O M utismo Seletivo e a Ludoterapia

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Escola Superior de Educação João de Deus Mestrado em Ciências da Educação na Especialidade em Domínio Cognitivo-Motor O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia/ Atividade Lúdica – na perspetiva de profissionais ligados à educação Célia Margarida da Silva Ribeiro Lisboa, abril de 2013

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O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia

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  • Escola Superior de Educao Joo de Deus

    Mestrado em Cincias da Educao na Especialidade em Domnio Cognitivo-Motor

    O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia/

    Atividade Ldica

    na perspetiva de profissionais ligados educao

    Clia Margarida da Silva Ribeiro

    Lisboa, abril de 2013

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    iii

    Escola Superior de Educao Joo de Deus

    Mestrado em Cincias da Educao na Especialidade em Domnio Cognitivo-Motor

    O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia/

    Atividade Ldica

    Clia Margarida da Silva Ribeiro

    Dissertao apresentada Escola Superior de Educao Joo de

    Deus com vista obteno do grau de Mestre em Cincias da

    Educao na Especialidade de Educao Especial: Domnio Cognitivo

    e Motor sob a orientao da

    Professora Cristina Gonalves

    Lisboa, abril de 2012

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    iv

    algum para ouvir o que o outro algum tem para dizer

    (Bion, 1979)

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    RESUMO

    O Mutismo Seletivo uma problemtica que envolve principalmente crianas em idade

    escolar, sendo aqui que mais frequentemente este se manifesta, e que compromete a sua

    performance nos contextos social e escolar. um transtorno pouco conhecido e reconhecido o

    que dificulta no s o diagnstico mas tambm a definio de estratgias de tratamento.

    Neste estudo feito um trabalho ao nvel da reviso da literatura existente no que diz

    respeito ao Mutismo Seletivo e que inclui o conceito e a sua evoluo, a(s) etiologia(s) do

    problema, prevalncia, diagnstico, prognstico e tratamento. Paralelamente so perspetivadas

    algumas hipteses de tratamento com vista superao do problema luz dos conceitos de

    ludoterapia e atividades ldicas, e que incluem uma anlise dos conceitos de ludoterapia, de

    atividade ldica, brincar, brinquedo, brincadeira, ludodiagnstico, ludoterapia comportamental e

    atividades a desenvolver dentro e fora da sala de aula.

    Apresentamos, ainda, os resultados de um estudo exploratrio que consistiu na aplicao

    de um questionrio a educadores, professores, psiclogos e terapeutas acerca das temticas

    referidas.

    PALAVRAS CHAVE: mutismo seletivo, ludoterapia, atividades ldicas.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    vi

    ABSTRACT

    Selective Mutism is a problem that mainly involves children in school age, being here the

    place where it more clearly manifests itself, and that compromises the childrens performance in

    the social and school environments. It is an almost unknown and unrecognized concept and these

    facts end up hardening not only the diagnosis but also the definition of treatment strategies.

    This study deals with the theoretical literature of Selective Mutism that includes the

    concept and its development throughout time, the etiology, prevalence, diagnosis, prognosis and

    treatment. Besides, some hypothesis are suggested in terms of treatment aiming the surpassing

    of the problem always bearing in mind the concepts of play therapy and play time, that include

    the analysis of the concepts of play therapy, play time, playing, toy, play diagnosis, behavioral play

    therapies and play activities in and out of the classroom.

    Further, the results of an exploratory study are presented. This study resulted from the

    application of a questionnaire to teachers, psychologists and therapists about the issues

    mentioned above.

    KEY WORDS: Selective Mutism, play therapy, playing.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    vii

    NDICE

    RESUMO ................................................................................................................................. v

    ABSTRACT ...............................................................................................................................vi

    NDICE .................................................................................................................................... vii

    NDICE DE GRFICOS ................................................................................................................ ix

    INTRODUO ........................................................................................................................ 12

    Parte 1: REVISO DA LITERATURA .......................................................................................... 14

    Captulo 1: MUTISMO SELETIVO ............................................................................................. 14

    1. Conceptualizao histrica do mutismo seletivo ................................................................. 14

    2. Critrios DSM-IV-TR (APA, 2000) .......................................................................................... 15

    3. Etiologia ................................................................................................................................ 16

    3.1. Teorias psicodinmicas ..................................................................................................... 16

    3.2. Teorias biolgicas .............................................................................................................. 17

    3.3. Teorias comportamentais ............................................................................................ 17

    3.4. Comorbilidades ............................................................................................................ 18

    3.5. Neuro desenvolvimento ............................................................................................... 19

    4. Prevalncia ........................................................................................................................... 20

    5. Diagnstico ........................................................................................................................... 20

    6. Prognstico........................................................................................................................... 24

    7. Tratamento ........................................................................................................................... 24

    Captulo 2: LUDOTERAPIA /ATIVIDADES LDICAS ................................................................... 28

    1. Evoluo histrica da interpretao do conceito de atividade ldica ................................. 28

    2. Brincar/brinquedo/brincadeira/jogo ................................................................................... 29

    3. Conceito de ludoterapia ....................................................................................................... 33

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

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    4. Ludodiagnstico - ludoterapia como diagnstico ............................................................... 34

    5. Ludoterapia comportamental .............................................................................................. 38

    6. A famlia e a escola ............................................................................................................... 43

    Parte 2: METODOLOGIA DE INVESTIGAO ............................................................................ 49

    1. Definio do problema ......................................................................................................... 49

    2. Objetivos do estudo ............................................................................................................. 50

    3. Hipteses .............................................................................................................................. 50

    4. Instrumentos de investigao .............................................................................................. 51

    5. Dimenso e critrios de Seleo da Amostra ....................................................................... 52

    6. Protocolo de recolha e aplicao de dados / tica da pesquisa .......................................... 52

    7. Procedimentos estatsticos .................................................................................................. 53

    8. Cronograma .......................................................................................................................... 53

    Parte 3: APRESENTAO DOS RESULTADOS ............................................................................ 54

    Parte 4: DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................................................................... 79

    CONCLUSES ......................................................................................................................... 88

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 91

    Apndice 1 ............................................................................................................................ 96

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    ix

    NDICE DE GRFICOS

    Grfico 1 - Gnero ............................................................................................................................ 55

    Grfico 2 - Idade ............................................................................................................................... 55

    Grfico 3 - Habilitaes .................................................................................................................... 56

    Grfico 4 - Profisso ......................................................................................................................... 57

    Grfico 5 - Tempo de servio ........................................................................................................... 57

    Grfico 6 - Formao em NEE .......................................................................................................... 58

    Grfico 7 - A criana com MS no consegue expressar-se pela fala ................................................ 58

    Grfico 8 - A criana com MS nega-se voluntariamente a falar em determinados contextos. ....... 59

    Grfico 9 - A criana com MS nega-se voluntariamente a falar com determinadas pessoas. ......... 60

    Grfico 10 - A criana com MS incapaz de falar em determinados contextos. ............................. 60

    Grfico 11 - A criana com MS incapaz de falar com determinadas pessoas. .............................. 61

    Grfico 12 - H traos biogenticos que conduzem ao desenvolvimento de MS. .......................... 62

    Grfico 13- O MS manifesta-se na faixa etria dos 3-6 anos. .......................................................... 62

    Grfico 14 - O no falar uma atitude de defesa. ........................................................................ 63

    Grfico 15 - As emoes aproximam a criana do meio social. ....................................................... 64

    Grfico 16 - As emoes afastam a criana do meio social. ............................................................ 64

    Grfico 17 - O MS frequentemente causado por situaes traumticas, de ordem fsica ou

    psicolgica. ............................................................................................................................... 65

    Grfico 18 - A criana com MS simplesmente mais insegura e tmida do que as outras crianas.

    .................................................................................................................................................. 66

    Grfico 19 - A criana com MS apresenta um quadro de fobia social e timidez excessiva. ............ 66

    Grfico 20 - Quando uma criana para de comunicar em ambientes sociais um alerta para esta

    perturbao. ............................................................................................................................. 67

    Grfico 21 - Eliminar as presses e expectativas de fala o melhor a fazer em casos de MS. ....... 68

    Grfico 22 - A terapia essencial no tratamento de MS. ................................................................ 68

    Grfico 23 - A diminuio da ansiedade da criana atenua os sintomas. ........................................ 69

    Grfico 24 - O recurso a frmacos essencial no tratamento de MS.............................................. 70

    Grfico 25 - A indicao da ludoterapia parte habitualmente dos pais da criana com MS. .......... 70

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    x

    Grfico 26 - A ludoterapia propicia um ambiente que quebra inevitavelmente as barreiras da fala.

    .................................................................................................................................................. 71

    Grfico 27 - O brinquedo pode ser considerado um instrumento de investigao e interveno

    clnica. ....................................................................................................................................... 72

    Grfico 28 - A atividade ldica a maneira pela qual a criana expressa a realidade interna. ....... 72

    Grfico 29 - Jogar e brincar funcionam da mesma maneira para a criana. .................................... 73

    Grfico 30 - Brincar uma forma privilegiada de comunicao. ..................................................... 74

    Grfico 31 - O jogo e a brincadeira so formas privilegiadas de estabelecer o vnculo teraputico.

    .................................................................................................................................................. 74

    Grfico 32 - O jogo e o brinquedo levam manifestao de emoes. .......................................... 75

    Grfico 33 - A interao verbal essencial no tratamento de MS. ................................................. 76

    Grfico 34 - As atividades que exigem uma limitada produo verbal so aconselhadas a crianas

    com MS. .................................................................................................................................... 76

    Grfico 35 - O jogo permite criana trabalhar psicologicamente os conflitos, as agresses e

    problemas afetivos. .................................................................................................................. 77

    Grfico 36 - O MS uma problemtica crnica. .............................................................................. 78

    NDICE DE TABELAS

    Tabela1 cronograma ..52

    Tabela 2 Gnero 55

    Tabela 3 Idade .55

    Tabela 4 Habilitaes ....56

    Tabela 5 Profisso ...57

    Tabela 6 - Tempo de servio. ...........................................................................................................57

    Tabela 7 Formao em NEE...........................................................................................................58

    Tabela 8 - A criana com MS no consegue expressar-se pela fala. ................................................58

    Tabela 9 - A criana com MS nega-se voluntariamente a falar em determinados contextos. ........59

    Tabela 10 - A criana com MS nega-se voluntariamente a falar com determinadas pessoas. ........60

    Tabela 11 A criana com MS incapaz de falar em determinados contextos. .............................60

    Tabela 12 A criana com MS incapaz de falar com determinadas pessoas. ..............................61

    Tabela 13 - H traos biogenticos que conduzem ao desenvolvimento de MS. ...........................62

    Tabela 14 - O MS manifesta-se na faixa etria dos 3-6 anos. ..........................................................62

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    Tabela 15 - O no falar uma atitude de defesa. ........................................................................63

    Tabela 16 - As emoes aproximam a criana do meio social. ........................................................64

    Tabela 17 - As emoes afastam a criana do meio social. .............................................................64

    Tabela 18 O MS frequentemente causado por situaes traumticas, de ordem fsica ou

    psicolgica. ......................................................................................................................................65

    Tabela 19 - A criana com MS simplesmente mais insegura e tmida do que as outras crianas.

    ...................................................................................................................................................66

    Tabela 20 - A criana com MS apresenta um quadro de fobia social e timidez excessiva. .............66

    Tabela 21 - Quando uma criana para de comunicar em ambientes sociais um alerta para esta

    perturbao. ....................................................................................................................................67

    Tabela 22 - Eliminar as presses e expectativas de fala o melhor a fazer em casos de MS. ........68

    Tabela 23 - A terapia essencial no tratamento de MS. .................................................................68

    Tabela 24 - A diminuio da ansiedade da criana atenua os sintomas. .........................................69

    Tabela 25 - O recurso a frmacos essencial no tratamento de MS. .............................................70

    Tabela 26 - A indicao da ludoterapia parte habitualmente dos pais da criana com MS. ...........70

    Tabela 27 - A ludoterapia propicia um ambiente que quebra inevitavelmente as barreiras da fala.

    ..........................................................................................................................................................71

    Tabela 28 - O brinquedo pode ser considerado um instrumento de investigao e interveno

    clnica. ..............................................................................................................................................72

    Tabela 29 - A atividade ldica a maneira pela qual a criana expressa a realidade interna. ........72

    Tabela 30 - Jogar e brincar funcionam da mesma maneira para a criana. ....................................73

    Tabela 31 - Brincar uma forma privilegiada de comunicao. ......................................................74

    Tabela 32 - O jogo e a brincadeira so formas privilegiadas de estabelecer o vnculo teraputico.

    ..........................................................................................................................................................74

    Tabela 33 - O jogo e o brinquedo levam manifestao de emoes. ...........................................75

    Tabela 34 - A interao verbal essencial no tratamento de MS. ..................................................76

    Tabela 35 - As atividades que exigem uma limitada produo verbal so aconselhadas a criana

    com MS. ...........................................................................................................................................76

    Tabela 36 - O jogo permite criana trabalhar psicologicamente os conflitos, as agresses e

    problemas afetivos. .........................................................................................................................77

    Tabela 37 - O MS uma problemtica crnica. ...............................................................................78

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    INTRODUO

    A noo de silncio est associada a uma ausncia total ou relativa de sons audveis. No

    entanto, e por analogia, este termo est associado ausncia de comunicao. Culturalmente o

    silncio pode ser interpretado de forma negativa ou de forma positiva de acordo com o contexto.

    No entanto, por que ser que h crianas que apresentam um silncio seletivo em determinados

    contextos, nomeadamente na escola, ou com determinadas pessoas? Ser esta uma forma de

    comunicao? Sero elas incapazes de verbalizar o que sentem? Estaro elas a demonstrar

    arrogncia ou at insolncia? Ento porque que a ausncia de fala apenas surge em

    determinados ambientes? Sero apenas teimosas e esto a reprimir a sua violncia contra a

    situao em que esto ou contra uma situao que viveram? Estaro, pelo contrrio, a gritar

    por ajuda ainda que imersas num silncio desesperante?

    Partindo destas e de outras questes, este trabalho debrua-se sobre uma manifestao,

    que relativamente pouco conhecida e que atualmente, e de acordo com o DSM-IV-TR (APA,

    2000), denominada de Mutismo Seletivo. Esta problemtica est associada a uma recusa por

    parte da criana em falar em determinadas situaes e/ou contextos. O Mutismo Seletivo (a partir

    deste momento designado MS) uma condio em que crianas, adolescentes e mesmo alguns

    adultos sentem dificuldade ou mesmo incapacidade em falar em ambientes especficos, apesar de

    possurem competncias vocabulares e acadmicas e de o fazerem noutras circunstncias.

    Comearemos por tentar perceber o conceito de Mutismo Seletivo no eixo da

    temporalidade tendo sempre presente a natureza hetergena da condio, que conduz a uma

    etiologia dbia e de difcil definio. No entanto, e embora seja de extrema dificuldade fazer o

    mapeamento das causas que levam a este transtorno, tentaremos esboar as principais que se

    prendem com aspetos relacionados com a herana gentica, os traos pessoais e o tipo de

    interaes estabelecidas no seio familiar, entre outros. A idade em que ocorre, as caractersticas

    mais comuns, formas de diagnstico e possibilidades de tratamento, sero, tambm, abordadas

    no sentido de tentar conhecer a problemtica o mais profundamente possvel por forma a tentar

    encontrar possibilidades de interveno adequadas e eficazes.

    Por outro lado, e j totalmente centrados na busca de tratamentos ou possibilidades de

    interveno, centrar-nos-emos na utilizao da ludoterapia e de atividades ldicas em situao de

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    13

    MS. Aqui, tentaremos perceber, tambm no eixo da temporalidade, algumas questes

    relacionadas com o brinquedo, o ato de brincar, o jogo, as suas funes, objetivos e

    possibilidades. O conceito de ludoterapia surge na medida em que a problemtica do MS mais

    evidente em crianas e este tipo de terapia est quase que obrigatoriamente associado a elas. O

    brincar, como ato caracterstico de qualquer criana, ser visto luz de vrias teorias que visam a

    anlise deste atividade to aparentemente simples. Tentaremos, ainda, perceber o uso do

    ludodiagnstico e da ludoterapia comportamental como estratgia de interveno. Tendo em

    conta que a criana e as suas vivncias esto centradas nos eixos famlia escola, tentaremos,

    tambm, perspetivar o uso do ldico nestes contextos com vista ao fim do silncio ensurdecedor

    que circunda a criana com MS.

    Depois de abordadas as questes tericas em torno dos conceitos dominantes deste

    trabalho, mutismo seletivo e ludoterapia, passaremos a uma parte mais prtica em que ser feito

    um estudo no sentido de tentar perceber a opinio de diversos profissionais ligados ao contexto

    educativo. Sero realizados inquritos com afirmaes mais ou menos consensuais relativamente

    a cada uma das temticas. Estes inquritos pretendem aferir o grau de conhecimento dos

    inquiridos relativamente problemtica do MS. Pretendem, ainda, no caso de desconhecimento,

    dar a conhecer, suscitar a curiosidade e levar ao esclarecimento de algumas questes. Por outro

    lado, atravs dos inquritos, poderemos perspetivar a opinio dos inquiridos acerca do recurso a

    atividades ldicas, essencialmente no mbito escolar, no s relativamente a crianas afetadas

    com MS mas tambm as crianas em geral ou com outro tipo de problemticas. Nestas questes

    estamos certos que as opinies sero bastante elucidativas e seguras e revelaro uma postura ou

    pr ldica ou contra ldica. Com este trabalho pretendemos, em grande parte, salientar os

    aspetos positivos do uso de atividades ldicas ou com carter ldico, especificamente no contexto

    educativo, como abordagem a determinadas problemticas, especificamente o MS, percebendo,

    no entanto, as limitaes do estudo relacionadas, por exemplo, com a representatividade da

    amostra.

    Atravs da anlise dos resultados obtidos, ser possvel tentar estabelecer relaes entre

    o uso da ludoterapia ou de atividades ldicas e o fim do silncio ansiado por pais, familiares,

    amigos, professores e terapeutas. Como evidente, este silncio no cessar como a luz do dia

    aps a chegada da noite. Como em qualquer problemtica que envolve crianas, relaes sociais,

    questes emocionais, caractersticas intrnsecas e fatores ambientais, por exemplo, a caminhada

    ser longa e o percurso a ser percorrido poder ser lento, por vezes sinuoso, com avanos e

    retrocessos, havendo apenas a garantia que se forem reunidos os esforos as possibilidades de

    sucesso sero ampliadas.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    14

    Parte 1: REVISO DA LITERATURA

    Captulo 1: MUTISMO SELETIVO

    1. Conceptualizao histrica do mutismo seletivo

    O MS, embora j tivesse sido identificado anteriormente, foi pela primeira vez descrito

    pelo mdico alemo Kussmaul em 1877, que referiu pacientes que no falavam em algumas

    situaes, apesar de terem habilidade lingustica para o fazer, tendo denominado o problema de

    afasia voluntria, um quadro de uma criana aparentemente desafiadora que, em determinadas

    situaes, escolhia no comunicar. Em 1934, Tramet introduziu a designao mutismo eletivo para

    descrever um quadro que apresenta algum com incapacidade de falar em situaes em que seria

    esperado que o fizesse. O termo eletivo sugeria, tambm, que havia uma deciso deliberada para

    no falar. Neste sentido, a literatura salientava a oposio como uma varivel chave no MS

    Halpern, Hammond e Cohen (1971) descreviam as crianas com MS como sendo imaturas,

    controladoras e com comportamentos de oposio.

    No entanto, o DSM-IV-TR (APA, 2000) mudou o nome desta condio de mutismo

    eletivo para mutismo seletivo. Santos (2005) concorda que esta disfuncionalidade no um

    comportamento voluntrio e, decorrente disto, concorda tambm com a mudana que ocorreu

    ao nvel da classificao no DSM-IV, em 1994, e que tornou oficial a terminologia agora usada

    para descrever o MS com um carter involuntrio. De acordo com Prado, Revers e Marrocos

    (2008), esta mudana de terminologia representou uma transio. A criana entraria em MS no

    por vontade prpria mas porque o contexto social favorecia a no comunicao, delineando um

    quadro de ansiedade e de fobia social.

    Anstending (1999) assume o MS como sendo um transtorno de ansiedade, de fobia social

    ou um transtorno ps-traumtico e, por isso, sugere uma nova mudana ao nvel terminolgico

    em futuras revises do referido manual. Kristensen (2000) tambm descreveu a relao estreita

    que existe entre MS e transtornos de ansiedade demonstrando a presena de fobia social em

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    15

    setenta e cinco por cento dos casos estudados (a criana tem um comportamento normalizado e

    funcional no seio familiar e no contexto social apresenta um quadro de evitao).

    De facto, atualmente os estudos esto centrados na relao entre o mutismo e sintomas de

    ansiedade, embora Omdal and Galloway (2008) tenham explorado a hiptese de o MS ser uma

    fobia especfica da fala. No entanto, Carbone,Schmidt, Cunningham, McHolm, St Pierre and Boyle

    (2010) tambm encontraram provas de que o MS uma desordem de ansiedade mas com dfices

    especficos ao nvel da funcionalidade social e da ansiedade social.

    2. Critrios DSM-IV-TR (APA, 2000)

    O Mutismo Seletivo ainda pouco compreendido embora tenha havido um aumento dos

    estudos desta temtica. Os critrios de diagnstico presentes no DSM-IV-TR (APA, 2000) so:

    A. Incapacidade persistente de falar em situaes sociais especficas (situaes em que se

    espera que fale como, por exemplo, na escola) apesar de o fazer noutras situaes;

    B. A alterao interfere no rendimento escolar ou laboral ou na comunicao social;

    C. A durao da perturbao de, pelo menos, um ms (no limitada ao primeiro ms de

    escola);

    D. A incapacidade de falar no devida falta de conhecimentos ou de familiaridade com a

    lngua requerida na situao social;

    E. A perturbao no melhor explicada pela presena de uma perturbao de

    comunicao (por exemplo gaguez) e no ocorre exclusivamente no decurso de uma

    perturbao global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outra perturbao psictica

    De um modo geral, as crianas diagnosticadas com MS tm competncias comunicativas

    ditas normais ou satisfatrias embora, por vezes, possa haver um transtorno associado, por

    exemplo, ao nvel da linguagem expressiva.

    A timidez, o temperamento inibido, a ansiedade e o isolamento social, bem como

    comportamentos compulsivos, baixa autoestima e dfice cognitivo, podem ser associados.

    Santos (2005) considera que esta manifestao to complexa que pode assumir

    diferentes padres. Pode haver crianas que no falem especificamente com adultos, crianas

    que s falem com uma outra criana, crianas que se limitem a murmurar com determinadas

    pessoas e em determinados contextos, entre outras variveis.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    16

    3. Etiologia

    O MS pode ser o resultado de uma srie de fatores que incluem caractersticas orgnicas

    e ambientais e que dificultam e, por vezes, impedem o desenvolvimento e a aquisio de

    competncias de interao social.

    De facto, ao longo das ltimas dcadas, temos vindo a verificar algumas alteraes no que

    diz respeito descrio da etiologia do MS, que inicialmente era associada a um tipo de trauma

    emocional, familiar ou ambiental. Como afirma Stein (2001), o MS poderia ter ser desencadeado

    por um trauma como o abuso sexual, a hospitalizao ou morte familiar. Atualmente no existem

    relatos de pesquisas que indiquem evidncias empricas que comprovem o trauma ou abuso

    como fator desencadeador.

    Viana, Beidel e Rabian (2009) propem uma perspetiva psicopatolgica do

    desenvolvimento para a compreenso da etiologia do MS. Fala-se em patologia na medida em

    que o resultado da mistura de fatores individuais e ambientais. Cohan, Price e Stain (2006)

    reconhecem a interao da gentica, do temperamento, do desenvolvimento e de fatores sociais.

    3.1. Teorias psicodinmicas

    Segundo Atienza (2001), o modelo psicodinmico admite a existncia de uma srie de

    fatores que podem estar na origem de MS, podendo haver uma alterao intrapsquica

    relacionada com um trauma emocional ou com conflitos no resolvidos. So eles, por exemplo, a

    hipersensibilidade face a impulsos instintivos, o trauma psquico durante o perodo crtico de

    desenvolvimento da linguagem, os mecanismos de medo, a ausncia de segurana, os ambientes

    familiares permissivos, os conflitos psquicos internos no resolvidos, a dependncia entre a

    criana e os pais, a ligao da criana me, a ansiedade de separao, entre outros. Os fatores

    psicodinmicos e psicossociais associados a distrbios neuro psicolgicos parecem, tambm,

    propiciar a situao.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    17

    3.2. Teorias biolgicas

    Uma perspetiva biolgica refere caractersticas intrnsecas da criana que favorecem esta

    situao havendo, no entanto, um padro familiar que inclui comportamentos semelhantes e/ou

    manifestaes de ansiedade, fobia ou perturbaes obsessivo-compulsivas.

    Rodriguez et al (1996) considera que dentro das variveis biolgicas se podem distinguir

    dois subgrupos. O primeiro inclui variveis evolutivas, que parecem apresentar um carter

    universal e com efeitos ao nvel do comportamento, e que seriam transmitidos geneticamente. O

    segundo tem em considerao variveis como o gnero, leses cerebrais ou alteraes

    anatmicas com uma implicao direta na produo do som.

    As histrias e os sistemas familiares parecem estar ligados etiologia biolgica, o que

    parece reforar a ideia da ligao entre fatores ambientais e intrnsecos. Historicamente os

    estudos salientavam a relao entre MS e a autonomia da criana, medo da separao, sensao

    de abandono, dependncia, depresso materna, pais controladores, sobre proteo, vergonha e

    ansiedade social sentida pelos pais, desordens ao nvel da comunicao, entre outros. A neurose

    familiar, superproteo ou dominao materna, pai severo e distante, so vistas por alguns

    autores como um fatores desencadeadores de MS.

    Alguns crticos consideram que na base do MS podem estar anomalias fisiolgicas no

    crebro. Para Gordon (2001) h um mutismo orgnico que est relacionado com possveis leses

    no cerebelo. Estas linhas justificam que possa ser feita uma abordagem farmacolgica.

    3.3. Teorias comportamentais

    Partindo do princpio que o MS est associado ansiedade, a associao a teorias

    comportamentais tem sido amplamente usada. Leonard e Topol (1993) referem que o MS visto

    como uma resposta apreendida que reforada. Esta ideia foi, tambm, referida por Omdal &

    Gallaway (2008), que advoga que a criana desenvolve uma identidade social de ser

    seletivamente muda e o seu comportamento reforado se no for desafiada a mudar.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    18

    3.4. Comorbilidades

    A ansiedade social, de acordo com Black & Uhde (1992), transmitida familiarmente para

    a criana e meramente um sintoma expressivo de fobia social. Assim, muitas crianas com MS

    revelam traos comportamentais como a timidez, preocupaes com evitao social, o medo, o

    apego e o negativismo. Estas manifestaes tm uma incidncia muito maior do que sintomas

    desafiadores opositivos ou comportamento agressivo. Parece evidente uma relao entre o

    comportamento mudo e o comportamento ansioso, pelo que muitos autores tm proposto que o

    mutismo seja visto como um sintoma de ansiedade e no como um transtorno.

    Em 1999, numa conferncia patrocinada pelo National Institute of Mental Health, acerca

    dos distrbios de ansiedade na juventude, na linha de pensamento de Black and Uhde, foi

    sugerido que o MS fosse considerado um subtipo de fobia social. Atualmente a fobia social

    classificada como um comportamento e tendencialmente as crianas com MS demonstram

    evitao no s vocal mas tambm fsica. De facto, estudos farmacolgicos tm provado que os

    frmacos utilizados no tratamento da fobia social se mostram igualmente eficazes no tratamento

    de MS. De acordo com Black & Uhde (1992) as crianas com MS sofrem de elevados nveis de

    ansiedade social e timidez e, muito frequentemente, manifestam sintomas de fobia social e

    desordem de evitao bem como elevada incidncia de desordens de ansiedade entre familiares

    de crianas com MS.

    A definio atual de fobia social a de um medo marcante e persistente de uma ou mais

    situaes sociais ou de desempenho, em que a pessoa se sente exposta a desconhecidos ou a

    uma possvel avaliao dos outros. O indivduo teme agir de forma a demonstrar a sua ansiedade

    e que este comportamento possa ser humilhante ou embaraoso para si (APA, 2000). De acordo

    com Picon et al (2002) o transtorno de ansiedade social, mais conhecido como fobia social, uma

    categoria diagnstica recente, muito prevalente, crnica, incapacitante e com altas taxas de

    Comorbidade. Estudos epidemiolgicos tm demonstrado ser a fobia social o transtorno de

    ansiedade mais prevalente. As suas causas so mltiplas e o modelo etiolgico ainda no est

    completamente esclarecido.

    A ansiedade social / fobia na infncia agora reconhecida como um transtorno que

    substitui o transtorno de evitao da infncia. Os transtornos de ansiedade social podem ser

    restritos a situaes especficas ou podem apresentar-se na maioria das situaes sociais. Esta

    forma mais generalizada corresponde aproximadamente ao antigo transtorno de evitao da

    infncia. Isto advogam Beidel & Turner (1998), que tambm consideram que os critrios de

    diagnstico diferem em alguns aspetos dos do adulto, pois o papel dos processos de

    desenvolvimento tido em considerao. As crianas envolvem-se em diferentes tipos de

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    19

    interao social e as suas habilidades cognitivas no permitem uma completa compreenso do

    transtorno.

    necessrio verificar se a ansiedade social ocorre com grupos de iguais e no somente na

    interao com adultos, pois muitas vezes as crianas so tmidas ou inibidas na presena de

    adultos. Ao contrrio dos adultos, as crianas com ansiedade social podem no ter a autonomia

    para optar por evitar situaes temidas e podem ser incapazes de identificar a natureza especfica

    da sua ansiedade.

    A durao dos sintomas essencial para distinguir entre uma disfuno psicolgica e uma

    timidez transitria. O medo de avaliao social e consequente inibio social podem caraterizar as

    crianas e adolescentes no seu desenvolvimento.

    Enquanto o DSM-IV-TR (2000) refere que as crianas ou jovens com MS apresentam uma

    excessiva timidez em ambientes socias no familiares, evitando o contacto com os outros,

    recusando participar em brincadeiras de grupo, no descreve aspetos relacionados com o

    desenvolvimento como estando relacionados. Albano et al. (1995) referem que as crianas mais

    jovens tendem a manifestar excessiva adeso ao choro, enquanto as mais velhas apresentam fuga

    a contactos sociais e evitam ser o centro das atenes. Da mesma maneira que nos adultos os

    transtornos de ansiedade so a categoria mais comum entre os transtornos psiquitricos, nas

    crianas e jovens so tambm a principal causa e motivo para a procura dos servios de sade

    mental.

    Wolff (1996) encontrou muitas semelhanas entre MS e Sndrome de Asperger. Isto deve-

    se ao facto de que as crianas no espectro do autismo revelam dificuldades ao nvel interpessoal e

    social.

    As crianas com desordens ao nvel do desenvolvimento, com o qual muitas vezes o MS

    confundido, revelam caractersticas como os movimentos repetidos que no esto presentes no

    caso do MS.

    3.5. Neuro desenvolvimento

    Um atraso ao nvel do desenvolvimento neurolgico pode ser evidenciado pela

    linguagem, problemas motores, deformao fsica e dificuldades scio emocionais (Viana, Beidel e

    Rabian, 2009). Em 2000, Kristensen registou cerca de 70% da amostra de sujeitos com MS com

    diagnstico de atrasos no desenvolvimento e em 2002 salientou a ligao entre problemas de

    comunicao e desenvolvimento motor. De acordo com este autor, fatores neurobiolgicos

    podem desempenhar um papel importante no MS.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    20

    Em 2009, Nowakowsk et al concluram que as crianas com MS tinham um menor

    desempenho quer ao nvel da comunicao quer ao nvel matemtico, embora tenham postulado

    que isto possa se dever sua no participao na aula.

    4. Prevalncia

    O MS aparentemente raro e, de acordo com o DSM-IV-TR (2000), encontra-se em

    menos de 1% dos sujeitos vistos em consultas de sade mental. Estudos anteriores tambm

    apontavam menos de 1% de crianas em idade escolar (Brown e Lloyd, 1975). Estudos mais

    recentes apontam, no entanto, cerca de 2% (Kopp e Gillberg, 1997) sendo mais frequente no sexo

    feminino. As discrepncias devem-se, essencialmente, s dificuldades de diagnstico ou ao

    simples facto de que estas crianas muitas vezes no so vistas como um problema, logo a sua

    situao nem sempre considerada.

    A literatura considera o MS como sendo uma desordem infantil (Wong, 2010, Vecchio e

    Kearney, 2005). De facto, vrios autores tm apontado idades que rondam os cinco anos ou

    menos (Cunningham, McHolm, Boyle e Patel, 2004). Muitas vezes h, no entanto, dificuldades no

    reconhecimento e identificao do problema, pelo que h um espao de tempo entre o incio e o

    diagnstico. Sharp, Sherman e Gross (2007) referem que muitas vezes o MS s reconhecido

    quando a criana entra na escola. Reconhecem, ainda, que este facto muitas vezes conduz a

    complicaes.

    Parece haver tambm, durante a transio para o 3 ciclo, por volta dos 11 anos, uma

    propensa vulnerabilidade para o aparecimento do MS. Fong e Garralda (2005) salientaram que

    entre os 11 e os 15 anos quando normalmente se iniciam as desordens de ansiedade social.

    Pode, ento, pensar-se que o MS como forma de ansiedade social acontece mais tarde. No que

    diz respeito ao MS em idades mais precoces, este pode no estar associado a uma forma de

    ansiedade social.

    5. Diagnstico

    No que diz respeito sintomatologia podemos destacar, como j foi dito, a excessiva

    timidez, medo e ansiedade exagerada em contextos e/ou na presena de pessoas estranhas,

    incapacidade de comunicao oral, sendo de referir que pode ocorrer o desenvolvimento de

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    21

    formas alternativas de comunicao, por exemplo gestos, expresses faciais, movimentos

    corporais, entre outros, quando no seu contexto familiar a criana brinca e fala livremente sem

    qualquer tipo de constrangimentos no demonstrando ansiedade, timidez ou medo.

    No incio da vida escolar a criana comea a ter necessidade de interagir socialmente num

    ambiente que lhe desconhecido. A criana pode, assim, manifestar:

    recusa em ir para a escola

    dificuldades em deixar os pais

    choro e gritos

    desejo de fuga da escola

    queixas de dor de barriga ou de cabea

    inquietao

    perturbaes do sono

    irritabilidade

    A fase de diagnstico constituda por uma equipa multidisciplinar e permitir a

    elaborao do perfil da criana. Esta equipa normalmente inclui profissionais da pedopsiquiatria,

    de medicina interna, psicologia, terapia da linguagem, professor(es) e o professor do ensino

    especial. O diagnstico precoce sempre o mais aconselhvel embora se deva reconhecer que

    muitas vezes quando o diagnstico realizado j passaram vrios meses ou anos o que torna mais

    difcil a implementao de processos de modificao comportamental. Quanto mais cedo houver

    uma interveno de modo a que o problema no se prolongue no tempo e no se agrave, melhor

    pois pode evitar o insucesso escolar, a discriminao escolar e social. Para que o diagnstico seja

    fivel, necessrio que no haja qualquer tipo de dvidas relativamente s dificuldades da

    criana em compreender e falar a lngua usada no ato comunicativo e que, apesar dessa ausncia

    de dificuldades, a criana no se expressa verbalmente em determinadas situaes sociais em que

    se esperaria que o fizesse.

    Os critrios de diagnstico so, ento, essencialmente baseados na histria de vida da

    criana e podem ser materializados em observaes e registos sistemticos dos seus

    comportamentos verbais e comunicativos com pessoas dentro e fora do seu crculo de confiana

    ou ambiente prximo.

    No entanto, o diagnstico de um quadro de MS raramente se revela objetivo uma vez que

    este surge normalmente associado a outros comportamentos que so caractersticos de outras

    patologias.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    22

    Normalmente, em situaes de interao e de comunicao verbal, que despoletam

    estados de ansiedade, podemos identificar alguns comportamentos psicopatolgicos, como

    sejam:

    hesitao em manter contacto visual;

    respirao ofegante;

    palpitaes;

    expresses vazias;

    ausncia de sorriso perante pessoas fora do crculo de confiana;

    imobilidade, movimentao rgida ou espasmos nervosos;

    transpirao exagerada, principalmente nas palmas das mos;

    retrao social e/ou fsica;

    dificuldade em concretizar situaes sociais, em que se espera um cumprimento,

    despedida ou agradecimento;

    dificuldade em falar sobre si e expressar sentimentos;

    frequncia de acessos de raiva e/ou comportamentos controladores;

    Os mutistas normalmente tambm apresentam traos de:

    sensibilidade ao rudo e excesso de gente;

    sensibilidade aos pensamentos e emoes dos outros;

    curiosidade;

    inteligncia e perceo superior aos demais;

    grande capacidade de concentrao;

    bom senso do que correto e/ou incorreto (sentido de justia)

    As avaliaes feitas a crianas mutistas, tendo em conta as suas dificuldades de

    verbalizao, muitas vezes, no refletem os seus verdadeiros nveis acadmicos, QI e/ou potencial

    de aprendizagem e de desenvolvimento. No processo de avaliao deve ser feito um esforo para

    que a criana no sinta ansiedade, medo, timidez e/ou embarao. essencial, ainda, que, e de

    acordo com Mayor (1990), o processamento da informao, o (re) conhecimento do sistema

    lingustico e os seus componentes, o contexto em que se desenvolve a linguagem nos seus

    diferentes mbitos e nveis e, finalmente, a expresso oral e a expresso escrita nas suas

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    23

    diferentes modalidades sejam aferidos. H alguns procedimentos psicomtricos estandardizados

    para avaliar o mutismo seletivo, destacando-se as informaes formais e ou informais

    disponibilizadas por professores, pelos pais e por outras pessoas importantes na vida da criana,

    assim como observaes diretas do comportamento e da comunicao. Estas informaes

    permitem o reconhecimento do problema, a sua frequncia e a sua durao e permitem, ainda,

    analisar o padro de comportamento da criana nos ambientes familiares, escolares e sociais.

    Pode-se, igualmente, traar perfis ao nvel psicomotor, da linguagem, da integrao

    sensopercetiva e do desenvolvimento cognitivo. A gravao udio ou vdeo da criana em

    diferentes situaes de interao e sua posterior anlise pode, tambm, ser usada como forma de

    diagnstico e pode, tambm, permitir verificar quais os tratamentos mais adequados.

    Peixoto (2006) advoga que seria desejvel que se utilizassem vrios critrios sobre o

    comportamento verbal e este deveria ser avaliado em distintas situaes para se ter uma

    descrio mais exata da natureza e da gravidade do mutismo seletivo. S aps um bom

    diagnstico e uma exaustiva avaliao da manifestao de mutismo seletivo, se poder proceder

    a uma planificao rigorosa das estratgias de atuao que podem incluir interveno tcnica,

    prticas pedaggico-didticas e modificaes comportamentais com vista superao do

    problema.

    Para que a classificao deste transtorno pudesse ser facilitada, Silverman & Powers

    (1970) sugeriram trs subtipos de MS:

    a criana deve exibir um comportamento de no falar durante dois anos;

    a criana deve apresentar uma inteligncia mdia;

    a criana no consegue modificar o seu comportamento de mutismo aps

    tratamentos comuns.

    Baseando-se em sessenta e oito casos de MS, Hayden (1980) identificou quatro subtipos

    de MS:

    mutismo simbitico, caraterizado por uma relao simbitica com o cuidador e

    negativa e manipuladora em relao aos restantes;

    mutismo com fobia para falar, caraterizada pelo medo de escutar a prpria voz,

    acompanhado de comportamento obsessivo-compulsivo;

    mutismo reativo, caraterizado por timidez, retraimento e depresso, que

    aparentemente so resultantes de um acontecimento traumtico na vida da criana;

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    24

    mutismo passivo agressivo, carateriza por um uso hostil do silncio, como se fosse

    uma arma.

    De acordo com estudo realizados por Wilkens (1985), o Mutismo pode ser dividido em

    dois subtipos:

    - mutismo persistente, em que os sintomas persistem por mais de seis meses, manifesta-

    se em mais de um ambiente, a criana deve ter mais de cinco anos e o transtorno deve existir de

    forma constante;

    - mutismo transitrio, em que a criana tem cinco anos ou menos de idade, os sintomas

    devem ter-se manifestado nos ltimos seis meses, o transtorno apresenta-se com intervalos ou

    de forma inconstante, e o mutismo restringe-se a manifestar-se num nico ambiente.

    6. Prognstico

    Steinhausen, Wachter e Metzke (2006) analisaram resultados a longo prazo numa

    amostra clnica de jovens e adultos com MS. Identificaram dois tipos de MS, um em que os

    sintomas no mudam mas desaparecem subitamente na adolescncia ou no incio da idade adulta

    e outro em que os sintomas gradualmente diminuram at desaparecer. Este estudo demonstrou,

    ainda, que cerca de metade dos participantes apresentava ansiedade ou fobia, o que significa que

    continuaram a vivenciar dificuldades a longo prazo.

    O prognstico mais reservado em adolescentes, devido s dificuldades de

    autoconfiana, independncia e comunicao social.

    Nos adultos pode passar despercebido, na medida em que estes so mais capazes de

    controlar o ambiente e evitar situaes em que seja necessrio falar.

    7. Tratamento

    Muitas intervenes tm sido desenvolvidas e incluem estratgias comportamentais,

    terapia individual de diferentes formas, terapias familiares, terapias do discurso, entre outras.

    Os programas de interveno variam, em parte, devido variedade de conceptualizaes

    por detrs do MS. Apesar de existirem diversas abordagens, a maioria das estratgias de

    tratamento no foi formalmente avaliada. At data, abordagens ao nvel comportamental e ao

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    25

    nvel cognitivo-comportamental parecem ser as mais promissoras. Se tivermos em considerao

    que na base do MS esto fatores relacionados com ansiedade, os princpios ao nvel

    comportamental usados nestes casos so provavelmente benficos e incluem vrias tcnicas.

    Santos (2005) considera que necessrio mostrar criana que se acredita na sua

    capacidade de comunicar e, se necessrio, promover outras formas de interao e de

    comunicao que podem incluir registos escritos e/ou desenhos, dramatizaes, entre outros.

    criana deve ser proporcionada a hiptese de falar ou no e o tempo que ela necessita para o

    fazer.

    De acordo com Peixoto (2006), algumas das terapias mais usadas no tratamento de MS

    so:

    a terapia sistmica familiar que envolve os membros da famlia, uma vez que esta

    representa a maior componente social da criana. Desta forma, o objetivo envolver a famlia

    como unidade, em vez da criana individualmente, proporcionando uma modificao na

    comunicao e nos modelos de interao dentro da mesma unidade familiar.

    a terapia comportamental centra-se em fatores presentes e na relao entre a

    pessoa e o meio, para induzir o comportamento pretendido.

    a terapia psicodinmica, que utiliza doutrinas bsicas da doutrina psicanaltica,

    que envolve o uso de interaes verbais, de jogos e de arte terapia para fazer emergir o conflito

    inconsciente que conduz identificao do comportamento problema para a posterior

    minimizao ou resoluo;

    Mais recentemente, Kotrba (2011) identificou cinco orientaes de tratamento. A saber:

    1. Tratamento comportamental

    dada nfase aos fatores ambientais determinantes do comportamento;

    o comportamento , em certa medida, o resultado de uma aprendizagem e pode,

    ento, ser desaprendido;

    o tratamento consiste numa mudana do ambiente, treinando sistematicamente

    novos comportamentos, e identificando fatores que mantm o comportamento de evitao;

    2. Ludoterapia

    Baseada no desenvolvimento, nas diferenas individuais e nas relaes;

    Avaliao compreensiva e desenvolvimento de um programa de interveno

    desenhado para desafios nicos de uma determinada criana;

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    26

    Eventualmente emergem nveis padronizados de comunicao devido s

    interaes relacionais;

    No h nenhum estudo que prove os seus benefcios mas este tipo de tratamento

    j provou ser eficaz no tratamento de desordens ao nvel do desenvolvimento e / ou afetivas ;

    Estudos de caso sugerem avanos positivos no tratamento de MS.

    3. Intervenes psicofarmacolgicas

    Visam o tratamento de determinantes biolgicos;

    A medicao mais usual inclui Prozac (Fluoxetina), e os resultados demonstram

    que esta substncia ajuda a reduzia a ansiedade e a aumentar as interaes sociais;

    As crianas mais jovens respondem melhor a este tratamento;

    H diferenas nos registos dos professores e dos pais;

    Zoloft (Sertralina) tem sido considerado pouco benfico;

    Atualmente a FDA ainda no aprovou o tratamento farmacolgico nem do MS

    nem de fobia social infantil;

    4. Interveno psicodinmica

    Involve interao verbal, jogos ou arte;

    dado nfase identificao do conflito inconsciente por detrs da ansiedade;

    Considera que quando o conflito gerador for resolvido, o comportamento deixar

    de existir;

    De acordo com estas teorias:

    a criana quer punir os pais;

    a criana detm um segredo familiar;

    a criana est a demonstrar hostilidade face me ou outros;

    a criana est a regredir

    No h estudos publicados embora estudos de caso tenham demonstrado algum

    sucesso.

    5. Terapia familiar

    tem em considerao a influncia da famlia na criana;

    uma relao pais-criana no saudvel leva a ansiedade;

    o alvo a famlia e no s a criana isoladamente;

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    27

    o enfoque dado modificao dos padres de comunicao e interao dentro

    da unidade familiar;

    no h estudos publicados;

    terapia reala a crescente independncia da criana e decrescente orientao da

    me;

    Kotbra identificou, ainda, um conjunto de Intervenes inovadoras que podem ser usadas

    em casos de MS:

    registos udio e vdeo

    intervenes de vrias naturezas (combina terapias cognitivas, comportamentais,

    de desenvolvimento, da fala / linguagem, ludoterapia, terapia familiar)

    treino dos pais e grupos de socializao, entre outros.

    Aqui, e tendo em conta que este estudo est inserido no mbito do Ensino Especial,

    concentrar-nos-emos nas intervenes ao nvel comportamental, ao nvel familiar, ao

    nvel da escola e na ludoterapia, tendo sempre em mente que, para uma maior eficcia e para

    que melhores resultados sejam obtidos, a conjugao de diferentes intervenes e abordagens

    seja seguramente o melhor caminho a seguir.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    28

    Captulo 2: LUDOTERAPIA /ATIVIDADES LDICAS

    Neste captulo centrar-nos-emos na existncia e na possvel combinao de vrias

    terapias com vista superao do MS. Tendo em conta que o MS se manifesta principalmente em

    crianas e adolescentes, faremos uma breve resenha acerca dos conceitos de brincar, brinquedo e

    jogo bem como dos conceitos de ludoterapia e de outras tcnicas de interveno, que sero aqui

    abordadas luz de uma aplicao que tem como princpio o uso da ludoterapia e de atividades

    ldicas.

    1. Evoluo histrica da interpretao do conceito de atividade ldica

    Os fundamentos tericos que marcaram o aparecimento e a evoluo da interpretao do

    jogo iniciaram-se com Freud. A trabalhar com adultos, Freud percebeu a importncia de investigar

    e compreender factos ocorridos na infncia e a sua influncia posterior na sade mental do

    indivduo. Ao observar um beb de 18 meses, Freud iniciou a interpretao do jogo infantil por

    meio da observao. O brincar simblico da criana representava uma vivncia interna da mesma.

    A psicanlise infantil confunde-se, ento, com a histria da interpretao do jogo infantil.

    Freud acabou por ser um impulsionador do interesse no atendimento psicolgico a crianas que

    motivou os primeiros psicanalistas a superar as dificuldades de comunicao com a criana e

    Anna Freud, sua filha, deu continuidade ao seu trabalho e dedicou-se psicanlise infantil.

    Hug-Hellmhth ter sido a primeira analista a ocupar-se de crianas. Em 1921, ter sido

    tambm a primeira a utilizar brinquedos nos seus atendimentos e a sua tarefa residia em observar

    o jogo dos seus pacientes e em brincar com eles.

    O trabalho de Melanie Klein, d continuidade ao trabalho de Freud no que diz respeito ao

    significado simblico dos jogos. Klein, em Contribuies Psicanlise, advoga que o brincar o

    modo de expresso da criana, o jogo tem sempre uma finalidade e um sentido e todo o jogo

    revela a situao interna infantil. Assim, as crianas ao brincar revelam simbolicamente o

    contedo que expressariam verbalmente e este ato acontece muito precocemente, na medida em

    que a capacidade de simbolizar tambm precoce. Ao brincar a criana vence realidades

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    29

    dolorosas e domina instintos, porque os projeta nos brinquedos, que funcionam como

    mediadores entre a realidade interna e a realidade externa. Assim, toda a atividade ldica tem

    sentido e o seu significado simblico depender do contexto, da idade da criana, das vivncias e

    da situao da criana no momento. Klein analisa os jogos infantis e a atividade ldica com base

    nos mesmos mecanismos de interpretao dos sonhos: deslocamento, condensao,

    representao visual e simbolizao.

    Em 1978, na Argentina, Arminda Aberastury foi a primeira a denominar a hora de jogo

    como jogo diagnstico e em 1981, na Frana, Maud Mannoni, foi pioneira ao integrar material de

    jogo entrevista com os pais.

    Winnicott v o brincar como um ato criativo, expande a possibilidade ldica a

    adolescentes e adultos, e o brincar visto como potenciador / possibilitador de comunicao

    emocional de contedo inconsciente. A criana adquire experincia ao brincar. O brincar uma

    parte importantssima da sua vida. Ao enriquecer-se, a criana gradualmente aumenta sua

    capacidade de apreender a riqueza do mundo real.

    2. Brincar/brinquedo/brincadeira/jogo

    Brinquedo, brincadeira e jogo so termos que se podem confundir uma vez que a sua

    utilizao varia de acordo com o idioma utilizado, havendo claras distines semnticas. No que

    diz respeito s funes de cada um dos conceitos, o brinquedo tem um valor simblico que est

    relacionado com a sua funo. A funo do brinquedo a da brincadeira e a brincadeira definida

    como uma atividade livre e espontnea que propicia condies para o desenvolvimento

    biopsicossocial.

    O brincar est diretamente ligado ao mundo infantil e a criana investe grande parte do

    seu tempo e energia nestas atividades. O brincar envolve um conjunto muito amplo de atividades,

    desde o brincar com o prprio corpo, brincar com brinquedos de forma livre at ao brincar

    estruturado, jogo.

    Vygotsky (1991) afirma que a brincadeira, mesmo sendo livre e no estruturada, possui

    regras, que conduzem o comportamento da criana e da que o brincar seja essencial para o

    desenvolvimento da criana, pois os processos de simbolizao e de representao levam-na ao

    pensamento abstrato.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    30

    Kishimoto (1999) considera que o brincar tem a prioridade das crianas que possuem

    flexibilidade para ensaiar novas combinaes de ideias e de comportamentos. A brincadeira tem

    um fim em si mesmo.

    Muitos pesquisadores no fazem diferenciao semntica entre jogo e brincadeira.

    Outros autores, como Brougre (1995), afirmam que a brincadeira simblica e o jogo funcional,

    ou seja, enquanto a brincadeira tem um fim em si mesma e livre, o jogo inclui um objetivo final

    a vitria, que pressupe um conjunto de regras pr-estabelecidas e que esto relacionadas com

    as regras sociais, morais e culturais existentes. Assim, os diferentes termos esto relacionados

    com a perspetiva do autor, mas tambm com os seus objetivos de investigao.

    Menicalli (2002) refere que a criana joga e brinca porque precisa de elaborar situaes

    traumticas, expressando, de uma forma pr-verbal, os seus problemas fundamentais. A funo

    do jogo e do brinquedo no s a de descarga de fantasias, mas a busca de satisfao dos desejos

    de forma sublimada.

    Muitas vezes jogo e brincadeira so confundidos e embora estes termos sejam, muitas

    vezes, intercambiveis, no so idnticos no significado pois relacionam-se com diferentes fases

    do desenvolvimento infantil, a brincadeira correspondendo a uma etapa mais primitiva e o jogo a

    uma etapa mais amadurecida. Bettelheim (1979) salienta a importncia da distino entre jogo e

    brincadeira na medida que embora ambos sejam usados nos mesmos contextos os seus

    significados no so os mesmos.

    A brincadeira est relacionada com as atividades da criana onde as nicas regras que

    existem so as criadas pela prpria criana, so flexveis e evidenciam a fantasia, no existindo

    objetivos para alm da prpria atividade, como foi dito anteriormente. O jogo acarreta a noo de

    competio e exige a utilizao de uma forma pr-determinada por um conjunto de regras,

    excluindo a ao livre da imaginao limitando, assim, a criana. As regras do jogo restringem a

    atuao e o jogo faz com que a criana admita a presena do outro, da realidade e das

    consequncias das jogadas.

    O brincar com o outro, por outro lado, permite, de acordo com o autor, experimentar

    uma das maiores satisfaes da vida: funcionar bem com os outros. medida que a criana

    comea a adquirir um certo amadurecimento e passa a desfrutar da relao com o outro, o

    companheiro, desperta o interesse pelo jogo. Enquanto no brinquedo a satisfao encontrada

    est ligada expresso das fantasias e dos desejos surgidos no mundo interno, no jogo prevalece

    a relao com o outro e com a realidade (que est implcita nas regras).

    Os jogos trazem benefcios na medida em que ensinam a controlar os impulsos e

    permitem, de forma segura, descarregar simbolicamente as agresses, os problemas afetivos,

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    31

    permitindo que a criana trabalhe psicologicamente estes conflitos expressando as suas angstias

    e diferentes maneiras de lidar com os seus sentimentos. No jogo, devido s regras, aos

    procedimentos e prpria relao com o outro, est presente o ego, as suas funes e todo o

    raciocnio voluntrio e consciente que tambm determina a ao e o desencadear do

    pensamento.

    De acordo com Lebovici (1985) ao brincar a criana procura resolver simbolicamente o

    seu presente e prepara-se para o futuro. Brincar estrutura o presente e funciona como um

    estruturante de organizaes mais tardias.

    Brincar mais do que uma atividade sem consequncia para a criana, aproxima-se da

    arte, tendo em vista a necessidade da criana criar para si o mundo s avessas para melhor o

    compreender. Brincando, ela diverte-se, recria e interpreta o mundo em que vive e relaciona-se

    com este mundo. Brincando, a criana aprende, Vygotsky (1988).

    A brincadeira tem, assim, um papel fundamental no desenvolvimento infantil. A

    brincadeira pode:

    impulsionar o desenvolvimento infantil;

    levar descoberta das relaes existentes entre os homens;

    levar a criana a avaliar as suas habilidades e a compar-las com as das outras

    crianas;

    levar apropriao de cdigos culturais e de papis sociais.

    O conceito de jogo vem do latim iocus e significa diverso, brincadeira. Piaget identifica,

    ao longo do perodo infantil, trs sucessivos sistemas de jogos:

    1. Jogos de exerccio: aparece durante os primeiros 18 meses de vida e envolve a

    repetio de sequncias estabelecidas de aes e manipulaes, sem propsitos prticos ou

    instrumentos, mas por mero prazer e relacionado com atividades motoras (por volta de um ano

    de idade estes exerccios tornam-se menos frequentes e importantes);

    2. Jogos simblicos: surgem durante o segundo ano de vida com o aparecimento da

    representao da linguagem. Para Piaget a brincadeira de faz-de-conta inicialmente uma

    atividade solitria que envolve o uso de smbolos. A criana comea a assimilar a realidade

    externa ao seu eu, fazendo distores ou transposies. O jogo simblico usado para encontrar

    satisfao fantasiosa por meio de compensao, superao de conflitos e preenchimento de

    desejos;

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    32

    3. Jogos de regras: marcam a transio da atividade individual para a socializada.

    Normalmente no ocorre antes os 4 anos e predomina dos 7 aos 11 anos. Os jogos de regras

    pressupem a interao de dois indivduos e a sua funo regular e integrar o grupo social.

    J Wallom classifica os jogos em quatro tipos:

    1. Funcionais: representam os movimentos simples como encolher e esticar as

    pernas e braos, agitar os dedos ou mos, balanar objetos, etc;

    2. De fico: faz-de-conta com bonecas;

    3. De aquisio: a criana aprende vendo e ouvindo. A criana faz um esforo para

    compreender as coisas, os seres, as imagens, etc;

    4. De construo: a criana rene, combina e cria objetos.

    Vygotski surgiu como alternativa teoria de Piaget e difere deste em termos conceptuais.

    Para Vygotski e os seus seguidores, os jogos so condutas que imitam aes reais e no apenas

    aes sobre objetos ou o uso de objetos substitutos. Para estes, o ato ldico comea apenas aos 3

    anos.

    Na perspetiva de Vygostki h dois elementos decisivos na brincadeira infantil: a situao

    imaginria e as regras. De um lado, o jogo de papis com regras implcitas e, do outro, o jogo de

    regras com regras explcitas. Os seus estudos consideram que as brincadeiras so apreendidas em

    contexto social, no contacto com crianas, com os profissionais das escolas e com crianas mais

    velhas, que so o seu suporte orientador.

    Os brinquedos mudam conforme os padres de uma sociedade e a brincadeira ou o jogo

    tm um carter de diverso mas tambm de estimulao que contribuem para o

    desenvolvimento individual e social na medida em que levam interao entre crianas e que

    permite vivenciar situaes, manifestar e formular estratgias, verificar erros e pontos fortes, etc.

    Para alguns autores, a criana ao usar brinquedos est a testar relaes de causa-efeito, que no

    pode vivenciar na vida real por serem, por exemplo, perigosas. Pode, assim, planear estratgias e

    testar possibilidades relacionando-as com as consequncias e os resultados. Ao fazer isto a

    criana est a preparar-se para a sua vida adulta.

    A brincadeira tambm uma fonte rica e privilegiada de comunicao pois a criana,

    mesmo sozinha, atravs do faz-de-conta imagina que est a conversar com algum ou com os

    seus prprios brinquedos o que favorece, tambm, o desenvolvimento da linguagem.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    33

    O brinquedo e o jogo podem, ento, ser instrumentos utilizados por profissionais de

    sade e de educao para estimular o desenvolvimento infantil em todas as dimenses, o que

    inclui atividade fsica, estmulo intelectual e socializao.

    3. Conceito de ludoterapia

    O ldico tem origem na palavra latina ludos que quer dizer jogo. No entanto, a evoluo

    semntica da palavra ldico no ficou encerrada na origem do conceito. O ldico passou a ser

    reconhecido como trao essencial da psicofisiologia do comportamento humano.

    Na atividade ldica o que importa no apenas o produto da atividade mas a prpria

    ao, o momento vivido. Possibilita, a quem a vivencia, momentos de encontro consigo e com o

    outro, momentos de fantasia e de realidade, de criao de significados e de perceo, momentos

    de autoconhecimento e conhecimento do outro, entre outros.

    A ludoterapia a psicoterapia adaptada ao tratamento infantil. De acordo com Pregnolato

    (2006), o objetivo desta modalidade de anlise ajudar a criana, atravs da brincadeira, a

    expressar com maior facilidade os seus conflitos e dificuldades, ajudando-a a conseguir uma

    melhor integrao e adaptao social, tanto no mbito da famlia como da sociedade em geral.

    Tendo em conta que quanto mais pequena a criana mais difcil compreender o seu

    mundo interno e a sua dinmica de personalidade, atravs da observao e interpretao das

    suas projees possvel delinear as suas caractersticas. Ao brincar a criana utiliza uma

    linguagem que dever ser clara e transparente para os outros.

    A maior parte das crianas demonstra adeso ludoterapia e normalmente estabelece

    uma relao de confiana com o terapeuta, embora algumas prefiram fugir de atividades

    projetivas. Quando isto acontece mais difcil a interpretao e o diagnstico.

    Baldwin e Cline (1991) acreditam que a ludoterapia oferece um ambiente seguro, sem

    presso, para a fala, permitindo que a criana possa vir a comunicar de uma forma confortvel.

    A ludoterapia uma forma de psicoterapia cuja meta promover ou restabelecer o bem-

    estar psicolgico do indivduo atravs de atividades ldicas; no contexto de desenvolvimento

    social da criana a atividade ldica parte do repertrio infantil e integra dimenses da interao

    humana necessrias na anlise psicolgica (regras, cadeias comportamentais, simulaes ou faz-

    de-conta, aprendizagem observacional e modelagem); esta possibilidade de uso integrado de

    diversas tcnicas talvez explique a aplicao da ludoterapia a diversas questes relativas ao

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    34

    comportamento de crianas (traumas psquicos, abuso sexual, atraso mental, adoo, orientao

    a filhos de toxicodependentes) e de adultos (Schaefer,1994).

    A ludoterapia, por alguns designada de hora do jogo, pode, ento, ser vista com a

    finalidade de conhecer a realidade da criana, como tcnica de investigao e como possibilidade

    de interveno, o mais precocemente possvel, num processo dinmico que d prioridade ao

    pensamento clnico e emprega os instrumentos psicolgicos e o prprio ludodiagnstico de uma

    forma flexvel.

    4. Ludodiagnstico - ludoterapia como diagnstico

    O termo ludodiagnstico apresenta vrias denominaes: hora ldica, observao ldica,

    hora de jogo, entrevista inicial com a criana, entrevista clnica com a criana, entre outras. As

    diferentes denominaes devem-se variedade de posturas profissionais, de materiais usados,

    tipos de abordagem, tcnicas subjacentes, mas tm sempre em comum o trabalho com crianas,

    adolescentes ou adultos no contexto clnico psicolgico. O ludodiagnstico pretende ser um

    momento de observao, investigao, levantamento de hipteses e pesquisa principalmente no

    mbito do desenvolvimento do psiquismo infantil.

    Klein e Aberastury interpretam a primeira hora de jogo numa dimenso simblica na qual

    a criana comunica atravs da atividade ldica. A capacidade de simbolizar precoce na criana e

    o brincar sua forma de expresso natural. A atividade ldica da criana tem uma finalidade e um

    sentido e funciona como comunicao, como a associao livre dos adultos. A criana expressa

    fantasias e angstias e domina medos instintivos projetando-os nos brinquedos. Interpretar o seu

    significado revela a situao infantil. O trabalho de Winnicott e o modelo de Consulta

    Teraputica nas entrevistas iniciais de triagem e psicodiagnstico salienta o valor teraputico das

    primeiras entrevistas. Segundo Winnicott a primeira consulta realizada como espao potencial

    para o contato com o mundo interno do paciente e como possibilidade de criao de confiana

    tem um valor teraputico para um movimento progressivo no processo de desenvolvimento.

    Mannoni (1981), representante da escola francesa de psicanlise, dedicou-se ao

    atendimento psicanaltico de crianas. Um dos aspetos originais de seu trabalho que incorpora o

    material de jogo entrevista diagnstica com os pais. Parecer ter sido pioneira na possibilidade

    de observar o desenvolvimento do brincar da criana que acompanha o dilogo dos pais com a

    psicloga.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    35

    Como afirmou Winnicott (1984) a prpria entrevista um momento de interveno. Esse

    encontro promove mudanas no campo intersubjetivo. Falar de si em presena do psicanalista

    propicia uma vivncia de tolerncia e sustentao, ao mesmo tempo em que se constri uma

    nova verso da sua histria no tempo presente. Essa experincia favorece a capacidade de

    autoanlise e a possibilidade de mudana em direo ao desenvolvimento.

    Na prtica clnica a hora de jogo e as entrevistas conjuntas com os pais na chamada

    Triagem Interventiva ou Psicodiagnstico Interventivo tem sido uma contribuio no sentido de

    abreviar o psicodiagnstico e diluir a barreira entre diagnstico e terapia.

    No diagnstico compreensivo o trabalho do psiclogo ou terapeuta tem como foco,

    ento, os processos intrapsquicos, principalmente da estrutura e da dinmica da personalidade,

    abrangendo tanto o diagnstico (aspetos passados e presentes), como prognsticos (futuros).

    Como a pessoa, em especial a criana e o adolescente, faz parte de um grupo familiar, a

    tarefa de diagnstico inclui tambm o conhecimento das relaes familiares e sociais. O

    ludodiagnstico baseado na atividade ldica tem uma importncia fundamental. A atividade

    ldica a forma de expresso tpica da criana e essa tcnica um instrumento para o

    conhecimento inicial.

    Pensando no aspeto interventivo do psicodiagnstico, podemos dizer que este

    interventivo pode ser entendido como uma forma de compreenso da problemtica do indivduo

    e interveno nos aspetos emergentes, relevantes e/ou determinantes dos desajustamentos

    responsveis pelo seu sofrimento psquico e que, ao mesmo tempo, e por isso, permite uma

    interveno eficaz (Paulo, 2004).

    Para Affonso (1998), o ludodiagnstico um instrumento de investigao clnica no qual,

    atravs da utilizao de brinquedos estruturados ou no, o profissional procura estabelecer um

    vnculo teraputico com a criana visando o diagnstico da sua personalidade. Este tipo de

    diagnstico muito utilizado como uma tcnica projetiva, que funciona de acordo com os

    princpios da associao livre psicoanaltica, aplicada em diagnsticos em que no h o

    depoimento verbal ou em que este feito atravs da autoexpresso da criana que facilitada no

    contexto clnico ldico. Permite o estudo das manifestaes e aplicaes da brincadeira simblica

    num contexto de estimulao e interveno preventiva da socializao na infncia.

    De acordo com Cabral (2000) a anlise infantil um mtodo de diagnstico e de terapia

    infantil que combina os princpios da psicanlise freudiana e as tcnicas projetivas consagradas

    nos testes de Rorschach e de Murray (T.A.T.). A esse mtodo, que Melanie Klein (1932) deu o

    nome de playtechnique, ou tcnica de brinquedo, ou ainda ludoterapia, depois desenvolvida por

    outros psicanalistas da Escola de Londres, como D. W. Winnicott, foi adotada no todo ou em parte

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    36

    por analistas de outras correntes. A anlise infantil funda-se tambm no princpio da catarse, uma

    vez que tenta explorar o mundo de sentimentos e impulsos inconscientes (os fantasmas

    infantis) como origem efetiva de todas as aes e reaes observadas nos pequenos pacientes.

    A tcnica expressiva ludodiagnstica tem alguns limites no que diz respeito informao

    acerca do funcionamento mental da mesma maneira que alguns testes de avaliao intelectual

    tambm o tm. De acordo com Piaget, a teoria sobre o desenvolvimento cognitivo considera a

    gnese do conhecimento como um contnuo que passa pelo pensamento sensrio-motor,

    representativo, lgico-concreto e formal. A tcnica ldica acontece ao nvel sensrio-motor e das

    representaes simblicas, logo, apresenta limitaes ao nvel do funcionamento mental.

    Para que se possa resolver um problema necessrio identific-lo, saber o que o afeta, ou

    seja, necessrio que haja um diagnstico, e uma avaliao compreensiva para que se possa, de

    seguida, perspetivar uma interveno com vista sua soluo ou minimizao. Affonso (1998)

    advoga tambm que h um grupo de crianas comprometidas no seu processo de socializao e

    que os resultados do ludodiagnstico contribuem na medida em que permitem a anlise de

    indicadores de espao, de tempo e de causalidade, que so fundamentos necessrios para o

    diagnstico do processo de socializao das mesmas.

    Para que seja feito um adequado e pertinente ludodiagnstico, importante que ao

    terapeuta sejam fornecidos todos os dados necessrios que incluem dados de anamnese, do

    desenvolvimento da criana, da sua relao com os pais e com os outros, performances escolares

    ao nvel de resultados acadmicos e ao nvel comportamental e de interao social, etc. Estes

    dados, uns objetivos outros subjetivo, vo ajudar a uma compreenso, ainda que parcial, de como

    lidar com a situao. De seguida, sero, ento tambm utilizados os testes padronizados, usados

    para compreender, elucidar e no para rotular, discriminar ou excluir, e que permitem uma

    comparao de desempenho da criana em relao ao que esperado para as crianas da sua

    idade e com caractersticas semelhantes. Cada teste s tem sentido dentro de um determinado

    contexto de avaliao e em conjunto com os demais e podemos referir alguns dos mais

    frequentes como sejam: Bender (avaliao neuropsicolgica e dficite intelectual); WISC (visa

    descobrir o que a criana capaz de fazer com as informaes e experincias obtidas ao longo do

    seu desenvolvimento e a sua capacidade de adaptao realidade; Raven, R-2, entre outros.

    Os brinquedos so, hoje em dia, comummente usados como instrumento de diagnstico

    ou mesmo para uma leitura das crianas uma vez que o brincar a sua maneira de se expressar

    e de interagir com o meio. O que acontece numa sesso de ludoterapia interpretado luz de

    uma viso psicoanaltica (Klein, 1932) como a expresso de contedos internos e externos do

    mundo da criana e a atividade ldica a maneira pela qual a criana expressa essa realidade.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    37

    Ao nvel clnico o brinquedo usado de forma desinteressada pela criana sendo,

    tambm, o veculo das suas angstias e das suas problemticas, atravs do qual pode dizer o que

    precisa, para que as suas necessidades possam ser satisfeitas.

    Efron (1979) refere que ao oferecer criana a possibilidade de utilizar o brinquedo ou o

    jogo dentro de um contexto particular, cria-se a possibilidade de configurao de um campo,

    determinado pelas variveis internas da personalidade da criana. Ela pode, por isso mesmo,

    atualizar um conjunto de fantasias ou de experincias passadas possibilitando o surgimento de

    modificaes estruturais da sua maneira de interagir com o mundo, provocadas pela prpria

    situao em si e principalmente pelas interferncias do terapeuta.

    A prpria escolha do objeto com o qual quer brincar pode ser analisada aferindo quer

    significantes (materiais / objetos) quer significados (fantasias e conflitos) bem como a forma

    como articula os smbolos e as suas aes. Assim, os brinquedos oferecidos criana acabam por

    propiciar o jogo simblico, a fantasia e a imitao. Menicalli (2002) defende que o brinquedo,

    como instrumento, pode ser avaliado pelo significado das aes sobre ele, bem como pelas

    possveis estruturaes que se processam conforme a interao que a criana tem com o objeto.

    Alm disso, pode-se investigar como essas estruturaes das aes e suas representaes se

    correlacionam com as estruturaes do mundo afetivo.

    Podem ento ser realizadas sesses ldicas de diagnstico com o objetivo de avaliar o

    comportamento ldico da criana. Estas sesses podem ser realizadas com a presena do pai ou

    da me, conforme o nvel de habituao e sensibilizao da criana ao local e ao terapeuta, e so

    registados o tipo de brinquedos, o nmero de brinquedos, as preferncias de brinquedos, a

    qualidade dos brinquedos, o uso funcional e o tempo de permanncia em cada brinquedo. De

    acordo com Windholz (1988) e Bomtempo (1992), as sesses ldicas indicam:

    se e como a criana reproduz nas sesses ldicas acontecimentos do quotidiano

    (separao dos pais, rotina diria e o padro de alimentao);

    alterao do padro ldico (tempo de permanncia nas atividades ldicas

    comparativamente s crianas da mesma faixa etria);

    comportamento assertivo e respeito pelas regras estabelecidas na situao ldica;

    informaes fornecidas pela me sobre autonomia nas atividades de vida diria e

    de relacionamento social.

    O papel do terapeuta reforar as situaes de autonomia da criana.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    38

    De acordo com Monicalli (2002), as terapias atuais em casos de MS preveem no s a

    ludoterapia, mas tambm a modificao do comportamento, a participao familiar e o

    envolvimento da escola como opes de tratamento com vista superao desta perturbao.

    5. Ludoterapia comportamental

    O conceito de ludoterapia comportamental foi utilizado pela primeira vez no Brasil por

    Gomes (1998) e, importado da psicanlise, expressa a insero de atividades ldicas nos

    procedimentos teraputicos comportamentais com crianas.

    O atendimento psicolgico infantil, independentemente da linha terica que o orienta,

    parece quase sempre incluir o brincar como algo necessrio, seja como instrumento de

    comunicao, seja como ferramenta de interveno.

    Como podemos verificar, se h consenso acerca da importncia da atividade ldica no

    trabalho com crianas, podemos tambm verificar que o conceito, a definio e a funo de

    brincar variam de acordo com o referencial terico de base. O brincar pode, ento, ser usado

    como instrumento de explorao do mundo, de expresso de sentimentos ou como meio de

    comunicao.

    Bomtempo (1986) admite que o brinquedo comeou a ser seriamente investigado a partir

    do final do sculo XIX. No entanto, desde a dcada de 20 que os trabalhos de Anna Freud,

    Melanie Klein e Winnicott so usados como modelos da utilizao da brincadeira como

    instrumento que permite o entendimento das crianas, a anlise e a interveno. A brincadeira no

    contexto clnico, designada de ludoterapia, tem sido usada como acesso ou expresso de

    contedos inconscientes e no contexto da psicanlise para estimular o aparecimento de conflitos

    intrapsquicos.

    J Piaget, cujo trabalho se insere no mbito da psicologia, investigou o papel do jogo nas

    fases do desenvolvimento infantil.

    Uma abordagem ao nvel teraputico infantil que baseada no brinquedo parece estar

    relacionada com questes do desenvolvimento bsico ao nvel comportamental. O atendimento

    psicolgico infantil, que tem como base pressupostos da anlise do comportamento, surgiu

    orientado para a soluo de problemas especficos. A utilizao recorrente de procedimentos ao

    nvel comportamental com crianas iniciou-se a partir da dcada de 20 e est relacionada com o

    tratamento de fobias infantis.

  • O Mutismo Seletivo e a Ludoterapia / Atividade Ldica

    39

    A terapia comportamental infantil tinha como objetivo ensinar criana quais os

    comportamentos especficos mais saudveis e tinha como apoiantes neste processo de

    aprendizagem os pais e os professores na medida em que estes tm um papel fundamental na

    instalao, no desenvolvimento e na manuteno do reportrio comportamental da criana

    (Knell, 1995).

    Mais tarde surgiu a tcnica de Modificao de Comportamento Infantil, em que a criana

    no participava diretamente no processo teraputico, que foi substituda pela Terapia

    Comportamental Infantil, que passou a incluir outras variveis importantes como o

    comportamento dos pais na manuteno do comportamento da criana. Vrios tericos tm

    defendido a insero dos pais no atendimento comportamental de crianas.

    Neste contexto, surgiu ento a Ludoterapia Comportamental nos anos 80. A partir desta

    dcada, que se deu uma maior importncia a estudos sobre o brincar com a criana em

    ludoterapia comportamental.

    Em ludoterapia comportamental so usados procedimentos comportamentais

    incorporados com a ludoterapia e so utilizadas as atividades ldicas na avaliao do problema

    infantil, na identificao de variveis relevantes, na expresso de sentimentos, no

    autoconhecimento, entre outros. Em ltima instncia, o objetivo ajustar a criana socialmente.

    Este tipo de interveno procura o desenvolvimento de um padro saudvel. O brincar

    para alm de ajudar na identificao do problema pode, ento, ser visto como um instrumento do

    processo de aprendizagem na medida em que permite aprender maneiras alternativas de

    comportamento, pois atravs da brincadeira a criana pode avaliar o seu prprio comportamento.

    O trabalho teraputico infantil tem os mesmos objetivos que qualquer terapia

    comportamental. Uma das grandes diferenas entre a terapia com adultos e a terapia infantil

    que o terapeuta comportamental infantil procura constantemente procedimentos alternativos ao

    relato verbal, de modo a obter informaes acerca das variveis que controlam o comportamento

    da criana. Assim, e tendo em conta que as crianas dificilmente relatam os seus sentimentos e

    comportamentos da mesma maneira que os adultos, essencial a observao da criana para que

    se possa planear a terapia. Sem esta observao, o tratamento recai nos relatos dos pais e

    eventualmente dos professores.

    O desenhar, o contar histrias, a fantasia, o imaginar e interpretar de situaes, o uso de

    brinquedos e jogos, o pintar, o colar, entre outras atividades de expresso plstica, a msica,

    entre outros instrumentos, caracterizam uma situao natural para a criana e um meio livre de

    censura para expor os seus sentimentos. Partindo da premissa que qualquer atividade pode ser

    considerada ldica, na medida em q