O método funcionalista

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O mtodo funcionalista O funcionalismo est ligado em primeiro lugar antropologia, mas foi largamente utilizado em sociologia... A sociologia americana, como muitas outras reas do conhecimento, foi muito favorecida durante a primeira metade do sculo XX. Fugidos das guerras, conflitos tnicos e crises econmico-sociais, vrios socilogos iro se instalar na Amrica.

Para a sociologia, que nascera na Europa ocidental, isso significou um avano no processo de institucionalizao e legitimao dessa nova rea do saber processo que se conclui mais rpido nos EUA do que na prpria Europa.

As trs grandes universidades estadunidenses foram amplamente beneficiadas: Chicago, Columbia e Harvard. Na chamada Escola de Chicago, a preocupao maior era o problema de uma industrializao que destrua a vida tradicional e comunitria.

Em 1934, Paul Lazarsfeld chega Univerdade de Columbia. Ele foi considerado o grande divulgador da sociologia aplicada: desenvolveu vrias tcnicas de abordagem quantitativa, em seus estudos de sociologia da comunicao.

Foi bastante criticado por isso: via-se, j na poca, um quantitativismo frentico em sua abordagem, algo parecia ir na contramo da grande proposta sociolgica de Max Weber, com sua sociologia compreensiva.

Os dois principais, entre eles: Robert K. Merton (Colimbia) e Talcott Parsons (Harvard). O auge do funcionalismo de Parsons coincide com o auge do poder geopoltico dos EUA aps a segunda Guerra, assim como o seu declnio coincide igualmente com a perda da hegemonia americana a partir da dcada de 70.

Por qu? Porque se trata de uma sociologia sistmica que se preocupa com o funcionamento do sistema: tudo pensado em termos de funes das peas-chaves no interior de um sistema social que deve funcionar assim, e no de outro modo.

A sociologia sistmica de Parsons foi, assim, considerada por seus crticos como a celebrao e legitimao cientfica do modelo americano de vida e de dominao poltica: a sociologia deveria zelar para que todo o sistema funcionasse bem.

De que modo? Analisando as disfunes no sistema, a fim de corrigir sua operacionalidade. Desse modo, a sociologia sistemtica de Parsons tornase o auge da sociologia aplicada. Ela deve fornecer subsdios para as polticas pblicas corrigirem as disfunes.

S que, com Parsons, o que se buscava com essa nova sociologia funcionalista e sistmica era justamente superar o carter fragmentrio da sociologia empirista, demasiado presa aos mtodos quantitativos de abordagem.

Devemos frisar o seguinte: a anlise funcionalista certamente deita razes sobre o positivismo e o evolucionismo do sculo XIX: mas no se trata de uma abordagem puramente positivista... E precisamos distinguir entre pelo menos trs grandes escolas funcionalistas:

o funcionalismo antropolgico, desenvolvido principalmente por dois grande antroplogos: Malinowski e Radcliffe-Brown.

o estrutural-funcionalismo, desenvolvido sobretudo por Parsons e o funcionalismo crtico, desenvolvido por Robert Merton.

As trs vertentes recebem inspirao das teorias fsicas dos sistemas, mas tambm da biologia; a ideia de que peas ou rgos funcionam para a manuteno de um sistema ou organismo por meio de um complexo processo de autorregulagem.

No caso de Malinowski (1884-1942, austraco-ingls), h um rompimento explcito com uma ideia cara ao positivismo: o evolucionismo, segundo o qual todas as sociedades se desenvolvem conforme um esquema prvio de evoluo.

Mas ele rompe tambm com uma outra ideia: o difusionismo, segundo o qual as transformaes e inovaes de uma sociedade se do por contato entre as culturas, medida que uma transmite outra seus legados culturais.

Ao evolucionismo e ao difusionismo, Malinowski vai propor uma outra abordagem: o funcionalismo. O funcionalismo um rompimento, na verdade, com o pressuposto historicista presente tanto no evolucionismo quanto no difusionismo.

O que ocorre que, agora, a sociedade e as culturas so vistas como um todo em que as partes cumprem uma funo necessria ao equilbrio do conjunto. Que funo essa?

Antes de qualquer coisa, uma ao social, uma instituio, um fato social ou um fenmeno social cumpre uma funo vital: tudo deve concorrer, em primeiro lugar, para manuteno da vida dos membros sociais.

Pois antes de qualquer coisa, um indivduo precisa comer, dormir, respirar etc. Mas ele tambm precisa amar, trocar (coisas e smbolos), sonhar... Assim, a funo de algo se determina pela necessidade a que ela atende: em primeiro lugar, a uma necessidade vital.

Essas necessidades vitais, so, evidentemente, invariveis: esto presentes em toda e qualquer sociedade. Mas se dessas necessidades nascem aes, fatos e instituies que cumprem a funo de supri-las, tais aes, fatos e instituies variam conforme s sociedades e culturas.

Como fala em invariantes, Malinowski o autor de Os argonautas do pacfico sul - tambm um percussor do estruturalismo, que ser mais tarde desenvolvido, na antropologia, por LeviStrauss.

No por acaso que um outro antroplogo, que recebeu influncia tanto de Durkheim quanto do seu sobrinho Marcel Mauss, ir escrever um livro que se chama justamente Estrutura e funo na sociedade primitiva.

Trata-se de Radclifre-Brown (18811955), que em seus trabalhos buscava sempre comparar as formas ou estrutura de vida das sociedades primitivas. Ele afirmava fazer uma antropologia social...

Ele define funo como ...a contribuio que uma atividade parcial d atividade total de que parte. A funo de um dado social consiste na contribuio que traz vida social total, isto , ao funcionamento do sistema social total (Structure et fonction..., p. 281).

Mas para ele a anlise das formas estruturais era o mais importante, na explicao antropolgica: como em Durkheim, o funcionalismo, para ele, um mtodo secundrio.

Ele mais estruturalista, portanto, do que funcionalista. Pois ele sabia que nem todo elemento cumpre alguma funo na totalidade, e um mesmo elemento cumpre funes diferentes em sociedades diferentes.

Mas Talcott Parsons (1902-1979) ambas as coisas: estruturalista e funcionalista; por isso considerado um estrutural-funcionalista. Ele o principal socilogo a se apropriar do funcionalismo da antropologia, trazendo-o definitivamente para o campo da sociologia.

Na verdade, o adjetivo estruturalfuncionalista mais aplicvel s duas primeiras fases da obra de Parsons: em sua ltima fase, ele poderia se melhor chamado de neo-evoluvionista.

Alm do mais, em sua segunda fase, quando ele escreve The social system (1951), a noo de sistema se destaca, colocando em segundo plano a noo de estrutura (na primeira fase, Parsons escreve uma obra chamada The Structure of Social Action).

H um trip conceitual que fez sucesso na sociologia americana, pelo menos at os anos 1960: personalidade, cultura e sociedade. A personalidade, de um ponto de vista, no psicolgico, mas sociolgico, pensada atravs da noo de papel social.

Um papel social qualquer (me, pai, filho, mdico, professor, aluno etc.) envolve intenes, expectativas e antecipaes recprocas. Nos papis esto codificados e fixados critrios de comportamento e avaliao nas relaes ou interaes entre os indivduos num dado contexto.

Cultura, por sua vez, simplesmente o conjunto de valores e smbolos comuns aos atores, independentemente se estes esto em interao ou no (tratase, aqui, de um conceito pobre, do ponto de vista da antropologia).

O mais importante, para ns, a definio de quatro funes que, segundo Parsons, so comuns a todo e qualquer sistema de ao. Antes de falar delas, convm enfatizarmos que a sociedade, ao contrrio da personalidade (que uma parte), um todo sistemtico, um sistema social permeado de papis, valores e smbolos.

Mas as partes funcionam como subsistemas dentro do grande sistema social complexo que a sociedade. Por que? que as partes j so tambm complexas: as aes sociais cumprem funes em nveis diferentes de realidade.

Que significa isso? Que toda ao corresponde a necessidades do organismo (exigncias vitais), da personalidade (papis sociais), do sistema social (instituies, normas) e do sistema cultural (valores e smbolos). Por exemplo:

1) um ator age em vista da manuteno de seu corpo ele como, dorme, habita e se veste (exigncias vitais); mas ele no o faz de qualquer jeito, pois ocupa uma certa posio social (papel) que exige dele que o faa desta e no daquela maneira, para que o papel seja conservado na ordenao determinada.

2) Alm disso, ele no faz de uma maneira tal que possa destruir o subsistema familiar ou o universo do trabalho, pois isso arruinaria duas instituies importantes do sistema social moderno: a famlia e o trabalho (sistema social).

3) Por fim, as aes sociais so orientadas por valores e smbolos que do sentido sua ao pessoal e, por isso, mesmo sua ao considerada como parte integrante de um todo maior.

Note-se: a sociedade um sistema social porque composto de grandes partes integradas, cada uma delas cumprindo uma certa funo no todo: por exemplo, a famlia, a escola, o trabalho, o Estado, a arte, a comunidade.

Mas estas, por sua vez, constituem-se em certos subsistemas, dentro dos quais as partes tambm cumprem seus papis ou funes: nestes subsistemas, as funes de cada um so determinadas pela especificidade de cada esfera.

O importante que as partes cumpram a funo que lhes cabe no sistema social complexo, a fim de que no s a parte, mas sobretudo o todo seja mantido em sua existncia ( o desejo sociolgico de manuteno ou conservao disso que ns chamamos de conservadorismo em sociologia)

Parsons distingue quatro tipos de funes presentes em todo e qualquer sistema ( o famoso esquema AGIL):

Imperativos funcionais dos sistemas de ao (A) adaptao

Subsistemas de ao (ambientes) biolgica (organismo biolgico)

(G) realizao de fins

psquica (personalidade)

(I ) integrao

social (sociedade)

(L) manuteno de modelos decultural (cultura) controle

Mas houve um outro funcionalista, mais moderado, e que ns citamos acima: Robert Merton. Ele ser um dos primeiros a fazer a crtica do mtodo funcionalista, sem contudo abandon-lo radicalmente.

O que ele criticava em Malinowiski era o pressuposto de uma unidade social: parte cumpre uma funo que serve manuteno do todo social. Ora, diz Merton, certas aes, instituies ou fenmenos podem ser funcionais para certos grupos de uma mesma sociedade e, ao mesmo tempo, disfuncionais para outros grupos.

Outra coisa que ele criticava no funcionalismo em geral: a ideia de que os elementos do sistema cumprem sempre funes positivas (isto , que conservem o todo).

Mais: ele criticava tambm o postulado da necessidade: certos elementos cumprem necessariamente certas funes, sem as quais nem a parte, nem o todo poderiam se conservar, e portanto certas formas sociais (p. ex., esta ou aquela instituio, este ou aquele valor) so necessrias (logo, eternas o que levaria ao conservadorismo).

Nesse seu trabalho metodolgico de reformador do funcionalismo, destacam-se um famoso par conceitual, Merton tira na verdade da psicanlise freudiana: a ideia de funo manifesta e funo latente.

Ele d o exemplo do consumo. Todo e qualquer economista considera apenas a funo manifesta do consumo: compra-se uma roupa para se ter o que vestir. Ou seja: a funo do ato de consumo, nesta perspectiva, suprir uma necessidade imediata.

No entanto, a sociologia deve considerar a funo latente das aes de consumo, que diferente da funo manifesta. Ele deve considerar que o que da ordem do manifesto o sentido mais ingnuo do fato social. Ela precisa ir mais a fundo.

O que, no ato de consumo, poderia estar latente e no manifesto? Se o sentido de um ato social de consumo se reduzisse ao fato de suprir uma necessidade imediata, ns s consumiramos aquilo de que estritamente precisamos: nem mais, nem menos.

Alm disso, essa reduo do sentido do ato necessidade no explicaria duas coisas: o desejo de acumulao e o de ostentao. Deve portanto haver um outro sentido, latente, por traz do ato manifesto.

Quando se analisa ento o ato em seus desdobramentos e em sua complexidade, o que se percebe que o ato de consumo diz mais: ele revela a funo social do consumo como forma de ostentao, a qual simboliza um poder de aquisio que, por sua vez, simboliza a compra e a manuteno do prestgio social.

Pensemos, por exemplo, no consumo de bens selecionados ou personalizados. Nestes casos fica claro que a funo social do consumo, mais do que satisfazer uma necessidade de consumo (funo manifesta), marcar, elevar, confirmar e legitimar uma posio social (funo latente).

Veblen, um socilogo e economista, chega a afirmar algo muito interessante. Se ns considerarmos ento estas duas funes do consumo, ns chegamos ao seguinte paradoxo: as pessoas no compram coisas caras por serem melhores que as mais baratas; elas compram justamente porque so caras.

Ou seja: pago caro, no porque melhor, mas porque caro... Tem-se assim duas equaes, dependendo do campo de conhecimento em que observamos o mesmo fato:

se estivermos no campo da economia, a equao : preo alto = produto de excelente qualidade, e ela exprime a funo manifesta do ato de consumo. se estivermos no campo da sociologia, a equao : preo alto = sinal de posio social mais elevada

Note-se: no se nega a importncia da funo manifesta do fato; afirma-se apenas que, na explicao do fato, ela incompleta. Contudo, sociologicamente ela a funo latente mais importante, mais reveladora do sentido primrio do ato.

O exemplo do consumo bom, metodologicamente, pois ele mostra que uma funo pode at ser, em suas conseqncias, disfuncional para o sistema tomado como um todo: ostentao, poder, inveja, conflito, desigualdade no limite, a violncia, que passa de um plano simblico e alcana o plano fsico.

Certamente estamos aqui diante do exemplo que mostra ser perfeitamente funcional para o subsistema economia, e disfuncional para o sistema social em sua totalidade.

Por isso Merton pensou o problema dos ajustes disfuncionamentos sociais. Ele foi de fato um socilogo preocupado tanto com a estabilizao quanto com a transformao do mundo social.

Quando, num sistema social, h funcionalidade? Quando os seus elementos constituintes, ocupando diferentes posies e exercendo vrios papis (vale dizer, cumprindo funes diversas), realizam suas funes diversas em conformidade com as relaes de expectativas e de obrigao.

H um consenso sobre o que se espera de cada um em cada uma de suas posies. Quando o consenso se quebra, quando o pacto implcito (poderamos dizer, latente) se desfaz, h ento a anomia h disfuncionalidade.