O Manto

15
O MANTO

description

Languedoc, Sul da França, 1335. Um misterioso manto vai parar nas mãos de uma menina após a morte inexplicável de todos os moradores de um castelo. A França atravessa um momento conturbado. Doze anos depois, navios que atravessam o mar Mediterrâneo, disseminam a terrível peste negra

Transcript of O Manto

O MantO

São Paulo 2011

O MantO

Alfredo da Costa Paschoal

Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda

CapaWagner de Oliveira Nunes

Projeto GráficoTatyana Araujo

Revisão Henrique de Souza

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________P283m Paschoal, Alfredo da Costa, 1954- O manto / Alfredo da Costa Paschoal. - São Paulo : Baraúna, 2011. ISBN 978-85-7923-368-5 1. Ficção brasileira. I. Título.

11-4566. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

21.07.11 27.07.11 028265________________________________________________________________

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Januário Miraglia, 88CEP 04547-020 Vila Nova Conceição São Paulo SP

Tel.: 11 3167.4261

www.editorabarauna.com.brwww.livrariabarauna.com.br

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por ter-me permi-tido escrever este livro, reconhecendo a limitação de um es-critor com situações e fatos passados, em uma época em que muitos conceitos não estavam amadurecidos. Quero lembrar também minha mãe, Maria de Lourdes, a quem dedico este romance, ela que foi uma mulher extraordinária. Minha sin-cera gratidão ao jornalista Roberto Aires, cujas críticas e va-liosas sugestões me auxiliaram grandemente. Tudo isso, na convicção de que “viajar no tempo” é uma tarefa tão ins-tigante quanto desafiadora. E, finalmente, um tributo aos milhões de vítimas da Peste Negra... Evento capaz de deixar perplexo qualquer investigador literário.

6

Alfredo da Costa Paschoal

7

O Manto

FATO HISTÓRICO

Em 1229, quando do Sínodo de Toulouse, iniciou-se oficialmente a Inquisição. Foi nesse ano também que o Lan-guedoc foi anexado à França, pelo Tratado de Meaux. Os tri-bunais inquisitoriais foram confiados aos dominicanos com exclusividade. Estes deveriam reprimir os crimes de heresia, as demonstrações de apostasia da fé e as práticas tidas como feitiçaria e magia.

***

8

Alfredo da Costa Paschoal

9

O Manto

Somente o símbolo tem importância: reflexo das paixões dos homens em luta e das forças do destino, ele nos leva a considerar nosso presente e a meditar

sobre nossas vitórias e derrotas, quer exteriores, quer interiores. Nada nos adianta ficar apenas conhecendo

os fatos, se não procuramos rever-nos a nós mesmos nas sombras daqueles que evocamos.

Georges Duby, medievalista francês

10

Alfredo da Costa Paschoal

11

O Manto

Moisés e aarão diante do FaraóGustave Doré (século XIX)

12

Alfredo da Costa Paschoal

13

O Manto

PRÓLOGO

Languedoc, Sul da França, 1335

Os olhos da pequena Evelin brilhavam toda vez que a bela senhora aparecia na torre do castelo. Não era uma grande construção, e, por suas limitadas defesas, seu papel residencial se sobrepunha ao de fortificação. Mas a menina o via magnífi-co, cercado de encanto e mistério, isolado que estava naquela região de belas montanhas, num tempo em que monges e ca-valeiros alimentavam ilusões e realidade.

Cores e sons, cada qual possuía o seu lugar. Evelin tinha seis anos. Olhos ligeiramente amendoados

e castanhos, como seus cabelos. O rosto corado pelo sol do verão e seus traços suaves davam-lhe um aspecto angelical. Como um anjo de madeira de limoeiro, esculpido com deli-cada técnica. Mas um anjo não veste roupas velhas; não tem os cabelos embaraçados e os pés tão grudentos de poeira. Que importava? Para quem vivia num casebre de madeira em al-gum recanto do Languedoc, onde as expectativas pareciam ter morrido, bastava sonhar!

14

Alfredo da Costa Paschoal

A bela senhora, em seu longo vestido branco, invariavel-mente levava sobre os ombros um manto, quando pela manhã surgia na torre. Manto que algum dia tivera cor azul. Agora, era de um branco indefinível, como indefinível era o encanto que ele lançava na menina Evelin. E, quando a brisa da manhã tornava-se mais forte, a senhora erguia o pano acima da cabeça para pousá-lo em seguida sobre os cabelos louros e compridos. Uma cena magnífica... Coroada pelos campos verdes e perfuma-dos que cercavam o castelo, nas proximidades da lagoa de Thau.

A lagoa de Thau fica situada no Midi, que é a denomina-ção dada à costa mediterrânea da França. Aí se encontra uma vegetação que durante todo o inverno apresenta uma folha-gem perene. E, naquele dia, o vento soprava mais forte do que de costume. O gesto imponente da senhora podia ser aprecia-do ao longe pela menina, que, amparada por uma pedra, nela se debruçava para esquecer qualquer tristeza.

“Talvez eu possa fazer desse mesmo jeito um dia”, pensou. Apertou os dedos das mãos, como o fazem as crianças

inquietas, fechou os olhos lentamente e começou a sonhar acordada: trajava um vestido grosso, dourado e em cujas bor-das, fios trançados, como de ouro, davam-lhe um acabamento fino. Ela corria pelo campo ensolarado, esboçando um sorriso de felicidade por ter nas mãos o manto da senhora. Como uma princesa de um reino distante, seu semblante refletia a aurora, e essa imagem era como que embalada por uma música divi-na. Evelin podia então erguer os braços, em sua imaginação, fazendo que o vento generosamente sacudisse em sentido ho-rizontal o linho em suas mãos, lançando sombra em seu rosto e tocando os curtos cabelos.

Porém, os sonhos não duram para sempre. Um som che-gou aos ouvidos da menina, mais depressa do que desejaria. Ela abriu bruscamente os olhos, ainda recostada na rocha. A

15

O Manto

visão era a de uma dúzia de cavaleiros galopando em direção ao castelo. A senhora na torre, igualmente surpreendida, deixou escapar o manto de suas mãos. Este foi lançado pelo vento em direção a Evelin, o que a forçou a esconder-se ainda mais. Em segundos, a torre estava vazia. Logo, os cavaleiros também não eram mais vistos. A menina imaginou que deveria devolver o manto perdido. Além do que, uma curiosidade envolveu-a: saber o motivo da visita daqueles homens ao solitário castelo.

Em sua casa, Evelin já escutara da mãe, Malca, sobre as

maldades dos mongóis. Do pai, agora velho e doente, lembrava-se de recentes histórias de seu povo judeu. E ainda, mesmo confusa-mente, outras aventuras vividas pelos Cruzados. Eles haviam visi-tado o Languedoc, vindos da Europa. Tinham arruinado sua gen-te e sua terra. Esse episódio havia marcado profundamente aquela região, e os sobreviventes repassavam suas recordações aos filhos, na vã tentativa de exorcizar de suas mentes os fatos mais amargos e explicar aquelas incursões, que ficaram conhecidas como Cru-zada Albigense duraram cerca de 40 anos. Mas o exército invasor enviado pelo papa Inocêncio III para acabar com a heresia exter-minava juntamente o herege e sua família. Os mais jovens haviam aprendido a prudência bem cedo. Aprendido que a morte seguia aqueles cavaleiros e era anunciada pela cruz em suas túnicas.

“Será que aqueles cavaleiros tinham uma cruz no peito?”, Evelin perguntou a si mesma. “Sim”, apenas aquele que caval-gava na frente apresentava uma grande cruz vermelha estampa-da do lado esquerdo do manto branco. Mas ela não entenderia todo o significado de eventuais respostas que obtivesse. Era apenas uma criança. Seu maior sonho, enquanto caminhava, tinha os contornos suaves... O manto da nobre senhora.

Um longo tempo se passou até que os cavaleiros ressurgis-sem, vindos do castelo. Estavam vestidos com cota-de-malha.