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DADOS DECOPYRIGHT

Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizadapela equipe Le Livros e seusdiversos parceiros, com oobjetivo de oferecer conteúdopara uso parcial em pesquisas eestudos acadêmicos, bem como osimples teste da qualidade daobra, com o fim exclusivo de

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compra futura.

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Sobre nós:

O Le Livros e seus parceirosdisponibilizam conteúdo dedominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmentegratuita, por acreditar que oconhecimento e a educaçãodevem ser acessíveis e livres atoda e qualquer pessoa. Você

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pode encontrar mais obras emnosso site: LeLivros.site ou emqualquer um dos sites parceirosapresentados neste link.

"Quando o mundo estiver unidona busca do conhecimento, e

não mais lutando por dinheiro epoder, então nossa sociedade

poderá enfim evoluir a um novonível."

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EDIÇOES BESTBOLSO

O martelo das feiticeiras

Heinrich Kramer (1430-1505) foium religioso e Inquisidor alemão.Juntou-se à Ordem dosPregadores ainda jovem, e foiindicado para a posição deinquisidor por volta de 1474.Solicitou ao papa Inocêncio VIIIpermissão para investigar e punir

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atos de bruxaria na Alemanha, ea Bula Papal emitida em respostaserviu como legitimação para queele escrevesse O martelo dasfeiticeiras. Entendido como umguia para reconhecer, capturar epunir bruxas, o livro foicondenado pela Universidade deColônia, instituição para a qualfoi submetido para aprovação,por instigar atos antiéticos, ilegaise contrários à doutrina católica.Ainda assim, o livro foi muitoutilizado pelas cortes seculares, e

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Kramer continuou sendoconvidado para fazer pregaçõessobre o assunto.

James Sprenger (1435-1495)foi admitido como noviço naOrdem dos Pregadores em 1452,tornou-se posteriormente mestree deão da faculdade de teologiada Universidade de Colônia, eentão foi indicado comoInquisidor das províncias deMainz, Trier e Colônia. Apesarde ser com frequência apontadocomo coautor de O martelo das

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feiticeiras, junto a HeinrichKramer, historiadores afirmamque seu papel foi o decolaborador, e que sua influênciafoi usada para atribuir caráteroficial à publicação de Kramer.

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Tradução dePAULO FRÓES

Introdução deROSE MARIE MURARO

Prefácio deCARLOS BYINGTON

1ª edição

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Rio de janeiro – 2015

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃONA PUBLICAÇÃO

SINDICATO NACIONAL DOSEDITORES DE LIVROS, RJ

K91mKramer, Heinrich, 1430-1505

O martelo dasfeiticeiras [recursoeletrônico] / HeinrichKramer, James Sprenger;tradução Paulo Fróes;

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introdução de RoseMarie Muraro; prefáciode Carlos Byington. - 1.ed. - Rio de Janeiro:BestBolso, 2015.

recurso digitalTradução de: Malleus

MaleficarumFormato: epubRequisitos do sistema:

adobe digital editionsModo de acesso: world

wide webInclui Sumário

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ISBN 978-85-7799-497-7 (recursoeletrônico)

1. Feitiçaria. 2. Magia.3. Ritos e cerimônias. 4.Livros eletrônicos. I.Sprenger, James. II.Muraro, Rose Marie,1932-2014. III. Byington,Carlos. IV. Título.

15-27454CDD: 133.43

CDU: 133.4

O martelo das feiticeiras, de

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autoria de Heinrich Kramer eJames Sprenger.

Título número 381 das EdiçõesBestBolso.

Primeira edição impressa emmaio de 2015.

Texto revisado conforme oAcordo Ortográfico da LínguaPortuguesa.

Título original:MALLEUS MALEFICARUM

Copyright da tradução © 1995 by

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Editora Rosa dos Tempos.

Direitos de reprodução datradução cedidos para EdiçõesBestBolso, um selo da EditoraBest Seller Ltda. Editora Rosa dosTempos e Editora Best SellerLtda são empresas do GrupoEditorial Record.

www.edicoesbestbolso.com.br

Design de capa: MarianaTaboada sobre imagem de JanLuyken (Suplício de AnnekenHendriks, queimado em

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Amsterdã, 1571).

Todos os direitos desta ediçãoreservados a Edições BestBolso,um selo da Editora Best SellerLtda. Rua Argentina 171 –20921-380 – Rio de Janeiro, RJ –Tel.: 2585-2000.

Produzido no Brasil

ISBN 978-85-7799-497-7

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Nota do editor

Esta edição de bolso é publicadaao se completar 24 reimpressõesvendidas em formatoconvencional pela Editora Rosados Tempos. Lançada no Brasilem 1991 por Rose Marie Muraro,a obra se tornou um clássico e

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ainda hoje é referência para osinteressados na história daInquisição.

Esta edição é umahomenagem à editora RoseMarie Muraro (1930-2014), queassina a introdução deste livro edeixou um legado de profundohumanismo para as futurasgerações. Formou-se em física eeconomia, mas sua vocaçãointelectual floresceu ao começara exercer a profissão de editorade livros e escritora, com

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vastíssima obra publicada. Lutousua vida inteira pela igualdade dedireitos para mulheres e homens,e por um mundo solidário atodos.

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Sumário

Introdução de Rose MarieMuraro

Prefácio de Carlos Byington

A bula de Inocêncio VIII

PARTE IDas três condições necessáriaspara a bruxaria:o Diabo, a bruxa e a permissãode Deus Todo-Poderoso

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PARTE IIDos métodos pelos quais seinfligem os malefícios e de quemodo podem ser curados

PARTE IIIQue trata das medidas judiciaisno Tribunal Eclesiástico e noCivil a serem tomadas contra asbruxas e também contra todos osheregesQue contém 35 questões em quesão clarissimamente definidas asnormas para instauração dos

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processos e são explicados osmodos pelos quais devem serconduzidos, e os métodos paralavrar as sentenças

Certificado de aprovação doMalleus Maleficarum pelaFaculdade de Teologia daUniversidade de Colônia

Nota sobre a bibliografia de Omartelo das feiticeiras

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Introdução

Rose Marie Muraro

Para compreendermos a

importância do Malleus é precisoque tenhamos uma mínima visãoda história da mulher ao longoda história humana em geral.

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Segundo a maioria dosantropólogos, o ser humanohabita este planeta há mais de 2milhões de anos. Nossa espéciepassou mais de três quartos dessetempo nas culturas de coleta ecaça aos pequenos animais.Nessas sociedades não havianecessidade de força física para asobrevivência, e nelas asmulheres possuíam um lugarcentral.

Ainda existem remanescentesdessas culturas em nosso tempo,

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tais como os grupos mahoris(Indonésia), pigmeus ebosquímanos (África Central).Esses são os grupos maisprimitivos que existem, e aindasobrevivem da coleta dos frutosda terra e da pequena caça oupesca. Nesses grupos, a mulherainda é considerada um sersagrado, porque é capaz de dar avida e, portanto, ajudar afertilidade da terra e dos animais.Nesses grupos, o princípiomasculino e o feminino

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governam juntos. Há divisão detrabalho entre os sexos, mas nãohá desigualdade. A vida corremansa e paradisíaca.

Nas sociedades de caça aosgrandes animais, que sucederama essas mais primitivas, nas quaisa força física era essencial,iniciou-se a supremaciamasculina. Mas nem nassociedades de coleta nem nas decaça se conhecia funçãomasculina na procriação.Também nas sociedades de caça

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a mulher era considerada um sersagrado, que possuía o privilégiodado pelos deuses de reproduzira espécie. Os homens se sentiammarginalizados nesse processo eas invejavam. Essa primitiva“inveja do útero” dos homens é aantepassada da moderna “invejado pênis”, que sentem asmulheres nas culturas patriarcaismais recentes.

A inveja do útero deu origema dois ritos universalmenteencontrados nas sociedades de

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caça pelos antropólogos eobservados em partes opostas domundo, como Brasil e Oceania.O primeiro é o fenômeno dacouvade, em que a mulhercomeça a trabalhar dois diasdepois de parir e o homem ficade resguardo com o recém-nascido, recebendo visitas epresentes. O segundo é ainiciação dos homens. Naadolescência, a mulher tem sinaisexteriores que marcam o limiarda sua entrada no mundo

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adulto. A menstruação a tornaapta à maternidade e representaum novo patamar em sua vida.Mas os adolescentes homens nãopossuem esse sinal tão óbvio. Porisso, na puberdade, eles sãoarrancados de suas mães peloshomens, para serem iniciados na“casa dos homens”. Em quasetodas essas iniciações, o ritual ésemelhante: é a imitaçãocerimonial do parto com objetosde madeira e instrumentosmusicais. E nenhuma mulher ou

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criança pode se aproximar dacasa dos homens, sob pena demorte. Daí em diante, o homempode “parir” ritualmente e,portanto, tomar seu lugar nacadeia das gerações.

Ao contrário da mulher, quepossuía o “poder biológico”, ohomem foi desenvolvendo o“poder cultural” à medida que atecnologia foi avançando.Enquanto as sociedades eram decoleta, as mulheres mantinhamuma espécie de poder, mas

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diferente daquele das culturaspatriarcais. Essas culturasprimitivas deviam sercooperativas, a fim de sobreviverem condições hostis, e, portanto,não havia coerção oucentralização, mas rodízio delideranças, e as relações entrehomens e mulheres eram maisfluidas do que viriam a ser nasfuturas sociedades patriarcais.

Nos grupos matricêntricos, asformas de associação entrehomens e mulheres não incluíam

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nem a transmissão do poder nema da herança, por isso a liberdadeem termos sexuais era maior. Poroutro lado, quase não existiaguerra, pois não havia pressãopopulacional pela conquista denovos territórios.

É só nas regiões em que acoleta é escassa, ou onde vãodesaparecendo os recursosnaturais vegetais e os pequenosanimais, que se inicia a caçasistemática aos animais degrande porte. Então a supremacia

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masculina e a competitividadeentre os grupos na busca denovos territórios começam a seinstalar. Agora, as sociedadesdevem competir entre si por umalimento escasso, a fim desobreviver. As guerras se tornamconstantes e passam a sermitificadas. Os homens maisvalorizados são os heróisguerreiros. Começa a se romper aharmonia que ligava a espéciehumana à natureza, porém aindanão se instala definitivamente a

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lei do mais forte. O homemainda não conhece com precisãoa sua função reprodutora e crêque a mulher fica grávida dosdeuses. Por isso ela conservapoder de decisão. Nas culturasque vivem da caça, já existeestratificação social e sexual, masnão é completa como nassociedades que se lhes seguem.

É no decorrer do neolíticoque, em algum momento, ohomem começa a dominar a suafunção biológica reprodutora, e,

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podendo controlá-la, podetambém controlar a sexualidadefeminina. Então surge ocasamento, tal como oconhecemos hoje, no qual amulher é propriedade do homeme a herança se transmite atravésda descendência masculina. Jáacontecia assim, por exemplo,nas sociedades pastoris descritasna Bíblia. Naquela época, ohomem já tinha aprendido afundir metais. Essa descobertasurge por volta de 10000 ou 8000

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a.C. E, à medida que essatecnologia se aperfeiçoa,começam a ser fabricadas não sóarmas mais sofisticadas comotambém instrumentos quepermitem cultivar melhor a terra(o arado, por exemplo).

Hoje há um consenso entreos antropólogos de que osprimeiros humanos a descobriros ciclos da natureza foram asmulheres, porque podiamcompará-los com o ciclo dopróprio corpo. Mulheres também

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devem ter sido as primeirasplantadoras e as primeirasceramistas, mas foram os homensque, a partir da invenção doarado, sistematizaram asatividades agrícolas, iniciandouma nova era, a era agrária, ecom ela a história que vivemoshoje.

Para poder arar a terra, osgrupamentos humanos deixamde ser nômades. São obrigados ase tornar sedentários. Dividem aterra e iniciam as primeiras

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plantações. Começam a seestabelecer as primeiras aldeias,depois as cidades, as cidades-estado, os primeiros Estados e osimpérios, no sentido antigo dotermo. As sociedades, então, setornam patriarcais, isto é, osportadores dos valores e da suatransmissão são os homens. Jánão são mais os princípiosfeminino e masculino quegovernam juntos o mundo, mas,sim, a lei do mais forte. A comidaera destinada, primeiro, ao dono

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da terra, sua família, seusescravos e seus soldados. Até serescravo era privilégio. Só ospárias nômades e os sem-terrapereciam no primeiro inverno ouna primeira escassez.

Nesse contexto, quanto maisfilhos, mais soldados e mais mãode obra barata para arar a terra.As mulheres tinham a suasexualidade rigidamentecontrolada pelos homens. Ocasamento era monogâmico e amulher era obrigada a sair

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virgem das mãos do pai para asmãos do marido. Qualquerruptura desta norma podiasignificar a morte. Assim tambémo adultério: um filho de outrohomem viria ameaçar atransmissão da herança, realizadapor meio da descendência damulher. A mulher fica, então,reduzida ao âmbito doméstico.Perde qualquer capacidade dedecisão no domínio público, quese torna inteiramente reservadoao homem. A dicotomia entre o

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privado e o público estabelece,então, a origem da dependênciaeconômica da mulher, e estadependência, por sua vez, gera,no decorrer das gerações, umasubmissão psicológica que duraaté hoje.

Todo o período histórico atéos dias de hoje transcorreu nessecontexto. A cultura humanapassou de matricêntrica apatriarcal.

E o Verbo veio depois

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“No princípio era a Mãe, o Verboveio depois.” É assim queMarilyn French, uma dasmaiores pensadoras feministasamericanas, começa o seu livroBeyond Power (Summit Books,Nova York, 1985). E não é semrazão, pois podemos retraçar oscaminhos da espécie através dasucessão dos seus mitos. Ummitólogo americano, em seu livroAs máscaras de Deus: mitologiaocidental, citado por French,divide todos os mitos conhecidos

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da criação em quatro grupos. E,surpreendentemente, essesgrupos correspondem às etapascronológicas da história humana.

Na primeira etapa, o mundoé criado por uma deusa mãe semauxílio de ninguém. Na segunda,ele é criado por um deusandrógino ou um casal criador.Na terceira, um deus machotoma o poder da deusa ou cria omundo sobre o corpo da deusaprimordial. Finalmente, naquarta etapa, um deus macho

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cria o mundo sozinho.Essas quatro etapas que se

sucedem cronologicamentetambém são testemunhas eternasda transição da etapamatricêntrica da humanidadepara a fase patriarcal, e é estasucessão que dá veracidade àfrase já citada de MarilynFrench.

Alguns exemplos nos farãoentender as diversas etapas e afrase de French. O primeiro emais importante exemplo da

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primeira etapa na qual a GrandeMãe cria o universo sozinha é opróprio mito grego. Nele acriadora primária é Gaia, a MãeTerra. Dela nascem todos asprotodeuses: Urano, os Titãs e asprotodeusas, entre as quais Reia,que virá a ser a mãe do futurodominador do Olimpo, Zeus. Hátambém o caso do mito Nagô,que vem dar origem aocandomblé. Neste mito africano,é Nanã Buruquê que dá à luztodos os orixás, sem auxílio de

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ninguém.Exemplos do segundo caso

são o deus andrógino que geratodos os deuses, no hinduísmo, eo yin e o yang, o princípiofeminino e o masculino quegovernam juntos na mitologiachinesa.

Exemplos do terceiro caso sãoas mitologias nas quais reinam,em primeiro lugar, deusasmulheres, que são, depois,destronadas por deusesmasculinos. Entre essas

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mitologias está a sumeriana, naqual reinava primitivamente adeusa Siduri, num jardim dedelícias, cujo poder foi usurpadopor um deus solar. Mais tarde,na epopeia de Gilgamesh, ela édescrita como simples serva.Ainda, os mitos primitivos dosastecas falam de um mundoperdido, de um jardimparadisíaco governado porXoxiquetzl, a Mãe Terra. Delanasceram os Huitzuhuahua, quesão os Titãs e os Quatrocentos

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Habitantes do Sul (as estrelas).Mais tarde seus filhos serevoltam contra ela e ela dá à luzo deus que iria governar a todos,Huitzilopochtli.

A partir do segundo milênioa.C., contudo, raramente seregistram mitos nos quais adivindade primária seja mulher.Em muitos deles, eles sãosubstituídas por um deus machoque cria o mundo a partir de simesmo, tais como os mitos persa,meda e, principalmente e acima

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de todos, o nosso mito cristão,que aqui será enfocado.

Javé é deus único Todo-Poderoso, onipresente, e controlaos seres humanos em todos osmomentos da vida. Cria sozinhoo mundo em sete dias e, no final,cria o homem. E só depois cria amulher, assim mesmo a partir dohomem. E coloca ambos noJardim das Delícias, onde oalimento é abundante e colhidosem trabalho. Mas, graças àsedução da mulher, o homem

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cede à tentação da serpente e ocasal é expulso do paraíso.

Antes de prosseguir,procuremos analisar o que já setem até aqui em relação àmulher. Em primeiro lugar, aocontrário das culturas primitivas,Javé é deus único, centralizador,dita rígidas regras decomportamento, cujatransgressão é sempre punida.Nas primitivas mitologias, aocontrário, a Grande Mãe épermissiva, amorosa e não

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coercitiva. E como todos os mitosfundadores das grandes culturastendem a sacralizar os seusprincipais valores, Javérepresenta bem a transformaçãodo matricentrismo empatriarcado.

O Jardim das Delícias é alembrança arquetípica da antigaharmonia entre o ser humano e anatureza. Nas culturas de coletanão se trabalhavasistematicamente. Por isso oscontroles eram frouxos e podia se

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viver mais prazerosamente.Quando o homem começa adominar a natureza, ele começa ase separar dessa mesma naturezana qual vivia imerso até então.

Como o trabalho é penoso,necessita agora de poder centralque imponha controles maisrígidos e punição para atransgressão. É preciso usar acoerção e a violência para que oshomens sejam obrigados atrabalhar, e essa coerção élocalizada no corpo, na repressão

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da sexualidade e do prazer. Porisso o pecado original, a culpamáxima, na Bíblia, é colocado noato sexual (é assim que, desdemilênios, popularmente seinterpreta a transgressão dosprimeiros humanos).

É por isso que a árvore doconhecimento é também a árvoredo bem e do mal. O progresso doconhecimento gera o trabalho epor isso o corpo deve seramaldiçoado, porque o trabalhoé bom. Mas é interessante notar

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que o homem só consegueconhecimento do bem e do maltransgredindo a lei do Pai. Osexo (o prazer), doravante, é maue, portanto, proibido. Praticá-lo étransgredir a lei. Ele é, portanto,limitado apenas às funçõesprocriativas, e mesmo assim geraculpa.

Daí a divisão entre sexo eafeto, entre corpo e alma,apanágio das civilizações agráriase fonte de todas as divisões efragmentações do homem e da

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mulher, da razão e da emoção,das classes...

Tomam aí sentido aspunições de Javé. Uma vezadquirido o conhecimento, ohomem deve sofrer. O trabalho oescraviza. E por isso o homemescraviza a mulher. A relaçãohomem-mulher-natureza não émais de integração e, sim, dedominação. O desejo dominanteagora é o do homem. O desejoda mulher será para semprecarência, e é esta paixão que será

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o seu castigo. Daí em diante, elaserá definida por suasexualidade, e o homem, peloseu trabalho.

Mas o interessante é que osprimeiros capítulos do Gênesispodem ser mais bem entendidosà luz das modernas teoriaspsicológicas, especialmente apsicanálise. Em cada meninonascido no sistema patriarcalrepete-se, em nível simbólico, atragédia primordial. Nosprimeiros tempos de sua vida,

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eles estão imersos no Jardim dasDelícias, em que todos os seusdesejos são satisfeitos. E isto lhesfaz buscar o prazer que lhes dá ocontato com a mãe, a únicamulher à qual têm acesso. Mas alei do pai proíbe ao menino aposse da mãe. E o menino éexpulso do mundo do amor, paraassumir a sua autonomia e, comela, a sua maturidade.Principalmente, a sua nudez, asua fraqueza, os seus limites. É àmedida que o homem se cinde

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do Jardim das Delíciasproporcionadas pela mulher-mãeque ele assume a sua condiçãomasculina.

Para poder se tornar homemem termos simbólicos, ele precisapassar pela punição maior que éa ameaça de morte pelo pai.Como Adão, o menino quermatar o pai, e este o pune,deixando-o só.

Assim, aquilo que se verificano decorrer dos séculos, isto é, atransição das culturas de coleta

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para a civilização agrária maisavançada, é relembradosimbolicamente na vida de cadaum dos homens do mundo dehoje. Mas duas observaçõesdevem ser feitas. A primeira éque o pivô das duas tragédias, aindividual e a coletiva, é amulher; e a segunda, que oconhecimento condenado não éo conhecimento dissociado eabstrato que daí por diante será oconhecimento dominante, massim o conhecimento do bem e do

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mal, que vem da experiênciaconcreta do prazer e dasexualidade, o conhecimentototalizante que integrainteligência e emoção, corpo ealma, enfim, aqueleconhecimento que é,especificamente na culturapatriarcal, o conhecimentofeminino por excelência.

Freud dizia que a naturezatinha sido madrasta para amulher porque esta não eracapaz de simbolizar de modo tão

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perfeito como o homem. De fato,para podermos entender amisoginia que caracterizará acultura patriarcal daí por diante,é preciso analisar a maneiracomo as ciências psicológicasrecentes apontam para umaestrutura psíquica feminina bemdiferente da masculina.

Na mesma idade na qual omenino conhece a tragédia dacastração imaginária, a meninaresolve de outra maneira oconflito que a conduzirá à

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maturidade. Por já ser castrada –isto é, porque não tem pênis (osímbolo do poder e do prazer, nopatriarcado) –, quando seudesejo a leva para o pai, ela nãoentra em conflito com a mãe demaneira tão trágica e agudacomo o menino entra com o pai,por causa da mãe. Por já sercastrada, não tem nada a perder.E sua identificação com a mãe seresolve sem grandes traumas. Elanão se desliga inteiramente dasfontes arcaicas do prazer (o corpo

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da mãe). Por isso, também, nãohá uma cisão de si mesma nemde suas emoções como acontececom o homem. Para o resto dasua vida, conhecimento e prazer,emoção e inteligência são maisintegrados na mulher do que nohomem e, por isso, são perigosose desestabilizadores de umsistema que repousa inteiramenteno controle, no poder e,portanto, no conhecimentodissociado da emoção e, por isso,abstrato.

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De agora em diante, poder,competitividade, conhecimento,controle, manipulação, abstraçãoe violência caminham juntos. Oamor, a integração com o meioambiente e com as própriasemoções são os elementos maisdesestabilizadores da ordemvigente. Por isso é precisoprecaver-se de todas as maneirascontra a mulher, impedi-la deinterferir nos processosdecisórios, fazer com que elaintrojete uma ideologia que a

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convença de sua própriainferioridade em relação aohomem.

E não espanta que na própriaBíblia encontremos o primeiroindício dessa desigualdade entrehomens e mulheres. QuandoDeus cria o homem, Ele o cria só,e apenas depois tira acompanheira da costela deste.Em outras palavras: o primeirohomem dá à luz (pare) aprimeira mulher. Esse fenômenopsicológico de deslocamento é

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um mecanismo de defesaconhecido por todos aqueles quelidam com a psique humana, eserve para revelar escondendo.Tirar da costela é menos violentodo que tirar do próprio ventre,mas, em outras palavras, apontapara a mesma direção. Agora,parir é ato que não está maisligado ao sagrado e é, antes, maisuma vulnerabilidade do que umaforça. A mulher se inferiorizapelo próprio fato de parir, queoutrora lhe assegurava a

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grandeza. A grandeza agorapertence ao homem, quetrabalha e domina a natureza.

Já não é mais o homem queinveja a mulher. Agora é amulher que inveja o homem e édependente dele. Carente,vulnerável, seu desejo é o centroda sua punição. Ela passa a se vercom os olhos do homem, isto é,sua identidade não está maisnela mesma e sim em outro. Ohomem é autônomo e a mulher éreflexa. Daqui em diante, como o

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pobre se vê com os olhos do rico,a mulher se vê pelo homem.

Desde a época em que oGênesis foi escrito, até os nossosdias, isto é, de alguns milêniospara cá, essa narrativa básica danossa cultura patriarcal temservido ininterruptamente paramanter a mulher em seu devidolugar. E, aliás, com muitaeficiência. A partir desse texto, amulher é vista como a tentadorado homem, aquela que perturbaa sua relação com a

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transcendência e também aquelaque conflitua as relações entre oshomens. Ela é ligada à natureza,à carne, ao sexo e ao prazer,domínios que devem serrigorosamente normatizados: aserpente, que nas erasmatricêntricas era o símbolo dafertilidade e tida na mais altaestima como símbolo máximo dasabedoria, se transforma noDemônio, no tentador, na fontede todo pecado. E ao Demônio éalocado o pecado por excelência,

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o pecado da carne. Coloca-se nosexo o pecado supremo e, assim,o poder fica imune à crítica.Apenas nos tempos modernos setenta deslocar o pecado dasexualidade para o poder. Isto é,até hoje não só o homem comoas classes dominantes tiveramseu status sacralizado porque amulher e a sexualidade forampenalizadas como causa máximada degradação humana.

O Malleus como continuação do

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Gênesis

Enquanto se escrevia o Gênesisno Oriente Médio, as grandesculturas patriarcais iam sesucedendo. Na Grécia, o statusda mulher foi extremamentedegradado. O homossexualismoera prática comum entre oshomens e as mulheres ficavamexclusivamente reduzidas às suasfunções de mãe, prostituta oucortesã. Em Roma, emboradurante certo período tivessem

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bastante liberdade sexual, jamaischegaram a ter poder de decisãono Império. Quando oCristianismo se torna a religiãooficial dos romanos, no séculoIV, a Idade Média se inicia. Algonovo acontece. E aqui nosdeteremos porque é o períodoque mais nos interessa.

Do terceiro ao décimoséculos, alonga-se um períodoem que o Cristianismo sesedimenta entre as tribosbárbaras da Europa. Nesse

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período de conflito de valores, asituação da mulher é muitoconfusa. Contudo, ela tende aocupar lugar de destaque nomundo das decisões, porque oshomens se ausentavam muito emorriam nos períodos de guerra.Em poucas palavras: as mulhereseram jogadas ao domínio públicoquando havia escassez dehomens e voltavam ao domínioprivado quando os homensreassumiam o seu lugar nacultura.

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Na alta Idade Média, acondição das mulheres floresce.Elas têm acesso às artes, àsciências, à literatura. Umamonja, por exemplo, Hrosvithade Gandersheim, foi o únicopoeta da Europa durante cincoséculos. Isso acontece durante asCruzadas, período em que não sóa Igreja alcança seu maior podertemporal como, também, omundo se prepara para asgrandes transformações queviriam séculos mais tarde, com a

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Renascença.E é logo depois dessa época,

no período que vai do fim doséculo XIV até meados do séculoXVIII, que aconteceu ofenômeno generalizado em todaa Europa: a repressão sistemáticado feminino. Estamos nosreferindo aos quatro séculos de“caça às bruxas”.

Deirdre English e BarbaraEhrenreich, em seu livro Witches,Nurses and Midwives (TheFeminist Press, 1973), nos dão

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estatísticas aterradoras do que foia queima de mulheres feiticeirasem fogueiras durante essesquatro séculos. “A extensão dacaça às bruxas é espantosa. Nofim do século XV e no começodo século XVI, houve milhares emilhares de execuções –usualmente eram queimadasvivas na fogueira – na Alemanha,na Itália e em outros países. Apartir de meados do século XVI,o terror se espalhou por toda aEuropa, começando pela França

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e pela Inglaterra. Um escritorestimou o número de execuçõesem seiscentas por ano para certascidades, uma média de duas pordia, ‘exceto aos domingos’.Novecentas bruxas foramexecutadas num único ano naárea de Wertzberg, e cerca de milna diocese de Como. EmToulouse, quatrocentas foramassassinadas num único dia; noarcebispado de Trier, em 1585,duas aldeias foram deixadasapenas com duas moradoras cada

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uma. Muitos escritoresestimaram que o número total demulheres executadas subia à casados milhões, e as mulheresconstituíam 85 por cento detodos os bruxos e bruxas queforam executados.”

Outros cálculos levantadospor Marilyn French, em seu jácitado livro, mostram que onúmero mínimo de mulheresqueimadas vivas é de cem mil.

E por que tudo isso?

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Desde a mais remotaantiguidade, as mulheres eram ascuradoras populares, as parteiras,enfim, detinham saber próprio,que lhes era transmitido degeração em geração. Em muitastribos primitivas eram elas asxamãs. Na Idade Média, seusaber se intensifica e aprofunda.As mulheres camponesas pobresnão tinham como cuidar dasaúde, a não ser com outrasmulheres, tão camponesas e tãopobres quanto elas. Elas (as

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curadoras) eram as cultivadorasancestrais das ervas quedevolviam a saúde, e eramtambém as melhores anatomistasdo seu tempo. Eram as parteirasque viajavam de casa em casa, dealdeia em aldeia, e as médicaspopulares para todas as doenças.

Mais tarde elas vieram arepresentar uma ameaça. Emprimeiro lugar, ao poder médico,que vinha tomando corpo atravésdas universidades no interior dosistema feudal. Em segundo,

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porque formavam organizaçõespontuais (comunidades) que, aose juntarem, estruturavam vastasconfrarias, as quais trocavamentre si os segredos da cura docorpo e, muitas vezes, da alma.Mais tarde, ainda, essas mulheresvieram participar das revoltascamponesas que precederam acentralização dos feudos, osquais, posteriormente, dariamorigem às futuras nações.

A partir do final do séculoXIII, e com a finalidade de se

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perpetuar, o poder disperso efrouxo do sistema feudal parasobreviver é obrigado, a partir dofim do século XIII, a centralizar,a hierarquizar e a se organizarcom métodos políticos eideológicos mais modernos. Anoção de pátria aparece, mesmonessa época (Klausevitz).

A religião católica e depois aprotestante contribuem demaneira decisiva para essacentralização do poder. E ofizeram através dos tribunais da

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Inquisição que varreram aEuropa de norte a sul, leste eoeste, torturando e assassinandoem massa aqueles que eramjulgados heréticos ou bruxos.

Esse “expurgo” visavarecolocar dentro de regras decomportamento dominante asmassas camponesas submetidasmuitas vezes aos mais ferozesexcessos dos seus senhores,expostas à fome, à peste e àguerra, e que se rebelavam. Eprincipalmente as mulheres.

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Era essencial ao sistemacapitalista que estava sendoforjado no seio do feudalismoum controle estrito sobre o corpoe a sexualidade, conformeconstata a obra de MichelFoucault, História dasexualidade. Começa a seconstruir ali o corpo dócil dofuturo trabalhador, que vai seralienado do seu trabalho e não serebelará. A partir do século XVII,os controles atingemprofundidade e obsessividade

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tais que os menores, os mínimosdetalhes e gestos sãonormatizados. Todos, homens emulheres, passam a ser, então, ospróprios controladores de simesmos, a partir do mais íntimode suas mentes. É assim que seinstala o puritanismo, do qual seorigina, segundo Tawnwy e MaxWeber, o capitalismo avançadoanglo-saxão. Mas até chegar aesse ponto foi preciso usar demuita violência. Até meados daIdade Média, as regras morais do

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Cristianismo ainda não tinhampenetrado a fundo nas massaspopulares. Ainda existiam muitosnúcleos de “paganismo” e,mesmo entre os cristãos, oscontroles eram frouxos.

As regras convencionais sóeram válidas para as mulheres ehomens das classes dominantes,através dos quais se transmitiamo poder e a herança. Assim, osquatro séculos de perseguição àsbruxas e aos heréticos nadatinham de histeria coletiva, mas,

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ao contrário, foram umaperseguição muito bem calculadae planejada pelas classesdominantes, com o objetivo deconquistar maior centralização epoder.

Num mundo teocrático, atransgressão da fé era tambémtransgressão política. Mais ainda,a transgressão sexual quegrassava entre as massaspopulares. Assim, os Inquisidorestiveram a sabedoria de ligar atransgressão sexual à transgressão

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da fé. E punir as mulheres portudo isso. As grandes teses quepermitiram esse expurgo dofeminino e constituem as tesescentrais do Malleus Maleficarumsão:

1) O Demônio, com apermissão de Deus, procura fazero máximo de mal aos homens afim de apropriar-se do maiornúmero possível de almas.

2) E esse mal é feito,prioritariamente, através docorpo, único “lugar” onde o

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Demônio pode entrar, pois “oespírito [do homem] é governadopor Deus, a vontade por um anjoe o corpo pelas estrelas” (Parte I,Questão I). E porque as estrelassão inferiores aos espíritos e oDemônio é um espírito superior,só lhe resta o corpo paradominar.

3) E esse domínio lhe vematravés do controle e damanipulação dos atos sexuais.Pela sexualidade o Demôniopode apropriar-se do corpo e da

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alma dos homens. Foi pelasexualidade que o primeirohomem pecou e, portanto, asexualidade é o ponto maisvulnerável de todos os homens.

4) E como as mulheres estãoessencialmente ligadas àsexualidade, elas se tornam asagentes por excelência doDemônio (as feiticeiras). E asmulheres têm mais conivênciacom o Demônio “porque Evanasceu de uma costela torta deAdão, portanto, nenhuma

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mulher pode ser reta” (Parte I,Questão VI).

5) A primeira e maiorcaracterística, aquela que dá todoo poder às feiticeiras, é copularcom o Demônio. Satã é,portanto, o senhor do prazer.

6) Uma vez obtida aintimidade com o Demônio, asfeiticeiras são capazes dedesencadear todos os males,especialmente a impotênciamasculina, a impossibilidade delivrar-se de paixões

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desordenadas, abortos, oferendasde crianças a Satanás, estrago dascolheitas, doenças nos animaisetc.

7) E esses pecados eram maishediondos do que os própriospecados de Lúcifer quando darebelião dos anjos e dosprimeiros pais por ocasião daqueda, porque agora as bruxaspecam contra Deus e o Redentor(Cristo), e portanto esse crime éimperdoável e por isso só podeser resgatado com a tortura e a

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morte.Vemos assim que na mesma

época em que o mundo entravana Renascença, que resultará noIluminismo, processou-se a maisdelirante perseguição àsmulheres e ao prazer. Tudoaquilo que era embrionário nosegundo capítulo do Gênesistorna-se agora sinistramenteconcreto. Se nas culturas decoleta as mulheres eram quasesagradas por poderem ser férteise, portanto, eram as grandes

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estimuladoras da fecundidade danatureza, agora elas são, por suacapacidade orgástica, ascausadoras de todos os flagelos aessa mesma natureza. Sim,porque as feiticeiras seencontram apenas entre asmulheres orgásticas e ambiciosas(Parte I, Questão VI), isto é,aquelas que não tinham asexualidade ainda normatizada eprocuravam impor-se nodomínio público, exclusivo doshomens.

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Assim, o MalleusMaleficarum, por ser acontinuação popular do segundocapítulo do Gênesis, se torna atestemunha mais importante daestrutura do patriarcado e decomo essa estrutura funcionaconcretamente sobre a repressãoda mulher e do prazer.

De doadora da vida, símboloda fertilidade para as colheitas eos animais, a situação se inverte:a mulher é a primeira e a maiorpecadora, a origem de todas as

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ações nocivas ao homem, ànatureza e aos animais.

Durante três séculos oMalleus foi a bíblia dosInquisidores e esteve na banca detodos os julgamentos. No séculoXVIII, quando cessou a caça àsbruxas, houve grandetransformação na condiçãofeminina.

A sexualidade se normatiza eas mulheres se tornam frígidas,pois orgasmo era coisa do Diaboe, portanto, passível de punição.

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Reduzem-se exclusivamente aoâmbito doméstico, pois suaambição também era passível decastigo. O saber femininopopular cai na clandestinidade,quando não é assimilado comopróprio pelo poder médicomasculino já solidificado. Asmulheres não têm mais acesso aoestudo como na Idade Média epassam a transmitirvoluntariamente aos filhosvalores patriarcais então játotalmente introjetados por elas.

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É com a caça às bruxas que senormatiza o comportamento dehomens e mulheres europeus,tanto na área pública como nodomínio do privado.

E assim se passam os séculos.A sociedade de classes que já

está construída nos fins do séculoXVIII é composta detrabalhadores dóceis que nãoquestionam o sistema.

As bruxas do século XX

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Mais de dois séculos após otérmino da caça às bruxas,podemos ter uma noção das suasdimensões. No final do séculoXX, o que se nos apresentoucomo avaliação da sociedadeindustrial? Dois terços dahumanidade passam fome para oterço restante superalimentar-se;além disso existe a possibilidadeconcreta da destruiçãoinstantânea do planeta peloarsenal nuclear e,principalmente, a destruição

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lenta mas contínua do meioambiente, já quase sem retorno.A aceleração tecnológica mostra-se, portanto, muito mais louca doque o mais louco dosInquisidores.

Ainda no fim do século XX,outro fenômeno estavaacontecendo. Na mesma jovem,rompem-se dois tabus quecausaram a morte das feiticeiras:a inserção no mundo público e aprocura do prazer sem repressão.A mulher jovem liberta-se,

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porque o controle da sexualidadee a reclusão ao domínio privadoformam também os dois pilaresda opressão feminina.

Assim, as bruxas são legião apartir do século XX. E são bruxasque não podem ser queimadasvivas, pois são elas que trazem,pela primeira vez na história dopatriarcado, os valores femininospara o mundo masculino. Estareinserção do feminino nahistória, resgatando o prazer, asolidariedade, a não competição,

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a união com a natureza, talvezseja a única chance que a nossaespécie tenha de continuar viva.

Creio que com isso as nossasbruxinhas da Idade Médiapodem se considerar vingadas!

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Prefácio

O martelo dasfeiticeiras – Malleus

Maleficarum à luz deuma teoria simbólica

da história

Carlos Amadeu B. Byington*

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O século XX entrou em sua

última década perplexo diante dodesmoronamento da ideologiamaterialista que o empolgou,guiou e revolucionou. Acivilização industrial se dá conta,por seus próprios descaminhos,de uma grande falta de valorespara orientar seudesenvolvimento. Dasprofundezas geladas destadesidealização, reativam-se osarquétipos expressos nos mitos

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portadores dos símboloshistóricos que orientaram odesenvolvimento das culturas. Acivilização industrial e as ciênciasmodernas surgidas noRenascimento europeu, aoretornarem às suas raízes míticas,reencontram o mito cristão quelhes moldou os caminhos. Emsua bagagem, elas incluem doisséculos de psicologia paravivenciá-lo de forma diferente.Com menos fervor e fanatismotalvez, mas certamente com

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maior capacidade de separar amensagem fecunda dos símbolosdo mito das suas deformaçõeshistóricas.

A importância do papelcivilizatório do mito cristão noterceiro milênio deverá incluir acontinuação da elaboração dosseus símbolos que ainda nãopuderam ser devidamenteintegrados pela cultura. Nessesentido, o estudo dos pontoshistóricos estratégicos deestrangulamento da mensagem

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do mito formará um capítuloimportante da sua continuidade.

À medida que a mídia doprocesso civilizatório integrar osidiomas hispano-ibéricos nomundo moderno, a línguaportuguesa adquirirá outraimportância, diferente da quetem hoje. Dentro dessaperspectiva, a Editora Rosa dosTempos justificou seu nome e opioneirismo da personalidade dassuas quatro fundadoras ao

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traduzir para o português einaugurar suas atividades comesta obra.

O martelo das feiticeiras –Malleus Maleficarum é uma daspáginas mais terríveis doCristianismo. É difícil imaginarque durante três séculos ele foi abíblia do Inquisidor. Tentareidemonstrar que não por acaso foiescrito no esplendor doRenascimento e se transformouno apogeu ideológico epragmático da Inquisição contra

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a bruxaria, atingindointensamente as mulheres. Comoo leitor poderá verificarsobejamente por conta própria, éum manual de ódio, de tortura ede morte, no qual o maior crimeé o cometido pelo própriolegislador ao redigir a lei. Suasvítimas não nos deixaramtestemunho. É a própria sanhados legisladores, cuja loucura oslevou a expor orgulhosamenteseus crimes para a posteridade,que nos faz imaginar o terrível

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sofrimento passado pelosmilhares de pessoas, em suamaioria mulheres, muitas dasquais histéricas, que foram poreles torturadas e condenadas àprisão perpétua ou à morte.

O livro é diabólico na suaconcepção e redação. Divididoem três partes, a primeira cuidade enaltecer o Demônio compoderes divinos extremos e ligarsuas ações com a bruxaria. Isto éardilosamente articulado com aideologia repressiva da

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Inquisição, declarando-seherética qualquer descrençanesses postulados. Na segundaparte, ensina-se a reconhecer e aneutralizar a bruxaria nasvivências do dia a dia dapopulação. Uma pessoa deconduta diferente, uma brigaentre vizinhos, uma vaca que dámais ou menos leite, uma criançaque adoece, uma tempestade oua diminuição da potência sexual,qualquer ocorrência pode seratribuída à bruxaria. Trata-se de

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uma verdadeira religião doDiabo para explicar todos osmales da vida individual ecomunitária. É difícil imaginarque qualquer bruxo ou bruxa,por maior formação em ciênciajurídica que tivesse, conseguisselegislar sobre os poderes doDemônio com tantaprodigalidade. Na terceira parte,descrevem-se o julgamento e assentenças. Aí compreende-secomo o livro é ardiloso. Narealidade, as duas primeiras

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partes são escolasticamenteracionalizadas para justificar todasorte de aberrações e crueldadesmandadas executar na terceiraparte, um verdadeiro escoadouroda patologia cultural acumuladano milênio da Idade Média.

Ainda que delirante, sádico epuritano, não está aí a essênciada patologia do Malleus. Elaadvém, fundamentalmente, de otexto ter o objetivo de defender ede enaltecer Cristo, o que otransforma, loucamente, num

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código penal redigido porcriminosos eruditos, doutamentereferenciados no que havia demelhor na teologia cristã.Abençoados e protegidos porBula Papal, os InquisidoresSprenger e Kramer, queescreveram o Malleus, são umsintoma da Inquisição, o grandecâncer, a deformação psicótica domito cristão. Durante suainstitucionalização, o mito sesubdividiu. Uma parte preservoua essência da mensagem cristã e

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transformou a relação Eu/Outrodo padrão patriarcal para umpadrão de igualdade e interaçãocriativa. Outra deformou o mitoatravés da Inquisição e criou umaenorme dissociação culturalexpressa nas polaridadesCristo/Demônio e Santa MadreIgreja/bruxa. Uma históriasimbólica do Cristianismo nosmostra como a demonologia e oódio às mulheres cresceram àsexpensas da despotencializaçãodo papel cultural revolucionário

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dos símbolos de Cristo e daIgreja.

Esse poderosíssimo mito desalvação pelo amor foi a principalmatriz estruturante da chamadacivilização ocidental, dentro daqual se desenvolveu a ciênciamoderna e se forjou a identidadedas nações europeias eamericanas.

A essência do mito está emdois mandamentos:

“Amarás pois o Senhor teuDeus de todo o teu coração, de

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toda a tua alma, de todo o teuentendimento e de toda a tuaforça... Amarás o próximo comoa ti mesmo.” (Mateus, 22:37-39)

“Eu não vos deixareidesamparados; Eu virei a vós.Dentro de pouco tempo, omundo não me verá mais. Masvós me vedes e porque eu vivo,vós vivereis. Nesse dia, sabereisque eu sou no meu Pai, vós emmim e eu em vós. Aquele quetem meus mandamentos e osguarda, esse me ama; e aquele

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que me ama será amado por meuPai, e eu o amarei e me mostrareia ele.” (João, 14:18-21)

A tarefa deste prefácio éexplicar como esse mito desolidariedade humana pôde sertão deformado a ponto deproduzir a Inquisição e oMalleus. Buscarei essacompreensão em uma teoriasimbólica da história e dacultura.1 Parece-me que somenteuma perspectiva simbólica dodesenvolvimento normal e

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patológico da cultura pode tornarcompreensível tamanhaaberração.

Do ponto de vista dapsicopatologia simbólica coletiva,o paralelo comumente feito entrea Inquisição e o nazismo éimportante para ilustrar o que é apsicose paranoide cultural. Aforaa duração de uma ser medida emalgumas décadas e da outra emmuitos séculos, esta comparaçãonecessita delimitar uma grandediferença, que é a patologia do

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caráter coletivo que acompanhoua Inquisição. Os nazistasassassinavam suas vítimas porquese julgavam puros e elas,impuras. Ao aniquilá-las,buscavam formar uma novahumanidade, racialmenteaprimorada. Sua psicoseexpressava a projeção de suaSombra (seus complexosinconscientes), mas não incluía,num mesmo grau decomprometimento, a patologiacoletiva do caráter. Assim, não

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necessitaram distorcer ohumanismo ocidental parajustificar seus crimes. Aoendeusar sua megalomaniaparanoide, repudiaram toda afundamentação humanista dacultura ocidental. Daí suaidentificação ideológica maciçacom a psicose anticristã eantissemita de Nietzsche.

A Inquisição também sejulgava megalomaniacamentepurificadora e projetava de formaparanoide sua própria sombra (os

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complexos culturaisinconscientes) nos hereges quetorturava e matava. No entanto,não só não repudiava ohumanismo cristão como sefundamentava teologicamentenele para perpetrar seus crimes.Ao torturar e matar, osInquisidores diziam lutar contrao Demônio para salvar a alma devolta para Cristo. Tudo istofaziam como especialistas noestudo dos Evangelhos e no seuconteúdo humanista. Dessa

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maneira, junto com a projeçãopsicótica, a Inquisiçãoapresentava uma patologiacoletiva do caráter (psicopática),através da qual distorcia opensamento dos maiores santos edoutores da Igreja, como, porexemplo, Santo Agostinho eSanto Tomás de Aquino, pararacionalizar sua própria condutapatológica, motivadainconscientemente pelasdeformações psicológicasoriundas de séculos de repressão.

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É por meio do estudo dadistorção progressiva dossímbolos do mito cristão quepodemos compreender essasdeformações e avaliardevidamente o grau decomprometimento patológicocultural que expressaram.

Entendo por históriasimbólica aquela que percebe osacontecimentos históricos comosímbolos da transformação doself cultural. Jung concebeu o selfcomo a interação das forças

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conscientes e inconscientes napsique. Vejo também o self ou sercultural como a interação dasforças conscientes e inconscientesnas instituições, nos costumes,nas leis, na imprensa, em tudo,enfim. Cada parte, por menorque seja, é sempre a expressãodesse todo. Podemos perceber oseventos históricos, expressando avida e a transformação dessetodo, e, assim, conceber umateoria simbólica da história.2

Como no self individual, a

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sombra do self cultural é formadapor símbolos e complexos(conjunto de símbolos) que nãoforam devidamente elaborados epermaneceram inconscientesdurante a história de cadaindivíduo e de cada cultura.

Os arquétipos são as matrizesdo funcionamento dos símbolosque expressam a normalidade e apatologia. Da mesma forma quecada mineral tem seu ângulo decristalização que o caracteriza, eos vegetais têm formas especiais

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de crescimento e reprodução, osanimais têm padrões típicos decomportamento para cadaespécie. A psique humana temarquétipos que são matrizes quecoordenam a maneira como elaforma suas imagens e organizaseu funcionamento. Os principaisarquétipos organizam até mesmoa maneira como o Eu se relacionacom o Outro na consciência, ouseja, como a consciência lida comos símbolos.3 O arquétipo doHerói, por exemplo, coordena

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uma série de símbolos de formacaracterística para expressar arealização de grandes feitos. Avida dos profetas, e dentre elesJesus, expressou muitos feitosque são símbolos dessearquétipo. Isto é válido tantopara a psique individual quantopara a psique grupal, como sãoem grau crescente a instituição, acultura e, num nível maisabrangente ainda, a psiqueplanetária. Na história dapersonalidade e da cultura,

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certos padrões de funcionamentoda consciência que sãoarquetípicos se tornamdominantes e depois cedem suadominância a outros. É o queveremos acontecer na históriasimbólica do Cristianismo.

Apesar de somenteoficializada pelas Bulas Papais doséculo XII em diante, aInquisição tem suas origensremotas na época em que se fez aredação final do NovoTestamento, marcada pela

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censura e pelo reducionismopatriarcais. Os Evangelhos deTomé, de Filipe e de Maria,desenterrados junto com outrosescritos gnósticos no Egito em1945, e que ficaram conhecidoscomo a Biblioteca de NagHamadi,4 atribuem um papelmuito relevante às mulheres namensagem de Cristo,especialmente Maria Madalena.Segundo os Evangelhos de Filipee de Maria, ela seria umaapóstola iniciada por Jesus, sendo

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mesmo a sua preferida.“Pedro respondeu [a

Maria]... Ele realmente falouparticularmente assim a umamulher e não abertamente a nós?Ele preferiu ela a nós?”

“Maria chorou e disse aPedro: – Pedro, meu irmão, oque pensas? Acreditas por acasoque inventei estas histórias emmeu coração e minto sobre oSalvador? – Levi respondeu aPedro: – Pedro, você sempre foiimpetuoso. Agora vejo você

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atacando a mulher como a umadversário. Mas se o Salvador avalorizou, quem é você pararejeitá-la? Certamente, oSalvador a conhece muito bem.Por isso é que ele a amou maisdo que a nós.”5

Esses escritos descrevem,também, uma série de rituaisdionisíacos, ligados à mulher, ànatureza e ao corpo, inclusive àdança, que seriam praticadospelos apóstolos. Esta seria umadas tendências dos seguidores de

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Cristo. Uma outra tendência,rival a esta e liderada por Pedro,reprimia a mulher no apostoladoe tornou-se, com o tempo, adoutrina oficial da Igreja. “SimãoPedro disse a eles: ‘Que Marianos deixe porque as mulheresnão são dignas do espírito.’”6

O desenvolvimento doCristianismo se deu através doImpério Romano,eminentemente patriarcal. Aconversão do Império não se fezde baixo para cima, mas de cima

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para baixo, e, por isso, a estruturapatriarcal do Império poucomudou com a sua conversão. Elacontinuou com uma grande basepatriarcal, apesar de, daí pordiante, se denominar cristã. Suaconversão real com a integraçãodos símbolos propostos no mitocristão continuou através dosséculos e, até hoje, está longe dese concluir. Isto não ésurpreendente porque na raizdesse mito está o arquétipo daAlteridade, e, como sabemos, um

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arquétipo, por mais quetransforme a consciência, nuncaa domina totalmente, poissempre compete com muitosoutros arquétipos,principalmente com dois grandesarquétipos básicos da psique.7

Os arquétipos da GrandeMãe e do Pai são os doisarquétipos básicos da psique. Elestêm um poder psicológico tãogrande que a dominância de umtende a desequilibrar o selfindividual ou cultural às

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expensas das características dooutro. O dinamismo matriarcal(arquétipo da Grande Mãe) éregido pelo princípio do prazer,da sensualidade e da fertilidade.Por isso, nas culturas, ele égeralmente representado pelasdeusas e deuses das forças danatureza. Por outro lado, odinamismo patriarcal (arquétipodo Pai) é regido pelo princípio daordem, do dever e do desafio dastarefas. O poder, com o qual seimpõe, divide a vida em

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polaridades altamente desiguais eexclusivamente opostas comobom e mau, certo e errado, justoe injusto, forte e fraco, bonito efeio, sucesso e fracasso. Estaspolaridades estão reunidas emsistemas lógicos e racionais. Seusdeuses, deusas e ideais sãoconquistadores e legisladores. Foiesse dinamismo que codificou ospapéis sociais rígidos do homeme da mulher, atribuindo a elauma condição inferior junto coma maioria das funções

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matriarcais. Esse dinamismo écaracterístico das guerras deconquista, das sociedades declasse com acentuada hierarquiasocial e rígida codificaçãoideológica da conduta.

Os arquétipos da Alteridadeque coordenam os símbolos domito cristão são os arquétipos daAnima, na personalidade dohomem, e do Animus, napersonalidade da mulher. Osarquétipos da Alteridadepropiciam a diferenciação e o

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encontro igualitário do Eu com oOutro dentro do todo,respeitando suas diferenças. Estessão os arquétipos do amorconjugal, da democracia e daciência, pois neles a relaçãoEu/Outro necessita de liberdadede expressão e de igualdade dedireitos dentro da qual sevivenciam as diferenças.

O padrão de alteridade é opadrão arquetípico central domito cristão no qual é expressopor uma mensagem de amor.

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Pelo fato de ser arquetípico, essepadrão existe nas culturasexpresso de forma variável e maisou menos intensa, dependendoda época histórica queatravessam. Por que teria sido eletão intensificado na época deJesus a ponto de ter dominadode forma messiânica a suapregação heroica? Ou seja, porque naquele momento dahistória da humanidade foi elecorrelacionado com a salvação daespécie?

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A corrente messiânica nomisticismo judaico foi sempremuito importante, geralmenteorientada pelo nacionalismocultural histórico patriarcal,exuberantemente expresso porDavi e Salomão. Outras correntesmísticas como aquelascentralizadas nos mistérios daCabala cultivavam o femininomístico, interagindoigualitariamente com omasculino, e eram, assim, regidaspelo padrão de alteridade. No

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mito cristão, esse padrão surgecomo mensagem de salvação daalma a ser buscada individual esocialmente através do amor.

Reprimidos pelos exércitosromanos, os judeus sepreparavam para uma grandesublevação da qual tinham poucachance de sobrevivência. Avivência cultural de genocídioera, por isso, muito intensa.

Tanto a cultura judaicaquanto a romana, apesar depossuírem, como as demais

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culturas, acentuadoscomponentes matriarcais, dealteridade e cósmicos, estavam,naquela situação histórica,intensamente dominadas pelodinamismo patriarcal, no qual arelação do Eu com o Outro éfortemente assimétrica. Em nívelde poder social, este é umdinamismo guerreiro ecentralizado que levaforçosamente a uma relação deopressão, submissão e revoltaque, neste caso, equivaleria a

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genocídio, uma vez que lutarcontra Roma equivaleria aomassacre dos judeus, o queaconteceu efetivamente no ano70. Acredito ter sido estecomponente tão importante queuma corrente da tradiçãomessiânica judaica encarnounaquele momento histórico umaproposta heroica de mudança dedominância de padrãoarquetípico. Assim,paralelamente ao messianismopatriarcal guerreiro, surgiu, nessa

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crise cultural, o messianismo dealteridade encarnadohistoricamente na vida e nocorpo de Jesus. Esta mudança depadrão arquetípico no confrontoentre nações, que aconteceu noOriente Médio há quase doismilênios, possivelmente devido àimportância das civilizaçõesjudaica e romana, foi um marcopara todo o futuro dahumanidade. De fato,atualmente, o que comprovamosde forma crescente é que se torna

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cada vez mais difícil o confrontodas nações através do embatedominador/dominado,característico do dinamismopatriarcal. Com o aumento dopoderio tecnológico bélico,brevemente isso se tornaráimpossível, sem que o conflitoinclua o genocídio e comprometaa vida no planeta. O caminho daalteridade é cada dia mais ocaminho da sobrevivência daespécie e daí, a meu ver, afortíssima conotação messiânica e

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de transformação social do mitocristão. É importante perceberesse alto conteúdo revolucionárioda alteridade na vigência dadominância patriarcal com oobjetivo de compreendermos asdefesas reacionárias, patriarcais,que se formaram junto com aimplantação cultural do mito – aprincipal das quais foi a obraterrível da Inquisição. Estaexemplifica uma característicabásica da psique. Seja nadimensão individual ou coletiva,

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suas maiores deformaçõespatológicas têm origem noferimento da própria forçacriativa e transformadora de seusgrandes arquétipos.

Os arquétipos da alteridadese diferenciam dos arquétiposparentais pela maneira comovivenciam os símbolos. Tornam-se libertadores por dois motivos.O primeiro é por necessitarem daliberdade para vivenciarem aplenitude do encontro do Eucom o Outro. O segundo é por

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resgatarem os símbolos dadominância matriarcal oupatriarcal que, em qualquerépoca ou circunstância, estejamreduzindo a vivência simbólica.São nessas duas instâncias que osarquétipos da Alteridade colidemcom os padrões ou dinamismosparentais.

Devido à dominância doarquétipo do Pai na cultura, foicom ele que os arquétipos deAlteridade mais colidiramdurante a institucionalização do

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mito cristão. O trabalhoexcepcional no Sabath, aproteção da prostitutaapedrejada, a defesa dos fracos eoprimidos, o desapego àpropriedade privada, o virar aoutra face, a substituição dopoder pelo amor na interaçãoEu/Outro e principalmente orelacionamento da alteridadecom a vida eterna, ilustrado pelaressurreição de Lázaro e dopróprio Messias, foramcaracterísticas introduzidas pela

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mensagem cristã que colidiramfrontalmente com o dinamismopatriarcal. Os milagres damultiplicação dos pães e dospeixes podem ser relacionadoscom o resgate do dinamismomatriarcal oprimido. Os milagresda transformação da água emvinho nas bodas de Caná e daressurreição e o amor a Deus, ouseja, a totalidade, acima de tudorelacionadas com o amor aopróximo como a si mesmo, são ossímbolos que mais situam o

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padrão de relação Eu/Outro nodinamismo de alteridadepropriamente. É que esse padrãonão pode ser simplesmentelimitado à relação igualitáriaEu/Outro, mas necessita que estarelação se faça em função dotodo.

Assim, a história simbólica doCristianismo é demarcada peloconflito entre a implantação dopadrão de alteridade no selfcultural e sua repatriarcalizaçãoreacionária, oriunda das

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tradições culturais judaicas eromanas e da obrauniformizadora e repressiva daInquisição.

Abordarei pela perspectivasimbólica alguns aspectosimportantes para ilustrar adeformação histórica que sofreuo mito durante a suainstitucionalização, delimitada,por um lado, pela abrangênciainstitucional na Inquisição e, poroutro, pelo crescimento dosímbolo do Demônio e da

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bruxaria como sua consequênciamais direta e nefasta. AInquisição perseguia o Demônioe as bruxas de modo manifesto.Na dinâmica simbólica do mito,porém, ela os fortalecia,progressivamente, às expensas damutilação crescente do heróimessiânico de alteridade e dacriatividade institucional daIgreja. Aparentemente, aInquisição protegia Cristo e suaIgreja. No entanto, na realidade,ela os despotencializava como

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símbolos transformadores, pelapatriarcalização reacionária. Éeste caminho simbólico que nospermitirá compreender as origense as consequências dasmonstruosidades do Malleus,concebidas, aperfeiçoadas epraticadas em nome de Cristo eda Santa Madre Igreja.

A extraordinária dominânciapatriarcal do Império Romanocontribuiu desde sua conversãopara a patriarcalizaçãoreacionária do mito. Nunca é

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pouco lembrar que os mesmoscenturiões que conduziram oscristãos para a arena passaram aperseguir os hereges. A própriavisão lendária de Constantino,que teria se convertido aoCristianismo ao ver a cruz defogo no céu, ilustra a submissãoda cruz à espada patriarcal dosexércitos romanos, deformandoradicalmente a mensagem cristãdesde o primeiro momento desua institucionalização. Éimportante, também, perceber a

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repatriarcalização metodológicapor Constantino no primeiroconcílio da Igreja, o Concílio deNiceia, em 325.8 Discutiam-se asideias de Arius, sobre a diferençade natureza do Filho e do Pai naTrindade. A intervenção deConstantino não foi a favor nemcontra, mas no sentido de que,qualquer conclusão a quechegassem os bispos, ele exigiaque fosse uma só. A centralizaçãoe unificação ideológica, tãocaracterísticas do dinamismo

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patriarcal, fundamentaram adoutrina da Igreja e se tornaramo principal referencial nocombate às heresias. Mas qual afunção simbólica das heresias noself cultural?

Contrariamente àcentralização dogmáticapatriarcal, o padrão de alteridadese caracteriza pela interaçãodemocrática de correntesdiversas para transformar ossímbolos e construir a cultura.Haeresis, do latim, significa

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escola de pensamento, religiosaou filosófica. Para serprofundamente elaborado comorequer um mito de talenvergadura, seriam necessáriasmuitas heresias, ou seja, muitasescalas de pensamento operandodurante muitos séculos dentrodas suas instituições. No entanto,a unificação ideológica patriarcaldo Santo Ofício até hojeconsidera merecedora derepressão qualquer formulaçãoherética sobre Cristo. É

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significativo que já no século IV(375) o herege espanholPrisciliano foi condenado àmorte pelo imperador Maximus.São Martinho, Santo Ambrósio eSão Leo condenaramradicalmente o procedimento.São João Crisóstomo escreveuque “condenar um herege àmorte era introduzir na terra umcrime inexpiável”. Contudo, oprocesso repressor estava emandamento junto com arepatriarcalização do mito e foi se

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aperfeiçoando com os séculos. OMalleus é um dos seus frutosmais amadurecidos. Ao nosdarmos conta de que a repressãode início é contra atos edeclarações e no decorrer dosséculos vai se dirigindo mais emais contra estados deconsciência, podemos perceberque a repatriarcalizaçãoconstruía-se no mito, junto comas suas conquistas de alteridademais valorosas, como umaserpente que fabrica seu veneno

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com o sangue de sua presa.Assim, a descoberta daimportância da imaginação naelaboração dos símbolos do mitoservia como motivo para codificá-la e cerceá-la.

Salta aos olhos do bom sensoque o Malleus é um compêndioque só pode ter sido produzidopor mentes gravementeenfermas. Trata-se, porém, deuma patologia cultural que seriamutilante reduzir à problemáticaindividual. O conteúdo lógico do

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seu texto, cuja psicopatologiaoscila entre o dinamismopsicótico-paranoide-delirante e odinamismo psicopático-perverso,apresenta uma forma de pensar,um verdadeiro fio de Ariadneguiado pelo raciocínio psicológicono labirinto da sua loucura. Parase compreender o enraizamentodessa patologia no self cultural doOcidente é preciso compreendera relação do mito cristão e ahistória do Cristianismo com odesenvolvimento psicológico da

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personalidade e da cultura.O Cristianismo é uma religião

baseada na salvação pelo amor.Mas na salvação de quê? Nasalvação da alma afastada deDeus pelo pecado. Mas o que é opecado? É se estar afastado doamor de Deus em pensamentoou ação. Esse estar com Deusprecisa, então, ser construídopermanentemente. A própriainconsciência tem afinidade como pecado, como ilustra o pecadooriginal portado pelos recém-

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nascidos. A diferenciaçãopermanente da consciênciaindividual e coletiva é, pois,inseparável da busca cristã desalvação.

Essa proposta de busca desalvação lançou os cristãos numquestionamento psicológicointenso para compreender, porum lado, o próprio mito e inserirnele a vida e a Paixão de Cristo e,por outro, o estado da alma decada fiel, ou seja, sua avaliaçãopsicológica em função do pecado

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– o que, em termos junguianos,chamamos a relação do Ego coma Sombra.

O exame de consciência setornou, assim, a prática centraldo Cristianismo. Seu auxílio eorientação por fiéis maisexperimentados instituíram aprática da confissão. A almapreparada pela elaboração dosseus pecados é encaminhadapara a comunhão com Cristo noritual da missa, no qual se operao milagre da transformação do

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pão no corpo e do vinho nosangue do Salvador, como elepróprio instruíra.

A criatividade desse processoexige uma dedicação enorme àreflexão psicológica, e foi por issoque o fenômeno do monacatoacompanhou ainstitucionalização do mito. É nareflexão introvertida dosmonastérios que se formou e seavolumou durante séculos umenorme conhecimentopsicológico como já nos ilustra a

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grandiosa figura de SantoAgostinho no século V. O Euindividual e a consciênciacoletiva adquiriram profundaexperiência na elaboração desímbolos oriundos das vivênciashumanas as mais diversas.Durante o milênio que foi aIdade Média (400-1400), o mitoexerceu seu processo civilizatóriocom enorme crescimento ediferenciação da dimensãosubjetiva. Só faz sentidodenominar a Idade Média de

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“idade das trevas” se quisermosdizer que é na escuridão que sefabrica a luz. De fato, essaintroversão monástica foi a raizda exuberante explosãoextrovertida do Renascimentoque frutificou no humanismomoderno. Quando abrimosplenamente nossa visão para adimensão simbólica do mito esua influência na história,podemos relacionar tanto aIdade Média com o milênio naelaboração da morte sacrificial do

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Messias quanto o Renascimentocom a glória da sua Ressurreição.

Como explicar, porém, que éno ano de 1484, portanto, noapogeu do Renascimento, que opapa Inocêncio VIII dá plenospoderes, chamando-lhes meusqueridos filhos, aos Inquisidoresdominicanos e professores deteologia, Kramer e Sprenger, queescreveram o Malleus? É na lutaentre as forças criativas doarquétipo da Alteridade e asforças patriarcais reacionárias da

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Inquisição que encontramos aresposta, pois quanto mais cresciauma, mais a outra seintensificava, num confrontoterrivelmente estressante epatologizador do self cultural.

O século XIII é muitoilustrativo desse conflito dearquétipos, verdadeira luta degigantes na alma coletivaeuropeia e na própria Igreja. Émarcado pela erudição de SantoTomás de Aquino e a síntesearistotélico-tomista que, ao

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reunir o imenso acervo deconhecimento psicológicoacumulado pelo Cristianismo àfilosofia essencialmenteextrovertida de Aristóteles,preparava a Europa para oRenascimento, o berço fecundodas artes e ciências modernas. Éno início desse século, em 1209,que se deu o famoso encontro,na basílica de São Pedro, entre opapa Inocêncio III e SãoFrancisco de Assis.

O crescimento da repressão

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às heresias acompanhou aambição do poder temporal e acentralização e unificaçãodogmática do Cristianismo. Essastrês características, que compõema repatriarcalização progressivado mito, atingem um ápice nopapado de Inocêncio III. Osermão que escolheu para suasagração, “Eu vos estabeleciacima das nações e dos reinos”(Jer. 1:10), expressou suaambição de dominar não só osCéus mas também as “nações e

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os reinos”. E conseguiu. Nadamais patriarcal do que estaideologia. Foi durante o seupapado (1198-1216) que seestabeleceu, definitivamente, apena de morte contra os hereges.Sua dedicação militar àsCruzadas determinou a Cruzadaque massacrou os albigenses nosul da França em 1209. Asexecuções em massa destaCruzada superaram todas asmedidas repressivas anteriores eestabeleceram a Inquisição

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oficialmente como a instituiçãocultural do terror em nome da fé.

A tensão interna crescente naIgreja e, por conseguinte, no selfcultural europeu é ilustrada pelofato de, no mesmo ano de 1209,em que foram massacrados osalbigenses, Inocêncio III terreconhecido oficialmente, nabasílica de São Pedro, a SãoFrancisco de Assis e a seus 11companheiros andrajosos comoseguidores de Cristo. De umlado, a unificação ideológica, a

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ambição do poder político, aintolerância da contestação,baseadas na coação moral efísica, apoiadas na excomunhão,no confisco de bens, na guerra deconquista, na tortura, na prisãoperpétua e na pena de morte emnome de Cristo. Do outro, odespojamento total e a entregasocial, física e espiritual peloamor a Cristo. Que símbolo, comesta importância histórica,aguentaria sofrer tensões tãoopostas durante a sua elaboração

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sem produzir graves dissociaçõespsíquicas individuais e coletivas?

A elaboração dos símbolos noself individual e cultural écoordenada por arquétipos e vaiaos poucos formando aidentidade do Eu e do Outro naconsciência. A elaboraçãosimbólica é a atividade central dapsique. Em qualquer momento,as psiques individual e coletivaapresentam um incontávelnúmero de símbolos em grausvariáveis de elaboração. Esse

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processo tem duração variável,dependendo da sua cargaarquetípica. Os arquétipos comopadrões de funcionamentonunca se esgotam, mas suaativação para a elaboração dedeterminados símbolos tem umaduração proporcional àimportância do símbolo e àsdificuldades de sua elaboração.Assim, a elaboração de umsímbolo pode durar momentos,dias, anos ou milênios, como é ocaso do símbolo de Cristo e do

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seu processo deinstitucionalização.

Quando a elaboração de umdeterminado símbolo não recebeda consciência todo oengajamento de que necessita,esses símbolos são atuadosparcialmente inconscientes. Essaatuação inconsciente de partessimbólicas foi denominada desombra, por Jung. A sombranormalmente expressa símbolosou partes simbólicas de difícilaceitação moral ou que dão

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muito trabalho ou que ainda nãotivemos tempo de atender. Porisso, a atuação dos símbolos dasombra é inadequada e semprenos cria problemas. Ao mesmotempo, seu confronto énecessário porque seu conteúdoé imprescindível para acontinuação do desenvolvimentopsicológico individual e coletivo.

Há partes da sombra, noentanto, que são de acesso muitodifícil à consciência, pelo fato deconterem defesas ao seu redor.

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Como descreveu Freud, asdefesas impedem o acesso dossímbolos à consciência e geramresistências à sua aproximação.As defesas dissociam a psique esão a condição básica para aformação da doença mental.Assim, denominei a parte dasombra cercada por defesas desombra patológica. A sombrapatológica dos símbolos de Cristoe da Igreja formaramprogressivamente os símbolos doDemônio e de suas bruxas. A

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principal tese deste prefácio éque a formação progressiva dasombra patológica dos símbolosde Cristo e da Igreja alimentou ocrescimento cada vez maior dossímbolos do Demônio e dabruxas, patologizandoprogressivamente a implantaçãodo mito cristão e ofuncionamento do self cultural.

As dificuldades para aintegração dos arquétipos daAlteridade são muito grandes,sobretudo na vigência de uma

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dominância patriarcal tão extensacomo a encontrada peloCristianismo nas tradiçõesjudaicas e nas instituições doImpério Romano.Independentemente disso,porém, o padrão de alteridade émuito mais difícil de ser operadopelo Eu do que os padrõespatriarcal e matriarcal, devido ànecessidade de despojamento. Oapego à sensualidade matriarcaldo prazer imediato e o apego aopoder patriarcal tolhem o

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desprendimento do Eunecessário para a sua interaçãoigualitária com o Outro a cadanova situação existencial. Acriatividade necessária ao Eupara o desempenho da alteridadeexige liberdade e abertura para onovo, para se confrontar omistério do mundo e da vida,incompatíveis com os apegosmatriarcal e patriarcal, quetendem a generalizar e aestereotipar a conduta. O padrãode alteridade elabora os símbolos

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com uma profundidade muitomaior que os padrões matriarcale patriarcal e, por isso, seudispêndio de energia é muitomais intenso e sua formação desombra muito menor. A aberturapara o relacionamentodemocrático no padrão dealteridade estabelece um padrãoquaternário de relacionamentodo Eu com o Outro. Neste, o Euse torna capaz de “virar a outraface”, isto é, de confrontar suaprópria Sombra tanto quanto o

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Outro. Assim, na ciência seconfronta o erro, na democracia,a sombra social, e no amorconjugal, a sombra individual.

Enquanto a repatriarcalizaçãoprogressiva do mito reprimia aalteridade, grande quantidade deenergia psíquica passava daconsciência para a sombracoletiva, junto com inúmerascaracterísticas do símbolo deCristo e da Igreja. O padrãopatriarcal, por ser muito menosdiferenciado do que o padrão de

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alteridade, não confrontadiretamente sua sombra e aprojeta à sua volta, como vemosno fenômeno do bode expiatório.Este animal não foi escolhido àtoa para a projeção, mas devidoàs suas características simbólicasde grande fecundidade, idealpara representar o princípio deprazer e fertilidade matriarcal,alvo predileto da codificaçãopatriarcal. Não era por acaso queo grande deus Pã e seus sátiros,símbolos da fertilidade da grande

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mãe natureza, eram na Gréciafrequentemente representadosem forma de bode, comotambém em inúmeras culturaspagãs europeias. A polarizaçãoem que opera o dinamismopatriarcal exigiu um contrapolopara elaborar o símbolo deCristo. Surgiu assim o fenômenodo Demônio como Anticristo.

Parece-me um grave erroconfundir Satã do AntigoTestamento com o Demônio doCristianismo. Seja como anjo

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rebelde, seja como emissário deDeus para tentar Jó, Satã é umafigura bem delimitada face àdivindade. Se o Cristianismohouvesse se repatriarcalizadoabertamente e Cristo fosseadorado como um deusguerreiro, como quisConstantino, os arquétipos daAlteridade teriam sidosubstituídos pelo arquétipo doPai e não teria se formado apatologia que se formou.

A imagem do Diabo e das

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bruxas foi se transformando naIdade Média e aumentando seupoder, como em vasoscomunicantes, paralelamente aofato de características pujantes dosímbolo de Cristo e da Igrejaserem mal elaboradas e passarema fazer parte da sombra cultural.O Demônio não é meramenteSatã porque não é apenas umopositor de Cristo, um simplesAnticristo. O Demônio e asbruxas são a sombra patológicaoriunda das distorções da

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mensagem de Cristo, na medidaem que suas características malelaboradas e dissociadas foramsendo reprimidas, distorcidas ecercadas por defesas. Os símbolosdo Diabo e da bruxa, comoqualquer símbolo, apesar dearquetípicos, são únicos em cadacultura e, no Cristianismo, nãopodem ser compreendidosindependentemente dascaracterísticas deformadas dossímbolos de Cristo e da Igreja. Éisso o que nos explica como a

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Inquisição foi aos poucosatribuindo ao Demônio poderescada vez maiores, a ponto dedenominá-lo Lúcifer, aquele quefaz a luz. Não era esta a principalfunção do Messias comoportador de um novo padrão deconsciência? Mas, na medida emque o Renascimento dava à luz opadrão de alteridade como raizdas ciências e das transformaçõessociopolíticas modernas, nãoeram seus expoentes perseguidose sua criatividade cerceada pela

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Inquisição? Se a luz do novohumanismo era excluída deCristo por sua própria Igreja, aquem seria ela atribuída? OMalleus engrandece tanto oDemônio e as bruxas que declaratextualmente ter sido ele criadoespecialmente por Deus paraexercer o pecado através delas.

Desta maneira,compreendemos que acaracterística central atribuída aoDemônio era inicialmente adesobediência ao poder

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centralizador, na razão direta emque a pluralidade democrática daalteridade era patriarcalmentenegada. Esta característica foi aospoucos mudando e passandopara a sexualidade e para oconhecimento, na medida emque o poder revolucionáriocultural do herói messiânico foisendo castrado, cerceando, emconsequência, o seu podercriativo de elaboração simbólicada realidade.

A castração simbólica do

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Messias e a repressão da Igrejavão ocorrer de várias maneiras:na sua adoração exclusivamentecomo menino no colo de suamãe ou como morto no além àespera do Juízo Final, na negaçãoda importância e do significadoda figura de Maria Madalena,inclusive na subavaliação da suainiciação como apóstola, a únicacom capacidade espiritual parareconhecer imediatamente aRessurreição; na reduçãoincestuosa do feminino no mito à

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função maternal; na negação daimportância central do corpo noqual se expressa a Paixão; nacodificação progressiva daconfissão e do pecado comopenitências patriarcaisestereotipadas, o que contribuiumuito para asfixiar oconhecimento da psique e davida pela introspecção e pelameditação; na hierarquizaçãopatriarcal da Igreja, nos votospatriarcais de pobreza,obediência e castidade para seus

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sacerdotes, na inferiorizaçãopatriarcal da mulher na vidainstitucional da Igreja,principalmente na suaimpossibilidade de ministrar osSacramentos e ocupar cargos emigualdade de condições com oshomens, na paralisia datransformação sociopolítica porconcessões elitistas para assegurara obtenção e manutenção dopoder exercido dentro dodinamismo patriarcal e não nodinamismo de alteridade como

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propunha o mito. Não se trata decriticar ou invalidarcaracterísticas centrais no mitocomo a mãe virgem, a infânciamilagrosa, a morte sacrificial e aressurreição que são inerentes aomito do Herói. Trata-se dedemonstrar que o podertransformador do herói foicerceado pela exaltaçãoidealizada, defensiva, de certaspartes do mito em detrimento deoutras, como frequentementeacontece na formação da sombra

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dos quadros neuróticos epsicóticos na psique tantoindividual quanto coletiva.

Toda essa energia criativaretirada do símbolo de Cristo eda Igreja foi transferida para osímbolo do Demônio e dasbruxas, cada vez mais atacadasem nome do próprio Cristo e daIgreja. Configurou-se, assim, umquadro dissociativo grave ecrescente em função da própriapujança do mito. Deformado ecerceado, por um lado, o mito

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formou a Inquisição e suademonologia. Por outro, foiconseguindo criativamenteintegrar o padrão de alteridadena consciência individual ecoletiva, caminhando para oRenascimento e através destepara o humanismo científico esociodemocrático moderno.

A mulher como símbolo do mal

Ainda que a Bula Papal, queinvestiu Sprenger e Kramer como

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Inquisidores contra a bruxaria,mencione bruxos e bruxas, oMalleus é dirigidoprincipalmente às bruxas. Seutexto é alimentado pelo ódio àmulher, pela misoginia, emfunção da qual lhe são atribuídascaracterísticas desabonadoras,amealhadas enciclopedicamentee interpretadas com conotaçõesmachistas, as mais pejorativas, naprimeira parte do livro, parajustificar as práticas terríveisprescritas na terceira parte:

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“Mas a razão natural está emque a mulher é mais carnal que ohomem, o que se evidencia pelassuas muitas abominações carnais.E convém observar que houveuma falha na formação daprimeira mulher, por ter sido elacriada a partir de uma costelarecurva, ou seja, uma costela dopeito, cuja curvatura é, por assimdizer, contrária à retidão dohomem. E como, em virtudedessa falha, a mulher é animalimperfeito, sempre decepciona e

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mente.” (Malleus, Parte I,Questão VI)

Este ódio à mulher misturou-se, na Inquisição e no Malleus, àatração mórbida por ela devido àsexualidade culturalmentereprimida e à sua desvalorizaçãona Igreja. Isso fez com que atortura para se obter confissõesde bruxarias incluísseprocedimentos tarados, ou seja,sexualmente perversos, queincluíam o voyeurismo e osadismo. As mulheres eram

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despidas e seus cabelos e pelosraspados, à procura de objetosenfeitiçados escondidos em suaspartes íntimas “que não devemser mencionadas”. (Malleus,Parte III, Questão XV) Astorturas praticadas são difíceis deimaginar, mas o texto dá ideia deterem sido terríveis, sobretudoporque o processo recomendadopelo Malleus é um delíriofrancamente paranoico,orientado para se obterconfissões, e não para se verificar

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a culpabilidade.“Se, após a devida sessão de

tortura, a acusada se recusar aconfessar a verdade, caberá aojuiz colocar diante dela outrosaparelhos de tortura e dizer-lheque terá de suportá-los se nãoconfessar. Se então não forinduzida pelo terror a confessar,a tortura deverá prosseguir nosegundo ou no terceiro dia, masnão naquele mesmo momento,salvo se houver indicações de seuprovável êxito.” (Malleus, Parte

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III, Questão XIV)A dissociação patológica da

mente dos redatores do Malleusfica evidente na mistura de umsentido humanitário de justiça eproteção das vítimas com outrode extraordinária falsidade,covardia e crueldade, da mesmaforma com que as aberraçõessexuais eram cometidas em meioa uma acentuada hipocrisiapuritana: o texto recomendaexpressamente a depilação e abusca de objetos nas partes

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íntimas do corpo e faz questão dedemonstrar grande pureza einocência ao afirmar que o nomedos órgãos sexuais não deve sermencionado. (Malleus, Parte III,Questão XV)

Da mesma forma que apsicose paranoide reforça o poderdas forças perseguidoras naproporção em que a doençamental progride, a Inquisição foiincrementando e codificando ospoderes do Diabo e das bruxas, aponto de estes poderem ser

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responsabilizados por umacapacidade de exercer qualquermalefício humano e sobre-humano, inclusive com aprodução de tempestades.

Esse poder crescenteatribuído ao Demônio eraacompanhado doreconhecimento cada vez maiorde casos de bruxaria,configurando um ataquecrescente à mulher como suaconsorte. É significativo, paracompreendermos nossa tese,

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associarmos esses fatos ao cultocrescente da Mariologia, o cultoda Virgem Maria na IdadeMédia, que acompanhou arepresentação crescente doMessias como menino ou comomorto, expresso nas Pietàs. Oculto da função maternaidealizada foi acompanhado darepressão do papel dafeminilidade adulta no mito,assinalada pela supressão dosignificado do símbolo de MariaMadalena na Paixão. A

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idealização de Maria comosupermãe que não deixa seu filhocrescer foi projetada no poderfilicida crescente das bruxas. Estarepressão da potência do Messiase de sua anima foi canalizada noódio à mulher, transformada embruxa e companheira do Diabo,que o Malleus frisarepetidamente ser impotente semela. Paralelamente, as freiras,como esposas de Cristo, eramexcluídas do poder institucional esacramental. O aumento da

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importância do Demônio e desuas amantes bruxas fabricadopela Inquisição acompanha,então, a diminuição do podertransformador do Messias e desuas sacerdotisas freiras. Essadissociação tem comodenominador comum a repressãodo dinamismo matriarcal e dealteridade, cujo aspecto femininoera depositado na mulher e quefundamentava, ao mesmo tempo,a idealização defensiva da funçãomaterna e a repressão

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institucional das freiras, arepressão cultural da mulher e oódio às bruxas. Ou seja, a mulhermãe era supervalorizada naIgreja às expensas do valor damulher pessoa. A bruxa passavaentão a carregar a projeção dasombra da mãe terrível filicida eda mulher adulta reprimida, cujasexualidade adquiria, por isso,fantásticos poderes de sedução.

A repressão da pujança doMessias acompanhada docrescente poder sexual atribuído

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ao Demônio ocorre junto com arepressão do dinamismomatriarcal na cultura. É isso queexplica como o poder de seduçãofoi unido intimamente às práticasextrassensoriais divinatórias emágicas atribuídas à bruxaria. Épreciso lembrar que o Íncubo,forma masculina do Súcubo, é oequivalente em latim do deus Pã,a maior expressão masculinamatriarcal da mitologia grega. Aimportância dada pela Inquisiçãoaos íncubos e súcubos, que,

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controlados pelas bruxas,exerciam a sexualidade doDemônio, foi acompanhada dopoder de fazer desaparecer opênis, acusação frequente nosprocessos. Paralelamente aocrescimento da sexualidade doDemônio e de suas bruxas,vemos diminuir o poder deCristo, de suas esposas freiras e,agora também, dos seusseguidores homens.

Para se ter uma ideia dogrotesco paranoide a que chegou

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o Malleus, é ilustrativo o fato deo poder atribuído às acusadas e aculpa persecutória dos juízesserem de tal ordem que elasdeveriam ser apanhadas emredes a fim de que seus pés nãotocassem o chão para provocarrelâmpagos; deveriam tambémentrar na sala de acusação decostas, pois seu mero olhar seriacapaz de controlar o raciocíniodos juízes e determinar sualiberdade. (Malleus, Parte III,Questão XV) Caso elas pedissem

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a prova de caminhar sobre brasasou entrar em água fervendo, seupedido deveria serterminantemente negado, pois,em função da sua ligação com oDemônio, tal façanha lhes seriafácil e iludiria os acusadores.(Malleus, Parte III, QuestãoXVII) O poder do dinamismomatriarcal reprimido projetadopsicoticamente nas bruxastornava-as deusas com poderesequivalentes à mãe terra comtodas as suas forças naturais. A

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desonestidade do processo legalestá ilustrada de formacontundente no fato de osacusados não poderem escolherseus próprios advogados e deseus detratores não precisaremser pessoas de bem e de seremaconselhados a não revelaremseus nomes, figurando comoinformantes, e não comotestemunhas. Tudo issonovamente racionalizado ejustificado pelo poder doDemônio. A falsidade dos

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Inquisidores como juízes atingiagraus extremos, quando elesenganavam os acusados em meioàs torturas, prometendo-lhes aliberdade caso confessassem,sabendo que sua confissão oslevaria à prisão perpétua ou àmorte. (Malleus, Parte III,Questão XVI)

A tese segundo a qual aInquisição e a demonologiaexpressaram a sombra patológicado Cristianismo pela elaboraçãoinsuficiente e deformada dos

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símbolos de Cristo e da Igreja noself cultural é intensamentereforçada pela Missa Negra noSabá.

A Missa Negra, celebrada nanoite de sexta-feira, era umaréplica sombria da Santa Missa.Nela, o Diabo seriaexplicitamente adorado comoCristo. Por um lado, podemosver aqui uma forma de agressãomarginal desrespeitosa aospoderes constituídos, uma reaçãodelinquencial a uma sociedade

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repressora. Por outro, vemos anecessidade religiosa de cultivarde forma sombria, até mesmopsicótica, mas nem por issodestituída de significadosimbólico, uma divindade cujospoderes extraordinários incluíamexuberantemente o dinamismomatriarcal do prazer, da música,da dança e da sexualidade, todosestes atributos dos deuses danatureza. Durante o Sabá, oDemônio, de acordo com aimaginação do Inquisidor, reunia

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suas bruxas vindas voando delocais distantes. Ele era cultuadosob a forma de um bode, sendobeijado no traseiro em meio acantos e danças frenéticas comgrande permissividade sexual,inclusive de homossexualidadeacompanhada de antropofagia decrianças mortas (?), enquantobruxas ministrariam a comunhãocom hóstias roubadas. Éimportante assinalar que todasessas fantasias foram, em formasadequadas, incorporadas às

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reivindicações das minorias e doscostumes sociais e conquistascientíficas no século XX, dentreas quais assinalam-se alegalização da homossexualidadee do aborto e a era da aviação.

O Malleus, a alquimia e ahisteria

A demonologia era umfenômeno da sombra patológicado self cultural patrocinado pelaInquisição, mas que de forma

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alguma a ela se restringia.Vivenciando a energia fecundaque emanava da dissociação dosímbolo de Cristo e da Igreja, ossímbolos do Demônio e de suasbruxas a todos preocupavam,fascinavam e atraíam de formacrescente. É importante perceberque as heresias, ou variantesculturais reprimidas pelo SantoOfício para a elaboração dosímbolo de Cristo, erampermitidas na elaboração dosímbolo do Diabo e das bruxas.

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Desta forma, desde osInquisidores mais ferrenhos atésuas vítimas e o folclore do povoem geral, todos participavam nogrande caldeirão herético doDemônio e suas bruxas, no vasodos alquimistas onde, sob pressãocrescente, cozinhou a sombrapatológica do humanismo cristão,dando nascimento às grandesconquistas sociais e científicas.

Nesse caldeirão ferveramdentro dos símbolos do Demônioe das bruxas, além de todas as

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heresias, passagens do AntigoTestamento referentes a Satã,lendas de outras culturas e,principalmente, das culturaspróprias de cada regiãoantecedentes ao Cristianismo epor ele reprimidas, superstições,conhecimentos novos trazidospelos alquimistas e pensadores,crenças esotéricas as maisvariadas fabricadas pelo dia a diada fértil imaginação popular,espicaçada pela ameaça deperseguição dos Inquisidores e

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pela curiosidade do materialreprimido. Tudo isto exaltavagrandes áreas reprimidas dapsique coletiva, como aagressividade, a sexualidade, amagia e a criatividade em geral.A popularização e atuaçãocrescente dos símbolos doDemônio e das bruxas, devido aesta criatividade proibida,justificavam e incrementavam aatividade repressora daInquisição num sistema deretroalimentação (feedback)

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múltiplo que agravava cada vezmais a patologia do self cultural,passando seu dinamismo deneurótico (principalmenterepressivo) a psicopático(corrupção moral da práticareligiosa) e a psicótico (paranoidee delirante) até culminar numaprimeira etapa na dissociação daIgreja na Reforma no século XVI,e, dois séculos depois, na grandedissociação subjetivo-objetiva, nofinal do século XVIII, que deuorigem ao materialismo científico

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do século XIX e retirou da Igrejasua liderança civilizatória. Omito, contudo, não perdeu suapujança; pelo contrário. Mesmodentro de uma ideologiasocialista patriarcalizada pelateoria da luta de classes que seacreditava ateísta, continuou afunção civilizatória deimplantação de alteridade atravésdos seus símbolos profundos deliberdade, igualdade efraternidade.

A repressão da mulher e o

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ataque a ela como bruxa, devidoà projeção dos arquétiposreprimidos da Grande Mãe e daanima, necessitam sercompreendidos junto com ahisteria, um quadro patológicoformado basicamente peladisfunção dos arquétiposmatriarcal e de alteridade. Ascaracterísticas desses arquétiposde intimidade, fertilidade,sensualidade e exuberância dodesejo, da imaginação, daclarividência esotérica e da

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expressividade emocional,quando feridas, dão margem aoentrincheiramento dessesarquétipos numa luta de poderexpressa pela magia destrutiva,pela dramatização esugestibilidade descontroladas,pela fantasia mentirosa, pelaagressividade vingativadesproporcional, pelocongelamento das reaçõesafetivas, pelas reações emocionaisatravés dos sintomas físicos e pelafalsidade involuntária. Na

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dominância patriarcal, as funçõesmatriarcais são pejorativamenteprojetadas nas mulheres natríade cozinha-casa-igreja. Oferimento cultural dessesarquétipos pela Inquisição e suaprojeção maciça no Pã-Demôniopropiciou, pelasugestionabilidade histérica, aatuação de inúmeras mulherescomo suas consortes. Aatmosfera persecutória,dramática e animista medievalfavoreceu a eclosão de quadros

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histéricos que eram identificadoscomo bruxaria pelos vizinhos ouaté mesmo familiares, comorelata o Malleus em inúmerosexemplos. O dinamismopatriarcal patológico expressopelo sadismo dos Inquisidorestorturadores, sexualmentereprimidos, que depilavam evasculhavam seus corpos,enfiando-lhes agulhas paraprocurar zonas anestesiadas queindicariam o pacto com oDemônio, certamente exacerbou

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muitos quadros histéricos,pervertendo-os em relaçõessadomasoquistas psicóticas.9

No entanto, o símbolomáximo da sombra patológicacomo expressão da dissociaçãopsicótica do self cultural doOcidente durante suacristianização foi a matança doshereges na fogueira e na forca. Odelírio psicótico-paranoide,apesar de gravemente enfermo,ainda protege o Ego, porqueprojeta no Outro as tendências

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ameaçadoras do self. Quando,porém, o próprio delírioprojetado é também exercidofrancamente pelo Ego, agravidade da patologia se tornaextrema, pois é o sinal de que adefesa paranoide estáfracassando e os conteúdosprojetados estão dominando oEgo. Foi o que aconteceu com aInquisição.

A história simbólica daInquisição torna inegável suaprópria expressão inconsciente

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do Anticristo e da bruxaria. Aconcupiscência do poderunificador, a intolerância, arepressão dos arquétiposmatriarcal e da alteridade, acorrupção psicopática moral eideológica dos arquétipos do paie da alteridade, que deformouem tantos aspectos a mensagemcristã, representam a atuação dasombra patológica. A patologiacultural foi se agravando século aséculo, manifestada na projeçãodos aspectos negados e

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reprimidos de Cristo sobre oDemônio e suas bruxas eracionalizada pela devoção aCristo e a Igreja. Tudo era feitoem nome de Cristo e de suaIgreja, cujos símbolos, apesar deenfraquecidos, eram inicialmentemantidos na luz. Todos os maleseram projetados no Demônio enas bruxas, cujos símbolos,embora cada vez maisfortalecidos, eram inicialmentemantidos nas trevas, comohabitantes infernais. A partir do

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século XIII, porém, InocêncioIII, o mesmo papa que abençoaSão Francisco, autoriza a pena demorte para as heresias. ODemônio passa a se chamarLúcifer, aquele que traz a luz, eCristo (o carneiro que sesacrificara pelos pecados domundo, a serem confessados eabsolvidos em sua Igreja) passa aser invocado a empunhar aespada do genocídio dosalbigenses e instituir a prevençãoe a limpeza cultural da peste da

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heresia. Os que confessavam eabjuravam a heresia eramacolhidos de volta à Igreja econdenados à prisão perpétua.Os que não confessavam eramentregues ao braço secular para apena de morte. Devido àscondições subumanas dasprisões, a prisão perpétua empouco tempo levava à morte, se éque não fosse antes interrompidapela pena capital: “Embora nocaso de heresia simples os que semostram penitentes e que a

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abjuram são, como já se disse,readmitidos à penitência econdenados à prisão perpétua, naheresia das bruxas, não obstanteo juiz eclesiástico possa receber aprisioneira de volta à penitência,o juiz civil pode, em virtude dosdanos temporais – ou seja, dosmales causados a homens, aogado e aos bens e propriedades –,puni-la com a morte.” (Malleus,Parte III, Questão XIX).

Ao aproximarempsicoticamente Cristo e sua Igreja

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do Demônio e das bruxas, osInquisidores, frequentemente,tornaram inseparáveis uns eoutros nas suas personalidades ena história da Igreja. A loucurase exacerbava ainda mais, se éque isso era possível, emsituações nas quais os heregesdemoravam a morrer e acerimônia era interrompida paraprocurar objetos deixados peloDemônio em suas vestes paratorná-los resistentes ao fogo. Asuperposição dos símbolos do

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Cristo e do Demônio era tal que,mesmo dentro das chamas, elescontinuavam lutando comoexpressão da psicose coletiva.

“Mas o que se há de dizer docaso que ocorreu na diocese deRatisbon? Certos hereges foramcondenados pela própriaconfissão, não só comoimpenitentes, mas como francosdefensores daquela perfídia; noentanto, ao serem condenados àfogueira, aconteceu depermanecerem ilesos sob o fogo.

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Modificou-se-lhes a sentença:foram condenados à morte porafogamento, o que também nadaadiantou. Todos ficaramatônitos, sendo que alguns,inclusive, começaram a dizer queaquela heresia era de fatoverdadeira; e o bispo, ansiosocom relação ao destino do seurebanho, decretou jejum de trêsdias. Depois do cumprimento dodecreto, em grande devoção,chegou ao conhecimento dealguns que os hereges tinham um

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objeto mágico costurado entre apelve e a carne debaixo de umdos braços; depois de descobertoe removido tal objeto, foramentregues às chamas e morreramimediatamente.” (Malleus, ParteIII, Questão XV)

A importância da tradução epublicação completa desse textoem português não está só noconhecimento da história doCristianismo, mas também nacontinuação da elaboração domito cristão, cujo papel

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civilizatório está sereintensificando outra vez nestefinal de milênio.

Se muitos leitoresconcordarão que este livro e aInquisição são uma aberração damensagem cristã, é preciso saberque nem todos pensam assim. Opróprio tradutor do livro do latimpara o inglês, o reverendoMontague Sommers, assim seexpressa sobre ele no final doprefácio que escreveu em 1946:

“O certo é que o Malleus

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Maleficarum é o mais sólido e omais importante trabalho emtoda a vasta biblioteca escritasobre bruxaria. Voltamos a elesempre com edificação einteresse. Do ponto de vista dapsicologia, da jurisprudência e dahistória, ele é supremo. Podemosmesmo dizer, sem exagerar, queos escritores que o sucederam,grandes como possam ser,fizeram pouco mais do queretirar desses poços de sabedoria,aparentemente inexauríveis, que

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os dois dominicanos HenriqueKramer e James Sprenger nosderam no Malleus Maleficarum.

“O que mais surpreende é amodernidade do livro.Praticamente não existe umproblema, um complexo, umadificuldade que eles nãopreviram, discutiram eresolveram.

“Aqui estão casos queocorrem nas cortes de hoje,apresentados com a maiorclareza, arguidos com lógica

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exemplar e julgados comimparcialidade escrupulosa. OMalleus Maleficarum é um livroescrito sob a influência daeternidade.”

Com esta ilustração final,vemos que a elaboração destelivro e da Inquisição e do querepresentam na alma humanaindividual e coletiva adentrará opróximo milênio junto com acontinuação da elaboração domito cristão.

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NOTAS

* Médico psiquiatra e analista,membro da SociedadeBrasileira de PsicologiaAnalítica (N. do E.).

1. Malleus Maleficarum (1484).Tradução inglesa doreverendo MontagueSommers. Ed. Hogarth Press,Londres, 1928.

2. Byington, Carlos Amadeu B.(1981). “Uma TeoriaSimbólica da História.” Ed.

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Revista de Cultura Vozes, nº8, ano 76, outubro/82, pp.599-610.

3. Byington, Carlos Amadeu B.(1986). O desenvolvimento dapersonalidade. Símbolos earquétipos. Ed. Ática, SãoPaulo, Série Princípios, nº123, 1987.

4. The Nag Hammadi Library(1978). Harper & Row, NovaYork, 1981.

5. Idem, O evangelho de Maria.6. Idem, O evangelho de Tomás.

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7. Byington, Carlos Amadeu B.(1983). “Uma TeoriaSimbólica da História. O MitoCristão como o PrincipalSímbolo Estruturante doPadrão de Alteridade naCultura Ocidental.”Junguiana, Revista daSociedade Brasileira dePsicologia Analítica, nº 1,Vozes, Petrópolis, pp. 120-177, 1983.

8. Nova história da igreja. TomoI: “Dos Primórdios a São

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Gregório Magno”, Vozes,Petrópolis, 1973..

9. Piccini, Anna Maggi (1987)“Visão psicanalítica doimaginário dos inquisidores edas bruxas”, Rev. Bras. dePsican. 21:367, 1987.

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A BULA DEINOCÊNCIO VIII

Inocente, bispo, servo dosservos de Deus, para a

lembrança eterna

Desejando, na mais sincera

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apreensão, como bem requer oNosso Apostolado, que a FéCatólica, mormente em Nossosdias, cresça e floresça por todasas partes, e que toda adepravação herética seja varridade todas as fronteiras e de todosos recantos dos fiéis, é comenorme satisfação queproclamamos e inclusivereafirmamos os meios e métodosparticulares pelos quais Nossodesejo piedoso poderá surtir osefeitos almejados, já que quando

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todos os erros forem erradicadospela Nossa dissuasão diligente,como pela enxada do agricultorprevidente, um maior zelo e umaobservância mais regular deNossa Santa Fé venham a ficarmais firmemente impressos nocoração dos fiéis.

De fato, chegou-nosrecentemente aos ouvidos, nãosem que nos afligíssemos na maisprofunda amargura, que emcertas regiões da Alemanha doNorte, e também nas províncias,

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nas aldeias, nos territórios e nasdioceses de Mainz, de Colônia,de Trèves, de Salzburgo e deBremen, muitas pessoas deambos os sexos, ao negligenciar aprópria salvação e ao sedesgarrarem da Fé Católica,entregaram-se a Demônios, aíncubos e a súcubos, e pelos seusencantamentos, pelos seusmalefícios e pelas suasconjurações, e por outrosencantos e feitiços amaldiçoadose por outras também

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amaldiçoadas monstruosidades eofensas hórridas, têm assassinadocrianças ainda no útero da mãe,além de novilhos, e têmarruinado os produtos da terra,as uvas das vinhas, os frutos dasárvores e mais ainda: têmdestruído homens, mulheres,bestas de carga, rebanhos,animais de outras espécies,parreirais, pomares, prados,pastos, trigo e muitos outroscereais; essas pessoas miseráveisainda afligem e atormentam

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homens e mulheres, animais decarga, rebanhos inteiros e muitosoutros animais com doresterríveis e lastimáveis e comdoenças atrozes, quer internas,quer externas; e impedem oshomens de realizarem o atosexual e as mulheres deconceberem, de tal forma que osmaridos não vêm a conhecer asesposas e as esposas não vêm aconhecer os maridos; porém,acima de tudo isso, renunciamde forma blasfema à fé que lhes

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pertence pelo Sacramento dobatismo, e por instigação doInimigo da Humanidade não seescusam de cometer e deperpetrar as mais sórdidasabominações e os excessos maisasquerosos para o mortal perigode suas próprias almas, pelo queultrajam a Majestade Divina esão causa de escândalo e deperigo para muitos. E nãoobstante Nossos queridos filhosHenry Kramer e James Sprenger,professores de teologia, da

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Ordem dos MongesDominicanos, tenham sido porCartas Apostólicas delegadoscomo Inquisidores de taisdepravações heréticas, e aindasejam Inquisidores, o primeironas regiões da Alemanha doNorte, onde se incluem asmencionadas aldeias, os distritos,as dioceses e outras localidadesespecificadas, e o segundo emcertos territórios que ficam àsmargens do Reno, não poucosclérigos e leigos das regiões

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citadas, procurandocuriosamente saber mais do quelhes compete – já que as cartasmencionadas não citam nemfazem menção específica de taisprovíncias, aldeias, dioceses edistritos, e já que os doisdelegados e as abominações quedevem combater não forammencionados de formapormenorizada e particular –,não se acanham em afirmar, namais despudorada desfaçatez,que tais monstruosidades não são

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praticadas naquelas regiões, eque, consequentemente, ossupracitados Inquisidores nãotêm o direito legal de exerceremos poderes da Inquisição nasprovíncias, nas aldeias, nasdioceses e nos distritosenumerados, e também que osInquisidores não podemproceder com a punição, com aprisão e com a penalização doscriminosos culpados das ofensashediondas e das muitasperversidades que já se acham

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esclarecidas. Por conseguinte, nassupracitadas províncias, aldeias,dioceses e territórios, asabominações e atrocidades emquestão permanecem sempunição, e não sem grave perigopara as almas de muitos e nãosem o perigo da danação eterna.

Pelo que Nós, nocumprimento de Nossasobrigações, mostrando-Nosabsolutamente desejosos deremover todos os empecilhos eobstáculos que tornam morosa e

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difícil a boa obra dosInquisidores, e também desejososde aplicar remédios potentes afim de prevenir a doença daheresia e de outras torpezas quedifundem o seu veneno para adestruição de muitas almasinocentes, já que Nosso zelo pelafé é o que Nos incitaespecialmente, para que asprovíncias, as aldeias, as diocesese os distritos e territórios daAlemanha, que já especificamos,não se vejam privados dos

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benefícios do Santo Ofício paraesse fim firmado, pelo teor daspresentes letras, em virtude deNossa autoridade apostólica,decretamos e estabelecemos queos mencionados Inquisidores têmo poder de proceder, para a justacorreção, aprisionamento epunição de quaisquer pessoas,sem qualquer impedimento, detodas as formas cabíveis, como seas províncias, as aldeias, asdioceses, os distritos e territórios,e ademais, como se, inclusive, as

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pessoas e os crimes dessa espécietivessem sido indicados eespecificamente mencionados emNossas cartas. Além disso, paramaior segurança, determinamosque o poder conferido por taisCartas se estendem a todas asmencionadas províncias,dioceses, aldeias, distritos eterritórios, a todas as pessoas e atodos os crimes acima indicados,e damos permissão aossupracitados Inquisidores, a umseparadamente ou a ambos,

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como também a Nosso filho JohnGremper, pároco da diocese deConstance, mestre em ciênciashumanas, a seu notário, ou aqualquer outro notário público,que esteja com eles, ou com umdeles, temporariamentedesignado para aquelasprovíncias, aldeias, dioceses,distritos e os supracitadosterritórios, para procederconforme as normas daInquisição contra quaisquerpessoas de qualquer classe ou

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condição social, corrigindo-as,multando-as, prendendo-as,punindo-as, na proporção deseus crimes – e aos que foremconsiderados culpados que apena seja proporcional à ofensa.Além disso, gozarão da plenafaculdade de expor e de pregar apalavra de Deus aos fiéis, tantoquanto for oportuno e quantolhes aprouver, em cada uma dasparóquias de tais províncias, ehaverão de livre e licitamenterealizar quaisquer ritos ou

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executar quaisquer atos quepossam lhes parecerrecomendáveis nos casosmencionados. Pela Nossaautoridade suprema, conferimos-lhes poderes plenos e irrestritos.

Ao mesmo tempo, pelasCartas Apostólicas, solicitamos aoNosso venerável Irmão, o bispode Estrasburgo, que ele próprioanuncie, ou através de outra oude outras pessoas faça anunciar,os termos de Nossa Bula, que háde publicar de forma solene

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quando e sempre que julgarnecessário, ou quando assim forsolicitado a proceder pelosInquisidores ou por um deles.Nem haverá ele de padecer emdesobediência ao teor dapresente por ser molestado ouimpedido por qualquerautoridade que seja: haverá deameaçar a todos os que vierem adificultar ou impedir a ação dosInquisidores, a todos os que selhes opuserem, a todos osrebeldes, de qualquer categoria,

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estado, posição, proeminência,dignidade ou de qualquercondição que seja – nãoimportando o privilégio de quedisponha – haverá de ameaçá-loscom a excomunhão, a suspensão,a interdição e, inclusive, com asmais terríveis penas, as piorescensuras e os piores castigos,como bem lhe aprouver, semqualquer direito de apelação, e seassim o desejar poderá, pelaautoridade que lhe concedemos,agravar e renovar tais penas

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quantas vezes for necessário,recorrendo, se assim convier, aoauxílio do braço secular.

Non obstantibus... Queninguém portanto... Mas sealguém assim ousar agir – queDeus o proíba –, saiba que sobresi recairá a ira de Deus Todo-Poderoso e a dos bem-aventurados apóstolos Pedro ePaulo.

Roma, Basílica de São Pedro,9 de dezembro do Ano daEncarnação de Nosso Senhor de

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1484, no primeiro Ano de NossoPontificado.

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Parte I

Das três condiçõesnecessárias para a bruxaria:

o Diabo, a bruxa e a permissãode Deus Todo-Poderoso

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QUESTÃO I

Se crer em bruxas é tãoessencial à Fé Católicaque sustentarobstinadamente opiniãocontrária há de ter vivosabor de heresia.

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Há quem professe que a crença

fervorosa em bruxas não édoutrina católica (ver 26ºcapítulo, Questão V, Episcopi): osque acreditam ser possíveltransformar as criaturas em seresmelhores ou piores, ou astransformar em outras, de outraespécie ou aspecto, salvo pordeterminação do Criador,revelam-se piores que os gentios,piores que os hereges. Dizer,portanto, que semelhantes atos

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são realizados por bruxas, esustentar essa opinião, significanão ser católico e sim herege,fundamentalmente.

E há quem preconize quenenhuma operação de bruxariapode ter efeito permanente sobrenós. Pois que, se assim o fosse, taloperação teria sido efetuada porDemônios. Mas sustentar que osDemônios têm poderes paratransfigurar o corpo humano oupara lhe causar malesduradouros não parece de

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acordo com os ensinamentos daIgreja. Porquanto, se tais poderestivessem, haveriam de conduzir omundo à mais absoluta confusãoe destruí-lo.

E há quem defenda tambémque toda transformação que sedá no corpo humano – para asaúde ou para a doença, porexemplo – pode ser reduzida àquestão das causas naturais,conforme Aristóteles demonstrouno sétimo livro da sua Física. Edessas causas a maior é a

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influência dos astros em cujomovimento os Demônios nãotêm o poder de interferir: isso sóDeus pode fazer. Essa é a opiniãode Dionísio em sua epístola a SãoPolicarpo. Querem, assim,demonstrar que os Demônios sãode fato incapazes de determinarqualquer transformaçãodefinitiva no corpo humano. Ou,em outras palavras, que não lhepodem causar real metamorfose.Pelo que nos vemos forçados aatribuir o aparecimento de

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qualquer transmutação dessanatureza a alguma outra causasinistra e oculta.

Outros sustentam que, comoo poder de Deus é superior aospoderes do Diabo, as obrasdivinas são, decerto, maisverdadeiras que as operaçõesdemoníacas. De sorte que, sendoo mal força poderosa nestemundo, todo o mal existente háde, obrigatoriamente, decorrerde um eterno conflito entre asobras do Diabo e as obras de

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Deus, sem que contudo asprimeiras venham a suplantar assegundas. E, pois, assim como éilícito sustentar que as açõesmaléficas do Diabo sejamaparentemente capazes desobrepujar as ações de Deus,também ilícito é acreditar que asmais sublimes obras do Criador –os homens e os animais – possamser prejudicadas ou destruídaspelos poderes do Diabo.

Há outros ainda que afirmamque tudo o que se acha sob a

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influência de certos objetosmateriais não há de possuirpoderes sobre outros objetoscorpóreos. Como os Demôniossão subservientes a certasinfluências dos astros – pois queos magos observam o cursoceleste de alguns deles parainvocá-los –, não haverão de terpoderes para causartransformações em outros objetoscorpóreos, de onde conclui-seque as bruxas devem ter poderesainda menores que os deles.

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E há, enfim, quem afirmeque os Demônios não têm poderalgum, salvo mediante certoengenho ou arte sutil, mas queesse engenho, como todas asartes ou engenhos humanos, éincapaz de gerar formas materiaisverdadeiras e permanentes. (Eiso que nos diz determinado autor:“Os que escrevem sobre alquimiasabem não haver esperança de seconseguir transmutação real.”)Logo, mesmo quando osDemônios utilizam de toda a sua

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habilidade, não conseguempromover curas permanentes –nem infligir males permanentes.E se tais curas ou males de fatoocorrem, hão de ter, na verdade,alguma outra causa, talvezdesconhecida, mas decertoindependente da ação deDemônios e de bruxas.

Porém, de acordo com asDecretais do Direito Canônico(33), verdadeiros são osargumentos contrários às seisproposições apresentadas. “Se por

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bruxaria ou por qualquer espéciede magia, permitidas pelasecreta, porém justíssima,vontade de Deus, e favorecidaspelos poderes do Diabo...” É aífeita referência a qualquer ato debruxaria, a ação do Diabo e apermissão de Deus. Mais: o maisforte tem o poder de influir nomais fraco. E os poderes doDiabo são superiores a quaisquerpoderes humanos (Jó, 41): “Nãohá nada igual a ele na terra, poisfoi feito para não ter medo de

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nada.”

Resposta. As proposiçõesenunciadas encerram três errosheréticos que precisam serrefutados. E, quando o forem, háde transparecer, claramente, averdade. Primeiro: certosautores, alegando dar esteio àsua opinião nas palavras de SantoTomás (Parte IV, Questão XXIV)– quando este se refere a certosobstáculos provocados pelosmalefícios –, procuram sustentar

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que feitiçaria ou magia nãoexistem, salvo na imaginação dosque atribuem determinadosfenômenos naturais, de causadesconhecida, à bruxaria ou afórmulas mágicas. Segundo:outros autores, embora admitama existência de bruxas, declaramque os efeitos da magia, dosfeitiços e dos encantamentos sãomeramente imaginários oufantásticos. Terceiro: outrosainda postulam que tal efeito écompletamente ilusório,

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absolutamente irreal, emborareconheçam que o Diabo talvezpreste ajuda a certas bruxas.

As deturpações feitas porcada um desses autores podemser agora devidamente expostas erefutadas.

Em primeiro lugar, muitossão os doutores ortodoxos aprovar que os que incidem noprimeiro erro apontado sãoclaramente hereges –especialmente Santo Tomás, aoestabelecer que tal tese é

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totalmente contrária àautoridade dos santos e sefundam na mais absolutainfidelidade. Porque as SagradasEscrituras, em Sua autoridade,dizem que os Demônios têmpoderes sobre o corpo e sobre amente dos homens, quandoDeus lhes permite exercê-los, aoque se faz alusão explícita emmuitas passagens. Enganam-se,portanto, os que afirmam nãoexistirem coisas como bruxariaou feitiçaria, ou os que professam

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que tais coisas são imaginárias ouexistam Demônios só naimaginação de ignorantes e depopulares, e também os quedeclaram ser equívoco atribuir aDemônios certos fenômenosnaturais que acontecem aoshomens. Argumentam teremalgumas pessoas imaginação tãoextraordinariamente viva quecreem ver vultos e fantasmascomo se fossem aparição deespíritos maléficos ou deespectros de bruxas, embora tudo

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não passe de reflexos de seupróprio pensamento. Essaopinião, porém, vai de encontroà fé verdadeira. Esta ensina-nosque alguns anjos foram lançadosdos Céus e hoje são Demônios.Assim, somos forçados areconhecer que, dada a próprianatureza desses anjos diabólicos,são eles capazes de realizarmuitos prodígios de que nós nãosomos. E as pessoas que tentaminduzir outras a realizarem taisprodígios perversos são chamadas

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bruxas. E porque a infidelidadepor parte de uma pessoa batizadaé tecnicamente denominadaheresia, portanto, essas pessoassão claramente hereges.

Os que incidem nos outrosdois erros mencionados sãoaqueles que, por assim dizer, nãonegam a existência de Demôniosnem que os Demônios possuempoderes naturais, mas divergemquanto aos possíveis efeitos damagia e da ação das bruxas: deum lado, estão os que sustentam

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serem as bruxas realmentecapazes de causar certos efeitosmaléficos, embora digam taisefeitos não serem reais e simfantásticos; de outro, estão osque julgam ser possível infligir àscriaturas males verdadeiros,embora afirmem estar a bruxacompletamente enganada aoatribuir tais efeitos maléficos aseus próprios poderes. Pois temosque essas opiniões parecemfundar-se em duas passagens dosCânones onde se faz referência à

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condenação de certas mulherespor imaginarem que, durante anoite, saem a cavalgar em bestascom a deusa pagã Diana ouHeródias. Isso pode ser lido noCânon. Contudo, porquesemelhantes fenômenosacontecem muitas vezes porilusão, e simplesmente se passamna imaginação, não há de sermera ilusão todo o efeito dasbruxarias, não há de se dar tãosomente na imaginação, e os queassim pensam estão muitíssimo

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enganados. E enganados estão osque creem estar só em Deus,Criador de todas as coisas, opoder de transformar as criaturasem criaturas melhores ou piores,ou de transformá-las em outras,de outra espécie ou aspecto. Poisesses é que são os infiéis, essessim os piores que os ímpios,porquanto professam que se taltransfiguração ocorreu, não háde ter sido por bruxaria, porque,se o fosse, dizem, não havia deser real, e sim puramente

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fantástica.De sorte que, como tais

deturpações trazem em si oestigma da heresia, econtradizem o sentido evidentedo Cânon, havemos de provarnossos argumentos, primeiro,através das leis divinas e, depois,através das leis eclesiásticas ecivis.

Para começar, é misterconsiderar com cautela asexpressões canônicas (nãoobstante o sentido de tais

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expressões vir a ser maisclaramente elucidado na Questãoseguinte). Pois as leis divinasdeterminam, em muitaspassagens, que as bruxas não sódevem ser evitadas mas tambémcondenadas à morte, embora sódevam receber essa puniçãoextrema se tiverem de fatopactuado com o Diabo a fim decausar males e injustiçasverdadeiros. Não obstante a penade morte não ser prescrita, senãopor crimes graves e notórios, o

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que se faz no mais das vezes éinfligir a pena de morte da alma– ora pela força de algumafantástica ilusão, ora pela forçaopressiva das tentações. Pois queessa é a opinião de Santo Tomásao discutir se é ou não pecadorecorrer ao auxílio de Demônios(Parte II, Questão VII). E nocapítulo 18 do Deuteronômiofica estabelecido que todos osmagos e feiticeiros devem serdestruídos. Da mesma forma, ocapítulo 19 do Levítico diz: “Se

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alguma alma se dirigir aos magose adivinhos para com elesfornicar, voltarei contra ela omeu rosto e a arrancarei do meiode meu povo.” E mais adiante(Questão XX): “Todo homem etoda mulher que evocaremespíritos divinatórios ou pitônicosserão mortos, e serãoapedrejados, e levarão a suaculpa.” Pitônicas são as pessoasem quem o Diabo opera coisasextraordinárias.

E não se há de esquecer que

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em virtude desse pecado Ocosiasadoeceu e morreu, 4, Reis, 1.Também ver em Saul, 1, dosParalipômenos, 10. Aindacontamos com a opiniãoautorizada dos padres da Igrejaque escreveram sobre asEscrituras e que extensotratamento deram aos poderesdos Demônios e das artesmágicas. Podem também serconsultados os textos de muitosdoutores a respeito do segundolivro das Sentenças, descobrindo-

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se que todos concordam com aexistência de magos e de bruxasque, através dos poderes doDiabo, conseguem efeitosconcretos e extraordinários – demodo algum imaginários –, eDeus permite que assim seja.Deixarei de citar muitos outrospassos em que Santo Tomásanalisa em pormenores operaçõesdessa espécie. Basta mencionar,na Summa contra Gentiles,terceiro livro, primeiro e segundocapítulos, primeira parte, 114ª

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questão, quarto argumento. E naSecunda Secundae as 92ª e 94ªquestões. Podemos aindaconsultar os Comentaristas eExegetas que escreveram arespeito dos profetas do faraó,Êxodo, 7. Podemos também nosreportar ao que diz SantoAgostinho em De Ciuitate Dei,18º livro, 17º capítulo. E ao quedeclara em seu segundo livro, DeDoctrina Christiana. Muitosoutros doutores defendem amesma opinião, e seria o cúmulo

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da estultice a todos contradizê-los: não se conseguiria ficarisento da culpa de heresia. Pois,qualquer homem que erragravemente na interpretação dasSagradas Escrituras, écorretamente consideradoherege. E quem quer que pensede outra forma a respeito deassuntos pertinentes à fé que nãodo modo defendido pela SantaIgreja Romana, é herege. Eis averdadeira fé.

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As leis eclesiásticas demonstramtambém que negar a existênciade bruxas é contrário ao sentidoóbvio do Cânon. Dispomos daopinião de comentaristas doCânon que assim começam: “Sequalquer um, através de artesmágicas ou de bruxaria...” E,reafirmamos, existem autoresque falam de homens impotentese enfeitiçados que, dado oobstáculo causado pela bruxaria,ficaram incapacitados de copulare tiveram seus contratos de

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casamento anulados: viram-se naimpossibilidade de consumar omatrimônio. Dizem, e com elesconcorda Santo Tomás, que, se abruxaria produz efeito antes darelação carnal e se tal efeito épersistente, então, o contrato decasamento fica anulado. E demodo algum há de se dizer quetal situação seja ilusória ouproduto da imaginação.

A respeito desse argumento,veja-se o que São Henrique deSegusio tão magistralmente

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escreveu em sua Summa, etambém o que escreveramGodofredo de Fontaines e SãoRaimundo de Peñafort –discutem o assunto emclaríssimos pormenores, semquestionar se tal condição físicapoderia ser consideradaimaginária, mas tomando-a comofato real e comprovado e se deveou não ser vista comoenfermidade permanente outemporária quando persiste pormais de três anos. E não

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duvidam que possa ser causadapor atos de bruxaria, embora sejaverdade que, às vezes, venha ater evolução intermitente. Mas,sem sombra de dúvida, o fato éque a impotência pode serdeterminada pelos poderes doDiabo, seja através de uma bruxapor pacto com ele firmado, sejapelo próprio Diabo sem aparticipação de qualquer bruxa,embora esta últimaeventualidade raramente ocorraentre os fiéis da Igreja, pois que o

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matrimônio é, dos SantíssimosSacramentos, um dos maisextraordinários. Entre os pagãos,porém, o fenômeno costuma narealidade acontecer com maisfrequência, porque sobre eles osespíritos do mal agem como setivessem um certo domíniolegítimo, conforme nos contaPedro de Palude em seu quartolivro, quando nos conta de umjovem que, embora tivesseassumido compromissomatrimonial com um certo ídolo,

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acabou desposando uma jovem elogo se viu impossibilitado decom ela manter qualquer relação,porque o Diabo sempreintervinha, aparecendo-lhe defato sob forma humana. NaIgreja, todavia, o Diabo prefereoperar por intermédio de bruxase realizar tais prodígios em seupróprio proveito, ou seja, visandoa perda das almas. E de quemodo age e por que meios sãoquestões discutidas um poucomais adiante, quando tratarmos

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das sete formas de causar malesaos homens por operaçõessemelhantes. Das demaisquestões que teólogos e doutoresem Direito Canônico levantaram,com referência a esses pontos,uma é da maior relevância: comocurar aquela espécie deimpotência e se, para curá-la, épermissível lançar mão de algumfeitiço contrário ou neutralizante,e o que deve ser feito quando abruxa que proferiu a maldição jámorreu, circunstâncias da qual

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Godofredo de Fontaines trata naSumma. Tais questões serãoamplamente elucidadas naTerceira Parte desta obra.

Eis então por que os estudiososdo Direito Canônico elaboraramum catálogo de punições tãominucioso, fazendo a distinçãoentre a bruxaria (feitiçaria) ou aadivinhação, feitas em público ouem sigilo, levando em conta avariedade dessas superstiçõeshediondas em número e em

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grau. De sorte que qualquercriatura que a elas se dedique háde não mais receber a santacomunhão. E quando praticadassecretamente, o culpado há decumprir penitência durantequarenta dias. Se for clérigo, serásuspenso e confinado em ummosteiro; se for leigo, seráexcomungado; pelo que todasessas pessoas abjetas hão de serpunidas, junto com todas as quea elas recorrerem, e não se há depermitir qualquer espécie de

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perdão.

As mesmas penas são tambémprescritas pelas leis civis. ParaPortius Azo, em sua Summa,sobre o nono livro do Códice, arubrica a respeito de feiticeiros –a segunda após a Lex Cornelia,que trata de assassinos e dehomicidas – estabelece: “Saiba-seque todos os costumeiramentedenominados de feiticeiros oumagos, e também os quepraticam a arte da adivinhação,

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ficam sujeitos à pena de morte.”E a mesma pena torna a sermencionada: “Fica proibido aqualquer homem praticar aadivinhação; se a praticar, há deter como recompensa a mortepela espada de seu carrasco.” Háoutros que, por seusencantamentos, se empenhamem levar a vida de criaturasinocentes e que transformam apaixão das mulheres em desejoslascivos de toda sorte, pelo quetais criminosos hão de ser

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atirados às feras. E as leispermitem que se admitaqualquer testemunha comoprova. Pois isso é o que osCânones que tratam da defesa dafé recomendam explicitamente. Eo mesmo procedimento épermissível como punição porheresia. Quando se faz umaacusação dessa espécie, qualquerpessoa pode ser trazida comotestemunha do crime, tal comoem casos de lesa-majestade.Porque bruxaria é alta traição

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contra a Majestade de Deus. Eassim os acusados devem sertorturados para que confessem oseu crime. Qualquer pessoa, dequalquer classe, posição oucondição social, sob acusaçãodessa natureza, pode sersubmetida à tortura, e a que forconsiderada culpada, mesmotendo confessado o seu crime, háde ser supliciada, há de sofrertodas as outras torturas prescritaspela lei, a fim de que seja punidana proporção de suas ofensas.

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Observação: antigamenteesses criminosos sofriam duplapunição e eram muitas vezesatirados às feras para seremdevorados. Hoje, são queimadosvivos na fogueira, provavelmenteporque na sua maioria sãomulheres.

As leis civis proíbem tambémqualquer participação nessaspráticas ou qualquercumplicidade com seuspraticantes, porque é proibido aum adivinho até mesmo entrar

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na casa de outra pessoa; e muitasvezes determina-se que sequeimem todas as suas posses eque não seja permitido aninguém tratá-los com tolerânciaou consultá-los, muitas vezes sãodeportados para alguma ilhadistante e deserta e todos os seusbens são vendidos em leilãopúblico. Além do mais, todos osque consultam ou recorrem abruxas têm sido punidos com oexílio e têm confiscados todos osseus bens. Tais punições foram

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instituídas graças ao comumacordo de todas as nações e detodos os soberanos, e tal acordomuito tem contribuído para aeliminação da prática dessas artesproibidas.

Cumpre observar que alegislação muito louva os queprocuram anular os feitiços dasbruxas. E os que se esforçam paraque o trabalho do homem nãoseja prejudicado pela ação dechuvas e de tempestades degranizo são merecedores de

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grande recompensa, nunca depunição. Será integralmenteanalisado adiante como os malessemelhantes podem serprevenidos legalmente. Assim,como se poderia negar oufrivolamente contradizerqualquer uma dessas proposiçõessem que se recebesse o estigmade alguma notável heresia? Quecada homem julgue por si, salvo,de fato, se a sua ignorância oescusar. Mas que espécie deignorância é essa, capaz de

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escusá-lo, passaremos a explicardentro em pouco. Do que já sedisse, tiramos a seguinteconclusão: a opinião mais certa emais católica é a de que existemfeiticeiros e bruxas que, com aajuda do Diabo, graças a umpacto com ele firmado, se tornamcapazes, se Deus assim permitir,de causar males e flagelosautênticos e concretos, o que nãotorna improvável serem tambémcapazes de produzir ilusões,visionárias e fantásticas, por

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algum meio extraordinário epeculiar. Entretanto, o escopo dapresente investigação só abrangea bruxaria, que difere muitíssimode todas essas outras artesocultas. Considerá-las, portanto,seria fora de propósito, já que osque as praticam podem serchamados com maior exatidão deadivinhos, de vaticinadores ou deprofetas, e não de magos oufeiticeiros.

Cumpre perceber,particularmente, que os dois

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últimos erros se baseiam emcompleto desentendimento daspalavras do Cânon (não falareido primeiro erro, que,obviamente, a si próprio secondena, por flagrantementecontrário aos ensinamentos dasSagradas Escrituras). E, assim,passemos à interpretação corretado Cânon. Em primeiro lugar,falaremos do primeiro erroherético, que diz ser o meio purailusão, embora sejam realidadeos dois extremos.

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É preciso aqui ressaltar queexistem 14 espécies ou categoriasdistintas englobadas pelo gênerosuperstição, mas é desnecessárioanalisá-las pormenorizadamente,por questão de brevidade, já queforam perfeitamente descritaspor Santo Isidoro em suaEtymologiae, oitavo livro, e porSanto Tomás na SecundaSecundae, 92º questão. Além domais, se fará menção explícitadessas categorias inferioresquando da análise de sua

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gravidade, nas últimas questõesdesta Primeira Parte.

A categoria das bruxas é adas Pitonisas – pessoas em queme pelas quais o Diabo ora fala,ora realiza operações incríveis. Éessa a primeira categoria. Já osfeiticeiros têm categoria própria,distinta da primeira.

E como essas pessoas muitodiferem entre si, seria incorretoincluí-las todas na categoria emque tantas outras o são. OCânon, apesar de fazer menção

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explícita a certas mulheres, nãose pronuncia de forma tãoextensa a respeito de bruxas;estão, portanto, completamenteenganados os que, por isso, veemno texto canônico referênciaapenas a viagens imaginárias e aoir e vir no próprio corpo, etambém os que reduzem todasorte de superstições afenômenos ilusórios: assim comoaquelas mulheres sãotransportadas em suaimaginação, as bruxas o são de

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fato – corporeamente. E aos queinsistem em inferir dessaspassagens que os efeitos dasbruxarias – certas doenças eenfermidades – são puramenteimaginários, basta dizer queerram completa e notoriamenteem sua interpretação.

Cumpre observar que aindamais gravemente erram os que,embora admitam os doisextremos – ou seja, de um lado,alguma operação do Diabo, e dooutro, o seu efeito –, negam a

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existência de um instrumentointermediário; quer dizer, negamque alguma bruxa pudesse terparticipado dessa relação decausa e efeito: eis aí o seu erroherético fundamental: emfilosofia, o meio há de participarsempre da natureza dos doisextremos.

Ademais, é inútil argumentarque todo efeito das bruxarias éfantástico ou irreal, pois nãopoderia ser realizado sem que serecorresse aos poderes do Diabo:

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é necessário, para tal, que se façaum pacto com ele, pelo qual abruxa, de fato everdadeiramente, se torna suaserva e a ele se devota – o quenão é feito em estado onírico ouilusório, mas sim concretamente:a bruxa passa a cooperar com oDiabo e a ele se une. Pois que aíreside toda a finalidade dabruxaria; se os malefícios sãoinfligidos por mau-olhado, porfórmulas mágicas ou por algumoutro encantamento, tudo se faz

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através do Diabo, o que há de seresclarecido na questão seguinte.

Na verdade, o que lê comatenção as palavras do Cânon vaireparar, particularmente, emquatro pontos. O primeiro é este:é da obrigação de todas ascriaturas e de todos os padres daIgreja, e de todos os que tratamda cura das almas, ensinar a seusrebanhos que há somente umúnico Deus verdadeiro; não hánenhum outro no Céu ou naTerra a que se deva prestar

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adoração.Eis o segundo: não obstante

pensarem, as mulheresmencionadas em parágrafoanterior, que cavalgam (comopensam e dizem) ao lado deDiana ou de Heródias, estão elas,na realidade, a cavalgar com oDiabo, que, tendo adotado umnome pagão, lhes faz recair todoo seu encanto.

Considere-se o terceiroponto: o ato de cavalgar sópoderia ser ilusório (segundo

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alguns), já que o Diabo tempoderes extraordinários sobre amente dos que a ele se entregam,fazendo-os acreditar que oimaginário lhes aconteça de fatoe concretamente.

E temos o quarto ponto: asbruxas firmam um pacto deobediência ao Diabo em tudo oque fazem, daí o absurdo dequerer incluir nas palavras doCânon todos os atos de bruxaria:as bruxas fazem muito mais doque aquelas mulheres e, na

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realidade, são de espécie muitodiferente.

Se, através da magia, asbruxas são de fato ematerialmente transportadas deum lugar a outro, ou se issoacontece apenas na imaginação –como se dá com todas aspitonisas –, é questão a sertratada posteriormente nestaobra, onde também se discutiráde que modo são conduzidas. Aessa altura, portanto, já vemosesclarecidos, pelo menos, dois

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erros heréticos, graças a umacompreensão mais clara dosentido do Cânon.

Ademais, há um terceiro erro– o dos que afirmam todas asartes mágicas não passarem deilusão –, que pode ser demovidoatravés das próprias palavras doCânon. Referimo-nos, mais umavez, aos que julgam piores que osímpios os que creem nametamorfose das criaturas, paramelhor ou para pior, que nãopela vontade do próprio Criador

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de todas as coisas etc. Esses trêsenunciados são claramentecontrários ao que é afirmado nasSagradas Escrituras e noscomentários dos doutores daIgreja. Pois que o texto canônicodiz explicitamente ser possível arealização, pelas bruxas, dametamorfose, embora ascriaturas geradas devam sermuito imperfeitas e,provavelmente, de algum modo,disformes. Claro está que osentido do Cânon não se afasta

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do que nos diz Santo Agostinho arespeito dos magos na corte dofaraó, ao transformarem seusbastões em serpentes, conformese acha descrito no sétimocapítulo do Êxodo, 11º versículo:“[...] e o faraó mandou chamaros sábios e os magos...” Podemostambém nos reportar aoscomentários de Strabo, quandodiz que os Demônios percorremrapidamente toda a Terra –ocasião em que, através da suamagia, as bruxas deles se servem

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em operações várias – a recolhersementes (ou forçasgerminativas) capazes de fazermedrar e de espalhar diversasespécies. Podemos também nosreferir a São Alberto Magno emseu De Animalibus. E também àobra de Santo Tomás, primeiraparte, 114ª questão, quartoartigo. Por brevidade, não oscitaremos textualmente aqui, masfica assentado que é possível criarseres por metamorfose.

Com referência ao segundo

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argumento – que as criaturaspodem ser transmutadas emoutras, piores ou melhores –,cumpre entender que talfenômeno só pode ser realizadocom a permissão e, de fato, pelopoder de Deus. E mais: só com afinalidade de corrigir ou depunir. Embora Deus não raropermita aos Demônios agiremcomo Seus ministros e Seusservos, só Ele é capaz de infligirmales e só Ele é capaz de curar,porque “Eu matarei e Eu deixarei

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viver” (Deuteronômio, 32, 39).Assim, os anjos do mal podemrealizar, e de fato realizam, avontade de Deus. SantoAgostinho nos serve detestemunha ao dizer: “Existem,com efeito, feitiços, malefícios eencantamentos diabólicos, quenão só fazem adoecer os homenscomo também os matam.”Precisamos, ademais, nosempenhar em compreenderclaramente o que de fatoacontece quando, hoje em dia,

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pelos poderes do Diabo, osmagos e as bruxas sãotransformados em lobos e emoutros animais selvagens. OCânon fala de algumasmetamorfoses duradouras econcretas, mas não trata dascoisas extraordinárias que podemser feitas através da magia, e dasquais nos fala Santo Agostinhono 18º livro e no 17º capítulo deDe Ciuitati Dei, quando relatamuitas histórias estranhas: a dafamosa bruxa Circe e a dos

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companheiros de Diomedes e dopai de Prestantius. Essas questõesserão tratadas em pormenores naParte II.

Se há de ser heresiasustentar que asbruxas existem.

Eis a segunda parte de nossainvestigação: se é heresiasustentar obstinadamente que asbruxas existem. Atente-se para aquestão contrária: devem as

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criaturas que não acreditam naexistência de bruxas serconsideradas hereges oususpeitas de heresia? Parece sercorreta a primeira proposição.Por estar indubitavelmente deacordo com a opinião deBernardo Moderno. E, noentanto, as pessoas que franca eobstinadamente perseveram emheresia devem ser acusadas de talatravés de provas irrefutáveis.Tais provas, em geral, são de trêstipos: ou o indivíduo pregou e

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professou abertamente doutrinashereges; ou é considerado heregepela comprovação detestemunhas; ou, ainda, éconsiderado herege por sua livree espontânea confissão. Há osque se opõem publicamente àsautoridades ao declarar quebruxas não existem ou que estassão incapazes de infligir males oude causar flagelos à humanidade.Portanto, os que, estritamentefalando, estão convictos dessadoutrina diabólica devem,

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segundo a proposição deBernardo, ser excomungados,por se mostrarem aberta einconfundivelmente convictos defalsa doutrina. O leitor podeconsultar as obras de Bernardopara verificar que essa sentença éjusta, correta e verdadeira.Entretanto, talvez pareçacondenação muito severa,sobretudo em virtude da penaque se segue à da excomunhão: oCânon prescreve que os clérigossejam rebaixados e que os leigos

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sejam entregues a tribunaisseculares, advertidos para puni-los na medida das suas ofensas.Precisamos, ademais, levar emconsideração o grande númerode pessoas que, por meraignorância, acabam sendoconsideradas culpadas dessaheresia. E como esse erroherético é muito comum, o rigorda justiça talvez devesse sertemperado com o perdão. Comefeito, é nossa intenção formularjustificativas para os acusados

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dessa heresia, sem os pronunciarcontaminados pela malíciaherética. Convém então, quandoum homem se acha sob fortesuspeita de desposar opiniãofalsa, não o condenarimediatamente pelo grave crimede heresia. (Ver a glosa deBernardo Moderno a respeito dapalavra condenado.) Pode-se, naverdade, instaurar processocontra pessoa sob grave suspeita,mas não se há de condená-la semque se ouça o que tem a dizer.

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Não obstante, a suspeita pode sergravíssima, e não havemos, porisso, de nos abster de levantar talsuspeita, quando suas afirmaçõesfrívolas parecem afrontar deforma indubitável a pureza da fé.Pois que existem três espécies desuspeita – a leve, a séria e a grave–, as quais são tratadas nocapítulo sobre as Acusações e nocapítulo Contumácia, sexto livro,Sobre heresia. Tais casos são daalçada da corte arquidiaconal.Pode-se também fazer menção

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aos comentários de Giovannid’Andrea e, em particular, àssuas glosas a respeito de acusado;de gravemente suspeito; e à suanota a respeito da pressuposiçãode heresia. Certo é também queos que estabelecem a lei sobreesse assunto não percebem,muitas vezes, que estãodesposando falsas doutrinas efalsas crenças, pois muitosexistem que não possuemconhecimento das leis canônicas– alguns, por mal-informados e

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por insuficiente leitura, revelam-se por demasiado hesitantes emsuas opiniões. Para uma pessoaser acusada de heresia não bastavê-la defender simplesmenteuma ideia: é preciso que a leveadiante, que a defenda obstinadae abertamente. Por isso, em casossemelhantes aos que acabamosde mencionar, os acusados nãodeverão ser condenados deimediato pelo crime de heresia.Mas que nenhum homem pensepoder escapar alegando

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ignorância. Pois os que erraram ocaminho por ignorância podemse achar em pecado gravíssimo.Porque, embora existam váriosgraus de ignorância, osresponsáveis pela cura das almasnão podem pleitear ignorânciaabsoluta, nem aquela ignorânciaparticular à qual se referem osfilósofos e que os professores deDireito Canônico e os teólogoschamam de “ignorância do fato”.O que há de ser censuradonessas pessoas é a ignorância

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universal, ou seja, a ignorânciada lei divina, a qual, conformedeterminou o papa Nicolau V,devem e deveriam conhecer. Poisele nos diz: “Ministrar osensinamentos divinos, eis o que anós é confiado: recaia sobre nós adesgraça se não semearmos a boasemente, recaia sobre nós adesgraça se não ensinarmos bemao nosso rebanho.” Portanto, osencarregados de cuidar das almashão de ter conhecimento sólidodas Sagradas Escrituras. É

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verdade que segundo Raimundode Sabunde e Santo Tomás osresponsáveis pela cura das almascertamente não haverão de serhomens de um conhecimentoextraordinário, mas hão de teralgum conhecimento ecompetência, quer dizer, umconhecimento suficiente, quelhes permita bem realizar astarefas de sua condição.

E, no entanto, o que pode seralgum consolo para eles, aseveridade teórica da lei é muitas

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vezes suavizada na prática;podem ficar sabendo que aignorância da lei canônica, nãoobstante por vezes merecedorade culpa, é considerada de doispontos de vista. Há, em primeirolugar, as pessoas que não sabem,por não desejarem saber nemterem intenção de saber. Parasemelhantes pessoas não hádesculpa: hão de ser condenadas.E destas o salmista fala: “Ele nãoentendia para que não pudessefazer o bem.” Em segundo lugar,

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há os ignorantes involuntários,não pelo desejo de não saber, oque já diminui a gravidade dopecado. Este é o caso a que serefere São Paulo na primeiraepístola a Timóteo (1, 13): “Masalcancei a misericórdia de Deus,porque, ainda sem fé, o fazia porignorância.” Afirma-setecnicamente que é essa averdadeira ignorância, a qual sóindiretamente é daresponsabilidade da pessoa, jáque pelas muitas outras

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ocupações deixa de cuidar deassuntos que havia de saber enão se empenhando em com elesse familiarizar: essa ignorâncianão desculpa o acusadointeiramente, mas o desculpa emcerta medida. Eis o que nos dizSanto Ambrósio, referindo-seàquela passagem da epístola deSão Paulo aos Romanos (2, 4):“Não sabíeis que a bondade deDeus havia de conduzir-vos àpenitência? Se não sabíeis devossa própria falta, então vosso

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pecado é muito grande elamentável.” Ainda mais nestesdias, em que as almas sãoassediadas por tantos perigos, énosso dever afastar toda aignorância e sempre ter, perantenossos olhos, a punição severaque nos há de sobrevir se nãousarmos, cada um de acordo comsuas possibilidades, o talento quenos foi dado. Dessa maneiranossa ignorância não irá serevestir da rudeza e daboçalidade a que

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metaforicamente são dados osque não veem o que se acha bemdistante dos seus olhos.

E no Flores RegularumMoralium, o chanceler romano,ao comentar a segunda lei, diz:“A ignorância da lei divina,passível de culpa, não há deprejudicar necessariamente quema ignora: o Espírito Santo é capazde conceder a um homem todo oconhecimento apenas através desua capacidade intelectualnatural sem qualquer auxílio.”

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A resposta ao primeiroargumento se encontra, então,no entendimento claro e corretodo Cânon. Ao segundoargumento Pedro de Tarentaise(Inocêncio V) responde: “Semdúvida o Diabo, pelamalevolência que nutre contra araça humana, a destruiria, seDeus assim o permitisse.” O fatode que Deus, às vezes, o deixapraticar o mal, e de que, noutras,o impede, mais lhe fomenta oódio, mais lhe estimula o

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desrespeito, já que em todas ascoisas, para manifestação da Suaglória, Deus está usando oDiabo, sem cuidar quem seja,como servo e como escravo. E emresposta ao terceiro argumentocumpre entender: infligirenfermidades e outros males háde ser sempre o resultado deesforços humanos, porquanto abruxa submete sua vontade aomal, como o faz qualquermalfeitor, e pela sua vontadepassa a afligir uma outra pessoa,

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ou a causar males, ou a realizaratos vis. E quando se pergunta seo movimento de objetosmateriais de um lugar para outro,pelos poderes do Diabo, temparalelo no movimento dasesferas celestes ou éacompanhado por talmovimento, a resposta é uma só:não. Porque os objetos materiaisnão são movidos por forçaprópria, natural e inerente, mas osão por uma certa obediência aospoderes do Diabo, que, em

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virtude de sua própria natureza,possui domínio sobre os corpos esobre as coisas materiais; o Diabopossui tais poderes, reafirmo,mas não é capaz de modificar aforma ou a configuração dosobjetos materiais criados, seja suaforma circunstancial ousubstancial, sem misturá-los comoutros objetos naturais criados.Mas como, pela vontade deDeus, é capaz de realmentemover objetos materiais de umlugar para outro, é capaz então,

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pela conjunção de vários objetos,de produzir doenças ou coisassemelhantes, à sua vontade.Donde os malefícios e os efeitosda bruxaria não seremgovernados pelo movimento dasesferas celestes, nem o Diaboestar subordinado a talmovimento, pois é ele que muitasvezes dele se utiliza para realizarseus propósitos.

E eis a resposta ao quartoargumento: segundo o que

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acabamos de afirmar comreferência ao poder e aos efeitosda bruxaria, vemos que as obrasde Deus podem ser destruídaspor obra do Diabo. Mas comoisso só é possível com a permissãode Deus, não se há de dizer queo Diabo é mais forte que Deus.Tornamos a afirmar que ele nãoé capaz de usar de tanta violênciaquanto desejaria para prejudicaras obras do Criador: se tal lhefosse permitido, acabaria pordestruí-las por completo, todas

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elas.A resposta ao quinto

argumento pode ser claramenteenunciada da seguinte maneira:os astros e as plantas não têm opoder de coagir nem de obrigarDemônios a realizar qualqueração contra a sua vontade, nãoobstante, aparentemente, semostrarem mais dispostos aaparecer quando invocados pormagos sob a influência de certosastros. Parece que assimprocedem por duas razões.

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Primeiro, porque sabem que opoder dos astros vai contribuirpara o efeito que os magosdesejam. Segundo, porquepretendem iludir os homens,fazendo-os pensar que os astrostêm algum poder divino, que sãodotados de alguma influênciadivina. Sabemos que, naAntiguidade, essa veneração dosastros levou à mais infameidolatria.

Em oposição ao último

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argumento, que se funda naobtenção de ouro pelosalquimistas, podemos citar aopinião de Santo Tomás aodiscutir os poderes do Diabo ecomo ele opera: não obstantecertas formas com substânciapoderem ser produzidas peloengenho humano e pela força deagentes naturais – do modo, porexemplo, como se produz o fogona madeira –, nem sempre seconsegue combinar os agentesapropriados nas devidas

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proporções para produzi-las,embora ainda assim se consigacriar algo semelhante. De sorteque os alquimistas conseguemproduzir algo semelhante a ouro,isto é, no seu aspecto externo,mas não ouro genuíno,porquanto a substância áureanão é formada pelo calor do fogoque empregam, mas pelo calordo sol, ao agir e reagir emdeterminado lugar, onde seconcentra e se acumula a forçamineral. Portanto, embora o

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ouro produzido seja do mesmoaspecto que o natural, não é damesma natureza deste. O mesmoargumento se aplica a todas asoutras transmutações.

Eis, então, nossa proposição: osDemônios, pelo seu engenho,produzem efeitos maléficosatravés da bruxaria, apesar de serverdade não conseguirem criarqualquer forma sem o auxílio dealgum outro agente, seja essaforma circunstancial ou

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substancial, e não sustentamosque consigam infligir danosfísicos sem o auxílio de certosagentes. Mas, com a devidaajuda, conseguem provocardoenças e toda sorte desofrimento e de padecimentohumanos, reais e verdadeiros. Deque modo as bruxas (emcooperação com os Demônios)empregam tais agentes e ostornam eficazes é questão a seresclarecida nos capítulosseguintes.

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QUESTÃO II

Se está de acordo com aFé Católica sustentar queos Demônios cooperamintimamente com asbruxas para realizaremcertos prodígios, ou se umsem as outras – ou seja, osDemônios sem as bruxasou vice-versa – é capaz derealizá-los.

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Eis a primeira proposição: os

Demônios são capazes de causarmalefícios sem a cooperação dequalquer bruxa. É o que defendeSanto Agostinho. Todas as coisasque acontecem no plano dovisível podem ser (acredita-se)obra dos poderes inferiores do ar.Mas os males e as enfermidadesdo corpo não são, decerto,invisíveis: são evidentes aossentidos e, logo, podem sercausados por Demônios. E

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sabemos pelas SagradasEscrituras dos desastres querecaíram sobre Jó – de como ofogo vindo dos Céus atingiu seurebanho e seus servos e osconsumiu, e de como umviolento vendaval derrubou umacasa pelos seus quatro cantos porsobre as crianças que lá dentro seencontravam, matando-as. ODiabo, por si só, sem acooperação de qualquer bruxa,tão somente com a permissão deDeus, foi capaz de provocar

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todos esses desastres. Portanto,certamente é capaz de realizarcertos prodígios muitas vezesatribuídos à ação de bruxas.

E isso fica evidenciado pelahistória dos sete maridos dadonzela Sara, mortos peloDemônio. E o que quer quedeterminadas forças superioressejam capazes de fazer, o fazemsem recorrer a quaisquer outrasforças superiores e, muito menos,a algumas outras forçasinferiores. Não obstante, as

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forças inferiores são capazes deprovocar tempestades, deprovocar males, mesmo sem oauxílio de qualquer forçasuperior. Pois que Santo AlbertoMagno, em sua obra Depassionibus aeris, afirma quesálvia em putrefação, quandojogada em água corrente, daforma que o autor explica,provoca as mais tenebrosastempestades, as mais temíveistormentas.

E pode-se dizer que o

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Demônio se utiliza das bruxasnão porque precisa desemelhantes agentes, mas porquevisa sua perdição. Podemosreportar-nos ao que declaraAristóteles no terceiro livro desua Ética. O mal é um atovoluntário comprovado pelo fatode que ninguém o pratica pelosimples prazer de o praticar: umhomem que pratica o estupro, ofaz por prazer, mas não pelosimples prazer de o praticar.Contudo, a lei pune os que

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praticam o mal como se otivessem praticado pela simplesvontade de assim proceder.Assim, se o Demônio age pormeio de uma bruxa, estásimplesmente a utilizá-la comoinstrumento; e como o uso deum instrumento depende davontade de quem o emprega – jáque instrumentos não agem porconta própria –, a culpa do atonão há de recair sobre a bruxa e,consequentemente, ela nãohaverá de ser punida.

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Mas professam os de opiniãocontrária que o Diabo é incapazde tão facilmente, tãoprontamente, causar males, por sisó, à humanidade, pois que só ospode causar por intermédio dasbruxas, não obstante serem elassuas servas. Em primeiro lugar,havemos de considerar o ato dageração. Mas para que o ato dealguém tenha efeito sobreoutrem deve haver algumaespécie de contato, e como oDiabo, por ser espírito, não pode

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ter essa espécie de contato com ocorpo humano, pois nada há decomum entre ambos, passa autilizar-se de outros sereshumanos como instrumentos,outorgando-lhes o poder decausar o mal através do contatocorporal. Para muitos essa é aopinião comprovada pelasSagradas Escrituras, e tambémpela sua glosa, pois é o que nosdiz o terceiro capítulo da epístolade São Paulo aos Gálatas: “Óinsensatos gálatas! Quem vos

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fascinou a vós para que deixásseisde obedecer à verdade?” E aglosa sobre essa passagem refere-se àqueles cujos olhossingularmente faiscantes emalignos conseguem, pelo meroolhar, causar o mal a outrascriaturas, especialmente acrianças pequenas. Avicena étambém da mesma opinião(Naturalium, terceiro livro, nofinal) ao dizer: “Muitíssimasvezes a alma consegue ter tantainfluência sobre o corpo de

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outrem quanto a tem sobre opróprio corpo, pois essa éinfluência que qualquer pessoatem sobre outra, ao atraí-la e aofasciná-la pelo olhar.” A mesmaopinião é defendida pelo filósofoárabe Al-Gazali no quinto livro eno décimo capítulo de sua Física.Avicena também sugere, emboranão tome a opinião comoirrefutável, que o poder daimaginação é capaz de, narealidade ou na aparência,modificar os corpos de outras

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pessoas, quando esse poder daimaginação não é reprimido;portanto, concluímos que opoder da imaginação não há deser distinto dos demais poderessensíveis do homem, por sercomum a todos os demais eabranger a todos eles ao mesmotempo. E essa é uma verdade,pois o poder da imaginação écapaz de alterar de fato os corposadjacentes. Um homem, porexemplo, é capaz de caminharsobre um fio estreito estendido

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no meio da rua; mas, quandoesse mesmo fio é estendido sobreáguas profundas, o mesmohomem não arriscaria caminharsobre ele, porque sua imaginaçãofortemente lhe imprimiria nopensamento, a imagem daqueda, e, portanto, o seu corpo eos seus membros obedeceriam àsua imaginação, e não à intençãocontrária, ou seja, caminharadiante e sem hesitação. Essamodificação pode ser comparadaà influência exercida pelos olhos

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de uma pessoa que possua talpoder, de sorte a causar em outrauma alteração mental emboranão cause alteração corpóreareal.

E, de mais a mais, aoargumentar-se que semelhantealteração é causada por um corpovivo graças à influência dopensamento sobre outro corpovivo, pode-se aceitar essaexplicação. Na presença de seuassassino, o sangue flui dasferidas do cadáver da pessoa

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assassinada. Portanto, semqualquer poder mental os corpossão capazes de produzir efeitosmaravilhosos, e quando umoutro homem passa por perto docadáver de outro, assassinado,embora possa não perceber omorto, muitas vezes treme demedo.

Repetindo: há algumas coisasna natureza que possuem certospoderes ocultos, cuja razão ohomem desconhece; esse, porexemplo, é o caso da pedra-ímã,

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que atrai o aço e muitas outrascoisas semelhantes, e que SantoAgostinho menciona no vigésimolivro De Ciuitate Dei.

E assim as mulheres, a fim decausar alterações nos corpos deoutras pessoas, às vezes se servemde certos elementos, queultrapassam nossa compreensão,mas não sem a ajuda do Diabo. Eporque tais remédios sãomisteriosos, não lhes devemosatribuir aos poderes do Diabo

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como havemos de atribuir àsfórmulas malignas forjadas pelasbruxas.

Assim é que as bruxas usamcertas imagens e outros estranhosamuletos, que costumam deixardebaixo das vergas das portas nascasas, ou nos prados onde sepastoreiam os rebanhos, oumesmo onde se reúnem oshomens, e assim lançam seufeitiço sobre a vítima, a qual, bemse sabe, acaba muitas vezesmorrendo. Mas, como tais efeitos

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extraordinários provêm deimagens e de amuletos, pareceque sua influência é proporcionalà influência dos astros sobre oscorpos humanos, pois que oscorpos naturais são influenciadospelos corpos celestes, de modoque muitos corpos artificiaispodem também ser influenciadosde forma semelhante. Mas oscorpos naturais podem sebeneficiar de certas influênciassecretas, não obstante salutares.E, portanto, os corpos artificiais

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também podem receber taisinfluências. Logo, é evidente queos que se dedicam à arte da curabem a podem exercer atravésdessas influências salutares, quenão têm absolutamente qualquerrelação com poderes malignos.

E parece que a maioria doseventos miraculosos eextraordinários consuma-se porobra dos poderes da natureza.Pois coisas maravilhosas, terríveise impressionantes acontecem por

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causa das forças naturais. É o quesalienta São Gregório em seuSegundo diálogo (DialogorumLibri IV). Os santos operammilagres, ora por meio de umaprece, ora por meio de seuspoderes tão somente. Eis algunsexemplos: São Pedro, por meioda oração, trouxe de volta à vidaTabita, que já havia morrido. Aocensurar Ananias e Safira, quehaviam mentido, matou ambos,sem qualquer prece. Pode assimum homem, pela sua força

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mental, transformar um corpomaterial em outro, ou o transporda saúde para a doença e vice-versa.

Além disso, o corpo humanoé mais nobre que qualquer outrocorpo, mas como as paixões damente humana se modificam eora se inflamam, ora se esfriam –quando se sente raiva ou medo,por exemplo –, esse mesmo corpopode sofrer modificações maisprofundas, como os efeitos dedoença ou da morte, os quais,

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pela sua força, podem muitotransformar um corpo material.

Convém, porém, que seadmitam certas objeções. A forçada mente humana nadaconsegue imprimir sobrequalquer forma, exceto pelaintervenção de algum agente,conforme já dissemos. E são estasas palavras de Santo Agostinhono livro já por nós citado: “Éimpossível crer que anjos caídosdo Céu sejam obedientes aqualquer outra coisa material,

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porquanto hão de obedecer aDeus tão somente.” E os homens,por seu poder natural, poucoconseguem realizar em termos deefeitos extraordinários emalignos. É preciso responderaos que, ainda hoje, erramfundamentalmente nesse ponto,fazendo a apologia de bruxas eatribuindo toda a culpa àshabilidades do Demônio, ouatribuindo as alterações por elasprovocadas a fenômenosnaturais. É possível esclarecer

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esses erros facilmente. Primeiro,pela descrição das bruxas feitapor Santo Isidoro em seuEtymologiae, c. 9: as bruxas sãoassim chamadas pela negrura desua culpa, quer dizer, seus atossão mais malignos que os dequaisquer outros malfeitores. E oautor continua: elas incitam econfundem os elementos com aajuda do Demônio, causandoterríveis temporais de granizo eoutras tempestades. E mais:enfeitiçam a mente dos homens,

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levando-os à loucura, ao ódioinsano e à lascívia desregrada. E,prossegue o autor, pela forçaterrível de suas palavras mágicas,como por um gole de veneno,conseguem destruir a vida.

E as palavras de SantoAgostinho em De Ciuitate Deisão muito relevantes, por nosdizerem quem realmente são osmagos e as bruxas. Bruxas,também chamadas de feiticeiras,são assim denominadas por causada magnitude de seus atos

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maléficos. São as que, pelapermissão de Deus, perturbam oselementos – as forças da natureza–, são as que confundem a mentedos homens, conduzindo-os àdescrença em Deus, e que, pelaforça terrível de suas fórmulasmalignas, sem qualquer poção ouveneno, matam seres humanos.Como diz Lucas: a mente quenão foi corrompida por algumabebida nociva acaba perecendoao ser atingida por algumencantamento maligno. Havendo

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convocado Demônios em seuauxílio, na realidade se atrevem arecobrir a humanidade dedesgraças e males, chegando adestruir seus inimigos através defórmulas mágicas. E é certo queem operações dessa natureza abruxa trabalha em íntimacooperação com o Demônio. Emsegundo lugar, os castigos são dequatro tipos: os benignos, osnocivos, os forjados por bruxariae os naturais. Os castigosbenignos ou benéficos são

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impostos pelo ministério de anjosbons, exatamente como o são oscastigos nocivos ou maléficos:pela intervenção de espíritos domal. Moisés, pelo ministério deanjos bons, puniu o Egito comdez pragas, mas os magos, peloauxílio do Demônio, sóconseguiram realizar três dessesmilagres. E a peste que assolou opovo de Israel durante três dias,por causa do pecado de Davi queordenara recensear a população,e os 72 mil homens assassinados

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em uma só noite nas hostes deSennacherib foram milagresrealizados por anjos do Senhor,ou seja, por anjos bons quetemiam a Deus e sabiam queagiam sob o Seu comando.

Os castigos nocivos, noentanto, são executados por meiode anjos maus, cujas mãosafligiram tantas vezes as criançasde Israel no deserto. E os flagelosque não passam de atos nocivosforjados por bruxaria sãorealizados pelo Demônio, que

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opera por intermédio deadivinhos e de bruxas. Existemtambém os castigos naturais, quede alguma forma dependem daconjunção dos corpos celestes,como a carestia e a fome, o estio,as tempestades e fenômenossemelhantes da natureza.

É óbvio que há uma enormediferença entre todas essascausas, todas essas circunstânciase todos esses episódios. Pois se Jófoi afligido por um mal causado

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pelo Diabo não quer dizer quetenha relação com o que estamostratando. E se alguém maisinteligente e mais curioso indagarde que modo pode Jó ser assimafligido sem a participação dealguma bruxa ou de algumadivinho, saiba que a indagação évazia e foge à realidade dos fatos.Pois que ao tempo de Jó nãohavia bruxas ou feiticeiras: taisabominações ainda não erampraticadas. Porém, quis aProvidência Divina que pelo

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exemplo de Jó os poderes doDiabo se manifestassem, mesmosobre os bons homens, de sorte aaprendermos a nos guardarcontra Satã, e que, pelo exemplodesse santo patriarca, a glória deDeus se manifestasse em seuesplendor, porquanto nadaacontece sem a permissão doTodo-Poderoso.

Com relação à época em que essasuperstição maligna, a bruxaria,surgiu havemos primeiro de

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distinguir os adoradores doDemônio dos meramenteidólatras. Vincent de Beauvais,em seu Speculum Historiale,citando muitos autores eruditos,professa ter sido Zoroastro oprimeiro a praticar as artesmágicas e a astrologia. Zoroastro,conhecido como Chem ou Chamo filho de Noé. Segundo SantoAgostinho, em sua obra DeCiuitate Dei, Cham, ao nascer,riu às gargalhadas, provandoassim ser um servo do Diabo, e

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embora se tenha transformadoem grande e poderoso rei, foidestronado por Ninus, o filho deBelus, que construiu Nínive ecujo reinado deu origem aoimpério da Assíria no tempo deAbraão.

Quando seu pai morreu e porcausa da adoração insana quepor ele cultuava, Ninus mandouconstruir-lhe uma estátua, e todocriminoso que nela se refugiassevia-se livre de qualquer pena oucastigo que tivesse contraído.

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Desde essa época os homenspassaram a adorar ídolos eestátuas como se fossem deuses;mas isso ocorreu já maistardiamente na história, pois noprincípio não havia idolatria:nessa época, os homens aindaguardavam lembrança da criaçãodo mundo, como afirma SantoTomás, no segundo livro, 95ªquestão, quarto artigo. Ou talveza idolatria se tenha iniciado comNembroth, que obrigava oshomens a cultuar o fogo. Assim,

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na segunda era da história domundo é que surgiu a idolatria,primeira de todas as superstições,sendo a segunda a adivinhação, ea observação do tempo e dasestações a terceira.

A bruxaria se inclui nosegundo tipo de superstição – noda adivinhação – porque nela seinvoca o Diabo, expressamente.Aí se encontram ainda trêsoutros tipos de superstição: anecromancia, a astrologia (ouastromancia) e a oneiromancia (a

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observação supersticiosa dosastros).

Explico essa questão dessaforma e nessa profundidade paraque o leitor possa entender queas artes diabólicas não surgiramno mundo repentinamente:foram surgindo no decurso dotempo. Portanto, não éimpertinente ressaltar que notempo de Jó não havia bruxas.Mas, com o passar dos anos,conforme nos conta São Gregórioem seu Moralia, a sabedoria dos

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santos crescia econsequentemente, na mesmaproporção, cresciam as artesmalignas do Demônio. Diz oprofeta Isaías: “Porque a terraestará cheia da sabedoria doSenhor” (11, 9). E assim, nestecrepúsculo sombrio dacivilização, quando se vê opecado florescendo por todos oslados e por todos os cantos, e acaridade desaparecendo, é que sepercebe o prosperar daperversidade das bruxas e de

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suas iniquidades.Como Zoroastro se dedicava

integralmente às artes mágicas,era o Diabo tão somente que oinspirava a estudar e a observaros astros. Desde o princípiomagos e bruxas já pactuavamcom o Demônio e se tornavamseus cúmplices para infligir malessobre a humanidade. Essaafirmação é comprovada nosétimo capítulo do Êxodo, ondese diz que os magos do faraó,pelos poderes do Demônio,

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realizavam maravilhasextraordinárias, a imitar osflagelos que Moisés fez seabaterem sobre o Egito atravésdos poderes de anjos bons.

Daí provém o ensinamentocatólico a dizer que as bruxas,para realizarem seus malefícios,de fato cooperam com o Diabo.Quaisquer objeções a essesargumentos podem ser, portanto,refutadas.

1. Em primeiro lugar, ninguém

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há de negar que certos flagelos emales que de fato e visivelmentese abatem sobre os homens, osanimais e os frutos da terra – eque não raro decorrem dainfluência dos corpos celestes –podem ser muitas vezes causadospelos Demônios, conquantoDeus o permita. Diz-nos SantoAgostinho no quarto livro DeCiuitate Dei: “Os Demôniospoderão fazer uso do fogo e doar, se assim Deus lhes permitir.”Um comentarista ainda ressalta:

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“Deus pune pelo poder dos anjosdo mal.”

2. Daí surge, sem dúvida, aresposta a quaisquer objeçõesformuladas a Jó e a quaisquerobjeções que se possam levantarà nossa explicação dosprimórdios das artes mágicas nahistória do mundo.

3. Com relação ao fato deque sálvia putrefacta, ao serlançada em água corrente,produz efeitos malignos mesmosem o auxilio do Diabo – embora

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talvez tais efeitos não estejam detodo desvinculados da influênciade certos corpos celestes –,gostaríamos de frisar que não énossa intenção discutir ainfluência benéfica ou maléficados astros e sim só a da bruxaria.Por isso, essa questão não vem apropósito.

4. Com relação ao quartoargumento, decerto é verdadeque o Diabo só se utiliza dasbruxas para causar-lhes a suaprópria destruição. Deduzir-se

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daí, porém, que as bruxas nãodevem ser punidas, por seremmeros instrumentos que nãoagem por sua própria vontade,mas sim pela vontade e prazer doseu mandante principal, éconclusão a ser refutada: sãoinstrumentos humanos e agenteslivres: embora tenham firmadoum pacto e um contrato com oDiabo, continuam a gozar deliberdade absoluta: conforme sedepreende de suas própriasrevelações – e estou a me referir

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a mulheres que foramcondenadas e queimadas vivasna fogueira e que foramcompelidas a dar livre curso à suacólera e à sua maldade casodesejassem escapar dos castigos egolpes infligidos pelo Diabo –,essas mulheres cooperaram como Demônio tendo a ele seentregado, a princípio, por sualivre e espontânea vontade.

Com relação aos demaisargumentos que buscam

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demonstrar que certas mulheresjá velhas possuidoras de um certoconhecimento oculto conseguemrealizar façanhas extraordináriase infligir males de fato, sem aajuda do Diabo, é preciso deixarclaro: chegar a essa conclusãogeral, universal, a partir deargumentos particulares, écaminho contrário ao da boalógica. Quando, como parece, natotalidade das SagradasEscrituras não se encontra um sóexemplo desses casos – salvo no

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que tange aos feitiços eencantamentos praticados pormulheres velhas –, não havemosde por essa exceção concluir quesempre é esse o caso. Ademais, asautoridades, ao comentaremsobre tais passagens, deixam aquestão em aberto – quer dizer,se tais feitiços e encantamentosteriam ou não de fato eficáciasem a colaboração do Diabo. Taisencantamentos podem serclassificados em três tipos. Emprimeiro lugar, há o da ilusão dos

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sentidos – que realmente podeser produzida por magia, ou seja,pelos poderes do Diabo, se Deusassim permitir. Os sentidospodem também ser iluminadospelos poderes de anjos do bem.Em segundo lugar, há o dafascinação pelo encanto e pelasedução, a exemplo do que nosdiz o apóstolo: “Ó insensatosgálatas! Quem vos fascinou avós?” (Gálatas, 3, 1). Em terceirolugar, há o do feitiço lançadopelo olhar sobre outra pessoa,

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que pode ser prejudicial emaligno.

É desse tipo de fascinaçãoque falavam Avicena e Al-Gazali.Santo Tomás também lhe fazmenção, primeira parte, 117ªquestão. Diz ele que a mente deum homem pode serinfluenciada pela de outrapessoa, e que a influênciaexercida sobre outrem muitasvezes provém do olhar, porqueno olhar se pode concentrar umacerta força sutil. O olhar pode ser

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fixado em determinado objetosem que se atente para os demaisobjetos ao redor e, embora avisão se encontre perfeitamenteclara, à vista de alguma impurezao olhar a contrai – como ocorreàs mulheres durante seusperíodos mensais. Isso é o quenos diz Aristóteles em sua obraSobre o sono e a vigília. Assim, seo espírito de qualquer pessoa seinflama e se enche de malícia ede cólera, como, muitas vezes, sóiacontecer a mulheres idosas, tal

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espírito perturbado se deixatransparecer no olhar: suafisionomia adquire os traços maismalignos e os mais prejudiciais esaem, muitas vezes, a aterrorizarcriancinhas, que nos primeirosanos de vida são muitíssimoimpressionáveis. Pode-se afirmarque, muitas vezes, esse fenômenoé natural, permitido por Deus;por outro lado, pode ser tambémque esses olhares malévolossejam inspirados pela malícia doDiabo, com quem essas velhas

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bruxas terão firmado um pactosecreto.

A questão seguinte dizrespeito à influência dos corposcelestes, onde encontramos trêserros muito comuns, mas queserão refutados no decorrer daexplicação sobre outros assuntos.

Com relação aos atos debruxaria, verificamos seremalguns decorrentes da influênciamental sobre outras pessoas eque, por vezes, tal influência

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poderia ser benéfica, mas que setorna maléfica em virtude de seumotivo.

São quatro os principaisargumentos contra aqueles quenegam a existência de bruxas oude bruxaria – a qual pode serrealizada durante a conjunção decertos corpos celestes e que, pelamalícia dos seres humanos,permite a concretização do mal,através da modelagem deimagens, do uso de fórmulas oude palavras mágicas e da

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inscrição de sinais misteriosos.Todos os teólogos e filósofosconcordam em que todos oscorpos celestes são guiados ougovernados por certos meiosespirituais. Mas tais meiosespirituais são superiores àsnossas mentes e almas, damesma forma que os corposcelestes são superiores a todos osdemais corpos, e, portanto, sãocapazes de exercer influênciasobre as mentes e os corpos doshomens – os quais são assim

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persuadidos e dirigidos para arealização de certos atoshumanos. Porém, para que setente elucidar em maiorprofundidade essa questão,devemos considerar certasdificuldades a partir de cujadiscussão se há de chegar commais clareza à verdade. Emprimeiro lugar, as substânciasespirituais não podemtransmutar os corpos em outrasformas naturais sem aintermediação de algum agente.

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Portanto, por mais forte que sejaa influência mental, não terá elaqualquer efeito transformadorsobre a mente ou a fisionomia deum homem. Ademais, há umahistória que é condenada pordiversas universidades,sobretudo pela de Paris: a de queum mago é capaz de, apenas comum simples olhar, jogar umcamelo no fundo de um fosso.Por isso é que se há de condenara afirmação de que os corposfísicos obedecem às influências

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espirituais, obediência, valefrisar, no sentido de semodificarem ou de setransformarem de fato. Cumpreinsistir: só há obediência absolutacom relação a Deus. Com essesargumentos em mente, podemosagora ver de que modo é possívelexercer a fascinação pelo olhar,de que falávamos, e em quemedida tal é possível. Não épossível que o homem, apenaspelo olhar e sem intermédio deseu próprio corpo ou de algum

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outro agente, consiga infligir mala outro homem. Nem é possívelque o homem, através dospoderes naturais da sua mente,consiga causar transformações nocorpo de outro homem, por meiode um simples olhar sobre ele,apenas pela sua vontade e peloseu prazer.

Portanto, por nenhum dessesmeios é capaz o homem deinfluenciar e dominar porencantamento seu semelhante –pois não há homem que através

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dos poderes naturais de suamente consiga exercer talextraordinária influência. Quererassim provar que os efeitos domal podem ser gerados poralguma força natural é afirmarque essa força natural é a forçado Demônio, o que se acha, defato bem distante da verdade.

Entretanto, podemosesclarecer com maior nitidez deque modo é possível fazer malpor meio do olhar. Podeacontecer de um homem ou uma

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mulher olhar fixamente umacriança e esta, devido à suasuscetibilidade visual e à força desua imaginação, sofrer impressãoconsiderável e direta. Eimpressão desse tipo muitas vezesse acompanha de alteraçãocorpórea, por serem as criançasmuito propensas a tal, já que osolhos são dos mais sensíveisórgãos do corpo. Pode acontecer,assim, de os olhos receberemimpressão maléfica, sofrendograve transfiguração, pois

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muitíssimas vezes ospensamentos e os movimentosdo corpo são influenciados erevelados pelo olhar. É possível,portanto, a certos maus-olhados,rancorosos e malévolos, deixarprofunda marca na memória e naimaginação de uma criança, deforma a refletir-se em seu próprioolhar. Podem, daí, decorrerefeitos reais: a criança poderáperder o apetite, tornar-seincapaz de se alimentar e acabaradoecendo gravemente.

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Notamos, às vezes, que o olharde um homem que sofre dealguma moléstia dos olhos écapaz de ofuscar e debilitar osolhos dos que o fitam, embora talfenômeno, em grande medida,não passe do mais puro efeito daimaginação. Muitos outrosexemplos semelhantes poderiamser aqui aditados, mas, porquestão de concisão, não osdiscutiremos em maioresdetalhes.

Tudo isso é confirmado pelos

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comentaristas do Salmo Quitiment te uidebunt me. Residenos olhos poderosa força que semanifesta até mesmo em certosfenômenos naturais. Quando umlobo vê primeiro um homem,deixa-o subitamente mudo.Quando um basilisco, o monstroem forma de serpente, vêprimeiro um homem, seu olharlhe é fatal, mas quando sói de ohomem vê-lo primeiro, tambémé capaz de matá-lo pela vista; obasilisco é capaz de fulminar o

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homem pelo olhar porque, ao vê-lo, dado o seu impulso colérico,põe em movimento pelo corpoum terrível veneno que, lançadopelos olhos, impregna aatmosfera, com sua substânciamortífera. O homem, ao respirarnaquela atmosfera, ficaentorpecido e cai fulminado. Masquando é o homem que vai aoencontro da fera, guarnecido deespelhos – com o intuito dematá-la, por exemplo –, oresultado é diverso: o monstro,

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vendo-se refletido nos espelhos,lança o veneno contra seupróprio reflexo: o veneno érepelido, retorna sobre ele e omata. Ainda não está esclarecidopor que o homem que assimmata o basilisco também nãomorre. Há de ser por algumarazão desconhecida.

Até aqui firmamos nossasopiniões absolutamente sempreconceitos e abstendo-nos dejuízos apressados ou irrefletidos,sem nos afastarmos dos

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ensinamentos e dos escritos dossantos. Concluímos portanto, queesta é a verdade católica: pararealizar perversidades, tema denossa discussão, as bruxas e oDiabo trabalham em conjunto e,dentro do que nos é dadoconhecer, nada é feito por umsem o auxílio do outro.

Tratamos do problema dofascínio maléfico exercido peloolhar. Passemos agora aosegundo argumento, a saber, o

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cadáver do assassinado sempresangra na presença do seuassassino. Segundo o SpeculumNaturale de Vincent deBeauvais, c. 13, a ferida no mortoé, por assim dizer, influenciadapela mente do assassino: a feridaé envolta por uma certaatmosfera marcada e permeadapela sua violência e pelo seuódio: estando próximo oassassino, o sangue passa amanar e a verter do cadáver.Parece ser essa atmosfera,

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causada pelo assassino, quepenetra na ferida e faz persistir osangramento no corpo do morto:em presença do assassino, talatmosfera se perturba e adquiremovimento que se transmite aosangue do cadáver. Para alguns,a causa do fenômeno é outra:dizem que no jorro de sangue seencontra a voz do morto que, dasentranhas da terra, fica a clamarcontra o assassino presente – eisso por causa da maldiçãoproferida contra o primeiro

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assassino, Caim. Já o pavorexperimentado por uma pessoaao passar por perto do corpo deum homem assassinado, mesmosem ter ciência da proximidadedo cadáver, é de naturezapsíquica: infecta a atmosfera etransmite à mente o frêmito domedo. Todas essas explicações,cumpre ressaltar, não afetam averdade no tocante àsperversidades executadas pelasbruxas, já que são perfeitamentenaturais e têm sua origem em

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causas naturais.Em terceiro lugar, conforme

mencionamos, estão as operaçõese os rituais de bruxaria –colocados na segunda categoriadas superstições chamada deadivinhação. São as adivinhaçõesde três tipos, embora osargumentos não sejam válidos noque tange ao terceiro tipo, quepertence a diferente espécie eque não se trata de umaadivinhação qualquer, masaquela cujas operações ensejam

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exprimir e explicitar asinvocações do Diabo, o que podeser feito por vários meios: pornecromancia, por geomancia, porhidromancia etc.

Por conseguinte, essa espéciede adivinhação, usada naelaboração de suas fórmulasmágicas, há de ser considerada oacme da iniquidade criminal,embora haja quem procureconsiderá-la sob outro ponto devista. Argumentam essas pessoasque, como nós desconhecemos as

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forças ocultas da natureza, talvezestejam as bruxas simplesmenteempregando ou tentandoempregar tais forças: certamente,se estão se utilizando da forçanatural de elementos naturais afim de produzir efeitos naturais,o ato é perfeitamente legítimo,por óbvio, de fato. Admitamos,até mesmo, que se utilizem deelementos naturais e que, aoinscreverem caracteres rúnicosou enigmáticos, na suasuperstição, estejam empenhadas

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em restabelecer a saúde dedeterminada pessoa, emfomentar a amizade ou emconcretizar algum objetivo útil,sem que haja invocação expressade Demônios: pois mesmo assimnão há possibilidade deutilizarem tais fórmulas mágicassem invocação diabólica tácita.Por isso, somos forçados aconsiderar todos esses atos defeitiçaria como absolutamenteilegítimos.

É possível, ademais, colocar

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esses e muitos outrosencantamentos na terceiracategoria das superstições – a daobservação inútil e vã do tempo edas estações –, embora tambémaí não se tenha argumentorelevante em favor das bruxas.Nessa categoria contam-se quatroespécies distintas: a dasobservações que visam dar aohomem um certo conhecimento;a das observações que visam lheinformar sobre os dias ou eventosafortunados ou aziagos; a das

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que, usadas em conjunto compalavras sagradas e orações, seprestam a algum encantamentosem referência a seu significado;e das que têm por objetoproduzir alguma transformaçãobenéfica em algum corpo. Sobretodas essas questões Santo Tomástratou amplamente onde indagada legitimidade de taisobservações, sobretudo quandose visa algum efeito benéficosobre o corpo, ou seja, quando sealmeja restaurar a saúde de uma

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pessoa. Mas quando as bruxasobservam o tempo e as estações,devem ter essa atividadeconsiderada nas superstições dasegunda categoria. Portanto, noque lhes diz respeito, considerarnessa terceira categoria questõesdessa natureza é totalmenteimpertinente.

Passemos, então, a umaquarta proposição. A partir dasobservações a que acabamos denos referir, são construídos certosmapas, certas cartas e certas

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imagens, de dois tiposcompletamente distintos entre si:os astronômicos e osnecromânticos. Na necromanciahá sempre a invocação expressa eparticular de Demônios, pois éatividade que implica pacto econtrato expresso com taiscriaturas. Prossigamos, portanto,considerando só a astrologia. Naastrologia não há pacto com oDiabo e, logo, não se invocamDemônios: só por acaso há algumtipo de invocação tácita, já que

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figuras diabólicas e seus nomespor vezes aparecem em mapasastrológicos. Por outro lado, ossinais necromânticos são escritossob a influência de certos astroscom a finalidade de se opor aosefeitos de outros corpos celestes –e tais sinais e caracteres são defato inscritos não raro em anéis,em gemas ou em outros metaispreciosos. Já os caracteresmágicos são inscritos ou gravadossem referência alguma àinfluência dos corpos celestes e,

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muitas vezes, em qualquersubstância. Mais ainda: emsubstâncias desprezíveis esórdidas que, quando enterradasem certos lugares, acabam porprovocar males, flagelos edoenças. Estamos porémdiscutindo os mapas elaboradoscom referência aos astros. Comoos mapas e as imagensnecromânticos não se referem acorpos celestes, não são levadosem conta em nossa análise.

Além disso, muitas das

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imagens construídas medianterituais supersticiosos não têmqualquer eficácia, ou melhor, nãotêm eficácia alguma no tocante àsua conformação, embora talvezo material de que são feitaspossua uma certa força intrínseca– o que não quer dizer que talforça decorra de sua feitura sob ainfluência de certos corposcelestes. Para muitos, entretanto,é ilícito, em qualquer caso, fazeruso de imagens como essas. Já asimagens feitas por bruxas não

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possuem qualquer força natural(nem o material de que sãofeitas). Mas como são construídassob o comando do Diabo podem,por assim dizer, simular a obrado Criador, provocando-lhe Suaira e fazendo com que Ele, atítulo de punição pelo seu crime,venha a lançar flagelos sobre aTerra. E ainda com a finalidadede mais aumentar a sua culpa, asbruxas experimentam especialdeleite em construir tais imagensnas estações mais solenes do ano.

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Com relação ao quintoargumento mencionado, cumprefrisar que São Gregório fala dospoderes da graça e não dospoderes da natureza. E como,segundo São João, somos filhosde Deus, não admira que comoSeus filhos gozemos de poderesextraordinários.

Com relação ao últimoargumento, queremos ressaltarque a mera semelhança éirrelevante: a influência damente sobre o próprio corpo é

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diversa da influência sobre ocorpo de outra pessoa. Já que amente se encontra unida aocorpo, como se este representassesua forma material, e já que asemoções são produto do corpo,embora dele distintas, estaspodem ser influenciadas pelamente sempre que ocorrerqualquer alteração corporal – seuresfriamento, seu aquecimentoou até mesmo sua morte. Maspara transfigurar o próprio corponão basta uma ação mental, por

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si só, salvo quando tal açãoresultar em algum efeito físicoque o modifique. Portanto, asbruxas, não pelo exercício deseus poderes naturais, mas tãosomente pelo intermédio doDiabo, é que são capazes deexecutar efeitos maléficos. E ospróprios Demônios só os podeminfligir por meio de objetosmateriais, em forma deinstrumentos – ossos, cabelos,madeira, ferro e toda sorte deobjetos, sobre cuja operação

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trataremos com maiores detalhesum pouco mais adiante.

Passemos agora a analisar aorigem das bruxas e de quemodo nos últimos anos seus atoscomeçaram a se multiplicar entrenós – questão a que se refere abula anexa do santíssimo padre,o papa Inocêncio VIII. É precisoter em mente que para talacontecer concorrem trêselementos: o Diabo, a bruxa e apermissão de Deus Todo-Poderoso. Diz-nos Santo

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Agostinho que a abominação dabruxaria surgiu da ligaçãohedionda entre a humanidade eo Diabo. Portanto, está claro quea origem da disseminação dessaheresia reside nessa ligaçãohedionda, com o que concordammuitos autores.

É preciso observarespecialmente que essa heresia –a da bruxaria – difere de todas asdemais porque nela não se fazapenas um pacto tácito com oDiabo, e sim um pacto

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perfeitamente definido eexplícito que ultraja o Criador eque tem por meta profaná-lo aoextremo e atingir Suas criaturas.Pois que em todas as demaisheresias não há pacto com oDemônio, seja tácito ou explícito,embora seus erros e suas falsasdoutrinas sejam diretamenteatribuídos ao Pai dos erros e dasmentiras. Ademais, a bruxariadifere de todas as outras artesmaléficas e misteriosas pelo fatode que, de todas as superstições,

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é a mais vil, a mais maléfica, amais hedionda – seu nomelatino, maleficium, significaexatamente praticar o mal eblasfemar contra a fé verdadeira.(Maleficae dictae a Maleficiendo,seu a male de fide sentiendo.)

Atentemos, em particular,para o fato de que para a práticadesse mal abominável sãonecessários quatro principaiselementos. Em primeiro lugar, énecessário, do modo maisprofano, renunciar à Fé Católica,

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ou negar de qualquer maneiracertos dogmas da fé; em segundolugar, é preciso dedicar-se decorpo e alma à prática do mal;em terceiro lugar, há de ofertar-se crianças não batizadas a Satã;em quarto, é necessário entregar-se a toda sorte de atos carnaiscom íncubos e súcubos e a todasorte de prazeres obscenos.

Quisera Deus fosse tudo issoirreal e meramente fantasiosopara que livrássemos nossa Santa

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Madre Igreja da lepra dessasabominações. Infelizmente, ojulgamento da Sé Apostólica,única Soberana e Mentora detoda a verdade, expresso na bulade nosso santo padre, assegura-nos e nos torna cientes doflorescimento entre nós de taiscrimes e malefícios, e nãohaveremos de nos abster deprosseguir com a inquisição paraque não ponhamos em risconossa própria salvação.Precisamos, portanto, analisar em

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profundidade a origem e ocrescimento dessas abominações;apesar do enorme trabalho naelaboração dessa análise,sentimo-nos confiantes de que osnossos leitores hão de levar emdevida conta todos ospormenores apresentados – nadahá, em nosso texto, que seoponha ao são raciocínio, nadahá que se afaste das palavras dasEscrituras e da tradição dospadres da Igreja.

Atualmente estão ocorrendo

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dois fatos comuníssimos: arelação das bruxas com íncubos esúcubos e o sacrifício hediondode criancinhas. Havemos,portanto, de tratar em particulardesses assuntos. Primeirodiscutiremos a natureza dessesDemônios. Segundo,analisaremos as bruxas e seusatos. Terceiro, indagaremos porque tais coisas são permitidas.Esses Demônios operam atravésde sua influência sobre a mente esobre o livre-arbítrio do homem

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e preferem copular sob ainfluência de certos astros, poisparece que em determinadasocasiões o seu sêmen é capaz degerar e de procriar maisfacilmente. Consequentemente,precisamos descobrir por que osDemônios agem durante aconjunção de certos corposcelestes, e quando isso se dá.

São três os argumentoprincipais a serem discutidos.Primeiro, se tais heresiasabomináveis podem vir a se

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espalhar pelo mundo por aquelesque se entregam aos íncubos eaos súcubos. Segundo, se suaação não há de ter uma certaforça extraordinária quandorealizada sob a influência decertos astros. Terceiro, se essaheresia abominável não édisseminada largamente pelosque sacrificam crianças a Satã.Além disso, ao discutirmos osegundo argumento, antes depassarmos ao terceiro, vamosconsiderar a influência dos astros

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e qual o poder que exercem nosatos de bruxaria.

Com relação à primeiraquestão, três dificuldadesrequerem elucidação.

A primeira é a daconsideração geral dos Demônioschamados íncubos.

A segunda é mais particular:de que modo os íncubos realizamo ato humano do coito?

A terceira também é especial:de que modo as bruxas serelacionam e copulam com tais

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Demônios?

QUESTÃO III

Se crianças podem sergeradas por íncubos e

súcubos.

A princípio pode

verdadeiramente parecer quenão está de acordo com a FéCatólica dizer que crianças

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podem ser geradas porDemônios, ou seja, por íncubos esúcubos: o Próprio Deus, antesde surgir o pecado no mundo,instituiu a procriação humana;pois criou a mulher da costela dohomem para que este tivessecompanheira, e lhes disse:“Crescei e multiplicai-vos”.(Gênesis, 1, 28). E a Adão diz: “Ejá não são mais que uma sócarne.” (Gênesis, 2, 24). Deforma similar, já depois de tersurgido o pecado no mundo, foi

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dito a Noé: “Crescei emultiplicai-vos”. (Gênesis, 9, 1).Na época do Novo Testamento,Cristo também confirma essaunião: “Não lestes que o Criador,no começo, fez o homem e amulher?” (Mateus, 19, 4). Logo,os homens só podem ser geradosdessa forma.

Mas pode-se argumentar que osDemônios participam nessageração não como causaessencial, e sim como causa

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secundária e artificial, já quetratam de interferir com oprocesso normal de copulação ede concepção, ao obterem sêmenhumano e transferirem-no.

Objeção. O Diabo é capaz derealizar tal ato não só no estadomatrimonial como também nonão matrimonial. Ou, então, só écapaz de realizá-lo num só dessesestados. Não há de ser noprimeiro, porquanto, nesse caso,o ato do Demônio seria maispoderoso que o ato de Deus, que

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instituiu e confirmou esseSacramento – pois que se trata deestado de continência e de uniãoconjugal. Mas também não há deser no segundo: não há nasEscrituras passagem que diga quecrianças podem ser criadas numestado e não em outro.

Ademais, a concepção é ato docorpo vivente, e os Demôniosnão são capazes de dar vida aoscorpos em que se apresentam: avida, formalmente, só procede da

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alma: o ato da concepção é atodos órgãos físicos que possuemvida corpórea. Logo, as formascorpóreas dos Demônios não sãocapazes de conceber ou de dar àluz.

No entanto, pode-se afirmarque os Demônios adquiremdeterminada forma corpórea nãopara lhe dar vida, mas para pormeio dela preservar o sêmenhumano e, assim, transferi-lo aoutro corpo.

Objeção. Assim como nas

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ações dos anjos, sejam bons oumaus, nada há de supérfluo einútil, nada há na natureza desupérfluo e inútil. Mas o Diabo,através de seus poderes naturais,que são bem maiores do que ospoderes de qualquer corpohumano, é capaz de realizar todotipo de ação espiritual, emboranão seja dado ao homemdiscernir quando o Diabo de talação participa, mesmo que sejarepetida várias e várias vezes.Pois todos os elementos

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corpóreos e materiais se achamem escala inferior à dasinteligências puras e espirituais.Porém, os anjos, sejam bons ousejam maus, são inteligênciaspuras e espirituais. Capazes,portanto, de controlar o que lhesé subordinado ou inferior. Logo,o Diabo é capaz de colher e defazer o uso que bem lhe convierdo sêmen humano, que pertenceao corpo.

No entanto, para colher osêmen humano de uma pessoa e

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transferi-lo a outra hánecessidade de certas açõeslocais. Os Demônios, todavia,não são capazes de transportarcorpos de um lugar para outro.Eis o cerne da objeção à tesedefendida. Se a alma é puraessência espiritual, também o é oDemônio: a alma não é capaz demover corpos de um lugar paraoutro, exceto o corpo em quehabita e ao qual dá vida:qualquer membro do corpo, aoperecer, morre e se torna imóvel.

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Assim, o Diabo não é capaz detransportar corpos de um lugarpara outro, exceto aqueles aosquais dá vida. Foi demonstrado,contudo, e é consabido, que osDemônios não possuem o domde dar a vida a qualquer corpo e,por isso, não são capazes de levaro sêmen humano de um lugarpara outro, de transferi-lo de umcorpo a outro.

Ademais, toda ação é feitapor contato, entre o Demônio eos corpos humanos, pois não há

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ponto real de contato entre eles.Logo, o Demônio não é capaz deinjetar sêmen num corpohumano, pois para tal é precisouma certa atividade corpórea –pelo menos é isso o que parece.

A par disso, os Demônios nãotêm o poder de mover os corposdos quais, numa ordem natural,estão mais próximos – como oscorpos celestes –, e por isso nãotêm também o poder de moveraqueles dos quais se acham maisdistantes e dos quais são mais

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distintos. A premissa maior éprovada por Aristóteles em suaFísica pois, segundo ele, a forçaque move e o movimento sãoexatamente uma mesma coisa.Logo, concluiu-se que osDemônios que movem os corposcelestes só no espaço celestepodem estar, o que é umainverdade absoluta, não só emnossa opinião como na dosplatônicos.

Além disso, Santo Agostinho,Sobre a Trindade (De Trinitate),

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III, afirma que, com efeito, osDemônios colhem sêmenhumano, por meio do qual sãocapazes de produzir efeitoscorpóreos. Isso, porém, não semalgum movimento local. Nãoobstante, os Demônios sãocapazes de transportar o sêmenque colheram e injetá-lo nocorpo de outra pessoa. Mas,como nos conta Walafrid Straboem seu comentário à passagemdo Êxodo 7, 2: “E o faraómandou chamar os sábios e os

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magos: os Demônios saem apercorrer a terra colhendo todasorte de sementes e,modificando-as, são capazes deespalhar várias espécies.” Vertambém a glosa sobre as palavras“o faraó mandou chamar” eaquela a respeito da passagem doGênesis, 6: “E os filhos de Deusse uniam às filhas dos homens.”Na glosa são feitos doiscomentários. Primeiro: por filhosde Deus entendam-se os filhosde Set e por filhas dos homens,

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as filhas de Caim. Segundo: osgigantes foram criados não poralgum ato incrível dos homens,mas por certos Demônios quenão tiveram qualquer pudor comrelação às mulheres. Diz a Bíblia:“Naquele tempo viviam gigantesna terra.” Além do mais, mesmodepois do Dilúvio, o corpo não sódos homens mas também o dasmulheres eram extraordinária eincrivelmente belos.

Resposta. Por brevidade vamos

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deixar de lado muitospormenores a respeito dospoderes do Diabo e das suasobras, no tocante aos efeitos dasbruxarias. Cabe ao leitor devotoou os aceitar como comprovadosou, se assim o desejar, elucidarmais a questão consultando oLivro das sentenças, 5. Verá queos Demônios realizam todos osseus atos de forma consciente evoluntária: sua natureza celestialnão foi modificada. ConsultarDionísio em seu quarto capítulo

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sobre o assunto: “sua naturezacelestial permaneceuextraordinariamente preservada,embora não a possam empregarpara finalidade benéfica alguma.”

Quanto à sua inteligência,descobrirá o leitor que eles sedestacam em três pontos deentendimento criatural: nasutileza de seu caráter, na suaexperiência secular e narevelação dos espíritossuperiores. Há de constatartambém que aprendem, através

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da influência dos astros, adominar as características doshomens, descobrindo assim quealguns têm mais propensão àprática da bruxaria que outros –que passam a ser os maismolestados para o exercício dessaatividade.

Quanto à sua vontade, há deverificar o leitor que estaenvereda, invariavelmente, pelocaminho do mal e quecontinuamente estão a cometeros pecados do orgulho, da inveja

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e da cobiça desmedida; e queDeus, para Sua própria glória,permite que ajam contra a Suavontade. Vai entender tambémde que modo, através dessasduas qualidades – a dainteligência e a da vontade –, osDemônios realizam prodígios desorte a não haver poder nomundo que ao deles se compare:Jó, 41: “Não há nada igual a elesna terra, pois foram criados paranão terem medo de nada.” Massobre esse ponto diz a glosa:

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“Embora o Diabo nada tema, seacha, mesmo assim, subordinadoàs virtudes dos santos.”

Verá ademais o leitor de quemodo o Diabo fica sabendo dospensamentos que emergem dofundo do nosso coração; de quemodo, com o auxílio de certosagentes, é ele capaz de realizar,substancial e sinistramente, ametamorfose dos corpos; de quemodo é capaz de mover, de umlocal para outro os corpos, e dealterar os sentimentos internos e

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externos com a intensidade emque bem lhe apraz; e de quemodo, não obstanteindiretamente, é capaz de mudaro intelecto e a vontade doshomens.

Embora tudo isso sejapertinente à nossa presenteinvestigação, só queremos tirardaí algumas conclusões sobre anatureza dos Demônios paraentão prosseguirmos com aanálise de nossa questão.

Os teólogos atribuem aos

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Demônios certas qualidades, porserem espíritos impuros, emboranão impuros exatamente por suanatureza. Segundo Dionísio, háneles uma insanidade natural,uma concupiscência cega, umaimaginação devassa, que sedepreende de seus pecadosespirituais: o do orgulho, o dainveja e o da ira. É por isso quesão inimigos da raça humana:racionais no intelecto, mas comum raciocínio sem palavras; sutisna perversidade, mas ávidos por

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praticar o mal; sempre hábeis nailusão e na burla, a embaçar ossentidos e a conspurcar asemoções dos homens, aconfundir o mais vigilante e aatormentá-lo durante o sono, emsonhos; causam doenças,provocam tempestades,disfarçam-se em anjos de luz, atrazer o Inferno sempre junto desi; das bruxas usurpam, para sipróprios, a adoração de Deus – eé dessa forma que se elaboram asfórmulas mágicas; tentando

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adquirir a supremacia sobre osbons, molestam-nos com todas assuas forças; e aos eleitos seoferecem como tentação, estandosempre à espera da destruiçãodos homens.

E não obstante conheceremum sem-número de formas pararealizar seus atos malévolos etentar, desde a sua queda,provocar o cisma na Igreja,desfazer a caridade, contaminarcom a acridez da inveja a doçurados atos dos santos, e de todos os

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modos subverter e perturbar araça humana, mesmo assim o seupoder se confina às partesíntimas e ao útero. Ver Jó, 41. Épor meio da lascívia da carne queexercem seu poder sobre oshomens; e nos homens a fonteda lascívia se localiza nas partesíntimas, já que é dali que sai osêmen, assim como nas mulheressai do útero.

Essas coisas são dessa formaconsideradas para que se possaentender devidamente a questão

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dos íncubos e dos súcubos.Cumpre frisar que assim como écatólico sustentar que os homenspodem, às vezes, ser gerados poríncubos e súcubos, é contrário àspalavras dos santos e mesmo àtradição das Sagradas Escriturasdefender opinião oposta.Provamos tal tese da seguintemaneira: Santo Agostinho, acerta altura, levanta essa questão,mas não com referência àsbruxas, e sim com relação àsobras dos Demônios e às fábulas

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dos poetas, deixando, noentanto, alguma dúvida arespeito; para só ser claro depoisao tratar das Sagradas Escrituras.Pois eis o que nos diz na sua obraDe Ciuitate Dei, terceiro livro,segundo capítulo: “Deixo emaberto a questão da possibilidadede Vênus ter dado à luz Eneiasatravés do coito com Anquises.Questão semelhante aparece nasSagradas Escrituras, onde sepergunta se os anjos do mal,tendo copulado com as filhas dos

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homens, teriam assim povoado aterra de gigantes, ou seja, dehomens anormalmente fortes egrandes.” Santo Agostinho,entretanto, esclarece a questãono quinto livro, 23º capítulo, doseguinte modo: “É crençageneralizada, cuja verdade étestemunhada por muitos atravésda própria experiência, ou, aomenos, pelo testemunho deterceiros de indubitávelhonestidade e que passaram pelaexperiência, que sátiros e faunos

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– comumente chamados deíncubos – têm aparecido amulheres devassas, a procurá-lase a manter o coito com elas. Eque certos Demônios – que osgauleses chamam de dúsios –tentam e conseguem,assiduamente, essa obscenidade,o que é testemunhado porpessoas absolutamente dignas deconfiança, sendo, portanto,insolente negá-lo.”

Mais adiante, no mesmolivro, Santo Agostinho esclarece a

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segunda controvérsia, qual seja, ada passagem do Gênesis sobre osfilhos de Deus (ou de Set) e asfilhas dos homens (ou de Caim),em que não se fala a respeito deíncubos, porque a existência desemelhantes criaturas não seriacrível. Há, a propósito, a glosa àqual antes nos referimos. Diz-nosSanto Agostinho que não édesprovido de fundamentoafirmar que os gigantes dos quaisfalam as Sagradas Escrituras nãoforam gerados por homens e sim

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por anjos ou por certosDemônios, que teriam copuladocom aquelas mulheres. O mesmose afirma na glosa sobre Isaías,13, onde o profeta prevê adesolação da Babilônia, que seráhabitada por monstros. Diz apassagem: “As corujas aíhabitarão, e os sátiros farão aísuas danças.” Por sátirosdesignavam-se os Demônios; diz-nos a glosa: “Sátiros são criaturasselvagens e peludas que habitamas florestas e que na verdade são

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os Demônios chamados deíncubos.” Ainda em Isaías, 34,onde se faz a profecia dadesolação da terra dos idumeuspor terem perseguido os judeus,ele diz: “E há de ser a habitaçãodos dragões e a morada dascorujas. As feras reunir-se-ãotambém no deserto...” Na glosa,as feras são interpretadas comomonstros e Demônios. E namesma passagem São Gregórioexplica serem esses deuses dafloresta, sob essa outra

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designação, não os pãs dosgregos, ou os íncubos dos latinos.

De modo semelhante, SãoIsidoro, no último capítulo deseu oitavo livro, afirma: “Ossátiros são chamados de pãs pelosgregos e de íncubos pelos latinos.E são chamados de íncubos porse deitarem sobre algo – aentregarem-se a orgias. Pois, nãoraro, anseiam lubricamente pelasmulheres e com elas copulam; eos gauleses chamam-nos dedúsios, por serem diligentes

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nessas bestialidades. O Demônio,porém, que a gente comumchama de íncubos,denominavam-no os romanos defauno das figueiras, de quem nosfala Horácio: “Ó fauno, amantedas ninfas fugidias, caminhasuavemente pelas minhas terras epelos meus campos ensolarados.”

No que diz respeito àpassagem da primeira epístola deSão Paulo aos Coríntios (ICoríntios, 11), onde se diz: “Porisso a mulher deve trazer o sinal

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da submissão sobre sua cabeça,por causa dos anjos.” Muitoscatólicos creem que “por causados anjos” se refere aos íncubos.Da mesma opinião é o venerávelBede em sua HistoriaEcclesiastica Gentis Anglorum. Etambém William de Paris em seulivro De Uniuerso, na últimaparte do sexto tratado. A respeitotambém nos fala Santo Tomás (I.25 e II. 8 e noutros passos;também em Isaías, 12 e 14): queé opinião irrefletida negar tais

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coisas. Pois o que pareceverdadeiro para muitos não háde ser absolutamente falso, deacordo com Aristóteles (ao fimda sua De somno et uigilia, e nosegundo tomo da sua Ética).Nada menciono das minhashistórias autênticas, narradas porcatólicos e pagãos, em que seafirma abertamente a existênciade íncubos.

Porém, a razão, por que osDemônios se transformam emíncubos ou em súcubos, não está

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no prazer, já que, enquantoespíritos, não possuem nemcarne, nem sangue; mas ésobretudo com essa intenção –através do vício da luxúria – queconseguem infligir aos homensduplicado mal, ou seja, ao corpoe à alma, de sorte que os homenspossam se entregar mais a todosos demais vícios. E não há dúvidade que sabem qual a melhordisposição dos corpos celestes emque o sêmen é mais vigoroso, jáque os homens assim concebidos

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serão sempre pervertidos pelabruxaria.

Quando Deus Todo-Poderoso enumerou os muitosvícios de luxúria, tão abundantesentre os descrentes e os hereges,e dos quais queria livrar o Seupovo, declarou (Levítico, 18):“Não vos contamineis comnenhuma dessas coisas, porque éassim que se contaminaram asnações que vou expulsar diantede vós. A terra está contaminada;punirei suas iniquidades e a terra

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vomitará seus habitantes.” Aglosa explica que o vocábulo“nações” se refere a Demôniosque, dada a sua multiplicidade,são chamados de nações domundo, e que se regozijam emtodo pecado, especialmente nafornicação e na idolatria, porquepor meio delas corrompem ocorpo e a alma, ou seja, atotalidade do ser que é chamado“terra”. Pois todo pecado écometido pelo homem fora deseu corpo, mas o que se dedica à

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fornicação peca em seu própriocorpo. O que mais se interessarpelo estudo dos íncubos e dossúcubos deve consultar a obra dovenerável Bede, já citada, a deWilliam de Paris, também jácitada, e, por fim, a de Tomás deBrabant, Sobre as abelhas.

Retornemos à nossa discussãoinicial. O ato natural daprocriação entre o homem e amulher, instituído por Deus elegitimado pelo Sacramento domatrimônio, pode ser invalidado

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por obra do Diabo, por meio dabruxaria, conforme já sedemonstrou. E com muito maispropriedade se pode dizer omesmo de qualquer outro atovenéreo entre o homem e amulher.

Mas por que o Demônio háde conjurar contra o ato venéreoe não contra qualquer outro atohumano tem muitas razões,firmadas pelos doutores da Igrejae que serão discutidas depois, naparte que trata da permissão

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divina. Por ora, a razão antesmencionada há de bastar, ouseja, a de que a força do Diabo seencontra nas partes íntimas doshomens. Porque, de todos osembates, é este o mais difícil, porser constante e por ser rara avitória. E é incorreto argumentarque nesse caso a obra do Diabodeve ser mais forte do que a obrade Deus, só porque o atomatrimonial, instituído por Deus,pode ser invalidado: o Diabo oinvalida pela violência, porque

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não possui poder algum para tal,salvo o permitido por Deus.Logo, o melhor a concluir é queo Diabo é absolutamenteimpotente.

Em segundo lugar, éverdadeiro que o ato daprocriação é ato do corpovivente. E é verdade que osDemônios não podem dar àmatéria vida, porque o quevivifica o corpo é a alma; mas avida, na sua corporalidade,advém do sêmen – e os íncubos,

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com a permissão de Deus, sãocapazes de tal ato, através docoito. Mas o esperma nãoprovém do íncubo, já que paraesse fim ele o terá recebido deoutro homem (ver Santo Tomás,I. 51, art. 3). Pois o Demônio ésúcubo para o homem e se tornaíncubo para a mulher.Exatamente da mesma forma queabsorve os germes primordiais deoutras coisas para gerá-las,conforme nos diz SantoAgostinho em seu De Trinitate,

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3.Pode-se agora perguntar de

quem é filha a criança assimgerada. Está claro que não o é doDiabo, mas do homem cujosêmen recebeu. E tem-se issocomo certo ao advertir-se que,assim como nas obras danatureza, não há superfluidades,também não as há na obra dosanjos; e também é verdade que oDiabo é capaz de receber e detransmitir o sêmen, de modoinvisível; embora prefira fazê-lo

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visivelmente, sob a forma desúcubo ou de íncubo, já queatravés dessa obscenidade podecontaminar o corpo e a alma detoda a humanidade, ou seja, doshomens e das mulheres, como setivesse havido contato corpóreoreal.

Ademais, os Demônios sãocapazes de realizar mais atosmalévolos na invisibilidade doque o plano do visível, emboratalvez desejassem o contrário; epermite-se-lhes que ajam na

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invisibilidade, seja para aprovação dos bons, seja para ocastigo dos iníquos. Por fim,pode acontecer que outroDemônio tome o lugar dosúcubo, recebendo-lhe o sêmen etransformando-se em íncubo; eisso, talvez, por tríplice razão. Ouporque o Demônio incorporadoem uma mulher deva receber osêmen de outro Demônioincorporado em um homem,estando ambos autorizados, peloPríncipe dos Demônios, a

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praticar alguma forma debruxaria – tendo sido cada umdeles escolhido dentre os piores;ou talvez por causa daobscenidade que algum outroDemônio abominaria cometer –,pois em muitas investigaçõesinquisitórias fica claro que certosDemônios, por preservarem emseu caráter ainda algumanobreza, relutam em praticar taisatos obscenos. Ou, talvez, paraque o íncubo, em vez deintroduzir o sêmen do homem,

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possa injetar invisivelmente o seupróprio, ou seja, aquele querecebeu, invisivelmenteinterpondo-se ele próprio sobre amulher. Pois não é estranho àsua natureza nem está fora deseus poderes realizar talinterposição; já que mesmo nasua incorporalidade ele é capazde se interpor, invisivelmente esem contato físico, conformedemonstrado no caso do jovemque assumira compromisso decasamento com um ídolo.

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Em terceiro lugar, diz-se queo poder dos anjos pertence, emgrau infinito, às criaturassuperiores; em outras palavras:seu poder não pode serabrangido pelas ordensinferiores: é a elas sempresuperior, não se limitando assima um só efeito. Pois os poderessuperlativos detêm influênciailimitada sobre a criação. Mas,embora sejam infinitamentesuperiores, não se quer com issodizer que sejam irrestritos, que

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permitam aos anjos realizarqualquer ato ou ação propostos;pelo que se há de dizer que osanjos são igual e infinitamentesuperiores e inferiores.

Deve haver alguma relaçãoentre o agente e o paciente –embora não exista qualquerproporcionalidade entre assubstâncias puramente espirituaise as puramente materiais. Logo,nem mesmo os Demônios têm opoder de causar qualquer efeito,exceto utilizando algum meio

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ativo. E é por isso que se utilizamdos germes primordiais das coisase das criaturas para obter osefeitos almejados; consultarSanto Agostinho, De Trinitate, 3.Donde retornamos ao argumentoprecedente, embora um nãoreforce o outro, a não ser quealguém deseje ver na explicaçãode Santo Agostinho o porquê deconsiderar as Inteligências compoderes infinitos de grausuperior e não de grau inferior,os quais lhes são dados na ordem

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hierárquica das coisas materiais edos corpos celestes e que sãocapazes de produzir muitos einfinitos efeitos. Mas isso não sedá por causa da debilidade dospoderes inferiores. Concluímosque os Demônios, mesmo na suaimaterialidade, são capazes deproduzir transmutações nosêmen; e, não obstante, talassertiva não é objeção aopresente enunciado, a respeito deíncubos e de súcubos, que paraserem capazes de realizar certos

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atos precisam adquirir formamaterial, conforme consideramoshá pouco.

Tratemos do quartoargumento, que diz serem osDemônios incapazes de mover oscorpos ou o sêmen de um lugarpara outro, o que éconsubstanciado por analogia aospoderes da alma. Cumpreressaltar que uma coisa é falar dasubstância espiritual dos anjos oudos Demônios na sua realidade eoutra é falar da substância da

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alma. A alma só é capaz de darmovimento a um corpo se anteslhe der a vida, ou então omovimento desse corpo não vivohá de lhe ser transmitido porcontato com outro corpo vivo. Eiso motivo: a alma ocupa o grauhierárquico mais inferior naordem dos seres espirituais e,portanto, deverá existir umarelação de proporcionalidadeentre ela e o corpo em questãopara conseguir movê-lo porcontato. Mas isso não ocorre

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dessa forma com os Demônios,porque os seus poderes, natotalidade, ultrapassam ospoderes corpóreos.

Em quinto lugar, é precisoesclarecer que o contato de umDemônio com um corpocriatural, seja através do sêmenou de alguma outra forma, não éum contato material e simvirtual, e se dá dentro de umarelação de proporcionalidadeentre o que move e o que émovido; desde que o corpo

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movido não suplante, emproporção, o poder do Diabo. Eesses corpos são os corposcelestes inclusive toda a terra eseus elementos, cujos poderespodemos dizê-los superiores, deacordo com o que nos fala SantoTomás, com sua autoridade, nasquestões em que trata do pecado(décima questão, DeDaemonibus). E tal se dá ou porcausa da essência de suanatureza, ou por causa dacondenação do pecado.

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Porquanto há uma ordem reta,direta, entre os elementosmateriais, segundo sua próprianatureza e seu movimento. E namesma medida em que os corposcelestes superiores são movidospelas substâncias espirituaissuperiores – como os anjos dobem –, os corpos materiaisinferiores são movidos pelassubstâncias espirituais inferiores– como os Demônios. E se essalimitação dos poderes dosDemônios se deve à essência de

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sua natureza é porque, segundoalguns, os Demônios nãopertencem à mesma ordemhierárquica dos anjos superiores,e sim à ordem terrestre, criadapor Deus; essa era a opinião dosfilósofos. E se tal se dá por causada condenação pelo pecado,conforme é defendido pelosteólogos, é porque eles foramentão lançados das regiões altasdo Céu na atmosfera inferiorcomo forma de punição, nãosendo mais capazes de mover os

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corpos celestes e a terra.Discutem-se essas coisas para

que sejam explicados doisargumentos muito difundidos:

O primeiro diz respeito aoscorpos celestes. Os Demôniosseriam capazes de movê-los, casofossem capazes de mover amatéria inferior de um lugar paraoutro, já que os astros lhes estãomais próximos, naturalmente,conforme também se alega noúltimo argumento. No entanto,entendemos que esse enunciado

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não é válido; se a primeiraopinião é de fato verdadeira, oscorpos celestes superam, emproporção, os poderes do Diabo;se a segunda é verdadeira,novamente os Demônios sãoincapazes de movê-los, por causado castigo pelo pecado.

O segundo argumentodefende que o movimento dotodo e da parte são uma mesmacoisa, exatamente como falaAristóteles no quarto livro da suaFísica exemplificando com o caso

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da totalidade da terra e dopedaço de solo; assim, se osDemônios são capazes de moveruma parte da terra, são tambémcapazes de movê-la inteira. Mastal afirmativa também não éválida: fica claro ao que examinae faz a distinção. Pois que colhero germe primordial das coisasmateriais e aplicá-lo na obtençãode certos efeitos não há deexceder os seus poderes naturais,o que se dá com a permissão deDeus. E isso é claro e demasiado

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óbvio.Em conclusão, apesar da

alegação de que os Demônios emforma corpórea não são capazesde procriar e de que por “filhosde Deus” se indicam os filhos deSet e não os íncubos, assim comopor “filhas dos homens” seindicam as filhas de Caim; apesardisso, o contrário é claramenteafirmado por muitos. E o queparece verdadeiro a muitos nãohá de ser absolutamente falso, deacordo com Aristóteles no sexto

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livro da sua Ética e no final doDe somno et uigilia. E hoje, nostempos modernos, temosperfeitamente comprovados osatos e as palavras de bruxas que,na verdade e concretamente, sededicam a tais coisas.

Enunciaremos, por fim, trêsproposições.

Em primeiro lugar, que osatos venéreos mais obscenos sãopraticados por esses Demônios,não por mero deleite, mas para aperdição das almas e dos corpos

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dos que deles participam comosúcubos ou íncubos. Em segundolugar, que, por meio desses atos,as mulheres podem de fatoconceber e gerar, na medida emque os Demônios sejam capazesde depositar-lhes o sêmenhumano (em seu útero), onde jáhá uma substânciacorrespondente. Da mesmamaneira, são capazes de colher osgermes primordiais de outrascoisas para realizar outros efeitos.Em terceiro lugar, que na

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concepção dessas crianças só omovimento local há de seratribuído aos Demônios, o qualnão advém dos poderes do Diaboou do corpo em que se instalam,e sim do homem a quempertencia o sêmen; donde acriança gerada não é filha doDiabo, e sim de algum homem.

E aí fica clara a resposta aosque alegam que, por duas razões,os Demônios são incapazes degerar filhos. Em primeiro lugar,sendo a concepção resultado da

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força germinativa existente nosêmen oriundo de um corpo vivoe sendo o corpo assumido peloDemônio de gênero diverso,então etc. A refutação é clara: oDemônio deposita naturalmenteo sêmen germinativo no localapropriado etc. Em segundolugar, há os que argumentamque o sêmen perde a forçagerminativa, salvo quando nelese preserva o calor da vida, oqual, porém, é perdido quando osêmen é transportado por longas

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distâncias. A resposta é que osDemônios são capazes dearmazenar o sêmen comsegurança, de sorte a não perdero calor vital; ou talvez porque osêmen não se evapore tãofacilmente em virtude da enormevelocidade com que se movem –e isso por causa da superioridadedo que move sobre o que émovido.

QUESTÃO IV

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Quais os Demônios quepraticam os atos dos

íncubos e dos súcubos?

Seria católico afirmar que os

atos dos íncubos e dos súcubossão praticados indiferente eigualmente por todos os espíritosimpuros? Parece que sim:sustentar o contrário implicariaafirmar que haveria entre elesuma ordem hierárquica, típica

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entre os espíritos bons. Postula-seque assim como na enumeraçãodos bons há graus e ordensdiversos (ver Santo Agostinho,no livro onde trata da naturezados bons), há também, naenumeração dos maus, confusahierarquia. Nada entre os anjosdo bem ocorre sem uma boaordem, enquanto entre os anjosdo mal tudo é desordem e,portanto, todos,indiferentemente, praticam osatos sucúbicos. Ver Jó, 10:

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“Tenebroso país das sombras damorte, opaca e sombria região,reino de sombra e caos, onde anoite faz as vezes da claridade.”

Então, se não praticam taisatos indiferentemente, essa suadistinção qualitativa há de vir ouda sua própria natureza, ou dopecado, ou mesmo do castigopelo pecado. Não há de vir dasua própria natureza, já quetodos, sem distinção, entregam-se ao pecado, conformeestabelecido na questão

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precedente. Pois, por natureza,são espíritos impuros, emboranão ao ponto de pejorarem suaspartes ainda boas; sutis naperversidade, ávidos por praticaro mal, inchados de orgulho etc.Logo, praticam aqueles atos oupelo pecado ou pela puniçãodeste. E, como quanto maior opecado maior a punição, os anjosmais superiores terão que sesubmeter à prática dos atos maisobscenos. Se não é por essarazão, há outra, a ser revelada,

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que explica por que não praticamtais atos indiferentemente.

E, mais uma vez, argumenta-se que onde não há disciplina ouobediência todos trabalham semqualquer distinção; alega-se queentre os Demônios não hádisciplina, não há obediêncianem acordo. Provérbios, 13:“Entre os orgulhosos, há semprea discórdia.”

Argumenta-se, ademais, quepor causa do pecado serão elesigualmente atirados ao Inferno

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depois do Dia do Juízo Final, eantes, portanto, ficamaprisionados às brumas inferiorespor causa dos trabalhos de queestão incumbidos. Não háreferência à igualdade apropósito da emancipação, e,portanto, não há de existirigualdade na questão das tarefase das tentações.

Porém, contra taisargumentos se pronuncia aprimeira glosa sobre I Coríntios,15: “Enquanto perdurar o

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mundo, anjos se sujeitarão aanjos, homens a homens, eDemônios a Demônios.”Também em Jó, 60, se fala dasescalas hierárquicas do Leviatã epor analogia às partes do Diabo ecomo se separa uma da outra.Portanto, há, entre os Demônios,diversidade, quanto à ordemhierárquica e quanto aos atospraticados.

Uma outra questão é saber seos Demônios podem ser contidospelos anjos do bem e impedidos

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de se entregarem a essas práticasobscenas. Cumpre frisar que osanjos a cujo comando asinfluências adversas se achamsubordinadas são chamadosanjos de poder, como nos diz SãoGregório, e também SantoAgostinho (De Trinitate, 3). Osespíritos vitais rebeldes e cheiosde pecado estão subordinadosaos espíritos vitais obedientes,piedosos e justos. E as criaturasque são mais perfeitas e queestão mais próximas de Deus têm

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autoridade sobre as demais:porque a ordem total daspreferências começaoriginalmente em Deus e épartilhada pelas suas criaturas deacordo com a sua proximidade aEle. Portanto, os anjos, que peloseu gozo em Deus mais próximosDele estão, têm a preferênciasobre os Demônios – demovidosque estão do convívio com Deus–, e por isso os governam.

E quando se declara que osDemônios causam muitos males

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sem utilizarem qualquerinstrumento, ou que para tal nãoencontram obstáculos – por nãoestarem subordinados aos anjosdo bem, que seriam capazes deimpedi-los; ou quando se diz quecausam os males por negligênciapor parte dos anjos aos quaisestão subordinados –, cumprerefutar que os anjos são ministrosda sabedoria divina: a sabedoriadivina permite que o mal sejapraticado pelos anjos maus epelos homens. Ora, os anjos do

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bem nem sempre hão de impediros homens perversos e osDemônios de praticarem o mal.

Resposta. É católico sustentarque há uma certa ordem entre asações ou atos interiores eexteriores e que há, em certamedida, uma hierarquia entre osDemônios. Donde se conclui quecertas abominações serãocometidas pelos da ordemhierárquica mais inferior e dasquais se abstêm os de ordemhierárquica superior, dada a

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maior nobreza de seu caráternatural. E isso, pelo geral,decorre de uma tríplicecongruidade: essas coisas seharmonizam com relação à suanatureza, à sabedoria divina e àsua própria perversidade.

Tratemos maisparticularmente da naturezaessencial dos Demônios.Concorda-se que desde oprincípio da Criação sempreexistiam criaturas de superiornatureza, por diferirem entre si

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quanto à forma: não há doisanjos iguais em forma. Essaafirmativa se coaduna com aopinião mais geral que condizcom as palavras dos filósofos.Estabelece Dionísio, no décimocapítulo da sua obra Sobre ahierarquia celestial, que em umamesma ordem existem três grausdistintos; havemos de concordarcom tal assertiva, já que os corposcelestiais são imateriais eincorpóreos. Ver também SantoTomás (11, 2). Pois o pecado não

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lhes tira a sua natureza, e osDemônios, depois da Queda, nãoperderam os seus dons naturais,conforme dissemos; já os atospraticados acompanham tambémsuas condições naturais.Portanto, tanto em sua naturezaquanto em seus atos, revelamvariedade e multiplicidade.

E isso também se harmonizacom a sabedoria divina; pois oque é ordenado, o é por Deus(Romanos, 13). E como osDemônios foram incumbidos por

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Deus para tentarem os homens ecastigarem os amaldiçoados,agem sobre a humanidade demuitas e várias maneiras.

E isso também se harmonizacom a sua própria perversidade.Pois como se encontram emguerra com a raça humana,combatem-na de formaordenada; julgam assimprejudicar mais os homens e,com efeito, o conseguem. Dondese conclui que não partilhamcom igualdade, pelo geral, das

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suas abominações inomináveis.Prova-se tal enunciado da

seguinte maneira. Já que,conforme se disse, o ato ou aoperação acompanha a naturezada criatura que o pratica,conclui-se que os que pornatureza são subordinados,subordinados também são naprática de seus atos, exatamentecomo se dá entre os corposcriaturais. Pois como os corposinferiores estão, pela hierarquianatural, abaixo dos corpos

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celestiais, suas ações emovimentos hão de estarsubordinados às ações e aosmovimentos dos corpos celestiais;e como os Demônios, conformejá se afirmou, diferemhierarquicamente entre si,também diferem entre si nas suasações naturais, sejam extrínsecasou intrínsecas, sobretudo naprática das abominações emquestão.

Do que se conclui que comoa prática de tais abominações é,

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em grande medida, alheia ànobreza do seu caráter angelical,assim também os atos maisobscenos e mais bestiais devemser considerados em si próprios, enão em relação àsresponsabilidades inerentes ànatureza humana e à procriação.

Por fim, segundo algunsacreditam, como os Demôniosprovêm das mais diversas ordenshierárquicas celestiais, não é forade propósito afirmar que osoriundos das hierarquias mais

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inferiores sejam os incumbidosde realizar toda sorte deabominações.

Cumpre também chamar aatenção para o fato de que,embora as Escrituras falem deíncubos e súcubos copulandocom mulheres, em nenhum lugarse lê que tais Demônios incidemnos vícios contra a natureza. Nãofalamos apenas de sodomia, mastodos os outros pecados em queo ato sexual é praticado fora docanal correto. E a enorme

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gravidade em pecar-se dessamaneira é demonstrada pelo fatode que todos os Demôniosigualmente, de qualquer ordemhierárquica, abominam e seenvergonham de cometer taisatos. Parece ser o que afirma aglosa sobre Ezequiel, 19: “Eu voscolocarei nas mãos doshabitantes da Palestina, ou seja,os Demônios, que haverão deenvergonhar-se das vossasiniquidades, ou seja, os pecadoscontra a natureza. Pois não há

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pecado que Deus tenha tantasvezes punido quanto esse, pormeio da morte vergonhosa pelamão das multidões.”

De fato, muitos afirmam, everdadeiramente se acredita, queninguém há de perseverar semrisco na prática desses vícios porperíodo superior ao da vidamortal de Cristo, que durou 33anos, salvo por alguma graçaespecial do Redentor. E isso éprovado pelo fato de que, muitasvezes, octogenários e macróbios

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são por eles seduzidos, emboraaté então seguissem as suas vidasdentro da disciplina de Cristo;mas tendo Dele se afastado,encontram enorme dificuldadeem se libertar e renunciar a taisvícios.

Ademais, os nomes dosDemônios indicam a ordemhierárquica existente entre eles eque ofício é atribuído a cada um.Pois que, embora as Escriturasusem, em geral, uma únicadenominação para referir-se ao

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espírito do mal, ou seja, a deDiabo, dadas as suas váriasqualidades, ensinam-nostambém que alguns Demôniosestão acima dessas açõesobscenas, da mesma formaalguns vícios são mais graves doque outros. Pois é comum, nasEscrituras e nos discursos, sefazer referência a todos osespíritos impuros pela designaçãoDiabolus, de Dia, ou seja, dois, ede Bolus ou seja, partes: pois queo Diabo mata duas partes: o

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corpo e a alma. E esseensinamento está de acordo coma etimologia, embora Diabolusem grego signifique confinar naprisão, o que também éapropriado, já que não lhe épermitido infligir todo o mal quelhe aprazaria. Ou, então,Diabolus pode significar Queda,já que ele caiu dos Céus,específica e localmente. Étambém chamado Demônio, queetimologicamente indica que eleanseia por sangue, que ele

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procura pelo pecado com tríplicesabedoria, a do poder sutil de suanatureza, a da sua experiênciasecular e a demonstrada narevelação dos espíritos bons. Étambém denominado Belial, quesignifica sem jugo ou soberano,por ser capaz de lutar contraaqueles a quem devia sersubmisso. Também é chamadode Belzebu, que significa senhordos iníquos, ou seja, das almasdos pecadores que abandonarama fé verdadeira em Cristo. E

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também Satã, que significaadversário; ver I Pedro, 2: “Pois oteu adversário, o Diabo” etc. Éainda denominado Beemot, ouseja, a besta, porque torna oshomens bestiais.

Mas o verdadeiro Diabo dafornicação, o soberano daquelaabominação, é Asmodeus, quesignifica a criatura do juízo e dapunição: porque, em virtudedesse pecado, uma terrívelcatástrofe abateu-se sobreSodoma e quatro outras cidades.

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De forma semelhante, o Diabode orgulho é o Leviatã, quesignifica condecoração; porque,quando Lúcifer tentou nossosprimeiros ancestrais, prometeucondecorar-lhes, para seuorgulho, com a marca daDivindade. A seu respeito oSenhor disse, por meio de Isaías:“Hei de me impor a Leviatã, avelha e sinuosa serpente.” E oDemônio que personifica aavareza e a riqueza é chamadoMammon, também mencionado

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por Cristo no Evangelho(Mateus, 6): “Não podeis servir aDeus e às riquezas” etc.

Passemos aos argumentos.Em primeiro lugar, o bem

pode ser encontrado sem o mal,mas o mal nunca é encontradosem o bem; pois é próprio dascriaturas possuírem em si o bem.Logo, os Demônios foramordenados hierarquicamente porpossuírem o bem em suanatureza. Para seus atos, ver Jó,10.

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Em segundo lugar, pode-seafirmar que os Demôniosincumbidos de várias tarefas nãose acham no Inferno, mas nasbrumas inferiores. E aíapresentam entre si uma ordemhierárquica que não prevaleceráno Inferno. Donde se podeafirmar que essa ordem nãohavia entre eles quando ainda seachavam no limiar da bem-aventurança, surgindo só depoisde terem caído dessa categoriahierárquica. Pode-se também

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afirmar que mesmo no Infernohaverá, entre eles, uma gradaçãode poderes e de castigos, já quealguns, mas não todos, serãoencarregados de atormentar asalmas. Mas essa gradação adviráde Deus e não deles próprios,assim como os seus tormentos.

Em terceiro lugar, quando sediz que os Demônios superiores,por terem pecado mais, são osmais castigados e, portanto,devem ser os principaisresponsáveis por esses atos

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obscenos, responde-se que opecado guarda relação com ocastigo, e não com os atos ouações naturais; portanto, é graçasà sua nobreza natural que taisDemônios se abstêm dessasobscenidades, o que nada tem aver com seu pecado ou com suapunição. E não obstante todosserem espíritos impuros, ávidospor praticar o mal, uns são maisdo que outros, na proporção emque sua natureza mais e mais élançada nas sombras.

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Em quarto lugar, diz-se quehá concórdia entre os Demônios,mas não na amizade e sim naperversidade, pois que odeiam ahumanidade e empenham-se aomáximo em desfazer a justiça.Pois que esse acordo se faz entreos perversos, que se unem eobrigam aqueles, cujo talentoparece mais adequado, a seentregarem a certas iniquidades.

Em quinto lugar, embora oconfinamento seja decretadoigualmente a todos, agora na

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atmosfera inferior e, depois, noInferno, não lhes são impostaspunições e tarefas com a mesmaequidade: pois que, quanto maisnobres são e quanto maispoderosos, mais pesados ostormentos a que são submetidos.Consultar Livro da Sabedoria, 6:“Os poderosos hão de sofrer ospiores tormentos.”

QUESTÃO V

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Qual a causa docrescimento dos atos debruxaria? Por que temaumentado tanto aprática da bruxaria?

Qual a opinião

verdadeiramente católica?Afirmar que a causa docrescimento dos trabalhos debruxaria reside na influência doscorpos celestiais? Ou afirmar quevem da perversidade dos homens

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e não das abominações dosíncubos e dos súcubos? Pareceter sua origem na própriaperversidade do homem. PoisSanto Agostinho nos diz, no 83ºlivro, estar a causa da depravaçãodo homem na sua própriavontade, porque assim lhe aprazou por sugestão de outrem. Asbruxas depravam-se através dopecado, logo, a causa de suadepravação não há de residir noDiabo e sim na vontade humana.No mesmo texto o autor fala do

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livre-arbítrio: “todo ser humanoé a causa de sua própriaperversidade.” Assim raciocina: opecado do homem provém dolivre-arbítrio. Mas o Diabo não écapaz de destruir o livre-arbítrio,pois tal ato militaria contra aliberdade: portanto, não resideno Diabo a causa desse ou dequalquer outro pecado. Maisuma vez, no livro do DogmaEclesiástico, Santo Agostinhoafirma: “Nem todos os nossospensamentos malévolos são

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determinados pelo Diabo: algunssurgem durante a operação denosso próprio julgamento.”

E alega-se que a verdadeirafonte da bruxaria se acha nainfluência dos corpos celestes, enão nos Demônios. Assim comotodo múltiplo é reduzido àunidade, tudo o que émultiforme é reduzido a umprincípio uniforme. Mas os atoshumanos, no vício ou na virtude,são vários e multiformes e, logo,talvez possam ser reduzidos a

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alguns princípios queuniformemente se movem e sãomovidos. Mas tais princípios sópodem ser vinculados aomovimento dos astros – logo, oscorpos celestes são a causa de taisatos.

Mas se os astros não são acausa das ações humanas boas oumás, os astrólogos não com tantafrequência conseguiriam antevercorretamente o resultado dasguerras e de outras açõeshumanas: logo, é nos astros que,

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de alguma forma, reside a causa.Os astros, ademais, são

capazes de influenciar osDemônios na execução de certosmalefícios; e, portanto, sãocapazes, sem dúvida, deinfluenciar os homens, para oque se aditam três provas. Certoshomens, chamados lunáticos, sãomolestados pelos Demônios maisem uma época do que em outra;mas os Demônios não teriamesse comportamento e osmolestariam sempre se eles

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próprios não sofressem forteinfluência de certas fases da Lua.Como prova, se apela ao fato deque as necromantes observamcertas constelações para invocaros Demônios, o que não fariamse não soubessem que osDemônios são subservientes acertos corpos celestes.

Ademais, adita-se tambémcomo prova o que diz SantoAgostinho em De Ciuitate Dei, X:os Demônios utilizam nas suasoperações materiais inferiores –

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ervas, pedras, animais e mesmocertos sons, vozes e figuras. Mascomo os corpos celestes têmmaior poder que os corposinferiores, têm aqueles muitomaior influência do que estes. Eas bruxas encontram-se emsubmissão de maior grau porqueseus atos manam da influênciadaqueles corpos, e não do auxíliode espíritos malignos. Oargumento acha esteio em I Reis,16, em que Saul, ao serexasperado por espírito mau, só

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se acalmava quando Davi tomavaa harpa e tocava, fazendo comque o Demônio o deixasse.

Argumentos contrários. Não épossível que se tenha efeito semcausa; os atos das bruxas são denatureza tal que não podem serrealizados sem o auxílio deDemônios, conforme nos mostraSanto Isidoro ao descrever asbruxas na sua Ética, VIII. Bruxassão assim chamadas por causa daatrocidade de seus malefícios;

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perturbam os elementos econfundem a mente dos homenssem se utilizarem de qualquerpoção venenosa, apenas pelaforça de seus encantamentos –destruindo almas e provocandotoda sorte de efeitos que nãopodem ser causados pelainfluência dos corpos celestescom a mera intermediação deum homem.

Diz-nos ainda Aristóteles, emÉtica, que é difícil conhecer aorigem do pensamento humano:

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há de residir em algum princípioextrínseco. Pois que para tudo oque tem começo deve haver umacausa, desde o princípio. Senãovejamos: o homem faz o que lheapraz, de acordo com a suavontade; já a sua vontadeprincipia em alguma pré-sugestão; mas se há essa sugestãoprecedente, terá de proceder oudo infinito ou de algum princípioextrínseco, que a terá transmitidoao homem. Com efeito, paraalguns isso se dá por ação do

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acaso, donde se conclui seremfortuitas todas as ações humanas,o que é absurdo. Portanto, noshomens bons o princípio do bemestá em Deus (Deus não é causado pecado). Nos homensperversos, porém, o princípio domal – quando o homem começaa voltar-se para o pecado e aquerer praticá-lo – deve tambémser encontrado em alguma causaextrínseca, que não poderia seroutra senão o Diabo; sobretudono caso das bruxas, conforme

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demonstramos, já que os astrosnão têm ascendência sobre seusatos. Clara está, portanto, averdade.

O que tem poder, ademais,sobre o motivo possui tambémpoder sobre o resultado pelomotivo causado. O motivo davontade se encontra no que épercebido, ora pelos sentidos, orapelo intelecto, ambossubordinados aos poderes doDiabo. Pois nos diz SantoAgostinho, no 83º livro: “Este

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mal, que provém do Diabo,adentra-nos furtivamente portodas as portas dos sentidos:aparece em figuras, mescla-se acores, mistura-se a sons, insinua-se pela palavra irada e injusta,reside nos perfumes – aimpregnando com sabores eobstruindo com certos aromastodos os canais doentendimento.” Logo, vê-se quereside no poder do Diabo oprincípio influenciador davontade, que é, diretamente, a

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causa do pecado.Para que um homem se

decida entre dois caminhos ésempre necessário, antes de optarpor um dos dois, que existaalgum fator que determine suadecisão. E o homem, pelo seulivre-arbítrio, pode escolher entreo bem e o mal. Portanto, quandose entrega ao pecado, teránecessariamente sofrido ainfluência de um princípiodeterminante que o fezenveredar por esse caminho.

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Parece que tal influência éexercida mormente pelo Diabo,sobretudo pelas ações das bruxas,cuja vontade está a serviço domal. Parece, assim, que avontade maligna do Diabo é acausa da vontade maligna nohomem, e, especialmente, nasbruxas. Podemos aindaconsubstanciar esse argumento:assim como os anjos do bem sevoltam para os atos benévolos, osanjos do mal se voltam para osmalévolos, e enquanto os

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primeiros conduzem o homem àmaldade, os segundosconduzem-no à perversidade.“Pois”, diz Dionísio, “a lei férreae imutável da divindadedetermina que os inferiores têmsempre a sua causa nossuperiores.”

Resposta. Os que afirmam ter abruxaria sua origem naascendência dos corpos celestessobre as bruxas incidem em trêserros fundamentais.

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Em primeiro lugar, não épossível que tal ascendênciaoriginal seja encontrada emvidentes, em astrólogos e emadivinhos. Quando se indaga seo vício humano da bruxaria écausado pela influência dosastros é preciso fazer umadistinção (em consideração àmultiplicidade de caráter dosseres humanos e em defesa da féverdadeira), a saber, entre osdois modos pelos quais se podeentender a influência dos corpos

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celestes sobre as característicashumanas. Ou esta se dá,completamente, por necessidadeou fatalidade, ou se dácasualmente, por contingência oueventualidade. E diga-se que,quanto à primeira hipótese, nãosó é falsa como também heréticae contrária à religião cristã, nãosendo possível aos de féverdadeira persistir nesse erro.Por esse motivo, o que professaque tudo provémnecessariamente dos astros se

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exime de todo o mérito e, logo,de toda a culpabilidade –afastando-se também da graça e,portanto, da glória. Pois aprobidade do caráter éprejudicada por tal erro, já que aculpa do pecador remonta aosastros, tornando lícito pecar semculpabilidade, obrigando ohomem, portanto, ao culto e àadoração dos astros.

Quanto à afirmação de que ocaráter do homem é influenciadoeventualmente pela disposição

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dos astros, tanto é verdade quenão chega a opor-se à razão ou àfé verdadeira. Pois é óbvio que adisposição contingencial de umcorpo causa grande variabilidadeno humor e no caráter da alma;pelo geral, a alma reproduz asvárias compleições do corpo,conforme dito nos SeisPrincípios. Donde os coléricosrevelam a ira, os cordiais, aafabilidade, os invejosos, acobiça, e os fleugmáticos, aindolência. Não porém em

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termos absolutos: a alma é asoberana de seu corpo,mormente quando ajudada pelagraça. Vemos, assim, acordialidade em muitos coléricose a bondade em muitosinvejosos. Portanto, quando opoder dos astros interfere naformação e na qualidade doespírito de um homem, conclui-se que eles têm algumainfluência sobre o seu caráter,não obstante muito remota; poiso poder dos elementos próximos,

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inferiores, tem maior efeito sobrea disposição do espírito que opoder dos astros distantes.

Daí que Santo Agostinho (DeCiuitate Dei, V), ao tratar deuma questão sobre a curasimultânea de dois irmãos quetinham adoecido, aprova oraciocínio de Hipócrates edesaprova o de um astrólogo.Para Hipócrates, a cura se deuem virtude da semelhança entreseus humores; para o astrólogo,em decorrência da identidade de

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seus horóscopos.Mas a explicação do médico

foi melhor, já que a ela aduziu acausa mais poderosa e maisimediata. Cumpre portanto dizerque a influência dos astrosconduz, em certa medida, àperversidade das bruxas quandose admite existir tal ascendênciasobre seus corpos, a predispô-lasa essa forma de abominação enão a qualquer outra espécie deatividade perversa ou virtuosa;no entanto, não se há de dizer

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que tal predisposição sejanecessária, imediata e suficiente,mas apenas remota econtingente.

Tampouco válida é a objeçãofundada no livro dos filósofossobre as propriedades doselementos que diz ficarem osreinos desabitados e as terrasdespovoadas quando daconjunção de Júpiter comSaturno; donde argumenta-seque tais fenômenos transcendemo livre-arbítrio do homem e, por

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isso, a ascendência dos astrossobreleva-se ao livre-arbítrio.Não querem os filósofos dizercom isso que o homem nãoconsiga resistir à influência dessacontingência astrológica favorávelàs dissensões, mas quesimplesmente não se mostradisposta a tal. Pois Ptolomeu, noAlmagesto, diz: “Os sábiosdominarão os astros.” E comoSaturno exerce influência soturnae negativa e Júpiter influênciamuito positiva, a sua conjunção

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predispõe os homens a brigas ediscórdias; no entanto, graças aoseu livre-arbítrio, são capazes deresistir a essa predisposição e,muito mais facilmente, com oauxílio da graça do Senhor!

Também não é válida aobjeção baseada nas palavras deSão João Damasceno quandoafirma (livro II, cap. 6) que oscometas, muitas vezes,prenunciam a morte dos reis.Pois se verá que a opinião desseautor, conforme se depreende da

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leitura do texto, é contrária àopinião dos filósofos e nãorepresenta prova dainevitabilidade das açõeshumanas. São João afirma que oscometas não são criação natural,nem são astros encontrados nofirmamento; donde nem seusignificado nem sua influênciaserem naturais. Diz-nos ele queos cometas não são astros criadosdesde o princípio, mas simcriados para uma ocasiãoparticular, depois se dissolvendo

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por ordem divina. Essa a opiniãode São João Damasceno. Deus,porém, através desses sinais,prenuncia a morte de reis e nãode outros homens não só porqueos reis são pessoas públicas, mastambém porque da sua mortepode sobrevir a confusão em seusreinos. E os anjos são maisdiligentes na sua atenção paracom os reis para o bem geral.Pois que os reis nascem emorrem sob o ministério dosanjos.

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Não há dificuldade ementender a opinião dos filósofos.Segundo estes, os cometas sãoum conglomerado de vaporquente e seco, gerados na partesuperior do espaço, junto ao fogoceleste: e que tal globo de vaporquente e seco adquire asemelhança de um astro. Mas aspartes não incorporadas ao globoestendem-se numa longa cauda aele ligadas como uma espécie deadjunto. Segundo esse ponto devista, não de per si, mas por

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acaso, os cometas prenunciam amorte por enfermidades quentese secas. E como, em grandemedida, os ricos se alimentam derefeições da natureza quente eseca, nessas ocasiões muitos delesmorrem; e, dentre os quemorrem, os mais notáveis são osreis e os príncipes. Tal maneirade ver não se distancia muito dade São João Damasceno, quandocuidadosamente considerada,exceto quanto à operação ecooperação dos anjos, que nem

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mesmo os filósofos podemignorar. Com efeito, mesmo queos vapores, secos e quentes, nadatenham a ver com a formaçãodos cometas, pelas razões jámencionadas, os cometas podemser formados pela vontade dosanjos.

Nesse sentido, a estrela queprenunciou a morte do sábioSanto Tomás não foi uma dasencontradas no firmamento, masuma outra, formada por umanjo, de alguma substância

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conveniente, que, depois derealizar seu propósito, a fezdissolver-se.

Donde vemos que, nãoimporta qual dessas opiniõessigamos, os astros não têminfluência inerente sobre o livre-arbítrio e, consequentemente,sobre a malevolência e o caráterdos homens.

É preciso reparar tambémque os astrólogos não raroanteveem a verdade e que seusjulgamentos são, pelo geral,

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efetivos sobre uma província ouuma nação. Porque os formulambaseados nos astros que, segundoo ponto de vista mais provável,têm maior, porém não inevitável,influência sobre as ações dahumanidade em geral – ou seja,sobre a população de uma naçãoou de uma província – do quesobre uma pessoa em particular;e isso porque a maior parte deuma nação obedece maisfielmente à disposição naturaldos corpos que um só homem.

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Mencionamos esse fato, porém,incidentalmente.

E a segunda das três formaspelas quais defendemos o pontode vista católico refutando o erroherético dos astrólogos e dosmatemáticos adivinhos querendem culto à deusa daFortuna. Destes, São Isidoro(Ética, VIII, 9) diz que assim sechamam por examinarem osastros para a feitura de seushoróscopos (sendo tambémchamados matemáticos); e no

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mesmo livro, segundo capítulo,diz que a Fortuna ganha seunome do vocábulo fortuidade:uma espécie de deusa queescarnece das coisas humanas deforma casual ou fortuita. Peloque é considerada cega, já quevagueia sem levar em conta omerecimento: atingeindiferentemente aos bons e aosmaus. Assim pensa São Isidoro.Mas acreditar na existência dessadeusa, ou que os flagelos queatingem os corpos criaturais,

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atribuídos à bruxaria, narealidade procedam daí, énotória idolatria; e afirmartambém que as bruxas jánasceram com o seu destinotraçado – o de realizar atos debruxaria pelo mundo – éigualmente alheio à verdadeirafé. E mesmo ao ensinamentogeral dos filósofos. Quem quiserverificar o que estamosafirmando basta consultar SantoTomás no terceiro livro daSumma contra Gentiles, 87º

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questão etc.No entanto, cumpre não

omitir um ponto, para auxiliar osque talvez não disponham demaior biblioteca. São três os atoshumanos governados pelascausas celestiais: os atos davontade, os atos do intelecto e osatos do corpo. Os primeiros sãogovernados direta eexclusivamente por Deus, ossegundos, pelos anjos, e osterceiros, pelos corpos celestes. Aescolha e a vontade são, para as

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boas obras, diretamentegovernadas por Deus, conformenos diz a Escritura, Provérbios,21: “O coração do rei está nasmãos do Senhor, ele o inclinapara qualquer parte que quiser.”“O coração do rei” é expressãousada para dizer que se ospoderosos não se podem opor àSua vontade, muito menos osdespossuídos o poderão. Diz-nostambém São Paulo: “Deus éQuem nos faz desejar e realizaras boas obras.”

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O entendimento humano égovernado por Deus pelaintermediação dos anjos. E osatos corpóreos, naturais aohomem, sejam exteriores, sejaminteriores, são também regidospor Deus, mas pelaintermediação dos anjos e doscorpos celestes. Pois nos diz SãoDionísio (De Diuin. Nom., IV)que os corpos celestes são a causadaquilo que acontece nestemundo, sem que isso, porém,implique fatalidade.

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E como o homem égovernado, enquanto corpo,pelos corpos celestes, enquantointelecto, pelos anjos, e enquantovontade, por Deus, podeacontecer de ele rejeitar ainspiração de Deus para abondade, de rejeitar a orientaçãode seus anjos bons e de ser,assim, conduzido pelos seusatributos corporais para ondelhes aponta a influência dosastros, a enredar na malícia e noerro a sua vontade e o seu

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entendimento.Não há a possibilidade,

entretanto, de alguém incidir,por influência dos astros, no tipode erro para o qual as bruxas sãoatraídas à carnificina, aos roubos,aos assaltos, às pioresobscenidades – e isso tambémvale para outros fenômenosnaturais.

Ademais, conforme declaraWilliam de Paris em seu DeUniuerso, está provado pelaexperiência que quando uma

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prostituta planta uma oliveira,esta não dá frutos, embora dêfrutos quando plantada pormulher virgem. E os médicos nacura, os lavradores no plantio eos soldados na guerra podemmais conseguir quandoauxiliados pela influência dosastros do que outros de mesmoofício e com a mesma habilidade.

A terceira forma pela qualdefendemos o ponto de vistacatólico é pela refutação dacrença do destino. Há de notar-

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se que a crença no destino, emcerto sentido, é razoavelmentecatólica, mas, em outro, écompletamente herética. Pois odestino pode ser entendido nosentido que lhe emprestam certosgentios e certos matemáticosadivinhos ao afirmarem que osdiferentes atributos naturais dohomem foram inevitavelmentecausados pela força da posiçãodos astros, de sorte a serem osmagos predestinados – mesmo osde caráter bom –, porque a

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disposição dos astros, nomomento de sua concepção oude seu nascimento, assimpreestabelecera. Dão a essa forçaa designação de destino.

Mas essa opinião não só éfalsa como herética eabsolutamente execrável, poracarretar a anulação daculpabilidade, conforme semostrou, a refutação do primeiroerro citado. Pelo que removeriatodas as justificativas pormerecimento ou por culpa, por

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graça e por glória: Deus setransformaria em autor de todo onosso mal, e muitas outrasincongruidades. Essa concepçãode destino, portanto, precisa serrejeitada por simplesmenteinexistente. E aborda essa crençaSão Gregório ao declarar em suahomilia sobre a epifania: “Quefique longe do coração dos fiéisachar que existe qualquerdestino.”

E contudo, por causa damesma incongruência percebida

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em ambas, essa opinião lembra,por similar, a outra, a respeitodos astrólogos. No entanto, sãodivergentes no que tange à forçados astros e ao influxo dos seteplanetas.

O destino, porém, pode serconsiderado espécie dedisposição secundária, ou umaespécie de ordenação das causassecundárias para a produção dosefeitos divinos antevistos. Nessesentido, há, verdadeiramente,um destino. Pois que a

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Providência Divina realiza Suasobras através de causasintermediárias – exatamente asobras sujeitas a causassecundárias; há obras, porém,que não se acham assimsubordinadas – como a criaçãodas almas, a glorificação e aaquisição da graça.

Também os anjos podemcooperar na infusão da graça pelailuminação e pela orientação doentendimento e da capacidadeda vontade, sendo, portanto,

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possível dizer que o arranjo finaldos resultados seria, ao mesmotempo e univocamente,determinado pela Providência e,até mesmo, pelo destino. Há emDeus uma qualidade que podeser chamada Providência – ou sepode dizer que Ele ordenoucausas intermediárias para arealização de alguns de Seuspropósitos; e nessa medida odestino é um fato racional. Énesse sentido que Boécio fala dodestino (De Consolatione, IV):

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“O destino é a disposiçãoinerente dos corpos emmovimento pelo que aProvidência cinge as coisas porEla ordenadas.”

E contudo os instruídossantos recusam-se a usar essenome, por causa dos quedesvirtuam o seu significadovinculando-o à força da posiçãodos astros. Pelo que SantoAgostinho (De Ciuitate Dei, V)declara: “Se alguém atribuir ascoisas humanas ao destino, por

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destino entendendo a vontade eo poder de Deus, deixai-o ter asua opinião, mas que bem aexplique e corrija.”

É certo, então, que o que foidito esclarece suficientemente aquestão antes formulada, qualseja, se os atos de bruxaria estãoou não subordinados ao destino.Pois se por destino se entende oordenamento das causassecundárias dos resultadosdivinos previstos – ao desejarDeus realizar seus propósitos

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através de causas secundárias –,então tais atos acham-se sujeitosàs causas secundárias por Eleordenadas – sendo a força dosastros uma delas. As coisas, noentanto, que provêmdiretamente de Deus – a criaçãodos elementos substanciais ouespirituais, a glorificação de taiselementos e outras coisassemelhantes – não se achamsubordinadas ao destino. Boécio,na obra citada, sustenta esseponto de vista ao afirmar que as

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coisas que se acham próximas àDeidade primal estão além dainfluência dos decretos dodestino. Logo, as obras dasbruxas, por estarem fora do cursocomum e da ordem da natureza,não se acham subordinadas a taiscausas secundárias. Em outraspalavras: quanto à sua origem,não estão subordinadas àfatalidade do destino, mas aoutros fatores.

A bruxaria não é

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causada pelas forçasque movem os astros.

Logo, assim como a bruxaria nãoé causada da maneira comohavia sido sugerido, não étambém determinada pelasessências independentes quecompõem as forças moventes dosastros. Não obstante, era essa aopinião defendida por Avicena esua escola. Argumentavam queas essências eram de podersuperior ao de nossas almas; e a

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própria alma é capaz, por vezes,graças à força da imaginação (oumeramente por medo), depromover mudança no seupróprio corpo e, vez ou outra, atémesmo no corpo de outra pessoa.Quando um homem, porexemplo, caminha sobre umaprancha colocada a grandealtura, cai facilmente. Pelo medoque invade seu pensamento,imagina que vai cair; se, noentanto, a prancha fosse colocadano chão, não cairia, pois não teria

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motivo para temer a queda. Pormera apreensão da alma,portanto, o corpo se inflama, nocaso do concupiscente e docolérico, e se esfria, no caso domedroso. O corpo, ademais, porrecear e imaginar fortemente taiscoisas, pode acabar acometido deenfermidades, como a febre e alepra. Assim, a alma, na mesmamedida em que exerce influênciasobre o corpo onde habita, écapaz de exercer influênciaidêntica sobre o corpo de

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outrem, no sentido da sanidadeou da doença; e a esse fenômenose atribui a causa doencantamento maléfico, sobre aqual já havíamos comentado.

E como, de acordo com esseponto de vista, os feitos dasbruxas têm de ser atribuídos àsforças que movem os astros – senão precisamente aos própriosastros –, cumpre que aditemos aoque já havíamos falado a respeitoser isso também impossível. Poisas forças que movem os astros

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são as essências, boas einteligentes, não apenas por suaprópria natureza, mas tambémpor sua própria vontade, emconformidade com as suas obrasque são para o bem de todo ouniverso. Mas a criatura pelaqual são praticados os atos debruxaria, mesmo que benévolaem essência por natureza, não háde ser benévola pela sua vontade.Logo, é impossível defender omesmo juízo a respeito dasessências independentes e dessa

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essência criatural das bruxas.Prova-se que a essência

criatural referida não pode ser debondade no que tange à vontade.Pois que não faz parte dainteligência perfeitamenteordenada estender o seudomínio aos que agem contra avirtude; e contra a virtude agemas bruxas. Porque mostraremos,na Parte II deste livro, que asbruxas cometem assassinato,praticam a fornicação e fazem osacrifício de crianças e de animais

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– sendo chamadas bruxas pelanatureza maligna de seus atos.Logo, a inteligência por cujoauxílio se realiza a bruxaria nãohá de ser a que se volta a favorda virtude; embora pudesse serbenévola em sua forma original,como tudo mais, conforme ficaevidente para quem medita arespeito. Também não há deestar a inteligência benévola noespírito íntimo de criminosos,estendendo a eles seu apoio emdetrimento dos virtuosos. Pois

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são os criminosos que se servemda bruxaria e que se tornamconhecidos por tais atos.

A função natural dasessências que movem os astros éa de influenciar as criaturas parao bem, embora elas, muitasvezes, se corrompam por algumacidente. As essências, portanto,não são a causa original dasbruxarias.

A par disso, compete aosbons espíritos conduzir oshomens para aquilo que é bom

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na natureza humana e para oque traz a boa reputação; instigaros homens para o mal, portanto,e abandoná-los às coisasmalignas, são atitudes vinculadasa espírito com predisposição parao mal. E pela astúcia de talespírito os homens nãoprogridem no sentido das obrasmeritórias – nas ciências, nasvirtudes –, mas no das obrasperversas – no roubo e emmilhares de outros crimes. Aorigem de tais atos, portanto, não

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se encontra nas essências, masem alguma força do mal que sevolta contra a virtude.

Além disso, não é possívelconceber a invocação de espíritosbenignos para ajudar naconsecução de crimes. E é isso oque se faz nos atos de bruxaria,pois que as bruxas abjuram a fé esacrificam crianças inocentes. Asessências que movem os astros,pela sua bondade, não ajudamnesses atos de bruxaria.

Em conclusão: os atos de

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bruxaria não têm a sua origemnas forças que movem os astrosnem nos próprios astros. Devemter sua origem em alguma forçaaliada a alguma criatura, e talforça não há de ser boa na suavontade, embora pudesse sê-looriginalmente. Como os própriosDemônios correspondem a essadescrição, é pela força de seuspoderes que tais atos sãorealizados.

A menos que, de fato,alguém pudesse levantar a fútil

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objeção de que a bruxaria temsua origem na malícia humana –que a realizava através demaldições ou pragas e dadisposição de imagens em certoslugares, com os astros em posiçãofavorável. Uma bruxa, porexemplo, pega a sua imagem ediz a uma mulher:

– Eu a tornarei cega e coxa.E assim acontece.Acontece, porém, porque a

mulher desde o seu nascimentohavia de estar predestinada, pela

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disposição dos astros, a taldesgraça; e se tais palavrastivessem sido proferidas contraqualquer outra pessoa, nãoteriam surtido efeito. Poisobjetaremos a esses argumentosem pormenores: em primeirolugar, esses atos de bruxaria nãopodem ser causados pela malíciahumana; em segundo lugar, nãopodem ser causados por palavrasmágicas ou por imagens, sejamquais forem os astros emconjunção.

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Bruxaria não se faztão só pela malíciahumana.

Cumpre provar, primeiro, que osatos de bruxaria não decorremapenas da malícia humana, pormaior que esta seja. Pois que amalícia de um homem pode serhabitual – quando este, pelaprática frequente, adquire umhábito que o induz ao pecado (enão por ignorância, mas porfraqueza, caso em que peca pela

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sua perversidade). Ou pode sermalícia real, pelo que se fazmenção à opção deliberada pelomal, que é o pecado contra oEspírito Santo. Mas em nenhumadessas instâncias o ser humano écapaz, sem o auxílio de algumaforça superior, de promover,através de fórmulas mágicas, amutação dos elementos, ouprejudicar o corpo físico doshomens e dos animais. Eprovemos isso, primeiro, quantoàs causas, e, segundo, quanto aos

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efeitos das bruxarias.Os seres humanos não são

capazes de realizar tais atos semmalícia, ou seja, sem oenfraquecimento de sua próprianatureza, e muito menos quandosua natureza já se encontravaenfraquecida; o que está claro jáque sua virtude ativa já seencontrava diminuída. Mas osseres humanos, através de todasorte de pecados e deperversidades, tornam-seenfraquecidos na sua bondade

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natural. É declaração provadapela razão e pela autoridade. Poisque nos diz Dionísio (De Diuin.Nom. IV): “O pecado é oresultado natural do hábito.”Fala-nos aí do pecado da culpa.Pelo que ninguém que estejacônscio de seu pecado torne acometê-lo, salvo por revoltadeliberada.

Respondo da seguintemaneira. O pecado da culpaguarda a mesma relação com obem natural quanto o bem da

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graça guarda relação com opecado natural. Mas, pela graça,se reduz o pecado natural.Portanto, muito mais é o bemnatural diminuído pela culpa. Enão é válido objetar que oencantamento, às vezes, sejaprovocado por mau-olhado demulheres velhas sobre crianças,enfeitiçando-as e transmutando-as. Pois, conforme já se mostrou,isso só acontece às crianças pelasua delicada compleição.Falamos aqui, entretanto, dos

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corpos dos seres humanos e dosanimais e até mesmo doselementos e das tempestades degranizo. Para quem quiseraprofundar o assunto,recomendamos Santo Tomás nasquestões que tratam do mal: “Seo pecado é capaz de corromper obem natural na sua totalidade”etc.

Passemos aos efeitos dasbruxarias. A partir dos efeitoschegamos ao conhecimento dascausas. Tais efeitos, no que nos

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concerne, estão fora da ordemdas coisas criadas, conforme nosé dado saber, e são produzidospela força de alguma criatura quenos é desconhecida. Nãoobstante, não são milagres, ouseja, fenômenos fora da ordemda totalidade da natureza criada.Os milagres são causados pelopoder de Quem se acha acima datotalidade das ordens da criaçãonatural e que é o poder do Deusabençoado; porque foi dito: “Só aDeus cabe operar milagres.”

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Portanto, também as ordens dasbruxas são consideradasmiraculosas, enquanto causadaspor fatores desconhecidos denós, e fora da ordem da naturezacriada, conforme nos é dadosaber. Donde se conclui que avirtude corpórea de um homemnão pode se estender à causa detais obras; pois, no caso dohomem, a causa com seu efeitonatural é reconhecidanaturalmente e sem milagre.

E claro está que as obras das

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bruxas podem ser, em certosentido, chamadas miraculosas,enquanto excedem oconhecimento humano, pela suaprópria natureza; porque não sãofeitas naturalmente. Também émostrado por todos os doutoresda Igreja, mormente por SantoAgostinho, no 83º livro, quepelas artes mágicas muitosmilagres são operados de formasemelhante aos operados pelosservos de Deus. No mesmo livroele declara que os magos operam

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milagres por contratosparticulares ou privados, os bonscristãos por justiça pública e osmaus cristãos através de signosda justiça pública. E tudo isso éexplicado da seguinte maneira.Há a justiça divina em todo ouniverso, assim como há alegislação pública no Estado. Masa virtude de qualquer criaturaguarda relação com o universo,assim como a da pessoa,individualmente, guarda relaçãocom o Estado. Portanto, na

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mesma medida em que os bonscristãos operam milagres pelajustiça divina, diz-se que os mausos operam pela justiça pública.Mas o mago, como os operaatravés de pacto firmado com oDiabo, o faz, diz-se, por contratoprivado, pois que os opera pormeio do Diabo que, pelos seuspoderes naturais, é capaz deatuar fora da ordem da naturezacriada que é de nós conhecida,embora por meio de umacriatura que nos é desconhecida;

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e, por isso, tal efeito nos pareceráum milagre, embora não o sejaexatamente, já que não lhe épermitido operar fora da ordemda totalidade da natureza criada,nem através de todas as virtudesdas criaturas que nos sãodesconhecidas. Pelo que se diz sóDeus ser capaz de operarmilagres. E foi dito: “Apenas Vós,Senhor Deus, sois capaz deoperar milagres.” Mas os mauscristãos operam-nos mediantesignos da justiça pública,

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invocando o Nome de Cristo, ouexibindo certos Sacramentos. VerSanto Tomás na primeira partedas questões, IH, art. 4. Etambém as conclusões na Parte IIdesta obra, capítulo VI.

Que a bruxaria não éexercida e operada porvozes e palavrasproferidas sob ainfluência favoráveldos astros.

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Tampouco procede a bruxaria depalavras proferidas sobre imagenspor ocasião de conjunções astraisfavoráveis. Pois que o intelectode um homem é de natureza talque seu conhecimento advémdas coisas, e os fantasmasprecisam ser racionalmenteexaminados. Não é de suanatureza, por simplespensamento ou por operaçãointrínseca de seu intelecto, fazercom que coisas aconteçam pelomero pronunciar de palavras. Se

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assim fosse, os homens dotadosdesse poder não seriam damesma natureza que nós, e sópor equívoco seriam chamadoshomens.

Mas diz-se que operam taisprodígios quando os astros, nohoróscopo, lhes são favoráveis;do que se conclui que seriamcapazes de operar maravilhaspela força de palavras tãosomente, em certas condições,com o auxílio dos astros dohoróscopo da sua vítima. Tem-se,

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porém, que esse enunciado éabsolutamente falso pelo que jáse considerou a propósito dosastrólogos e dos adivinhos.

Não só isso: as palavrasexprimem a concepção dopensamento; e os astros não têmo poder de influenciar oentendimento humano, nem asforças que os movem, mesmoque assim desejassem, por sipróprias, independentemente domovimento dos astros, nosentido de iluminar o

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entendimento; tal só se dariacom relação às boas obras, poisque o entendimento humano seensombrece – e não se ilumina –para a realização das obras domal; tal é função não de espíritosbenignos, mas de espíritosmalignos. Fica claro, portanto,que, se há alguma eficácia emsuas palavras, não há de ser porcausa dos astros, e sim por causade alguma inteligência que,embora possa ser benévola porsua própria natureza, não há de

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ser com relação à vontade, já quesempre atua para a consecuçãodo mal; e tal inteligência é opróprio Diabo, conformedemonstramos.

E pode-se também dizer queos homens não são capazes deoperar tais coisas através do usode imagens influenciadas, porassim dizer, pelos astros. Pois taisimagens, marcadas por caracterese por figuras vários, são oresultado de obra humana.Embora os astros causem efeitos

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naturais, tal raciocínio não seaplica aos efeitos causados pelaação de bruxas malignas, que,para desgraça das criaturas, agemem desacordo com a ordemhabitual da natureza. Pelo quetal argumento é irrelevante.

Já demonstramos antesexistirem dois tipos de imagens.As dos astrólogos e dos magosnão se destinam à corrupção dosseres, mas à conquista de algumbem em particular. As imagensdas bruxas, contudo, são bem

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diversas: são sempresecretamente colocadas emdeterminados lugares para que,pelo comando do Diabo,prejudiquem as criaturas; e,conforme nos confessam aspróprias bruxas, as pessoas quecaminham ou dormem sobre elassão sempre prejudicadas. Peloque, qualquer que seja o efeitoproduzido, o é por meio deDemônios, e nunca pelainfluência dos astros.

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Aos argumentos. Cumpre,primeiro, que entendamos aspalavras de Santo Agostinho aodizer que a causa da depravaçãodo homem reside na sua própriavontade. Está nessa passagemreferindo-se à causa que produzo efeito; e que, oportunamente, éassim chamada causa. Mas nãoquer com isso dizer que seja essaa causa que permite o efeito – ouque o condiciona, o sugere ou ofomenta; esta, nesse sentido, seencontra no Diabo, que, assim,

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passa a ser a causa do pecado eda depravação; só Deuspermitindo que o bem possaproceder do mal. Assim diz SantoAgostinho: “O Diabo dá asugestão interior, e persuade ohomem, tanto interna quantoexternamente, por estimulaçãomais ativa. Mas instrui os que seacham inteiramente sob seupoder, como é o caso das bruxas,para quem é desnecessário tentarpelo interior, mas tão só peloexterior” etc.

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E chegamos assim aosegundo argumento. Está emcada um de nós, pelo diretoentendimento, a causa de nossaprópria perversidade. Cumpredizer que, embora fosse contrárioà doutrina do livre-arbítriosustentar que o homem pudesseser influenciado por comandodireto, não o é sustentar quepossa ser influenciado pelasugestão.

Em terceiro lugar, osimpulsos para o bem ou para o

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mal podem ser sugeridos pelainfluência dos astros – osimpulsos seriam assim recebidoscomo uma inclinação para avirtude ou para os vícioshumanos. Mas as obras dasbruxas estão fora da ordemcomum da natureza e, portanto,não estão submetidas a taisinfluências.

O quarto argumento éigualmente claro. Pois que,embora os astros sejam a causados atos humanos, a bruxaria

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não é propriamente um atohumano.

No quinto argumento temosque as forças que movem osastros são capazes de influenciaras almas. Quando se entende talenunciado diretamente, talinfluência se há de fazer poriluminação no sentido dabondade, nunca por bruxaria,conforme se demonstrou.Quando, porém, se entende talenunciado mediatamente,teríamos então que é por meio

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dos astros que as bruxas exercemuma influência indireta esugestiva.

Em sexto lugar, são duas asrazões por que os Demôniosmolestam os homens em certasfases da Lua. Primeiro, sãocapazes de desprestigiar os corposcriados por Deus, como a Lua,conforme nos dizem SãoJerônimo e São João Crisóstomo.Segundo, porque não são capazesde operar, conforme se disseantes, sem o intermédio das

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forças naturais. Passam, portanto,a estudar as aptidões dos corpospara receberem impressões; eportanto, conforme dizAristóteles, o cérebro é das partesdo corpo a mais úmida, é a partemais propensa às influências daLua, que, de per si, tem o poderde incitar humores. Não apenasisso: as forças animais sãoaperfeiçoadas no cérebro e,portanto, os Demôniosperturbam, com certasinfluências, a imaginação dos

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homens de acordo com certasfases da Lua, quando o cérebrose acha mais propenso pararecebê-las.

São também duas as razõespor que os Demônios seapresentam como conselheirosdurante certas conjunções astrais.Primeiro, são capazes de levar oshomens a acreditarerroneamente na existência dealguma divindade nas estrelas.Segundo, porque pensam que,sob a influência de alguma

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constelação, a matéria corpóreaseja mais propensa aos atosalmejados.

Diz-nos Santo Agostinho emDe Ciuitate Dei, XXXVI: “OsDemônios são atraídos por váriostipos de pedras, de ervas, deárvores, de animais, de canções ede instrumentos musicais, nãocomo são atraídos os animais poralimento, mas como os espíritospor sinais, como se tais objetoslhes fossem exibidos em sinal dahonra divina pela qual anseiam.”

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Mas, não raro, objeta-se queos Demônios são impedidos demolestar os homens através deervas e de música; e em defesadesse ponto de vista se mencionaa passagem escriturística de Saule do efeito da música da harpa.Procura-se, destarte, argumentarque algumas pessoas são capazesde realizar bruxaria através decertas ervas e de certos fatoresocultos, sem o auxílio deDemônios, tão somente com orecurso dos astros, os quais

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exerceriam poder mais diretosobre os corpos materiais (para apromoção de efeitos corpóreos)do que sobre os Demônios (paraa produção dos efeitos dabruxaria).

Embora convenha respondera tal objeção de forma maisabrangente, cumpre atentar queas ervas e a música não sãocapazes, por sua própria virtudenatural, de neutralizarinteiramente os males que osDemônios infligem aos homens,

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com a permissão de Deus e dosanjos do bem. São capazes,todavia, de mitigar tais males, osquais podem ser de natureza tãoleve que chegam a eliminá-loscompletamente. Mas se têm talefeito, não há de ser por combatedireto aos Demônios – já queestes são de uma substânciaespiritual distinta, contra a qualnada de natureza material écapaz de ter efeito –, mas porcombate ao mal verdadeirocausado pelo Diabo. Pois toda

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causa que tem poder limitado écapaz de produzir efeito maisintenso sobre uma substânciaapropriada do que sobre umasubstância inapropriada.Consultar Aristóteles, em DeAnima. As ervas e os demaiselementos que se mostrameficazes, são-no em pacientepredisposto a tal. Porém, o Diaboé agente de poderes limitados, e,portanto, capaz de infligir afliçãomais violenta em homempredisposto do que em homem

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com predisposição adversa. ODiabo é capaz, por exemplo, deinduzir sentimento maisprofundo de inveja em homemcom esse tipo de predisposiçãohumoral do que em homem compredisposição contrária.

E mais: certo é que as ervas ea música são capazes demodificar a inclinação dos corposcriaturais e, consequentemente,de mudar as emoções. Isso éevidente no caso das ervas, jáque algumas deixam os homens

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alegres, outras os deixam tristes eassim muitas outras. É issoevidente também no caso damúsica, como nos mostraAristóteles (Política, VIII), aodeclarar que diferentesharmonias produzem diferentessentimentos no homem. Boéciotambém fala desse fenômeno emsua Música. E também disso nosfala o autor de o Nascer doconhecimento, ao mencionar autilidade da música na cura ouno alívio de várias enfermidades.

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Assim sendo, embora inalteradosos demais fatores, pode a músicaajudar a mitigar o sofrimento.

Mas não vejo de que modo aservas e a música seriam capazesde criar disposição tal que denenhuma forma o homem fossemolestado por Demônios.Mesmo que isso fosse permitido,o Diabo, movendo-se apenas novapor local do espírito, seriacapaz de afligi-lo gravemente noplano do sobrenatural. As ervas eas harmonias musicais não são

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capazes, no entanto, por virtudenatural, de criar no homemsemelhante disposição, de formaa prevenir a comoção almejadapelo Diabo. Acontece porém que,às vezes, é permitido ao Diabo sóinfligir mal de pequena monta,de tal sorte que, graças a umaforte predisposição contrária,possa ser totalmenteneutralizado; temos então quealgumas ervas ou certasharmonias musicais são capazesde conferir ao corpo humano

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predisposição contrária, de sortea remover por completo o malinfligido: o Diabo, por exemplo,pode exasperar o homem com atristeza; mas de forma tão tênueque ervas e harmonias, capazesde enlevar e soerguer o espírito,num efeito contrário ao dosentimento de tristeza, consigamremovê-la totalmente.

Não só isso: Santo Agostinho,em seu segundo livro DeDoctrina Christiana, condena osamuletos e outros objetos, por

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atribuir sua virtude às artesmágicas, declarando nãopossuírem, em si próprios,qualquer poder natural. É bemclaro ao dizê-lo. A essa categoriapertencem todos os amuletos eencantamentos condenados pelaEscola dos Médicos, que muitoclaramente condena o seu usopor não terem eficácia por suaspróprias virtudes.

Quanto à passagem bíblicaem que Saul, exasperado porDemônios, é aliviado pela harpa

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de Davi (I Reis, 16), cumpreesclarecer que é verdade ter sidoa aflição de Saul mitigada, emgrande medida, pela virtudenatural da harmonia ao soar daharpa: a música acalmou-lhe oânimo pelo sentido da audição e,já calmo, menos propenso ficouàquela exasperação. Mas omotivo pelo qual o espírito domal se afastou não estava nopoder do som da harpa, mas nopoder da cruz, o que éclaramente demonstrado pela

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glosa onde diz: “Davi tinhainstrução musical, conhecia comhabilidade as diferentes notas eas modulações harmônicas.Demonstrava a unidade essencialao tocar a cada dia em váriosmodos. Contudo, repeliu oespírito do mal pela harpa nãoporque dela emanasse tamanhavirtude, mas porque oinstrumento tinha a configuraçãode uma cruz: uma cruz demadeira por onde,transversalmente, se estendiam

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as cordas. Já naquele tempo osDemônios fugiam da cruz.”

QUESTÃO VI

Sobre as bruxas quecopulam com Demônios.Por que principalmente asmulheres se entregam àssuperstições diabólicas.

Há também, a respeito das

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bruxas que copulam comDemônios, muitas dificuldadesao considerarem-se os métodospelos quais tal abominação éconsumada. Da parte doDemônio: primeiro, de qual doselementos que compõem o corpoele se utiliza; segundo, se o ato ésempre acompanhado da injeçãodo sêmen recebido de outrohomem; terceiro, quanto aomomento e ao lugar, ou seja, sepratica o ato maisfrequentemente em determinado

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momento do que em outro;quarto, se o ato não é visível aosque estão perto. Da parte dasmulheres, cumpre indagar seapenas as que foram concebidasdessa forma obscena sãofrequentemente visitadas pelosDemônios, ou se o são apenasaquelas oferecidas aos Demôniospelas parteiras por ocasião de seunascimento; e, por fim, se odeleite com o ato venéreo é dealgum tipo mais fraco. Nãopoderemos aqui responder a

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todas essas questões por estarmosempenhados tão somente numestudo geral e porque na Parte IIdesta obra todas serão explicadasseparadamente (no capítulo IVda Questão I, onde se fazmenção a cada método emseparado). Vamos nos deter porora, no problema das mulheres;e, em primeiro lugar, tentaremosexplicar por que essa perfídia émais encontradiça nas pessoas dosexo frágil e não em homens.Nossa primeira indagação será de

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caráter geral – quanto àscondições gerais das mulheres; asegunda será particular – quantoao tipo de mulher que se entregaà superstição e à bruxaria; e porfim a terceira, específica àsparteiras, que superam todas asdemais em perversidade.

Por que a superstiçãoé encontradaprincipalmente emmulheres.

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É um fato que maior número depraticantes de bruxaria éencontrado no sexo feminino.Fútil é contradizê-lo: afirmamo-lo com respaldo na experiênciareal, no testemunho verbal depessoas merecedoras de crédito.E sem de modo algum aviltar osexo a quem Deus confiou aglória magna de espalharlargamente o Seu poder, digamosque diversos homens têmidentificado para esse fenômenovárias razões, que no entanto são,

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em princípio, consoantes. Peloque é de bom alvitre, a título deadvertência às mulheres, falar doassunto; tem-se provado pelaexperiência que são elas as quemais anseiam por ouvir arespeito, desde que se lhes falecom discrição.

Alguns homens instruídospropõem o seguinte motivo.Existem três coisas na natureza –as línguas, os eclesiásticos e asmulheres – que, seja nabondade, seja no vício, não

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conhecem moderação; e quandoultrapassam os limites de suacondição atingem as maioresalturas na bondade e as maisfundas profundezas no vício.Quando governados por espíritosdo bem, atingem o acme davirtude; mas, quando governadospor espíritos do mal, secomprazem nos piores víciospossíveis.

Isso está claro no caso daslínguas, já que pelo seuministério a grande maioria dos

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reinos foi convertida à Fé Cristã;e o Espírito Santo apareceu sobreos apóstolos de Cristo em línguasde fogo. Outros pregadores astêm como se fossem línguas decães, a lamberem as feridas e asúlceras de Lázaro moribundo.Pois está escrito: “Com as línguasdos cães salvastes as vossas almasdo inimigo.”

Por essa razão São Domingos,o líder e fundador da Ordem dosDominicanos, é representadopela figura de um cão ladrador

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com uma tocha acesa na bocaque, pelo seu latido, é capazmesmo ainda hoje de manterafastados os lobos hereges dorebanho das ovelhas de Cristo.

Também é experiênciacomum que a língua de umhomem prudente é capaz deapaziguar os ânimos altercadosde uma multidão. Pelo que, nãoinjustamente, canta Salomão emlouvor de graças (Provérbios, 10):“Nos lábios do sábio encontra-sea sabedoria.” E, mais adiante: “A

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língua do justo é prata finíssima;o coração dos maus, porém, paranada serve.” E ainda maisadiante: “Os lábios dos justosnutrem a muitos, mas os nésciosperecem por falta deinteligência.” Para essa causaadita ainda a passagem nocapítulo 16: “Cabe ao homemformular projetos em seucoração, mas do Senhor vem aresposta da língua.”

Mas sobre as línguasmaldosas cabe mencionar a

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passagem do Eclesiástico, 28: “Alíngua de um terceiro abaloumuitos deles, e os afugentou deuma nação a outra; destruiu ascidades fortes dos ricos e arrasouas casas dos poderosos.” Porlíngua de um terceiro se fazreferência a um terceiro quetemerária ou maldosamenteinterfere na contenda entre duaspartes.

Em segundo lugar, sobre oseclesiásticos, ou seja, os clérigos ereligiosos de ambos os sexos, São

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João Crisóstomo diz: “Eleexpulsou os vendilhões dotemplo.” Do sacerdócio provémtudo de benévolo e tudo demalévolo. São Jerônimo, em suaEpístola a Nepociano, diz: “Fogede um padre comerciante comofoges da peste, daquele que dapobreza chegou à riqueza, do quede baixa condição social atingiucondição social elevada.” E SãoBernardo, em sua 23ª homíliaSobre os salmos, diz dos clérigos:“Se aparecer algum francamente

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herege, que seja expulso e postoem silêncio; se for inimigoviolento, permiti que todos osbons homens dele se afastem.Mas de que modo saberemosquem expulsar e de quem fugir?Pois que são eles ambiguamenteamigáveis e hostis, pacíficos ebriguentos, amáveis eabsolutamente egoístas.”

E em outra passagem:“Nossos bispos transformaram-seem soldados e nossos pastores,em carrascos.” Por bispos referia-

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se aos abades que impunhampesadas tarefas aos seusinferiores mas que eles própriosnão moveriam um dedo pararealizar. E diz-nos São Gregóriosobre os pastores: “Não há quemmais mal faça à Igreja do queaqueles que, tendo recebido aordem da santidade, vivem nopecado; porquanto ninguém seatreve a acusá-los de pecadores e,portanto, o pecado se dissemina,já que o pecador é honrado pelasantidade de sua ordem.” Santo

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Agostinho fala também dosmonges a Vicente, o Donatista:“confesso-lhe livremente, peranteo Senhor nosso Deus, que étestemunha de minha almadesde o tempo em que comecei aservi-lo, da enorme dificuldadeque experimentei no fato dehaver-me sido impossívelencontrar homens piores oumelhores do que aqueles quedignificam ou desgraçam osmosteiros.”

Da perversidade das

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mulheres fala-se no Eclesiástico,25: “Não há veneno pior que odas serpentes; não há cólera quevença a da mulher. É melhorviver com um leão e um dragãoque morar com uma mulhermaldosa.” E entre o muito que,nessa passagem escriturística, sediz da malícia da mulher, háuma conclusão: “Toda malícia éleve, comparada com a malíciade uma mulher.” Pelo que SãoJoão Crisóstomo comenta sobre apassagem “É melhor não se

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casar” (Mateus, 19): “Que há deser a mulher senão umaadversária da amizade, umcastigo inevitável, um malnecessário, uma tentação natural,uma calamidade desejável, umperigo doméstico, um deleitenocivo, um mal da natureza,pintado de lindas cores!Portanto, sendo pecado deladivorciar-se, conviver com elapassa a ser tortura necessária: oucometemos o adultério,repudiando-a, ou somos

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obrigados a suportar as brigasdiárias.” Diz Cícero no segundolivro da sua Retórica: “A lascíviamultímoda dos homens leva-os aum só pecado, mas a lascíviaunívoca das mulheres as conduza todos os pecados; pois que araiz de todos os vícios da mulheré a cobiça.” E diz Sêneca no seuTragédias: “A mulher ou ama ouodeia. Não há meio-termo. E assuas lágrimas são falazes, porque,ou brotam de verdadeiro pesar,ou não passam de embuste. A

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mulher que solitária medita,medita no mal.”

Mas para as mulheres de boaíndole são muitíssimos oslouvores, e lemos que têmtrazido a beatitude aos homens etêm salvado nações, terras ecidades; como claro está no casode Judite, de Débora e de Ester.Ver também I Coríntios, 7: “Seuma mulher desposou ummarido pagão e este consente emcoabitar com ela, que não orepudie. Porque o marido que

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não tem a fé é santificado por suamulher.” E no Eclesiástico, 26:“Abençoado o homem que temuma boa mulher, pois seduplicará o número de seusanos.” E por todo o capítulomuito se louva a excelência damulher virtuosa; o mesmoconstatando-se também noúltimo capítulo dos Provérbios.

E tudo isso fica claro tambémno Novo Testamento, ao tratardas mulheres, das virgens e deoutras santas que converteram

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reinos e nações idólatras àreligião cristã. Basta consultarVicente de Beauvais (In Spe.Histor., XXVI, 9) para verificar asmaravilhas a respeito daconversão dos húngaros porGisela, a cristã devota, e dosfrancos por Clotildes, a esposa deClóvis. No entanto, em muitasvituperações que lemos contra asmulheres, o vocábulo mulher éusado para indicar a lascívia dacarne. Conforme é dito:“Encontrei uma mulher mais

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amarga que a morte e uma boamulher subordinada àconcupiscência carnal.”

Outros têm ainda propostomuitas outras razões paraexplicar o maior número demulheres supersticiosas do quede homens. E a primeira está emsua maior credulidade; e, já queo principal objetivo do Diabo écorromper a fé, prefere entãoatacá-las. Ver Eclesiástico, 19:“Aquele que é crédulo demaistem um coração leviano e sofrerá

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prejuízo.”A segunda razão é que as

mulheres são, por natureza, maisimpressionáveis e mais propensasa receber a influência do espíritodescorporificado; e quando seutilizam com correção dessaqualidade, tornam-sevirtuosíssimas, mas quando autilizam para o mal, tornam-seabsolutamente malignas.

A terceira razão é que,possuidoras de língua traiçoeira,não se abstêm de contar às suas

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amigas tudo o que aprendematravés das artes do mal; e porserem fracas, encontram modofácil e secreto de se justificarematravés da bruxaria. Ver apassagem do Eclesiástico, jámencionada: “É melhor vivercom um leão ou um dragão quemorar com uma mulhermaldosa.” “Toda a malícia é leve,comparada com a malícia de umamulher.” E podemos aí aditarque agem em conformidade como fato de serem muitíssimo

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impressionáveis.Há ainda quem traga à baila

outras explicações. Os pregadoresdevem ficar muito atentos para aforma como as utilizar. É verdadeque no Antigo Testamento asEscrituras têm muito a dizersobre a malevolência dasmulheres, e isso em virtude daprimeira mulher sedutora, Eva, ede suas imitadoras; depois,contudo, no Novo Testamento,há uma mudança do nome deEva para Ave (conforme nos diz

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São Jerônimo), e todo o pecadode Eva é expungido pela bem-aventurança de Maria. Portanto,cabe aos pregadores muito louvá-las sempre que possível.

Porém, como nos nossostempos essa perfídia é maisencontrada em mulheres do queem homens, conforme nosensina a experiência, para osainda mais curiosos a respeito darazão do fenômeno,acrescentamos o que já foimencionado: por serem mais

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fracas na mente e no corpo, nãosurpreende que se entreguemcom mais frequência aos atos debruxaria.

Pois no que tange aointelecto, ou ao entendimentodas coisas espirituais, parecem serde natureza diversa da dohomem; fato que é defendidopela lógica das autoridadesrespaldadas em vários exemplosdas Escrituras. Diz-nos Hecira:“As mulheres, intelectualmente,são como crianças.” E declara-

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nos Lactâncio (Institutiones, III):“Nenhuma mulher chegou acompreender a filosofia, excetoTemeste.” E nos Provérbios, 11há esta passagem descrevendouma mulher: “Um anel de ourono focinho de um porco, tal é amulher formosa e insensata.”

Mas a razão natural está emque a mulher é mais carnal doque o homem, o que se evidenciapelas suas muitas abominaçõescarnais. E convém observar quehouve uma falha na formação da

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primeira mulher, por ter sido elacriada a partir de uma costelarecurva, ou seja, uma costela dopeito, cuja curvatura é, por assimdizer, contrária à retidão dohomem. E como, em virtudedessa falha, a mulher é animalimperfeito, sempre decepciona emente. Pois diz Cato: “Quandouma mulher chora, está urdindouma cilada.” E prossegue:“Quando uma mulher chora,trabalha para enganar umhomem.” O que é demonstrado

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pelo caso da mulher de Sansão,que o persuadiu a lhe contar osegredo de sua força para depoisapresentá-lo aos filisteus, assimenganando-o. E claro está que aprimeira mulher tinha pouca fé;porque, quando a serpente lheperguntou por que não comia detodas as frutas do Paraíso, elarespondeu: “Podemos comer dofruto das árvores do jardimmas... para que não morrais.”Demonstrando assim queduvidava e que pouca fé tinha na

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palavra de Deus. E tal é o queindica a etimologia da palavraque lhe designa o sexo, poisFemina vem de Fe e Minus, porser a mulher sempre mais fracaem manter e em preservar a suafé. E isso decorre de sua próprianatureza; embora a graça e a fénatural nunca tenham faltado àVirgem Santíssima, mesmo porocasião da Paixão de Cristo,quando carecia a todos oshomens.

Portanto, a mulher perversa

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é, por natureza, mais propensa ahesitar na sua fé e,consequentemente, maispropensa a abjurá-la – fenômenoque conforma a raiz da bruxaria.

E a respeito de sua outraqualidade mental, qual seja, asua vontade natural, cumpredizer que, ao odiar alguém queantes amava, passa a agitar comira e impaciência toda a suaalma, exatamente como a forçada maré ondulando e agitandoos mares. Muitas autoridades

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fazem alusão a essa causa.Eclesiástico, 25: “Não há cóleraque vença a da mulher.” ESêneca (Tragédias, VIII): “Nemlabaredas sinistras, nem ventosassoladores, nem armasmortíferas: nada há de maistemível que a lascívia e o ódio deuma mulher repudiada do leitomatrimonial.”

E isso é também comprovadopelo caso da mulher que, emfalso testemunho, acusou José ecausou-lhe a prisão por não ter

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consentido em praticar, com ela,o crime de adultério (Gênesis,30). A causa mais poderosa acontribuir para o crescimento dabruxaria reside na rivalidadedeplorável entre pessoas casadase homens e mulheres solteiros.Se isso já ocorre entre asmulheres devotas e santas, quedizer entre as demais? Bastaconsultar o Gênesis, 21. Qualnão foi a impaciência e a invejade Ágar manifestada por Saraquando a primeira concebeu;

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como enciumada de Leia ficouRaquel porque não tivera filhos(Gênesis, 30); e a inveja de Ana,que era estéril, da fértil Fenena (IReis, 1); e de como Míriam(Números, 12), por ter faladomal de Moisés, acabou porcontrair lepra; e de como Martatinha ciúmes de MariaMadalena, porque, enquantotrabalhava, Maria ficava sentada(Lucas, 10). Vemos sobre esseponto o que diz o Eclesiástico,37: “Não vás consultar uma

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mulher sobre sua rival.”Querendo com isso dizer serinútil consultá-la, porque semprehaverá ciúme, ou seja, inveja, namulher perversa. E se entre siassim se comportam as mulheres,muito pior será com relação aoshomens.

Valério Máximo conta-nosque quando Forônio, o rei dosgregos, estava à morte, disse aseu irmão Leôncio que nada lhefaltava para completar-lhe afelicidade, pois que nunca tivera

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esposa. E quando Leôncioperguntou-lhe de que modopoderia uma mulher obstar ocaminho da felicidade,respondeu-lhe Forônio que todosos homens casados sabiamperfeitamente a resposta. Equando perguntaram ao filósofoSócrates se ele se casaria,respondeu: “Se não nos casamos,tornamo-nos solitários,extinguimos nossa família, enossa herança vai para a mão deum estranho; quando nos

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casamos, porém, padecemos deperpétua ansiedade, de queixaslamuriosas, da censura docônjuge, do intenso desprazernas relações, da garrulice dasogra, da infidelidade e daincerteza da vinda de umherdeiro.” E fez essa declaraçãoporque bem conhecia oproblema. Pois como nos contaSão Jerônimo em seu ContraIouinianum: “Este Sócrates teveduas esposas, e embora assuportasse com muita paciência,

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não conseguia livrar-se de suascontumélias e de suasvituperações clamorosas. Assim,certo dia, quando ambas dele seaproximaram a queixarem-se,saiu e sentou-se diante da casapara escapar daquela amolação;mas as mulheres acabaramjogando-lhe por cima água suja.O filósofo, contudo, não sedeixou abalar, dizendo: ‘Eu sabiaque depois do trovão viria atempestade.’”

Há também a história de um

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homem que, tendo a esposaafogada num rio, começou aprocurar pelo corpo para retirá-loda água, caminhando porém emsentido contrário ao dacorrenteza. E quando indagadopor que assim procedia, já que oscorpos pesados sempre sãoarrastados pela correnteza,respondeu: “Quando viva, essamulher, por palavras e por atos,sempre foi contrária às minhasordens. Portanto, procuro-a nadireção contrária porque, mesmo

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morta, talvez ainda conserveaquela disposição contrária àminha.”

E, com efeito, assim como,em virtude da deficiência originalem sua inteligência, são maispropensas a abjurarem a fé, porcausa da falha secundária emseus afetos e paixõesdesordenados também almejam,fomentam e infligem vingançasvárias, seja por bruxaria, seja poroutros meios. Pelo que nãosurpreende que tantas bruxas

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sejam desse sexo.As mulheres possuem

também memória fraca; e nelas aindisciplina é um vício natural:limitam-se a seguir seus impulsossem qualquer senso do que édevido; e sua instrução segue amedida da sua indisciplina, poismuito pouco lhes é dado guardarna memória. Assim dizTeofrasto: “Quando entregamosa tutela de nossa casa para amulher, reservando, porém, paranossa própria decisão algum

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ínfimo pormenor, julga estarmosmanifestando para com ela gravefalta de consideração e deconfiança, julga estarmosincitando briga; a menos querapidamente nos aconselhemos,resolvendo o problema, ela nosvai preparar veneno, vaiconsultar videntes e feiticeiros eacabar se transformando numabruxa.”

Mas, quanto ao domínioexercido pelas mulheres,ouçamos o que nos diz Cícero

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nos Paradoxos. Pode serchamado de homem livre aquelecuja esposa o governa, cujaesposa lhe impõe leis, lhe ordenae o proíbe de fazer o que deseja,de sorte a não poder negarqualquer coisa que ela lhe peça?Eu o chamaria não apenas deescravo, mas de o maisdesprezível dos escravos, mesmoquando descendente de famílianobre. E Sêneca, na descrição docaráter de Medeia, diz: “Por quedeixas de seguir o teu ímpeto de

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felicidade? De que tamanho é avingança em que te regozijas?”Onde adita muitas provas de quea mulher não se controlará eseguirá os seus impulsos até aprópria destruição. Da mesmaforma, lemos a respeito dasmuitas mulheres que se matarampor amor ou por pesar, por nãoserem capazes de elaborar a suavingança.

São Jerônimo, escrevendosobre Daniel, conta-nos a históriade Laodiceia, esposa de

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Antióquio, rei da Síria:enciumada, e para que seuesposo não amasse Berenice, suaoutra mulher, mais do que a simesma, fez com que, primeiro,ele, Antióquio, assassinasseBerenice e sua filha para, depois,se envenenar. E por quê? Porque,não conseguindo refrear-se,acabou cedendo a seus própriosimpulsos. Portanto, diz-nos SãoJoão Crisóstomo, não sem razão:“Ó! Mal pior que todos os males,o da mulher perversa, seja rica

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ou seja pobre. Pois se é mulherde um homem rico, não cessa,noite e dia, de excitá-lo compicardias, usando de adulaçõesmaléficas e de importunaçõesviolentas. Mas se é mulher dehomem pobre, não cessa deinstigá-lo ao ódio e à briga. E se éuma viúva, aonde vai fica adesprezar a todos, inflamada emsua astúcia pelo espírito doorgulho.”

Se perquirirmos devidamentevamos descobrir que quase todos

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os reinos do mundo foramderrubados por mulheres. Troia,cidade próspera, foi, pelo raptode uma mulher, Helena,destruída e, assim, assassinadosmilhares de gregos. O reino dosjudeus padeceu de muitosflagelos e de muita destruiçãopor causa de Jezebel, a maldita, ede sua filha Atália, rainha deJudá, que causou a morte dosfilhos de seu filho para quepudesse reinar; e cada um delesfoi assassinado. O Império

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Romano sofreu penosamente nasmãos de Cleópatra, a rainha doEgito, a pior de todas asmulheres. E assim com muitasoutras. Portanto, não admira quehoje o mundo padeça emsofrimentos pela malícia dasmulheres.

Passemos a examinar agoraos desejos carnais do própriocorpo, de onde provém o maldesarrazoado da vida humana.Concordamos com o que dizCato de Utica: “Se pudéssemos

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livrar o mundo das mulheres,não ficaríamos afastados de Deusdurante o coito. Pois que,verdadeiramente, sem aperversidade das mulheres, paranão falar da bruxaria, o mundoainda permaneceria à prova deinumeráveis perigos.” Ouçamos oque diz Valério a Rufino: “Tunão sabes que a mulher é aQuimera, embora fosse bom queo soubesses, pois aquele monstroapresentava três formas: acabeça, nobre e radiante, era a de

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um leão; o ventre obsceno, era ode uma cabra; e a caudavirulenta, era a de uma víbora.”Queria assim dizer que a mulher,embora seja bela aos nossosolhos, deprava ao nosso tato e éfatal ao nosso convívio.

Consideremos outra de suaspropriedades – a voz. Mentirosaspor natureza, o seu discurso aum só tempo nos aguilhoa e nosdeleita. Pelo que sua voz é comoo canto das sereias, que com suadoce melodia seduzem os que se

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lhes aproximam e os matam. E osmatam esvaziando as suas bolsas,consumindo as suas forças efazendo-os renunciar a Deus.Torna a dizer Valério a Rufino:“A mulher, ao falar, provoca umdeleite com sabor de pecado; aflor do amor é a rosa, porque sobo seu botão se escondem muitosespinhos.” Ver Provérbios 5, 3-4:“Porque os lábios da mulheralheia destilam mel, seu paladaré mais oleoso que o azeite. Nofim, porém, é amargo como o

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absinto.” [Sua garganta é maisoleosa que o azeite. Mas as suaspartes inferiores são maisamargas que o absinto.]

Consideremos também o seuandar, a sua postura e o seuhábito, onde reside a vaidade dasvaidades. Não há homem nomundo que tanto se dedique aosseus estudos para agradar a Deusquanto uma mulher se dedica asuas vaidades para agradar oshomens. Exemplo disso éencontrado na vida de Pelagia, a

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meretriz que se aproximou deAntióquio enfeitada e adornadada forma mais extravagante. Umsanto padre, chamado Nono,viu-a e começou a chorardizendo a seus companheirosque nunca, em toda a sua vida,se empenhara com tantadiligência em agradar a Deus; etudo o que ainda disse dessaimpressão acha-se preservado emsuas orações.

É disso que se lamenta noEclesiástico 7, e que ainda hoje a

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Igreja também lamenta, emvirtude do grande número debruxas. E eu encontrei umamulher mais amarga que amorte, como a armadilha docaçador: o seu coração é umarede e as suas mãos são algemas.Os que agradarem a Deus, delahaverão de escapar; mas ospecadores serão por elaapanhados. Mais amarga que amorte, ou seja, que o Diabo:Apocalipse 6, 8 – “e o seucavaleiro tinha por nome Morte”.

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Pois embora o Diabo hajatentado Eva com o pecado, foiEva quem seduziu Adão. E comoo pecado de Eva não teria trazidoa morte para a nossa alma e parao nosso corpo se não tivesse sidotambém cometido por Adão, quefoi tentado por Eva e não peloDemônio, é ela mais amarga quea morte.

Mais amarga que a morte,mais uma vez, porque a morte énatural e destrói somente ocorpo; mas o pecado que veio da

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mulher destrói a alma, por privá-la da graça, e entrega o corpo àpunição pelo pecado.

Mais amarga que a morte,sim, porque, embora a mortecorpórea seja inimigo terrível evisível, a mulher é inimigosecreto e enganador.

E ao falar-se que é maisperigosa que uma armadilha, nãose está pensando na armadilhados caçadores, mas na armadilhados Demônios. Pois que oshomens não são apanhados

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apenas pelo desejo carnalquando veem e ouvem asmulheres. Diz-nos São Bernardo:“O seu rosto é como ventocáustico e a sua voz como o silvodas serpentes: lançam conjurosperversos sobre um númeroincontável de homens e deanimais.” E ao falar-se que o seucoração é uma rede, se estáreferindo à malícia inescrutávelque reina em seus corações. Esuas mãos são como algemas paraprender: quando botam as mãos

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numa criatura, conseguemenfeitiçá-la, com o auxílio doDiabo.

Em conclusão. Toda bruxariatem origem na cobiça carnal,insaciável nas mulheres. VerProvérbios, 30: “Há três coisasinsaciáveis, quatro mesmo quenunca dizem: Basta!” A quarta éa boca do útero. Pelo que, parasaciarem a sua lascívia, copulamaté mesmo com Demônios.Poderíamos ainda aditar outrasrazões, mas já nos parece

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suficientemente claro que nãoadmira ser maior o número demulheres contaminadas pelaheresia da bruxaria. E por essemotivo convém referir-se a talheresia culposa como a heresiadas bruxas e não a dos magos,dado ser maior o contingente demulheres que se entregam a essaprática. E abençoado seja oAltíssimo, que até agora tempreservado o sexo masculino decrime tão hediondo: como Eleveio ao mundo e sofreu por nós,

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deu-nos, a nós homens, esseprivilégio.

Qual o tipo de mulherque se entrega, maisque todas as outras, àsuperstição e àbruxaria.

Cumpre dizer, conforme sedemonstrou na questãoprecedente, que três parecem seros vícios que exercem umdomínio especial sobre as

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mulheres perversas, quais sejam:a infidelidade, a ambição e aluxúria. São estas, portanto, maisinclinadas que as outras àbruxaria, por mais se entregarema tais vícios. Como desses trêsvícios predomina o último, porserem as mulheres insaciáveisetc., conclui-se que, dentre asmulheres ambiciosas, as maisprofundamente contaminadassão as que mais ardentementetentam saciar a sua lascíviaobscena: as adúlteras, as

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fornicadoras e as concubinas dospoderosos.

Existem, conforme se lê naBula Papal, sete métodos pelosquais elas contaminam, atravésda bruxaria, o ato venéreo e aconcepção; primeiro:fomentando no pensamento doshomens a paixão desregrada;segundo: obstruindo a sua forçageradora; terceiro: removendo-lhes o membro que serve ao ato;quarto: transmutando-os embestas pela sua magia; quinto:

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destruindo a força geradora nasmulheres; sexto: provocando oaborto; sétimo: oferecendo, emsacrifício, crianças aos Demônios,além de outros animais e frutasda terra, com o que causamenormes males. Cada um dessesmétodos será consideradoulteriormente; concentremo-nospor ora nos males causados aoshomens.

Consideremos, primeiro, osque são enfeitiçados pelo amorou pelo ódio desmedidos,

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embora seja tema de difícilanálise antes de estudarmos ainteligência geral. Tomemo-lo,porém, como fato estabelecido.Pois que Santo Tomás (IV, 34),ao tratar das obstruções causadaspelas bruxas, mostra que Deusconcede ao Demônio maiorpoder contra o ato venéreo doshomens do que contra qualqueroutro de seus atos; e dá comorazão o fato de estarem as bruxasentre as mulheres com maispropensão a tais atos.

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Diz-nos, ainda, que pelo fatode o primeiro pecado que tornouo homem escravo do Demônioter sido o do ato carnal, logomaior o poder conferido porDeus ao Diabo com relação aesse ato e não com relação aosdemais. Não apenas isso: o poderdas bruxas é mais aparente nasserpentes do que em outrosanimais porque foi através daserpente que o Demônio tentoua mulher. Por essa razãotambém, conforme é mostrado,

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depois o matrimônio, emboraseja obra de Deus, por ter sidopor Ele instituído, é, por vezes,arruinado pelo Diabo: não porviva força – já que se poderiasupô-lo mais forte que Deus –,mas, com a permissão de Deus,por algum impedimentotemporário ou permanente noato conjugal.

E podemos mencionar, apropósito, o que nos é dado saberpela experiência; tais mulheressaciam os seus desejos obscenos

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não apenas consigo mesmas mascom aqueles que se acham novigor da idade, de qualquerclasse ou condição; causando-lhes, através de bruxarias de todaespécie, a morte da alma, pelofascínio desmedido do amorcarnal, de tal forma a não haverpersuasão ou vergonha que osfaça abster-se de tais atos. Edesses homens, já que as bruxasnão permitem que lhes aconteçaqualquer mal por se acharem sobseu domínio, surge o maior

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perigo de todos os tempos, qualseja, o do extermínio da fé. Eassim crescem em número asbruxas, dia a dia.

Oxalá tal não fosseverdadeiro. Mas, com efeito, pelabruxaria se desperta o ódio naspessoas unidas pelo Sacramentodo matrimônio e se esfriam asforças generativas, deixando oshomens impossibilitados deconsumar o ato para geração daprole. E como na alma coexistemo amor e o ódio e nela nem

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mesmo o Demônio pode entrar,torna-se necessário perscrutaressa questão, para que tais coisasnão pareçam inverossímeis paraquem quer que seja; e, deargumento em argumento,tentaremos elucidar a matéria.

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QUESTÃO VII

Se as bruxas são capazesde desviar o intelecto doshomens para o amor oupara o ódio.

Indaga-se se os Demônios, por

intermédio das bruxas, sãocapazes de incitar a mente doshomens para o amor ou para o

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ódio desmedidos; segundo asconclusões prévias, argumenta-senão serem disso capazes. Poisque no homem existem trêscoisas: a vontade, oentendimento e o corpo. Aprimeira é governada pelopróprio Deus (pois o coração dorei está nas mãos do Senhor); asegunda é iluminada por umanjo e a terceira, o corpo, égovernada pelo movimento dosastros. Mas como os Demôniosnão são capazes de causar

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mudanças no corpo, muitomenos são capazes de incitarem oamor ou o ódio na alma. Ocorolário é evidente; apesar deterem maior poder sobre ascoisas corpóreas do que sobre asespirituais, não são nem aomenos capazes de modificar ocorpo, conforme se tem provadomuitas vezes. Já que sãoincapazes de criar formassubstanciais ou acidentais, excetoatravés do auxílio de algum outroagente, que agiria como seu

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artífice. Faz-se a citação, apropósito, do enunciado jámencionado: o que acredita napossibilidade de uma criatura sertransformada em outra, pior oumelhor, ou de ser transmutadaem outra, de outra espécie ouaspecto, salvo por determinaçãodo Criador, é pior que um pagãoe que um herege.

Ademais, tudo o que age comdesígnio conhece o seu próprioefeito. Se, portanto, o Demônio écapaz de fazer pender a mente

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dos homens para o ódio ou parao amor, havia de ser tambémcapaz de ver o pensamentointerior no coração do homem;mas tal enunciado é contrário aoque é dito no livro do dogmaeclesiástico: “O Demônio éincapaz de ver nossospensamentos íntimos.” E adiante:“Nem todos os pensamentosmaléficos têm sua origem noDemônio, por vezes nascem denossa própria vontade.”

Não só isso: o amor e o ódio

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dizem respeito à vontade, que seacha enraizada na alma; porconseguinte, não há maneira deserem causados pelo Diabo. Vema conclusão (Santo Agostinho):“Só Ele, que a criou, é capaz depenetrar na alma.”

Além disso, pelo fato de oDemônio ser capaz de influenciaras emoções interiores, não éválido argumentar que seja capazde governar a vontade. Pois asemoções são mais fortes do queas forças físicas; e o Demônio

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nada pode fazer no plano físico,como, por exemplo, formar carnee sangue; e, logo, nada poderealizar no plano das emoções.

Mas, em contraponto a talargumento, temos que o Diabotenta o homem não apenas noplano visível, como também noinvisível; o que, entretanto, nãohavia de ser verdadeiro caso nãopudesse exercer algumainfluência sobre a mente interior.Ademais, São João Damascenodiz: “Todo mal e toda

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obscenidade são concebidos peloDemônio.” E Dionísio, em DeDivin. Nom. IV, declara: “Numamultidão de Demônios reside acausa de todo mal” etc.

Resposta. Em primeiro lugar, épreciso distinguir as causas deuma e de outra espécie; emsegundo lugar, havemos demostrar de que modo o Demônioé capaz de interferir na forçainterior da mente humana, valedizer, nas emoções do homem; e,

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em terceiro lugar, havemos deextrair a conclusão correta.

Cumpre entender que acausa de qualquer coisa pode sercompreendida de duas maneiras:ou é causa direta ou é indireta.Pois que, quando determinadofator predispõe a algum efeito,fala-se em causa ocasional eindireta daquele efeito. Nessesentido, é possível afirmar que nolenhador que com seu machadocorta a madeira reside a causa dofogo real. De maneira análoga,

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podemos dizer que no Demônioreside a causa de todos os nossospecados – já que foi ele queincitou o primeiro homem apecar: o pecado original foi,assim, herdado por toda a raçahumana, predispondo-a a todosos pecados. É nesse sentido quese deve entender as palavras deSão João Damasceno e deDionísio.

Mas a causa direta é a quedetermina, diretamente, o efeito.Nesse sentido, o Demônio não é

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a causa de todo pecado. Poisnem todos os pecados sãocometidos por instigação doDemônio: alguns o são por nossaprópria opção. Pois nos dizOrígenes: “Mesmo que nãoexistisse o Diabo, o homem aindaansiaria por alimento, por atosvenéreos e por todas essas coisas.E desses vícios descomedidosmuitos podem ser os resultados,salvo se se refrearem os apetites.E refrear os desejosdescontrolados compete ao livre-

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arbítrio do homem, sobre o qualo Diabo não tem poder.”

Mas como tal distinção éainda insuficiente para explicarde que maneira o Demônio, porvezes, promove uma frenéticafascinação de amor, convématentar que, embora não lhe sejadado instigar diretamente avontade do homem para o amordesmesurado, ele é capaz defazê-lo por vários meios depersuasão. E isso também deduas maneiras: de forma visível e

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de forma invisível. De formavisível, ao aparecer para as bruxasem forma de homem: falando-lhes materialmente epersuadindo-as ao pecado. Assimtentou nossos primeirosancestrais no Paraíso, na formade uma serpente; e assim tentouCristo, no deserto, aparecendo-lhe em forma visível.

Mas não se vá pensar ser essaa única maneira pela qual eleinfluencia o homem. Se assimfosse, nenhum pecado havia de

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proceder das instruções doDemônio, salvo quando por elesugerido em forma visível.Cumpre, portanto, esclarecer queo Diabo o instiga a pecar tambémna invisibilidade. E o faz de duasmaneiras: ora por persuasão, orapor disposição. Por persuasãoinstiga o pecado revelando aoentendimento humano algumacoisa como boa ou benévola. Efaz isso de três formas:revelando-a ao intelecto, ou àspercepções (ou sentidos)

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interiores, ou às percepçõesexteriores.

No primeiro caso, o intelectohumano pode ser ajudado poralgum anjo bom a entender poriluminação, conforme dizDionísio; e para entendermosalguma coisa, segundoAristóteles, temos que passar porela ou vivenciá-la. Assim sendo,o Demônio é capaz de imprimiralguma forma representativa nointelecto de sorte a desencadearo ato do entendimento.

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Poder-se-ia dizer que oDemônio é capaz de talrealização por seus poderesnaturais, que não se achamdiminuídos, conforme já sedemonstrou. Cumpre dizer,porém, que não o faz poriluminação, mas por persuasão.Pois que o intelecto do homem éde natureza tal que, quanto maisiluminado, mais conhece averdade, e mais é capaz dedefender-se do embuste. E comoo Demônio pretende que o seu

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embuste seja perene, a persuasãode que se utiliza não pode serchamada de iluminação. Poderia,no entanto, ser designada derevelação: pela persuasãoinvisível o Demônio plantaalguma coisa nos sentidosexteriores ou interiores. E,destarte, o intelecto racional épersuadido a realizardeterminada ação.

Vejamos de que modo épossível ao Demônio criardeterminada impressão nos

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sentidos internos. Cumprereparar que os corpos naturaispossuem uma propriedade inata:a de serem movidos localmentepelas substâncias espirituais.Claro isso está no caso de nossospróprios corpos, que são movidospelas nossas almas. Caso análogoé o dos astros. Os corposnaturais, porém, não possuempropriedade inata que os tornediretamente sujeitos a certasinfluências (e nos referimos aquiàs influências externas, não às

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influências das quais estejamosinformados). Pelo que se tornanecessária a concorrência dealgum agente corpóreo,conforme é provado no sétimolivro da Metafísica. Os corposnaturais obedecem, nos seusmovimentos locais, aos anjosbons e aos anjos maus. É porcausa disso que os Demônios sãocapazes, através de movimentolocalizado, de colher o sêmen eempregá-lo na produção deresultados prodigiosos. É assim

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que os magos do faraóproduziam serpentes e animaisreais, ao juntarem oscorrespondentes agentes ativos epassivos. Por conseguinte, nadahá que impeça os Demônios depromoverem o movimentolocalizado dos corpos materiais(exceto quando Deus nãopermite).

Passemos agora a examinarde que modo o Diabo é capaz deexcitar, através do movimentolocalizado, a fantasia e as

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percepções sensitivas interioresdos homens, por aparições e porações impulsivas. Convémlembrar a que causa atribuiAristóteles (De sommo et uigilia)as aparições em sonhos. Quandoum animal dorme, o sangue fluipara a sede mais profunda dossentidos, de onde manamimpulsos moventes ouimpressões, originárias dasimpressões pregressas retidas namente, ou seja, na fantasia ou naimaginação, que, segundo Santo

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Tomás, são uma mesma coisa,como veremos.

Por fantasia ou imaginaçãodesignamos uma espécie derepositório das ideias recebidaspelos sentidos. E é através daíque os Demônios excitam ouestimulam as percepçõesinternas, ou seja, as imagensconservadas nesse repositório,parecendo que naquelemomento são percepções novasrecebidas do exterior.

A verdade é que nem todos

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são acordes nesse ponto; a queminteressar ocupar-se com essaquestão cumpre atentar para onúmero e a função de cada umadas percepções interiores.Segundo Avicena, em seu livroSobre a mente, são em númerode cinco: sentido comum,fantasia, imaginação,pensamento e memória. MasSanto Tomás, na primeira parteda 79º questão, afirma seremapenas quatro, já que a fantasia ea imaginação são uma mesma

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coisa. Para evitarmos maiorprolixidade, preterimos o muitoque ainda se comenta a respeitodesse assunto.

Basta lembrar que a fantasiaé o repositório das ideias, mas amemória parece ser algo distinto.Pois que a fantasia é o repositóriodos instintos, que não sãorecebidos através dos sentidos.Assim, quando um homem vêum lobo, foge não por causa deseu aspecto ou de sua corameaçadores (que são ideias

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recebidas pelos sentidosexteriores e conservadas em suafantasia), mas sim porque o loboé seu inimigo natural. E isso ohomem sabe, seja por instinto,seja por medo, elementosdiversos do pensamento, quereconhece o lobo como hostil e ocão como amigo. No entanto, orepositório dos instintos é amemória. E recepção e retençãosão duas coisas distintas nosvivos; pois os de humor oudisposição úmido recebem

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prontamente, mas retêm comdificuldade; o contrário se dá nosde humor seco.

Voltando à questão. Asaparições que vêm ao homem emsonhos procedem das ideiasretidas no repositório da suamente, através de ummovimento local natural causadopelo fluxo de sangue para a sedeprimordial e mais profunda dassuas faculdades perceptivas;falamos assim de um movimentolocal intrínseco na cabeça e nas

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células do cérebro.O mesmo pode acontecer

através de um movimento localsimilar criado pelos Demônios. Etais fenômenos podem acontecernão só a quem esteja dormindo,mas também a quem estejadesperto. Pois nestes osDemônios são também capazesde estimular e excitar aspercepções e os humoresinternos: as ideias retidas norepositório da mente são daliretiradas e se desvelam à fantasia

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e à imaginação: aos homensparecem ser tais imagensverdadeiras. E a isso dá-se onome tentação interior.

Não admira que o Diabopossa gerar esse fenômeno porsua própria força natural; já quequalquer homem, por si mesmo– estando desperto e usando desua razão –, é capazvoluntariamente de recolher deseus repositórios as imagens láretidas; dessa forma, é capaz deevocar qualquer imagem que

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desejar. E sendo esse fenômenoverdadeiro, é fácil entender aexcessiva fascinação no amor.

São duas as maneiras pelasquais os Demônios, como já sedisse, evocam no homemimagens dessa espécie. Por vezes,fazem-no sem subjugar a razãohumana, como no caso datentação e no exemplo daimaginação voluntária. Noutrasocasiões, porém, agrilhoam porcompleto o uso da razão; é o casodos deficientes por natureza, dos

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loucos e dos ébrios. Não é decausar espécie, assim, seremcapazes os Demônios deaprisionar, com a permissão deDeus, a razão humana; e a esseshomens se lhes qualifica dedelirantes, porque os sentidoslhes foram arrancados peloDemônio, de duas formas: comou sem o auxílio das bruxas. Poisque Aristóteles, na obra citada,declara serem eles movidosapenas por ínfima centelha,como o que ama pela imagem

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mais remota de seu amor e o queodeia pela imagem mais remotade seu ódio. Portanto, tendo osDemônios aprendido, pelaobservação dos atos humanos, aque paixões estão os homensmais propensos, incitam-nos aoamor e ao ódio desmedidos,imprimindo-lhes na imaginaçãoo seu propósito, da forma maisforte e mais eficaz. E isso lhes émuito fácil, pois ao amante é fácilrecordar a imagem de suaamada, retendo-a

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prazerosamente em seuspensamentos.

Mas é por bruxaria querealizam tais obras, quando paratal se utilizam de bruxas, porvirtude do pacto com elasfirmado. Não nos é possível,porém, tratar desse assunto emmuitos pormenores, emdecorrência do enorme númerode casos dessa espécie entreclérigos e entre leigos. Quantosadúlteros já não repeliram a maislinda das esposas para se

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entregarem lascivamente à maisperversa das mulheres!

Sabemos do caso de umavelha mulher que, segundo orelato dos irmãos de um certomosteiro, dessa forma não sóenfeitiçou sucessivamente trêsabades como os matou e, damesma maneira, fez enlouquecera um quarto. Pois confessou elapublicamente e sem medo:“Assim fiz e assim faço, e não mepodem resistir pelo muito quecomeram do meu estrume”, disse

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ela, pondo à mostra uma partede seu braço. Devo admitir que,como não dispúnhamos deargumentos evidentes paraprocessá-la ou para trazê-la ajulgamento, ainda está viva atéhoje.

Cumpre lembrar o que já foidito: o Demônio, invisivelmente,induz o homem ao pecado, nãosó persuadindo-o, maspredispondo-o. Embora não sejamuito pertinente no momento,diga-se que, por admoestação

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semelhante da disposição e doshumores humanos, o Demôniotorna o homem mais predispostoao ódio, à concupiscência e àspaixões. Quando tais emoçõessão despertadas, mais facilmentea elas sucumbe. Claro está que ohomem com um corpo assimpredisposto mais propenso estápara a elas render-se. Mas comoé difícil citar precedentes, há deencontrar-se maneira maissimples de demonstrá-los paraadvertência aos fiéis. Na Parte II

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deste livro tratamos dos remédiosque permitem libertar os homensenfeitiçados.

Do método de pregaràs pessoas sobre oamor desvairado.

A respeito do que dissemos nosparágrafos precedentes, cabe aopregador indagar se é ponto devista católico sustentar serem asbruxas capazes de contaminar amente dos homens pela paixão

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desenfreada por mulheresdesconhecidas – inflamando detal forma seus corações ao pontode persistirem nesse amor, adespeito da vergonha ou docastigo, das palavras ou dos atos;cabe indagar se é católicofomentar de tal forma o ódio noscasais a ponto de nãoconseguirem procriar; e de, nosilêncio profundo da noite,passarem a percorrer grandesdistâncias na busca de amantes ede parceiras ilícitas.

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O pregador vai encontrar, apropósito, alguns argumentos naquestão precedente. Por outrolado, basta dizer que há certasdificuldades nessas questões arespeito do amor e do ódio.Porque essas paixões invadem avontade, que por si só havia deagir sempre na liberdade, e denão ser coagida, por qualqueroutra criatura, exceto por Deus,único capaz de governá-la. Peloque fica claro que nem oDemônio nem a bruxa a seu

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serviço podem forçar a vontadedo homem ao amor ou ao ódio.Pois bem: assim como a vontade,o entendimento existemsubjetivamente na alma, e sóDeus é capaz de nela penetrar,por tê-la criado, a questão seacha permeada de dificuldadesque impedem o desvelamento daverdade.

Cumpre considerar primeiroo enfatuamento e o ódio, paradepois tratarmos doencantamento dos princípios

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germinativos.Embora o Demônio não seja

capaz de interferir diretamenteno entendimento e na vontadedo homem, é capaz, segundotodos os teólogos no segundoLivro das sentenças (que tratados poderes do Demônio), deatuar sobre o corpo ou sobre asfaculdades, que ao corpopertencem ou a ele estãovinculadas, sejam elas aspercepções internas, sejam asexternas. Tal é comprovado, com

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toda a razão e toda a autoridade,na questão precedente, caso sedê a devida atenção ao ponto;caso contrário, há ainda aautoridade de Jó, 2: “O Senhordisse a Satanás: Pois bem, ele estáem teu poder, poupa-lhe apenasa vida.” O poder sobre Jó eraexercido apenas sobre o corpo,não sobre a alma (poupa-lheapenas a vida). Mas o poder queDeus outorgou a Satanás sobre ocorpo de Jó estendia-se tambéma todas as faculdades ligadas ao

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corpo, ou seja, às quatro ou cincopercepções internas e externas: osentido comum, a fantasia ouimaginação, o pensamento e amemória.

Tomemos o exemplo dosporcos e das ovelhas. Pois osporcos retornam por instinto àsua casa. E por instinto natural asovelhas distinguem um lobo deum cão, vendo no primeiro o seuinimigo e no segundo, o amigode sua natureza.

Consequentemente, como

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todo o nosso conhecimentoracional vem dos nossos sentidos(pois que Aristóteles diz, nosegundo livro Sobre a mente, queo homem inteligente há de estarciente dos fantasmas que oassombram), o Demônio é capazde interferir em nossa fantasiainterior, ensombrecendo nossoentendimento. Não se quer comisso dizer, porém, que só o façadiretamente sobre o intelecto,mas também por intermédio deespectros criaturais. Porque,

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ademais, nada é amado até quese conheça.

Outros exemplos poderiamser aditados: o do ouro que oavaro ama porque conhece o seupoder etc. Logo, ao serobscurecido o entendimento,também o é a vontade nos seusafetos. Mais: o Demônio é capazde promover esse efeito com ousem o auxílio das bruxas; e taiscoisas podem acontecer por merafalta de previsão. Havemos dedar, porém, exemplos de vários

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tipos. Pois que foi dito (Tiago, 1):“Todo homem é tentado quandose afasta de seu próprio desejo, eé seduzido. Quando o desejolascivo é concebido, traz opecado; e o pecado, quandoconsumado, traz a morte.” Estáescrito (Gênesis, 34): “Diná, afilha que Lia tinha dado a Jacó,saiu para ver as filhas da região.Tendo-a visto Siquém, filho deHamor, o heveu, príncipedaquela terra, raptou-a e dormiucom ela, violentando-a. Seu

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coração prendeu-se a Diná, filhade Jacó: ele amou a jovem esoube falar-lhe ao coração.” Esegundo a glosa: “Quando amente enferma renuncia a seuspróprios interesses e passa a daratenção, como Diná, aosinteresses alheios, é desviada dobom caminho e torna-se unacom os pecadores.”

O desejo lascivo pode surgirde modo independente dabruxaria – pela simples tentaçãodo Demônio, como se mostra a

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seguir. Pois lemos em II Samuel,13 que Amnon se enamoroudesesperadamente de sua própriairmã Tamar e se consumia de talmodo por ela que adoeceu depaixão. Mas ninguém havia deincidir em tamanho e em tãohediondo crime sem que fossetotalmente corrupto egravemente tentado peloDemônio. Pelo que diz a glosa:“Eis nesse passo umaadvertência: é-nos permitido, porDeus, que sempre em guarda

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estejamos para não sermosdominados pelo vício e pelopríncipe do pecado que aosdesatentos promete falsatranquilidade, e da distração seaproveita para matá-los.”

Faz-se menção a essa espéciede paixão no livro dos santospadres: “Por mais que sedistanciem dos pecados carnais,são por vezes tentados pelapaixão das mulheres mais do queseria possível imaginar.” Pelo quediz o apóstolo em II Coríntios,

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12: “Foi-me dado um espinho nacarne, um anjo de Satanás, parame esbofetear e me livrar doperigo da vaidade.” Sobre o quediz a glosa: “Foi-me dada atentação pela luxúria. Mas o queé tentado e não cede à tentaçãonão é pecador, apesar daprovação ao exercício davirtude.” E por tentação entenda-se a tentação pelo Diabo e nãopela carne, que é semprepequena e venial. O pregador háde encontrar, a propósito, muitos

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exemplos.O terceiro ponto – que o

amor desmedido procede dasobras maléficas do Demônio – foidiscutido acima; falemos dessatentação.

Pode-se indagar dapossibilidade de a paixãodesenfreada ser causada não peloDiabo mas tão somente pelabruxa. A essa indagação se poderesponder de várias maneiras.Primeiro, se o homem tentadotem uma esposa bela e honesta,

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ou, o contrário, no caso damulher etc. Em segundo lugar, seo juízo da razão se acha de talforma agrilhoado que, seja poratos, seja por palavras, sejamesmo por culpa, lhe éimpossível resistir ao desejolascivo. E em terceiro lugar,sobretudo, quando não consegueconter-se e se vê forçado, apesarda dificuldade da jornada, atranspor grandes distâncias, dedia ou à noite, para consumarseu desejo lascivo (conforme se

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depreende das confissões desseshomens). Pois, como diz SãoJoão Crisóstomo a respeito deMateus, 20 (que trata dojumento montado por Jesus):“Quando o Demônio possui avontade do homem pelo pecado,ele o transporta para ondequiser.” Dá o exemplo do naviono mar sem timão, que o ventoconduz para onde quiser; e dohomem firmemente sentadonum cavalo; e do rei que temdomínio sobre um tirano. E, em

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quarto lugar, é demonstrada pelofato de que, às vezes, são súbita einesperadamente levados paralonge, noutras, transformados,de sorte a nada o impedir. Étambém demonstrada pelahediondez de seu aspecto.

Antes de prosseguir à questãoseguinte – a respeito do efeito dabruxaria sobre o princípiogenerativo – precisamosesclarecer tais argumentos.

Resolução dos argumentos.

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No primeiro diz-se que a vontadedo homem é governada porDeus, assim como oentendimento o é por um anjobom. Clara é a explicação. Ointelecto é iluminado tão só poranjos bons, para o conhecimentoda verdade, donde procede oamor daquilo que é bom, pois averdade e o real são uma mesmacoisa. Pode também o intelectoser obscurecido pelos anjos domal no conhecimento do queparece ser verdadeiro: pelo

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embaralhamento das ideias eimagens recebidas e armazenadaspor meio das percepções – deonde vem a paixão desmedidapor algo aparentemente bom,como o prazer corpóreo, peloqual tanto se empenham oshomens.

Com o segundo argumentose advoga ser o Demônio incapazde promover alterações físicasnos corpos; e isso, em parte, éverdadeiro, em parte, não –mormente com relação a três

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espécies de mutação. Pois que oDiabo não consegue transfiguraros corpos na totalidade da suaforma e da sua compleição (oque seria mais bem designadocomo criação, e não comotransfiguração), sem o recurso dealgum outro agente, ou sem apermissão de Deus. Ao falarmos,porém, de transfiguraçãoqualitativa – para a saúde oupara a doença, por exemplo –,como já se mostrou, vemos ser oDiabo capaz de infligir ao corpo

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diversas enfermidades, inclusivea da perda do juízo, e ser capaz,portanto, de causar amor e ódiodesmesurados.

Convém aditar uma terceiraespécie de mutação: a do corpoinvadido por anjo do bem ou domal – de forma análoga àpenetração de Deus na alma, ouseja, na essência da vida.Quando, porém, falamos de umanjo, sobretudo de um anjo mau,penetrando no corpo, como nocaso da obsessão, vemos que ele

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não penetra além dos limites daessência do corpo; porque nessaoutra esfera só Deus o Criador écapaz de ingressar – pois foi Eleque a criou como essênciaintrínseca da vida. Diz-se, porém,que o Demônio penetra no corpoquando nele promove algumefeito: “porque, onde ele opera,lá se encontra”, declara São JoãoDamasceno. Assim, ele opera noslimites da matéria corpórea, masnão no interior da essênciamesma do corpo criatural.

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Donde se conclui que o corpodeve ter duas propriedades, amaterial e a espiritual, análogasàs que distinguem o real doaparente. Portanto, quando oDiabo entra no corpo, se instalanas forças vinculadas aos seusórgãos, sendo capaz de nelascriar impressões. E através dessasoperações e impressões projeta-seum espectro perante oentendimento – como no caso davisão de certas cores, conforme édito no terceiro livro De Anima.

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Tais impressões penetramtambém na vontade. Pois que avontade forma a sua concepçãodo que de bom provém dointelecto, desde que o intelectointerprete a percepção como boa,seja na realidade, seja naaparência.

No terceiro argumento diz-seque o conhecimento das ideiasprovindas do coração pode dar-se de duas maneiras: ora sevendo os seus efeitos, ora aslendo, realmente, no intelecto.

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No primeiro caso, não só podemvir a ser conhecidas por um anjo,mas também por um homem,embora se venha demonstrar queos anjos são mais habilidososnessa questão. Pois que, vez ououtra, se tornam os pensamentosmanifestos não apenas poralguma ação externa, mastambém por alguma modificaçãodo semblante. Os médicos, porexemplo, são capazes de discernircertos estados emotivos dohomem tomando-lhe o pulso.

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Donde nos diz SantoAgostinho (De Diuin. Daem.):“De vez em quando, é facílimodescobrir a disposição anímica deum homem, não só pelas suaspalavras, mas pelos seus própriospensamentos, que não passam desinais da alma expressos pelocorpo.” Não obstante nas suasRetractationes declare não existiruma regra definida queestabeleça de que modo issopossa ser feito, em minha opiniãoele reluta em admitir ser o

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Demônio capaz de conhecernossos pensamentos íntimos.

De outro ponto de vista, ospensamentos do intelecto e ospendores da vontade só podemser conhecidos por Deus. Porquea vontade das criaturas racionaisse acha subordinada a Deus tãosomente: nela só Ele podeintervir: é Ele a sua causaprimeira e a sua finalidadeúltima. Portanto, o que seencontra na vontade ou o quedela depende só há de ser

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conhecido por Deus. Não só isso:é manifesto o que só da vontadedepende, quando se consideramas coisas pelas suas açõesresultantes. Pois quando ohomem tem a faculdade doconhecimento, e o entendimentoque daí advém, a usa conforme asua vontade.

Provado está, porconseguinte, pelo que foi dito,que aos espíritos não é permitidopenetrar na alma; logo, não lhesé dado, naturalmente, conhecer

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o que se passa na mentehumana, mormente o que sepassa nas profundezas da alma.Pelo que, quando se afirma ser oDemônio incapaz de ver o íntimodo coração dos homens e,portanto, incapaz de mover ocoração dos homens para o amorou para o ódio – e porque eletoma conhecimento dos seuspensamentos através de seusefeitos visíveis –, sendo nessamatéria mais habilidoso do queos homens. Destarte, por algum

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modo sutil, ele é capaz deinclinar os homens para o amorou para o ódio, criando espectrose escurecendo-lhes o intelecto.

Cumpre, no entanto,declarar, à guisa de consolo, paraatenuar as apreensões dosvirtuosos: quando a alteraçãocorpórea sensível e exterior queacompanha o pensamentohumano é tão vaga eindeterminada que o Diabo nãoa consegue deslindar – sobretudoquando o virtuoso está

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desocupado do estudo e das boasobras –, passa a molestá-loprincipalmente pelos sonhos,conforme nos é dado saber pelaexperiência. Mas quando o efeitofísico do pensamento é forte edeterminado, o Diabo é capaz desaber, pela fisionomia da pessoa,se os seus pensamentos se achamvoltados para a inveja ou para aluxúria. Cumpre porémdeixarmos a questão em abertoquanto à possibilidade de dessaforma ter o Demônio

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conhecimento de todas ascircunstâncias etc. etc.; nãoobstante, o certo é ser capaz detomar conhecimento de taiscircunstâncias pelo seusresultados subsequentes.

Pelo quarto argumento temosque, embora só a Deus sejapossível adentrar em nossa alma,é possível aos anjos do bem oudo mal adentrar em nosso corpo,da maneira já revelada. E,destarte, são capazes depromover em nós o ódio ou o

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amor.Quanto ao outro argumento

– de que os poderes do espíritosão superiores aos poderes físicos,os quais não seriam modificadospelo Demônio, já que, na carne eno osso, podem ser acelerados ouretardados. Mas o Demôniopromove tais fenômenos nãocom a finalidade de neutralizarou de estimular percepçõesinteriores ou exteriores, mas simpara seu próprio proveito; peloque tira maior proveito ao

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enganar os sentidos e ao iludir ointelecto.

QUESTÃO VIII

Se as bruxas são capazesde obstruir as forçasgenerativas ou de impediro ato venéreo.

O fato de as meretrizes e as

prostitutas mais se entregarem à

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bruxaria é consubstanciado pelasfórmulas mágicas professadaspelas bruxas contra o ato daprocriação. E para melhorelucidar a verdade vamosconsiderar os argumentos dosque não partilham de nossoponto de vista a respeito.

Afirma-se, em primeiro lugar,que encantamentos dessanatureza não são possíveis, pois,se o fossem, seriam igualmenteaplicados às pessoas casadas;mas, como o matrimônio é obra

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de Deus e a bruxaria obra doDiabo, então as obras do Diaboseriam mais poderosas que as deDeus. No entanto, admitindo-seque só sejam aplicadas aosfornicadores e aos solteiros,vemo-nos confirmando o pontode vista dos que afirmam nãoexistir realmente a bruxaria, salvona imaginação dos homens;opinião, aliás, refutada naQuestão I. Ou, então, teremos deaventar uma outra hipótese paraexplicar por que os

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encantamentos só atingem ossolteiros e não os casados; e aúnica explicação possível estariaem dizer que o matrimônio éobra do Senhor. E como, deacordo com os teólogos, talexplicação não é válida, persiste oargumento de que as obras doDiabo devem ser mais fortes doque as de Deus, mas como éimpróprio sustentar talafirmação, impróprio também háde ser sustentar que os atosvenéreos possam ser impedidos

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pela bruxaria.O Diabo, afirma-se mais uma

vez, não é capaz de interferir nasações naturais – tais como nocomer, no caminhar, no ficar depé, porque se o fosse, destruiria omundo todo.

Não apenas isso: como o atovenéreo é comum a todas asmulheres, se fosse obstruído,haveria de sê-lo com relação atodas elas; mas isso não éverdadeiro, e, logo, bom é oprimeiro argumento. Os fatos,

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todavia, provam que talargumento não é verdadeiro;pois quando um homem se dizestar enfeitiçado, embora nãoseja capaz de copular comdeterminada mulher, é capaz defazê-lo com as outras; e a razão éque não deseja com ela copulare, portanto, nada pode fazer arespeito.

Do outro lado – o ladoverdadeiro – está o que declaramas Decretais (se por sortilégioetc.), assim como o que declaram

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teólogos e canonistas, aotratarem do obstáculo aomatrimônio causado pelasbruxarias.

Há também uma outra razão:como o Demônio é maispoderoso que o homem e ohomem é capaz de anular asforças generativas através deervas frígidas ou de tudo maisque se possa imaginar, portanto,muito mais será o Diabo capaz defazer, por seu maiorconhecimento e sua maior

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astúcia.

Resposta. A verdade se tornasuficientemente evidente a partirde dois pontos já discutidos,embora ainda não se tenhaexplicitado o método deobstrução ao ato venéreo. Pois jáse demonstrou que a bruxarianão existe apenas na imaginaçãodos homens e sim de fato; comefeito, podem acontecerincontáveis encantamentos reaiscom a permissão de Deus.

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Demonstrou-se também que émais notória a permissão deDeus para o encantamento doato venéreo (ou das forçasgenerativas), pela sua maiorcorruptibilidade, do que dosdemais atos humanos. Mas arespeito do método quepossibilita tal impedimentocumpre observar que não sóinterfere com as forçasgenerativas, mas também com aforça da imaginação ou dafantasia.

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Pedro de Palude (III, 34)aponta cinco métodos. Diz esseautor que o Demônio, por serespírito, tem poder sobre oscorpos criaturais, promovendo ouimpedindo o seu movimentolocal. É, portanto, capaz deimpedir que os corpos seaproximem um do outro, diretaou indiretamente, interpondo-sesob alguma forma corpórea. Foi oque se deu com o jovem queembora tivesse se casado com suajovem donzela, já havia se

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comprometido com um falsodeus e, consequentemente, nãoconseguiu, depois de casado,copular com a donzela. Emsegundo lugar, o Demônio écapaz de ora excitar, ora esfriaros homens no seu desejo, atravésde elementos secretos cujo poderele bem conhece. Em terceirolugar, é capaz de perturbar de talforma a percepção e aimaginação dos homens de sortea fazer com que as mulheres lhespareçam repulsivas: já que ele

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pode, como foi dito, influenciar aimaginação. Em quarto lugar, écapaz de impedir a ereção domembro viril, adaptado àfrutificação, assim como é capazde impedir qualquer movimentolocal. Em quinto lugar, é capazde impedir o fluxo da essênciavital para os membros em quereside a força motriz – comoocluir os canais seminíferos,impedindo que a essência vitalescoe ou seja projetada doscanais germinativos, causando-

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lhes uma disfunção que pode sedar de várias formas.

Pedro de Palude, ademais,continua em concordância com oque já foi mencionado edefendido por outros doutoresda Igreja. Porque Deus confereao Demônio mais amplitude deação contra esse ato do quecontra os demais, porque foiatravés dele que o pecadooriginal se disseminou. De formasemelhante, as serpentes sãomais subordinadas às fórmulas

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mágicas que os outros animais. Ediz-nos um pouco mais adiante:“O mesmo se dá no caso dasmulheres, pois que o Diabo écapaz de anuviar-lhes de talforma o entendimento quechegam a considerar os seusmaridos tão repugnantes que nãolhes permitem, em hipótesealguma, deitar-se com elas.”

Mais adiante esse autor tentadescobrir a razão por que é maioro número de homensenfeitiçados com relação a tal

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ato; declara então que aobstrução, pelo geral, ocorre nocanal seminal, ou então oencantamento impede a ereção,o que mais facilmente aconteceaos homens; por isso, maior onúmero de homens enfeitiçadosque o de mulheres. Poder-se-iaafirmar também que, sendo asbruxas em sua maioria mulheres,procuram mais os homens doque a outras mulheres paracopularem. Agem tambémafrontando mulheres casadas,

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aproveitando-se de todas asoportunidades para o adultério,quando então o homem passa aser capaz de copular com outrasmulheres mas não com a suaprópria; de forma semelhante asmulheres passam a procuraroutros amantes.

Adita ainda o autor que Deuspermite ao Demônio afligir ospecadores mais amargamente doque aos justos. Pelo que o anjodisse a Tobias: “Ele conferepoder ao Demônio sobre os que

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se entregam à luxúria.” Emboratenha por vezes também podersobre os justos, como no caso deJó, mas não com relação àsfunções genitais. Pelo que devemse devotar à confissão e a outrasboas obras, para que o ferro nãopermaneça na ferida e seja emvão o tratamento. Essas asponderações de Pedro.Entretanto, o método para aeliminação de tais efeitos seráindicado na Parte II desta obra.

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Esclarecendo algumasdúvidas incidentais arespeito da copulaçãoimpedida pelasbruxarias.

Incidentalmente, porém, indaga-se por que há o bloqueio dessafunção com relação a algumasmulheres e não com relação aoutras. Damos a resposta de SãoBoaventura. Ou a bruxa aflige aspessoas escolhidas pelo Demônioou é porque Deus não permite

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que sejam afligidas as outraspessoas. Pois que o propósitosecreto de Deus nesses casos éobscuro, conforme é reveladopelo caso da esposa de Tobias. Eaduz:

“Se for perguntado de quemodo o Demônio promove esseefeito, há de responder-se queobstrui a força genital, não deforma intrínseca, pela lesão doórgão, mas de forma extrínseca,inutilizando-o. Logo, por serobstrução artificial e não natural,

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é capaz de tornar o homemimpotente face a determinadamulher mas não face às outras;ao remover a inflamação de seudesejo lascivo por ela, mas nãopelas outras – seja através de seuspróprios poderes, seja através dealguma erva ou pedra, ou aindaatravés de algum meio naturaloculto. Tal assertiva está emconcordância com a de Pedro dePalude.

Não apenas isso: como aimpotência, vez ou outra, é

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causada por frieza natural, oupor alguma outra falha natural,pergunta-se de que modo seriapossível distinguir entre adeterminada por bruxaria e a deoutra natureza. Hostiense dá aresposta em sua Summa (emboraesta não deva ser pregadapublicamente): “Quando omembro não fica ereto de formaalguma, e nunca é capaz derealizar o coito, tem-se então osinal de impotência natural;todavia, quando se excita e fica

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ereto mas, mesmo assim, nãoconsegue realizá-lo, tem-se entãoo sinal de impotência porbruxaria.”

Cumpre atentar que aimpotência do membro não é oúnico encantamento maléfico; àsvezes, as mulheres tornam-seincapazes de conceber, ouabortam.

Reparar, ademais, que,segundo os preceitos do Cânon,todo aquele que por desejo devingança ou por ódio faz

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qualquer coisa contra o homemou a mulher que os impeça deprocriar ou de conceber, éconsiderado homicida. Notartambém que o Cânon se refereademais aos imorais que, parapoupar a sua amante davergonha, usam decontraceptivos – ou seja, depoções ou de ervas que violam anatureza, e isso sem qualquerauxílio dos Demônios. E taispenitentes devem ser punidoscomo homicidas. As bruxas,

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porém, que realizam taisperversidades por bruxaria, sãopela lei passíveis da penalidadeextrema, conforme se mencionouainda na Questão I.

Passemos à elucidação dosargumentos.

Quando se objeta que taisfenômenos não acontecem àspessoas unidas pelo matrimônio,cumpre atentar que, mesmo quese não tenha esclarecidoplenamente a verdade nessaquestão, tais fatos realmente

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ocorrem – tanto com pessoascasadas quanto com pessoassolteiras. E o leitor prudente,com biblioteca farta, há deconsultar os teólogos e osdoutores em Direito Canôniconos textos em que abordam oproblema da impotência e dabruxaria. Verá que estão acordesao condenarem dois erros;sobretudo o das pessoas casadasque julgam estarem imunes aesse encantamento por causa dolaço do matrimônio, alegando

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que os Demônios não sãocapazes de destruir as obras deDeus.

O primeiro erro quecondenam é o dos que afirmamnão existir bruxaria no mundo,salvo na imaginação dos homens,os quais, pela sua ignorância dascausas ocultas que aindaninguém compreende, atribuemcertos efeitos naturais à bruxaria.No entanto, tais efeitos foram,por certo, não efetuados porcausas ocultas, mas por

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Demônios operando por contaprópria ou com o auxílio dasbruxas. E, não obstante, todos osdoutores condenem esse errocomo pura falsidade, SantoTomás impugna-o maisvigorosamente e o estigmatizacomo verdadeira heresia, aoafirmar que tal erro procede daraiz da infidelidade. E já que ainfidelidade no cristão éconsiderada heresia, devem,portanto, ser consideradossuspeitos de heresia culposa. Essa

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matéria foi considerada naQuestão I, mas não tãoclaramente. Ao considerarmosoutras passagens na obra deSanto Tomás veremos por queele afirma tal erro proceder daraiz da infidelidade.

Nas questões em que trata dopecado (onde considera osDemônios) e na Questão I – seos Demônios possuem corposque lhes pertencemnaturalmente –, entre muitasoutras ponderações, faz menção

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daqueles que atribuem aos astrostodos os efeitos físicos; aos quaisdizem estar subordinadas todasas causas ocultas dos fenômenosterrestres. E ele nos diz: “Cumpreconsiderar que os peripatéticos,os seguidores de Aristóteles,sustentavam que os Demôniosnão existem realmente; diziamque os fenômenos atribuídos aosDemônios decorrem da forçanatural dos astros e de outrasforças naturais.” Pelo que SantoAgostinho declara (De Ciuitate

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Dei, X): “segundo a opinião dePorfírio, a partir de ervas e deanimais, de certos sons e certasvozes, e de certas figuras e decertas fantasias observadas nomovimento dos astros, eramfabricadas na terra forçascorrespondentes a esses corposcelestes, a fim de explicar váriosfenômenos naturais. E é patenteo erro dos que assim pensam, jáque atribuem a tudo causasocultas nos astros, defendendoque os Demônios não passam de

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seres fabricados pela imaginaçãodos homens.”

Mas essa opinião éclaramente demonstrada comofalsa por Santo Tomás na mesmaobra; porque são observadasalgumas obras dos Demônios quede forma alguma poderiam serexplicadas por causas naturais. Apessoa, por exemplo, possuídapor Demônio fala uma línguadesconhecida; e encontram-semuitas outras obras dosDemônios, tanto nas artes

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rapsódicas quanto nasnecromânticas, que de formaalguma procedem de fenômenosnaturais, mas tão só de algumainteligência, que, embora possaser benévola por natureza, outrosfilósofos foram obrigados aadmitir a existência deDemônios. Não obstante teremdepois incidido em vários erros,alguns acreditando que as almasdos homens, quando deixam ocorpo, tornam-se Demônios. Poressa razão, muitos adivinhos têm

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matado crianças para quedisponham de suas almas comocolaboradoras; são tambémobservados muitos outros erros.

Por isso, não é sem razão queo santo doutor diz estar essaopinião na raiz da infidelidade.Recomendamos a leitura deSanto Agostinho (De Ciuitate DeiVIII, IX) a respeito dos várioserros dos infiéis no que concerneà natureza dos Demônios. Comefeito, a opinião comum de todosos doutores, encontrada na obra

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citada, contra os que erram aodeclararem não existirem asbruxas, é de grande peso em seusignificado, mesmo quandoexpressa em poucas palavras.Afirmam que aqueles queprofessam não existir bruxaria nomundo são contrários à opiniãode todos os doutores e dasSagradas Escrituras; e declaramque existem os Demônios, e queos Demônios têm poderes sobreos corpos e a imaginação daspessoas, com a permissão de

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Deus. Pelo que aquelas que sãoinstrumentos nas mãos dosDemônios (a pedido de quem osDemônios, por vezes, causaminjúrias às demais criaturas) sãochamadas bruxas.

Na condenação do primeiroerro os doutores nada dizem arespeito dos unidos pelo laço domatrimônio; referem-se a estes sóna condenação do segundo erro.Afirmam que outros incidem noerro de acreditar que, embora abruxaria exista e esteja espalhada

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por todo o mundo, não háencantamento permanente,mesmo contra a copulaçãocarnal, e, por isso, não háencanto algum que venha aanular o matrimônio depois de jácontraído. Refutam essa opiniãoerrônea professando-a contráriaa todos os precedentes e a todasas leis, antigas e modernas.

Pelo que os doutorescatólicos distinguem aimpotência causada pela bruxariaem duas formas: a temporária e a

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permanente. E se é temporária,não anula o casamento.Ademais, presume-se que sejatemporária se for possível a curano prazo de três anos desde a suacoabitação, havendo sesubmetido tais pessoas a todas aspenas possíveis, seja através dosSacramentos da Igreja, sejaatravés de outros remédios, paraserem curadas. Caso contrário,será considerada permanente. E,nesse caso, ou precede o contratoe a consumação do matrimônio,

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impedindo tal contrato ouanulando o ainda não contraído;ou, então, se dá depois docontrato de casamento, masprecede a sua consumação,quando então, segundo alguns,também o anula. (Porque é ditono 33º livro, primeira questão,primeiro cap., que a confirmaçãodo matrimônio está em seu ofíciocarnal.) Ou é, enfim, ulterior àconsumação do matrimônio,quando então o contratomatrimonial não se anula. Muito

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é falado a respeito da impotênciapor Hostiense, por Godofredo,pelos doutores e pelos teólogos.

Aos argumentos. Quanto aoprimeiro, já está suficientementeesclarecido pelo que se disse. Aosque dizem que as obras de Deuspodem ser destruídas pelas obrasdo Demônio, já que a bruxariatem poderes contra as pessoascasadas, refutamo-los fazendover que seu argumento não temforça; a opinião oposta é queparece verdadeira, já que o

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Demônio nada pode fazer sem apermissão de Deus. Pois que elenão destrói pela força viva comoum tirano, mas sim através dealguma arte extrínseca, como sedemonstrou. O segundoargumento – que explica por queDeus permite maior obstáculo aoato venéreo que aos demais atoshumanos –, também estáperfeitamente esclarecido.Embora o Diabo tenha poderestambém sobre outros atosquando Deus assim permite. Pelo

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que não convém argumentar queele conseguiria destruir o mundotodo. Pelo que se apresentou,ademais, conseguimos elucidarde forma semelhante a terceiraobjeção.

QUESTÃO IX

Se as bruxas são capazesde algum ilusionismo peloqual pareça que o órgãomasculino tenha sido

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arrancado ou estejainteiramente separado docorpo.

Vamos aqui estabelecer a

verdade a respeito das operaçõesdiabólicas relacionadas ao órgãomasculino. Para que elucidemosos fatos a respeito convémindagar se as bruxas são de fatocapazes de remover, com a ajudados Demônios, o membro viril,ou se o fazem só aparentemente,

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por mágica ou ilusão. Que sãocapazes de removê-lo realmenteargumentamos a fortiori; pois jáque os Demônios são capazes deprodígios muito maiores – comoo de matar pessoas outransportá-las de um lugar paraoutro (como se mostrou com oscasos de Jó e de Tobias) –, são,de forma análoga, capazes deremover verdadeiramente omembro dos homens.

Toma-se aqui, outra vez, umargumento da glosa sobre as

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visitas dos anjos do mal nosSalmos: “Deus pune pelas mãosdos anjos do mal, pois Ele muitasvezes puniu o povo de Israel comvárias doenças, através da visitaem seus corpos pelos anjos.”Consequentemente, o membrose acha igualmente sujeito a taisvisitas.

Pode-se afirmar que tal éfeito com a permissão divina. Eassim como se disse que Deusconfere à bruxaria maiorespoderes sobre a função genital,

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por causa da corrupção dopecado original que se abateusobre nós ter sido sobre o ato daprocriação, Ele também conferemaiores poderes sobre o órgãogenital verdadeiro, permitindo,inclusive, a sua completaremoção.

Transformar a esposa de Lotem estátua de sal foi, decerto,prodígio muito maior que retiraro órgão masculino (Gênesis, 19),tendo ali ocorrido de fato umareal metamorfose, não um efeito

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aparente (pois diz-se que aestátua de sal ainda pode servista). E esse prodígio foirealizado pelo anjo do mal, assimcomo os anjos do bem tornaramcegos os homens de Sodoma,para que não encontrassem aporta de casa. E isso igualmentese deu com os outros castigosinfligidos aos homens deGomorra. A glosa, com efeito,afirma que a própria esposa deLot fora contaminada por aquelevício e por isso punida.

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Quem quer que seja capaz decriar alguma forma naturaltambém é capaz de eliminá-la. Eos Demônios têm criado muitasformas naturais, conforme ficapatente no caso dos magos dofaraó, que com o auxílio dosDemônios criaram rãs eserpentes. Ademais, SantoAgostinho, no 83º livro, diz:“Aquelas coisas que são feitasvisivelmente pelas forçasinferiores do ar não podem serconsideradas mera ilusão; mesmo

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os homens são capazes, por umaincisão habilidosa, de remover oseu órgão copulatório; já osDemônios são capazes de fazerno plano invisível o que outros sófazem no plano visível.”

Mas, por outro lado, SantoAgostinho (De Ciuitate Dei,XVIII) diz: “Não é crível que,através da arte ou dos poderesdos Demônios, o corpo dohomem possa ser transmutadono de uma fera; logo, éigualmente impossível que o

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órgão essencial à verdade docorpo humano possa serremovido.” Diz, ademais (DeTrinitate, III): “É preciso não crerque essa substância da matériavisível esteja sujeita à vontadedos anjos caídos; pois que só aDeus está sujeita.”

Resposta. Não há dúvida de quecertas bruxas são capazes deoperar coisas prodigiosas nosórgãos masculinos, enunciadocoerente com o que é visto e

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ouvido por muitos, e com o quese percebe com relação aomembro em função dos sentidosda visão e do tato. De que modoé isso possível? Afirma-se quepode ser feito de duas maneiras,ou realmente e de fato, conformese aludiu no primeiroargumento, ou através de algumilusionismo ou encantamento.Mas quando realizado porbruxas, não passa de ilusionismo;embora não seja ilusão naopinião do sofredor. Porque em

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sua imaginação é capaz de crerde fato que o membro tenhadesaparecido, já que por nenhumde seus sentidos exteriores, seja oda visão, seja o do tato, consegueidentificar-lhe a presença.

Portanto, pode-se dizer quetenha ocorrido uma abstraçãoverdadeira do membro naimaginação, embora não de fato;e cumpre atentar para váriosfatores quanto ao modo de essefenômeno ocorrer. Não admiraque o Demônio seja capaz de

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iludir nossos sentidos exteriores,já que, como se viu antes, é capazde iludir nossos sentidosinteriores, trazendo à consciênciaas ideias perceptivas reaisarmazenadas na imaginação. Nãoapenas isso: o Demônio consegueiludir o homem nas suas funçõesnaturais, fazendo com que ovisível se torne invisível, que otangível se torne intangível, oaudível, inaudível, assim como osdemais sentidos. Tais fenômenos,porém, não são fatos reais e

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verdadeiros, pois são provocadospor alguma falha extrínseca dossentidos – dos olhos, dosouvidos, do tato –, pela qual seilude o juízo humano.

Podemos ilustrar o problemacom alguns fenômenos naturais.O vinho doce parece amargo nalíngua do indivíduo febril: o seupaladar é comprometido nãopelo fato real, mas pela suaenfermidade. Assim também, nocaso em consideração, a ilusãonão ocorre na realidade, pois que

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o membro ainda se encontra emseu devido lugar; trata-se apenasde uma ilusão dos sentidos.

Como se falou, a respeito dasforças generativas, o Demônio écapaz de reprimi-las interpondoentre a visão e o tato, por sobre ocorpo do sofredor, um corpo liso,de mesma cor e de mesmacompleição, mas sem o relevo dequalquer órgão genital, de modoabsolutamente imperceptível.Ver o que diz Santo Tomás (2dist. 8 artic. 5) a respeito dos

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encantamentos e das ilusões, etambém na Secunda Secundae,91, e nas suas questões sobre opecado, onde frequentementecita Santo Agostinho no 83º livro:“O mal diabólico se insinua portodas as vias sensoriais: faz-seconhecer em formas, recobre-sede cores, manifesta-se em sons,embosca-se em perfumes,infunde-se em sabores.”

Além disso, há de considerar-se que tal ilusão visual e tátilpode não apenas ser causada pela

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interposição de algum corpo lisoe sem membro, mas também pelaevocação, na fantasia ou naimaginação, de certas formas eideias latentes – de modo aperceber-se o que é imaginadocomo que pela primeira vez. Pois,conforme se deixou claro naquestão precedente, osDemônios são capazes, graças aseus próprios poderes, de mudaros corpos em um lugar particular;e assim como a disposiçãoanímica e o humor podem ser

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modificados, da mesma forma asfunções naturais. Refiro-me aoque parece natural à imaginaçãoou aos sentidos. Pois que nos dizAristóteles em seu De somno etuigilia, ao explicar a causa dasaparições espectrais em sonhos:“durante o sono, nos animais, osangue reflui para a consciênciainterior e faz brotar ideias ouimpressões das experiênciaspregressas reais retidas namemória.” Já definimos de quemodo certas aparições conduzem

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à impressão de uma novaexperiência. E como essefenômeno pode ocorrernaturalmente, muito maisconsegue o Demônio: é capaz defazer surgir, na imaginação, aimpressão da existência real deum corpo liso desprovido demembro viril.

Em segundo lugar, cumpreatentar para outros métodos maisfáceis de serem entendidos eexplicados. Pois, segundo SantoIsidoro (Etym. VIII, 9), o

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encantamento nada mais é queuma certa ilusão sensitiva,mormente visual. E, por essarazão, o chama prestígio, deprestringo, já que a visão se achade tal forma agrilhoada que ascoisas não mais parecem o quesão. Alexandre de Hales, nasegunda parte de sua obraSumma Uniuersae Theologiae,diz que os prestígios, quandoperfeitamente compreendidos,são ilusões diabólicas, causadasnão por alterações materiais, mas

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sim por alterações daspercepções, quer interiores, querexteriores, do iludido.

Por conseguinte, podemosdizer que, mesmo na artehumana da prestidigitação, osfenômenos ilusivos se dão de trêsmodos. Em primeiro lugar,podem ser efetuados sem oauxílio dos Demônios, já quepodem ser feitos por homensque, pela ligeireza demovimentos, fazem as coisasaparecer e desaparecer – como

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no caso dos mágicos eventríloquos. O segundo modotambém se dá sem o auxíliodemoníaco: quando os homensconseguem utilizar da virtudenatural de corpos naturais ouminerais de sorte a transformá-los em outros, de aspecto bemdiverso do original. Pelo que,segundo Santo Tomás (I, 114, 4)e vários outros autores, oshomens, pelo fumo de certaservas queimadas em fogo lentoou flamejante, são capazes de

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transformar bastões emserpentes.

O terceiro método para gerarfenômenos ilusivos é efetuadocom o recurso diabólico,havendo Deus permitido. É certoque os Demônios possuem, pelasua natureza, alguma força sobredeterminadas coisas terrenas, e aexercem, quando Deus opermite, fazendo assim com quetais coisas deixem de parecer oque são.

A respeito deste terceiro

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método cumpre notar que oDiabo dispõe de cinco maneiraspelas quais é capaz de iludir aspessoas, fazendo-as pensar quecertas coisas são o que não são.Em primeiro lugar, pelo truqueda prestidigitação, como já sedisse; pois o que um homem comhabilidosa arte consegue fazer, oDemônio o faz muito melhor.Em segundo lugar, por métodonatural: pela aplicação einterposição de algumasubstância que esconda o corpo

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verdadeiro, confundindo ohomem em sua fantasia. Emterceiro lugar, pela incorporaçãoem algo, apresentando-a comoalgo que não é. Damos comotestemunho a história que SãoGregório nos conta no seuPrimeiro diálogo: “Certa monjahavia comido uma alface. Esta,no entanto, conforme confessouo próprio Demônio, não era umasimples alface: era o Demônioem forma de alface” (ou opróprio Demônio incorporado).

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Outro exemplo é o da apariçãodo Demônio a Santo Antônio,como um monte de ouro por eledescoberto no deserto. Outroainda é quando, ao tocar numhomem real, o transforma emanimal violento, como seráresumidamente explicado. Emquarto lugar, por meio da ilusãodo órgão da visão, quando o queé claro parece nebuloso, ou vice-versa; ou quando uma velhaparece ser uma menina. Poismesmo após as lágrimas a luz

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parece diferente do que eraantes. Em quinto lugar, pelainterferência no poder daimaginação, alterando oshumores, transmutando a formapercebida pelos sentidos, como jáse mencionou, de sorte aperceberem-se tais formas comonovas ou recentes. E,consequentemente, pelos últimostrês métodos, e mesmo pelosegundo, o Demônio é capaz deenfeitiçar os sentidos do homem.Pelo que não há dificuldade em

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ocultar-lhe o membro virilatravés de algum prestígio ouencantamento. E um bomexemplo disso, em nossaatividade inquisitorial, seráaditado posteriormente, na ParteII deste tratado.

De como o fenômenomágico pode serdistinguido dofenômeno natural.

Surge uma questão incidental,

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junto a outras dificuldades. Omembro de Pedro foi arrancadoe ele não sabe se por bruxaria oupor algum outro meio, pelospoderes do Demônio e com apermissão de Deus. Comodistinguir entre esses dois casos?É possível responder da seguintemaneira. Em primeiro lugar, osque mais padecem dessesofrimento costumam ser osadúlteros ou os fornicadores.Porque, ao deixarem deresponder à demanda de sua

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amante, ao tentarem abandoná-la, trocando-a por outra mulher,fazem com que ela, por vingança,através de alguma força, removao seu membro viril. Em segundolugar, quando o membro nãodesaparece por bruxaria, odesaparecimento não épermanente: o membro érestituído algum tempo depois.

Mas surge aqui uma outradúvida: se não seria fenômenotemporário pela própria naturezatemporária da bruxaria. Convém

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dizer que pode ser permanente,perdurando até a morte,exatamente da mesma forma quese referem os canonistas e osteólogos ao impedimento dabruxaria no matrimônio: otemporário pode se tornarpermanente. Pois que Godofredodiz na sua Summa: “Osencantamentos nem semprepodem ser removidos por quemos causou, ora porque morreram,ora porque não sabem comoremovê-lo, ora ainda porque

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perderam a fórmula mágica.”Pelo que podemos dizer, domesmo modo, que o feitiço quese abateu sobre Pedro serápermanente se a bruxa que o feznão for mais capaz de curá-lo.

Pois que existem bruxas detrês categorias ou graus. Algumascuram e injuriam; outrasinjuriam, mas não curam; eoutras ainda são capazes de curartão somente, ou seja, de removeras injúrias físicas provocadas,como veremos mais adiante.

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Tivemos oportunidade depresenciar o diálogo entre duasbruxas. Enquanto altercavam e seinsultavam, uma disse:

– Não sou tão perversaquanto tu, porque sei curar osque injurio.

O encantamento serápermanente também se, antes decurado, a bruxa for embora, pormudança de domicílio ou por termorrido. Pois Santo Tomás diz:“Qualquer encantamento podeser permanente se para curá-lo

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não houver remédio humano; ouse, havendo tal remédio, não éconhecido pelos homens ou éilícito; não obstante, Deus podeencontrar o remédio por meio dealgum anjo santo capaz dereprimir o Demônio e talvez abruxa.”

No entanto, o principalremédio contra as bruxarias é oSacramento da penitência.Porque os males corpóreos nãoraro provêm do pecado. E de quemodo os feitiços diabólicos

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podem ser removidos serámostrado na Parte II destetratado, e no capítulo VI daQuestão II, onde se trata deoutras matérias e de questõesdiversas.

Soluções dos argumentos.

Quanto ao primeiro, está claroque não restou dúvida: com apermissão de Deus, os Demôniosnão só matam os homens comotambém são capazes de arrancar-

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lhes o membro viril, além deoutros órgãos. Quanto aosegundo argumento, a respostatambém clara está. Cumpreressaltar: Deus confere maispoder à bruxaria sobre as forçasgenitais, permitindo assim que omembro viril possa ser de fato everdadeiramente arrancado. Mastal fenômeno não é semprepermanente. As bruxas, muitasvezes, têm o poder de restaurá-lo, e sabem de que modo fazê-lo.Logo, claro está que o membro

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não é realmente removido, massim o é por alguma ilusãomágica. Quanto ao terceiro, arespeito da metamorfose damulher de Lot, podemos afirmarque não se tratou de meroencantamento: foi um fato real.Quanto ao quarto, que osDemônios são capazes de criarcertas formas substanciais e,portanto, também capazes deremovê-las, cumpre dizer: osmagos do faraó criaram serpentesverdadeiras; mas os Demônios

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são capazes de produzir, com oauxílio de algum outro agente,certos efeitos sobre criaturasimperfeitas, os quais não seproduzem nos homens que sãoos protegidos de Deus. Já foidito: “Deus dá atenção aos bois?”Os Demônios, porém, sãocapazes de, com a permissão doSenhor, causar aos homensinjúrias reais e verdadeiras, alémde criarem a ilusão da injúria. Eassim se responde com clareza aoúltimo argumento.

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QUESTÃO X

Se as bruxas são capazes detransformar os homens em bestas.

Vamos aqui elucidar a verdade

a respeito deste assunto: se asbruxas são de fato capazes detransformar os homens em bestase de que modo. Argumenta-seque isso não é possível, por causada seguinte passagem emEpiscopus (XXVI, 5): “Quem

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acredita ser possível transformaruma criatura em criatura melhorou pior, ou transformá-la emqualquer outra, de outra formaou espécie, exceto por vontadedo próprio Criador, que fez todasas coisas, é sem dúvida um infiele pior que um pagão.”

Citaremos, a propósito, osargumentos de Santo Tomás nosegundo Livro das sentenças,VIII: “Se os Demônios são ounão capazes de interferir nossentidos do corpo através de

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encantamento ou de ilusão.”Primeiro ele argumenta nãoserem capazes. Pois, como aforma de uma besta deve estarem algum lugar, não pode sóexistir nos sentidos; já que ossentidos não percebem formaque não seja oriunda de matériareal, não existe a besta de fatonesses casos; adita a seguir aautoridade do Cânon. E outravez o que parece ser, narealidade não é; como no caso damulher que parece ser uma

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besta. Mas duas formassubstanciais não podem coexistirnuma mesma matéria. Logo,como a forma da besta não existeem lugar algum, não há de existirqualquer ilusão ou encantamentoaos olhos do sofredor; porque avista precisa se deparar comalgum objeto para vê-lo.

E não é possível também aexistência de alguma forma naatmosfera circundante; nãoapenas porque a atmosfera não écapaz de adquirir qualquer

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forma, mas também porque o arao redor de uma pessoa não ésempre constante, dada a suanatureza fluida, especialmentequando em movimento.Ademais, se isso fosseverdadeiro, a transformação seriavisível a todos; mas não o é, jáque os Demônios parecemincapazes de iludir a visão dosHomens Santos.

Não só isso: o sentido davisão é passivo e, como todas asfaculdades passivas, é posto em

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movimento pelo agente ativo quea ele corresponde. Ora, o agenteativo correspondente à visão édúplice: o primeiro está naorigem do ato, ou seja, no objeto;o segundo está no elementoveiculador, ou seja, no meio. Masa forma aparente não há de ser oobjeto do sentido, nem o meiopelo qual o objeto é veiculado.Não pode ser o objeto, já quenão há como segurá-lo, conformese demonstrou no argumentoprecedente, pois que não existe

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nos estímulos recebidos de umobjeto; nem está no objeto real,nem mesmo no ar, o meioveiculador, conforme se mostrou,no terceiro argumento.

Além disso, se o Demônio écapaz de mover a consciênciainterior, move-a projetando-sena faculdade cognitiva, ou amove alterando-a. Mas não háde movê-la projetando-se nafaculdade cognitiva: para tal teriade adquirir forma corpórea e,mesmo assim, não conseguiria

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penetrar no órgão da imaginação;porque dois corpos não podemocupar, ao mesmo tempo, omesmo lugar; ou então tomaria aforma de um corpo espectral, oque também seria impossível,pois que não há corpo espectralsem qualquer substância.

De forma análoga, oDemônio também não é capaz deativar a consciência interioralterando a faculdade cognitiva:para alterá-la, são necessáriasqualidades ativas que os

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Demônios não possuem. Noentanto, talvez pudesse alterá-lapor transformação ou pormovimento local; mas tal nãoparece exequível por doismotivos. Primeiro, por que atransformação de um órgão nãoé efetuada sem a participação dosentido da dor. Segundo, porque,nesse caso, o Demônio só fariaaparecer coisas de formaconhecida; Santo Agostinho diz,porém, que ele é capaz de criarformas conhecidas e

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desconhecidas. Portanto, parecenão haver maneira de osDemônios iludirem a imaginaçãoou os sentidos dos homens.

Mas, em contraposição aesses argumentos, diz-nos SantoAgostinho (De Ciuitate Dei,XVIII): a transmutação dehomens em animais disformes,atribuída à arte dos Demônios,não é real, e sim apenasaparente. Isso, no entanto, nãohavia de ser possível sem que osDemônios fossem capazes de

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transmutar os sentidos humanos.A autoridade de Santo Agostinhocorrobora este ponto também no83º livro, já citado: “O maldiabólico se insinua por todas asvias sensitivas” etc.

Resposta. Se interessa ao leitorperquirir mais sobre o método datransmutação, ele deve reportar-se à Parte II desta obra, capítuloVI, que trata dos vários métodos.Prossigamos, porém, em nossoenfoque escolástico. Afirmamos,

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em concordância com a opiniãodos doutores da Igreja, que oDiabo é capaz de iludir a fantasiahumana fazendo com que umhomem se pareça com umanimal. De todas as opiniões, ade Santo Tomás é a mais sutil. Aprimeira é a de Santo Antonino,na primeira parte de sua Summa,V, 5, onde declara que o Diabo,por vezes, consegue iludir afantasia humana, sobretudo pelailusão dos sentidos; prova-oracionalmente – pela autoridade

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do Cânon e por um grandenúmero de exemplos.

A princípio esse autorargumenta do seguinte modo:nossos corpos, no seumovimento, estão naturalmentesubordinados à sua naturezaangelical, e a ela obedecem. Osanjos do mal, porém, nãoobstante terem perdido a suagraça, conservaram seus poderesnaturais, como já se frisou muitasvezes. Como a faculdade dafantasia ou da imaginação é

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corpórea – vinculada a um órgãofísico –, também se achasubordinada à vontade dosDemônios, que são assim capazesde transmutá-la: provocam oaparecimento de várias fantasias,pelo fluxo de pensamentos e depercepções ligados à imagemoriginal, antes recebida. Assimdeclara Santo Antonino,aditando como prova o seguintetrecho do texto canônico(Episcopus, XXVI, 5): “Não se háde omitir que certas mulheres

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perversas, pervertidas por Satanáse seduzidas pelas ilusões eaparições espectrais dosDemônios, acreditam eprofessam cavalgarem durante anoite em certas bestas, ao lado deDiana, a deusa pagã, ou deHeródias, e ao lado também deum número incontável de outrasmulheres, e, no silêncio escuroda noite, percorrem grandesdistâncias de terra.” E maisadiante: “Pelo que os pregadoreshão de pregar ao povo de Deus

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para que este saiba da falsidadedesse fenômeno: quando essasvisões fantásticas afligem a mentedo fiel, saiba ele que não provêmde Deus, mas de um espírito domal. Pois que o próprio Satanásadquire a forma e a aparência dedistintas pessoas e, em sonhos,iludindo o pensamento cativo, oconduz a caminhos errantes.”

Com efeito, o significadodesse trecho canônico foiconsiderado na Questão I (sobreos quatro elementos a serem

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pregados). Mas se equivocam nasua interpretação os quesustentam não serem as bruxastransportadas, quando desejam equando Deus não as impede; e,muitas vezes, homens normaissão involuntariamentetransportados por grandesdistâncias, corporalmente.

Que tais transmutaçõespodem ser efetuadas de ambas asmaneiras é mostrado pelaSumma mencionada, e nocapítulo em que Santo Agostinho

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conta do que se lê no livro dosgentios: uma certa adivinha,chamada Circe, transformou oscompanheiros de Ulisses embestas; mas o fez através dealgum encantamento ou ilusão,não no plano real, mas alterandoa fantasia dos homens; e isso éclaramente provado por váriosexemplos.

Lemos na Vida dos padresque uma certa menina nãoconsentira em cometer um atoobsceno com o jovem que a

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cortejara. O jovem, porém,inflamando-se de raiva, pediu auma judia que a enfeitiçasse,tendo sido a meninatransformada numa potranca.Mas essa metamorfose não sedeu na realidade e sim por ilusãodo Demônio: ele alterou afantasia e os sentidos da própriamenina e dos que a viam,fazendo com que em vez damenina vissem a potranca. Masquando ela foi levada a SãoMacário, o Demônio não

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conseguiu iludir-lhe os sentidos,por causa da sua santidade; e elea via como menina e não comopotranca. E ao cabo de suasorações ela viu-se liberta daquelailusão. O santo explicou-lhe queaquilo acontecera porque ela nãomeditava em coisas sagradas, ouporque não cumpria osSacramentos como devia; daí opoder do Demônio sobre ela,embora sob outros aspectos elafosse honesta.

Portanto, o Demônio é capaz,

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pela alteração das percepções edos humores interiores, deprovocar mudanças nas ações enas faculdades físicas, mentais eemocionais, operando através dequalquer órgão físico; issosegundo Santo Tomás, I, 91.Parece-nos que foram dessaespécie os atos de Simão Magusnos encantamentos por elenarrados. O Diabo, porém, nadapode fazer sem a permissão deDeus, que com os Seus anjosbons muitas vezes lhe reprime a

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perversidade com que nos tentainjuriar. Pelo que nos diz SantoAgostinho, ao falar de bruxas:“São as que, com a permissão deDeus, provocam os elementos econfundem o pensamento dosque não creem em Deus” (XXVI,5).

Os Demônios são tambémcapazes, através da bruxaria, detornar o homem incapaz deenxergar corretamente suamulher e vice-versa. Essefenômeno provém da alteração

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da fantasia: aos seus olhos, amulher adquire forma horrível erepugnante. O Diabo evocatambém a imagem de coisasrepulsivas, durante a vigília edurante o sono, para nos enganare nos conduzir ao pecado. Mascomo o pecado não parece serfruto da imaginação e sim davontade, não há pecado,portanto, nessas fantasiassugeridas pelo Demônio, e nessasvárias transformações, salvoquando o homem, por sua

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própria vontade, se entrega aopecado.

A segunda opinião dosmodernos doutores da Igrejaconverge para a primeira aoexplicarem o que são osencantamentos e de que modo oDiabo é capaz de causar ilusões.Referimo-nos aqui ao que já sedisse a respeito dos argumentosde Santo Antonino, não sendonecessário repetir.

A terceira opinião é a deSanto Tomás. Está na sua

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resposta à pergunta: “Onde está aexistência das formas bestiaisobservadas: nos sentidos, narealidade ou na atmosferacircundante?” E, na sua opinião,a forma criatural de uma besta sóexiste nas percepções interiores,que pela força da imaginaçãoveem-na como se fosse umobjeto exterior. Pois que oDemônio dispõe de duasmaneiras para obter esseresultado.

Podemos primeiro dizer que,

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por ação do Demônio, as formasdos animais conservadas norepositório da imaginação passampara os órgãos dos sentidosinteriores, de forma análoga aoque se dá nos sonhos, como jávimos. Assim, quando essasformas são impressas nos órgãosdos sentidos externos, como noda visão, apresentam-se como sefossem objetos do mundoexterior, e podem até ser tocadas.

Em segundo lugar, o Diabo écapaz de alterar os órgãos

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internos da percepção, pelo queconfunde nosso juízo; é o caso dequem tem o paladar corrompidode sorte a tudo o que é doceparecer amargo; método, aliás,não muito diverso do primeiro.Ademais, esse fenômeno oshomens normais podem obteratravés de certos elementosnaturais, como quando, sob osvapores de um certo fumo, asvigas de uma casa parecemserpentes; são encontradosmuitos outros desses casos,

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conforme já se mencionou.

Solução dos argumentos.

O texto apresentado comoprimeiro argumento é muitasvezes citado, mas sempreincorretamente compreendido.Ao falar da transformação emoutra forma ou espécie, deixaclaro de que modo isso pode serfeito pelas artes daprestidigitação. E quando diz quenenhuma criatura pode ser feita

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pelo poder do Diabo, estámanifestamente correto se porfeita entendermos criada. Mas sea palavra feita se refere àprodução natural, é certo que osDemônios podem gerar muitascriaturas imperfeitas. E SantoTomás revela de que modo issopode ser feito. Diz que todas astransmutações das substânciascorpóreas capazes de seremrealizadas pelas forças danatureza, cujo elemento essencialé o sêmen encontrado em todas

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as coisas do mundo – na terra ouna água (onde serpentes, sapos eanimais semelhantes depositam oseu sêmen) –, podem tambémser realizadas por obra dosDemônios que tiverem adquiridoo sêmen correspondente. Assimtambém com tudo o que podeser transformado em sapos e emserpentes, os quais podem sergerados por putrefação.

Mas as transmutações dassubstâncias materiais que não sãorealizadas pelas forças da

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natureza não podem serverdadeiramente realizadas pelaobra dos Demônios. Quando,então, o corpo de um homem étransmutado no de uma besta,ou quando o corpo de um mortoé ressuscitado, o fenômeno é sóaparente: trata-se deencantamento ou de ilusão. Omesmo se pode dizer quando oDiabo aparece em formacorpórea a um homem.

Tais argumentos precisam serconsubstanciados. São Alberto,

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em seu livro Sobre os animais, aoindagar se os Demônios, oumesmo as bruxas, são capazes deproduzir animais, diz: “Às bruxase aos Demônios é permitido porDeus criarem animaisimperfeitos. Embora não ospossam criar instantaneamente,como Deus é capaz, e sim atravésde um certo movimento, nãoobstante brusco, como está clarono caso das bruxas.” E ao referir-se à passagem no Êxodo, em queo faraó chamou os sábios, diz:

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“Os Demônios saem percorrendoo mundo e colhendo sêmen,usando-o na geração de váriasespécies.” E prossegue a glosa:“Quando as bruxas tentam fazerqualquer malefício pelainvocação dos Demônios,também saem percorrendo omundo e coletando o sêmen dascoisas que lhes interessam, e pormeio dele, com a permissão deDeus, produzem novas espécies.”A esse respeito, porém, já nosreferimos.

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Talvez haja uma outradificuldade: a de considerar-se asobras dos Demônios miraculosas.A resposta a essa questão ficaesclarecida pelos argumentosprecedentes: mesmo osDemônios são capazes de operarcertos milagres, para os quais seacham adaptados os seus poderesnaturais. E embora tais prodígiossejam, de fato, verdadeiros, nãosão feitos com o fito doconhecimento da verdade; e porisso as obras do Anticristo podem

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ser consideradas ilusões, porquesão feitas tendo em mira asedução dos homens.

Clara está também a respostaao outro argumento, a respeitodas formas criaturais. A formacriatural de uma besta, que é pornós vista, não se encontra no ar,nem no plano concreto,conforme se demonstrou: apenasna percepção dos sentidos, comose provou através da opinião deSanto Tomás.

O certo é que todo ente

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passivo é posto em movimentopelo ente ativo correspondente.Considere-se esse argumentoverdadeiro. Mas quando seinfere que a forma observada nãoé o objeto original que põe o enteem movimento, ou seja, queativa o fenômeno visual, cumpreentender: não surge dos sentidos,e sim de alguma imagem sensívelconservada na imaginação, que oDemônio evoca e apresenta àpercepção, conforme sedemonstrou.

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Quanto ao últimoargumento, cumpre esclarecerque o Demônio não altera, comose viu, os poderes perceptivos eimaginativos, neles seprojetando: o que faz étransmutá-los. Não os altera defato, só no que concerne ao seumovimento local. Pois não lhe édada a faculdade de criar novaspercepções, como se disse. O quealtera são as imagenspreexistentes, por transmutação,vale dizer, por alteração do

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movimento local. E faz isso semdividir a substância do órgão dapercepção, já que tal divisãocausaria dor, e sim pelomovimento das percepções e doshumores.

Pode-se ainda objetar que,segundo esse ponto de vista, oDemônio não será capaz deapresentar-se a um homem comaspecto de ser criaturaltotalmente novo. Convém dizerque os elementos novos podemser entendidos de duas maneiras.

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Em primeiro lugar, podem sernovos em si e em princípio; nessesentido, o Diabo nada é capaz deapresentar de novo ao sentidohumano da visão; pois não écapaz de fazer com que o cegopor nascimento imagine cores, ouque o surdo por nascimentoimagine sons. Em segundo lugar,porém, podem ser novos quantoà composição de sua totalidade;pode-se, nesse veio de raciocínio,dizer que determinada coisa éimaginariamente nova: por

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exemplo, quando um homemimagina visualizar montanhas deouro que nunca viu; por já tervisto o ouro, e por já ter vistomontanhas, é capaz de imaginar,através de alguma operaçãonatural, o espectro de umamontanha de ouro. Pois é nessesentido que o Diabo é capaz deapresentar algo novo àimaginação.

Dos lobos que atacame devoram homens e

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crianças fora de seusberços: se é tambémmagia causada porbruxas.

Há, incidentalmente, a questãodos lobos que, por vezes,apanham homens e criançasafastados de suas casas e osdevoram, fugindo com tal astúciaque não há ninguém hábil ouforte o suficiente para capturá-los. Para esse fenômeno temos,vez ou outra, uma causa natural.

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Em outras ocasiões, porém, sedeve à magia operada por bruxas.Santo Alberto, em seu livro Sobreos animais, diz existirem cincocausas naturais. Às vezes,atacam-nos por causa da suafome desmesurada, quandoveados e outros animais seaproximam dos homens. Emoutras, por causa de suaferocidade, como no caso doscães selvagens nas regiões frias.Mas tais causas não vêm ao caso;para nós esse comportamento é

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causado por ilusão diabólica,quando Deus pune uma naçãopelo pecado. Ver Levítico, 26:“Mas se não me escutardes e nãoguardardes os meusmandamentos, mandarei contravós as feras do campo, quedevorarão os vossos filhos,matarão vossos animais e vosreduzirão a um pequenonúmero.” E uma vez mais, noDeuteronômio, 32: “Incitareicontra eles os dentes das feras”etc.

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Já quanto à outra questão, sesão ou não lobos verdadeiros, ouDemônios em forma de lobo,parece-nos serem de fato lobosverdadeiros, possuídos pelosDemônios; e são possuídos deduas maneiras.

Podem ser possuídos sem ointermédio das bruxas: é o casodos 42 meninos devorados pordois ursos saídos da floresta, porterem escarnecido do profetaEliseu. É também o caso do leãoque matou o profeta por este não

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ter obedecido ao mandamentode Deus (III Reis, 13). Conta-se,ainda, que um bispo de Vienaordenou fossem entoadas asladainhas menores, solenemente,em certos dias antes da Festa daAscensão, porque os lobosandavam adentrando a cidade edevorando publicamente oshomens.

Podem, por outro lado, serpossuídos por intermédio dasbruxas. William de Paris conta-nos de um certo homem que

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julgava ter-se transformado emlobo, ocasião em que se escondiaem cavernas. Certa vez, tendo láse ocultado, percebeu que, apesarde ter permanecido no mesmolugar, estacionário, via-se comoum lobo que saía devorandocrianças; e, apesar de ter sido oDemônio que, tendo possuídoum lobo, saíra devorandocrianças, ele se julgava o lobo quedurante o sono saía na suaronda, atrás de sua presa. Epermaneceu durante tanto

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tempo fora de seu juízo normalque acabou sendo encontrado nafloresta, deitado e uivando. ODiabo se deleita com essas coisase é o responsável pela convicçãoilusória dos pagãos que dizemserem os homens e as velhastransformados em lobisomens.Desse relato depreende-se quetais coisas só acontecem com apermissão de Deus e porintermédio dos Demônios – nãoocorrem como fenômenonatural. Pois que não há

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engenho ou habilidade capazesde capturar ou ferir essas feras.Vincent de Beauvais (In Spec.Hist., VI, 40) conta-nos, apropósito, que na Gália, antes daEncarnação de Cristo, e antes daGuerra Púnica, um loboarrebatou da bainha a espada deum sentinela.

QUESTÃO XI

Que as bruxas parteiras

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matam o concepto aonascer, de váriasmaneiras, ou provocam oaborto; ou se não fazem aoferenda de recém-nascidos aos Demônios.

Vamos aqui estabelecer a

verdade a respeito de quatrocrimes hediondos que osDemônios cometem contra ascrianças pequenas – tanto noútero da mãe quanto depois do

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nascimento. E por cometeremtais crimes, pelo intermédio demulheres, não de homens, essaespécie de homicídio acha-semais vinculada ao sexo femininoque ao masculino.Apresentamos, a seguir, osmétodos pelos quais tais crimessão praticados.

Os doutores em DireitoCanônico tratam dos obstáculosao ato venéreo com maiorprofundidade que os teólogos;dizem que é bruxaria não só

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quando alguém é impossibilitadode praticar o ato carnal, mastambém quando a mulher éimpossibilitada de conceber ouaborta após ter concebido. Oterceiro e quarto crimes dessaespécie, praticados comobruxaria, são os de, tendomalogrado a tentativa de aborto,devorar a criança ou oferecê-laao Diabo.

Não há dúvida a respeito dosdois primeiros métodos, pois que,sem o auxílio de Demônios,

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qualquer homem é capaz, pormeios naturais – pelo uso deervas como a sabina, ou deoutros emenagogos –, de impedira concepção da mulher, como jáse mencionou. Mas com osoutros dois métodos é diferente;são praticados por bruxas. Nãohá necessidade de apontar osargumentos: basta mostrarexemplos evidentíssimos quefazem aflorar mais prontamentea verdade a respeito.

A primeira dessas duas

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abominações é a do hábito decertas bruxas, que vai contra oinstinto da natureza humana, eaté mesmo contra o instinto danatureza de todas as feras, com apossível exceção dos lobos, dedevorarem, como canibais, osrecém-nascidos. O Inquisidor deComo, a propósito, jámencionado, nos conta: foiintimado pelos habitantes docondado de Barby a conduzir umprocesso inquisitório por causade um homem que, vendo ter

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desaparecido seu filho do berço,saiu a procurá-lo. Acabou porencontrá-lo num congresso demulheres durante a noite, noqual, segundo declarou emjuramento, as viu matarem-no,para depois beberem-lhe osangue e devorarem-no. Conta-nos ainda que num só ano 41bruxas foram queimadas, e queoutras debandaram, em revoada,para as terras do senhorarquiduque da Áustria,Sigismundo. Essa história é

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confirmada por João Nider emseu Formicarius, cuja lembrança,como a dos demais eventos deque nos fala, ainda se acha frescana memória dos homens; peloque tais fatos só podem serverídicos. Cumpre aditar que asbruxas parteiras são as quemaiores males nos trazem, peloque nos contam outras bruxaspenitentes: “Não há quem maismalefícios causem à Fé Católicado que as parteiras.” Pois quandonão matam as crianças, para

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atenderem a outros propósitostiram-nas do recinto em que seencontram, elevam-nas nosbraços e oferecem-nas aosDemônios. Mas o método de quese utilizam para a prática decrimes dessa natureza serámostrado na Parte II, à qual logochegaremos. É preciso indagarprimeiro, porém, da permissãodivina. Pois dissemos noprincípio que três elementos sefazem necessários à prática dabruxaria: o Diabo, a bruxa e a

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permissão de Deus.

QUESTÃO XII

Se a permissão de DeusTodo-Poderoso éacompanhamentoconstante de todabruxaria.

Vamos considerar a permissão

divina em si, formulando desde

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já quatro perguntas. Primeiro, seé necessário que a permissãodivina acompanhe os atos debruxaria. Segundo, se Deus, comtoda a Sua justiça, permite a umacriatura naturalmente perversaperpetrar atos de bruxaria eoutros crimes tenebrosospressupondo-se os dois outrosconcomitantes necessários.Terceiro, se o crime de bruxariasupera em perversidade todos osdemais crimes permitidos porDeus. Quarto, de que modo

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pregar aos fiéis sobre esse tema.A respeito do terceiro

postulado dessa Parte I, ou seja,o postulado da permissão divina,cabe perguntar: seria tão católicoafirmar a existência da permissãodivina nas obras de bruxaria,quanto herético seria contradizê-lo? Professa-se seu católicosustentar que Deus não conferetamanho poder ao Diabo nessetipo de bruxaria. Pois há de sercatólico, e não herético, refutaresses crimes por se afigurarem

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como detração ao Criador. E háde ser católico sustentar que talpoder não é conferido ao Diabo,pois que a afirmação oposta soacomo menoscabo ao Criador.Logo, nessa linha de raciocínio,nem tudo há de estar submetidoà Providência Divina, já que osapientíssimo Senhor Deus tratade manter a falha e todo o malmais afastado possível dascriaturas que protege. Assim, seas obras de bruxaria sãopermitidas por Deus, não são de

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nós afastadas pela Sua vontade:Deus não é mais, destarte, osábio Provedor – e todas as coisasnão mais estão submetidas à SuaProvidência. Como falsa é essaconclusão, falso há de ser queDeus permite a bruxaria.

Afirma-se ainda que, parapermitir que uma coisa aconteça,pressupõe-se que quem opermite seja capaz de preveni-la,caso queira, ou não o seja,mesmo que o queira; nenhumadessas hipóteses aplica-se ao caso

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de Deus. No primeiro caso, ohomem seria consideradomaldoso, e no segundo,impotente. Pergunta-se então,incidentalmente: quanto aoencantamento que aconteceu aPedro, caso Deus pudesse tê-loprevenido, mas não o fez, nãoquer isso dizer que Deus émaldoso e não se importa emabsoluto com a vítima? E se Elequisesse prevenir, mas não lhe foipossível, não deixaria Ele de seronipotente? Como não é possível

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sustentar a opinião que apontapara o descaso por parte de Deuse também a outra, logo abruxaria não é praticada com apermissão de Deus.

Não só isso: quem éresponsável por si mesmo esenhor de seus atos não estásujeito à permissão ou àprovidência de qualquergovernador. Mas os homensforam tornados responsáveis porsi mesmos por Deus, segundo oEclesiástico, 15: “No princípio

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Deus criou o homem, e oentregou ao seu próprio juízo.”Em particular, os pecados que oshomens cometem são entreguesa seu próprio juízo, de acordocom o texto: “Ele deu ao homemo direito de escolher o que seucoração desejar.” Portanto, nemtodos os males estãosubordinados à permissão divina.

Diz ainda Santo Agostinhono Enchiridion, assim comoAristóteles no nono livro daMetafísica: “O melhor é

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desconhecer certas coisasdesprezíveis do que as conhecer,não obstante todas as boas obrasserem atribuídas a Deus.” Logo,Deus não impede que sepratiquem as obras perversas debruxaria, permita Ele ou não. Vertambém São Paulo em ICoríntios, 9: “Acaso Deus tem dódos bois?” A indagação é válidapara os outros animaisirracionais. Pelo que a Deuspouco importa se estão osanimais enfeitiçados ou não, já

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que não se acham subordinadosà Sua vontade, que advém daSua Providência.

Ademais, o quenecessariamente acontece carecede permissão da providência oude prudência. Isso écategoricamente demonstradopor Aristóteles na sua Ética, II:“Prudência é um raciocíniocorreto a respeito das coisas queacontecem e que dependem dojuízo e da escolha.” Mas diversosefeitos da bruxaria acontecem

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por necessidade; de formaanáloga ao aparecimento dasdoenças, por alguma razão oupor influência dos astros, e asoutras coisas consideradas frutode bruxaria. Portanto, tais coisasnunca se acham sujeitas àpermissão divina.

Mais ainda: se os homens sãoenfeitiçados pela permissãodivina, cabe indagar: por que issoacontece mais a uns do que aoutros? Se é dito ser por causa dopecado, que mais abunda em uns

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do que em outros, a premissanão parece válida, já que osmaiores pecadores haviam de seros mais enfeitiçados, o que,manifestamente não acontece,por serem justamente os menospunidos neste mundo. Estáescrito: “E é bem que mintam osmentirosos.” Mas se fosse bomesse argumento, também nãoseriam aqueles os enfeitiçados. Eé, por fim, evidente pelo fato dese encontrarem entre os que maispadecem dos atos de bruxaria as

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crianças inocentes e outroshomens justos.

Mas temos contra taisargumentos o seguinte. Afirma-se que Deus permite que o malseja praticado, embora não odeseje; e procede assim para oaperfeiçoamento do universo.Ver Dionísio, De Divin. Nom.,III: “O mal existirá em todos ostempos, para o aperfeiçoamentodo universo.” E diz SantoAgostinho no Enchiridion: “Aadmirável beleza do universo

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está em todas as coisas, boas emás.” Assim é que o mal estábem-ordenado, e o bem, louvadoem alto grau, está no seu devidolugar; porquanto as boas obrassão mais agradáveis e louváveisque as más. Santo Tomástambém refuta a opinião dos quedizem que, embora Deus nãodeseje o mal (por não havercriatura que pelo mal procure –seja em seu apetite natural,animal ou intelectual, ou seja, nasua vontade, cujo objeto é bom),

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quer Ele que o mal exista e sejapraticado. Diz-nos este autor quetal opinião é falsa: Deus não querque o mal seja praticado, nemque não seja praticado: e isso ébom para o aperfeiçoamento douniverso.

E eis a razão por que éerrôneo afirmar que Deus desejaque o mal seja praticado para obem do universo. Nada há de serjulgado bom salvo quando bom éem si e não por acidente. Pois ohomem virtuoso é julgado bom

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pela sua natureza intelectual, nãopela sua natureza animal. O mal,porém, não é de per si, ordenadopara o bem: acontece poracidente. Pois contra a intençãodos que praticam o mal ressurgeo bem resultante. Dessa forma,contra a intenção das bruxas, oucontra a intenção dos tiranos,viu-se resplandecer claramente apaciência dos mártires, emdecorrência de sua perseguição.

Resposta. Essa questão é tão

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difícil de entender quantoproveitoso é elucidá-la. Há emmeio aos argumentos, não só dosleigos como também dos sábios,um elemento em comum: nãocreem que tão pavorosa bruxaria,como se mostrou, seja permitidapor Deus; a mostrarem-seignorantes das causas dapermissão divina. E por causadessa ignorância, já que as bruxasnão são esmagadas pela vingançaque lhes é devida, parece queagora estão despovoando toda a

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cristandade. Portanto, para que oculto e o inculto sejam atendidosna sua medida, de acordo com aopinião dos teólogos,desenvolveremos nossa respostapela discussão de duasdificuldades. Primeiro: o mundoé de tal forma subordinado àProvidência Divina que é opróprio Deus quem a todosprovê.

Segundo: Deus na Sua justiçapermite a prevalência do pecado– que consiste na culpa, no

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castigo e na perda – em virtudede Suas permissões primeiras: aqueda dos anjos e a dos nossosprimeiros ancestrais. Pelo que háde ficar claro: desacreditarobstinadamente dessas premissasrecende a heresia, pois que odescrente compromete a sipróprio nos erros dos infiéis.

Quanto à primeira, é dereparar-se que devemos sustentarestarem todas as coisassubordinadas à ProvidênciaDivina e que é Deus o provedor

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imediato de todas as coisas – poistudo à Providência Divinapertence (Sabedoria, 14: “Massois vós, Pai, que tudo governaispela vossa Providência”). Paradeixarmos claro esse ponto,refutemos primeiro o errocontrário. Pois, tomando comoreferência a passagem em Jó, 22,“As nuvens formam um véu queo impede de ver; Ele passeia pelaabóbada do céu”, alguns têmachado que a doutrina de SantoTomás, 1, 22, significa tão só que

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as coisas corruptíveis estãosujeitas à Providência Divina,como as essências distintas, e asestrelas, a par das coisas deespécie inferior, tambémincorruptíveis; advogam, porém,que os seres das espécies, sendocorruptíveis, não lhe estãosubordinados. Pelo que, afirmamque todas as coisas mundanasinferiores estão sujeitas àProvidência Divina no sentidouniversal, mas não no sentidoindividual ou particular. A

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outros, no entanto, essa opiniãoafigura-se indefensável, já queDeus cuida dos outros animaisassim como cuida dos homens.Logo, o rabino Moisés, buscandoum meio-termo, concordava comessa opinião, professando seremtodas as coisas corruptíveis nãode todo individualmente sujeitasao governo divino, mas apenasno sentido universal, como sefrisou antes; excluía ele, porém,homem da generalidade dascoisas corruptíveis, dada a

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esplêndida natureza de seuintelecto, comparável à dasessências distintas. Pois bem: emconformidade com sua opinião,toda bruxaria que acontece aoshomens há de depender dapermissão divina; não, porém,como acontece aos animais ouaos outros frutos da terra.

Ora, não obstante essaopinião estar mais próxima daverdade do que a que nega apresença da Providência de Deusnas coisas mundanas, e que

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advoga ter sido o mundo obra doacaso – como defendiamDemócrito e os Epicuristas –, nãoo faz sem uma grande falácia.Faz-se mister dizer que tudo estásubordinado à ProvidênciaDivina – não só no sentido geral,como também no particular; eque o encantamento não só doshomens, mas também dosanimais e dos frutos da terra,depende da permissão Divina eprovidente. Aí reside a verdadeplena; a Providência e a ordem

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das coisas, para um determinadofim, estendem-se na medida emque se estende a sua própriacausalidade. Tomemos comoexemplo as coisas que se achamsubordinadas a um ser superior:acham-se subordinadas à suaprovidência na medida em quese encontram sob seu controle.Mas a causalidade, que é deDeus, é o agente original, que seestende a todos os seres, não sóno sentido geral mas também noparticular, e não apenas às coisas

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incorruptíveis. Logo, como todasas coisas devem ser de Deus,todas hão de ser por Elecuidadas, vale dizer, por Eleordenadas para um fim.

A esse ponto se refere SãoPaulo em Romanos, 13: “Todasas coisas que instituídas forampor Deus, por Ele foramordenadas.” Em outras palavras:assim como todas as coisasprovêm de Deus, são por Eleordenadas e acham-se,consequentemente, à

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Providência Divinasubordinadas. Pois se há deentender a Providência Divinacomo nada além da razão, ouseja, nada além da ordem dascoisas para o atendimento de umpropósito. Assim, na medida emque as coisas atendem a umafinalidade, atendem, de formaanáloga, à Providência Divina e aela estão subordinadas. Deusconhece todas as coisas, não sóna sua generalidade mas tambémna sua particularidade. Pois bem:

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o conhecimento que Deus possuidas coisas criadas é comparávelao do artesão a respeito de seutrabalho. Logo, assim como todotrabalho se acha subordinado àordem e à providência doartesão, de forma análoga todasas coisas se acham subordinadasà ordem e à Providência doCriador.

Todavia, não se tem aí umaexplicação satisfatória para apermissão de Deus, na Suajustiça, para a prática do mal e da

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bruxaria no mundo, não obstanteser Ele o provedor e governadorde todas as coisas; pareceria,admitindo-se tal proposição, queDeus devesse afastar o maldaqueles a quem provê. Pois queobservamos, entre os homens,que o provedor sábio faz tudo oque está ao seu alcance paralivrar os que provê de danos eprejuízos; por que, então, nãoafasta Deus, de forma análoga,todo o mal dos seus protegidos?Cumpre atentar que provedor

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universal e provedor particularsão coisas muito distintas. Aoprovedor particular cabe afastarnecessariamente todo o mal quepuder, por não ser capaz deextrair do mal o bem. Deus,contudo, é o provedor universaldo mundo inteiro e é capaz,destarte, de dos malesparticulares extrair um grandebem; pois que por meio daperseguição dos tiranos surgiu apaciência dos mártires, e pelointermédio das obras das bruxas

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surgem a purgação e a provaçãoda fé dos justos, conforme serádemonstrado. Não é propósito deDeus, portanto, prevenir todo omal, para que o mundo assimnão careça da causa de tantosbens. Pelo que diz SantoAgostinho no Enchiridion: “Tãomisericordioso é o Deus Todo-Poderoso que não permitiria queo mal atingisse as suas obras senão fosse tão onipotente e tãobom ao ponto de até mesmo domal extrair o bem.”

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E disso encontramos exemplonos processos das coisas naturais.Embora as corrupções e as falhasque ocorrem às coisas naturaissejam contrárias ao propósito dascoisas particulares (como quandoum ladrão é enforcado, ouquando animais são mortos paraque se sacie a fome humana),estão ainda em conformidadecom o propósito universal danatureza (para que a vida e apropriedade do homem sejampreservadas); e destarte preserva-

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se o bem universal. Pois que énecessário para a conservação dasespécies que a morte de um serrepresente a preservação deoutros seres. Assim é que os leõessão mantidos vivos para acarnificina de outros animais.

Da permissão divina:Deus não faria umacriatura naturalmentesem pecado.

Em segundo lugar, Deus, na Sua

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justiça, permite a prevalência domal, a do pecado e a dosofrimento, mormente agora queo mundo se vai esfriando eaproximando-se do seu fim;havemos de provar tal assertivapostulando duas proposiçõesfundamentais. Primeira: éimpossível que, humanamentefalando, qualquer criatura,humana ou angelical, seja denatureza tal que não cometapecado. Segunda: é justo, epermitido pela ótica de Deus, ao

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homem pecar ou ser tentado.Certas são essas duasproposições. E como está deacordo com a Providência Divinaque cada criatura seja entregue àsua própria natureza, cumpredeclarar: de acordo com nossaspremissas, é impossível que Deusnão permita a prática da bruxariacom o auxílio dos Demônios.

E que não é possível outorgara uma criatura a imunidadenatural contra o pecado émostrado por Santo Tomás (II,

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23, art. I). Porque, se essaqualidade fosse transmissível aqualquer criatura, Deus a teriatransmitido; pois Ele temtransmitido todas as graças eperfeições transmissíveis às Suascriaturas. Tal é a união pessoaldas duas naturezas no Cristo, aMaternidade e a Virgindade deMaria Imaculada, a francacamaradagem dos viajantes, oabençoado companheirismo doeleito e muitas outras coisas.Lemos, porém, que essa

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qualidade não foi transmitida anenhuma criatura, nem aoshomens, nem aos anjos; pois queestá escrito: “Mesmo em Seusanjos Ele encontra o pecado.”Portanto, o certo é que Deus nãotransmite aos homens aincapacidade natural para opecado, embora eles possamadquiri-la por intermédio dagraça.

Uma vez mais cabe dizer:fosse tal qualidade transmissível,mas não transmitida, o universo

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não seria perfeito: a sua perfeiçãoestá no fato de todas as boasqualidades transmissíveis seremtransmitidas às criaturas.

Tampouco válido éargumentar que Deus, sendoonipotente, e tendo feito os anjose os homens à Sua imagem esemelhança, poderia tornar todasas Suas criaturas sem pecado: ounem mesmo que poderia tornaresse estado de graça a causa daconfirmação na bondade, parteessencial da natureza dos

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homens e dos anjos, de sorte aestarem naturalmenteconfirmados na bondade e seremincapazes de pecar.

O primeiro argumento nãoresiste às evidências. Pois que,embora Deus seja Todo-Poderoso, não nos outorga aqualidade da impecabilidade;não por alguma imperfeição deSua força, mas sim por causa daimperfeição das criaturas; e essaimperfeição reside mormente nofato de que não há criatura,

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homem ou anjo, capaz dereceber tal qualidade. E pelaseguinte razão: os seres criaturais,para a sua existência, dependemdo seu Criador, assim como oefeito depende da causa para asua existência. E criar é do nadafazer alguma coisa; e o criado, seabandonado à sua própria sorte,perece; porém, perdura enquantopreserva a influência de suacausa. Considere-se o exemploda vela que só queima enquantoexistir a cera. Assim sendo, é de

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notar-se que Deus criou ohomem e deixou-o entregue aseu próprio juízo (Eclesiástico,17). E no princípio da Criaçãotambém criou os anjos. E isso foifeito por amor ao livre-arbítrio,cuja propriedade é a da livreopção: fazer ou deixar de fazer,desistir ou não desistir da suacausa. Como desistir de Deus, edo livre-arbítrio, é pecar, foiimpossível aos homens e aosanjos receberem uma qualidadetal que lhes permitisse, a um só

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tempo, possuir o livre-arbítrio e aimunidade ao pecado.

Outra imperfeição pela qualessa qualidade não pode sertransmitida aos homens e aosanjos está em que implica umacontradição; como ascontradições são, por natureza,impossíveis, dizemos que Deusnão as pratica. Ou que Suascriaturas são incapazes de receberpredicados contraditórios. Porexemplo, não é possível que umser esteja ao mesmo tempo vivo e

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morto. Temos então a seguintecontradição: a de o homem serdotado do livre-arbítrio – quepermite que ele se afaste doCriador – e a de ser dotadotambém da imunidade aopecado. Se, no entanto, ele fosseincapaz de pecar, incapaz seria deafastar-se do Criador. Eis opecado: desdenhar do bemincomutável e apegar-se às coisascomutáveis. Desdenhar ou nãodesdenhar, no entanto, é opçãoque depende do livre-arbítrio.

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O segundo argumentotambém não é válido. Pois que sea confirmação da graça fosseparte tão essencial da criaçãooriginal a ponto de tornar aimpecabilidade predicado naturaldas criaturas, tal qualidade nãosurgiria de qualquer causaexterior ou da graça, mas daprópria natureza dos seres, queentão passariam a ser o próprioDeus, o que é absurdo. SantoTomás trata desse assunto na suasolução do último argumento.

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Diz o seguinte: sempre que aalguma criatura sucede algumacoisa que só poderia ter sidocausada por influência superior,cumpre entender: não é dado ànatureza inferior produzir talefeito sem a cooperação danatureza superior. O gás entraem combustão pelo contato como fogo: dada a sua natureza, nãoqueimaria por conta própria semaquele contato.

Declaro, portanto, que comoa confirmação da criatura

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racional se dá tão só pela graça,espécie de luz espiritual ou deimagem da luz da criação, éimpossível a qualquer criaturater, por sua própria natureza, talconfirmação, a menos que sejade natureza divina; vale dizer, amenos que seja da mesmanatureza de Deus, o que éabsolutamente impossível.Concluímos dizendo que aincapacidade para o pecadopertence, por natureza, tãosomente a Deus. Porque Ele não

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se afasta da sua própria natureza.Nem pode afastar-se da Suaprópria Bondade. Todos osdemais que possuem o predicadoda impecabilidade conquistaram-no pela confirmação da bondadeatravés da graça; pela qual osfilhos de Deus e todos aquelesque de alguma forma se unem ànatureza divina se livram dopecado.

QUESTÃO XIII

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Das duas justíssimaspermissões divinas: oDiabo, autor de todo omal, havia de pecar, enossos primeirosancestrais haviam de cair– pelo que se justifica todoo sofrimento decorrentedas obras das bruxas.

A segunda questão ou

proposição é a de que Deus, naSua justiça, tenha permitido a

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certos anjos pecarem de fato – eque não o teria permitido se nãofossem capazes de pecar; e que,de forma semelhante, Ele tenhapreservado certas criaturas pelagraça, sem terem previamentesofrido tentação; e que Ele tenhapermitido ao homem ser tentadoe pecar. Tais declarações sãoelucidadas a seguir.

Pois que é próprio da DivinaProvidência deixar cada coisaentregue à sua própria natureza enão a impedir de realizar suas

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obras naturais. Porque, comodeclara Dionísio (De Divin.Nom., IV), a Providência não édestruidora, e sim preservadorada natureza. Assim sendo, claroestá que, na medida em que obem de toda a raça é melhor doque o bem de um só indivíduo(Aristóteles, Ética, I), de formaanáloga, o bem do universo háde preceder o bem de qualquercriatura em particular. Cumpreaduzir, portanto, que se fosse doshomens afastado o pecado,

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muitas etapas seriam suprimidasna marcha para a perfeição. Poisque se removeria destarte umpredicado natural do serhumano: o poder de pecar ou denão pecar.

Passemos à resposta. Se nãohouvesse pecado e tão só aconfirmação imediata, nunca sesaberia qual a parcela de graçadas boas obras que se deve aDeus e qual o potencialpecaminoso que se teriarealizado, a par de muitas outras

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coisas sem as quais o universosofreria grande perda. Pois queSatã havia de pecar não poralguma sugestão externa, maspor achar em si mesmo a ocasiãopara o pecado. E assim procedeuquando quis se igualar a Deus. Épreciso que se entenda isso comalguma reserva, e não simples ediretamente, em conformidadecom o que diz Isaías, 14: “Subireisobre as nuvens mais altas e metornarei igual ao Altíssimo.”Cumpre não entender a assertiva

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diretamente: o Demônio, nessecaso teria uma compreensãolimitada e equívoca ao almejaralguma coisa fora de seu alcance.Sabia que se tratava de ser criadopor Deus e que lhe eraimpossível tornar-se igual aoAltíssimo, seu Criador. Não sehá, também, de entendê-laindiretamente; pois que, assimcomo toda a bondade de umanjo e de uma criatura reside emsua sujeição a Deus, toda atransparência do ar está na sua

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sujeição aos raios do sol;portanto, nada que fossecontrário à bondade de suaprópria natureza poderia seralmejado por um anjo. Noentanto, Satã buscou a igualdadecom Deus, não absoluta masrelativa, como veremos. Anatureza de Deus guarda doispredicados, a da bem-aventurança e a da bondade,enquanto que toda a bem-aventurança e toda a bondade deSuas criaturas Dele emanam.

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Portanto, percebendo que adignidade de sua próprianatureza transcendia a de outrascriaturas, desejou e suplicou quetoda a bem-aventurança e toda abondade das criaturas inferioresde si proviessem. E saiu em buscadisso por conta própria, para que,assim como fora ele o primeiro aser dotado desses predicados pornatureza, também as outrascriaturas os recebessem pela suaprópria nobreza. E tentouconseguir isso de Deus,

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submetendo-se a Ele comperfeita dedicação até que lhefosse outorgado o poderalmejado. Portanto, o Demônionão quis se igualar a Deus emtermos absolutos, mas tãosomente em termos relativos.

Cumpre ainda observar que oDemônio, ao tentar realizar o seudesejo, repentinamente tornou-oconhecido de outros; e acompreensão dos demais anjosde seu desejo, e o seu perversoconsentimento, deu-se também

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de modo súbito. Logo, o pecadodo primeiro anjo excedeu eprecedeu os pecados dos demaisno que tange à magnitude da suaculpa e à causalidade, mas nãono que tange à sua duração. VerApocalipse, 12: “Um grandedragão vermelho, com setecabeças e dez chifres, e nascabeças sete coroas. Varria comsua cauda uma terça parte dasestrelas do céu.” E esse dragãovive na forma de Leviatã e reinasobre todos os filhos do orgulho.

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E, segundo Aristóteles(Metafísica, 5), é chamado o reidos príncipes, pois que manobraos que lhe estão subordinados deacordo com a sua vontade e oseu comando. Portanto, o seupecado está em ocasionar opecado em outros, porquanto,sem ser tentado por qualquerforça exterior, transformou-se natentação exterior de outros.

E que tudo isso aconteceuinstantaneamente pode serexemplificado pelos fenômenos

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físicos; pois que a ignição do gás,a visualização da chama e aimpressão causada pelofenômeno são elementos queacontecem a um só tempo,simultaneamente.

Expliquei o assunto comalguma profundidade: poisquando se admite aquelaestupenda permissão divina nocaso de as criaturas mais nobresse mostrarem ambiciosas, maisfácil será aceitar a permissão nocaso da obra das bruxas, não

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obstante ser, em algumascircunstâncias, um pecado bemmaior. Pois em certascircunstâncias os pecados dasbruxas são maiores que o doprimeiro anjo e o dos nossosprimeiros ancestrais, como severá na Parte II.

Claro está que a ProvidênciaDivina permitiu ao primeirohomem ser tentado a pecar –pelo que se disse a respeito datransgressão dos anjos. Tanto oshomens quanto os anjos foram

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criados com o mesmo fim edotados do livre-arbítrio paraque, por mérito, pudessemreceber a recompensa da bem-aventurança. Logo, assim comoos anjos não foram preservadosda queda – para que o poder dopecado, de um lado, e o poder daconfirmação da graça, de outro,pudessem operar juntos para aglória do universo –, há deconsiderar-se da mesma formano caso dos homens.

Pelo que Santo Tomás (II, 23,

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art. 2) diz: “Não se há de obstar oque vem do interior paraglorificar a Deus. Deus, noentanto, é glorificado no pecado,quando perdoa na misericórdia equando pune na justiça;portanto, não lhe cabe opor-se aopecado.” Retornemos, então, ànossa proposição, qual seja, a deque pela Providência Divina épermitido ao homem o pecadopor várias razões. Primeiro: opoder de Deus pode serdemonstrado: só Ele é imutável,

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quando todas as demais criaturasnão o são. Segundo: a sabedoriade Deus pode ser constatada: Eleé capaz de tirar do mal, bem – oque não o aconteceria se Deusnão tivesse permitido o pecadodo homem. Terceiro: amisericórdia de Deus pode semanifestar: Cristo, pela Suamorte, libertou os homens que seperderam. Quarto: a justiçadivina pode ser mostrada: Deusnão só recompensa o justo comopune o perverso. Quinto: a

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condição do homem não há deser pior que a de outras criaturas:Deus a todos governa e permiteque ajam segundo sua próprianatureza, pelo que cabe a Eledeixar o homem entregue a seupróprio juízo. Sexto: para a glóriados justos, que poderiamtransgredir as leis mas não ofazem. E sétimo: para oaperfeiçoamento do universo;pois assim como há no pecadoum tríplice mal – o da culpa, odo sofrimento e o da perda –,

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assim é o universo aperfeiçoadopelo correspondente bem tríplice– o da honestidade, o do prazer eo da utilidade. A honestidade éaperfeiçoada pela culpa, o prazer,pelo sofrimento, e toda autilidade, pela perda. E fica assimperfeitamente esclarecida aresposta aos argumentosapresentados.

Soluções dos argumentos.

Segundo o primeiro argumento,

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é heresia sustentar que oDemônio tem o poder de injuriaros homens. Mas verdadeiraparece ser a proposição contrária;pois que é heresia afirmar queDeus não permite ao homem,pelo seu livre-arbítrio, pecarquando quiser. E Deus permite opecado, por causa de Seu poderde injuriar os homens na puniçãodos perversos para oaperfeiçoamento do universo.Pois é dito por Santo Agostinho,no Livro dos solilóquios: “Vós,

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Senhor, decretastes que avergonha da culpa nunca há devir sem a glória do castigo.”

O argumento do sábiolegislador, que afasta de seussubordinados, na medida dopossível, todos os defeitos e todoo mal, não é prova válida. Poisque Deus, no Seu cuidadouniversal, difere em muito doshomens nos seus cuidadosparticulares. Porque Deus, noSeu cuidado, é universal, é capazde extrair do mal, bem, conforme

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já demonstramos.O segundo argumento deixa

claro: o poder de Deus, bemcomo sua bondade e justiça,manifesta-se pela Sua permissãodo pecado. Quando, portanto, sediz ser Deus capaz de prevenir omal, cumpre considerar: pelasrazões já apresentadas, não Lhecabe assim proceder.

Nem válido é objetar que,assim sendo, Deus estádesejando o mal, por ser capazde preveni-lo mas não o fazer;

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pois, conforme já se demonstrou,Deus não é capaz de desejar omal. Não o deseja, nem ocontrário – apenas permite queocorra para o aperfeiçoamentodo universo.

No terceiro argumento, sãocitados Santo Agostinho eAristóteles. Dizem eles que omelhor é o homem abster-se deconhecer o mal e as vilanias pordois motivos: primeiro, porqueterá menos oportunidade depensar no mal, já que não é

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capaz de entender muitas coisasao mesmo tempo. Segundo,porque o conhecimento do mal,por vezes, perverte a vontadepara a prática do mal. Mas taisargumentos não dizem respeito aDeus, que entende todos os atosdos homens e das bruxas.

No quarto argumento se fezmenção a São Paulo, que excluios bois dos cuidados de Deus,para mostrar que, graças ao livre-arbítrio, as criaturas racionaistêm o comando dos seus atos,

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conforme já se disse. Portanto,Deus tem um cuidado especialcom os homens – a quem sepode imputar a culpa ou o méritoe a quem se pode punir oucompensar –, mas não pelas feras– não cuida delas dessa mesmamaneira.

Mas argumentar com isso,que as criaturas irracionais nãoparticipam da ProvidênciaDivina, é heresia; seria o mesmoque dizer não estarem todas ascoisas subordinadas a ela – ou

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seja, seria contrário ao louvor àsabedoria divina de que se falanas Sagradas Escrituras –, que seestende de uma extremidade aoutra e dispõe de todas as coisassem distinção; e seria o erro dorabino Moisés, conformedemonstrado nos argumentospara a verdade.

Segundo o quintoargumento, o homem nãoinstituiu a natureza, massubmeteu as obras da naturezaao melhor de sua habilidade e à

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maior das suas forças. Portanto, aProvidência Divina não seestende aos fenômenos naturaisinevitáveis – como o do nascerdo sol toda manhã. Mas aProvidência Divina não seestende a tais fenômenos porqueEle é o criador da natureza. Peloque também os defeitos nanatureza, mesmo quando surgemda evolução natural doselementos, estão subordinados àProvidência Divina. Portanto,erraram Demócrito e outros

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filósofos ao atribuírem ao acasotudo o que sucedia às criaturasinferiores.

Conforme o últimoargumento, embora contra opecado Deus imponha o castigoaos homens, nem sempre osmaiores pecadores são afligidospela bruxaria. E isso porque oDemônio talvez não queira afligire tentar os que já lhe pertencem,ou talvez não queira que elestornem a voltar-se para Deus.Está escrito: “Seus flagelos se

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multiplicaram e eles voltaram-separa Deus” etc. E que todapunição é infligida por Deuscontra o pecado é demonstradopor São Jerônimo: “Qualquer queseja o nosso sofrimento, omerecemos por nossos pecados.”

Cumpre declarar que ospecados das bruxas são maisgraves que os pecados dos anjosmaus e dos nossos primeirosancestrais. Por conseguinte,assim como os inocentes sãopunidos pelos pecados de seus

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pais, muitas são as pessoasamaldiçoadas e enfeitiçadas pelospecados das bruxas.

QUESTÃO XIV

A monstruosidade doscrimes de bruxaria, ondese mostra a necessidade detrazer a lume a verdadesobre toda a matéria.

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Indaga-se se os crimes de

bruxaria superam, em culpa,sofrimento e perda, todos osmales por Deus permitidos,desde o princípio da criação atéagora. Parece que não,mormente no que diz respeito àculpa. Porque o pecado que umhomem comete, quando podiafacilmente evitá-lo, é maior doque o pecado que um homemcomete quando não o podiaevitar. Isso é demonstrado por

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Santo Agostinho, em De CiuitateDei: “Há grande perversidade empecar quando fácil é não pecar.”Adão, porém, e outros quepecaram em estado de perfeiçãoou de graça podiam tê-lo evitadomais facilmente pelo auxílio dagraça – sobretudo Adão, que foicriado em estado de graça – doque muitas bruxas que nãopartilharam desse dom. Portanto,o pecado original é maior do quetodos os crimes de bruxaria.

E, uma vez mais, cabe

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declarar: o maior castigo cabe aquem tem a maior culpa. E opecado de Adão foi o maisseveramente punido: a sua culpae a sua punição se transmitiram atoda a sua posteridade pelaherança do pecado original.Portanto, seu pecado foi maiorque todos os outros.

Não só isso: defende-se aperda com argumento análogo.Pois segundo Santo Agostinho“O mal é o que está afastado dobem; portanto, quanto maior a

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perda do bem, maior o malrealizado antes”. O pecado, noentanto, de nosso primeiroancestral foi o que maior perdacausou, em termos de natureza ede graça, já que nos privou dainocência e da imortalidade; enenhum outro pecado jáacarretou tamanha perda,portanto etc.

Por outro lado, maior o malquanto maior em número as suascausas – como no caso dospecados das bruxas. Elas são

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capazes, com a permissão deDeus, de infligir todas as espéciesde males aos bons por natureza epor forma, conforme foideclarado na Bula Papal.Ademais, Adão só pecou num dedois sentidos possíveis: pecouporque lhe era proibido, mas nãoporque seu ato continha o erroem si mesmo. As bruxas, porém,e outros pecadores pecam nosdois sentidos – porque é crime oque fazem e porque é proibido:os assassinatos, por exemplo, e

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outros atos proibidos. Portanto,seus pecados são maiores.

A par disso, o pecadocometido por malícia,voluntariamente, é maior que opecado cometido por ignorância.Mas as bruxas, pela sua enormemalícia, desprezam a fé e osSacramentos da fé, conformemuitas delas já confessaram.

Resposta. Os males perpetradospelas bruxas modernas excedemtodos os pecados já permitidos

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por Deus, conforme estáimplícito no título desta questão.Pode-se demonstrar essaassertiva de três modos, namedida em que são pecados queenvolvem perversidade decaráter, não obstante sejadiferente com os pecados que secontrapõem às outras virtudesteológicas. Primeiro, de ummodo geral, comparando as suasobras indiferentemente comoutros crimes mundanos.Segundo, de modo particular,

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considerando as espécies desuperstição a que são dadas e opacto que firmam com oDemônio. E, terceiro,comparando os seus pecados comos dos anjos do mal e mesmocom os dos nossos primeirosancestrais.

Pois que o pecado é tríplice:envolve a culpa, o castigo e aperda. O bem, de forma análoga,tríplice é também: envolve ahonestidade, o prazer e o uso. Ea honestidade corresponde à

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culpa, a felicidade, ou prazer, aocastigo, e o uso, à perda.

Que a culpabilidade dasbruxas ultrapassa a de todos osoutros pecadores é assimdemonstrado. Segundo oensinamento de Santo Tomás (II,22, art. 2), há no pecado muitoselementos que permitem indicar-lhe a maior ou menor gravidade;e o mesmo pecado pode ser demaior gravidade num pecador ede menor gravidade em outro.Podemos, por exemplo, dizer que

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ao praticar a fornicação o jovem épecador, mas o velho é insano.Entretanto, os pecados maisgraves são os que não só seacompanham das circunstânciasmais extensas e mais poderosascomo também os que por suanatureza e quantidade são deuma espécie essencialmente maisséria.

E assim podemos dizer que opecado de Adão tenha sido, emcertos aspectos, mais grave quetodos os outros pecados, porque

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cedeu à instigação de umatentação menor, já que nasceudentro de si; e também porqueele podia mais facilmente terresistido, dada a justiça originalem que fora criado: não obstante,na forma e na quantidade, ospecados das bruxas ultrapassamtodos os demais – porque, emmuitos aspectos, os pecados são acausa de outros, ainda maisgraves. E isso será esclarecido deduas maneiras.

Diz-se que um pecado é

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maior que outro em um dosseguintes modos: na suacausalidade, como foi o caso dopecado de Lúcifer; na suageneralidade, como foi o caso dode Adão; na sua hediondez,como no caso do de Judas; nadificuldade de perdoá-lo, como éo pecado contra o Espírito Santo;na sua periculosidade, como nocaso da ignorância; na suainseparabilidade, como no casoda cobiça; na sua inclinação,como no caso do pecado da

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carne; na ofensa à MajestadeDivina, como no caso do pecadoda idolatria e da infidelidade; nadificuldade de combatê-lo, comono caso do pecado do orgulho;na cegueira do intelecto, comono caso do pecado do ódio.Consequentemente, depois dopecado de Lúcifer, as obras dasbruxas excedem todos os outrospecados, em hediondez, já quenegam o Cristo crucificado; nainclinação, já que cometem aobscenidade da carne com

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Demônios; na cegueira dointelecto, já que no mais puroespírito de malignidadefomentam o ódio e causam todasorte de injúrias às almas e aoscorpos dos homens e dosanimais, conforme sedemonstrou.

E tal é, com efeito,denunciado, segundo SantoIsidoro, pelo vocábulo bruxas noseu étimo latino maleficae, queindica a atrocidade de seuscrimes, conforme já frisado.

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Nossa alegação também édeduzida do seguinte. São duasas gradações do pecado: a doafastamento de Deus e a damudança do estado anímico. Vero que diz Santo Agostinho:“Pecar é rejeitar o bemincomutável e apegar-se às coisasmundanas perecíveis.” E oafastar-se de Deus é, por assimdizer, formal, como o cambiaranímico é como que material.Portanto, quanto mais umhomem de Deus se afasta, por

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causa do pecado, mais grave opecado é. E como a infidelidadeé a principal causa doafastamento de Deus, ainfidelidade avulta como o maisgrave dos pecados. E a talinfidelidade se dá a designaçãode heresia, que é a apostasia dafé: e, nesse sentido, as bruxaspecam por toda a sua vida.

Porque o pecado dainfidelidade consiste em opor-seà fé: o que acontece de duasmaneiras: por oposição à fé que

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ainda não se adquiriu, ou poroposição à fé que já se recebeu.Da primeira espécie temos ainfidelidade dos pagãos e dosgentios. Da segunda espécietemos a dos cristãos, que negama Fé Cristã de duas formas: ounegando as profecias a seurespeito, ou negando averdadeira manifestação daverdade. E na primeira formatemos a infidelidade dos judeus;na segunda, a infidelidade doshereges.

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Claro está, pelo que se disse,que a heresia das bruxas é o maisabominável dos três graus deinfidelidade; o que se prova pelarazão e pela autoridade.Porquanto está escrito (II SãoPedro, 2): “Melhor fora nãoterem conhecido o caminho dajustiça do que, depois de o teremconhecido, tornar atrás,abandonando a lei santa que lhesfoi ensinada.” É razoável suporque, assim como aquele que nãocumpre o que prometeu comete

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maior pecado do que aquele quenão realiza o que nuncaprometeu, de forma análoga ainfidelidade dos hereges – que aomesmo tempo em que professama fé no Evangelho lutam contraele, corrompendo-o – é maiorpecado do que a dos judeus e ados pagãos.

E, uma vez mais, maior é opecado dos judeus que o dospagãos, porque sabiam daprofecia do advento de Cristopelo Antigo Testamento, o qual

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corromperam – interpretando-oequivocadamente –, caso em quenão se acham os pagãos.Portanto, a sua infidelidade émaior pecado que o cometidopelos gentios, que nuncareceberam a fé do Evangelho. E arespeito da apostasia diz SantoTomás na Secunda Secundae, 12ºquestão: “Apostasia significa oafastamento de Deus e dareligião. O que se dá dediferentes modos, segundo osdiferentes tipos de união entre o

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homem e Deus. Ora, o homemse une a Deus pela fé, ora pelasubmissão às Suas leis e à Suavontade, ora ainda pela religião epelas ordens religiosas.” SãoRaimundo e Hostiense dizemque a apostasia é um afastamentotemerário da fé, da obediênciaou da religião. Ora, se o queprecede é removido, o que sesegue também o é; mas aproposição inversa não éverdadeira. Logo, a apostasia dafé é maior pecado que as outras

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duas formas de infidelidade,porque, no seu caso, a religiãoprecedente foi removida.

Segundo São Raimundo,porém, não se há de julgar umhomem apóstata ou desertor, nãoimporta quão desgarrado, amenos que demonstre, pela suavida subsequente, que nãoconsiderou a possibilidade de àfé retornar. Demonstra-se issopelo caso do clérigo que resolvecasar, ou cometer crimesemelhante. Da mesma forma, é

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uma apostasia de desobediênciaquando um homemintencionalmente rejeita oensinamento da Igreja e dosbispos. Homem dessa laia deveser condenado pela sua infâmia eexcomungado.

Quando, porém, falamos daapostasia das bruxas, referimo-nos à apostasia da perfídia; o queé muito mais hediondo porqueemerge de pacto firmado com oinimigo da fé e do caminho dasalvação. Pois que as bruxas são

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instadas a firmarem esse pacto –pelo inimigo é requerido, emparte ou no todo. Nós,Inquisidores, temos encontradobruxas que negam todos osartigos da fé e outras que sónegam um certo número deles;mas são todas obrigadas a negara confissão verdadeira esacramental. E assim, mesmo aapostasia de Juliano não pareceter sido tão importante, emboraem outros aspectos tenhacausado muitos males à Igreja;

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não falaremos porém aqui a esserespeito.

Poder-se-ia objetar,incidentalmente, ser possível aeles preservarem a fé em seuscorações, já que lá só Deus, enem mesmo um anjo, é capaz dever; apenas obedecendo ereverenciando ao Demôniosuperficialmente. No entanto,parece existir dois graus deapostasia ou de perfídia. Umconsiste nos atos externos deinfidelidade, sem que se firme

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qualquer pacto com o Demônio,quando, por exemplo, se vive emterra pagã e quando se conformaa vida à dos povos muçulmanos.O outro consiste no pactofirmado com o Demônio,quando se vive em terras cristãs.No primeiro caso, os homens quepreservam a fé em seus corações,mas a negam em seus atos,apesar de não serem apóstatas ouhereges, são culpados de pecadomortal. Foi desse modo queSalomão fez reverência aos

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deuses de suas esposas. E não hácomo desculpar os que assimprocedem por medo, pois nos dizSanto Agostinho: “É melhormorrer de fome do que seralimentado por idólatras.” Noentanto, é possível que muitasbruxas ainda conservem a fé emseus corações, embora a neguemcom os lábios. Apesar disso,ainda serão consideradasapóstatas por terem feito umtratado com a morte e um pactocom o Inferno. Pelo que Santo

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Tomás (II, 4), falando das obrasde bruxaria, e dos que recorremde um modo ou de outro aoauxílio do Demônio, declara:“São todos apóstatas da fé, pelopacto que firmaram com oDiabo, seja por palavras –quando empregam algumainvocação –, seja por atos –mesmo quando não lhe oferecemqualquer sacrifício.” Pois que nãohá homem que possa servir adois mestres.

De forma análoga escreve

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Santo Alberto Magno, ao indagarse o pecado dos magos e dosastrólogos é uma apostasia da fé.E responde: “Nestes há sempre aapostasia, ou pelas palavras oupelos atos. Pois se são feitasinvocações, se está pactuandocom o Demônio, o que émanifesta apostasia. Mas se a suamágica é simplesmente praticadapor atos, nos atos é que reside aapostasia. E como em todos eleshá o abuso da fé, por recorreremao Diabo quando deviam

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recorrer a Deus, serão sempretidos como apóstatas.” Vê-seassim que, claramente, os autoresestabelecem dois graus deapostasia, aos quais se aditaainda um terceiro, a apostasiapor pensamento. E mesmo à faltadesse último, as bruxas sãosempre consideradas apóstatas,pelas suas palavras e pelos seusatos. Portanto, conforme serádemonstrado, precisam sersubmetidas às penas impostas aoshereges e apóstatas.

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E nelas há ainda um terceirocrime monstruoso, que excedetodas as outras heresias. PoisSanto Agostinho (XXVIII, 1 e 2)diz-nos que a vida inteira dosinfiéis é um pecado; e nocomentário sobre Romanos, 14afirma que tudo que não provémda fé, é pecado. O que dizerentão de toda a vida das bruxas,de todos os seus atos que nãotêm por fim agradar ao Demônio– o de jejuar, de ir à igreja, decomungar? Pois em todos esses

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atos estão cometendo pecadomortal, como explicaremos aseguir. Foram tão longe com oseu pecado, por causa de suahomenagem prestada aoDemônio, que todas as suasobras, mesmo as que parecemboas, são de caráteressencialmente maligno, a nãoser que sejam absolvidas. Poisque não perderam de todo opoder da reparação – já que opecado não lhes corrompe toda abondade do ser: nelas ainda

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permanece uma luz natural. Comos demais infiéis não parece seresse o caso.

Pois, segundo Santo Tomás,na Secunda Secundae, questão10, mesmo os bons atos dosinfiéis – jejuar, dar esmolas etc. –não têm qualquer mérito emvirtude de sua infidelidade, queé pecado gravíssimo. No entanto,o pecado não corrompe todo obem existente em seu ser: nele seacha preservada ainda uma luznatural. Portanto, nem todos os

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seus atos constituem pecadomortal: só os que procedem desua infidelidade, ou que a ela serelacionam. Quando, porexemplo, um sarraceno observa alei de Maomé quanto ao jejum eum judeu observa os seus dias deguarda, estão, ambos, cometendopecado mortal. E nesse sentido éque se deve entender o quecitamos de Santo Agostinho, ouseja, que os infiéis toda sua vidacometem pecado.

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Que de todos oscriminosos do mundosão as bruxas os quemerecem a maissevera punição.

Os crimes das bruxas, então,superam os pecados de todas asoutras pessoas; e vamos declararque punição merecem, sejamcomo hereges, sejam comoapóstatas. Os hereges, segundoSão Raimundo, são punidos devárias maneiras – pela

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excomunhão, pela deposição,pelo confisco de seus bens e pelamorte. O leitor pode informar-seplenamente a respeito dessaspenas consultando a leirelacionada à sentença deexcomunhão. Com efeito,mesmo os seus seguidores, osseus protetores, seus patrões edefensores incorrem em gravecrime passível da mais rigorosapunição. Pois, além da pena deexcomunhão do herege, há quese afastar da Igreja os seus

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benfeitores, os seus protetores edefensores, e os seus filhos, até asegunda geração, por parte depai, e a primeira, por parte demãe. E se um herege tem filhoscatólicos, pela hediondez de seucrime, serão eles privados daherança paterna. E se umhomem é condenado e se recusaa se converter e a abjurar a suaheresia, deve ser imediatamentequeimado, se for leigo. Pois se osque falsificam dinheiro devemser sumariamente condenados à

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morte, o que dizer dos quefalsificam a fé? Mas se o herege éum clérigo, depois de destituídoformalmente de seu cargo ouposto eclesiástico, é enviado àcorte secular para receber a penade morte. Mas se retornar à fé,será apenas condenado à prisãoperpétua. Na prática, porém, sãotratados com maiscondescendência após aretratação do que seriamsegundo o rigor do julgamentodos bispos e da Inquisição,

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conforme se vai mostrar na ParteIII, onde se trata dos váriosmétodos para sentenciá-los;referimo-nos aos que forampresos, condenados e que seretrataram de seu crime.

Mas punir as bruxas dessaforma não parece suficiente,porque não são simples hereges,e sim apóstatas. Mais do que isso:na sua apostasia, elas negam a fépor qualquer prazer da carne epor qualquer receio dos homens;mas, independentemente de sua

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abnegação, chegam ahomenagear os Demôniosoferecendo-lhes o seu corpo e asua alma. Fica claro portantoque, não importa o quanto sejampenitentes e que retornem aocaminho da fé, não se lhes podepunir como aos outros hereges,com a prisão perpétua: é precisoque sofram a penalidadeextrema. E por causa das injúriastemporais que causam aoshomens e aos animais, de váriasmaneiras, é que a lei lhes impõe

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tal pena. Sobre os adivinhos rezaa lei: “É igualmente passível deculpa o que aprende e o queensina tais iniquidades.” Eenfaticamente é afirmado que asbruxas têm como penalidade oconfisco de seus bens e adecapitação. As leis também sãoclaras a respeito dos que, porbruxaria, induzem uma mulher apraticar atos lascivos ou, aocontrário, a coabitarem comferas. Esses problemas, noentanto, foram tratados na

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Questão I.

QUESTÃO XV

Por causa dos pecados dasbruxas, os inocentes são,muitas vezes, enfeitiçados.

E um fato que, pela permissão

Divina, muitas pessoas inocentessofrem da perda da graça e sãopunidas com os flagelos

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mencionados, não por seuspróprios pecados, mas pelos dasbruxas. E para que tal não seafigure como um paradoxo,cumpre atentar ao que diz SantoTomás na Secunda Secundae,oitava questão – ao declarar quetal é justo em Deus. E divide oscastigos dessa vida em trêscategorias.

Em primeiro lugar, o homemao homem pertence; portanto, seum homem é punido em suasposses, pode ser que outro

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homem venha a sofrer da mesmapunição. Pois que, em termosmateriais, os filhos sãopropriedade do pai e os escravose os animais são propriedade deseus amos; e assim os filhos sãomuitas vezes punidos pelos seuspais. Assim sendo, vemos que ofilho de Davi, nascido poradultério, rapidamente morreu; eos animais dos amalequitasforam punidos com a morte. Noentanto, a razão dessesfenômenos continua a ser um

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mistério.Em segundo lugar, o pecado

de uma pessoa pode sertransmitido a outra de duasmaneiras. Por imitação, quandoas crianças imitam os pecados deseus pais e os escravos esubordinados, os de seus patrões.Nesse sentido, os filhos herdamos ganhos ilícitos e os escravospartilham dos furtos e dos feudosilegais, onde, muitas vezes, sãomortos. E os subordinados aosgovernantes pecam ainda mais

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impudentemente quando osveem pecar, mesmo que nãocometam os mesmos pecados;pelo que hão de ser justamentecastigados.

Os pecados são tambémtransmitidos de uma pessoa aoutra por merecimento. Comoexemplo temos os do povosubordinado a um maugovernante: merece o maugovernante pelos pecadoscometidos. Ver Jó: “Ele faz oshipócritas reinarem por causa dos

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pecados do povo.”O pecado, e

consequentemente a punição,pode também ser transmitido poralguma espécie de consentimentoou dissimulação. Quando asautoridades negligenciam nareprovação do pecado, não raroos bons são punidos junto com osperversos, conforme diz SantoAgostinho no primeiro livro daDe Ciuitate Dei. Chegou ao nossoconhecimento, comoInquisidores, um exemplo

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interessante. Algum tempo atrás,uma cidade vinha sendo quaseque totalmente despovoada pelamorte de seus cidadãos; e corriaum rumor entre os moradores:uma certa mulher, que foraqueimada, vinha comendogradualmente o manto com oqual fora queimada, e a pestenão cessaria enquanto ela nãocomesse todo o manto e oabsorvesse em seu estômago.Reuniu-se um conselho. Opotestade e o governador da

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cidade decidiram abrir o túmulo.E verificaram que a bruxa mortaengolia o manto, o qual,passando pela boca e pelagarganta, descia até o estômago,onde era absorvido. Diante doquadro pavoroso, o potestadesacou de sua espada e decapitouo cadáver, retirando a cabeça dotúmulo. Pois que de imediato apeste foi debelada. Os malesprovocados por aquela mulher,por permissão divina, haviam seabatido sobre os inocentes do

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lugar em virtude da dissimulaçãodo que antes se sucedia. Pois porocasião da Inquisição descobriu-se que há muito tempo a mulherjá vinha praticando bruxaria.Exemplo semelhante é o doflagelo que se abateu sobre opovo de Israel por causa dorecenseamento feito por Davi.

Em terceiro lugar, o pecado écomunicado pela permissãodivina para a condenação daunidade da sociedade humana, afim de que o homem cuide de

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seu próximo para que esse seabstenha do pecado; e também afim de que o pecado pareçaainda mais detestável, pois que opecado de um redunda sobretodos, como se todos fossem umsó corpo. Como exemplolembramos o pecado de Acã,Josué, 7.

Podemos a esses aditar maisdois outros métodos: os perversossão, às vezes, punidos peloshomens bons, noutras, poroutros homens perversos. Pois,

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como diz Graciano (23, 5), porvezes Deus pune os perversospelas mãos dos que exercem opoder legítimo sob Seu comando;e esse exercício se dá de duasmaneiras: ora pelo mérito porparte dos que punem – aexemplo do castigo pelos pecadosdo povo de Caná –, ora sem essemérito, mas para sua própriapunição – a exemplo do castigoda tribo de Benjamin, da qualsobraram apenas alguns homens.E outras vezes Ele pune através

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do levante das Suas nações, porSua ordem ou permissão, masque o fazem não com a intençãode obedecer-lhes e sim com a deatender às suas própriasambições e, portanto, para suaprópria danação; como hoje Elecastiga o Seu povo pelas mãosdos turcos, e como o fez tantasvezes pelas mãos de naçõesestranhas no Antigo Testamento.

É preciso, porém, observarque qualquer que seja a causa docastigo de um homem, se ele não

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suportar pacientemente as suasdores, o castigo será tão só devingança e não mais de correção.Ver Deuteronômio, 32: “Sim,acendeu-se o fogo da minhacólera” [ou seja, da minhapunição, porque em Deus não háoutro tipo de cólera], “que ardeaté o mais profundo da habitaçãodos mortos” [ou seja, a vingançahá de iniciar aqui e de arder até aúltima das danações, conformeexplica Santo Agostinho]. Masquando o homem pacientemente

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suporta o seu castigo, esteadquire o caráter da correção,conforme diz Santo Tomás emseu quarto livro. E essa é averdade, mesmo quando ocastigo é infligido por causa debruxaria, em maior ou em menorgrau segundo a devoção dosofredor e a natureza de seucrime.

Mas a morte natural docorpo, sendo o último dosterrores, não é de naturezacorretiva, já que, dada a sua

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natureza, participa do castigopelo pecado original. Entretanto,no dizer de Escoto, quando amorte é aguardada comresignação e devoção, e oferecidana sua amargura a Deus, podeadquirir, de algum modo, umcaráter corretivo. A morteviolenta, porém, de quem amerece ou não, é semprecorretiva, quando suportada compaciência e na graça. Tanto maispara os castigos infligidos porcausa dos pecados dos outros.

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Deus, no entanto, tambémcastiga os homens durante a vidapor seus próprios pecados,mormente no caso da bruxaria.Ver Tobias, 7: “O Demônio tempoder sobre os que se entregam àsua paixão como o cavalo e oburro.” O que está claro pelo quejá mencionamos a respeito domembro viril e das forçasgenitais, que Deus permite quesejam os mais passíveis de seremenfeitiçados.

No entanto, para o propósito

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da pregação em público, há quese notar: apesar dos castigoscitados que Deus aos homensinflige, pelos seus própriospecados e pelos de outros, opregador deve seguir na suapregação, como princípiofundamental, o seguinte:“Ninguém há de ser punido semter culpa, salvo haja algumaoutra causa para assim proceder.”Esse princípio tem validade nacorte celestial, ou seja, na cortedo Senhor Deus, assim como nas

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cortes da justiça humana, sejamseculares, sejam eclesiásticas.

O pregador pode basear esseprincípio no análogo da cortecelestial. Pois que o castigodivino é de dois tipos: espiritual etemporal. No primeiro, nunca hápunição sem culpa notória. Nosegundo, por vezes a punição sefaz sem que haja culpa, masnunca sem que haja uma causa.O castigo primeiro, o espiritual, éde três tipos: no primeiro tipotem-se a privação da graça e a

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obstinação no pecado, que nuncaé infligido exceto pela culpa dopróprio sofredor; no segundo,tem-se a privação da glória, queem adultos nunca é infligida sema culpa pessoal ou sem a culpacontraída pelas crianças emvirtude do pecado de seus pais;no terceiro, tem-se o castigo dador, ou seja, a tortura do fogo doInferno, infligida claramente pelaculpa sentida. Pelo que, quandose diz no Êxodo, 20: “Eu sou oSenhor, teu Deus, um Deus

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zeloso que vingo a iniquidadedos pais nos filhos, nos netos enos bisnetos daqueles que meodeiam”, subentende-se nosfilhos, nos netos e nos bisnetos aimitação dos crimes de seus pais,conforme explica Graciano noprimeiro livro, quarta questão; eonde também aduz outrasexplicações.

Já o segundo tipo de castigodivino, o temporal, ora é infligidopelo pecado de outrem, ora semque tenha havido qualquer

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pecado, pessoal ou de outrapessoa, mas pela existência deuma outra causa, ora, ainda, pelaexistência de culpa pessoal, sem aparticipação do pecado de outrapessoa. Mas se o leitor quisersaber das causas por que Deuscastiga, mesmo sem que hajaculpa no sofredor ou emqualquer outro homem, convémconsultar o mestre no quartolivro, 15º dist. , segundo cap.,onde se acham expostas todaselas, cinco no total, embora só se

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devam considerar as trêsprimeiras, pois que as duasúltimas se referem à culpapessoal.

Entende-se, então, que sãopor cinco causas que Deus castigaos homens durante a sua vida. Aprimeira é para a glória de Deus;percebe-se que é para Sua glóriaquando o castigo infligido émiraculosamente removido,como no caso do cego denascença (João, 9) ou no daressurreição de Lázaro (João, 11).

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A segunda, não existindo aprimeira, é para que se adquira omérito pelo exercício dapaciência e também para que avirtude oculta se manifeste aosoutros. Exemplos temos em Jó, 1,e em Tobias, 2.

A terceira é para que avirtude possa ser preservadamediante a humilhação pelocastigo. São Paulo nos dá umexemplo em II Coríntios, 12:“Foi-me dado um espinho nacarne, um anjo de Satanás, para

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me esbofetear e me livrar doperigo da vaidade.” E segundoRemígio esse espinho era aenfermidade do desejo carnal.Eis aí as três causas quejustificam o castigo sem que hajaculpa.

A quarta é para que adanação eterna já comece nestavida: para que se dê uma mostrado que se há de sofrer noInferno. Exemplos são o deHerodes (Atos, 12) e o deAntíoco (II Macabeus, 9).

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A quinta é para que ohomem possa ser purificado, pelaexpulsão e neutralização da suaculpa por meio do castigo. Temoscomo exemplo o caso de Míriam,irmã de Aarão, que foi acometidade lepra, e o caso dos israelitas,vagando pelo deserto, de acordocom São Jerônimo, XXIII, 4. Outalvez seja para a correção dopecado, conforme exemplifica ocaso de Davi, que, depois deperdoado por seu adultério, foidestronado de seu reino, como se

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relata em II Reis, e é comentadopor São Gregório no seu discursosobre o pecado. Com efeito, épossível dizer que todo castigoque sofremos decorre de nossospecados, ou pelo menos dopecado original em que nascemose que, em si mesmo, é a causa detodas as causas.

Mas quanto ao castigo daprivação da glória – e que serefere à danação eterna futura –não há qualquer dúvida: todos oscondenados hão de ser

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torturados com as dores maisexcruciantes. Pois assim como agraça se segue da visão benditado Reino dos Céus, o pecadomortal se segue do castigo noInferno. E assim como os grausde bem-aventurança nos Céussão medidos pelos graus decaridade e de graça alcançadosdurante a vida, o castigo doInferno há de ser proporcionalaos crimes aqui cometidos. VerDeuteronômio, 25: “E o faráaçoitar com um número de

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golpes proporcionais ao seudelito.” E o mesmo há de dizer-se dos demais pecados,mormente os das bruxas. VerHebreus, 10: “Quanto piorcastigo julgais que merece quemcalcar aos pés o Filho de Deus,profanar o sangue da aliança, emque foi santificado, e ultrajar oEspírito Santo, autor da graça?”

Pois que dessa natureza sãoos pecados das bruxas, quenegam a fé, e que operaminúmeros malefícios através do

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Santíssimo Sacramento, como háde ser mostrado na Parte II.

QUESTÃO XVI

Eis as verdadesestabelecidas pelacomparação das obras dasbruxas com as outrassuperstições maléficas.

Provamos agora a atrocidade

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dos crimes das bruxascomparando-os com as obrasmaléficas dos magos e dosadivinhos.

Pois que existem 14 espéciesde magia que emanam dos trêstipos de adivinhação. Noprimeiro tipo de adivinhação estáa invocação explícita dosDemônios. No segundo não sefaz mais que uma consideração,em silêncio, da disposição e domovimento de certos elementos– dos astros, dos dias, das horas,

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entre outros. No terceiro temos aconsideração de algum atohumano cuja finalidade édescobrir o que está oculto e aque se dá o nome de sortilégio.

No primeiro tipo de práticadivinatória, onde se invocaabertamente o Demônio,encontram-se: a magiaprestidigitatória, a oniromancia, anecromancia, a consulta oracular,a geomancia, a hidromancia, aaeromancia, a piromancia e aaruspicação (ver Santo Tomás,

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Secunda Secundae, 95º, 26º equinta quest.). No segundo tipoestão: a astromancia, ahoroscopia e a astrologia, aornitomancia, a onomatomancia,a quiromancia e aespatulamancia.

No terceiro tipo acham-se asartes englobadas pela designaçãode sortilégio, onde se tenta arevelação e a descoberta do queestá oculto, pela consideração deobjetos para a adivinhação dofuturo e pela consideração de

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desenhos feitos em chumboderretido. Santo Tomás nos faladessas artes divinatórias napassagem já citada.

Os pecados das bruxas vãoalém dos pecados daqueles quepraticam todos esses crimes, oque havemos de provar.

Consideremos primeiro oscasos de simples magiaprestidigitatória ou meroencantamento. Através dessa arteos sentidos humanos são iludidospor certas aparições: os

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elementos materiais mostram-sediferentes à visão e ao tato doque de fato o são – de formaanáloga à que aludimos quandotratamos dos métodos para iludiros seres humanos. As bruxas,pelo geral, não se satisfazem emfazer desaparecer, porprestidigitação, o membro viril(embora não se dê o seudesaparecimento na realidade);não raro removem inclusive aforça procriadora, de sorte a nãopermitirem que a mulher

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conceba e que o homem nãoconsiga consumar o ato carnal,mesmo quando ainda conserva oórgão copulatório. E, semqualquer fenômeno ilusório, sãotambém capazes de causar oaborto após a concepção, quemuitas vezes se acompanha demuitos outros males. Chegammesmo a aparecer aos homenssob a forma de várias feras,conforme já se mostrou.

A necromancia consiste nainvocação e no diálogo com os

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mortos, como indica a etimologiado vocábulo: deriva da palavragrega nekros, cadáver, e manteia,que significa adivinhação. E apraticam operando algummalefício sobre o sangue de umhomem ou de um animal,sabendo que o Diabo se deleitacom esse pecado, pois adora osangue e o derramamento desangue. Pelo que, emborajulguem conseguir chamar osmortos do Inferno pararesponder às suas perguntas,

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estão na realidade consultandoDemônios, que tomam a formados mortos chamados e lhesrespondem. Dessa natureza era aarte da grande pitonisa,mencionada em I de Reis, 28,que evocou Samuel a pedido deSaul.

Mas não se venha pensar quetais práticas sejam lícitas, porqueas Escrituras falam da alma dojusto profeta, invocado do Hadespara dizer a Saul o que fazer emvista do ataque dos filisteus, pela

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mulher que era, na realidade,uma bruxa. Pois que, diz SantoAgostinho a Simpliciano: “Não éabsurdo crer tenha sidopermitido, por algum ato daProvidência, e não pela força dequalquer arte mágica, mas simpor algum ato da Providênciadesconhecido à pitonisa ou aSaul, que ao espírito daquelehomem justo aparecer perante orei para transmitir-lhe a sentençadivina.” Ou então não foiinvocado de fato o espírito de

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Samuel do seu repouso, mas simalgum outro espectro ilusório ediabólico causado pelasmaquinações do Diabo; e aEscritura fala então daqueleespectro como se fosse de fatoSamuel, assim como as imagensdas coisas são chamadas pelosnomes das coisas querepresentam. Santo Agostinhodiz essas palavras ao responder sea adivinhação pela invocação deDemônios é ato lícito. Na mesmaSumma o leitor vai encontrar a

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resposta à questão que trata daexistência de graus diversos deprofecia entre os santos; pode-sereportar a Santo Agostinho,XXVI, 5. Tais passagens, noentanto, guardam pouca relaçãocom os verdadeiros atos dasbruxas, que não conservam em siqualquer vestígio de piedade, oque se depreende facilmente aoapreciarmos suas obras; pois quenão cessam de derramar sanguede inocentes, de trazerem coisasocultas à luz pela orientação dos

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Demônios e de destruir as almassem poupar o corpo, nem dosvivos, nem dos mortos.

A oniromancia pode serpraticada de duas maneiras. Aprimeira delas é quando a pessoase utiliza dos sonhos paramergulhar no oculto, com aajuda da revelação dosDemônios por ela invocados ecom quem firmou pacto explícito.A segunda maneira é quando ohomem se utiliza dos sonhospara predizer o futuro, na

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medida em que há uma certavirtude nos sonhos que emanada revelação divina, de umacausa natural intrínseca, ou deuma causa natural extrínseca; etal adivinhação não seria ilícita.Assim diz Santo Tomás.

E para que os pregadorespossam ter, ao menos, noçãoessencial desse importanteassunto, precisamos primeirofalar a respeito dos anjos. Estestêm poderes limitados – são maiscapazes de revelar o futuro

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quando o intelecto já estáadaptado a tais revelações. Ora, ointelecto se mostra maispropenso para tal quando estámais distante dos movimentosexteriores e interiores – quandoas noites são silenciosas e asemanações do movimento seaquietaram; e essas condições sãopreenchidas por volta doalvorecer, quando a digestão já secompletou. Refiro-me a nós,pecadores, a quem os anjos, nasua divina piedade e na execução

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de seu ofício, vêm revelar certosfenômenos – assim é que, aoestudarmos por ocasião doalvorecer, adquirimos acompreensão de certos elementosocultos através da leitura dasEscrituras. Pois que, naquelemomento, um anjo estápresidindo nosso entendimento,assim como Deus preside a nossavontade e os astros, nosso corpo.Aos homens mais perfeitos,porém, os anjos são capazes derevelar tais fenômenos ocultos a

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qualquer hora, estejam despertosou dormindo. No entanto,segundo Aristóteles, em Desomno et uigilia, mesmo esseshomens são mais propensos areceber as revelações em certosmomentos do que em outros. Éesse o caso em todos osfenômenos mágicos.

Em segundo lugar, é precisonotar que, mediante os cuidadose o governo que a natureza tempara com o corpo, certos eventosfuturos têm sua causa natural

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nos sonhos dos homens. Mas taissonhos ou visões não são a causa,como se disse no caso dos anjos,mas tão somente sinais do queestá por vir no futuro – emtermos de saúde, de doença oude perigo. Essa é a opinião deAristóteles. Porque nos sonhosdo espírito a natureza projeta adisposição do coração, pelo quese antecipa ao espírito do homemalguma enfermidade ou algumoutro fenômeno que há de lheacontecer. Pois se um homem

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sonha com fogo, é sinal dedisposição colérica; se sonha comágua ou outro líquido, é sinal dedisposição fleugmática; e sesonha com assuntos terrenos, ésinal de disposição melancólica.Por isso os médicos, não raro, sãoajudados pelos sonhos nos seusdiagnósticos (conforme nos dizAristóteles no mesmo livro).

Mas esses assuntos são levesquando comparados aos sonhosiníquos das bruxas. Pois quequando não querem ser

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transportadas de um lugar paraoutro, mas apenas saber o quesuas companheiras estãofazendo, têm por hábitodeitarem-se sobre o seu ladoesquerdo em seu próprio nome eem nome do Demônio, e porsonhos ficam sabendo o quequerem. E quando desejamdescobrir algum segredo, para siou para outras, descobrem-noem sonhos através de um pactoexplícito, mas não tácito, com oDemônio. Não se trata de um

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pacto simbólico, firmado atravésdo sacrifício de algum animal, oude algum ato sacrílego ouentregando-se com devoção aalgum culto secreto; mas sim deum pacto real: oferecem a sipróprias, em corpo e em alma, aoDiabo, pela negação propositada,voluntária, blasfema e sacrílegada fé. E, não satisfeitas só comisso, acabam por matar, emoferenda aos Demônios, os seuspróprios filhos e os de outrasmulheres.

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Outra espécie de adivinhaçãoé aquela praticada pelaspitonisas, assim chamadas porcausa do profeta (Píton), Apolo,a quem se atribui a origem dessaforma de adivinhação, segundoSanto Isidoro. Tal adivinhaçãonão se faz através de sonhos ouda conversa com os mortos, maspor meio de homens vivos, comono caso dos que são incitados aum arrebatamento frenético peloDemônio, voluntária ouinvoluntariamente, só com o fito

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de predizerem o futuro, e nãopara a perpetração de quaisqueroutras atrocidades. Dessanatureza foi o que se deu com amenina mencionada em Atos,16, que, pondo-se a seguir osapóstolos, gritava: “Estes homenssão servos de Deus altíssimo.” Eficou repetindo isso por váriosdias: “Ordeno-te em nome deJesus Cristo que saias dela.” E namesma hora ele saiu. Mas estáclaro não haver grau decomparação entre esses fatores e

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os atos das bruxas, que, segundoSanto Isidoro, são assimchamados pela magnitude deseus pecados e pelamonstruosidade de seus crimes.

Logo, por brevidade, não hánecessidade de prosseguirmoscom este argumento, relacionadoàs formas menores da artedivinatória, já que estácomprovada a sua poucaimportância perante as artesdivinatórias maiores. E opregador pode aplicar o mesmo

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raciocínio às demais artesdivinatórias: à geomancia, que sefunda na adivinhação a partir deelementos terrosos como o ferroou as pedras polidas; àhidromancia, que se baseia naadivinhação pelos cristais e pelaágua; à aeromancia, que se baseiano ar; à piromancia, que consistena adivinhação pelo fogo; e àaruspicação, que se relaciona àadivinhação pelas entranhas deanimais sacrificados em altarespara homenagear o Diabo. Pois

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que, embora todas essas artessejam feitas pela invocação doDemônio, não podem sercomparadas aos atos das bruxas,já que não são praticadas com opropósito de prejudicar oshomens e os animais ou os frutosda terra, mas apenas para ohomem conhecer o futuro. Osoutros tipos de arte divinatóriapraticados mediante invocaçãotácita do Demônio, mas nãoexplícita, são a horoscopia ouastrologia, assim chamada pela

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necessidade da observação daposição dos astros ao nascimento;ornitomancia ou arte dosáugures, em que se utilizam ovoo e o canto das aves parapredizer o futuro; aonomatomancia, em que seutiliza o nome dos homens; e aquiromancia, em que seobservam as linhas das mãos oudas patas dos animais para omesmo fim. Quem estiver maisinteressado pode consultar a obrade Nider, onde esse autor

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esclarece quando tais práticas sãolícitas e quando não o são.Cumpre ressaltar que os atos debruxaria nunca são lícitos.

QUESTÃO XVII

Uma comparação entreseus crimes e os cometidospelos Demônios de todaespécie.

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Tão hediondos são os crimes

das bruxas que chegam asuperar, em perversidade, ospecados e a queda dos anjosmaus; e se isso é verdade, quantoà sua culpa, não haveria de sertambém verdade quanto aos seuscastigos no Inferno? Pois não édifícil prová-lo: vários são osargumentos a apontar para a suaculpa.

Em primeiro lugar, nãoobstante seja o pecado de Satanás

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imperdoável, não o é por causada magnitude de seu crime, esim por causa da natureza dosanjos que, segundo opinião deimportantes mestres, foramcriados tão somente em estadonatural, e não em estado degraça. E como o bem da graçaultrapassa o bem natural, opecado dos que descaíram doestado de graça – que é o dasbruxas, por negarem a fé quereceberam no batismo – vai alémdo pecado dos anjos. E mesmo

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que digamos que os anjos,embora não tenham sidoconfirmados na graça, tenhamsido nela criados, o mesmopodemos dizer das bruxas:embora não tenham sido criadasna graça, por sua própria vontadeafastaram-se dela – exatamentecomo Satanás, que pecou por suaprópria vontade.

Em segundo lugar, afirma-seque o pecado de Satanás éimperdoável por várias outrasrazões. Pois que, diz Santo

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Agostinho, ele pecou sem queninguém o instigasse, e por issonão há quem possa justamenteremediar o seu pecado. E SãoJoão Damasceno diz que Satanáspecou no seu entendimentocontra o caráter de Deus; e queseu pecado foi maior pelanobreza de seu entendimento.Porque o servo que conhece avontade do mestre etc. A mesmaautoridade declara que, já queSatanás é incapaz dearrependimento, é portanto

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incapaz de receber o perdão; eisso por causa de sua próprianatureza, que, sendo espiritual,só poderia ser mudada uma vez,quando a mudou para sempre;com os homens, porém, as coisasnão se passam assim, visto que acarne está sempre em guerra como espírito. Ou, então, porque elepecou no alto dos Céus,enquanto os homens estão apecar na Terra.

Mas, apesar disso tudo, seupecado é, sob muitos aspectos,

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pequeno em comparação aoscrimes das bruxas.

Em primeiro lugar, conformeSanto Anselmo mostrou em umde seus Sermões, ele pecou pororgulho, posto não houvesseainda castigo pelo pecado. Noentanto, as bruxas continuam apecar mesmo depois de severoscastigos serem infligidos contraoutras bruxas e mesmo depois dea Igreja lhes ter ensinado que oscastigos são cominados emconsequência do Diabo e de sua

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queda; e disso não fazem caso eapressam-se em cometer não osmenos mortais dos pecados –como fazem outros pecadores,que pecam por meraenfermidade ou perversidade enão por malícia habitual – e simos crimes mais horrorososinspirados na malícia profundade seus corações.

Em segundo lugar, ainda queo anjo do mal tenha descaído dainocência para a culpa – e daípara a desgraça e para o castigo

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–, só descaiu da inocência umavez, de sorte a nunca mais lhe tersido ela restituída. Ora, opecador que tem a inocênciarestituída pelo batismo e torna aperdê-la incorre em pecadoseriíssimo. E isso éparticularmente verdadeiro nocaso das bruxas, tendo em vista agravidade de seus crimes.

Em terceiro lugar, ele pecoucontra o Criador; já nós, eespecialmente as bruxas,pecamos contra o Criador e

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contra o Redentor.Em quarto lugar, ele

renunciou a Deus, que lhepermitiu pecar mas não lhe tevemisericórdia; nós, porém, esobretudo as bruxas, afastamonosde Deus por nossos pecados e, adespeito de Sua permissão parapecarmos, Ele nos é Todo-Misericordioso e nos dá aoportunidade de precavermo-nosdo pecado através de Seusincontáveis benefícios.

Em quinto lugar, quando ele

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pecou, Deus rejeitou-o sem lherestituir o estado de graça; a nós,porém, Deus está chamandoconstantemente, mesmo quandodesgraçadamente tornamos a nosentregar ao pecado.

Em sexto lugar, ele mantém ocoração insensível para comquem o pune; nós o mantemospara com o nosso persuasormisericordioso. Ambos pecamoscontra Deus; mas ele peca contrao Deus Majestade, e nós contra oDeus que também morreu por

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nós, Aquele que, como jádissemos, as bruxas perversasmais ofendem.

As soluções dosargumentos tornam adeclarar a verdade porcomparação.

A resposta ao primeiroargumento já transparece ao quedissemos no princípio dessamesma questão. Alegamos queum pecado há de ser mais grave

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do que outro e que os pecadosdas bruxas são, de todos, os maisgraves, no que tange àculpabilidade, mas não no quediz respeito à punição queacarretam. Ora, a punição deAdão, bem como a sua culpa,podem ser consideradas de duasmaneiras. Ou o atingempessoalmente, ou atingem toda araça humana, ou seja, toda a suaposteridade. Quanto à primeira,maiores pecados foramcometidos depois do de Adão;

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porque ele pecou por fazer o queera tão somente proibido, nãopecou por sua própria natureza;no entanto, a fornicação, oadultério e o assassinato sãopecados em si, e porque sãoproibidos. Logo, tais pecadosmerecem castigo maior.

Quanto à segunda, é verdadeque maior castigo resultou dopecado original; mas isso sóindiretamente é verdade,porquanto por intermédio deAdão toda a sua posteridade foi

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contaminada pelo pecadooriginal, que só o Filho de Deusfoi capaz de reparar pelo poderque Lhe foi concedido. Nãoapenas isso: o próprio Adão, porintermédio da graça divina,arrependeu-se e, depois, foi salvopelo sacrifício de Cristo. Ora, ospecados das bruxas sãoincomparavelmente maiores, jáque, não se satisfazendo comseus próprios pecados e com asua perdição, arrastam consigomuitos e muitos inocentes.

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Em terceiro lugar, conclui-sedo que se disse que só por uminfeliz acidente é que o pecadode Adão adquiriu maioresproporções. Porque, àqueletempo, a natureza ainda não secorrompera. Logo, ao pecar oprimeiro homem, a suacorrupção foi inevitável, e não sedeu à revelia da vontade deAdão; portanto, o seu pecadonão há de ser maior do que osoutros. E, uma vez mais, ahumanidade teria cometido o

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mesmo pecado se tivesseencontrado a natureza no mesmoestado de pureza. De formaanáloga, o que não conquista agraça não comete pecado tãomortal quanto o que a conquistae a perde. Eis aí a soluçãoapresentada por Santo Tomás (II,21, art. 2), ao resolver o segundoargumento. A quem interessarum aprofundamento dessaquestão recomendamos levar emconta o seguinte: mesmo queAdão tivesse conservado sua

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inocência original, não a teriacomunicado à sua posteridade;pois, como diz Santo Anselmo,qualquer um que viesse depoisdele poderia cometer o mesmopecado. Ver também SantoTomás, vigésimo dist., aoconsiderar se as crianças recém-nascidas deviam ou não serconfirmadas na graça; e no dist.101, se os homens que hoje sãosalvos o seriam se Adão nãotivesse pecado.

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QUESTÃO XVIII

Da pregação contra oscinco argumentos doslaicos e dos lúbricos, queprofessam não concederDeus ao Diabo e àsbruxas os poderesnecessários para operaremos milagres da bruxaria.

Enfim, que o pregador esteja

muito contra certos argumentos

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dos laicos, e mesmo contra os dealguns letrados, que negam, atécerto ponto, a existência debruxas. Pois, embora admitam aparticipação da malícia e dopoder do Diabo na realização detais atos maléficos, negam que apermissão divina lhes sejaoutorgada: não admitem queDeus permita semelhantesabominações. E posto não teremum método na suaargumentação, tenteando àscegas, ora aqui, ora acolá, é

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mister, mesmo assim, reduzirsuas assertivas a cincoargumentos, donde emanamtodos os seus sofismas.

Em primeiro lugar, declaramque Deus não permite aoDemônio campear contra a raçahumana com tamanhos poderes.

Põe-se a questão: serianecessário que cada infliçãocausada pelo Diabo por meio deuma bruxa se fizesse acompanharda permissão de Deus? Trazem àbaila cinco argumentos pelos

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quais alegam provar que Deusnão o permite e, como não opermite, não há bruxaria nomundo. O primeiro argumentofunda-se nos castigos naturaisque Deus normalmente já impõeaos homens; o segundo funda-senos alegados poderes do Diabo; oterceiro esteia-se na próprianatureza humana; o quarto, naorigem dos males atribuídos àsbruxas; e o quinto, enfim, norisco de vida dos pregadores edos juízes que têm perseguido e

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castigado as bruxas.Desenvolve-se o primeiro

argumento da seguinte maneira.Deus é capaz de punir os homenspelos seus pecados, e os punepela espada, pela fome e pelapeste; e também por várias outrase incontáveis enfermidades, aosquais o ser humano está sujeito.Logo, não havendo motivo paraaduzir ainda outros castigos, oTodo-Poderoso não permite aexistência da bruxaria.

No segundo argumento

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parte-se do seguinte: se o que sediz do Demônio é verdade – ouseja, que é capaz de neutralizaras forças procriadoras,impedindo as mulheres deconceberem e de fazer abortar asque concebem; de matar os filhosdas que chegam a parir –, então,nesse caso, ele seria capaz deeliminar toda a humanidade.Poder-se-ia ainda acrescentarque as obras do Diabo seriamassim mais poderosas que as deDeus, visto ser o Sacramento do

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matrimônio uma obra de Deus.Em terceiro lugar, há o

argumento que se funda naprópria natureza do homem eque diz: se houvesse bruxarianeste mundo, alguns homensseriam mais enfeitiçados queoutros. Dizer que os homens sãoenfeitiçados para castigo de seuspecados é falso argumento, comotambém falso é afirmar queexiste bruxaria no mundo. Eis aprova: se tal fosse verdadeiro, osmaiores pecadores haviam de

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receber os maiores castigos, o quenão é absolutamente o caso,porque, às vezes, os pecadoressão menos punidos do que osjustos, como é o caso das criançasinocentes consideradas, não raro,terem sido enfeitiçadas.

O quarto argumento refere-se à origem humana da bruxaria.O que o homem é capaz deprevenir mas não previne, edeixa que seja feito, há deproceder da sua vontade. Mascomo Deus é Todo-Bondade,

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não Lhe é dado desejar o mal e,portanto, não há de permitir omal que é capaz de prevenir.

E, prosseguindo nesseargumento, alegam que os malesatribuídos às bruxas são similaresaos males e enfermidadesnaturais, podendo, porconseguinte, ser determinadospor causas naturais. Pois épossível que um homem venha ase tornar coxo, cego ou louco poralguma causa natural; e que poralguma causa natural venha até a

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morrer; pelo que tais males nãopodem ser atribuídos comsegurança às bruxas.

Por fim, afirmam que certospregadores e juízes vêmcombatendo a bruxaria com talveemência que, se existissembruxas, suas vidas correriamgrave perigo, pelo ódio que nelasjá teriam fomentado.

Pois bem: os argumentoscontrários podem ser extraídosde nossa resposta à Questão I.De que modo haveria Deus de

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permitir que o mal se concretize,se não o deseja? Ora, se opermite, há de ser para oadmirável aperfeiçoamento douniverso: as boas obras são maisrecomendáveis, mais agradáveis eainda mais louváveis quando selhes comparam às más; e temos anos apoiar nesse argumento aautoridade dos doutores daIgreja. E mais: de que outramaneira pôr à mostra asabedoria, a justiça e a bondadedivina na sua total plenitude

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senão dessa forma?Para melhor esclarecimento

dessa questão existem diversostratados que consideram oassunto. Segundo essas fontes,Deus, na Sua justiça, permitiuduas quedas: a dos anjos e a dosnossos primeiros ancestrais; ecomo foram essas as maiores detodas as quedas, não é deadmirar que outras menorestenham sido permitidas. Masforam nas suas consequênciasque as duas Quedas se

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mostraram maiores, não nas suascircunstâncias. É nesse sentido,conforme mostramos ao fim daúltima questão, que os pecadosdas bruxas ultrapassam emperversidade os dos anjos e osdos nossos primeiros ancestrais.Essas fontes de consulta revelamtambém de que modo Deuspermitiu aquelas duas primeirasQuedas, e nelas se podemencontrar todas as explicaçõesque se façam necessárias a esserespeito.

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É mister, contudo, querespondamos a seus argumentos.Ao primeiro, que afirma queDeus já castiga o suficiente pelaespada, pela fome e pelasdoenças naturais, damos umatríplice resposta.

Em primeiro lugar, Deus nãolimita os seus poderes aosprocessos naturais ou àsinfluências dos astros, de sorte anão poder ir além de tais limites;pois que muitas vezes osultrapassou na punição dos

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pecados, enviando flagelos epestes muito além da influênciapossível dos corpos celestes;como quando puniu o povo deIsrael pelo pecado de Davi que,por orgulho, decidiu fazer orecenseamento de seus súditos ede seu povo.

Em segundo lugar, está deacordo com a sabedoria divinadeixar às criaturas sob o Seugoverno a liberdade de agirsegundo sua própria vontade.Consequentemente, não é Seu

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propósito evitar a malícia doDiabo, mas sim permitir que elase concretize na medida em quevenha a colaborar para o bemúltimo do universo; nãoobstante, é verdade que oDemônio é continuamentecerceado pelos anjos do bem, desorte a não lhe ser permitidopraticar todo o mal que gostaria.De forma similar, Deus não sepropõe restringir os pecadoshumanos possíveis ao homemgraças ao seu livre-arbítrio, como

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a abnegação da fé e a devoção aoDiabo. A partir dessas duaspremissas, conclui-se que,quando Deus é ofendido aoextremo, permite aos Demôniosexercerem os seus poderes aoextremo, donde a sua capacidadede infligir males aos homens, aosanimais e aos frutos da terra.

Em terceiro lugar, Deus, naSua justiça, permite os males queindiretamente vão causar asmaiores aflições e tormentos aoDiabo; tais males são os

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praticados pelas bruxas por meiodos poderes dos Demônios. Poisque o Diabo é indiretamenteatormentado, e muitíssimo, aover que, contra a sua vontade,Deus usa de todo o mal para aglória do Seu nome, para olouvor da fé, para a purgação doeleito e para aquisição do mérito.Pois é certo que nada há de maisexasperante ao orgulho doDiabo, que é sempre cultivadocontra Deus – pois está escrito:“O orgulho dos que Te odeiam

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está sempre a crescer” –, do quever todas as suas maquinaçõesmalignas convertidas para Suaprópria glória. E, portanto, Deuspermite que assim seja.

Ao seu segundo argumentojá respondemos; há, no entanto,dois pontos que precisam seresclarecidos detalhadamente.

Em primeiro lugar, longe estáde ser verdade que o Diabo (ousua obra) seja mais poderoso queDeus: seus poderes sãopequenos, pois nada é capaz de

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fazer sem a permissão divina.Pode-se então afirmar que ospoderes do Diabo são pequenosem comparação com os poderesde Deus, não obstante seremmuito grandes em comparaçãocom os poderes terrenos, aosquais naturalmente superam, emconformidade com passagemescriturística (Jó, 11): “Não hápoder na Terra que ao dele secompare.”

Em segundo lugar, é misteresclarecer por que Deus permite

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que a bruxaria venha a afetarmais as funções procriadoras queas demais funções do organismo.Disso já tratamos, sob a rubrica:“De que modo são capazes asbruxas de impedirem o atovenéreo e neutralizarem as forçasprocriadoras.” Pois é em virtudedo descaro daquele ato e dopecado original, pela culpa quenossos primeiros ancestraisherdaram (e nos comunicaram)ao praticarem aquele ato. O ato ésimbolizado também pela

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serpente, que foi o primeiroinstrumento do Diabo.

Ao terceiro argumentorespondemos que ao Diabo aprazmais tentar os bons do que osperversos; embora, na realidade,venha a tentar mais os perversosdo que os bons, já que aquelestêm mais propensão a responderàs tentações do que os últimos.De forma análoga, embora desejemais afligir aos bons do que aosmaus, lhe é mais fácil atingir commalefícios os últimos. Ora, como

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são os perversos os que mais seentregam ao Diabo, as suastentações são as mais difíceis e asmais frequentes, por nãopossuírem o escudo da fé para seprotegerem. Desse escudo nosfala São Paulo na Epístola aosEfésios, 6: “Sobretudo, embraçaio escudo da fé com que possaisapagar todos os dardosinflamados do Maligno.” Poroutro lado, ele assalta o bommais amargamente que os maus.Porque já possui os maus, mas

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não os bons: tenta muito maisarrastar para o seu poder, pelassuas tribulações, os justos, quenão são seus, do que os maus,que já o são. De forma idêntica,um príncipe terreno maisseveramente castiga os quedesobedecem às suas leis do queos que não se rebelam contra ele.

Em resposta ao quartoargumento, em acréscimo ao quejá se escreveu sobre o assunto,cumpre esclarecer: o pregadorpode expor a verdade da

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permissão divina para o mal,embora não o deseje, pelos cincosinais da vontade divina: opreceito, a proibição, o conselho,a operação e a permissão. VerSanto Tomás, sobretudo naprimeira parte da SummaTheologicae, 19º questão, 12ºartigo, onde esclareceplenamente esse ponto. Poisembora haja uma só vontade deDeus, que é o próprio Deus, eassim como só há em Deus umaessência, essa Sua vontade a nós

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se revela de várias maneiras,como diz o Salmo: “Os milagresdo Senhor são realizados deacordo com as Suas vontades.”Pelo que há de se fazer umadistinção entre a vontadeessencial de Deus e os seusefeitos visíveis; pois a vontadereal, propriamente, é a boavontade do homem, mas avontade em sentido metafórico éexpressa por sinais exteriores. E épor sinais e por metáforas queDeus nos revela a Sua.

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À guisa de exemplo,podemos mencionar o casohipotético do pai que, emboraseja possuidor de uma sóvontade, a expressa de cincoformas diversas, ora por simesmo, ora por meio de outrapessoa. Por si mesmo a revela deduas maneiras: direta ouindiretamente. Revela-adiretamente fazendo por simesmo o que quer, por umaoperação. Revela-a indiretamentequando não impede outrem de o

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fazer (ver Aristóteles Física, IV:Proibição é causa indireta), poruma permissão. E o pai humanorevela a sua vontade pelamediação de outra pessoa de trêsmodos. Ou a ordena fazer o quequer (por preceito) ou a proíbede fazê-lo (por proibição) ou,ainda, a persuade e a aconselha afazê-lo (por conselho). E assimcomo a vontade humana éexpressa por essas cinco formas,do mesmo modo é expressa avontade divina. Que a vontade

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de Deus é revelada pelo preceito,pela proibição e pelo conselho éindicado claramente pelaspalavras escriturísticas emMateus, 6: “Seja feita a vossavontade, assim na Terra como noCéu.” Em outras palavras: que naTerra sejam atendidos os Seuspreceitos, sejam cumpridas asSuas proibições e sejam seguidosos Seus conselhos. De modosemelhante, Santo Agostinhomostra que a permissão e aoperação são sinais da vontade

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de Deus, ao declarar noEnchiridion, 95: “Nada é feitosem que Deus queira que sejafeito, seja permitindo-o, sejafazendo-o por Si mesmo.”

Retornemos ao argumento.Está perfeitamente corretoafirmar que, quando um homemé capaz de prevenir determinadacoisa, e não o faz, está revelandoa sua vontade. Como correto estádizer que Deus, sendo Todo-Bondade, não é capaz de desejaro mal, com relação à Sua boa

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vontade essencial e também comrelação a quatro dos cinco sinaispelos quais exprime a Suavontade; porquanto édesnecessário dizer que Ele éincapaz de operar o mal, deordenar que seja feito o mal oude ao mal se opor ou deaconselhá-lo; no entanto, Deus écapaz de permitir que o mal sejafeito.

E quando se indaga de quemodo é possível distinguir entreos males causados por bruxaria e

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os males de causa natural,cumpre responder que existemvários métodos para tal.

O primeiro é através dojulgamento dos médicos. Ver aspalavras de Santo Agostinho emDe Doctr. Christ.: “A essa classede superstições pertencem todosos encantamentos e todo o usode amuletos junto ao corpo dapessoa, que a Escola de Medicinadespreza. Por exemplo, osmédicos podem perceber, pelascircunstâncias do caso, quer pela

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idade do paciente, pela suacompleição física, quer ainda pelareação de seus olhos, que aenfermidade não decorre dequalquer anormalidade nosangue, ou no estômago, ou emqualquer outro órgão; julgam-naser causada não por algum fatornatural mas por algum elementoextrínseco. E como as causasextrínsecas não são encontradasnas infecções tóxicas – que seacompanhariam de alteração doshumores do sangue e do

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estômago –, têm eles aí razãosuficiente para atribuírem aquelemal à bruxaria.”

O segundo método é quandose vê que a doença é incurável:não há remédio que a alivie;todos parecem agravá-la.

O terceiro método está narapidez de instalação do mal, ouseja, quando é tão repentino quesó pode ser atribuído à bruxaria.Chegou ao nosso conhecimentoum desses casos. Um cidadão deSpires, bem-nascido, casara-se

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com uma mulher muitoobstinada e impertinente.Embora tentasse agradá-la detodas as maneiras, quase semprea mulher se recusava a atender-lhe as vontades, e estava semprea afligi-lo com insultos abusivos.Certo dia, já de volta ao lar ecom a mulher atormentando-o, axingar-lhe com o seu palavreadoinfamante, sentiu forte desejo desair de casa para escapar daquelaamolação. Mas assim que sevoltou em direção à porta a

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mulher correu na sua frente etrancou-a a chave; e aos gritosjurou que dali não arredava pé,só se ele a espancasse, pois quenele não havia honestidade nemfidelidade. Ao ouvir a acusaçãoinfame, estendeu a mãoespalmada em direção à mulhere, sem querer machucá-la, bateu-lhe de leve nas nádegas. Masentão, subitamente, caiu ao chãoe perdeu todos os sentidos,ficando de cama por muitassemanas, acometido da mais

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séria enfermidade. Ora, é óbvioque não se tratava de umaenfermidade natural, e sim deum mal causado por algumabruxaria feita pela mulher.Muitos casos semelhantes têmchegado a nosso conhecimento.

Há alguns que paradistinguirem essas enfermidadeslançam mão do seguinteexpediente. Sobre o doenteseguram chumbo derretido e aseguir o derramam numa tigelacom água. Se o chumbo se

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condensar formando algumaimagem, a enfermidade éatribuída à bruxaria. E quemquiser saber se a imagem é assimformada por obra dos Demôniosou por alguma causa natural,explicam: se deve à força deSaturno sobre o chumbo, cujainfluência sobre esse metal emalguns aspectos é maléfica, deforma semelhante à influênciaexercida pela força do Sol sobre oouro. Mas se essa prática é lícitaou não, é questão a ser discutida

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na Parte II deste tratado. Pois osdoutores em Direito Canônicoafirmam ser lícito destruir umavaidade com outra vaidade; masos teólogos defendem posturadiametralmente oposta, dizendoser incorreto praticar o mal paraalcançar o bem.

No seu último argumento,trazem à baila diversas objeções.Primeiro, por que as bruxas nãoficam ricas? Segundo, por que, jáque contam com os favores dospríncipes, não cooperam na

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destruição de todos os seusinimigos? Terceiro, por que sãoincapazes de prejudicar ospregadores e todos os que asperseguem?

A primeira respondemosdizendo que as bruxas não ficamricas porque os Demônios gostamde mostrar o seu desprezo peloCriador comprando as bruxaspelo mais baixo preço possível. Etambém para que não seexponham pelas suas riquezas.

A segunda refutamos

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dizendo que se não fazem mal apríncipes há de ser porquequerem contar, o mais quepossam, com a sua amizade. E sese perguntar, então, por que nãoprejudicam os inimigos destes,devemos responder que um anjobom, agindo do outro lado,impede os seus malefícios.Comparar com a passagem emDaniel, 10, 13: “O chefe do reinopersa resistiu-me durante 21dias.” Consultar Santo Tomás noSegundo livro das sentenças, onde

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ele discute se há qualquer espéciede disputa entre os anjos dobem, e de que tipo.

A terceira basta dizer que, seelas são incapazes de fazer malaos Inquisidores e a outrosoficiais de justiça, é porque estessão os encarregados de fazer ajustiça pública. Muitos exemplospodem ser aqui aditados paraprová-lo, mas o tempo exíguonão nos permite.

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Parte II

Dos métodos pelos quais seinfligem os malefícios e de que

modo podem ser curados

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QUESTÃO I

Daqueles contra quem as bruxasnão têm qualquer poder.

Nesta segunda parte,

trataremos dos métodos deatuação das bruxas para aconsecução de seus malefícios;

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mas, em virtude de duasdificuldades primordiais, convémsepará-los em 18 categorias. Aprimeira dificuldade,considerada no princípio, dizrespeito aos dois remédiospreventivos, que tornam ohomem imune às bruxarias; asegunda, considerada no final,diz respeito aos vários remédioscurativos, pelos quais osamaldiçoados podem sercurados. Pois, conforme esclareceAristóteles (Física, IV), a

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prevenção e a cura têm íntimarelação entre si: ambas sevinculam, acidentalmente, àcausa dos males. E assim é quehavemos de elucidar osfundamentos dessa pavorosaheresia.

Nas duas primeirassubdivisões vamos insistir emalguns pontos cardinais.

Primeiro, na iniciação dasbruxas e na sua confissãosacrílega de fé. Segundo, noevoluir dos seus métodos de

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trabalho e na ignomínia da suaprática. Terceiro, nos remédiospreventivos contra as bruxarias.Cabe aqui frisar, entretanto, queos argumentos e sua análiseformal relacionados a certasquestões morais e de condutanão mais serão discutidos, por jáo terem sido nas questõesprecedentes. Rogamos a Deusque o leitor não saia em busca detais provas em todos os casos,pois que nos limitaremos agora aaditar exemplos testemunhados

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por indivíduos da maiorcredibilidade.

No primeiro dos pontoscardinais mencionados faz-semister examinar dois elementos:primeiro, os vários métodos desedução e tentação adotados pelopróprio Diabo; segundo, as váriasmaneiras pelas quais as bruxasprofessam a sua heresia.

No segundo dos pontosreferidos, seis são os elementos aserem analisados em sucessão – erelacionados aos malefícios e à

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sua cura: primeiro, a conduta dasbruxas com relação a si próprias ea seu corpo: segundo, a suaconduta para com os outroshomens; terceiro, as questõesrelacionadas às feras; quarto, omal que causam aos frutos daterra; quinto, os tipos de bruxariaque só são praticados porhomens; sexto, o problema daneutralização da bruxaria e deque modo curar os enfeitiçados.

A Questão I, portanto, acha-se assim subdividida em 18

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partes, em virtude damultiplicidade de práticas debruxaria.

Pergunta-se se o homemseria capaz de precaver-se dequalquer sorte de bruxaria poralguma bênção concedida pelosanjos do bem. Parece que não,pois já foi provado que mesmo osjustos e os inocentes são, muitasvezes, afligidos pelos Demônios,como no caso de Jó; e muitascrianças inocentes, a par de umnúmero incontável de homens

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justos, são amaldiçoadas namesma medida em que outrostantos pecadores; não que sejamafligidos pela perdição de suaalma: são-no apenas pela perdade seus bens mundanos e de seuscorpos. No entanto, as confissõesdas bruxas apontam para umaversão contrária porque alegamnão serem capazes de injuriarqualquer um, mas só os quepersuadem e ensinam a repudiaro auxílio divino, mediante aparticipação dos Demônios.

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Resposta. Há três classes dehomens abençoados por Deus, aquem essa abominável raça nãotem o poder de injuriar com suasbruxarias. Na primeira estão osque administram a justiça públicacontra suas obras e as levam ajulgamento pelos seus crimes. Nasegunda estão os que, de acordocom rituais tradicionais e santosda Igreja, fazem o uso lícito dospoderes e das virtudes que aIgreja lhes concede, noexorcismo das bruxas: pela

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aspersão de água benta, pelaingestão do sal sagrado, pelacondução das velas bentas noDia da Purificação de NossaSenhora e das folhas de palma noDomingo de Ramos. E oshomens que assim agem veemdiminuídos os poderes doDemônio. Na terceira categoriaestão os que são de vários modosabençoados pelos anjos doSenhor.

O motivo dessa proteção, noscasos encerrados pela primeira

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classe, será mostrado e provadoatravés de vários exemplos. Poisque, como diz São Paulo, se todoo poder emana de Deus e deDeus é a espada para a vingançados injustiçados e para o castigodos perversos, não admira que osDemônios se sintam acuadosquando se faz justiça para vingartais crimes horríveis.

A propósito disso, alertam osdoutores serem cinco os modospelos quais se sustam os poderesdo Diabo, no todo ou em parte.

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Primeiro, pelo limite que lhes foifixado por Deus, como sedepreende de Jó, 1 e 2. Outroexemplo é o caso do homem deque lemos no Formicarius deNider. Esse homem confessou aum juiz que invocara o Demôniopara que conseguisse matar uminimigo seu, ou para que lhecausasse algum mal físico ouainda para que o fulminasse comum raio. E concluiu dizendo:“Quando invoquei o Diabo paraque, com a sua ajuda, pudesse

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realizar meu intento, ele merespondeu não ser capaz de nadafazer do que eu lhe pedia.Porque o tal homem era pessoade fé e se defendiadiligentemente com o sinal dacruz. Não seria assim possívelatingi-lo em seu corpo: o máximoque poderia fazer era destruir aundécima parte dos frutos dassuas terras.”

Segundo, neutralizam-se ospoderes do Diabo pela aplicaçãode alguma força exterior, como

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no caso da jumenta de Balaão,Números, 22. Terceiro, pelaoperação de algum poderosomilagre. Há homens que sãoabençoados por privilégiosúnicos, como se verá nos que seenquadram nos casos da terceiracategoria. Quarto, pelaProvidência Divina, que de tudodispõe separadamente e faz comque um anjo do bem se poste nocaminho do Diabo, à semelhançado caso de Asmodeus, que,embora matasse os sete maridos

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da virgem Sara, não matouTobias.

Quinto, por causa, vez ououtra, do próprio Demônio, quenão deseja por ora causar mal,para que depois o mal advindoseja ainda pior. Pois que podiamolestar o excomungado masnão o faz para que este venha adebilitar ainda mais a fé naIgreja, dada a força dessapunição. Como o caso de um dosfiéis de Corinto que foiexcomungado (I Coríntios, 5).

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Portanto, podemos acrescentar,de forma análoga, que, mesmoque os administradores da justiçapública não fossem protegidospela força divina, os Demônios,muitas vezes, haviam de retirarde comum acordo o seu apoio e asua guarda às bruxas, ora portemerem a sua conversão, orapor ansiarem pela suacondenação eterna.

Esse fenômeno é provado porfatos reais. O doutor já citadoafirma darem as bruxas o seu

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testemunho pessoal de que pelosimples fato de serem levadaspelos oficiais de justiça jáperdem, de imediato, todos osseus poderes. Um juiz chamadoPedro, do qual já falamos,ordenou a seus oficiais queprendessem um certo magochamado Stadlin; mas quando osoficiais dele se aproximaram talfoi o tremor que se apoderou desuas mãos e tal o odor fétido quechegou às suas narinas que nãoousaram tocá-lo de forma

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alguma. O juiz, porém,retorquiu: “Podem prendê-locom toda a segurança, porque,quando ele for tocado pelas mãosda justiça pública, perderá todosos poderes de sua iniquidade.” Eassim se deu; o mago foi preso equeimado na fogueira pelosmuitos malefícios que perpetrara.

Muitas outras experiênciassemelhantes já nos aconteceramno exercício de nosso ofícioinquisitorial, e surpreenderíamoso leitor se aqui contássemos

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todas elas. Mas como o elogio desi mesmo é expediente indigno esórdido, convém não o fazermospara que não nos recaia oestigma da jactância e da bazófia.No entanto, é preciso que daíexcetuemos os casos que, por tãonotoriamente conhecidos, não hápor que não contar.

Há não muito tempo, nacidade de Ratisbon, osmagistrados condenaram umabruxa à fogueira. Indagados porque os Inquisidores nunca eram

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afligidos pelas bruxarias como osdemais homens, responderam:“Embora muitas vezes tenhamtentado, as bruxas nunca foramcapazes de nos fazer mal.” Eesclareceram: “Apesar de nãosabermos exatamente o motivo,talvez seja porque os Demôniosas tenham aconselhado a não ofazer.” E ainda acrescentaram:“Pois que seria impossívelenumerar as muitas vezes que jános importunaram, de dia e denoite, ora na forma de macacos,

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ora na de cães ou de bodes, nosperturbando com seus gritos einsultos; tirando-nos da camacom suas preces blasfemas ecolocando-nos ao pé da janela desua prisão – tão alta que só podiaser alcançada com a mais longadas escadas; e então pareciamfincar na cabeça, com violência,os alfinetes com que prendiam assuas toucas. E foi assim que asencontramos quando lá subimos– como se quisessem tê-losfincados em nossas próprias

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cabeças. Mas, louvado seja DeusTodo-Poderoso que na Suapiedade, e por nenhum méritonosso, nos preservou comoindignos servos públicos dajustiça da fé.”

A causa da proteçãoconcedida aos homens quepertencem à segunda categoria éevidente por si. O exorcismo daIgreja atende a esse propósitoprecípuo e nele se tem remédioeficacíssimo para a proteçãocontra os malefícios das bruxas.

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E a quem quiser saber de quemodo deve o homem usar de taisproteções é preciso esclarecer queo são de duas maneiras:primeiro, sem pronunciarpalavras sagradas; depois, com ainvocação real do texto sacro.Pois que, em primeiro lugar, élícito espargir água benta emqualquer habitação decente, dehomens e de animais, para suasegurança e proteção – com ainvocação da SantíssimaTrindade e do Santo Pai. Pois

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que é dito no Ofício doExorcismo: “Onde quer que sederrame a água benta, toda aimpureza será retirada, todo omal será repelido e lá nãohabitará nenhum espíritopernicioso” etc. Porque o Senhorsalva a ambos, homens e animais,segundo o profeta, a cada um nasua medida.

Em segundo lugar, assimcomo basta espargir a água bentapara a purificação das casas, bastaacender uma vela benta para ter-

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se o mesmo efeito purificador.No entanto, a cera da vela podetambém ser espargida com omesmo propósito.

Em terceiro lugar, é útilcolocar ou queimar ervasconsagradas naqueles recintosonde possam serapropriadamente consumidas.

No mesmo ano em quecomeçávamos a escrever estelivro, aconteceu na cidade deSpires de uma devota terentabulado conversa com uma

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suposta bruxa. E, como sóiacontecer às mulheres, acabarampor trocar insultos entre si. Ànoite, quando a devota ia colocaro seu filhinho pequeno no berçopara dormir, lembrou-se doencontro que tivera com asuposta bruxa. Temendo quealgum mal se abatesse sobre acriança, colocou ervasconsagradas sob o berço domenino, espargiu-lhe água benta,colocou sal consagrado em seuslábios, fazendo nestes o sinal da

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cruz, e prendeu diligentemente obercinho. Mais ou menos nomeio da noite, ouviu o choro deseu filho e, como fazem asmulheres, resolveu trazer ofilhinho nos braços, para quedormisse consigo, em sua cama.Mas ao suspender o berço viuque seu filhinho não seencontrava lá. Aterrorizada, apobre mulher, chorandoamarguradamente pela perda dofilho, acendeu então uma vela. Eencontrou seu filhinho em um

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canto, debaixo de uma cadeira,chorando, mas são e salvo.

É aí que se vê a virtude dosexorcismos da Igreja contra asarmadilhas do Demônio. Éevidente que Deus Todo-Poderoso, na Sua misericórdia esabedoria, que se estende doprincípio ao fim, vela pelos atosdos iníquos; e que conduzsuavemente os malefícios dosDemônios, para que, ao tentaremdiminuir e debilitar a fé, estejam,na realidade, a reforçá-la e a

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enraizá-la ainda mais no coraçãode muitos. E dos malefíciosmuito proveito é capaz de tirar ofiel: quando, através dosmalefícios, a fé é reforçada, amisericórdia de Deus épercebida, a Sua força semanifesta e os homens sãoreconduzidos à veneração daPaixão de Cristo e sãoiluminados pelas cerimônias daIgreja.

Numa cidade de Wiesenthalvivia um certo prefeito que

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depois de enfeitiçado passou asofrer das mais terríveis dores edas piores deformações corporais;mas descobriu, não porintermédio de outras bruxas, maspor si mesmo, de que modo lhehaviam enfeitiçado. Contou quetinha o hábito de se fortalecer,todos os domingos, com salconsagrado e com água benta,mas que num certo domingo, porocasião da cerimônia decasamento de alguém,negligenciara o seu hábito tendo

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sido, no mesmo dia, enfeitiçado.Em Ratisbon, um homem

vinha sendo tentado peloDemônio em forma de mulher acopular, e começou a ficardesesperado quando viu que oDemônio não desistia. Veio-lhe,porém, a ideia de comer salconsagrado para se defender,conforme já ouvira num sermão.E assim fez: ao entrar nobanheiro, comeu do sal, e amulher, olhando-oameaçadoramente, amaldiçoou-o

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com todas as imprecações que oDiabo lhe ensinara e,subitamente, desapareceu. Pois,com a permissão de Deus, oDiabo é capaz de se apresentarem forma de bruxa ou de possuiro corpo de uma bruxa real.

Há também a história dostrês companheiros quecaminhavam por uma estradaquando dois deles foramsubitamente fulminados por umraio. O terceiro ficou apavoradoao ouvir vozes no ar, dizendo:

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“Vamos fulminá-lo também.” Emseguida, ouviu outra voz,retorquindo: “Não podemos, poisque hoje ele ouviu a sentença: ‘OVerbo se fez Carne.’’’Compreendeu então que forasalvo porque naquele dia assistiraà missa e, ao final dela, aspalavras de São João, noEvangelho: “No princípio era oVerbo” etc.

Ademais, palavras sagradasjunto ao corpo conferem umaproteção maravilhosa, quando se

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observam as sete condições parao seu uso. Mas só serãomencionadas na última questãodessa Parte II, onde falamos dasmedidas curativas. Aqui sóestamos tratando das medidaspreventivas. No entanto, cabedizer que as palavras sagradasservem não só para protegercomo também para curar osenfeitiçados.

A proteção mais segura,contudo, para os lugares, para oshomens e para os animais são as

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palavras que compõem o títulotriunfal de nosso Salvador,quando escritas em quatrolugares separados, a formar umacruz: IESUS † NAZARENUS †REX † IUDAEORUM †. A elastambém se pode aduzir o nomeda Virgem Maria e o dosevangelistas, ou as palavras deSão João: “O Verbo se fezCarne.”

No entanto, a maisextraordinária é a terceiracategoria dos que se mostram

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imunes aos malefícios das bruxas:são protegidos por uma tutelaangelical especial, no seu interiore no seu exterior. No interior,pela infusão da graça; noexterior, pela força dos astros, oumelhor, por ação das forças quemovem os astros. E essa classeainda se subdivide em doisramos: o dos que são protegidoscontra todo tipo de bruxaria, demodo a não serem atormentadosde forma alguma; e o dos que sãotornados particularmente castos

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pelos anjos do bem; assim comoos espíritos malignos inflamam odesejo de alguns homensperversos para com determinadamulher e o esfriam para comoutra.

Explica-se a sua proteçãointerior e exterior, pela graça epela influência dos astros, doseguinte modo. Embora seja opróprio Deus quem infunde agraça em nossas almas enenhuma criatura tenha tantopoder para tal (pois está escrito:

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“O Senhor concederá a graça e aglória”), quando Deus querconceder alguma graça especial ofaz outorgando um certo pendorpara tal, pela ação de um anjobom, conforme nos ensina SantoTomás no Terceiro livro dassentenças.

E é essa a doutrina defendidapor Dionísio no quarto capítulodo seu De Diuinis Nominibus:“Eis a lei constante e imutável dadivindade: o Superior chega aoInferior por algum meio:

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qualquer que seja o bem que anós emane da fonte de toda abondade, há de vir peloministério dos anjos do bem.”Isso é provado por algunsexemplos e por argumentação.Pois que, embora só o poderdivino tenha sido a causa daconcepção do verbo de Deus naVirgem Santíssima, pelo que oDeus se fez homem, o intelectoda Virgem já fora muitoestimulado pelo ministério deum anjo (pela saudação) e pelo

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refortalecimento e pela boainformação de seuentendimento, predispondo-aassim à bondade. Essa verdadepode também ser explicada daseguinte maneira: na opinião dodoutor mencionado, são três aspropriedades do homem – avontade, o entendimento e asforças internas e externas quepertencem aos membros e aosórgãos de seu corpo. A primeira,ou seja, a vontade, só pode serinfluenciada por Deus: “Porque o

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coração de um rei está nas mãosdo Senhor.” A segunda, oentendimento, já pode serinfluenciada por um anjo bomno sentido do mais claroconhecimento da verdade e dobem, além de o ser tambémiluminada pelo próprio Deus.Quanto à terceira qualidade,porém, temos o seguinte: osanjos do bem são capazes deconceder aos homens bonspredicados, e os do mal, com apermissão de Deus, são capazes

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de afligi-los com as tentaçõesmalignas. No entanto, cabe àlivre vontade humana aceitar taisinfluências malignas ou rejeitá-las; e isso o homem sempre há deser capaz, desde que invoque agraça do Senhor.

Quanto à proteção exteriorque advém do Senhor Deus porintermédio das forças quemovem os astros, a tradição élarga e conforma igualmente comas Sagradas Escrituras e com afilosofia natural. Porque todos os

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corpos celestes são movidos porforças angelicais chamadas porCristo de motrizes dos astros epela Igreja de forças dos Céus;consequentemente, todas assubstâncias corpóreas destemundo são governadas pelasforças celestiais, conformetestemunha Aristóteles,Metafísica, I. Podemos afirmar,portanto, que embora aProvidência Divina vigie cada umde Seus eleitos, sujeita alguns aosmales desta vida para sua

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correção, enquanto a outros dácompleta proteção. E esse domalguns homens recebem ou dosanjos do bem delegados porDeus para sua proteção ou dainfluência dos corpos celestes oudas Forças que os movem.

Há de notar-se que algunssão protegidos contra todas asbruxarias, e outros o são contraapenas algumas delas. Poisalguns são particularmentepurificados pelos anjos do bemnas suas funções genitais – e as

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bruxas jamais conseguemenfeitiçá-los nessas funções.Num certo sentido, é necessáriofalar a respeito desses homens: osque se veem enfeitiçados nassuas funções genitais mostram-se, por vezes, tão privados daproteção dos anjos que ou seencontram sempre em pecadomortal ou praticam asobscenidades com um deleiteexcessivamente lúbrico. Apropósito, demonstramos já naParte I desta obra que Deus

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confere maiores poderes àsbruxas sobre essas funções nãotanto por causa de suaobscenidade e sujeira, mas porter sido esse o ato que corrompeunossos primeiros ancestrais e,pelo seu contágio, legou-nos aherança do pecado original, queatinge toda a raça humana.

Vejamos porém algunsexemplos de como os anjos dobem, por vezes, abençoam osjustos e os santos, mormente noque tange ao instinto genital.

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Transcrevemos a seguir o caso doabade São Sereno, contado porCassiano na primeira das suasAssembleias dos padres. SãoSereno muito lutou paraconquistar a castidade interior,do coração e da alma, pelasorações durante a noite edurante o dia, pelo jejum e pelavigília. Por fim percebeu que,pela graça divina, conseguiraextinguir todos os surtos daconcupiscência carnal.Finalmente, movido pelo zelo

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ainda maior da castidade, lançoumão de todos os recursossagrados para rogar ao Todo-Poderoso que lhe permitisse quea castidade que sentia em seucoração fosse tambémvisivelmente concedida ao corpo.Dirigiu-se então a ele um anjo doSenhor numa visão durante anoite e pareceu abrir-lhe o ventree retirar de suas entranhas umtumor ardente de carne,repondo-lhe depois os intestinos;e disse: “Vê! Foi extirpada a

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provocação da tua carne. Contasdoravante com a pureza perpétuaem teu corpo, de acordo com astuas preces: nunca mais serásaguilhoado pelo desejo naturalque é até mesmo despertado emcrianças de peito.”

De forma análoga, SãoGregório, no primeiro livro dosseus Diálogos, conta-nos o casodo abade São Equício. Essehomem, durante a suajuventude, fora muitoatormentado pelas tentações da

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carne; mas foi o sofrimentocausado pelas tentações que o fezse aplicar ainda mais às suasorações. E enquanto rogava aDeus por um remédio contraaquela aflição, apareceu-lhe umanjo durante a noite que otornou eunuco e, na sua visão,pareceu-lhe que extraiu todo odesejo de seus órgãos genitais; edesde então viu-se tão alheio àstentações que era como se nãohouvesse o sexo em seu corpo.Reparai no benefício advindo

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dessa purificação; pois que oabade viu-se tão pleno de virtudeque, assim como antes gozava depreeminência entre os homens,passou a gozar dessa mesmapreeminência entre as mulheres.

Na Vida dos padres, obracompilada por São Heráclides,conta-nos esse autor, no livrointitulado Paraíso, do caso de umsanto monge chamado Helias.Esse homem, movido pelapiedade, reuniu sob seucomando trinta mulheres em um

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mosteiro e começou a governá-las. Mas depois de dois anos,quando contava 30 anos, viu-seforçado a renunciar à tentação dacarne refugiando-se numeremitério. Depois de jejuar pordois dias, rogou a Deus: “Ó,Senhor Deus, matai-me ou livrai-me dessa tentação.” E aoanoitecer teve um sonho no qualtrês anjos dele se aproximavam elhe perguntaram por que fugirado mosteiro das virgens. Mascomo não se atrevesse a

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responder, por vergonha, osanjos disseram: “Se fores libertoda tentação da carne, voltarás acuidar daquelas mulheres?”Respondeu-lhes Helias que eraesse o seu desejo. Fizeram-noentão jurar que cumpriria oprometido e o tornaram eunuco.Pois que, enquanto um pareciasegurar-lhe as mãos e o outro, ospés, o terceiro arrancou-lhe ostestículos com uma faca; nãoobstante, tal não se deu narealidade, mas tão só na

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aparência. Perguntaram-lheentão se ele se sentia curado, aoque respondeu: “Estoucompletamente livre datentação.” E assim, ao quinto dia,retornou ao convívio das aflitasmulheres, com quem passou osquarenta anos restantes de suavida, sem nunca mais ter sentidoum resquício que fosse daprimeira tentação.

Bênção não menosimportante foi concedida a SantoTomás, doutor da nossa ordem, à

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qual ingressou à revelia dafamília. Para impedi-lo, seusirmãos chegaram a confiná-lo emcárcere. E, ademais, desejandotentá-lo, levaram até ele umaprostituta sedutora,suntuosamente vestida. Masquando Tomás a viu, pegou deuma tocha acesa e com o fogomaterial expulsou de sua cela oinstrumento do fogo da luxúria;e prostrando-se então em oraçãode graças pelo dom da castidade,acabou adormecendo. Em sonho,

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apareceram-lhe dois anjos doSenhor, dizendo: “Atentai! Porordem do Senhor Deus vamoscingi-lo com o cinturão dacastidade, e nenhuma outratentação há de desprendê-lo;pois que não pode ser adquiridopelos méritos da virtudehumana, porque é dado comodom pelo Senhor Deus tãosomente.” E assim sentiu-seTomás protegido, e percebendoque usava um cinto, acordoucom um grito. E foi-lhe

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concedido um dom de castidadede tal magnitude que passou,desde então, a abominar todos osprazeres da carne, que passou asó falar com alguma mulher sobcoerção, mostrando-se forte nasua castidade perfeita. Essahistória encontramos noFormicarius de Nider.

Com a exceção, portanto,dessas três classes de homens,todas as demais não estãoprotegidas das bruxas. Todas asdemais estão sujeitas aos

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malefícios ou às tentaçõescausadas por bruxaria, por umdos 18 modos que serão agoraanalisados. Precisamos, pois,primeiro descrever esses métodosna sua ordem, para que depoispossamos discutir com maiorpormenor os remédios quepermitem mitigar o sofrimentodos enfeitiçados. E para que osmétodos sejam mais bem-elucidados serão apresentadosem diversos capítulos. Primeiro,vamos revelar os vários métodos

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de iniciação das bruxas, e de quemodo elas incitam meninasinocentes a engrossar as fileirasda sua pérfida hoste. Segundo,de que modo as bruxasprofessam o seu sacrilégio e comofazem o juramento de aliançacom o Diabo. Terceiro, de quemodo são transportadas de umlugar a outro, seja no corpo, sejano espírito. Quarto, de que modocopulam com os íncubos. Quinto,o seu método geral de praticar abruxaria através dos Sacramentos

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da Igreja e, em particular, de quemodo, com a permissão de Deus,conseguem afligir todos os serescriaturais, salvo os corposcelestes. Sexto, o seu método deobstaculizar a funçãoprocriadora. Sétimo, de quemodo são capazes de arrancar omembro viril por meio de algumaarte mágica. Oitavo, de quemodo transmutam os homensem feras. Nono, de que modo osDemônios penetram no intelectodos homens sem o prejudicar.

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Décimo, de que modo osDemônios, através da operaçãodas bruxas, às vezes seincorporam, substancialmente,nos homens. Décimo primeiro,de que modo são capazes decausar toda sorte deenfermidades, numa perspectivageral. Décimo segundo, de quemodo causam certasenfermidades em particular.Décimo terceiro, de que modo asbruxas parteiras causam o malmaior, ou seja, o de matar

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crianças ou o de oferecê-las aosDemônios. Décimo quarto, deque modo causam várias pestesque se abatem sobre os animais.Décimo quinto, de que modoprovocam tormentas,tempestades, raios e trovões quese abatem sobre os homens e osanimais. Décimo sexto, décimosétimo e décimo oitavo, das trêsmaneiras pelas quais só oshomens e não as mulheres seentregam à bruxaria.Prosseguimos depois com os

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métodos pelos quais todos essestipos de malefícios podem serneutralizados.

Mas que ninguém pense que,por termos enumerado eanalisado todos esses métodos,terá adquirido um conhecimentocompleto dessas práticas; poisque tal conhecimento teria poucautilidade e talvez possa até serprejudicial. Nem mesmo os livrosproibidos de necromancia nosdão tal conhecimento; porquebruxaria não se ensina em livros,

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nem é praticada por pessoasinstruídas, é ofício tão somentedos iletrados; e tem apenas ofundamento da prática, sem aqual a ninguém será dado atuarcomo mago ou bruxa.

Não só isso: os métodos sãoaqui enumerados para que nãose dê a falsa impressão de que osatos de bruxaria sejam prodígiosincríveis, com grande prejuízopara a verdadeira fé e aumentodas bruxas. Pois que o homemque atribui tais prodígios à

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predestinação dos astros e que aessa predestinação atribui aimunidade ou a subordinação àbruxaria não está entendendocorretamente o verdadeirosentido do que declaram osdoutores da Igreja.

Em primeiro lugar, por seremos três predicados humanossubordinados a três fatorescelestiais, quais sejam, o davolição, o do entendimento e osdas ações corporais. O da voliçãoé governado diretamente por

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Deus; do entendimento, por umanjo; o das ações corporais, peloscorpos celestes.

Em segundo lugar, claro estáque o livre-arbítrio e a voliçãoacham-se subordinadosdiretamente a Deus, comodeclara São Paulo: “Está em Deusa causa de nossa vontade e denossos atos, que os fazemossegundo a Sua vontade; e oentendimento do intelectohumano é determinado por Deuspela mediação de um anjo.”

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Consequentemente, todas ascoisas corporais, sejam interiores– como os poderes e oconhecimento adquiridos pelasfaculdades corpóreas internas –,sejam exteriores – como a saúdee a doença –, são governadaspelos corpos celestes, através damediação dos anjos. QuandoDionísio, no quarto capítulo deDe Diuinis Nominibus, diz que oscorpos celestes são a causa doque ocorre no mundo, há deentender-se a que se refere: tão

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só à saúde e à doença. Noentanto, as enfermidades queestamos considerando são deordem sobrenatural, já que sãoinfligidas pelos poderes doDemônio e com a permissão deDeus. Logo, não se há de dizerque é por causa da influência dosastros que os homens sãoenfeitiçados: embora se possadizer, verdadeiramente, que porcausa dessa mesma influênciaalguns homens não o podem ser.

Mas à objeção de que esses

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dois efeitos opostos devememanar de uma mesma causa, ede que o pêndulo há de oscilarpara um lado e para o outro,convém responder: quando, pelaforça dos astros, o homem épreservado desses malessobrenaturais, não há de ser tãosomente pela influência celestial,mas por alguma força angelical,capaz de reforçar aquelainfluência de sorte a debilitar amalícia do inimigo; e a forçaangelical pode ser comunicada

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aos homens pelos corpos celestes.O homem no fim da vida, jámoribundo, pode ter sua sortealterada pela força de Deus,indiretamente, fazendo-o vencera enfermidade que o dominavaatravés de algum poder depreservação. Consequentemente,podemos dizer que o homemsujeito à bruxaria pode ser delapreservado por intermédio deum anjo incumbido de protegê-lo, pois que, de todos os meios deproteção, o principal está na

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vigília dos anjos.E quando se diz em Jeremias,

22: “Inscrevei este homem entreos que não deixaramdescendência, entre aqueles quecoisa alguma lograram na vida!”,cumpre entender que o passo sereportar às escolhas da vontade:há os que prosperam e há os quenão prosperam, o que também sepode atribuir à influência dosastros. Por exemplo, pelainfluência dos astros um homempode fazer uma escolha

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proveitosa e ingressar para umaordem religiosa. E quando o seuentendimento é iluminado e eleconsidera esse passo a dar navida, e, pela operação divina asua vontade se inclina no sentidode concretizá-lo, há de dizer-sedesse homem que está entre osque alguma coisa lograrão navida. O mesmo se diria dohomem que se inclinasse aosnegócios, ou a qualquer atividadeproveitosa. Por outro lado, eleestaria entre os que coisa alguma

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lograram se por ocasião da suaescolha se tivesse inclinado, pordeterminação das forçassuperiores, a coisas nãolucrativas.

Santo Tomás, no terceirolivro da Summa contra Gentiles eem várias outras passagens, fala-nos desses pontos e de muitosoutros, ao discutir onde está adiferença entre os bem-nascidose os desafortunados, entre os deboa sorte e os de má sorte, entreos bem-orientados e os mal-

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orientados, entre os protegidos eos desprotegidos. Pois, segundo adisposição peculiar dos astros nomomento de seu nascimento,aquele homem terá sido bem-nascido ou mal-nascido e, assim,afortunado ou desafortunado; ese ele for iluminado por um anjoe se orientar por aquelailuminação ou deixar de seorientar por ela, há de serprotegido ou desprotegido. E sereceber a orientação de Deuspara o bem e segui-la, será bem

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orientado. Mas tais escolhasfogem ao cerne do nosso assunto,que é o da preservação contra asbruxarias; e já falamos muito, porora, sobre o tema. Prossigamosno estudo dos rituais maléficos,começando pelo modo como asbruxas seduzem inocentes e osarrastam para o seu convívio nassuas perfídias.

CAPÍTULO I

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Dos métodos pelos quaisos Demônios, porintermédio das bruxas,aliciam inocentes paraengrossar as fileiras desuas hostes abomináveis.

São três os métodos principais

pelos quais os Demônios,agenciados pelas bruxas,subvertem os inocentes e pelosquais fazem crescer aquelaperfídia de modo contínuo. O

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primeiro é através da fadiga, docansaço, fazendo-os sofreremgrandes perdas em seus benstemporais. Pois, como diz SãoGregório: “O Diabo, por vezes,deseja que lhe cedamos pelocansaço.” E é mister entenderque está ao alcance da vontadehumana resistir a essa espécie detentação. E Deus a permite paraque nos sirva de aviso, para quenão cedamos à preguiça. E énesse sentido que se deveentender o trecho escriturístico

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Juízes, II, em que se conta queDeus não destruiu aquelasnações para a provação do povode Israel; e faz menção tambémàs nações vizinhas dos cananeus,dos jebuseus e de outros povos.Mais recentemente temos o casodos hussitas e de outros povoshereges que não foramdestruídos para que nosservissem de provação. OsDemônios, portanto, por meiodas bruxas, assim afligem seusvizinhos inocentes com a perda

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de bens temporais, para quesejam, por assim dizer,compelidos a suplicarem,primeiro, pelo sufrágio dasbruxas e, ao cabo, a sesubmeterem aos seus conselhos,como nos têm ensinado diversosepisódios.

Sabemos do caso de umestrangeiro na diocese deAugsburg que antes de completar44 anos perdeu todos os seuscavalos, sucessivamente, porcausa de bruxaria. Sua esposa,

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fatigada e aflita com o que lhessucedeu, decidiu consultar-secom certas bruxas e, depois deseguir os seus conselhos, comosempre perniciosos, viu quetodos os cavalos desde entãoadquiridos (seu marido fazia otransporte de cargas) não maisforam molestados pelasbruxarias.

E quantas mulheres já vierama nós se queixar, comoInquisidores, de que, quandosuas vacas deixam de dar leite

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por alguma causa ou maldesconhecido, são obrigadas aconsultar mulheres suspeitas,possivelmente bruxas, de quematé chegam a ganhar remédios, equando lhes indagam o quedevem lhes prometer em troca,as bruxas respondem que algosem muita importância: bastaexecutarem as instruções domestre com relação a certosmomentos durante os OfíciosSagrados da Igreja ou, então, semostrarem mais reservadas e

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guardarem-se de certasconfissões aos padres.

Convém aqui observar umponto a que já aludimos: noprincípio, essa iniquidade se fazpor atitudes esparsas sem maiorimportância, como, por exemplo,a de, no momento da elevaçãodo Corpo de Cristo, cuspir nochão, fechar os olhos oubalbuciar palavras vãs. Sabemosdo caso de uma mulher queainda está viva, protegida pela leisecular, e que, quando o padre

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durante a celebração da missaabençoa o povo com o Dominusuobiscum, sempre aduz asseguintes palavras em linguagemvulgar: “Kehr mir die Zung imArss umb.” Noutras ocasiõesdizem algo semelhante apósterem recebido a absolvição, enoutras, ainda, não confessamtodos os pecados, sobretudo osmortais. Assim, passo a passo,vão sendo levadas à abnegaçãototal da fé, e à afirmaçãoabominável do sacrilégio.

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Esse método, ou algumsemelhante, é o que as bruxasutilizam contra as matronashonestas que, embora poucodadas aos vícios carnais, seacham preocupadas com os víciosmundanos. Por outro lado,contra as jovens, mais chegadas àlascívia e aos prazeres do corpo,seguem método diverso,operando através de seus desejossexuais e dos prazeres da carne.

Ora, o Diabo é mais ávidopor tentar o bom do que o

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injusto, embora na realidadeacabe tentando mais o último, jáque a propensão para ser tentadoé neste mais encontradiça do queno primeiro. Portanto, o príncipedas trevas tenta de todas asmaneiras seduzir as virgens e asmeninas mais puras; e há ummotivo para isso, além de muitosexemplos.

Pois, como já possui operverso, mas não o justo,esforça-se de todos os modospara seduzir a estes, os que ainda

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não possui. De forma análoga,todo príncipe terreno erguearmas contra os que nãoassentem suas ordens, nuncacontra os que não se lhe opõem.

Eis aqui um exemplo. Duasbruxas, de quem falaremosdepois, ao tratarmos de seusmétodos para desencadearemtempestades, foram queimadasem Ratisbon. Uma delasconfessou, entre outras coisas, oseguinte: padecera de muitosmales de origem demoníaca em

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decorrência de um estranhoepisódio. Existia uma certavirgem devota a quem, porordem do Diabo, deveria seduzir.Essa virgem era filha de umhomem muito rico, embora sejadesnecessário mencionar o seunome, porque hoje está morta, àdisposição da misericórdiadivina, e também nãogostaríamos que os seuspensamentos fossem pervertidospelo mal; e a feiticeira, assim, foiinstruída para convidá-la à sua

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casa num dia de festa, para que opróprio Demônio, na forma deum jovem, pudesse falardiretamente com ela. Emborativesse tentado fazer-lhe oconvite diversas vezes, sempreque a ela se dirigia a moça seprotegia com o sinal da cruz. Enão há dúvida de que assimprocedia por inspiração de umsanto anjo, para repelir asintenções do Diabo.

Outra virgem, que vivia nadiocese de Estrasburgo,

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confessou a um de nós que numcerto domingo, quando se achavasozinha na casa do pai, foiprocurada por uma bruxa: “Emmeio à sua conversa obscena, abruxa me propôs que se euquisesse ela poderia me levar aum lugar onde se encontravamalguns jovens desconhecidos detodos na cidade. Acabeiconsentindo e a acompanhei atésua casa. Lá chegando a velhamulher me disse:

“– Olhe, vamos lá para o

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quarto de cima onde eles estão,mas preste atenção para nãofazeres o sinal da cruz ao entrar.

“Prometi-lhe que não o faria.Mas, enquanto ela me conduziapela escada até o quarto, eu o fiz,secretamente. Ao chegarmos noalto da escada, a velha voltou-separa mim e com a fisionomiatransfigurada de ódio, olhando-me bem nos olhos, vociferou:

“– Maldita! Por que fizeste osinal da cruz? Vai-te daqui! Vaiembora em nome do Diabo!

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“E foi assim que conseguivoltar para casa sã e salva.”

Pode-se ver por esses relatoscom que astúcia o malignotrabalha pela sedução das almas.Pois foi dessa maneira que abruxa mencionada no primeirocaso confessou como foraseduzida por uma outra velhabruxa. Método diferente foi, noentanto, empregado no caso deuma companheira sua. Essa outraencontrou o Diabo em formahumana na estrada quando se

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dirigia à casa do amante paracom ele fornicar. E quando oíncubo a viu e perguntou-lhe se oreconhecia, respondeu-lhe quenão. Ao que o Demônioretorquiu:

– Eu sou o Diabo; se quiseres,estarei sempre pronto parasatisfazer os teus desejos e nuncate deixarei passar por qualquernecessidade.

A moça assentiu à vontadedo Demônio e com elecontinuou praticando todas as

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obscenidades diabólicas durante18 anos, até o fim da vida.Durante esse período, foiobrigada à mais absoluta negaçãoda fé como condição necessária.

Mas a tentação também sefaz por uma terceira forma: pormeio da tristeza e da pobreza.Depois de as moças seremcorrompidas e abandonadaspelos amantes – tendo com elesousadamente copulado depois deacreditarem nas promessas decasamento –, e vendo-se na mais

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completa desesperança,desprezadas por todos, voltam-separa os Demônios, em busca deauxílio e proteção. Veem-se,então, forçadas ora a enfeitiçar osamantes ou as mulheres comquem se casaram, ora a seentregar a toda sorte delibidinagem. Ai de nós! Aexperiência mostra-nos que sãoincontáveis os casos dessaespécie, e, portanto, incontáveistambém as bruxas que provêmdessa classe. Consideremos

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alguns dentre os muitosexemplos existentes.

Há um lugarejo na diocese deBrixen onde um jovem deu oseguinte depoimento a respeitodo feitiço que se abateu sobre suamulher.

“Quando eu ainda era bemjovem, tive um caso de amor comuma certa moça. Vivia insistindopara que me casasse com ela.Mas recusei e acabei me casandocom uma jovem de outro país.No entanto, em consideração à

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amizade que restou entre nós,convidei-a para a cerimônia denosso casamento. Ela assegurou-me que viria. Contudo, durante acerimônia, enquanto as outrasmulheres honestas nosdesejavam felicidades e nosdavam presentes, ela ergueu amão em direção à minha noiva e,ali mesmo, diante de todos osconvidados, avisou:

“– De hoje em diante teráspoucos dias ainda com saúde.

“Minha noiva ficou muito

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assustada, pois não a conhecia(como disse, era de outro país).Perguntou aos circunstantesquem era a mulher que aameaçara. Informaram-lhetratar-se de uma vadia, de umamulher promíscua. Pois bem,aconteceu exatamente o que amulher vaticinara. Alguns diasdepois, minha esposa viu-seinutilizada nos quatro membros emesmo hoje, dez anos depois, osefeitos da bruxaria ainda sãovistos em seu corpo.”

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Se fôssemos reunir todos oscasos semelhantes daqueladiocese, teríamos material paraum livro inteiro. Tais casos foramtranscritos e se achampreservados na casa do bispo deBrixen, que ainda vive paraatestar-lhes a verdade, por sereminéditos e estarrecedores.

Não podemos, contudo,passar por cima de tantosepisódios em silêncio. Um certoconde bem-nascido, do distritode Westerich, da diocese de

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Estrasburgo, casou-se com umanobre moça, de famíliaigualmente rica; mas, logo depoisde celebrado o matrimônio, viu-se o conde impossibilitado deconhecê-la carnalmente, e nessacondição ficou durante três anos.Provou-se depois tratar-se de ummalefício que sobre ele recaíra.Muito ansioso, sem saber o quefazer, apelou esse homem em vozalta aos santos do Senhor.Aconteceu, então, de ir anegócios ao estado de Metz;

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numa das cidades de Metz,enquanto passeava pelas ruas epraças, acompanhado dacriadagem, por acaso deu comuma mulher que, em tempos járemotos, fora sua amante. Ao vê-la, absolutamente esquecido domal que lhe vinha acontecendo,cumprimentou-a com delicadeza,em consideração à velhaamizade. Perguntou-lhe comopassava. Ao vê-lo tão cordial, amulher indagou-lhe muitoparticularmente como ele ia de

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saúde e de negócios. Ao que oconde não hesitou: tudoprosperava, tudo ia muito bem.A mulher, atônita, permaneceucalada por alguns instantes. Oconde, ao perceber suaperplexidade, resolveu manter acordialidade e a conversa. Amulher tornou a insistir:

– E como tem passado suaesposa?

– Melhor impossível –assegurou-lhe o conde.

– Vocês têm filhos?

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– Temos. A cada ano decasados tivemos um. Mas porque, minha cara, me fazes todasessas perguntas? Estou certo deque te congratulas com a minhafelicidade.

– Decerto que me congratulo– confirmou a mulher –, masmaldita seja aquela velha que medisse que não serias capaz de terrelações com a tua mulher!Coloquei um pote com certosobjetos enfeitiçados naquele poçobem no meio do teu quintal. Lá o

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coloquei para que, enquanto lápermanecesse, não te fossepossível manter relações com ela.Mas vê só! Foi tudo em vão, efico muito feliz com isso...

Ao voltar para casa, o condeordenou sem demora quedrenassem o poço e,encontrando o pote, queimou-o,junto com o que havia dentrodele. E assim recuperouimediatamente a virilidadeperdida. Depois disso, tornou aconvidar toda a nobreza para

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nova celebração do casamento, jáque a condessa era agora de fatoa senhora daquele castelo edaquele estado, depois de terpermanecido virgem por tantotempo. Em consideração àreputação do conde, não convémmencionar o nome do castelonem o do estado; no entanto,contamos a história para que averdade sobre tal assunto sejaconhecida e para que se submetatão hediondo crime à execraçãopública.

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Vemos, assim, que as bruxaslançam mão de váriosexpedientes para aumentar assuas hostes. Pois a mulhermencionada nos parágrafosanteriores, ao ver seu lugarocupado pela esposa do conde,lançou-lhe um malefício com aajuda de outra feiticeira; e édessa forma que a bruxariaarrasta consigo tantas outraspessoas.

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CAPÍTULO II

De como se faz um pacto normalcom o Diabo.

A maneira de as bruxas

proferirem o seu sacrilégioatravés de pacto explícito defidelidade aos Demônios – variasegundo os diversos ritos debruxaria. Para entendermos issoé preciso lembrar que, conformemostramos na Parte I deste

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tratado, existem três tipos defeiticeiras: as que injuriam masnão curam; as que curam mas,por meio de algum estranhopacto com o Diabo, não injuriam;e as que injuriam e curam. Entreas primeiras, há uma classeparticularmente proeminente: adas que são capazes de fazer todasorte de bruxaria e deencantamento, abrangendo tudoo que todas as demais só sãocapazes de fazerindividualmente. Pelo que, se

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descrevermos o método deafirmação sacrílega em seu caso,estaremos esclarecendo jásuficientemente o método usadopor todas as outras. E essa classecompõe-se daquelas que, agindocontra o instinto da natureza eanimal, têm por hábito matar edevorar crianças de sua própriaespécie.

É a classe de bruxas maispoderosa e que, ademais, sededica à prática de muitos outrosmalefícios. Pois desencadeiam

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tempestades danosas com raios etrovões; causam a esterilidade dehomens e de animais; fazemoferenda de crianças aosDemônios, as quais acabammatando e devorando. Mas só asque não renasceram pelo batismona pia batismal: as batizadas sãoincapazes de devorar criançassem a permissão de Deus. Sãocapazes, também, fora da vista deoutras pessoas, de jogar ascrianças que brincam, pelasribanceiras, dentro d’água

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(mesmo à vista dos pais); de fazercavalos enlouquecerem sob asrédeas dos próprios cavaleiros; dese transportar de um lugar aoutro, em corpo físico ou naimaginação; de interferir na açãode juízes e de magistrados,impedindo-os de puni-las; demanter-se, a si próprias e aoutros, em silêncio, sob tortura;de causar grande pavor nos queas capturam, os quais se veemacometidos de violentos tremoresnas mãos; de revelar a outros,

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coisas ocultas, e de predizereventos futuros, através do quelhes é comunicado pelosDemônios, embora tal fenômenopossa, de vez em quando, tercausa natural (ver a questão: “Seos Demônios são Capazes dePredizer o Futuro”, no Segundolivro das sentenças); são capazestambém de ver o que estáausente; de virar a cabeça doshomens para o amor ou para oódio desmedidos; de, por vezes,atingir a quem lhes aprouver com

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raios; e de, até mesmo, fulminarcom raios homens e animais; dedeixar sem efeito os desejosprocriadores, e até mesmo a forçacarnal da cópula, e de causar oaborto e a morte do feto no úteromaterno a um simples toque noventre; de, por vezes, enfeitiçarhomens e mulheres por meroolhar, sem os tocar, e de causar-lhes, dessa forma, a morte; dededicar os próprios filhos aosDemônios e, em suma, como jáfoi dito, de causar todos os

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flagelos que as demais bruxas sóconseguem provocar em certamedida, desde que a justiçadivina assim o permita. Todasessas coisas tal classe defeiticeiras, de todas as classes, amais poderosa – é capaz de fazer,mas não de desfazer.

Ora, uma prática comum atodas as bruxas é a cópula carnalcom os Demônios; portanto, semostrarmos o método usado poressa classe principal na suaafirmação sacrílega, qualquer um

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há de entender facilmente ométodo empregado pelas demaisclasses.

Há trinta anos existiambruxas dessa espécie na comarcade Savoy, próxima do estado deBerna, segundo nos conta Niderem seu Formicarius. Hojeexistem algumas na Lombardia,nos domínios do duque daÁustria – onde o Inquisidor deComo, conforme dissemos naParte I, levou à fogueira 41bruxas em um ano; conta ele

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hoje 55 anos de idade e aindatrabalha na Inquisição.

Pois bem: dúplice é o métodode juramento sacrílego. Numa desuas modalidades, é feito emcerimônia solene. Na outra, éprivada, e o juramento é feito aoDiabo em qualquer hora e emsigilo. A cerimônia solene érealizada em conclave, com datamarcada. Nela, o Diabo apareceàs bruxas em forma de homem,reclamando-lhes a fidelidade queserá firmada em voto solene. Em

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troca, promete-lhes aprosperidade mundana elongevidade. Depois, asfeiticeiras recomendam-lhe umainiciante – uma noviça –, paraseu acolhimento e aprovação, aquem o Diabo então pergunta:

– Juras repudiar a fé erenunciar à santa religião cristã eà adoração da mulher anômala?– porque assim chamam aSantíssima Virgem Maria. – Jurasnunca mais venerar osSacramentos?

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Se então parece-lhe que anova discípula está disposta aassentir com o que lhe é pedido,estende-lhe a mão, ao que elaresponde fazendo o mesmo e, debraço estendido, firma ojuramento e sela o própriodestino. Feito isso, o Diaboprossegue:

– Ainda não basta.– E o que mais há para ser

feito? – indaga a discípula.– É preciso que te entregues a

mim de corpo e alma, para todo

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o sempre, e que te esforces aoextremo para trazer-me outrosdiscípulos, homens e mulheres. –E assim prossegue na preleção,explicando-lhe como fazer apomada especial dos ossos e dosmembros de crianças, sobretudode crianças batizadas; e por tudoisso, e com a sua ajuda, ela severá atendida em todos os seusdesejos.

Nós Inquisidores sabemos deum caso verossímil dessacerimônia na cidade de Breisach,

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da diocese da Basileia. A histórianos foi contada por uma jovembruxa que acabou por converter-se, e cuja tia fora queimada nadiocese de Estrasburgo.Confessou-nos que se tornarabruxa atraída pela tia.

Certo dia sua tia ordenou-lheque subisse com ela ao andar decima da casa e que entrasse noquarto onde se encontravam 15jovens, todos vestidos de verde,como se fossem cavaleirosalemães. Disse-lhe então a tia:

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– Escolhe um dentre estesjovens. Eu o darei a ti e ele tetomará como esposa.

Ao responder que nãodesejava nenhum deles, foiseveramente espancada e teve deconsentir. Foi assim iniciada nabruxaria segundo a cerimôniaantes descrita. Contou-nos aindaque costumava ser transportada ànoite junto com a tia por longasdistâncias, até mesmo deEstrasburgo a Colônia.

Essa moça é a que nos levou

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a indagar, na Parte I, se as bruxassão de fato transportadas,corporeamente, pelos Demônios,de um lugar para outro. E issoem virtude das palavras doCânon (6, q. 5, Episcopi), queparecem dizer que só o são naimaginação; no entanto, são àsvezes realmente transportadasem corpo físico.

Pois quando indagada sevoavam só na imaginação, só nafantasia, por alguma ilusãodiabólica, respondeu-nos ela que

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o faziam de ambas as maneiras:essa é a verdade que havemos deelucidar depois, quandotratarmos do modo pelo qual sãotransportadas de um lugar aoutro. Contou-nos ainda que ospiores males eram infligidos pelasbruxas parteiras, porque eramobrigadas a matar ou a ofereceraos Demônios o maior númeropossível de recém-nascidos; e quecerta vez fora espancada pela tiaporque abrira um pote secretoonde estavam guardadas as

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cabeças de muitas crianças. Emuito mais nos contou, tendoprimeiro, como de praxe, feito ojuramento de só dizer a verdade.

Seu relato de como as bruxasprofessam a sua fé no Diabo estáindubitavelmente de acordo como que foi dito pelo eminentíssimodoutor João Nider, cuja obra,mesmo em nossos tempos, é pordemais esclarecedora. É digna demenção a história que esse autorouviu do Inquisidor de Edua,responsável por numerosos

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processos inquisitoriais naqueladiocese e que muitas bruxaslevou à fogueira.

Contou-lhe aquele Inquisidorque no ducado de Lausannealgumas feiticeiras cozinhavam ecomiam os próprios filhospequenos, seguindo um rito,descrito a seguir, para a iniciaçãode novas discípulas. Depois dereunidas, convocavam, mediantepalavras mágicas, o Demônio emforma de homem, a quem anoviça era obrigada, sob

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juramento, a negar a religiãocristã, a renegar a Eucaristia e aprometer pisotear na cruz sempreque pudesse fazê-lo sem ser vista.

Damos aqui outro exemplodessa mesma fonte. Fez-se hápouco tempo um relatório geralque chegou ao conhecimento dePedro, o juiz de Boltingen. Neleafirmava-se que 13 recém-nascidos haviam sido devoradosno estado de Berna. A justiçapública exigiu a punição dosassassinos. Quando Pedro

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indagou a uma das bruxascapturadas de que modo haviamdevorado as crianças, elarespondeu:

– Armamos nossasarmadilhas principalmentecontra as crianças não batizadas,embora também contra as que jáforam batizadas, especialmentequando não se acham sob aproteção do sinal da cruz e dasorações.

(Repare o leitor que elascapturam principalmente as não

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batizadas, por mando do Diabo,para que se vejam privadas desseSacramento.) A bruxaprosseguiu:

– São mortas por meio denossos malefícios e de nossaspalavras mágicas nos própriosberços ou quando estãodormindo junto aos pais. Desorte a parecer que morreramasfixiadas pelo próprio peso oupor alguma outra causa natural.Depois as desenterramossigilosamente e as cozinhamos

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num caldeirão, até que toda acarne se desprenda dos ossos e setransforme num caldo, fácil deser bebido. Da matéria maissólida fazemos uma pomada, quenos é de grande valia em nossosritos, em nossos prazeres e emnossos deslocamentos; com olíquido, enchemos um cantil ouodre. Quem dele bebe, durantecertos ritos, adquireimediatamente profundoconhecimento de nossa seita e setransforma em uma de nossas

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líderes.Eis aqui outro exemplo

claríssimo. Um jovem e a esposa,ambos feiticeiros, foramaprisionados em Berna; ele,trancado numa torre e separadoda mulher, declarou:

– Se pudesse obter o perdãodos meus pecados, contaria tudoo que sei a respeito de bruxaria;pois acho que devo morrer.

E quando os doutos que lá seencontravam disseram-lhe quepoderia obter o completo perdão

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se se arrependesseverdadeiramente, o jovem, comgrande alegria, resignou-se àmorte e revelou o método peloqual fora, a princípio,contaminado por aquela heresia.

– Fui assim seduzido.Primeiro, era necessário que numdomingo antes da consagraçãoda água benta o noviço entrassena igreja com seus mestres. Láentão, na presença destes, tinhade negar Cristo, a fé, o batismo etoda a Igreja. Depois era

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obrigado a prestar homenagemao Pequeno Mestre, pois eraassim que se referiam ao Diabo.

Ora, o método condiz com osque já foram descritos por outraspessoas. Ademais, é irrelevantese o Diabo está ou não presentequando se lhe prestahomenagem. Pois, astuto que é,não vai se mostrar ao noviçopercebendo-lhe o temperamento:sua presença poderia assustá-lo efazê-lo desdizer-se em seus votos;é sempre mais facilmente

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persuadido pelos que lhe sãoconhecidos. Portanto, naausência do Diabo, chamam-node Pequeno Mestre, para que,através de uma aparentedepreciação de sua força, onoviço tenha menos receio.

E o bruxo prosseguiu:– Bebem então do odre, já

mencionado, e quem o fazimediatamente adquire oconhecimento de todas as nossasartes e um entendimento detodos os nossos ritos e de nossas

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cerimônias. E assim é que fuiseduzido. Creio porém queminha esposa é tão obstinadaque há de preferir ir direto para afogueira do que confessar amenor parcela da verdade; mas,ai de mim!, nós dois somosculpados.

E, conforme disse o moço,assim aconteceu de fato. O jovemse confessou e foi visto morrer nomais pungente estado decontrição; a mulher, porém,embora declarada culpada por

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testemunhas, nada confessou daverdade, nem sob tortura, nem àprópria morte; quando porém afogueira foi preparada pelocarcereiro, insultou-o com asmais tenebrosas palavras eacabou por morrer queimada,vociferando palavrões eimpropérios. Mediante taisrelatos, portanto, revelamoscomo é feita a iniciação dosprincipiantes em conclave solene.

A outra forma de iniciação, asecreta, é realizada de várias

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maneiras. Às vezes, quandohomens e mulheres são atingidospor alguma aflição corpórea outemporal, o Diabo lhes aparece,por vezes, em pessoa, noutraslhes fala pela boca de outroindivíduo; e promete-lhes, seassentirem com seus conselhos,que por eles fará tudo o queestiver ao seu alcance. Mas nessecaso começa pedindo-lhespequenos favores e prossegue,gradualmente, para exigênciascada vez maiores. Poderíamos

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mencionar muitos exemplos quechegaram a nosso conhecimentona Inquisição, mas, como oassunto não apresentadificuldades, pode serresumidamente incluído com otema precedente.

De alguns pormenoresa respeito de seujuramento defidelidade.

Ora, existem certos pontos a

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serem observados a respeito dafidelidade exigida pelo Diabo:por que motivo e de que maneiradiversa há de ser conduzida? Éóbvio que o principal motivo estáem causar maior ofensa àMajestade Divina ao usurpar-lheuma criatura que a Ela eradevotada, garantindo destarte,mais certamente, a futuradanação do discípulo, sua metaprimordial. No entanto, muitasvezes descobrimos que ojuramento só tem validade por

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um período determinado deanos, período fixado nomomento da declaração daperfídia; e, às vezes, o Diabo sóexige essa declaração, adiando ahomenagem para algum outrodia.

Cumpre esclarecer: afirmaçãosacrílega consiste na negação,total ou parcial, da fé: é totalquando a fé é completamenterepudiada; é parcial quando opacto original só obriga a bruxa acontrariar, em certas cerimônias,

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o que determina a Igreja: jejuaraos domingos, comer carne àssextas-feiras, ocultar certoscrimes durante a confissão eoutras coisas profanas.Entretanto, no culto dehomenagem ao Diabo hánecessidade de entregar-lhe ocorpo e a alma.

E são quatro as razões porque o Diabo faz tal exigência.Mostramos, na Parte I de nossotratado, ao examinarmos se osDemônios seriam ou não capazes

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de induzir o intelecto de umhomem para o amor ou para oódio, que não são eles capazes depenetrar no íntimo de seuscorações: estes só a Deuspertencem. Mas o Diabo pode vira saber o que pensa um homempor conjeturas, conformemostraremos mais adiante.Portanto, se o ardiloso inimigopercebe que a principiante vaioferecer resistência à persuasão,dela se aproximasorrateiramente, fazendo-lhe tão

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somente pequenas exigências,para só mais tarde impor-lhe asmaiores.

Em segundo lugar, é precisolembrar que há uma certadiversidade entre os que negam afé, já que alguns a negam com oslábios e com o coração, enquantooutros a negam das duasmaneiras: com os lábios e com ocoração. Logo, o Diabo, desejosode saber se a afirmação defidelidade é sincera, concede-lhes um determinado prazo, ver

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se de fato, pelas ações e pelospensamentos, as iniciadas lhe sãofiéis.

Em terceiro lugar, se depoisde transcorrido aquele lapso detempo, ele vê que a principiantenão se mostra tão disposta a fazero que lhe foi pedido, e a ele estáligada só pela palavra, mas nãopelo coração, presume que aMisericórdia Divina deu-lhe aguarda de um anjo bom, cujopoder, pelo que lhe é dado saber,é bem maior. O Diabo então a

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desdenha e tenta expô-la aaflições temporais, para quepossa, de alguma forma, lucrarcom o seu desespero.

Clara é a verdade dessasdeclarações. Por que algumasbruxas não confessam a verdademesmo sob as maiores torturas,enquanto outras prontamenteconfessam seus crimes tão logosão interrogadas? (Algumas, apósterem confessado, chegam atentar enforcar-se.) A razão é aseguinte. Pode-se dizer,

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verdadeiramente, que quandonão é por algum impulso divino– conduzido por um santo anjo –que a bruxa confessa a verdade eabandona o período de silêncio,há de ser, então, por causa doDiabo que ela ou vai se manterem silêncio ou vai confessar seuscrimes. Ficarão em silêncioquando ele sabe que negaram afé com seus lábios e com seucoração, e que também lheprestaram sua homenagem; poisele tem certeza de sua fidelidade.

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No último caso, ele retira a suaproteção, já que sabe que elasnão lhe trarão mais nenhumlucro.

Pelo que temos ouvido nasconfissões das que levamos àfogueira, sabemos não serem elasagentes voluntários da bruxaria.E dizem-nos isso não naesperança de escaparem dadanação, porque a verdade étestemunhada pelos murros eaçoites desferidos pelosDemônios, quando não se

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mostram dispostas a obedeceremàs suas ordens. Não raro, temosvisto os seus rostos inchados elívidos. De modo semelhante,depois de terem confessado osseus crimes sob tortura, sempretentam se enforcar; e issosabemos pelo fato de que, depoisda confissão de seus crimes, osguardas ficam incumbidos devigiá-las o tempo todo, mas,mesmo assim, por algumanegligência por parte deles,acabam se enforcando com o

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cadarço dos sapatos ou com aspróprias roupas. E é o Diabo queas leva a agir assim, para que nãopossam obter o perdão, pelacontrição ou pela confissãosacramental; e aquelas cujocoração ele não consegueseduzir, por graça do SenhorDeus, tenta levar ao desespero,através de perdas materiais e demorte dolorosa. No entanto,através da graça do Senhor, comoconvém piamente acreditar, elaspodem obter o perdão pela

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contrição verdadeira e pelaconfissão sincera, quando nãoforam participantes voluntáriasdessas práticas hediondas eobscenas.

Isso é exemplificado porcertos acontecimentos queocorreram há cerca de três anos,nas dioceses de Estrasburgo e deConstância, e nas cidades deHagenau e de Ratisbon. Nacidade de Hagenau, uma bruxase enforcou com a própria roupade tecido bem fino. Uma outra,

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chamada Walpurgis, era notávelpor sua capacidade depermanecer em silêncio eensinava as outras mulheres deque modo obter aquelaresistência: bastava para talcozinhar o próprio primogênitonum forno. Temos à mão muitosdesses exemplos, dos quaisalguns serão relatados.

Há uma quarta razão por queo Diabo exige homenagem emgraus variáveis. Em alguns casos,o período de homenagem é

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relativamente exíguo porque,sendo ele mais habilidoso que osastrônomos, conhece a duraçãoda vida humana e, assim, fixa oprazo que sabe que seráprecedido pela morte da pessoa,ou então lhe antecipa a mortenatural com algum acidente.

Tudo isso pode serdemonstrado, em suma, pelasações e pelo comportamento dasbruxas. Havemos, primeiro, dededuzir a astúcia do Demôniopor tais ações e comportamento.

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Segundo Santo Agostinho no DeNatura Daemonis, são sete asrazões por que os Demôniosconseguem prever eventosfuturos prováveis, embora não ossaibam afirmar com certeza.

A primeira é que possuemuma certa sutileza natural em seuentendimento, pelo que chegamao conhecimento de tais eventossem necessidade do processo deraciocínio que nos é peculiar.

Em segundo lugar, pela sualonga experiência e pela

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revelação dos espíritos supernos,sabem mais do que nós. Pois nosdiz São Isidoro: “Segundo osdoutores da Igreja, muitas vezesos Demônios obtêm a suaextraordinária astúcia de trêsfontes: de seu sutil entendimentonatural, de sua longa experiênciae da revelação dos espíritoscelestiais.”

A terceira razão está na suarapidez de movimento, pela qualsão capazes de, com miraculosavelocidade, antecipar e prever no

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Ocidente o que está acontecendono Oriente.

Em quarto lugar, temos que,à medida que são capazes de,com a permissão de Deus, causardoenças e flagelos, são tambémcapazes de predizê-los.

Em quinto lugar, são capazesde, com maior sagacidade, ler ossinais da morte do que ummédico quando examina a urinaou toma o pulso. Pois assimcomo o médico vê sinais numdoente que um leigo em

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medicina não percebe, de formaanáloga os Demônios veemaquilo que os homensnaturalmente não enxergam.

Em sexto lugar, são capazesde prever mais astutamente queo mais sábio dos homens o quese passa e o que se passará nopensamento de um homem,pelos sinais que do intelectohumano procedem. Pois sabemquais os impulsos e, logo, quaisas ações que daí decorrerão.

Em sétimo lugar, entendem

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melhor do que os homens os atose os escritos dos profetas e, comodestes muito depende o futuro,são capazes de muito maispredizer o que irá ocorrer. Nãoadmira, portanto, que sejamcapazes de saber qual há de ser aduração da vida de um homem.Embora seja diverso no caso daduração acidental quando umabruxa é queimada. Nesse caso, oDiabo acaba por causá-la, aodescobrir que a bruxa é relutantee receia pela sua conversão; ao

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passo que protege até mesmopela morte natural as outras queele sabe serem seus agentesvoluntários.

Vamos dar alguns exemplosde ambos os casos que chegaramaté nosso conhecimento.

Havia na diocese da Basileia,numa cidade chamadaOberweiler, às margens do Reno,um honesto pároco que,credulamente, defendia aopinião – ou talvez o erro – deque não existiam bruxas neste

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mundo, que estas só existiam naimaginação dos homens queatribuíam certos fenômenos àbruxaria. Mas Deus desejouexpurgá-lo de seu erro fazendo-osaber, inclusive, que osDemônios têm por hábitoestipular um certo prazo para avida das bruxas nesta Terra.Certo dia, estando muitoatrasado para um compromisso,saiu de casa às pressas. Tal era asua pressa que, ao cruzar a ponte,esbarrou numa velha que por ali

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passava, derrubando-a nas águaslodosas do rio. Indignada, avelha despejou-lhe uma torrentede insultos e finalizou:

– Padre! Não cruzarás aponte com impunidade!

Embora pouca importânciatenha dado àquelas palavras, namesma noite, ao precisarlevantar-se da cama, viu-seenfeitiçado da cintura para baixoe, desde então, passou anecessitar do apoio de outrohomem sempre que desejava ir à

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Igreja; e nesse estadopermaneceu durante três anos,sob os cuidados de sua própriamãe. Transcorrido esse tempo,aconteceu de a velha que jogarano rio e de quem já suspeitavaque o tivesse enfeitiçado ficarmuito doente. Não tardou queviessem pedir-lhe para que aouvisse em confissão. Embora nasua primeira reação tenhavociferado para que ela fosseconfessar com o Diabo, seumestre, a mãe dele interveio e, a

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seu pedido, consentiu em irvisitá-la, ajudado por doiscriados. Lá chegando, sentou-seà cabeceira da cama onde seencontrava deitada a velha eouviu-a em confissão. Os doiscriados a tudo escutaram do ladode fora da janela, curiosos queestavam em saber se ela iria lhecontar a verdade. E não obstantea princípio não tivesse feitomenção de ter sido ela acausadora do mal, depois determinada a confissão disse:

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– Padre, o senhor sabe quemo enfeitiçou?

– Não – respondeu-lhe opadre delicadamente, ao que elaretorquiu:

– Ora, padre, o senhorsuspeita de mim, com razão. Poissaiba que lhe causei essemalefício pelo seguinte motivo –e então relembrou-lhe o episódioda ponte. Depois que o párocopediu-lhe para ser liberado, elaainda disse:

– Olhe! O tempo estipulado

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acabou e eu devo morrer;morrerei dentro de alguns dias edepois de minha morte o senhorestará curado.

E assim aconteceu. A velhamorreu no prazo estabelecidopelo Demônio e certa noite, 30dias depois, o padre viu-secompletamente curado. O nomedo padre é Hässlin, e ele aindavive na diocese de Estrasburgo.

Caso semelhante deu-se nadiocese da Basileia, num vilarejochamado Buchel, próximo à

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cidade de Gewyll. Lá existiu umacerta mulher que durante seisanos copulou com um íncubo,mesmo quando deitada ao ladodo marido. Com o Demôniocopulava três vezes por semana:aos domingos, às terças e àsquintas. E também em certasnoites mais sagradas. Mas ojuramento que ela fizera aoDemônio fora o de a ele seentregar de corpo e alma parasempre, depois de um períodoinicial de sete anos. No entanto,

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Deus foi misericordioso: amulher foi capturada no sextoano e condenada à fogueira. Ecomo tivesse de fato everdadeiramente confessado oseu crime, acredita-se que tenhaconseguido o perdão de Deus.Pois foi para a morte com maioralegria no coração, dizendo-sefeliz em sofrer mesmo a puniçãomais terrível, pois que atravésdela havia de se livrar e deescapar do poder do Diabo.

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CAPÍTULO III

De que modo são asbruxas transportadas deum lugar a outro.

Vamos agora considerar as

cerimônias e de que modorealizam as operações maléficas,primeiro, com relação a sipróprias, depois, com relação àsoutras pessoas. Entre asprincipais operações, duas são de

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maior vulto: o seu transporte deum lugar a outro e a relaçãocarnal que mantêm com íncubos,de que trataremosseparadamente, começando peloseu traslado corpóreo. Cabe aqui,no entanto, apontar que a suaveiculação pelo ar oferece umadificuldade, que já mencionamose que advém de uma sóautoridade ao declarar: “Não sepode admitir como verdadeiroque certas mulheres perversas –pervertidas por Satanás e

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seduzidas pelas ilusões e pelosfantasmas diabólicos – cavalguempelos ares de fato, em certasbestas, ao lado de Diana (ou deHeródias), a deusa pagã, nosilêncio da noite. E que, ao ladode uma multidão de mulheres,transvoem imensas distâncias,obedecendo-lhe como suamestra” etc. Pelo que osdiscípulos do Senhor hão depregar ao povo que isso éabsolutamente falso e que taisfantasmas não são enviados por

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Deus e sim por algum espírito domal, para confundir a mente dosfiéis. Pois que o próprio Satanástoma a forma de diversos serescriaturais e, em sonhos, aprisionao intelecto dos homens e osconduz por caminhos sinuososetc.

Há ainda os que, tomando oexemplo de São Germano e deoutros homens que vigiam assuas filhas para ver se isso éverdade, por vezes pregam queisso é algo totalmente impossível;

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e que é injudicioso atribuir taislevitações às bruxas e às suasoperações, tanto como éimprudente atribuir-lhes osmales que se abatem sobre oshomens e sobre os frutos daterra; pois assim como sãovítimas da fantasia, nos seus voosnoturnos, dela são tambémvítimas ao se acreditarem capazesde causar danos às criaturasvivas.

No entanto, essa opinião foirefutada como herética na

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Questão I; porque exclui apermissão divina para com ospoderes do Diabo, e queabrangem fenômenos bemmaiores do que esse; e porque écontrária ao significado dasSagradas Escrituras e temcausado um mal intolerável àSanta Igreja: há muitos anos,graças a essa doutrina pestífera,as bruxas têm ficado sempunição: as cortes secularesperderam o poder para puni-las.Portanto, o leitor diligente há de

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considerar o que foi estabelecidopara eliminar tal ponto de vista evai, por ora, atentar para o modopelo qual as bruxas sãotransportadas, de que modo issoé possível, para o que aditaremosalguns exemplos.

Demonstra-se váriasmaneiras que elas são capazes detransvoar corporeamente; emprimeiro lugar, através daoperação de mágicos. Pois se nãopudessem ser transportadas, ounão serviam porque Deus não

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permite, ou porque o Diabo éincapaz de fazê-lo, por tal ato sercontrário à sua natureza. Não háde ser pelo primeiro motivo,porquanto fenômenos maiores emenores podem ser realizadoscom a permissão de Deus; efenômenos bem mais vultosossão feitos em crianças e emhomens, mesmo em homensjustos confirmados na graça.

Quando se indaga se asubstituição de crianças pode serfeita por obra do Diabo, e se um

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homem pode ser transportado deum lugar a outro, contra avontade, cabe responder que sim,quanto à primeira pergunta. PoisWilliam de Paris nos conta naúltima parte do seu De Uniuerso:“A substituição de crianças é,com a permissão de Deus,possível: o Diabo é capaz decausar uma mudança na criançaou mesmo uma metamorfose.Tais crianças são sempremiseráveis e chorosas. Emboraquatro ou cinco amas talvez

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conseguissem amamentá-las,nunca engordam, apesar deserem mais pesadas que ascrianças comuns. Isso, noentanto, nunca há de serafirmado ou negado às mulheres,por nelas poder incutir muitomedo. Devem ser instruídas aconsultar a opinião de homensinstruídos. Pois que Deus assimpermite por causa dos pecadosdos pais, pelo que, por vezes, oshomens insultam as suasmulheres, dizendo. ‘Talvez

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carregues na barriga umDemônio!’, ou frasessemelhantes. Da mesma forma,algumas mulheres impacientesproferem sentenças dessaespécie. E muitos outrosexemplos têm sido relatados poroutros homens, alguns porhomens devotos.”

Pois Vincent de Beauvais(Spec. Hist., XXVI, 43) relata ahistória contada por São PedroDamião a respeito do filho deum nobre que pela primeira vez

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morava num mosteiro; o menino,de 5 anos, certa noite foitransportado do mosteiro a ummoinho fechado, onde foiencontrado pela manhã. Ao serinterrogado como aquiloacontecera, disse que fora levadopor alguns homens a uma grandefesta onde lhe ofereceramcomida; depois disso, foi peloteto colocado dentro do moinho.

E o que dizer daquelesmagos, em geral chamadosnecromantes, que são muitas

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vezes transportados no ar pelosDemônios por longas distâncias?Às vezes persuadem outros aacompanhá-los num cavalo, quenão é de fato um cavalo, mas umDemônio naquela forma, e comoeles mesmos contam,recomendam a seuscompanheiros para não fazeremo sinal da cruz.

Um de nós conheceu muitobem alguns desses homens.Havia um, antes um eruditoprofessor, hoje pároco na diocese

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de Freising, que costumavacontar que, certa vez, foratransportado corporalmenteatravés do ar por um Demônio elevado às regiões mais distantes.

Há um outro padre emOberdorf, cidade próxima aLandshut, amigo de um de nós,que contou ter visto com seuspróprios olhos o voo de umhomem: com os braçosestendidos, foi levado a grandealtura, aos gritos, mas semchorar. E a causa, pelo seu relato,

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foi a seguinte: alguns amigos,entre eles o tal homem, haviamse reunido para beber cerveja.Concordaram que aquele que afosse buscar nada pagaria. Deimediato apresentou-se oprimeiro disposto a trazer acerveja. Ao abrir a porta, porém,deparou-se com espessa nuvemdiante da soleira e, retornandoaterrorizado, foi logo dizendo aosamigos por que desistira de trazera bebida. Então apresentou-seum segundo, falando com raiva:

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– Mesmo que o Diabo láesteja, eu hei de buscar a bebida!

E, ao sair, foi arrastado para oalto nos ares à vista de todos oscompanheiros.

É preciso confessar que taiscoisas não só acontecem aos queestão despertos mas também aosque estão dormindo; ou seja,podem ser transladadoscorporeamente pelo ar durantesono profundo.

Não há dúvida de que isso sedá com certos homens que

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durante o sono caminham pelostetos das casas e pelos prédiosmais altos, sem que ninguémpossa barrar-lhes o caminho. Equando chamados peloscircunstantes, caem de imediatoao chão, com estrondo.

Muitos pensam, não semrazão, que isso é obra do Diabo.Pois os Demônios são de muitostipos diferentes e alguns, quecaíram do coro inferior dos anjos,são torturados por pecadosmenores e por castigos mais

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leves, a par da danação que hãode sofrer eternamente. E estesnão são capazes de machucarninguém, pelo menos nãogravemente, só o que conseguemfazer são brincadeiras malévolas.Outros, os íncubos e os súcubos,punem os homens à noite,corrompendo-os com o pecadoda luxúria. Não admira quesejam também dados abrincadeiras rudes como essa queacabamos de contar.

A verdade pode ser deduzida

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das palavras de Cassiano,Collationes, I, onde afirma nãohaver dúvida de que há tantosespíritos impuros quanto hádiferentes desejos nos homens. Ésabido que alguns deles, a que agente comum chama faunos, e aque chamamos trolls, existentesem grande número na Noruega,são fanfarrões estranhos,verdadeiros bufões, queassombram certos lugarejos ecertas estradas, sem seremcapazes de infligir qualquer mal:

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contentam-se em escarnecer eiludir os passantes, apenas osaborrecendo, mas sem machucá-los. E alguns deles sóatormentam os homens empesadelos. Outros, porém, sãofuriosos e truculentos e não secontentam com a dilatação atrozdos corpos que insuflam, masvêm ao seu encontro do alto comviolência e os atingem com osmais cruéis golpes. Nosso autorquer com isso dizer que não só osDemônios possuem os homens,

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como também os torturam,terrivelmente, como o fizeram osdescritos em São Mateus, VIII.

Donde podemos concluirque, primeiro, não se há de dizerque as bruxas não possam sertrasladadas de um lugar a outroporque Deus não permite. Pois seEle permite, no caso do justo edo inocente, por que não haveriade permitir no caso dos que sãototalmente devotados ao Diabo?E declaramos com toda areverência: o Demônio não

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ergueu o Nosso Salvador, e nãoO levou a um lugar bem alto,conforme atesta o Evangelho?

Não há também como aceitaro segundo argumento de nossosoponentes: o de que o Demônioé incapaz de realizar taisprodígios. Porquanto já sedemonstrou que ele temtamanho poder natural, acima detodos os poderes corpóreos, quenão há poder terreno que ao delese compare. Está escrito: “Não hánada igual a ele na terra” etc. De

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fato, a força ou poder naturalque existe em Lúcifer é tãogrande que não há nada superiorentre os anjos bons do Céu. Poisassim como excedeu a todos osanjos quanto à sua natureza –com a Queda só prejudicou a suagraça, e não a sua força natural,essa mesma natureza aindapreserva aquela força original,embora seja escura e confinada.Pelo que diz a glosa a respeito dapassagem “Não há nada igual aEle na Terra”: “Embora exceda

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todas as coisas em poder, aindase acha subordinado aos méritosdos santos.”

Duas outras objeções quepoderiam ser trazidas à bailatambém não são válidas. Aprimeira: a alma do homempoderia resistir-lhe, já que o textofala de um Demônio emparticular e a ele se refere nosingular: Lúcifer. E como foi elequem tentou a Cristo no desertoe também quem seduziu oprimeiro homem, há de

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encontrar-se hoje confinado emferros. A segunda: os outrosanjos não devem ser tãopoderosos, já que ele excedetodos em poder. Logo, os demaisespíritos não podem ser capazesde transportar homens perversospelo ar de um lugar a outro.

Tais argumentos não têmforça. Pois, para considerarprimeiro o dos anjos, mesmo omais débil dos anjos do Senhortem poder incomparavelmentesuperior aos poderes corpóreos e,

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portanto, o poder de um anjo, emesmo o da alma, é superior aopoder do corpo. Em segundolugar, quanto ao argumento daalma: toda forma corpórea devesua individualidade à matéria e,no caso dos seres humanos, aofato de que a alma a conforma;mas as formas imateriais sãointeligências absolutas e,portanto, possuem poderesabsolutos e mais universais. Poressa razão, a alma, quando ligadaao corpo, não é capaz de,

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repentinamente, transferir ocorpo de um lugar para outro oude o suspender no ar; emborapudesse fazê-lo facilmente, com apermissão de Deus, se fosseseparada do corpo. Isso é muitomais possível a um espíritoabsolutamente imaterial, comoum anjo bom ou mau. Pois queum anjo bom transportouHabacuc (Daniel, 14) num sófôlego da Judeia à Caldeia. Poresse motivo conclui-se queaqueles que são à noite

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transportados durante o sonopelo alto dos prédios não o sãopela força de suas almas, nempela influência dos astros, maspor alguma força mais poderosa,como se mostrou acima.

Em terceiro lugar, faz parteda natureza do corpo omovimento de um lugar a outro,graças diretamente a uma forçaespiritual; pois diz Aristóteles nasua Física, VIII: “O movimentolocal é o primeiro dosmovimentos: o mais perfeito dos

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movimentos do corpo.” E prova-o dizendo que o movimento localnão se acha intrinsecamente naforça de qualquer corpo, mas sedeve a alguma força exterior.

Pelo que se conclui, nãotanto pelo que dizem os santosdoutores da Igreja, mas pelo quedizem os filósofos: os corpos maiselevados, quais sejam, os astrosluminosos, são movidos pelasessências espirituais, e pelasinteligências separadas que sãoboas, por natureza e por

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intenção. Conforme vemos que aalma é força motriz e causaprincipal do movimento local docorpo.

Cumpre declarar, portanto,que nem na sua capacidade físicanem na sua capacidade anímica écapaz o corpo humano de resistirsubitamente ao seu transporte deum lugar a outro, com apermissão de Deus, por algumaessência espiritual, boa porintenção e por natureza, quando,então, os bons, confirmados na

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graça, hão de ser transportados;nem de resistir ao transporte poralguma essência boa pornatureza, mas não por intenção,quando então são os perversos ostransportados. O leitor que assimo desejar pode reportar-se aSanto Tomás em três artigos, naprimeira parte, questão 90,depois no Segundo livro dassentenças, dist. 7, a respeito dospoderes dos Demônios sobre osefeitos corporais.

Eis, enfim, o seu método de

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transporte pelo ar. De posse dapomada voadora, que, comodissemos, tem sua fórmuladefinida pelas instruções doDiabo e é feita dos membros dascrianças, sobretudo daquelasmortas antes do batismo, ungemcom ela uma cadeira ou um cabode vassoura; depois do que sãoimediatamente elevadas aos ares,de dia ou de noite, navisibilidade ou, se desejarem, nainvisibilidade; pois o Diabo écapaz de ocultar um corpo pela

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interposição de alguma outrasubstância, conforme mostramosna Parte I deste tratado, ondefalávamos dos encantamentos edas ilusões diabólicas. E nãoobstante o Diabo realize talprodígio em grande parte atravésda pomada – para que as criançasse vejam privadas da graça dobatismo e da salvação –, pareceque também consegue o mesmoresultado sem o seu emprego. Jáque, vez ou outra, transporta asbruxas em animais, que não são

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de fato animais mas Demôniosnaquela forma; e noutrasocasiões, mesmo sem qualquerauxílio exterior, elas sãovisivelmente transportadasexclusivamente pela força dosDemônios.

Contamos aqui o caso de umvoo visível, feito à luz do dia. Nacidade de Waldshut, às margensdo Reno, na diocese deConstance, havia uma certabruxa tão detestada peloshabitantes da cidade que não a

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convidaram para a celebração deum casamento, ao qual, noentanto, esperava-se ocomparecimento de todos osmoradores da região. Indignadae desejosa de vingança, chamouà sua presença um Demônio.Tendo-lhe explicado o motivo deseu aborrecimento, pediu-lheque desencadeasse umatempestade de granizo paradispersar todos os convidados dafesta; o Demônio concordou e,elevando-a no ar, levou-a até

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uma colina, nas proximidades dacidade, à vista de alguns pastores.Pôs-se então a cavar um pequenofosso que deveria encher de águapara poder desencadear atempestade (pois que é esse ométodo que usam para provocarchuvas de pedra). Como ali nãodispusesse de água, encheu ofosso com a própria urina ecomeçou a revolvê-la com o dedo– conforme manda o ritual –,com o Demônio a postos, aobservá-la. Então,

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repentinamente, o Demônio feztodo o líquido subir pelos ares,desabando uma violenta chuvade pedras apenas sobre osconvidados e os dançarinos dafesta. Depois de terem sedispersado e ficarem a seperguntar qual teria sido a causado temporal, viram que chegavaa bruxa na cidade, o quelevantou forte suspeita sobre ela.No entanto, depois que ospastores contaram o que viram, asua suspeita transformou-se em

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certeza, pelo que a mulher foipresa. E confessou que assimprocedera porque não foraconvidada para o casamento. Epor esse motivo, e pelas muitasoutras bruxarias que jáperpetrara, acabou queimada nafogueira.

E como a história do voo dasbruxas é fato cada vez maiscomentado e público, mesmoentre as pessoas comuns, édesnecessário aqui aditar outrasprovas. Esperamos que esses

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exemplos sejam suficientes paraesclarecer os que ainda negam aexistência desse fenômeno, ou osque tentam sustentar que sãofenômenos meramenteimaginários ou fantásticos. Defato, teria pouca importânciadeixar esses homens incorreremnesse erro, não fosse a sua crençatão danosa à fé. Pois que, nãocontentes em sustentar o erro,ainda persistem em sustentar epublicar muitos outros, quecontribuem para o aumento do

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número de bruxas e para odetrimento da fé. Porqueafirmam que toda bruxaria sópode ser atribuída à imaginação eà ilusão de alguns homens, comose se tratasse de algo inócuo, tãoinócuo quanto o seu voo, merafantasia. Pois é por esse motivoque muitas bruxas continuamsem punição, para um desapreçocada vez maior do Criador e parao crescimento cada vez maior dassuas hostes.

Não se pode aceitar os

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argumentos em que esteiam asua falácia. Mencionam,primeiro, aquele capítulo doCânon (Episcopi, 26, q. 5) onde éafirmado que as bruxas só sãotransportadas na imaginação doshomens. Ora, quem seria tão toloa ponto de concluir que por issoelas não podem ser transportadascorporeamente? De formaanáloga, ao fim daquele capítuloestá escrito que aquele queacredita na metamorfose deve serconsiderado o pior dos infiéis e

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dos pagãos; mas quem poderiaafirmar, baseado tão só nessapassagem, que os homens nãosão, vez ou outra, transformadosem feras por magia, ou que dasaúde não são levados à doença?Os que se limitam a interpretarna superficialidade as palavras doCânon defendem assim opiniãocontrária à que professam todosos santos doutores da Igreja e, defato, à que se acha exposta nasSagradas Escrituras.

Pois a opinião contrária é

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abundantemente comprovadapelo que já se frisou em váriaspassagens da Parte I destetratado. É mister estudar osignificado mais profundo dotexto canônico. Esse examepercuciente foi realizado naQuestão I da Parte I do tratado,ao refutarmos o segundo de trêserros heréticos, onde oscondenamos e ensinamos o quese há de pregar ao povo. Asbruxas são transportadas pelo arem corpo e em espírito, conforme

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se prova pelas suas confissões nãosó das que foram queimadas mastambém das que retornaram àpenitência e à fé.

Entre elas estava a mulher dacidade de Breisach, a quemperguntamos se só eramtransportadas na imaginação ousó em corpo físico, e ela ajudou aesclarecer a questão. Disse-nosque são das duas maneiras.Contou-nos, ademais, que,quando não querem sertransportadas corporeamente

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mas desejam saber o que está sepassando num encontro debruxas, observam o seguinteprocedimento. Em nome detodos os Demônios, deitam-sesobre o lado esquerdo e põem-sea dormir. Começa a sair por suaboca, então, uma espécie devapor azulado através do qualconseguem ver exatamente o queestá acontecendo. Quando,porém, querem ser até látransportadas, precisam observaro método a que já nos referimos.

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Além disso, mesmo que seentendam as palavras do Cânonliteralmente, sem qualquer outraexplicação, quem haveria de sertão obtuso ao ponto de dizer quetoda bruxaria e seus efeitosmaléficos são puramenteimaginários? Quandoexatamente o contrário éevidente aos sentidos dequalquer um? Sobretudo quandose leva em conta que são várias asformas de superstição, 14especificamente; e que, destas, as

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mais maléficas são as praticadaspelas bruxas e pelas pitonisas, asquais só são capazes detransporte pelo ar na imaginação.

Não aceitamos também que oerro possa ser consubstanciadopela lenda de São Germano e deoutros santos. Pois que foipossível aos Demônios deitaremcom as mulheres ao lado de seusmaridos, que dormiam,enquanto o santo observava ocomportamento das mulheres enada aconteceu: tudo se passou

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como se elas estivessemdormindo de fato. Não diremosque isso tenha ocorrido porconsideração para com o santo;de qualquer forma, não se há dedizer que o contrário do que seconta na lenda seja impossível.

De forma análoga se poderesponder a todas as demaisobjeções. Algumas bruxas só sãotransportadas na imaginação,mas, segundo os textos de muitosdoutores da Igreja, são-notambém em corpo físico. O leitor

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interessado pode consultar olivro de Tomás de Brabante,Sobre as abelhas, lá encontrandomuitos prodígios extraordináriosa respeito do transvoo imaginárioe corpóreo dos homens.

CAPÍTULO IV

De como as bruxascopulam com osDemônios conhecidoscomo íncubos.

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Quanto à forma de as

feiticeiras copularem comíncubos, cumpre ressaltar seispontos. Primeiro: quanto aoDemônio e à forma que assume– de que elemento é composta.Segundo: quanto ao ato, se ésempre acompanhado da injeçãode sêmen recebido de algumoutro homem. Terceiro: quantoao momentos e ao lugar, se hámomentos mais propícios do queoutros para o ato. Quarto: se o

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ato é visível para as mulheres ouse só as geradas dessa forma éque são visitadas pelosDemônios. Quinto: se o ato só épraticado pelas que foramoferecidas pelas parteiras aosDemônios por ocasião donascimento. Sexto: se o prazervenéreo alcançado é mais oumenos intenso. Comecemos pelaconsideração da forma criaturalassumida pelo Demônio e de queé composta.

Ora, não há dúvida de que o

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Demônio assume uma forma emparte etérea e em parte material,na medida em que possui, porcondensação, uma propriedadeterrosa. E isso se explica doseguinte modo. O ar não podeadquirir qualquer formadefinida, exceto a de um outrocorpo que o contenha. Nessecaso, ele não se acha confinado aseus próprios limites, mas aoslimites de alguma outra coisa,pelo que se continua e se estendeaos espaços contíguos. Portanto,

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o Demônio não pode seapresentar na forma de um corpoaéreo, simplesmente.

Saiba o leitor, ademais, que oar é, de todos os elementos, omais instável e o mais fluido.Prova disso é que não somoscapazes de cortar ou perfurar ocorpo assumido por umDemônio com uma espada: aspartes divididas do ar tornam ase juntar de imediato. Assimsendo, vemos que o ar éelemento muito adequado a esse

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propósito, mas que só adquireforma definida quando a ele seagregam outros elementosterrenos. Portanto, é necessárioque o ar que compõe o corpoassumido pelo Demônio sejacondensado, aproximando-se damaterialidade da terra, de umlado, mas, de outro, preservandoa sua propriedade essencial,fluida e instável. Os Demônios eos espíritos incorpóreosconseguem tal condensaçãoatravés de espessos vapores

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oriundos da terra, conformando-se no ser criatural que vãohabitar – não com a sua forçaprofanadora, mas com a suaforça motriz, a dar àquela formaa aparência de um ser vivo.Exatamente como a alma conferea forma viva ao corpo a que seune. Passam a ser, ademais,nessas formas corpóreas queassumem, como um marinheironum barco que o vento conduz.

De que forma, então, há deser o corpo assumido pelos

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Demônios? No princípio damaterialização é ar, tão somente;ao cabo, é ar condensado,partilhando de algumas daspropriedades dos elementosterrenos materiais. E tudo issoconseguem fazer os Demôniospor sua própria natureza, com apermissão de Deus. Pois que anatureza espiritual é superior àmaterial ou corpórea. Portanto, anatureza corpórea há deobedecer aos Demônios comrelação aos movimentos locais,

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embora não com relação àsformas naturais – sejamacidentais ou substanciais –,exceto no caso de algumascriaturas (e mesmo assim só coma participação de algum outroagente, como ressaltamos).Quanto ao movimento local,contudo, não há forma criaturalfora de seus poderes: são capazesde se mover como desejarem eem quaisquer circunstâncias.

Poder-se-ia aqui indagar, apropósito, sobre o caso dos anjos,

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bons ou maus, que realizamcertas funções vitais através decorpos naturais verdadeiros, enão através de corpos aéreos.Como, por exemplo, no caso dojumento de Balaão, através doqual o anjo falou, ou, então, nocaso dos corpos humanospossuídos por Demônios. Épreciso dizer que esses corposnão foram conformados pelamaterialização do ar, mas sim,literalmente, ocupados pelosDemônios. Consultar Santo

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Tomás, 11, 8, “Se os AnjosAssumem Forma Corpórea”.Voltemos, porém, à nossaargumentação.

De que modo os Demôniosconversam com as bruxas, asveem, as ouvem, de que modocom elas comem e com elascopulam? Eis aí a segunda partede nossa primeira dificuldade.

Primeiro, para falar com asbruxas são necessários trêselementos: pulmões, para impeliro ar, e não apenas para produzir

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os sons, mas também para esfriaro coração; pois que até os mudospossuem essa qualidadenecessária. Segundo, é necessáriaalguma percussão de um corpono ar, pois que o som será maisou menos intenso quando, no ar,se percute um pedaço de pau ouum sino, por exemplo. Quandoum elemento sonoro é percutidopelo instrumento adequado,emite um som proporcional a seutamanho, que chega ao ar e queé multiplicado aos ouvidos

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humanos: se o ouvinte estádistante do elemento sonoro, osom parece provir do espaço.

Em terceiro lugar, énecessária a voz. Cumpre frisar, oque nos corpos inanimados sedenomina som, nos corpos vivosse denomina voz. E aqui a línguainterfere nas respiraçõesmovendo-se de encontro a uminstrumento ou órgão natural,dado por Deus. O que daí emananão é um som, como o de umsino, mas a voz humana.

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Esclarecemos esse assunto aquipara que os pregadoresdisponham de elementossuficientes para expor o assuntoaos fiéis.

Em quarto lugar, é necessárioque a voz exprima algumconceito oriundo do intelecto aalguma outra pessoa e queaquele que fala entenda o queestá dizendo. Ao articular a voz,a língua, em movimentossucessivos, toca nos dentes e oslábios se abrem e se fecham, de

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sorte que os sons emitidos pelointerlocutor são ouvidos eentendidos pelo ouvinte.

Ora, os Demônios nãopossuem pulmões nem língua,embora possam exibi-la, além dedentes e de lábios, artificialmentefeitos segundo a condição de seucorpo; portanto, não são capazesde falar no sentido próprio dotermo. Mas, como possuem oentendimento e quando queremexpressar o que desejam, ofazem; cumpre explicar: por

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alguma alteração do ar de seucorpo, emitem sons semelhantesa vozes, mas não vozespropriamente – porque o ar nãoentra e sai de seu corpo como nocaso dos homens: tais sons sãoarticulados no ar exterior echegam até o ouvido dosouvintes. Não há dúvida de queum som semelhante à voz podeser produzido sem respiração: háanimais que não respiram masque emitem sons, assim comocertos instrumentos, como

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explica Aristóteles em De Anima.Há certos peixes que, quandoapanhados, antes de morrer,gritam e gemem fora d’água.

Tudo que dissemos se aplicaao que vamos desenvolver aseguir, embora só no que dizrespeito à questão em quetratamos da função geradora,não no que diz respeito aos anjosdo bem.

O leitor interessado em sabercomo falam os Demônios atravésdos corpos possuídos deve

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consultar Santo Tomás, noSegundo livro das sentenças, dist.8, art. 5. No caso aí referido, osDemônios se utilizam dos órgãosdo possuído. Pois ocupam taiscorpos nos seus próprios limitesmateriais quantitativos, mas nãonos limites de sua essência, sejada essência do corpo ou da alma.Cabe observar aí a distinçãoentre substância e quantidade,ou acidente. Mas isso já está forade nosso propósito.

Pois bem: é preciso também

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que os Demônios vejam e ouçamde alguma maneira. Ora, a visãoé de dois tipos: espiritual ecorpórea, sendo que a primeiraexcede infinitamente a segunda;pois que é capaz de penetrar namatéria e não ser dificultada peladistância, dada a faculdadeluminosa de que se utiliza.Portanto, os anjos, bons oumaus, nunca veem com os olhosdo corpo assumido, nem seutilizam de qualquer daspropriedades do corpo humano

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possuído, como fazem no caso dafala – quando se utilizam do ar ede sua vibração para produzir osom que chega até os ouvintes.Pelo que seus olhos são olhospintados. E assim se mostram aoshomens: embora manifestemsemelhança quanto às suaspropriedades naturais,conversam com eles apenasespiritualmente.

Pois que foi com essepropósito que os santos anjos têmmuitas vezes aparecido aos

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padres, a comando de Deus ecom a sua permissão. E os anjosdo mal assim se manifestam aoshomens perversos para que nelesreconhecendo as suas qualidadespossam a eles se associar, agorano pecado, depois, no castigo.

São Dionísio, ao fim da suaHierarquia celestial, diz: “Emtodas as partes do corpo humanoos anjos nos ensinam aconsiderar-lhes as propriedades.Como a visão humana é umaoperação do corpo vivo que se faz

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através de um determinadoórgão, que os Demônios nãopossuem, nas formas criaturaisque assumem, assim como lhesdão membros de forma humana,conferem-lhes a mesmasemelhança em suas funções.”

Podemos falar de formaanáloga da audição, que é bemmais desenvolvida do que nocorpo humano; já que é capaz deouvir os pensamentos e asconversas da alma de forma maissutil que os homens através da

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palavra falada. Ver Santo Tomás,Segundo livro das sentenças, dist.8. Pois se os desejos secretos deum homem são lidos no seurosto, e se os médicos são capazesde desvendar os segredos docoração pelos seus batimentos epelo exame do pulso, muito maishá de ser conhecido pelosDemônios.

Quanto ao ato de comer, oque podemos dizer é que deleparticipam quatro processos: amastigação, na boca, a deglutição

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até o estômago, a digestão nesseórgão e, por fim, o metabolismodos nutrientes necessários e aejeção dos elementos supérfluos.Todos os anjos são capazes derealizar os dois primeirosprocessos nos corpos assumidos,nas não o terceiro e o quarto; emvez de digerir e eliminar os restosde alimento, têm eles o poder derepentinamente dissolver essealimento na matéria circundante.Em Cristo, o processo digestivoera completo em todos os

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aspectos, pois que Ele possuía ospoderes nutritivo e metabólico;não é preciso que se diga nada arespeito da conversão doalimento em seu próprio corpo,pois que tal poder conversorachava-se, como todo o seucorpo, glorificado; o alimentoque Cristo ingeria erarepentinamente dissolvido emSeu próprio corpo; o efeito era ode quem joga água no fogo.

De como as bruxas

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nos tempos modernospraticam o ato carnalcom íncubos, e decomo se multiplicamatravés dele.

Ora, pelo que já explicamos, nãovamos encontrar maiordificuldade em esclarecer oassunto principal, qual seja, o doato carnal praticado pelo íncubo,na sua forma criatural, com asbruxas. Salvo se o leitor duvidarque as bruxas de nossos tempos

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pratiquem tal coito abominável eque sejam geradas através dessamonstruosidade.

Havemos de contar, paraesclarecer essas duas dúvidas,alguma coisa a respeito daatividade das bruxas que viveramem tempos mais remotos, porvolta de 1.400 anos antes daencarnação de Nosso SenhorJesus Cristo. Não se sabe, porexemplo, se eram dadas a essaspráticas obscenas como o são asbruxas modernas desde então; a

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história, ao que sabemos, nadarevela a respeito desse assunto.Mas ninguém há de duvidar quesempre tenham existido asbruxas e que, pelas suas obrasmaléficas, muitos males játenham causado aos homens, aosanimais e aos frutos da terra. Emais: que tenham sempreexistido os íncubos e os súcubos.Pois que a tradição canônica e atradição dos doutores da Igrejatêm-nos legado muitasinformações a seu respeito,

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durante centenas de anos. Noentanto, há uma diferençaimportante: nos tempos maisremotos, os íncubos costumavammolestar as mulheres contra asua vontade, conforme nos fazsaber Nider em seu Formicarius,e Tomás de Brabante, no seulivro sobre o Deus universal e nooutro livro, Sobre as abelhas.

Mas a teoria de que as bruxasmodernas se achamcontaminadas por essa espécie delascívia diabólica não está

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consubstanciada apenas emnossa opinião; tal crédito há queser atribuído ao testemunhoabalizado das próprias bruxas.Hoje, pelo que nos contam,entregam-se a essas práticas nãomais involuntariamente, comoem épocas distantes, mas simvoluntariamente, revelando aservidão mais abjeta e miserável.Quantas mulheres não deixamosde punir pelas leis seculares emvárias dioceses, mormente emConstância e na cidade de

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Ratisbon, onde as bruxas seentregavam a tais abominações,algumas desde os 20 anos, outrasdesde os 12 ou 13 anos, e semprecom uma negação, total ouparcial, da fé? Todos oshabitantes desses lugares sãotestemunhas desse fato. Pois,sem contar as que searrependeram em sigilo e as queretornaram ao caminho da fé,não menos que 48 foramqueimadas em cinco anos. E nãohá por que duvidar da

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veracidade de suas histórias, poisque livremente mostraram-searrependidas. Todas concordamem um ponto: foram levadas a seentregar a tais práticas obscenaspara engrossar as fileirasdaquelas hostes perversas.Trataremos, no entanto, de cadacaso, individualmente, na ParteII desta obra, descrevendo emparticular cada um de seus atos.Omitiremos apenas os casos quechegaram ao conhecimento doInquisidor de Como, no condado

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de Burbia, e que, no espaço deum ano – o ano da graça de 1485– levou à fogueira 41 bruxas.Todas as bruxas afirmarampublicamente que praticavam taisabominações com Demônios.Portanto, a matéria se achaperfeitamente consubstanciadapor testemunhas oculares etambém por outras testemunhas,dignas de todo crédito.

Quanto à segunda dúvida –se as bruxas são geradas durantea prática dessas abominações –,

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podemos acompanhar o que dizSanto Agostinho: não há dúvidade que todas as artessupersticiosas tiveram sua origemno vínculo carnal pestilento entrehomens e Demônios. Diz-nosesse autor textualmente em seuDe Doctrina Christiana: “Todasas práticas dessa natureza, sejaminócuas, sejam nocivas,originaram-se da união pestíferaentre homens e Demônios, comose entre eles se tivesse firmadoum pacto de amizade infiel e

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pérfida, pelo que todos hão deser completamente repudiados.”Explicita o autor nessa passagemjá a existência de várias espéciesde superstições ou de artesmágicas, e várias sociedades dosque as praticam; e como dentreas 14 espécies a pior é a dasbruxas – pois que têm firmadoum pacto tácito e explícito com oDemônio e, mais do que isso,têm se entregado a uma espéciede adoração do Diabo aoabjurarem a fé –, conclui-se que

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as bruxas mantêm o vínculo dapior espécie com os Demônios,mormente pelo seucomportamento como mulheresque, como todas as outras, sedeleitam com coisas fúteis e vãs.

Reparar também na passagemdo Segundo livro das sentenças(dist. 4, art. 4), em que SantoTomás, ao dar a solução de umargumento, indaga se as bruxasque se entregam dessa forma aosDemônios não seriam maispoderosas do que os homens.

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Pois responde que essa é averdade. Esteia o seu ponto devista no texto das Escrituras,Gênesis, VI: “Naquele tempoviviam gigantes na terra.” Eesteia-o também no seguintemotivo. Os Demônios sabem deque modo avaliar as virtudes dosêmen: primeiro, pelotemperamento de quem o sêmené obtido; segundo, sabendo qualmulher é mais adequada pararecebê-lo; terceiro, sabendo quala constelação astral ideal para o

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efeito corpóreo almejado; epodemos acrescentar, em quartolugar, que os gerados pelosDemônios são os de melhordisposição para as obrasdiabólicas. Ao concorrerem todasessas causas, concluímos que oshomens assim concebidos sãofortes e de corpo avantajado.

Portanto, voltando àpergunta sobre a origem dasbruxas, devemos dizer que talorigem se encontra na mútuaassociação pestífera com os

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Demônios, como já ficou claropelo que dissemos. Mas ninguémpode afirmar com certeza quenão aumentam em número e semultiplicam através dessaspráticas abjetas, embora osDemônios cometam tais atos nãopor prazer, mas para a perdiçãodas almas. Eis como se dá talprocesso, sucessivamente. Umsúcubo recolhe o sêmen de umhomem perverso e, se for ele oDemônio próprio daquelehomem e não desejar

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transformar-se em íncubo parauma bruxa, passa o sêmen paraoutro Demônio delegado a umamulher ou bruxa; este, então, sobos auspícios de uma constelaçãoque favoreça os seus propósitos –de gerar um homem ou umamulher vigorosos na prática dabruxaria –, transforma-se noíncubo para uma outra bruxa.

Dizer que os gigantes dosprimeiros tempos não eramdedicados à bruxaria não seconstitui objeção aos nossos

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argumentos: as bruxarias nãoeram realizadas àquela épocadada a lembrança recente dacriação do mundo, que nãodeixava margem para a idolatria.Mas, à medida que crescia aperversidade no seio dahumanidade, o Diabo iaencontrando mais oportunidadespara disseminar essa espécie deperfídia. No entanto, os quenaquele tempo eram chamadosde prodigiosos e de poderososnão necessariamente o eram por

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causa de suas boas virtudes.

Se as relações de umíncubo com umabruxa sempre seacompanham dainjeção de sêmen.

O Diabo dispõem de milmaneiras e de mil recursos parainfligir males ao homem, e desdea época da sua primeira Quedavem tentando destruir a unidadeda Igreja e subverter, de todos os

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meios, a raça humana. Emboranão haja uma regra infalível paraesclarecermos esse assunto,cumpre fazer uma distinçãoprovável: ou a bruxa é velha eestéril, ou não o é. Sendo estéril,o Demônio com ela copula seminjetar-lhe o sêmen, pois que nãoteria qualquer utilidade, e oDiabo evita, ao extremo, asuperfluidade nas suasoperações. Não sendo estéril, oDemônio dela se aproxima paradar-lhe o prazer carnal que é

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conseguido pela bruxa. E caso elaesteja em momento propício paraengravidar, o Demônio,convenientemente, é capaz depossuir o sêmen extraído dealgum homem e, sem demora, ohá de injetar para contaminar-lhe a progênie.

Mas se ele é capaz de colhero sêmen emitido pelasejaculações noturnas, queocorrem durante o sono, damesma forma que recolhe oemitido durante os atos carnais,

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o que se sabe é queprovavelmente não o faz. Nãoobstante, outros autores têmopinião contrária. É precisoressaltar que os Demônios dãomuita atenção à força ou virtudeprocriadora do sêmen, e talvirtude é mais abundante e maisbem-preservada no espermacolhido durante o ato carnal.Pois que é tal virtudedesperdiçada no espermaemitido durante as ejaculaçõesnoturnas, já que este tem sua

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origem na superfluidade doshumores e não é emitido comgrande força procriadora.Portanto, admite-se que osDemônios não façam uso dessesêmen para a geração de suaprole, a menos que saibam daexistência da força necessárianessa ou naquela ejaculação.

Mas uma coisa não pode sernegada: mesmo no caso da bruxacasada e engravidada pelomarido, o Demônio é capaz, pelamistura de outro sêmen, de

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contaminar o concepto.

Se o íncubo operamais em certasocasiões do que emoutras e, de formaanáloga, se o faz maisem determinadoslugares.

Cabe declarar que o íncubo –independentemente daobservação de certas horas e decertas constelações para gerar um

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concepto que melhor atenda aseus propósitos – tambémobserva certos dias quando querapenas causar maior prazervenéreo às bruxas. E os dias emque estas se mostram maispropensas ao prazer são os maissagrados do ano: o Natal, aPáscoa, o dia de Pentecostes eoutros dias santos.

Pois que os Demônios assimprocedem por três razões.

Primeiro, porque dessa formaas bruxas não só se impregnam

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do vício da perfídia através daapostasia da fé mas também dovício do sacrilégio, para quemaior ofensa perpetrem contra oCriador e para que ainda maispenosa danação recaia sobre assuas almas.

Segundo, por que, aoofenderem a Deus desse modo,maior poder nocivo lhes éconcedido, inclusive o de causarmales a homens inocentes, comocastigo, seja nas suas atividades,seja nos seus corpos. Pois onde

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está escrito: “O filho não há deresponder pelas iniquidades dospais” etc., cumpre atentar queisso se refere apenas ao castigoeterno, pois que muitofrequentemente os inocentes sãopunidos por aflições temporaispor causa do pecado de outros.Pelo que diz Nosso Senhor emoutra passagem: “Eu sou oSenhor, teu Deus, um Deuszeloso que vingo a iniquidadedos pais nos filhos, nos netos enos bisnetos daqueles que me

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odeiam.” Tal castigo éexemplificado pela punição dosfilhos dos homens de Sodoma,que foram destruídos pelospecados de seus pais.

Terceiro, porque têm maioroportunidade de observar váriaspessoas, sobretudo as jovens, quenos dias de festa estão naociosidade e cheias decuriosidade, revelando-se maispropensas, nessas ocasiões, àsedução pelas velhas bruxas.Contamos a seguir um fato que

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ocorreu no país de origem de umde nós, Inquisidores (já que hádois de nós colaborando nestaobra).

Num dia de festa, umajovem, virgem devota, foichamada por uma bruxa velha aacompanhá-la até sua casa. Numdos quartos do andar de cimaestavam reunidos alguns belosjovens. A bruxa insistiu para queela subisse. A virgem consentiu.E, enquanto subiam as escadas, avelha, que ia à frente, advertiu-

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lhe para que não fizesse o sinalda cruz. Embora a moçaconcordasse, benzeu-se sem quea velha visse. Pois que aoentrarem no quarto, ninguémhavia: os Demônios que lá seencontravam eram incapazes dese mostrar nas suas formascriaturais. A velha voltou-seentão para ela, repreendendo-a:“Vai embora em nome de todosos Demônios! Por que tebenzeste?” Este foi o relato queobtive daquela boa e honesta

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donzela.Poder-se-ia ainda aduzir uma

quarta razão: a de assim seremmais capazes de seduzir tambémos homens, fazendo-os pensar daseguinte forma: se Deus permitetais atos nos dias santos, não háde ser tão grave pecado assim. Sóse Ele não permitisse.

Quanto à escolha do melhorlugar, é preciso que se diga: pelaspalavras e pelas ações das bruxas,elas são incapazes de cometer taisabominações em locais sagrados.

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E nisso é que se vê a eficácia dosanjos da guarda, pela formacomo protegem tais lugares.Além do mais, as bruxasdeclaram que só têm sossego nomomento do serviço divino,quando se encontram na igreja;logo, são as primeiras a entrar eas últimas a sair. No entanto, sãoobrigadas a observar outrascerimônias abomináveis porordem dos Demônios, comocuspir no chão durante aelevação da Hóstia Consagrada,

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ou pronunciar, verbal oumentalmente, toda sorte deobscenidades como: “Espero quevás para tal e tal lugar.” Desseassunto ainda trataremosdevidamente.

Se os íncubos e ossúcubos praticam oato venéreo à vista daspróprias bruxas, oudos circunstantes.

Se os Demônios cometem tais

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abominações na visibilidade ouna invisibilidade, é preciso que sediga: em todos os casos quetivemos conhecimento, elessempre agiram de forma visível àbruxa: não há necessidade de seaproximarem dela nainvisibilidade, tendo em vista opacto de fidelidade já firmado.No entanto, com relação aoscircunstantes, quase sempreoperam na invisibilidade: asbruxas têm sido vistas muitasvezes deitadas de costas, nos

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campos e nos bosques, nuas até oumbigo; e, pela disposição deseus órgãos próprios ao atovenéreo e ao orgasmo, e tambémpela agitação das pernas e dascoxas, é óbvio que estãocopulando com um íncubo. Emraras ocasiões, ao término do ato,sobe ao ar, como a desprender-seda bruxa, um denso vapor negro,cujas dimensões equivalem àestatura de um homem. Pois queLúcifer sabe que dessa forma écapaz de seduzir ou de perverter

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a mente das moças e dos homensque assistem à cena. Mas desseassunto e de como têm tais atossido praticados em tantos lugares– na cidade de Ratisbon, noestado dos nobres de Rappolsteine ainda em outros países –trataremos na Parte II.

Certo é que têm acontecidotambém outros fatos. Algunsmaridos têm visto íncuboscopulando com suas esposas,embora por vezes julguem nãoser íncubos e sim homens. Mas,

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ao apanharem suas armas paraexpulsá-los, os Demôniosrepentinamente desaparecem,como que se tornando invisíveis.E depois as mulheres vêm sejogar em seus braços, por vezesmachucadas. Algumas, noentanto, reclamam,escarnecendo-lhes eperguntando se por acaso nãoenxergam ou se estão possuídospor algum Demônio.

Que o íncubo não só

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contamina asmulheres concebidaspelos seus atosobscenos ou as quelhes foram oferecidaspelas parteiras, mas atodas,indiferentemente, commaior ou menordeleite venéreo.

Podemos dizer, em conclusão,que os íncubos não só tentamcontaminar as mulheres geradas

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por tais abominações, ou as quelhes foram oferecidas pelasparteiras, mas tentam a todas, aoextremo, por intermédio deprostitutas e de devassas, visandoseduzir as donzelas devotas ecastas em todo aquele distrito eem toda aquela cidade. O que jáé consabido, pela constanteexperiência dos magistradoslocais. Na cidade de Ratisbon,quando certas bruxas foramqueimadas, as prostitutasafirmaram que haviam sido

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ordenadas por seus mestres ausarem de todo o seu empenhopara subverter as donzelas e asviúvas piedosas.

Cabe perguntar: seria maior oprazer venéreo das mulheres aocopularem com íncubos emformas criaturais ou seria maiorem circunstâncias semelhantescom homens em forma corpóreaverdadeira? Embora o prazerdeva ser maior quandosemelhantes se divertem comsemelhantes, parece que o astuto

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inimigo é capaz de reunir de talforma os elementos ativos epassivos – não de forma natural,mas com uma tal qualidade decalor e de disposição – que écapaz de despertar aconcupiscência em grau nãomenos intenso. Mas este assuntoserá discutido um pouco maisadiante, ao analisarmos asqualidades do sexo feminino.

CAPÍTULO V

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As bruxas costumamrealizar os malefícios porintermédio dosSacramentos da Igreja.Mas de que modocomprometem as forçasprocriadoras e causamoutros males a todas ascriaturas de Deus?Excetuamos porém aqui aquestão da influência dosastros.

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Há várias coisas a serem

observadas a respeito dosmétodos por elas empregadospara causar males sobre outrascriaturas de ambos os sexos.Primeiro, com relação aoshomens, depois, com relação aosanimais e, por fim, com relaçãoaos frutos da terra.

Quanto aos homens,primeiro, de que modo obstruemas forças procriadoras e mesmo oato venéreo, de sorte que ora é a

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mulher que não consegueconceber, ora o homem que nãoconsegue realizar o ato. Emsegundo lugar, de que modoconseguem impedir a procriaçãoou o ato venéreo com umamulher mas não com outra. Emterceiro lugar, de que formaconseguem retirar do homem omembro viril, como se o tivessemarrancado por completo docorpo. Em quarto lugar, se épossível saber se os males acimamencionados foram causados

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pelo Demônio, por conta própria,ou se o foram por intermédio dasbruxas. Em quinto lugar, de queforma as bruxas transformamhomens e mulheres em animais,seja através de arteprestidigitatória ou deencantamento. Em sexto lugar,de que modo as parteiras matamos conceptos ainda no úteromaterno e de que modo, quandonão o fazem, oferecem os recém-nascidos aos Demônios. Para quetais coisas não pareçam

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inverossímeis, convém ao leitorconsultar as provas na Parte I dolivro, firmadas através deperguntas e respostas junto àrefutação dos vários argumentoscontrários. Recomendamos aoleitor incrédulo, se necessário,voltar àquela parte para que seesclareça a verdade.

Por ora só estamosinteressados em aditar exemplose fatos reais – sejam dos casosencontrados por nós em nossotrabalho, sejam dos casos

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apontados por outros à guisa deexecração de tão tenebroso crime–, para consubstanciar osprimeiros argumentos, caso oleitor tenha encontradodificuldade em entendê-los, epara trazer de volta à fé e afastardo erro os que julgam nãoexistirem bruxas e que não sãofeitas bruxarias neste mundo.

Com relação à primeira classede males, é preciso notar que,não obstante a forma pela qualprejudicam as criaturas, são seis

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os expedientes empregados paratal fim. O primeiro está naindução do amor malévolo deum homem por uma mulher ouvice-versa. O segundo está emplantar o ódio ou o ciúme nocoração das pessoas. O terceiro éenfeitiçando os homens para quenão consigam realizar o atocarnal com as mulheres; ouenfeitiçando as mulheres paraque não concebam ou paraprovocar-lhes o aborto. O quartoestá em causar doenças em

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qualquer órgão dos sereshumanos. O quinto está em tirara vida de homens e mulheres. Osexto consiste em privá-las darazão.

Convém dizer, nessecontexto, que, à exceção dainfluência dos astros luminosos,os Demônios são capazes, por suaprópria força natural, de causarmales e enfermidades reais, poissua força espiritual é superior aqualquer força corpórea.Porquanto não há uma

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enfermidade que seja igual aoutra, podendo-se dizer omesmo das anormalidades oudefeitos naturais em que não hádoença física. Assim, as bruxasseguem, em cada caso, ummétodo diferente para causar talenfermidade ou tal defeito.Desses males daremos exemplosno corpo desta obra sempre quese fizerem necessários.

Mas primeiro é mister nãodeixar qualquer dúvida ao leitor:os Demônios não têm o poder de

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alterar a influência dos astros portrês motivos.

Primeiro, porque os astros seacham acima deles, acimamesmo da região das punições,que é a região das brumasinferiores; pois aí está a razão dastarefas que lhes são atribuídas.Consultar a Parte I, Questão II,onde tratamos dos íncubos esúcubos.

Segundo, porque os astrosluminosos são governados pelosanjos do bem. Há muitas

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referências a respeito das forçasque os movem, sobretudo emSanto Tomás, primeira parte, 90ºquestão. Nesse ponto os filósofosconcordam com os teólogos.

Terceiro, porque, se fossepermitido aos espíritos malignosalterar a influência dos corposcelestes sobre o universo, aordem geral e o bem comumsofreriam sério prejuízo. Pelo queas alterações astrais miraculosasencontradas no Antigo e noNovo Testamento foram

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causadas por Deus através deanjos do bem; por exemplo,quando o sol ficou parado paraJosué, ou quando retrocedeupara Ezequias, ou quando foiencoberto, de formasobrenatural, na Paixão deCristo. Mas, em todos os demaisfenômenos, os Demônios sãocapazes de interferir, com apermissão de Deus, seja porconta própria, seja porintermédio das bruxas; e, comefeito, é evidente que assim o

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fazem.Em segundo lugar, é preciso

notar que para todos os seus atosmaléficos eles quase sempredispõem das bruxas como seusinstrumentos, quer por meio dosSacramentos, quer das coisassacramentais da Igreja, querainda dos elementos consagradosa Deus. Às vezes colocam umaimagem de cera sob a toalha doaltar, ou usam algum outroelemento sacro dessa forma. Hátrês motivos para tais

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procedimentos.Por razões semelhantes, as

bruxarias são praticadas nos diasmais sagrados do ano, sobretudono dia do Advento de NossoSenhor e no Natal. Primeiro,porque tornam os homensculpados não só de perfídia, masde cometerem sacrilégio, porcontaminarem o que possuem demais divino; e porque assimofendem mais profundamente aoDeus, seu Criador, mas danam assuas almas e fazem com que

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muitos outros caiam no pecado.Em segundo lugar, porque

Deus, assim ofendido peloshomens, pode conceder ao Diabomaiores poderes para atormentá-los. Pois assim diz São Gregório:“Em Sua ira por vezes atende aosperversos nas suas súplicas esolicitações, quemisericordiosamente a outrosnega atender”.

Em terceiro lugar, porque,pela aparência superficial debondade, o Diabo é mais capaz

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de iludir os homens simples, quejulgam terem praticado um atopiedoso e obtido a graça doSenhor, quando na realidade oque fizeram foi só pecar maisgravemente.

Em quarto lugar, pode-seacrescentar também que tem pormotivo as estações mais sagradase o ano-novo. Pois, segundoSanto Agostinho, existem outrospecados mortais além doadultério pelos quais seinfringem os costumes dos dias

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de festa. A superstição, ademais,e a bruxaria, originárias dasoperações mais aduladoras doDiabo, são contrárias ao respeitoque, nesses dias, se deve ter paracom Deus. Portanto, como já foidito, o Diabo faz com que opecador mais ofenda a Deus epeque ainda maisprofundamente.

Do ano-novo podemos dizerque, segundo Santo Isidoro,Etim. VIII 2, Jano foi ídolo deduas faces (de Jano vem o nome

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do primeiro mês do ano, janeiro,que começa no Dia daCircuncisão) – como se a um sótempo fosse o fim do ano quepassou e o princípio do ano quese inicia – e por isso protetor eautor auspicioso do anovindouro. E em sua honra – ouem honra do Diabo na formadaquele ídolo – os pagãos faziamtumultuosas festanças,entregando-se às folias, às festase às danças. E a respeito dessasfestas o abençoado Agostinho faz

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menção em várias passagens,dando uma ampla descriçãodelas no 26º livro.

Hoje os maus cristãos imitamaqueles pagãos corruptos,entregando-se à libidinagem porocasião do carnaval, usandomáscaras, gracejando eentregando-se a toda sorte desuperstições. De formasemelhante, as bruxas se utilizamdessas festas diabólicas para seupróprio proveito e, por ocasião doano-novo, fazem as suas

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bruxarias em função dos ofícios ecultos divinos; e também no diade Santo André e no Natal.

E assim vemos que operam osseus malefícios por meio dosSacramentos e, depois, por meiodos objetos sacramentais. Vamoscontar alguns casos quedescobrimos na Inquisição.

Numa certa cidade, cujonome convém não mencionar,uma bruxa, ao receber o Corpode Nosso Senhor,repentinamente abaixou a cabeça

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(hábito detestável de muitasmulheres) e retirou o Corpo doSenhor de sua boca, envolvendo-o em seu lenço. Depois, porsugestão do Demônio, colocou-onum jarro, onde já colocara umsapo, e escondeu-o no chão,junto ao paiol de mantimentos,nas proximidades de sua casa.Ainda escondeu no mesmo lugarvários outros objetos, com quaisfaria a sua bruxaria. Mas, graçasà misericórdia divina o seu crimehediondo foi descoberto e

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trazido à luz do dia. No diaseguinte, passava por ali umhomem em direção ao trabalho eouviu um ruído como se fosse ode uma criança chorando; aoaproximar-se da pedra sobre aqual se escondera o pote, o choropareceu-lhe bem mais forte,fazendo-o pensar que talvez amulher tivesse ali enterrado umacriança. Foi então, às pressas,avisar ao magistrado local o quefora feito pela supostainfanticida. O magistrado

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mandou de imediato que os seussubordinados fossem verificar ahistória contada pelo homem.Mas, em vez de logo exumarem ocorpo da criança, acharammelhor ficar de tocaia para ver sedo local se aproximaria algumamulher, já que não sabiam queera o Corpo do Senhor Deus quelá estava enterrado. Poisaconteceu de a mesma bruxavoltar ao local, desenterrar o potee escondê-lo por debaixo daroupa. Depois de capturada e

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interrogada, ela revelou o crime:o Corpo de Cristo fora enterradojunto com o sapo para quemediante o seu pó lhe fossepossível causar males, como bemlhe aprouvesse, aos homens e àsdemais criaturas.

Ademais, quando as bruxascomungam, têm por costumereceber a hóstia por debaixo dalíngua, nunca sobre ela, para quenunca recebam qualquerremédio que possa neutralizar oseu repúdio à fé, seja pela

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confissão, seja pelo Sacramentoda eucaristia; e para que lhes sejamais fácil retirar da boca o Corpodo Senhor a fim de usá-lo paraoutros fins, para maior ofensa aoCriador.

Por essa razão, todos ossuperiores da Igreja e todos ospárocos que dão a comunhão aosfiéis são instruídos para que, aoministrarem a comunhão àsmulheres, cuidem que a recebamcom a boca bem aberta e com alíngua bem estendida para fora,

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com roupas e lenços afastados dorosto. Quanto mais cuidado setoma a esse respeito, mais bruxassão assim descobertas.

Muitíssimas outrassuperstições são praticadas pormeio dos objetos sacramentais.Às vezes, colocam uma imagemde cera ou alguma substânciaaromática debaixo da toalha doaltar, para depois colocá-las sob asoleira da porta, a fim de que apessoa a quem se destina sejaenfeitiçada ao passar por ali.

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Inúmeros outros exemplospoderiam ser aqui contados, masestes malefícios menores ficamprovados pelos de maior vulto.

CAPÍTULO VI

De como as bruxas neutralizam aforça da procriação.

Para maior esclarecimento a

respeito do expediente pelo qual

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as bruxas criam obstáculo àfunção procriadora em homens eem animais, recomendamos aoleitor a questão anterior, onde játratamos do assunto, nos seusargumentos e no método, semmaiores detalhes, pelo qual, coma permissão de Deus, causam talmalefício.

Aqui cumpre ressaltar,primeiro, que tal neutralização sedá de forma ora intrínseca, oraextrínseca. São dois os modos decausá-la de forma intrínseca.

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Primeiro, quando as bruxasimpedem, diretamente, a ereçãodo membro próprio àfrutificação. E tal não há deparecer impossível, quandoconsiderarmos que elas sãocapazes de viciar e de perverter ouso natural de qualquermembro. Segundo, quandoimpedem o fluxo das essênciasvitais aos órgãos onde reside aforça motriz, ocluindo os ductosseminais de sorte a não secomunicarem com os vasos

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procriadores, oraimpossibilitando a ejaculação, oraa tornando infrutífera.

De forma extrínseca, podemcausá-la, às vezes, por meio deimagens, noutras, pelas ingestãode ervas, noutras ainda porexpedientes externos – comoatravés de testículos de galo. Masnão se vá pensar que é por causadessas coisas que um homem setorna impotente: é através daforça oculta das ilusõesdemoníacas que as bruxas

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conseguem causá-la, seja nohomem – impedindo-o decopular –, seja na mulher –impedindo-a de conceber.

E a razão disso está em queDeus lhes concede maior podersobre o ato venéreo, atodisseminador do pecado original,do que sobre qualquer outro atohumano. De forma similar, têmelas maiores poderes sobre asserpentes, que são as maispropensas à força dos encantosdo que todos os outros animais.

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Pelo que muitas vezesverificamos, e também outrosInquisidores, que foi através deserpentes que perpetraram malesdessa natureza.

Um certo mago, já capturado,confessou que durante muitosanos, por meio de bruxaria,causou ele a infertilidade dehomens e de animais quehabitavam uma determinadacasa. Ademais, em Formicarius,III, Nider conta-nos de Stadlin, omago que foi preso na diocese de

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Lausanne e que fez a seguinteconfissão. Na casa ondemoravam um homem e suaesposa, ele matarasucessivamente, através debruxaria, sete crianças ainda noútero da mãe, de forma quedurante vários anos a mulhersempre abortara. No mesmoperíodo, de todos os animais e detodo o gado daquela casa, nuncanasceu uma só cria viva. Equando indagado comoconseguira fazer tal malefício e

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que espécie de ônus havia de sera ele atribuído, ele revelou ocrime:

– Coloquei debaixo da soleirada porta de fora da casa umaserpente. Se de lá ela forremovida, a fecundidaderetornará aos moradores.

E tal foi o que aconteceu.Embora a serpente não tenhasido mais encontrada, já quedepois de tanto tempo ficarareduzida a pó, após a remoção detodo um pedaço do chão do local

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indicado a fecundidade voltou àesposa do infeliz e a todos osanimais.

Outro caso aconteceu hácerca de uns quatro anos, emReichshofen. Lá existiu umabruxa das mais notáveis: por umsimples toque ela enfeitiçava asmulheres e causava-lhes aborto.Ora, sucedeu de a esposa de umcerto nobre do lugar ficargrávida. Para dela cuidar foicontratada uma parteira. Amulher foi então aconselhada

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pela parteira a não mais se afastardo castelo e, acima de tudo, nãoentabular conversa alguma com aafamada bruxa. Depois dealgumas semanas, esquecida doaviso da parteira, numa ocasiãofestiva, a mulher resolveu ir aoencontro de algumas amigas. Nocaminho, resolveu sentar-se umpouco para descansar. Delaaproximou-se então a tal bruxa,e, como que com o propósito decumprimentá-la, colocou ambasas mãos em seu estômago.

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Repentinamente, ela sentiu acriança mover-se em dores.Assustada, voltou para o castelo econtou à parteira o queacontecera. Ao que a parteiraexclamou:

– Ai de ti! Pois já perdestes oteu filho.

E assim aconteceu. Ao chegara sua hora, deu à luz não umacriança morta e inteira. Mas umacriança que saiu aos pedaços:primeiro a cabeça, depois os pés,depois as mãos. E essa grande

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aflição foi permitida por Deuspara castigo de seu marido, cujatarefa era a de trazer bruxas àjustiça e vingar-lhes as ofensas aoCriador.

Houve também o caso de umjovem na cidade de Mersburg, dadiocese de Constance, bastantepeculiar. Recaiu sobre ele ummalefício que o impossibilitavade manter relações carnais comqualquer mulher, exceto comuma. Muitos ouviram-no dizerque, muitas vezes, quisera

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recusar aquela mulher e fugirpara outras terras. Mas até entãonão conseguira: era obrigado alevantar-se na noite e a voltarpara ela rapidamente, às vezespor terra, noutras pelo ar, comoque voando.

CAPÍTULO VII

De como as bruxas, porassim dizer, privam umhomem de seu membro

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viril.

Já demonstramos que elas são

capazes de remover o órgãomasculino, não de fatoarrancando-o do corpo humano,mas ocultando-o através dealgum encanto, do modo como jádescrevemos. Contaremos aquialguns exemplos desses casos.

Na cidade de Ratisbon viviaum jovem que, depois de umabriga com uma certa menina,

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desejando abandoná-la, ficousem o membro. Foi-lhe, digamos,lançado algum encanto de formaque em seu corpo ele nada via outocava – era perfeitamente liso.Preocupado com o que lheocorrera, foi a uma taberna bebervinho. Depois de lá sentado poralguns momentos, entabulouconversa com uma das mulheresda taberna e acabou contando-lhe toda a sua tristeza,explicando-lhe tudo, emostrando a ela como seu corpo

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ficara. A mulher, astuta,perguntou se ele não suspeitavade ninguém que o tivesseencantado. Ele então falou-lheda tal menina, revelando àmulher toda a história, ao queela o aconselhou:

– Se não bastar a persuasão, émelhor que uses de algumaviolência para fazê-la restaurar atua saúde.

E assim, naquela mesmanoite, o jovem ficou a postos nocaminho por onde a bruxa

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costumava passar. Quando ela seaproximou, interpôs-se-lhe nocaminho e suplicou-lhe querestituísse a saúde de seu corpo.A moça sustentou que erainocente e que nada sabia arespeito. Ele então jogou-se emcima dela e, enlaçando-a pelopescoço com uma toalha, avisou:

– A menos que me devolvas aminha saúde, hás de morrer nasminhas mãos.

A bruxa, impossibilitada degritar, e com o rosto já inchado e

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lívido, balbuciou:– Deixa-me ir que vou te

curar.O jovem afrouxou a toalha e

a bruxa imediatamente tocou-ocom a mão entre as coxas,dizendo:

– Agora tens de volta o quedesejas.

O jovem contou depois que,mesmo antes de olhar ou palpar,sentiu que o membro lhe forarestituído pelo mero toque dabruxa.

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Experiência semelhante énarrada por certo padrevenerável da Casa Dominicanade Spires, muito conhecido naordem pela honestidade de suavida e pela sua instrução.

– Certo dia – disse ele –,estava eu no confessionário eaproximou-se um jovem que, emmeio à sua confissão,pesarosamente, contou queperdera o membro. Atônito, enão querendo dar-lhe créditocom facilidade, pois que é prova

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de imprudência, segundo ossábios, acreditarmos em tudo oque ouvimos, pedi-lhe umaprova do que me dizia. O jovem,então, tirou as roupas e pude verque nada havia em seu corpo.Perguntei-lhe, portanto, sesuspeitava de alguém que otivesse enfeitiçado; ao que elerespondeu: “Sim. Mas por umamoça que estava ausente e quevivia em Worms.” E eu lhe disse:

– Aconselho-o então aprocurá-la o mais depressa

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possível e tentar convencê-la,mesmo com palavras amáveis ecom promessas, a desfazer essecanto.

E assim ele fez. Depois dealguns dias, retornou e meagradeceu. Estavacompletamente recuperado.Embora acreditasse em suaspalavras, tive a prova, mais umavez, pelos meus próprios olhos.

Ora, para maior clareza doque já relatamos a respeito desseassunto é preciso reparar em

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alguns pontos. Primeiro, não sehá de acreditar que o membro éde fato arrancado do corpo. Ele éapenas ocultado por alguma arteprestidigitatória do Diabo desorte a não ser visto nem sentido.O fenômeno é provado pelasautoridades e por argumentos;disso tratamos antes. Convémrelembrar que Alexandre deHales afirma que fascinação, emseu verdadeiro sentido, é umailusão diabólica nunca causadapor qualquer alteração material:

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só existe na percepção doiludido, seja em seus sentidosinteriores, seja em seus sentidosexteriores.

Com referência a essaspalavras, é preciso ressaltar que,no caso em consideração, doisdos sentidos exteriores – o davisão e o do tato – foramiludidos. A ilusão não se deu nossentidos interiores – no sensocomum, na fantasia, naimaginação, no pensamento e namemória. (Lembre o leitor que

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Santo Tomás diz serem estes sóquatro, ao considerar como umsó a fantasia e a imaginação. Enão sem razão: pois poucadiferença há entre imaginar efantasiar. Consultar SantoTomás, I, 79.) Os sentidosinteriores são iludidos quando sequer não ocultar algo de umhomem, mas fazer com que eleveja algum espectro, esteja eledormindo ou acordado.

Quando um homemacordado vê coisas que sob

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outros aspectos não são o queparecem – como ver alguémdevorar um cavalo e o cavaleiro,um homem transformado emfera, ou então se julgartransformado numa fera e sentirnecessidade de juntar-se a elas –,os sentidos exteriores sãoempregados pelos sentidosinteriores. Pois pelos poderes dosDemônios, com a permissão deDeus, as imagens há muitoretidas nesse repositório delembranças que é a memória são

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de lá retiradas e apresentadas àfaculdade da imaginação.Cumpre aditar que tais imagensnão são retiradas doentendimento intelectual massim da memória, que se situaatrás, na cabeça. São assim de talforma revividas na imaginaçãoque o homem recebe o impulsoinevitável de imaginar, porexemplo, uma fera ou um cavalo,quando estas são as imagens delá retiradas pelos Demônios. E sevê forçado a pensar que de fato

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está enxergando aquela fera ouaquele cavalo. E isso pareceocorrer por causa da forçaimpulsiva do Diabo, que operapor meio de imagens.

Não é de admirar que osDemônios sejam capazes de taisprodígios, quando certosfenômenos naturais anormaisapontam para o mesmoresultado, como no caso dosloucos desvairados, e dosmaníacos e de alguns bêbados,incapazes de discernir entre o

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sonho e a realidade. Os loucosjulgam ver coisas maravilhosas,tais como bestas e outras ferastenebrosas, quando na realidadenão estão vendo nada. Consultara questão “Se as bruxas sãocapazes de virar o intelecto doshomens para o amor ou para oódio”, onde muito se falou arespeito.

E, por fim, a razão é evidentepor si mesma. Como o Diaboexerce o seu poder sobre as coisasinferiores, à exceção da alma, é

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capaz de nelas causar certasalterações, quando Deus opermite, de sorte a que pareçamo que não são. E tal efeito é porele conseguido ao confundir ouao iludir o órgão da visão,fazendo com que um objeto clarofique turvo – como depois dochoro, quando a luminosidade,em virtude dos humoresrecolhidos, parece diversa deantes. Ou então ao agir sobre afaculdade da imaginação, atravésda transmutação das imagens

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mentais, conforme já se explicou.Ou ainda ao ativar várioshumores de sorte a fazer comque elementos telúricos e secospareçam ígneos e aquosos –como alguém que despe a todosdentro de casa sob a impressãode estarem nadando, dentrod’água.

Cabe ainda indagar, comreferência a tais métodosdemoníacos, se essa espécie deilusão pode indiferentementeacontecer aos bons e aos maus, já

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que certas enfermidades docorpo, conforme se há de mostrarmais adiante, são causadas pelasbruxas mesmo nos que seencontram em estado de graça.Cumpre declarar que não,acompanhando as palavras deCassiano na segunda Collationedo abade Sereno. Aonde énecessário concluir que todosassim iludidos cometem,presumivelmente, um pecadomortal. Pois que esse autor diz,conforme se depreende das

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palavras de Santo Antônio: “ODiabo não penetra de formaalguma no intelecto ou no corpode qualquer homem, nem tem opoder de entrar nos pensamentosde qualquer um, salvo se essehomem já se achava despojadode todos os pensamentos santos,já completamente despido detoda e qualquer contemplaçãoespiritual.”

Tal opinião concorda com ade Boécio ao dizer, no DeConsolatione Philosophiae:

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“Demos a vós armas tais que, senão as tivésseis jogado fora,estaríeis preservados daenfermidade.”

Conta-nos também Cassiano,na mesma obra, de duasfeiticeiras pagãs que, cada uma àsua maneira, enviaram à cela deSanto Antônio uma sucessão deDemônios, pelo ódio quecultivavam contra ele por sermuito procurado por váriaspessoas todo dia. E taisDemônios o assaltaram com o

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esporão das mais agudastentações. Mesmo assim o santohomem resistiu-lhes, fazendo osinal da cruz na testa e no peito eprostrando-se na mais fervorosadas orações.

Podemos dizer, portanto, quetodos os que são iludidos porDemônios, para não falar dopadecimento de enfermidadesfísicas, carecem do dom da graçadivina. Porque está escrito(Tobias, 6): “O Demônio tempoder sobre os que se submetem

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à luxúria.”Tal também é

consubstanciado pelo quedissemos na Parte I, na questão“Se as bruxas são capazes detransformar os homens embestas”. Contamos da meninaque fora transformada em égua ede que modo ela e todos osdemais foram persuadidos dofenômeno, exceto São Macário.Pois o Diabo é incapaz de iludiros sentidos dos homens santos:quando a menina foi trazida até

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ele, o santo viu-a como mulher enão em forma de égua, enquantotodos diziam que era com umaégua que ela se parecia. E osanto, através de orações,libertou-a e aos outros daquelailusão, dizendo que aquilo lheacontecera porque ela não dera adevida atenção ao sagrado, nemusara como deveria da santaconfissão e da eucaristia. Naverdade, fora enfeitiçada poruma judia, também feiticeira, apedido de um jovem que lhe

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fizera uma proposta obscena querecusara. A bruxa, pelos poderesdo Diabo, transformou-a entãonuma égua.

Agora podemos fazer umasúmula de nossas conclusões. OsDemônios são capazes, para opróprio proveito e provação, deprejudicar o homem bom nosbens materiais, vale dizer, nafortuna, na fama e na saúde docorpo. Límpida é essa verdade nocaso de Jó, afligido por malesdiabólicos. Os homens bons,

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embora não possam ser levadosao pecado, podem ser tentadosna carne, interior eexteriormente. Os Demônios,assim, não são capazes de afligiros homens bons, nem ativa, nempassivamente.

Não ativamente, como aoiludirem os que não se acham emestado de graça. E nãopassivamente, como aoremoverem os órgãos genitaismasculinos por algum encanto.Pois que nesses dois sentidos

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jamais teriam prejudicado a Jó,mormente por algum encantopassivo sobre o ato venéreo.Porquanto Jó era de uma talcontinência que chegou adeclarar: “Jurei nunca pensarnuma virgem e muito menos namulher de outro homem.” Noentanto, o Diabo sabe que temgrande poder sobre os pecadores(ver Lucas, 11: “Quando umhomem forte guarda armado asua casa, estão em segurança osbens que possui.”).

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Cabe, porém, indagar,quanto aos encantos sobre oórgão genital masculino, se oDemônio não poderia causá-losde forma ativa. Alega-se que ohomem em estado de graça seacha iludido porque, em vez deenxergar o membro no seudevido lugar, não o vê, juntocom os demais circunstantes; noentanto, ao admitirmos talenunciado, parece estarmoscontradizendo o que foi dito.Pode-se dizer que não há tanta

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força na perda ativa quanto napassiva; entenda-se por perdaativa não a de quem a sofre, masa de quem a vê de fora, como éevidente por si mesmo. Portanto,embora o homem em estado degraça possa ver a perda sofridapor outro, sendo, nessa medida,iludido pelo Demônio, não écapaz de sofrer passivamente talperda em seu próprio corpo, poisque não está sujeito à luxúria. Deforma análoga, o inverso éverdadeiro, conforme disse o

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anjo a Tobias: “Sobre os que sesubmetem à luxúria, o Demôniotem poder.”

E o que se há de pensar dasbruxas que, vez por outra,reúnem membros masculinos emgrande número, num total devinte ou trinta, e os colocam emninhos de pássaros ou em caixas,onde se movem como seestivessem vivos e comem grãosde aveia e de trigo? Cumpreentender que tudo isso é feitopor obra e ilusão do Diabo: o

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sentido dos que veem tais coisasse acham iludidos na direção queindicamos. Pois um certo homemcontou-nos que, quando perdeuo seu membro, aproximou-se deuma conhecida bruxa e pediu-lhe que o restituísse. A mulherdisse-lhe então para que subissenuma determinada árvore e que,no ninho que lá se encontrava,escolhesse o membro que maislhe agradasse dentre os muitosque havia. E quando ele tentoupegar um bem grande, a bruxa

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disse:– Não deves pegar esse aí,

porque era de um pároco.Todas essas coisas são

causadas pelos Demônios atravésde ilusões ou de encantos, queassim confundem o órgão davisão, transmutando imagensmentais na faculdadeimaginativa. E é mister que sediga que tais membros são naverdade Demônios naquelaforma, da mesma maneira emque aparecem a bruxas e a

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homens em substância aeriformee com eles conversam. Fazem taisprodígios também de uma formamais simples: retirando certasimagens do repositório damemória e imprimindo-as naimaginação.

E se alguém disser quepoderiam operar de formaanáloga à que conversam combruxas e com outros homens emcorpos criaturais, ou seja, quepoderiam causar tais apariçõespor alteração das imagens

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mentais na faculdadeimaginativa, de sorte a fazer aspessoas imaginarem que estãoconversando com Demônios emforma humana, emboraestivessem na realidade sobefeito apenas de uma ilusãocausada por alguma alteração dasimagens mentais nas percepçõesinteriores.

É preciso que se diga: se oDemônio não tivesse qualqueroutro propósito que não o demostrar-se aos homens, não

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haveria de adquirir feiçãocorporiforme: poderia realizar oseu propósito pela ilusão acimamencionada. Mas ele tem umoutro propósito, a saber, o defalar e o de comer com as bruxase com elas praticar outrasabominações. Portanto, énecessário que esteja de fatopresente, colocando-se à vista,em forma de corpo humano. Poisque, como diz Santo Tomás:

“Onde se encontra a força deum anjo, lá ele opera.”

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Poder-se-ia perguntar se oDemônio por si só, sem o auxíliode qualquer bruxa, consegueremover o membro viril dealgum homem, ou se haveriaalguma diferença entre um tipode privação e o outro. Primeiro, oDemônio o remove de fato e orestaura quando é para serrestaurado. Segundo, como omembro não pode ser removidosem lesão, não o há de ser semdor. Terceiro, o Demônio nuncaage dessa forma sem ser obrigado

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por algum anjo bom, pois este, aoassim proceder, retira doDemônio grande fonte desatisfação diabólica; porque sabeser o Demônio capaz de realizarmais bruxarias sobre o atovenéreo que sobre qualqueroutro ato. Deus assim o permite.Mas nenhum desses pontos seaplica ao caso da sua ação porintermédio das bruxas, com apermissão de Deus.

E ao se indagar se o Demônionão seria capaz de causar maiores

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males aos homens e às criaturaspor si mesmo do que pelaintermediação das bruxas, caberesponder que não há termo decomparação entre os dois casos.Pois que ele é muito mais capazde causar males por meio dasbruxas. Primeiro, porque assimmais ofende a Deus, ao usurpar-Lhe criaturas que a Deus eramdedicadas. Segundo, porquequanto mais a Deus ofende, maispoder lhe é concedido paraprejudicar as criaturas. E,

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terceiro, para o seu próprioproveito, ou seja, para a perdiçãodas almas.

CAPÍTULO VIII

De como os homens sãotransformados em bestas:a metamorfose.

As bruxas, pelos poderes do

Diabo, transformam os homens

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em feras – essa a sua principalforma de transmutação. Eembora o assunto tenha sidodesenvolvidopormenorizadamente na Parte Ido livro, na Questão X, pode serque ainda não estejaperfeitamente esclarecido paraalguns leitores, sobretudo pornão se ter aditado exemplos paraprovar os argumentos expostos.Nem tampouco o método usadona metamorfose foi explicado.Passemos pois ao esclarecimento

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das diversas dúvidas.Para começar, tornamos a

reprisar aquela passagemcanônica já mencionada (26,quinta questão, Episcopi), quenão há de ser interpretada comoquerem alguns. Esses doutoresequivocados não hesitam emafirmar publicamente, em seussermões, que tais transmutaçõesprestidigitatórias não existemnem são possíveis mesmo pelospoderes do Demônio.Declaramos que tal doutrina

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muito contribui para a detraçãoda fé, fortalecendo as bruxas, quemuito se regozijam ao ouviremtais palavras.

Esses pregadores, na verdade,passam por alto sobre a questão enão penetram no significadoprofundo e verdadeiro doCânon. O texto diz, literalmente:“O que crê que quaisquercriaturas possam ser feitas, oupossam ser mudadas para melhorou para pior, ou possam sertransformadas em outras, de

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outro aspecto ou aparência,exceto pelo poder do Criador,que a todas fez, esse é, semdúvida, um infiel...”

Pois bem: o leitor deveatentar para dois trechos:primeiro, o que diz que criaturaspossam “ser feitas”; segundo, oque diz que “possam sertransformadas em outras, deoutro aspecto”. “Ser feitas” éexpressão que pode serentendida de duas maneiras: ouno sentido de “ser criadas” ou no

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sentido da produção natural dequalquer coisa. Ora, no primeirocaso, temos que o criar pertencetão somente a Deus, como bemse sabe, pois só Deus é capaz de,na Sua onipotência, criar algo donada.

No segundo sentido, porém,é preciso que se faça umadistinção entre as criaturas.Algumas são perfeitas, como oshomens, os jumentos etc. Outrassão imperfeitas, como asserpentes, as rãs, os ratos etc.,

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porque também podem sergeradas por putrefação. Ora, oCânon só se refere ao primeirosentido, não ao segundo. Nesseúltimo caso, se pode ter a provano que diz Santo Alberto no livroSobre os animais, ao indagar:“Podem os Demônios geraranimais verdadeiros?” O autordeclara que sim, mas só osanimais imperfeitos, e ainda comuma diferença: não conseguemgerá-los instantaneamente, comoDeus é capaz, mas através de

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algum movimento, por maisbreve que seja, como se mostrouno caso dos magos do faraó(Êxodo, 7). O leitor podeconsultar os apontamentos feitosna questão já mencionada daParte I e a solução do primeiroargumento.

Em segundo lugar, diz-se nãoserem eles capazes de transmutarqualquer criatura. Podemosafirmar que as transmutações sãode dois tipos. Ora sãosubstanciais, ora acidentais. As

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transmutações acidentaistambém se subdividem em doisgrupos: as que se processam deforma natural e que pertencem àcoisa que é vista e as que nãopertencem à coisa que é vista. OCânon fala da primeira,mormente da transmutação reale formal, em que uma substânciaé transmutada em outra. Trata-sede efeito que só Deus poderealizar, por ser o Criador detodas as substâncias reais. E falatambém da segunda, não

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obstante possa o Demônio operá-las, como a permissão de Deus, jáque é capaz de causar doenças ede induzir certas transformaçõesnos corpos acidentais. Como aofazer com que um rosto normalpareça leproso e coisassemelhantes.

Ora, na verdade não sãoesses temas que estão em questãoe sim as aparições e os encantosatravés dos quais as coisasparecem ser transmutadas emoutras, de outra aparência;

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afirmamos que as palavras doCânon não excluem taistransmutações: sua existência éprovada pela razão, pelaautoridade e pela experiência.Ou seja, por certas experiênciasrelatadas por Santo Agostinho no18º livro, 17º capítulo, em DeCiuitate Dei, e pelos argumentosempregados na sua explicação.Pois, entre outras transformaçõesprestidigitatórias, faz menção àfamosa bruxa Circe, quetransformou em bestas os

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companheiros de Ulisses, e àsesposas dos estalajadeiros, quetransformaram seus hóspedes embestas de carga. Faz mençãotambém aos companheiros deDiomedes, transformados empássaros e que por muito temposobrevoaram o seu templo; e aopai de Praestantius que, sejulgando um burro de carga,passou, com outros animais, atransportar trigo.

Ora, quando oscompanheiros de Ulisses foram

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transformados em bestas, tal sóse deu na aparência, por algumailusão. Pois que as formas dosanimais foram retiradas damemória, do repositório deimagens, e impressas nafaculdade da imaginação. Gerou-se assim a visão imaginária:através de forte impressão sobreos outros sentidos e órgãos, oobservador pensou ver animais,do modo como contamos. Masde que modo tais prodígios sãoexecutados pelos Demônios sem

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qualquer prejuízo ou lesão para avítima será mostrado maisadiante.

Quando, no entanto, osconvidados foram transformadosem bestas de carga pelasmulheres dos estalajadeiros equando o pai de Praestantiusteve a impressão de estartransformado num burro decarga e de ter transportado trigo,havemos de reparar que nessescasos foram três as ilusões.

Primeiro, há de ter sido por

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encanto que os homens foramtransformados em bestas decarga, exatamente do modocomo explicamos. Segundo, osDemônios, invisivelmente, hãode ter suspendido as cargasquando muito pesadas paraserem transportadas. Terceiro,hão de ter sido transformadosem bestas aos olhos de todos e aseus próprios; como aconteceu aNabucodonosor, que durantesete anos ficou pastando ervascomo um boi (Daniel, 4).

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Quanto aos companheiros deDiomedes, que foramtransformados em pássaros e queficaram sobrevoando o templo,cabe dizer o seguinte: Diomedesfora um dos gregos participaramdo cerco de Troia. Ao desejarretornar para casa, acaboumorrendo afogado, junto comseus companheiros. Depois, porsugestão de algum ídolo, foiconstruído um templo em suahomenagem, para que pudesseser contado entre os deuses. E

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então, por muito tempo, paraque se mantivesse aquele mitoherege vivo, os Demônios, emforma de pássaros, ficaramsobrevoando o templo, em vez deseus companheiros. Vemos assimque se trata de uma superstiçãodo tipo da que antes falávamos.Não era causada pela impressãode imagens mentais sobre afaculdade da imaginação, maspelo seu voo, à vista dos homensem corpos de pássaros.

Mas ao perguntarmos se os

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Demônios poderiam iludir oscircunstantes por mera operaçãosobre as imagens mentais e nãopor corporificação, de substânciaaeriforme, à semelhança depássaros voadores, valeresponder que sim.

Pois, segundo a opinião dealguns (como revela Santo Tomásno Segundo livro das sentenças,oitavo dist., segundo art.),nenhum anjo, bom ou mau,jamais assumiu a forma de umcorpo: tudo o que lemos nas

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Escrituras a esse respeito ou foicausado por encanto, ou poralguma visão imaginária.

E aqui o douto santo faznotar uma diferença entreencanto e visão imaginária. Noencanto, pode haver um objetoexterior para ser visto, emborapareça o que não é. Já a visãoimaginária não requer a presençado objeto, pode ser causada semele e só pela imagem interiorregistrada na imaginação.

Assim, seguindo essa opinião,

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os companheiros de Diomedesnão foram representados porDemônios nos corpos aparenciaisde pássaros, mas só o foram poruma visão fantástica e imagináriana mente dos que os viam.

O douto santo, contudo,condena essa opinião comoerrônea, embora não realmenteherética, pois que os anjos bons emaus, muitas vezes, apareceramna imaginação dos homens, semcorpo real, mas em outrasapareceram de fato, em corpo

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assumido. E é a estes que ostextos escriturísticos mais sereportam, não aos imaginários.Portanto, o melhor a presumir dahistória de Diomedes é que oque os circunstantes viam eramna verdade Demônios em formade pássaros ou pássaros naturaisusados pelos Demônios pararepresentá-los.

CAPÍTULO IX

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De como os Demôniospenetram no corpo e nacabeça do homem sem oferir, ao realizarem asmetamorfoses porprestidigitação.

A respeito do método usado

para causar tais transmutaçõesilusivas cabe perguntar: se osDemônios haviam de estardentro dos corpos e das cabeçasdos iludidos, e se estes haviam de

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estar possuídos pelos Demônios,de que modo pode ocorrer semqualquer ferimento atransferência de certas imagensde uma faculdade interior paraoutra; e se tais obras devem serconsideradas miraculosas.

Primeiro é necessáriodistinguir entre encanto e visãoimaginária. No primeiro, só apercepção exterior é afetada, masna segunda as percepçõesinteriores é que o são, e atravésdelas é que se alteram as

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percepções externas.No primeiro caso, o encanto

pode ser causado sem que osDemônios tenham de penetrarnas percepções externas – trata-se de mera ilusão exterior. É oque ocorre quando o Demônioquer ocultar um corpo pelainterposição de outro quandoassume a forma de determinadocorpo e se impõe ao sentido davisão.

No último caso, é necessárioque ocupe, primeiro, a cabeça e

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as faculdades. O que se provapela autoridade e pela razão.

Não é objeção válida afirmarque dois espíritos criados nãopodem estar em um mesmo lugare que a alma impregna atotalidade do corpo. Pois que arespeito dessa questão contamoscom a autoridade de São JoãoDamasceno, ao dizer: “Onde umanjo está, lá ele opera.” E SantoTomás, no Segundo livro dassentenças, dist. 7, art. 5, aodeclarar: “Todos os anjos, bons

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ou maus, pelo seu poder natural,que é superior a todos os poderescorpóreos, são capazes detransmutar os nossos corpos.”

Pois que isso é preclaraverdade não só por causa daexcelsa nobreza de sua naturezasuperior, mas também por causado fato de todos os mecanismosdo mundo e todos os corposcriaturais serem administradospor anjos; como diz São Gregóriono quarto diálogo: “No mundovisível nada é por ninguém

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disposto exceto pelas criaturasinvisíveis.” Portanto, todos oscorpos materiais são governadospelos anjos, que sãodenominados, não só pelossantos doutores, mas tambémpor todos os filósofos, de forçasque movem os astros. Claro estátambém pelo fato de que todosos corpos humanos são movidospelas suas almas, assim comotoda matéria é movida pelosastros luminosos e pelas forçasque os movem.

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Do que se conclui que osDemônios hão de encontrar-sena fantasia e nas percepçõesinternas que confundem, já quesempre operam onde seencontram.

Há de dizer-se que, uma vezmais (embora penetrar na almaseja só a Deus permitido), osDemônios são capazes, com apermissão divina, de penetrarnos corpos, onde podem causarimpressões sobre as faculdadesinternas correspondentes aos

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órgãos internos. E através de taisimpressões afetá-los naproporção em que as percepçõeso são, da forma como jádemonstramos: transpondo asimagens retidas nas faculdadescorrespondentes a um ou maissentidos, assim como transfere damemória, que se localiza naregião posterior da cabeça, aimagem de um cavalo para omeio da cabeça, onde seencontram as células da forçaimaginativa, e daí, enfim, para o

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sentido da razão, que se situa nafrente da cabeça. Causam assimuma tal alteração e confusão quetais imagens são percebidas comose fossem objetos ou coisas reaisdiante de nossa vista. Talfenômeno é claramenteexemplificado pelos defeitosnaturais dos loucos e de outrosmaníacos.

É, ademais, simples explicar omodo pelo qual realizam talprodígio sem causar dor nacabeça. Em primeiro lugar, não

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causam qualquer alteração físicanos órgãos, o que fazem é sómover as imagens mentais. Emsegundo lugar, não promovemtal fenômeno injetando qualquerprincípio ativo, que causaria dornecessariamente, já queDemônios não possuem em siqualquer princípio material.Tudo o que produzem, fazem-nosem usar qualquer princípiodessa natureza. Em terceirolugar, conforme já dissemos, osefeitos dessas transmutações são

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produzidos tão somente pelomovimento local de um órgãopara outro, e não por outrosmovimentos por meio dos quaisse determinam, muitas vezes,certas transformações dolorosas.

A objeção de que doisespíritos não são capazes deocupar a um só tempo o mesmolugar (porque, sendo a cabeçahabitada pela alma, como lácaberia também o Demônio?),pode-se responder dizendo que aalma, acredita-se, reside no

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centro do coração, de onde secomunica com todos os membrospor verdadeira efusão de vida.Exemplo é dado pela aranha que,do meio de sua teia, percebequando qualquer parte dela étocada.

Entretanto, Santo Agostinhodiz em seu tratado De Natura etOrigine Animae que “o todo estáno todo, e o todo está em todasas partes do corpo”. Mesmoconsiderando que a alma estejana cabeça, o Diabo é capaz de lá

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operar, pois que sua operação édiversa da operação da alma. Aalma atua sobre o corpo, dá-lhe asua forma e o enche de vida.Logo, habita não só umdeterminado local, mas seestende ao corpo inteiro. ODiabo, sim, é que opera emdeterminado lugar no corpo,promovendo as alterações comrelação às imagens mentais.Portanto, como não há confusãoentre as suas operaçõesrespectivas, podem ambos

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coexistir numa mesma parte docorpo.

À questão da possessão doshomens pelo Demônio convémresponder considerando-a emduas partes. Primeiro, se épossível que um homem sejapossuído pelo Demônio porintermediação das bruxas. Se asbruxarias de fato fazem com queum homem seja possuído éproblema a ser analisado nocapítulo seguinte.

À questão de as obras das

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bruxas e dos Demônios seremconsideradas milagres ou denatureza miraculosa convémresponder que sim, na medidaem que se acham além da ordemda natureza criada, conforme nosé dado conhecê-la, e na medidaem que são executadas porcriaturas desconhecidas por nós.Mas não são milagres no sentidodaqueles feitos fora da totalidadeda natureza criada. Como o sãoos milagres de Deus e os dossantos. (Ver o que dissemos a

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respeito na Parte I desta obra, naQuestão V, e na refutação doterceiro erro.)

Ora, existem aqueles queobjetam que essa espécie de obranão deva ser consideradamilagre, e sim mera obra doDemônio; já que a finalidade dosmilagres é o fortalecimento da fé,não devem ser atribuídos aosadversários desta. E tambémporque os sinais do Anticristo sãochamados de sinais enganadorespelo apóstolo Paulo (II

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Tessalonicenses, 11).O primeiro há de dizer-se

que para operar milagres é misterque o dom da graça seja recebidolivremente. Destarte, só podemser feitos pelos homens bons oumaus no limite dos seus poderes.

Pelo que os milagresoperados pelos bons sãodistinguidos dos realizados pelosperversos pelo menos em trêsaspectos. Primeiro, os bonsoperam milagres pela própriaforça divina, que se acha acima

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de sua capacidade natural – éassim que ressuscitam os mortos,e coisas semelhantes, que osDemônios só conseguem realizarpor ilusão. Foi assim que o magoSimão moveu a cabeça do morto.Mas tais manifestações nãoduram muito tempo. Segundo,são distinguidos pela suautilidade. Os milagres dos bonssão de natureza útil, como a curados doentes de atos semelhantes.Mas os milagres realizados pelasbruxas relacionam-se a coisa

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prejudiciais e hereges, como aovoarem, ao paralisarem osmembros dos homens etc. E SãoPedro indica tais diferenças noItinerarium de Clemente.

A terceira diferença dizrespeito à fé. Pois os milagres dosbons são operados para aedificação da fé e das boas almas.Já os milagres dos perversos sãomanifestamente prejudiciais à fée à retidão das almas.

São distinguidos tambémpelo modo pelo qual são

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operados. Pois que os bons fazemmilagres pela invocação piedosa ereverente do nome Divino. Asbruxas, porém, e os homensperversos operam-nos através decertos frenesis e pela invocaçãodos Demônios.

Não admira que o apóstolotenha se referido às obras dosDemônios e do Anticristo comoprodígios enganadores, pois queos portentos assim feitos com apermissão divina são verdadeirosem certos aspectos, mas falsos em

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outros. São verdadeiros enquantose encontram nos limites dopoder de Satanás, mas falsosquando estão além desse poder,como, por exemplo, naressuscitação dos mortos e nacura da cegueira. Pois naressuscitação de um morto ouSatanás penetra no corpo domorto ou remove e toma o seulugar com outro corpo etéreo, desubstância aeriforme. No outroexemplo, ele retira a visão dapessoa por algum encanto e,

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repentinamente, a restitui,eliminando a incapacidade queele mesmo causara. E sempresem trazer à luz as percepçõesinternas, como é contado nalenda de Bartolomeu. Comefeito, todas as obrasmaravilhosas do Anticristo e dasbruxas podem ser consideradasprodígios enganadores ou falsos,na medida em que sua únicafinalidade é nos enganar.Consultar Santo Tomás, dist. 8,De Uirtute Daemonum.

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Podemos aqui tambémmencionar a distinção feita entreprodígio e milagre, colhida noCompendium da verdadeteológica. Para se falar emmilagre, quatro condições sãonecessárias: que tenha sido feitopor Deus; que tenhaultrapassado a ordem naturalexistente; que seja manifesto; eque seja para a corroboração dafé. No entanto, como as obrasdas bruxas não atentam aomenos a primeira e a quarta

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condições, não podem serchamadas de milagres, e sim deprodígios apenas.

Essa distinção pode ainda serapresentada de outra forma.Embora as obras das bruxassejam, num certo sentido,miraculosas, cumpre entenderque existem milagressobrenaturais, inaturais epreternaturais. São sobrenaturaisquando a nada se comparam nanatureza, ou superam as forçanaturais – por exemplo, a

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concepção numa virgem etc. Sãoinaturais quando vão contra ocurso normal da natureza,embora não ultrapassem os seuslimites – por exemplo, quandoum cego passa a enxergar etc. Esão preternaturais quando sãofeitos de forma paralela ànatureza – por exemplo, quandobastões são transformados emserpentes, já que tal fenômenopode se dar naturalmentetambém, através de longoprocesso de putrefação em

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virtude de razões seminais. Edestarte as obras dos magospodem ser consideradasmiraculosas.

É oportuno trazer aqui umexemplo real e então explicá-lopasso a passo. Certo dia, numacidade da diocese deEstrasburgo, cujo nome nãoconvém mencionar, umtrabalhador cortava lenha nasproximidades de sua casaquando, repentinamente,apareceu-lhe à frente um enorme

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gato e o atacou. Enquantotentava afastar de si o animal,apareceu-lhe outro, ainda maior,e também o atacou, ainda maisfuriosamente. Antes mesmo queos afugentasse, foi atacado porum terceiro. Os três, então,saltaram sobre o seu rosto, e omorderam e o arranharam naspernas. Tomado de grandepavor, como nunca sentira antes,o homem fez o sinal da cruz e,abandonando o que fazia, atirou-se sobre os gatos que, trepados

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na lenha empilhada, tentavamarranhar-lhe com as unhas agarganta e o rosto. Só com muitadificuldade o homem conseguiuenxotá-los, acertando um nacabeça, outro nas pernas e outranas costas. Depois de uma hora,ainda cortando lenha para ofogo, aproximaram-se doisfuncionários da corte de justiçalocal e, acusando-o de malfeitor,prenderam-no e o levaram àpresença do juiz. O juiz,olhando-o a distância, recusou-se

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a ouvi-lo e ordenou que o jogassena mais funda das masmorras deuma das torres da prisão, ondeficavam presos os condenados àmorte. Durante três dias ohomem ficou reclamando eprotestando junto aos guardas,perguntando-lhes que crimecometera para sofrer daquelejeito. Porém, quanto mais osguardas procuravam arranjar-lheuma audiência, mais furiosoficava o juiz, exprimindo a suaindignação nos termos mais

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ásperos – como um criminosodaqueles não reconhecia o seucrime? Como ousava proclamar asua inocência, quando aevidência dos fatos denunciava oseu horrendo crime? No entanto,embora a opinião dos guardasnão pudesse prevalecer sobre ado juiz, acabaram eles porconvencê-lo, graças ao conselhode outros magistrados, aconceder ao pobre homem umaaudiência. Quando, ao serconduzido ao tribunal, o juiz

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recusou-se a olhá-lo, o pobrehomem atirou-se ao chão dejoelhos diante dos outrosmagistrados e suplicou-lhe parasaber a razão da sua desgraça. Ojuiz, então, explodiu:

– Como te atreves, tu, o maisperverso dos homens, a nãoreconhecer o teu crime? Em taldia e a tal hora atacaste e batesteem três matronas respeitadasdesta cidade, a tal ponto quehoje se acham acamadas,impossibilitadas de levantar e até

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mesmo de se mover.O infeliz homem tentou

lembrar-se do que aconteceranaquela dia e retorquiu:

– Nunca em toda minha vidaataquei ou bati em uma mulher,e posso provar, com testemunhasde confiança, que àquela hora,no dia a que o juiz se refere, euestava ocupado cortando lenha.Quando os oficiais de justiça láchegaram, eu ainda estavaocupado em minha tarefa.

O juiz exclamou, furioso:

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– Vejam como ele tentaocultar o seu crime! As mulhereslastimam-se dos socos, mostramas marcas e publicamenteatestam que foram atacadas.

O pobre homem, então,considerando com mais atençãoo que lhe acontecera, relembrou:

– De fato, naquele dia,cheguei a atacar certas criaturasmas que, com certeza, não erammulheres. – Os magistrados,estarrecidos, pediram-lhe paraexplicar que espécie de criaturas

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ele agredira. Narrou-lhes então ohomem, para seu assombro, oque lhe acontecera. Assim,compreendendo que tudo aquilofora obra de Satanás, libertaram-no e o deixaram sair ileso,pedindo-lhe para que nãocomentasse o assunto comninguém. Não obstante, oassunto ficou conhecido dosdevotos zelosos da fé.

Ora, cabe agora perguntar seos Demônios lhe apareceramnaquelas formas criaturais sem a

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presença das bruxas ou se elasestiveram de fato presentes,convertidas, por algum encanto,na forma daqueles animais. Caberessaltar que, embora osDemônios possam ter agido dosdois modos, há de presumir-seque, nesse caso, tenham optadopelo segundo deles. Pois aoatacarem o homem em forma degatos podiam, repentinamente,por algum movimento localatravés do ar, transportar asmulheres de volta para suas casas

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quando a vítima revidasse ao seuataque (como gatos). Ninguémduvida que isso seja possível pelomútuo pacto firmado entreambos. De forma análoga, seriamcapazes de ferir a vítimaperfurando com agulhas a suaimagem, pintada ou esculpidaem chumbo derretido. Muitosexemplos aqui poderiam seraduzidos.

Não há de ser objeção válidao argumento de que talvez asmulheres fossem inocentes, pois,

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segundo os exemplos antesmencionados, os malefíciospodem recair mesmo sobrepessoas inocentes, quandoalguém é sem saber ferido poruma bruxa por meio de umaimagem artificial. O exemplo nãoé conveniente. Pois uma coisa é oindivíduo ser molestado poralgum Demônio através de umabruxa, outra coisa é sermolestado sem a participaçãodesta. O Diabo recebe golpes naforma de um animal e os

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transfere a quem a ele está unidopor pacto, quando age na formadaquele animal com oconsentimento da pessoaenvolvida. Dessa forma,portanto, ele é capaz de ferir só oculpado que com ele pactua, enão o inocente. Mas quando osDemônios visam causar malespor meio de bruxas, são capazesentão de, com a permissão deDeus, infligir tais crimes mesmocontra inocentes.

Entretanto, os Demônios, às

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vezes, com a permissão de Deus,em sua própria pessoa, atacammesmo os inocentes. E chegarama atacar Jó, embora nãoestivessem, no caso, presentes.No exemplo que mencionamos,usaram do espectro de gatos,animal que, segundo asEscrituras, é símbolo apropriadoda perfídia, assim como o cão é osímbolo dos pregadores. Pois osgatos ficam sempre engordandouns aos outros. E a Ordem dosFreis Pregadores foi

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representada, pelo seu primeirofundador, por um cão ladrandocontra a heresia.

Logo, há de presumir-se queaquelas três bruxas atacaram otrabalhador do segundo modo,seja porque não lhes agradasseatacá-lo do primeiro, seja porqueo segundo fosse mais adequado àsua curiosidade.

E eis a ordem queobservaram. Primeiro, foraminstadas pelos Demônios a assimproceder, não o contrário.

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Porquanto muitas vezes assimnos têm revelado em suasconfissões, que são pelosDemônios incitadas aperpetrarem o mal, às vezes maisdo que deveriam. É provável queas bruxas por sua própriavontade não teriam atacado opobre homem.

Não há dúvida de que omotivo para os Demôniosinstarem-nas a agir daquelaforma foi porque sabiamperfeitamente bem que, quando

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um crime manifesto fica sempunição, Deus é ainda maisofendido, a Fé Católica édetratada e o número de bruxasmais cresce. Em segundo lugar,tendo recebido o seuconsentimento, os Demôniostransportaram os seus corposcom muita facilidade, revelandoo seu poder espiritual sobre ospoderes corporais. Em terceirolugar, transformadas em gatospor algum encanto, foramobrigadas a atacar o trabalhador.

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Veja-se que os Demônios não asdefenderam dos golpes do pobrehomem, embora pudessem tê-lofeito com a mesma facilidadecom que as transportaram. Epermitiram que elas apanhasseme que o seu agressor fosseconhecido para que tais crimes,pelas razões já mencionadas,continuassem o castigo devidoque deveria ter sido ministradopelos pusilânimes que mostraramnão ter o menor zelo pela fé.

Sabemos também do caso de

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um santo homem que, certa vez,deparou com o Diabo na formade um devoto sacerdotepregando numa igreja. Sabendoem seu espírito que se tratava doDemônio, prestou atenção emsuas palavras para verificar sebem ensinava aos fiéis. E vendoque sua atitude era irrepreensívele que combatia o pecado com oseu discurso, dele aproximou-seao término do sermão eperguntou-lhe por que agiaassim. Ao que o Diabo

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respondeu:– Prego a verdade porque sei

que os meus ouvintes só ouvemas minhas palavras mas não asseguem. Assim, mais ofendem aDeus e mais cresce o meuregozijo.

CAPÍTULO X

Do método pelo qual osDemônios, por intermédiodas operações de bruxaria,

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às vezes possuem oshomens.

Já demonstramos no capítulo

precedente de que modo osDemônios conseguem penetrarno corpo humano e de que modotransportam as imagens mentaisde um lugar para outro. Alguém,no entanto, poderá duvidar dasua capacidade de, à solicitaçãodas bruxas, obsediar os homensinteiramente; ou desconhecer os

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vários modos de que dispõempara causar tal obsessão sem ainterferência das bruxas. Paradirimir tais dúvidas, cabe-nos dartrês explicações. Primeiro, quantoaos vários modos de possessão.Segundo, quanto às solicitaçõesdas bruxas e à permissão de Deuspara tal. Terceiro, quanto àcomprovação dos argumentoscom fatos e exemplos.

Para começar, devemoslembrar de uma forma depossessão diabólica geral, que

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deve ser excluída das nossasconsiderações e que é a dopecado mortal. Santo Tomás, noterceiro livro, terceira questão,fala desse modo de possessãodemoníaca ao tentar esclarecer seo Diabo sempre possui o homemsubstancialmente através dessaespécie de pecado. Pois que nohomem sempre habita o EspíritoSanto, que lhe confere a graçaconforme se diz em I Coríntios,3: “Não sabeis que sois o templode Deus, e que o Espírito de

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Deus habita em vós?” E, como aculpa se opõe à graça, pareceriaque forças opostas estãohabitando o mesmo lugar.

Nessa passagem de SantoTomás fica provado que apossessão diabólica de umhomem pode se dar de duasformas; ora com relação à alma,ora com relação ao corpo. Masnão é possível ao Demôniopossuir a alma, porque nela sóDeus pode entrar. Logo, o Diabonão é a causa do pecado que o

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Espírito Santo permite que aalma cometa. Destarte, não hásimilitude entre os dois métodosde possessão.

Quanto ao corpo, porém,vemos que o Diabo é capaz depossuir o homem de dois modos,na medida em que existem duasclasses de homens: a dos que seencontram no pecado e a dosque se encontram na graça.Primeiro, que o homem que seacha em pecado mortal se vê aserviço do Demônio. Este, a seu

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turno, na medida em que sugereo pecado, seja através dossentidos, seja através daimaginação, habita o caráter dohomem, que erra ao sabor dastentações, qual barco no mar semtimão.

O Diabo, ademais, é capaz depossuir o homem na sua essênciacorpórea, como fica claro no casodos loucos. Essa questão,entretanto, pertence mais aoâmbito do castigo que do pecadopropriamente. Os castigos

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corpóreos nem sempre sãoconsequência do pecado, e simsão infligidos ora sobrepecadores, ora sobre inocentes.Portanto, tanto os que não seencontram no estado de graça,quanto os que nele seencontram, podem seressencialmente possuídos peloDemônio, de acordo com ojulgamento incompreensível deDeus. E embora tal modo depossessão fuja um pouco a nossospropósitos, trataremos dele aqui

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para que fique a todosesclarecido que, com a permissãode Deus, os homens, por vezes,são substancialmente possuídospor Demônios a pedido dasbruxas.

Seja por solicitação dasbruxas ou não, os Demônios sãocapazes de possuir e ferir oshomens de cinco modosdiferentes. Quando o fazem porinsistência das bruxas, maior aofensa a Deus e maior seu poderpara molestar os homens.

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Excetuando o fato de, por vezes,molestarem os homens atravésde seus haveres materiais, temosos cinco seguintes métodos depossessão: pelos seus próprioscorpos; pelos seus corpos e pelassuas faculdades interiores; portentação interior e exterior tãosomente; por privar-lhes do usoda razão; por metamorfose,transformando-os em bestasirracionais. Devemos considerarcada um desses métodosseparadamente.

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Antes, no entanto, convémenumerarmos as cinco razões porque Deus permite que os homenssejam possuídos, por meraquestão de ordem expositiva. Àsvezes, os homens são possuídosem seu próprio interesse; outraso são por algum pecado menorde outro homem; em algumas,por causa de algum pecadovenial que tenham cometido; àsvezes, ainda, por causa de gravepecado de outro homem; emoutras, enfim, por causa de seus

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próprios pecados graves. Portodas as razões, que ninguémduvide que Deus permite apossessão pelos Demônios apedido das bruxas. Convémprovarmos cada uma dessasrazões pelas Escrituras, e não porexemplos recentes, já que os fatosnovos são sempre reforçadospelos exemplos antigos.

Exemplo da primeira razãotemos no Dialogue de SulpícioSevero, grande discípulo de SãoMartinho, onde nos conta do

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padre cujo dom da graça era tãoimenso e cujo poder de exorcizarDemônios era tão grande que osafastava não só com as suaspalavras mas, por vezes, com suascartas, e até com seu cilício. E porter ficado mundialmente famoso,sentia-se tentado pela vanglória,embora virilmente resistisseàquele vício. Mas, para quepudesse ser mais humilhado,rogou a Deus com todo o seucoração que durante cinco mesesfosse possuído por um Demônio.

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E assim aconteceu. Ele foi deimediato possuído e teve de sercolocado a ferros, e tudo que seaplica a endemoniados lhe foiaplicado. Mas, ao final do quintomês, viu-se imediatamente livredo espírito maligno e também davanglória. Mas não sabemos denenhum caso de alguém quetenha sido possuído, por essemotivo, através de bruxariahumana, embora, como dissemosantes, os critérios de Deus sejam,por vezes, incompreensíveis.

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Como exemplo da segundarazão, quando alguém é possuídopor algum pecado venialcometido por outra pessoa, temoso caso relatado por São Gregório.O abençoado abade Eleutério,homem devotíssimo, passavauma noite próximo a umconvento de virgens. Sem que elesoubesse, foi dormir em sua celatambém um menino que todas asnoites costumava ser perturbadopelo Demônio. Pois naquelamesma noite o menino viu-se

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livre do espírito demoníaco sópela presença do padre. Quandoo abade soube da história, levouo menino para um mosteiro dehomens santos. Depois de algunsdias, começou a regozijar-se umtanto exageradamente dalibertação do menino, dizendo aseus irmãos monges:

– O Diabo estava fazendo dassuas com aquelas irmãs, mas nãose atreveu a aproximar-se domenino desde que ele seaproximou dos servos de Deus! –

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Pois eis que de imediato o Diabovoltou a atormentar o menino. Epelas lágrimas e pelo jejum dosanto homem e de seuscompanheiros é queconseguiram, com dificuldade,livrar o menino do Demônio,ainda no mesmo dia. E emborasurpreenda que um inocente sejapossuído por causa de uma levefalta cometida por outra pessoa,não admira quando homens sãopossuídos por seus própriospecados veniais, ou por causa de

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grave pecado de outra pessoa, oude seu próprio pecado grave, àsvezes também a pedido debruxas.

Cassia, na primeira Collationedo abade Sereno, dá um exemplode como um tal Moisés foipossuído por causa de seupróprio pecado venial. EsseMoisés era um eremita de vidareta e piedosa. Mas por ter emcerta ocasião discutido com oabade Macário e por ter idolonge demais ao expressar certa

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opinião, foi de imediato atacadopor um Demônio terrível que ofez expelir seus própriosexcrementos pela boca. Pois essecastigo foi infligido por Deuspara sua purgação, para quenenhuma mácula de suamomentânea falta nelepermanecesse. Tratou-se de umacura miraculosa. Pois através deorações contínuas e pelasubmissão ao abade Macário oespírito maligno foi rapidamenteafastado e nunca mais o

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atormentou.Caso semelhante é relatado

por São Gregório no seu Primeirodiálogo – o da freira que comeualface sem ter feito o sinal dacruz e que foi livrada do espíritodo mal pelo bem-aventuradopadre Equício.

No mesmo Diálogo, SãoGregório conta o caso de alguémpossuído por grave pecado deoutra pessoa. O bispo Fortunatoafastou o Demônio de umpossuído e o Demônio passou a

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perambular pelas ruas da cidade,sob o disfarce de peregrino,reclamando:

– Ó! Santo bispo Fortunato!Vejam o que me fez: expulsou-me da minha morada, a mim,um peregrino, e agora nãoencontro descanso em lugaralgum.

Um homem sentado ali pertocom sua mulher e filho a tudoouviu e acabou convidando operegrino a ir morar com eles. Aoperguntar-lhe por que fora posto

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na rua, o peregrino contou-lheuma história sobre o bispoabsolutamente caluniosa, na qualo homem acreditou. E, logo aseguir, o Demônio possuiu o seufilho, e, fazendo-o jogar-se nofogo, matou-o. E assim o infelizpai entendeu a quem receberacomo hóspede.

E por fim, em quinto lugar,muitos são também os exemplosde homens possuídos por causade seus próprios pecados graves,encontrados não só nas Sagradas

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Escrituras como também naspaixões dos santos. Pois que em IReis, 15, Saul foi possuído pordesobediência a Deus. E, comodissemos, mencionamos todosesses exemplos para que aninguém pareça impossível quehomens sejam possuídos porcausa dos crimes das bruxas, oupor sua vontade. Havemos deexplicar os vários métodos dessapossessão apresentando exemplosreais.

Na época do papa Pio II, eu

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próprio, que agora escrevo estaslinhas, antes de ingressar noSanto Ofício da Inquisição, passeipela seguinte experiência. Umcerto boêmio da cidade deDachov trouxe seu único filho,sacerdote do clero secular, aRoma para ser exorcizado, pois orapaz estava possuído por umDemônio. Foi-me eleapresentado no refeitório. Ali nossentamos os três; ele rogava aDeus que a viagem empreendidanão fosse esforço em vão.

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Compadecido, perguntei-lhequal o motivo da viagem e de suatristeza. E ele então explicou-meo que se passava, às vistas dopróprio filho, sentado ao seulado:

– Ai de mim! Tenho um filhopossuído pelo Demônio. Foi commuita dificuldade e com muitosgastos que consegui trazê-lo atéaqui para ser curado.

– E onde está o teu filhopossuído?

– Aqui ao meu lado.

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Assustei-me um pouco.Olhei-o com atenção. O rapazcomia com recato e respondiadiligentemente a todas as minhasperguntas. Comecei a duvidarque estivesse possuído: talvezestivesse acometido de algumaoutra enfermidade. Contou-meentão de que modo e desdequando ele fora possuído.

– Foi uma feiticeira quelançou esse mal sobre mim.Havia eu discutido com ela arespeito de um problema de

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disciplina da Igreja. E a repreendicom veemência pela suaobstinação. Respondeu-me elaentão antecipando o que iriaacontecer comigo dentro dealguns dias. E de fato aconteceu.O Demônio que me possuiucontou-me que o feitiço foi porela escondido em uma árvore.Enquanto de lá não forremovido, não me verei livre domal. Mas não soube me dizeronde fica a tal árvore.

Não teria eu acreditado

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numa só palavra se o rapaz nãome tivesse contado ospormenores do caso. Ao mostrar-lhe que os possuídos em geralnão conseguem fazer uso de seujuízo normal por tanto tempocomo ele o fazia, explicou-me:

– Vejo-me privado do uso darazão só ao contemplar coisassagradas ou ao visitar lugaressantos. Disse-me o Demônio,através de minha própria boca,que não mais me permitiriapregar aos fiéis, por tê-lo

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ofendido muito com meussermões.

Segundo o pai, o rapaz eraum pregador cheio de fé equerido de todos. Eu, noentanto, como Inquisidor à buscade provas, levei-o a percorrercomigo, por mais de 15 dias,vários lugares santos. Um diafomos à igreja de Santa Praxedes,a Virgem, onde se acha umfragmento do pilar de mármoreno qual ficou preso o NossoSalvador, durante a Paixão, e

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também ao local onde São Pedrofoi crucificado. Nesses doislugares o padre soltava gritoshorríveis enquanto eraexorcizado, ora dizendo quequeria sair dali, ora dizendo ocontrário. Pelo resto do tempo,porém, seu comportamento era omais sóbrio possível, semqualquer excentricidade. Ao cabode cada exorcismo, quando lheera retirada a estola do pescoço,não apresentava qualquer sinalde loucura nem agia com

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despropósito. Porém, sempre quepassava por qualquer igreja e seajoelhava em honra da GloriosaVirgem, o Demônio o fazia botara língua de fora, bem-estendida.Perguntando se não seria capazde refrear tal atitude, respondeu:

– Não consigo de jeito algum.Ele se utiliza de todos os meusmembros e de todos os meusórgãos como bem lhe apraz, domeu pescoço, da minha língua,dos meus pulmões. Obriga-me afalar e a reclamar. Ouço as

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palavras que saem de minha bocamas não posso impedi-las. Esempre que procuro entregar-meàs orações, ele me ataca aindacom mais violência e me bota delíngua de fora.

Pois bem: havia na igreja deSão Pedro uma coluna trazida doTemplo de Salomão, por virtudeda qual muitos obcecados porDemônios eram livrados do mal,porque Cristo, ao pregar naqueletemplo, postou-se junto à coluna.Mesmo ali, porém, o nosso

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pregador não pôde ser livrado domal, pois que Deus já lhereservara um outro expedientepara a libertação. Depois de,junto à coluna, ter permanecidocalado por um dia e uma noite,já com uma pequena multidãoreunida à sua volta, foi-lheperguntado de que lado dacoluna Cristo pregara. Ele então,mordendo a coluna com osdentes e esbravejando, acabouindicando o lugar.

– Foi aqui! Foi aqui que Ele

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pregou! – ao fim acrescentou: –Não posso prosseguir.

– Por que não? – perguntei-lhe.

– Por causa dos lombardos.– Por causa dos lombardos?– Sim... – E prosseguiu com

uma explicação em italiano,embora nunca tivesse falado essalíngua. Ao cabo da explicação,me perguntou: – Padre, quesignificam as palavras queacabaram de sair da minha boca?

Expliquei-lhe que dissera

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terem os lombardos praticadotais e tais coisas, todas as pioresobscenidades.

– Eu ouvia o que falava,padre, mas não compreendia.

Por fim, acabou-se provandoque a sua possessão demoníacaera daquela espécie mencionadapelos Salvador do Evangelho:“Ele só será livrado por oração epor jejum.” Foi então que umvenerável bispo, que fora privadoda visão pelos turcos,compadeceu-se do pobre rapaz e,

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jejuando a pão e água durantequarenta dias e quarenta noites,conseguiu livrá-lo do espíritomau com muitas orações eexorcismos, pela graça de Deus.E foi em grande regozijo que opadre voltou para casa.

Ora, seria um verdadeiromilagre se alguém nessa vidaconseguisse explicar as formasvariadíssimas pelas quais Satanáspossui ou se incorpora noshomens. No entanto, deixandode lado o prejuízo que lhes causa

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nas suas fortunas temporais,pode-se considerar taisexpedientes em cinco tiposprincipais. Alguns são atingidosno próprio corpo; outros, noscorpos e nas percepçõesinteriores; outros ainda só naspercepções interiores; alguns só osão temporariamente, na razão;e, por fim, há os que sãotransformados em animaisirracionais. O tipo de possessãoque se abateu sobre o padre hápouco mencionado foi o quarto.

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Ele não foi prejudicado nos seushaveres, nem em seu corpo,como aconteceu a Jó, a respeitode quem declaram as Escriturasclaramente que Deus concedeupoderes a Satanás, dizendo-lhe:“Pois bem! Tudo o que ele temestá em teu poder; mas nãoestendas a tua mão contra a suapessoa.” Deus referia-se às coisasexteriores. Mas depois Deusconcedeu a Satanás o podersobre o seu corpo: “Pois bem, eleestá em teu poder, poupa-lhe

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apenas a vida.”Jó foi ainda atormentado de

outra forma, qual seja, pelaspercepções interiores de sua almae pelo seu corpo (Jó, 12): “Se édito ao Senhor, meu leito meconsolará e eu me confortarei naminha cama, então vós meaterrareis com sonhos, e mesacudireis com o horror dasvisões.” Não obstante, tais sonhoseram causados pelo Demônio,segundo Nicolas de Lira e SantoTomás: “Vós me aterrareis com

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sonhos”, que a mim aparecemdurante o sono e com visões quea mim me ocorrem durante avigília, por distorções de minhaspercepções interiores. Porquantoos espectros que invadem ospensamentos durante o diapodem se transformar no terrordos que dormem, à semelhançados que visitaram Jó por meio daenfermidade em seu corpo.Porquanto, ao dizer que forasacudido pelo terror, o fez porsentir-se de tal modo afastado de

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qualquer consolo que não viaremédio ou forma de escapardaquela desgraça, salvo pelamorte, com o que se viutremendo de pavor. E ninguémduvida serem as bruxas capazesde afligir os homens dessa formaatravés de Demônios, como se háde mostrar a seguir. Veremos deque modo são capazes deprejudicar os bens materiais doshomens, além de prejudicar ospróprios homens e os animaisatravés de tempestades.

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Há ainda uma terceira formade afligir o corpo e as percepçõesinteriores, sem privar o indivíduode seu juízo, que é quando asbruxas inflamam de tal modo ointelecto humano pelas tentaçõesdas obscenidades ilícitas que avítima se vê compelida apercorrer grandes distâncias ànoite para ir ao encontro de suaamante, tal o seu aprisionamentona rede do desejo carnal.

Podemos contar o caso queparece ter acontecido em Hesse,

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na diocese de Marburg.Um padre fora possuído por

Satanás. Durante uma sessão deexorcismo, perguntou-se aoDemônio:

– Há quanto tempo habitaseste corpo?

– Há sete anos – respondeu.– Como é possível se nele só

te manifestas há menos de trêsanos?

– Porque nele me achavaescondido – explicou o Demônio.

– Mas como te escondias

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durante a celebração do SagradoSacramento?

– Debaixo da sua língua –esclareceu.

– Desgraçado! – exclamououtro. – Como te atreveste a nãofugir da presença do Criador?

Ao que ele respondeu:– Qualquer um pode se

esconder debaixo de uma ponteenquanto um santo homem acruza, desde que ele não façauma pausa em sua marcha.

Todavia, com o auxílio da

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graça divina, o padre foi livradodo espírito do mal, tenha ou nãocontado a verdade. Pois sabemosque tanto ele quanto seu paieram mentirosos.

O quarto tipo de possessãomencionada aplica-se ao caso dopadre que foi livrado do espíritomaligno em Roma, sob opressuposto de que o Diabo sópode penetrar no corpo, mas nãona alma: nela só Deus podeingressar. Quando, porém, digoque o Diabo é capaz de penetrar

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no corpo não quero afirmar queo ocupe em seus limitesessenciais.

Explicarei esse problemaadiante. Vou mostrar de quemodo um Demônio consegueocupar substancialmente o corpode um homem e de que modo écapaz de privá-lo de seu juízo.Havemos de considerar os limitesdo corpo de duas maneiras: oslimites físicos e os essenciais.Sempre que um anjo, seja bomou mau, opera nos limites físicos

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do corpo, penetra-o de tal sorte ainfluenciar-lhe as capacidadesfísicas. E dessa forma os anjos dobem provocam visões imagináriasnos homens bons. Mas nunca sehá de dizer que penetrem naessência do corpo, por não seremcapazes disso, em nenhuma desuas partes, nem de suasqualidades. Em nenhuma desuas partes porque a essênciahumana e a angelical sãoabsolutamente distintas. Emnenhuma de suas qualidades,

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como a determinar-lhe o caráteranímico, porque estas são obrade Deus. E só a Deus cabeexercer qualquer influência emsua essência profunda. E apreservá-la, quando em Suamisericórdia se vê inclinado apreservá-la.

Sejam quais forem asperfeições dos homens justos ouas falhas dos injustos, quandosão causadas por operação dealgum espírito na cabeça ou emseus atributos, tal espírito invade

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a cabeça em seus limites físicos –nos limites físicos dascapacidades físicas do corpo.

Mas quando o espírito operasobre a alma, há de fazê-lo peloseu exterior, e de váriasmaneiras. Diz-se que taisespíritos atuam sobre a almaquando imprimem no intelectorepresentações ou formasfantasmagóricas, não só aoentendimento comum comotambém às percepções exteriores.E quando assim operam os anjos

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do mal, surgem tentações epensamentos maléficos causadospela sua influência indireta sobreo intelecto. No entanto, os anjosdo bem fazem surgirrepresentações fantásticas darevelação, que iluminam oentendimento. E essa é adiferença entre ambos. Os anjosdo bem são capazes de imprimiraté fantasias iluminadoras nointelecto, ao passo que os anjosdo mal ensombrecem, com osseus espectros e fantasmas, o

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entendimento humano, emborasó o façam indiretamente, namedida em que o intelecto se vêforçado a levar em conta taisrepresentações fantasmagóricas.

Mesmo que os anjos do bemnão sejam capazes de penetrar naalma, são capazes de iluminá-la.De forma semelhante, diz-se queum anjo superior não há depenetrar num anjo inferior: oque faz é iluminá-lo. Contudo, éda esfera exterior que operam,contribuindo para o clareamento

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do espírito. Já os anjos do malbem menos conseguem fazer.

Destarte o Diabo veio aocupar o corpo do sacerdote detrês modos. Primeiro, como eracapaz de ocupar-lhe o corpo emseus limites físicos, passou ahabitar, de fato,substancialmente, a sua cabeça.Segundo, por ser capaz de atuarpor caminhos extrínsecos sobre asua alma, passou a denegrir o seuentendimento e a privá-lo do usoda razão. Era, em princípio, capaz

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até de assim atormentá-loininterruptamente, mas, comovimos, por uma dádiva de Deus,o sacerdote só era incomodadode espaço a espaço. Terceiro,embora o sacerdote ainda tivesseconsciência de proferir palavras,privou-o do poder de fazer bomuso delas, impedindo-o decompreender o seu significado.Eis aí uma diferença dos demaismétodos de obsessão. Em geral,os possuídos por espíritosdiabólicos são-no

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ininterruptamente, como é o casodo lunático referido noEvangelho (São Mateus, 17) cujopai diz a Jesus: “Senhor, tendepiedade de meu filho, porque élunático e sofre muito: ora cai nofogo, ora na água...” E também oda mulher que, havia 18 anos,era possuída por um espírito quea detinha doente: andavacurvada e não podiaabsolutamente erguer-se (Lucas,8). E dessa forma os Demôniossão, sem dúvida, capazes de, a

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pedido das bruxas e com apermissão de Deus, infligirtormentos.

CAPÍTULO XI

De como são capazes deinfligir toda sorte deenfermidades, em geralmales da maior gravidade.

Ora, não há enfermidade do

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corpo, nem mesmo qualquerforma de lepra ou de epilepsia,que não possa ser causada pelasbruxas, com a permissão deDeus. Prova-o o fato de que nãohá uma enfermidade que seja,nesse aspecto, isentada pelosmédicos. Basta a consideraçãodiligente do que já dissemos arespeito dos poderes diabólicos eda perversidade das bruxas paraque não encontremos qualquerdificuldade neste enunciado.Nider também trata do assunto

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tanto em seu PraeceptorumDiuinae Legis Liber quanto emseu Formicarius. Indaga nessasobras se as bruxas seriam de fatocapazes de prejudicar os homensatravés de bruxarias. Pois o autornão exclui nenhuma dasenfermidades, mesmo asincuráveis. E explica, depois, deque modo e por que meios sãocapazes de causar tais males.

O que esse autor diz já foimostrado na Questão I da Parte Ideste tratado. Outros autores

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atestam essa sua capacidademórbida. Santo Isidoro, aodescrever as operações debruxaria (Etym, 8, cap. 9), afirmaserem chamadas bruxas porcausa da magnitude de seuscrimes: com a ajuda dosDemônios, conseguem perturbaros elementos e causartempestades, conseguemconfundir o pensamentohumano da forma já explicada,seja obstruindo inteiramente,seja impedindo seriamente o uso

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do seu juízo. E acrescenta quesem fazer uso de qualquerpeçonha, pela mera virulência deseus encantos, conseguem tirardos homens sua própria vida.

Santo Tomás, no Segundolivro das sentenças, dist. 7 e 8, eno quarto livro, dist. 34, juntocom quase todos os outrosteólogos, declara serem as bruxascapazes de, com o auxíliodiabólico, prejudicar os homensem todas as suas atividades, detodas as formas imagináveis,

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como se o próprio Satanásestivesse agindo: desgraçando-osem seus ofícios, em suareputação, em seu corpo, em suarazão e em suas vidas. Noutraspalavras: todos os males causadostão só pelos Demônios podemtambém ser causados pelasbruxas. E com muito maisfacilidade, por muito maior ser aofensa assim praticada contra aMajestade Divina, conformemostramos.

Em Jó 1 e 2 encontramos

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exemplo da desgraça causada pormeio de bens temporais. Oprejuízo da reputação éencontrado na história de SãoJerônimo. O Diabo transfigurou-lhe as feições, tornando-o muitoparecido a São Silvano, bispo deNazaré, amigo seu. Durante anoite, assim endemoniado,aproximou-se da cama de umadama de boa casta. Primeiro,provocou-a e instigou-a compalavras obscenas, depois,convidou-a a praticar o ato

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pecaminoso. Quando a mulhergritou, o Demônio com os traçosdo santo bispo escondeu-sedebaixo de sua cama e, com avoz lúbrica, declaroumentirosamente que era o bispoSilvano. No dia seguinte, tendo oDemônio desaparecido, o santohomem viu-se escandalosamentedifamado. Seu nome só foiclarificado quando o próprioDemônio confessou, no túmulode São Jerônimo, que fizeraaquilo em um corpo possuído.

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A desgraça por intermédio docorpo é exemplificada pelo casode Jó, que por alguma forçadiabólica foi acometido deterríveis feridas, que eram lepraem uma de suas formas.Sigisberto e Vicente de Beauvais(Spec. Hist. XXV, 37) contam-nos que no tempo do imperadorLuís XI, na diocese de Mainz,um Demônio passou a jogarpedras e a bater nas casas comose tivesse um martelo. Depois,através de declarações públicas e

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de insinuações sigilosas, passou adisseminar a discórdia e a criarmuitos problemas entre osmoradores do lugar. Por fim,instigou todos contra um únicohomem. Sempre que o homem seencontrava repousando, ateavafogo em sua casa, alegando quetodos ali sofriam por causa deseus pecados. O homem acaboutendo de se mudar para o campo.Reuniram-se os sacerdotes pararezar uma ladainha pelo pobrehomem. Enquanto rezavam, o

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Demônio começou a atirarpedras contra os fiéis, ferindo-osaté sangrar. E ora se acalmando,ora se encolerizando, continuoua perseguir os moradores durantetrês anos, até que todas as casastivessem sido queimadas.

Exemplo de malefício contrao uso da razão e das percepçõesinteriores nos são dados pelospossuídos e loucos de que nosfala o Evangelho. Exemplos demalefício mortal são dadostambém pelo Evangelho, Tobias,

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6, onde é relatado o caso dos setemaridos da virgem Sara, queforam mortos pelo desmedidodesejo lúbrico que por elacultivavam, revelando-seindignos daquele matrimônio.Concluímos, portanto, que, sejapor conta própria, seja com oauxílio das bruxas, os Demôniossão capazes de prejudicar oshomens de todas as formas, semnenhuma exceção.

Mas a quem atribuir taisdesgraças? Mais aos Demônios

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do que às bruxas? Ora, decerto,quando os Demônios causammales por sua ação direta, se lheshá de atribuir os resultados. Masquando operam porintermediação de bruxas, paradetração do Senhor Deus e paraa perdição das almas, sabendoque assim estão levantando aindamais a ira de Deus e adquirindomaior poder para perpetrar omal, as desgraças hão de seratribuídas justamente às bruxas,por causa de sua perfídia e

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abjuração da Fé Católica, emboramuitas vezes o Diabo possa ser oator principal.

Logo, quando uma mulhermergulha um ramo de folhas naágua e depois borrifa a água noar para fazer chover, não se há deculpá-la pelo ato em si, já que é oDemônio quem faz chover: se háde culpá-la por firmar um pactocom ele, por ser uma infiel, porfazer o trabalho do Demônio epor colocar-se a seu serviço.

De forma análoga, há de

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culpar-se uma bruxa porenfeitiçar alguém através de umaimagem de cera; ou quando aimagem de alguém aparece aoderramar-se chumbo derretidona água e sobre ela se faz omalefício, perfurando-a, ouferindo-a de algum outro modo.Pois embora o mal tenha sidoperpetrado pela bruxa sobre aimagem, se a pessoa a quem sedestinava for assim lesada, há deatribuir-se à bruxa a causa domal. Pois sem a sua presença

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nunca Deus teria permitido a suaconcretização, tão somente porobra e graça do Diabo.

Surge aqui, porém, uma sériadúvida. Como são os Demônioscapazes de perpetrar os maioresmales aos homens por contraprópria, sem a cooperação dasbruxas, não seriam tambémcapazes de difamar mulhereshonestas para que fossemcastigadas como bruxas, sem oserem na realidade?

Antes de responder à

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pergunta é mister atentar paraalguns pontos. Primeiro, o Diabonada poder fazer sem apermissão divina, conformedemonstramos na Parte I destaobra, na última Questão.Mostramos também que Deusnão confere tanto poder aosanjos do mal contra os justos e osque vivem na graça comoconcede contra os pecadores.Ademais, segundo as SagradasEscrituras, os Demônios (Lucas,11) têm poderes maiores sobre os

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pecadores, e Deus lhes permitemais afligirem a estes do que aosjustos. Por fim, embora sejamcapazes de afligir os justos, nassuas atividades, na sua reputaçãoe no seu corpo, sabem que essepoder lhes é concedido,sobretudo, para fomentar osméritos destes. Assim, mostram-se menos ávidos de os molestar.

Há ainda outras dificuldadesa serem ponderadas parapodermos responder à pergunta.Primeiro, a permissão divina.

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Segundo, a consideração dohipócrita e do mentiroso, quefingem viver em estado de graça,o que nem sempre é verdade.Terceiro, é preciso também levarem conta o crime de que ésuspeito o homem inocente. Jáque o crime de bruxaria excedeem perversidade todos nas suasatividades ou na sua reputação(pelo qual citamos Santo Isidoroafirmando que elas são chamadasbruxas devido à magnitude deseus crimes). No entanto, com

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relação ao crime de bruxaria emparticular, dada a gravidade daacusação, não parece realmentepossível que o Diabo consigadifamar o inocente da formaindicada. E por várias razões.

Em primeiro lugar, uma coisaé a pessoa ser difamada pelaprática dos vícios cometidos semque tenha feito qualquer pactotácito ou explícito com osDemônios – entre esses crimesestão os furtos, os assaltos, afornicação. Outra coisa é difamar

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uma pessoa por crimes quejamais poderia cometer sem quetivesse firmado pacto com oDemônio – e aí estão os crimesdas bruxas: os encantamentosperpetrados contra os homens,contra os animais e contra osfrutos da terra. Portanto, emboraos Demônios possam denegrir areputação de uma pessoa porcausa de vários vícios aos quaisseja dada, não parece possíveldifamá-la por crimes que nãopoderiam ter sido praticados sem

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a sua cooperação.A par disso, até o momento

não sabemos de um só caso depessoa que tenha sido difamadapelo Diabo em tal medida quefosse condenada à morte porqualquer crime em particular.Ademais, quando a pessoa seacha sob suspeita, não sofrequalquer punição, salvo a que oCânon prescreve para a suapurgação como aindamostraremos na Parte III destaobra, no segundo método de

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condenação das bruxas.Lá fica estabelecido que, se o

homem acusado falhar na suapurgação, há de ser consideradoculpado, mas antes deprosseguir-se na sua condenaçãoe de lhe ser imposto o castigo,para que seja solenementeadjurado. Ora, estamos aqui nosreferindo a fatos reais: não é denosso conhecimento que algumapessoa inocente já tenha sidopunida por mera suspeita debruxaria: Deus nunca há de

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permitir que isso aconteça.Ademais, Deus não permite

que os inocentes, sob proteçãoangelical, sejam consideradossuspeitos de crimes menorescomo furtos e que tais. Por isso,há de preservar com muito maiorzelo os que se acham sob Suaproteção da suspeita do crime debruxaria.

Não é válido aqui recorrer àlenda de São Germano, à guisade objeção (segundo tal lenda osDemônios, assumindo os corpos

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de outras mulheres, sentaram-seà mesa com os maridos e comeles dormiram, iludindo-os, poispensavam que estavam comendoe bebendo com as própriasmulheres). As mulheres dessecaso não devem ser consideradassem culpa. Porquanto o Cânon(Episcopi 26, q. 2) as condena, jáque se julgavam de fato teremsido transportadas, quando narealidade só o foram naimaginação. Contudo, conformejá explicamos, elas são, às vezes,

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transportadas corporalmente porDemônios.

Nossa atual proposição,porém, é a de que são capazes,com a permissão divina, decausar toda sorte deenfermidades, sem qualquerexceção. Do que dissemos é essaa conclusão a ser tirada. Osmédicos não apontam nenhumaexceção e não há razão para quetal exceção houvesse, pois, comoafirmamos, o poder natural dosDemônios é superior a todos os

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poderes corpóreos. Constatamos,em nossa experiência, que isso éverdade. Pois que, embora sepossa duvidar de que bruxassejam capazes de causar lepra ouepilepsia, já que tais doenças,pelo comum, surgem de algumapredisposição física crônica ou dealgum defeito físico prolongado,há de ficar claro que, por vezes,alguns desses casos são causadospor bruxaria.

Vivia na diocese da Basileia,mais precisamente entre os

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distritos de Alsácia e Lorena, umhonesto trabalhador. Certo dia,travou o homem forte discussãocom uma mulher intrigante edesbocada. Envilecida pelasásperas palavras que ouvira, amulher advertiu-o que suavingança não tardaria. Poucaimportância deu o homemàquela ameaça. Na mesma noite,porém, viu brotar uma pústulaem seu pescoço que, pelo simplescoçar, acabou alastrando-se aorosto, deixando-o inchado e

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deformado, e daí para o resto docorpo, configurando umapavorosa forma de lepra.Estarrecido, foi imediatamenteprocurar o conselho de amigos.Contou-lhes então da ameaça damulher e apostou a vida comoaquilo era uma bruxaria que elalhe lançara. A mulher, logocapturada e interrogada, acabouconfessando o crime. O juizindagou-lhe então da razão porque o cometera e de que modo.

– Depois daquela discussão –

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explicou a mulher –, fiquei muitoaborrecida e fui para casa. Láchegando, meu mestreperguntou-me qual o motivo demeu mau humor. Contei-lhe esupliquei para que se vingassepor mim daquelas ofensas.Perguntou-me então o que euqueria que fizesse, ao que eudisse querer ver o homem com orosto inchado. Mas o Demôniosaiu e o atingiu com mal bemmaior do que o que eu pedi. Nãoimaginava que ele fosse

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contaminá-lo com aquela formatão horrível de lepra.

E assim a mulher foiqueimada.

Na diocese de Constance,entre Breisach e Freiburg, háuma leprosa (a menos que tenhapago toda a sua dívida na carnenesses últimos dois anos) quecostumava contar a muitaspessoas o que lhe acontecera porter travado discussão semelhantecom uma outra mulher. Certanoite, após a discussão, teve de ir

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à frente da casa por algummotivo. No mesmo instante, veioda casa da tal mulher, oposta àsua, um vento quente que aatingiu no rosto e a contaminoucom lepra, mal de que padecedesde então.

Por fim, na mesma diocese,no território da Floresta Negra,uma bruxa estava sendo suspensapelo carcereiro sobre a pilha delenha da fogueira onde seriaqueimada quando então lhedisse:

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– Você pagará! – E emseguida soprou no rosto dohomem. Instantaneamente, viu-se o miserável afligido porhorrível forma de lepra que lhecobriu o corpo e não o deixouviver por muitos dias. Porbrevidade, os muitos etenebrosos crimes dessa bruxa emuitos outros casos semelhantessão aqui omitidos. Bastamencionar os muitos casos queouvimos de pessoas acometidasde epilepsia ou de mal caduco

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que o foram por meio de ritosmágicos: por meio de ovosenterrados junto a certoscadáveres, normalmente com oscadáveres de bruxas, a par deoutras cerimônias das quais nãopodemos falar, em que tais ovoseram dados às vítimas junto comalimento ou bebida.

CAPÍTULO XII

Do modo particular, pelo

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qual afligem os homenscom outras enfermidadessemelhantes.

Ora, quem seria capaz de

enumerar todos os outros malesque as bruxas infligem aoshomens – cegueira, doresexcruciantes, deformidadescorporais? Havemos, porém, decitar alguns exemplos quetestemunhamos com nossospróprios olhos ou que nos foram

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relatados, a nós comoInquisidores.

Há algum tempo erainstituída uma Inquisição nacidade de Innsbruck. Àquelaépoca veio à luz, entre outros, oseguinte caso.

Uma mulher honesta, casadalegalmente com um membro dafamília do arquiduque, prestouformalmente o seguintedepoimento:

“Antes de me casar, quandoainda virgem, fiquei a serviço de

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certo cidadão cuja esposa veio aser afligida por terríveis dores nacabeça. Apareceu então umamulher dizendo-se capaz decurá-la, dando início a uma sériede ritos e de encantamentos que,segundo ela, haveriam demitigar-lhe as dores. Eu a tudoobservava com muita atenção.Vi, entre outras cerimônias, amulher fazer a água ascender deum vaso, fenômeno contrário aomovimento da água natural.Vendo que as dores na cabeça de

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minha patroa não estavam sendoaplacadas, senti-me indignada edisse à bruxa:

“– Não sei o que estásfazendo, mas, seja o que for, ébruxaria, e parece-me que fazessó em teu próprio benefício e nãono de minha patroa. – Ao que abruxa retrucou:

“– Saberás em três dias se souou se não sou uma bruxa. – Eassim se sucedeu. No terceirodia, sentada junto à roda de fiar,fui repentinamente acometida

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por uma dor terrível pelo corpo.Primeiro, era dentro de mim:não havia parte de meu corpoonde não sentisse horríveispicadas; depois, era como seestivessem sendo amontoadasbrasas vivas sobre a minhacabeça; a seguir, me vi coberta dacabeça aos pés de pústulasbrancas. E assim fiquei até o diaseguinte, gritando e só desejandoa morte. Por fim, o marido deminha patroa recomendou quefosse até certa taverna. Fui, com

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grande dificuldade, levada porele. Lá chegando, ele me disse:

“– Olhe! Veja aquele pão defarinha branca sobre a mesa.Tente comê-lo. Vai lhe fazerbem.

“Segurando-me com uma dasmãos à porta, peguei o pão com aoutra.

“– Abra-o, disse-me o meupatrão. – Veja com atenção o quehá dentro dele. – E assim, aoabrir o pão, reparei que nelehavia muitas coisas. Chamaram-

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me atenção uns grãos brancosmuito semelhantes às pústulasque recobriam meu corpo. Alémdisso, ali se viam sementes, ervas,ossos de serpentes e de outrosanimais. Não conseguia nemolhar para aquilo, e muito menoscomê-lo. Estarrecida, perguntei ameu amo o que devia fazer:

“– Jogue tudo no fogo –disse-me ele.

“Assim o fiz e, para meuespanto, subitamente, não emuma hora ou em alguns minutos,

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mas no exato momento em queatirei aquilo tudo no fogo,readquiri toda a minha saúde.”

Muito maior foi odepoimento contra a mulher acujos serviços estava a depoente.Dada a familiaridade que tinhacom bruxas conhecidas, recaiusobre si forte suspeita debruxaria. Presume-se que,sabendo do feitiço colocadonaquele pão, tenha contado tudoao marido. De qualquer forma,foi assim que a criada se

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recuperou.Para que se traga tão

hediondo crime à execraçãopública convém contar outrocaso, também de uma mulher,que se deu na mesma cidade.Essa mulher, casada, honesta,deu o seguinte depoimento:

“Atrás da minha casa tenhouma estufa de plantas, e o jardimde minha vizinha é pegado aomeu. Certo dia percebi que forafeita uma passagem do jardim dacasa dela para a minha estufa,

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não sem estragos. Postei-meentão à porta da estufa e alamentei o estrago feito àsminhas plantas. Apareceu-me derepente uma vizinha e meperguntou se eu suspeitava dela.Receosa porém de sua máreputação, limitei-me aresponder:

“– As pegadas na grama são aprova do estrago. – A mulherficou indignada por eu não a terxingado como ela esperava e seafastou resmungando. Embora

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tivesse ouvido o que ela dizia,não pude entender o que era.Depois de alguns dias adoeci,com dores no estômago.Ferroadas terríveis meatravessavam de um lado aoutro, como se duas facastivessem sido enfiadas em meupeito. E fiquei dia e noiteperturbando os vizinhos commeus gritos. Entre os que meacudiram havia um oleiro queestava envolvido com aquelabruxa, a minha vizinha, num

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caso de adultério. Visitou-me,compadeceu-se de minhaenfermidade e, depois dealgumas palavras de conforto,foi-se embora. Mas no diaseguinte retornou apressado e,depois de me consolar,acrescentou:

“– Vou verificar se a suadoença se deve à bruxaria. Se ofor, hei de restituir-lhe a saúde. –Colocou então sobre o meucorpo, estirado à cama, um jarrod’água. E no jarro despejou um

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pouco de chumbo derretido.Quando viu-se que o chumbo sesolidificou numa certa imagemem várias formas, exclamou:

“– Vê, tua enfermidade écausada por bruxaria, e um dosinstrumentos desse malefícioacha-se escondido debaixo dasoleira da porta da tua casa.Vamos retirá-lo de lá. Vais tesentir melhor. – Fomos, assim,meu marido e eu, remover ofeitiço. O oleiro, erguendo asoleira, pediu a meu marido que

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metesse a mão ali e tirasse tudoque fosse encontrado. E assim eleo fez. Retirou, primeiro, umaimagem de cera, de cerca de umpalmo de comprimento, todaperfurada e atravessada de umlado a outro por duas agulhas, nomesmo local onde eu sentira asdores agudas e terebrantes.Depois, dali recolheu doissaquinhos com vários objetos,grãos, sementes e ossos. Tudoqueimamos. Eu melhorei, masnão fiquei inteiramente boa.

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Embora tenham acabado aspontadas de dor e eu tenharecuperado quase todo o meuapetite, não me acho aindacompletamente restabelecida.”

Perguntamos a ela por quenão se curara de todo, e elarespondeu:

“– Há ainda outros objetos debruxaria escondidos que não seicomo encontrá-los. Perguntei aohomem como ele descobrira osprimeiros instrumentos e eleexplicou:

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“– Soube de tudo por meiodo amor que faz um amigo tudocontar a outro amigo. A tuavizinha tudo me revelouenquanto me persuadia acometer adultério com ela.”

E essa é a história de nossamulher doente.

Mas se fôssemos contar oscasos que descobrimos,semelhantes a esse, naquelacidade, teríamos de escreveroutro livro. Um númeroincontável de homens e

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mulheres – cegos, coxos,debilitados, acometidos dos maisvariados males – não rarochegam a jurar que têm fortesuspeita de que sua doença, emgeral, ou em particular, foicausada por bruxaria e quedeverão suportar aquelesofrimento, ora por um prazo detempo definido, ora até a morte.E tudo o que disseram etestemunharam foi verdade, quera respeito dessa ou daqueladoença, quer a respeito da morte

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de outras pessoas. Pois naquelepaís há um grande número decavaleiros e seus homens deconfiança que tem tempo para ovício e que seduz mulheres edepois as repudiam para casarcom mulheres honestas. E taismulheres, vendo-se rejeitadas,persistem em atormentar nãotanto os homens, mas as suasesposas, na esperança de que,morrendo estas, eles retornem àsantigas amantes.

Houve o caso de um

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cozinheiro do arquiduque quedesposou uma jovem honesta deum país distante. A mulher quefora sua amante, contudo,conhecida bruxa, encontrou-oscerta vez na estrada eestendendo a mão em direção àjovem, vaticinou-lhe a morte:

– Não te hás de regozijar aolado de teu marido por muitotempo! – disse, à frente de váriaspessoas honestas que por alipassavam.

No dia seguinte, a jovem caiu

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de cama e, dias depois, pagou oseu tributo à natureza,exclamando enquanto expirava:

– Vejam, estou morrendoporque aquela mulher, com apermissão de Deus, matou-mecom a sua bruxaria. Mas logologo vou para outro e melhorcasamento: vou me casar comDeus.

De forma similar, segundo orelatório público, um soldado foiassassinado por bruxaria, etambém muitas outras pessoas

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que deixo aqui de mencionar.Há entre esses casos o de um

bem-sucedido cavalheiro cujaamante desejava ardentementeque ele passasse a noite com ela.O homem aquela noite nãopodia e mandou a um de seusserviçais avisar à mulher que nãoiria visitá-la. A mulherenraiveceu-se imediatamente edisse ao servo:

– Vai e diz a teu amo que elenão mais me importunará pormuito tempo.

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No dia seguinte, o homemadoeceu. Na semana seguinte,estava enterrado.

Há bruxas que são capazes deenfeitiçar os seus juízes por mau-olhado: gabam-se publicamentede que não podem sercondenadas. Quando certosmalfeitores são aprisionados porseus crimes e submetidos às maisseveras torturas para confessá-los, essas bruxas são capazes dedotá-los de tal obstinação quepreservam o mais absoluto

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silêncio e não revelam seuscrimes.

E há bruxas que, para realizarmalefícios, batem e apunhalam ocrucifixo e pronunciam as piorespalavras contra a pureza dagloriosíssima Virgem Maria,lançando as mais torpes injúriassobre a natividade de NossoSalvador em Seu útero inviolado.Não convém aqui transcrever taispalavras nem descrever os seuscrimes detestáveis para nãoofender os ouvidos do leitor

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piedoso. Não obstante, todosesses casos se achamdevidamente arquivados. Entreeles há o de uma judia batizadaque dava instruções a outrasmeninas. Uma delas, chamadaWalpurgis, condenada no mesmoano à morte, foi exortada pelosque se achavam reunidos à suavolta a confessar seus pecados.Então ela exclamou:

– Entreguei-me de corpo ealma ao Demônio. Não hápossibilidade de perdão para

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mim.E, dizendo isso, morreu.Esses pormenores não foram

aqui transcritos para vergonha doarquiduque, mas para sua honrae glória. O ilustríssimoarquiduque era um verdadeiropríncipe católico e laboriouzelosamente junto à Igreja, emBrixen, a fim de exterminar asbruxas. São aqui transcritostambém para que se venha aodiar e a abominar tão execráveiscrimes e para que os homens não

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cessem de vingar os insultos e asofensas dessas miseráveis aoCriador e à Santa Fé. Semfalarmos da vingança pelasperdas temporais que causam,não obstante resida na abjuraçãoda fé o seu mais grave e maisterrível crime.

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CAPÍTULO XIII

De que modo as parteirascometem o mais hórridodos crimes: o de matar eoferecer crianças aosDemônios da forma maisexecrável.

Não podemos deixar de

mencionar os males infligidos a

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crianças recém-nascidas pelasbruxas parteiras que primeiro asmatam e depois as oferecem, emblasfemo rito, aos Demônios. Nadiocese de Estrasburgo e nacidade de Zabern vive uma boamulher, muito devota daAbençoada Virgem Maria, queconta a todos os que frequentama sua taverna – conhecida pelosinal da Águia Negra – o casoque lhe sucedeu.

“Estava grávida – conta ela –de meu marido legítimo, hoje

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falecido, e, ao chegar a minhahora, fui procuradainsistentemente por uma parteiraque queria me ajudar no parto.Eu conhecia sua má reputação, e,embora já tivesse decididocontratar outra parteira, fingiconcordar com o seu pedido.Mas quando as dores começaramrecorri à parteira que de fato iriame ajudar. A primeira, vendo aochegar que eu já estava sendoatendida por outra, saiu daliprofundamente irritada. Uma

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semana depois veio ao meuquarto, à noite, acompanhada deoutras duas mulheres.Aproximaram-se as três deminha cama e quando tentei melevantar e chamar por meumarido, que dormia em outroquarto, percebi que nãoconseguia mover nem minhalíngua nem meu corpo: nãoconseguia mover um músculosequer, só via e ouvia o quefalavam. A bruxa, então, de péentre as outras duas, disse:

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“– Vejam! Já que esta vilmulher não me quis comoparteira, não há de ficar semcastigo. – As outras duas entãotentaram me defender.

“– Pois ela nunca nos fezqualquer mal.

“– Mas a mim ofendeu –disse a bruxa parteira —, e porisso vou colocar uma coisa nassuas entranhas. Contudo, emconsideração ao seu pedido, elanão há de sentir qualquer dordurante seis meses. Só a partir de

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então será torturada o suficiente.“Aproximou-se de mim, a

seguir, e tocou em meu ventrecom as duas mãos. Pareceu-meque ela arrancara as minhasentranhas e nelas colocaraalguma coisa que não conseguiver o que era. No que as bruxasse foram, recuperei a força daminha voz e chamei logo pormeu marido. Contei-lhe o que sepassara, mas ele atribuiu tudo àgravidez recente:

“– Ora, as mulheres grávidas!

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Estão sempre sofrendo defantasias e ilusões – disse-me,sem acreditar na verdade do queeu lhe contara. E retruquei:

“– Pois bem, me foi dada agraça de seis meses. Se, depoisdesse tempo, não me acontecernenhum tormento, hei deacreditar em ti.

“Naquele mesmo dia fuivisitada por meu outro filho, umclérigo que se encontrava entãona arquidiocese do distrito, aquem tudo contei também. E o

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que aconteceu? Passadosexatamente seis meses fuiacometida repentinamente pordores excruciantes na barriga queme faziam gritar e atormentar osvizinhos dia e noite. Mas, comosou devota da VirgemSantíssima, a Rainha daMisericórdia, pedi a ela queintercedesse em meu favor, epassei todo sábado a jejuar só apão e água. Certo dia, ao fazerminhas necessidades, vi todasaquelas coisas impuras saírem do

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meu corpo. Chamei logo meumarido e meu filho e lhes disse:

“– São essas as minhasfantasias? Ou alguém aqui já meviu comer espinhos, ossos e atépedaços de madeira? – Pois ali seencontravam sarças com umpalmo de comprimento e umasérie de outros objetos.”

Ora, conforme afirmamos naParte I desta obra, os maioresmales são perpetrados pelasparteiras, são elas as que maisofendem a fé na sua heresia

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diabólica. Essa verdade foiconfirmada pela confissão doservo que veio a julgamento emBreisach e pelas confissões dealgumas das bruxas queacabaram na fogueira.

Na diocese da Basileia, nacidade de Dann, foi queimadauma bruxa que confessou termatado mais de quarentacrianças enfiando uma agulhaem seu cérebro pelo alto de suascabeças ao saírem do útero,durante o parto.

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Enfim, uma outra mulher dadiocese de Estrasburgo oconfessou que já perdera a contade quantas crianças matara. Foiela capturada da seguinte forma.Chamada por uma mulher deoutra cidade para atuar comoparteira, decidiu acudir aopedido. Depois de praticar ocrime, retornou para casa. Masao atravessar o portão da cidade,o braço do recém-nascido caiudo manto que ela usava paraocultá-lo. Os que se achavam

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sentados junto ao portão viram oque acontecera e, no que amulher se afastou, foram até lápara pegar o que julgaram ser umpedaço de carne. Mas aoreconhecerem pelos dedos queera o braço de uma criança,foram correndo avisar asautoridades. Verificou-se entãoque uma criança sem um braçomorrera antes do batismo. Logo abruxa foi capturada einterrogada, confessando ocrime, e numerosos outros

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semelhantes, dos quais já perderaa conta.

Ora, qual o motivo dessecrimes infames? Presume-se queas bruxas sejam compelidas acometê-los a comando deespíritos do mal, às vezes contra asua vontade. Pois o Demôniosabe que, por causa dosofrimento da perda – poenadamni –, ou do pecado original,essas crianças são privadas deentrar no Reino dos Céus. Edessa forma é adiado o Juízo

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Final, quando os Demônios serãocondenados à tortura eterna,porquanto o número dos eleitosé mais lentamente completado(quando este número foratingido, o mundo há de serconsumido). Ademais, conformejá dissemos, dos membros dessascrianças as bruxas fazem umunguento cuja fórmula lhes foidada pelos Demônios, que lhes éde grande utilidade em seusmalefícios.

Mas para que coloquemos

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tais pecados hediondos na devidaperspectiva (para execraçãopública), não podemos deixar demencionar o seguinte crime.Quando as bruxas parteiras nãomatam o recém-nascido,oferecem-no ao Diabo emblasfemo ritual. Assim que acriança nasce, a parteira, quandoa mãe não é ela própria umabruxa, pega a criança e, sob opretexto de aquecê-la, leva-a atéjunto ao fogo da cozinha. Láentão, erguendo-a nos braços,

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oferece-a a Lúcifer, o Príncipedos Demônios, e a todos osoutros Demônios.

Contou-nos um homem aseguinte história. Quando seaproximou a hora de sua mulherdar à luz, ele percebeu que elanão deixou nenhuma outramulher se aproximar da cama,exceto a própria filha, que atuariacomo parteira. Por ser atitudecontrária ao costume habitualdas mulheres na hora do parto,resolveu descobrir por si mesmo

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qual o motivo. Ficou assimescondido na casa e teve aoportunidade de ver com ospróprios olhos toda a cerimôniasacrílega, tal como adescrevemos. Mas viu tambémque, sem qualquer apoio deoutro ser humano, só pela forçado Diabo, o recém-nascidoconseguiu subir pelos ferros quesustentavam as panelas dacozinha. Em grandeconsternação, não só pelaspalavras terríveis usadas para

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invocar os Demônios mastambém pelas cerimôniasiníquas, insistiu o homem emque a criança fosse batizadaimediatamente. A igreja maispróxima ficava num vilarejovizinho. Para lá chegar, porém,tinham de atravessar uma ponte.Quando nela chegaram, ohomem sacou de sua espada evoltando-se para a filha, quecarregava a criança, lhe disse, nafrente de outras pessoas que osacompanhavam:

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– Tu não vais atravessar aponte com a criança no colo. Oua deixas atravessar esta pontesozinha ou te afogo no rio.

– Ficastes louco, meu pai? –perguntou-lhe a filha,aterrorizada, mas o homemretorquiu:

– Criatura miserável! Com atua magia fizeste a criança galgaros suportes de ferro da cozinha.Pois agora trata de fazer com queela atravesse esta ponte sem aajuda de ninguém ou eu te afogo

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neste rio!Restou à moça obedecer à

ordem. Colocou a criança sobre aponte e, num rito mágico,invocou os Demônios.Subitamente, a criança já eravista do outro lado da ponte.Depois de batizada, retornaram àcasa. Embora o homem nãopudesse provar o primeiro crimede adoração ao Diabo, pois quefora a única testemunha do ritualsacrílego, conseguiu, com oauxílio das duas testemunhas

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que o acompanharam, acusar amãe e a filha de bruxaria peranteo juiz, após o seu período depurgação. Foram, depois, ambasqueimadas. E assim descobriu-seo crime sacrílego das parteiras: ode oferenda de recém-nascidosao Diabo.

Surge porém uma dúvida aessa altura: qual a finalidade detal hedionda oferenda e de quemodo beneficia os Demônios?Pode-se dizer que os Demôniosassim procedem por três razões,

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que servem a três propósitos, osmais perversos. A primeira razãoé que assim aumentam o seuorgulho. Está escrito: “Porque eisque se tumultuam vossosinimigos, levantam a cabeçaaqueles que vos odeiam.”(Salmos, 82, 2) Pois que osDemônios tentam, ao extremo,harmonizar-se com os ritos ecerimônias divinos. A segundarazão é que, sob a máscara deuma ação aparentementepiedosa, lhes é mais fácil enganar

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os homens. De forma análoga,enfeitiçam as virgens e os jovenscastos com o seu poder. Emborapossam fazê-lo através do mal eda corrupção dos homens,preferem enganá-los através deespelhos mágicos e de seusreflexos nas unhas das bruxas,seduzindo-os ao fingirem queadoram a castidade, quando narealidade a odeiam. Pois que oDiabo odeia, acima de tudo, aVirgem Maria, “porque esta teferirá a cabeça”. (Gênesis, 3, 15)

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Assim, nessa oblação de crianças,iludem as bruxas, no vício dainfidelidade, sob a aparência deum ato virtuoso. E a terceirarazão é que fazem assim crescer aperfídia das bruxas, para seupróprio proveito, já que passam acontar com bruxas que lhes sãodedicadas desde o berço.

Esse sacrilégio, por outrolado, afeta a criança de trêsformas. Primeiro, é preciso notarque as oferendas visíveis a Deusse fazem de forma visível –

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através do vinho, do pão, dasfrutas da terra – como sinal desubmissão e de honra a Ele,conforme está escrito(Eclesiástico, 25): “Não teapresentarás diante do Senhorcom as mãos vazias.” Taisoferendas não devem ser, pois,destinadas a usos profanos. Osanto padre São João Damascenoesclareceu: “As oblaçõesoferecidas na Igreja pertencemaos sacerdotes, mas não para usopróprio: hão de distribuí-las

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fielmente, em parte naobservação da adoração divina,em parte para o uso dos pobres.”Pelo que se conclui: à criançaoferecida ao Diabo, em sinal desubmissão e de adoração a ele,não mais é permitida a vida forado pecado, com dedicaçãocatólica, a serviço de Deus para obenefício de si própria e dosoutros.

Quem pode afirmar que ospecados das mães e dos outrosnão redundam sobre os seus

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filhos? Poder-se-ia objetarcitando a passagem escriturísticaem que diz o profeta: “O filhonão há de pagar pela iniquidadedo pai.” Mas há aquela outrapassagem do Êxodo, 20, que diz:“Eu sou o Senhor, teu Deus, umDeus zeloso que vingo ainiquidade dos pais nos filhos,nos netos e nos bisnetos daquelesque me odeiam.” O significadodessas duas passagens é oseguinte. A primeira fala docastigo espiritual no julgamento

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dos Céus ou de Deus: não nojulgamento dos homens. Esse é ocastigo da alma, ou seja, doafastamento da glória, ou ocastigo do sofrimento, vale dizer,do tormento no fogo eterno. Ecom tais punições ninguém há deser castigado exceto pelos seuspróprios pecados, sejam osherdados, pelo pecado original,sejam os cometidos, pelospecados reais.

A segunda passagem fala dosque imitam os pecados de seus

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pais, conforme explicou Graciano(Decretum Gratiani, I, q. 4 etc.);aí explica o autor de que modoDeus permite o castigo de umhomem, não pelos seus própriospecados – que tenha cometidoou que venha a cometer (sendo,neste último caso, impedido pelocastigo de cometê-lo) – mas simpelo pecado de outros.

Não se há de dizer, porém,que um homem é castigado semcausa e sem pecado. Poissegundo diz a lei nenhum

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homem há de ser castigado semque tenha pecado: só o é quandohá uma causa para o castigo.Podemos afirmar que há sempreuma causa justíssima, emborapossa ser desconhecida por nós:ver Santo Agostinho, XXIV, 4. Ese não conseguimos penetrar naprofundidade do julgamento deDeus, mesmo assim sabemos queo que Ele sentenciou éverdadeiro e o que Ele fez éjusto.

Mas há uma distinção a ser

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observada. Algumas criançasinocentes são oferecidas aosDemônios não pelas suas mães,mas pelas parteiras, quesecretamente as tiram do abraçomaterno, depois de as haveremretirado do útero da mãehonesta. Tais crianças não sãopor completo afastadas da graça etalvez nem venham a terpropensão para tais crimes.Talvez, isso sim, possam vir acultivar as virtudes de suas mães.

A segunda forma pela qual

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esse ato sacrílego afeta as criançasé diversa. Quando um homem seentrega a Deus, em sacrifício,reconhece no Criador o seuprincípio e o seu fim. Este é osacrifício mais digno de todos ossacrifícios que faz, tendo o seuprincípio na sua criação e o seufim na sua glorificação, conformeestá escrito (Salmos, 50): “Meusacrifício, ó, Senhor, é umespírito contrito; um coraçãoarrependido e humilhado, ó,Deus, não haveis de desprezar.”

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Da mesma maneira, quando umabruxa oferece um recém-nascidoao Diabo, confia a sua alma e oseu corpo a ele, como seuprincípio e seu fim na danaçãoeterna; pelo que, não sem algummilagre, será capaz a criança delivrar-se do pagamento de débitotão pesado.

Não raro, sabemos dos casosde crianças cujas mães, por causade algum distúrbio passional oumental, oferecem o filhoirrefletidamente desde o útero ao

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Diabo. E que só com extremadificuldade é que conseguemlivrar-se daquele elo, depois de játerem chegado à maturidade,que o Diabo, com a permissão deDeus, usurpou para si. A respeitodisso o Livro dos exemplos,Santíssima Virgem Maria, dámuitas ilustrações. Caso notável éo de um homem que o sumopontífice foi incapaz de livrar dostormentos diabólicos. Acabousendo encaminhado a um santohomem que vivia no Oriente e,

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enfim, com enorme dificuldade,foi libertado daquele laçodemoníaco, por intercessão daGloriosíssima Virgem.

E se Deus já pune tãoseveramente a, digamos,condenação irrefletida de certasmães (quando o marido, depoisde copular com ela, diz: “Oxalátenhamos conseguido um filho”– ao que ela responde: “Pois quea criança vá para o Diabo!”),muito maior há de ser o castigoquando a Majestade Divina é

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ofendida da forma comodescrevemos!

O terceiro efeito dessaoblação sacrílega está em inculcarna criança, e depois no adulto,uma inclinação habitual para abruxaria, a ser infligida sobre oshomens, sobre os animais e osfrutos da terra. Isso é mostradopor Santo Tomás no segundolivro, q. 108, onde fala do castigotemporal, de como alguns sãocastigados pelo pecado de outros.Afirma que, do prisma corpóreo,

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são os filhos parte das posses dospais, assim como os servos e osanimais pertencem a seus amos edonos; portanto, quando umhomem é punido em todos osseus bens, sói acontecer que, nãoraro, os filhos também soframpelos pais.

Isso, porém, é bem diversodo que se acha declarado napassagem em que o Deus zelosodiz que há de vingar-se dasiniquidades dos pais nos netos enos bisnetos. Reside aí a questão

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dos que imitam os pais nopecado. Falamos aqui, porém,dos que sofrem em vez dos pais:não os imitam no pecado,cometendo-o de fato, apenasherdam as consequências dospecados daqueles. Por essemotivo o filho de Davi, nascidode um adultério, morreu cedo. Epor isso os animais dosamalecitas vieram a morrertambém. No entanto, grande é omistério em tudo isso.

Levando em conta tudo o

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que dissemos, havemos deconcluir que tais crianças sãosempre, até o fim de suas vidas,predispostas à perpetração debruxaria. Pois assim como Deussantifica o que Lhe é dedicado,conforme se prova pelos atos dossantos, pelos pais que oferecem aDeus o fruto que geraram; assimtambém o Diabo não cessa decontaminar com o mal os que lheforam oferendados. Muitos sãoos exemplos encontrados noAntigo e no Novo Testamentos.

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Assim se deu com muitos dospatriarcas e dos profetas, comoIsaías, Samuel e Sansão; assim sedeu com Santo Alexis, oConfessor, com São Nicolas deTolentino e com muitos mais,guiados pela graça divina a umavida santificada.

Por fim, sabemos dos casosdas filhas das bruxas que sempresão suspeitas de práticassemelhantes, como imitadorasdos crimes de suas mães; de fato,toda a prole de uma bruxa já é

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contaminada. A razão disso e detudo o que se disse antes é que,em virtude do pacto firmado como Diabo, sempre têm elas quedeixar atrás de si umsobrevivente, que serádevidamente instruído para quepreencha as condições impostaspelo seu voto de que farão tudo oque estiver ao seu alcance paraaumentar o número de bruxas.De que outro modo seriapossível, como se tem constatadotantas vezes, meninas de 8 ou 10

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anos causarem tempestades echuvas violentas de granizo, semque tivessem sido dedicadas aoDiabo através de pacto dessanatureza pelas suas mães? Taiscrianças não teriam a capacidadede fazer operar tais prodígios porterem abjurado a fé, já que nãoconhecem um só artigo de nossafé. Vejamos um exemplo de umdesses casos.

No ducado da Suábia umagricultor foi até o campo comsua filhinha, que mal completara

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8 anos, olhar as plantações. Láchegando, começou a queixar-seda seca, dizendo:

– Pobres de nós! Quandoserá que vai chover?

A menina, ouvindo aquilo,falou ao pai com toda asimplicidade de seu coração:

– Pai, se quiseres eu possofazer chover agora mesmo.

– Que dizes? Sabes comofazer chover?

– Não só fazer chover. Seicausar chuvas de granizo e

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tempestades.– E quem te ensinou isso,

minha filha?– Minha mãe me ensinou,

mas me disse para não contar aninguém.

– Mas de que modo ela teensinou? – insistiu o pai.

– Ela me levou a um mestreque é capaz de fazer tudo o queeu quiser na hora em que eupedir.

– Tu já o viste, filha?– Bom, de vez em quando eu

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vejo homens que vêm até minhamãe e depois vão embora.Quando eu lhe perguntei quemeram, ela me disse que eram osmestres a quem ela me dera.Disse que era patrões poderosose ricos.

O pai, aterrado com o queouvira, pediu à filha para causaruma chuva de granizo, sepudesse, ao que a filharespondeu:

– Posso meu pai, mas precisode um pouco d’água.

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Levou-a então, pela mão, atéum córrego próximo e disse:

– Faça chover agora, filhinha,mas só na nossa terra.

E então a menina colocou amão dentro d’água e, invocandoo nome de seu mestre, começoua revolvê-la, da forma como amãe a ensinara. E para espantodo pobre homem desabou umachuva de granizo só nas suasterras. Ainda não totalmenteconvencido, pediu à filha quefizesse então chover só num de

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seus campos. E a menina o fez.Diante das evidências, viu-se ohomem obrigado a levar suamulher perante o juiz, sob aacusação de bruxaria. A mulherfoi presa, condenada e queimadana fogueira. A filha, porém, foiabsolvida e, em solene cerimônia,oferecida a Deus. Desde entãonunca mais foi capaz de operarprodígios e de fazer bruxarias.

CAPÍTULO XIV

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Eis aqui as váriasmaneiras pelas quais asbruxas infligem males aogado.

Quando diz São Paulo (I

Coríntios, 9, 9) “Acaso Deus temdó dos bois?” está indicando que,embora tudo se achesubordinado à ProvidênciaDivina, os homens e os animais osão cada um na sua medida.Como se lê em Salmos, 35, 7-8:

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“Vós protegeis, Senhor, oshomens como os animais.”“Como é preciosa a vossabondade ó, Deus; à sombra devossas asas se refugiam os filhosdos homens.” Ora, se os homens,pela permissão de Deus, sãoprejudicados pelas bruxas, sejaminocentes e justos, sejampecadores, e se os pais sãoenfeitiçados em seus filhos porserem parte de suas possessões,quem haveria de duvidar quevários males não são causados

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pelas bruxas aos animais –sobretudo ao gado – e aos frutosda terra, que também são partedos bens da humanidade? Veja oleitor: Jó, por obra do Diabo,perdeu todo o seu gado. Pois demodo semelhante não há uma sócasa de lavradores, por menorque seja, em que as mulheresnão fiquem a prejudicar as vacasumas das outras, ora as deixandosem leite, ora as matando.

Mas consideremos, primeiro,o menor desses males, que é o de

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secar o leite das vacas. De quemodo fazem isso? Segundo SantoAlberto em seu Livro sobre osanimais, em qualquer animal oleite é naturalmente menstrual. Ecomo qualquer outro fluxo dasmulheres, quando não cessa poralguma enfermidade natural,cessa por causa de bruxaria. Ora,o fluxo de leite cessanaturalmente quando o animalcome alguma erva cujapropriedade seja a de secar-lhe oleite e de deixá-lo doente.

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Por bruxaria, contudo, sãovárias as maneiras de perpetraresse mal. Nas noites maissagradas, seguindo as instruçõesdo Diabo, e para maior ofensa daDivina Majestade de Deus, abruxa, sentada a um canto de suacasa, com um balde entre aspernas, finca uma faca, na paredeou numa estaca, e a ordenhacom as mãos. Reúne então osfamiliares, que com ela em tudocolaboram, e diz que deseja oleite em abundância.

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Repentinamente, o Diabo retira oleite do úbere daquela vaca e ofaz sair pela faca que a bruxa estáordenhando.

Não há por que temer apregação de tais prodígios empúblico. Embora quem quiserpossa invocar o Diabo e acharque procedendo da formadescrita vai obter o mesmoresultado há de ficar muitodesapontado. Há necessidade depara tal render homenagem aoDiabo ou de abjurar a fé, dentro

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da prática da bruxaria. Esclareçoesse particular aqui porquealguns acham que o que estouescrevendo não deveria ser usadona pregação aos fiéis, pelo riscode lhes conferir um certoconhecimento maléfico. Noentanto, é impossível a qualquerum aprender bruxaria através daspalavras de um pregador. Contoaqui tais casos para trazer essecrime à execração pública e paraque sejam usados na pregaçãofeita ao púlpito, para que os

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juízes sejam motivados a puniresse crime horrendo que é o danegação da fé. Contudo, nemsempre tal se há de pregar dessaforma. Pois que a mente secularpresta mais atenção às perdastemporais, está mais preocupadacom os assuntos terrenos quecom os espirituais. Portanto,quando as bruxas são acusadasde perdas temporais, vemos osjuízes mais zelosos em puni-las.Mas quem há de ser capaz deentender a astúcia do Diabo?

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Fiquei sabendo da história deuns homens de certa cidade que,chegada a primavera, ficaramdesejosos de comer da manteigaespecial produzida àquela época.Passeavam pelo prado quando seaproximaram de um córrego. Umdeles, então, que fizeraformalmente um pacto com oDemônio, disse:

– Vou conseguir para nós amelhor manteiga de maio.

Tirando as roupas, foi até ocórrego, sentando-se de costas

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para a água. Enquanto os outroso observavam, murmuroualgumas palavras e, com as mãosàs costas, pôs-se a revolver a águado riacho. Em pouco tempotrouxe uma grande quantidadede manteiga, dessa que asmulheres do campo vendem nomercado no mês de maio. Osoutros a provaram e disseram sera melhor manteiga que já haviamcomido.

Desses episódios podemostirar algumas conclusões a

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respeito dessa prática. Ou sãoessas pessoas bruxas verdadeiras,por pacto expresso com o Diabo,ou através de algumentendimento tácito entre si e oDiabo conseguem fazer o quequerem. No primeiro caso, nãohá necessidade de maiorargumentação: trata-se daoperação de bruxas verdadeiras.No segundo, porém, obtêm oauxílio do Diabo porque a eleforam oferecidas, ou pela parteiraque lhes atendeu ao nascimento,

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ou pela própria mãe.Poder-se-ia objetar que talvez

o Demônio tenha trazido amanteiga sem que anteshouvesse sido firmado qualquerpacto, expresso ou tácito, emesmo sem que o indivíduotivesse, ao nascer, sido a eleoferecido. Cumpre entender queninguém é capaz de recorrer àajuda do Demônio sem oinvocar. E que pelo simples fatode pedir ajuda ao Diabo a pessoajá se torna um apóstata da fé.

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Esta é a decisão de Santo Tomásno Segundo livro das sentenças,dist. 8, sobre a questão: “Se éapostasia recorrer ao auxílio doDiabo.” E não obstante SantoAlberto, o Grande, concorde comos demais doutores da Igreja,mesmo assim afirma que, nessescasos, sempre há apostasia, ounas palavras, ou nos atos. Pois sese empregavam invocações,conjurações, fumigações ouadorações, então estáformalizado o pacto com o

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Diabo, mesmo que a pessoa nãose tenha a ele entregue de corpoe alma, junto com a abjuraçãoexplícita da fé, seja no todo, sejaem parte. Pois pela simplesinvocação do Diabo o homemcomete o crime da apostasiaverbal. Se, porém, não houverinvocação proferida verbalmente,mas tão somente o ato do qualdecorre alguma coisa que nãopoderia ser conseguida sem oauxílio do Diabo, se o homem ofaz começando por dizer as

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palavras “em nome do Diabo”,ou dizendo palavrasdesconhecidas, ou mesmo semnada dizer mas só com aquelaintenção, nesse caso, diz SantoAlberto, temos a apostasia peloato, pois que o ato é realizadosob os auspícios do Demônio.Trata-se, contudo, de apostasiade fato, pois tudo o que se recebepor obra do Demônio acarreta nadetratação da fé.

Concluímos, portanto,dizendo que não importa como

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aquele feiticeiro fez paraconseguir a manteiga, o que fezou foi através de pacto explícitocom o Diabo, ou foi através dealgum pacto tácito. Não há de tersido explícito por que suaconduta foi diversa da condutadas bruxas quando assimprocedem. Logo, o pacto eratácito, secreto, feito em sigilo porele próprio, ou por sua mãe, oupor sua parteira. Ouso afirmarque o fez por si próprio, já queagiu só através de movimentos, e

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esperou que o Diabo produzisseo efeito.

Uma segunda conclusãopode ser tirada desse exemplo ede outros semelhantes. O Diabonão é capaz de criar elementosou coisas de espécie nova.Portanto, quando a manteiganatural repentinamente saiu daágua, não ocorreu ter o Diabotransformado a água em leite: oque fez foi trazer a manteiga dealgum lugar onde estivesseguardada e colocá-la na mão do

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homem. Ou, então, tomou o leitenatural de alguma vaca erepentinamente o bateu e delefez a manteiga. Pois que, emboraessa arte praticada pelasmulheres leve algum tempo paragerar a manteiga, o Diabo écapaz de fazê-lo em mais exíguoespaço de tempo e de trazê-lapara o homem.

Da mesma forma que fazemcertos taverneiros: quando seveem com necessidade de vinhoou de algum outro produto,

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simplesmente saem para a vila ànoite com seus frascos ou vasos eo trazem cheio de vinho ou deproduto de que necessitavam, oDiabo retira o vinho de outrolugar e enche os recipientes.

Resta-nos explicar que asbruxas matam animais,principalmente gado, da mesmaforma que matam sereshumanos. São capazes deenfeitiçá-los com o toque de suasmãos ou com seu olhar. Oucolocando sob a soleira da porta

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do estábulo, ou junto à cocheiraonde bebem água, algum feitiçoou amuleto de bruxaria.

Era essa a maneira que asbruxas queimadas em Ratisbonusavam, por influência do Diabo,para matar os melhores cavalos eas vacas mais gordas. Uma delas,Agnes, explicou-nos comoprocedia.

– Colocamos debaixo dasoleira do estábulo diferentestipos de ossos de animais e assimprocedemos em nome de Satanás

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e de todos os outros Demônios.Uma outra, chamada Anna,

chegou a matar sucessivamente23 cavalos de um cidadão quedeles dependia para transportarcarga. Ao comprar o 24º cavalo,já reduzido à mais extremapobreza, aproximou-se da bruxapostada à frente de sua casa e lhedisse:

– Presta atenção! Acabo deadquirir mais um cavalo. Juropor Deus e pela Sua Santa Mãeque se este cavalo morrer eu hei

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de te matar com as minhaspróprias mãos. – A bruxa ficouassustada e deixou o cavalo empaz. Mas quando capturadaperguntamos a ela como fizeraaquilo, ao que ela respondeu:

– Não fiz nada de mais.Apenas cavei um buraco e nele oDemônio colocou uns objetosque eu não sei quais foram.

Por aí depreende-se quebasta tocar ou olhar para que abruxa já tenha cooperadosuficientemente com o Diabo. Ao

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Diabo não é permitido infligirmales às criaturas sem algumacooperação por parte das bruxas,conforme já se mostrou. E issopara maior ofensa à MajestadeDivina.

Pastores já viram animais nospastos darem três ou quatrosaltos no ar e depois caíremrepentinamente mortos no chão.Esse fenômeno é causado pelopoder das bruxas à solicitaçãodos Demônios.

Na diocese de Estrasburgo,

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entre a cidade de Fiessen e deMonte Ferrer, um homem muitorico afirmou que mais dequarenta cabeças de gado quelhe pertenciam e a outros amigosseus foram enfeitiçadas nosAlpes, no espaço de um ano. Nãoocorreu nenhuma peste oudoença natural que pudesseexplicar o fenômeno. Para prová-lo, declarou que quando o gadomorre por causa natural, emgeral, não é de repente: a mortese dá gradualmente. O que lá

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ocorreu, porém, foi bem diverso:o gado, repentinamente, via-seprivado de toda a sua força, e porisso todos começaram a acharque era por causa de bruxaria. Eumencionei quarenta cabeças degado, mas acho que ele citoucifra mais elevada. Contudo, ébem verdade que muitas cabeçasde gado têm sido perdidas porbruxaria em alguns distritos,sobretudo nos Alpes. Sabe-se seressa uma das formas de bruxariamais generalizadas. Havemos de,

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ulteriormente, considerar algunscasos semelhantes, no capítuloonde discutimos os remédiospara o gado que tem sidoenfeitiçado.

CAPÍTULO XV

De como as bruxasdesencadeiamtempestades comuns e degranizo e de comofulminam homens e

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animais com raios.

Que os Demônios e seus

discípulos são capazes de, porbruxaria, provocar raios,tempestades comuns etempestades de granizo e quecom a permissão de Deus têmpoder para tal está provado pelasSagradas Escrituras em Jó, 1 e 2.Pois que o Diabo recebeu deDeus o poder e imediatamentefez com que viessem os sabeus e

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levassem de Jó cinquenta cabeçasde gado e quinhentos jumentos.Depois fez vir o fogo dos Céus econsumir 7 mil camelos e umvendaval que lhe derrubou a casae matou seus sete filhos e suastrês filhas e todos os servos maisjovens, exceto o que lhe trouxe anotícia. Por fim, o Diabo acaboupor afligir o santo homem com asmais terríveis feridas e fez comque sua esposa e seus três amigoslhe causassem o mais profundosofrimento.

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Santo Tomás, em seucomentário sobre essa passagemde Jó, afirma: “É precisoconfessar que, com a permissãode Deus, os Demônios sãocapazes de perturbar o elementoar, provocar ventos e fazer o fogocair dos Céus. Pois, embora noque tange à sua forma, anatureza corpórea se acha forado comando de qualquer anjo,seja bom ou mau, a naturezacorpórea do movimentolocalizado se encontra

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subordinada às forças espirituais.E essa verdade é claramenteexemplificada no própriohomem. Pois ao mero comandode sua vontade, que existesubjetivamente em sua alma, osseus membros se movem.Portanto, tudo o que pode serconseguido pelo movimento localpode também ser feito pelos bonse pelos maus espíritos, graças aosseus poderes naturais, salvo seDeus o proibir. Mas os ventos, aschuvas e outras perturbações

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atmosféricas semelhantes podemser causados pelos simplesmovimento dos vapores oriundosda terra ou da água. Portanto, opoder natural desses elementosdos Demônios é suficiente paraprovocar tais fenômenos.”

Assim diz Santo Tomás.Porque Deus, na Sua justiça,

usando os Demônios como Seusagentes para punição doshomens, faz recair sobre nósmuitos males. Assim é que,naquela passagem dos Salmos:

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“Ele fez vir a fome sobre a terra,e fez desaparecer toda asubstância do pão.” A referência,segundo a glosa, é feita aos anjos.“Deus encarregou os anjos domal de infligirem a fome sobre aterra.” A fome se refere ao anjoencarregado de provocá-la.

Remetemos o leitor, aqui, aoque escrevemos antes sobre aquestão de as bruxas semprecontarem com o auxílio doDemônio em suas operações edos três tipos de males que os

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Demônios, vez ou outra, infligemsem a agência das bruxas. Nãoobstante, são eles mais ávidos porprejudicar os homens com oauxílio das bruxas já que, dessaforma, a ofensa a Deus é maisgrave e maior poder lhes éconferido para atormentá-los ecastigá-los.

É relevante a esse respeito oque dizem os doutores noSegundo livro das sentenças, dist.6, na questão que trata daexistência ou não de um lugar

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especial destinado aos anjos domal nas nuvens do ar. NosDemônios existem trêspropriedades a seremconsideradas – a sua natureza, asua tarefa e o seu pecado. Pelasua natureza, pertencem aoempíreo, nos Céus; pelo seupecado, pertencem ao maisprofundo dos Infernos; mas pelatarefa que lhes é outorgada –como ministros do castigo para osperversos e da tentação para osbons – o seu devido lugar está

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nas nuvens do Céu. Não habitamconosco a terra para que não nosaflijam em demasia. Contudo, noCéu e ao redor da esfera de fogosão capazes de congregar osagentes passivos e ativos, quandoDeus o permite, para lançarem ofogo e os raios dos Céus.

No Formicarius conta-se ahistória de um homem que,depois de capturado, já notribunal, revelou de que modoeram capazes de causartempestades e chuvas de granizo.

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– Embora nos seja fácil causartempestades de granizo, nãosomos capazes de causar toda adestruição que gostaríamos pelaintervenção dos anjos do bem. Sónos é dado afligir os que seacham privados da ajuda deDeus. Não somos capazes deprejudicar os que fazem o sinalda cruz. Fazemos nossostrabalhos nos campos. Primeiroinvocamos o grande chefe dosDemônios e pedimos-lhe que nosenvie um de seus servos para

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que, através dele, possamosprejudicar a pessoa por nósindicada pelo nome. Então, aochegar o Demônio, fazemos osacrifício de um galo negro, emsua homenagem, em duasencruzilhadas, atirando-o para oalto. Tendo recebido nossaoferenda, o Demônio atende onosso pedido e passa a revolveros ares, embora nem sempre noslugares em que indicamos. Eassim, com a permissão de Deus,desencadeia tempestades comuns

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e de granizo.Na mesma obra encontra-se a

história de um grande heresiarcadas bruxas, chamado Staufer,que ora vivia em Berna, ora emum país vizinho, e que,publicamente, gabava-se de sercapaz de, sempre que quisesse,transformar-se em umcamundongo na frente de seusinimigos e deles escapar porentre as mãos. Dizia que sempreassim escapara de seusadversários de morte. Mas a

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justiça divina resolveu pôr fim àsua perversidade. Alguns de seusinimigos armaram-lhe umaemboscada e pegaram-nosentado numa cesta junto a umajanela: trespassaram-no com suaslanças e espadas, fazendo-o pagarcom a morte por todos os seuscrimes. Entretanto, o líder dasbruxas deixou um discípulo,chamado Hoppo, que teve pormestre o bruxo Stadlin, de quemfalamos no sexto capítulo.

Esses dois feiticeiros

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conseguiam, sempre quequisessem, passar invisivelmentepara os seus campos um terço detodo o estrume, de toda a palhaou de todo o trigo de seusvizinhos. Eram, ademais, capazesde provocar as mais violentastempestades de granizo, dedesencadear os mais destrutivosvendavais e de atingir o que bemdesejassem com raios de fogo.Mais ainda: eram capazes dejogar na água, à vista dos pais,crianças que caminhavam pelas

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ribanceiras; de causar aesterilidade em homens e emanimais; de revelar segredos aoutras pessoas; de prejudicar, dasmais variadas formas, os homensnos negócios ou no própriocorpo; de fulminar a quemquisessem com raios e deprovocar muitos outros flagelos,quando e onde a justiça divina opermitisse.

Convém aqui relatar um casoque chegou aos nossos ouvidos.Na diocese de Constance, a 28

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milhas alemãs da cidade deRatisbon, na direção deSalzburgo, uma violentatempestade de granizo destruiutodas as plantações e parreirasnum cinturão com raio de 1, 6quilômetro, a tal ponto que asvinhas deixaram de dar uvasdurante três anos. O fato chegouao conhecimento da Inquisição,já que o povo exigia que seinvestigasse o ocorrido. Muitosdos moradores do local eram daopinião de que a tempestade fora

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causada por bruxaria.Consequentemente, depois de 15dias de deliberação formal,chegamos à conclusão de que eraum caso de bruxaria a serinvestigado. Entre um grandenúmero de suspeitos,examinamos com particularatenção duas mulheres, uma denome Agnes, mulher de Bath, eoutra de nome Anna vonMindelheim. As duas foramcapturadas e trancafiadas emprisões separadas, para que uma

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não tivesse a menor idéia do queà outra acontecia. No diaseguinte, Agnes foi interrogadapelo magistrado principal, umjuiz chamado Gelre, muito zelosoda fé, e por outros magistradostambém. Todo o interrogatóriofoi conduzido na presença de umtabelião. No primeirojulgamento, a moça afirmou serinocente de qualquer crimecontra homem ou mulher,embora tivesse indubitavelmenteo dom maligno do silêncio, a

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maldição constante dos juízes.Contudo, graças à MisericórdiaDivina, para que tão monstruosocrime não ficasse sem punição,Agnes, depois de uma sessão nacâmara de tortura e de haversido retirada dos ferros,repentinamente confessou todosos crimes que cometera. Emboranão houvesse testemunha paraprovar que ela abjurara a fé oupraticara o coito com algumíncubo – dado o extremo sigiloem que cometera tais crimes –,

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depois de ter admitido quecausara mal a homens e aanimais, também confirmou quepraticara esses dois outros crimes.Contou que há 18 anos seentregava em corpo a um íncubo,na mais completa negação da fé.

Quando perguntada sobre oque sabia a respeito datempestade de granizo queocorrera na região, ela confessouentão tudo o que fizera.

– Eu estava em minha casa, eao meio-dia veio até a mim um

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Demônio. Disse-me paraacompanhá-lo até a planície deKuppel, trazendo comigo umpouco d’água. E quando lheperguntei o que ele queria queeu fizesse, disse-me que queriafazer chover. Fui, então, assimaté os portões da cidade eencontrei o Demônio postado depé debaixo de uma árvore.

– Debaixo de que árvore? –indagou-lhe o juiz.

– Daquela ali, defronte datorre – respondeu-lhe,

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apontando para a árvore.– E o que fizeste lá? –

prosseguiu o juiz.– O Demônio me disse para

cavar um buraco pequeno edespejar a água dentro dele.

– Sentaram-se tu e ele juntospara cavar?

– Não. Só eu. Elepermaneceu de pé.

– E depois? – insistiu omagistrado.

– Depois, eu despejei a águano buraco e comecei a revolvê-la

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com o dedo enquanto invocava opróprio Satanás e todos os outrosDemônios.

– E o que aconteceu à água?– O Demônio a fez subir

pelos ares e desaparecer.Interrogada a seguir se tinha

alguma companheira em suasatividades, respondeu:

– Na outra árvore, oposta àque eu me encontrava, ficou aminha companheira Anna (Annavon Mindelheim, a outraprisioneira), mas não sei o que

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ela fez.Por fim perguntou-se a

Agnes quanto tempo decorrerada ascensão da água ao cair datempestade, e ela explicou:

– Tempo suficiente para euvoltar para casa.

Porém, quando no diaseguinte a outra bruxa foiexposta às questões maisdelicadas, mal tendo sidosuspensa do chão pelospolegares, após ter sido livradados ferros que a prendiam,

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ocorreu algo extraordinário:contou-nos história idêntica à deAgnes, sem a menor discrepânciaem qualquer aspecto: quanto àsárvores em que cada uma delasficou; quanto à hora do ocorrido;quanto ao método, ou seja,quanto ao revolver da água como dedo em nome de Satanás e detodos os Demônios; quanto aointervalo de tempo transcorridoentre o desaparecimento daágua, por obra do Demônio, e odesencadeamento da

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tempestade, tendo tido tambémela tempo de voltar para casa.Assim sendo, no terceiro dia,ambas foram queimadas. Agnes,contrita e confessa, com a almaconfiada a Deus, dizendo quemorreria com o coração elevadose pudesse escapar das torturasdo Inferno, beijava a cruz quetrazia em suas mãos. Anna vonMindelheim, todavia, viu nocomportamento de Agnes objetode escárnio, pois há mais de vinteanos mantinha relações com um

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íncubo, na mais completaabjuração da fé. Os males que jáperpetrara contra os homens, osanimais e os frutos da terra erambem piores que os de Agnes,conforme se depreende daleitura dos autos do processo.

Devem bastar estes exemplosa nosso propósito, emborahouvesse muitos e muitos outroscasos dessa espécie de maldadeainda por serem narrados. Ora,muitos são os homens, osanimais e os depósitos de víveres

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atingidos por raios por obra dosDemônios, não obstante a suacausa seja, não raro, oculta eambígua, já que parecem ocorreramiúde pela permissão divinamas sem a cooperação dequalquer bruxa. Contudo, asbruxas têm confessadoespontaneamente que fazem taiscoisas. E são vários os exemplosque poderiam ser aditados aosque já mencionamos. É razoávelconcluir, portanto, que com amesma facilidade com que

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causam tempestades de granizosão também capazes de causartempestades com raios e trovõesno mar. E assim parece já nãopairar qualquer dúvida a respeitodessa questão.

CAPITULO XVI

Dos três modos pelosquais se descobre que oshomens, e não asmulheres, são dados à

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bruxaria: sob trêsrubricas, sendo a primeiraa que trata da bruxariados arqueiros.

Interessa-nos agora considerar a

última categoria da bruxaria: aque, de três formas, é praticadapor homens. E havemos de levarem conta, primeiramente, os setemortais e horríveis crimescometidos pelos bruxosarqueiros. O primeiro é o que

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praticam no dia consagrado àPaixão de Nosso Senhor – aSexta-Feira Santa. Nesse dia,durante a solenização da Missados Pré-Santificados, atiramflechas tendo por alvo asantíssima imagem do Crucifixo.Ó, que crueldade para com oSalvador! Que terrível ofensa! Osegundo advém da sua detraçãoà Fé Católica. Embora persista adúvida quanto à forma deapostasia perpetrada, se porpalavras, se tão somente por atos,

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não há ofensa maior à fé quepossa ser praticada por umcristão. Pois é certo que se taiscoisas fossem praticadas por uminfiel não haviam de surtirqualquer efeito maior, já que nãolhe é outorgado método fácil degratificação da sua hostilidadepara com a Fé Cristã. Portanto,aqueles miseráveis deveriamconsiderar a verdade e o poderda Fé Católica, pois que é para aconfirmação mesma desta fé queDeus, na Sua justiça, permite tais

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crimes.O terceiro crime está em que

o arqueiro não lança apenas umaflecha sobre o Crucifixo: tem queatirar três ou quatro para que nomesmo dia seja capaz de matarum mesmo número de homens.O seu quarto crime advém dagarantia que recebem do Diabopara a consecução de seusobjetivos: não obstanteprecisarem fixar com o olhar asua vítima e de concentrar-se,num supremo esforço de

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vontade, para matá-la, nãoimporta onde se esconda: não hácomo se proteger: a flechadesferida será até ela conduzidapelo Demônio e a atingirámortalmente.

O quinto crime está em queatiram flechas com tal precisãoque são capazes de acertar umamoeda colocada sobre a cabeçade uma pessoa sem feri-la,ademais, são capazes de repetiresse prodígio indefinidamente. Osexto crime decorre de que, para

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adquirirem esse poder, sãoobrigados a prestar homenagemde corpo e alma ao Diabo.Damos a seguir alguns exemplosde práticas dessa espécie.

Um príncipe da Renânia,chamado Eberhard, o Barbudo,antes de completar 60 anos,adquiriu boa parte do territórioimperial. Porém, como passasse asofrer ataques de surpresa doshomens de um certo castelo daregião, o castelo deLendenbrunnen, resolveu sitiá-lo

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e tomá-lo. Contava em suacompanhia com um arqueiro,também bruxo, chamadoPuncker, arqueiro tão prodigiosoque foi capaz de matar todos oshomens do castelo,sucessivamente, exceto um. Seuproceder foi muito simples.Bastava-lhe apontar para a vítimae desferir a flechada: não importaonde o alvo visado se escondesse:acabava sempre feridomortalmente. Mas como sóatirasse três flechas contra o

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Salvador num mesmo dia, só lheera permitido matar com talprecisão três homens naqueledia. É bem provável que talvez oDiabo favoreça o número trêsmais do que qualquer outronúmero por representar,destarte, efetiva negação daSantíssima Trindade. Assim éque, depois de ter lançadoaquelas três flechas, Puncker sóconseguia acertar as suas vítimascom a mesma incerteza dosoutros arqueiros. Por fim, um

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dos homens do castelo gritou-lhe, em tom de zombaria:

– Puncker! Não vais aomenos poupar o anel que se achapendurado no portão do castelo?

– Decerto que não! –retorquiu-lhe Puncker daescuridão da noite. – Eu o levareicomigo no dia em que tomarmoso castelo!

E o arqueiro cumpriu suapromessa. Pois quando só restavaum homem no interior docastelo, a companhia de

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Eberhard o invadiu e Punckertomou para si o tal anel e opendurou na porta de sua casa,em Rorbach, na diocese deWorms, onde se encontra atéhoje. Numa certa noite, contudo,algum tempo depois, foi morto agolpes de pás por unscamponeses que molestara. Eassim sucumbiu em seuspecados.

Conta-se também dessehomem uma outra história. Opríncipe, desejando provar a sua

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habilidade, propôs-lhe usar o seupróprio filhinho como alvo.Ordenou-lhe então que tentasseacertar numa moeda colocadasobre a cabeça do menino, massem lhe arrancar o capuz.

Embora a princípio relutasse,acabou acedendo. Não sabia se oDiabo não estava assim tentandoseduzi-lo para levá-lo à morte.Contudo, cedendo à insistênciado príncipe, assim procedeu:deixando uma flecha deprontidão na aljava pendente ao

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ombro, colocou outra no arco elançou-a, acertando na moedasobre o capuz sem ferir omenino. O príncipe perguntou-lhe então por que preparara umaflecha a mais. Puncker explicou:

– Se o Diabo me tivesseenganado e eu houvesse matadomeu filho, também eu teria demorrer. Assim, rapidamente, euo matava também, príncipeEberhard, para vingarantecipadamente a minha morte.

E embora tais perversidades

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sejam permitidas por Deus paraprovação e castigo dos fiéis,mesmo assim milagres maisgrandiosos são operados pelamisericórdia do Salvador, para ofortalecimento e glória da FéCatólica.

Na diocese de Constance,próximo ao castelo deHohenzorn e de um convento defreiras, há uma igreja recém-construída em que se pode ver aimagem de Nosso Salvadortranspassada por uma flecha e

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sangrando. A verdade dessemilagre é assim atestada: umpobre miserável queria ter agarantia diabólica de podermatar com três ou quatroflechadas igual número dehomens. Para tal desferiu umaflechada contra um Crucifixonuma determinada encruzilhada.Milagrosamente, porém,começou a verter sangue daimagem atingida, e o bruxo viu-se paralisado repentinamentepelo poder divino. Indagado por

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uma pessoa que por lá passavapor que ali estava assim parado,sem se mover, balançouindefinidamente a cabeça e como corpo tremendo nadaconseguiu responder. Outrocurioso dele se aproximou,porém, e, vendo o sangue e oCrucifixo atravessado pela flecha,exclamou:

– Seu vilão infame!Perfuraste a imagem do NossoSenhor!

E chamando outras pessoas

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para que não o deixassem fugir,embora não pudesse se moverrealmente, foi correndo até ocastelo mais próximo e contou oque acontecera. Os homens docastelo vieram e encontraram obruxo ainda parado no mesmolugar. Mais tarde, depois deinterrogado no tribunal,confessou o crime, e depois deremovido daquele distrito pelajustiça pública sofreu uma mortemiserável por merecida expiaçãode seu ato.

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Mas como é horrível pensarque a perversidade humana nãohesita em aprovar tais crimes.Pois diz-se que nos salões dospoderosos transitam esseshomens, para a glória de seuscrimes, em franca detração da fé,para grave ofensa da MajestadeDivina e em desprezo de nossoRedentor; e ali se lhes permitevangloriarem-se de seus feitos.

Por conseguinte taisprotetores, defensores e patronoshão de ser julgados não só como

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hereges mas também comoapóstatas da fé, e hão de serpunidos da maneira comoexplicaremos adiante. É este osétimo pecado mortal dessesbruxos. Pois que primeiro hão deser, dentro da lei,excomungados; e se taisprotetores forem clérigos hão deser rebaixados e destituídos detodas as suas funções e privadosde todos os privilégios legais, oque não lhes poderá serrestituído, salvo por alguma

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indulgência especial da SéApostólica. Ademais, se após aproscrição persistiremobstinadamente a defender suasideias durante o período de umano após a excomunhão, hão deser condenados como hereges.

Assim prescreve a LeiCanônica; no sexto livro, abordaa questão da interferência diretaou indireta nos processos dediocesanos e de Inquisidores àcausa da fé e faz menção da penaaludida acima, a ser cominada

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depois de um ano. Porque estáescrito: fica vedada qualquerinterferência de potentados, desenhores e de legisladorestemporais, e de seussubordinados etc. Qualquerleitor pode consultar o capítuloem pauta.

E que os bruxos e seusprotetores hão de serexcomungados segundo osditames da lei é indicado peloCânon onde trata da repressãoda heresia de bruxaria; sobretudo

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no passo: “Havemos deexcomungar e de anatematizartodos os hereges, os cátaros, oscismáticos... e outros, seja qualfor a sua denominação...”afirmando, mais adiante: “Ehavemos de excomungartambém todos os seusseguidores, protetores,defensores e patronos.”

A Lei Canônica prescrevetambém várias penas a que seacham sujeitos todos os hereges,sejam leigos ou clérigos, pelo

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prazo de um ano. Assim reza oCânon: “Submetemos à pena daexcomunhão todos os seusprotetores, os seus patronos edefensores, de forma que osassim sentenciados e que não sedignarem retratar-se de umaheresia no espaço de um ano hãode ser considerados criminosos,não serão admitidos nos ofícios enos concílios, perderão o direitoa voto em qualquer assembleiaeclesiástica, nem poderão prestartestemunho, ou servir de

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testemunha, e não lhe será dadaoportunidade de darem livretestemunho; hão de perder odireito de herança e não ficarãolivres de responsabilidade os quecom eles realizarem transaçõescomerciais. No caso de o acusadoser juiz, o seu julgamento nãoterá validade: caso algum poderájulgar; no caso de ser advogado,não poderá advogar. Em caso deser notário, nenhum documentopor ele redigido há de terqualquer valor, e há de ser

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condenado junto com o autor dodocumento; penas semelhantessão decretadas para os queocupam os demais cargos. Mas,no caso do clérigo, há este de serrebaixado de posto, sendoafastado de todos os ofícios eperdendo todos os privilégios;pois, sendo maior a sua culpa,maior há de ser a sua pena. E sequalquer um desses acusados,depois de banido da Igreja,ignorar insolentemente suapunição, se lhe há de aplicar a

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sentença da excomunhão noslimites extremos da vingança. E oclero não lhe há de ministrar osSacramentos da Igreja nem há detentar lhe dar sepultamentocristão, nem tampouco aceitarsuas almas e oblações, sob penade serem tambémexcomungados. Pois que arestituição de sua função sópoderá ser feita por indulgênciaespecial da Sé Apostólica.

Por fim, tais heregesincorrem em muitas outras

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penas, mesmo quando nãopersistem na sua obstinaçãodurante um ano, e às quais ficamsujeitos também seus filhos enetos: podem ser destituídos desua função por bispo ou porInquisidor e privados de todos osseus títulos, bens, privilégioshonoríficos e eclesiásticos e,enfim, de todos os seus cargospúblicos. Seus filhos e netospoderão também serconsiderados desqualificados eimpossibilitados de obter

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nomeação eclesiástica ou pública;embora tal se deva entender sópara os filhos e netos por partede pai, não por parte de mãe, esó para os impenitentes. Tambéma todos os seus seguidores,protetores, fautores e patronosserá negado o direito de apelaçãoou de rogo; isso significa que,depois de confirmado o veredictopelo qual são consideradoshereges, não mais poderão apelarde sua sentença, mesmo que lhestenha sido mal-aplicada ou que

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tenham sido tratados comdemasiada severidade. Muitomais poderíamos aditar em apoioa nosso ponto de vista, mas porora isso é suficiente.

No entanto, para melhorentendimento do que dissemos,convém analisar alguns pontos.Em primeiro lugar, quando umpríncipe ou potentado secularemprega um tal bruxo para adestruição de algum castelonuma guerra justa, e com a suaajuda esmaga a tirania de

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homens perversos, haveria de seconsiderar todo o seu exércitocomo protetor ou fautor dofeiticeiro, devendo sersubmetido, na sua totalidade, àspenas mencionadas? A respostaparece estar na temperança: origor da justiça deve levar emconta o seu número. Considerar-se-á que o líder e seusconselheiros acumpliciaram-secom tal bruxaria e a favorecerame, por isso, estão implicadoslegalmente nas penas

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mencionadas quando, depois deterem sido admoestados por seusconselheiros espirituais, tiverempersistido no mau caminho;nesse caso, serão julgados comoprotetores ou patronos e assimpunidos. Mas o restante doexército, como não toma parte doconselho deliberativo dos líderes,como simplesmente é preparadopara arriscar suas vidas em defesade seu país, embora possa vercom aprovação os feitos dobruxo, escapa mesmo assim da

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sentença da excomunhão;entretanto, em confissão, deveráadmitir a culpabilidade do bruxoe para a sua absolvição peloconfessor deverá aceitar o soleneaviso de que deve abominar taisatos e afastar de suas terras taisbruxos.

Cabe perguntar quem há dedar a absolvição para taispríncipes quando caem em si:seus próprios conselheirosespirituais ou os Inquisidores?Caso se mostrem arrependidos,

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podem ser absolvidos quer pelosseus conselheiros, quer pelosInquisidores. Isso é asseguradopela Lei Canônica ao tratar dosprocedimentos cabíveis a seremtomados contra os hereges e seusseguidores, protetores, patronos efautores, no temor de Deus ecomo advertência aos homens.Mas se qualquer um desses,renegando seu lapso herético,desejar retornar à unidade daIgreja, poderá receber o privilégioda absolvição, que será dado pela

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Santa Igreja.Um príncipe, ou qualquer

outro líder, pode ser consideradoarrependido se entregar o bruxopara ser punido pelas ofensascontra o Criador; quando tiverbanido de seus domínios todosos considerados culpados debruxaria ou de heresia; quandotiver revelado, pelo seu passado,ser verdadeiro penitente; equando, ao tornar-se príncipecatólico, demonstrar ter firmevontade de não mais favorecer

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qualquer outro bruxo.Mas pode-se perguntar ainda

a quem se deve entregar parajulgamento esse homem. Em quecorte deve ser julgado e se deveser considerado franco suspeitode heresia. A primeira pergunta érespondida diretamente no inícioda Parte III: se cabe a um juizsecular ou eclesiástico julgar epunir esse homem. Segundo aLei Canônica, nenhummagistrado ou juiz secular écompetente para julgar um caso

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de heresia sem permissão dosbispos e dos Inquisidores, oupelo menos de alguém que tenhapor um destes sido autorizado atal. Mas quando o Cânon afirmaque as cortes seculares não têmjurisdição nesse assunto emvirtude de o crime de heresia serexclusivamente eclesiástico,parece que tal assertiva não seaplica ao caso das bruxas. Oscrimes das bruxas não sãoexclusivamente eclesiásticos, sãotambém civis, em decorrência do

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prejuízo temporal que causam.Entretanto, como será mostradoadiante, embora o juizeclesiástico deva submeter aprocesso e julgar o caso, cabe aojuiz secular executar a sentença ecominar a pena, segundomostrado nos capítulos do Cânonsobre a anulação da heresia esobre a excomunhão. Pelo que,mesmo que o bruxo tenha sidojulgado pelo ordinário, o juizsecular ainda terá o poder depuni-lo depois de a ele entregue

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pelo bispo; entretanto, com oconsentimento do bispo, o juizsecular pode ainda atuar emambas as instâncias, ou seja,pode julgá-lo e puni-lo.

E não é objeção válida alegarque tais bruxos são muito maisapóstatas que hereges; porquetanto uns quanto outros sãodetratores da fé; no entanto,embora o herege apenas duvideparcial ou completamente da fé,o bruxo, na sua mais profundaessência, é um apóstata que

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intencionalmente se afasta da fé.E o pecado mais grave está emcorromper a fé, que é osustentáculo da alma, do quefalsificar dinheiro, que é o arrimoda vida material, do corpo. E seos falsários e outros malfeitoressão imediatamente condenados àmorte pelos tribunais seculares,muito mais hão de merecer oshereges e apóstatas: deverão serimediatamente punidos com amorte tão logo sejamconsiderados culpados.

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Assim acabamos de resolver asegunda dificuldade, qual seja, aquem entregar para puniçãoesses homens, vale dizer, a quetribunal e que juiz. De qualquermodo, a questão ainda seráconsiderada com maioresdetalhes na Parte III desta obra,onde tratamos dos métodos decondenação desses detratores ede que modo a pessoa capturadaem franca heresia deve serjulgada (ver, entre os métodos,sobretudo o oitavo e o décimo

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segundo) e da questão dospenitentes, ou seja, se os que searrependem devem ainda sercondenados à morte.

Pois se um herege reincideconstantemente em seu crime,tanto quanto se arrepende, há deser condenado à morte segundoa Lei Canônica. Porque, para afelicidade geral, segundo SantoTomás, essa é uma condutarazoável. Ora, se os heregesreincidentes repetidas vezesvoltam às barras do tribunal –

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permitindo-se-lhes viver econservar seus bens temporais –,eles poderão prejudicar asalvação de outras pessoas, nãosó por serem capazes decontaminá-las ao reincidirem emseus crimes, mas também pordarem mau exemplo a outros –ao escaparem sem puniçãoestariam mitigando o medo daspessoas de se contaminarem pelocrime da heresia. Além do mais,exatamente a sua reincidênciadenuncia a sua inconstância na

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fé, e, portanto, devemmerecidamente ser condenados àmorte. E cumpre declararmosaqui: se a mera suspeita deinconstância é justificativasuficiente para um juizeclesiástico entregar oreincidente à corte secular – paracondenação à morte –, muitomais há de fazer no caso do quese recusa provar sua penitência edemonstrar seu arrependimento:deverá entregá-lo à corte secularpara que investigue a sua

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culpabilidade nos crimesperpetrados contra vítimas emseus bens temporais e para que ocondene à morte. Contudo, se obruxo é penitente, o juizeclesiástico deve, primeiro,absolvê-lo, livrando-o da pena deexcomunhão em que incorreupelo crime herético de bruxaria.Além disso, quando o herege épenitente, lhe é permitidoretornar ao recesso da Igreja parasalvação de sua alma. Esseassunto é discutido na Questão I

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da Parte III, sendodemasiadamente amplo para seraqui analisado. Basta que todosos soberanos saibam das contasque terão de prestar ao terríveljuiz; porque, de fato, será muitosevero o julgamento dasautoridades que permitem que osbruxos vivam e perpetrem seuscrimes contra o Criador.

As outras duas classes debruxos pertencem à categoriageral dos que são capazes de usarde certos encantamentos

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sacrílegos que tornamdeterminadas armas inócuascontra si próprios; dividem-se emdois tipos. A primeira categorialembra a dos bruxos arqueiros dequem acabamos de falar, porquetambém mutilam a imagem doCristo crucificado. Por exemplo,se desejam a imunidade contraqualquer ferimento em suacabeça, por qualquer arma oupor qualquer golpe pessoal,arrancam fora a cabeça de Cristodo Crucifixo; se desejam tornar

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invulnerável o seu pescoço,arrancam fora o pescoço; se obraço, arrancam fora o braço eassim por diante. Às vezes,arrancam metade do corpo, orada cintura para cima, ora dacintura para baixo. A prova dissoé que, dos Crucifixosencontrados nas encruzilhadasou nos campos, apenas um emdez se acha completamentepreservado. Há quem carregueconsigo os membros assimarrancados. Já outros procuram a

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invulnerabilidade através depalavras sagradas oudesconhecidas: portanto, há essadiferença entre eles. Os primeiroslembram os arqueiros bruxos nadetração da fé e na mutilação daimagem do Salvador e, por isso,devem ser consideradosverdadeiros apóstatas, sendojulgados pelo crime de apostasiaquando capturados; embora nãona mesma medida em que osarqueiros, pois que a estes não seigualam em perversidade. Pois só

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agem assim para a proteção deseus corpos, na totalidade ou emparte, seja acima, seja abaixo dacintura. Por conseguinte, hão deser julgados como heregespenitentes, não reincidentesquando condenados comobruxos se demonstramarrependimento; a penamerecida é a do oitavo tipo: comadjuração solene eencarceramento, conformemostrado na Parte III deste livro.

Os segundos são capazes de

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encantar com a sua magia asarmas, mostrando-se capazes decaminhar sobre elas de pésdescalços: estranhas proezas sãocapazes de fazer (pois que,segundo São Isidoro, Etim. VIII,os encantadores são os quepossuem a habilidade de realizarprodígios mediante palavras). Háde fazer-se uma distinção entreeles: alguns realizamencantamentos por meio depalavras sagradas, ou de fórmulasmágicas que inscrevem sobre os

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enfermos, práticas tidas comoilícitas desde que se observemsete condições, conformehavemos de revelar mais adianteao tratar dos métodos de curados enfeitiçados. Por outro lado,os encantamentos lançados sobrearmas através de palavrassecretas, ou no caso de osencantamentos prescritos aosdoentes serem anotados porescrito, cumpre chamar suaatenção para o juiz. Pois quandousam palavras que nem mesmo

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eles sabem os significados, ouquando usam sinais ou caracteresque não representam o sinal dacruz, cumpre repudiá-los nessaspráticas: os homens de bemprecisam ter ciência da arte crueldesses feiticeiros. E caso nãodesistam de tais atos, devem serconsiderados suspeitos esentenciados de acordo com apena do segundo tipo, conformemostraremos depois. Pois não seacham livres do pecado deheresia; feitos dessa espécie só

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podem ser realizados com aassistência do Demônio e,conforme demonstramos, o quefaz uso dessa assistência há de sercondenado como apóstata da fé.No entanto, sob a alegação deignorância ou pela retratação desua conduta, podem ser tratadosde forma mais condescendentedo que os magos-arqueiros.

É comum ver quecomerciantes e mercadores têmpor hábito fazerem-seacompanhar de amuletos e

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runas; como tais elementospartilham da natureza dosencantamentos maléficos, épreciso que se despojem de taisobjetos e de tais sinais, seja porintermédio do confessor noconfessionário, seja porintermédio do juiz eclesiástico notribunal público. Pois que taispalavras e letras desconhecidasimplicam pacto tácito com oDemônio, que faz uso dessesexpedientes em sigilo para seupróprio benefício, atendendo os

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usuários nos seus desejos paraque depois possa induzi-los acometer os piores crimes. Logo,no tribunal, esses homens devemser julgados e advertidosconforme se indica no segundométodo. No confessionário, cabeao confessor examinar o amuletoe, se não desejar jogá-lo fora, háo penitente de apagar as palavrase sinais ali inscritos, emborapossa preservar palavras doEvangelho ou o sinal da cruz.

Ora, com relação a todas

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essas classes de magos, esobretudo a dos arqueiros,cumpre notar que, conformedeclaramos antes, hão de serjulgados como heregescapturados em flagrante crime deheresia; e tocamos nesse assuntoainda antes, na Questão I daParte I. Lá mostramos o que dizSão Bernardo a respeito: três sãoas maneiras pelas quais umhomem pode ser acusado deheresia: ou pela evidência dosfatos quando publicamente

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professa o seu erro, pelaevidência crível de testemunhasou pela própria confissão. SãoBernardo também explica osignificado de algumas daspalavras da Lei Canônica a essepropósito, conforme revelamosna Questão I da Parte I destaobra.

Claro está, portanto, que osmagos-arqueiros, e os magos queenfeitiçam outras armas, hão deser considerados manifestamenteculpados de flagrante heresia,

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através de pacto explícito com oDiabo, porquanto óbvio está queos prodígios que realizam sópoderiam ser concretizados coma ajuda de Demônios.

Em segundo lugar, estáigualmente claro que ospatronos, os protetores e osdefensores desses homens hão deser acusados do mesmo crime ede ser submetidos aos castigosprescritos. Pois não há no seucaso, como pode haver no dediversos outros criminosos,

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qualquer dúvida quanto àsuspeita que lhes sobrecai: seleve, se forte ou se grave; são,não há dúvida, graves detratoresda fé, e hão de receber comocastigo de Deus uma mortemiserável.

Conta-se que certo príncipecostumava proteger tais magos e,com o seu auxílio, passou aoprimir desmedidamente umadeterminada cidade em questõesde comércio. E quando um deseus dependentes advertiu-lhe a

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conduta, ele rejeitou todo otemor a Deus e exclamou:

– Que Deus me fulmineagora se os estou oprimindoinjustamente!

Pois às suas palavras seguiu-se a vingança divina: o príncipeimediatamente caiu no chão,vítima de morte súbita. E avingança divina ocorreu nãotanto por causa de sua injustaopressão, mas sim por causa desua cobertura à heresia.

Em terceiro lugar, claro está

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que todos os bispos e soberanosque não se empenhem aoextremo em reprimir os crimesdessa natureza hão de serjulgados como professosdefensores desses mesmoscrimes, e hão de ser punidos damaneira prescrita.

QUESTÃO II

Dos métodos para destruire amaldiçoar a bruxaria.

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Introdução, onde seestabelece a dificuldadedesta questão.

Será lícito remover a bruxaria

através de outra bruxaria, ouatravés de outros meiosproibidos?

Professa-se que não; jámostramos que no Segundo livrodas sentenças, e na oitavadistinção, é consensual a opiniãode todos os doutores: é ilícito

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usar da ajuda de Demônios,porque por esse expediente seincorre em crime de apostasia.Mas, defende-se, não há bruxariaque possa ser removida sem talauxílio diabólico. Alega-se quepoderia ser o malefício curado oupelo poder humano, ou pelopoder diabólico, ou ainda pelopoder divino. Não há de ser peloprimeiro: os poderes inferioresnão se contrapõem aossuperiores, não exercem controlesobre os que se acham fora de

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sua própria capacidade natural.Nem há de ser pelo poder divino,pois que assim se configurariaum milagre, que Deus só operapor Sua própria vontade, e nãopor solicitação dos homens. Poisquando a Virgem Mariaimplorou a Cristo que operasseum milagre para atender ànecessidade de vinho, Elerespondeu: “Mulher, que tenhoEu de fazer contigo?” E osdoutores elucidam o significadoda passagem: “Que vínculo há

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entre nós dois para a operação deum milagre?” Parece tambémque só muito raramente são oshomens libertos deencantamentos pelas orações aossantos ou pelas súplicas aoSenhor. Logo, só lhes resta seremlivrados pela ajuda dosDemônios; mas é ilícito recorrera tal expediente.

Cabe ressaltar, uma vez mais,que método comum paradesenfeitiçar as pessoas, emboramanifestamente ilícito, está em

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recorrer à ajuda de mulheressábias, pelas quais são amiúdecuradas, e não a padres ouexorcistas. Assim, revelamos aexperiência de que tais curas sósão efetuadas pela ajuda dosDemônios, a quem é ilícitorecorrer. Portanto, não há de serlícito curar dessa forma a pessoaenfeitiçada, que deverá suportarpacientemente o malefício.

Alega-se ainda que SantoTomás e São Boaventura, noquarto livro, 34º distinção,

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afirmam que os encantamentosdevem ser permanentes por nãoexistir contra eles remédiohumano; e se houver algumremédio, ou é desconhecido ou éilícito. E essas palavras significamque a enfermidade dessa espécieé incurável e deve serconsiderada permanente; eaduzem ainda que, mesmoquando Deus providenciasse umremédio, por ação coercitivasobre o Diabo, e viesse este aremover o mal do homem

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atingido, e o curasse, tal cura nãopoderia ser considerada humana.Portanto, salvo que Deus o cure,não é lícito ao homem tentar, dequalquer forma, encontrar umacura.

Na mesma obra esses doisdoutores acrescentam tambémque é ilícito até mesmo procurarremédio através da superposiçãode outro encantamento. Poisafirmam que, para que tal sejapossível, e para que se remova ofeitiço original, a outra bruxaria

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também há de ser consideradade efeito permanente; já que nãoé de forma alguma lícito evocar oauxílio do Diabo através dabruxaria.

E mais, alega-se que osexorcismos da Igreja nem semprese revelam eficazes na repressãodos Demônios no caso dasaflições corporais, porque estas sósão curadas pelo arbítrio deDeus; mas sempre são eficazescontra as molestações diabólicaspara as quais foram instituídos,

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como, por exemplo, no caso dehomens possuídos pelo Diabo,ou no caso do exorcismo decrianças.

Uma vez mais não se há deconcluir que, porque o Diaborecebeu poderes sobredeterminada pessoa, por causade seus pecados, deixará de tertais poderes com a cessaçãodesses mesmos pecados. Poismuitas vezes um homem deixade pecar mas seus pecados aindapermanecem. Parece, portanto,

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pelo que declaram esses doisdoutores, que é ilícito removerencantamentos e sim que estesdeverão ser suportados, namedida em que só a Deus cabeeliminá-los, quando Lheaprouver.

Contra essa opiniãoargumenta-se que, assim comoDeus e a natureza não abundamem superfluidades, também nãocarecem em termos denecessidades; e é umanecessidade que se dê aos fiéis

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contra as obras do Diabo não sóalgum meio de proteção (de quetratamos no começo desta ParteII) mas também remédioscurativos. Caso contrário, ver-se-ia o fiel desatendido plenamentepor Deus, e as obras do Diabopareceriam mais fortes que as dopróprio Criador.

Contra tal opinião hátambém a glosa sobre aquelapassagem de Jó: “Não há podermaior que o Dele na terra...” Diza glosa que, embora o Diabo

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tenha poderes sobre todas ascoisas humanas, acha-se sujeitoaos méritos dos santos e mesmoaos méritos dos santos homensnesta vida.

Mais uma vez, diz SantoAgostinho (De MoribusEcclesiae): “Não há anjo maispoderoso do que nosso intelecto,quando nos prendemosfirmemente a Deus. Pois, seneste mundo o poder está navirtude, então o intelecto que semantém junto a Deus é mais

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sublime do que o mundo inteiro.Portanto, esse intelecto é capazde desfazer as obras do Diabo.”

Resposta. Acham-se expostasduas opiniões poderosas que,parece, são absolutamentecontrárias entre si.

Pois que há teólogos edoutores em Direito Canônicoque concordam ser lícito removeras bruxarias por meios vãos esupersticiosos. São dessa opiniãoDuns Scoto, Henrique de

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Segúsio, Godofredo e todos oscanonistas. Mas, na opinião deoutros teólogos, especialmente ados mais antigos, e na de algunsdos modernos, como SantoTomás, São Boaventura, SantoAlberto e Pedro de Palude, alémde na de muitos outros, emnenhum caso se há de fazer omal para que dele resulte o bem,e que é preferível o homemmorrer a consentir em ser curadopor meios vãos e supersticiosos.

Examinemos agora suas

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opiniões, com vistas a trazê-las,na medida do possível, a umponto consensual. Scoto, em seuquarto livro, 34º dist., sobre asobstruções e a impotênciacausada pelas bruxarias, diz sertolice defender que é ilícitoremover os encantamentosmesmo por superstições e pormeios inúteis, e que assimproceder não é contrário à fé;pois aquele que destrói a obra doDiabo não há de ser partícipedessa mesma obra, e crê que o

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Diabo tem o poder de ajudar (e opendor para tal) a infligir malesenquanto o sinal ou símbolo dosmales persistir: uma vezdestruído o símbolo, põe fim aomal que infligiu. Aduz esse autorainda que é meritório destruir asobras do Demônio. Mas, falandoem sinais e em símbolos, ocorre-nos um exemplo.

Há mulheres que descobrembruxas através de certos sinais.Quando o suprimento de leite deuma vaca é reduzido por

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bruxaria, penduram um balde deleite sobre o fogo e,pronunciando palavras mágicas,batem no balde com uma vara. Eembora as mulheres batam nobalde, o Demônio transfere osgolpes de vara para as costas dabruxa. E dessa forma tanto abruxa quanto o Demônio sãofatigados. No entanto, o Diaboassim procede para que consigaconduzir as mulheres que batemno balde a práticas maisperversas. Assim sendo, não fosse

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o risco que acarreta, não haveriaqualquer dificuldade em aceitar aopinião do conceituado doutor.Poderíamos aqui acrescentarmuitos outros exemplos.

Henrique de Segúsio, em suaeloquente Summa sobre aimpotência genital causada pelabruxaria, diz que nesses casospode-se recorrer aos remédiosdos médicos; e não obstantealguns desses remédios não separeçam mais do que poçõesinúteis e mágicas, mesmo assim

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deve-se dar um crédito deconfiança a cada pessoa na suaprofissão, e a Igreja podeperfeitamente tolerar a supressãode futilidades através de outrasfutilidades.

Ubertino também, em seuquarto livro, usa estas palavras:“Os encantamentos podem serneutralizados ou por oração oupela mesma arte pela qual foraminfligidos.”

Godofredo afirma na suaSumma: os encantamentos nem

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sempre podem ser neutralizadospor quem os causou, ora porquequem os causou morreu, oraporque não sabe comoneutralizá-lo, ora, ainda, porquefoi perdida a fórmula mágicaneutralizadora. Mas se soubercomo promover o alívio, é lícitoque o promova. O autor se refereaos que afirmam que oimpedimento ao ato carnal nãopoderia ser causado por bruxariae que nunca poderia serpermanente e que, assim, não

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poderia anular casamento jáconsumado. O autor estádefendendo posição contrária.

Ademais, os que defendemnão haver magia maléfica deefeito permanente são movidos aassim afirmar por duas razões:julgam ser possível removerqualquer encantamento poroutras fórmulas mágicas ou porexorcismos da Igreja ordenadospara a supressão do poder doDiabo, ou por penitênciaverdadeira, já que o Diabo só

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tem o poder sobre pecadores.Assim, na primeira questão,concordam com os que afirmamser possível eliminar o efeito damagia maléfica por meiossupersticiosos.

Mas Santo Tomás é deopinião contrária ao declarar: “Seo encantamento não puder serremovido, salvo por algum meioilícito, seja mediante o auxílio doDiabo, seja mediante qualqueroutro expediente, mesmoquando se sabe ser neutralizado

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daquela forma, há de serconsiderado permanente, poisque o seu remédio não éconsiderado lícito.”

Mesma opinião defendemSão Boaventura, Pedro dePalude, Santo Alberto e todos osteólogos. Pois, aludindobrevemente à questão daevocação do auxílio diabólico,tácita ou explicitamente, parecemsustentar que tais fórmulasmágicas só podem serneutralizadas pelo exorcismo

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lícito ou pela verdadeirapenitência (conformeestabelecido pela Lei Canônica arespeito do sortilégio), movidos,ao que parece, pelasconsiderações feitas ao princípiodessa questão.

Mas convém trazer essasvárias opiniões dos doutores daIgreja a um consenso. Isso seconsegue num certo aspecto.Convém reparar que os métodospelos quais se removem os efeitosda magia maléfica são os

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seguintes: ou pela mediação deoutra bruxa e de outra magia; ousem a mediação de outra bruxa,mas através de magia e de outrascerimônias ilícitas. E este últimométodo pode ser subdividido emoutros dois: o emprego decerimônias que são ilícitas e vãs,ou o emprego de cerimônias quesão vãs, mas não ilícitas.

O primeiro remédio éabsolutamente ilícito, quanto aoagente e quanto à sua naturezaem si. Pode ser realizado de duas

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formas. Ou por meio de algummalefício sobre quem operou aprimeira bruxaria, ou semqualquer malefício, mas atravésde cerimônias mágicas e ilícitas.No último caso, pode serincluído o segundo método, qualseja, aquele através do qual omalefício é neutralizado não pelamediação de uma bruxa, masapenas por magia e porcerimônias ilícitas; e nesse casocontinuará sendo consideradoilícito, embora não na mesma

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proporção que o primeirométodo.

Podemos sintetizar a posiçãoexposta do seguinte modo.Existem três condições pelasquais um remédio se torna ilícito.Primeira, quando o feitiço éremovido pela mediação de outrabruxa e por outra bruxaria, ouseja, pelo poder de algumDemônio. Segunda, quando,embora não seja removido poroutra bruxa, é transferido deuma pessoa a outra, por algum

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indivíduo honesto, mediantealguma espécie de remédiomágico. Nesse caso também éilícito. Terceira, quando omalefício, embora não sejatransferido a outra pessoa, éremovido pela invocação tácitaou explícita de Demônios.Também aí é considerado ilícito.

E é com referência a essesmétodos que os teólogos dizemser melhor morrer do queconsenti-los. Mas existem outrosdois métodos que, de acordo

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com os canonistas, permitemremover malefícios de formalícita. E tais remédios podem serusados quando todos osremédios da Igreja – como osexorcismos, as orações dos santose a penitência genuína – foramtentados e falharam. Mas paraque os entendamos com maiorclareza convém contar algunsexemplos de que tivemosconhecimento.

No tempo do papa Nicolasveio a Roma, a negócios, certo

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bispo da Germânia cujo nomenão convém mencionar, emborajá tenha pago o seu tributo com aprópria vida. Em Roma,apaixonou-se por uma menina ea enviou para a sua diocese pormeio de dois de seus servos. Comeles seguiu uma parte de seusbens, na qual se incluíam joias degrande valor. Durante a viagem,a menina, manifestando acupidez própria das mulheres,começou a pensar consigomesma que se o bispo morresse

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por causa de alguma bruxaria elapoderia ficar com os anéis, oscolares e os brincos, todos muitovaliosos. Pois na noite seguinte obispo adoeceu. Os médicos e oscriados logo suspeitaram de quefora envenenado. Pois que emseu peito ardia um fogo que oobrigava a tomar contínuos golesde água fria para aliviá-lo. Noterceiro dia, quando já não maisparecia haver qualquer esperançapara o pobre homem, foi ter atéele uma anciã pedindo para vê-

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lo, pois que ali estava para curá-lo. Deixaram-na entrar e a velhaprometeu-lhe que o curaria se eleconcordasse com o que ela lhepropusesse. Quando o bispoperguntou-lhe com o que haviade concordar para que tivesserestituída a saúde que tantodesejava, a anciã respondeu-lhe:

– Sua doença foi causada porum ato de bruxaria. VossaExcelência Reverendíssima sóserá curada por outro ato debruxaria, que irá transferir a

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enfermidade para a bruxa que acausou, para que então elamorra.

O bispo ficou estarrecido.Vendo que não poderia sercurado de outra forma eprecisando tomar uma decisãorápida, resolveu consultar o papa.Ora, o sumo pontífice tinha-ocomo dileto irmão, e quandosoube que aquela seria a únicamaneira de o pobre homem sercurado concordou em permitirdos males o menor e deu-lhe o

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consentimento. Tornaram achamar a velha bruxa e disseram-lhe que tanto o bispo quanto opapa haviam consentido econcordado com a morte dabruxa, sob a condição de que obispo haveria de ter a saúdeplenamente restituída. A bruxafoi-se embora, assegurando-lheque estaria curado na noiteseguinte. Dito e feito. No meioda noite seguinte, vendo-secompletamente curado, enviouum mensageiro até a sua terra

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para saber o que acontecera àmenina. O mensageiro, aoretornar, contou-lhe que, nomeio daquela noite, a meninacaíra doente enquanto dormia aolado da mãe.

Convém entender queexatamente na mesma hora, nomesmo momento, a enfermidadefoi transferida do bispo para amenina bruxa, pela mediação deuma velha bruxa; assim o espíritomaligno, ao deixar de molestar obispo, pareceu restaurar-lhe a

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saúde como que por acaso,embora tenha sido Deus que opermitisse, e foi Deus quem naverdade lhe restituiu a saúde. ODiabo, em vista do pacto com asegunda bruxa, que invejava afortuna conseguida pela menina,passou a afligir então a amantedo bispo. É preciso entender queesses dois males causados porbruxaria não foramdeterminados por um mesmoDemônio, que serviu a duaspessoas, mas por dois Demônios,

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que serviram a duas bruxasdiversas. Pois que os Demôniosnão operam contra si próprios,mas trabalham o quanto podemem conjunto para a perdição dasalmas.

Por fim, tomado decompaixão, o bispo foi visitar amenina; mas, ao entrar norecinto em que ela se encontrava,foi recebido com as maioresexecrações por parte da menina:

– Que tu e aquela que tecurou tenham a danação eterna!

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– Mas o bispo tentou exortá-la à penitência e disse-lhe que aperdoava pelos seus erros. Amenina no entanto virou-lhe orosto e disse:

– Não tenho qualqueresperança de perdão. Eencomendo minha alma paratodos os Demônios no Inferno. –E, assim, morreumiseravelmente. O bispo, porém,retornou para casa cheio dealegria e de gratidão.

Cumpre aqui ressaltar que o

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privilégio recebido por um nãoconstitui precedente para todos,e a decisão do papa, nesse caso,não significa que servirá paratodos os casos, tornando-oslícitos.

Nider, em seu Formicarius,refere-se ao mesmo assunto aodeclarar: “O seguinte método é,por vezes, empregado pararemover ou vingar os efeitos damagia maléfica. A pessoaprejudicada, em seu corpo ou emseus bens, recorre a uma bruxa

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para saber quem lhe fez abruxaria. A bruxa, então,derrama chumbo derretidonuma vasilha com água até que,por obra do Diabo, algumaimagem se forma ao solidificar-seo metal. A seguir, pergunta-lhe abruxa que parte do inimigo apessoa deseja que sofra danofísico. Escolhida a região,imediatamente perfura naquelaparte a imagem com uma faca elhe mostra o lugar que vaipermitir identificar o culpado. E

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verifica-se que da mesma formaque se feriu a imagem dechumbo, assim também é feridaa bruxa que causou o malefício.”

Mas cabe declarar que essaespécie de remédio, bem comooutros semelhantes, é, pelo geral,ilícita; embora a perversidadehumana, na esperança de obter operdão de Deus, seja apanhadaem armadilha através dessaspráticas, ao dar mais atenção àsaúde do corpo que à da alma.

O segundo tipo de cura

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proporcionada pelas bruxastambém requer pacto explícitocom o Diabo, mas não seacompanha de lesão corporalnoutra pessoa. E em quecontexto se deve considerar taisbruxas e de que modo podem seridentificadas são temas tratadosno décimo quinto método decondenação, mais adiante. Sãomuitíssimo numerosas as bruxasdessa espécie, sendo sempreencontradas num raio de 1,5 a 3quilômetros de qualquer distrito,

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sempre prontas para desenfeitiçarqualquer pessoa que a elasrecorra. Algumas alegam sercapazes de realizar curas aqualquer momento; outras só osão nas senhorias vizinhas; outrasainda só o fazem com oconsentimento da bruxa quecausou o dano físico original.

E é consabido que essasmulheres firmaram pactoexplícito com o Diabo por seremcapazes de revelar segredos aosque as procuram. Pois que

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subitamente põem a descoberto acausa de seu sofrimento,dizendo-lhes que foram atingidospela magia em seu corpo ou emsuas posses por causa de algumadiscussão travada com umvizinho ou com outro homem oumulher. E, às vezes, a fim demanter a prática criminosa emsigilo, impõem a seus clientesuma romaria ou outra açãodevota. Mas recorrer a essasmulheres para ser curado parececausar maior detração à fé do

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que recorrer a outras que fazemcuras mediante apenas um pactotácito com o Diabo. Pois os que aelas recorrem estão pensandomais em seus corpos do que emDeus e, além disso, Deus há deencurtar as suas vidas para puni-los por tomarem nas própriasmãos a vingança de seus males.Pois foi assim que a vingançadivina surpreendeu Saul, porqueprimeiro ele expulsou da terratodos os magos e adivinhos, masdepois consultou-se com uma

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bruxa; pelo que foi assassinadoem batalha junto com seus filhos,I Samuel, 28, e I Paralipômenos,10. E pela mesma razão Ocosias,doente, teve de morrer, IV Reis 1(II Reis, 1).

Também os que consultamtais bruxas são consideradosdifamados e não lhes é permitidofazer acusação, conforme semostrará na Parte III; e, segundoa lei, devem ser punidos com apena capital, conformeestabelecido na Questão I desta

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obra.Mas, ó, Senhor Deus!, que

sois justo em todos os Vossosjulgamentos, quem haverá delivrar essas pobres criaturas domalefício e de suas doresintermináveis? Pois os nossospecados são tão grandes, e oinimigo é tão forte; onde estão oscapazes de desfazer as obrasdiabólicas por intermédio deexorcismos lícitos? Esse remédioparece ser deixado de lado; poisos juízes, mediante penas várias,

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deveriam averiguar na medidado possível tal perversidade,punindo as bruxas que a causam;para que privem os enfermos daoportunidade de consultá-las.Porque, ai de nós!, ninguémentende isso do fundo docoração; todos procuram alíviopor conta própria e se esquecemde recorrer a Jesus Cristo.

Muitas pessoas costumavamprocurar, para serem libertas damagia, aquela bruxa deReichshofen, que já

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mencionamos. Tantas naverdade que o conde do casteloresolveu colocar uma cabine deposto de portagem, e todos osque a ela recorriam tinham, parair até a sua casa, de pagar umapequena quantia; e gabava-se elede haver conseguido lucrosubstancial dessa forma.

Sabemos da existência demuitas bruxas na diocese deConstance. Não que essa dioceseesteja mais contaminada do queas demais, mas é uma das que

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mais foi esquadrinhada. Sabemosque essa forma de infidelidade égeral em todas as dioceses.Descobriu-se lá que diariamenteum homem chamado Hengstvinha sendo consultado por umgrande contingente de pessoasvítimas de malefício, e vimos comnossos próprios olhos essamultidão na vila de Eningen.Pois que nunca tanta gente iriaassim a um santuário daSantíssima Virgem, ou a umafonte santa ou a um eremitério,

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nunca na mesma proporção querecorreria a um bruxo. Pois queno mais rigoroso frio do inverno,com todas as passagens ecaminhos recobertos de neve,vinham procurá-lo, mesmo osque moravam mais distante, numraio de 3 a 5 quilômetros, apesarde todas as dificuldades; algunseram curados, outros, não.Suponho que os malefícios nãosejam removidos igualmente coma mesma facilidade, em virtudede vários obstáculos, conforme se

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disse antes. E tais bruxas e bruxosos neutralizam medianteinvocação explícita de Demônios,como fazem os que se utilizamdos remédios do segundo tipomencionado, que são ilícitos, masnão na mesma medida doprimeiro.

O terceiro tipo de remédio éo conquistado através de certascerimônias mágicas, sem que secause dano físico a qualquerpessoa e também sem aparticipação de uma bruxa

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declarada. Damos um exemplodesse expediente.

Na cidade de Spire ummercador deu o seguintedepoimento:

“Encontrava-me na Suábia,no castelo de um conhecidonobre. Certo dia, depois dojantar, saí perambulandodespreocupadamente com doisdos servos pelos campos, quandoavistamos uma mulher. Emboraainda estivéssemos a uma boadistância dela, meus

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companheiros a reconheceram, eum deles me disse:

“– Benze-te, depressa – eoutro me exortou a fazer omesmo.

“– Mas por quê? O quereceiam? – perguntei-lhes.

“– Vamos encontrar a maisperigosa bruxa da província. Ela écapaz de enfeitiçar um homem sópelo olhar.

“Disse-lhes, então,vangloriando-me, que nuncativera medo dessas coisas. Pois

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que mal acabara de pronunciaressas palavras senti quemachucara seriamente o péesquerdo, não conseguia levantá-lo do chão ou dar um passo semsentir imensa dor. Foram os doisentão rapidamente até o castelo etrouxeram-me um cavalo paraque eu pudesse retornar. Asdores, porém, continuaram a seagravar nos três dias seguintes.

“As pessoas do castelo,percebendo que eu foraenfeitiçado, contaram o

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acontecido a um camponês quevivia a 1,6 quilômetro dali e,segundo se contava, tinha opoder de curar malefícios. Ohomem veio me ver logo e,depois de examinar o meu pé,disse:

“– Vamos ver se as dores sãopor causa natural. Se forem porcausa de bruxaria, hei de curá-locom a ajuda de Deus; se nãoforem, deverás recorrer aremédios naturais.

“– Se eu puder ser curado

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sem qualquer magia, mas com aajuda de Deus, estou de plenoacordo; mas com o Diabo nadaquero, nem mesmo a sua ajuda –retruquei. E o camponêsprometeu-me que só usaria demeios lícitos e que me curariacom a ajuda de Deus, desde quetivesse certeza serem as minhasdores causadas por bruxaria.Assim, consenti. O homem entãoencheu uma concha comchumbo derretido (da mesmaforma que outra bruxa que já

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mencionamos) e segurando-asobre o meu pé derramou-onuma tigela com água. Deimediato apareceram imagens deformas variadas, como seespinhos, cabelos e ossostivessem sido colocados na tigela.

“– Vejo – falou ele – que essaenfermidade não é natural, e simcausada por bruxaria.

“– Como podes saber? –indaguei-lhe.

“– Há sete metais. Cada umdeles pertence a um dos sete

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planetas; e como Saturno é osenhor do chumbo, quando sederrama chumbo sobre qualquerpessoa que tenha sidoenfeitiçada, é por estapropriedade que, com o seupoder, se descobre a bruxaria.Que é bruxaria fica assimplenamente provado. Logoestarás curado. Mas preciso virvisitá-lo por tantos dias quantostens estado doente.

“Disse-lhe então que estavadoente já há três dias. Assim, ele

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veio me visitar durante os trêsdias seguintes. A cada visitaexaminava meu pé, tocava-o emurmurava certas palavras. Poisfoi assim que dissolveu omalefício e restituiu-me a saúdeplena.”

Está claro, nesse caso, que ocurandeiro não era um mago,embora o seu método fosse umtanto supersticioso. Poisprometeu curá-lo com a ajuda deDeus e não por obra do Diabo.Ademais, alegou a influência de

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Saturno sobre o chumbo e porisso teve conduta irrepreensível eaté bastante recomendável. Maspermanece alguma dúvidaquanto ao poder usado para aremoção do malefício e quanto àsfiguras que apareceram nochumbo. Pois nenhuma bruxariapode ser removida por forçasnaturais, embora possa sermitigada, como ficará provadomais adiante ao falarmos dosremédios para os possuídos;portanto, parece que o homem

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efetuou a cura mediante umpacto tácito com o Diabo. Echamamos pacto tácito aqueleem que a pessoa concorda,implicitamente, em qualquermedida, em contar com a ajudado Diabo. Dessa forma, muitasobras de bruxaria são realizadas,mas com ofensa ao Criador emgrau variável, pois que pode serbem maior essa ofensa numaoperação do que em outra.

Contudo, esse camponêsestava certo de realizar uma cura

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e, tendo visitado o paciente portantos dias quantos ele estiveradoente, e mesmo sem usarremédios naturais, conseguiucurá-lo, cumprindo a promessafeita; por essas razões, emboranão tenha firmado pacto explícitocom o Diabo, ele há de serjulgado não apenas comosuspeito, mas também comoplenamente culpado de heresia eterá de ser condenado esubmetido, pelo menos, às penasestabelecidas adiante, no

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segundo método de condenaçãodas bruxas; sua punição, noentanto, há de acompanhar-se deuma adjuração solene, salvo seele estiver protegido por outrasleis que parecem ser de intençãocontrária; e o que o ordinário háde fazer nesses casos é mostradomais adiante, na solução dosargumentos.

A quarta classe de remédios,a cujo respeito vê-se que háconsenso parcial entre oscanonistas e alguns dos teólogos,

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não é considerada fútil ou vã.Por ser tão somente de naturezasupersticiosa e por não haverpacto explícito ou tácito com oDemônio, no propósito ou naintenção de quem a executa. Edigo que se há de tolerar essaclasse de remédios desde quehaja consenso parcial entrecanonistas e teólogos a respeito.Pois o seu consenso ou dissensovai depender de como classificamessa categoria de remédios, sejunto com a terceira, a anterior,

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ou não. Essa espécie de remédioestá exemplificada anteriormenteno caso das mulheres que batemno balde pendurado sobre o fogopara que seja espancada assim abruxa que fez com que a sua vacaleiteira deixasse de dar leite emabundância. No entanto, esseritual pode ser feito em nome doDiabo ou sem qualquerreferência a ele.

Podemos aduzir outrosexemplos do mesmo tipo. Nocaso das vacas atingidas por esse

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malefício, às vezes, quando sequer descobrir quem o causou,faz-se o seguinte: coloca-se sobrea cabeça da vaca, ou sobre o seudorso, as calças de um homem,ou algum outro objeto impuro.Conduz-se assim a vaca até opasto. Isso é feito, sobretudo, emdias santos ou de festa deguarda, possivelmente com ainvocação do Diabo. A seguir,bate-se na vaca com uma vara eela é solta. Pois a vaca vai agalope diretamente em direção à

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casa da bruxa que proferiu omalefício, e, mugindoincessantemente, dáviolentamente com os chifres naporta da casa. E o Diabo faz comque ela não pare de dar com oschifres na casa e de mugirenquanto não for acalmada poralguma bruxaria.

Na realidade, segundo osdoutores mencionados, essesremédios podem ser tolerados,embora não sejam meritórios,como alguns tentam professar.

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Pois São Paulo diz que tudo oque fazemos, em palavras ou ematos, deve ser feito em nome deNosso Senhor Jesus Cristo. Ora,nessa espécie de remédio podenão haver invocação direta doDiabo, mas o seu nome pode sermencionado: e pode não haverqualquer intenção nesse sentido,seja através de pacto explícito outácito com o Diabo. Mesmoassim, alguém pode dizer:“Desejo fazer isso e mais isso,participe ou não o Diabo.” E essa

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temeridade, por desprezar otemor de Deus, a Ele ofende,pois é Ele quem confere ao Diaboo poder de realizar tais curas.Portanto, os que usam de taispráticas devem ser conduzidosaos caminhos da penitência eexortados a abandonar taispráticas e a se voltar para osremédios dos quais havemos defalar depois, quais sejam, a águabenta, o sal consagrado, osexorcismos etc.

Sob a mesma luz devem ser

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considerados os que fazem usodo seguinte expediente: quandoum animal foi morto porbruxaria, e desejam saber qual foia bruxa que o matou, ou quandoquerem ter certeza de que amorte foi natural e não causadapor bruxaria, vão até o lugaronde se arranca o couro dosanimais, pegam os intestinos doanimal morto e o levam paracasa. Evidentemente, não otrazem para dentro de casa pelaporta da frente. Fazem o seu

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ritual junto à soleira da porta dosfundos. Acendem uma fogueirae, com os intestinos colocadosnuma armação sobre a fogueira,queimam-no. E, segundo o quemuitas vezes já nos contaram,assim como os intestinos seaquecem e queimam, de formaanáloga os intestinos da bruxaque perpetrou o malefício padecede dores urentes. Mas ao assimproceder é preciso ter certeza deque a porta esteja bem trancada.Pois a bruxa é compelida pelas

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dores a tentar entrar na casa e, seconseguir pegar uma brasa queseja do fogo, todas as doresdesaparecerão. Muitas vezes jácontaram que, quando nãoconsegue entrar no domicílio,envolve-o por dentro e por forana mais densa bruma, com gritostão agudos e com uma agitaçãotão violenta que todos os que seacham dentro da casa acabamachando que o teto vai desabar eesmagá-los, a menos que abram aporta.

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Outros expedientessemelhantes são também dignosde nota. Às vezes, as pessoasdistinguem as bruxas entrenumerosas mulheres na igreja edeixam-nas impossibilitadas desaírem do local sem a suapermissão, mesmo depois determinado o ofício divino. Eiscomo conseguem fazer isso: numdomingo, untam os sapatos dosjovens com graxa ou com banhade porco antes de irem à igreja –exatamente como se faz quando

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se quer restaurar o brilho docouro dos sapatos –, pelo queimpedem qualquer bruxa de sairda igreja, até que os quequiseram descobri-las tenhamido embora ou as tenhamdeixado ir.

O mesmo se dá com certaspalavras, que não convém aquimencionar, para que a ninguémo Diabo seduza e as façaempregar. Os juízes emagistrados não devem darmuita relevância às provas dos

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que fingem assim descobrirbruxas, para que o Diabo, esseastuto inimigo, não os induza,portanto, a difamar mulheresinocentes. Essas pessoas,portanto, devem ser exortadas abuscar o remédio da penitência.Contudo, práticas dessa espéciesão, por vezes, toleradas epermitidas.

Pois bem: respondemos pormeio de nossos argumentos quenenhum malefício deve serremovido dessa forma. Os dois

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primeiros remédios sãoabsolutamente ilícitos. O terceiroé tolerado pela lei, mas merece omais cuidadoso exame por partedo juiz eclesiástico. E o que a leicivil tolera é indicado no capítulosobre as bruxas, onde se diz queaquelas que têm a habilidade deevitar que o labor do homem sejadestruído por tempestadescomuns ou de granizo sãomerecedoras de recompensa, enão de castigo. Santo Antoninotambém salienta, na sua Summa,

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a discrepância nesse ponto entrea Lei Canônica e a lei civil.Parece, portanto, que a legislaçãocivil concede a legalidade àspráticas mágicas para apreservação das colheitas e dogado e que, em certos casos, aspessoas que operam essas artesnão só devem ser toleradas masrecompensadas. Por conseguinte,o juiz eclesiástico deveparticularmente atentar para osmétodos empregados no combatede tempestades comuns ou de

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granizo, a fim de verificar seacham-se dentro do espírito dalei, ou se são, de alguma forma,de natureza meramentesupersticiosa; e, então, se nãohouver envolvimento dequalquer detração à fé, hão deser toleradas. Na realidade,porém, tais práticas nãopertencem ao terceiro método,mas ao quarto e também aoquinto, dos quais falaremos noscapítulos seguintes, ondetratamos dos remédios lícitos e

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eclesiásticos, com os quais porvezes se incluem certas práticassupersticiosas pertencentes aoquarto método.

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CAPÍTULO I

Dos remédios prescritospela Santa Igreja contraos íncubos e súcubos.

Nos capítulos precedentes,

incluídos sob a Questão I,tratamos dos métodos de causarmalefícios aos homens, aosanimais e aos frutos da terra, e,

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especialmente, docomportamento pessoal dasbruxas; de que modo seduzemmeninas para engrossar as suashostes; do seu método deafirmação sacrílega e para renderhomenagem ao Diabo; e de quemodo oferecem ao Diabo os seusfilhos e os filhos de outraspessoas; e de que modo sãotransportadas de um lugar aoutro. Afirmamos, agora, quenão há remédio contra taispráticas, a menos que os juízes

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erradiquem todas as bruxas ou,pelo menos, as castiguem comoexemplo para todas as outrasque, porventura, desejem imitá-las; mas não trataremosimediatamente desse ponto,deixando-o para a última parteda obra, onde descrevemos asvinte maneiras pelas quais seprocessam e se condenam asbruxas.

Por ora, estamos preocupadostão só com os remédios contra osdanos por elas infligidos; em

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primeiro lugar, de que formapodem os homens enfeitiçadosser curados da bruxaria; emsegundo lugar, de que modocurar os animais; em terceiro, deque modo proteger os frutos daterra das pragas e das filoxeras.

Com relação aoencantamento dos sereshumanos por meio de íncubos ede súcubos, convém notar que talpode ocorrer de três modos.Primeiro, como no caso daspróprias bruxas, quando as

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mulheres se prostituemvoluntariamente e se entregamaos íncubos. Segundo, quando oshomens mantêm relações comsúcubos; embora não pareça queos homens forniquem assimdiabolicamente com o mesmograu de culpabilidade; porque,sendo intelectualmente maisfortes que as mulheres, são maiscapazes de abominar tais atos.Terceiro, pode acontecer dehomens e mulheres, através debruxaria, verem-se envolvidos

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com íncubos e súcubos contra asua vontade. Isso acontece,principalmente, com certasvirgens que são molestadas poríncubos inteiramente contra avontade; parece que sãoenfeitiçadas por bruxas que,assim como muitas vezes causamoutros males, fazem com que osDemônios as molestem, sob aforma de íncubos, a fim deseduzi-las e de fazê-las juntarem-se à sua companhia vil. Vejamosum exemplo.

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Vive na cidade de Coblenzum pobre homem que foienfeitiçado dessa forma. Napresença da esposa, tem o hábitode agir como os homens agemcom as mulheres, ou seja, depraticar o coito, mas só quecontínua e repetidamente, nãodesistindo nem com os gritos eapelos insistentes da mulher. Edepois de ter fornicado dessaforma duas ou três vezes,proclama em altas vozes: “Vamoscomeçar outra vez”, e na

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realidade não há nenhum mortalvisível deitado junto a ele. Então,depois de um incrível número desurtos semelhantes, o pobrehomem enfim estira-se noassoalho, completamenteexausto. Depois de terrecuperado um pouco as forças,pergunta-se-lhe se tinhaqualquer mulher junto com ele,ao que explica que nada viu, masque foi de alguma formapossuído e que não consegue demodo algum conter tal

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priapismo. De fato, alimentaforte suspeita de que certamulher o tenha enfeitiçado, poisque ela o amaldiçoou compalavras terríveis, dizendo-lhe oque gostaria que lhe acontecesse.

Mas não há leis ou ministrosda justiça que possam processaralguém por tão enorme crimesem que haja base num vagogravame ou numa grave suspeita;pois defende-se que ninguém háde ser condenado salvo pelaprópria confissão, ou pela

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evidência fornecida por trêstestemunhas dignas de fé; poisque o mero fato do crimeacoplado a uma suspeita, pormais grave que seja, contradeterminada pessoa, não ésuficiente para justificar-lhe apunição. Essa questão, porém,será tratada mais adiante.

Exemplos de jovens donzelasmolestadas por íncubos dessaforma existem em grandenúmero e bem documentados,mas levaríamos muito tempo

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contando mesmo os quesabidamente têm acontecido emnossa época. Entretanto, aenorme dificuldade paraencontrarmos remédio contraessas aflições pode ser bemilustrada pelo caso contado porTomás de Brabante em seu livroSobre as abelhas.

Vi e ouvi, conta ele, “aconfissão de uma virgem quevestia hábito religioso, em queme disse que nunca consentiraem fornicação, mas ao mesmo

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tempo deu-me a entender que aconhecera de certa forma. Nãopude acreditar de que modoconhecia a fornicação se delanunca participara. Assim,exortei-a a contar-me a verdadecom as mais solenes adjurações,tendo em vista o risco que corriaem sua alma. Por fim, chorandoamargamente, contou-me quefora corrompida mais na menteque no corpo; e que embora seentristecesse e se mortificassecom isso, e se confessasse quase

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que diariamente às lágrimas,mesmo assim, não havia meio ourecurso ou arte que a livrasse deum íncubo, nem pelo sinal dacruz, nem por água benta, que éespecialmente recomendada paraa expulsão de Demônios, nemmesmo pelo Sacramento doCorpo de Nosso Senhor, que atémesmo os anjos temem. Só aocabo de muitos anos de oração ede jejum foi que ela se viu livredo íncubo.”

Pode-se acreditar que (com o

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devido respeito a um melhorjulgamento), depois de haver searrependido e confessado o seupecado, o íncubo deva serconsiderado mais à luz de umapunição do que de um pecadopropriamente.

Uma freira devota, chamadaChristina, no País Baixo doducado de Brabante, contou aseguinte história a respeito dessamesma mulher: na vigília dePentecostes, a pobre mulherqueixou a ela de que não ousaria

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receber o Sacramento por causada importuna molestação doDemônio. Christina,compadecida, lhe disse:

– Vai-te e descansa tranquila,pois que amanhã hás de recebero Corpo do Senhor; eu mesmahei de receber em teu lugar ocastigo.

Assim a mulher afastou-semais aliviada e, depois de rezaraquela noite, conseguiu dormirem paz. Pela manhã, levantou-see comungou, com a alma

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tranquila. Christina, porém, sempensar no castigo que tomarapara si, ao chegar a noite,recolheu-se; ao deitar, viu-se, porassim dizer, violentamenteatacada; e, agarrando fosse o queaquilo fosse pela garganta, tentouse desvencilhar. Tornou a sedeitar, mas foi molestadanovamente, e levantou-seaterrorizada; e o fenômenorepetiu-se várias vezes, fazendocom que toda a palha do colchãode seu catre fosse revirada,

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ficando espalhada por todo oquarto. Ao cabo, ela percebeuque estava sendo perseguida pelamalícia do Diabo. Finalmente,decidiu sair do catre e passou anoite inteira sem dormir. Esempre que desejava rezar eratão atormentada pelo Demônioque disse nunca ter sofrido tantoantes. Na manhã seguinte,aproximou-se da outra freira edisse:

– Renuncio ao teu castigo,mal estou viva para poder

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renunciar a ele.E foi assim que escapou da

violência daquela perversatentação. Por aí se vê como édifícil curar essa espécie de mal,seja ou não causado por bruxaria.

No entanto, há alguns meiospelos quais esses Demôniospodem ser afastados, a respeitode que nos fala Nider em seuFormicarius. Afirma esse autorque são cinco os modos pelosquais as moças ou os homenspodem ser livrados desse mal:

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primeiro, pela confissãosacramental; segundo, pelosagrado sinal da cruz ou pelarecitação da Saudação Angelical;terceiro, pelo uso de exorcismos;quarto, pela mudança deresidência; e quinto, porintermédio da excomunhão,prudentemente empregada pelossantos homens. É evidente pelonosso relato que os doisprimeiros expedientes nãoaliviaram a freira; embora nãodevam ser negligenciados, pois o

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que cura uma pessoa nãonecessariamente cura outra evice-versa. E é fato registrado queos íncubos não raro são afastadospela Oração do Senhor, ou pelaaspersão de água benta e,sobretudo, pela SaudaçãoAngelical.

Pois São Cesário afirma emseu Dialogus que, depois de umcerto sacerdote ter-se enforcado,a sua concubina entrou para umconvento, onde foi carnalmentesolicitada por um íncubo.

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Afastou-o com o sinal da cruz ecom água benta, embora eleretornasse imediatamente. Elaentão recitou a SaudaçãoAngelical e ele desapareceu comoa flecha disparada de um arco;mas voltou, embora não ousasseaproximar-se dela, por causadaquela Ave-Maria.

São Cesário também fazmenção do remédio que é aconfissão sacramental. Pois contaque a concubina foicompletamente abandonada pelo

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íncubo depois de ter-seconfessado. Conta-nos tambémde um homem de Leyden queera atormentado por um súcubomas que se viu inteiramente livredo Demônio depois da confissãosacramental.

Aduz ainda um outroexemplo: o de uma freiraenclausurada, contemplativa,cujo íncubo não deixava em pazapesar das orações, da confissão ede outros exercícios religiosos.Ele insistia em procurá-la na

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cama. Porém, seguindo oconselho de um homem muitoreligioso, viu-se completamentelivre do Demônio ao pronunciara palavra Benedicite.

Do quarto método, o demudar de residência, conta-nosSão Cesário da filha de umsacerdote que era atormentadainsistentemente por um íncuboque a estava deixando desvairadade pesar; só se viu livre quandose mudou para bem longe, dooutro lado do Reno. Seu pai,

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contudo, por tê-la mandadoembora, foi de tal forma afligidopelo Demônio que morreu emtrês dias.

Faz também menção a umamulher que era muitas vezesmolestada por um íncubo naprópria cama. Assim, resolveupedir a uma amiga devota quepassasse a noite com ela. A amigaconsentiu e foi perturbada anoite inteira pela inquietaçãomais extrema, pelo maiordesassossego. Mas a mulher

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conseguiu assim ser deixada empaz. William de Paris ressalta queos íncubos parecem molestar,sobretudo, as mulheres emeninas de lindos cabelos; ouporque muito se dedicam aocuidado dos cabelos, ou porqueassim pretendem excitar einstigar os homens, ou, ainda,porque gostam de se vangloriarfutilmente a respeito, ou mesmoporque Deus, na Sua bondade,permite que assim seja para queas mulheres passem a ter medo

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de instigar os homensexatamente pelo meio que osDemônios gostariam que elas osinstigassem.

O quinto método, o daexcomunhão, talvez o mesmo doexorcismo, é exemplificado pelahistória de São Bernardo. NaAquitânia, uma mulher já eramolestada há seis anos por umíncubo com incrível abuso carnale devassidão; e ouviu o íncuboameaçá-la para não se aproximardo homem santo que seguia pelo

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mesmo caminho:– De nada te adiantará:

quando ele se for, eu, que atéagora tenho sido o teu amante,me tornarei o teu pior tirano, otirano mais cruel.

Mesmo assim a mulher foifalar com São Bernardo e ele lhedisse:

– Toma o meu báculo,coloca-o na tua cama e deixa oDemônio fazer o que quiser.

Ao fazer o que o santo lheindicou, o Demônio nem sequer

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ousou entrar no quarto, mas dolado de fora ficou, a ameaçá-la,dizendo que a perseguiriaquando São Bernardo se fosse.Quando São Bernardo soube doocorrido, reuniu diversas pessoasque nas mãos traziam velasacesas e, depois de todosreunidos em assembleia,exorcizou o Demônio, proibindo-o de se aproximar da mulher oude qualquer outra. E assim amulher viu-se livre daqueletormento.

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Cabe aqui salientar que opoder das chaves dado a SãoPedro e a seus sucessores, querepercute por toda a Terra, érealmente um poder de curaconcedido à Igreja em benefíciodos viajantes que se achamsubordinados à jurisdição dopoder papal; portanto, éextraordinário que mesmo ospoderes do ar possam serafastados por essa virtude. Masdeve ser lembrado que as pessoasmolestadas por Demônios

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acham-se sob a jurisdição dopapa e de suas chaves; logo, nãosurpreende que tais poderessejam indiretamente afastadospela virtude das chaves,exatamente como, pela mesmavirtude, as almas no purgatóriopodem indiretamente ser livradasdas dores do fogo eterno; assimcomo esse poder é válido sobre aterra, também é válido para oalívio das almas que estão sobela.

Mas não parece conveniente

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discutir aqui o poder das chavesconferido ao sumo pontíficecomo vigário de Cristo; como sesabe, para o uso da Igreja, Cristooutorgou a ela e a seu vigáriotanto poder quanto é possível dara um simples mortal.

E se há de acreditar piamenteque, quando as enfermidadesinfligidas pelas bruxas, através dopoder dos Demônios, quandoestas, junto com as bruxas e comos próprios Demônios, sãoexorcizadas, os afligidos deixam

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de ser atormentados; e, ademais,serão livrados bem maisrapidamente quanto se lançamão de alguns outrosexorcismos.

Há uma história conhecidaque ocorreu nos distritos do rioEtsch, e também em outroslugares. Por permissão de Deus,um enxame de gafanhotosatacou e destruiu todas as vinhas,todas as verduras e todas ascolheitas da região. No entanto,graças a essa espécie de

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excomunhão ou exorcismo, anuvem foi repentinamentedispersa e afastou-se dasplantações. Ora, se alguémdesejar atribuir o fenômeno aalgum santo homem, e não àschaves da Igreja, que o faça, emnome do Senhor; mas de umacoisa temos certeza, tanto opoder para operar milagresquanto o poder das chaves,necessariamente, pressupõemuma condição de graça em quemexecuta tal ato (ato de graça), já

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que ambos os poderes sãooutorgados ao homem em estadode graça e da graça promanam.

Uma vez mais, se há dereparar que se nenhum dosremédios mencionados é debenefício, se há de recorrer,então, aos exorcismos habituais,dos quais trataremos maisadiante. E mesmo quando estesnão são suficientes para banir ainiquidade do Demônio, se há deconsiderar aquela aflição comopunição expiatória do pecado,

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que deve ser suportada comhumildade, assim como a outrosmales dessa espécie que nosoprimem para que possamos, porassim dizer, tornar a procurar porDeus.

Mas também deve serressaltado que, às vezes, pensamtão somente que estão sendomolestados por íncubos quandona realidade não o estão; e isso émais frequente com mulheres doque com homens, por serem maistímidas e propensas a imaginar

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coisas extraordinárias.A esse propósito William de

Paris é muitas vezes citado.Afirma-nos esse autor: “Muitasaparições fantásticas ocorrem apessoas que padecem do mal damelancolia, especialmentemulheres, conforme édemonstrado por seus sonhos epor suas visões. A razão disso,como sabem os médicos, é que aalma da mulher é, por natureza,muito mais fácil e rapidamenteimpressionável que a do

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homem.” E acrescenta: “Conheciuma mulher que acreditava queum Demônio copulava com elapelo seu lado de dentro e medisse que era fisicamenteconsciente dessa façanhainacreditável.”

Às vezes, as mulheres achamque ficaram grávidas porhaverem copulado com umíncubo, e seus ventres crescem eficam de um tamanho enorme;mas ao chegar a hora do parto oseu inchaço é aliviado por não

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mais do que a expulsão de umaenorme quantidade de vento.Pois colocando ovos de formigana bebida (ou semente deeufórbia ou de pinho negro),forma-se no estômago humanoum volume impressionante devento ou de flatulência. E para oDiabo é muito fácil provocar essefenômeno e mesmo outrasperturbações maiores doestômago.

Tratamos desse assunto aquipara que não se dê crédito com

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muita facilidade às mulheres, sóàs que por nossa experiênciavemos que são dignas deconfiança e àquelas que, pordormirmos em suas camas oupróximo delas, sabem de fato quetais coisas de que falamos sãomesmo verdadeiras.

CAPÍTULO II

Dos remédios prescritospelos que são enfeitiçados

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com a limitação da forçaprocriadora.

Não obstante seja muito maior

o número de mulheres bruxas doque o de homens, comochegamos a mostrar na Parte Ideste livro, são os homens os quemais padecem com os malefícios,bem mais que as mulheres. E oporquê se há de encontrar nofato de que Deus outorga aoDiabo poderes muito maiores

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sobre o ato venéreo – pelo qualse transmite o pecado original –do que sobre os outros atoshumanos. De forma análoga,permite Ele que um númeromuito maior de atos de bruxariaseja praticado por intermédio deserpentes – que se sujeitam maisaos encantamentos do que osoutros animais –, por terem seconstituído no primeiroinstrumento do Diabo. Assim éque o ato venéreo se vê, pelasbruxarias, muito mais

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comprometido nos homens quenas mulheres, conformedeixamos bem claro. E são cincoas maneiras pelas quais o Diaboconsegue impedir o atoprocriativo, todas perpetradasmais facilmente contra oshomens.

Na medida do possível,havemos de especificar osremédios a serem aplicadoscontra cada tipo de malefícioobstrutor; e que o enfeitiçado emsuas faculdades procriadoras

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aponte a que classe de obstruçãopertence. Pois são em número decinco, de acordo com Pedro dePalude em seu quarto livro, dist.34, que trata do julgamentodessa espécie de bruxaria.

Por ser o Diabo um espírito,possui, por sua própria naturezae com a permissão de Deus,poderes sobre as criaturascorpóreas, sobretudo o depromover ou impedir omovimento local. Mediante essepoder é capaz, juntamente com

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todos os Demônios, de impedir aaproximação dos corpos dehomens e mulheres entre si, oradireta, ora indiretamente.Diretamente, quando afastamum corpo do outro e não lhespermitem aproximarem-se.Indiretamente, quando causamalguma espécie de obstrução, ouquando, ao assumiremdeterminada forma corpórea, seinterpõem entre os corposhumanos. Foi o que ocorreuàquele jovem pagão que, embora

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já casado com um ídolo, veio acontrair casamento com umajovem, com quem, por essemotivo, não conseguia copular,conforme mostramosanteriormente.

Em segundo lugar, o Diabo écapaz de inflamar os desejos deum homem para com umamulher e de torná-lo impotentepara com outra; e isso é capaz defazer sigilosamente, pelaaplicação de certas ervas ou deoutras substâncias cujas

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propriedades, para atingir essepropósito, ele conheceperfeitamente bem.

Em terceiro lugar, é capaz deperturbar a percepção de umhomem ou de uma mulherfazendo com que um pareçarepelente ou horrendo ao outro,graças, conforme demonstramos,ao seu poder de influenciar aimaginação.

Em quarto lugar, é capaz desuprimir o vigor do membro viriltão necessário à procriação,

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exatamente como é capaz deprivar qualquer órgão do poderde moção local.

Em quinto e último lugar, écapaz de impedir o fluxo desêmen para o membro (onde agecomo força motriz), ocluindo,por assim dizer, o ducto seminal,impedindo que tal fluxo desçaaos vasos genitais, ou impedindoque deles não torne a refluir, ouque não possa ser expelido, ouque o seja em vão.

Mas ao homem que diz não

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saber por qual dessas formas foienfeitiçado, a não ser que nadaconsegue fazer com sua esposa,esse há de responder da seguintemaneira. Se for ativo e capaz comrelação a outras mulheres masnão o for apenas com a esposa,há de estar padecendo de mal dosegundo tipo; pois pode tercerteza (quanto ao primeiro) queestá sendo iludido por Demôniossúcubos ou íncubos. Além domais, se não achar repelente aprópria mulher e, mesmo assim,

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não conseguir manter relaçãocarnal com ela, salvo com outrasmulheres, uma vez mais omalefício que sobre ele se abate édo segundo tipo; no entanto, sealém de não conseguir copularcom sua mulher ainda aconsiderar repelente, tratar-se-áde malefício do segundo e doterceiro tipos. Se não a julgarrepelente e desejar com elacopular, mas não tiver potênciano membro, teremos ummalefício do quarto tipo. Mas se,

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embora potente, não conseguir aemissão de sêmen, tratar-se-á debruxaria do quinto tipo. Paracurar-lhes todos esses malefíciossão vários os recursos, que serãoindicados ao considerarmos se osque vivem em estado e os quenão vivem nesse estado sãoigualmente propensos a essasbruxarias. Havemos de responderque não são, com exceção feitaao quarto tipo, mas mesmo assimmuito raramente. Pois umaaflição dessa natureza pode

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ocorrer ao que vive na graça e naprobidade, embora seja misterque o leitor entenda estarmosfalando do ato conjugal entrepessoas casadas; já que emqualquer outra situação todosestão igualmente sujeitos a essasbruxarias; pois o ato venéreo forado matrimônio é pecado mortal,cometido apenas pelos que nãose encontram em estado degraça.

Temos, na realidade, a apoiarnossa opinião, a autoridade de

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todo o texto escriturístico, ondese ensina que Deus permite aoDiabo mais afligir aos pecadoresdo que aos justos. Pois que,embora Jó, homem justíssimo,tenha sido atingido pelomalefício, não o foi direta ouparticularmente com relação àfunção procriadora. É possívelafirmar que, quando um casal éafligido por esse mal, um doscônjuges, ou ambos, não deveestar vivendo em estado degraça; opinião, aliás,

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consubstanciada nas Escrituraspela autoridade e pela razão. Poisque o anjo disse a Tobias: “Ouve-me, e eu te mostrarei sobre quemo Demônio tem poder: são osque se casam, banindo Deus deseu coração e de seupensamento, se entregam à suapaixão...” O que foi provado peloassassínio dos sete maridos davirgem Sara.

Cassiano, em seu Colação dospadres, cita Santo Antônio, quediz não ser o Demônio capaz de

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adentrar em nosso intelecto ouem nosso corpo se estes não seacharem privados de todos ospensamentos virtuosos edespidos da contemplaçãoespiritual. Tais palavras nãodevem ser aplicadas às afliçõesdemoníacas sobre a totalidade docorpo, pois quando Jó foi afligidopelo mal não se havia despido dagraça divina. Tais palavras dizemrespeito, sobretudo, a certasenfermidades particulares que seabatem sobre o corpo por causa

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de algum pecado. E aenfermidade que estamosconsiderando só pode seratribuída ao pecado daincontinência. Porque, comodissemos, Deus concede maispoderes ao Diabo sobre esse atohumano, o venéreo, do quesobre quaisquer outros, emvirtude de sua obscenidadeinerente e de ter sido atravésdele que se transmitiu o pecadooriginal à posteridade. Portanto,quando as pessoas unidas pelo

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matrimônio são, por algumpecado, privadas do amparodivino, Deus permite que sejamenfeitiçadas, mormente em suasatividades de procriação.

Mas a quem indagar de queespécie são esses pecados há dese responder, com São Jerônimo,que mesmo dentro do estadomatrimonial é possível cometer opecado da incontinência, devárias maneiras. Vide o texto: “Oque ama em excesso a sua esposaé adúltero.” E os que assim

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amam, mais propensos estão àsbruxarias de que falamos.

Pois bem, os remédiosoferecidos pela Igreja são denatureza dúplice: há os que seaplicam aos tribunais públicos ehá os que se aplicam aostribunais eclesiásticos.

Sob o primeiro aspecto,quando se descobriupublicamente ser a impotênciacausada por bruxaria, cabe fazerdistinção entre a impotênciatemporária e a permanente. Em

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sendo apenas temporária, nãoanula o contrato matrimonial. Éconsiderada temporária quando,no prazo de três anos, mediantetodos os expedientes possíveisdos Sacramentos da Igreja emediante outros remédios, seconsegue a cura. Se, no entanto,transcorrido esse tempo, a curanão for conseguida, presume-seque seja permanente.

Ora, essa incapacidade podeser precedente ao contrato e àconsumação do matrimônio –

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caso em que impossibilita ocontrato –, ou pode ser ulteriorao contrato matrimonial, mas lheprecedendo a consumação – casoem que o anula. Não raro são oshomens enfeitiçados dessa formapor terem repudiado as antigasamantes. Frustradas em seudesejo de casamento, fazemalguma bruxaria para que nãoconsigam copular com outramulher. E nessa eventualidade,segundo a opinião de muitos, omatrimônio já contraído é

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anulado, salvo quando, aexemplo da Virgem Santíssima ede São José, os cônjuges semostrem dispostos a conviver emsagrada continência. Tal opiniãoé corroborada pelo textocanônico (23, q. 1), onde se dizser o matrimônio confirmadopelo ato carnal. Em passagemmais à frente é declarado que aimpotência antes da confirmaçãodissolve os laços matrimoniais.

Ou, então, a incapacidade sesegue à consumação do

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matrimônio, caso em que não lhedissolve os laços. A esse respeitomuito mais falam os doutores daIgreja nos vários textos em quetratam da obstrução matrimonialpor bruxaria; como, porém, taisobservações não sãoprecisamente relevantes à nossaexposição, serão aqui omitidas.

No entanto, algumas pessoaspodem não entender bem de quemodo é possível a um homem serimpotente com relação a umamulher e não com relação a

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outra. Pois bem, São Boaventuraesclarece que isso se dá talvezporque alguma bruxa tenhapersuadido o Demônio a sócausar impotência para comdeterminada mulher, ou talvezporque Deus tenha permitidoque assim o fosse. O julgamentode Deus a esse respeito é ummistério, como no caso da esposade Tobias. Mas o modo pelo qualo Diabo consegue causar essemal está perfeitamentedemonstrado pelo que já

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dissemos. Acrescenta ainda SãoBoaventura que ele impede afunção procriadora nãointrinsecamente, lesando oórgão, mas extrinsecamente,impedindo o seu uso; trata-se deum impedimento artificial, nãode uma obstrução natural; edessa forma lhe é possível fazercom que ocorra no desempenhocom uma mulher mas não comoutra. Ou então o Diaboneutraliza todo o desejo por essaou por aquela mulher; o que faz

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por seus próprios poderes, ou pormeio de alguma erva, ou dealguma pedra, ou de algumacriatura oculta. Nesse ponto SãoBoaventura concordasubstancialmente com o que dizPedro de Palude.

Sob o aspecto eclesiástico, vê-se que o remédio no tribunal deDeus se acha estabelecido noCânon: “Se com a permissão dojulgamento secreto e justo deDeus, mediante as artes mágicasdos feiticeiros e das bruxas,

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forem os homens enfeitiçados emsua função procriadora, hão deser advertidos para fazerem umacompleta confissão a Deus e Seuconfessor de todos os seuspecados, com contrição em seucoração, e com humildade emseu espírito; e que prestemsatisfação a Deus mediantemuitas lágrimas, grandesoferendas, repetidas orações eprolongado jejum.”

Depois de ouvirmos essaspalavras é evidente que tais

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aflições promanam tão somentedo pecado e só ocorrem aos quenão vivem em estado de graça. Otexto canônico prossegueexplicando como os ministros daIgreja podem realizar a cura pormeio de exorcismos e como segarantem as outras proteçõesoferecidas pela Igreja. Foi dessemodo que, com a ajuda de Deus,Abraão curou, com suas orações,Abimelec, sua mulher e suasservas (Gênesis, 20).

Podemos dizer, em

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conclusão, que são em númerode cinco os remédios lícitos aserem aplicados aos que padecemdessa espécie de malefício: o daperegrinação ou romaria a algumlugar sagrado, a algum santuário;o da confissão sincera, de todosos pecados, em contrição; o douso em abundância do sinal dacruz e da oração com devoção; odo exorcismo lícito mediantepalavras solenes, cuja naturezaserá explicada adiante; e, por fim,o da aproximação prudente da

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bruxa que perpetrou o mal, comomostramos no caso do conde quedurante três anos viu-se privadoda coabitação carnal com avirgem a quem desposara.

CAPÍTULO III

Dos remédios prescritosaos que, por bruxaria, sãoinflamados pelo amordesregrado ou pelo ódioinsano.

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Na mesma medida em que a

faculdade procriadora pode servítima de magia maléfica, afaculdade anímica do serhumano pode se ver dominadapelo amor ou pelo ódiodesmesurados. Havemos,primeiro, de considerar a causadesse mal, para depois, namedida do possível, passar aosremédios.

A Philocaption, ou o amordesmedido de uma pessoa por

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outra, pode ser causada de trêsmaneiras. Por vezes se devesimplesmente à falta de controlesobre os olhos; outras, se deve àtentação do Demônio; ainda emoutras, se deve à magia maléficade necromantes e de bruxas,ajudadas pelos Demônios.

Da primeira causa nos fala ISão Tiago, 14, 15: “Todo homemé tentado por sua própriaconcupiscência, sendo por elacarregado e seduzido. Depois deconcebida, gera o pecado; mas o

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pecado, depois de consumado,gera a morte.” E foi assim queocorreu a Siquém: vendo Diná,que saía para ver as filhas daregião, raptou-a e dormiu comela, violentando-a. E seu coraçãoa ela prendeu-se...” (Gênesis,34). Nesse ponto diz a glosa quetal aconteceu a um espíritoenfermo porque ela abandonousuas próprias preocupações parair tratar da de outras pessoas; ealma que assim se porta éseduzida por maus hábitos e

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levada a consentir em práticasilícitas.

A segunda causa se acha natentação dos Demônios. Foiassim que Amnon viu-se tomadode amor por sua linda irmãTamar, e por ela se consumia detal modo que acabou doente (IISamuel, 13). Ora, Siquém nãohaveria de ter um intelecto tãocorrupto a ponto de cometercrime de incesto tão hediondosem que não tivesse sidoviolentamente tentado pelo

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Diabo. O livro dos santos padresfaz referência a esse tipo de amorna passagem em que declaramestar expostos a toda sorte detentação, inclusive a do desejocarnal, mesmo nos eremitérios.Alguns foram tentados com oamor passional das mulheresmais do que seria possívelimaginar. Afirma São Paulo emII Coríntios, 12: “Foi-me dadoum espinho na carne, um anjode Satanás, para me esbofetear.”A passagem refere-se, segundo a

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glosa, à tentação pela lascívia.Pois bem, diz-se que quando

um homem não cede à tentação,não comete pecado, só fazexercitar a sua virtude; mas quese entenda tal assertiva comrespeito à tentação do Demônio,não à da carne; pois que esta épecado venial, mesmo quando ohomem a ela não cede. Existemmuitos exemplos a esse respeito.

Da terceira causa – quando aPhilocaption é causada porbruxaria – tratamos

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exaustivamente nas Questões daParte I e mostramos, mediantevários exemplos, que isso épossível. Na realidade, essa é aforma mais geral e maisconhecida de bruxaria.

Mas cabe aqui levantar umadeterminada questão. Pedro foiacometido por uma paixãodesenfreada, que corresponde àpor nós descrita, mas não sabe aque atribuí-la: se à primeira, àsegunda ou à terceira causa. Émister que se diga que, por obra

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do Diabo, o ódio pode serinsuflado entre os cônjuges,levando ao crime de adultério.Mas de que nos serviria passar atratar dos remédios para aquelescujo desejo lascivo não temremédio? Para os que se achamtão afeitos à luxúria e ao desejocarnal que nada os faz desistir dopecado? Nem a vergonha, nemas palavras, nem a repreensãoviolenta? Para os que repudiam alinda esposa e se entregam à maisrepelente das mulheres, e que

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por esta não dormem à noite evão, por caminhos distantes etortuosos, na sua demência, à suaprocura? E que remédio haveriapara os nobres, para osgovernantes, para os poderosos,que são de todos os miseráveis osque mais miseravelmente seentregam a essa espécie depecado? (Pois vivemos numa eradominada pelas mulheres, comofoi vaticinado por SãoHildegardo, conforme noslembra Vicente de Beauvais em

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seu Espelho da história – emboratenha dito que não haveria deperdurar tanto tempo quantovem perdurando.) E quandovemos o mundo mergulhado noadultério que tem sua hegemoniasobretudo entre os de berçonobre, quando tudo isso é levadoem conta, de que nos havia deajudar falar em remédio para oque não tem remédio? Mesmoassim, para satisfação do leitorpiedoso, havemos de descrever,brevemente, alguns dos remédios

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contra a Philocaption quandonão causada por bruxaria.

Avicena faz menção a seteremédios que podem ser usadosquando um homem adoecefisicamente por causa dessaespécie de amor; embora nãosejam diretamente relevantes ànossa investigação, podem terutilidade contra essa doença daalma. Diz esse autor, no livro III,que a raiz da doença pode serdescoberta pelo exame do pulsoenquanto se pronuncia o nome

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do objeto do amor ou da paixãodo paciente; e então, se a leipermitir, poderá casar-se com elae assim ser curado, cedendo ànatureza. Outra possibilidadeestá em fazê-lo usar certosmedicamentos, sobre os quais oautor dá várias instruções. Umaterceira possibilidade está emdesviar o doente, por meioslícitos, de seu objeto de amorpara outro objeto, de maior valia.Ou, ainda, se pode fazê-lo evitara presença do ente, objeto de

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amor, afastando-o assim de seuspensamentos. Pode também, seestiver disposto a corrigir-se, seradvertido e admoestado de que oefeito daquele amor será suamaior desgraça. Pode, ademais,ser orientado por alguém que,dentro da verdade de Deus,venha a difamar o corpo e aíndole da pessoa amada,ensombrecendo-lhe o caráter detal sorte que lhe pareça criaturadesprezível e disforme. Ou, porfim, pode-se levá-lo à execução

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de árduas tarefas que venhamdistrair seus pensamentos.

De fato, da mesma maneiraque a natureza animal dohomem pode ser curada por taisremédios, o seu espírito interiorpode ser corrigido por eles. Queo homem obedeça às leis de seuintelecto e não às de suanatureza, que volte o seusentimento amoroso para osprazeres com prudência, que nãose esqueça de quão fugaz é afruição da luxúria e de quão

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perene é o castigo, que busquepelo prazer naquele tipo de vidaem que as alegrias hão deperdurar para sempre, e quepondere, ao afeiçoar-se a algumamor terreno, tão só nele estarásua recompensa, pois queperderá a bem-aventurança dosCéus e será condenado ao fogoeterno: que não se esqueçajamais das três perdasirreparáveis que promanam dalascívia desenfreada.

Com relação à Philocaption

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causada por bruxaria, osremédios especificados nocapítulo precedente podemtambém ser utilizadosconvenientemente; sobretudo osexorcismos através das palavrassagradas que o paciente podeempregar por si próprio. Queinvoque diariamente o anjo daguarda, o qual lhe é oferecidopor Deus, que use da confissão eque frequente os santuários, dossantos e, sobretudo, os daVirgem Santíssima, pois, sem

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dúvida, há de ser livrado do mal.Mas quão abjetos são aqueles

homens vigorosos que,desprezando seus dons naturais ea couraça da virtude, abrem aomal a guarda, enquanto asmoças, na sua invencívelfragilidade, fazem uso das armaspor eles desprezadas para repeliressa espécie de bruxaria.Contaremos em seu louvor umde muitos exemplos existentes.

Havia num lugarejo dointerior, perto de Lindau, na

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diocese de Constance, uma lindadonzela cuja beleza dos traçosera ainda mais realçada pelaelegância dos gestos, e por quemcerto libertino, na verdade umclérigo, embora não sacerdote,viu-se acometido de violentasdores de amor. Não conseguindomais aplacar o sofrimentocausado pela ferida aberta emseu coração, resolveu o homemprocurá-la onde trabalhava. Compalavras ternas, acabou porconfessar-lhe que caíra numa

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armadilha do Demônio, logoousando um pouco mais, paraver se ela lhe corresponderia aoarroubo da paixão. Mas a moça,de alma e corpo imaculados,percebendo pelo instinto divinoas suas intenções, respondeu-lhecom firmeza:

– Senhor, não me venhasprocurar, em minha casa, comtais palavras, pois que o decoro oproíbe de falar assim.

Ao que o homem replicou:– Pois saibas que se as

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minhas palavras não teconvencem a me entregares o teuamor, juro-te que logo os meusatos te convencerão.

Ora, sobre aquele homempairava uma suspeita: a de serum mago, um encantador.Contudo, a donzela não deu amenor importância às suaspalavras e durante algum temponão sentiu sequer uma centelhade desejo por ele. Porém, numdeterminado dia, começou a terpensamentos de amor carnal.

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Percebendo o que ocorria, einspirada por Deus, buscou aproteção da Mãe de Misericórdiae, piedosamente, implorou-lheque intercedesse a Seu Filho emseu socorro. Ansiosa, ademais,por desfrutar da sociedade dosdevotos, juntou-se a umaromaria que se dirigia a umeremitério, onde, naqueladiocese, havia uma igrejamiraculosamente consagrada àMãe de Deus. Lá chegando,tratou de confessar os pecados

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para que nenhum espírito do mala afligisse. E eis que, depois demuitas orações à Mãe dePiedade, todas as maquinaçõescontra ela articuladas pelo Diaboacabaram por cessar e, desdeentão, nunca mais viu-se afligidapelas artimanhas demoníacas.

No entanto, há tambémhomens fortes que sãocruelmente enfeitiçados porbruxas com essa espécie de amor,a tal ponto que lhes parece nuncamais serem capazes de se livrar

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do desejo lascivo por elasmanifestado. Apesar disso, vê-seque virilmente resistem àtentação das seduções lúbricas eobscenas e, mediante as defesasjá citadas, suplantam todos osardis malévolos do Diabo.

Temos um exemplo notáveldesse tipo de luta no caso de umhomem, jovem e rico, da cidadede Innsbruck. Era de tal formaimportunado pelas bruxas que épraticamente impossíveldescrever com a pena suas

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dificuldades, mas que,perseverando sempre combravura em seu coração, escapoudo mal graças aos remédios deque já falamos. Há de seconcluir, portanto, e com justeza,que esses remédios são mesmoinfalíveis contra essa doença, eaqueles que os utilizam comoarmas hão de ser, certamente,curados.

Ademais, é mistercompreender que aquilo queacabamos de dizer sobre o amor

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desregrado também se aplica aoódio insano, pois a mesmadisciplina é benéfica contra essesdois polos opostos. No entanto,embora a bruxaria seja de igualmagnitude nos dois casos, háuma diferença: a pessoa queodeia há de buscar também umoutro remédio. Porque o homemque odeia a sua mulher e aexpulsa de seu coração nãoretornará para ela, se for umadúltero, com tanta facilidade,mesmo que a muitos se junte

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numa romaria.Ora, contam-nos as bruxas

que causam esse malefício doódio por meio de serpentes; poisa serpente foi o primeiroinstrumento do Diabo e devido àsua maldição é a herdeira doódio das mulheres. Portanto, asbruxas causam tais malefícioscolocando a pele ou a cabeça deserpentes debaixo da soleira daporta dos quartos ou das casas.Por essa razão, todos os cantos eescaninhos da casa onde vive tal

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mulher hão de serminuciosamente examinados ereconstruídos, na medida dopossível; ou, em vez disso, apessoa deverá ser acomodada nacasa de outros.

E quando é dito que oshomens enfeitiçados podemexorcizar a si mesmos, referimo-nos aos amuletos e talismãs, compalavras sagradas, bênçãos oufórmulas mágicas, que podemusar pendurados ao pescoço,quando não as sabem ler ou

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pronunciar; mas havemos demostrar mais adiante como issodeve ser feito.

CAPÍTULO IV

Dos remédios prescritosaos que, por arteprestidigitatória, perderamo membro viril ou aosque, aparentemente,foram transformados embestas.

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Em páginas precedentes já

mostramos claramente osremédios existentes para o alíviodos que julgam ter perdido omembro viril e dos que foramtransmutados em animais. Poisesses homens veem-setotalmente destituídos da graçadivina e por isso, emconformidade com a condiçãoessencial dos assim enfeitiçados,não é possível aplicar-lhes obálsamo curativo enquanto o

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instrumento que fere aindapersistir na ferida. Portanto,antes de mais nada, hão de sereconciliarem com Deusmediante salutar confissão.Tornamos a frisar, conformedemonstramos no capítulo VII,da Questão I, da Parte II, que omembro nunca é de fatoremovido do corpo, e sim apenasocultado dos sentidos da visão edo tato. Os que vivem na graça,claro está também, não são assimtão facilmente enganados, seja

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ativa, seja passivamente – emoutras palavras: iludidos de queperderam o próprio membro oude que outro homem o perdeu. Enaquele capítulo explicamos adoença e o seu tratamento, qualseja, que devem entrar emacordo amigável com a própriabruxa para que lhes restitua omembro.

Aos que se julgamtransformados em animais, valeressaltar que é malefício maispraticado nos países orientais que

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nos ocidentais; ou seja, as bruxasorientais enfeitiçam as pessoasdessa forma maisfrequentemente, enquanto queaqui, no lado ocidental domundo, parecem ser as própriasbruxas as que assim setransformam com maiorfrequência; quer dizer,transformam-se à vista daspessoas em vários animais,conforme relatamos no capítuloVIII. Portanto, nesses casos, osremédios a serem usados são

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indicados na Parte III desta obra,onde tratamos do extermínio dasbruxas pelo braço secular da lei.

Contra essa espécie de ilusão,porém, os orientais usam oseguinte remédio. Muitoaprendemos a esse respeito comos Cavaleiros da Ordem de SãoJoão de Jerusalém, em Rodes;especialmente com o casoocorrido na cidade de Salamis,no reino de Chipre, e quepassaremos a contar.

Salamis é um porto marítimo.

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De lá costumam partirembarcações abarrotadas demercadorias para terraslongínquas. Antes de zarpar, astripulações tratam de prover-sede todos os víveres emantimentos necessários para aslongas viagens. Aconteceu,então, de um dos homens dacompanhia, de porte robusto evigoroso, antes de embarcar comseus companheiros, ir comprarovos de uma mulher cuja casaficava bastante afastada do

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litoral. Lá chegando, foi logoindagando à mulher se não teriaa mercadoria que tanto desejava.A mulher, vendo que se tratavade um jovem e forte mercadorvindo de uma terra distante,começou a maquinar um planodiabólico: os moradores dacidade não haveriam de nadasuspeitar se, por algum malefício,o levasse à perdição e ao maucaminho.

– Espera um pouco que vouarranjar o que queres – disse-lhe

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então.E, fechando a porta, deixou-o

ali postado, esperando. Ohomem, com receio de perder onavio, gritou-lhe, lá de fora, paraque se apressasse. Então,retornou a mulher com os ovos, eao entregá-los a ele aindaacrescentou:

– Vai depressa, para não teperderes de teus companheiros.

O mercador voltourapidamente ao porto, mas, ao láchegar, viu que a tripulação

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ainda não retornara. Parandopara descansar, decidiu comeralguns dos ovos frescos quecomprara da mulher. Mas eisque, uma hora depois de comê-los, percebeu que já não tinhamais forças para falar: ficaracompletamente mudo. Pôs-se aimaginar, então, o que lhe teriaacontecido, sem atinar no queera. Contudo, ao tentar subir abordo, foi rechaçado a varadaspelos tripulantes que ainda ali seachavam e que o repeliam aos

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gritos:– Vejam o que esse asno está

fazendo! Maldito animal! Não odeixem subir a bordo!

Foi então que o pobrehomem entendeu que otomavam por um asno. Depoisde muito refletir, suspeitou tersido enfeitiçado pela mulher,sobretudo porque não conseguiadizer palavra, emboracompreendesse tudo o que osoutros falavam. E quando, aotentar subir a bordo mais uma

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vez, viu-se repelido a varadasainda mais violentas, percebeu,com profunda amargura, queteria de ficar ali, vendo o navioque, já com as velas enfunadas,se afastava da costa. Depois devagar aqui e acolá, pois todosviam nele um asno, foi tomadopela compulsão de voltar à casada mulher, onde, para manter-ser vivo, viu-se forçado a atenderaos seus desejos por três anos,sem trabalhar a não sertransportando a lenha e o trigo

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para casa e que a tudo conduziacomo besta de carga. Seu únicoconsolo era que, embora todas aspessoas o julgassem um asno, aspróprias bruxas quefrequentavam a casa,separadamente e em grupos,reconheciam-no como homem ecom elas podia conversar e secomportar como um homem.

Cabe perguntar agora de quemodo eram as cargas colocadassobre ele como se de fato fosseuma besta. É preciso dizer que o

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caso é análogo ao contado porSanto Agostinho em De CiuitateDei, oitavo livro, 17º capítulo,onde fala de uma taverneira quetransformou os hóspedes embestas de carga; e àquele do paide Prestantius, que também sejulgava um burro de carga etransportava trigo junto comoutros animais. Pois que é tríplicea ilusão causada por esseencantamento.

Primeiro, por seu efeito sobreos homens, que veem a pessoa

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não como homem mas comoasno; mostramos no capítulo VIIIde que forma são capazes osDemônios de provocar essefenômeno. Segundo, porque ascargas carregadas não eramilusão e, quando em pesoultrapassavam a capacidade dohomem, o Diabo, invisivelmente,as carregava. Terceiro, porque,quando se relacionava comoutros, o jovem se julgava umasno, ao menos nas suasfaculdades imaginativas e

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perceptivas, que pertencem aórgãos do corpo, mas não na suarazão, sabia que era um homem,embora por magia se imaginasseuma besta. Nabucodonosor dáum exemplo do mesmo delírio.

Depois de passar três anosdessa forma, já no transcorrer doquarto ano, aconteceu, certamanhã, de o jovem ir até acidade, seguido de longe pelamulher; ao passar defronte auma igreja, onde estava sendocelebrada a Santa Missa, ouviu o

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tocar da sineta à elevação dahóstia (pois naquele reino amissa é celebrada segundo atradição latina, e não segundo atradição grega). Voltou-se emdireção à igreja e, não ousandonela entrar por receio de serenxotado a pancadas, ajoelhou-se dobrando suas patas traseiras.Ergueu então, unidas, as patasdianteiras por sobre a cabeça deasno, por assim dizer, e ficoucontemplando a elevação doSacramento. Dois mercadores

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genoveses viram o prodígio e,atônitos, resolveram seguir oasno, comentando, admirados,aquela maravilha. E, vejam!,surgiu a bruxa e tratou deespancar o asno com a sua vara.Como dissemos, essa espécie debruxaria é mais bem conhecidanaquelas regiões. Assim, àinsistência dos mercadores, oasno e a bruxa foram levados àpresença do juiz. No tribunal,depois de interrogada etorturada, a bruxa confessou o

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crime e prometeu restituir aojovem a sua verdadeira forma,desde que a deixassem voltarpara casa. Foi, por fim, mandadaembora para que restituísse aojovem a sua antiga forma. Maistarde, tornou a ser capturada epagou o débito merecido pelosseus crimes. Só então pôde ojovem retornar, feliz, para o seupaís de origem.

CAPÍTULO V

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Dos remédios prescritos para osobcecados por algum malefício.

Mostramos no capítulo X da

Questão precedente que, àsvezes, os Demônios, mediantebruxaria, passam a habitar, emsubstância, o corpo de algunshomens. Por que assimprocedem? Ora por algum crimecometido pela própria vítima epara o seu derradeiro benefício;

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ora por alguma falta leve dealgum outro homem; ora poralgum pecado venial cometidopela vítima; ora ainda pelopecado grave cometido por outrohomem. Por qualquer dessasrazões pode o homem serpossuído, em grau variável, poralgum Demônio. Nider, em seuFormicarius, afirma não havermotivo de espanto quando osDemônios, à solicitação debruxas e com a permissão deDeus, se apossam de um homem.

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Clara está também, pelospormenores apontados naquelecapítulo, qual a espécie deremédios a serem usados paralivrar esses homens: osexorcismos da Igreja junto com aconfissão e a contrição sincerasquando um homem é possuídopor algum pecado mortal quetenha cometido. O exemplo dadofoi o da libertação do padre daBoêmia. Mas há também trêsoutros remédios que são degrande valia: a santa comunhão

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da Eucaristia, a visita a santuárioscom a oração de homens santos ea prescrição da sentença deexcomunhão. Desses remédioshavemos de falar, pois que,embora estejam perfeitamenteestabelecidos nos livros dosdoutores, muitos não têm fácilacesso aos tratados necessários.

Cassiano, na sua Colação dosabades, fala nesses termos daEucaristia: “Não temoslembrança de que nossosantepassados tenham proibido a

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administração da santacomunhão aos possuídos porespíritos do mal; convémministrar-lhes a comunhão tododia, se possível. Pois se há deacreditar que é de grande poderna purgação e proteção da alma edo corpo; e o homem que arecebe vê afastado de si, como sefosse queimado pelo fogo, oespírito maligno que aflige seusmembros ou neles se esconde.Vemos, por fim, que o abadeAndrônico foi curado dessa

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forma; e o Diabo esbravejará cominsana fúria ao sentir-se barradopelo medicamento celestial etentará com mais veemência ecom mais frequência infligir suastorturas ao sentir-se repelido poresse remédio espiritual. Assimdiz São João Cassiano.

E acrescenta ainda: “Em duascoisas se deve acreditarfirmemente. Primeiro, que sem apermissão de Deus ninguém épossuído por esses espíritos.Segundo, que tudo o que Deus

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permite acontecer a nós, pareça-nos motivo de pesar ou dealegria, nos é enviado para nossopróprio bem, como se fosse ogesto de um pai piedoso, ou deum médico misericordioso. Poisos Demônios são, por assimdizer, professores da humildade,de sorte que os que neste mundodecaem possam ser ou purgadospara a vida eterna ousentenciados com o sofrimentopara seu castigo, e esses, segundoSão Paulo, são entregues a

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Satanás na vida presente paraque seu espírito possa ser salvono dia do Advento de NossoSenhor Jesus Cristo.

Mas surge então uma dúvida,pois diz São Paulo: “Que umhomem se examine para quepossa comer do Pão.” Assimsendo, como pode um homempossuído comungar, já que nãoestá no uso de sua razão? SantoTomás responde a essa perguntaao afirmar que existem três tiposde loucura. Porquanto declara

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que quando um homem não fazuso de seu juízo pode significarduas coisas: ou apresenta algumadebilidade em seu juízointelectual, como ocorre quandoalguém se julga cego quando, noentanto, é capaz de enxergarperfeitamente (e como essehomem é capaz, em certamedida, de se juntar aos demaisna devoção aos Sacramentos, nãose há de negá-los a ele); ou élouco desde o nascimento, casoem que não poderá receber o

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Sacramento, já que não há comoo preparar para tal. Pode ocorrer,no entanto, que a pessoa nãotenha estado sempre fora de seujuízo. Nessa eventualidade, se,quando sã, demonstrava gostarda devoção ao Sacramento,poderá recebê-lo na hora damorte, salvo se houver receio deque venha a vomitá-lo ou cuspi-lo.

A seguinte decisão foiadotada pelo Concílio de Cartago(26, q. 6). Quando um doente

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desejar se confessar, e à chegadado sacerdote já estiver mudo emvirtude de sua enfermidade, ouentrar em frenesi, os que oouviram antes devem dar seutestemunho. Se estiver à beira damorte, que seja o moribundoreconciliado com Deus,juntando-se-lhe as mãosestendidas e colocando-se oSacramento em sua boca. SantoTomás diz também que o mesmoprocedimento pode ser usado empessoas batizadas que se veem

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corporalmente atormentadas porespíritos impuros, e também empessoas mentalmentedesequilibradas. Acrescenta,ainda, no quarto livro, dist. 9,que a comunhão não deve sernegada aos possuídos, a menosque se tenha certeza de queestejam sendo torturados peloDemônio por algum crimecometido.

A isso aduz Pedro de Palude:“Nesse caso, são pessoas quemerecem ser excomungadas e

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entregues a Satanás.”De que forma os possuídos

podem ser livrados do mal pelasintercessões e orações dos santosé mostrado nas lendas dossantos. Pois que, pelos méritosdos santos, dos mártires, dosconfessores e das virgens, osespíritos do mal são subjugadospelas orações na região em quehabitam, assim como os santosem sua jornada terrena ossubjugaram.

Do mesmo modo, lemos que

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as orações piedosas dos viajantes,não raro, conseguem livrar domal os possuídos. Pois Cassianoexorta-os a orar por eles,dizendo: “Se acreditarmos ou,ainda melhor, se tivermos fé noque acabei de declarar – quetudo nos é enviado pelo Senhorpara o bem de nossas almas e oaperfeiçoamento do universo –,havemos de não desdenhar dospossuídos; pelo contrário, poreles havemos de orarincessantemente, como se o

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fizéssemos por nós próprios, e deapiedarmo-nos deles com todo onosso coração.”

Quanto ao último recurso, ode livrar o sofredor por meio daexcomunhão, cumpre fazer saberque se trata de condição rara, esó há de ser praticada pelos quetêm autoridade para tal e queestejam informados, pelarevelação, de que o homem estápossuído em virtude daexcomunhão da Igreja: tal foi ocaso do fornicador em I

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Coríntios, 5, excomungado porSão Paulo e pela Igreja eentregue a Satanás paradestruição de sua carne, para queseu espírito pudesse ser salvo nodia de Nosso Senhor Jesus Cristo;como diz a glosa, seja para ailuminação da graça pelacontrição, seja para julgamento.

E ele entregou a Satanásfalsos mestres que haviamperdido a fé, como Himeneu eAlexandre, para queaprendessem a não blasfemar (I

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Timóteo, 1). Pois tão grandiososeram o poder e a graça de SãoPaulo, diz a glosa, que por meraspalavras conseguia entregar aSatanás os que decaíam da fé.

Santo Tomás (IV, 18), arespeito dos três efeitos daexcomunhão, dá a seguinteexplicação. Se um homem, dizele, é privado das orações daIgreja, sofre de uma trípliceperda que corresponde aosbenefícios que advêm dacomunhão com a Igreja.

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Os excomungados sãodespojados da fonte de ondemana um fluxo crescente degraça para os que a possuem, ede um meio para obter a graçapara os que não a possuem; e,despojados da graça, perdemtambém o poder de preservar ahonestidade; embora não se váafirmar que estejamabsolutamente proibidos de seaproximarem da ProvidênciaDivina; veem-se privados apenasdaquela Providência especial que

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tão somente zela pelos filhos daIgreja; perdem, ademais, ummanancial poderoso de proteçãocontra o inimigo, pois que esterecebe maiores poderes paraafligir esses homens, em corpo eem alma.

Pois na Igreja primitiva,quando os homens tinham de sertrazidos à fé por sinais, o EspíritoSanto se fez manifestar medianteum sinal visível, da mesma formaque a aflição corporal era o sinalvisível do homem que fora

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excomungado. E não é sempropósito que um homem cujocaso não seja dos maisdesesperadores deva ser entreguea Satanás; pois que é ao Demônioentregue não para a danaçãoeterna, mas para a sua correção,já que está nas mãos da Igreja opoder de, quando lhe aprouver,tornar a livrá-lo das mãos doDiabo. É isso o que diz SantoTomás. Portanto, a excomunhão,quando usada como exorcismo àparte, é excelente remédio para

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os possuídos.Mas Nider insiste em que o

exorcista deve ter particularcuidado para não usar de seuspoderes com excessiva presunçãoe para não misturar com a sériaobra de Deus certas irreverênciasou certos gestos, ou quaisquerelementos de superstição ou debruxaria; caso contrário,dificilmente escapará da punição,conforme nos mostra o seguinteexemplo.

O abençoado São Gregório

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conta, no seu primeiro diálogo, ocaso de uma mulher que, contraa sua consciência, cedeu apersuasões do marido paraparticipar das cerimônias davigília da consagração da igrejade São Sebastião. E por ter sejuntado à procissão da Igrejacontra a sua consciência, ficoupossuída e começou a esbravejarem público. Quando o sacerdotea viu naquele estado, tomou datoalha do altar e com ela cobriu-a; então, repentinamente, viu-se

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o sacerdote apossado peloDemônio. E por ter se atrevido air além de suas forças, foiconstrangido pelos seustormentos para que revelassequem era de fato. Assim diz SãoGregório.

E para mostrar que nenhumespírito obsedado se há depermitir ingressar no SantoOfício do exorcismo, Nider contater visto, em um mosteiro deColônia, um irmão que era dadoà galhofa, mas que era um

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famoso exorcista. Achava-se ofrade a expulsando o espíritodemoníaco de um possuído, nomosteiro, quando o Demôniopediu-lhe que indicasse um lugarpara onde ir. O irmão, divertidocom a pergunta, respondeu-lhe,brincando:

– Vai para a minha latrina.E assim o Demônio saiu. Mas

quando, à noite, quis o irmão ir àlatrina aliviar a barriga, o Diabo oatacou tão violentamente que foicom dificuldade que escapou

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com vida.Ora, os obsedados hão de ter

o devido cuidado para nãorecorrerem às bruxas para que oscurem. São Gregório prosseguecontando da mulher de quem hápouco falávamos: “Seus parentese os que a amavam na carnelevaram-na a certas bruxas paraque fosse curada. As bruxaslevaram-na a um rio e amergulharam na água commuitos encantamentos; aofazerem isso, viu-se a mulher

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violentamente sacudida e, emvez da expulsão de um Demônio,foi tomada por grande legiãodeles, ao mesmo tempo em quegritava com suas diversas vozes.Depois, seus parentes contaram oque haviam feito e, desolados,trouxeram-na para o santo bispoFortunato, que, medianteorações diárias e jejum, restituiu-lhe completamente a saúde.”

Mas, como já foi dito que osexorcistas devem cuidar para nãofazerem uso de nada que tenha

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ressaibo de superstição ou debruxaria, talvez o leitor possa terdúvida quanto à licitude do usode certas ervas ou de certaspedras consagradas. Em resposta,afirmamos que há de ser tantomelhor se forem as ervasconsagradas; caso contrário, noentanto, não é condutasupersticiosa usar umadeterminada erva chamadademonífuga, nem tampouco usardas propriedades naturais daspedras. Mas não há de pensar

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que esteja expulsando Demôniosgraças aos poderes desseselementos; pois assim incorreriano erro de achar que talvezpudesse usar outras ervas eoutros encantamentos de formaidêntica; este é o erro dasnecromantes, que se julgamcapazes de realizar essa espéciede obra mediante as virtudesnaturais e desconhecidas dessesobjetos.

Portanto, Santo Tomásdeclara, no quarto livro, sétimo

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dist., último artigo: “Não se háde acreditar que os Demôniosestejam subordinados aquaisquer poderes corpóreos; porisso mesmo não sofrem qualquerinfluência de invocações ou dequaisquer atos de feitiçaria, salvoquando entraram em pacto comalguma bruxa.” Disso fala Isaías,28: “Fizemos um pacto com amorte, dizeis vós, uma convençãocom a morada dos mortos.” E aoexplicar a passagem em Jó, 11:“Poderás tu fisgar Leviatã com

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um anzol?” E as palavrasseguintes. Diz o autor: “Setomarmos como certo tudo o quefoi dito antes, vai parecer quecabe à presunção herética dasnecromantes tentar um pactocom Demônios, ou submetê-losde qualquer forma à suavontade.”

Tendo, portanto, mostradoque o homem nada pode fazer,pelos seus próprios poderes, parasuplantar o Diabo, concluidizendo: “Coloca a tua mão

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sobre ele; mas entende: não éatravés de teus poderes que ovences, mas sim pela virtudedivina.” E aduz: “Lembra-te dabatalha que travei contra ela; ouseja, colocando no futuro opresente, hei de lutar contra elesobre a cruz, onde Leviatã há deser fisgado com um anzol, ouseja, pela divindade oculta sob aisca da humanidade, pois quepensará [ele] ser o nossoSalvador apenas um homem.” Eacrescenta depois: “Não há poder

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na Terra que ao dele seequipare.” Quer dizer, não hápoder corpóreo que possa serigualado ao poder do Diabo.Assim diz Santo Tomás.

Ora, um homem possuídopor um Demônio pode serindiretamente aliviado pelopoder da música, como foi Saulpela harpa de Davi, ou pelopoder de uma erva, ou pelo dequalquer outra substânciamaterial em que exista algumavirtude natural. Portanto, tais

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remédios podem ser usados, afavor do que se pode argumentarcom esteio na autoridade e narazão. Pois Santo Tomás, XXVI,7, diz que as pedras e as ervaspodem ser usadas para o alíviodo homem possuído por umDemônio. E há as palavras deSão Jerônimo.

E sobre a passagem emTobias, 6, onde o anjo diz:“Abre-o, e guarda o coração, ofel e o fígado, que servirão pararemédios mui eficazes. (...) Se

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puseres um pedaço do coração(do peixe que fisgastes) sobrebrasas, a sua fumaça expulsarátoda espécie de mau espírito,tanto do homem como damulher, e impedirá que elesvoltem de novo a eles.” Diz SantoTomás: “Não nos devemossurpreender com isso, pois afumaça de uma certa árvore, aoser queimada, possui a mesmavirtude, como se em si possuíssealgum senso espiritual, ou opoder da oração espiritual para o

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futuro.”São Alberto, em seu

comentário sobre Lucas, 9,Nicolas de Lira e Paulo deBurgos, ao comentarem sobre ISamuel, 16, têm a mesmaopinião. O último homiliastachega à seguinte conclusão: queseja permitido aos possuídos peloDiabo que possam não só seremlivrados, mas completamentelibertados através de elementosmateriais, entendendo que noúltimo caso não estejam

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molestados com muita fúria. Eprova o que diz pelo seguinteraciocínio: “Os Demônios nãosão capazes de alterar assubstâncias materiais de acordocom a sua vontade, apenascongregando agentescomplementares ativos epassivos, como diz Nicolas. Deforma análoga, certos objetosmateriais são capazes de causarno corpo humano umadisposição que os tornasuscetíveis à operação dos

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Demônios. Segundo a opiniãodos médicos, por exemplo, amania amiúde predispõe ohomem à demência, e,consequentemente, à obsessãodemoníaca. Portanto, se, nessecaso, for removido o agentepassivo predisponente, seráeliminada a aflição diabólicaativa.”

Sob esse ângulo, podemosconsiderar o fígado do peixe; e amúsica de Davi pela qual Saulfoi, primeiramente, aliviado de

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seu sofrimento e, depois,totalmente livrado do espíritomau; pois está escrito: “e oespírito mau o deixou.” Mas nãoestá consoante ao significado dasEscrituras dizer que tal tenhaocorrido pelos méritos ou pelasorações de Davi; as Escriturasnada falam a esse respeito e, semdúvida, falariam caso ofenômeno tivesse ocorrido poresse motivo. Esse raciocíniotomamos de Paulo de Burgos. Hátambém o motivo que alegamos

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na Questão V, da Parte I: queSaul foi libertado porque a harpaconfigurava a virtude da Cruz emque se achavam estendidos osMembros Sagrados do Corpo deCristo. E lá está escrito maisainda a esse respeito e que podeser considerado com a presenteindagação. Concluiremos, porém,dizendo que o uso de objetosmateriais nos exorcismos lícitosnão é prática supersticiosa. Econvém agora que passemos afalar dos próprios exorcismos.

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CAPÍTULO VI

Dos remédios prescritos,ou seja, dos exorcismoslícitos da Igreja, paratodos os tipos deenfermidades e malescausados por bruxaria; edo método de exorcizar osobsedados.

Já foi dito que as bruxas são

capazes de afligir os homens com

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toda sorte de enfermidadesfísicas; por conseguinte, pode-seconsiderar como regra geral queos vários remédios verbais oupráticos a serem aplicados contraessas enfermidades sãoigualmente aplicáveis a todas asdemais, como contra a epilepsia,a lepra, entre outras. E como osexorcismos lícitos são contadosjunto com os remédios verbais eos que mais consideramos, namaioria dos casos, podem sertomados como um tipo geral

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dessa espécie de remédios; a esserespeito há três elementos aserem ponderados.

Em primeiro lugar, devemosjulgar se a pessoa que não foiordenada como exorcista – umleigo, um clérigo secular – podeexorcizar licitamente osDemônios e as suas obras.Vinculadas a essa questãoacham-se outras três: primeira,em que constitui a legalidade oulicitude dessa prática; segunda,quais as sete condições a serem

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observadas quando se desejafazer uso em particular, privado,de encantamentos e de bênçãos;terceira, de que modo há de ser adoença exorcizada e o Demônioconjurado.

Em segundo lugar, devemosconsiderar o que há para fazerquando pelo exorcismo não seobtém qualquer graça salutar quecure o mal.

Em terceiro lugar, devemosconsiderar os remédios práticos enão os verbais; a par da solução

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de certos argumentos.Tratemos do primeiro

elemento a ser ponderado.Contamos com a opinião deSanto Tomás no quarto livro, 23ºdist. Afirma: “Quando umhomem é ordenado exorcista, ouem qualquer outra das ordensmenores, tem em si outorgado opoder do exorcismo em suacapacidade oficial; e esse poderpode, inclusive, ser usadolicitamente pelos que não oexercem na ordem, embora não

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o exerçam em sua capacidadeoficial. Da mesma forma, a missapode ser rezada numa casa nãoconsagrada, embora o exatopropósito da consagração de umaigreja seja o de que a missa possaser lá realizada; mas isso é maisem virtude da graça existente nahonestidade dos homens do quea do Sacramento.”

Por essas palavras havemosde concluir que, embora sejabom que na libertação de umapessoa enfeitiçada tenha havido

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recurso a fim de que umexorcista oficial a executasse, emcertas ocasiões, outros devotospodem, com ou sem qualquerespécie de exorcismo, livrar apessoa da enfermidade.

Sabemos da história de umavirgem pobre e muito devota quetinha um amigo que foigravemente enfeitiçado no pé, demodo que ficou claro para osmédicos que o rapaz não poderiaser curado através demedicamentos. Contudo, a

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virgem foi visitar o amigo doente,e imediatamente ele pediu-lheque benzesse o pé enfermo. Elaconsentiu e, silenciosamente,rezou um Pai-Nosso e o Credo,ao mesmo tempo em que fazia ovivificante sinal da cruz. Ohomem viu-se curado deimediato e, para que tivesse umremédio no futuro, perguntou àvirgem qual o encantamento queusara. Ela, contudo, respondeu:

– Tu tens pouca fé e nãosegues as práticas santas e lícitas

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da Igreja e muitas vezes fazes usode encantamentos e de remédiosproibidos contra tuas doenças;por esse motivo é que raramentetens saúde em teu corpo: porqueestá sempre doente da alma. Masse depositares tua confiança nasorações e na eficácia dossímbolos lícitos, verás que a curate chegará com facilidade. Poiseu nada fiz senão repetir o Pai-Nosso e o Credo Apostólico, eagora estás curado.

Esse exemplo traz à baila a

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questão da existência de eficáciaem outras bênçãos e em outrosencantamentos, e mesmo emconjuros por meio de exorcismo;pois que, por essa história,parecem condenados. Cabeexplicar que a virgem condenouapenas os encantamentos ilícitose os conjuros e exorcismosproibidos.

Para entendermos essaúltima questão é precisoconsiderar de que modo osexorcismos se originaram e de

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que forma passou-se ao seuabuso. Em sua origem, eramabsolutamente sagrados; porém,assim como todas as coisaspodem ser profanadas porintermédio de Demônios e dehomens perversos, também sãoprofanadas as palavras sagradas.Pois está escrito, Marcos, 15:“Expulsarão os Demônios emMeu nome, falarão novaslínguas, manusearão serpentes e,se beberem algum venenomortal, não lhes fará mal;

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imporão as mãos aos enfermos, eeles ficarão curados.” E, emépocas ulteriores, os padrespassaram a usar de ritossemelhantes; portanto, sãoencontrados hoje em dia emantigas igrejas orações piedosas eexorcismos santos que os homenspodem usar e a eles se submeter,quando tais homens semostrarem piedosos comocostumavam ser em épocaremota, sem qualquersuperstição; e hoje existem

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homens instruídos e doutores emteologia que visitam os doentes eusam tais palavras para curar nãosó as enfermidades demoníacasmas outras doenças também.

Mas, meu Deus! Vejam quecertas pessoas supersticiosas,inspiradas nesses exemplos,descobriram, por si próprias,muitos remédios vãos e ilícitosque atualmente empregam a fimde tratar dos homens e dosanimais doentes; os clérigos têmse mostrado muito indolentes no

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uso das palavras lícitas aovisitarem os doentes. A esserespeito, Gulielmus Durandus, ocomentarista de São Raimundo,declara que tais exorcismos lícitospodem ser usados por padresreligiosos e judiciosos, ou porleigos, ou até mesmo pormulheres de vida correta e decomprovado juízo oucircunspecção; pelo oferecimentodas orações lícitas aos doentes;não as pregando sobre as frutasou os animais, mas sobre os

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doentes. Porque diz o Evangelho:“Imporão as mãos aos enfermos(...)”, a menos que se tenhareceio de que, seguindo o seuexemplo, outras pessoas não tãocircunspectas e supersticiosasresolvam fazer uso indevido deencantamentos com o mesmofim. São esses adivinhossupersticiosos que a virgem dequem falávamos condenou, aoafirmar que os que a elesrecorriam revelavam a debilidadede sua fé.

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Ora, para elucidação dessamatéria pergunta-se de quemodo é possível saber se aspalavras usadas nessesencantamentos e nessas bênçãossão lícitas ou supersticiosas, deque modo devem ser usadas e,também, se o Diabo pode serconjurado e as doençasexorcizadas.

Pois bem: em primeiro lugar,o que é lícito na religião cristã é oque não é supersticioso; e o que ésupersticioso é o que está além

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da forma prescrita de religião.Basta ver o texto escriturísticoColossenses, 11: “Elas podem,sem dúvida, dar a impressão desabedoria, mas só servem parasatisfazer a carne [nasuperstição].” Sobre o que diz aglosa: “A superstição é a religiãosem disciplina, ou seja, a religiãoobservada por intermédio demétodos falhos, emcircunstâncias malévolas.”

Tudo o que a tradiçãohumana, sem qualquer

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autoridade, usurpa, com o nomede religião, não passa desuperstição – como ainterpolação dos hinos na SantaMissa, a alteração do Prefáciodos Réquiens, a abreviação doCredo que é cantado na missa, omaior apoio no órgão que nocoro para a execução da música,a negligência com relação àpresença de um sacristão no altare outras atitudes. Mas, voltandoa nosso ponto, quando umtrabalho é realizado por

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intermédio da religião cristã,como quando alguém desejacurar um doente por meio deorações, de bênçãos e de palavrassagradas (que compõem oassunto que estamos tratando),essa pessoa deve observar setecondições pelas quais essasbênçãos são tornadas lícitas. Emesmo que faça uso de súplicas,por meio do Nome de Deus, epor meio das obras de Cristo, deSeu nascimento, de Sua Paixão ede Sua preciosa morte, pela qual

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o Demônio foi derrotado eexpulso; tais bênçãos,encantamentos e exorcismos hãode ser considerados lícitos, eaqueles que os praticam sãoexorcistas que agem dentro damaior licitude. Ver São Isidoro,Etym., VIII: “Encantadores sãoos indivíduos cuja arte e cujahabilidade são encontradas nouso das palavras.”

E a primeira dessascondições, conforme nos ensinaSanto Tomás, é que nada há nas

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palavras que insinue qualquerinvocação tácita ou explícita deDemônios. Se tal invocação semanifestasse, obviamente oexorcismo seria ilícito. Se fossetácita, ou implícita, poderia serconsiderada ou sob o ângulo daintenção, ou sob o ângulo defato; sob o primeiro, quando ooperador não cuida se é a Deusou ao Demônio que o estejaajudando, conquanto atinja o seuobjetivo; sob o segundo, quandoa pessoa não tem aptidão natural

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para tal operação, mas a cria poralgum meio artificial. E dessesnão só os médicos e osastrônomos devem ser os juízes,mas sobretudo os teólogos. Poisdesse modo os necromantestrabalham, construindo imagens,anéis e pedras por meiosartificiais; que não possuemqualquer virtude natural paraoperar os resultados esperados:portanto, o Demônio há de estarenvolvido nessas operações.

Em segundo lugar, as

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bênçãos ou os encantamentosnão devem conter nomesdesconhecidos; pois segundo SãoJoão Crisóstomo tais nomesdevem ser olhados comdesconfiança, para que nãoestejam ocultando alguma crençasupersticiosa.

Em terceiro lugar, nada devehaver nas palavras que não sejaverdadeiro; pois, se houver, o seuefeito não há de proceder deDeus, Que não é testemunha dementiras. Mas algumas velhas

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bruxas nos seus encantamentosusam alguns desses versosmancos, burlescos, como oseguinte:

Santa Maria vai aandarSobre o rio Jordão.Ao dar com Estêvão,põe-se a falar...

Em quarto lugar, não deve haverfutilidades ou outros caracteres esinais além do sinal da cruz.

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Portanto, os amuletos que ossoldados costumam trazerconsigo devem ser condenados.

Em quinto lugar, não se háde pôr fé no método de escreverou de ler ou de prender oamuleto à pessoa que o vai usar,nem em qualquer dessasfutilidades, que nada têm a vercom a reverência ao SenhorDeus, sem a qual oencantamento se revelaabsolutamente supersticioso.

Em sexto lugar, ao citar e ao

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pronunciar as palavras divinas eas Sagradas Escrituras, se há deprestar atenção ao seu significadopróprio, e à reverência a Deus;busquem-se os efeitos pelavirtude divina ou pelas relíquiasdos santos, que são de podersecundário, já que todas asvirtudes promanamoriginalmente de Deus.

Em sétimo lugar, o efeitoalmejado deve ser entregue àvontade de Deus; porque Elesabe se é melhor para o homem

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ser curado ou ser atribulado, oumesmo se lhe convém morrer.Essa questão é esclarecida porSanto Tomás.

Podemos assim concluir que,se nenhuma dessas condições forrompida, o encantamento há deser lícito. E Santo Tomás escrevea esse respeito, ao tratar doúltimo capítulo de Marcos(Marcos, 15): “Estes milagresacompanharão os que crerem:expulsarão os Demônios em meunome, falarão novas línguas,

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manusearão serpentes...” Dessapassagem fica claro que,conquanto sejam observadas ascondições acima, é lícito pormeio de palavras sagradas afastaras serpentes.

Diz ainda Santo Tomás: “Aspalavras de Deus não são menossagradas que os despojos dossantos.” Como diz santoAgostinho: “A palavra de Deusnão é menos do que o próprioCorpo de Cristo.” Mas todosconcordam ser lícito reverenciar

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os despojos dos santos: portanto,invoquemos de todos os modos onome do Senhor mediante o usodevido do Pai-Nosso e daSaudação Angelical, pelo de Seunascimento e de Sua Paixão, epelas Suas Cinco Chagas, e pelasSete Palavras que proferiu nacruz, pela Inscrição Triunfante, epelos três pregos, e pelas outrasarmas do exército de Cristocontra o Diabo e suas obras. Portodos esses meios é lícito operarexorcismos, e neles havemos de

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depositar nossa confiança,entregando a questão à vontadede Deus.

E o que dissemos a respeitode afastar as serpentes tambémse aplica a outros animais,conquanto a atenção se fixe tãosomente nas sagradas palavras ena virtude divina. Mas maiorcautela há de se ter ao empregar-se tais palavras emencantamentos dessa natureza.Pois nos diz Santo Tomás: “Essesadivinhos, muitas vezes, fazem

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uso de observações ilícitas, eobtêm efeitos mágicos por meiode Demônios, sobretudo no casodas serpentes; porque a serpentefoi o primeiro instrumento doDiabo, pelo qual ele enganou ahumanidade.

Na cidade de Salzburgo haviaum mago que certo dia, à vistade todos, resolveu encantar ascobras numa cova particular ematou todas em um raio de 1,6quilômetro. Então, reuniu-as, eencontrava-se o próprio diante

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da cova quando a última delas,uma serpente enorme epavorosa, negou-se a entrar nela.A serpente ficava fazendo sinaiscom a finalidade de que ele adeixasse ir embora, rastejar paraonde desejasse; mas o mago nãodesistiu de seu encantamento, einsistiu que ela entrasse na cova,assim como todas as outras queali entravam e morriam. Mas aserpente postou-se do ladooposto ao do feiticeiro esubitamente saltou sobre a cova e

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caiu sobre o homem, enrolando-se ao redor de seu ventre,arrastando-o consigo para dentroda cova, onde os dois morreram.Desse relato se pode ver que sópara uma finalidade útil, como ade afastá-las das casas doshomens, tais encantamentosdevem ser praticados e ademais,ser feitos pela virtude divina, notemor de Deus, e comreverência.

Em segundo lugar, devemosconsiderar de que modo os

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exorcismos ou encantamentosdessa espécie devem ser usados ese os amuletos devem serpendurados ao pescoço oucosturados à roupa. Talvezpareça que tais práticas sejamilícitas; pois Santo Agostinho diz,no segundo livro da sua DeDoctrina Christiana: “Hámilhares de amuletos, de objetosmágicos e de encantamentos quesão, todos, de naturezasupersticiosa, e a Escola deMedicina os condena a todos,

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sejam de que tipo forem –encantamentos, marcas(chamadas caracteres), amuletoscom inscrições (para seremusados ao pescoço).”

Também diz São JoãoCrisóstomo, ao comentar certapassagem em Mateus: “Algumaspessoas usam no pescoço, comoamuleto, algum trecho doEvangelho; mas não é oEvangelho lido diariamente àigreja e ouvido por todos? Como,então, há de ser um homem

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ajudado por usar em seu pescoçoum fragmento das SagradasEscrituras quando não obtevequalquer benefício ao escutá-locom seus ouvidos? Pois em queconsiste a virtude do Evangelho:nos caracteres de suas letras ouno significado de suas palavras?Se nos caracteres, faz bem o queo usa pendurado ao pescoço; masse, em seu significado, decertomuito maior benefício há deprovir quando a palavra se acharimplantada em seu coração e não

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pendurada ao redor do pescoço.”Por outro lado, se é ilícito ou

não pendurar palavras sagradasao pescoço, respondem osdoutores da Igreja –especialmente Santo Tomás: queem todos os encantamentos einscrições assim usados há duascoisas a serem evitadas.

Em primeiro lugar, seja o quefor que esteja escrito, não deveter o menor ressaibo deinvocação diabólica; pois, então,será manifestamente

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supersticiosa e ilícita, e deverá serjulgada como prova de apostasiada fé, conforme tantas vezes jádissemos.

De forma análoga, de acordocom as sete condições acima, nãodeve conter qualquer nome oupalavra desconhecidos. Mas paraque sejam evitadas essas duasarmadilhas, é lícito colocar taisencantamentos nos lábios dodoente, para que o doente oscarregue consigo. No entanto, osdoutores condenam o seu uso

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num aspecto, qual seja, quando ohomem dá mais atenção e temmais confiança em meros sinaisde palavras escritas do que emseu significado.

Pode ser dito que o leigo quenão entende as palavras nãopode prestar atenção ao seusignificado. Basta porém que essehomem fixe seus pensamentos navirtude divina e que deixe queEla faça o que parecer bom paraa Sua misericórdia.

Em terceiro lugar, devemos

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considerar se o Diabo deve serconjurado e a doença exorcizadaao mesmo tempo, ou se deveobservar uma ordem diversa, ouse uma dessas operações podeocorrer sem a outra. Existem aquidiversos pontos a seremconsiderados. Primeiro, se oDiabo está sempre presentequando o doente é afligido.Segundo, que tipo de coisaspodem ser exorcizadas ouremediadas. Terceiro, qual ométodo do exorcismo.

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Parece, quanto ao primeiroponto, segundo opronunciamento de São JoãoDamasceno, que onde o Diaboopera, lá ele está, sendo assimque o Diabo há de estar semprepresente no doente quando oaflige. Ademais, na história deSão Bartolomeu parece que umhomem só é livrado do Demônioquando é curado de suaenfermidade.

Mas isso pode ser respondidoda seguinte maneira. Quando se

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afirma que o Diabo está presentenum doente, há de se entenderisso de duas maneiras: ou ele estápessoalmente presente ou estápresente no efeito que provocou.No primeiro sentido, o Demônioestá presente quando primeirocausou a doença; no segundo,diz-se que está presente não empessoa, mas no efeito. Dessaforma, quando os doutoresindagam se o Demôniosubstancialmente habita umhomem que comete pecado

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mortal, dizem que não estápresente em pessoa, mas só emefeito; assim como o amo se dizhabitar em seus servos comrelação a seu domínio. Mas bemdiverso é o caso de homenspossuídos pelo Diabo.

Quanto ao segundo ponto, arespeito de que espécie de coisaspodem ser exorcizadas, temos aopinião de Santo Tomás, quartolivro, dist. 6, que deve serobservada: por causa do pecadodo homem o Demônio recebe

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poderes sobre ele e sobre tudoque ele usa, para com tais objetosferi-lo; e como não pode haverqualquer compromisso entreCristo e o Belial, portanto,sempre que qualquer coisa forsantificada para adoração divina,há de, primeiro, ser exorcizada,para que possa ser consagrada aDeus já livre dos poderes doDiabo, pelos quais poderia sevoltar contra os homens, ferindo-os. Isso é demonstrado pelabênção da água, pela consagração

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de uma igreja e por todos os atosdessa natureza. Portanto, como oprimeiro ato de reconciliação deum homem com Deus é o dobatismo, é preciso que o homemseja exorcizado antes dobatizado; de fato, o exorcismonessa circunstância é maisimperioso do que em qualqueroutra. Porque no próprio homemse acha a causa pela qual o Diaborecebe seus poderes sobre oselementos que vão recair sobre oshomens, ou seja, sobre o pecado,

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seja o original, sejam os atuais.Esse, então, o significado daspalavras usadas no exorcismo,como ao se dizer: “Afastai-vosdesse homem, Ó! Satanás.” Eesse o significado de tantasoutras coisas assim feitas.

Voltando, porém, ao nossoponto principal. Quando seindaga se a doença deve serexorcizada e o Demônioadjurado, e qual dessas duasoperações se deve realizarprimeiro, cumpre declarar que

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não é a doença e sim o homemdoente que se acha possuído quedeve ser exorcizado; exatamentecomo no caso da criança em quenão é a contaminação da fomesque é exorcizada, mas a própriacriança. Ademais, assim como acriança é primeiro exorcizada, sódepois é o Demônio adjurado aafastar-se dela, também é apessoa possuída a primeira a serexorcizada, para depois oDemônio e as suas obras seremafastados. Uma vez mais, assim

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como o sal e a água sãoexorcizados, também todas ascoisas que podem ser usadas pelohomem doente devem sê-lo, desorte que convém exorcizar eabençoar, sobretudo, seualimento e sua bebida. No casodo batismo, a seguinte cerimôniade exorcismo é observada: aexsuflação em direção aoOcidente e a renúncia aoDemônio; em segundo lugar, osoerguimento das mãos junto àconfissão solene da fé na religião

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cristã; em terceiro lugar, aoração, a bênção e o abaixar dasmãos; em quarto lugar, a unção ea sagração com os Santos Óleos; epor fim o batismo, a comunhão ea colocação na mortalha. Mastudo isso não é necessário noexorcismo de um possuído;primeiro, basta que faça uma boaconfissão, e, se possível, deverásegurar uma vela acesa, e recebera santa comunhão; em vez devestir a mortalha branca, deverápermanecer nu, amarrado a uma

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Santa Vela, do comprimento doCorpo de Cristo ou da cruz.Então, se poderá dizer-lhe oseguinte:

Eu te exorcizo, Pedro, ou a ti,Bárbara, que te achas debilitadomas renovado no Santo Batismo,pelo Deus vivo, pelo Deusverdadeiro, pelo Deus que teredimiu com o Seu SanguePrecioso, para que sejasexorcizado, para que todas asilusões e perversidades dasfalácias do Demônio possam de ti

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se afastar e desaparecer, juntocom todos os espíritos impuros,adjurados por Ele, que há de virpara julgar os vivos e os mortos, eque há de purgar a terra com ofogo. Amém.

Oremos.Ó, Deus de misericórdia e

piedade, que peja Vossa zelosabenevolência purificais os porVós acalentados, e que conduzisos por Vós acolhidos a umatransformação em seus corações,

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é a Vós que invocamos, Ó,Senhor, para que concedais agraça aos Vossos servos quepadecem de uma fraqueza nosmembros de seu corpo, para quetudo o que tiver sido corrompidopela fragilidade terrena, tudo oque tiver sido violado pelocaráter falacioso do Demônio,possa encontrar a redenção naunidade do corpo da Igreja.Tende misericórdia, Ó, Senhor,de seu sofrimento, tendemisericórdia de suas lágrimas,

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pois que estão depositando todaa sua confiança na Vossamisericórdia. Acolhei-os, pois, noSacramento da Vossareconciliação, por Jesus Cristo,Nosso Senhor. Amém.

E assim, Demônioamaldiçoado, atentai para a vossasina, e honrai o Deus vivo everdadeiro, honrai o SenhorJesus Cristo, para que vos afasteiscom as vossas obras deste servoque Nosso Senhor Jesus Cristoredimiu com o Seu precioso

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sangue.Prossegue-se então com o

exorcismo repetindo-se asorações acima mais uma vez euma terceira vez.

Oremos.Deus, que governais

misericordiosamente todas ascoisas por Vós criadas, inclinaiVosso ouvido para as nossaspreces e olhai com misericórdiapara o Vosso servo que padecepela enfermidade em seu corpo;

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visitai-o e concedei-lhe a salvaçãoe a virtude curativa de Vossagraça celestial, por Cristo nossoSenhor. Amém.

Portanto, Demônioamaldiçoado etc.

Eis a oração para o terceiroexorcismo.

Ó, Deus, única proteção dafragilidade humana, mostrai aforça poderosa de Vosso auxíliorevigorante em nosso irmão (ouirmã) doente, para que,

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ajudado(a) pela Vossamisericórdia, possa ser digno(a)de entrar em Vossa Santa Igrejaem segurança, por Cristo NossoSenhor. Amém.

E que o exorcista fique aaspergir, continuamente, a águabenta. Cumpre atentar que essemétodo é recomendado nãoporque deva ser rigidamenteobservado ou porque os outrosnão tenham a mesma eficácia,mas para que haja um sistemaregular de exorcismo e de

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adjuração. Pois na Antiguidade enos livros da Igreja encontram-se, por vezes, exorcismos maisconsagrados e mais poderosos.Mas, como antes de tudo se fazmister a reverência a Deus, quecada um proceda da forma quejulgar melhor.

Em conclusão, e para maiorclareza, podemos recomendaressa forma de exorcismo para apessoa possuída. Que elaprimeiro faça uma boa confissão(de acordo com a passagem

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canônica, tantas vezes citada: “Sepor sortilégio” etc.). Então, queuma busca diligente seja feita emtodos os cantos, em todas ascamas, em todos os escaninhos,até sob a soleira da porta, paraque se encontre, talvez, alguminstrumento de bruxaria. Oscorpos dos animais enfeitiçados emortos devem ser queimados deimediato. E convém trocar todasas roupas de cama e todas asroupas, e conviria, inclusive, quea pessoa mudasse de casa. Mas

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no caso de nada se encontrar, oque vai ser exorcizado deverá ir àigreja, se possível na parte damanhã, de preferência num diasanto, como nas festas de NossaSenhora ou em alguma vigília; eo melhor é que o padre tambémse confesse e esteja em estado degraça, para que mais forçaadquira. A pessoa exorcizada háde segurar, então, uma velabenta nas mãos, sentada ou dejoelhos, como for possível. E queos presentes ofereçam a Deus

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orações para a sua libertação. Eque ela comece a ladainhadizendo: “Nossa ajuda é emnome do Senhor”, e que alguémseja indicado para recitar asrespostas: asperge-se-lhe então aágua benta, envolve-se-lhe opescoço numa estola e recita-se osalmo: “Vinde logo, Ó, Deus,livrar-me.” Continue-se então aladainha pelo doente, dizendo àinvocação dos santos: “Orai porele e sede favorável; livrai-o, Ó,Senhor.” Prossegue-se assim até

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o final. Mas no momento em queas preces devem ser proferidas,em seu lugar deve ter início oexorcismo, que prosseguirá daforma como indicamos, ou dealguma outra forma, comomelhor convier ao caso. Esse tipode exorcismo pode sercontinuado, ao menos, três vezespor semana, para que muitasintercessões mediante a graça dasaúde possam ser conseguidas.

Por fim, o possuído deveráreceber o Sacramento da

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eucaristia; embora alguns achemque este deva ser ministradoantes do exorcismo. E à confissãoo confessor deve perguntar se apessoa se acha em vias deexcomunhão. Em casoafirmativo, se apressadamenteomitiu a tentativa de absolviçãopelo seu juiz; embora possa oexorcista absolvê-la, deverá aoreadquirir sua saúde procurar ojuiz que a excomungou paraobter a absolvição.

Convém observar que,

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quando o exorcista não foiordenado pela Ordem dosExorcistas, poderá exorcizarmediante orações; e se for capazde ler as Escrituras, que leia oprincípio do texto escriturísticodos primeiros quatroevangelistas, começando por “Eisque envio o meu anjo diante deti...”

Prosseguirá com a Paixão deCristo, que tem enorme valor emexpulsar as obras do Demônio.

Convém, ademais, que o

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Evangelho segundo São João,“No princípio era o Verbo”, sejaescrito e pendurado ao pescoçodo doente, para que a graça dacura promane do Senhor.

Ora, se alguém indagar quala diferença entre a aspersão deágua benta e o exorcismo, já queambos se destinam a combater osmales causados pelo Diabo,convém explicar-lhe, segundoSanto Tomás: “O Demônio nosataca por dentro e por fora. Logo,a água benta é prescrita contra os

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seus ataques vindos de fora; e oexorcismo o é contra os vindosde dentro.” Por essa razão, ospossessos, para quem osexorcismos são necessários, sãochamados de Energoumenoi, deEn que significa dentro, e deErgon, que significa trabalho, jáque trabalham (operam) no seuinterior. Mas ao exorcizar umpossesso ambos os métodosdevem ser usados, porque ele éatormentado por dentro e porfora.

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Nossa segunda consideraçãoprincipal é quanto ao que deveser feito quando os exorcismosnão conferem a graça almejada.Isso pode ocorrer por seis razões:embora haja uma sétima sobre aqual suspendemos qualquerjulgamento definitivo.

Quando a pessoa não écurada, ou se deve à falta de fépelos que assistem ao exorcismoou pelos que trazem o possesso,ou pela falta de maior confiançanos poderes de outro exorcista,

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ou, ainda, pela necessidade depurgação e para maior mérito dopossuído.

A respeito das quatroprimeiras, o Evangelho nosensina naquele incidente do filhoúnico, que era louco, em queestavam presentes os discípulosde Cristo (Mateus, 17, e Marcos,9). Em primeiro lugar, ele disseque a multidão não tinha fé; como que o pai suplicou-lhe,dizendo: “Creio! Vem emsocorro à minha falta de fé!” Pois

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Jesus dissera à multidão: “Ó,geração incrédula, até quandoestarei convosco?”

Em segundo lugar, comrelação ao possesso, Jesus orepreendeu, ou seja, ao filho;pois, como diz São Jerônimo, elefoi atormentado pelo Demôniopor causa de seus pecados.

Em terceiro lugar, o casoilustra a negligência para com osremédios corretos, porquehomens bons e perfeitos não seachavam, a princípio, presentes.

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Porque diz São João Crisóstomo:“Os pilares da fé, quais sejam,Pedro, Tiago e João, não estavampresentes, porque estiveram naTransfiguração de Cristo: nem láse faziam presentes a oração e ojejum, sem o que Cristo declarouque essa espécie de Demônio nãoé expulsa.” Assim é queOrígenes, ao escrever a respeito,afirma: “Se em qualquer época ohomem não for curado depois daoração, não fiquem imaginandoo que teria acontecido, ou

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falando e fazendo perguntas,como se o espírito impuroestivesse os escutando;expulsemos os espíritos do malpor meio do jejum e da oração.”Diz a glosa: “Esse tipo deDemônio, ou seja, a variabilidadedos desejos carnais induzidos poraquele espírito, não há de serderrotado, salvo pelorevigoramento da alma por meioda oração e da subjugação dacarne pelo jejum.”

Em quarto lugar, a falta de fé

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do exorcista é exemplificadapelos discípulos de Cristo que seachavam presentes. Pois quandoLhe perguntaram, depois, dacausa de seu fracasso emexorcizar o menino, Jesus lhesrespondeu: “Por causa da vossafalta de fé. Em verdade vos digo,se tiverdes fé, como um grão demostarda, direis a estamontanha: transporta-te daquipara lá, e ela irá, e nada vos seráimpossível.”

Pois que nos diz Santo

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Hilário: “Embora cressem, osapóstolos ainda não eramperfeitos na sua fé: enquanto oSenhor se achava distante, namontanha, com os outros três,eles ficaram com a multidão, esua fé revelou-se tíbia.”

A quinta razão é ilustradapela Vida dos padres, onde lemosque certos possessos nãopuderam ser livrados por SantoAntônio, embora o fossem porum seu discípulo, Paulo.

A sexta razão já foi elucidada:

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porque nem sempre que ohomem é livrado do pecado étambém livrado do castigo: àsvezes, este permanece comopunição e expiação pelo pecadoprévio.

Há ainda outro remédio peloqual muitos têm sido livrados,qual seja, o do rebatismo dopossuído. Mas a esse respeito,como dissemos, não é possívelque nos pronunciemos emdefinitivo. Contudo, é bemverdade que quando uma pessoa

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não foi devidamente exorcizadaantes do batismo, o Diabo, com apermissão de Deus, terá sempremaiores poderes contra ela. E ficapatentemente demonstrado, semsombra de dúvida, que muitanegligência é cometida porpadres indevidamente instruídos(caso em que o problema sereporta à quarta causamencionada, qual seja, a falhaestá no exorcista). Ou então acausa estará na atitude demulheres velhas que não

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observam no momento oportunoo método apropriado do batismo.

No entanto, me é proibidopor Deus sustentar que osSacramentos não possam seradministrados por homensperversos, ou que quando obatismo é ministrado por um talhomem não tem validade,conquanto observe o rito e aspalavras corretas. De formaanáloga, que o homem procedaao exorcismo com a mesmadiligência, sem timidez e sem

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pressa. E que ninguém interfiranesses santos ofícios por omissãoacidental ou habitual; eis,portanto, quatro elementos aserem observados para aexecução correta do exorcismo, asaber: a matéria, a forma, aintenção e a ordem, conformeestabelecemos acima; e quandofor omitido um desses elementos,o exorcismo não terá sidocompleto.

Não é válido objetar que naIgreja primitiva as pessoas eram

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batizadas sem exorcismo, e quemesmo hoje em dia uma pessoapossa ser batizada sem ele; pois,nesse caso, São Gregório teriainstituído o exorcismo em vão, ea Igreja estaria cometendo umerro no que tange às suascerimônias. Portanto, não ousocondenar o rebatismo em certascondições de possessão, para quetais pessoas possam recuperar oque foi a princípio omitido.

Diz-se também que aquelesque caminham durante o sono

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sobre prédios altos sem que nadalhes aconteça o fazem por obrade espíritos maus que osconduzem; e muitos afirmamque quando essas pessoas sãorebatizadas, muito se beneficiam.É de causar espanto que, quandosão chamadas pelo nome, caemrepentinamente ao solo, como seaquele nome não lhes tivessesido confirmado de formaapropriada no batismo.

Que o leitor preste atençãoaos seis impedimentos

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mencionados acima, embora serefiram a energúmenos, ou apossessos, e não a homensmeramente enfeitiçados; porque,embora igual virtude se façanecessária em ambos os casos,pode-se dizer que é mais difícilcurar um enfeitiçado que umpossuído. Portanto, taisimpedimentos aplicam-se demodo ainda mais pertinente aocaso dos enfeitiçados; conforme éprovado pelo seguinte raciocínio.

Foi demonstrado no capítulo

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X, da Questão I, da Parte II, quealguns homens são, por vezes,possuídos não por seus própriospecados, mas pelo pecado venialcometido por outro homem, etambém por várias outras causas.Mas, na bruxaria, quando osadultos são enfeitiçados, em geralacontece de o Demônio ospossuir violentamente, em seupróprio interior, para adestruição das suas almas. Logo,duplo é o trabalho necessárionesses casos de bruxaria, ao

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contrário do exigido nos casos depossessão diabólica. A respeitodessa gravíssima possessão nosfala João Cassiano na suaColação do abade Sereno. Hãode ser verdadeiramente julgadosdesgraçados e miseráveis os que,embora se enegreçam em todasorte de crimes e perversidades,não revelam qualquer sinalexterior de estarem tomados peloDemônio, nem pareçam sofrerde qualquer tentaçãoproporcional a seus atos, nem de

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qualquer punição suficiente paraos coibir. Pois que não merecemnem mesmo o bálsamo salutar dopurgatório, já que na rigidez deseus corações e na suaimpenitência se acham além doalcance de qualquer correçãoterrena, e guardam para si o ódioe a vingança que há de vir da irae da revelação no Juízo Final,quando suas misérias hão depermanecer.

E um pouco antes, aocomparar a possessão do corpo

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com a amalgamação da alma nopecado, diz: “Bem maistenebroso e violento é otormento dos que não mostramsinais de possessão corporal pelosDemônios, embora sejam aindamais horrorosamente possuídosem sua alma, achando-se atadosem seus pecados e seus vícios.Pois, segundo o apóstolo, ohomem se torna escravo dequem o derrota. E nesse sentidoo seu caso é o mais desesperador,já que se revelam nos servos do

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Diabo nem resistem nem toleramaquela dominação. Claro estáentão que não são os possuídosexternamente pelo Demônio,mas aqueles possuídos em seuscorpos e no seu interior, paraperdição da sua alma, os que, porcausa dos muitos impedimentos,são os de mais difícil cura.”

Nossa terceira consideraçãoprincipal é quanto aosencantamentos curativos que,cumpre reparar, são de doistipos.

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São absolutamente lícitos elivres de suspeita, ou, pelocontrário, hão de serconsiderados suspeitos etotalmente ilícitos. Do primeirotipo tratamos no capítulo V, aofim, onde consideramos asdúvidas a respeito dalegitimidade do uso de ervas e depedras para afastar os malefícios.

Vamos agora tratar dasegunda espécie: daqueles que sesuspeita não serem lícitos.Precisamos para tal chamar a

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atenção para a introdução daQuestão II, da Parte II, destelivro, a respeito dos quatroremédios, dos quais três foramconsiderados ilícitos, e o quarto,embora não completamenteilícito, foi tido como inútil – porser do tipo que os canonistasconsideram lícito, quando umafutilidade é combatida com outrafutilidade. Mas nós, Inquisidoressomos da mesma opinião dossantos doutores: quando, devidoaos seis ou sete impedimentos

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que já particularizamos, osremédios propiciados pelaspalavras sagradas e pelosexorcismos lícitos não se revelamsuficientes, então o possuídodeve ser exortado a suportar compaciência os males de que estápadecendo, nesta vida terrena,para purgação de seus crimes,sem recorrer mais a qualquerforma de crença supersticiosa oude remédios inúteis. Portanto, senão forem suficientes osexorcismos lícitos arrolados, e

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houver desejo de recorrer aosremédios que acabamos demencionar, saiba o sofredor quenão faz isso com nossoconsentimento ou com nossapermissão. O motivo por queexplicamos tão detalhadamentetais remédios é para quecheguemos a uma espécie deconsenso no que diz respeito àsopiniões de doutores como DunsScotus e Henrique de Segúsio,por um lado, e a dos outrosteólogos, por outro. Contudo,

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estamos de acordo com SantoAgostinho em seu Sermão contraos vaticinadores e adivinhos,chamado De Auguriis, ondeafirma: “Irmãos, sabeis que vostenho suplicado para que nãosigais o costume dos pagãos e dosfeiticeiros, embora minhassúplicas tenham surtido poucoefeito em alguns de vós.Contudo, se não vos falo, havereide responder por vós no Dia doJuízo, e eu e vós sofreremos adanação eterna. Assim, absolvo-

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me, a mim, perante Deus, eexorto-vos e vos conclamo, umavez mais, para que não busqueispor vaticinadores e adivinhos, epara que não consulteis com elespor causa alguma, ou porqualquer que seja a enfermidade;pois aquele que comete essepecado se vê imediatamentedespojado do Sacramento dobatismo, e de imediato se tornasacrílego e pagão, e, caso nãovenha a se arrepender, há deperecer na eternidade.”

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E depois acrescenta: “Que aninguém seja permitido observarcertos dias para ir e retornar; poisDeus fez a tudo com justiça e seordenou um dia, há de terordenado também o seguinte.Porém, sempre que tiverdes desair para fazer qualquer coisa,fazei o sinal da cruz, em nome deCristo, e rezando fervorosamenteo Credo ou o Pai-Nosso podereisentão ir fazer os vossos afazeres,na segurança do Senhor Deus.”

Mas certos filhos

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supersticiosos da nossa época,não satisfeitos com os preceitosseguros traçados acima,acumulando erro sobre erro, etransgredindo o significado daintenção de Scotus e doscanonistas, tentam se justificarcom os seguintes argumentos:que os objetos naturais possuemcertas virtudes ocultas cuja causanão pode ser explicada peloshomens; pois a pedra-ímã atrai oferro, e muitas outras coisas quepoderiam aqui ser arroladas (e

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que não são explicadas). Como ofaz Santo Agostinho em DeCiuitate Dei, XXI. Portanto,dizem, buscar pela recuperaçãoda saúde através desseselementos, quando os exorcismose os medicamentos falharam, nãohá de ser ilícito, mesmo quepossa parecer inútil. Seria esse ocaso do homem que tentarestabelecer a própria saúdemediante imagens, não denatureza necromântica ouastrológica, ou mediante anéis e

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outros expedientes. Argumentamtambém que assim como asubstância natural é sujeita àinfluência dos astros, de idênticaforma o são os objetos artificiaiscomo as imagens, que recebemcertas virtudes ocultas dasestrelas pelo que são capazes decausar certos efeitos: portanto,não há de ser ilícito fazer usodessas coisas.

A par disso, os Demônios sãocapazes de transformar os corpos,de várias maneiras, como declara

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Santo Agostinho, De Trinitate, 3,e como é evidente no caso dosque são enfeitiçados: portanto, élícito usar as virtudes dessescorpos para remoção dosmalefícios.

Na realidade, porém, ossantos doutores são de opiniãointeiramente diversa, comomostramos aqui e acolá duranteesta obra.

Assim sendo, podemosresponder ao seu primeiroargumento da seguinte forma:

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que se usem os objetos naturaisde forma singela para queproduzam certos efeitos para osquais parecem possuir algumpoder natural não é condutailícita. Mas se a eles se juntamcertos caracteres e sinaisdesconhecidos e certasobservações inúteis e vãs, quemanifestamente não haverão deter qualquer eficácia natural,tem-se com tal conduta umaatitude ilícita e supersticiosa. Peloque Santo Tomás II, q. 96, art. 2,

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falando desse assunto, diz quequando qualquer objeto é usadocom o propósito de causar algumefeito corporal – como o de curarum doente –, há de atentar-separa ver se tais objetos parecemter qualquer qualidade naturalque pudesse gerar o efeitoesperado; em caso afirmativo,não há de ser ilícito, já que élícito fazer uso de causas naturaispara que produzam os seusefeitos (naturais). Mas se parecerque o efeito não poderá ser

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causado naturalmente, segue-seque não estão sendo aplicadospara causá-los: estão apenassendo usados como sinais ousímbolos; e pertencem assim aoâmbito diabólico: há de ter sidofirmado algum pacto com oDemônio para que agissem dessaforma. Diz também SantoAgostinho em De Ciuitate Dei: osDemônios armam-nosarmadilhas mediante criaturasque foram criadas não por eles,mas por Deus, e com vários

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encantos consoante a sua própriaversatilidade; não como animaiscom alimento, mas comoespíritos com sinais, por váriostipos de pedras, de ervas e deárvores, de animais, deencantamentos e de cerimônias.

Em segundo lugar, declaraSanto Tomás: “As virtudesnaturais dos objetos naturaisacompanham-lhes as formasmateriais obtidas pela influênciados astros – e pela mesmainfluência adquirem certos

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princípios ativos.” As formas dosobjetos artificiais, contudo,promanam da concepção dosartífices; e, pois, conforme dizAristóteles na sua Física, I, nadamais são do que uma composiçãoartificial, por isso não possuemqualquer virtude natural capazde determinar qualquer efeito.Conclui-se então que a virtuderecebida pela influência dosastros só há de residir nos objetosnaturais, e não nos artificiais.Assim, conforme assevera Santo

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Agostinho em De Ciuitate Dei, X,Porfírio errava ao julgar que daservas, das pedras e dos animais, ede certos sons, de certas vozes ede certas figuras, e dedeterminadas configurações narevolução dos astros e seumovimento, os homensconseguissem fabricar, na terra,alguns poderes ou forçascorrespondentes aos váriosefeitos dos astros; como se osefeitos da magia proviessem daforça das estrelas. Ora, conforme

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aduz Santo Agostinho, tudo issopertence aos Demônios, osenganadores das almas que a elesse submetem. De forma análoga,assim são as imagens ditasastronômicas, obra de Demônios,cuja indicação é que sobre elasinscreveram certos caracteres quenão possuem o poder parapromover qualquer efeito;porque uma figura ou um sinalnão é causa de qualquer efeitoou ação naturais. Mas há umadiferença entre as imagens dos

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astrônomos e as dosnecromantes: nas imagens desteshá uma invocação explícita e,portanto, um pacto aberto eexplícito com os Demônios; aopasso que os sinais e os caracteresnas imagens astronômicas sódenunciam um pacto tácito ouimplícito.

Em terceiro lugar, não háqualquer poder, por parte doshomens, sobre os Demônios, desorte a que seja possível a umhomem usar de tal poder,

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licitamente, para seus própriospropósitos; o que há é umaguerra declarada entre oshomens e os Demônios,impedindo que os primeirosusem do auxílio dos segundos,seja por pacto tácito, seja porpacto explícito. Assim diz SantoTomás.

Retornando, porém, ao cerneda questão, diz esse autor: “Deforma alguma”; portanto, nemmesmo por meio de qualquerelemento vão poderá ser

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envolvido o Diabo. No entanto,se vãos parecem ser taisexpedientes, e se o homem nasua fragilidade a eles recorrerpara recuperar a saúde, que searrependa do passado e se voltepara o futuro, e que ore a fim deque seus pecados sejamperdoados e ele não mais sejalevado à tentação; conforme dizSanto Agostinho ao fim das suasregras.

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CAPÍTULO VII

Dos remédios prescritoscontra as tempestades epara os animais possessos.

Com relação aos remédios para

os animais possessos, e aosencantamentos contra astempestades, havemos de notar,primeiro, alguns dos remédiosilícitos de que fazem uso certaspessoas. Esse tratamento ilícito é

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feito através de palavras ou deatos supersticiosos; como quandoo homem cura o seu sofrimentonos dedos ou nos membrosmediante certas palavras ouencantamentos, cujo métodopara decidir-se a legalidade foiexplicado no capítulo precedente.Há também os que não aspergema água benta sobre o gadoenfeitiçado, e sim derramam-nana boca dos animais.

A par das provas que játrouxemos à baila sobre a

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ilegitimidade do remédio daspalavras, William de Paris, quemuito já citamos, aponta umaoutra razão. Se qualquer virtudehouvesse nas palavras enquantopalavras, teria ela de serdecorrência de um de trêsmotivos: da matéria que ascompõe, qual seja, o ar; da suaforma, qual seja, o som; do seusignificado, ou, então, dos trêsmotivos juntos. Pois bem: não háde ser por causa do ar, que nãotem o poder de matar, salvo

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quando é venenoso; nem há deser por causa do som, cujo poderé destruído pelo de objetos maissólidos; nem há de ser por seusignificado, pois nesse caso aspalavras Diabo, morte ou Infernoseriam sempre prejudiciais e aspalavras saúde e bondade seriamsempre benéficas. Não há de ser,ademais, por causa dos trêsjuntos; porque, quando as partesdo todo não são válidas, o todotambém não o é.

Não há de ser válido também

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objetar que Deus outorga àspalavras certas virtudes como ofaz com as ervas e as pedras. Poisqualquer que seja a virtudeexistente em certas palavrassacramentais e em certasbênçãos, e nos encantamentoslícitos, há de ser não por causadas palavras em si, mas por causade uma instituição divina e pordesígnio de um compromissodivino. É, por assim dizer, porpromessa de Deus que tal e talcoisa há de receber tal e tal graça.

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E logo as palavras sacramentaissão eficazes em virtude de seusignificado; embora algunsdefendam não possuir virtudeintrínseca; mas essas opiniõesnão são mutuamenteexcludentes. O caso das demaispalavras e encantamentos,contudo, é elucidado pelo que jádissemos; a mera inscrição ou osimples pronunciar dessaspalavras, como tais, não podemter qualquer efeito; no entanto, ainvocação do Nome de Deus e a

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oração pública, que consistem naafirmação solene da confiançaem Deus para que Ele promova oefeito almejado, são benéficas.

Tratamos antes dos remédiosobtidos pelas ações que parecemilícitas. Consideremos umaprática comum em certas partesda Suábia. No dia 1º de maio,antes do nascer do sol, asmulheres da região saem aosbosques para juntar folhas eramos de salgueiro. Formam comesse material uma espécie de

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coroa que penduram à porta dosestábulos, afirmando que o gadofica assim a salvo de qualquerbruxaria durante um ano. Naopinião dos que defendem queuma futilidade pode sercombatida com outra, talremédio não há de serconsiderado ilícito; nem seriaafastar as doenças por feitiços epor encantos desconhecidos. Massem pretendermos a ninguémofender, afirmamos que umamulher ou qualquer outra pessoa

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pode sair no dia 1º ou emqualquer outro dia do mês, semlevar em consideração o nascerou o morrer do sol, e juntarervas, folhas ou ramos, rezando oPai-Nosso ou o Credo, ependurá-las sobre a porta doestábulo com toda a fé,confiando na vontade de Deuspara que adquiram a eficáciaprotetora; mesmo assim, a práticanão se acha isenta de reprovação,conforme foi mostrado nocapítulo precedente pelas

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palavras de São Jerônimo;porque, mesmo quando não éinvocado, o Diabo desempenhaalgum papel na eficácia de ervase de pedras.

O mesmo se dá com os quefazem o sinal da cruz com folhase com flores consagradas noDomingo de Ramos, e ascolocam entre as vinhas ou naspróprias colheitas, afirmandoque, mesmo que todas as demaisvinhas ou plantações venham aser destruídas na região, a sua

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não será atingida pelastempestades. Essas questõesdevem ser decididas segundo adistinção de que já tratamos.

De forma similar, hámulheres que, para a preservaçãodo leite e para que as vacas nãosejam privadas de leite porbruxaria, dão aos pobres todo oleite tirado num dia de domingo,em nome do Senhor; e declaramque, através dessa espécie dedonativo, as vacas dão aindamais leite e são preservadas das

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bruxarias. Essa prática não há deser considerada supersticiosa,conquanto seja praticada porpiedade para com os pobres, econquanto implorem pelamisericórdia divina para aproteção de seu gado,entregando o resultado à boavontade da Providência Divina.

Uma vez mais, Nider, noprimeiro capítulo de seuPraeceptorium, diz que é lícitobenzer o gado, da mesma formaque o é aos homens doentes, por

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meio de fórmulas inscritas e depalavras sagradas, mesmo quetenham o aspecto deencantamentos, desde que sejamobservadas as sete condições quemencionamos. Pois diz quequando uma pessoa ou umavirgem devota benze uma vacacom o sinal da cruz, rezando umPai-Nosso e a SaudaçãoAngelical, toda a obra demoníacaque sobre ela se abate é afastada,se tiver sido causada porbruxaria.

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E em seu Formicarius relataque as bruxas confessam que asbruxarias são dificultadas pelascerimônias solenes da Igreja;como pela aspersão de águabenta, ou pelo consumo de salconsagrado, pelo uso lícito develas no Dia da Purificação e deramos bentos, entre outras coisas.Por essa razão a Igreja faz usodesses elementos em seusexorcismos, para que possamarrefecer o poder do Diabo.

Além disso, como as bruxas,

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para privar uma vaca de seu leite,têm o hábito de pedir um poucode leite ou da manteiga oriundosdaquela vaca, para que depoissejam capazes de enfeitiçá-la, épreciso que as mulheres tenhamcuidado, quando são solicitadaspor pessoas suspeitas desse crime,de nada lhes cederem.

Ademais, há mulheres que,depois de ficarem batendomanteiga por algum tempo, semnenhum propósito, e sesuspeitam que isso se deve a

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alguma bruxaria, tentam arranjarum pouco de manteiga da casada bruxa de que desconfiam.Dividem, então, a manteiga emtrês pedaços e os jogam nabatedeira, invocando aSantíssima Trindade, o Pai, oFilho e o Espírito Santo; e assimafastam toda e qualquerbruxaria. Uma vez mais é o casode estarem combatendo umafutilidade com outra futilidade,pela simples razão de que amanteiga tem de ser tomada da

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bruxa suspeita. Mas se fosse feitasem ela, se a mulher só invocassea Santíssima Trindade, rezasseum Pai-Nosso e jogasse nabatedeira três pedaços da suaprópria manteiga ou da manteigade outra pessoa que lhe édesconhecida, e entregasse oefeito à Providência Divina, nãohaveria de merecer qualquerreprovação. Contudo, não érecomendável jogar os trêspedaços de manteiga; melhorseria eliminar a bruxaria pela

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aspersão de água benta oucolocando uma porção de salexorcizado, sempre recitando asorações que mencionamos.

Ora, como muitas vezes todoo gado de determinadoindivíduo é destruído porbruxaria, os que sofrem desseproblema devem ter o cuidadode remover a terra debaixo dasoleira da porta do estábulo ouda cocheira, substituindo-a porterra fresca, aspergida com águabenta. Pois as bruxas, muitas

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vezes, confessam ter colocado aícertos instrumentos de bruxaria;e que, às vezes, por solicitaçãodos Demônios, só têm de cavarum buraco no qual eles colocamos instrumentos de bruxaria; taisinstrumentos são, em geral, umobjeto visível – uma pedra, umpedaço de madeira, umcamundongo, uma serpente. Poisse sabe ser o Demônio capaz derealizar essas coisas por sipróprio, sem qualquer ajuda;mas, via de regra, para a perdição

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da sua alma, o Diabo compele abruxa a cooperar com ele.

Além da execução do sinal dacruz, o seguinte procedimento épraticado contra tempestadescomuns e de granizo. Trêsgranizos são lançados ao fogocom a invocação da SantíssimaTrindade, rezando-se um Pai-Nosso e a Saudação Angelical,por duas ou três vezes. Ademais,lê-se o Evangelho de São João:No princípio era o Verbo. Emseguida, o sinal da cruz é feito

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em direção aos quatro cantos domundo. Por fim, repete-se trêsvezes a sentença o Verbo se fezcarne, e três vezes “Que pelaspalavras do Evangelho sejadispersada esta tempestade”. Se atempestade tiver sido causadapor bruxaria, cessarárepentinamente. Essa é a maisabsoluta verdade, e não há de serconsiderada com a menorsuspeita. Porque, se os granizosfossem atirados ao fogo sem ainvocação do nome de Deus,

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então, sim, seria um atosupersticioso.

Caberia indagar se atempestade não poderia serdispersada sem que se lançasseao fogo os granizos. Afirmamosque o elemento eficaz acha-se,sobretudo, nas palavras sagradas;mas ao lançar os granizos ohomem pretende atormentar oDemônio e tenta destruir a suaobra pela invocação daSantíssima Trindade. E as lançano fogo e não na água porque,

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quanto mais rapidamente sedissolverem, mais rapidamenteserá destruída a obra doDemônio. Apesar disso, devemosentregar à vontade de Deus oefeito almejado.

É relevante a esse respeito aresposta dada por uma bruxa aum juiz que lhe perguntou sehavia algum meio de deter umatempestade causada por bruxaria.Ela respondeu: “Sim. Bastaproferir o seguinte: eu vosadjuro, ventos e tempestades,

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pelas Cinco Chagas de Cristo, epelos três pregos que Lheperfuraram as mãos e os pés, epelos quatro santos evangelistas,Mateus, Marcos, Lucas e João,que os vossos granizos sedissolverão e transformar-se-ãoem chuva.”

Muitas outras confessam,algumas espontaneamente,outras sob a força da tortura,existirem cinco elementos que asatrapalham nas suas bruxarias, àsvezes inteiramente, às vezes

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parcialmente, em algumas demodo que não conseguem ferir ohomem visado, em outras, nãoconseguem atingir seus amigos. Eem que consistiriam taiselementos? Primeiro, quando ohomem tem a mais pura fé esegue os mandamentos de Deus;segundo, quando se protege como sinal da cruz e com oração;terceiro, quando prestareverência aos ritos e cerimôniasda Igreja; quarto, quando édiligente no desempenho da

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justiça pública; e, quinto, quandomedita, em voz alta ou no seucoração, sobre a Paixão de Cristo.E disso tudo também nos falaNider. Por esse motivo é práticageral da Igreja tocar sinos comoforma de proteção contra astempestades, para que osDemônios se afastem dali,porque os sinos são consagradosa Deus e refreiam a suaperversidade e para que aspessoas sejam despertadas einvoquem a Deus para que Ele

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aplaque a tempestade. E pelamesma razão é comum proferir oSacramento do altar e as palavrassagradas contra as tempestades,seguindo um costume muitoantigo da Igreja na França e naGermânia.

Mas como esse método derealizar o Sacramento para deteruma tempestade parece a muitosprática supersticiosa, por nãoentenderem as regras pelas quaisé possível distinguir o que ésupersticioso do que não é, faz-se

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mister considerar as cinconormas pelas quais é dado àpessoa saber se determinado atoé ou não supersticioso, ou seja, seestá fora ou não da observânciada religião cristã, ou se está deacordo com a devida adoração ehonra do Senhor Deus,promanando da verdadeiravirtude da religião, tanto nospensamentos do coração quantonas ações do corpo. Essas normassão explicadas na glosa sobreColossenses, 2, onde São Paulo

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diz: “Elas podem, sem dúvida,dar a impressão de sabedoria...”;e a glosa diz: a impressão desabedoria na superstição que é areligião observada sem a devidadisciplina; conforme já dissemos.

A primeira dessas normas,portanto, é a de que em todas asnossas obras a glória de Deusdeve ser nossa principal meta;porque está escrito (I Coríntios,10): “Portanto, quer comais, querbebais ou façais qualquer outracoisa, fazei tudo para a glória de

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Deus.” Assim sendo, em todas asobras relacionadas à religiãocristã, que se cuide para quesejam feitas para a glória deDeus, e para que nelas o homemglorifique sobretudo a Deus, paraque em todas as obras o intelectohumano seja posto a serviço deDeus. E não obstante, segundoesse preceito, as cerimônias e osprocedimentos legais prescritosno Antigo Testamento não sejamde todo observados, por serementendidos em sentindo

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figurado, enquanto que averdade seja dada a conhecerpelo Novo Testamento; apesardisso, a realização do Sacramentoe o uso das Sagradas Relíquiaspara deter uma tempestade nãomilitam contra tal norma.

A segunda norma é a de quese deve cuidar para que a obraseja feita com disciplina pararestringir a concupiscência oupara fomentar a abstinênciacarnal, a fim de fomentar avirtude, ou seja, segundo os ritos

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da Igreja e a doutrina moral. PoisSão Paulo diz, Romanos, 12:“Não relaxeis o vosso zelo. Serviao Senhor.” E por causa dessanorma tolos são os que fazem ovoto de não pentear o cabelo nosábado, ou que jejuam nodomingo dizendo o seguinte:“Quanto melhor o dia, melhor oato”, entre outras coisas. Masuma vez mais não parece queseja supersticioso executar oSacramento etc.

A terceira norma é a de ter

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certeza de que o que é feito oseja de acordo com os estatutosda Igreja Católica, ou com otestemunho das SagradasEscrituras, ou, pelo menos, deacordo com os ritos de algumaIgreja determinada, ou segundoo preceito universal, que, deacordo com Santo Agostinho,pode ser considerado lei.Consequentemente, quando osbispos ingleses estavam emdúvida porque a missa eracelebrada de maneira diferente,

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em diferentes Igrejas, SãoGregório escreveu-lhes dizendoque poderiam usar do métodoque melhor julgassem que fossedo agrado de Deus, seguissem osritos da Igreja Romana, daGalicana ou de qualquer outraIgreja. Porque o fato dediferentes Igrejas teremdiferentes ritos para a adoraçãode Deus não milita contra averdade, e, portanto, essescostumes devem ser preservados,sendo ilícito negligenciá-los.

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Assim, conforme dissemos nocomeço, é um costume muitoantigo nas Igrejas da França e dealgumas partes da Alemanha,depois da consagração daEucaristia, levar o Corpo deCristo para a rua, a céu aberto;não se trata de ato ilícito,conquanto as hóstias não sejamexpostas ao ar e sim guardadasnuma píxide.

A quarta norma é a de zelarpara que o que seja feito guardealguma relação natural com o

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efeito a ser esperado; pois, casocontrário, é julgada supersticiosa.A esse respeito, caracteresdesconhecidos e nomessuspeitos, e as imagens ou osmapas de necromantes e deastrônomos, devem ser, todos,condenados como suspeitos. Masnão havemos de dizer, a esserespeito, que sejam supersticiosasas Santas Relíquias ou aeucaristia como proteção contraas tribulações do Diabo, porque éprática das mais religiosas e

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salutares, já que naqueleSacramento encontra-se todo oauxílio contra o adversário.

A quinta regra é a de tercautela para que o que for feitonão o seja como ocasião paradeslizes ou escândalos; pois nessecaso, embora não sejasupersticioso, em virtude doescândalo, deveria ser adiada oufeita em sigilo, sem qualquerescândalo. Portanto, se acelebração do Sacramento puderser feita sem escândalo, ou em

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sigilo, não há por que deixar deser celebrada. Porque, emvirtude dessa norma, muitosfrades seculares negligenciam ouso de bênçãos por intermédiode palavras de devoção, sejamelas pronunciadas sobre osdoentes, sejam penduradas aosseus pescoços. Afirmo que nadahá de ser feito, ao menos empúblico, se criar oportunidadepara escandalizar as outraspessoas mais simples.

Que isso baste a respeito dos

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remédios contra as tempestadesde granizo, seja por intermédiode palavras, seja por intermédiode atos lícitos.

CAPÍTULO VIII

Dos remédios prescritoscontra os males sombriose tenebrosos com que osDemônios afligem oshomens.

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Outrossim reservamos nosso

julgamento ao discutir osremédios contra certos males queatingem os frutos da terra,causados por lagartas daninhas,ou por enormes nuvens degafanhotos e por outros insetosque vêm recobrir vastasextensões de terra, parecendoencobrir a superfície do solo,devorando até as raízes dasvinhas e de outras plantações jámaduradas. Sob o mesmo ângulo

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consideramos os remédios contrao rapto de crianças por obra dosDemônios.

Com relação ao primeiro tipode malefício, contudo, podemoscitar Santo Tomás, na SecundaSecundae, questão 90, ondeindaga se é lícito adjurar ascriaturas irracionais. Respondeque sim, mas só de formacoercitiva, para que o malefíciovolte para o Demônio que seserve das criaturas irracionaispara nos prejudicar. Tal é o

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método de adjuração nosexorcismos da Igreja, pelos quaiso poder do Diabo é afastado dascriaturas irracionais. Ora, se aadjuração é endereçada àcriatura irracional, que nadaentende, então seria inoperante evã. Donde é possível entenderque podem tais malefícios serafastados por exorcismos lícitos epor lícitas adjurações, contando-se para tal com o auxílio divino.Porém, primeiramente, sedeveria exortar as pessoas a

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jejuar e a sair em procissão, e apraticar outros atos de devoção.Porque essa espécie de malefícionos é mandada em virtude dosadultérios e da multiplicação doscrimes; pelo que os homensdevem ser advertidos a confessaros seus pecados.

Em algumas províncias sãopronunciadas até mesmoexcomunhões em cerimôniassolenes para que através delas seobtenha o poder de adjuraçãosobre os Demônios.

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Outra coisa terrível que Deuspermite acontecer aos homens éo roubo de seus filhos, que sãotomados de suas mulheres, eestranhas crianças são colocadasem seu lugar pelos Demônios. Eessas crianças, que em alemãosão chamadas de Wechselkinder,são de três tipos. Algumas estãosempre doentes e choram muito,sendo que até mesmo o leite dequatro mulheres não é suficientepara satisfazê-las. Outras sãogeradas pela operação de

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Demônios íncubos, dos quais,contudo, não são filhas, e sim dohomem de quem o Demôniorecebeu o sêmen, sob a forma desúcubo, ou do homem cujosêmen foi colhido durante osono, durante alguma poluçãonoturna. E os filhos verdadeirosdesses pais são, às vezes,trocados, mediante permissãodivina, por essas crianças.

Há, ainda, um outro tipo,quando os Demônios se mostramàs vezes na forma de crianças

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pequenas e se apegam à ama deleite. Mas os três tipos de criançaapresentam um traço emcomum: embora sejam muitopesadas, estão sempreadoentadas e não crescem, nãohá leite suficiente que assatisfaça, e muitas vezesdesaparecem de fato.

Pode-se dizer que a piedadedivina permite essas coisas pordois motivos. Primeiro, quandoos pais idolatram e anseiamdemais pelos seus filhos, como

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castigo, para seu próprio bem.Segundo, presume-se serem asmulheres a que tais coisasacontecem muito supersticiosas eassim são em muitos outrosaspectos seduzidas pelosDemônios. Deus, porém, éverdadeiramente ciumento noexato sentido da palavra, quesignifica forte amor pela própriaesposa. E como um maridociumento não suportará aameaça ou a suspeita deadultério, Deus, ciumento da

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mesma maneira, só que comrelação à alma, que foi compradaatravés de seu Precioso Sangue edesposada na fé, não suporta quese aproxime, ou que se convertaou que tenha relações com oDiabo, o inimigo e adversário dasalvação. E se um maridociumento não suporte nemmesmo a suspeita de adultério,muito mais será perturbadoquando o adultério for de fatocometido! Portanto, não é decausar espécie se os seus próprios

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filhos forem levados e trocadospor crianças geradas noadultério.

E de fato pode-se ter umaimpressão mais vívida do modopelo qual Deus revela o Seuciúme da alma, e de como nãosuportará nem mesmo a maisleve suspeita, em certas passagensdo Antigo Testamento onde,para que pudesse demover o Seupovo da idolatria, não só aproibiu como também proibiu atudo o que desse ensejo para a

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adoração dessa natureza,parecendo que tal adoração nãoteria utilidade em si mesma,embora de algum modofantástico conservasse uma certautilidade num sentido místico.Pois Ele declara em Êxodo, 12:“Não deixarás viver umafeiticeira.” E depois acrescenta:“Eles não residirão na tua terra,para que não te façam pecarcontra mim.” De formasemelhante, prostitutas e outrasmulheres são levadas à morte

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para que não gozem dacompanhia dos homens.

Reparar no ciúme de Deus aodizer o seguinte emDeuteronômio, 22: “Seencontrares no caminho, sobreuma árvore ou na terra, o ninhode uma ave, e a mãe posta sobreos filhotes ou sobre os ovos, nãoa apanharás com os filhotes.Deixarás partir a mãe e sótomarás os filhotes, para que seprolonguem os teus dias felizes.”Porque os gentios os usavam para

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tentar conseguir a esterilidade. ODeus ciumento não suportará emseu povo este sinal de adultério.De forma semelhante, em nossosdias, quando certas anciãsencontram uma moedinha,acreditam ter esbarrado com umsinal de sorte e de grandefortuna; ao contrário, quandosonham com dinheiro, veem osonho como sinal de desgraça.Também Deus ensinou quetodos os vasos devem sercobertos e que quando um vaso

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não tiver sido coberto deve serconsiderado impuro.

Havia uma crença errônea deque quando os Demôniosvinham à noite (ou quandovinham as “boas fadas”, como asanciãs as chamavam, emborafossem bruxas, ou Demôniosnaquelas formas), devoravamtudo o que viam pela frente, paraque depois tivessem víveres emgrande abundância de reserva.Algumas pessoas gostam de darcolorido à história e chamam-nas

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de Corujas das Torres; mas talversão é contrária à opinião dosdoutores, que afirmam nãoexistir outras criaturas racionaisexceto homens e anjos; portanto,só podem ser Demônios.

E assim está escrito emLevítico, 19: “Não corteis ocabelo em redondo, nem repareisa barba pelos lados.” Porque écostume impregnado desuperstições e usado para aadoração de ídolos.

E também em

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Deuteronômio, 22: “A mulhernão se vestirá de homem, nem ohomem se vestirá de mulher.”Porque assim procedem emlouvor da deusa Vênus, e outrosem louvor de Marte ou dePríapo.

E pela mesma razão ordenouque os altares erguidos aos ídolosfossem destruídos. Assim,Ezequias destruiu a Serpente deBronze quando o povo queriasacrificá-la, dizendo: “É debronze.” Pela mesma razão Deus

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proibiu a observância de visões ede augúrios, e ordenou que oshomens e as mulheres em quemhavia um espírito atrevido fossemlevados à morte. E esses são hojechamados os videntes. Todasessas coisas, por darem margem àsuspeita de adultério espiritual,em virtude do ciúme que Deusmanifesta para com as almas quedesposa, foram por Ele proibidas.

E assim nós, pregadores,devemos também ter em menteque não há sacrifício mais

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aceitável a Deus do que o ciúmedas almas, conforme diz SãoJerônimo em seus comentáriossobre Ezequiel.

Portanto, na Parte III destaobra havemos de tratar doextermínio das bruxas, que é oremédio derradeiro. Por ser esteo último recurso da Igreja a quese acha amalgamada peladeterminação divina. Pois estáescrito: “Não deixarás viver umafeiticeira.” E entre elas havemosde incluir os magos-arqueiros; já

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que estes só podem serexterminados pelas leis seculares.

Um remédio. Quando certaspessoas para a preservação decertos ganhos temporais sedevotaram inteiramente aoDemônio, verificou-se muitasvezes que, embora pudessem serlivradas da possessão diabólicapela confissão sincera,continuaram a ser atormentadaspor muito tempo e seriamente,sobretudo à noite. E Deus assimpermite para o seu próprio

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castigo. Mas um sinal de queforam livradas é que, depois daconfissão, todo o dinheiro deseus bolsos e de seus cofresdesaparece. Muitos exemplosdessa natureza poderiam ser aquirelatados, mas, por brevidade, osomitiremos e daremosprosseguimento aos nossosobjetivos.

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Parte III

Que trata das medidasjudiciais no Tribunal

Eclesiástico e no Civil a seremtomadas contra as bruxas e

também contra todos os hereges

Que contém 35 questões emque são clarissimamentedefinidas as normas para

instauração dos processos e sãoexplicados os modos pelos quais

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devem ser conduzidos, e osmétodos para lavrar as sentenças

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CONSIDERAÇÕESGERAIS:

À GUISA DEINTRODUÇÃO

Dos juízes justa epropriamente indicadospara o julgamento das

bruxas.

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A questão é saber se as bruxas,

junto aos patronos, aosdefensores e aos protetores, seacham completamentesubordinadas à jurisdição doTribunal Eclesiástico Diocesano edo Tribunal Civil, de modo talque os Inquisidores do crime deheresia pudessem se livrar daresponsabilidade de prosseguircom os julgamentos. Professa-seque sim. Pois diz o Cânon (c.accusatus, § sane, lib., VI):

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“Decerto aqueles cujo sumoprivilégio é o de julgar asquestões de fé não devem serdistraídos por outros afazeres; eos Inquisidores designados pelaSé Apostólica para investigar apeste da heresia não devem ter,manifestamente, qualquer outrapreocupação com videntes eadivinhos, salvo quando estesforem também hereges, nem háde ser sua tarefa a de puni-los,podendo entregá-los parapunição a seus próprios juízes.”

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Nem parece surgir qualquerdificuldade pelo fato de a heresiadas bruxas não ser mencionadano texto canônico. Porque estasestão sujeitas ao mesmo castigoque os outros no tribunal daconsciência, como prossegue oCânon a dizer (dist. I, prodilectione). Se o pecado dosvidentes e das bruxas é secreto,se há de lhes impor uma pena dequarenta dias; se for notório, sehá de lhes recusar a Eucaristia. Eaqueles cuja punição é idêntica

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devem recebê-la da mesma corte.Assim, uma vez mais, sendo amesma a culpa de ambos, já queassim como as videntes obtêmseus resultados por meioscuriosos, as bruxas os conseguempor meio dos Demônios; taisresultados consistem nos malesque causam às criaturas,ilicitamente solicitando das suascriaturas aquilo que só deveriaser procurado em Deus, assim,ambas são culpadas do pecado daidolatria.

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Esse é o sentido de Ezequiel,21: “Porque o rei da Babilônia sedetém na encruzilhada docaminho, à frente dos doiscaminhos, para consultar a sorte:ele agita as flechas, interroga osídolos domésticos, examina ofígado das vítimas.”

Também pode ser dito que,quando diz o Cânon, “salvo seforem também hereges”, implicaserem hereges alguns adivinhos evidentes, e por isso devem sersubmetidos a julgamento pelos

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Inquisidores; mas, nesse caso, osfalsos adivinhos tambémestariam sujeitos à pena, enenhuma autoridade erudita semanifesta a respeito.

Ademais, se as bruxas devemser julgadas pelos Inquisidores,hão de ser pelo crime de heresia,embora claro esteja que os seusatos podem ser cometidos semque haja heresia. Pois quando nolodo pisoteiam o Corpo deCristo, embora seja crimetenebroso, pode ser cometido

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sem qualquer erro noentendimento e, portanto, semque haja heresia. É perfeitamenteverossímil que uma pessoa julgueque tal imagem seja o Corpo deCristo e, contudo, o jogue nolodo para satisfazer ao Diabo –em virtude de um pacto com elefirmado –, para que assim venhaa encontrar um tesouro ou algosemelhante. Os atos das bruxas,portanto, não envolvemnecessariamente o erro herético,por mais vultoso que seja o

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pecado; e nesse caso não estãosujeitos ao Tribunal daInquisição: devem ser entreguesa seus próprios juízes.

Salomão revelou atitudereverente para com os deuses desuas esposas semcondescendência e nem por issofoi culpado de apostasia da fé;porque em seu coração erafervoroso e preservava a féverdadeira. Assim como quandoas bruxas homenageiam o Diabopor causa do pacto com ele

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firmado, mas preservam a fé emseus corações, não devem sernesse caso consideradas hereges.

Mas pode-se dizer que todasas bruxas devem negar a fé e,portanto, devem ser julgadascomo hereges. Ao contrário,mesmo que negassem a fé emseus corações, não poderiam serconsideradas hereges, mas simcomo apóstatas. Contudo, oherege é diferente do apóstata,sendo só os hereges submetidosao Tribunal da Inquisição.

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Portanto, as bruxas não devemser submetidas a esse tribunal.

Também está escrito, no c.26, quest. 5: “Que os bispos eseus representantes seempenhem ao extremo paralivrar as suas paróquias, porcompleto, da arte da vidência eda magia oriunda de Zoroastro; ese encontrarem qualquer homemou mulher entregue a esse crime,que os expulse de suas paróquias,por indignos e para a suadesgraça. Assim, quando se diz

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ao fim do c. 348: “Que sejamentregues a seus próprios juízes”,vê-se que o termo juízes está noplural, e devem, portanto, serentregues não só ao TribunalDiocesano, mas também aoTribunal Civil, ou seja, devem serentregues a ambos.

Mas se, exatamente comoesses argumentos parecemmostrar no caso dos Inquisidores,os diocesanos também desejaremser livrados da responsabilidade,e deixarem o castigo das bruxas

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para os tribunais seculares, talreivindicação poderá ser aceitamediante os seguintesargumentos. Diz o Cânon, c. utinquisitionis: “Proibimosespecificamente os senhores elegisladores seculares e seusoficiais de julgarem, seja de quemodo for, as pessoas por essecrime, já que é da esferapuramente eclesiástica.” Refere-se aí ao crime de heresia.Conclui-se, portanto, quequando o crime não é puramente

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eclesiástico, como é o caso dasbruxas, em virtude dastribulações de ordem temporalque causam, deve ser punido porTribunal Civil, e não peloTribunal Eclesiástico.

Ademais, na última LeiCanônica sobre os judeus estáescrito: “Os seus bens hão de serconfiscados, e eles hão de sercondenados à morte, em virtudeda perversa doutrina com quefazem oposição à fé de Cristo.”Ora, caso venha a dizer-se que

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essa lei se refere aos judeusconvertidos e que, depois daconversão, retornaram à religiãojudaica, não se tem aí umaobjeção válida. Pelo contrário, oargumento é por ela reforçado,porque os juízes civis terão depunir esses judeus comoapóstatas; e, portanto, as bruxasque abjuram a fé devem sertratadas da mesma maneira;porque a abjuração da fé, seja emtodo ou em parte, é o princípioessencial da bruxaria.

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E embora o texto declare quea apostasia e a heresia devem serjulgadas da mesma maneira, nãocabe ao Tribunal Eclesiástico esim ao Civil processar as bruxas.Porque ninguém deve causaruma comoção entre as pessoaspor causa de um julgamento porheresia: o próprio governantedeve tomar as providênciascabíveis nesses casos.

O Autênticos de Justiniano,que fala dos príncipeslegisladores, diz: “Não permitireis

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que ninguém venha a instigar opovo de vossas províncias emvirtude de processos judiciais pormotivo de natureza religiosa ouherética, nem permitireis quenenhuma injunção seja impostaàs vossas províncias. Haveis deprovidenciar todos os meios erecursos cabíveis para ainvestigação do caso e nãopermitireis que nada seja feitoem assuntos religiosos que nãoesteja de acordo com os vossospreceitos.”

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Segundo essa declaração,claro está que ninguém deveinterferir numa rebelião contra afé, salvo o próprio governante.

Ademais, se o julgamento e apunição dessas bruxas nãofossem da alçada do juiz civil,qual seria a finalidade das leisque prescrevem a pena de mortepara todas as pessoasconsideradas bruxas? Ou a daque prescreve que todos aquelesque prejudicam a vida deinocentes sejam lançados às

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feras? Pois se acha estabelecidoque devem ser submetidos ainterrogatório e a tortura. E quenenhum dos fiéis se deve a taispessoas associar, sob pena deexílio e de confisco de todos osseus bens. A par de muitas outraspenas que podem ser lidas aquem aprouver no código penal.

Mas, em contraposição a taisargumentos, a verdade é que asbruxas podem ser julgadas epunidas conjuntamente pelosTribunais Eclesiástico e Civil.

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Porque o crime canônico deveser julgado pelo governante epelo bispo metropolitano; não sópelos últimos, mas em conjuntocom o primeiro. Claro fica essaquestão no Autênticos, onde sedetermina aos príncipeslegisladores: “Se o crime a serjulgado é de natureza canônica,haveis de proceder à suainvestigação junto com ometropolitano da província.” Epara dirimir qualquer dúvida arespeito, diz a glosa: “Se o caso é

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de simples observância da fé, tãosomente o governante poderájulgá-lo; mas se for maiscomplicado, então há de serjulgado pelo bispo e pelogovernante; e o caso haverá deser mantido dentro de limitestoleráveis por alguém que tenharecebido os favores de Deus, eque há de proteger a fé ortodoxa,e há de impor indenizaçõesconvenientes em dinheiro, e háde preservar da violação osnossos súditos, ou seja, não se há

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de corromper-lhes a fé.”Embora um príncipe secular

possa lavrar a sentença capital,não por isso fica excluído ojulgamento da Igreja, cujaresponsabilidade é a de submeterà prova e julgar o caso. Essaquestão é perfeitamenteelucidada pela Lei Canônica noscapítulos de summa trin. e fid.cath., e também na lei sobre aheresia, c. ad abolendam e c.uergentis e no c.excommunicamus, 1 e 2. Pois as

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mesmas penas são prescritaspelas Leis Civil e Canônica,conforme se mostra nas LeisCanônicas sobre as heresias dosmaniqueus e dos arianos.Portanto, a punição das bruxas éda competência de ambos ostribunais, e não de um delesseparadamente.

A lei prescreve que os clérigossejam punidos pelos seuspróprios juízes, e não pelostribunais temporais ou seculares,porque os seus crimes são

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considerados puramenteeclesiásticos. Mas o crime debruxaria é em parte civil e emparte eclesiástico, porqueperpetram por ele malestemporais e porque viola a fé;portanto, cabe aos juízes deambas as cortes julgar, sentenciare punir as bruxas.

Essa opinião éconsubstanciada pelo Autênticos,onde está escrito: “Se é crimeeclesiástico o que estáreclamando punição e multa, há

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de ser julgado por um bispo quese poste em favor de Deus, enem mesmo pelo mais ilustreprelado da província. E nãoqueremos que os juízes civistenham qualquer conhecimentodesses processos, porque taisassuntos são da esferaeclesiástica, e as almas dosdetratores devem ser corrigidaspor penas eclesiásticas, segundo alegislação sagrada e divina que asnossas leis seguem com todo origor. “ Assim está escrito.

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Portanto, um crime que é denatureza mista deve ser julgado epunido por ambos os tribunais.

De tudo o que dissemos,concluímos da seguinte maneira:nosso principal objetivo aqui é ode mostrar de que modo, com oprazer de Deus, nós Inquisidoresda Alta Germânia podemos seraliviados da obrigação de julgaras bruxas e deixá-las para serempunidas pelos seus próprios juízesprovinciais; e isso em virtude daextrema dificuldade da tarefa,

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desde que nesse percurso não seponha em risco a preservação dafé e a salvação das almas.Portanto, desenvolvemos essaobra para que possa ficar a cargodos juízes os métodos deprocessar, julgar e sentenciarnesses casos.

Portanto, para mostrar que osbispos podem, em muitos casos,instaurar processos contra asbruxas sem a presença dosInquisidores (embora não opossam sem a presença dos juízes

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civis e temporais nos casos queenvolvem a sentença capital),convém que estabeleçamos aopinião de alguns outrosInquisidores de certas regiões daEspanha e que a refutemos (semque faltemos em nossaconsideração por eles), já quepertencemos a uma mesmaordem eclesiástica, para queassim se elucidem todos osdetalhes pertinentes.

Na opinião deles, todas asbruxas, todas as videntes, todas

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as necromantes e todos os quepraticam qualquer espécie de artedivinatória, desde que uma veztenham abraçado e professado aSanta Fé, devem ser submetidosao Tribunal da Inquisição, comonos três casos anotados aoprincípio do capítulo Multorumquerela, nas decretais do papaClemente sobre a heresia; ondeafirma que nem o Inquisidordeve processar sem o bispo, enem o bispo sem o Inquisidor,embora existam cinco outros

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casos em que um pode agir sem apresença do outro. Porém, emum caso é afirmadocategoricamente que um nãodeve agir sem o outro, ou seja,quando os adivinhos acimadevem ser considerados hereges.

Na mesma categoria colocamos blasfemadores e aqueles quede uma forma ou de outrainvocam Demônios, e aquelesque de forma contumazpermanecem sob a pena deexcomunhão durante todo um

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ano, seja por caso referente à fé,seja, em certas circunstâncias, poroutro motivo; e ainda incluem aídiversas outras ofensas. Por essarazão a autoridade do bispo éenfraquecida, já que muitasoutras responsabilidades vãorecair sobre nós, Inquisidores,que não podemos suportar, àvista do terrível juiz, que irácobrar de nós a estrita prestaçãode contas das tarefas que nosforam impostas.

E como a sua opinião não

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pode ser refutada a menos que atese fundamental em que seesteia seja demonstradainconsistente, cumpre ressaltarque se baseia nos comentaristasdo Cânon, especialmente nocapítulo accusatus, e no § sane, enas palavras “sabor de heresia”.Também se baseiam nos textosdos teólogos, de Santo Tomás, deSanto Alberto e de SãoBoaventura, no Segundo livro dassentenças, dist. 7.

Convém considerarmos

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alguns desses argumentospormenorizadamente.

Quando o Cânon afirma,como foi mostrado no primeiroargumento, que os Inquisidoresde heresia não devem sepreocupar com as videntes e comos adivinhos salvo se exibemmanifestamente um ressaibo deheresia, entenda-se que essaspessoas são de dois tipos:algumas são artificiais, outras,hereges. Os primeiros sãochamados de adivinhos pura e

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simplesmente, já que operam tãosomente pela sua própriahabilidade; são mencionados nocapítulo de sortilegiis, onde estáescrito que o presbítero Udalricusfoi a um lugar secreto com umacerta pessoa abominável – umavidente –, não com a intenção deinvocar o Diabo, o que teria sidouma heresia, mas com a intençãode apenas consultar o astrolábio,por meio do qual é capaz dedescobrir coisas ocultas. A issodesignam pura adivinhação ou

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sortilégio.Mas no segundo tipo temos

as videntes hereges, cuja arteenvolve alguma forma deadoração ou de sujeição aosDemônios, e que buscam, poradivinhação, predizer o futuro oualgum fenômeno da natureza,que manifestamente guarda oressaibo de heresia; essas são,como os demais hereges, sujeitasao Tribunal da Inquisição.

E este é o significado doCânon, conforme se depreende

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dos comentários dos canonistassobre a palavra “sabor” ou“ressaibo”. Porque Giovannid’Andrea, ao escrever sobre oCânon accusatus, e sobre apalavra “sabor”, declara: “Oressaibo de heresia assoma aoproferirem orações nefandas e aooferecerem sacrifícios em altaresde ídolos, ou ao consultaremDemônios e ao receberem seusconselhos; ou ainda ao sereunirem para a prática de atoshereges, ou ao fazerem predições

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por meio do sangue ou do Corpodo Senhor; ou, nas suasbruxarias, ao rebatizarem umacriança, para que assimobtenham alguma resposta, e aopraticarem outros atossemelhantes.”

Muitos outros citam,ademais, em suporte à suaopinião, a João Modestus; SãoRaimundo e Guilherme deLaudun, O.P. E reportam-se àdecisão da Igreja no Concílio daAquitânia, c. 26, q. 5, Episcopi,

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onde tais mulheres supersticiosassão chamadas de infiéis, dizendo:“Que venham a perecer sozinhasna sua perfídia.” Porque perfídiana linguagem cristã significaheresia; portanto, tais mulheresdevem ser submetidas aoTribunal dos Inquisidores deheresia.

Citam também os teólogos,sobretudo Santo Tomás, noSegundo livro das sentenças, dist.7, onde considera se é pecadousar do auxílio de Demônios. Por

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falar daquela passagem em Isaías,8: “Porventura um povo nãodeve consultar os seus deuses?”Diz ele, entre outras coisas: “Emtudo aquilo que para oatendimento se procura o poderdo Demônio, por pacto com elefirmado, há apostasia da fé, sejaem palavras, se tiver sido feitauma invocação, seja em atos,mesmo quando não se ofereçasacrifício.”

Com a mesma finalidadecitam Alberto e Pedro de

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Tarentaise, e GiovanniBonaventura, que mais tarde foicanonizado, não sob o nome deGiovanni, embora fosse este oseu verdadeiro nome. Citamtambém Alexandre de Hales eGuido, o Carmelita. Todosafirmam que aqueles queinvocam Demônios são apóstatase, portanto, hereges a seremsubmetidos à Corte Inquisitorialda heresia.

Mas os ditos Inquisidoresespanhóis não deram a devida

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importância nos seus argumentospara provar que as videntes etc.não podem ser julgadas pelosarcebispos ou pelos bispos sem apresença dos Inquisidores e queos Inquisidores não podem serisentados da responsabilidade dejulgar tais videntes, necromantese até mesmo bruxas. Não que osInquisidores venham a sentir-semais orgulhosos do queenvergonhados quando os bisposfalham. E essa é a razão por quenão provaram a sua causa. Os

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Inquisidores só devempreocupar-se com os assuntos deheresia ou de heresia manifesta,conforme demonstrado pelofrequentemente citado Cânonaccusatus, § sane.

Sendo essa circunstância,conclui-se que, embora gravepossa ser o pecado que a pessoacomete, se não implicarnecessariamente heresia, não háde ser julgada como herege, nãoobstante deva ser punida.Consequentemente, o Inquisidor

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não há de interferir no caso dohomem que deve ser punidocomo malfeitor, mas no doherege, não obstante possaentregá-lo aos juízes de suaprópria província.

Segue-se que todos os crimesde invocação dos Demônios e desacrifícios a eles oferecidos, dosquais falam os comentaristas, oscanonistas e os teólogos, não sãopreocupação para osInquisidores, e podem serdeixados para os tribunais

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seculares ou episcopais, salvoquando houver crime implícitode heresia. Assim sendo, e nocaso de os crimes que estamoscomentando serem, muitas vezes,cometidos sem qualquer heresia,os culpados desses crimes nãodevem ser julgados oucondenados como hereges,conforme provado pelasseguintes autoridades eargumentos.

Pois para que uma pessoaseja corretamente julgada como

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herege há de preencher cincocondições. Primeiro, há de estarem erro de julgamento ou deraciocínio. Segundo, o erro há detratar de assuntos pertinentes àfé, seja contrário ao ensinamentoda Igreja como a fé verdadeira,ou contrário à sã moralidade e,portanto, não conduzindo a almado indivíduo à vida eterna.Terceiro, o erro há de encontrar-se naquele que professou a FéCatólica, caso contrário seria umjudeu ou pagão, e não um

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herege. Quarto, o erro há de serde tal natureza que aquele que odefenda ainda preserve algumada verdade no Cristo, no quetange à Sua Majestade ou à SuaHumanidade; porque, se umhomem nega inteiramente a fé, éna verdade um apóstata. Quinto,há de ser pertinaz e obstinado nadefesa de seu erro. Pois que essesentido do Cânon onde trata daheresia e dos hereges é provadoda seguinte maneira (não com opretexto de refutação, mas com o

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de consubstanciar a glosa doscanonistas).

É de todos consabido, atravésdo conhecimento comum, que oprimeiro erro essencial do heregeé o do entendimento; mas duassão as condições necessáriasantes de chamar-se uma pessoade herege. A primeira é material,ou seja, deverá ter ocorrido umerro de raciocínio; a segunda éformal, ou seja, o intelectodeverá revelar obstinação. SantoAgostinho mostra isso ao

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declarar: “Herege é o que ora dáorigem a novas opiniões, ora assegue.”

Pode-se também provar peloseguinte raciocínio: a heresia éuma forma de infidelidade, e ainfidelidade existesubjetivamente no intelecto, detal forma que o homem acreditaem algo absolutamente contrárioà fé verdadeira.

Sendo assim, qualquer queseja o crime cometido por algumhomem, se tiver agido sem erro

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de entendimento, não seráconsiderado herege. Se o homemcometer fornicação ou adultério,por exemplo, não obstante estejadesobedecendo ao mandamentoNão cometerás adultério, não éherege, salvo se sustentar aopinião de que é lícito cometeradultério. A questão pode sercolocada da seguinte forma:quando a natureza de umadeterminada coisa é tal que asduas partes constituintes sãonecessárias para a sua existência,

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se estiver faltando uma daspartes, a coisa em si não poderáexistir; pois, se pudesse, não seriaverdade que aquela parte, se faznecessária para a sua existência.Porque, para a constituição deuma casa, é necessário que hajaas fundações, que se ergam asparedes e o teto; se uma dessaspartes faltar, não se terá umacasa. De forma análoga, como oerro no entendimento é condiçãonecessária para a heresia,qualquer ato feito inteiramente

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sem a presença dessa espécie deerro não tornará um homemherege.

Portanto, nós, Inquisidoresda Germânia, concordamos comSanto Antonino ao tratar dessamatéria na segunda parte de suaSumma; lá declara que batizarimagens, adorar Demônios,sacrificar-se por eles, pisar oCorpo de Cristo e todos osdemais crimes semelhantes ehorrendos não tornam umhomem um herege, salvo se

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houver erro em seuentendimento. Portanto, não éherege aquele que, por exemplo,batiza imagens, desde que nãoprofesse nenhuma crençaerrônea a respeito do Sacramentodo batismo ou de seu efeito, nemque julgue que o batismo daimagem possa ter qualquer efeitopor virtude própria; e que assimprocedem para que possam obtercom maior facilidade a satisfaçãode algum desejo pelo Demônio, aquem, dessa forma, procuram

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agradar, agindo quer por pactoimplícito ou explícito de que oDemônio atenderá ao pedido,próprio ou de alguma outrapessoa. Dessa forma, os homensque, mediante pacto implícito ouexpresso, invocam os Demônioscom sinais ou figuras cabalísticasde acordo com as regras damagia para alcançar os seusdesejos não são necessariamentehereges. Mas não podem solicitarao Demônio qualquer coisa queesteja além dos poderes ou do

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conhecimento diabólicos,revelando um falsoentendimento de seus poderes ede seu conhecimento. Seria esseo caso de quem acreditasse ser oDemônio capaz de coagir o livre-arbítrio do homem; ou que porcausa do pacto firmado o Diabofosse capaz de realizar qualquercoisa desejada, não obstanteproibida por Deus; ou que oDemônio fosse capaz deconhecer todo o futuro; ou quefosse capaz de realizar o que só

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Deus pode fazer. Pois não hádúvida que os homens quesustentam essas crençasapresentam um erro em seuentendimento; e, portanto,presentes as demais condiçõesnecessárias para a heresia, seriamhereges e estariam sujeitosimediatamente ao ordinário e àCorte Inquisitorial.

Mas se agirem pelas razõesque apontamos, não porqualquer crença errada a respeitodo batismo ou dos demais

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assuntos mencionados – já que asbruxas e as necromantes sabemque o Demônio é o inimigo da fée o adversário da salvação,conclui-se que são compelidas aacreditar em seus corações quehá grande poder na fé e que nãohá falsa doutrina cuja origem nãoesteja consabidamente no pai dasmentiras –, embora pequem daforma mais grave, não são, apesardisso, hereges. O motivo é quenão abrigam falsas crenças arespeito dos Sacramentos, não

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obstante utilizem-nos de formaequivocada e sacrílega. Portanto,são meras feiticeiras e nãohereges, e classificadas junto àsque o Cânon accusatus declaranão estarem propriamentesujeitas à Corte Inquisitorial, pornão manifestarem indícios deheresia; a sua heresia se achaoculta, se é que de fato existe.

O mesmo se dá com aquelesque adoram o Demônio e lheprestam sacrifícios. Pois se assimprocedem, na crença de que haja

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qualquer divindade nosDemônios, ou que devem seradorados e que, em virtude daadoração, podem deles obter oque desejarem não obstante aproibição ou a permissão deDeus, estes, sim, são hereges.Mas se assim agirem, não porqualquer crença a respeito doDiabo, mas só para que consigammais prontamente realizar osdesejos, em virtude de algumpacto firmado com ele, não sãonecessariamente hereges, embora

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estejam em pecado gravíssimo.Para maior clareza cumpre

colocar e refutar algumasobjeções. Parece que contra onosso argumento, segundo asleis, os simoníacos não sãohereges (I. q. I: “Quem quer quemediante dinheiro, mas sem errono entendimento”). O simoníaconão se mostra no sentido estrito eexato da palavra herege;entretanto, em sentido amplo epor comparação, é de fatoherege, segundo Santo Tomás, ao

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comprar ou vender objetossagrados na crença de que adádiva da graça possa ser obtidapor dinheiro. Mas se, como émuitas vezes o caso, não agirnessa crença, não é herege. Só oseria se acreditasse que o dom dagraça pode ser comprado comdinheiro.

Uma vez mais estamosaparentemente em contradiçãocom o que é dito a respeito doshereges no Cânon, a saber, queaquele que presta reverência a

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um herege também o é, masaquele que adora o Demôniopeca ainda mais do que o quepresta reverência ao herege,portanto etc.

Ademais, um homem precisaobviamente ser herege a fim deser julgado como tal. À Igrejacabe julgar tão somente aquelascoisas que são óbvias, só Deustendo o conhecimento e sendo ojuiz daquilo que se acha oculto(dist. 33, erubescent). Mas acompreensão interior só se torna

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aparente pelas ações intrínsecas,sejam observadas, sejamprovadas; portanto, o homemque comete tais ações, conformeas consideramos, há de serjulgado como herege.

Ademais, parece impossívelque alguém deva cometer um atocomo o de pisotear o Corpo deCristo, salvo se abrigasse opiniãoerrônea a respeito; pois éimpossível que o mal exista navontade, a menos que haja errode entendimento. Segundo

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Aristóteles, todo homemperverso ou é ignorante ou seacha em erro. Portanto, como osque praticam tais atosapresentam o mal na própriavontade, ou no próprio arbítrio,hão de ter um erro deentendimento.

A essas três objeçõesrespondemos do seguinte modo,considerando-se conjuntamentea primeira e a terceira. Há duasespécies de julgamento, o deDeus e o dos homens. Deus julga

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o homem interiormente; ao passoque o homem só é capaz dejulgar os pensamentos interioresà medida que se reflitam nos atosexteriores, conforme é admitidopelo terceiro desses argumentos.Ora, aquele que é herege nojulgamento de Deus é de fato everdadeiramente um herege; poisDeus a ninguém julga comoherege, a menos que a pessoaabrigue alguma crença errônea arespeito da fé em seuentendimento. Quando, porém,

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um homem é considerado heregepelo julgamento dos homens,não necessariamente é narealidade um herege; mas comoseus atos lhe conferem aaparência de entendimentoequivocado da fé, ele há de ser,pela premissa legal, consideradoherege.

E ao se indagar se a Igrejadeve estigmatizar de prontocomo hereges os que adoramDemônios ou que batizamimagens, cumpre atentar para

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tais respostas.Em primeiro lugar, cabe mais

aos canonistas do que aosteólogos discriminar essaquestão. Os canonistas dirão quepela premissa legal tais pessoasdevem ser consideradas hereges,e punidas como tal. O teólogodirá que, em primeira instância, éassunto pertinente à SéApostólica julgar se existerealmente heresia ou se esta só épresumida pela lei. E isso porque,sempre que um efeito pode

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decorrer de uma dupla causa,não se pode formular umjulgamento preciso da naturezareal da causa simplesmente combase no efeito.

Portanto, em virtude deefeitos tais como o da adoraçãodo Diabo ou o de solicitar-lheauxílio nos trabalhos de bruxaria,ou o de batizar imagens, deoferecer-lhe uma criança viva,ou, ainda, o de matar um recém-nascido e outras questões dessanatureza poderem proceder de

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duas causas distintas – quer a dacrença de que está correto adorare oferecer sacrifícios ao Demônioe de que as imagens podemreceber os Sacramentos, quer ade que um homem, mediantepacto com o Demônio, podeobter mais facilmente o quedeseja em questões que não seacham além da capacidade dopróprio Demônio, conformeantes explicamos –, conclui-seque ninguém deveapressadamente formular um

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julgamento definitivo com baseem seu efeito quanto à sua causa,qual seja, de que o homempraticou tais atos por abrigaropinião contrária no concernenteà fé. Assim, quando não hádúvida quanto ao efeito, ainda émister investigar maisprofundamente a causa; e caso sedescubra que o homem agiu porsustentar opinião perversa econtrária à fé, aí, sim, há de serjulgado como herege e estarásujeito a julgamento e processo

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pelos Inquisidores junto com oordinário. Mas caso não tenhaagido por tais motivos, há de serconsiderado simples feiticeiro, eum pecador muito vil.

Uma outra resposta quetangencia a questão é que, seja oque for dito e alegado, concorda-se que todos os adivinhos e todasas bruxas julgados como heregespela premissa legal e não por fatoreal estão sujeitos à Corte doOrdinário, não à dosInquisidores. E os já

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mencionados Inquisidores deoutros países não podemdefender as próprias opiniõescitando o Cânon e seuscomentadores, porque os queperpetram sacrifícios e adoramDemônios são julgados heregespela premissa legal, e não porqueos fatos demonstram claramenteque o sejam. Pois o texto afirmaque precisam exprimir o sabor daheresia manifestamente, ou seja,intrinsecamente e pela suaprópria natureza. E basta a nós,

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Inquisidores, nos preocuparmoscom os que são manifestamentehereges pela natureza intrínsecado caso, entregando os outrosaos seus próprios juízes.

Foi dito que a causa deve serperquirida para sabermos se umhomem está agindo por erro ounão nas questões da fé; o que éfácil. Pois se conhece o espíritoda fé pelo ato de fé, que consisteem acreditar e professar a fé;assim como o espírito dacastidade é revelado pela vida

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casta de forma análoga a Igrejadeve julgar um homem comoherege se suas ações mostramque ele detrata qualquer artigoda fé. Dessa forma até mesmouma bruxa, que completa ouparcialmente negou a fé, ou seutilizou de forma vil do Corpo deCristo, e prestou homenagem aoDemônio, pode ter assimprocedido simplesmente paraagradar ao Diabo; e mesmo quetenha negado completamente afé em seu coração, há de ser

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julgada como apóstata, emvirtude de a quarta condição,que é necessária para que seafirme ser uma pessoacorretamente consideradaherege, estar ausente.

Mas se contra essa conclusãofor mencionada a bula e aincumbência que a nós foiconferida pelo santo padreInocêncio VIII, de que as bruxassejam julgadas pelosInquisidores, cumpre responderda seguinte maneira. Não quer

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isso dizer que os diocesanos nãopossam também lavrar umasentença definida contra asbruxas, de acordo com as antigasleis, conforme se disse. A bulanos foi dada em virtude dagrande diligência com que temostrabalhado – nos limites de nossacapacidade e com a ajuda deDeus.

Portanto, não podemosconcordar com os outrosInquisidores em seu primeiroargumento: a verdadeira é a

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conclusão contrária; ossimoníacos são consideradoshereges tão somente pelapremissa legal, e os própriosordinários, sem a participaçãodos Inquisidores, podem julgá-los. A rigor, os Inquisidores nãoprecisam se preocupar com osvários simoníacos, ou, de formasimilar, com quaisquer outrosconsiderados heréticos apenaspelas premissas legais. Pois nãopodem julgar os bispos e outrosaltos dignitários cismáticos,

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conforme é demonstrado pelocapítulo da Inquisição Sobre oshereges, sexto livro, onde estáescrito: “Os Inquisidores dopecado de heresia delegados pelaSé Apostólica ou por qualqueroutra autoridade não têm poderpara julgar os ofensores nessaespécie de responsabilidade, oude agir contra eles com opretexto do ofício, a menos queexpressamente afirmado nascartas da Sé Apostólica para queassim procedam.”

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Mas se os Inquisidoressouberem ou descobrirem quebispos ou outros altos dignitáriosestão envolvidos em crime deheresia, ou foram delatados ou seacham sob suspeita de heresia, ésua tarefa denunciar o fato à SéApostólica.

De forma semelhante, aresposta a seu segundoargumento fica clara pelo que sedisse. Pois aquele que acata e queconforta o herege é em si umherege caso assim proceda, na

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crença de que vale a pena acatá-lo ou honrá-lo em virtude de suadoutrina ou opinião. Mas se ohonrar por alguma razãotemporal, sem erro de fé em seuentendimento, não se tratacorretamente falando de umherege, embora o seja porpremissa ou por comparaçãolegal, já que age como sedefendesse crença errônea arespeito da fé como o outro aquem rende homenagem;destarte, nesse caso, ele não se

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acha sujeito à Corte Inquisitorial.Ao terceiro argumento

responde-se de formasemelhante. Pois embora umhomem deva ser julgado comoherege em virtude de suas açõesexteriores, visíveis e provadas,nem sempre se pode concluir queseja de fato um herege, salvopelas premissas legais. Portanto,nesse caso, ele não está sujeito aojulgamento e ao processo pelaCorte Inquisitorial, por não exibirmanifestamente indícios de

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doutrina herética.Quanto ao quarto

argumento, vale dizer que épremissa falsa afirmar que não épossível que alguém pise noCorpo de Cristo a não ser queabrigue alguma crença perversa eerrônea a respeito do Corpo deCristo. Um homem pode assimproceder com plenoconhecimento de seu pecado ecom a firme crença de que aliverdadeiramente se encontre oCorpo de Cristo. Mas o faz para

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agradar ao Demônio, e para quedele mais facilmente consiga oque deseja. E não obstante emtodo pecado se encontre erro, talerro pode não se encontrar noentendimento, o que seriaheresia ou crença errônea arespeito da fé; pois pode tratar-sedo emprego errôneo de algumaforça que se volta para propósitosviciosos; assim, só se constituirá aprimeira daquelas cincocondições necessárias paraconfigurar uma heresia, segundo

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as quais um herege estácorretamente sujeito à CorteInquisitorial.

E não é objeção válida dizerque um Inquisidor pode, todavia,julgar os que são denunciadoscomo hereges, ou os que seacham sob leve, forte ou gravesuspeita de heresia, embora nãomanifestem abertamente indíciosde tal. Respondemos que osInquisidores podem julgar taispessoas na medida em que foremdenunciadas ou que sobre elas

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paire suspeita de heresiacorretamente assim chamada; eesta é a espécie de heresia de queestamos falando (conformetantas vezes já dissemos), em quehá erro no entendimento, a quese aduzem as outras quatrocondições. E a segunda destascondições é a que diz que tal errohá de consistir em assuntos quedizem respeito à fé, ou caso semostrem contrário às decisõesverdadeiras da Igreja nasmatérias de fé e de bom

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comportamento e naquilo que énecessário para a conquista davida eterna. Pois se o erro seencontrar em algum tema quenão diga respeito à fé, como, porexemplo, a crença de que o Solnão é maior do que a Terra, oualguma coisa dessa espécie, entãonão é erro perigoso. Mas errocontra as Sagradas Escrituras,contra os artigos da fé ou contraas decisões da Igreja, como sedisse antes, são erros heréticos(art. 24, q. I, haec est fides).

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Uma vez mais oesclarecimento das dúvidas arespeito da fé pertence,sobretudo, à Igreja, eespecialmente ao sumo pontífice,o vigário de Cristo, o sucessor deSão Pedro, como se achadeclarado expressamente (art.24, q. I, quotiens). E contra adeterminação da Igreja, como dizSanto Tomás, art. 2, q. 2,nenhum doutor ou santomantém a opinião própria; nemSão Jerônimo, nem Santo

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Agostinho, nem qualquer outro.Pois assim como aquele queobstinadamente professa contra afé é herege, também o é aqueleque persistentemente defende aprópria opinião contra adeterminação da Igreja emquestões de fé e noutras que sãonecessárias para a salvação. Poisque a Igreja nunca cometeu errosem questões de fé (como estádito no art. 24, q. I, a recta, enoutros capítulos). E estáexpressamente declarado que

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aquele que sustenta qualquerargumento contra adeterminação da Igreja, não deforma franca e honesta, mas emquestões que dizem respeito à fée à salvação, é herege. Pois nãonecessariamente será herege sediscordar noutras questões, comoa separabilidade da lei do uso emquestões que sofreminterferência do uso: essa questãofoi assentada pelo papa JoãoXXII, em seu Extrauagantes,onde declara que os que

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contradizem essa opinião sãoobstinados e rebeldes contra aIgreja, mas não hereges.

A terceira condiçãonecessária é que aquele queprofesse o erro seja alguém quetenha professado a Fé Católica.Pois se um homem nuncaprofessou a Fé Cristã não é umherege, mas um mero infiel,como os judeus ou os gentios,que se encontram excluídos dafé. Portanto, diz Santo Agostinhona Ciuitate Dei: “O Diabo, vendo

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que a raça humana se livra daadoração de ídolos e deDemônios, instigou hereges que,sob a falsa aparência de cristãos,deveriam se opor à doutrinacristã. Assim, para que umhomem seja considerado heregeé necessário que tenha recebido aFé Cristã no batismo.”

Em quarto lugar, é necessárioque o homem que assim erradeve conservar alguma da crençaverdadeira em Cristo, sejapertencendo à Sua divindade ou

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à Sua humanidade. Pois se nãoconservar nenhuma parcela defé, deverá ser considerado maiscorretamente apóstata, e nãoherege. Nesse sentido, Julianoera um apóstata. Pois as duascoisas são perfeitamentedistintas, embora às vezes seconfundam. Assim, sãoencontrados homens que,pressionados pela pobreza e porvárias situações aflitivas,entregam-se de corpo e alma aoDiabo, e negam a fé, na condição

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de que o Demônio os auxilie emsuas necessidades de conquistarriquezas e honrarias.

Nós Inquisidoresconhecemos várias pessoas, dasquais algumas depois searrependeram, que secomportaram dessa formasimplesmente para obter lucrostemporais, e não através dequalquer erro em seuentendimento; por isso não sãochamados corretamente dehereges, como foi Juliano,

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embora devam ser taxados deapóstatas.

Os apóstatas de coração e quese recusam a retornar à fé devemser entregues, como os heregesimpenitentes, à corte secular.Mas, caso se mostrem desejososde reconciliação, são recebidosde volta pela Igreja, como oshereges penitentes. Ver ocapítulo ad abolendam, §praesenti, de haeretic., lib. 6. Damesma opinião é São Raimundoem sua obra de Apostolica, cap.

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reuertentes, onde diz que os queretornam da perfídia daapostasia, embora fossemheréticos, devem ser recebidosnovamente como heregespenitentes. E aí os dois sãoconfundidos, conforme dissemos.E então o autor acrescenta: “Osque negam a fé por receio damorte (ou seja, os que negam afé para obter lucros temporaismediante o Demônio, mas nãocreem no erro cometido) sãohereges às vistas da lei, embora

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não sejam, propriamentefalando, hereges.” E prossegue:“Embora não professem crençaerrônea, como a Igreja precisajulgar pelos sinais externos, há deconsiderá-los hereges (repare-senessa ficção da lei); e, seretornarem, serão recebidoscomo hereges penitentes. Pois omedo da morte, ou o desejo deganhos temporais, basta parafazer com que um homem neguea fé de Cristo. Por conseguinte,ele conclui que é mais santo

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morrer do que negar a fé ou seralimentado por meios idolátricos,como diz Santo Agostinho.”

O julgamento das bruxas quenegam a fé deveria ser o mesmo;quando desejam retornar, devemser recebidas como penitentes,caso contrário devem serentregues à corte secular. Masquando arrependidas, devem serde todas as formas recebidas noseio da Igreja, só sendo entreguesà corte secular se nãoretornarem; e isso em virtude das

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ofensas temporais queperpetram, como se há demostrar nos métodos para selavrar a sentença. E tudo issopode ser feito pelo ordinário, deforma que o Inquisidor possaentregar-lhe as própriasincumbências, ao menos no casoda apostasia; pois se dá ocontrário nos outros casos defeitiçaria.

A quinta condição necessáriapara que um homem sejacorretamente considerado herege

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é que ele há de persistirobstinadamente no erro. Daíque, segundo São Jerônimo, osignificado etimológico deheresia é escolha. E uma vez maisnos diz Santo Agostinho: “Não oque se inicia em falsas doutrinasou as segue, mas o queobstinadamente as defende é quedeve ser considerado herege.”Portanto, se qualquer pessoa semmalevolência persistir na crençade falsas doutrinas, mas errar porignorância e estiver preparada

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para ser corrigida e passar aconsiderar tal opinião falsa econtrária à das SagradasEscrituras e às determinações daIgreja, não será um herege. SãoPaulo também confirma essaopinião. E o próprio SantoAgostinho costumava dizer:“Posso errar, mas não hei de serum herege.” Pois mostrava-sepronto para ser corrigido quandose lhe apontassem os erros. E háconsenso quanto ao fato de queos doutores todos os dias têm

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opiniões diversas sobre asquestões Divinas, e às vezes semostram contraditórios, deforma que uma dessas opiniõeshá de ser falsa; mas nenhumadelas há de ser assim consideradaaté que a Igreja chegue a umadecisão a respeito. Ver art. 24, q.3, qui in ecclesia.

De tudo isso se conclui queas afirmações dos canonistasacerca das palavras “commanifesto sabor de heresia” nocapítulo accusatus não provam

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de forma suficiente que as bruxase outros que, de uma forma ououtra, invocam Demôniosestejam sujeitos a julgamentopela Corte Inquisitorial; pois sópor uma ficção de direito que seos julga como hereges. Nem estáisso provado, pelas palavras dosteólogos; porque chamam a taispessoas apóstatas, por palavras oupor atos, mas não em seuspensamentos ou em seuscorações; e é a respeito desse erroque se referem as palavras “sabor

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de heresia”.E não obstante tais pessoas

devam ser julgadas comohereges, não se há de concluirque um bispo não as possa julgarsem a presença de um Inquisidorpara definir a sentença, ou puni-las com a prisão ou com atortura. Mais do que isso, mesmoquando essa decisão não parecesuficiente para justificar a isençãode nós Inquisidores daincumbência de julgá-las, aindapodemos isentarmo-nos

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pessoalmente da execução de taltarefa, delegando-a paradiocesanos, pelo menos comrelação à conclusão de umjulgamento.

Essa medida se acha explícitana Lei Canônica (c. multorum inprin. de haeret. in Clem.). Lá estáescrito: “Em decorrência de umaqueixa geral, e para que essaespécie de inquisição possaprosseguir mais facilmente e ainvestigação do crime sejaconduzida de forma mais hábil,

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mais diligente e mais atenta,declaramos que esse tipo de casopode ser julgado pelos bisposdiocesanos assim como pelosInquisidores comissionados pelaSé Apostólica, deixando-se delado todo e qualquer ódio oureceio carnal ou qualquer afecçãotemporal; e assim qualquer umdos acima indicados poderá agirsem a presença do outro, eaprisionar ou eliminar a bruxa,colocando-a sob custódia seguraem grilhões e em ferros, se lhe

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parecer por bem; e nessa questãodeixamos a conduta ao critériode sua consciência; embora nãodeva haver negligência nainvestigação desses assuntosquanto aos modos de proceder,que hão de ser concordes comDeus e com a justiça; embora taisbruxas devam ser colocadas naprisão mais como forma depunição do que de custódia, oudevam ser submetidas a tortura,ou sentenciadas a alguma outrapunição. E um bispo pode agir

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sem a presença de umInquisidor, e o Inquisidor sem apresença de um bispo; ou, naimpossibilidade de um e deoutro, os seus delegados podemagir independentemente entre si,conquanto lhes seja impossívelreunirem-se para uma açãoconjunta no prazo de oito diasquando o inquérito deverá terinício; mas se não houverjustificativa válida para que nãose reúnam, a ação há de serconsiderada nula e vaga perante

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a lei.O capítulo continua a apoiar

nossa observação da seguintemaneira: “Mas se o bispo ou oInquisidor, ou qualquer de seusdelegados, se viremimpossibilitados ou poucodispostos a dar prosseguimentoao julgamento, por qualquer dasrazões que já mencionamos, a seencontrarem pessoalmente,podem delegar as suas obrigaçõesde um para outro, ou expressar oseu conselho e aprovação por

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carta.”Dessa passagem fica claro que

mesmo nos casos em que o bisponão se acha totalmenteindependente do Inquisidor, oInquisidor pode designar o bispopara que aja em seu lugar,especialmente na questão delavrar a sentença: portanto, nósmesmos decidimos agir deacordo com essa opção, deixandoaos demais Inquisidores deoutros distritos que ajam deacordo com o que lhes parecer

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conveniente.Assim, em resposta aos

argumentos, claro está que asbruxas e os magos e feiticeirosnão necessariamente precisamser julgados pelos Inquisidores.Mas quanto ao outro argumento,que busca tornar possível aosbispos por seu turno sedesincumbirem do julgamentode bruxas, deixando-o a cargo daCorte Civil, já evidente está queisso não é tão simples quanto nocaso dos Inquisidores. Pois a Lei

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Canônica (c. ad abolendam, c.uergentis e c. excommunicamusutrumque) diz que num caso deheresia cabe ao juiz eclesiásticoproceder ao inquérito e julgar,mas ao juiz secular executar asentença e punir; ou seja,quando uma pena capital está emquestão, embora seja ao contráriocom as outras puniçõespenitenciais.

Parece também que naheresia das bruxas, embora nãono caso das outras heresias, os

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diocesanos podem entregar àCorte Civil a incumbência deprocessar e julgar, e isso por duasrazões: em primeiro lugarporque, conforme jámencionamos em nossosargumentos, o crime de bruxarianão é puramente eclesiástico,sendo também de natureza civil,em virtude dos danos temporaiscometidos por meio deles. Emsegundo lugar, porque existemleis especiais destinadasespecificamente a eles.

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Por fim, parece que dessaforma é mais fácil proceder aoextermínio das bruxas, e que omaior auxílio seja dado aoordinário à vista daquele terríveljuiz que, como atestam asEscrituras, vai exigir a mais estritaprestação de contas por partedaqueles colocados em posiçãode autoridade e os julgará com omaior rigor. Consequentemente,prosseguiremos nessa linha deraciocínio, qual seja, que o juizsecular pode processar e julgar

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tais casos, ele próprio lavrando apena capital, mas deixando aimposição de qualquer outrapunição penitencial para oordinário.

Súmula ouclassificação dasmatérias tratadasnesta Parte III.

Então, a fim de que possam osjuízes eclesiásticos e civis ter oimediato conhecimento dos

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métodos de processar, julgar esentenciar esses casos, havemosde proceder mediante trêsrubricas ou tópicos principais.

Em primeiro lugar, o métodode dar início a um processo arespeito das questões de fé; emsegundo lugar, o método deproceder ao julgamento; emterceiro lugar, o método deconcluí-lo e de lavrar a sentençaàs bruxas.

A primeira rubrica trata decinco dificuldades.

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Na primeira são abordados ostrês métodos de procedimentoprescritos pela lei e qual o maisadequado. Na segunda, sãoconsideradas as testemunhas, emnúmero. Na terceira, se estaspodem prestar juramento. Naquarta, da condição dastestemunhas. Na quinta, seinimigos mortais podem fornecerprovas para o crime.

A segunda rubrica contém 11questões.

I. De como se deve examinar

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as testemunhas, quando deverãoestar presentes sempre cincopessoas. E também como asbruxas devem ser interrogadas,em geral e em particular. (Estaserá a Questão VI de toda aParte III, embora tenhamosalterado a numeração aqui parafacilitar a referência pelo leitor.)

II. Várias dúvidas sãoesclarecidas quanto às respostasnegativas, e quando uma bruxadeve ser presa, e quando deve serconsiderada manifestamente

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culpada da heresia de bruxaria.III. Do método de prender as

bruxas.IV. Das duas obrigações do

juiz depois da prisão e se osnomes dos depoentes devem serrevelados aos acusados.

V. Das condições sob as quaisse há de permitir a presença deum advogado para a defesa.

VI. Quais as medidas que oadvogado deve tomar quando osnomes das testemunhas não lhesão dados a conhecer, ou quando

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deseja informar o juiz de que astestemunhas são inimigas mortaisdo prisioneiro.

VII. De que modo o juizdeve investigar a suspeita dessesinimigos mortais.

VIII. Dos pontos que o juizdeve considerar antes deconsignar a prisioneira à tortura.

IX. Do método paracondenar a prisioneira à tortura.

X. Do método para procedercom a tortura, e de como devemser torturadas; e das provisões

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contra o silêncio por parte dabruxa.

XI. Do interrogatório final edas precauções a seremobservadas pelo juiz.

A terceira rubrica contém aprimeira de todas as três questõesque tratam dos assuntos que ojuiz deve levar em consideração,sobre o que depende todo ométodo de lavrar a sentença.Primeiro, se a prisioneira podeser condenada pelo julgamentodo ferro em brasa. Segundo, do

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método pelo qual todas assentenças devem ser prescritas.Terceiro, quais os graus desuspeita que podem justificar ojulgamento e que espécie desentença deve ser prescrita comrelação a cada grau de suspeita.Por fim, tratamos dos vintemétodos de pronunciar assentenças, dos quais 13 sãocomuns a todos os tipos deheresia, e o restante, próprio àheresia das bruxas. Mas estesaparecerão em seus devidos

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lugares, e por brevidade não sãoaqui esmiuçados.

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O PRIMEIRO TÓPICO

QUESTÃO I

Do método para dar início a umprocesso.

A primeira questão, pois,

consiste em saber qual o método

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correto para a instauração de umprocesso contra o crime debruxaria, em nome da fé. Pararespondê-la é mister entenderque, segundo o texto canônico,três são os métodos permitidos.

No primeiro tem-se aacusação de uma pessoa poroutra perante o juiz, seja docrime de heresia, seja do de darproteção a algum outro herege,sendo que o acusador se oferecepara prová-lo e se submete à Leide Talião caso não o consiga.

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No segundo tem-se adenúncia de uma pessoa poroutra que não se propõe,contudo, a prová-lo e se recusa aenvolver-se diretamente naacusação; mas alega que prestainformação para o zelo da fé, ouem virtude de uma sentença deexcomunhão prescrita peloordinário ou pelo vigário; ou emvirtude do castigo temporalrequerido pelo juiz secular paraaqueles que deixam de prestar talinformação.

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No terceiro tem-se ainquisição propriamente, ou seja,não se tem a presença de umacusador ou de um informante –apenas uma denúncia geral deque há bruxas em determinadolugar ou em determinada cidade.O juiz, portanto, deverá procedernão por solicitação de qualquerdas partes, mas apenas pelaobrigação que lhe é imposta peloseu ofício.

Insista-se aqui que o juiz nãodeverá aceitar de pronto o

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procedimento do primeiro tipo.Em primeiro lugar, oprocedimento não é acionadopor razão de fé, nem é aplicávelno caso das bruxas, porcometerem seus crimes emsegredo. Mais ainda: éprocedimento cheio de riscospara o acusador, em virtude dapena de talião em que incorreráse não vier a provar a causa. Umavez mais, portanto, o primeiroprocedimento é muito litigioso.

Que o processo legal tenha

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início com uma citação geralafixada às paredes da igrejaparoquial ou da entrada dacidade, nos seguintes termos:

Porquanto nós, o vigário detal paróquia (ou o juiz de talcondado), empenhamo-nos comtoda a nossa força e poder e comtodo o nosso coração empreservar o povo cristão a nósconfiado na unidade e nafelicidade da Fé Católica e emmantê-lo afastado da peste deheresia abominável, viemos por

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intermédio deste aviso, para aglória e a honra do venerávelnome de Jesus Cristo e para aexaltação da Santa Fé Ortodoxa,e para a eliminação daabominação da heresia,especialmente da professada portodas as bruxas em geral e porcada uma de qualquer condiçãoou estado (e aqui, em se tratandode juiz eclesiástico, deveráconclamar todos os sacerdotes edignitários da Igreja daquelacidade e de um raio de 3,2

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quilômetros, que porventuravenham a ter conhecimentodessa notificação, para entãoprosseguir) pela autoridade queexercemos neste distrito, e emvirtude da santa obediência e sobpena de excomunhão, viemosavisar, advertir, requerer eordenar que no prazo de 12 dias(aqui o juiz secular deveráordenar de acordo com aspenalidades prescritas na sualocalidade), dos quais osprimeiros quatro corresponderão

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ao primeiro aviso, os segundos,ao segundo, e os terceiros, aoterceiro, e damos este trípliceaviso canônico para que, sealguém souber, tiver visto ououvido a respeito de pessoasconsideradas hereges ou bruxas,ou de pessoas de que se suspeiteterem causado males a homens,ao gado ou aos frutos da terra,em prejuízo do Estado, que nosvenha revelar o caso. E aqueleque não obedecer a essa ordem ea esse aviso revelando os casos no

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prazo mencionado fique sabendo(e aqui o juiz eclesiástico deveacrescentar) que será banido pelaespada da excomunhão (e o juizsecular deverá acrescentar aspenas temporais). Porquantoimpomos doravante, por estedocumento, a sentença deexcomunhão para todos aquelesque obstinadamente ignorarem oaviso canônico mencionado, e anossa ordem de obediência,reservando-nos o direito, a nóstão somente, da absolvição da

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sentença (o juiz secular deveráconcluir à sua maneira).Considerando etc.

Reparar também que no casodo segundo método há de seobservar a seguinte precaução.Foi dito que o segundoprocedimento de instauração deprocesso em nome da fé é pormeio da denúncia em que oinformante não se oferece paraprovar a sua declaração e não sedispõe a envolver-se na causa, sódelatando por receio da

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excomunhão ou para o zelo da féou para o bem do Estado. O juizsecular, portanto, no aviso geralindicado, deverá especificar queninguém incorrerá no risco deser penalizado se não puderprovar a denúncia feita, já que seapresenta como informante e nãocomo acusador.

Assim, como diversas pessoasse apresentarão ao juiz, cumpreque tenha cautela e que procedada seguinte maneira. Primeiro,que disponha de um tabelião e

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de duas testemunhas honestas,clérigos ou leigos; se não houvertabelião, que coloque os doishomens em seu lugar. Esteassunto é tratado no c. utofficium, § uerum, lib. 6, ondeestá escrito: “Como convémproceder com grande cautela nojulgamento de um crime demaior gravidade, a fim de quenão se cometa erro na severidadeda pena prescrita ao réu,desejamos e ordenamos que, noexame das testemunhas

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necessárias a esta empresa, sejamincluídas duas pessoas religiosase prudentes, clérigos ou leigos.”

E prossegue: “Na presençadessas pessoas, os depoimentosdas testemunhas hão de serfielmente anotados pelo oficialda justiça pública se disponívelou, caso contrário, por doishomens de bem. Reparar,portanto, que, contando comessas duas pessoas, o juiz deveráordenar ao informante quepreste as informações por escrito,

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ou que as dê ao menosverbalmente, com toda a clareza.E então o tabelião, ou o juiz, dáinício ao processo da seguintemaneira:

Em Nome do Senhor. Amém.

No ano de Nosso Senhorde..........., no........ diado................ mês, em minhapresença, como tabelião, e na dastestemunhas abaixo assinadas, àcidade de................., da diocese

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de..............., como acima,apresentaram-se às..............perante o meritíssimo juiz eofereceram-lhe um depoimentopara os seguintes fins.

(E aqui entra o depoimentona sua totalidade. Mas se nãotiver sido redigido por extenso esim apenas verbalmente, há deprosseguir da maneira indicadaadiante.)

Declarou o depoente, peranteo juiz da cidade de..............., ouda paróquia de.........., na diocese

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de..............., saber de que modoa acusada realiza ou na realidadejá causou prejuízos a si ou aoutras pessoas.

Depois disso, há de fazer-se odepoente prestar juramento, daforma habitual, seja sobre osquatro Evangelhos do Senhor,seja sobre a cruz, elevando trêsdedos e abaixando outros doisem confirmação da SantíssimaTrindade e da danação de seucorpo e de sua alma de que falaráa verdade em seus depoimentos.

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Feito o juramento, seráinterrogado para esclarecer deque modo sabe seremverdadeiras as suas declarações, ese viu ou ouviu tudo aquilo quejura. E se disser que viu algumacoisa, como, por exemplo, que aacusada estava presente emdeterminado momento de umatempestade, ou que tocou umanimal, ou que entrou noestábulo, o juiz deverá indagarquando a viu, e onde, e quantasvezes e em presença de quem,

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compondo artigos separados paracada um desses itens. E otabelião ou tabelião há de anotara denúncia imediatamente, daseguinte maneira:

Esta denúncia foi feita, e foifeita sob juramento perante oInquisidor, sobre os quatroEvangelhos etc., para que odepoente estivesse falandosomente a verdade, havendo sidoa ele perguntado de que modosoube ser verdade aquilo quedeclarou. Pode ter respondido

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que viu ou que ouviu. OInquisidor então perguntou-lheonde viu ou ouviu o quedeclarara; e o depoente declarouque no........... dia do mês..........,no ano........... na cidade ou naparóquia de.................. Indagadoa respeito do número de vezesem que a acusada foi vista etc. Eserão redigidos artigos separadospara cada item. Há de serindagado particularmente quempartilhou ou partilha doconhecimento do caso.

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Depois disso, há de serindagado se presta o depoimentopor ódio, por rancor, ou pormalevolência; ou se omitiuqualquer fato por favor ou poramor; ou se foi solicitado ousubornado para prestar asinformações.

Por fim, há de ser avisado,por força de seu juramento, demanter sigilo de tudo o que ládeclarou ou de tudo o que o juizlhe disse; e todo o processo seráformulado por escrito.

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Completado esse estágio, deveráseguir-se a seguinte conclusão.Isto foi feito no................,aos........... dias do........... mês doano de, na minha presença,como tabelião, ou na dos que amim se associam na tarefa deredigir o processo, e na de taistestemunhas intimadas einterrogadas.

O terceiro método para darinício ao processo é o maiscomum e o mais usual, por sersecreto, e nenhum acusador ou

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informante precisa aparecer. Masquando há um relatório geral debruxaria em alguma cidade ouparóquia, o juiz poderá procedersem a citação ou o aviso geralantes mencionado, já que orumor do aviso chega muitasvezes aos ouvidos das pessoas; eentão, uma vez mais, ele podedar início ao processo napresença das pessoas conformeantes indicamos.

Em Nome do Senhor. Amém.

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No ano de Nosso Senhorde.........., no........... dia do...........mês, ou aos........... meses, chegouao conhecimento do oficial oujuiz........... o boato persistente, deconhecimento público, deque..........., da cidade ou daparóquia de..........., fez ou disse........... que guarda o ressaibo debruxaria, que vai de encontro àfé e ao bem comum do Estado.

O caso é então desenvolvidoe redigido da forma já indicada.Ao final acrescentar:

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Esse caso foi ouvidono........... dia do ........... mês doano..........., em minha presença,o tabelião da, ou o escrivãodo..........., e na presença dastestemunhas, que foramchamadas e interrogadas.

Antes, porém, deadentrarmos o artigo segundo,que trata do método para acondução dessa espécie deprocesso, cumpre dizer algumacoisa das testemunhas a seremexaminadas, quantas devem ser e

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qual há de ser a sua condição.

QUESTÃO II

Do número de testemunhas.

Já que dissemos que no segundo

método se há de registrar, porescrito, a evidência dastestemunhas, é mister saberquantas devem ser e de quecondição. A questão é saber se o

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juiz pode condenar licitamentequalquer pessoa por crime deheresia (por bruxaria) com baseno depoimento absolutamenteconcordante de duastestemunhas apenas, ou se sãonecessárias mais de duas.Cumpre dizer não serconcordante o depoimento dastestemunhas quando só o éparcialmente, ou seja, quando astestemunhas divergem no seurelato, mas concordam na suasubstância ou no seu efeito.

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Noutras palavras: uma diz, porexemplo, que a ré “enfeitiçouminha vaca” e a outra diz que“enfeitiçou o meu filho” – aconcordância se dá quanto aofato da bruxaria.

Aqui, contudo, estamosinteressados no caso de as duastestemunhas revelarem-setotalmente concordantes em seusdepoimentos. E nesse caso aresposta é que, não obstante duastestemunhas pareçam sersuficientes para satisfazer o rigor

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da lei – pois a regra é que aquiloque for deposto sob juramentopor duas ou três pessoas seráconsiderado a verdade –, apesardisso, numa acusação desse tipo,duas testemunhas não parecemsuficientes para assegurar ojulgamento imparcial, levandoem conta a atrocidade do crimeem questão. Pois que a prova deuma acusação há de ser maisclara que a luz do dia; e assim háde ser, mormente no caso dagrave acusação de heresia.

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Por outro lado, é possívelasseverar que muito poucaevidência se faz necessária numaacusação dessa natureza, vistoque com pouquíssimosargumentos já se expõe aculpabilidade da pessoa acusada.No Cânon de Haereticis, 11ºlivro, diz-se que o homem se fazherege quando na maisinsignificante das suas opiniõesse desvia dos ensinamentos e docaminho da religião católica.Cumpre responder que tal é

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suficientemente verdadeiro nocaso da presunção de uma pessoaser herege, mas não no que tangeà sua condenação. Porque, numaacusação dessa espécie, a ordemhabitual do procedimentojudicial é objetiva, já que a ré nãovê as testemunhas prestaremjuramento, nem sabe quem são,porque estariam assim expostas agrande perigo. Portanto, segundoa lei, não é permitido àprisioneira saber quem são osseus acusadores. Cumpre porém

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ao juiz, por força do cargo,inquirir sobre qualquer inimizadepessoal manifestada ou sentidapelas testemunhas para com aprisioneira: e tais testemunhasnão poderão ser admitidas oulevadas em conta, comodemonstraremos mais adiante. Equando as testemunhas prestamum depoimento confuso por algoque dependa de sua consciência,o juiz poderá submetê-las a umsegundo interrogatório. Porque,quanto menor a oportunidade

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que a prisioneira tem de sedefender, com maior diligência ecritério há de conduzir o juiz ojulgamento.

Portanto, embora haja duastestemunhas legítimas econcordantes em seusdepoimentos contra determinadapessoa, mesmo assim não creiohaver aí justificativa suficientepara que um juiz a condene portão grave acusação. No entanto,se a prisioneira é acusada, porrumores, de malefício, há de ser

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estabelecido um período para asua purgação. E se a ré se achasob forte suspeita por causa dodepoimento de duastestemunhas, o juiz deve fazê-laretratar-se da heresia, ouinterrogá-la ou procrastinar asentença. Pois não parece justocondenar uma pessoa de boareputação por uma acusação tãograve com base no depoimentode apenas duas testemunhas,embora seja o contrário no casode uma pessoa com má

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reputação. Esse assunto é tratadoplenamente na Lei Canônicasobre os hereges, onde seestabelece que o bispo deve fazercom que três ou mais homens deboa reputação prestem o seudepoimento, sob juramento, arespeito da verdade sobre o caso,ou seja, se eles têm ou nãoconhecimento da existência dehereges em determinadaparóquia.

Convém tornar a assinalar seo juiz pode condenar,

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imparcialmente, uma pessoa pelocrime de heresia com base nodepoimento de testemunhas quedivergem entre si, ou quesimplesmente reforçam umaacusação geral. Cumpreresponder que não, em qualquerdessas situações. Mormenteporque, como dissemos, asprovas, nesses casos, devem sermais claras do que a luz do dia.Portanto, nessa causa emparticular, ninguém pode sercondenado com base em

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evidências meramente depresunção. Logo, no caso daprisioneira que sofre de umaacusação geral, deve-se-lheconceder um período depurgação. E no caso da que seacha sob forte suspeita deheresia, com base no depoimentodas testemunhas, deve-se-lhepermitir a retratação do crimecometido. Todavia, quando osdepoimentos são acordes emmuitos fatos, apesar de certasdiscrepâncias, a matéria deverá

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ser submetida ao arbítrio do juiz,surgindo aí, de forma indireta, aquestão de quantas vezes devemser inquiridas as testemunhas.

QUESTÃO III

Do juramento solene e dosinterrogatóriossubsequentes dastestemunhas.

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Pois bem, cabe perguntar se o

juiz pode obrigar as testemunhasa declarar a verdade sobjuramento num caso relacionadoà fé ou à bruxaria, ou se lhe épermitido interrogá-las váriasvezes. A resposta é afirmativa,mormente no caso de juizeclesiástico. Mais ainda: noscasos eclesiásticos, astestemunhas são obrigadas aprestar seus depoimentos sobjuramento, caso contrário, sua

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declaração não terá qualquervalidade. Prescreve a LeiCanônica: “O arcebispo ou obispo podem fazer a circunscriçãoda paróquia onde há rumoressobre a existência de hereges eobrigar três ou mais homens deboa reputação, ou até mesmo, sebem lhe parecer, obrigar todos osmoradores, a prestardepoimento. Se porventuraqualquer pessoa, por obstinaçãocondenável e infame, se recusar adepor sob juramento, há de, por

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esse motivo, ser consideradaherege.”

E o fato de que astestemunhas podem ser ouvidasvárias vezes está indicado pelotexto canônico onde diz que,quando as testemunhas prestamdepoimentos confusos oucontraditórios, ou quandoparecem ter ocultado parte doque sabem por alguma razão, ojuiz deverá ter o cuidado deexaminá-las novamente.Portanto, trata-se de um

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procedimento legal.

QUESTÃO IV

Da qualidade e da condição dastestemunhas.

Reparar que as pessoas sob

sentença de excomunhão, ossócios e os cúmplices no mesmocrime, notórios malfeitores ecriminosos, ou servos que

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prestam depoimento contra osseus amos são aceitos comotestemunhas em causasrelacionadas à fé. Assim comoum herege pode depor contraoutro herege, uma bruxa podedepor contra outra bruxa. Isso,porém, só em falta de outrasprovas, e mais: tais evidências sópodem ser usadas pelapromotoria, nunca pela defesa. Omesmo se há de dizer dodepoimento da esposa, dos filhose dos parentes da pessoa

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acusada. Pois que evidênciadessa natureza tem mais valia emprovar uma acusação do que emrefutá-la.

Clara fica essa questão napassagem canônica, in fidei dehaer., onde está escrito: “Para aproteção da fé permitimos que,nos casos de inquirição sobre opecado da heresia, pessoas sob apena da excomunhão e parceirose cúmplices dos acusados sejamadmitidos como testemunhas, naausência de outras provas contra

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os hereges e seus defensores,protetores e patronos; conquantopareça provável não só pelonúmero de testemunhas, comopor aquelas contra as quais dãodepoimento, e por outrascircunstâncias que não estejamprestando falso testemunho.”

No caso do depoimentoprestado por perjuros, quando sepresume estejam falando por zeloda fé, cumpre considerar o quediz o Cânon, c. accusatus § licet:“a evidência de perjuros, depois

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de seu arrependimento, éadmissível.” Acrescenta emseguida: “Parece de fato que nãofalam por leviandade, nem porinimizade, tampouco porsuborno, e sim pelo mais purozelo da fé ortodoxa, no desejo decorrigir o que haviam declarado,ou no de revelar alguma coisaque haviam omitido, em defesada fé, e se há de considerarválido o seu testemunho, tãoválido como o de qualquer outrapessoa, conquanto não se criem

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objeções para tal.”E claro está, segundo o

mesmo capítulo do Cânon, quese há de admitir o testemunhode homens de má reputação e decriminosos, e o de servos contraos seus amos. Pois está escrito:“Tamanho é o flagelo da heresiaque, nas causas judiciais queenvolvem esse crime, mesmo osservos são admitidos para deporcontra seus amos, e qualquercriminoso poderá prestardepoimento contra qualquer

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pessoa.”

QUESTÃO V

Se inimigos mortais podem seradmitidos como testemunhas.

Ora, caso se indague se o juiz

pode aceitar inimigos mortais dapessoa acusada para prestardepoimento no caso, cumpreresponder que não. No mesmo

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capítulo acima citado do Cânonestá dito: “Nessa questão deacusação, entendei, nenhuminimigo mortal do acusadopoderá ser admitido para depor.”Henrique de Segúsio tambémajuda a esclarecer a questão. Massó se refere a inimigos mortais.Não se há de desqualificar umatestemunha por qualquer outraespécie de inimizade. Osinimigos mortais sãocaracterizados pelascircunstâncias seguintes: em caso

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de haver hostilidade mortal ouvendeta entre as partes, ouquando houve tentativa dehomicídio, ou quando uma lesãoou ferimento de maior gravidadedenota manifestamente aexistência de ódio mortal porparte da testemunha contra apessoa acusada. Nesses casospresume-se que, assim como atestemunha tentou causar amorte temporal do prisioneiro,ferindo-o, também tentaráconseguir o seu intento

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acusando-o de heresia. E assimcomo desejou tirar-lhe a vida,deseja tirar-lhe a boa reputação.Portanto, o testemunho deinimigos mortais dessa natureza édesqualificado com justeza.

Mas existem outros graussérios de inimizade – porque asmulheres são facilmenteimpelidas ao ódio – que nãodesqualificam totalmente umatestemunha, embora tornem oseu depoimento muito duvidoso,de sorte que não se há de dar

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crédito a suas palavras, salvoquando consubstanciadas porprovas independentes e quandooutras testemunhas dão provasindubitáveis sobre o caso. Cabeao juiz indagar à ré se ela julgater qualquer inimigo que seriacapaz de acusá-la daquele crimepor ódio, para que venha a sercondenada à morte. Em casoafirmativo, é mister que aacusada indique a pessoa. Caberáentão ao juiz saber se a pessoadenunciada pela acusada assim já

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procedeu. Em caso afirmativo, ojuiz deverá tomar conhecimento,mediante testemunhas válidas,da causa daquela inimizade e, sea evidência em questão não forconsubstanciada por outrasprovas e pelos depoimentos deoutras testemunhas, poderáentão rejeitar a evidência. Noentanto, se a acusada diz queespera não ter inimigos dessaespécie mas que andou envolvidaem intrigas com outras mulheres,ou se diz que tem inimigos mas

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dá o nome de alguém que,talvez, nem tenha depostonaquele caso, mesmo que outrastestemunhas declarem ter aquelapessoa prestado depoimento pormotivo de inimizade, o juiz nãorejeitará a evidência e a incluirájunto com outras provas.

Há alguns que não sãosuficientemente cuidadosos eprudentes e consideram que osdepoimentos de mulheresbriguentas devem ser rejeitados,já que quase sempre os prestam

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por ódio contra a acusada. Taishomens revelam-se ignorantes dasutileza e das precauções dosmagistrados, falando e julgandocomo daltônicos. Taisprecauções, no entanto, serãotratadas nas Questões XI e XII.

O SEGUNDO TÓPICO

QUESTÃO VI

De como se há de proceder

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ao julgamento e dar-lheprosseguimento. De comosão interrogadas astestemunhas (em presençade outras quatro pessoas).E dos dois modos deinterrogar a acusada.

No que tange ao método para

proceder ao julgamento debruxas em causas de fé, cumpreobservar, primeiro: são causas aserem conduzidas da maneira

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mais simples e mais sumária, semos argumentos e as contençõesdos advogados de defesa.

Essa questão é explicada noCânon da seguinte maneira:“Acontece amiúde deinstaurarmos um processocriminal a ser conduzido demaneira simples e direta, sem osimpedimentos e as obstruçõeslegais como sói acontecer comoutras causas.”

Ora, é grande a dúvidaquanto à correta interpretação

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dessas palavras, e quanto aomodo de serem conduzidas taiscausas. Nós, porém, com ointuito de dirimir quaisquerdúvidas, sancionamos, de umavez e por todas, o seguinteprocedimento como válido:

O juiz encarregado de taiscausas não necessitará, paraproceder ao julgamento, denenhuma ordem judicial porescrito, nem exigirá que a causaseja contestada. Poderá, ainda,conduzir a causa nos feriados

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para conveniência do público. Edeverá dar prosseguimento aojulgamento da forma maissumária possível, desautorizandoquaisquer exceções, apelos ouobstruções, quaisquer contençõesimpertinentes de defensores ouadvogados e discussões entre astestemunhas, e por restrição nasuperfluidade no número detestemunhas. Mas sem que comisso venha a negligenciar dasprovas necessárias. Nem deveomitir a citação das testemunhas

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e o seu juramento para quedigam e para que não ocultem averdade.

E conforme dissemos, oprocesso, que há de serconduzido de maneira simples, éiniciado à instância do acusador,ou de um informante motivadopelo zelo à fé, ou por causa deum boato ou rumor deconhecimento geral. O juiz,portanto, tentará evitar oprimeiro método, qual seja, o dasolicitação por parte do acusador.

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Pois que os atos criminosos dasbruxas em conjunto com osDemônios são praticados emsegredo, e o acusador, por essemotivo, não pode ter provasconclusivas da veracidade de seudepoimento. Caberá ao juiz,portanto, orientar a testemunhade acusação para que semanifeste e deponha apenas naqualidade de informante, já queem caso contrário corre granderisco de passar de acusador aacusado. Pode, portanto,

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proceder da segunda maneira,que é a comumente empregada,e também da terceira maneira,caso em que o processo é iniciadosem que haja solicitação dequalquer parte.

Cumpre reparar que jáafirmamos que o juiz deveperguntar ao informante arespeito dos que partilham ouque talvez pudessem partilhar doconhecimento do caso. Assim ojuiz poderá chamar para deporcomo testemunhas as pessoas

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apontadas pelo denunciante, asque pareçam ter maiorconhecimento do problema, eseus nomes devem ser anotadospelo tabelião. Após isso o juiz –ciente do fato de que asupracitada denúncia de heresiaacarreta, por sua próprianatureza, gravíssima acusaçãoque não pode ser ignorada, jáque essa atitude implicaria ofensaà Majestade Divina e detração daFé Católica e do Estado – há detratar de informar-se e de

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interrogar as testemunhas daseguinte maneira.

Exame das testemunhas.

Foi chamado o Sr. (Sra.), dacidade de..........., na condição detestemunha, para depor sobjuramento. Interrogado seconhecia a acusada, respondeuafirmativamente. Interrogado deque modo a conhecera, declarouque a vira e com ela conversaraem diversas ocasiões, ou que

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eram amigos (justificandodestarte por que a conhece).Indagado há quantos anos aconhecia, respondeu que há dezou mais anos. Ao ser perguntadoa respeito da reputação daacusada, sobretudo em assuntosde fé, declarou tratar-se depessoa de bons (ou de maus)princípios morais, mas que noque concerne à fé ouviu-se emdeterminado lugar um boato deque ela fazia uso de certaspráticas contrárias à fé, como

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feiticeira (ou como bruxa).Indagado sobre qual era esseboato, esclareceu. E se tinhaouvido ou visto a pessoa praticartais atos, respondeu que sim.Perguntado onde a acusada fazuso de tais práticas, respondeuter sido em tal lugar. Eperguntado na presença dequem, disse que na presença detais e tais pessoas.

Foi, ademais, interrogado separentes da acusada já foramqueimados como bruxas, ou se

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eram considerados suspeitos,respondeu............ Indagado se aacusada se associava a bruxassuspeitas, respondeu que...........Indagado sobre a forma de aacusada praticar tais atos e dosmotivos para tal, explicou...........Indagado se achava ter aprisioneira usado de tais e taispalavras impensadamente,irrefletidamente,despropositadamente ou, pelocontrário, com deliberadaintenção, respondeu

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que................Perguntado, ainda, de que

modo conseguiu identificar omotivo da acusada, respondeuque o descobriu por ter ela faladorindo.

Essa é uma matéria queprecisa ser inquirida muitodiligentemente, pois, não raro, aspessoas usam palavras citandouma outra pessoa, ou por simplesirritação, ou para verificar aopinião de outras pessoas.Embora, em outras ocasiões, as

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utilizem com intençãodeliberada.

Foi perguntado, ainda, seprestava esse depoimento poródio ou por rancor, ou se omitiuqualquer informação por favorou por amor, tendo respondidoque........... Após depor, foi aodepoente ordenado queguardasse sigilo. O depoimentofoi tomado em tal lugar, no diatal e na presença das seguintestestemunhas, convocadas einterrogadas, e da minha

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presença, tabelião ou escrivão.Aqui é preciso frisar que

nesse interrogatório faz-se mistera presença de pelo menos cincopessoas: o juiz que o preside, atestemunha ou informante, a réou acusada, que será trazidadepois, e o tabelião ou escrivão.Quando não houver tabelião, oescrivão deverá admitir um outrohomem honesto, e estes doisfarão as vezes do tabelião. Tal é aconduta prescrita pela autoridadeapostólica, conforme já

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indicamos, ou seja, que nessaespécie de causa dois homens deboa reputação devemdesempenhar, por assim dizer, opapel de testemunhas dosdepoentes.

Também é preciso atentarque ao chamar a testemunhapara depor esta deverá prestarjuramento da forma antesmencionada, caso contrário seudepoimento não será válido.

Da mesma forma as demaistestemunhas serão interrogadas.

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Posto o quê, o juiz haverá dedecidir se o crime se encontradevidamente provado. E se nãocompletamente, se há grandeindicação e forte suspeita de suaveracidade. Observe-se que nãofalamos de suspeita leve, oriundade conjeturas superficiais, mas deum boato persistente de que aacusada tem praticado bruxariacontra crianças, animais etc.Então, se o juiz recear pela nãocondenação da acusada, há decolocá-la sob custódia, caso

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contrário poderá chamá-la para ointerrogatório. Mas, coloque-a ounão sob custódia, deve primeiroordenar que o domicílio da réseja vasculhado, em todos os seusrecessos, e todos os instrumentosde bruxaria encontrados devemser afastados. Feito isso, o juiz háde confrontar todas as acusaçõessobre a acusada bem como todasas provas oferecidas pelastestemunhas e, em presença dotabelião, conforme antes, fará aré jurar pelos Quatro Evangelhos

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do Senhor que há de falar averdade a seu próprio respeito ea respeito dos outros. E seudepoimento será tomado eanotado da seguinte maneira.

O exame geral deuma bruxa oufeiticeira:a primeira ação ouetapa.

A ré..........., da cidade de...........,jura pelos quatro Evangelhos de

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Deus falar a verdade a seurespeito e a respeito de outros, edizer a verdade ao declarar a suaprocedência e origem. (De talcidade da diocese de...........)Indagada a respeito de seus pais,declara estarem vivos (oumortos) e que podem serencontrados em tal lugar.

Perguntada a respeito damorte dos pais, se por causanatural ou pelo fogo, respondeuque........... (Essa questão é aquiformulada porque, conforme

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indicamos na Parte II desta obra,as bruxas, em geral, oferecem osfilhos aos Demônios e amiúdetoda a prole é contaminada; equando o informante em seudepoimento faz menção a essefato e a própria bruxa o nega, fazlevantar mais as suspeitas a seurespeito.)

Perguntada onde nasceu eonde viveu a maior parte de suavida, respondeu ter sidoem........... E se parecer quemudou de domicílio por que,

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talvez, sua mãe ou qualquer deseus parentes não era suspeito, eque viveu em distritos distantes,especialmente naqueles maisfrequentados por bruxas, deveráser apropriadamente indagada.

Perguntada por que semudou de sua terra natal e foiviver em tal e tal lugar respondeuque........... Perguntada se nosmencionados lugares ouviuqualquer conversa de bruxas, taiscomo o desencadeamento detempestades, ou o enfeitiçamento

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do gado, ou a privação das vacasde seu leite, ou de qualquer dosatos de que é acusada, respondeuque sim (ou que não). Em casoafirmativo, indagar sobre o queouviu, sendo anotada toda a suaresposta. Em caso negativo, deveser perguntada se acredita naexistência de bruxas, e se ascoisas mencionadas julgapoderem ser realizadas, tais comose tempestades podem serprovocadas ou se homens ouanimais podem ser enfeitiçados.

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Reparar que, na maioria dasvezes, as bruxas negam tais coisasa princípio. Portanto, a negativagera maior suspeita do que seresponderem que preferemdeixar para um julgamentosuperior responder pelaexistência ou não de tais coisas.Assim, se negarem, deve-se-lhesindagar: “Então, ao seremqueimadas, são as bruxasinocentemente condenadas?” Aoque a acusada deverá respondernecessariamente.

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Do exame particular da acusada.

Cuide o juiz para não protelar ointerrogatório seguinte, que ofaça de imediato. Que pergunte àbruxa por que as pessoas atemem, ou se sabe que édifamada ou odiada, e por queameaçou determinada pessoadizendo: “Não hás de cruzar pormim com impunidade.” E que setranscreva a sua resposta.

Pergunte-se-lhe, então, quemal aquela pessoa lhe fez para

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que ela a ameaçasse commalefícios. Cumpre atentar queessa pergunta é importante parachegar-se à determinação dacausa da inimizade, porque, aocabo, a acusada alegará que oinformante a denunciou porinimizade; no entanto, quandoesta não for de natureza mortal,só uma intriga entre mulheres,não invalida a acusação. Por seresse um costume comum entrebruxas, o de fomentar ainimizade entre si por palavras e

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por atos, como, por exemplo,quando uma pede emprestadodeterminada coisa a outra e senão lhe der, destruirá o seujardim, ou coisa semelhante, afim de criar uma ocasião para osatos de bruxaria; e se manifestamora por palavras, ora por atos; jáque são compelidas a assimproceder pela solicitação dosDemônios, para que assim ospecados dos juízes sejamagravados enquanto a bruxacontinua sem punição.

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Pois repare-se que não fazemtais coisas na presença de outraspessoas, de sorte que se oinformante desejar contar comoutras testemunhas, não poderá.Reparar também que elas sãoinstigadas pelos Demônios,conforme descobrimos pelosdepoimentos de muitas bruxasque depois foram queimadas. Desorte que, não raro, se veemobrigadas a operar bruxariascontra a própria vontade.

Além disso, cumpre indagar à

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acusada de que modo se podeproduzir o efeito a partirdaquelas ameaças, de forma quea vítima, uma criança ou umanimal, seja rapidamenteenfeitiçada. E a essa pergunta aacusada há de responder.Perguntar em seguida: “Por quedisseste que ele nunca mais teriaum dia sequer com saúde? Foiisso o que ocorreu?” Se a respostafor negativa, que se lhe perguntea respeito de outros feitiços,alegados por outras testemunhas

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a respeito do gado ou decrianças. Indagada por que foivista nos campos ou no estábulojunto ao gado, tocando-os, comoàs vezes é o seu costume,respondeu.......

Indagada por que tocounuma criança, que depoisadoeceu, respondeu........... Foitambém perguntada o que fazianos campos por ocasião de taltempestade, e assim também noque concerne a outros assuntos.Por que, tendo uma ou duas

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vacas, obteve mais leite do queseus vizinhos, que tinham quatroou seis. Uma vez mais, que lheseja perguntado por que persisteno estado de adultério ou deconcubinato. Pois que, emboratal questão não seja pertinente àcausa, tais matérias engendrammais suspeita do que no caso deuma mulher casta e honesta queveio ao banco dos réus.

E repare-se que há de sercontinuamente interrogada arespeito dos depoimentos contra

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ela prestados, para ver se sempreretorna às mesmas respostas ounão. E depois de terminado esseinterrogatório, que sejam suasrespostas, negativas, afirmativasou ambíguas, registradas daforma antes indicada.

QUESTÃO VII

Onde são dirimidas váriasdúvidas a respeito dasquestões precedentes e das

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respostas negativas. Se aacusada deve ficar presa equando há de serconsideradamanifestamente indiciadano crime hediondo debruxaria e de heresia. Asegunda etapa ou ação.

Cumpre indagar primeiro o que

se há de fazer quando, como sóiacontecer, a acusada nega todasas acusações. O juiz, nessa

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eventualidade, tem três pontos aconsiderar, quais sejam, a sua máreputação, a evidência dos fatos eo depoimento das testemunhas.Cumpre verificar se esses trêselementos são concordantesentre si. E, como muitas vezes é ocaso, se não o são – já que asbruxas são diversamenteacusadas de atos diferentescometidos em algum povoado oucidade –, mas as provas são pordemais notórias, como quandouma criança foi prejudicada por

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bruxaria, ou quando um animalfoi lesado ou privado de seu leitee as testemunhas prestaramdepoimentos essencialmentecoerentes – embora guardassemalgumas discrepâncias (quandouma declara que ela enfeitiçou oseu filho, outra, a sua vaca, umaterceira meramente atesta a suamá reputação, e assim pordiante) – quanto ao fato dabruxaria, e, demais, a acusada ésuspeita de ser uma bruxa, nãoobstante tais testemunhas não

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serem suficientes para justificar acondenação sem o boato da máreputação ou mesmo com ele,conforme foi demonstrado aofim da Questão III, mesmoassim, levando em conta asprovas tangíveis e visíveis dosfatos, o juiz pode, emconsideração a esses três pontosem conjunto, decidir que aacusada incidiu, não sob forte ougrave suspeita (a ser elucidadamais adiante) manifestamente naheresia de bruxaria. Conquanto

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as testemunhas sejam válidas enão tenham prestadodepoimento por inimizade, e umnúmero suficiente delas, digamosseis, oito ou dez, tenhamprestado depoimentosconcordantes sob juramento.Assim, de acordo com a LeiCanônica, o juiz deverá submetera acusada ao castigo, tenha ounão confessado o crime, o que éprovado da seguinte maneira.

Conforme dissemos, quandotodos os três elementos são

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concordantes entre si, se há deconsiderar a acusada culpada docrime de heresia, embora para talnão haja necessidade de absolutaconcordância entre os três,apenas que nesse caso a provaserá mais evidente. Pois bastauma instância das duascircunstâncias seguintes parareputar uma pessoa comoherética, quais sejam, a evidênciados fatos e o depoimento detestemunhas legítimas. E muitomais quando essas duas

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circunstâncias são concordantes.Quando os juristas

perguntam de quantas maneiraspode uma pessoa ser consideradamanifestamente herética,respondemos que de trêsmaneiras, conforme explicou SãoBernardo. Esse assunto foianteriormente tratado, naQuestão I, ao início desta obra,qual seja, ao tratarmos da provado fato quando o indivíduoprega publicamente a heresia.Mas aqui consideramos a prova

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concreta quando o acusadodeclara publicamente: “Hás deperder a saúde”, ou frasesemelhante, a que se segue oefeito vaticinado. Os outros doismodos são o da prova legítima docaso por testemunhas e, oterceiro, o da própria confissão.Portanto, se cada uma dessasprovar for suficiente para tornara pessoa manifestamentesuspeita, muito mais há de serquando a reputação do acusado,a prova concreta e os

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depoimentos das testemunhasapontam, todos, para a mesmaconclusão. Cumpre ressaltar queSão Bernardo fala de um fatoevidente, enquanto nós aquifalamos da prova do fato. Isso sedá, no entanto, porque o Diabonão opera abertamente, mas simem sigilo. Logo, os males e osinstrumentos da bruxariaidentificados constituem a provado fato. Enquanto que noutrasheresias basta um fato evidentepara provar a culpabilidade do

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acusado, aqui reunimos as trêsprovas.

Em segundo lugar, fica dessaforma provado que a pessoaassim incriminada há de serpunida de acordo com a lei,mesmo que negue a acusação.Porque o indivíduo indiciadopela prova do fato, ou pelodepoimento de testemunhas,confessará ou não o seu crime. Seo confessar e se revelarimpenitente, será encaminhadoao braço secular para sofrer da

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penalidade capital de acordo como capítulo ad abolendam, ou serácondenado à prisão perpétua,segundo prescreve o capítuloexcommunicamus. Mas se não oconfessar, e se o negarobstinadamente, será entregueao Tribunal Civil para que sejapunido de forma adequada,conforme mostra Henrique deSegúsio na sua Summa, ao tratarda forma de proceder legalmentecom hereges.

Portanto, conclui-se que o

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mais justo é quando o juizprocede da maneira indicada,através dos interrogatórios e dosdepoimentos das testemunhas, jáque, conforme dissemos, lhe épermitido nessa espécie de causaconduzir o processo de formaabreviada e sumária. E convémconfinar a acusada na prisão poralgum tempo, ou por algunsanos, caso em que, talvez, depoisde padecer por um ano dasmisérias do cárcere, venha aconfessar os crimes cometidos.

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Porém, para que não pareçaque o juiz decretou a sentençaprecipitadamente, e parademonstrar que procedeu comequidade, indaguemos a respeitodo que deve ser feito a seguir.

QUESTÃO VIII

Que decorre da questãoprecedente. Se deve abruxa ser aprisionada e dométodo para capturá-la.

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Eis a terceira ação do juiz.

O que se pergunta é se, depois

de negar a acusação, a bruxadeve ser mantida sob custódia naprisão quando as três condiçõessupracitadas, a saber, suareputação, a prova do fato e osdepoimentos das testemunhas,são concordantes; ou se deve serdispensada sob custódia para quepossa ser novamente chamada einterrogada. Sobre tal questão

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colocam-se três opiniões.Em primeiro lugar, segundo

alguns, a bruxa deveria sermandada para a prisão e nãodeveria de forma alguma serdispensada sob fiança. Esteia-seesta opinião no raciocíniodesenvolvido na questãoprecedente, a saber, que ela deveser considerada manifestamenteculpada quando os trêselementos que a condenam estãoem acordo.

Outros são da opinião de que

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antes de ser aprisionada ela podeser dispensada sob fiança, desorte que se vier a fugir poderáser considerada culpada. Noentanto, depois de seraprisionada em virtude dasrespostas negativas, não poderáser mais dispensada sob qualquercondição ou sob fiança, ou seja,quando as três condições antesmencionadas foremconcordantes, porque, naquelecaso, não poderiasubsequentemente ser

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sentenciada e punida com amorte. Isso, declaram, é ocostume geral.

A terceira opinião é a de quenão se pode estabelecernenhuma regra rígida, e sim sehá de deixar ao juiz que aja deacordo com a gravidade damatéria, conforme mostrado pelodepoimento das testemunhas,pela reputação da ré, pelaevidência dos fatos e pelo graude concordância desses trêselementos entre si; ademais, o

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juiz há de seguir os costumes dopaís. E os que sustentam essaopinião concluem dizendo que senão se conseguir fiadores de boareputação e confiáveis e se sesuspeitar de que a acusadacontempla a fuga, há de sercolocada no cárcere. Essa terceiraopinião parece ser a maisrazoável, desde que para tal seobserve o procedimento correto,o qual consiste em três etapas.

Primeiro, a sua casa há de servasculhada do modo mais

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detalhado possível, em todos osburacos, cantos e arcas, em cimae embaixo; e se for bruxaconhecida, então, sem dúvida, amenos que os tenha previamenteescondido, serão encontradosvários instrumentos de bruxaria,conforme demonstramosanteriormente.

Segundo, se ela tiver serva,criada ou damas de companhiaque permaneçam caladas, pois,embora não sejam acusadas,presume-se que nenhum dos

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segredos da acusada lhes tenhasido ocultado.

Terceiro, ao ser capturada, seo for em casa, que não se lhe dêtempo para ir ao próprio quarto;pois as bruxas têm o hábito de seproteger dessa forma, trazendoconsigo algum objeto ou força demagia que lhes confere afaculdade de se manter emsilêncio durante o interrogatório.

Surge aí a questão do métodoempregado por alguns paracapturar bruxas – se é lícito ou

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não mantê-la suspensa do chão(o que é feito pelos oficiais dejustiça) e carregá-la numa cestaou numa tábua para que nãopossa mais pisar no chão. A issopode-se responder mediante aopinião dos canonistas e decertos ideólogos que afirmam serlícito por três motivos. Primeiro,porque, conforme se demonstrounas considerações gerais destaParte III, claro fica segundopensam muitas autoridades,sobretudo certos doutores de

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quem ninguém ousaria duvidar,como Duns Scotus, Henrique deSegúsio e Godofredo deFontaines, que é lícito combatera futilidade com a futilidade.Também ficamos sabendo pelaexperiência e pela confissão dasbruxas que quando são assimcarregadas perdem o poder deguardar o silêncio sob examecom mais frequência: de fatomuitas que estavam prestes aserem queimadas pediam paraque pudessem ao menos encostar

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um dos pés no chão; e quandoisso lhes era negado e lhesindagava por que queriam fazê-lo, respondiam que se pudessemtocar no chão conseguiriam selibertar, fulminando muitasoutras pessoas com raios.

Segundo, demonstrou-seclaramente na Parte II desta obraque as bruxas perdem todo o seupoder quando caem nas mãos dajustiça pública, ou seja, comrelação ao passado; mas comrelação ao futuro, a menos que

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recebam do Demônio renovadospoderes para manter-se caladas,confessarão todos os crimescometidos. Portanto, digamoscom São Paulo: “O que quer quefaçamos mediante palavras ouatos, que tudo façamos em nomedo Senhor Jesus Cristo.” E se abruxa for inocente, essa forma decaptura não a prejudicará.

Terceiro, segundo osDoutores, é lícito combater abruxaria com meios vãos; poisque todos concordam nesse

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ponto, embora divirjam quanto àquestão de quando tais meiosvãos podem também ser ilícitos.Portanto, quando Henrique deSegúsio afirma ser lícito oporuma futilidade com outrafutilidade, está se referindo aosmeios vãos, não aos meiosilícitos. Logo, lícito há de sercombater as bruxarias,obstruindo-as; e é a essaobstrução a que a passagem serefere, não a qualquer práticailícita.

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Deixe o juiz atentar tambémpara o fato de haver duasespécies de aprisionamento: umconsiste na punição infligida aoscriminosos, mas o outro consistetão somente na custódia em casade detenção. E essas duasmodalidades são citadas nocapítulo multorum querela;portanto, a bruxa deverá ficar aomenos sob custódia na prisão.Mas se estiver sendo acusada decrime de menor gravidade, e senão tiver má reputação, e não há

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prova de obras suas contracrianças ou animais, entãopoderá ser mandada de voltapara casa. Entretanto, comocertamente se associava a bruxase conhece os seus segredos,deverá conseguir testemunhas daverdade; e se assim não proceder,estará obrigada por juramentos epor penas a permanecer em casa,salvo se intimada ao contrário.Entretanto, os ou as serviçais aque nos referimos acima deverãoficar sob custódia, não obstante

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sem punição.

QUESTÃO IX

Que trata do que há de serfeito depois da captura ese a acusada deve terconhecimento do nomedas testemunhas. Eis aquarta ação.

Há duas questões a serem

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consideradas depois da captura,embora caiba ao juiz decidir qualdeverá ser conduzida emprimeira instância: quais sejam, aquestão de permitir-se à acusadaser defendida e se deve serexaminada na câmara de tortura,embora não necessariamentepara que seja torturada. Só sepermite a defesa quando é feitasolicitação direta; quanto àsegunda questão, apenas quandoa criadagem e as damas decompanhia, caso as tenha,

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tiverem sido, primeiro,examinadas na própria casa.

Mas prossigamos na ordemacima mencionada. Se a acusadaalegar inocência e acusação falsa,e se desejar ver e ouvir osacusadores, é então sinal de queestá solicitando defesa. Mas ficaem aberto se o juiz é obrigado aapresentar-lhe os depoentes ecolocá-los em confronto face aface. Saiba o juiz que não éobrigado seja a tornar conhecidosos nomes dos depoentes, seja a

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trazê-los perante a acusada, amenos que os mesmos, por livree espontânea vontade, seofereçam para prestardepoimento em presença daacusada. E é por causa do perigoincorrido pelos depoentes que ojuiz não está obrigado a assimproceder. Pois que, embora ospapas tenham tido diversasopiniões a respeito do assunto,nenhum deles declarou que emcaso dessa natureza o juiz éobrigado a tornar conhecido da

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acusada o nome dos acusadores(embora aqui não estejamostratando do caso de umacusador). Pelo contrário, algunstêm defendido que em nenhumcaso ele assim deva proceder,enquanto outros já consideremque assim deveria ser, emdeterminadas circunstâncias.

Mas, por fim, Bonifácio VIIIdecretou o seguinte: se, em casode heresia, parecer ao bispo ouao Inquisidor que astestemunhas ou os informantes

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incorreriam em grave perigo emvirtude dos poderes das pessoascontra as quais prestamdepoimento, caso o seu nomeviesse a se tornar público, nãodeverá publicá-lo. Mas se nãohouver perigo, os nomes devemser tornados públicos exatamentecomo em outros casos.

Cumpre aqui observar que talnão se refere só a um bispo ou aum Inquisidor, mas a qualquerjuiz que conduza um julgamentode bruxas com o consentimento

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do Inquisidor ou do bispo; pois,conforme se mostrou na questãointrodutória, podem essesdelegar essa responsabilidade aum juiz. De forma que qualquerjuiz que tenha recebido oencargo, mesmo que seja secular,tem a autoridade do papa, e nãoapenas do imperador.

Ademais, o juiz diligenteatentará para os poderes dosacusados, os quais são de trêstipos, a saber, o poder do berço eda família, o poder das riquezas e

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o poder da malícia. O último háde ser mais temido que os outrosdois, já que acarreta maior perigopara os acusadores caso o seunome se torne conhecido. Arazão para isso ser mais perigosoé tornar conhecidos da acusadaos nomes das testemunhasquando a acusada é pobre,porque é alguém com muitoscúmplices malignos, comobandidos e homicidas, a elaassociados, que nada têm aperder, além da própria vida, o

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que não é o caso com os que sãode berço nobre ou ricos, comabundância de posses temporais.E a espécie de perigo que se háde temer é explicada pelo papaJoão XXII, é o da morte ousupressão, própria ou da prole,ou da família, ou o consumo daprópria substância, ou algumacoisa dessa natureza.

Ademais, que o juiz saibaque, ao agir nessas matérias coma autoridade do supremopontífice e com a permissão do

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ordinário, tanto ele quanto osque participam dos depoimentos,ou, depois, por ocasião dadecretação da sentença, devemmanter o nome das testemunhasem sigilo, sob pena deexcomunhão. E cabe ao bispoassim puni-los caso procedam aocontrário. Portanto, há este deavisá-los, de forma implícita, paraque não sejam revelados osnomes desde o princípio doprocesso.

E o decreto acima

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mencionado do papa BonifácioVIII prossegue dizendo: “E paraque o perigo aos acusadores e àstestemunhas possa ser controladode forma mais eficaz, e para queo inquérito seja conduzido commaior cautela, permitimos, pelasautoridades desse estatuto, que obispo ou os Inquisidores (ou,como já dissemos, o juiz) devemproibir todos os envolvidos noprocesso de revelar sem suapermissão quaisquer segredosque tiverem sabido pela boca dos

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bispos ou dos Inquisidores, sobpena de excomunhão em queincorrerão caso violem taissigilos.”

Cumpre ainda notar queassim como é ofensa passível depunição tornar públicos os nomesdas testemunhas de acusação,também o é ocultá-los sem umbom motivo, por exemplo, daspessoas que têm o direito deconhecê-los, como os advogadose os assessores cuja opinião há deser ouvida para que se chegue a

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uma sentença; da mesma formaos nomes não devem serocultados quando é possívelpublicá-los sem risco ou semqualquer perigo para astestemunhas. A esse respeito, odecreto mencionado diz oseguinte, mais ao final:“Determinamos que em todos oscasos o bispo ou os Inquisidoreshão de tomar cuidado especial afim de não suprimirem os nomesdas testemunhas como seestivessem em grande perigo

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quando na verdade estão emperfeita segurança, nem deproceder ao contrário, tornando-os públicos quando há talameaça, ficando a decisão arespeito a cargo de suaconsciência e juízo.” E foi escritoem comentário a estas palavras:“Quem quer que seja o juiznesses casos, que grave bem estaspalavras, pois não se referem apequenos riscos mas a gravesperigos; portanto, que não priveum prisioneiro de seus direitos

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legais sem causa justa, pois aíestar-se-ia incorrendo em nadamais que numa ofensa ao Todo-Poderoso.”

O leitor precisa reparar quetodo o processo que jádescrevemos, e tudo o que aindatemos para descrever, até osmétodos de lavrar a sentença(salvo a pena de morte), que seacha na província do juizeclesiástico, pode também, com oconsentimento dos diocesanos,ser conduzido por um juiz

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secular. Portanto o leitor não tempor que encontrar dificuldade nofato de que o decreto acima falede um juiz eclesiástico e não deum juiz secular, pois o últimopode adotar o seu método deinfligir a sentença de mortedaquele do ordinário ao lavrar asentença penal.

QUESTÃO X

Que trata da espécie de

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defesa que se podepermitir e da indicação deum advogado. Eis aquinta ação.

Se, portanto, a acusada solicitar

defesa, como se poderá assimproceder quando os nomes dastestemunhas são mantidos emcompleto sigilo? Cabe declararque três considerações devem serobservadas ao admitir-se adefesa. Primeiro, que se indique

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um advogado para a acusada.Segundo, que os nomes dastestemunhas não venham a serconhecidos pelo advogado,mesmo sob juramento de sigilo,mas que este saiba de tudo o quese acha contido nosdepoimentos. Terceiro, a acusadahá de receber, na medida dopossível, o benefício da dúvida,desde que isso não envolva umescândalo à fé, ou seja prejudicialà justiça, conforme se mostrará. Ede forma semelhante o

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procurador judicial doprisioneiro terá pleno acesso atodo o processo, só sendosuprimidos os nomes dastestemunhas e dos depoentes; e oadvogado poderá também agirem nome do procurador.

Quanto ao primeiro dessespontos: deve ser observado que oadvogado não é indicadosegundo a vontade da acusadade sorte a poder escolher qual oque melhor lhe conviria; o juizhá de ter grande cautela ao

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indicá-lo: que não seja umhomem litigioso ou malévolo,nem que seja facilmentesubornado (como muitos o são),mas homem honrado que não sevincule a qualquer tipo desuspeita.

E o juiz há de atentar paraquatro pontos, e se o advogadoatender a eles lhe será permitidodefender, mas não em casocontrário. Em primeiro lugar, oadvogado deve examinar anatureza do caso, e então, se

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achar que é conveniente e justo,poderá aceitá-lo, mas se o acharinjusto deverá recusá-lo e deveráter muita cautela para não aceitarum caso injusto ou desesperado.Mas se, inadvertidamente,aceitou a causa, e também oshonorários, e descobre durante oprocesso que o caso está perdido,deverá então informar à acusada(ou seja, à cliente) que vaiabandonar a causa, e há dedevolver os honorários querecebeu. Essa é a opinião de

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Godofredo de Fontaines, que seacha em absoluta conformidadecom o Cânon de jud. I, rem nonnovam. No entanto, Henrique deSegúsio defende ponto de vistaoposto a respeito da restituiçãodos honorários nos casos em queo advogado já tenha trabalhadoduramente. Consequentemente,se o advogado aceitoudeliberadamente defenderprisioneira que sabe ser culpada,estará sujeito a pagar os custos eas despesas (de admin. tut. I, non

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tamen est ignotum).O segundo ponto a ser

observado é que na defesa daacusada deverá conduzir-seconvenientemente em trêsaspectos. Primeiro, seucomportamento deverá serreservado e desprovido deprolixidades e de oratóriapretensiosa. Segundo, deverá serfiel à verdade, evitando trazer àbaila quaisquer argumentos ouraciocínios falaciosos, ouchamando falsas testemunhas ou

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apresentando sofismas e evasivaslegais se for advogado habilidoso,ou trazendo contra-acusações;especialmente nos casos dessaespécie, que hão de serconduzidos da forma maissimples e mais sumária possível.Terceiro, seus honorários serãodeterminados pelos costumes dodistrito.

Mas retornemos ao ponto. Ojuiz precisa deixar claras taiscondições ao advogado, e por fimadverti-lo para não incorrer na

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incumbência da defesa deheresia, que o deixaria sujeito àexcomunhão.

E não é argumento válidodeclarar ao juiz que não estádefendendo o erro, mas a pessoa.Pois lhe é vedado, seja de queforma for, conduzir a defesa eimpedir a condução simples esumária do caso, pois assimestará procedendo se introduzirquaisquer complicações ou apelosdessa natureza: todas sãoatitudes terminantemente

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proibidas. Pois é notório que elenão está defendendo o erro;porque, nesse caso, seria maisgravemente culpado que aspróprias bruxas, e mais umheresiarca que um magoherético. Todavia, seindevidamente defende umapessoa já suspeita de heresia,torna a si próprio um defensordaquela heresia, e lança sobre simesmo não uma suspeita leve,mas uma grave suspeita, segundoa modalidade de sua defesa; e

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deverá abjurar publicamente aheresia defendida perante obispo.

Desenvolvemos o assuntocom certa extensão, o que nãodeve ser esquecido pelo juiz, emvirtude do grande perigo quepode surgir da conduçãoindevida da defesa por umadvogado ou procurador.Portanto, quando houverqualquer objeção ao advogado, ojuiz deverá dele prescindir eproceder de acordo com os fatos

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e as provas. Mas quando oadvogado não manifestarqualquer objeção, e for homemzeloso e devoto da justiça, entãoo juiz poderá revelar-lhe osnomes das testemunhas, sobjuramento de sigilo.

QUESTÃO XI

Que procedimentos oadvogado deverá adotarquando os nomes das

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testemunhas não lheforem revelados. A sextaação.

Cabe indagar: o que, então, há

de fazer o advogado, comoprocurador da acusada, quandonem um, nem outro tem acessoaos nomes das testemunhas,embora a acusada queira saberquem são? Respondemos que eledeve obter informações do juizsobre todos os aspectos da

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acusação, que terão de lhe serdadas à sua solicitação, só sendoomitidos os nomes dastestemunhas; e com essasinformações deverá procurar aacusada e, se a matéria envolverônus de grande gravidade,deverá exortá-la a ter o máximode paciência.

E se a acusada tornar ainsistir em saber os nomes dastestemunhas, ele poderáresponder-lhe da seguintemaneira: “Podes adivinhar pelas

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acusações que lhe são feitasquem são as testemunhas.” Poisuma criança ou um animal assime assim foram enfeitiçados; ou atal mulher ou a tal homem, porlhe terem recusado dar o quelhes foi pedido, disseste:“Saberão que teria sido melhoratenderem a meu pedido”, ealegam que, em consequência detais palavras, um delesrepentinamente adoeceu; e fatossão provas mais fortes quepalavras. E sabes que tens má

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reputação, e que por muitotempo suspeita-se que venhasfazendo bruxaria contra muitoshomens. E, ao falar dessamaneira, poderá por fim induzi-la a entrar por uma linha dedefesa em que alega que fizeramtal acusação por motivo de ódio;ou então poderá dizer: “Confessoque disse isso, mas não com aintenção de prejudicarninguém.”

Portanto, o advogado deverá,primeiro, colocar perante o juiz e

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seus assessores essa alegação deinimizade pessoal, e o juiz há deinvestigá-la. E se descobrir sercaso de inimizade mortal, por játer havido tentativa deassassinato ou assassinato de fatopelos maridos ou parentes daspartes, ou por alguém de umadas partes já ter sido acusado decrime pela outra parte, fazendo-ocair nas mãos da justiça pública,ou que sérios ferimentos járesultaram de brigas e querelasentre ambas; então o juiz correto

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e prudente consultará com seusassessores quem era das partes aagressora, se a acusada ou osdepoentes. Pois se, por exemplo,o marido ou os amigos daacusada denunciaraminjustamente os amigos dodepoente, se não houver provasdo fato de terem sidoenfeitiçados crianças ou animaisou homens, e se não houveroutras testemunhas, e a acusadanem mesmo é costumeiramentesuspeita de bruxaria, nesse caso

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presume-se que os depoimentoslhe foram lançados por motivode vingança, e ela deverá serconsiderada inocente edispensada livremente, depois deser devidamente advertida paranão tentar vingança, da formaque habitualmente procedem osjuízes.

O seguinte caso pode serrelatado. O filho de Catarina, ouela própria, é enfeitiçado, ouentão ela sofre grande perda decabeças de gado; e ela suspeita da

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acusada porque o marido ou osirmãos previamente haviam feitouma acusação injusta contra elaou seu próprio marido ou irmão.Aqui dupla é a causa dainimizade por parte da depoente,tendo a sua raiz em seu próprioenfeitiçamento e na acusaçãoinjusta contra o marido ou oirmão. Seu depoimento deve ounão ser rejeitado? De certo pontode vista parece que deveria, poisque a denúncia é feita porinimizade; de outro ponto de

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vista, não, por haver provas dofato de bruxaria.

Respondemos que se nessecaso não existem outrosdepoentes, e a acusada nemsequer se acha sob suspeitapública, então não se deve aceitaros depoimentos, que deverão serrejeitados; mas se a acusada ésuspeita, e se o mal não decorrede causas naturais e sim debruxaria (e mostraremos depoiscomo se faz essa distinção), aacusada estará sujeita à purgação

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canônica.Outra pergunta cabível: se os

outros depoentes devem prestartestemunho de provas do fato nacondição de o teremexperimentado em si próprios ouem outros, ou se basta areputação pública da acusada.Respondemos que se deremprovas do fato, tanto melhor.Mas se derem provas tãosomente de sua reputação geral,e nada mais, então, embora ojuiz deva rejeitar aquele

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depoente com base em inimizadepessoal, deverá considerar asevidências do fato, e de suareputação prestada por outrastestemunhas, como prova de quea acusada se acha sob fortesuspeita, e assim poderácondená-la a uma tríplicepunição, a saber: a uma purgaçãocanônica pela má reputação; ou auma abjuração, em virtude dasuspeita que sobre ela recai(existindo várias formas deabjuração para vários graus de

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suspeita, conforme se mostraráno quarto método de lavrar asentença); ou, em virtude daevidência do fato, e se confessaro crime e for penitente, àsentença de não ser entregue aobraço secular para a pena capital,mas à de ser condenada pelo juizeclesiástico à prisão perpétua.Não obstante o fato de ter sidocondenada à prisão perpétuapelo juiz eclesiástico, o juizsecular pode, em virtude dosprejuízos materiais que causou,

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condená-la também àvivicombustão. Entretanto, todosesses temas serão esclarecidosmais adiante, quando tratarmosdo sexto método para lavrar asentença.

Em suma: que o juiz primeirocuide para não se deixarpersuadir com facilidade peloadvogado quando este alegainimizade mortal em benefício daacusada; pois nestes casosdificilmente alguém prestadepoimento sem que haja

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inimizade, já que as bruxas sãosempre odiadas por todos. Emsegundo lugar, que saiba seremquatro as formas pelas quais sepode condenar uma bruxa, asaber: pelo depoimento detestemunhas, pelas evidênciasdiretas do fato, pelas provasindiretas do fato e pela suaprópria confissão. E se ela fordetida por causa de difamaçãopública, pode ser condenada pelaevidência das testemunhas; sepor causa de suspeita definida, as

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provas diretas ou indiretas dosfatos permitem condená-la, e porisso a suspeita há de ser julgadacomo leve, forte ou grave. Tudoisso quando a bruxa não confessao crime: quando o confessa, ocaso pode ser conduzido como jáse explicou.

Em terceiro lugar, que o juizse utilize de todas ascircunstâncias precedentes pararebater o apelo do advogado,esteja a acusada implicada só porcausa de boatos, esteja implicada

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também por certas evidências emapoio à causa que a faz incorrerem suspeita leve ou forte; e entãoserá capaz de responder àalegação pelo advogado deinimizade pessoal, que é aprimeira linha de defesa que estepoderá adotar.

Mas quando o advogadoadota a segunda linha de defesa,admitindo que a acusada usoude palavras contra o depoente dotipo: “Logo saberás o que te vaiacontecer” ou “Logo desejarás ter

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me emprestado ou vendido oque te pedi”, ou semelhantes; ealega que, embora o depoentedepois tenha experimentadoprejuízos seja em sua própriapessoa, seja em sua propriedade,não se há de concluir que aacusada tenha sido a causa poruso de bruxaria, pois doençaspodem ter várias origens; etambém alega que é hábitocomum entre as mulheresdiscutirem com tal palavreadoetc.

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Nessa eventualidade, o juizdeverá responder da seguintemaneira: se a enfermidade sedeve a causas naturais, então aalegação é boa. Mas se as provasindicam o contrário – pois nãopode ser curada por qualquerremédio natural; e na opiniãodos médicos a enfermidade sedeve a bruxaria, ou é o que emlinguagem vulgar se chama de“dano noturno”; ademais, talvezoutras encantadoras sejam daopinião de que se deva a

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bruxaria; ou porque semanifestou repentinamente, semqualquer sintoma prévio, aopasso que as doenças em geral sedesenvolvem gradualmente; outalvez porque o querelante tenhaencontrado certos instrumentosde bruxaria sob a cama ou nassuas roupas ou em outro lugar, equando tais instrumentos foramremovidos a saúde foirepentinamente recuperada,como sói acontecer, conformemostramos na Parte II desta

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obra, onde tratamos dosremédios – nesse caso, mediantealgumas respostas desse jaez, ojuiz poderá facilmente refutar adefesa e demonstrar que aenfermidade foi de fatodecorrente de bruxaria, e não dequalquer causa natural, e que aacusada se acha implicada emsuspeita de bruxaria, em virtudedas palavras ameaçadorasproferidas. Da mesma maneira,se alguém disse: “Tomara que oteu celeiro pegue fogo”, e isso

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depois acontece, engendra-seuma grave suspeita de que apessoa que pronunciou a ameaçatenha causado o incêndio doceleiro, mesmo que outra pessoa,e não ela própria, lhe tenhaateado fogo.

QUESTÃO XII

Que trata do mesmoassunto, onde se especificade que modo a questão da

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inimizade pessoal deve serinvestigada. A sétimaação.

Cumpre reparar que só os

inimigos mortais são impedidosde prestar depoimento, conformemostrado na Questão V. Mas ojuiz pode achar que para chegar auma decisão sobre tal inimizadepelos meios que acabamos deexplicar talvez fique um tantodúbio e insatisfatório; e a

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acusada ou seu procuradorpodem não estar dispostos aaceitar a decisão apoiada em taisfundamentos, ou seja, em funçãode possível inimizade mortal ounão. Portanto, o juiz precisautilizar-se de outros recursospara decidir a respeito da alegadainimizade, de sorte a que nãovenha a punir uma inocente, esim arrancar a plena justiça doculpado. E não obstante taismeios possam guardar certoressaibo de artimanha ou mesmo

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de malícia, o juiz pode empregá-los para o bem da fé e do Estado,pois inclusive São Paulo diz:“Mas sendo ardiloso, eu vosapanhei pela malícia.” E taismeios são particularmente úteisnos casos de uma prisioneira quenão tenha sido publicamentedifamada, e não lhe recaisuspeita por evidência dequalquer fato; e o juiz tambémpode empregá-lo contra asprisioneiras que alegaminimizade por parte dos

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depoentes, e desejam saber todosos nomes das testemunhas.

Eis o primeiro método. Aacusada ou o advogado recebeuma cópia do processo com osnomes dos depoentes ou dosinformantes, mas não na ordemem que prestaram taisdepoimentos; nesse caso, porém,que o nome da testemunha aaparecer primeiro na cópia seja oda sexta ou da sétima a depor eque o que venha em segundoseja o último ou penúltimo.

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Dessa forma a acusada seráenganada e não descobrirá qual atestemunha que declarou isso ouaquilo. Então dirá que são todosseus inimigos, ou não; e se disserque são, será mais facilmentedescoberta numa mentiraquando a causa da inimizade forinvestigada pelo juiz; e se indicarsó alguns como inimigos, aindaassim a causa da inimizade serámais facilmente investigada.

O segundo método ésemelhante. Dá-se ao advogado

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uma cópia do processo eseparadamente uma lista dosnomes dos depoentes; mas sãoacrescidas outras declaraçõesperpetradas alhures por outrasbruxas, mas não declaradas porescrito pelas testemunhas oupelos depoentes. E assim aacusada não será capaz de dizerdefinitivamente que esse ou essaou aquela são seus inimigosmortais, porque não vai saber oque declararam contra ela.

O terceiro método foi

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mencionado na Questão V,acima. Quando a acusada éinterrogada ao fim do segundoexame, antes de solicitar defesaou de lhe ser designado umadvogado, que lhe sejaperguntado se supõe ter inimigosmortais que, deixando de ladotodo o temor de Deus,falsamente a acusariam do crimede heresia ou de bruxaria. Então,talvez sem pensar, e sem ter vistoos depoimentos das testemunhas,responderá que não acha que

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tenha inimigos dessa espécie. Ou,se disser: “Acho que tenho”, eder os nomes de quaisquertestemunhas que tenham dadodepoimento, e que o motivo paraaquela inimizade é conhecido,então o juiz terá mais facilidadeem investigá-la depois, quando aacusada tiver recebido uma cópiado processo e uma cópia dosnomes das testemunhasseparadamente, da maneira queantes explicamos.

Eis o quarto método. Ao fim

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do segundo exame e da segundaconfissão (conforme mostramosna Questão VI), antes de lhe serconcedida qualquer forma dedefesa, que seja interrogada arespeito das testemunhas que lheimputaram o gravame mais sério,da seguinte maneira: “Conhecefulano de tal?”, dizendo-se onome da testemunha. A acusadaterá de responder sim ou não. Sedisser não, não será capaz, depoisde receber os meios de defesa eum advogado, de alegar que tal

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ou qual pessoa seja seu inimigomortal, já que declarou sobjuramento que não a conhece.Mas se disser sim, pergunte-se-lhe se ele ou ela já agiu de formacontrária à Fé Cristã feito umafeiticeira. Então, se disser quesim, por causa disso e daquilo,pergunte-se-lhe se eram amigosou amigas, ou inimigos; ela entãoresponderá imediatamente queeram amigos, porque otestemunho de amigos não élevado em grande conta; e,

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consequentemente, não serácapaz através do advogado dealegar que eram inimigos por játer dito que eram amigos. Mas seresponder que nada sabe sobreaquela pessoa, pergunte-se-lhenovamente se seria sua amiga ouinimiga, e ela responderá maisuma vez que eram amigos. Poisseria fútil alegar inimizade daparte de alguém que não seconhece. Portanto, dirá: “Sou suaamiga, mas se soubesse dequalquer coisa a seu respeito não

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deixaria de revelar.” Portanto,não será mais capaz,posteriormente, de alegarinimizade daquela parte. Talvez,porém, alegue desde o princípiorazões para inimizade mortal, enesse caso algum crédito há deser colocado na apelação doadvogado.

Um quinto método consisteem dar ao advogado ou àacusada uma cópia do processo,com os nomes dos informantessuprimidos. Então a acusada

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descobrirá, e muitas vezes comacerto, quem depôs isso ouaquilo contra ela. E se entãodeclarar: “Fulano e sicrano sãomeus inimigos mortais e gostariade provar o que digo mediantetestemunhas.” O juiz deveráconsiderar se a pessoa indicada éa mesma pessoa que prestou odepoimento; e como ela disseque gostaria de provar mediantetestemunhas, ele examinará taistestemunhas e averiguará ascausas da inimizade, havendo

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sigilosamente chamado paraconsulta homens doutos e demais idade de reconhecidaprudência. E se encontrar razõessuficientes para inimizademortal, há de rejeitar asevidências e dispensar aprisioneira, a menos que hajaoutros gravames contra ela,atestados por outrastestemunhas.

E esse quinto método é ohabitualmente empregado.Descobre-se, na prática, que as

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bruxas rapidamente adivinham,pela cópia do processo, quemprestou informações sobre elas. Ecomo nesses casos a inimizademortal é raramente encontrada, amenos que advenha dos atosperversos da bruxa, o juiz poderáchegar facilmente a umaconclusão pelos meios acima.Também convém notar quemuitas vezes os informantesdesejam confrontar a bruxapessoalmente, e denunciá-lafrente a frente do feitiço que

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recai sobre eles.Há ainda um outro método,

no qual o juiz pode enfimencontrar apoio, quando talvezos outros métodos, sobretudo osquatro primeiros, lhe pareçamdemasiadamente ardilosos eenganadores.Consequentemente, a fim desatisfazer e contentar o maisescrupuloso, e para que emnenhuma falha incorra o juiz,que cuide – depois de terdescoberto pelos métodos acima

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que não existiu inimizade mortalentre a acusada e os depoentes –para agir da seguinte forma, sedesejar remover todas as basespara a queixa esclarecendo aquestão finalmente em consultacom outros assessores. Que dê àacusada ou a seu advogado umacópia do processo, sem os nomesdos depoentes ou dastestemunhas. Como a sua defesaé a alegação de ter inimigosmortais, já tendo talvez indicadovárias razões para a inimizade,

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estejam ou não os outros fatos deacordo com as suas alegações,que o juiz chame para consultahomens letrados de váriascategorias (se contar com ajudadesse tipo) ou pelo menospessoas honestas e respeitáveis(pois esse é o propósito doestatuto que tanto mencionamos)e que faça com que todo oprocesso seja lido para eles, doprincípio ao fim, pelo tabelião ouescrivão, e que os nomes dastestemunhas lhes sejam

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mencionados, mas sob juramentode sigilo; e cumpre saber se estãode acordo em fazer taljuramento, caso contrário osnomes não serão mencionados.

Então que lhes diga de quemodo investigou a alegadainimizade, não tendo sido capazde encontrar nenhumatestemunha de fato. Mas deveráacrescentar que, se quiserem,será adotado um dos seguintesmétodos: ou decidirão ali mesmodurante a consulta se a prova de

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qualquer das testemunhas deveráser rejeitada em função deinimizade pessoal mortal; ouescolherão três, quatro ou cincopessoas que naquela comunidadetêm maior conhecimento dequalquer amizade ou inimizadeentre a acusada e os informantes,que não se acham presentes àconsulta, e que sejam informadosapenas do nome da acusada e datestemunha, mas não doconteúdo dos depoimentos, eque toda a questão fique a

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critério de tais pessoas. Seseguirem o primeiro método, nãopoderão rejeitar com muitacorreção qualquer dastestemunhas, pois o juiz já teráempregado os seus própriosmétodos de investigação; mas seadotarem o segundo, o juiz seacha perfeitamente protegido, ese livra de toda e qualquersuspeita. E há de observar esseúltimo método quando a acusadativer sido capturada em cidadeou em país estrangeiro. Bastam

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esses métodos para examinar aquestão da inimizade pessoal.

QUESTÃO XIII

Dos pontos a seremobservados pelo juiz antesdo exame formal no localde detenção e de tortura.Eis a oitava ação.

A ação seguinte do juiz é

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bastante clara. Pois a justiçacomum exige que a bruxa nãoseja condenada à morte a menosque tenha sido declarada culpadapor própria confissão. Mas aquiestamos considerando o caso dealguém que é capturado emmanifesta heresia por uma dasduas razões firmadas na QuestãoI, a saber: por prova direta ouindireta do fato, ou peladeclaração legítima detestemunhas; e nesse caso há deser exposta a interrogatórios e a

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tortura para que seja exortada àconfissão do crime.

E para tornar mais claro oassunto citaremos um caso queocorreu em Spires e chegou aoconhecimento de muitos. Certohomem honesto barganhava comuma mulher e não conseguiachegar a acordo com ela arespeito do preço dedeterminado artigo; não tardoumuito para que ela, irritada, oameaçasse:

– Logo desejarás teres

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concordado.As bruxas em geral usam essa

forma de falar, ou algumasemelhante, quando desejamenfeitiçar uma pessoa pelo olhar.O homem então, não sem razãotambém irritado com a mulher,olhou por sobre os ombros paraver com que intenção ela haviapronunciado aquelas palavras. E,pasmem os leitores, viu-serepentinamente enfeitiçado: asua boca estirou-se para os ladosaté as orelhas, numa

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deformidade monstruosa. Nãoconseguia trazê-la de volta aonormal, e assim ficou,deformado, por muito tempo.

Essa ocorrência, assim acolocamos, foi trazida ao juizcomo prova direta do fato; e cabeindagar se a mulher deve serconsiderada como incorrendo emcrime manifesto de heresia porbruxaria. A isso se deveresponder com as palavras de SãoBernardo que citamos. Poisexistem três formas pelas quais

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uma pessoa pode ser julgadadessa maneira, não sendonecessário que as três seconjuguem numa só conclusão:cada uma em si mesma – ou seja,a prova do fato, o depoimentolegítimo de testemunhas, ou aprópria confissão – é suficientepara provar que uma bruxa foiflagrada em manifesto crime deheresia.

Mas a prova indireta do fatoé diferente da prova direta.Embora não seja tão conclusiva,

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esta última, decorre ainda daspalavras e obras das bruxas,conforme demonstramos naQuestão VII, e promana dabruxaria que não é tão imediataem seu efeito: transcorre certolapso de tempo entre o efeito e opronunciar das palavrasameaçadoras. Pelo que podemosconcluir que esse é o caso combruxas que foram acusadas e nãoconseguiram uma boa defesa (ouque não se defenderam por nãoterem recebido esse privilégio, ou

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este não lhes foi dado porquenão o pediram). Mas o queestamos para considerar agora équal a conduta a ser adotadapelo juiz, e como proceder aointerrogatório da acusada paraque professe a verdade por simesma a fim de que a sentençade morte lhe possa ser prescrita.

E aí, em virtude do grandeproblema causado pelo silêncioobstinado das bruxas, surgemvárias questões que o juiz precisaconsiderar, as quais serão

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tratadas em diversos tópicos.A primeira é que o juiz não

deve se apressar em submeter abruxa a exame, embora devaprestar atenção a certos sinaisimportantes. Não deve seapressar pela seguinte razão: amenos que Deus, através de umsanto anjo, obrigue o Demônio anão auxiliar a bruxa, ela semostrará tão insensível às doresda tortura que logo serádilacerada membro a membrosem confessar a menor parcela da

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verdade.Mas a tortura não pode ser

negligenciada por esse motivo,pois nem todas elas têm essepoder, e também o Diabo, àsvezes por conta própria, permitiráque confessem os crimes sem sercompelido por qualquer santoanjo. E para o entendimentodisso o leitor deve consultar aParte II desta obra, a respeito dahomenagem que oferecem aoDiabo.

Pois algumas conseguem

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obter do Demônio uma tréguade seis, oito ou dez anos antes deterem de lhe prestarhomenagem, ou seja, antes de aele se devotarem de corpo ealma; ao passo que outras, aoprofessarem pela primeira vez aabjuração da fé, ao mesmotempo lhe rendem homenagens.E a razão por que o Demôniopermite o intervalo de tempoestipulado é que, durante aqueleperíodo, talvez tenha descobertoque a bruxa só tenha negado a fé

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com os lábios, mas não com ocoração, e portanto lhe renderiahomenagem do mesmo modo.

Pois o Demônio não podeconhecer os pensamentosinteriores do coração exceto porconjeturas e por indicaçõesexternas, conforme mostramosna Parte I desta obra, ondetratamos da questão dacapacidade dos Demônios devoltarem o pensamento doshomens para o amor ou para oódio. E muitas têm sido

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encontradas que, pornecessidade ou pobreza, foraminduzidas por outras bruxas, naesperança do perdão derradeirona confissão, transformando-seem apóstatas, afastando-se totalou parcialmente da fé. E sãoessas as que o Diabo abandona,sem que tenha sido coagido porqualquer santo anjo; portanto,prontamente confessam oscrimes, enquanto outras, que têmo coração voltado para oDemônio, são protegidas pela sua

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força e guardam obstinadosilêncio.

E isso nos dá uma clararesposta à questão de comoacontece de algumas bruxasprontamente confessarem, eoutras, não, de forma alguma.No caso das primeiras, quando oDiabo não é compelido porDeus, ele as abandona por suaprópria vontade, a fim de quepela infelicidade temporal e poruma morte tenebrosa seja capazde levar ao desespero aquelas

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sobre cujos corações ele nãoconseguiria o domínio. Pois éevidente de suas confissõessacramentais que nuncavoluntariamente obedeceram aoDemônio, embora tenham sidocompelidas por ele a realizarbruxarias.

E algumas são distinguidaspelo fato de que, após teremadmitido os crimes, tentamcometer suicídio, estrangulando-se ou se enforcando. E são a issoinduzidas pelo inimigo, para que

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não possam obter o perdão deDeus pela confissão sacramental.Isso acontece sobretudo no casodaquelas que não foram agentesvoluntárias do Demônio; emborapossa ocorrer também no casodas voluntárias, após teremconfessado os crimes: mas nessecaso, foi porque o Diabo foicompelido a abandonar a bruxa.

Em conclusão podemos dizerque é tão ou mais difícil obrigaruma bruxa a dizer a verdade doque o é exorcizar uma pessoa

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possuída pelo Demônio.Portanto, o juiz não deve semostrar muito disposto oupronto para proceder a talexame, salvo, conforme jádissemos, esteja envolvida penade morte. E, nesse caso, há deexercer grande cautela, conformemostraremos; e, primeiramente,falaremos do método desentenciar as bruxas à tortura.

QUESTÃO XIV

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Do método de sentenciar aacusada ao interrogatório:e como deve serinterrogada no primeirodia; e se lhe pode prometera vida. A nona ação.

Em segundo lugar, o juiz deve

ter grande cautela em formular asentença, que deve ser nosmoldes seguintes.

Nós, o juiz e os assessores,tendo acompanhado e

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considerado os pormenores doprocesso promulgado por nóscontra N., de tal lugar e de taldiocese, e tendo diligentementeexaminado toda a questão,verificamos estar a acusadaequivocada em suas confissões;por exemplo, ao declarar quefazia uso de tais ameaças sem aintenção de prejudicar ninguém,pois que existem várias provasque são suficientes parajustificar-lhe a exposição aointerrogatório e à tortura. Assim,

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para que seja a verdadeconhecida pela sua própria boca,e que doravante a acusada nãomais ofenda os ouvidos dosjuízes, declaramos, julgamos esentenciamos que no presentedia, a tal hora, a acusada sejasubmetida ao interrogatório e àtortura. Esta sentença foi lavradaetc.

Por outro lado, conforme sedisse, o juiz pode não estardisposto a entregar a acusadapara interrogatório, e pode puni-

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la com a prisão tendo o seguinteobjeto em vista. Que lhe reúna osamigos e lhes diga que ela poderáescapar da pena de morte,embora será punida de outraforma, se confessar a verdade,exortando-os a persuadi-la a queassim proceda. Pois muitas vezesa meditação e a miséria daprisão, e o conselho repetido dehomens honestos, fazem aacusada ficar disposta a revelar averdade.

E encontramos bruxas que

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foram tão motivadas por esse tipode conselho que, em sinal de suarebelião, cuspiam no chão comose o fizessem na cara doDemônio, dizendo: “Afaste-se,maldito Diabo; hei de fazer o queé justo”; depois confessando oscrimes.

Mas se, depois de manter aacusada em estado de suspense,e de adiar continuamente o diado exame, a par de frequentespersuasões verbais, o juizverdadeiramente acreditar que

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ela esteja negando a verdade,que proceda ao interrogatório,mas sem derramamento desangue; sabendo que talinterrogatório será falacioso emuitas vezes, como já se disse,ineficaz.

E deve começar da seguinteforma: enquanto os oficiais sepreparam para o interrogatório,que a acusada seja despida; se formulher, que primeiro seja levadaa uma das células penais e queseja lá despida por mulher

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honesta de boa reputação. Eis omotivo: cumpre vasculhar-lhe asroupas em busca de instrumentosde bruxaria a elas costurados;pois muitas vezes portam taisinstrumentos, por instrução dosDemônios, de membros decrianças não batizadas, cujafinalidade é a de que tais criançasse vejam privadas da visãobeatífica. E depois de osinstrumentos terem sidoretirados, o juiz deverá usar desua capacidade de persuasão e da

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de outros homens honestos ezelosos da fé para induzi-la acontar a verdadevoluntariamente; caso contrário,que ordene aos oficiais que aamarrem com cordas e acoloquem em algum aparelho detortura; então, que o obedeçamde imediato mas sem quedemonstrem satisfação, antesmostrando-se aparentementeperturbados pela tarefa. Emseguida, que ela seja tirada dalipor solicitação de algum dos

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presentes, e levada a um canto,para que seja persuadidanovamente; ao persuadi-la,convém dizer-lhe que poderáescapar da pena de morte.

Em caso de prisioneiracondenada por má reputação,por testemunhas e pela evidênciado fato, só carecendo-se de umaconfissão do crime pela própriaacusada, cabe indagar se o juizpode licitamente prometer-lhe avida, pois, caso viesse a confessaro crime, só lhe restaria sofrer a

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pena capital.Vemos que diferentes pessoas

têm várias opiniões sobre essaquestão. Algumas sustentam quese a acusada é de má reputaçãonotória, e paira sobre ela gravesuspeita em virtude de evidênciae inequívoca do crime, e se elaprópria é em si grande fonte deperigo, por ser líder de outrasbruxas, então pode-se prometer-lhe a vida sob as condiçõesseguintes: que seja condenada àprisão perpétua, a pão e água,

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desde que forneça prova que leveà condenação de outras bruxas. Enão se lhe dirá, ao prometer-se-lhe a vida, que será aprisionadadessa forma; que se deixe aacusada imaginar que algumaoutra pena, como o exílio, lheserá imposta como castigo. E semdúvida bruxas notórias,especialmente as que fazem usode remédios de bruxaria e as quecuram os enfeitiçados por meiossupersticiosos, devem sermantidas dessa forma, para que

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possam ajudar os enfeitiçados, epara que possam delatar outrasbruxas. Mas tal delação não deveser considerada em si suficientepara uma condenação, porque oDemônio é mentiroso, salvo seconsubstanciada pela prova dofato, e por testemunhas.

Outros pensam que, depoisde ter sido condenada à prisãoperpétua, a promessa de poupar-lhe a vida deverá ser mantida poralgum tempo, mas que depoisseja queimada.

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Uma terceira opinião é a deque o juiz pode com segurançaprometer a vida à acusada, masde tal forma que depois sedescarte da incumbência deprescrever-lhe a sentença,delegando-a a outro juiz.

Parece haver algumavantagem em seguir a primeiradessas condutas em virtude dosbenefícios que possam daí adviraos que se acham enfeitiçados;embora não seja lícito usarbruxaria para curar bruxaria, não

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obstante (conforme se mostrouna Questão I e nas consideraçõesgerais desta Parte III) a opiniãogeral seja a de que é lícito usar demeios supersticiosos e vãos pararemover malefícios. Mas oemprego, a experiência e avariedade desses casos serão demaior valia para os juízes do quequalquer arte ou tratado;portanto, essa é questão a serdeixada a seu próprio critério.Mas se verifica muitas vezes quemuitas confessam a verdade

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quando não são contidas pelotemor da morte.

No entanto, se nem asameaças nem as promessas alevam a confessar a verdade,então os oficiais devemprosseguir com a sentença, e abruxa deverá ser examinada, nãode alguma forma nova ouestranha, mas da maneirahabitual, com pouca ou muitaviolência, de acordo com anatureza dos crimes cometidos. Eenquanto estiver sendo

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interrogada a respeito de cadaum dos pontos, que sejasubmetida à tortura com adevida frequência, começando-secom os meios mais brandos; ojuiz não deve se apressar em usardos meios mais violentos. Eenquanto isso é feito, que otabelião tudo anote: de quemodo é torturada, quais asperguntas feitas e quais asrespostas obtidas.

E notar que, se confessar sobtortura, deverá ser então levada

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para outro local e interrogadanovamente, para que nãoconfesse tão somente sob apressão da tortura.

Se após a devida sessão detortura a acusada se recusar aconfessar a verdade, caberá aojuiz colocar diante dela outrosaparelhos de tortura e dizer-lheque terá de suportá-los se nãoconfessar. Se, então, não forinduzida pelo terror a confessar,a tortura deverá prosseguir nosegundo ou no terceiro dia, mas

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não naquele mesmo momento,salvo se houver boas indicaçõesde seu provável êxito.

Que a sentença sejapronunciada em presença daacusada da seguinte maneira:Nós, o supracitado juiz,conforme acima, determinamosque N., em tal dia, serásubmetida à continuação dointerrogatório, para que confessea verdade pelas próprias palavras.E o tabelião colocará tudo nosautos do processo.

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Durante o intervalo, antes dasessão de tortura seguinte, opróprio juiz ou outros homenshonestos deverão tentarpersuadi-la, por todos os meiosque estiverem a seu alcance, paraque confesse a verdade da formaque dissemos, dando-lhe, se lhesparecer conveniente, a promessade que sua vida será poupada.

O juiz deverá cuidar para quedurante esse período guardaspermaneçam com ela – que emmomento algum fique sozinha –,

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para evitar que o Demônio façacom que ela se mate. Embora oDemônio saiba melhor do queninguém se a deixará ou se serácompelido a tal por Deus.

QUESTÃO XV

Do prosseguimento datortura e dos meios esinais pelos quais o juiz écapaz de identificar umabruxa; e da maneira pela

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qual poderá se proteger deseus malefícios. E tambémde que modo devem serraspados os pelosdaquelas partes nas quaiscostumam ocultar asmáscaras e os símbolos doDemônio, além do devidoestabelecimento dos váriosmeios de vencer-lhes aobstinação em manter osilêncio e a recusa daconfissão. Eis a décimaação.

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No prosseguimento da tortura

o juiz deverá agir da seguintemaneira: primeiro, há de ter emmente que, assim como o mesmoremédio não se aplica a todos osmembros, os hereges e osacusados de heresia não deverãoser submetidos ao mesmométodo de interrogatório, deexame e de tortura quanto aosgravames que pairam sobre eles;meios variados e diversos hão deser empregados, segundo as

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pessoas e sua variada natureza.Ora, um cirurgião amputamembros em putrefação; ovelhassarnentas são afastadas dorebanho; mas o juiz prudentenão há de considerar seguro ater-se a uma só norma invariável noseu método de lidar com umaprisioneira dotada de poderesmaléficos taciturnos, e cujosilêncio não consegue superar.Pois se os filhos das trevas seacostumassem a uma só normageral, descobririam meios de

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fugir da bem-conhecidaarmadilha preparada para a suadestruição.

Portanto, o juiz prudente ezeloso há de aproveitar essaoportunidade e escolher ométodo de conduzir o exame deacordo com as respostas ou comos depoimentos das testemunhas,ou conforme a sua própriaexperiência ou sabedoria lheaponta, usando das seguintesprecauções.

Se deseja saber se a acusada

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possui o poder maléfico depreservar o silêncio, que reparese ela é capaz de soltar lágrimasao ficar em sua presença, ouquando estiver sendo torturada.Pois aprendemos tanto pelaspalavras de velhos sábios quantopela própria experiência que esteé sinal quase inequívoco: verifica-se que mesmo quando a acusadaé premida e exortada porconjurações solenes a derramarlágrimas, se for de fato umabruxa, não vai chorar, não

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obstante assuma um aspectochoroso e molhe as bochechas eos olhos com saliva para dar aimpressão de lacrimejamento;pelo que deve ser diligentementeobservada pelos presentes.

Ao declarar a sentença, o juizou o pároco pode usar de algunsmeios, como o apontado a seguir,ao conjurá-la para que derramelágrimas verdadeiras se forinocente, ou para que contenhaas lágrimas falsas. Que coloque amão na cabeça da acusada e diga:

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Eu te conjuro pelas lágrimasamargas derramadas na cruz porNosso Salvador, o Senhor DeusJesus Cristo para a salvação domundo, e pelas lágrimas ardentesderramadas na hora derradeirasobre as Suas chagas pelagloriosíssima Virgem Maria, SuaMãe, e por todas as lágrimas queforam derramadas neste mundopelos santos e pelos eleitos deDeus, de cujos olhos Eleenxugou todas as lágrimas. E sefores inocente hás de agora

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derramar lágrimas, mas se foresculpada não hás de derramá-las,sob forma alguma. Em nome doPai, do Filho e do Espírito Santo,Amém.

E verifica-se que quanto maisconjuradas são, menos sãocapazes de chorar, por mais quetentem, ou por mais que molhemas bochechas com saliva.Todavia, é possível que depois,na ausência do juiz e não nomomento ou no local da tortura,possam ser capazes de chorar na

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presença dos carrascos.O motivo da incapacidade de

derramar lágrimas talvez estejano fato de que a graça daslágrimas é um dos principaisdons concedidos ao penitente;pois São Bernardo nos diz que aslágrimas dos humildes podempenetrar nos Céus e conquistar oinconquistável. Portanto, não hádúvida de que estejamdesagradando ao Demônio, eque ele usa de todos os seuspoderes para contê-las, para

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impedir que a bruxa por fimatinja o estado de penitência.

Mas poderia objetar-se que épossível que convenha à astúciado Demônio, com a permissão deDeus, permitir que uma bruxachore; já que o luto, as tramas eos engodos chorosos sãonotoriamente próprios dasmulheres. Responderíamos quenesse caso, como os julgamentosde Deus são um mistério – senão houver outra forma decondenar a acusada, pelos

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testemunhos legítimos ou pelasevidências do fato, e se ela nãoestiver sob forte ou grave suspeita–, a acusada poderá serdispensada; mas como se achasob leve suspeita em virtude dareputação alegada pelastestemunhas, se há de exigir-lheque abjure a heresia da bruxaria,conforme mostraremos ao tratardo segundo método depronunciar a sentença.

Uma segunda precauçãodeverá ser observada, não só

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nesse momento mas durantetodo o processo, pelo juiz e portodos os seus assessores; a saber,que não devem se deixar tocarfisicamente pela bruxa. Devemevitar, sobretudo, qualquercontato com os braços nus oucom as mãos; devem, ademais,sempre trazer consigo um poucode sal consagrado no Domingode Ramos e algumas ervasconsagradas. Podem ser estesincluídos em cera abençoada eusada em torno do pescoço,

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conforme mostramos na Parte II,quando discutimos asenfermidades e as doençascausadas por bruxaria; e queestes têm uma virtude protetoraextraordinária é sabido não sópelo testemunho de bruxas maspelo uso e pela prática da Igreja,que exorciza e abençoa taisobjetos para esse exato propósito,conforme mostramos nacerimônia de exorcismo quandofoi dito: “Para a erradicação detodos os poderes do Demônio”

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etc.Mas que não se pense que o

contato físico com as juntas ecom os membros seja a únicacoisa a ser evitada; às vezes, coma permissão de Deus, e com oauxílio do Demônio, elas sãocapazes de enfeitiçar o juiz aomero som das palavras quedizem, especialmente nomomento em que são submetidasà tortura.

E sabemos pela experiênciaque algumas bruxas, quando

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detidas na prisão, têminsistentemente suplicado aoscarrascos que lhes seja permitidoolhar para o juiz antes que este asolhe; assim, conseguindo lançarprimeiro o seu olhar sobre ele,são capazes de modificar-lhe opensamento (e também opensamento dos assessores) aponto de fazer com que esteperca todo o ódio que alimentacontra elas, deixando-as sair emliberdade. Aquele que sabe e quepor isso já passou que dê o

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próprio testemunho da verdade;e que elas não sejam capazes derealizar tais coisas!

Que os juízes nãodesconsiderem tais precauções eproteções, pois, se não as levaremna devida conta depois dessaadvertência, correm o risco dadanação eterna. Pois que o nossoSalvador falou: “Se Eu não viessee não lhes tivesse falado, nãoteriam pecado; mas agora não hádesculpa para o seu pecado.”Portanto, que os juízes se

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protejam da maneira indicada,segundo as providências daIgreja.

E se puder serconvenientemente feito, que abruxa seja conduzida de costas àpresença do juiz e de seusassessores. E não só no presentemomento, mas em todos os queo precederam ou que osucederão que o juiz faça o sinalda cruz e que dela se aproximecorajosamente, pois que com oauxílio de Deus o poder da velha

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serpente será destruído. E queninguém considere atitudesupersticiosa conduzi-la de costasà presença do juiz; pois,conforme dissemos muitas vezes,os canonistas permitem até maisdo que isso para proteção contraas bruxarias, afirmando sempreque é lícito opor futilidade contrafutilidade.

A terceira precaução a serobservada nesta décima etapa éque os pelos e cabelos devem serraspados de todo o seu corpo. A

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razão para isso é a mesma porquese deve tirar-lhes as roupas, quejá mencionamos; pois paraconservarem o poder do silênciotêm o hábito de esconder objetossupersticiosos nas roupas e noscabelos, até mesmo nas partesmais secretas do corpo, cujonome não nos atrevemos amencionar.

Mas caberia objetar que oDemônio poderia, sem o uso detais objetos, endurecer de talmodo o coração de uma bruxa

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que ela seria incapaz de confessaros crimes, como sói acontecer nocaso de outros criminosos, nãoimporta a tortura a que sejamsubmetidos, ou a gravidade dacondenação pela evidência dosfatos e das testemunhas.Respondemos ser verdade que oDemônio é capaz de assimproceder, ou seja, sem o uso deobjetos maléficos; mas prefereusá-los para a perdição das almase para maior ofensa à divinaMajestade de Deus.

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O assunto pode ser elucidadopelo exemplo de uma bruxa nacidade de Hagenau, a que nosreferimos na Parte II desta obra.Ela costumava obter o dom dosilêncio da seguinte forma:depois de ter matado umprimogênito recém-nascido quenão fora batizado, assava-o numforno junto com outrassubstâncias que não convém aquimencionar, triturando-o a pó ecinzas; qualquer criminoso oubruxa que portasse uma pequena

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parcela dessa substância finalseria incapaz de confessar seuscrimes.

Fica claro aí que centenas demilhares de crianças assimutilizadas não poderiam por suaprópria virtude dotar uma pessoado poder de ficar em silêncio;mas qualquer indivíduointeligente há de compreenderque tais recursos são utilizadospelo Demônio para a perdiçãodas almas e para ofender a divinaMajestade.

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Uma vez mais, pode-seobjetar que muitas vezes oscriminosos que não são feiticeirosexibem o mesmo poder deguardar silêncio. Para respondera essa objeção cumpre dizer queesse poder maléfico pode advirde três causas. Primeiro, dadureza natural do coração; poisalguns, de coração mole oumesmo com debilidade mental, àmenor tortura tudo admitem, atécoisas que não são verdadeiras;ao passo que outros são tão duros

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que por mais que se os torturenão se consegue deles arrancar averdade; o que costumaacontecer sobretudo com os quejá foram uma vez torturados,mesmo quando seus braços sãorepentinamente estirados etorcidos.

Em segundo lugar, podeadvir de algum instrumento debruxaria trazido pela pessoa,conforme já se disse, seja nasroupas, seja nos pelos do corpo.Em terceiro lugar, mesmo que o

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prisioneiro não tenha tal objetoescondido no corpo, é, às vezes,dotado desse poder por outrasbruxas, por mais afastado quedelas esteja. Certa bruxa emIssbrug costumava gabar-se deque, se ela tivesse apenas umfiapo da indumentária dequalquer prisioneira, era capazde fazer um malefício que pormais que se torturasse a pessoa,mesmo até a morte, ela seriaincapaz de confessar qualquercoisa. Logo, clara está a resposta

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à questão levantada.Mas o que se há de dizer do

caso que ocorreu na diocese deRatisbon? Certos hereges foramcondenados pela própriaconfissão, não só comoimpenitentes, mas como francosdefensores daquela perfídia; noentanto, ao serem condenados àfogueira, aconteceu depermanecerem ilesos sob o fogo.Modificou-se-lhes a sentença:foram condenados à morte porafogamento, o que também de

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nada adiantou. Todos ficaramatônitos, sendo que algunsinclusive começaram a dizer queaquela heresia era de fatoverdadeira; e o bispo, ansiosocom relação ao destino de seurebanho, decretou jejum de trêsdias. Depois do cumprimento dodecreto, em grande devoção,chegou ao conhecimento dealguns que os hereges tinham umobjeto mágico costurado entre apele e a carne debaixo de um dosbraços; depois de descoberto e

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removido tal objeto, foramentregues às chamas e morreramimediatamente. Alguns dizemque uma certa necromanteaprendera esse segredo duranteuma consulta com o Diabo, masque depois confessou a verdade;entretanto, não importa como setenha ficado sabendo do fato, éprovável que o Demônio, sempreardiloso para subverter a fé,tenha sido de alguma formacompelido pela força divina arevelar o mistério.

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Daí se pode perceber o que ojuiz deve fazer quando um casosemelhante lhe cair nas mãos: asaber, deve confiar na proteçãode Deus e, mediante orações ejejuns de devotos, remover essaespécie de obra maléfica operadapelas bruxas, nos casos em quenão são levadas a confessar oscrimes sob tortura, mesmo depoisde despidas e de terem todos ospelos e cabelos raspados.

Ora, nos domínios daGermânia, a raspagem dos pelos,

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sobretudo das partes íntimas, éconduta considerada indecorosa,e, portanto, nós Inquisidores nãoa empregamos, mas costumamosraspar-lhes os cabelos e também,depois de colocar um pedaço decera consagrada numa xícaracom água benta, invocando aSantíssima Trindade, damos-lhesdessa água para beber três vezes,de estômago vazio, e pela graçade Deus temos conseguido quemuitas rompam o silêncio. Masem outros países os Inquisidores

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ordenam a raspagem de todos ospelos do corpo. O Inquisidor deComo nos informou que no anopassado, ou seja, 1485, mandou41 bruxas para a fogueira, depoisde terem tido todos os peloscompletamente raspados. Isso sedeu no distrito e condado deBurbia, conhecido em geral porWormserbad, no território doarquiduque da Áustria, emdireção a Milão.

Mas caberia indagar se, numahora de necessidade, quando

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todos os demais meios pararomper o silêncio da bruxafalharam, seria lícito recorrer aoauxílio de feiticeiras capazes decurar os enfeitiçados.Respondemos que, o que querque possa ter sido feito a esserespeito em Ratisbon, é nossamais firme convicção no Senhorde que ninguém, por maior quepossa ser a necessidade, deverecorrer a feiticeiras em favor doEstado; e isso em virtude dagrande ofensa que é assim

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causada à Divina Majestade,quando existem muitos outrosmeios a nosso alcance quepodemos usar, seja na suaprópria forma ou em formaequivalente, para que a verdadeseja extraída de suas própriasbocas e para que possam sercondenadas às chamas; pois que,mesmo que tais recursos venhama falhar, Deus há de permitir quea bruxa morra de alguma outramaneira.

Ainda nos restam os

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seguintes remédios contra opoder de guardar silêncio.Primeiro, que um homem façatudo o que estiver a seu alcancenos limites de suas própriasqualidades, persistindo muitasvezes com os métodos que jámencionamos, especialmente emcertos dias, conformemostraremos na questãoseguinte. Ver II Coríntios, 9:“Que vos sobre ainda muito paratoda espécie de boas obras.”

Segundo, se isso falhar, que

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consulte outras pessoas; talvezpossam descobrir algum meioque ainda não lhe ocorreu, jáque existem vários métodos paracombater a bruxaria.

Terceiro, se tudo falhar, querecorra a pessoas devotas, comoestá escrito no Eclesiástico, 37:“Sê, porém, assíduo junto a umsanto homem, quandoconheceres um que seja fiel aotemor de Deus.” Que tambémsejam invocados os santospadroeiros do país. Mas se tudo

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isso falhar, que o juiz e todo opovo a um só tempo depositemsua confiança em Deus comorações e jejum, para que abruxaria possa ser removidagraças à piedade. Pois assimJosafá orou em IIParalopômenos, 20: “Nãosabemos o que fazer e nossosolhos se voltam para vós.” E semdúvida Deus não nos falhará emnossa necessidade.

Santo Agostinho também serefere a essa questão (26, q. 7,

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non obseruabitis): “Quem querque observe quaisquer adivinhosou áugures ou os presencia ouconsente em observá-los, ou lhesdê crédito, seguindo-lhes asobras, ou vá a suas casas, os tragapara a própria casa, ou lhes façaperguntas, que saiba estarpervertendo a Fé Cristã e obatismo e é um pagão, umapóstata e um inimigo de Deus, ecorre grave perigo da ira eternade Deus, salvo se for corrigidopor penas eclesiásticas e se

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reconciliar com Deus.” Portanto,que o juiz cuide para sempre usarde todos os remédios lícitos,conforme indicamos, ao lado dasseguintes precauções finais.

QUESTÃO XVI

Do momento oportuno edo método para o segundoexame. E essa é a décimaprimeira ação, que tratadas precauções finais a

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serem observadas pelojuiz.

Há um ou dois pontos a serem

observados em relação ao queacabamos de escrever. Primeiro,que as bruxas devem serinterrogadas nos dias mais santose durante a celebração da missa,e que o povo deve ser exortado aorar, implorando o auxíliodivino, não de alguma maneiraespecífica, mas invocando as

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orações dos santos contra todasas pragas do Diabo.

Segundo, conformedeclaramos antes, o juiz deveráusar em volta do pescoço salconsagrado e outras substâncias,junto às sete palavras que Cristopronunciou na Cruz escritas numquadro, todas unidas. E deve, sepuder convenientemente, fazê-las do tamanho da estatura deCristo, usá-las junto a seu corponu, trazendo consigo, tambémjunto ao corpo, outras coisas

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sagradas. Pois está demonstradopela experiência que as bruxasencontram grande dificuldadeperante tais elementos, edificilmente deixarão deconfessar a verdade. As Relíquiasdos Santos, também, são departicular virtude.

Tendo tomado taisprecauções, e depois de dar àbruxa água benta para beber, quetorne a interrogá-la, exortando-aa confessar a verdade o tempotodo, como no interrogatório

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anterior. E enquanto ela estiversendo suspensa do chão, casoseja torturada dessa forma, que ojuiz leia ou faça ler para ela osdepoimentos das testemunhascom os seus nomes, dizendo:“Vê! Foste condenada pelastestemunhas.” Além disso, se astestemunhas se mostraremdispostas a confrontá-la face aface, o juiz deverá perguntar-lhese irá confessar os crimes casocoloque as testemunhas peranteela. Se consentir, que sejam

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trazidas as testemunhas e que sepostem diante dela, para que sejacoagida a confessar alguns doscrimes.

Por fim, se o juiz perceberque a bruxa não vai admitir oscrimes, há de perguntar-lhe se,para provar-lhe a inocência, elaestá disposta a submeter-se aoordálio pelo ferro incandescente.E todas vão desejar isso, sabendoque o Demônio impedirá osferimentos; portanto, assim seexpõe uma bruxa verdadeira. O

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juiz há de perguntar-lhe comopode ela ser tão ousada a pontode correr tão grande risco, e tudohá de ficar registrado nos autos;mas demonstraremos maisadiante que nunca se devepermitir sejam submetidas aoordálio pelo ferro em brasa.

Que o juiz observe quequando as bruxas sãointerrogadas numa sexta-feira,enquanto as pessoas se achamreunidas na Santa Missa à esperade Nosso Salvador, elas muitas

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vezes confessam.Mas devemos prosseguir para

o caso extremo, quando depoisde todos esses expedientes abruxa ainda se mantém emsilêncio. O juiz deverá entãosoltá-la e, usando das seguintesprecauções, tirá-la do local detortura e conduzi-la a outro local,sob forte vigilância; mas quecuide para não a deixar semqualquer espécie de segurança;pois, nesse caso, nuncaconfessam a verdade: sempre se

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tornam mais obstinadas.Em primeiro lugar, que

permita que seja bem tratada emtermos de alimentação e debebida. Enquanto isso, quetambém permita a pessoashonestas – que não se acham sobsuspeita – aproximarem-se dela ecom ela conversar sobre assuntosindiferentes, para que ao fim aaconselhem, em confidência, aconfessar a verdade,assegurando-lhe que o juiz serámisericordioso e que intercederá

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em seu favor. E que, por fim,venha o juiz e lhe prometa sermisericordioso, mas com reservaespiritual, o que significa queserá misericordioso para consigoou para com o Estado; pois, oque quer que seja feito para asegurança do Estado, émisericordioso.

Mas se prometer-lhe a vida,conforme demonstramos naQuestão XIV, o que poderá fazerde três formas, que tudo sejaanotado pelo tabelião nas

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devidas palavras e com queintenção a misericórdia foiprometida. E se a acusadasuplicar por misericórdia nessestermos, e revelar o crime, que lheseja prometido em termos vagose gerais que receberá ainda maisdo que solicitou, para que possafalar com maior confiança.

Como uma segundaprecaução nesse caso, quando serecusar definitivamente a revelara verdade, o juiz deverá,conforme dissemos antes,

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examinar-lhe os amigos epróximos sem o seuconhecimento; e se estes vierema depor qualquer coisa que possalevá-la à condenação, cumpreinvestigar diligentemente o casode novo. Ademais, se qualquerinstrumento, pomada ouunguento, ou caixas, foremencontrados na sua casa, devemser a ela mostrados,perguntando-se-lhe para quefinalidade eram usados.

Uma terceira precaução pode

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ainda ser tomada quando, apesarde tudo, a bruxa persistir naobstinação, mesmo depois deamigos e conhecidos terem sidoexaminados e terem depostocontra ela, e não a seu favor. Senão tiver amigos, que algumoutro homem de confiança, quetenha intimidade com a acusadae que em certa medida tenhasido seu protetor, entre numanoite em sua cela e entabule comela uma conversa demorada.Então, se não for seu cúmplice,

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que finja ser muito tarde pararetornar, e que permaneça naprisão com ela, para quecontinuem a conversar durante anoite. E se for cúmplice, quecomam e bebam juntos, e queconversem entre si a respeito detudo o que já fizeram. Mas quedo lado de fora da cela, em localpropício, sejam colocadosobservadores, que a tudoescutem e que tomem notas desuas palavras, colocando-se juntoa eles um tabelião se necessário.

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Como quarta precaução, seentão ela começar a contar averdade, que o juiz não adie porqualquer motivo ouvir-lhe aconfissão, mesmo no meio danoite, mas que continue aoextremo de sua capacidade. Sefor durante o dia, que cuide paraprotelar o almoço ou jantar e quepersista até que ela tenharevelado a verdade, ao menos emlinhas gerais. Pois se verifica emgeral que retornarão à suaobstinação depois de adiamentos

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e interrupções e não revelarão averdade que começaram aconfessar, mudando de ideia arespeito.

E que o juiz observe: depoisde ter confessado todos os malescausados a homens e animais, háde perguntar-lhe durantequantos anos tem se entregado aum íncubo, e por quanto tempodesde que abjurou a fé. Poisnunca confessam esses assuntos,salvo quando primeiro jáconfessaram outros atos;

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portanto. cumpre indagar-lhes aesse respeito só no final daconfissão.

Como quinta precaução,quando tudo o quemencionamos tiver falhado, queela, se possível, seja levada a umcastelo; depois de lá mantida sobcustódia por alguns dias, que ocastelão simule sair para umalonga viagem. Então, que algunsde sua família, ou mesmoalgumas mulheres honestas, avisitem e prometam deixá-la sair

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em plena liberdade se ela lhesensinar como realizar certaspráticas maléficas. E que o juizsaiba que mediante esse recursomuitas vezes as bruxasconfessaram e foramcondenadas.

Há pouco tempo uma bruxafoi detida no castelo deKönigsheim, perto da cidade deSchlettstadt, na diocese deEstrasburgo, mas que nãoconfessou os crimes nem porinterrogatório, nem por tortura.

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O castelão usou do método queacabamos de descrever. Emboraele próprio estivesse presente nocastelo, a bruxa pensara quetivesse se ausentado.Aproximaram-se dela então trêsdos familiares e prometeram-lhea liberdade se ela lhes contassecomo eram feitos certosprodígios. A princípio recusou,dizendo que estavam tentandoenganá-la. Mas, por fim,perguntou o que eles queriamsaber. Uma perguntou a respeito

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de como provocar tempestades,outra perguntou a respeito decertos assuntos carnais. Quandopor fim concordou em mostrar-lhes como se causava umatempestade, foi-lhe trazida umatigela com água. A bruxaensinou-lhes a revolver umpouco a água com o dedo,enquanto ela própriapronunciava algumas palavras; esubitamente, no lugar queindicara – um bosque perto docastelo –, desabou uma

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tempestade violenta como hámuito não se via.

Resta ainda mostrar como ojuiz há de proceder paraprescrever a sentença caso todosos meios indicados tenhamfalhado, ou o que ainda se temde fazer, mesmo quando ela jáconfessou os crimes, para que oprocesso chegue ao fim;completaremos esta última parteda obra com a consideraçãodesses assuntos.

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O TERCEIRO TÓPICO

A última parte da obra:de como o processo há deser concluído com opronunciamento de umasentença definitiva e justa.

Tendo, pela graça de Deus,

examinado os meios próprios dechegar a um conhecimento daheresia dos malefícios, e tendodemonstrado como o processo

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em prol da fé deve ser iniciado econduzido, resta por discutircomo tal processo é levado a bomtermo com uma sentençaapropriada.

Cumpre aqui notar que essaheresia, conforme mostrado nocomeço desta última parte, nãohá de ser confundida com outrasheresias simples, já que é notórionão se tratar de crime puro esimples, mas de crimeparcialmente eclesiástico eparcialmente civil. Portanto, ao

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tratarmos dos métodos paralavrar a sentença, devemosprimeiro considerar certa espéciede sentença a que as bruxas têmpor hábito recorrer, caso em queo juiz secular pode agir por contaprópria, independentemente doordinário. Em segundo lugar,havemos de considerar aquelassentenças nas quais o juiz secularnão pode agir sem a participaçãodo ordinário. Por fim, emterceiro lugar, veremos como osordinários podem se desincumbir

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de suas obrigações.

QUESTÃO XVII

Da purgação comum, esobretudo da prova peloferro em brasa a que asbruxas apelam.

A questão é agora saber se o

juiz secular pode permitir que abruxa seja submetida a uma

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purgação comum (a cujo respeitoconsultar o Cânon 2, q. 4,consuluisti, e cap.monomachiam) da mesma formaque se permite ao réu civil aprova pelo ordálio, como, porexemplo, pelo ferroincandescente. Pois que pareceque pode ser assim.

Pois a prova pelo combate épermissível num caso criminalpara a proteção da vida e numcaso civil para a proteção dapropriedade; então, por que não

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a prova pelo ferro em brasa oupela água fervendo? Santo Tomásadmite que o primeiro sejapermissível em alguns casos, aodeclarar no último artigo daSecunda Secundae, q. 95, que umduelo é lícito quando se mostraconsoante o bom senso.Portanto, a prova pelo ferro embrasa também haveria de serlícita em alguns casos.

Também tem sido empregadapor muitos príncipes de vidasanta que têm se aproveitado da

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advertência e do conselho debons homens; como, porexemplo, o imperador HenriqueSantificado no caso da virgemCunegundes, com quem secasara e que depois foi suspeitade adultério.

Uma vez mais, o juiz, que éresponsável pela segurança dacomunidade, pode licitamentepermitir um mal menor para queum maior seja evitado; como aopermitir a existência deprostitutas nas cidades a fim de

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evitar a confusão geral daluxúria. Pois Santo Agostinho,em De Gratia et libero Arbitrio,declara: “Afastai as prostitutas eestareis criando um caos e umaconfusão geral pela luxúria.”Portanto, quando uma pessoativer sido agravada com insultose ofensas por uma comunidade,poderá livrar o seu nome dequalquer ônus criminal ou civilpor meio da provação peloordálio.

Ademais, como menos mal é

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causado às mãos pelo ferro embrasa do que o que é causado àvida pelo duelo, se um duelo épermitido onde é costume, muitomais há de ser permitida a provapor meio do ferro em brasa.

Mas o ponto de vistacontrário avulta no seguinteargumento (2, q. 5,monomachiam): “Aquele quepratica tais coisas e coisassemelhantes parece estardesafiando a Deus.” E aqui osdoutores afirmam ser mister

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observar que, segundo São Paulo(I Tessalonicenses, 5), precisamosnos abster não só do mal, mas detodas as aparências do mal.Portanto, diz o Cânon naquelecapítulo, não é que os que fazemuso de tais práticas estejamdesafiando a Deus, mas queparecem desafiá-Lo, podendo-seassim entender que, mesmoquando um homem participa deprova dessa natureza apenas comboas intenções, por apresentarela uma aparência malévola,

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deve ser evitada.Respondo que tais provas são

ilícitas por duas razões. Emprimeiro lugar, porque o seupropósito é o de julgar coisasocultas cujo julgamento só cabe aDeus. Em segundo lugar, por nãohaver uma autoridade divinapara tais provas nem serem elassancionadas nos escritos dossantos padres. E diz o capítuloconsuluisti, 2, q. 5: “O que não seacha sancionado nos textos dossantos padres há de ser

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considerado supersticioso.” E dizo papa Estêvão no mesmocapítulo: “Fica a vosso critériosubmeter a prova os prisioneiroscondenados pela própriaconfissão ou por provas ou porevidência; mas deixai o oculto e odesconhecido ao julgamentoDele, o Único a conhecer ocoração dos homens.”

Todavia, há uma diferençaentre um duelo e o ordálio peloferro em brasa ou por águafervendo. O duelo se afigura

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mais humanamente razoável –por serem os combatentes deforça e de habilidade semelhante– do que a prova pelo ferro embrasa. Pois embora o propósitode ambos seja o de descobriralguma coisa oculta através deum ato humano, no caso doordálio pelo ferro em brasabusca-se um efeito miraculoso, oque não acontece no caso de umduelo, em que o máximo quepode acontecer é a morte de umou de ambos os combatentes.

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Portanto, a prova do ferroincandescente é absolutamenteilícita; não obstante o duelo nãoo seja no mesmo grau. E muitotem sido incidentalmenteadmitido em relação a duelos,pelos príncipes e pelos juízesseculares.

Há de reparar-se que, emvirtude das palavras de SantoTomás ao fazer a distinçãomencionada, Nicolas de Lira, emseu comentário sobre o duelo ouo combate entre Davi e Golias (I

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Reis, 17), tenta provar que emalguns casos o duelo é lícito. MasPaulo de Burgos prova que nãofoi isso, e sim o contrário, queSanto Tomás quis dizer; e todosos príncipes e juízes secularesdevem prestar atenção particulara essa prova.

Seu primeiro argumento é deque o duelo, como as demaisprovas pelo ordálio, tem porfinalidade o julgamento de algooculto, que há de ser confiado aojuízo de Deus, como já dissemos.

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E não se pode dizer que aquelecombate de Davi autoriza osduelos; pois lhe foi revelado peloSenhor, mediante algum instintointerior, que ele deveriacombater o filisteu e dele sevingar das ofensas contra Deus,como é provado pelas própriaspalavras de Davi: “Eu, porém,vou contra ti em nome doSenhor dos exércitos, do Deusdas fileiras de Israel, que tuinsultaste.” Assim, não falavapropriamente como quem vai a

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um simples duelo, mas como umexecutor da justiça divina.

Seu segundo argumento é deque os juízes devemespecialmente observar que numduelo o poder, ou pelo menosuma licença, é dada a cada umadas partes para se matarem. Mascomo um dos dois é inocente, talpoder ou licença é dado para quese mate um inocente; e isso éilícito por ser contrário ao queditam a lei natural e osensinamentos de Deus. Portanto,

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o duelo é absolutamente ilícito,não só por parte de quem a eleapela e por parte de quem lheresponde, mas também por partedo juiz e de seus conselheiros,que passam a ser todosconsiderados igualmentehomicidas culposos.

Em terceiro lugar, acrescentaque o duelo é o combate únicoentre dois homens, cujopropósito é o de que a justiça docaso se elucide pela vitória deuma das partes, como se fosse

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por juízo divino, não obstanteuma dessas partes lutar por causainjusta; e é nesse sentido que sedesafia a Deus. Portanto, é ilícitopela parte do apelante e dorespondente. Mas aoconsiderarmos o fato de que ojuiz não possui outro meio dechegar a um bom termo nadisputa, justo e equânime, casonão se faça uso desse recurso, erecomenda ou mesmo permite oduelo, está consentindo a mortede uma pessoa inocente.

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No entanto, por serimprovável que Nicolas, oComentador, não soubesse ouignorasse o raciocínio acima,conclui-se que, ao dizer que emalguns casos o duelo pode serdisputado sem que se incorra empecado mortal, está se referindono que tange aos juízes ouconselheiros, a saber, nos casosem que o duelo não é de suaresponsabilidade ouconhecimento, mas se faz só poriniciativa do apelante e do

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próprio respondente.Mas como não é nosso

propósito arrastar o debate arespeito de tais considerações, esim retornar à questão dasbruxas, claro está que, se essaespécie de prova é proibida nocaso de outras causas criminais,como nos casos de roubo ouassalto, deve ser ainda maisproibida no caso das bruxas, que,se concorda, obtêm todo o seupoder dos Demônios, seja paracausar males, seja para remover

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ou prevenir os efeitos dasbruxarias.

E não admira que as bruxassejam capazes de transpor ilesas aprova pelo ordálio com o auxíliodos Demônios; pois aprendemosatravés dos naturalistas que, se asmãos forem ungidas com o sumode certas ervas, ficam protegidasde queimaduras. Ora, oDemônio possui umconhecimento exato das virtudesde tais ervas; portanto, emboraseja capaz de proteger a mão da

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acusada do ferro em brasa,interpondo entre este e a mãooutra substância invisível, é capazde obter o mesmo efeito pelo usode objetos naturais. Portanto,não se deve permitir que asbruxas sejam submetidas aoordálio, e ainda menos queoutros criminosos, em virtude desua íntima familiaridade com oDemônio; e pelo próprio fato deapelarem a essa prova deve-seaumentar a suspeita de quesejam bruxas.

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Um incidente ilustrativo denosso argumento ocorreu hámais ou menos três anos nadiocese de Constance. Nosterritórios do conde deFürstenberg e na Floresta Negravivia uma bruxa motivo de váriasqueixas públicas. Por fim, emdecorrência de diversasexigências judiciais, foi capturadapelo conde e acusada de váriosmalefícios. Quando estava sendotorturada e interrogada,desejando escapar-lhes das mãos,

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apelou para o ordálio pelo ferroem brasa; e o conde, jovem einexperiente, assim permitiu. Foiquando ela conseguiu carregar oferro incandescente não apenaspelos três passos estipulados, maspor seis, e ainda se ofereceu parasegurá-lo por maior distância.Então, embora devessem terconsiderado o fenômeno provamanifesta de que era uma bruxa(já que nenhum dos santosousaria desafiar a ajuda de Deusdessa forma), foi ela libertada

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dos grilhões e ainda vive atéhoje, não sem grave escândalopara a fé naquelas regiões.

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QUESTÃO XVIII

Da maneira de pronunciar asentença final e definitiva.

Em continuidade ao que

dissemos a respeito daquelescasos em que o juiz secular podesozinho julgar e estipular asentença, sem a cooperação dodiocesano e ordinários,

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necessariamente pressupomosnão ser só compatível com aproteção da fé e da justiça quenós Inquisidores devamos serdesincumbidos da tarefa delavrar a sentença nesses casos,como também, com mesmasinceridade de espírito, queremosaliviar os diocesanos de talincumbência. Não no desejo detirar-lhes a autoridade ejurisdição, pois, se for sua escolhaexercitar a autoridade que lhes éconferida, só nos restaria, a nós

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Inquisidores, concorrer para tal.Cumpre lembrar, também,

que o crime de bruxaria não émeramente eclesiástico. Portanto,os potentados e os castelães nãoestão impedidos de processar asbruxas e de julgá-las. Ao mesmotempo, mostraremos que emalguns casos não devem eleschegar a uma sentença definitivasem autorização dos diocesanos.

Primeiro, contudo, devemosconsiderar a sentença em si; emsegundo lugar, a natureza de seu

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pronunciamento; e em terceiro,as várias maneiras de serpronunciada.

Em relação à primeira dessasquestões, Santo Agostinho dizque não devemos pronunciar asentença contra qualquer pessoa,salvo que tenha sido comprovadaa culpa, ou que a tenhaconfessado. Ora, existem trêsespécies de sentença – ainterlocutória, a definitiva e apreceptiva. Assim são explicadaspor São Raimundo. A sentença

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interlocutória é a que é prescritanão com relação à causa judicialprincipal, e sim a respeito dequestões marginais referentes aocaso, embora sobre assuntos queemerjam durante as audiências;como, por exemplo, sobre arejeição ou não de algumatestemunha, ou se será admitidaou não alguma digressão, eoutras questões afins. Ou talvezpossa ser chamada deinterlocutória por ser decretadapor pronunciamento oral e não

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mediante a formalidade dasentença lavrada em papel.

A sentença definitiva éaquela em que se pronuncia adecisão final referente à causajudicial principal.

A sentença preceptiva éaquela pronunciada porautoridade inferior à instruçãode autoridade superior. Mas sónos ocuparemos das duasprimeiras, sobretudo da sentençadefinitiva.

Pois bem, acha-se agora

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estabelecido por lei que asentença definitiva a que sechegou sem a devida observaçãodos próprios procedimentoslegais durante o processo édestituída de validade oulegalmente nula. A conduta legalde determinado caso compõe-sede dois elementos. Um dizrespeito aos fundamentos dojulgamento. Pois deverão sertomadas as devidas providênciaspara que se ouçam osargumentos tanto da promotoria

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quanto da defesa: sentençapromulgada sem a devidaaudiência é improcedente. Ooutro elemento não diz respeito atais fundamentos, mas determinaque a sentença não sejacondicional: por exemplo, areivindicação de posse não deveser decidida condicionalmenteem função de uma ulteriorreivindicação de propriedade;não obstante, quando nãohouver dúvida a respeito depossível objeção dessa natureza, a

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sentença será válida.Entretanto, no caso que

estamos considerando, que é oprocesso em benefício da fé econtra o gravame da heresia(embora este seja de naturezamista), o procedimento é direto esumário. Vale dizer: o juiz nãoprecisa requerer ordem judicialou mandado, ou exigir que ocaso seja contestado. Há,contudo, de dar oportunidadepara que se anexem as provasnecessárias, emitir a sua

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intimação, requerer a declaraçãosolene do juramento sobre acalúnia etc. Pois que surgiurecentemente nova lei que trataespecificamente do método deprocedimento em tais casos.

Para prosseguirmos com anossa segunda consideração, asaber, da natureza dopronunciamento da sentença,cumpre atentar que só deverá serpronunciada pelo juiz e porninguém mais, caso contrário,não será válida. Também o juiz

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deverá ficar sentado em localpúblico e respeitável e há depronunciá-la durante o dia e nãoà noite; ademais, existem outrascondições a serem observadas.Por exemplo, a sentença nãopode ser promulgada em diassantos, quando nem poderá serlavrada.

Todavia, é mister observarque, conforme já dissemos, comotais casos são conduzidos demaneira simples e sumária,poderão ser licitamente

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realizados em dias santos paraconveniência do público, e o juizpoderá eliminar quaisquerdigressões. Portanto, o juiz pode,se quiser, agir dessa forma einclusive emitir a sentença, sem acolocar por escrito. Pois fomosinformados por certasautoridades de que há casos emque a sentença é válida sem queseja lavrada, como por exemploquando esse é o costume dequalquer localidade particular ouda corte. Também há excelente

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precedente para que um bispo,quando este é o juiz, permita quea sentença seja pronunciada poralguma outra pessoa.

Convém notar uma vez maisque, embora nas ações criminaisa execução da sentença não devaser protelada, essa norma nãoserve para quatro casos, dois dosquais nos interessam. Primeiro,quando a prisioneira é mulhergrávida; quando então há de serpostergada até que dê à luz.Segundo, quando a prisioneira

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confessou o crime, mas depoistornou a negá-lo; ou seja,quando a confissão não foirepetida conforme explicamos naQuestão XIV.

Pois bem, antes quecontinuemos em nossa terceiraconsideração, ou seja, osdiferentes métodos de protelar asentença que nos ocupará até ofinal desta obra, precisamosinsistir a respeito dos váriosmodos pelos quais umaprisioneira se torna suspeita,

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donde os vários métodos dedeclarar a sentença se seguemcomo corolário.

QUESTÃO XIX

Dos vários graus desuspeita manifesta quetornam a acusada sujeitaa pena.

Tanto a legislação antiga

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quanto a atual ajudam a elucidaras seguintes questões: de quantose de quais modos pode umapessoa ser considerada suspeitade heresia e se pode ser julgada econdenada por causa de talsuspeita. A glosa sobre o capítulonos in quemquam, que citamosna última questão, diz seremquatro os meios para se condenaruma prisioneira: ora pelodepoimento de testemunhas notribunal, ora pela prova dos fatos,ora em virtude de prévias

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condenações, ora ainda emvirtude de grave suspeita.

E os canonistas ressaltamexistir três espécies de suspeita. Aprimeira, a leve, de que o Cânondeclara: “Não haveis de julgarninguém por ser suspeitosegundo vossa própria opinião.”A segunda, a provável, que,contrariamente à primeira,conduz à purgação. E a terceira,ou grave, que leva à condenação.E São Jerônimo bem compreendeessa espécie de suspeita ao dizer

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que a esposa poderá ter odivórcio seja por fornicação, sejapor forte suspeita de fornicação.

É preciso ainda observar quea segunda suspeita, altamenteprovável e circunstancial, é aceitacomo espécie de semiprova ouprova intermediária; ou seja,como elemento que ajuda aconsubstanciar as demais provas.Portanto, é capaz também delevar a acusada a julgamento, enão só à purgação. E quanto àsuspeita grave, que é suficiente

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para a condenação, cumprereparar que é de dois tipos. Um éda lei e pela lei, quando estaprescreve e determina algumponto contra o qual não se há deadmitir qualquer prova. Porexemplo, quando um homempromete casar-se com umamulher e daí sobrevém a cópula,então presume-se ter havido omatrimônio e não se aceita provaem contrário. O segundo é da leimas não pela lei, como acontecequando a lei presume ou

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pressupõe mas não determina ofato. Por exemplo, se um homemviveu muito tempo com umamulher, presume-se que elatenha mantido relações carnaiscom ele, embora se aceitemprovas em contrário.

Aplicando tais consideraçõesà nossa discussão relativa àheresia das bruxas e às leismodernas, afirmamos que nasleis identificam-se três graus desuspeita: a primeira, a suspeitaleve; a segunda, a grande

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suspeita; e a terceira, a grave ougravíssima.

A primeira é chamada pelalei de suspeita leve. Desta se dizna capítula Accusatus, de Haeret,sexto livro: “Se a acusada ou aacusada incorreu só em suspeitade pequena monta ou leve, e sereincidir nessa suspeita, emboradeva ser severamente castigadapor isso, não há de padecer doscastigos destinadas aos quereincidem em heresia.” E estasuspeita é designada leve ou de

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pequena monta, seja porquepode ser removida por defesaleve e de pequena monta, sejaporque promana de conjecturasdo mesmo jaez. Portanto, échamada de leve, em virtude dastênues provas; e leve, em virtudedas tênues conjecturas.

Como exemplo de heresiasimples, vale mencionar aquelaem que incorrem pessoas que sereúnem sigilosamente para finsde adoração; ou as que diferemda maneira de viver e do

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comportamento habituais dosfiéis; ou aquelas que se reúnemem abrigos, alpendres ouceleiros, ou nas estações maissagradas em campos ou embosques remotos, de dia ou denoite, ou que são sempre vistasjuntas e não comparecem à missanos horários habituais e damaneira habitual, ou fazemamizade sigilosa com pessoassuspeitas de bruxaria. Taispessoas incorrem pelo menos emsuspeita leve de heresia, porque

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se prova que os hereges agemmuitas vezes dessa forma. E arespeito dessa espécie de suspeitadiz o Cânon: aqueles que pelomenor argumento mostram-sedesviados dos ensinamentos edos caminhos da religião católicanão devem ser consideradoshereges, nem se lhes dá depronunciar qualquer sentença.

Henrique de Segúsioconcorda com isso em suaSumma; de Praesumptione, ondediz: “Há de notar-se que, embora

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o herege esteja condenado pelomais tênue argumento daquilode que é suspeito, nem por issohá de ser considerado herege.” Eprova-o pelo raciocínio acimaexposto.

A segunda espécie desuspeita, ou suspeita grave,também é designada pela lei deveemente, e desta o Cânon jámencionado (Accusatus)também fala: “Aquele que éacusado ou suspeito de heresia,contra quem paira grave ou

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veemente suspeita desse crime.”etc. E prossegue: “Pois que estasnão compõem duas espécies desuspeita, mas uma só.” Giovannid’Andrea também diz:“Veemente é o mesmo que forte,como o arcediago a ela se refereao falar a respeito desse trechocanônico.” Da mesma formaBernardus Papiensis e Hugucciodeclaram que veemente é omesmo que forte ou grande. Diztambém São Gregório, noprimeiro livro de seu Sobre a

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moral: “Uma veemente ventaniasurgiu de repente.” Portanto,dizemos que qualquer pessoatem um caso veemente quandoele é de grande vulto. Bastaquanto a isso.

Portanto, à grande suspeita sedá o nome veemente ou forte; eassim é chamada por só serconsiderada em função deveementes e fortes indícios, e pordecorrer de grandes, veementes efortes conjecturas, argumentos eevidências. Como costuma

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acontecer, para tomar umexemplo de heresia simples,quando pessoas dão guarida ahereges notórios e demonstramfavorecê-los, ou os visitam, lhesdão presentes, ou com elesconvivem, recebendo-os em casae protegendo-os e assim pordiante tais indivíduos sãoveementemente suspeitos deheresia. E de forma análogaquanto à heresia das bruxas:passam a ser suspeitos quandocompartilham dos crimes de

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bruxaria.E cumpre aqui insistir

particularmente naqueleshomens e mulheres que nutrempaixões desregradas ou ódiosviolentos, mesmo quando nãoperpetram malefícios contrahomens e animais de outrasformas. Pois, conforme jádeclaramos, os que assim secomportam são sempre suspeitos,seja qual for a sua heresia. Isso érevelada pelo Cânon, onde diznão haver dúvida de que tais

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pessoas assim procedem porsimpatizarem com algumaheresia.

A terceira e maior suspeita épela lei chamada de grave ouextrema (violenta): pois o Cânone as glosas do arcediago e deGiovanni d’Andrea explicam queo vocábulo veemente não tem omesmo significado que violentoou extremo. E a respeito dessasuspeita diz o Cânon (dist. 34):“Essa presunção ou suspeita échamada violenta porque

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violentamente coage e compele ojuiz a nela acreditar; e tambémpor manar de conjecturasviolentas e convincentes.”

Por exemplo, na heresiasimples, se certas pessoas revelamuma adoração ou amor reverentepor hereges, se deles recebemconsolo e com elesconfraternizam ou deles recebema comunhão, ou perpetramqualquer outra blasfêmiasegundo seus ritos e cerimônias,são pessoas que incidem em

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violenta suspeita de heresia e decrenças heréticas, e por isso hãode ser condenadas. (Consultar osmuitos capítulos do livro VI doCânon dedicadas ao tema.) Poisque não há dúvida de que taispessoas ajam dessa forma emvirtude da crença em algumaheresia.

O mesmo se dá, no que tangeà heresia das bruxas, com os querealizam e insistem em realizarações que pertencem ao âmbitodos ritos de bruxaria.

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Atualmente, são estes de váriostipos. Por vezes é apenas naforma de palavras ameaçadoras,como: “Logo verás o que vai teacontecer”, ou algo semelhante.Noutras ocasiões, o gestomaléfico consiste no toque:colocam curiosamente as mãosnum homem ou num animal.Noutras, ainda, é só questão deserem vistos, ao se mostrarem aoutras pessoas que se acham nacama, dormindo, seja de dia, sejaà noite; e assim procedem

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quando desejam enfeitiçarhomens ou bestas. No entanto,para desencadear tempestades,observam vários outros métodose cerimônias, executando rituaisdiversos perto de rios, conformemostramos antes ao discutir osvários métodos de operarbruxarias. Quando tais pessoassão descobertas e se tornamconhecidas publicamente, sãoincriminadas por suspeitaviolenta e heresia maléfica;sobretudo quando algum efeito

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maligno seguiu-se a seus atos,seja imediatamente, seja depoisde transcorrido algum tempo.Há, nessa eventualidade,evidência direta do fato, ouevidência indireta, quandoalguns instrumentos de bruxariasão encontrados em determinadolugar. E embora quando após umintervalo de tempo maisprolongado a evidência do fatonão seja tão forte, essa pessoaainda se acha sob forte suspeitade bruxaria, e, logo, muito mais,

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suspeita de simples heresia.Quando se pergunta se o

Demônio não seria capaz deinfligir males sobre homens eanimais sem o auxílio de umamulher que vissem numa visãoou que os tocasse, respondemosque sim, desde que Deuspermita. Mas a permissão deDeus é mais facilmenteconcedida no caso de umacriatura que a Ele era dedicada,embora negando a fé tenhaconsentido em praticar crimes

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tenebrosos; é por isso que oDemônio se utiliza desses meiospara prejudicar as criaturas.Além disso, podemos dizer que,embora o Demônio seja capaz deoperar sem a ajuda da bruxa,prefere muitíssimo trabalhar aolado de uma, pelas várias razõesque já revelamos antes nestetrabalho.

A fim de resumir nossasconclusões sobre o assunto,cumpre dizer que, seguindo asdistinções feitas anteriormente,

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aquelas pessoas que são suspeitasde heresia maléfica dividem-seem três categorias, já quealgumas são levemente suspeitas,outras o são fortemente, e outrasainda gravemente. Sobre as querecai leve suspeita vê-se queagem de forma a levantar contraelas uma pequena ou tênuesuspeita dessa heresia. E nãoobstante, como já se disse, a estasnão se há de rotular de hereges,embora devam ser submetidas àpurgação canônica, ou deverão

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pronunciar uma abjuração soleneno caso de serem condenadas deheresia leve.

Pois o Cânon (cap.excommunicamus) declara: aspessoas que se acham sobsuspeita provável (que, conformeHenrique de Segúsio, é umasuspeita leve), respeitando-se anatureza da suspeita e aqualidade das pessoas, devemprovar sua inocência mediante adevida purgação, caso contráriodeverão ser estocadas com a

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espada do anátema comoreparação válida à vista de todosos homens. E se persistiremobstinadamente em suaexcomunhão pelo período de umano, deverão ser completamentecondenadas como hereges.

Repare-se que, na purgação aque são expostas, consintam-naou não, e nela falhem ou não,são, em todos os aspectos,consideradas notórias heregessobre as quais se há de impor apurgação canônica.

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O fato de que a pessoa sobleve suspeita pode e devepronunciar uma abjuração soleneé demonstrado no capítuloAccusatus, onde diz: a pessoaacusada ou suspeita de heresia,contra quem há forte suspeitadesse crime, se abjurar a heresiaperante o juiz e depois tornar aincidir no mesmo erro, por umtipo de ficção legal, há de serjulgada herege recidivante,embora não se tivesse provadosê-lo antes da abjuração. No

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entanto, se a suspeita era, emprimeiro lugar, leve ou pequena,não obstante a reincidência torneo acusado sujeito a severapunição, não deverá sofrer ocastigo dos que reincidem emheresia.

Mas as pessoas que sãofortemente suspeitas, ou seja, asque agiram de tal forma afazerem recair sobre si grande eforte suspeita, também nãodeverão necessariamente serconsideradas hereges ou

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condenadas como tal. Pois noCânon afirma-se expressamenteque ninguém deverá sercondenado por crime tão gravecom base em forte suspeita. Ediz:

Determinamos, portanto,que, quando o acusado se achaapenas sob suspeita, mesmoforte, não seja condenado por tãograve crime; não obstante, nessescasos estará obrigado a abjurartodas as heresias em geral, e emparticular a de que se acha sob

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forte suspeita.Mas se depois a pessoa

reincidir nessa ou noutra formade heresia, ou se vier a seassociar a bruxas ou a hereges,ou se os visitar, os receber, ou osconsultar, ou os perdoar, ou osfavorecer, não há de escapar dapunição dos reincidentes,segundo o capítulo Accusatus.Pois lá está escrito: a pessoa queestiver envolvida numa espécieou numa seita de heresia, ou queerrou num dos artigos da fé ou

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num dos Sacramentos da Igreja,tendo, depois de abjurado essaforma de heresia e todas asdemais, voltado a incidir emoutra espécie de heresia, ouvoltado a errar em outro artigoou Sacramento da Igreja, seráconsiderada por nós reincidente.Aquele que, portanto, antes daabjuração, enveredara por seitaherética e depois dela recebehereges, visita-os, ou lhes dápresentes, ou os favorece etc., éválida e verdadeiramente

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considerada reincidente.Porquanto mediante essa provanão há dúvida de que eraculpado em primeira instância.Esse é o teor do Cânon.

Dessas palavras depreende-seclaramente existirem três casosem que a pessoa sob fortesuspeita de heresia deverá,depois da abjuração, ser punidacomo reincidente. O primeiro équando reincide na mesmaheresia da qual era consideradafortemente suspeita. O segundo é

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quando, depois de ter abjuradotodas as formas de heresia emgeral, torna a incidir noutro tipode heresia, mesmo que destanunca tivesse sido acusada ouestado sob suspeita. O terceiro équando torna a receber e afavorecer outros hereges. Estaúltima categoria abrangemuitíssimos casos.

Mas se pergunta o quedeveria ser feito quando a pessoasob forte suspeita se recusa aatender a ordem judicial para

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abjurar a heresia: deverá ser deuma vez entregue à corte secularpara ser punida? Respondemosque de forma alguma isso deveser feito. O Cânon (adabolendam) fala expressamenteque tal conduta não serve para ossuspeitos de heresia, mas para osmanifestos adeptos de heresia. Aação mais rigorosa seráempregada contra tais adeptos, enão com os meramente suspeitos.

Cabe perguntar então comose deve proceder nesses casos.

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Respondemos que o juiz deveráproceder de acordo com ocapítulo excommunicamus, e taispessoas deverão serexcomungadas. E se persistiremna heresia depois de um ano deexcomunhão, aí, sim, serãocondenadas como hereges.

Há ainda outras pessoas quesão violenta ou gravementesuspeitas, ou seja, cujos atoslevantam contra si grave suspeita.Tais pessoas deverão serconsideradas hereges e serão

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completamente tratadas como sefossem adeptas manifestas deheresia, de acordo com a LeiCanônica. Pois que estas oraconfessam o crime, ora não oconfessam. Se o confessarem, edesejarem retornar à fé e abjurara heresia, serão recebidas devolta à penitência. Mas casorecusem abjurar o crime, serãoentregues à corte secular parapunição.

Mas se não confessarem ocrime depois de serem

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condenadas, e não consentiremem abjurar a heresia, serãocondenadas como heregesimpenitentes. Pois que a suspeitaviolenta é suficiente parajustificar a condenação, não seadmitindo provas em contrário.

Pois bem: essa discussão tratadas heresias simples, em que nãohá evidências diretas ou indiretasdo fato, como se mostrará nosexto método de prolatar asentença, em que um homem vaiser condenado como herege,

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embora possa na realidade não oser: logo, muito mais se aplicarátal diretriz aos casos de heresiapor bruxaria, onde há sempre,além da violenta suspeita, asevidências diretas de crianças,homens ou animais enfeitiçados,ou as evidências indiretasconfiguradas pelos instrumentosde bruxaria encontrados.

E embora no caso da heresiasimples os que se mostrampenitentes e que a abjuram são,como já se disse, readmitidos à

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penitência e condenados à prisãoperpétua, na heresia das bruxas,não obstante o juiz eclesiásticopossa receber a prisioneira devolta à penitência, o juiz civilpode, em virtude dos danostemporais – ou seja, dos malescausados a homens, ao gado eaos bens e propriedades –, puni-la com a morte. E isso nem o juizeclesiástico poderá evitar, pois,mesmo que não queira entregar aacusada ao braço secular dajustiça, será obrigado a fazê-lo

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por solicitação do juiz civil.

QUESTÃO XX

Do primeiro método depronunciar a sentença.

Portanto, eis as possibilidades:

ou se descobre ser a acusadainocente e deverá sercompletamente absolvida, ou sedescobre estar difamada, em

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termos gerais, como herege, ou épessoa adequada para ointerrogatório e para a tortura,em virtude da má reputação, ouse descobre que sobre ela pairaapenas leve suspeita de heresia,ou então forte ou grave suspeitade heresia; ou, ainda, a um sótempo, possui má reputação e ésuspeita de heresia, ou confessoua heresia e é penitente e nãoreincidiu verdadeiramente, ouconfessou e é penitente, masprovavelmente reincidiu, ou

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confessou a heresia e éimpenitente, mas não reincidiu,ou a confessou, é impenitente ecertamente reincidiu, ou sedescobre que, embora não atenha confessado, mediantetestemunhas e por outros meiosfoi condenada de heresia, ou sedescobre ter sido condenada deheresia mas que escapou ou seausentou desafiadoramente, ouentão não causou malesmediante bruxarias, maseliminou malefícios por meios

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impróprios e ilícitos, ou sedescobre ser uma enfeitiçadorade arqueiros ou de armas com opropósito de causar a morte, ouse verifica ser uma bruxa-parteiraque oferece recém-nascidos aoDemônio como inimigo, ouainda se descobre fazer apelaçõesfrívolas e fraudulentas em prolda própria salvação de sua vida.

Portanto, caso se verifique serabsolutamente inocente, asentença final há de serpronunciada da seguinte

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maneira:Cumpre aqui notar que se

verifica ser a acusadainteiramente inocente quando,depois de os fatos do processoterem sido diligentementediscutidos em consulta comadvogados experientes, ela nãopoderá ser condenada seja pelaprópria confissão, seja pelaevidência dos fatos, seja pelosdepoimentos de testemunhaslegítimas (já que discordaram emrelação à causa principal); e

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quando a acusada nunca foraantes considerada suspeita oupublicamente difamada emrelação ao crime (embora o casoseja diverso se já tiver sidodifamada pelo cometimento deoutros crimes); e quando nãohouver evidência do fato contraela. Nesse caso, observa-se oseguinte procedimento: ela seráabsolvida pelo bispo ou pelo juizmediante sentença lavrada nosseguintes termos:

Nós N., pela misericórdia de

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Deus, bispo de tal cidade (ou juizetc.), considerando que N. de tallugar e de tal diocese foi acusadaperante nós do crime de heresiae também de bruxaria; econsiderando que a acusação erade tal teor que não poderíamospassar-lhe por cima com olhosconiventes, condescendemos emaveriguar se a citada acusaçãopoderia ser consubstanciadacomo verdadeira, chamandotestemunhas, examinando a ré eusando de outros meios que são

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justos segundo as sançõescanônicas. Pelo que, tendo vistoe examinado tudo o que foi feitoe dito nesse caso, e tendo ouvidoo conselho de doutos advogadose de doutos teólogos, e tendorepetidamente a tudo examinadoe perquirido; sentados comojuízes neste tribunal e tendosomente Deus perante nossosolhos e a verdade do caso, e comos Sagrados Evangelhoscolocados diante de nós para quenosso julgamento seja como que

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a expressão da vontade de Deus,e para que nossos olhosconservem a equidade,prosseguimos com a sentençadefinitiva desta forma, invocandoo nome de Cristo. Pelo quevimos e ouvimos, e pelo que seproduziu, se ofereceu, se fez e seexecutou perante nós nopresente caso, nada descobrimosque legalmente provasse a culpada acusada (ou do acusado)naquilo em que foi acusada.Assim sendo, pronunciamos,

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declaramos e damos como nossasentença final que nenhum atofoi legalmente provado contra aacusada pelo qual pudesse serjulgada e considerada herege oubruxa ou feiticeira ouconsiderada de qualquer modosuspeita do pecado de heresia.Pelo que pela presentedeclaração, pelo presenteinquérito, e pelo presentejulgamento dispensamos aacusada, em liberdade. Estasentença foi lavrada etc.

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Cuide-se para que não sejadeclarado em qualquer trecho dasentença que a acusada éinocente ou imune, apenas quenada contra ela foi provado; poisse depois de algum tempo fortrazida de novo a julgamento, e aacusação venha a ser legalmenteprovada, poderá ser condenada,não obstante a prévia sentençade absolvição.

Reparar também que omesmo método de absolviçãopode ser usado no caso de

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alguém que seja acusado dereceber, proteger ou amparar efavorecer hereges, quando nadase prova legalmente contra oindivíduo.

O juiz secular comissionadopelo bispo usará de seus própriosmétodos de pronunciamento.

QUESTÃO XXI

Do segundo método depronunciar a sentença,

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quando a acusada só édifamada.

O segundo método de

pronunciar o julgamento deveser empregado quando aacusada, depois de umadiscussão diligente dos méritosdo caso em consulta comadvogados instruídos, se revelanão mais do que uma herege pordifamação em algum lugarejo,em alguma cidade ou alguma

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província. E isso se dá quando aacusada não é condenada pelaprópria confissão, ou pelaevidência dos fatos, ou pelodepoimento de testemunhaslegítimas; nem nada foi provadocontra ela, exceto ser objeto dedifamação pública. Destarte,nenhum ato de bruxaria pode serprovado e que a fizesse incidirem forte ou em grave suspeita,como ocorreria se tivessepronunciado palavrasameaçadoras, como, por

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exemplo: “Logo verás o que vai teacontecer”, ou algo semelhante,para que, em seguida, algum malse abatesse sobre a pessoa ou osanimais assim ameaçados.

Portanto, o procedimentoseguinte deve ser empregadonesses casos em que nada seprova, salvo a difamação pública.Nesse caso, não se pode emitirjulgamento condenatório, nem sepode absolver a ré como noprimeiro caso. No entanto, há dese lhe impor a purgação

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canônica. Portanto, que o bispoou seu representante, ou o juiz,repare primeiro que, em caso deheresia, a difamação nãonecessariamente deverá provir depessoas honestas e respeitáveis; opeso é igual quando a calúniaadvém de gente simples ecomum.

Eis o motivo: as mesmaspessoas que são admitidas comoacusadoras num caso de heresiatambém o são como detratoras.Ora, qualquer herege pode ser

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acusado por qualquer pessoa,exceto por seus inimigos mortais;portanto, pode também esta serdifamada por qualquer um.

Portanto, que o bispo ou ojuiz pronunciem a sentença depurgação canônica dessa maneiraou de alguma outra maneirasemelhante.

Nós (nome), pelamisericórdia de Deus, bispo detal cidade, ou do juiz de talcondado, tendo examinadodiligentemente os méritos do

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processo conduzido por nóscontra a acusada (nome) de taldiocese, acusada do crime deheresia etc., descobrimos que aacusada confessou ou que foicondenada pelo supracitadopecado ou que é apenaslevemente suspeita de tal crime,salvo que verificamos ser aacusada verdadeira elegitimamente difamada porpessoas boas e más de tal cidadeou diocese; e para que a acusadareadquira boa fama entre os fiéis,

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impomos-lhe, nos ditames da lei,uma purgação canônica, ficandoestabelecido que no dia tal, de talmês, e a tal hora, a acusadadeverá comparecer a estetribunal com tantas pessoas decondição igual à sua para queseja purgada da comprovadadifamação. Que os responsáveissejam homens fiéis à Fé Católicae de vida salutar e queconheceram os hábitos e asmaneiras de viver da acusada,não só em passado recente mas

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também em passado remoto. E sea acusada falhar nesta purgação,continuará sendo consideradaculpada, e será condenadasegundo as sanções canônicas.

Aqui cumpre considerar quequando uma pessoa é de fatopublicamente difamada comoherege, e nada contra ela seprova, exceto a difamação, ela háde ser condenada à purgaçãocanônica. Ou seja, deveráretornar ao tribunal com sete,dez, vinte ou trinta homens, de

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acordo com a magnitude dadifamação e o tamanho eimportância do lugar, e taishomens deverão ser de suamesma posição e condição. Porexemplo, se a pessoa difamada éreligiosa, os responsáveis por eladeverão ser religiosos; se forsecular, deverão ser seculares; sefor um soldado, deverão sersoldados os que a purgam docrime pelo qual foi difamada. Etais responsáveis deverão serhomens que professam a Fé

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Católica e que levam vidaregrada, e que conhecem oshábitos e a vida do acusado nãosó em passado recente mas empassado remoto.

No entanto, se a pessoaacusada recusar-se a essapurgação, deverá serexcomungada; e se persistirobstinadamente na excomunhãopor um ano, deverá sercondenada como herege.

E se aceitar a purgação e nelafalhar, ou seja, se não conseguir

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encontrar os responsáveis emnúmero e nas condições exigidas,também será condenada comoherege.

Deve aqui ser ressaltado que,quando se diz que deve serpurgada por tantos homens desua própria posição, significa queestamos falando em termosgerais, e não específicos. Assim,se um bispo deve ser purgado,não há necessidade que todos osresponsáveis sejam bispos; abadese outros religiosos também são

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aceitos; o mesmo serve para osdemais casos.

E a pessoa difamada deveráser purgada da seguinte maneira:na época em que for indicada apurgação canônica, deverácomparecer perante o bispo ou ojuiz acompanhada dosafiançadores, no lugar onde foidifamada; e, apoiando a mãosobre o Livro dos Evangelhoscolocado à sua frente, dirá asseguintes palavras:

Juro, pelos Quatro Sagrados

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Evangelhos de Deus, que nuncadefendi, acreditei ou ensinei,nem defendo ou creio na heresia(nomeando-a) pela qual fuidifamada.

Vale dizer, deverá negar sobjuramento o motivo pelo qual,seja o que for, viu-se difamada.

Depois disso, todos osfiadores colocarão as mãos nosEvangelhos; e cada um deverádeclarar: E eu juro sobre esteSanto Evangelho de Deus queacredito ter ele jurado a verdade.

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E então o acusado (ou acusada)estará canonicamente purgado.

Cumpre também observarque a pessoa difamada porheresia deve ser purgada nolugar onde o foi. E se o foi emmuitos lugares, lhe será exigido eterá de professar a Fé Católica eterá de negar a heresia em todosos lugares em que o foi.

E que tal pessoa não leve embaixa conta essa purgaçãocanônica. Pois está provado pelaLei Canônica que, se tornar a

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incidir na heresia de que foipurgada, será entregue à cortesecular como reincidente. Mas ocaso é um tanto diverso se incidirnoutra forma de heresia de quenão tenha sido antes purgada.

QUESTÃO XXII

Da terceira espécie desentença, a serpronunciada contra quemfoi difamado, e que deverá

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ser submetido ainterrogatório.

O terceiro método para

conduzir um processo em prol dafé ao seu desfecho é quando apessoa acusada de heresia, apósdiligente consideração dosméritos da causa pelo juiz (oupelo bispo) junto a advogadoscultos, revela inconsistência nosargumentos apresentados, ouquando surgem bases suficientes

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para que seja encaminhada ainterrogatório e tortura, de talsorte que, depois de assiminterrogada, se nada confessar,poderá ser considerada inocente.Tal método é utilizado quando aprisioneira não foi capturada emflagrante crime de heresia, nemfoi condenada pela própriaconfissão, nem por evidência dosfatos, nem por delação legítimade testemunhas, e quando nãohá indicações de que se encontresob tal suspeita a ponto de

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justificar a abjuração de qualquerheresia. Todavia revela respostasinconsistentes durante ointerrogatório. Ou então háoutras boas razões para expô-la àtortura. Nesses casos, cumpreobservar o procedimentoseguinte.

Como esses casos envolvemuma sentença interlocutória quedeverá ser pronunciada contra enão a favor da prisioneira, oInquisidor não deverá separá-laem duas sentenças e sim colocá-

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las numa só. Em primeiro lugar,se a acusada persistir comfirmeza em suas negativas e nãopuder ser induzida por homenshonestos a confessar a verdade,uma sentença nos seguintesmoldes deverá ser lavrada, e queem certos aspectos é definitiva.

Nós (nome), bispo pelamisericórdia de Deus de talcidade, ou o juiz do territóriogovernado por tal príncipe, tendoconsiderado os méritos doprocesso por nós conduzido

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contra (nome da pessoaacusada), de tal lugar, em taldiocese, e após cuidadoso exame,constatamos ter a acusada dadorespostas inconsistentes, havendoindicações suficientes, ademais,para que seja submetida ainterrogatório e tortura. Porconseguinte, para que a verdadevenha a lume pela sua própriaboca e para que não mais venhaa ofender os ouvidos dos juízescom tais equívocos, declaramos,pronunciamos e lavramos a

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seguinte sentença: neste mesmodia, a tal hora, a acusada sejaencaminhada a interrogatóriosob tortura. Esta sentença foilavrada a etc.

Se a pessoa a ser interrogadaapresentou argumentosinconsistentes e ao mesmo tempotem contra si indicaçõessuficientes para justificar atortura, que ambos os elementosde prova sejam incluídos nasentença, conforme indicadoacima. Mas se tão somente um

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desses elementos se fizerpresente, que só ele seja nasentença apontado. Mas que estaseja logo posta em execução ouque logo se deixe os torturadoresexecutá-la. Todavia, que o juiznão se mostre muito disposto asubmeter a pessoa a tortura, poisa ela só se deverá recorrer nafalta de outras provas. Portanto,que procure por outras provas. Senão as encontrar, e considerarque, provavelmente, a acusada éculpada mas nega a verdade por

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medo, que use de outrosmétodos aprovados pela lei,sempre com as devidasprecauções, e fazendo uso depersuasões dos amigos daacusada para que façam tudo oque estiver a seu alcance paraextrair-lhe a verdade dos lábios.E que não apresse o andamentodo processo. Pois muitas vezes ameditação e o ordálio que é aprisão, a par da repetidapersuasão de homens probos,farão com que a ré desvele a

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verdade.No entanto, se depois de

mantida a acusada em suspense,e depois dos devidos adiamentos,e das muitas exortações, o bispo eo juiz se sentirem persuadidos deque, consideradas todas ascircunstâncias, a ré está negandoa verdade, que seja submetida atortura leve, sem derramamentode sangue, lembrando que atortura é muitas vezes falaciosa eineficaz. Pois algumas são tãopouco resistentes e

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espiritualmente fracas que àmenor tortura tudo confessarão,seja ou não a verdade. Outrassão tão obstinadas que por maisque sejam torturadas nunca selhes arranca a verdade. Outrasainda, já tendo sido antestorturadas, são mais capazes desuportá-la pela segunda vez, jáque seus braços se adaptaram aosestiramentos e às torções.Algumas das que já foramtorturadas, porém, numasegunda vez sentem-se

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debilitadas, revelando menorresistência durante a sessão.Outras se acham enfeitiçadas, edisso se utilizam durante atortura, vindo a morrer antes deconfessar a verdade: pois que setornaram, por assim dizer,insensíveis à dor. Logo, faz-semister muita prudência naquestão da tortura, e há de se darmaior atenção à condição dapessoa que está sendo torturada.

Depois, então, depronunciada a sentença, os

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oficiais de justiça devem semdemora preparar a acusada paraa sessão de tortura. Durante essapreparação, o bispo e o juizdeverão usar de todo o seu poderde persuasão e dos de outroshomens honestos e zelosos da fépara induzirem a acusada aconfessar espontaneamente averdade, se necessárioprometendo-lhe poupar a vida,conforme já indicamos antes.

Mas se dessa forma a acusadanão puder ser aterrorizada para

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confessar a verdade, poder-se-áindicar um segundo ou umterceiro dia para oprosseguimento da tortura; estanão deve ser repetida sem maisdemora. Pois esta repetição não épermitida, salvo quandotranspirarem outras indicaçõescontra a acusada. Contudo, nadaimpede o prosseguimento datortura em outro dia.

Que então se declare:Nós (nome) bispo e (nome)

juiz (quando presente),

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supracitados, determinamos quea tortura de (nome) terácontinuação em tal dia, para quevenhamos a conhecer a verdadepelos seus próprios lábios. E quetudo seja lavrado no processo.Durante aquele intervalo, cabeao juiz e ao bispo fazer uso detodo o seu poder de persuasão,bem como do de outros homenszelosos da fé, para exortarem aacusada a confessar a verdade.

Caso se recuse a confessá-la,a tortura será continuada na data

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marcada, com maior ou menorintensidade segundo a gravidadedas ofensas em pauta. E os juízesserão capazes de observar muitasprecauções lícitas, seja porpalavras, seja por atos, medianteas quais poderão chegar àverdade; no entanto, taisprecauções são mais facilmenteaprendidas pelo uso e pelaexperiência numa variedade dediferentes casos do que pelosensinamentos ou pela arte dequalquer um.

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Mas se, após a devida torturae o devido interrogatório, aindanão tiverem trazido à baila averdade, que a acusada não sejamais molestada, e que sejacolocada em liberdade. Se,contudo, confessar, mantiver-sefiel à confissão e revelar averdade, admitindo a culpa epedindo o perdão da Igreja,então, segundo o Cânon adabolendam, será tratada comopessoa culpada de heresia pelaprópria confissão, mas penitente,

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e deverá abjurar a heresia, e asentença lhe será pronunciadacomo no caso dos condenadospor confissão própria. Esta éexplicada no oitavo método desentenciamento, a que o leitordeve se reportar.

Se, por outro lado, confessara verdade, mas não for penitentee persistir obstinadamente naheresia, embora não seja nelareincidente, então, de acordocom o Cânon, depois de umintervalo de tempo razoável e da

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devida advertência, serácondenada como herege eentregue à corte secular parasofrer a pena capital, conformemostraremos no décimo método.Se, no entanto, for heregereincidente, há de ser condenadade outra forma, também descritano décimo método, ao qual oleitor deve se reportar.

Cumpre todavia aquiobservar que em alguns casos apessoa a ser interrogada nadaconfessa contra si antes da

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tortura, nem nada se provacontra ela para que se possaimpor a pena de abjurar a heresiaou de ser condenada comoherege. Nesses casos, oprocedimento acima deve seradotado, conforme já dissemos,imediatamente. Noutros casos,porém, a acusada é capturada emcrime flagrante de heresia, ou háoutras provas pelas quais deveráabjurar a heresia, ou por elas seráconsiderada leve ou fortementesuspeita; a essa pessoa não se há

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de torturar por tais motivos.Contudo, se além de tais provasnegar alguns pontos que nãoforam provados, mas dos quaishá indicações suficientes parajustificar a tortura, e se, tendosido interrogada quanto a taisquestões sob tortura, nadaconfessar a respeito, não será poresse motivo absolvida de acordocom o primeiro método. Deveráser condenada de acordo com asprovas que tem contra si, deveráabjurar a heresia como se se

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achasse sob suspeita ou tivessesido capturada em crimeflagrante, de acordo com osméritos exigidos ou requeridospelo processo. E se, depois datortura, confessar os motivospelos quais está sendo torturada,no todo ou em parte, então teráde abjurar esses mesmos motivose também a heresia de que antesfora acusada: a sentença que lhecaberá há de englobar esses doiselementos.

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QUESTÃO XXIII

Do quarto método depronunciar a sentença, nocaso de acusação por levesuspeita.

O quarto método para

concluir-se o processo embenefício da fé é utilizadoquando, depois de todos osméritos do processo terem sidodiligentemente examinados em

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consulta com advogadosexperientes, paira ainda sobre aacusada leve suspeita de heresia.Trata-se de caso em que aacusada não foi apanhada emflagrante crime de heresia, nemfoi condenada pela própriaconfissão ou pela evidência dosfatos ou pela denúncia feita portestemunhas legítimas, nem háoutros indícios fortes ouveementes de heresia contra ela.Tais indícios são leves, depequena monta, como costumava

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acontecer quando, na opinião dacorte, levantam tão somente levesuspeita. Essa pessoa terá deabjurar a heresia de que éacusada. Se tornar a incidir nocrime, não estará sujeita àpunição como reincidente:embora deva ser maisseveramente punida se nãotivesse previamente abjurado aheresia (ver o Cânon c.accusatus). Nesses casos sedeverá adotar o seguinteprocedimento: a acusada, se a

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questão for de natureza pública,fará a seguinte abjuração empúblico e na Igreja:

Eu (nome), de tal diocese,cidadã de tal cidade, ou tal lugar,presente a meu julgamento, juroperante vós, senhor e bispo de talcidade, e sobre os SagradosEvangelhos, que se acham diantede mim e sobre os quais colocominha mão, que creio, com todoo meu coração, e professo com osmeus lábios, na Santa Fé Católicae Apostólica na qual crê a Santa

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Igreja Romana, e a qual confessa,prega e observa. Juro tambémcrer, com todo o meu coração,professando com os meus lábios,que o Senhor Jesus Cristo, emcompanhia de todos os santos,abomina a perversa heresia debruxaria; e que todos os que aseguem ou que a ela aderemserão, juntamente com o Diabo etodos os seus anjos, punidos nofogo eterno, salvo se modificaremseus corações e se reconciliarempela penitência com a Santa

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Igreja. E portanto abjuro,renuncio e nego a heresia de quevós, bispo e senhor, e vossosoficiais, me acusais comosuspeita: a saber, de quemantenho contatos íntimos efamiliares com bruxas, de quepor ignorância defendo-lhes oserros, de que tenho abominadoseus Inquisidores eperseguidores, e de que falhei emtrazer-lhes os crimes à luz. Jurotambém nunca ter acreditado namencionada heresia, nem nela

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acredito, nem a ela aderi, nemsou dela adepto, nem nelaacreditarei, nem dela me tornareiadepta, nem a ensinarei, nempretenderei ensiná-la. E sedoravante for culpada dequalquer uma das acusaçõessupracitadas (que Deus meimpeça), estarei disposta a mesubmeter ao castigo prescrito pelalei para aqueles que assimprocedem; e estou pronta a mesubmeter a qualquer pena quevós vedes como justa para o meu

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caso, pelas minhas palavras oupelos meus atos em virtude dosquais vós me consideraismerecidamente suspeita; e jurocumprir a pena com todas asminhas forças, sem mostraromissão em qualquer de suaspartes, para o que rogo o auxíliode Deus e destes SagradosEvangelhos.

A abjuração acima há de serpronunciada em discurso em vozalta, normal, para que todos ocompreendam. Feito isso, o juiz,

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quando presente, ou seusubstituto, fará a seguintedeclaração, também em voz alta:

Meu filho (ou minha filha),não foi em vão que abjuraste asuspeita que lançamos sobre ti,nem em vão foi que te purgasteao fazeres tal abjuração. Cuidapois para que doravante nãovenhas a incidir na heresia queabjuraste. Pois, embora, caso temostrasses arrependido, nãoserias entregue à corte secular, jáque fizeste a abjuração sob

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suspeita leve, e não por suspeitaforte, serias mesmo assim maisseveramente punido caso não ativesse abjurado, quando entãote encontrarias sob forte suspeitae não sob suspeita leve. Se depoisde abjurares tal suspeitatornasses a nela incidir, sofreriasa devida punição comoreincidente, e sem misericórdiaserias entregue à corte secularpara que sofresse a pena capital.

Quando a abjuração é feitaem sigilo perante o bispo ou o

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juiz, sempre que o caso não é deconhecimento público, terá deser feita da mesma maneira.Depois a sentença serápronunciada da seguintemaneira:

Nós, bispo de tal cidade, pelamisericórdia de Deus, ou(quando presente) juiz doterritório domínio de tal príncipe,tendo examinado diligentementeos méritos do processo por nósconduzidos contra ti (nome),acusada perante nós de heresia,

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descobrimos teres cometido issoe aquilo (indicando-lhe oscrimes), que a tornam levementesuspeita de heresia, pelo quejulgamos que lhe convém abjurartal heresia por pairar sobre ti levesuspeita. Mas não para que sejasdispensada sem outra punição. Epara que possas ser maiscuidadosa no futuro, depois deconsultarmos muitas pessoasinstruídas e eminentes e váriosreligiosos, e tendodiligentemente ponderado e

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considerado toda a questão, comDeus perante nossos olhos, e airrefragável verdade dos SagradosEvangelhos colocados diante denós para que nossa sentençarepresente a expressão davontade de Deus e para quenossos olhos possam ver comequidade, e sentados nestetribunal na condição de juiz, tecondenamos, te sentenciamos eimpomos a seguinte pena contrati, que aqui te encontras de pé,em nossa presença, nos seguintes

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termos: que doravante nuncamais venhas a professar, adefender em teu discurso, ou aler (caso o saiba) etc. E que fiqueclaro o crime que cometeu, peloque lhe recai a suspeita de crimede heresia. Esta sentença e penaforam pronunciadas etc.

E que o tabelião cuide paracolocar no processo que essaabjuração foi feita por alguémsob leve, e não forte, suspeita deheresia; caso contrário, emgrande perigo poderia incorrer.

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QUESTÃO XXIV

Da quinta maneira depronunciar a sentença, nocaso de forte suspeita decrime de heresia.

O quinto método de concluir o

processo em benefício da fé éusado quando aquela que éacusada de heresia, depois deminucioso exame dos méritos daquestão junto a advogados

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experientes, é encontrada sobforte suspeita de heresia. E isso sedá quando a acusada não élegalmente apanhada em heresia,nem foi condenada pela própriaconfissão ou pela evidência dosfatos ou pelo depoimentolegítimo de testemunhas; noentanto, fortes e marcadosindícios se veem comprovadoscontra a acusada que incidiu emforte suspeita de heresia.

O procedimento nesse caso éo seguinte: a pessoa a que se

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imputa forte suspeita de heresiadeverá abjurá-la de tal forma a,caso posteriormente reincida nocrime, ser entregue para a cortesecular a fim de receber a penamáxima. E fará a abjuraçãopública ou sigilosamente, sob asmesmas condições especificadaspara os casos de suspeita leve,devendo abjurar a heresiaespecífica de que é acusada.

Os preparativos para essamodalidade de abjuraçãoconsistem no seguinte: ao chegar

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o domingo da abjuração e dapromulgação da sentença ou daimposição da pena, o pregadordeverá pronunciar um sermãogeral. Após isso, o tabelião ou oclérigo lerão em voz alta epublicamente os crimes pelosquais a acusada foi condenada, eaqueles pelos quais se encontrasob forte suspeita de heresia.

Então o juiz ou seu substitutolhe dirão:

Veja! Segundo o que foi lidopara ti podes ver que suspeitamos

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fortemente de que tenhasincorrido no crime de heresia;pelo que cabe a ti purgar a timesma e abjurar a mencionadaheresia.

Em seguida, o Livro dosEvangelhos será colocado dianteda ré, que estenderá a mão sobreele; e se souber ler corretamente,lhe será dada a seguinteabjuração por escrito, que deveráler na presença de toda acongregação.

Mas se não souber ler

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corretamente, o tabelião a lerá,frase por frase, e a acusadadeverá repetir em voz alta e clarada seguinte maneira. O tabeliãodirá: Eu (nome), de tal lugar, e aacusada há de repetir em seguidaas mesmas palavras, emborasempre na linguagem vulgar. Eassim por diante até o fim daabjuração, que será nos seguintestermos:

Eu (nome), de tal lugar, detal diocese, presentepessoalmente a meu julgamento

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e diante de vós, reverendossenhores, do bispo de tal cidadee do juiz de tal território, sobreos Sagrados Evangelhoscolocados diante de mim e com aminha mão sobre eles, juroacreditar com o meu coração eprofessar com os meus lábios aSanta Fé Católica e Apostólicaque a Santa Igreja Romanaensina, professa, prega esustenta. Juro também crer emmeu coração e professar com osmeus lábios que etc. E que ela

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pronuncie o artigo católico da fécontra a heresia de que éfortemente suspeita.

Por exemplo, se a heresia emquestão é a de bruxaria, que digao seguinte:

Juro crer que não somente ossimples hereges e cismáticosserão torturados pelo fogoeterno, como também serãoassim punidos todos aqueles quese acham contaminados pelaheresia das bruxas, que perante oDemônio negam a fé recebida

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através do Sagrado Batismo napia batismal, e que praticamobscenidades demoníacas paraatender a seus desejos maléficos,a infligir toda sorte de malessobre os homens, os animais e osfrutos da terra. E por isso abjuro,renuncio e renego tal heresia, oumelhor, tal infidelidade, quefalsa e mentirosamente sustentanão existirem bruxas no mundo,e que não se deve acreditar queaqueles males possam sercausados pela ajuda dos

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Demônios; pois tal infidelidadeé, e agora eu admito,expressamente contrária àdecisão da Santa Madre Igreja eà de todos os doutores católicos,como também contrária é às leisimperiais que decretam que asbruxas devem ser queimadas.

Também juro que nuncaacreditei de forma obstinada nasupracitada heresia, nem nelacreio nem lhe sou adepta nopresente momento, nem aensinei, nem a pretendo ensinar,

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nem tampouco a ensinarei nofuturo. E também juro e prometoque nunca farei ou provocareitais e tais coisas (citando-as),pelas quais sou considerada poresse tribunal fortemente suspeitado crime de heresia. E sedoravante (porque Deus proibiu)eu não cumprir o juramentofeito, estou pronta a sofrer ocastigo prescrito pela lei para osreincidentes; e estou pronta a mesubmeter a qualquer pena que ossenhores decidam me imputar

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pelos atos e palavras em virtudedos quais incide sobre mim fortesuspeita de heresia. Juro, ainda, eprometo que a tal pena mesubmeterei com todas as minhasforças, e a cumprirei na íntegra,sem qualquer omissão, portanto,que Deus e este SagradoEvangelho me ajudem.

Essa abjuração deverá ser ditana linguagem vulgar para quepossa ser entendida por todos,salvo se for prestada só napresença de clérigos com

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competentes conhecimento delatim. Entretanto, se a abjuraçãofor feita sigilosamente no paláciodo bispo, por não ser de interessepúblico, deverá ser proferida deforma semelhante. Depois obispo terá de adverti-la comoacima se explicou para que nãoreincida e para que não incorrana pena como reincidente. E queo tabelião cuide para anotar deque modo foi feita a abjuração,ou seja, por pessoas sob fortesuspeita de heresia, para que,

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caso se torne reincidente, possaser punida então como tal.

Depois de feito isso, que asentença ou a pena sejapronunciada da seguintemaneira:

Nós, bispo de tal cidade, eirmão tal (nome, quandopresente), Inquisidor do pecadode heresia nos domínios de talpríncipe, especialmentedesignados pela Santa SéApostólica, levando em contaque tu (nome), de tal lugar, em

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tal diocese, fizeste tais e taiscoisas (citando-as), conformelegalmente se depreende dosméritos do processocriteriosamente analisados,consideramos a ti pessoafortemente suspeita de talheresia, e determinamos que aabjure, na condição de pessoasob forte suspeita, pois fomospersuadidos para assim procederao considerarmos a justiça e oconselho de experientes homensda lei. Mas para que sejas mais

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cuidadosa no futuro e para quenão mais te inclines a tais atos, epara que os teus crimes nãopermaneçam sem punição, etambém para que possas servir deexemplo a outros pecadores,depois de termos consultadomuitos e ilustres mestres oudoutores da faculdade deteologia, depois de termoscuidadosamente assimilado todaa questão, e tendo perante nossosolhos Deus tão somente e averdade da Fé Católica e

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Apostólica, tendo à nossa frenteo Sagrado Evangelho para quenosso julgamento possa procedercomo se da própria vontade deDeus, e para que nossos olhosvejam com equidade, nós,sentados no tribunal na condiçãode juízes, te condenamos,impondo a ti, de pé diante denós, a seguinte pena nos termosseguintes: que doravante nuncamais ouses fazer, dizer ou ensinartais e tais coisas (especificá-las).

E que fique estabelecido

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quais as coisas pelas quais aacusada foi condenada, etambém por que foi consideradafortemente suspeita damencionada heresia, alémdaquelas que, se viesse a cometê-las, a tornariam culpada de levereincidência na heresia; noentanto, isso deve ser feito deacordo com as necessidades eexigências de cada caso. Porexemplo, que não deverá seguirtais e tais práticas, ou que nãodeverá receber em casa pessoas

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que sabidamente negaram a féetc.

Cumpre observar, entretanto,que aquelas que são suspeitas,mas não apanhadas em heresia,sejam forte ou levementesuspeitas, não devem seraprisionadas ou confinadas naprisão pelo resto da vida. Essapunição é para os hereges queforam condenados e que depoisse arrependeram. Podem, noentanto, em virtude dos atos queas fizeram ficar sob suspeita, ser

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mandadas para a prisão durantealgum tempo, e depois, conformese verá, libertadas.

Nem deverão ser marcadascom o sinal da cruz (pelo ferroem brasa) por ser este o sinal doherege penitente; e não serãocondenadas como hereges, massim como suspeitas de heresia,não sendo por isso marcadasdessa forma. Pode-se-lhesordenar, contudo, que emdeterminados dias solenespermaneçam dentro das portas

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da Igreja, ou perto do altar,durante a celebração da SantaMissa, segurando nas mãos umavela acesa de um certo peso; ouque façam alguma peregrinação,ou algo semelhante, de acordocom a natureza e as exigências docaso.

QUESTÃO XXV

Do sexto tipo de sentença, noscasos de grave suspeita de heresia.

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O sexto método para concluir-

se um processo em nome da fé éempregado quando se constataque a pessoa acusada de heresia,depois de minucioso exame dacausa, em consulta com doutosadvogados, incidiu em gravesuspeita de heresia. O que se dáquando ela não é condenada deheresia por confissão espontâneaou pela evidência dos fatos oupelo depoimento legítimo detestemunhas, mas há indícios

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muito fortes e graves (não apenasleves ou mesmo fortes) que atornam gravemente suspeita detal heresia, pelo que deverá serjulgada.

Para melhor entendimentodessa questão havemos de darexemplos não só de casos deheresia simples, mas de casos deheresia de bruxaria. Pois o casoincidiria sob esse tópico naheresia simples se a acusada nãofosse legalmente condenada pelaprópria confissão etc., conforme

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acima, mas por algo que disse oufez. Por exemplo, pode ter seenvolvido em caso que não digarespeito à fé e ter sidosentenciada de excomunhão; e sepermanecesse obstinadamente naexcomunhão por um ano oumais, incidiria em leve suspeitade heresia; pois talcomportamento não se dá semalguma suspeita de heresia. Masse tivesse sido intimada porquestão referente à fé, e nãocomparecesse e se recusasse de

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forma contumaz a nãocomparecer, sendo portantoexcomungada, seria então pessoafortemente suspeita de heresia;nesse caso, da leve suspeitapassaria a forte suspeita. E sepermanecesse obstinadamenteem excomunhão por um ano oumais, então incidiria em gravesuspeita de heresia; logo, da fortesuspeita passaria à grave, contra aqual não se admite defesa. Apartir de então, a pessoa seriacondenada como herege,

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conforme é mostrado peloCânon, c. cum contumacia, lib.6.

Como exemplo de gravesuspeita de heresia de bruxariatemos o caso da acusada quedeclarou ou fez algo próprio doque fazem ou dizem as bruxasquando querem enfeitiçaralguém. Costuma acontecer deserem compelidas a se manifestarmediante palavras ameaçadoras,mediante atos maléficos oumediante um olhar ou um toque,

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por três razões. Primeiro, paraque seus pecados possam seragravados e mais manifestos paraseus juízes; segundo, para quepossam mais facilmente seduziros simples; e, terceiro, para quemaior ofensa seja perpetradacontra Deus e assim aumentemos seus poderes maléficos paraprejudicar os homens. Portanto,uma bruxa incide em suspeitagrave quando, após ter usadoexpressões como “Logo, logo tefarei sentir”, ou outras

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semelhantes, algum mal ocorre àpessoa ou aos animaisameaçados. Nesse caso, asuspeita não é leve, como o é odas pessoas familiarizadas combruxas, ou o das que desejamprovocar em alguma pessoa umapaixão desregrada. Ver acimaonde tratamos dos três graus desuspeita: a leve, a forte e a grave.

Pois bem, precisamosconsiderar qual o procedimento aser adotado nesses casos. Naeventualidade de alguém incidir

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em grave suspeita de heresiasimples, o procedimento é oseguinte: embora possa a pessoanão ser verdadeiramente umherege, já que pode não haverqualquer erro em seuentendimento, ou se houver,talvez não se atenha a eleobstinadamente em sua vontadeou em seu arbítrio, deverá sercondenada como herege emvirtude de a dita suspeita gravenão admitir prova ou defesa.

Assim é condenado o herege

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dessa espécie. Se se recusar aabjurar a heresia, caso se recuse avoltar atrás e prestar as contasdevidas, será entregue à cortesecular para ser punido. Mas sese mostrar disposto e consentirem abjurar a heresia, serácondenado à prisão perpétua. Omesmo se dá no caso de suspeitagrave de heresia de bruxaria.

Contudo, embora o mesmométodo principal deva serobservado no último caso (debruxaria), há algumas diferenças.

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Cumpre notar que se a bruxainsiste em negar o crime, oualega ter pronunciado taispalavras não com aquelaintenção, mas por impulsopróprio da impetuosidadefeminina, então o juiz não dispõede justificativa suficiente paracondená-la às chamas, nãoobstante a grave suspeita.Portanto, deverá colocá-la naprisão, e levá-la a interrogatório afim de que se saiba se já agiu ounão daquela forma antes. Em

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caso afirmativo, há de lhe serinquirido se já houve difamaçãopública a seu respeito por causadaquela heresia. A partir daíestará em condições deprosseguir e, antes de mais nada,sentenciá-la ao interrogatório e àtortura. Então, se ela revelarsinais de tal heresia ou dataciturnidade das bruxas, ou seja,se é capaz de derramar lágrimas,ou se permanece insensível sobtortura e depois rapidamenterecupera as forças; então ele terá

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de proceder com as váriasprecauções que já explicamosonde tratamos desses casos.

E em caso de tudo falhar, queele cuide para, se ela tiverperpetrado o mesmo crime antes,que não seja de forma algumalibertada e sim seja mantida naimundície da prisão por um ano,e que seja torturada, e que sejaexaminada muitas vezes,especialmente nos dias maissantos. Mas se, além disso, elativer sido difamada, então o juiz

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poderá proceder da forma jáindicada no caso da heresiasimples e condená-la ao fogo,especialmente se houver umamultidão de testemunhas e elativer sido sempre encontrada ematos semelhantes ou em outrosatos de bruxaria. Mas se o juizquiser ser misericordioso, poderáenviá-la para uma purgaçãocanônica: ela deverá conseguirvinte ou trinta fiadores,promulgando-lhe uma sentençade tal forma que, se ela falhar na

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sua purgação, há de sercondenada às chamas por serculpada. O juiz poderá procederda seguinte maneira.

Caso ela aceite a purgação, ojuiz deverá decretar-lhe queabjure toda a heresia, por causado castigo para os reincidentes,além de uma pena perpétua, daseguinte maneira. Ospreparativos para a abjuração sãoidênticos aos explicados nassentenças do quarto e do quintotipo.

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Reparar que em todos osmétodos seguintes decondenação, quando o juizdesejar ser misericordioso,poderá agir da forma como jáexplicamos. Entretanto, como osjuízes seculares têm os seuspróprios métodos, procedendocom rigor mas nem sempre comequidade, não há método, ounorma definitiva, que lhes possaser recomendado como para umjuiz eclesiástico, que podereceber a abjuração e impor a

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pena perpétua da seguintemaneira:

Eu (nome), de tal lugar, emtal diocese, de pé e em pessoaperante vós, meus veneráveissenhores, o bispo de tal cidade eos juízes, tendo tocado com asminhas mãos o SagradoEvangelho colocado à minhafrente, juro crer, no fundo demeu coração, e professar, com osmeus lábios, a Santa Fé Católicae Apostólica que a Santa IgrejaRomana detém, professa, crê,

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prega e ensina. Portanto, abjurotoda a heresia, e renuncio erenego a todos os que selevantam contra a Santa IgrejaApostólica e Romana, qualquerque seja o seu erro ou a sua seita.Também juro e prometo quedoravante nunca mais hei defazer ou de dizer, ou de fazercom que sejam feitas tais e taiscoisas (especificá-las), que fiz edisse, e pelas quais, por minhaculpa, vós me declarastesgravemente suspeita de tal

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heresia. Juro também e prometoque cumprirei todas as penas quevós julgueis por bem me imputar,com todas as minhas forças, pelosmencionados crimes, e não heide ser omissa em seucumprimento. Que me ajudemDeus e o Sagrado Evangelho. Ese doravante (pois que Deusproibiu) agir em contravenção aessa abjuração, aqui e agoraobrigo-me a suportar as devidaspunições para os reincidentes,por mais severas que sejam.

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Que o tabelião cuide para atudo anotar: a abjuraçãodecorreu de grave suspeita deheresia. Assim, caso a bruxatorne a incidir no mesmo erro,será julgada de acordo eentregue à corte secular.

Depois disso feito, que obispo a absolva da sentença deexcomunhão em que incorreucomo gravemente suspeita deheresia. Pois quando um heregeretorna à fé e abjura a heresia, háde ser livrado da sentença de

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excomunhão que é prescrita paratodos os hereges. De formasimilar, aquela que forcondenada como herege,conforme indicamos, e queabjurar a heresia se vê livre dapena de excomunhão. Depois daabsolvição é então sentenciadada seguinte maneira:

Nós, bispo (nome) de talcidade, e, quando presente, juizdo território de tal senhor, vendoque tu (nome), de tal lugar e detal diocese, foste acusada perante

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nós de tais e tais (especificar)crimes atinentes à fé, e já bemnos informamos a esse respeitoconforme determina a lei peloexame atento dos méritos doprocesso e de tudo o que foi feitoe dito no presente caso,verificamos que tu cometeste taise tais coisas (indicá-las). Porconseguinte, e não sem razãoapontando-te como gravementesuspeita de tal heresia (citá-la),determinamos que por essemotivo terás de abjurar

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publicamente todas as heresiasem geral, conforme nosprescrevem as sanções canônicas.E como segundo tais instituiçõescanônicas todas as pessoas queassim procedem hão de sercondenadas como hereges, nãoobstante tu ouviste os conselhosmais sábios e retornaste ao seiode nossa Santa Madre Igreja eabjuraste, conforme declaramos,toda a heresia vil, portanto, teabsolvemos da sentença deexcomunhão pela qual eras

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considerada pessoa odiosa para aIgreja de Deus. E se com averdade no coração e com féretornaste para a unidade daIgreja, hás de ser contadadoravante entre os penitentes, edesde já és recebida de volta aoseio misericordioso da SantaIgreja. Mas como seria umgravíssimo escândalo deixar tudopassar com olhos coniventes edeixar sem punição as ofensasque perpetraste contra Deus e osmales que fizeste recair sobre os

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homens, pois que é mais graveofender a Majestade Divina doque a um monarca humano, epara que os teus crimes nãosejam um incentivo para outraspecadoras, e para que no futurotenhas mais cautela e não temostres tão propensa a cometeros mesmos crimes, e para quepossas sofrer menor punição nooutro mundo, nós, ossupracitados bispo e juiz, tendo-nos valido dos conselhos sábiosde doutores no assunto, sentados

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no tribunal na condição dejuízes, tendo perante nossosolhos só a Deus e a irrefragávelverdade da Santa Fé, com osSagrados Evangelhos colocadosdiante de nós para que nossojulgamento conte com aaprovação de Deus e para quenossos olhos vejam comequidade, te sentenciamos e tecondenamos, impondo-te umapena, a ti, para que te apresentesneste tribunal, perante nós, nodia e na hora que antes te foram

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indicados. Em primeiro lugar,hás de colocar por sobre aindumentária que usas umaoutra cinza e azul feito oescapulário de um monge, massem capuz, quer na frente, queratrás. Sobre tal indumentária,terás de afixar cruzes de panoamarelo, com três palmos decomprimento e dois de largura, ehás de usá-la sobre todas asdemais durante certo período detempo (estabelecer um períodode um ou de dois anos, mais ou

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menos conforme requer aculpabilidade da pessoa). E comtal indumentária terás de tepostar na porta de tal igrejadurante certo período de tempo,ou nas quatro principais festas daVirgem Gloriosa, ou em tais e emtais cidades nas portas de tais etais igrejas; e te sentenciamos econdenamos à prisão perpétua,ou por tal período, pena a sercumprida em tal prisão. (Queisso seja estabelecido conformemelhor parecer à honra da fé, e

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de acordo com a maior ou menorculpa e obstinação da acusada.) Eexpressamente, na certeza de queassim está prescrito pelainstituição canônica, nosreservamos o direito de mitigartal sentença, de prolongá-la, demodificá-la, ou de removê-la notodo ou em parte, tantas vezesquantas nos parecer conveniente.Esta sentença foi lavrada etc.

E depois de lida essapassagem, há de serimediatamente posta em

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execução, devendo-se vestir aacusada com a indumentáriacom as cruzes conformedissemos.

QUESTÃO XXVI

Do método de lavrar asentença contra aquelaque é tanto suspeitaquanto difamada.

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O sétimo método de trazer o

processo a uma conclusão embenefício da fé é empregadoquando a pessoa acusada dopecado de heresia, depois de umexame minucioso de todos osseus méritos junto a homensconhecedores da lei, passa a serconsiderada não só suspeita deheresia mas também difamadapor esse crime. E isso se dáquando a acusada não élegalmente culpada por sua

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própria confissão, ou pelaevidência dos fatos, ou pelodepoimento legítimo detestemunhas. Descobre-se quefoi publicamente difamada alémde existirem também indíciosque a colocam sob leve ou fortesuspeita de heresia, por exemplo,quando tem grande intimidadecom hereges. Em virtude dadifamação, essa pessoa deverá,ser submetida a uma purgaçãocanônica, por um lado; poroutro, em virtude da suspeita

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que sobre ela paira, tambémdeverá abjurar a heresia.

Nesses casos, o procedimentohaverá de ser o seguinte: a pessoa– publicamente difamada porheresia, e também suspeita porcausa de outros indícios – seráprimeiramente purgada empúblico da maneira pela qualexplicamos no segundo método.Depois da purgação, deveráimediatamente, em virtude dasoutras indicações para a suspeitade heresia, abjurá-la da seguinte

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maneira, tendo diante de si,como antes, o Livro dosEvangelhos:

Eu (nome), de tal lugar e detal diocese, submetendo-me ameu julgamento em pessoaperante vós, meus senhores, obispo de tal cidade e o juiz doterritório de tal príncipe, tendotocado com as minhas mãos osSagrados Evangelhos colocados àminha frente, juro crer com todoo fervor e professar com meuslábios a Santa Fé Apostólica que

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a Igreja Romana crê, professa,prega e observa. E portantoabjuro, detesto, renuncio erenego todas as heresias que seerguem contra a Santa IgrejaApostólica, de qualquer seita oude qualquer matiz etc. conformeacima.

Também juro e prometo quedoravante não mais farei ou direiou farei com que sejam feitas taise tais coisas (citando-as), pelasquais fui justamente difamada eacusada de cometê-las, e das

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quais me acusais de suspeita.Também juro e prometo que heide submeter-me com todas asminhas forças a todas aspenalidades que me foremprescritas, sem qualquer omissão.E que me ajudem Deus e oSagrado Evangelho. E se daquiem diante agir de alguma formacontrária a este juramento e aesta abjuração (que Deus oproíba), aqui e agoraespontaneamente me submeto,me obrigo e me comprometo à

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punição legal por tais atos, aoslimites do sofrimento, depois deter sido provado que os tornei acometer.

Mas cumpre observar quequando os indícios são tãoevidentes que tornam a acusada,tenha ou não sofrido a difamaçãomencionada, fortemente suspeitade heresia, então ela deverá,como antes, abjurar todas asheresias em geral. E se reincidirem qualquer heresia, há de sofrero devido castigo como

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reincidente. Mas se os indíciosforem muito tênues e mesmoquando considerados juntos coma citada difamação só a tornaremlevemente suspeita de heresia,então será suficiente que façanão uma abjuração de todas asheresias, mas daquela de que ésuspeita. Assim, caso venha aincidir em outra forma deheresia, não estará sujeita àpenalidade como reincidente. Emesmo que venha a reincidir naheresia de que foi acusada e que

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abjurou, mesmo assim não estarásujeita a tal penalidade, emboradeva ser mais severamentepunida que no caso de não a terabjurado.

Mas há uma dúvida sedeveria estar sujeita à pena comoreincidente se, depois dapurgação canônica, reincidir namesma heresia de que foicanonicamente purgada. Pareceque sim, segundo a LeiCanônica, c. excommunicamus ec. ad abolendam. Portanto, o

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tabelião deve tomar muitocuidado ao declarar que a pessoafez a abjuração por suspeita leveou forte de heresia. Pois que,conforme já dissemos, há umagrande diferença entre elas. E,feito isso, a sentença e a penaserão pronunciadas da seguintemaneira.

Nós (nome), bispo de talcidade, ou juiz no território detal soberano, considerandodevidamente que tu (nome), detal lugar, em tal diocese, foste

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acusada perante nós de talheresia (citá-la), e desejandoperquirir judicialmente seincidiste em tal heresia, peloexame de testemunhas,intimando-te e interrogando-tesob juramento, e por todos osmeios convenientes em nossopoder, agimos e procedemoscomo cabia.

Depois de assimilar, observare diligentemente inspecionartodos os fatos, e de discutir osméritos do processo neste caso,

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depois de examinar tudo o quefoi dito e feito, e de consultar eobter a opinião sábia de muitos edoutos teólogos e advogados,descobrimos que tu, em tais e taislugares, foste publicamentedifamada por homens bons esóbrios em virtude damencionada heresia. Pelo que,assim como nos determinam asinstituições canônicas, teimpomos uma purgação canônicapela qual tu e teus fiadores, aquie publicamente, te purgaram

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perante nós. Verificamostambém teres cometido tais e taiscoisas (citá-las), pelo quejustamente te acusamos de leveou forte (que se diga uma ououtra) suspeita de heresia.Portanto, por te achares sobsuspeita, estabelecemos queabjurasses a heresia (aqui, se aacusada abjurou na qualidade deforte suspeita, que se diga “todasas heresias”; se sob leve suspeita,“a supracitada heresia”).

Mas como não podemos e

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não devemos de forma algumatolerar o que fizeste, e somos pelajustiça compelidos a abominá-lo,para que sejas mais cautelosa nofuturo, e para que teus crimesnão fiquem sem punição, e paraque outros não se vejamencorajados a cair em pecadosemelhante, e para que asofensas ao Criador não sejamignoradas facilmente, nós, ossupracitados bispo e juiz, nacondição de juízes deste tribunal,tendo perante nós os Sagrados

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Evangelhos para que nossojulgamento possa ter a aprovaçãode Deus e para que nossos olhosvejam com equidade, contra ti,nome, já tendo sido purgada e játendo abjurado, submetida a estejulgamento, pessoalmente emnossa presença neste lugar enesta hora, pronunciamos asentença ou a pena que te cabenos seguintes termos: quedeverás etc.

E que pronunciem a sentençada forma que mais convier à

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honra da fé e para o extermíniodo pecado da heresia: que emcertos domingos e Festas deGuarda a condenada deverápostar-se à porta de tal igreja,segurando uma vela dedeterminado peso, durante acelebração da Santa Missa, com acabeça descoberta e os pés nus, eque ofereça a vela ao altar;ademais, deverá jejuar às sextas,e por um certo período de temponão ousará afastar-se daquelelocal, devendo apresentar-se

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perante o bispo ou juiz em certosdias da semana; e que sejamimpostas outras penassemelhantes exigidas pelanatureza particular do caso e daculpa; pois que para tal não háuma regra simples e única. Estasentença foi prolatada etc. E queseja posta em execução logo apóster sido pronunciada; e que sejaanulada, mitigada ou modificadaconforme exigido pela condiçãoda penitente e para sua correçãoe humilhação; pois o bispo tem

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esse poder pela lei.

QUESTÃO XXVII

Do método de pronunciara sentença contra as queconfessaram a heresia,mas que não sãopenitentes.

O oitavo método de concluir

um processo em benefício da fé é

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utilizado quando se verifica que aacusada de heresia, depois dodetido exame dos méritos doprocesso junto a advogadosconhecedores da lei, confessou ocrime, mas não é penitente nemreincidiu na heresia. Isso se dáquando a própria acusadaconfessou numa corte da lei sobjuramento perante o bispo ou oInquisidor que por tanto tempoviveu e persistiu na heresia deque é acusada, ou em qualqueroutra, e nela acreditava e a

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seguia; mas que depois,persuadida pelo bispo e poroutras pessoas, desejouconverter-se e retornar ao seio daIgreja, e abjurar aquela e todas asdemais heresias, atendendo atudo que lhe for exigido;descobrindo-se então que nuncafizera abjuração de qualqueroutra heresia, mas que agoradeseja e está preparada paraabjurar.

Nesse caso o procedimentoserá o seguinte: embora tal

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pessoa tenha persistido pormuitos anos em tal heresia emesmo em outras, e nelasacreditado e praticado,conduzindo muitas outraspessoas ao erro, se por fimconsentiu em abjurar todasaquelas heresias e fazer talreparação conforme o bispo e ojuiz eclesiástico decretarem, nãoserá entregue à corte secular parasofrer a pena máxima. Nemtampouco, se for clérigo, serárebaixado de posto. Será

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admitido à misericórdia, segundoo Cânon ad abolendam. E depoisde ter abjurado a antiga heresiaserá confinada à prisão perpétua(ver o Cânon, excommunicamus,onde dá providências para aabsolvição de tais pessoas). Masgrande cuidado deverá ser tidopara que não simule falsapenitência a fim de ser recebidode volta à Igreja. Da mesmaforma a corte secular não se achaobrigada a protelar sentençadessa natureza.

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Ela fará a abjuração da formajá estabelecida, com umadiferença: terá de confessar comos próprios lábios os crimesperante a congregação da Igrejanum dia de festa, da seguintemaneira: o clérigo a indagará,“Persististe por tantos anos naheresia de bruxaria?”, e aacusada ou o acusadoresponderá, “Sim.” Depois se lheperguntará, “Fizeste de fato isso eisso que confessaste?”, e elaresponderá, “Sim.” Assim por

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diante. Por fim fará a abjuraçãode joelhos. Por ter sidoexcomungada em virtude daculpa de heresia, depois daabjuração retornará ao seio daIgreja, recebendo a graça daabsolvição segundo a maneirados bispos com autoridadeapostólica para a absolvição doscasos de excomunhão de maiorgravidade. E a sentença será deimediato pronunciada daseguinte maneira:

Nós, o bispo de tal cidade, ou

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o juiz nos territórios de talpríncipe, vendo que tu (nome),de tal lugar, em tal diocese, fostepor difamação pública e porinformações de pessoas dignas deconfiança acusada perante nósdo pecado de heresia, e como tecontaminaste durante muitosanos com tal heresia para grandeprejuízo de tua alma, e por teresta acusação contra ti feridoprofundamente nossos corações,nós, cuja tarefa em decorrênciade nosso ofício é a de semear a

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Santa Fé Católica no coração doshomens e de seu espírito afastartodas as heresias, desejosos deconfirmar a verdade dasinformações que chegaram anossos ouvidos, procedemos damelhor forma que nos foipossível no interrogatório e noexame das testemunhas deacusação e no teu própriointerrogatório, a que respondestesob juramento, fazendo tudo oque nos é exigido pela justiça epelas sanções canônicas.

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E por termos desejadoconduzir este caso a umaconclusão conveniente, e obterum claro entendimento de tuapregressa condição espiritual – secaminhavas nas trevas ou na luz,e se tinhas ou não incidido nopecado da heresia –, depois determos conduzido todo oprocesso, depois de nosreunirmos em conselho comdoutos conhecedores do saberteológico, e também hábeisconhecedores das Leis Canônicas

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e Civis, sabendo ademais que,segundo a instituição canônica, ojulgamento se harmoniza com aopinião de muitos e por ela éconfirmado; e tendo, a respeitode todos os pormenores,consultado tais homens, e tendotambém diligente ecuidadosamente examinadotodas as circunstâncias doprocesso, descobrimos que tu és,em virtude de tua própriaconfissão sob juramento perantenós no tribunal, culpada de

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muitos dos pecados das bruxas.(Que sejam especificadospormenorizadamente.)

No entanto, como o Senhor,em Sua infinita misericórdia,permite, às vezes, aos homensincidirem em erros e em heresias,não só para que os católicoscultos possam se exercitar nosargumentos sagrados, mas paraque aqueles que da fé seafastaram possam se tornar maishumildes daí em diante e realizartrabalhos de penitência; tendo

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cuidadosamente discutido ascircunstâncias deste mesmoprocesso, descobrimos que tu, àsnossas frequentes solicitações eseguindo o conselho nosso e deoutras pessoas honestas,retornaste com o espírito são àunidade e ao seio da SantaMadre Igreja, abominando todosos mencionados erros e todas asmencionadas heresias, eaceitando a verdade irrefragávelda Santa Fé Católica,depositando-a no mais fundo de

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teu coração; pelo que, seguindoos passos Daquele que não querque ninguém pereça, teacolhemos para esta adjuração eabjuração pública das heresiasmencionadas e de todas asoutras. E tendo feito isso, nós teabsolvemos da sentença damagna excomunhão a queestavas fadada em virtude dopecado da heresia, e,reconciliando-te com a SantaMadre Igreja, te restituímos aosSantos Sacramentos. Conquanto

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tenhas retornado à unidade daIgreja de coração everdadeiramente, e nãomediante fé simulada, conformeacreditamos e esperamos quetenhas feito.

Mas como seria algo demuito escandaloso vingar asofensas perpetradas contra ossenhores temporais e tolerar asofensas cometidas contra Deus, oCriador de todos os Céus, comoa gravidade do pecado é muitomaior quando se ofende a

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Majestade Eterna emcomparação a uma majestadetemporal, e para que Deus que seapieda dos pecadores possa terpiedade de ti, para que tu sirvasde exemplo para outros, e paraque os teus pecados não fiquemsem punição, e para que nofuturo te acauteles e sejas menospropensa a cometer tais e outroscrimes, nós, os mencionadosbispos e juiz, ou juízes, embenefício da fé, aqui sentadoscomo juízes etc., como acima...

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que te seja colocada umaindumentária cinza-azulada etc.nós também te sentenciamos e tecondenamos à prisão perpétua,para que lá sejas punida com opão da miséria e a água dosofrimento, nos reservando odireito de mitigar, agravar,modificar ou comutar em parteou no todo a mencionadasentença se e quando por bemacharmos conveniente assimproceder. Esta sentença foiprolatada etc.

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Após isso, o juiz continuará,ponto por ponto, pronunciando asentença da seguinte forma oude forma semelhante:

Minha filha, a tua sentençaou pena consiste no seguinte:que uses esta cruz pelo resto detua vida, que a tragas contigosempre que vieres aos degraus doaltar ou que te postares à portade tais igrejas, e que fiquesencarcerada pelo resto de tuavida, a pão e água. Porém, minhafilha, para que isso não te pareça

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fardo muito pesado, asseguro-teque, se pacientemente suportaresesta punição, hás de encontrarem nós misericórdia; portanto,não duvides nem te desesperes,que sejas firme na esperança.

Após isso, que a sentença sejadevidamente executada, e que sevista a indumentária própria nacondenada e que seja colocadanos mais altos degraus do altarpara que seja vista por todas aspessoas ao saírem, cercada pelosoficiais da corte secular. E à hora

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do jantar, que seja conduzidapelos oficiais à prisão e que orestante da pena seja executado edevidamente conduzido. Edepois que ela sair pela porta daigreja, que o juiz eclesiástico nãomais se ocupe do assunto; e se ojuiz secular estiver satisfeito, poisbem, mas se não, que seja feita asua vontade.

QUESTÃO XXVIII

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Do método de lavrar asentença contra as queconfessaram a heresiamas que nela reincidiram,não obstante agorapenitentes.

O nono método para chegar-se

a uma sentença conclusiva numprocesso em prol da fé éempregado quando a pessoaacusada de heresia, depois dadiligente investigação das

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circunstâncias do processo emconsulta com homens decriterioso juízo, confessa aheresia e se mostra penitente,embora tenha nela reincidido defato. Isso se dá quando a própriaacusada confessa no tribunal,perante o bispo ou os juízes, quenoutra ocasião abjurara todas asheresias – o que se achalegalmente provado – mas quedepois tornou a incidir nomesmo erro. Ou, então, queabjurou alguma heresia em

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particular, como a de bruxaria,mas depois a ela retornou; noentanto que, seguindo osmelhores conselhos, é agorapenitente e crê na Fé Católica, eque retorna à unidade da Igreja.A ela não se há de negar, caso ospeça humildemente, osSacramentos da penitência e daeucaristia; mas, por mais que semostre arrependida, terá de serentregue como reincidente àcorte secular para sofrer a penacapital. Cumpre entender que

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isso se refere à pessoa que fez aabjuração depois de apanhadamanifestamente em heresia, oudepois de ter sido fortementesuspeita de heresia, não depoisde ter sido apenas levementesuspeita desse erro.

Neste caso se há de observaro seguinte procedimento:quando, após diligente e, senecessário, repetida consulta adoutos advogados, concluiu-seque a referida prisioneira de fatoe realmente reincidiu no crime

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de heresia, o bispo ou o juizdeverá encaminhar à prisioneira,no local de detenção, duas outrês pessoas honestas, depreferência religiosos ou clérigos,zelosos da fé, de quem aprisioneira não suspeite e simque neles confie. Irão até lá nomomento oportuno e com elaconversarão delicadamente dasdesgraças deste mundo e dasmisérias desta vida, e das alegriase da glória do Paraíso. Então, apartir daí, lhe dirão que vieram

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por parte do bispo ou do juiz eque ela não poderá escapar damorte temporal, e que, portanto,deve cuidar para salvar a própriaalma, e se preparar, confessandoos pecados e recebendo oSacramento da eucaristia.Deverão visitá-la com frequência,persuadindo-a à penitência e àpaciência, fortalecendo-a aoextremo na verdade católica, edeverão diligentemente fazê-laconfessar-se, para que possareceber o Sacramento da

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eucaristia por humildesolicitação. Porque taisSacramentos não devem sernegados a tais ofensores.

E depois de receber osSacramentos e de mostrar-sedisposta graças à intervençãodessas pessoas, para a salvação,após dois ou três dias durante osquais a revigoraram na FéCatólica e a induziram aoarrependimento, o bispo ou ojuiz locais deverão notificar obailio ou as autoridades do

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tribunal secular que em tal dia eem tal hora (não em dia de festa)deverão estar presentes com seusauxiliares em tal praça ou em tallugar (obrigatoriamente fora daigreja) para receber umareincidente, que lhes seráentregue pelo bispo ou pelo juiz.

E na manhã do dia fixado, ouno dia anterior, deverá serpublicamente proclamado portodos os lugares e partes daquelacidade ou daquelas vilas, onde écostume haver tais proclamações,

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que em tal dia e em tal hora, eem tal lugar, será pregado umsermão em defesa da fé, e que obispo e outros juízes condenarãocerta pessoa por ter reincidido nopecado de heresia, entregando-aà justiça secular.

Mas aqui deve serconsiderado que, se o reincidentetiver sido ordenado emquaisquer Sagradas Ordens, ouse for padre ou um religioso dequalquer ordem, antes de serentregue à justiça secular deverá

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ser rebaixado e destituído dosprivilégios de sua ordemeclesiástica. Só depois disso seráentregue à justiça secular parareceber o merecido castigo.

Portanto, quando se tem quedegradar uma pessoa de suasdignidades e a entregar à cortesecular, que o bispo conclametodos os prelados e religiosos desua diocese. Pois neste caso,embora não em outros, só obispo, junto com os demaisprelados e religiosos e doutos da

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diocese, poderá degradar-lhe dasSagradas Ordens antes de opassar às mãos da corte secular,ou de ser encarcerado, porcondenação à prisão perpétua emvirtude do pecado da heresia.

No dia indicado para adegradação do reincidente e desua entrega, por deprecação, àcorte secular, seja clérigo, sejaleigo, para deixá-lo ouvir asentença definitiva, o povodeverá se reunir em algumapraça ou em algum lugar aberto,

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fora da igreja, e o Inquisidordeverá pregar o sermão, e aprisioneira, ou o prisioneiro,deverá ser colocado em lugarmais elevado na presença dasautoridades seculares. Se oprisioneiro for clérigo que terá deser degradado, o bispo deveráusar a túnica pontifical, juntocom os outros prelados dadiocese, que deverão usar aindumentária própria com ascapas magnas, usando-a tambémo prisioneiro, como se fosse

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ministrar seu ofício; o bispo,então, o degradará de suasordens, das superiores àsinferiores. E assim como aoconferir as ordens sacras, o bispodeverá usar das palavrasprescritas pela Igreja, de sorteque ao degradá-lo deverá tirar-lhe a casula sacerdotal e a estola,e assim com as demais vestes,empregando palavras designificado diametralmenteoposto.

Após a degradação, o

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procedimento deverá continuardentro das formalidades legais ehabituais. O tabelião ou algumreligioso ou clérigo lerá asentença, que deverá ser daseguinte forma, seja o prisioneiroleigo, seja clérigo degradado:

Nós, nome, bispo pelamisericórdia de Deus de talcidade, e juiz nos territórios detal príncipe, estandolegitimamente informados quetu, nome, de tal lugar, em taldiocese, foste acusado perante

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nós (ou perante tal bispo ou taisjuízes) de tais heresias (citando-as), de que foste legalmenteculpado conforme tua própriaconfissão e segundo odepoimento das testemunhas, eque obstinadamente persististenelas por tanto tempo, emboradepois, ouvindo os melhoresconselhos publicamente e em tallugar abjuraste, renunciaste erejeitaste aquelas heresias nosmoldes prescritos pela Igreja, emvirtude do que o mencionado

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bispo ou Inquisidor, acreditandoque havias retornadoverdadeiramente ao seio daSanta Madre Igreja, te absolveuda sentença de excomunhão,exarando para ti uma penasalutar caso permanecesses naunidade da Igreja depois de a elaretornar. Porém, apesar de tudoo que se disse, e do lapso detantos anos, tornas a ser acusadoperante nós e mais uma vezincidiste nas heresias queabjuraras (citando-as), e não

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obstante tenha sido um amargopesar para nós ouvir tais coisas deti, fomos pela justiça compelidosa investigar a questão, aexaminar as testemunhas e ainterrogar-te sob juramento,procedendo em todas asinstâncias conforme é prescritopelas instituições canônicas.

E como desejávamos concluireste caso sem nenhuma dúvida,reunimo-nos em conselho solenecom profundos conhecedores deteologia e das Leis Canônicas e

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Civis, e junto a eles examinamosde forma madura e cuidadosatudo o que foi feito, tudo o quese disse e tudo o que se viu noprocesso, e diligentementediscutimos cada circunstância,pesando a tudo na balança dajustiça como nos compete. Everificamos que, tanto emvirtude dos depoimentoslegítimos de testemunhas quantopela tua própria confissão ouvidano tribunal, tornaste a incidir nasheresias que havias abjurado.

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Pois verificamos que disseste oufizeste isso, e isso (citar o que foidito ou feito), no interesse de,com a cooperação das pessoasmencionadas, julgar, e agoradeclaramos que és umreincidente, de acordo com asinstituições canônicas, a que nosreferimos com grande lástima elastimamos referir.

Mas como é de nossoconhecimento e doconhecimento de muitoscatólicos de bem que, pela

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inspiração da graça divina,retornaste uma vez mais ao seioda Igreja e à verdade da fé,abominando os citados erros eheresias e dentro da verdadeiraortodoxia, acreditando eprofessando a Fé Católica, teacolhemos para que recebesses osSacramentos da penitência e daSanta Eucaristia à tua humildesolicitação. Mas como nada maisresta fazer à Igreja de Deus a teurespeito, por ter agido da formamisericordiosa conforme

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indicamos, e como abusastedaquela misericórdia reincidindonas heresias que tinhas abjurado,portanto, nós, os supracitadosbispo e juízes, na condição dejuízes deste tribunal, tendoperante nós os SagradosEvangelhos para que nossojulgamento seja proferido comose viesse da própria aprovação deDeus e para que nossos olhosvejam com equidade, e tendoperante nossos olhos somenteDeus e a verdade irrefragável da

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Santa Fé e a extirpação da pesteda heresia, contra ti (nome),neste local e no dia e na hora quete foram designados para queouvisses a sentença definitiva,pronunciamos em sentença quede fato reincidiste no pecado daheresia, embora sejas penitente; epor isso te dispensamos destanossa corte eclesiástica e tedeixamos entregue ao braçosecular. No entanto,fervorosamente oramos para quea corte secular saiba temperar a

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sua justiça com misericórdia,para que não haja derramamentode sangue nem morte.

E aqui o bispo e seusassessores devem se retirar,cabendo à corte secular realizar oseu ofício.

Cumpre reparar que, emborao bispo e o Inquisidor devamusar de sua extrema diligência,tanto pelos seus próprios esforçosquanto pelo de outros, parainduzir o prisioneiro a searrepender e a retornar à Fé

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Católica, depois de arrependido ede decidido em conselho que,embora penitente, trata-se naverdade de reincidente e comotal deve ser entregue ao braçosecular da lei, não lhe deveminformar a esse respeito, ou seja,a respeito da sentença e docastigo. Pois o rosto do juizaterroriza o prisioneiro, ou aprisioneira, e as suas palavras têmmais chance de fazer o que vaiser punido renunciar àpenitência, e não acatá-la.

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Portanto, desde aquelemomento, nem antes nem depoisda sentença devem estes seapresentar perante ele, ou ela,para que o condenado não seindisponha com o bispo ou comos juízes, coisa que deve sercuidadosamente evitada emmorte dessa natureza. Porém,conforme já dissemos, quedeixem o prisioneiro ser visitadopor algum homem de bem,sobretudo os de ordensreligiosas, ou clérigos, em quem

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tenha confiança; e deixem-noinformá-lo da sentença e mortevindouras, fortalecendo-o na fé,exortando-o a ter paciência, eque o visitem depois depronunciada a sentença e que oconsolem e que orem por ele, eque não o deixem até que tenhaentregue o espírito ao Criador.

Que cuidem, portanto, e quefiquem de guarda para nadafazer ou dizer que permita àprisioneira, ou ao prisioneiro,tomar conhecimento

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antecipadamente de sua morte,ou para que não se coloquemnuma posição irregular. E, por seacharem sobrecarregados com ocuidado de sua alma, que odeixem partilhar também de suapunição e de sua culpa.

Também deve ser ressaltadoque a sentença pela qual seentrega uma pessoa à cortesecular não deve ser pronunciadaem dia de festa ou em dia solene,nem numa igreja, mas fora, ao arlivre. Pois é uma sentença que

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leva a pessoa à morte; e é maisdecente exará-la num diacomum, fora da igreja; pois osdias de festa e as igrejas sãodedicados a Deus.

QUESTÃO XXIX

Do método de exarar asentença contra as queconfessaram a heresiamas são impenitentes,embora não reincidentes.

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O décimo método para se

completar um processo em prolda fé pela sentença final éempregado quando a pessoaacusada de heresia, após exameatento das circunstâncias doprocesso em consulta comconhecedores da lei, confessa aheresia e se mostra impenitente,embora não tenha reincidido naheresia. Esse caso raramente éencontrado, porém já chegaram anosso conhecimento casos desse

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tipo como Inquisidores. Portanto,nessa eventualidade, o bispo e ojuiz não devem se apressar emexarar a sentença contra aprisioneira: devem mantê-la sobtutela e vigilância constante, einduzi-la a se converter, mesmoque isso se prolongue por muitosmeses, mostrando-lhe que, secontinuar impenitente, se danaráno corpo e na alma.

Mas se nem pelo alento nempela opressão, nem pela ameaçanem pela persuasão, a acusada

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renunciar a seus erros, e se expirao período da graça determinado,que o bispo e o juiz se preparempara entregá-la ou abandoná-laao braço secular da lei; deverão,portanto, notificar o bailio, ou asautoridades seculares, que em taldia, não num dia de festa, e emtal hora, deverão comparecer emtal lugar com seus auxiliares (emlugar fora da Igreja), e que lhesvão entregar uma heregeimpenitente. Todavia, deverãofazer a proclamação pública nos

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lugares costumeiros que em taldia e em tal hora, no lugarindicado, será pregado umsermão em defesa da fé, e queentregarão uma herege à justiçasecular; e que todos venham eque estejam presentes, pois serãooutorgadas as indulgênciascorriqueiras.

Após isso, a prisioneira seráabandonada à justiça secular daseguinte maneira: que sejaprimeiro advertida pararenunciar à heresia e se

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arrepender; se mesmo assim serecusar, que lhe seja pronunciadaa sentença.

Nós (nome), pelamisericórdia de Deus, bispo detal cidade, ou juiz nos territóriosde tal príncipe, vendo que tu(nome), de tal lugar, em taldiocese, foste acusada perantenós por difamação pública e porinformações de pessoas dignas decrédito (citando-as) do crime deheresia, e que durante muitosanos persististe nestas heresias

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para grande prejuízo de tua almaimortal, e como nós, cuja tarefa éa de exterminar a praga daheresia, desejando investigarmais profundamente este caso ever se caminhavas nas trevas ouna luz, diligentementeexaminamos a mencionadaacusação, intimando-te e teexaminando devidamente, paraconstatarmos que estás de fatocontaminada pela mencionadaheresia.

Como, porém, o maior desejo

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de nossos corações é semear aSanta Fé Católica nos corações denosso povo e erradicar a peste daheresia, usamos de vários ediversos métodos adequados,tanto por nós mesmos quantopor outros, para te persuadir arenunciar aos mencionados errose heresias em que incidiste, e emque ainda incides, agora deforma desafiadora e obstinadacom pétreo coração. No entanto,como o inimigo da raça humanaestá presente em teu coração, te

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enovelando e te aprisionandonos mencionados erros, e tu terecusaste e te recusas a abjurar asmencionadas heresias, preferindoescolher a morte da alma noInferno e a do corpo nestemundo do que renunciar a taisheresias e retornar ao seio daIgreja para que clarificasses aalma, e como te mostrasdeterminada a continuar nopecado:

Portanto, como te achas presapelas correntes da excomunhão

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da Santa Igreja, e te achasdefinitivamente separada dorebanho do Senhor, e privadados benefícios da Igreja, a Igrejanada mais pode fazer por ti,tendo já feito tudo o que erapossível. Nós, os mencionadosbispo e juiz, em benefício da fé,aqui julgando na condição dejuízes, e tendo perante nós osSagrados Evangelhos para quenosso julgamento como queadvenha da própria aprovação deDeus e para que nossos olhos

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vejam com equidade, tendoperante eles apenas Deus e averdade da Santa Fé e aextirpação da praga da heresia,neste dia e lugar e nesta hora,designados para que ouvisses atua sentença final, determinamoscomo nosso julgamento e nossasentença que tu és de fato umaherege impenitente, e como taldeves ser entregue e abandonadaao braço secular da justiça, peloque, mediante esta sentença, tedispensamos e te rejeitamos de

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nossa corte eclesiástica e teabandonamos à corte secular,orando para que a mencionadacorte seja tolerante e pondere nasentença de morte contra ti. Estasentença foi lavrada etc.

QUESTÃO XXX

Daquela que confessou aheresia, é reincidente etambém é impenitente.

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O décimo primeiro modo de

concluir um processo embenefício da fé é empregadoquando se descobre que a pessoaacusada de heresia, apósdiligente discussão dascircunstâncias do processo emconsulta com pessoas ilustres,além de ter confessado a heresia,é impenitente e tambémreincidente no crime. E isso se dáquando a acusada confessa pelaspróprias palavras, em tribunal,

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que acredita e que praticou tais etais atos. O procedimento, nessescasos, é o mesmo que no casoanterior. E por ser a pessoamanifestamente herege, asentença há de ser pronunciadada seguinte maneira na presençado bispo e dos juízes:

Nós (nomes), pelamisericórdia de Deus, bispo detal cidade e juiz nos territórios detal príncipe, vendo que tu(nome), de tal lugar e em taldiocese, foste acusada

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pregressamente perante nós (ouperante tais e tais juízes, nossospredecessores) do crime deheresia (citar os crimes), e queprovaste ser legalmente culpadapela tua própria confissão e pelotestemunho de homens de bem,e que neste crimeobstinadamente persististe portantos anos, mas que, depois deouvir os melhores conselhos,publicamente abjuraste aquelasheresias em tal lugar e dentrodaquilo que prescreve a Igreja,

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pelo que os citados bispo e juízes,acreditando que haviasverdadeiramente renunciado aosmencionados erros e que haviasretornado à Fé Católica e ao seioda Igreja, livrando-te da sentençade excomunhão que te foraimposta, e promulgando para tiuma pena salutar se viesses apermanecer na unidade da SantaIgreja, com fé e com sinceridade,receberam-te de volta commisericórdia. Porque a SantaIgreja de Deus não fecha as suas

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portas aos que lhe retornam aoseio.

Mas depois de tudo o que foidito e para nosso grande pesarfoste acusada, perante nós, deteres reincidido naquelas heresiasmalignas que antes haviasabjurado em público; ademais,fizeste tais e tais coisas (citá-las)em contravenção à dita abjuraçãoe para a danação da tua alma; eembora estejamosprofundamente magoados eferidos por termos ouvido tais

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coisas de ti, mesmo assim fomospela justiça compelidos ainvestigar o assunto, examinar astestemunhas, e te intimar e teouvir sob juramento conformenos compete, e em todos osparticulares agimos conforme nosé prescrito pelas instituiçõescanônicas. E como desejássemoslevar a bom termo o caso, semmargem de dúvida,conclamamos um conselhosolene de homens letrados,profundamente conhecedores de

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teologia e das Leis Canônicas eCivis.

E tendo obtido o devido emaduro julgamento de taispessoas sobre cada pormenorreferente ao caso, após o examerepetido de todo o processo e daanálise criteriosa e diligente detodas as circunstâncias, comorequerem a lei e a justiça,comprovamos que és legalmenteculpada, não só pela evidência detestemunhas dignas de fé, comopela tua própria confissão, de

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teres incidido, e de teresreincidido, nas heresias queabjuraras. Pois que verificamosteres dito ou feito tais e taiscoisas (citá-las), por conseguinte,com justa razão, na opinião dosmencionados doutores, ecompelidos também pelos teuspróprios excessos, te julgamosreincidente de acordo com osdecretos canônicos. E quedigamos isso com pesar, e quelamentemos dizê-lo, pois Elesabe, Aquele de Quem nada se

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esconde e Que perscruta todos ossegredos da alma. Esinceramente antes e aindadesejamos que retornasses àunidade da Santa Igreja e queafastasses de teu coração apérfida heresia, para quepudesses salvar a tua alma epreservasses o teu corpo e a tuaalma da destruição no Inferno, eusamos de todo o nossoempenho, mediante váriosrecursos, para te converter àsalvação; mas te entregaste ao teu

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pecado e foste afastada eseduzida pelo espírito do mal, epreferiste a tortura e o tormentotenebroso e eterno do Inferno, eque o teu corpo temporal fosseaqui consumido pelas chamas,em vez de dares ouvido aosmelhores conselhos e renunciaresaos teus erros pestilentos eamaldiçoados, em vez deretornares ao seio misericordiosoda Santa Madre Igreja.

Por conseguinte, como aIgreja de Deus nada mais pode

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fazer por ti, tendo feito tudo oque estava a seu alcance paraconverter-te, nós, o bispo e osjuízes indicados para esta causaem prol da fé, aqui no tribunaljulgando na condição mesma dejuízes, tendo perante nós osSagrados Evangelhos para quenosso julgamento seja como quea expressão da vontade de Deuse para que nossos olhos vejamcom equidade, e tendo peranteeles tão somente a Deus e ahonra da Santa Fé Católica, neste

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dia e lugar e nesta hora,designados para que ouvisses atua sentença derradeira,pronunciamos o nossojulgamento do caso, perante ti,aqui presente, perante nós, e tecondenamos e te sentenciamoscomo verdadeira heregereincidente e impenitente, ecomo tal serás abandonada àjustiça secular; e mediante estasentença definitiva te expulsamoscomo herege reincidente eimpenitente de nossa corte

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eclesiástica e te entregamos e teabandonamos ao poder do braçosecular da lei; orando para que acorte secular abrande ou moderea sentença de morte quepronunciará contra ti. Estasentença foi exarada etc.

QUESTÃO XXXI

Da que é apanhada e condenada,mas que a tudo nega.

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O décimo segundo método

para concluir um processo emfavor da fé é utilizado quando sedescobre que a pessoa acusadade heresia, após diligente examedos méritos da causa em consultacom doutos advogados é culpadado crime pela evidência dos fatose pelo legítimo depoimento detestemunhas, mas não pelaprópria confissão. Ou seja, elapode ser culpada pela evidênciados fatos por ter praticado a

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heresia publicamente; ou pelaevidência das testemunhas, deque não consegue se livrar;mesmo assim, não obstanteapanhada e denunciada, firme econstantemente nega aresponsabilidade. Ver Henriquede Segúsio, Sobre as heresias, 34ºquestão.

O procedimento, nesse caso,é o seguinte: a acusada deveráser mantida no cárcere,acorrentada e agrilhoada,devendo ser assiduamente

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visitada pelos oficiais de justiça,juntos e separadamente, que hãode se empenhar ao extremo parainduzi-la a confessar a verdade;dizendo-lhe que se assimproceder e confessar o erro, eabjurar a heresia vil, obterá amisericórdia; mas que, caso serecuse e persista na sua negativa,acabará abandonada ao braçosecular da lei, e não poderáescapar da morte temporal.

No entanto, se persistir pormuito tempo nas suas negativas,

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o bispo e os oficiais, ora emconjunto, ora separadamente,ora ainda pessoalmente, oratambém com a ajuda de homensde bem, deverão conclamarperante eles ora umatestemunha, ora outra, e adverti-las para aterem-se estritamenteao que foi declarado emdepoimento, para que se tenhacerteza de ter sido declarada averdade; que cuide, pois quemdana alguém temporariamente,dana a si mesmo eternamente; e

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que se estiverem receosos, quepelo menos lhe digam a verdadeem segredo, para que a acusadanão morra injustamente. E quetomem grande cautela para quepossam ver claramente se osdepoimentos foram ou nãoverdadeiros.

Mas se as testemunhas,depois dessa advertência,persistirem nas denúncias e aacusada persistir na negação, queo bispo e seus oficiais não seapressem em pronunciar a

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sentença definitiva e emabandonar a prisioneira para obraço secular da lei; mas que adetenham ainda por mais tempo,ora a persuadindo a confessar,ora exortando as testemunhas(mas uma de cada vez) aexaminar as consciências. E que obispo e os oficiais prestemparticular atenção àquelatestemunha que pareça ter aconsciência mais aguçada e quepareça mais predisposta ao bem,e que mais insistentemente

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instiguem-lhe a consciência parafalar a verdade, dizendo se o quedepôs é falso ou verdadeiro. E sevirem qualquer testemunhavacilar, ou se houver outrosindícios de que foi dada falsaevidência, que lhe deem fé deacordo com o conselho de doutose que procedam como a justiçarequer.

Pois descobre-se muitofrequentemente que, depois de apessoa assim denunciada portestemunhas legítimas persistir

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por muito tempo na sua negativa,acaba cedendo – especialmenteao ser verdadeiramenteinformada de que não seráentregue ao braço secular da lei,e que será admitida namisericórdia se confessar opecado – e espontaneamenteconfessando a verdade que hátanto tempo negara. Verifica-setambém, frequentemente, que astestemunhas, por malícia e porinimizade, conspiraram paraacusar uma pessoa inocente do

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pecado de heresia; mas depois,em função das solicitaçõesfrequentes do bispo e de seusoficiais, as suas consciênciasforam atingidas pelo remorso e,por inspiração divina, retiraram asua denúncia e confessaram quepor malícia imputaram tal crimeà acusada. Portanto, a prisioneiranessa situação não deve sersentenciada apressadamente;deverá ser mantida no cárcerepor um ano ou mais antes de serentregue ao braço secular da

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justiça.Depois de transcorrido tempo

suficiente, e tomadas todas asprecauções, se a acusada queassim foi considerada legalmenteculpada admitir a culpa econfessar dentro da lei queesteve pelo período indicadoenvolvida no crime de heresia, econsentir em abjurar todas asheresias, e executar a pena quelhe for prescrita pelo bispo e peloInquisidor para alguém culpadode heresia pela própria confissão

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e pela produção legítima deevidências, então, que comoherege penitente abjurepublicamente toda a heresia, daforma como estabelecemos nooitavo método de conclusão doprocesso em benefício da fé.

Mas se confessar que incidiuem tal heresia, mas queobstinadamente é adepta a ela,há de ser abandonada à cortesecular como impenitente,conforme explicamos no décimométodo.

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No entanto, se a acusadapermanecer firme e inamovívelde suas negativas a respeito dasacusações que pairam sobre ela, eas testemunhas, ademais, asretirarem, revogando as provas eadmitindo a culpa, confessandoque imputaram crime tãohediondo a uma mulher ou a umhomem inocente, por motivo derancor e de ódio, ou que foramsubornados ou obrigados a isso,então a acusada será colocada emliberdade, e as testemunhas

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punidas como falsastestemunhas, ou como falsosacusadores ou informantes. Issofica claro pelo que diz Paulo deBurgos em seu comentário sobreo Cânon, c. multorum. E asentença e a pena serãopronunciadas contra astestemunhas conforme bemparecer ao bispo e aos juízes; dequalquer maneira, as falsastestemunhas devem sercondenadas à prisão perpétua,em regime de pão e água, e

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deverão fazer penitência peloresto de suas vidas, todos os dias,devendo se postar nos degrausda porta de tal igreja etc.Contudo, os bispos têm o poderpara mitigar ou mesmo agravar asentença após um ano ou apósoutro período de tempo, daforma habitual.

Mas se a acusada, após umano ou mais que tiver semostrado suficiente, persistir nassuas negativas, e as testemunhaslegítimas persistirem na sua

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acusação, o bispo e os juízesdeverão se preparar paraabandonar a acusada à justiçasecular; enviando-lhe homens debem zelosos da fé, sobretudo osreligiosos, para lhe dizerem quenão poderá escapar da mortetemporal se persistir na negativa,e que será entregue à cortesecular como heregeimpenitente. E o bispo e seusoficiais notificarão o bailio ououtras autoridades do braçosecular da lei que em tal dia, em

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tal hora e em tal lugar (nãodentro de uma igreja) deverão lácomparecer com seus auxiliarespara receber um heregeimpenitente que a eles seráentregue. E que façam aproclamação pública nos lugareshabituais de que todos deverãocomparecer em tal dia, em talhora e em tal lugar para ouvirum sermão em prol da fé, e queo bispo e seus oficiais entregarãoum herege obstinado à justiçasecular.

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Na data marcada para opronunciamento da sentença obispo e demais responsáveisdeverão estar no lugar indicado,e a prisioneira será colocada noalto, à vista de todos, e asautoridades seculares deverãoestar presentes diante daprisioneira. Então a sentença serápronunciada da seguintemaneira:

Nós (nome), pelamisericórdia de Deus, bispo detal lugar e juiz nos territórios de

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tal príncipe, vendo que tu(nome), de tal lugar, em taldiocese, foste acusada perantenós de tal heresia (citá-la), edesejando obter informaçõesmais corretas das acusações feitascontra ti, e se caminhavas nastrevas ou na luz, assimprocedemos, examinandodiligentemente as testemunhas, ete intimando e te interrogandosob juramento, tendo tambémadmitido um advogado para tuadefesa, e procedendo em todos

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os aspectos conforme determinaa Lei Canônica.

E desejosos de concluir o teuprocesso sem deixar margem dedúvida, reunimo-nos emconselho solene com profundosconhecedores de teologia e dasLeis Canônicas e Civis. E tendodiligentemente examinado eanalisado cada circunstância doprocesso, e madura ecriteriosamente considerado,junto aos referidos doutores,tudo o que foi dito e feito no

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presente caso, descobrimos quetu (nome) foste consideradalegalmente culpada do crime deheresia por tanto tempo, e quedisseste e fizeste tais e tais coisas(citá-las) pelo quemanifestamente parece que ésculpada, de forma legítima, damencionada heresia.

Mas como desejávamos, eainda desejamos, queconfessasses a verdade erenunciasses à mencionadaheresia, e que fosses conduzida

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de volta ao seio da Santa Igreja eà unidade da Santa Fé, para quesalvasses a tua alma e escapassesda destruição de teu corpo e detua alma no Inferno, tentamos,por nossos próprios esforços epelos esforços de outros, eprotelando a tua sentençadefinitiva por longo tempo,induzir-te ao arrependimento;mas como te mostraste obstinadana tua perversidade e nãoconcordaste com nossosconselhos, e persististe e ainda

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persistes com teu espíritorenitente e obstinado nas tuasnegativas contumazes; e issodizemos com pesar, e muitolamentamos dizê-lo. Mas como aIgreja de Deus por tanto tempoesperou pelo teu arrependimentoe pela tua admissão de culpa, etu te recusaste e ainda te recusas,a sua graça e misericórdia nãopodem mais prosseguir.

Pelo que, para que possasservir de exemplo a outras e paraque outros se afastem de tais

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heresias, e para que tais crimesnão passem sem punição, nós obispo e os juízes nomeados emprol da fé, sentados aqui nestetribunal na própria condição dejuízes, e tendo perante nós osSagrados Evangelhos para quenosso julgamento como que sejaexpressão da vontade de Deus epara que nossos olhos vissemcom equidade, e tendo perantenossos olhos só a Deus e a glóriae a honra da Santa Fé, julgamos,declaramos e pronunciamos a

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seguinte sentença: tu, perantenós, neste dia e na hora e lugarque te foram indicados para queouvisses a sentença final, és umaherege impenitente e como taldeve ser entregue e abandonadaà justiça secular; e como heregeobstinada e impenitente,mediante esta sentença, teexpulsamos da corte eclesiástica ete abandonamos para a justiçasecular e para o poder da cortesecular. E oramos para que amencionada corte possa mitigar a

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sentença de morte contra ti. Estasentença foi exarada etc.

O bispo e os juízes podem,ademais, providenciar para quehomens zelosos da fé, econhecidos e de confiança dajustiça secular, tenham acesso àprisioneira enquanto realizam oseu ofício, para que a consolem einclusive a induzam a confessar averdade, a admitir a culpa e arenunciar aos erros.

Mas caso aconteça, depois depronunciada a sentença, quando

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a prisioneira já estiver no localonde será queimada, de acondenada manifestar confessara verdade e admitir a culpa, eassim o fizer; e se estiver dispostaa abjurar àquela e todas asheresias, embora se possapresumir que talvez assimproceda mais por medo da mortedo que por amor à verdade, soucontudo da opinião de que podenesse caso, por misericórdia, serrecebida como penitente esentenciada à prisão perpétua.

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Ver a glosa sobre os capítulos adabolendam e excommunicamus.Todavia, de acordo com o rigorda lei, os juízes não devemcolocar muita fé numa confissãodessa espécie; ademais, podemsempre puni-la em virtude dosdanos temporais que causou.

QUESTÃO XXXII

Da que é culpada masque fugiu ou que se

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ausenta de formacontumaz.

O décimo terceiro e último

método para chegar-se a umasentença definitiva em favor dafé é empregado quando sedescobre que a pessoa acusadade heresia, após diligente análisedos méritos do processo emconsulta com advogadosconhecedores da lei, é culpadade heresia, mas conseguiu

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escapar, ou em flagrante desafionão comparece ao tribunaldepois de expirado o prazoprevisto. E isso acontece em trêscasos.

Primeiro, quando a acusada éculpada de heresia por confissãoprópria, ou pela prova dos fatos,ou pela produção legítima detestemunhas, e foge, ou seausenta e se recusa a comparecerdepois de ter sido judicialmenteintimada.

Segundo, quando a pessoa foi

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acusada e foram prestadas certasinformações a seu respeito que acoloca sob suspeita, mesmo queseja leve, e é então intimada aresponder por sua fé; e como serecusa a comparecer perante ojuiz, é excomungada, eobstinadamente persiste naexcomunhão por um ano,ausentando-se sempredesafiadoramente.

O terceiro caso é quandoalguém obstrui diretamente asentença ou o processo em

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benefício da fé, ou presta auxílio,ou aconselha ou dá proteção paraaquele propósito, pois tal pessoaé atingida pela espada daexcomunhão. E se nela persistirpor um ano, será condenadacomo herege que desafiou aadministração da justiça.

No primeiro caso, tal pessoaé, segundo determina o Cânonad abolendam, para sercondenada como heregeimpenitente. No segundo eterceiro casos não será julgada

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como herege impenitente, mascondenada como se fosse heregepenitente. E em qualquer dessescasos se há de observar oseguinte procedimento: quandose aguardou por essa pessoa portempo suficiente, que sejaintimada pelo bispo e por seusoficiais na catedral da diocese emque cometeu o pecado, e emoutras igrejas daquele lugar ondemora, e especialmente de ondefugiu, e que seja intimada daseguinte maneira:

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Nós (nome), pelamisericórdia de Deus, bispo detal lugar etc., ou juiz de taldiocese, tendo a nosso cargo obem-estar das almas, e tendo,acima de tudo, o desejo sincerode que em nosso tempo nareferida diocese a Igreja floresçae que haja uma colheita fértil eabundante nas vinhas do Senhordas Hostes, que a mão direita doPai Supremo semeou no seio doshomens de bem, que o Filho doPai generosamente regou com o

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Seu sangue vivificante, que oEspírito Santo, o Paracleto, fezfrutificar com as Suas dádivasmaravilhosas e inefáveis, que aincompreensível e inefávelSantíssima Trindade enriqueceucom enormes e sagradosprivilégios, mas que o javali, forada floresta, quer dizer, qualquerespécie de herege, devorou epilhou, desperdiçando os bonsfrutos da fé e plantandoespinhosas urzes-brancas emmeio às vinhas, e que a serpente

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sinuosa, a inimiga maléfica daraça humana, que é Satã e oDemônio, insuflou veneno nosfrutos das vinhas, causando-lhesa peste da heresia: e esse é ocampo do Senhor, a IgrejaCatólica, a ser lavrado ecultivado, que o FilhoPrimogênito do Deus Pai, apósdescer das Alturas Celestiais,semeou com milagres e com apalavra Sagrada, percorrendocidades e aldeias e ensinandonão sem grande esforço, tendo

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escolhido, como seus apóstolos,laboriosos e honestos homens elhes mostrado o caminho,dando-lhes as recompensaseternas; e o próprio Filho deDeus espera conseguir de seuscampos semeados, no Dia doJuízo Final, uma colheitaabundante; e pelas mãos de Seussantos anjos espera armazená-lano Celeiro Sagrado nos Céus.Mas as raposas de Sansão, deduas caras como os que incidemno pecado da heresia, caras que

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olham para os dois lados mas quese acham amarradas pelas caudasflamejantes, correm com muitastochas pelos campos do Senhor,agora brancos e reluzindo com oesplendor da fé até a hora dacolheita, e os destroem sempiedade, e astuciosamentepercorrem-lhe todos os recantos,com violentos ataques,queimando, dissipando edevastando, e subvertendo deforma sutil e maldosa a verdadeda Sagrada Fé Católica.

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Por conseguinte, como tu(nome) caíste na maléfica heresiadas bruxas, praticando atosmaléficos publicamente em tallugar (indicá-lo), e tendo sidopelo testemunho legítimoculpada do pecado de heresia, oupela tua própria confissão notribunal, e depois de tua capturafugiste, recusando o remédio datua salvação, portanto, teintimamos para que respondaspelos mencionados crimesperante nós, não obstante tenhas

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sido afastada e seduzida peloespírito do mal, recusando-te acomparecer.

Ou da seguinte maneira:

Pelo que, visto que tu (nome)foste acusada perante nós dopecado da heresia, e segundo asinformações prestadas contra tijulgamos-te sob leve suspeita deheresia, te intimamos para que teapresentes pessoalmente perantenós para que respondas pela Fé

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Católica. E como, depois deintimada, desafiadoramente terecusaste a comparecer aotribunal, te excomungamos e tedeclaramos desde entãoexcomungada. E nesta condiçãopermaneceste obstinada por umano, ou por tantos anos,escondendo-te aqui e acolá, deforma que não sabemos paraonde o espírito do mal te levou; eembora te aguardássemosbondosa e misericordiosamente,para que retornasses ao seio e à

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unidade da Sagrada Fé, como teachas completamente entregueao mal, te recusaste a assimproceder. Assim sendo,desejamos e, obrigados pelajustiça, damos este caso comoconcluído fora de qualquerdúvida, não podendo passar comolhos coniventes por sobre osteus crimes iníquos.

Nós, bispo e juízes na causamencionada, em nome da fé,exigimos e ordenamos medianteo presente édito que tu, já

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mencionada, que ora se escondee se acha na condição de fugitiva,hás de em tal dia, de tal mês, doano tal, na catedral de taldiocese, na hora da terça,apresentar-se pessoalmenteperante nós para que ouças a tuasentença final, ficando claro que,apareças ou não, teráspronunciada a sentençadefinitiva contra ti, conformerequerem a lei e a justiça. E paraque nossa intimação chegue a teuconhecimento antes da data

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indicada e que não te venhasproteger com a desculpa daignorância, é nosso desejo anossa ordem que as presentesletras e a presente intimaçãosejam publicamente afixadas nasportas da mencionada catedral.Em testemunho do que,ordenamos que o presente éditoseja autorizado com a impressãode nossos selos. Decreto lavradoa etc.

No dia indicado para aaudiência da sentença final, se a

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fugitiva tiver aparecido econsentido em abjurar todas asheresias publicamente, rogandohumildemente para que sejaadmitida na misericórdia, assim oserá, caso não seja reincidente; ese for culpada pela própriaconfissão ou pela produçãolegítima de testemunhas, terá deabjurar e se arrepender comoherege penitente, conformeexplicamos no oitavo método deconclusão dos processos embenefício da fé. Se for

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considerada gravemente suspeita,e se recusar a aparecer ao ter sidointimada para responder pela fé,e tiver sido depois excomungada,e permanecido na excomunhãoobstinadamente por um ano, masse tornar penitente, que sejaadmitida, que abjure todas asheresias e que se penitenciecomo gravemente suspeita deheresia, da forma explicada nosexto método para conclusão doprocesso. Mas se comparecer enão consentir em abjurar, que

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seja entregue como verdadeiraimpenitente e herege ao braçosecular da lei, conforme seexplicou no décimo método. Noentanto, se mesmo assim serecusar a comparecer, que asentença seja pronunciada daseguinte forma:

Nós (nomes), pelamisericórdia de Deus, bispo detal cidade, vendo que tu (nome),de tal lugar e de tal diocese, fosteacusada perante nós pordifamação pública e por

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informações de homens de bemdo pecado da heresia, nós, cujaobrigação é examinar e verificarse havia qualquer verdade noque chegou a nossoconhecimento, descobrindo teressido acusada e consideradaculpada de heresia pelodepoimento de váriastestemunhas críveis, ordenamosque sejas trazida até nós sobcustódia. (Aqui se há de dizer sejá compareceu alguma vez e sefoi ou não interrogada sob

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juramento.) Mas vendo quedepois foste levada e seduzidapelos conselhos do espírito domal, temendo teres as tuaschagas completamente curadascom vinho e óleo, e fugiste (ou,se for o caso, fugiste da prisão oudo lugar de detenção),escondendo-te aqui e acolá,desconhecemos em absoluto olugar para onde o espírito do malte conduziu.

Ou da seguinte forma:

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E constatando que contra ti,acusada, conforme dissemos,perante nós, do pecado deheresia, se encontram muitasrazões pelas quais te julgamoslevemente suspeita do pecado deheresia, te intimamos por esteédito em tais e tais igrejas, de taldiocese, a comparecer,pessoalmente, dentro do prazoestipulado, perante nós pararesponderes pelas acusaçõescontra ti e sobre as questões quedizem respeito à fé. Mas tu,

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seguindo conselho insano,obstinadamente te recusaste aaparecer. E quando, obrigadospela justiça, te excomungamos ete declaramos publicamenteexcomungada, obstinadamentepermaneceste no estado deexcomunhão por mais de umano, e te escondeste aqui e acolá,de sorte a não sabermos aonde oespírito do mal te conduzira.

E a Santa Igreja de Deus pormuito te aguardou até estepresente dia na bondade e na

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misericórdia, para que pudessesregressar ao seio da misericórdia,renunciando aos teus erros eprofessando a Fé Católica, e paraque fosses nutrida pelagenerosidade da suamisericórdia, tu te recusaste aconsentir, persistindo na tuaobstinação; e como desejávamose ainda desejamos, conforme anós cabe proceder e conformenos compele a justiça, trazer estecaso a uma conclusão justa, teintimamos a que comparecesses

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perante nós neste dia, nesta horae neste lugar, para que ouvisses asentença final. Mas como terecusaste a comparecer, provastemanifestamente que persistes deforma permanente nos teus errose nas tuas heresias; e issodizemos com pesar, e muitolamentamos dizê-lo.

Como, porém, não podemosprotelar e não protelaremos aaplicação da justiça, nempodemos tolerar tamanhadesobediência e tão grande

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desafio à Igreja de Deus, paraexaltação da Fé Católica e paraextirpação de todas as heresiasvis, atendendo ao chamado dajustiça, e em virtude de tuadesobediência e obstinação, nestedia e lugar e nesta hora, quedoravante é designada para aaudiência de tua sentença final,tendo diligente ecuidadosamente analisado todasas circunstâncias do processocom homens de grande saber,conhecedores de teologia e das

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Leis Canônicas e Civis, sentadosno tribunal na condição dejuízes, tendo perante nós osSagrados Evangelhos para quenosso julgamento possa provircomo que da vontade de Deus epara que nossos olhos vejam comequidade, e tendo perante elesapenas a Deus e a verdadeirrefragável da Sagrada Fé,seguindo os passos do bem-aventurado apóstolo Paulo, aquipronunciamos a sentença finalcontra ti (nome), ausente ou

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presente, nos seguintes termos,invocando o Nome de Cristo.

Nós, o bispo e os juízesnomeados em benefício da fé,vendo que o processo desta causaem prol da fé foi conduzida emtodos os seus termos conformemanda a lei, e não tendo tu, apósintimação legal, comparecido,não tendo sido justificada a tuaausência por ti mesma ou porqualquer outra pessoa, e vendoque tu persististe e aindapersistes nas mencionadas

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heresias e na excomunhão, pelacausa da fé, por tantos e tantosanos, e nada mais podendo aSanta Igreja de Deus fazer por ti,por teres persistido e por aindapretenderes persistir na tuaexcomunhão e nas alegadasheresias, por tudo isso, seguindoos passos do bem-aventuradoapóstolo Paulo, declaramos,julgamos e sentenciamos seres tu,ausente ou presente, uma heregeobstinada, e como tal teabandonamos à justiça secular. E

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mediante esta sentença definitivate expulsamos do TribunalEclesiástico e te abandonamosaos poderes do tribunal secular;sinceramente orando para queeste mencionado tribunal, casovenha a ter-te em seu poder,pondere a sentença de mortecontra ti. Esta sentença foilavrada etc.

Cumpre aqui considerar que,se a obstinada fugitiva tiver sidocondenada por heresia, seja pelaprópria confissão, seja pelo

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depoimento de testemunhascríveis, e se tiver fugido antes daabjuração, será, pela sentença,considerada herege impenitente,o que é preciso ser colocado nasentença. Mas se, por outro lado,não tiver sido consideradaculpada e sim apenas intimadapor se achar sob suspeita paraprestar contas de sua fé, mas,tendo se recusado a comparecerao tribunal, tiver sidoexcomungada e obstinadamentepersistido na excomunhão,

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acabando por fim se recusadonovamente a comparecer, entãonão será julgada como heregeimpenitente, mas como simplesherege, e deverá ser condenadacomo tal; e, assim, se há deexpressar na sentença, conformeantes indicamos.

QUESTÃO XXXIII

Do método de exarar asentença para as que

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foram acusadas por outrabruxa, que foi ou que seráqueimada na estaca.

O décimo quarto método para

concluir-se um processo em prolda fé é usado quando a pessoaacusada de heresia, apósminudente análise dascircunstâncias do processo comreferência aos informantes, juntoa advogados conhecedores damatéria, assim o foi por outra

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bruxa que já foi ou seráqueimada. E isso acontece de 13maneiras, em 13 casos. Pois apessoa assim acusada ou éinocente e será livrementedispensada, ou terá sidodifamada em público por causadaquela heresia, ou verifica-seque ela, além da difamação, deveser exposta de algum modo àtortura; ou, então, se trata depessoa fortemente suspeita deheresia, ou é pessoa que incorreuem suspeita grave de heresia; ou

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verifica-se que é a um só tempodifamada e suspeita, e assim pordiante, em 13 casos diferentes,conforme mostramos na QuestãoXII.

O primeiro caso é quando éacusada apenas por uma bruxasob custódia, e não é condenadapela própria confissão nem portestemunhas legítimas, e não háoutras indicações pelas quaispossa ser considerada suspeita.Nessa eventualidade, há de serinteiramente absolvida, mesmo

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pelo próprio juiz secular que játiver queimado a depoente ouestá em vias de queimá-la, sejapor sua própria autoridade, sejapela autoridade que lhe foidelegada pelo bispo ou pelo juizda corte ordinária; e há de serabsolvida da forma como foiexplicado na Questão XX.

O segundo caso é quando,além de acusada por bruxa sobcustódia, ela também foipublicamente difamada por todaa aldeia ou por toda a cidade; de

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tal sorte que, embora sempretivesse sofrido de tal difamaçãoparticular, viu-se a suspeitaagravada depois do depoimentode outra bruxa.

Nesse caso, o procedimentodeverá ser o seguinte: o juiz háde considerar que,independentemente dasinformações de caráter geral,nada em particular foi provadocontra ela por outrastestemunhas legítimas da aldeiaou da cidade; e, não obstante,

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talvez, a bruxa lhe tenha feitosérias acusações. Mesmo assim,como perdeu a fé por negá-laperante o Diabo, o juiz nãodeverá dar o devido crédito asuas palavras, a menos queexistam outras circunstâncias queagravem o caso; quando, então,este passaria à terceira categoria,descrita a seguir. Portanto, eladeverá ter como pena umapurgação canônica, e a sentençadeverá ser pronunciada comomostramos na Questão XXI.

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E se o juiz civil ordenar que apurgação seja feita perante obispo; e terminar com umadeclaração solene de que, se viera falhar, então, como exemplopara outras, deverá sergravemente condenada porambos os juízes, o civil e oeclesiástico, que assim seja. Masse o juiz desejar conduzirpessoalmente o caso, que aordene encontrar dez ou vintetestemunhas que deponham afavor de sua inocência, todas de

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sua mesma condição social, eproceda com o segundo métodopara a sentença, com umaexceção: se ela for excomungada,então ele deverá recorrer aoordinário, o que seria o caso seela se recusasse a fazer apurgação.

O terceiro caso, então, ocorrequando a pessoa acusada não écondenada pela própriaconfissão, nem pela prova dosfatos, nem por testemunhaslegítimas, nem existem outras

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indicações de que de fato játivesse sido estigmatizada poroutras pessoas da aldeia ou dacidade, exceto em virtude de suareputação geral entre taispessoas. No entanto, os boatos desuspeita foram intensificados pelaprisão da bruxa que se acha sobcustódia, ao declarar que aacusada por ela fora suacompanheira em todos os crimese que deles participara. Mesmoassim, porém, a acusadafirmemente a tudo nega, e nada

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disso é sabido pelos outrosmoradores, ou nada além de seubom comportamento, embora seadmita o companheirismo com abruxa presa.

Nesse caso o procedimento éo seguinte: primeiro devem sercolocadas frente a frente,observando-se suas mútuasrespostas e recriminações, paraver se há qualquer inconsistêncianas suas palavras, pelo que o juizserá capaz de decidir pelasafirmações e negações se ele, ou

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se ela, deverá ser submetido atortura; em caso afirmativo,poderá proceder como naterceira forma de pronunciar asentença, explicada na QuestãoXXII, submetendo-a a torturasleves. Ao mesmo tempo, deverátomar todo o cuidado possível,conforme explicamosextensamente ao iniciarmos estaParte III, para descobrir se ela éculpada ou inocente.

O quarto caso ocorre quandose verifica que a pessoa acusada

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dessa forma é levementesuspeita, ou pela própriaconfissão, ou pelo depoimento deoutra bruxa sob custódia. Háquem inclua entre as assimconsideradas levemente suspeitasas que procuram e consultambruxas por qualquer motivo, ouas que tentaram conseguir umamante inspirando o ódio entrecasados, ou que se juntaram abruxas para a obtenção dealguma vantagem temporal. Masessas pessoas devem ser

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excomungadas como seguidorasde hereges, segundo o Cânon c.excommunicamus, onde diz:“Semelhantemente julgamoscomo hereges os que acreditamem seus erros.” Pois o efeito épresumido pelos fatos. Portanto,parece que essas pessoas devemser mais severamente punidas doque aquelas que se acham sobleve suspeita de heresia e que vãoa julgamento por conjecturasleves. Por exemplo, seexecutaram um serviço para

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bruxas ou lhes levaram cartas,não por isso se deve considerarque incidam nos mesmos erros.Todavia, não depuseram contraelas e delas receberampagamentos. Quanto a dever-seou não incluir tais pessoas nestecaso, segundo a opinião deconhecedores das leis, oprocedimento deverá ser como odos casos de suspeita leve, e ojuiz agirá da seguinte maneira:essas pessoas deverão abjurar aheresia ou submeter-se a uma

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purgação canônica, conformeexplicado no quarto método depronunciar as sentenças naQuestão XXIII.

Contudo, parece que omelhor a fazer é determinar aabjuração da heresia, porqueassim se estará mais de acordocom o sentido do Cânon c.excommunicamus, onde faladaquelas pessoas que seencontram apenas sob algumasuspeita notável. E sereincidirem, não incorrerão na

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punição contra os reincidentes. Oprocedimento será como oexplicado no quarto método deconclusão do processo.

O quinto caso é quando apessoa é considerada sob fortesuspeita, em virtude, como antes,da própria confissão ou dodepoimento de outra bruxa sobcustódia. Nessa categoria algunsincluem os que direta ouindiretamente obstruem oprocesso em pauta, desde que ofaçam propositadamente.

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Também incluem os queajudam, aconselham ouprotegem os que causam taisobstruções. Também os queinstruem hereges intimados oucapturados a ocultar a verdadeou a falsificá-la de alguma forma.Também todos aqueles queconscientemente recebem ouvisitam notórios hereges, ou comeles se associam, lhes mandampresentes ou mostram favorecê-los; pois todas essas ações,quando feitas com pleno

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conhecimento, falam a favor dopecado, e não da pessoa. E porisso dizem que, quando aacusada é culpada de qualqueruma das ações acima, deverá sersentenciada pelo quinto método,explicado na Questão XXIV;assim deverá abjurar todas asheresias, sob pena de sercastigada como reincidente.

Quanto a essas contenções,podemos dizer que o juiz develevar em consideração odomicílio e a família de cada

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bruxa que tiver sido queimadaou que se acha detida, pois estescostumam ter sidocontaminados.

Pois as bruxas são instruídaspelos Demônios para lhesoferecerem inclusive os própriosfilhos; portanto, não há dúvidade que tais crianças sãoinstruídas em toda sorte decrimes, conforme mostramos naParte I, desta obra.

Uma vez mais, num caso desimples heresia, acontece, em

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virtude da proximidade entrehereges parentes, que, quandoum é condenado pelo crime deheresia, segue-se que os parentessão também consideradosfortemente suspeitos. O mesmoserve para o crime da heresia debruxaria.

Mas este presente caso éesclarecido no capítulo do Cânoninter sollicitudines. Certo deão,devido à sua reputação comoherege, foi condenado a umapurgação canônica. Em virtude

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de sua familiaridade comhereges, teve também de fazeruma abjuração pública, e porcausa do escândalo viu-seprivado de seus privilégios,portanto, o escândalo poderia sermitigado.

O sexto caso é quando apessoa acusada se acha sob gravesuspeita. Mas nenhumdepoimento pura e simplesmentepor outra bruxa em custódia temesse efeito, pois deverá tambémexistir alguma indicação dos

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fatos, oriunda de certas palavrasou de certos atos por parte dabruxa em custódia, em quedeclara ter a acusada ao menostomado parte dos atos malévolosda depoente.

Para entender essa questão oleitor deve consultar o queescrevemos na Questão XIX,especialmente a respeito dasuspeita grave, de que modosurge de conjecturas graves econvincentes, e de que modo ojuiz é forçado a acreditar, sob

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mera suspeita, que a pessoa éherege, embora talvez seja naverdade um católico verdadeiro.Os canonistas dão um exemplodisso com o caso de simplesheresia de um homem intimadoa responder a uma causa de fé eque se recusou,desafiadoramente, a comparecerpara dar seu depoimento. Poresse motivo, foi excomungado, ese persistir naquele estado porum ano, será consideradogravemente suspeito de heresia.

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De forma análoga é o caso dapessoa acusada da forma que oraestamos considerando: asindicações dos fatos devem serexaminadas – as indicações pelasquais se torna gravementesuspeita. Coloquemos a situaçãoda bruxa em custódia quedeclarou ter a acusadaparticipado de suas obrasmaléficas de bruxaria, nãoobstante a última negueterminantemente. O que fazer?Será necessário considerar se há

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quaisquer fatos que a coloquemsob forte suspeita de bruxaria ese tal suspeita poderia se tornarsuspeita grave. Assim, se umhomem foi intimado a respondera tal acusação, e obstinadamentese recusa a comparecer aotribunal, incorreria em suspeitaleve de heresia mesmo quandonão intimado por causaconcernente à fé. Mas, caso serecusasse em causa dessanatureza e fosse excomungadopela obstinação, então incorreria

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em forte suspeita de heresia. Asuspeita leve se tornaria fortesuspeita. E se entãopermanecesse obstinado em suasposições por um ano, a fortesuspeita se transformaria emsuspeita grave. Portanto, o juizdeve considerar se, em virtudeda familiaridade com a bruxa sobcustódia, o acusado (ou aacusada) se acha sob fortesuspeita, da forma mostrada noquinto caso acima. Em seguida,há de considerar se existe alguma

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coisa que seja capaz detransformar a suspeita forte emsuspeita grave. Pois presume-seque seja possível ser esse o caso,pelo fato de a acusada, talvez, terparticipado dos crimes da bruxadetida, caso tenha mantidorelações frequentes com ela.Logo, o juiz deverá procedercomo no sexto método decondenação explicado naQuestão XXV. Mas seria possívelperguntar o que o juiz deve fazerse a pessoa acusada por uma

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bruxa sob custódia ainda persistirnas negativas, não obstante todasas indicações contra ela.Respondemos da seguintemaneira:

Em primeiro lugar, o juizdeve considerar se as negativasdecorrem ou não do vício ou dabruxaria da taciturnidade;ademais, conforme mostramosnas Questões XV e XVI destaParte III, o juiz poderá issodescobrir da sua capacidade ouincapacidade de derramar

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lágrimas, ou de suainsensibilidade sob tortura e darápida recuperação das forçasdepois. Neste caso, a suspeitagrave seria ainda maia agravada.Não poderia ela, nessascircunstâncias, ser dispensada emabsolvição de forma alguma; pelocontrário, de acordo com o sextométodo, ela deverá sercondenada à prisão e ao castigoperpétuos.

Mas caso não se mostrecontaminada pela taciturnidade

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das bruxas e revele sentir asdores mais agudas sob tortura(enquanto outras, conforme sedisse, se tornam insensíveis à dordevido à bruxaria dataciturnidade), então o juizdeverá retornar ao seu últimoexpediente de purgaçãocanônica. E se tal purgação fordeterminada por juiz secular, échamada de purgação vulgarlícita, já que não pode serclassificada com as outraspurgações vulgares. E se a

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acusada falhar na sua purgação,será considerada culpada.

O sétimo caso é quando aacusada não é culpada pelaprópria confissão, nem pelaevidência dos fatos, e tampoucopelo depoimento de testemunhaslegítimas, mas só se verifica queela é acusada por uma bruxa sobcustódia, e descobrem-setambém algumas indicações queapontam para a leve ou a fortesuspeita. Quando, por exemplo, aacusada mantinha grande

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familiaridade ou convívio combruxas, caso em que deveria,segundo o Cânon, ser submetidaa uma purgação canônica emvirtude de sua má reputação; jápor causa da suspeita que lherecai deveria abjurar a heresia,sob pena de tornar-se reincidenteem caso de forte suspeita, masnão em caso de leve suspeita.

O oitavo caso se dá quando apessoa acusada confessou aheresia mas é penitente, e nuncareincidiu. Cumpre, entretanto,

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aqui observar que neste enoutros casos, onde se põe aquestão da reincidência ou nãoda acusada, e se são ou nãopenitentes, tais distinções sãofeitas tão somente para obenefício dos juízes que nãoestejam interessados em infligir apena capital. Portanto, o juiz civilpoderá proceder de acordo comas leis civis e imperiais, conformedeterminar a justiça, no caso dapessoa que confessou,independentemente de ser ou

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não penitente, ou de ter ou nãoreincidido. Bastará recorrer aos13 métodos de lavrar a sentença,e agir de acordo com eles, casosurja qualquer dúvida.

QUESTÃO XXXIV

Do método de pronunciara sentença contra bruxasque anulam malefícioscausados por bruxaria econtra as bruxas parteiras

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e os magos-arqueiros.

O décimo quinto método de

concluir um processo embenefício da fé é empregadoquando a pessoa acusada deheresia não é das que perpetramalefícios contra outras, mas dasque os remove; em tal caso, oprocedimento será o seguinte: osremédios que utiliza serão lícitosou ilícitos; se forem lícitos, elanão será julgada como bruxa,

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mas como boa cristã. No entanto,já mostramos suficientementeque espécies de remédios sãolícitos.

Os remédios ilícitos, poroutro lado, devem serdistinguidos quer comoabsolutamente ilícitos, quer comoilícitos em certos aspectos. Seforem absolutamente ilícitos,ainda poderão ser subdivididosem outras duas categorias,conforme envolvam ou nãoalguma lesão ou mal a outra

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parte; contudo, em ambos essescasos sempre se acompanham dainvocação expressa de Demônios.Se só forem ilícitos em certosaspectos, ou seja, são praticadostão somente com a invocaçãotácita, e não expressa, deDemônios, devem serconsiderados mais como vãos oufúteis do que como ilícitos, deacordo com os canonistas e comalguns teólogos, conforme jádemonstramos.

Portanto, o juiz, seja

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eclesiástico ou civil, não deverápunir nem a primeira nem asúltimas práticas mencionadas,devendo, pelo contrário louvar asprimeiras e tolerar as últimas, jáque os canonistas sustentam serlícito combater futilidade comfutilidade. Mas não deve deforma alguma tolerar as queremovem malefícios por umainvocação expressa de Demônios,especialmente as que ao assimproceder acabam por causaralgum mal a uma terceira parte.

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E esse fenômeno diz-se ocorrerquando o malefício é retirado deuma pessoa e transferido paraoutra. E já deixamos esclarecidonuma parte anterior desta obranão fazer diferença se o malefícioé transferido para uma bruxa ounão, seja ela ou não a pessoa queperpetrou o malefício original, ouseja ela homem ou qualqueroutra criatura.

Caberia indagar o que devefazer o juiz quando tal pessoaalega remover malefícios por

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meios lícitos e não lícitos. E deque modo poderia chegar àverdade nesses casos?Respondemos que deve intimá-lae indagar-lhe que remédiosutiliza. Mas não poderá basear-seexclusivamente na sua palavra,pois o juiz eclesiástico incumbidodessa tarefa deverá fazerinvestigação diligente, sejapessoalmente ou através dealgum padre da paróquia, quedeverá interrogar todos os seusparoquianos sob juramento a

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respeito dos remédios que aacusada emprega. E se, comocostuma acontecer, se descobrirque são remédios de naturezasupersticiosa, não poderão deforma alguma ser tolerados, emvirtude das penas terríveisprescritas pelas Leis Canônicas,conforme mostraremos.

Uma vez mais, caberiaindagar de que modo se podedistinguir os remédios lícitos dosilícitos, já que sempre afirmamque removem malefícios

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mediante certas orações e pelouso de ervas. Respondemos queessa questão é fácil, conquanto sefaça inquérito diligente. Poisembora devam necessariamenteocultar os remédios de carátersupersticioso, seja para que nãosejam presos, seja para que maisfacilmente armem ciladas contrapessoas mais simples e possamassim fazer uma grande exibiçãodo uso de suas orações e de suaservas. Todavia, podem sermanifestamente culpados e

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condenados por quatro açõessupersticiosas na condição demagos ou de bruxas.

Existem algumas queadivinham segredos, e sãocapazes de dizer coisas de que sópoderiam saber através darevelação de espíritos do mal. Porexemplo: quando os enfermoslhes procuram para seremcurados, são capazes de descobrire tornar conhecida a causa desua enfermidade. Como emdecorrência de uma intriga com

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um vizinho ou alguma outracausa. E são capazes de terperfeitamente um conhecimentodisso e dizê-lo a quem asconsulta.

Em segundo lugar, às vezescuram a enfermidade ou omalefício de determinada pessoa,mas nada conseguem fazer com adoença ou malefício que seabateu sobre outra. Pois, nadiocese de Spires, há uma bruxade certo lugar, chamadaZunhofen, que, embora pareça

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curar muitas pessoas, confessa serincapaz de curar outras. E issotão somente pelo motivo de que,conforme declaram os habitantesdo lugar, os malefícios que seabateram sobre essas pessoas sãode tal força e de tal formacausados por outras bruxas com aajuda dos Demônios que ospróprios Demônios não osconseguem remover. Pois umDemônio nem sempre consegueceder à ação de outro.

Em terceiro lugar, às vezes

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elas sabem que têm de fazeralguma reserva ou exceção nacura de tais malefícios. Um casodesse tipo aconteceu na própriacidade de Spires. Uma mulher debem que fora enfeitiçada nascanelas procurou por umaadivinha desse tipo para que acurasse. A bruxa foi à sua casa.Ao entrar, olhou-a e fez umaexceção desse tipo. Pois lhe disse:

– Se não houvesse crostas ecabelos na ferida, eu seria capazde retirar dela toda a matéria

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maligna.Em seguida, revelou-lhe a

causa do mal, embora a enfermativesse vindo de país a mais de3,2 quilômetros dali:

– Discutiste com a tuavizinha em tal dia e foi por issoque passaste a padecer desse mal.– Depois, extraindo da feridamuitas outras substâncias, devários tipos, que não eram crostasnem cabelos, restituiu-lhe asaúde.

Em quarto lugar, elas

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próprias observam ou fazem comque sejam observadas certascerimônias supersticiosas. Porexemplo, estabelecem certa hora– antes do nascer do sol etc. –para que as pessoas as visitem.Ou dizem não serem capazes decurar males que foram causadosfora dos limites do estado emque habitam; ou que sóconseguem curar duas ou trêspessoas por ano. No entanto, nãocuram a ninguém, emborapareçam curar por simplesmente

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deixarem de lhes fazer mal.Poderíamos acrescentar

muitas outras considerações arespeito da condição de taispessoas. Por exemplo, quandodepois de um certo período detempo ganharam a reputação delevarem vida desregrada epecaminosa, ou de que sãoadúlteras, ou de sobreviventesdos covis de outras bruxas.Portanto, o seu dom de curarnão proveio de Deus em virtudeda santidade de suas vidas.

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Aqui devemos nos reportarincidentalmente às bruxasparteiras, que a todas as demaisultrapassam com a suamalevolência, conformemostramos na Parte I desta obra.E são em tão grande númeroque, conforme se descobriu porsuas confissões, acredita-se quedificilmente exista alguma aldeiaem que pelo menos uma não sejaencontrada. E para que osmagistrados possam enfrentaresse perigo em certa medida, não

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devem permitir que nenhumaparteira pratique o ofício semantes prestar juramento comoboas católicas. Ao mesmo tempo,devem observar as precauçõesmencionadas na Parte II destaobra.

Aqui também devemosconsiderar os arqueiros-mágicos,que constituem o maior perigopara a religião cristã por teremobtido a proteção nos estados denobres e de príncipes que osacolhem, prestigiam e defendem.

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Mas que tais protetores são maiscondenáveis do que todas asbruxas, especialmente em certoscasos, é mostrado da seguintemaneira: os canonistas e osteólogos dividem em duas classesos protetores de tais arqueiros,conforme defendam o erro ou apessoa. Os que defendem o errosão mais condenáveis do que ospróprios arqueiros, já que nãodevem ser julgados comohereges, mas como heresiarcas(24, quest. 3). Mas as leis não

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fazem menção especial a taisprotetores, por não os distinguirdos hereges.

Existem outros no entantoque, embora não perdoem opecado, mesmo assim defendemo pecador. Estes, por exemplo,farão tudo o que estiver a seualcance para proteger tais magos(ou outros hereges) dojulgamento e do castigo pelasmãos do juiz que age em prol dafé.

De forma similar, há certas

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autoridades públicas, ou seja,pessoas públicas como senhorestemporais, e também senhoresespirituais que têm jurisdiçãotemporal e que, seja por omissão,seja por comissão, protegem taishereges e arqueiros.

São seus defensores poromissão quando negligenciam asua tarefa com relação aosmagos, aos mágicos e aossuspeitos, ou com relação aosseus seguidores, seusacolhedores, seus defensores,

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quando são solicitados pelosbispos ou pelos Inquisidores paraque assim procedam. Ou seja, aodeixar de lhes prender, ao não osguardar devidamente depois depresos, ao não os levar ao localindicado em sua jurisdição para oqual foram intimados acomparecer, ao não executaremprontamente a sentença que lhesfoi pronunciada e por outrasomissões de seus encargos.

São seus defensores porcomissão quando, depois de tais

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hereges terem sido presos,livram-nos da prisão sem alicença ou a ordem do bispo oudo juiz; ou quando obstruem,direta ou indiretamente, oprocesso, o julgamento ou asentença deles, ou agem deforma semelhante. As penas portais atos foram discriminadas naParte II desta obra, ondetratamos dos magos-arqueiros ede outros encantadores dearmas.

Basta por ora dizer que todos

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esses são por lei excomungados, eincorrem em 12 penas graves. Ese continuarem obstinados naexcomunhão por um ano, serãocondenados como hereges.

Quem, portanto, seráchamado de protetor de taishereges? Deverão sercondenados como hereges?Todos eles, respondemos, os queos acolhem, os que os protegem –aos magos-arqueiros, aosenfeitiçadores de armas, àsnecromantes, às bruxas hereges –

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são o motivo de toda esta obra. Etais protetores cabem em duascategorias, como foi o caso dosdefensores e dos patronos de taiscriaturas.

Pois que há alguns que nãoos recebem ou os acolhem só poruma ou duas vezes, mas pormuitas vezes e frequentemente. Ea estes denominamosjustamente, em latim,receptatores, em decorrência daforma frequentativa do verbo. Eos receptadores dessa classe são

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por vezes inocentes, por agiremna ignorância, por não haversuspeita sinistra que sobre elesrecaia. Já noutras ocasiões sãoculpados por terem perfeitaciência dos pecados dos queacolhem, porquanto a Igrejasempre denuncia tais feiticeiroscomo os inimigos mais cruéis dafé. E se no entanto os senhorestemporais os acolhem, sustentame defendem etc., hão de sercorretamente chamados dereceptadores de hereges. E a

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respeito destes diz a lei: hão deser excomungados.

Há outros porém que nãoacolhem magos ou hereges comfrequência ou muitas vezes, e simapenas uma ou duas vezes; eestes não são propriamentedenominados receptatores, e simreceptores, já que não os acolhemcom frequência. (Não obstante, oarcediago não concorda com esseponto de vista; embora tal nãoseja questão muito importante,pois estamos tratando de atos, e

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não de palavras.)Há ainda uma diferença ente

receptatores e receptores: ossoberanos temporais quesimplesmente não podem ou nãoquerem expulsar os hereges sãosempre receptatores. Já osreceptores podem ser bem maisinocentes.

Por fim, cabe indagar quemseriam os que obstruem as açõesdos Inquisidores e dos bisposcontra os hereges. E se devem sertais pessoas tachadas de hereges.

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Admitimos a existência de doistipos de obstrutores. Há os quecausam obstrução direta, aotemerariamente, por sua própriaconta, libertarem do cárcere osque foram detidos por causa deheresia, ou ao interferirem noprocesso inquisitorial, causandodanos às testemunhas embenefício da fé por causa de seusdepoimentos. Ou, então, osenhor temporal decreta umaordem que ninguém, só elepróprio poderá julgar o caso, e

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que ninguém acusado dessecrime seja levado a julgamentopor qualquer outra pessoa excetopor ele próprio, e que asevidências sejam apresentadas sóem sua presença, ou algumaordem semelhante. Agindoassim, segundo Giovannid’Andrea, são eles obstrutoresdiretos. Os que diretamenteobstruem o processo, ojulgamento ou a sentença emprol da fé, ou que auxiliam,aconselham ou favorecem outros

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para que assim procedam,embora culpados de grandepecado, não serão por essemotivo julgados como hereges,salvo se outras evidênciasindicarem que estão obstinada evoluntariamente envolvidos comheresias maléficas. Devem sercastigados com a espada daexcomunhão; e seobstinadamente persistirem naexcomunhão por um ano, serãoentão condenados como hereges.

Outros porém são os

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obstrutores indiretos. Estes,conforme explica Giovannid’Andrea, são os que dão ordenstais como ninguém há delevantar armas para a captura dehereges exceto os servos domencionado senhor temporal.São estes menos culpados do queos primeiros, e não são hereges.Mas devem, assim comoqualquer pessoa que aconselhe,auxilie ou proteja os hereges comtais atos, ser excomungados. E se,obstinadamente, permanecerem

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na excomunhão por um ano,serão condenados como sefossem hereges. E cumpre aquientender que essa condenaçãocomo hereges se há de fazer nosseguintes termos: caso semostrem dispostos a retornar aoseio da Igreja, serão recebidos devolta à misericórdia, depois deabjurarem o erro. Caso contrário,serão entregues à corte secularcomo impenitentes.

Em suma, as bruxas-parteiras,como as demais bruxas, devem

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ser condenadas e sentenciadas deacordo com a natureza de seuscrimes. Isso vale também para asque, como dissemos antes,removem malefícios de formasupersticiosa e com o auxílio deDemônios. Pois seria difícilduvidar de que, assim como sãocapazes de removê-los, sãotambém capazes de causá-los. E ofato é que as bruxas e osDemônios fazem um acordodefinido entre si pelo qualalgumas são capazes de causar

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males e outras o são de removê-los, para que assim possam maisfacilmente enganar opensamento das pessoas simplese aumentar as hostes de suasociedade abandonada e odiosa.Os magos-arqueiros e osencantadores de armas, que sãoapenas protegidos peloacolhimento que recebem dossenhores temporais, estãosujeitos às mesmas penas. Eaqueles que os protegem etc., ouque obstruem os oficiais de

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justiça no seu mister, estãosujeitos a todas as penalidades aque estão sujeitos os protetoresde hereges e devem serexcomungados. E se depois deterem permanecido por um anona sua obstinação mostrarem-sedesejosos de se arrepender, queabjurem a obstrução e o amparo,e que sejam readmitidos àmisericórdia. Caso contrário,deverão ser entregues ao braçosecular da justiça na condição deimpenitentes. Porém, mesmo

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quando persistirem naexcomunhão por menos de umano, ainda poderão serprocessados como patronos ouprotetores de hereges.

E tudo o que se disse arespeito dos patronos, dosprotetores, dos acolhedores e dosobstrutores no caso dos magos-arqueiros etc. também se aplica atodas as demais bruxas queoperam vários malefícios contraos homens, animais e frutos daterra. Mas mesmo as próprias

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bruxas, quando pelo juízo daprópria consciência e comespírito humilde e contritolamentam os pecados cometidose, pela confissão sincera, pedemo perdão, são admitidas de voltaà misericórdia. Mas quando sãoconhecidas, aqueles cujaobrigação é processá-las, intimá-las, examiná-las e detê-las devemem todos os aspectos agir deacordo com a natureza doscrimes cometidos para que sechegue a uma sentença definitiva

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e conclusiva, se quiserem evitar aarmadilha da danação eterna porcausa da excomunhão que lhesserá pronunciada pela Igrejaquando falham deliberadamentenas suas obrigações.

QUESTÃO XXXV

Finalmente, do métodopara lavrar a sentençacontra as bruxas queentram ou fazem com que

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se entre com apelação ourecurso, seja frívolo oulegítimo e justo.

Mas se o juiz perceber que a

acusada está determinada a obterrecurso ou apelação, deveráobservar que, por vezes, taisrecursos são válidos e legítimos,enquanto noutras sãointeiramente frívolos. Ora, jáexplicamos que as causas arespeito da fé devem ser

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conduzidas de forma simples esumária e que não se admiteapelação em tais casos. Todavia,às vezes acontece de os juízes,tendo em vista a dificuldade docaso, com satisfação o prorrogame o adiam; portanto, talvezconsiderem justo permitir umaapelação quando a acusadapercebe que o juiz agiu, real e defato, de forma contrária à lei e àjustiça. Como ao não lhe permitirque se defendesse, ou quandopronunciou uma sentença contra

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a pessoa acusada por contaprópria, sem ter ouvido oconselho de outros, ou mesmosem o consentimento do bispo oudo vigário, quando então poderiater levado em consideraçãomuitas outras evidências, sejamcontra a acusada, sejam a seufavor. Por tais motivos se podepermitir a apelação, mas não emcaso contrário.

Em segundo lugar, cumpreobservar que, quando for feitapetição de apelação, o juiz

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deverá, sem qualquerdificuldade, solicitar uma cópiada apelação, assegurando que oassunto não será adiado. Depoisde a pessoa dar-lhe amencionada cópia, o juiz anotificará de que dispõe de doisdias para respondê-la, e apósaqueles dois dias terá ainda maistrinta antes de ter de apostilar orecurso. E embora possa dar aresposta de imediato, e procederàs apostilas se for muitoexperiente, é mais conveniente

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agir com cautela e fixar um prazode dez, vinte ou 25 dias,reservando-se o direito deprorrogar a audiência para aapelação até o limite legal detempo.

Em terceiro lugar, que o juizcuide para que durante ointervalo apontado e legalexamine e analise diligentementeas razões da apelação e osfundamentos alegados daobjeção. E se depois dedevidamente aconselhado

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perceber que procedeu indevidae injustamente contra a pessoaacusada, ao ter-lhe recusado apermissão para a defesa, ou aoexpô-la a interrogatório emmomento indevido, ou porqualquer outra razão, quandochegar o prazo estipulado quecorrija o erro, trazendo oprocesso ao estágio em que seencontrava quando a acusadasolicitou defesa, ou quando pôstermo a seu exame etc., para queassim remova a objeção; em

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seguida, que proceda conformeindicamos. Pois pela remoção dasrazões da objeção, a apelação,que era legítima, perde o seupeso.

Mas aqui o juiz circunspectoe previdente notarácuidadosamente que alguns dosfundamentos da objeção sãoreparáveis. São estes da espécieque antes mencionamos e devemser tratados da forma indicada.Outros, porém, são irreparáveis:quando a pessoa acusada foi real

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e de fato interrogada, mas depoisescapou e entrou com o recursoindicado; ou quando algumacaixa ou jarro ou algum outroinstrumento usado pelas bruxasfoi destruído e queimado; ouquando é cometida alguma outraação irreparável e irrevogável.Nesse caso, o procedimentoacima não deve ser feito, ou seja,não se deve recuar o processo aoponto em que foi feita aapelação.

Em quarto lugar, o juiz deve

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atentar que, embora possamdecorrer trinta dias entre orecebimento da apelação e aredação das apostilas ao caso, eele possa determinar ao apelantepara ouvir a apelação no últimodia, mesmo assim, para que nãopareça estar querendo molestar apessoa acusada ou ficar sobsuspeita de lhe concedertratamento excessivamente duro– e também para que seucomportamento não venha emapoio às razões da apelação –, o

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melhor é determinar um dia paraa audiência dentro dos limites doprazo, digamos o décimo ou ovigésimo. Poderá depois, se nãoquiser se apressar, adiá-lo até oúltimo dia, alegando estarocupado com outros problemas.

Em quinto lugar, o juiz há decuidar para, ao afixar o prazopara a acusada que apela e quepeticiona pelas apostilas, há denão só o fixar para a entrega, maspara a entrega e o recebimentodas apostilas. Pois, caso contrário,

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o juiz a quem se faz a apelaçãoteria de dispensar o apelante.Portanto, que lhe determine umprazo, ou seja, tal dia, de tal ano,para dar e receber do juiz taisapostilas conforme ele terádecidido submeter.

Em sexto lugar, há de cuidarpara que, ao fixar esse prazo, nãodeverá dizer em sua resposta queconcederá apostilas negativas ouafirmativas. Para que tenhamelhor oportunidade parareflexão, que diga que as dará

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conforme tiver decidido, noprazo indicado.

Que cuide também para que,ao atribuir o prazo para oapelante, não lhe dêoportunidade para o exercício dequaisquer precauções maliciosase astutas, especificando o lugar, odia e a hora. Por exemplo, quedetermina para entrega daapelação (e para a averbação) ovigésimo dia de agosto, nopresente ano, à hora dasvésperas, e na sala de audiências

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do próprio juiz, em tal casa, emtal cidade, para a entrega e orecebimento da averbação,conforme terá sido decidido paratal apelante.

Em sétimo lugar, que observeque, se tiver decidido consigomesmo que a acusação contra aacusada (ou o acusado) justificasua detenção, ao assinar o termoele deverá esclarecer que o assinapara a entrega e o recebimentodas apostilas pelo apelante empessoa e que para isso determina

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tal lugar. Assim, o juiz teráplenos poderes para deter oapelante, desde que tenha,primeiro, dado apostilasnegativas. Caso contrário, nãopoderá assim proceder.

Em oitavo lugar, que o juizcuide para não proceder comnenhuma outra ação contra oapelante – prendê-lo, interrogá-lo ou libertá-lo da prisão, desde omomento em que lhe éapresentada a apelação até omomento em que ele entrega as

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apostilas negativas.Em suma, cumpre observar

que muitas vezes acontece de apessoa acusada, por estar emdúvida quanto à sentença que iráreceber – já que tem consciênciada própria culpa –,frequentemente lançar mão deuma apelação para que possaescapar da sentença do juiz.Portanto, apela ao juiz alegandorazões frívolas, afirmando que ojuiz a manteve sob custódia semlhe permitir a defesa de praxe, ou

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afirmando algo semelhante, commatiz diverso, em sua frívolaapelação. Nesse caso o juizsolicitará uma cópia da apelaçãoe, tendo-a recebido, ou deimediato ou depois de dois dias,dará a resposta e marcará a datapara a entrega e o recebimentodas apostilas, conforme já terádecidido em tal dia, em tal horae em tal lugar, dentro do prazolegal, como, por exemplo, no 25º,26º ou trigésimo dia de tal mês. Edurante esse período o juiz

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examinará diligentemente acópia da apelação, e as razões ouobjeções em que se baseia, e háde consultar com advogadosconhecedores da lei se deverádar resposta negativa, ou seja, seirá apostilar negativamente,anulando assim a apelação, ou seirá averbá-la positiva ouafirmativamente ao juiz a quem aapelação é feita.

Mas se achar serem frívolas einválidas as razões da apelação, eque o apelante só quer escapar

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ou adiar a sentença, que asapostilas sejam negativas erefutatórias. Se, todavia, acharque as objeções são verdadeiras ejustas e não irreparáveis, ou seestiver em dúvida quanto àmalícia da acusada, e desejaresclarecer todas as suspeitas, quedê à apelante apostilasapropriadas e afirmativas. E aochegar o prazo para a apelante, seo juiz não tiver preparado suasrespostas, ou de alguma formaainda não estiver pronto para tal,

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a apelante poderá de uma vezexigir que sua apelação sejaouvida, e poderá continuar assimsucessivamente até o trigésimodia, que é o último dialegalmente permitido para asubscrição das respostas.

Mas se as tiver já preparando,poderá de uma vez dar a respostaà apelante. Se então tiver optadopor resposta negativa erefutatória, deverá, ao expirar oprazo fixado, redigi-la daseguinte maneira:

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E o dito juiz, respondendo àmencionada apelação, se é quepossa chamar-se de apelação,declara que ele, juiz, procedeu eteve a intenção de proceder deacordo com os decretoscanônicos e com os estatutos e asleis imperiais, e não se afastou datrilha da lei nem pretendeu seafastar, e de forma alguma agiuou pretendeu agir injustamentepara com o apelante, conforme sedepreende do exame das razõesdesta apelação. Porquanto não

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agiu injustamente contra ele aodetê-lo e ao mantê-lo sobcustódia; por ser o apelanteacusado de tal heresia, e haviatais e tais evidências contra elepelas quais era de fato culpadode tal crime, ou era fortementesuspeito, e por tudo isso era e éjusto que seja mantido sobcustódia. Nem tampouco agiuinjustamente ao recusar asgarantias de praxe, já que o crimede heresia é um dos mais gravescrimes, e o apelante foi

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condenado mas persistiu nanegativa da culpa, e, portanto,nem mesmo as mínimasgarantias seriam admissíveis, poisque devia e deve ficar detido naprisão. E assim há de prosseguirrefutando as demais objeções.

Feito isso, que declare oseguinte: pelo que fica aparenteque o juiz procedeu devida ejustamente, e que não se desvioudo caminho da justiça, e deforma alguma molestouindevidamente o apelante.

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Todavia, o apelante, alegandoobjeções mentirosas e falsas,tentou, mediante uma apelaçãoindevida e injusta, escapar dasentença. Pelo que sua apelação éfrívola e inválida, sem qualquerfundamento, e errada noconteúdo e na forma. E como asleis não reconhecem apelaçõesfrívolas, nem são estasreconhecidas pelo juiz, declaraeste, portanto, que não admitenem pretende admitir amencionada apelação, nem a

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reconhece, ou mesmo se propõea reconhecê-la. E dá esta respostaao acusado ou à acusada que faztal indevida apelação na formade averbação negativa edetermina que esta lhe sejaentregue imediatamente após amencionada apelação. E assim aentregue ao tabelião que lheapresentou a referida apelação.

Depois disso, o juiz há deproceder imediatamente com asua obrigação, ordenando oaprisionamento ou a detenção da

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pessoa acusada, oudeterminando um dia para quecompareça perante ele, conformemelhor lhe convier. Pois que nãodeixa de ser o juiz e há decontinuar o processo contra oapelante até que o juiz a quemfoi feita a apelação lhe ordenecessar.

Mas que o juiz cuide paranão dar início a quaisquer novosprocedimentos contra a acusada,prendendo-a, ou, se estiver sobcustódia, liberando-a, desde o

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momento da apresentação daapelação até o momento daresposta negativa. No entanto,transcorrido esse período detempo, conforme dissemos,poderá assim fazer se a justiça orequerer, até que seja impedidopelo juiz a quem foi feita aapelação. Então, com o processoselado em envelope, e com umaescolta segura, que a mande parao mencionado juiz.

Mas se o juiz tiver decididodar averbação afirmativa, que a

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apresente por escrito da seguintemaneira, ao chegar a datamarcada:

E o mencionado juiz,respondendo à referida apelação,se pode ser chamada deapelação, diz que procedeu napresente causa de forma justa ecomo devia e não ao contrário, eque tampouco molestou oupretendeu molestar o apelante,conforme se depreende daleitura cuidadosa das objeçõesalegadas. Pois não o molestou

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etc. (Aqui há de responder acada uma das objeções naapelação, da melhor e da maisfiel forma que puder.)

Pelo que fica evidenciado queo referido juiz, de forma alguma,tratou injustamente o apelantenem lhe deu razões para aapelação, mas que o apelanteteme que a justiça proceda contraele de acordo com os seus crimes.Portanto, a apelação é frívola einválida, não tem fundamento, enão é admissível pelas leis ou

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pelo juiz. Mas em reverência à SéApostólica, a quem é feita aapelação, o mencionado juizdeclara que admite a apelação, epretende reconhecê-la,submetendo toda a questão aonosso santo padre, o papa, edeixando-a a cargo da Santa SéApostólica. Fica assimdeterminado que daqui a tantosmeses o mencionado apelante,com o processo lacrado que lhefoi entregue pelo mencionadojuiz, ou tendo dado as devidas

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garantias de que se apresentaráno tribunal de Roma, ou sobuma escolta segura que lhe seráindicada pelo mencionado juiz,terá de apresentar-se ao tribunalde Roma perante nosso senhor, opapa. E essa resposta omencionado juiz dá ao apelantesob a forma de averbaçãopositiva, e ordena que lhe sejaentregue imediatamente depoisde lhe ter sido apresentada aapelação. E assim a entregará aotabelião que lhe apresentou a

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apelação.O juiz prudente deve aqui

observar que, tão logo tiverentregue essa resposta aoapelante, de imediato deixa deser o juiz naquela causa de ondefoi feita a apelação, e não poderámais prosseguir nela, a menosque lhe seja tal incumbêncianovamente delegada pelo santopadre, o papa. Portanto, que nãose detenha mais no caso, excetono fato de enviar o apelante aopapa da maneira acima indicada,

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determinando para isso ummomento oportuno, digamos, noprazo de um, dois ou três meses,quando então terá de preparar-separa apresentar-se no tribunal deRoma, dando a devida garantia.Ou então, se não puder fazerisso, que seja enviado sob adevida escolta. Pois terá de fazertudo o que estiver a seu alcancepara se apresentar ao santo padrena corte de Roma no prazo detempo indicado, ou, então, terásua apelação necessariamente

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invalidada.Mas se o juiz tiver outra

causa, e proceder contra aacusada em outra causa em quenão há qualquer apelação, nelapermanecerá, como antes, nacondição de juiz. E mesmo se,após a apelação ter sidoadmitida, e ter-se-lhe dadoresposta afirmativa, o apelantefor acusado e denunciado ao juizde outras heresias que nãoentraram na causa em que houvea apelação, não cessa de ser o

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juiz, e poderá proceder com ointerrogatório e o exame dastestemunhas como antes. Equando o primeiro caso tiver sidoencerrado pela corte de Roma,ou após lhe terem mandado devolta a acusada, estará ele livrepara proceder com o segundo.

Que também os juízescuidem para enviar o processo àcorte de Roma, selado e lacrado,aos juízes apontados paraexecutar a justiça, junto com umresumo dos méritos do processo.

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E os Inquisidores não devem tera preocupação de aparecer emRoma contra os apelantes.Devem deixá-los com os seuspróprios juízes, que, se osInquisidores não se mostraremdispostos a aparecer contra osapelantes, devem providenciarseus próprios advogados para oapelante, se quiserem acelerar ocaso.

Que os juízes observemtambém que, se forempessoalmente intimados pelo

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apelante, e comparecerem,devem evitar a todo custo entrarem litígio, deixando todo oprocesso e a causa àqueles juízespara que possam retornar o maisbreve possível, de modo a quenão venham encontrardificuldades amargas – fadiga,aflição, trabalho e gastos – emRoma. Pois que dessa formagrandes males são causados àIgreja e os hereges sãosignificativamente estimulados. Epor isso os juízes não receberão o

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devido respeito e a reverênciaque lhes é devida, nem serão tãotemidos quanto antes. Outroshereges, ademais, vendo os juízesfatigados e detidos na corte deRoma, irão se vangloriar,desprezá-los e amaldiçoá-los, eainda mais fortementeproclamarão as suas heresias; equando forem acusados, apelarãoda mesma forma. Ademais,outros juízes terão a suaautoridade debilitada quandoprocedem em nome da fé e se

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mostram zelosos na extirpaçãodos hereges, já que receiamserem importunados pelasmisérias e fadigas que surgem deapelações semelhantes. Tudo issoé prejudicial para a fé da SantaIgreja de Deus. Por conseguinte,possa a Esposa desta Igrejapreservá-la na misericórdia detodos esses males.

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Certificado deaprovação do Malleus

Maleficarum pelaFaculdade de Teologia

da Universidade deColônia

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O certificado oficial de

aprovação do tratado MalleusMaleficarum, com a subscriçãodos doutores da honorabilíssimaUniversidade de Colônia,devidamente lavrado e registradocomo documento e depoimentopúblico.

Em nome de nosso SenhorJesus Cristo, Amém. Saibamtodos os homens pelo presente etodos os que o venham ler, verou que venham a tomar

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conhecimento do teor destedocumento público e oficial queno ano do Senhor de 1487, numsábado, aos 19 dias do mês demaio, por volta das 17h, noterceiro ano do pontificado denosso santíssimo padre e senhor,o Inocente, pela divinaprovidência papal, oitavo com onome de Inocêncio, na minhapresença, Arnold Kolich, tabeliãopúblico, e na presença dastestemunhas cujos nomes seencontram adiante indicados e

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que foram convocadas eespecialmente intimadas paraeste propósito, que o venerável ereverendíssimo padre HenryKramer, professor de teologiasagrada, da Ordem dosPregadores, Inquisidor dadepravação herética –diretamente nomeado para essefim pela Santa Sé ao lado dovenerável e reverendíssimo padreJames Sprenger, professor deteologia sagrada e prior doconvento dominicano de

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Colônia, que é especialmenteapontado como colaborador doprimeiro –, nos trouxe aoconhecimento, em seu nome eno de seu colaborador, edeclarou-nos que o sumopontífice outorgou, através deuma bula devidamente assinadae selada, destinada aossupracitados Inquisidores Henrye James, membros da Ordem dosPregadores e professores deteologia sagrada, mediante a suasuprema autoridade apostólica, o

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poder de investigar e inquirirtodas as heresias,particularmente a heresia dasfeiticeiras, uma abominação quecresce e se fortalece nestes diasinfelizes, e solicitou-lhes queexecutassem essa tarefadiligentemente, em todas ascinco arquidioceses das cincoIgrejas Metropolitanas, ou seja,de Mainz, de Colônia, de Trèves,de Salzburgo e de Bremen,outorgando-lhes todos ospoderes para julgar e processar

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tais pessoas, inclusive o poder delevar tais malfeitores à morte,segundo o teor da bulaapostólica, que está em suasmãos e que agora exibem paranós, um documento que se achaíntegro e inviolado, que de formaalguma foi alterado ou rasurado,em suma, cuja integridade seencontra acima de qualquersuspeita. E o teor da referida bulaassim tem início: “Inocente,bispo, servo dos servos de Deus,para a lembrança eterna.

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Desejando com a mais sinceraansiedade, como bem requer onosso apostolado, que a FéCatólica, especialmente em nossaépoca, cresça e floresça por todasas partes,...” e assim conclui:“Exarada em Roma, na Basílicade São Pedro, a 9 de dezembrodo ano da Encarnação de NossoSenhor de 1484, no primeiro anode nosso pontificado.”

Como alguns dos que têm aseu cargo o cuidado das almas eque são pregadores da palavra de

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Deus têm se mostrado tãoatrevidos que asseveram edeclaram publicamente emsermões no púlpito, às pessoasem geral, que não existembruxas, ou que estas não sãocapazes de forma alguma demolestar ou de prejudicar ahumanidade ou os animais – ecomo em resultado de taissermões, que devem ser emgrande medida reprovados econdenados, o poder do braçosecular vem deixando sem a

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devida punição tais ofensores –, etambém como esse fato provouser grande fonte de estímulo aosque seguem a horrível heresia dafeitiçaria, que vem aumentandonotavelmente as suas hostes, portudo isso, os supracitadosInquisidores, desejosos com todaa sinceridade e força de seuscorações de combater taisabominações e de guerrear taisperigos, escreveram com muitoestudo, com muita pesquisa ecom muito trabalho um tratado

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em que muito se empenharampara preservar a integridade daFé Católica com o fim de refutara ignorância dos que pregam tãocrassos erros. Ademais alidefiniram, com grande esforço, aforma lícita e própria pela qualtais bruxas pestilentas podem sertrazidas a julgamento, podem sersentenciadas e condenadas,segundo o teor da supracitadabula e segundo o que determinaa Lei Canônica. Porém, por seucorretíssimo e também sensato

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que a obra, por eles elaboradapara o bem comum de todos nós,seja sancionada e confirmadapela aprovação unânime dosveneráveis doutores dauniversidade – para que nuncapor algum acaso infeliz, algumhomem ignorante e mal-intencionado venha supor que osmencionados reitores dafaculdade e os professores daOrdem dos Pregadores não estãoem completo acordo a respeito –,os autores do mencionado

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tratado, que já se encontra nasua versão definitiva para serimpresso e depois recomendadoe aprovado pela opinião balizadae pelo julgamento maduro demuitos veneráveis doutores,entregaram-no em mãos aosprofessores de teologia sagradada universidade de Colônia que,como representantes dahonorabilíssima universidade,perusaram, examinaram ediscutiram o mencionadotratado, para que pudessem, de

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acordo com o seu critério,corrigir e emendar pontos que dealguma forma fossem dúbios ouque não estivessem de acordocom os ensinamentos da FéCatólica. Ademais, coube-lhesaprovar oficialmente e louvartudo o que no tratado estivessede acordo com taisensinamentos. E assim foi feito,conforme mencionamos.

Em primeiro lugar, ovenerável senhor Lambertus deMonte subscreveu o seu

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julgamento e sua opinião daseguinte maneira: “Eu,Lambertus de Monte, professor(embora imerecidamente) deteologia sagrada e hoje deão dafaculdade de teologia sagrada daUniversidade de Colônia, declaroaqui, solenemente, e confirmoesta minha declaraçãosubscrevendo-a, que li ediligentemente perusei econsiderei este tratado, que sedivide em três partes e que, emmeu humilde julgamento, nas

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duas primeiras partes nadacontém em absoluto que seja dealguma forma contrário àsdoutrinas da sã filosofia oucontrário à verdade da Santa FéCatólica e Apostólica, oucontrário às opiniões dosdoutores cujos escritos se achamaprovados e que sãoconsiderados lícitos pela SantaIgreja. Ademais, na minhaopinião, a terceira parte há de serinteiramente aprovada, e há deser colocada em prática, já que

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no julgamento e na punição detais hereges, matéria de quetrata, nada é recomendado quepossa infringir a Lei Canônica. Euma vez mais, em virtude dosvaliosíssimos e salutares assuntosque se acham ali contidos,mesmo que só por causa dogrande conhecimento e da boareputação desses valorosos ehonrados Inquisidores, poderia aobra ser vista como necessária ede grande utilidade, e haveremosde ter o diligente cuidado de

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distribuí-la entre homenseruditos e zelosos, que comgrande vantagem nelaencontrarão variadas eponderadas orientações para oextermínio das bruxas. Alémdisso, haveremos de levá-la àsmãos de todos os reitores dasigrejas, particularmente às mãosdaqueles que são honestos, ativose que temem a Deus, e quepoderão, lendo o livro, sentir-seencorajados para despertar oódio no coração das pessoas

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contra essa pestilenta heresiamaléfica e contra todos os atoshediondos de bruxaria, para quetodos os homens de bem possamser advertidos e salvaguardados epara que todos os malfeitorespossam ser descobertos epunidos. Assim, à plena luz dodia, a misericórdia e a graça hãode recair sobre os justos e ajustiça há de recair sobre os quefazem o mal, e todas as coisas deDeus hão de ser glorificadas, aQuem cumpre destinar toda a

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honra, todo o louvor e toda aglória.”

Em seguida, foi a vez dovenerável mestre Jacobus deStralen subscrever seujulgamento e sua opiniãobalizada: “Eu, Jacobus de Stralen,professor de teologia sagrada,depois de ter lido com grandeatenção o supracitado tratado,declaro que minha opinião estáem inteiro e absoluto acordo como juízo emitido pelo nossovenerável mestre Lambertus de

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Monte, deão de teologia sagrada,cuja opinião foi transcrita acima,e isso eu atesto e testemunhocom a minha própria assinaturapara a glória de Deus.”

De forma semelhante ovenerável mestre Andreas deOchsenfurt escreveu com opróprio punho o seguinte: “Damesma maneira, eu, Andreas deOchsenfurt, professor auxiliar deteologia sagrada, declaro queminha balizada opinião sobre asmatérias contidas neste tratado

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concorda inteira ecompletamente com ojulgamento acima exposto, e emtestemunho desta verdadesubscrevo-a.”

Em seguida, de formasemelhante, o honrado mestreThomas de Scotia subscreveu amesma opinião: “Eu, Thomas deScotia, doutor em teologiasagrada (não obstante nãomereça o título), estou de plenoacordo com tudo o que osveneráveis mestres acima

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escreveram a respeito dosassuntos contidos nomencionado tratado, quetambém cuidadosamente li eexaminei, e por ser verdade oque testemunho, esta declaraçãovai por mim assinada.”

Eis agora a segundasubscrição a respeito dosdiscursos pronunciados dopúlpito por pregadores blasfemose ignorantes. E, em primeirolugar, convém estabelecer osseguintes artigos:

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Artigo Primeiro. Os mestresde teologia sagrada, abaixo-assinados, muito louvam osInquisidores da depravaçãoherética, que, segundo oscânones, foram enviados comodelegados pela autoridadesuprema da Sé Apostólica, quehumildemente os exorta acumprir seu honrado ofício comtodo o zelo e com toda adiligência.

Artigo Segundo. A doutrinaque afirma ser bruxaria passível

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de ser perpetrada pela Permissãodivina, em virtude da cooperaçãodo Demônio com magos efeiticeiras, não é contrária à FéCatólica e sim está em absolutoacordo com os ensinamentos dasSagradas Escrituras. Mais ainda:segundo a opinião dos doutoresda Igreja, é uma doutrina quedeve ser defendida e firmementesustentada.

Artigo Terceiro. Portanto, éerro grave pregar que a bruxarianão existe, e os que publicamente

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pregam este erro vil notadamenteprejudicam o santo ofício dosInquisidores para o amargoprejuízo da segurança de muitasalmas. Não é conveniente que ossegredos da magia, que muitasvezes são revelados aosInquisidores, sejamindiscriminadamente revelados atodos.

Artigo Último. Todos ospríncipes e todos os católicospiedosos são exortados a usar detodo o seu empenho para que

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sempre auxiliem os Inquisidoresna sua boa obra em defesa da FéCatólica.

Pelo que, os mencionadosdoutores da faculdade deteologia, que já subscreverameste certificado, acima e abaixo,também subscrevem ossupracitados artigos, bem comoeu, Arnold Kolich, tabeliãopúblico, que também aquisubscrevo, por ser verdade,conforme verifiquei peladeclaração, feita perante mim sob

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juramento, de João Vörde deMechlin, homem de bem esincero, bedel da honorabilíssimaUniversidade de Colônia, econforme vi, por bem conheceras mãos dos que antes assinaram,acima e abaixo, e que agorasubscrevem o que ficouestabelecido, nos seguintestermos: “Eu, Lambertus deMonte, professor de teologiasagrada, deão da faculdade,firmemente sustento e aprovo,inteiramente, os artigos acima

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enumerados, e como testemunhoda verdade desta declaração aquideixo a minha assinatura. Eu,Jacobus de Stralen, professor deteologia sagrada, da mesmamaneira, sustento e aprovointeiramente os artigosenumerados acima, e emtestemunho da verdadesubscrevo este parecer. Eu,Udalricus Kridwiss vonEsslingen, professor de teologiasagrada, da mesma formasustento e aprovo inteiramente

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os artigos arrolados acima, e porser verdade o que declaro aquime subscrevo. Eu, Contadus vonCampen, professor efetivo deteologia sagrada, declaro estarem absoluto acordo com ojulgamento dos veneráveisprofessores acima citados. Eu,Cornelius de Breda, professorauxiliar, sustento e inteiramenteaprovo os artigos acimaenumerados, e em nome daverdade subscrevo estadeclaração. Eu, Thomas de

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Scotia, professor de teologiasagrada (não obstante não omereça), concordo inteiramente,sustento e aprovo a opinião dosveneráveis professores que acimaassinaram, e para a verdade deminha declaração aqui asubscrevo. Eu, Theodorich deBummel, professor auxiliar deteologia sagrada, concordointegralmente com o que oshonoráveis mestres escreveramacima e, para a verdade do quedigo, subscrevo esta declaração.

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Em confirmação aos artigosacima enumerados declaro estarinteiramente de acordo com aopinião dos honradíssimosmestres e professores, eu,Andreas de Ochsenfurt,professor da faculdade deteologia sagrada, membro dajunta de teólogos dahonorabilíssima Universidade deColônia.”

Por fim, o supracitadovenerável e reverendíssimo padreHenry Kramer, Inquisidor, estava

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na posse de uma carta, que nosmostrou, escrita em pergaminhovirgem, que lhe foi endereçada eentregue pelo sereníssimo enobre monarca, o rei dosromanos, cujo pergaminhoostentava o selo real oficial, emcores vermelhas, impresso sobreum fundo de cera azul e quependia da parte inferior dopergaminho. A cera estavaíntegra e inteira, inviolada, semrasuras ou qualquer outro indíciosuspeito, e não se mostrava

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lacerada ou danificada, e, peloteor da missiva, o supracitadonobre rei dos romanos, para queem benefício da nossa Santa Fé oassunto pudesse ser despachadocom toda a presteza, em seuofício real como rei supremo doscristãos, desejava e deseja que amesma Bula Apostólica a que nosreferimos acima seja de todas asformas respeitada, honrada edefendida, e as providências deque trata sejam cumpridas,colocando os Inquisidores sob

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sua própria e augusta proteção,ordenando e exigindo que todosos indivíduos que pertencem aoImpério Romano favoreçam eajudem os mencionadosInquisidores em tudo o quepuderem para a boa consecuçãode seu mister, e que lhes prestemtoda a ajuda de acordo com asprovidências definidas maispormenorizadamente eenumeradas na citada carta. E eiscomo se inicia e como termina acarta do rei, na ordem aqui

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indicada: “Maximiliano, pelofavor divino e pela graça deDeus, Augusto rei dos romanos,arquiduque da Áustria, duque deBurgundy, de Lorrainde, deBrabant, de Limburgo, deLuxemburgo e de Guelderland,conde de Flanders...”; e assimconclui: “Lavrada em nossa boacidade de Bruxelas, sob nossaprópria mão e nosso selo, aos seisdias de novembro, no ano deNosso Senhor de um milquatrocentos e oitenta e seis, no

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primeiro ano de nosso reinado.“Por conseguinte, com relação atudo o que foi enumerado eestabelecido acima, nas partes eno todo, o supracitado venerávele reverendíssimo padre Henry,Inquisidor, em seu nome e no deseu supracitado colaborador,solicitou a mim como tabeliãopúblico, cujo nome se achaescrito acima e cuja assinatura seencontra abaixo, que todos estesdocumentos fossem coligidos,redigidos e remetidos na forma

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de instrumento ou deinstrumentos públicos, e isso foifeito em Colônia na residência emoradia do venerável mestreLambertus de Monte, que sesitua dentro da igreja de SantoAndré e que goza dasimunidades desta, na sala onde opróprio mestre Lambertus fazseus estudos e despacha, no anodo Senhor, no mês, no dia, nahora e durante o pontificado jáespecificados acima, tendo alicomparecido o supracitado

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mestre Lambertus, o bedel João etambém Nicolas Cuper vonVenroid, tabelião juramentadoda venerável cúria de Colônia, eChristian Wintzen vonEusskirchen, clérigo da diocesede Colônia, ambos honestoshomens de bem, quetestemunham que a referidasolicitação foi formalmente feitae formalmente atendida.

E eu, Arnold Kolich vonEusskirchen, clérigo da diocesede Colônia, escriturário

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juramentado, estive tambémpresente durante a realização detoda a sessão e disso dou fé comas supracitadas testemunhas; ede acordo com o que vi e com oque, conforme declarei acima,ouvi sobre o testemunho sobjuramento do mencionado bedel,homem honesto e de bem, lavreicom meu próprio punho opresente instrumento público,que subscrevo. E tendo sidoassim solicitado e intimado aproceder, o assino e o selo de

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acordo com o que determina alei, com meu próprio nome emeu próprio selo, para que possaser oficialmente aprovado e paraque sirva como testemunho legale suficiente e como prova detudo o que aqui se achaestabelecido, enumerado econtido.

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Nota sobre abibliografia deO martelo das

feiticeiras

A bibliografia do MalleusMaleficarum é extremamentecomplexa e difícil, já que muitas

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das primeiras edições, não só in-fólio como também in-quarto,não têm indicação daprocedência nem da data depublicação. Assim, o MuseuBritânico possui uma cópia(Press-Mark 18, 1606), in-fólio,que no catálogo consta com adata “1485?”, embora estejaprovavelmente incorreta. Omesmo museu tem cinco ediçõesdo século XV: in-quarto, 1490?(IA 8634); in-fólio, 1490 (188615); in-quarto, 1494 (IA

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7468); in-fólio, 1494 (IB 5064); ein-quarto, 1496 (IA 7503).

Graesse, na BibliothecaMagica, Leipzig, 1843, indica aprocedência e a data das ediçõesdo século XV: Nuremberg, in-quarto e in-fólio, 1494 e 1496.Também faz menção a duasedições, uma in-fólio e outra in-quarto, sem indicação de data oulugar. Aponta também umaedição in-quarto publicada emColônia no ano de 1489 e outrain-fólio também publicada no

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mesmo lugar no ano de 1494.Há também as seguintes

edições:Malleus Maleficarum, in-

oitavo, Paris, edição a que oMuseu Britânico atribuiu a datade “1510?”.

Malleus Maleficarum, in-oitavo, Coloniae, J. Gymnicus,1520.

(Cópias dessas duas ediçõesde Colônia se acham no MuseuBritânico.)

Malleus Maleficarum... per F.

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Raffaelem Maffeum Venetum etD. Jacobi a Judeca institutiSeruorum summo studioillustratus et a multis erroribusvindicatus... Venetiis AdCandentis Salamandrae insigne.MD. LXXVI, in-oitavo. (A ediçãodecepciona o estudioso. É difícilver em que consistiu o cuidadoeditorial de Raffaelo Maffei, quepode ou não ter algumparentesco com o famosohumanista do mesmo nome [d.25 de janeiro, 1522] e que era do

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mosteiro de San Giacomo dellaGuidecca. Talvez tenhaproduzido uma edição crítica domaior valor, mas não hácomentários nem digressões ouapêndices e, além disso, o texto éfraco. Na dificílima passagem daPrincipalis Quaestio II, Pars lI,onde se lê nos primeiros textos“die dominico sotulariaiuuenumfungia... perungunt”,Veneza, 1576, ali se tem “diedominica solutaria iuuenumfungia... perungunt.”)

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Malleus Maleficarum,Impressum Francofurti adMoenum apud NicolaumBassaeum... in-oitavo, 1580.

Malleus Maleficarum,...Francofurti... apud NicolaumBassaeum... in-oitavo, 1582.

Malleus Maleficarum...Francofurti... apud NicolaumBassaeum, 2 volumes, in-oitavo,1588. Esta edição tambémcontém no Vol. I trechos doFormicarius de Nider. O Vol. II,que é dedicado a John

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Mündzenberg, prior da CasaCarmelita de Frankfurt, contémos nove seguintes tratados:

Bernard Basin, De ArtibusMagicis. (1482)

Ulrich Molitor, De Lamiis.(1489)

Girolamo Menghi, O.S.F.C.,Flagellum Daemonum. (1578)

John Gerson, De ProbationeSpirituum. (circa 1404)

Thomas Murner, O.M., DePythonico Contractu. (1499)

Felix Hemmerlin, De

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Exorcismis. (circa 1445)Eiusdem, De Credulitate

Daemonibus Adhibenda. (1454)Bartolomeo Spina, O.P., De

Strigibus. (1523)Eiusdem, Apologiae III

Adversus Ioann. Franc.Ponzinibium. (1525)

A folha de rosto anuncia queessas obras são “Omnes de integronunc demun in ordinemcongestos, notis & explicationibusillustratos, atque ab innumerisquibus ad nauseam usque

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scatebant mendis in usumcommunem uindicatos.” Éverdade que as primeiras ediçõesapresentam uma abundância deerros que foram devidamentecorrigidos, embora ainda ficassemuita coisa por emendar. É deesperar-se que o mesmo poucocuidado dispensado ao Vol. IItenha sido dado ao texto doMalleus Maleficarum no Vol. I,ao ver-se que é muito fraco eerrôneo.

Malleus Maleficarum, Lyon,

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in-oitavo, 1595. (Graesse.)Malleus Maleficarum,

Friburg, 1598.Malleus Maleficarum, Lyon,

in-oitavo, 1600.Malleus Maleficarum, Lyon,

multo auctior, in-oitavo, 1620.Malleus Maleficarum,

Friburg, in-oitavo, 1660.Malleus Maleficarum, in-

quarto, Lyon, 1666. (Graesse.)Malleus Maleficarum, 4 vols.

“sumptibus Claudii Bourgeat,”in-quarto, Lyon, 1669. Esta

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edição, em que o texto recebeuaqui e acolá alguma revisão,parece ser a última. Na passagema que antes se fez referência,Principalis Quaestio II, Pars lI,por exemplo, onde se lia“sotularia iuuenum fungia...perungunt” encontra-se o termocorreto “axungia” (axis-ungo) emvez de “fungia”.

Quétif-Echard, em ScriptqresOrdinis Praedicatorum (2 vols.,Paris, 1719), faz menção, no Vol.I, à p. 881, a uma tradução

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francesa do MalleusMaleficarum, Le Maillet desSorcières, que teria sidopublicada, in-quarto, em Lyon,por Stephanus Gueynard. Nãofaz menção a qualquer data,entretanto, e por isso é bastanteprovável que uma das muitasreimpressões do MalleusMaleficarum tenha sidoconsiderada uma versão francesado original. Eis o que medeclarou generosamente M. leDirecteur da Bibliotheque

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Nationale: “L’ouvrage deSprenger, Le Maillet des Sorcières,édition de Lyon, ne se trouvepoint à la BibliothequeNationale. Mais, de plus, je mesuis reporté à l’excellentebibliographie lyonnaise deBaudrier, XIe série, 1914, et lànon plus, l’edition de StephanusGueynard ne se trouve point.” LeMaillet des Sorcières, in-quarto,Lyon, por Stephanus Gueynard,não aparece no valioso Essaid’une Bibliographie Française

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méthodique et raisonnée de laSorcellerie, de R. Yve-Plessis,Paris, 1900.

Há uma tradução alemãmoderna do MalleusMaleficarum feita por J. W. R.Schmidt, Der Hexenhammer, 3vols., Berlim, 1906; segundaedição, 1922-3.

Em 1912, Oswald Weigel, dofamoso Antiquariat & Auktions-Institut, de Leipzig, vendeu umacoleção extraordinariamente fina,e talvez única, de livros sobre

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bruxaria. Essa livraria possuíanada menos que 29 exemplaresdo Malleus Maleficarum, cujasdatas se achavam catalogadas daseguinte maneira: (1) Argentorati(Estrasburgo), J. Prüss, ca. 1487.(2) Spirae, Peter Drach, ca. 1487.(3) Spirae, Peter Drach, ca. 1490;ou Basle, J. von Amorbach, ca.1490? (4) Sem procedência, semdata. Com a inscrição “Codexmoasterij scti Martini propeTreuirim”. (5) Koln, J. Koelhoff,1494. (6) Nürnberg, Anton

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Koberger, 1494. (7) Nürnberg,Anton Koberg, 1496. (8) [Paris]Jehan Petit, ca. 1497. (9) Coln,Henricus de Nussia, 1511. (10)[Paris] Jehan Petit, sem data].(11) Lyon, J. Marion, 1519. (12)Nürnberg, Frederick Peypus,1519. (13) Koln, J. Gymnicus,1520. (14) Venetiis, 10. AntoniusBertanus, 1574. (15) Venetiis,ibid., 1576. (16) Francofurti,apud Nicolaum Bassaeum, 1580.(17) Francofurti, ibid., 1582. (18)Lugduni, Ioannam Iacobi Iuntae,

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2 tomi, 1584. Nessa ediçãohouve erro de impressão notítulo: Malleus Maleficorum. (19)Francofurti, Sumptibus NicolaiBassaei, 1588. (20) Cópia do(19). (21) Lugduni, Petri Landry,2 tomi, 1595. (22) Francofurti,Sumptibus Nicolai Bassaer, 2tomi, 1600. (23) Lugduni,Sumptibus Petri Landry, 3 tomi,1604. (24) Lugduni, ibid., 1614.(25) Lugduni, ibid., 1615. (26)Lugduni, Sumptibus ClavdiiLandry, 3 tomi, 1620. (27)

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Lugduni, 3 tomi, 1620-21. (28)Lugduni, 4 tomi, 1669. (29) Atradução alemã moderna doMalleus Maleficarum por J. W.R. Schmidt, Der Hexenhammer, 3vols., Berlim, 1906.

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