à lateral do prédio e retirar o ouro de lá. Sairiam da cidade e depois

de quase dois meses de buscas e decepções, dividiriam a fortuna.

_ Isto lhe pertence, Alaor.

_ A nós.

_ Não, meu caro. Você é o dono legítimo.

_ Pare com isso. Você pode curar sua neta.

_ Ela já está em boas mãos. Você sabe.

_ Mesmo assim. Nunca é demais.

_Se um dia você publicar algo a respeito. Conte que o descobridor fui eu.

_ Está certo. Você será lembrado.

Os dois riram e terminaram com as remessas de bolsas de couro. Fecharam

a lápide falsa e voltaram pelo corredor em direção ao alçapão.

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Rita chegou perto dos dois e ofereceu uma cerveja.

_ Esta é por minha conta.

Alaor e Pedro riram e aceitaram a bebida. Ficaram sentados na varanda

esperando o momento certo de colocarem o resto do projeto em ação. Rita iria para

casa e apenas Mateus ficaria no casarão. Depois que ele se distraísse na recepção

vendo TV, os dois concluiriam a tarefa.

_ Mateus é sonso. Nunca percebeu nada. – Condena Pedro.

_ Rita. Não diga isso. Ele só é discreto.

_ É sonso, isso sim.

As horas passavam calmamente e lá pelas dezenove horas, Rita disse que

iria embora. Do casarão até a casa de sua tia era um bom pedaço e a moça ia

sozinha pilotando uma moto biz.

_ Você não tem medo?

_ Já estou acostumada.

_ Está certo.

_ Rita, amanhã nos encontraremos na saída cidade. Você terá sua parte.

_ Não, doutor Alaor. Preciso de outra ajuda sua.

_ Diga, o que quer.

_ Vou me entregar à polícia e quero um advogado. Um bom advogado.

_ Pense com calma sobre o que quer fazer. Isso lhe custará caro.

_ Mas o ouro que receberia não dar para pagar?

_ Não falo de dinheiro. Falo de sua vida.

_ Mas preciso pagar pelo que fiz.

_ Rita. Acalme-se. Você está desnorteada. Acalme-se.

_ Minha filha, diga-me o que você sabe sobre o Patrício? - Indaga Pedro

Araújo.

_ Ué, o conheci aqui como eletricista. Nos envolvemos e estamos juntos há

alguns meses. Mas não muito.

_ Certo. Pois como historiador e bisbilhoteiro, tratei de pesquisar a vida dele.

_ Você o quê?! - Pergunta Alaor surpreso.

_ Isto mesmo. Quando li na internet sobre a festa e a morte dele, resolvi

investigar a vida do rapaz.

_ E o que descobriu? - Indagou Rita.

_ Não era só “marrento” como você disse. Ele era bem perigoso.

_ Meu Deus, como assim?

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_ Seu amado estava aqui fugindo da justiça. Fora condenado por tráfico de

drogas, assaltos e roubo a uma empresa de segurança. E acredite. Matou um casal

para lhes roubar uma moto, em São Gabriel.

_ Nossa. Uma ficha e tanto. - Disse Alaor.

_ Mesmo assim, eu o matei.

_ Você quis defendê-lo e agiu precipitadamente. - Ponderou Alaor.

_ Acredite em mim quando falo, Rita. Seu namorado não era santo e você

não será procurada. Afinal, a polícia pouco se importa com criminosos que morrem.

A moça saiu do local meio que atônita com tudo o que ouvira. Pegou a moto e

rumou para a casa da tia, na cidade.

_ Ela é uma boa menina.

_ Sim, claro. Merece uma chance. A vida só lhe pregou uma peça.

_ Aliás, pregou em todos nós. Você já analisou a nossa?

_ Meu caro, Alaor. Penso em nossas vidas todo santo dia desde que nos

encontramos neste casarão.

_ Falando nisso. Você premeditou tudo isso?

_ Isso o quê?

_ O encontro. A vinda a cidade. Se hospedar aqui. Enfim.

_ Quase tudo. Exceto o encontro com sua esposa para os cuidados com

Sofia.

_ Mas ali, depois de falar com ela, resolvi pesquisar vocês.

_ E como chegou até mim?

_ No consultório de Cristina tem uma foto de vocês dois. No armário dela. E

notei um quadro com uma manchete de jornal que falava do brasão da família

Cavalcante. De posse dessa informação, eu vim aqui, fui ali. Li um pouco de cada

informação e aqui estamos.

_ Você foi policial alguma vez na sua vida?

_ Não. Só um simples professor de História.

_ Pois se tivesse menos idade, lhe aconselharia a seguir a carreira. Seria

bem-sucedido.

_ Ganhar o que ganho, prefiro ser professor. É menos arriscado.

Os dois riram e foram observar se Mateus já estava acomodado em sua cama

de campanha, embaixo do balcão da recepção. A TV ligada e só o barulho da

programação.

_ Xi. Ele dormiu.

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_ Bom dia.

_ Nossa. Acordaram cedo. O que houve?

_ Meu caro. Nossa folga acabou. - Disse Pedro

_ Como assim? Já vão embora?

_ Sim, Mateus. O dever nos chama.

_ Pois esperem ao menos o café.

_ Não temos tempo. Sairemos agora.

_ Feche nossa conta, meu bom rapaz. Disse Alaor.

_ Ok. Um minuto.

Mateus entregou os cupons das contas de ambos e eles pagaram em

dinheiro. Deixaram uma gorda gorjeta ao rapaz que tão prestativamente os auxiliou,

e mais, sem sequer se intrometer na vida ou nas conversas dos dois. Eles

passaram a gostar de Mateus e por isso fizeram questão de lhes deixar uma boa

recompensa. Mas em dinheiro para não levantar as suspeitas.

A saída de Pirenópolis é uma cobertura em estilo neoclássico e existe uma

serra bonita ao fundo e que de algum ponto se observa a cidade. Os dois amigos

seguiam em comboio pela estrada e de longe viram Rita no acostamento esperando

encostada na moto.

_ Por que não foi ao casarão?

_ Sabia que passariam por aqui. Resolvi esperá-los.

_ Vamos lhe dar sua parte.

_ Não quero. Agradeço a gentileza. Mas a morte de Patrício não me sai da

cabeça e ter este ouro não me dará sossego. De certa forma ele morreu por isto.

_ Está bem. Não temos tempo. Mas fique com meu cartão. Caso precise.

Serei seu advogado.

_ Quanto a mim, caso precise, lhe darei o auxílio que quiser, se precisar.

_ Obrigada. Vocês se cuidem.

Ela observou os dois carros sumirem na estrada de volta à Brasília. E de

posse de sua biz, voltou à cidade. Voltou ao casarão.

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CAPÍTULO XII – DE ONDE MENOS SE ESPERA…

Mateus Diniz Lima tem 24 anos de idade e saiu da cidade de Corrente no

Piauí com destino a Brasília em 2010. O sonho do rapaz era estudar leis e ser um

advogado. Queria ser doutor e voltar para Corrente e mostrar aos familiares e

amigos que havia vencido na vida. Mas a vida lhe empurrou por tantos caminhos

que os seus projetos foram ficando esquecidos. Morou em São Paulo. Conheceu

muita gente e até fez vestibular para Direito. Num empate macabro, perdeu a vaga

na academia para um cara mais velho. Um dia mais velho. Mas são as regras.

Voltou a Brasília e a sua história se mistura como a de muitos outros jovens que

deixam a terra natal. Sonhos, amores, responsabilidades e novas profissões. Depois

de uma série de tentativas, o jovem piauiense acabou sendo garçom na noite

brasiliense.

Um dia, um grupo de amigos, de folga, o chamou para visitar a cidade de

Pirenópolis. Ele se apaixonou pelo lugar e de lá não mais saiu. Está no casarão há

dois anos e é considerado o melhor funcionário.

_ Mateus, deixa de ser bobo. Só trabalhamos eu e você aqui.

_ Mas eu sou o melhor funcionário. Nicanor quem disse.

_ A copeira só vem nas férias. Não conta. E seu Nicanor está velho demais.

_ Mas é vivo.

_ E eu não sei.

Os dois colegas de trabalho riram e Mateus ficou a olhar Rita por alguns

instantes.

_ Te conheço desde que entrei aqui. Nunca vi você tão triste.

_ É. Nestes últimos dias eu não estou me sentido bem.

_ É porque seu namorado sumiu?

_ Ele não sumiu.

_ E cadê ele?

_ Fez uma viagem. Mas não é por isso que estou triste.

_ E qual o motivo, então?

_ É que a vida nos dá oportunidades. Umas você perde. Outras você

abandona e outras você lamenta. Como agora.

_ Do que você está falando?

_ Ah, Mateus. Você é um cara legal. Não merece ouvir minhas bobagens.

_ Pode falar, se quiser.

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_ Deixa pra lá. Me fala de você.

_ Sou um cara normal. Ensino médio completo, sonho de ser advogado. Mas

virei garçom.

_ Mas é o melhor garçom do Hotel Casarão.

Riram enquanto falavam de suas vidas. Estavam na frente do prédio olhando

as escadarias e a fachada. Os dois ali, pareciam propensos a uma nova história

para ilustrar ainda mais a vida naquela casa tão antiga.

_ Você ainda pode sonhar.

_ Posso, eu sei.

_ Então estude. Corra atrás do seu sonho. Você é novo.

_ E você também é. Por que não faz o mesmo?

_ Eu já dei cabeçadas demais. Ter este emprego é só o que preciso.

_ E um novo amor, não quer?

_ Os carinhas de hoje não querem nada sério, Mateus.

_ Isso não é verdade.

_ É, sim. Só querem sexo e farra.

_ Não diga isso.

_ Falando em amor. Você não tem ninguém?

_ Já tive. Mas ela me deixou e foi para o Rio de Janeiro.

_ Puxa. Que pena. Você a amava?

_ Sim, muito. Mas já passou. Depois que ela saiu de Corrente para o Rio, eu

vim para Brasília, um ano depois.

_ Como veio parar aqui em Pirenópolis?

_ Uma folga de fim de semana. Gostei tanto e fiquei.

_ Nossa. Trocar Brasília por isso aqui.

_ Olha, gosto de sossego.

_ Mas aqui não há futuro.

_ O futuro é a gente que faz, Rita.

_ Como? Me diz.

_ Basta sonhar e ter fé.

_ Fé eu tenho. Até sonho. Mas falta grana.

_ Grana é o de menos.

_ Pois eu joguei a minha chance de ser rica fora. - Diz Rita sorrindo.

_ Quem sabe a vida não te dá outra chance e de quebra um novo amor?

_ É Mateus, quem sabe.

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Ficaram mais um pouco olhando a bela casa. Sem perceber tocaram nas

mãos um do outro e sorrindo sentaram-se nas escadas. Mateus gostava de Rita,

mas calado, ou tímido, nunca disse. Agora ali, tão perto dela, era uma chance única.

Ele não desperdiçaria.

_ Mateus, me conta: se você tivesse muita grana. O que você faria?

_ Como assim? Um negócio?

_ Sim. Também. Mas o que você faria primeiro?

_ Bem, eu ajudava meus pais. E depois montaria algo aqui mesmo para mim.

_ Em Pirenópolis?!

_ Sim. Sossego e uma boa renda. Qual o problema?

_ Você tá louco.

_ E você. O que faria?

_ Eu viajaria o mundo. Sumiria do Goiás. Não do Brasil.

_ Poxa. Assim eu não tenho nem chance.

_ Chance do quê?! Tá doido!

_ Você não me daria uma chance, não é Rita?

_ Mateus. Para com isso. Somos colegas de trabalho.

_ Sim. É verdade. Mas eu gosto de você.

_ Eu também. Mas nunca percebi que você gostasse de mim. Achei que era

só como colega.

_ Mais que isso.

_ Sério?!

_ An ran.

Eles ficaram algum tempo em silêncio e o vazio do casarão e a calma do

lugar parecia deixar os sonhos leves e livres. Aquele momento mágico era para

Mateus uma das poucas alegrias que tinha vida. Mesmo jovem, o rapaz sonhador

não tinha desejos impetuosos comuns à juventude atual. Era calmo e sonhador. Só

queria um lugar para viver e um alguém para amar. Talvez Rita.

_ Quero te mostrar uma coisa.

_ O quê?

_ Anda, vem!

Seguiram até uma dispensa, nos fundos da cozinha. Uma porta trancada a

cadeados e que ninguém nunca entrara no local. Apenas o Mateus tem as chaves.

_ Nossa. Nunca notei esta porta aqui.

_ Veja. É oca. Descobri por acaso. Uns meses depois de vir trabalhar aqui.

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_ O que tem do outro lado?

_ Apenas uma dispensa antiga. Algumas prateleiras e umas bolsas de couro.

_ Bolsas de couro?!

Entraram e Mateus lhe mostrou sua descoberta. Desde então passou a cuidar

do achado com muito cuidado. Ninguém entrava no local e como Nicanor tinha dado

a ele a responsabilidade de cuidar do casarão, Mateus não se preocupava em

manter mais bem vigiado. O local era algo insuspeito.

_ Veja o que tem dentro.

_ Oh meu Deus!!! - Disse Rita assustada.

_ É ouro!

_ Xi. Fale baixo. Sim, é ouro.

_ Mateus! Meu Deus!

_ Pois é. Descobri enquanto revirava a casa para arrumar defeitos.

O ouro do alçapão que tinha sumido. As bolsas com pedras. E as novas

bolsas escondidas atrás de uma porta oca. Em cada bolsa estavam as iniciais

MECF. Iniciais de Maria Eduarda Cavalcante Freire, que ao fugir com o amado,

deixou o pai numa ira profunda. As bolsas com o tesouro para os filhos foram sendo

guardadas até que Casico herdou tudo. Estas aí, quando sumiram, foi,

provavelmente uma estripulia do garoto travesso que tanto fez e tanto teve, mas

pouco levou.

FIM