“O MALA DA ARTE”

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“O MALA DA ARTE” ORIGINAL DE JÚNIO SANTOS PERSONAGENS PEDRO MALAZARTE FOQUITO ESPIRRO DO CÃO DAMA MATEUS ( Músico) BALTASAR ( Músico) Texto dedicado ao Palhaço Oscarito, criado por Cristian David, que me ajudou, em Uruará- PA, a escrever definitivamente esta peça teatral, sendo o criador do Personagem Foquito. 1 1

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“O MALA DA ARTE”ORIGINAL DE JÚNIO

SANTOS

PERSONAGENS

PEDRO MALAZARTE

FOQUITO

ESPIRRO DO CÃO

DAMA

MATEUS ( Músico)

BALTASAR ( Músico)

Texto dedicado ao Palhaço Oscarito, criado por Cristian David, que me ajudou, em Uruará- PA, a escrever definitivamente esta peça teatral, sendo o criador do Personagem Foquito.

Dedicado também ao Movimento Sem – Terra e a todos os brincantes populares do Brasil, simbolicamente representados pelos Mestres:

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Sebastião do Congo de Saiote; Chico Daniel do João Redondo; Faísca do Pastoril Sempre – Vivo; Chico Antônio do Coco de ganzá; Antônio Ladeira do Boi de Reis Tradição; e, Amir Haddad do Teatro de Rua brasileiro.

MÚSICA: “ EU TÔ NA RUA”Eu tô na ruaPra brincar de rodaCantando modaPra lhe atrairDesfilando a fantasia do povoVenho de novo lhe fazer sorrir (bis)

Saia pra rua – oi!Venha se divertir – se divertirCom o teatro que é um festejoE que o cortejoTá passando aqui (bis)MÚSICA: “CHEGADA NO TERREIRO”Senhora, Dona de casaSenhor, rei do terreiroJovem e criançadaNativo e estrangeiroVenha depressa pra ruaPois tá chegandoO teatro brasileiro (bis)

Bateu o pé, tocou zabumbaDeixou à alegria reinarO CERVANTES tá na ruaBrincando com o teatro popular

Ô raio o solSuspende a luaNo nordeste temTeatro de rua (bis)MÚSICA: “ANUNCIAÇÃO”Se a praçaÉ nosso palcoNós não saímos da ruaFazemos presepadasA luz do solRaios da lua (bis) REFRÃO

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É hora de começarÉ hora de se divertirTalvez quem sabe chorar – Buá – BuáE com certeza sorrir (bis)

Na Mala da Arte temA lágrima do popularDo baú do peito vemHistória de PedroPara contar (bis) (Volta ao refrão)

1ª CENA: “A ANUANCIAÇÃO”

DAMA A 1º ANUNCIANTE Pelas estrada tenebrosas da vidaVivemos a nos arriscarVestidos em personagens misteriosaDesse teatro milenarPalhaços, bufões, menestréisNo teatro interpretam papeisPara na vida o povo representarMATEUS 2º ANUNCIANTE E é com esse universoDe personagens intrigantesQue nós brincantes de ruaNos juntamos no CERVANTESPara abri “O Mala da Arte”E trazer de volta o Pedro MalazarteAstuto, vivo e farsante.DAMAE qual de nós será ele? Eu? Você?Ou qualquer um?Que vende e troca o seu votoQue adora ou é devotoDe Pastor, político ou Padre?Me diga, meu senhorMe arresponda minha comadreQuem hoje aqui nessa rodaVestirá em versos e prosasAo anti- herói Malazarte?MÚSICA: “A INSTIGAÇÃO”Pedro Malazarte sou euPedro Malazarte és tuPedro Malazarte sou euPedro Malazarte és tu

Tu que perdeuE achou que venceuEu que venci

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E achei que perdi (bis)(Volta ao refrão inicial)

Eu que de novoFui enroladoTu sem futuroEu sem presenteNós sem passado (Volta ao refrão inicial)ATOR QUE INTERPRETA O PEDROSerei eu, mais uma vezQue terei a honra de interpretarO Grande Pedro MalazarteO Pedro de UrdimalesO Pedro FarsanteO Pedro BrincanteOu qualquer outro nomeQue vocês queiram me dar?DAMA

Então...venha pra cá menino, que eu quero te batizar.ATOR QUE INTERPRETA O PEDRONas tuas mão me entregoMe unge com leite e felPra que eu possa com meus versosAdoçar bocas com melE maltratar lábios ferinosCom meu palavreado cruel.DAMASe Cristo foi batizadoCom as águas do rio JordãoTe batizo com o sangueDerramado nesse chãoPelo trabalhador sem-terraQue enfrenta uma triste guerraSem armas, sem sementeSem bala, sem munição.DAMAEm nome do Boi de ReisDo Pastoril e do ReisadoDa cantoria de cocoDos Sem – Terras do EldoradoTe batizo de MalazarteTe dou astúcia e arteMalícia, voz e gingado.

2º CENA: “O ENCONTRO PEDRO COM FOQUITO”

MÚSICA: “SOU MALAZARTE”Sou MalazartePrimo irmão de João GriloEu sou quase meio quiloDo espírito de Cancão.

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Sou cantado de viola e poesiaSou tristeza e alegriaSou um drama um dramalhão

Sou uma parte do NordesteE da históriaSou tragédia e sou glóriaSou seca, inundaçãoSou MalazarteDono da Mala da ArteAbro ela em toda parteDo litoral ao sertão.TODOSÉs MalazarteDono da Mala a ArteAbre ela em toda parteDo Litoral ao Sertão.PEDRO MALAZARTEVareite, povo bonitoDo rosto coberto de suorCheguei aqui na carreiraPulei cerca e porteiraEngoli poeira e pó.Atravessei o sertãoE cheguei nessa regiãoPulando numa perna sóDormi em cima de lajeiroE enfrentei no Nordeste inteiroCom a força do meu gogóA fome, a seca e a pesteChutei Cu de cafajesteE em pingo d’água dei nó.MÚSICA: “MISTÉRIOS DO SERTÃO”Malazarte, língua ferinaPerigosa estricninaEsquece a dorO ódio e o pavorE canta e encantaComo Galo de Campina (Bis)PEDRO MALAZARTEComo posso o belo cantarSe sinto um cheiro forteE uma catinga no ar?É um odor esquisitoPior do que fossa de ricoDo que couro de cabritoDo que peido de gambáSe o espírito, não me enganaDepois de dois copos de canaQuem tá chegando é o Foquito.

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MÚSICA: “ONDE TÁ TU”Pedro, PedroOnde tá tuOnde tu está (bis)

Passei a noiteProcurando tuProcurando tuSem te encontrar (bis)

Cadê PedroOnde Pedro tá (bis)

Correu muito em minha frenteE eu não pude acompanharMe responda cidadãoCadê PedroOnde Pedro Tá (quatro vezes)PEDRO MALAZARTEEu to aqui, FoquitoNo meio do pessoalPerto de uma moça bonitaE de um caboclo imoralDe frente pra um machistaNuma roda de artistaDe gente muito legal.FOQUITO

Cale essa boca, Pedrinho, tu ques lascar a gente, é?DAMA

Arrocha, seu Pedro, quem tem medo de vento passageiro é fundo de calça de coroa.PEDRO MALAZARTEAqui já não se fala mais oxenteNem poita, nem também poitãoO Povo já chia maisDo que panela de pressãoCandidato a PresidenteNão é mais eleito por genteE sim pela televisão.FOQUITO

Pedro, deixa de besteira que isso é crime federal..PEDROFederal é a minha fomeÉ a desgraça no BrasilÉ o real fazendo nomeNo bolso de um covilDe banqueiro e empresáriosE nós do povo feito otárioFicamos só a ver navio.FOQUITO

Tu falando desse jeito, com tanta revolta, tanta raiva, vai findar é lascando a gente.

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PEDRO MALAZARTEA gente já tá lascadoDesde o dia que nasceuFaz mais de l500 anosQue Jesus Cristo MorreuE rico cada vez fica mais ricoPobre só toma no furicoNesse pais de ateus.FOQUITO

É melhor você parar, mudar o curso da história e me pagar o que deve.PEDRO MALAZARTEDevo não mintoPorém não pago a ninguémSerá que tenho culpaPor não Ter nenhum vintém?O salário tá atrasadoO mínimo tá defasadoE a culpa é de quem?FOQUITO

Do jeito que eu sou mole vai findar sendo minha.PEDRO MALAZARTEClaro que também é tuaNão lembra da eleiçãoTu trocasse o teu votoPor um ovo e dois pãoAgora não pode reclamarE vai Ter que agüentarAté o fim da gestão.FOQUITO

Mas eu, Antônio Foquito Bandeira, um fulano de tal sem eiras nem beira, num caio mais nunca em promessa e enrolação.

DAMAFalou e disse, menino, quem cai em conversa fiada é tanajura no inverno.

FOQUITO E tem mais, só votei nesses caras com pena.

PEDRO MALZARTESe elefante tem trombaGato do mato tem couroJumento vive da famaPapagaio no norte é louroViado não é sariemaE eleitor que vota com penaÉ uma ave de agouro.FOQUITO

Pedro, olhe o respeito que eu sou machoPEDROSeis peito quem tem é porcaDiz o ditado popularComo posso nessa vidaPassar a lhe respeitar

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Se você vende o seu votoVeste camisa e é devotoDe quem vive a lhe enganar.FOQUITO

Converse comigo direito, viu Pedro Malazarte, não pense que você vai continuar me enrolando com os seus versos e rimas cheios de presepadas.

PEDRO MALAZARTECom essa perdi a rimaE o tom do reboladoOs políticos te enganamE eu é que sou culpado?FOQUITO

O verso tá muito bonito o proseado decente, mas vamos aos negócios que é melhor.PEDRO MALAZARTE

Pronto agora deu o creu, o homem endoidou de vez. Tu já visse, Foquito, dois cabra que nem nós dois, ganhando um salário mínimo de fome, sem casa, sem escola, sem saúde, sem – terra, sem dente, sem aposentadoria e ainda por cima sem instabilidade e respeito, , poder falar de negócio. Negócio de pobre é roubar galinha na Sexta-feira da paixão.

FOQUITOVocê guarde o seu discurso progressista para as suas nêgas, não me venha mais com enrolada e nem conversinha fiada. Eu tô falando do meu dinheiro, da minha parte que a gente ganhou fazendo presepadas na feira. Onde tá ele, hein?

MÚSICA: “O GATO COMEU”“O gato comeu, o gato comeuE ninguém viuO gato sumiu, o gato sumiuE seu paradeiroFoi pro estrangeiroOnde tá o dinheiroFOQUITO

E você vai bem me dizer que o comilão tá bem aqui na minha frente?PEDRO MALAZARTE

Nesta roda eu só tô vendo gatas, se você mudou de casaca o problema é seu, viu?FOQUITO

Pedro, não brinque com o fogo que você se queima, o negócio é serio.PEDRO MALAZARTE

Seríssimo!!!

FOQUITOPronto, você conseguiu me abufelar, e agora vou desabafar.

PEDROSaia do abafador, meu filho, saia.

FOQUITOPedro Malazarte, você é um ladrão, um lalau, um enrolão, um cara de pau.

PEDROTá com raiva, é?

FOQUITOTô sim!

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PEDROToucinho é um grande tira-gosto de cachaça, é ou não é papudinho.

FOQUITOHome, antes que eu perca o juízo de vez e faça alguma besteira com você, passe pra cá os meus mil reais.

PEDROCem? Você falou cinqüenta? Se eu nunca te dei dez, porque é que tu vem me pedir cinco. Toma um real, gaste dez centavos e me traga noventa de troco, viu?

FOQUITOPedroca, não se amostre só porque tá na frente do pessoal, e não venha mais com suas frases engraçadas que eu tô falando irado, puto da vida, entendeu?

PEDROEntendi mais não compreendi.

FOQUITOPois então compreenda. Eu quero que você me passe agora mesmo os mil reais que eu tenho direito na partilha, pois não trabalho de tapia de graça, nem pro meu falecido pai, que era o homem mais besta do mundo.

DAMATal pai, tal filho!

FOQUITOO quê?

DAMAFilho de peixe, patinho é.

PEDRO MALAZARTEDo jeito que tu falas e me cobras, parece mais um assalto na Praça do Ferreira em pleno meio dia.

FOQUITOEu sou assim mesmo, quando me abufelo não respeito nem a mãe de pantanha. Vamos passe o dinheiro que é melhor

PEDROEspere ai, deixe-me pensar!

DAMAStop! Deixem comigo a falação. Meu senhores e senhoras, moças, rapazes e criançolas, este é um momento que exige de todos muita atenção. Aqui na praça (diz o nome do local da apresentação) , é grande a expectativa e o silêncio é total. Nesse momento não se escuta nem o zumbido de uma mosca e nem tão pouco o assobio de peido rasteiro. Todos esperam com a respiração contida o desfecho dessa grande decisão. Será, eu falei será, que o Pedro Malazarte pagará? É o que veremos na próxima cena em ... ação!

FOQUITOE então? Vai pagar ou não?

PEDRO MALAZARTESe é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que...

FOQUITOQuê o quê?

PEDRO MALAZARTEQue eu não sou Pedro I e nem tão pouco Pedro II e muito menos Pedro Malão, sou o Pedro Malazarte, filho do povo e do mundo e que vou pagar!

DAMAStop de novo. (dramático) Não, não, não! Eu não posso acreditar no que estou vendo. Depois de milênios de anos sem pagar nem promessa a santo, Pedro Malazarte, o Edir

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Macedo do teatro, o papa – tudo do Nordeste, o baú da felicidade do sertão, vai pagar? Quero ver na prática isso acontecer.

FOQUITOEntão não perca mais tempo e passe logo o dinheiro pra cá.

PEDRO MALAZARTETu acha, que num tempo desse, com tanto assalto eu ia ser besta de andar com esse dinheiro todo no bolso?

FOQUITOEntão já sei: Tá no banco?

PEDRO MALAZARTESó se for no banco da praça.

FOQUITOTu colocou na caixa?

PEDROSó se foi na caixa prego ou na caixa preta do avião da TAM que ninguém acha.!

FOQUITOSe não tá no banco nem na caixa tá aonde?

PEDRO MALAZARTETá num lugar muito seguro.

FOQUITOPode ser até no inferno, diga logo onde tá que eu vou buscar a minha parte.

PEDRO MALAZARTETá na casa do Cel. Trancoso, homem valente e perigoso, osso duro de roer.

FOQUITOVamos diga logo onde ele mora?

PEDRO MALAZARTEÉ na rua Sobe e Desce, Número Desaparece, terceiro andar porque o segundo caiu, é lá que mora o coronel que gosta de enganar a caboclo imbecil!

FOQUITOPelo amor de Deus, me dê uma referência melhor.

PEDRO MALAZARTEAnote aí na cachola. A casa dele é vizinha ao imaginável, ao lado do solar da ilusão e de frente para o Shopping do Pega besta.

FOQUITOTô indo. Ao lado do imaginável e de frente pro pega besta. Não é?

PEDRO MALAZARTEAs ordens dos fatores não alteram o produto.

FOQUITOE que ônibus eu pego?

PEDRO MALAZARTEQualquer um que não vá a lugar nenhum.

FOQUITOE a casa fica pra lá ou fica pra cá?

PEDRO MALAZARTETem hora que fica pra cá, tem hora que fica pra lá, tu já visse uma casa imaginária parar em algum lugar?

FOQUITONão.

PEDRO MALAZARTE

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Então você vai nessa direção, sobe a rua central, dobra na esquina do cemitério, passa por trás da rodoviária e pronto.

FOQUITOChequei???

PEDRO MALAZARTEDe jeito nenhum a casa fica do outro lado da cidade.

FOQUITOSendo assim eu vou correndo.

PEDRO MALAZARTEE tem uma coisa. Eu vou cuspir, se você não voltar a tempo e com o dinheiro na mão, adeus vida mansa.

FOQUITOPode cuspir que eu já vou decolar. (vai saindo)

PEDRO MALAZARTEFoquito!

FOQUITODiz.

PEDRO MALAZARTEVai com Deus e a pomba do divino, viu?

FOQUITOObrigado, tá Pedro.

DAMAAgora vamos viajarE entrar no segundo atoOnde o Foquito com raivaPor Pedro fazê-lo de patoEncontrará com Espirro do CãoE bolarão a traiçãoVejam agora no teatro.

3ª CENA: “A TRAIÇÃO”

FOQUITO (Entrando pelo meio do Povo)Tudo mentira, sacanagem, enrolação. Pedro Malazarte me ludibriou de novo, andei essa cidade todinha, de ponta a ponta e não encontrei o endereço que ele me deu. Mas ele me paga, ora se não me paga. Do jeito que eu tô irado é arriscado até matá-lo, enforca-lo, enfaca-lo, cortar-lhe o talo. Mas como irei fazer isso? Se pelo menos eu encontrasse alguém que me ajudasse?

ESPIRRO DO CÃOFalando sozinho, Foquito!

FOQUITOValei-me minha Nossa Senhora dos carecas cabeludos, que voz mais cavernosa só essa.

ESPIRRO DO CÃOCalma, não se assuste, eu sou um amigo do peito.

FOQUITOAmigo do peito nesse estado, só se for catarro, que quando gruda nem lambedor de malva – rosa tira.

ESPIRRO DO CÃO

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Você tá equivocado, eu sou um amigão do coração. Quer ver? Se vire, olhe dentro dos meus olhos.

FOQUITODeus me livre eu tô é com medo.

ESPIRRO DO CÃOSeja forte, meu caro, me olhe e veja se você reconhece a sua consciência, a sua vontade de protestar.

FOQUITOE pobre tem á isso? A única coisa que eles dão aos pobres hoje, é bala, cadeia e conversa fiada.

ESPIRRO DO CÃOVire-se e veja que você ainda não perdeu a sua.

FOQUITOVige! Isso aí é que é a minha consciência?

ESPIRRO DO CÃOIsso aí porque?

FOQUITOAinda tem coragem de me perguntar porquê? Uma coisa feia dessa não pode ser consciência de ninguém.

ESPIRROEu sou a cara do dono!

FOQUITOEntão você é a consciência de outro, pois eu sou até bonitinho. Você não acha, essa menina?

ESPIRRO DO CÃODeixe de ser besta e me escute, pois Comigo a coisa é diferente: eu tenho parte com o cão, e fui preparado por satanás, pra resolver qualquer situação.

FOQUITOMeu filho, fique você sabendo que estou encrencado com o Pedro Malazarte, o demônio em pessoa.

ESPIRRO DO CÃO E é com esse mesmo que eu quero me pegar. Ele andou desfazendo uns feitos que eu fiz, andou me desmoralizando e eu to com ele atravessado aqui na garganta feito espinha de traíra.

FOQUITOPois pode se preparar pra morrer entalado, pois Pedro num tem pena de ninguém. ESPIRRO DO CÃOE se nós dois juntássemos as forças, hein? Eu entro com a inteligência, a astúcia e o plano, e tu com o corpo e o serviço.

FOQUITOE quanto o senhor vai me cobrar por isso?

ESPIRRONadinha!

FOQUITOEpa! Esmola grande cego desconfia.

ESPIRRO DO CÃOGuarde sua desconfiança para depois, eu só quero mesmo é ajudar a um amigo Como é? Topa ou não topa?

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FOQUITOQuerer eu não quero, mas tenho que aceitar, pois sei que sozinho, não vou poder recuperar o meu lindo e cheiroso dinheirinho.

ESPIRRO DO CÃOEntão, sócio, preste atenção ao plano e comece me dizendo uma coisa que Pedro Malazarte gosta muito.

FOQUITODinheiro, é claro!

ESPIRRO DO CÃONão, abestado! Uma coisa mais quente.

FOQUITOBriga de galo!

ESPIRRO DO CÃOAí...aí...aí...Uma coisa... digamos assim... sensual!!!

FOQUITOMulheeeerr!

ESPIRRO DO CÃOPois aí está a grande idéia. Tu, Foquito, vais se vestir de mulher.

FOQUITOTás doido, fora do juízo, não tá vendo que isso não vai dar certo.

ESPIRRO DO CÃONão temos mais tempo a perder. Eis aqui o teu figurino, tua peruca, tua bolsa e maquilagem, vamos, vista-se!

FOQUITO(Vestindo a saia) Aí, meu Deus, o que eu não faço por dinheiro.

ESPIRRO DO CÃOVamos deixar de lenga – lenga e choradeira e preste atenção no plano.

FOQUITOMas como faço, diz logo, você não é a consciência.

ESPIRRO DO CÃOVocê vai vestido de mulher usar a malícia, a sensualidade, é assim que muitos já chegaram ao poder.

FOQUITO Mas como vou pegar o dinheiro?

ESPIRRO DO CÃODançando, se esfregando e se for preciso... matando!

FOQUITOMatando o Pedro Malazarte?

ESPIRRO DO CÃOE porque não? Se Dalila cortou o cabelo de Sansão, Salomé pediu de presente a cabeça de João, porque você vestido de mulher não pode matar o Pedro Malazarte.

FOQUITOSe é assim, posso. Posso?

ESPIRRO DO CÃOMÚSICA: “O CABO ELEITORAL”Claro! (cantando) Não sou Cabo de policia

Sargento nem OficialFaço mesmo é políticaNo interior e na capitalJá enganei muito otário

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Passei perna em operárioSou um cabo eleitoral (bis)

FOQUITOEi, amiga (com uma pessoa da platéia) me dê seus peitos, quer dizer esses dois maracujás que você tem, pelo menos se ele chupar vai ficar bem tranquilo. E então? Que tal o produto? Tô ou não parecendo com uma mulher? Você, boy, se lascava hoje comigo? E você bigodudo, tirava também uma casquinha na magra véia? Agora vou em frente e não tem mais volta, se Pedro Malazarte descobrir eu mato ele, ora se não mato. Espirro, ou Espirro, Espirro do Cão!!! Aparece coisa ruim!

ESPIRRO DO CÃOCalma eu tô aqui ao teu lado o que é que a belezura quer comigo?

FOQUITOEu só quero saber qual vai ser o meu nome.

ESPIRRO DO CÃOTu se chamarás, Maria Beatriz, primeira dama do Estado, mulher, esposa e meretriz.

FOQUITOE só pra completar, Presidenta da LBA, a legião do infeliz!

ESPIRRO DO CÃOL B A não, elas já conseguiram falir. Tu vais ser a Presidenta do PRONAV.

FOQUITOQue coisa mais chique, parece até negócio de astronauta. PRONAV, isso só pode ser coisa de americano.

ESPIRRO DO CÃOMas não se esqueça que é tudo de mentirinha. Tchau!!!

FOQUITOAi, ai, ai, ai my good, onde fui me meter. Vestida de mulher em plena rua, cercada de macho por todos os lados tentando enganar a Pedro Malazarte. O Que eu faço? Um, dois, três, já sei! Vou cantar pra ver se o meu canto de sereia atrai a vítima.

MÚSICA: “MULHER DECIDIDA”Sou meninaSou mulherBusco a minha liberdadeJá canseiAté meu péDe ser apenasCara metade

Mulher, mulher, mulherNão pode viver de féTem que ser,Mulher de verdade (bis)PEDRO MALAZARTE

Meu Deus, o que estouro, que coisa mais acessa, será uma sereia da praia do futuro ou a miss Fortaleza?

FOQUITOTá falando comigo, bichupão?

PEDRO MALAZARTEMenino e ela fala.

FOQUITOQuilaro, tás pensando que eu sou muda, e?

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PEDRO MALAZARTEDe forma alguma, gostosa.

FOQUITONão gosto de homem gabola que não provou e fica chamando a gente de gostosa, não é mulherzinha? Isso já é cantada ultrapassada.

PEDRO MALAZARTEQue é isso, belezura, eu só quis lhe elogiar.

FOQUITODesses elogios eu já tô de saco cheio... quer dizer... de xininho lotado.

PEDRO MALAZARTETá certo, não fique braba, eu só lhe chamo de gostosa depois que provar.

FOQUITOTás pensando que mulher é xarope pra ser provada assim sem mais nem menos, é?

PEDRO MALAZARTENossa como ela é danada!

FOQUITODanada, emancipada, feminina e feminista, viu?

PEDRO MALAZARTETá certo, gracinha, mas qual é mesmo a sua graça, seu nome, sua alcunha?

FOQUITOMeu nome é... Espirro, cão dos seiscentos diabos, qual é mesmo o meu nome, pelo amor de Deus?

ESPIRROBeatriz, abestada!

FOQUITOPronto! Você pode me chamar de Beatriz Abestada!

PEDRO MALAZARTEAbestada???

FOQUITOSim, Abestada! E fique sabendo que esse é o sobrenome de uma família muito importante da Alemanha, mas naturalmente você pode me chamar de Bia Burra.

PEDRO MALAZARTEBia Burra???FOQUITO

Sim, lindinho! Burra é o sobrenome russo por parte de pai. E você como se chama? PEDRO MALAZARTESou Pedro, não fui ferreiroSou mala sem ser maleiroSou nordestino e brasileiroEternamente herdeiroDo meu passado estrangeiroFOQUITO

Pode parar! Pela rima já entendi tudo.És pobre e não tem dinheiroÉs mentiroso e fuleiroLadrão, enganador e trapaceiroE só pra fechar a pelejaVou te dar a minha deixaÉs enxerido e fofoqueiro.

Acertei?

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PEDRO MALAZARTEErrôla!

FOQUITOMuito prazer, estou encantada, mas...

PEDRO MALAZARTEMas o quê, minha neguinha linda?

FOQUITO“Já vou emboraNão sei se vou voltar”Pedrinho não choraEu vou mais volto já.PEDRO MALAZARTE

Eu tô desconfiando quê...FOQUITO

Que você é um cara frouxo, sem papo e que não sabe cantar uma moça decente, porém carente e liberada que nem eu.

PEDRO MALAZARTEO que foi que você disse, moça?

FOQUITOQue você parece ser uma cara aloprado, surdo!

PEDRO MALAZARTEAinda bem!

FOQUITOEi, machão, não vai fazer nada com a donzela aqui, não?

PEDRO MALAZARTESó se for agora. Ou tocadores! Coloquem aí um ritmo bem quente que eu vou me agarrar com essa mulher até amanhecer o dia.

FOQUITOSossegue o fogo Rei Leão, ainda falta o acerto.

PEDRO MALAZARTEAcerto? Que acerto?

FOQUITOA cota, meu filho, o michê, entendeu o meu palavreado? Tás pensando por acaso que eu sou fuleira é?

PEDRO MALAZARTENão seja por isso, madame. Quanto é?

FOQUITOSe prepare para a primeira facada.

PEDRO MALAZARTEPode vir quente que eu estou fervendo.

FOQUITOPra você vai custar apenas, três mil reais.

PEDRO MALAZARTETá caro!

FOQUITOCaro é alho, meu filho! Onde tu vai encontrar uma mulher como eu por esse preço? Olhe bem para o material. Um metro e noventa e seis de altura, seios grandes, firmes e empinados, bundinha dura, coxas grossas e roliças, poliglota, sabe usar a língua em vários idiomas, perfumada, limpa, inteligente e ainda por cima presidenta da PRONAVE. Nem na China, boy, nem na china!

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PEDRO MALAZARTEO problema é que eu só tenho mil reais, que ia entregar ao meu companheiro e parceiro, Foquito, por um trabalho que ele fez comigo.

FOQUITOTás doido, mil reais? Eu quero é três mil, tá sabendo?

PEDRO MALAZARTEEntão você vai Ter que me ajudar a rodar o chapéu.

FOQUITONão seja por isso, vamos começar. E é bom que você apure muito dinheiro pra me pagar com juros e correções monetárias.

PEDROEntão vamos começar a choradeira. (cena livre de rodada de chapéu)

MÚSICA: “SAGRADA COLETA DO CHÁPEU”Se herói também tem fomeImagine nosso povoFalta dinheiro pro pãoFalta dinheiro pro ovoFalta festa e diversãoIsso eu canto de novo (bis)

Vamos rodar o chapéuCada um dar o que temSe é dinheiro nós queremosSe for chequeQueremos o fundo tambémVocê pode ajudarAo teatro popularNão enganamos a ninguém (bis)

É chapéu na rodaÉ rodada de chapéuQue não der o dinheiroBata palmas que é mel (bis)

PEDRO MALAZARTEPronto! Aqui está o apurado, quase dois mil. Como é? Vamos dançar?

FOQUITOTá certo, eu aceito seu pedido, mas com uma condição.

PEDRO MALAZARTEE qual é, minha belezura?

FOQUITOVocê não pode me não me aperta muito não viu...

PEDRO MALAZARTEPorque, meu docinho de coco?

FOQUITOPorque senão eu peido, ora essa!!

PEDRO MALAZARTE

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Ou tocador? arrocha o couro, que hoje é dia da palha voar e o ferrugem descer pelas canelas.

DAMACuidado, macho, quem vê a cara não vê o coração, pegue essa bolsa cheia de camisinha pois é melhor se prevenir do que remediar.

PEDRO MALAZARTEArrocha moçada! (Começam a dançar)

FOQUITOAi, cuidado com os meus pés e não me arroche muito.

PEDRO MALAZARTEAgüenta, satanás, que teu tombo é grande!

FOQUITOEspirro, Espirro, Espirro do Cão, me ajude aqui senão ele vai me estrupar bem no lugar errado.

ESPIRRO DO CÃOPasse a bolsa com o dinheiro que depois eu volto pra lhe ajudar.(Foquito passa a bolsa com camisinhas)

FOQUITOO que tu tá esperando, Espirro, me ajude pelo amor de Deus?

ESPIRRO DO CÃOTe vira abestada, eu já peguei a minha parte e vou é me preparar pra ser candidato, cansei de ser cabo eleitoral agora quero ser é coronel! (sai)

FOQUITOEspirro, minha consciência sem-vergonha, volte aqui. (Tenta fugir e Pedro Malazarte puxa a sua peruca)

PEDRO MALAZARTEDanou-se, uma peruca? Vareite, meu santo Padrinho, a mulher era careca.

FOQUITOCareca é a vovozinha!

PEDRO MALAZARTEFoquito! A mulher era você? Bem que eu tava desconfiando.

FOQUITOPedrinho, meu amigo e irmão, pelo amor de Deus não me leve a mal era só uma brincadeira.

PEDRO MALAZARTEBricadeirinha de muito mal gosto. Me enganou e depois ainda entregou o meu dinheiro pro amante, pra um gigolô.

FOQUITOOlhe aqui, Pedro, me respeite que eu sou macho!

PEDRO MALAZARTEMas até inda a pouco era Beatriz, se esqueceu, belezura?

FOQUITOEra só um disfarce pra conseguir a minha parte do dinheiro de volta e por favor não

desacate mais uma autoridade.PEDRO MALAZARTE

Porquê? A mulherzinha vai fazer alguma coisa comigo?FOQUITO

Eu tô desesperado e uma mulher desesperada, quer dizer... um homem desesperado é capaz de tudo, de morrer e de matar.

PEDRO MALAZARTE

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Ai, meu Deus como tô com medo. Olhe aqui seu fuleira, eu te dou as minhas costas só pra mostrar o meu desprezo.

FOQUITOPedro, olhe pra mim se fôr homem?

PEDRO MALAZARTEOlhei e daí???

FOQUITOEsta facada é pela falta de respeito, o descaso e pelas sacanagens que você já fez comigo.

PEDRO MALAZARTEFoquito? Você me matou, seu filho de uma égua?

FOQUITOMatei? Valei-me meu Padrinho Pe. Cícero, eu sou um assassino.

PEDRO MALAZARTE CENA DA MORTE LIVREMÚSICA: “UM ABOIO DE MORTE E DOR”Que o sertão fique escuroSabiá não cante maisAs árvores não se balancemMinha alma já se vaiVerão já virou invernoAbram as portas do infernoVou enganar ao satanás. (bis)FOQUITO

Pedrinho, Pedrinho, você morreu mesmo?PEDRO MALAZARTE

Morri, abestado, não tá vendo não é?FOQUITO

Eu juro, meu senhor, não foi porquê eu quis.DAMA

Pedro Malazarte morreu!!! (Todos fazem o eco- Morreu...)FOQUITO

A senhora viu, Dona Maria, não viu? Foi ele quem empurrou a barriga na faca, eu não fiz nada, não foi? Diga que foi, diga.

DAMAMorreu um pedaço da arteMorreu, Pedro Malazarte!

FOQUITOE agora? O que eu faço?

DAMAPrimeiro deixe de choradeira e me ajude a fazer o enterro, depois é só se entregar na primeira delegacia que encontrar pra cumprir com sua sentença de criminoso.

FOQUITOQuem diria, Pedro Malazarte, o meu amigo... um defunto! Eu não posso acreditar!

TODOS MÚSICA: “LADAINHA DA MORTE INVENTADA”Avé, avéMorreu Pedro MalazarteE o sertão sabe quem é (bis)

Com ele morreu a arteE um pedaço desse chão

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Chora menino e meninaChora a grande multidãoMorreu o irmão de João GriloO primo de Cancão. (Volta para o refrão)

Chora o rio cheio de secaE o açude a sangrarChora o sertão nordestinoChora o povoChora o marChora ave de rapinaChora Galo de CampinaE a cultura popular. (Repetem o refrão)DAMA

O herói popular não morre nunca. Pedro Malazartes, assim como João Grilo, Cancão de Fogo, Mané Xexeiro, Trupizupe e Macunaína e tantos outros, é eterno e viverá para todo o sempre. A morte de qualquer um desses heróis ou anti heróis, será sempre uma grande mentira. Se algum dia, algum desses morrer de verdade, será porque a verdade não é verdadeira. Como matar Agamenon ou Ulisses? Como deixar morrer Aquiles no meio da imaginária Ilíada? O herói não morre.

TODOSDesperta Pedro Malazartes,Levanta e vem brincarCanta verso e faz presepadasSegue tua sina e estradaCom a cultura popular

MÚSICA: “UM ABOIO NA DESPEDIDA”Adeus, meu povo decenteO CERVANTES já se vaiAbrir sua Mala da ArteN’outras terras N’outras partesN’outro lugar e rincão

Foi bom brincar com vocêsCantar poesia e cançãoFazer presepadas na praçaCom muita graçaMuita raça e inspiraçãoTODOSAdeus, adeusJá vamo emboraVoltamos outra horaPra brincar nesse salãoAbrir a Mala da ArteE com Pedro MalazarteMostrar as artesDesse querido sertão

(FORMAM NO CENTRO E FAZEM REVERÊNCIA)JÚNIO SANTOS

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