O MÉTODO PBL COMO ALTERNATIVA PARA O ENSINO JURÍDICO - VINICIUS SALUM (1).pdf
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O MÉTODO DE APRENDIZADEM BASEADA EM PROBLEMAS (PBL): UMA
ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL
Vinícius Dourado Loula Salum1
RESUMO: O presente artigo analisa como o método de aprendizagem baseada em problemasou PBL (Problem Based Learning) apresenta-se como uma opção viável para o ensinojurídico no Brasil, com vistas a superar alguns problemas causados pela tradicional forma deensino-aprendizagem do Direito. A partir de entrevistas com dois estudantes do curso deDireito de diferentes instituições de ensino superior, constata-se o uso predominante das aulasteórico-expositivas (centradas no professor) em detrimento de outras metodologias de ensinoque priorizam a prática (e focalizam a aprendizagem do aluno). Tal apego às formastradicionais de ensino tem gerando não somente uma deficiente compreensão do fenômenojurídico como também uma insegurança dos bacharéis quanto à futura prática profissional. Éneste contexto que propomos a utilização do PBL como uma qualificada alternativapedagógica, cuja viabilidade já pôde ser comprovada não somente por relatos colhidos daliteratura como pelo próprio depoimento do autor, que pôde experimentar os benefíciosproporcionados por esta metodologia na condição de aluno do curso de pós-graduação emDireito Tributário do IBET.
Palavras-Chave: Ensino jurídico; Metodologia; Problem Based Learning (PBL).
Introdução
É amplamente cediço que o ensino do Direito, no Brasil, cada dia mais tem se tornado
tecnicista. Não bastasse o conhecido apego às abordagens pedagógicas tradicionais, as
faculdades de Direito têm se concentrado primordialmente na preparação dos alunos para os
exames da OAB e, sobretudo, para os concursos públicos. A proliferação viral dos chamados
cursinhos preparatórios é um indicativo sintomático desta realidade, que acaba por “infectar”
até mesmo o ambiente da graduação, acentuando ainda mais na academia jurídica o dogma de
que o conhecimento é algo a ser transmitido (e até mesmo imposto) pelo professor ao aluno,
reduzido este a mero expectador de lições e receptor de conteúdos. Tem-se, assim, uma
educação centrada no professor e baseada quase que exclusivamente em aulas
expositivas/explicativas – formas típicas de uma educação bancária.
Com base nos dados coletados por meio de entrevistas, constatamos que, apesar de os
alunos entrevistados estarem vinculados a universidades distintas (uma pública outra privada),
1 Advogado. Aluno do curso de pós-graduação em Docência do Ensino Superior da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
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a metodologia de ensino em sala de aula é a mesma: Preponderantemente composta por aulas
teórico-expositivas. Questionados acerca do que poderia ser melhorado no processo de
ensino-aprendizagem, os entrevistados foram categóricos em expor seus anseios por uma
educação menos teórica e mais voltada para a prática, sobretudo com estudos de casos
concretos da vida real. Esta deficiência no ensino jurídico acaba por desembocar na seguinte
constatação empírica: “Muitas vezes é possível extrair da fala dos bacharéis em Direito
brasileiros recém formados uma espécie de angústia por terem tido acesso a muito conteúdo,
mas não saberem o que fazer com ele”2.
Muitas e complexas são as causas deste fenômeno, demandando um esforço hercúleo
dos estudiosos da educação na proposição de soluções para tal problema ou, quando menos,
para minimizar seus efeitos deletérios. Sem desconsiderar a força dos fatores históricos,
culturais, econômicos e políticos que dificultam (quando não impedem) a utilização de
métodos alternativos de ensino no âmbito jurídico, o presente trabalho crê que há medidas
simples a serem adotadas pelo próprio professor em sala de aula, e que são capazes de
contaminar positivamente o ambiente tradicional de educação para favorecer a formação de
sujeitos cognoscentes da ciência jurídica e não apenas meros operários do Direito.
Uma dessas alternativas pedagógicas consiste no método de aprendizagem baseado em
problemas, mais conhecido como PBL – sigla, em inglês, para a expressão Problem Based
Learning. Implementado originalmente pela Faculdade de Medicina da Universidade
McMaster no Canadá, e, no âmbito do ensino do Direito, pela Universidade de Maastricht na
Holanda, o PBL consiste numa “metodologia de ensino na qual os tópicos de aprendizado são
identificados a partir da apresentação de um problema real ou simulado”3, em torno do qual os
alunos, individual e coletivamente, propõem soluções juridicamente válidas.
Como se trata de um método participativo e voltado para a prática – em contraposição
ao método tradicional de exposição teórica de conteúdos – o PBL constitui-se numa iniciativa
contracultural e ainda incipiente no Brasil, despontando no horizonte como alternativa viável
à implementação de uma abordagem educacional mais colaborativa, construtivista e
contextualizada (RIBEIRO & MIZUKAMI, 2005) e que confira ao estudante um papel de
maior relevância dentro do processo de ensino-aprendizagem.
2 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre
ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 55, 2012.3 ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista Vox Forensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 22, Abr./Jun. 2010.
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O modelo tradicional de ensino-aprendizagem do Direito
Realizamos entrevistas com dois estudantes de Direito em diferentes períodos da
graduação, um no início (3º semestre) e outro no final (10º semestre) do curso. A primeira
estudante vinculada a uma instituição pública de ensino superior (Universidade Federal da
Bahia – UFBA); o segundo, aluno de uma universidade privada (Centro Universitário de João
Pessoa/PB – UNIPÊ).
O questionário apresentado abordava desde as razões que levaram o estudante a
escolher o curso de Direito, passando pelas expectativas quanto ao currículo do curso e o
conteúdo das disciplinas, tangenciando a competência dos professores e a metodologia de
ensino, até desembocar nas sugestões dos discentes quanto a eventuais mudanças tendentes a
aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem nas suas faculdades.
Antes de adentrar aos pontos mais diretamente relacionados ao nosso objeto de análise,
cabe destacar um dado curioso: Ambos os graduandos escolheram estudar o Direito a partir de
uma afinidade maior com as matérias de ciências humanas do ensino médio (especialmente
história, geografia e português) – e que possuem maior peso de avaliação no vestibular para
Direito – mas sentiram-se relativamente frustrados em suas expectativas quando tiveram de
estudar as disciplinas de base geralmente ofertadas no início do curso, como filosofia,
antropologia, sociologia, etc.
Nota-se que, apesar de declararem possuir maior gosto pelo estudo dos objetos
culturais, contraditoriamente os estudantes revelam um desgosto com o estudo (mais
aprofundado) de tais objetos no ensino superior, e isto porque, dentre outros fatores4, na
graduação em Direito a análise destas disciplinas parece estar dissociada da ciência jurídica
propriamente dita e bastante distanciada da prática cotidiana. Mas o que releva destacar aqui é
o anseio dos alunos em lidar antes com questões de prática profissional em detrimento da
abordagem teórica, principalmente nas matérias mais gerais.
Feita esta observação inicial, abordaremos os tópicos das entrevistas que guardam
relação direta com a questão das metodologias de ensino. Apesar de os professores do curso
de Direito serem titulados, em geral mestres e/ou doutores (inclusive com reconhecida
4 “Cumpre enfatizar o papel do mercado, e do sistema capitalista econômico como potencializadores da crise
jurídica. Os estudantes ingressam nos cursos em direito, com diversas ambições relacionadas à aprovação em umconcurso público, e já inseridos na lógica-mercadológica, sendo muitas vezes resistentes a qualquer tentativa de formação humana, já que, aparentemente, o mercado de trabalho não a exige” (SCHMACHTENBERG, Frederico Martins; ALBENAZ, Renata Ovenhausen (orient.). O Direito que se ensina errado. O ensino jurídico
como reprodutor do paradigma dogmático. I Seminário Internacional - Imagens da Justiça, Currículo e Educação Jurídica. Pelotas-RS: Nov./2012).
4
especialização na matéria que lecionam), às vezes falta-lhes didática. É o que revela a
seguinte observação de um dos entrevistados acerca dos docentes: “Do ponto de vista
acadêmico, eles são preparados. Mas, do ponto de vista da didática, não é, assim, muito
bom”. Esta deficiência também existe no que concerne às técnicas de ensino empregadas em
sala de aula: “Tem professores que usam slides apenas, e só leem os slides. Então, isso
dificulta muito o aprendizado do aluno que busca o conhecimento na sala de aula”.
A par deste uso inadequado e pouco eficiente do recurso tecnológico (no caso, os
slides), a relativa falta de didática também se relaciona com um ponto central do nosso
estudo: O projeto pedagógico tradicional do Direito ancora-se em aulas preponderantemente
explicativas, com o ensino centrado no professor e baseado em assuntos/temas. Ambos os
entrevistados testemunham esta mesma realidade. Já é algo de tal modo enraizado na tradição
do ensino que os próprios alunos confessam uma predileção por esta metodologia,
notadamente porque as opções alternativas (trabalho em grupo, p. ex.), quando são aplicadas,
não o são adequadamente.
Veja-se, por exemplo, o seguinte relato: “A que era mais comum lá era a aula
expositiva. Mas a que me chamava mais a atenção, e a que eu tinha maior facilidade,
também era a aula expositiva. Mas quando ele pegava a aula expositiva e juntava com algum
trabalho, em relação ao que ele expôs, ajudava bastante. (...) Trabalho em grupo ou
individual. Um caso prático da aula que ele dava”. E ainda esta afirmação da outra aluna
entrevistada: “Em geral usam aulas expositivas. Eu prefiro também as aulas expositivas,
porque eu tenho muita dificuldade de trabalhar em grupo, porque eu acredito que no grupo
sempre tem aquelas pessoas que se responsabilizam mais e outras que se responsabilizam
menos ou nada. Então, você acaba por levar o grupo nas costas”. Ressalte-se que, neste
último relato, o desgosto pela sistemática de trabalho em grupo decorre muito mais da
utilização inadequada (que permite uns alunos se responsabilizarem mais que outros) do que
pela técnica em si.
O enraizamento das aulas expositivas como metodologia preponderante no ensino
jurídico revela-nos, portanto, uma proposta pedagógica tradicional:
“A concepção tradicional tem a finalidade de transmitir conhecimentos e estábaseada na técnica da aula expositiva. O resultado de tal técnica é a merareprodução automática e mecânica de conteúdos memorizados. A ênfase édada no intelecto, na lógica e nos conteúdos. O centro do processo é oprofessor”5.
5 ZANIN, Fabrício Carlos. Direito e pedagogia: aproximações interdisciplinares. Jus Societas, n. 1, v. 3, Ji-
Paraná, p. 21-42, 2009.
5
Esta verdadeira pedagogia da transmissão, em linhas gerais, pode ser assim definida:
“trata o aluno como alguém que nada sabe a respeito de um tópico e que, porisso, deve apenas receber as informações transmitidas pelo professor earmazená-las. As aulas expositivas ministradas pelo professor são, porexcelência, o meio pelo qual os alunos entram em contato com a disciplinajurídica no curso de Direito. A aprovação do aluno é certificada mediante oemprego de exames. Sejam eles compostos por questões dissertativas ou porquestões-teste, aplicados na metade ou ao fim do período. Ao final do curso,o aluno bem sucedido será aquele que demonstrou razoável capacidade paramemorização de conceitos jurídicos esparsos. Nesse modelo de ensino doDireito, aquele que transmite o conteúdo aos estudantes é quem exerce opapel central no processo de ensino-aprendizagem”6.
Dentre as inúmeras desvantagens desta metodologia convencional para o
desenvolvimento cognitivo dos discentes, ARANTES & MUSSI destacam estas duas: (1)
“resulta em um aprendizado por memorização de conceitos, que podem ser rapidamente
perdidos, já ao longo do curso”; e (2) “a integração de conhecimentos e habilidades é
dificultada, uma vez que as informações são absorvidas de maneira dissociada da prática
imediata (principalmente nas Disciplinas básicas dos dois primeiros anos de curso), sem um
foco ao redor do qual se organize o conhecimento”7.
Ressalte-se que estas dificuldades já são sentidas pelos próprios alunos desde os
primeiros semestres de curso. Descontentes com as formas tradicionais de ensino que
priorizam a exposição teórica dissociada da prática cotidiana, um deles testemunha o seguinte:
“No meu ponto de vista, na universidade em que estudei, e que eu estudo até hoje ainda, ela
me deu uma base muito boa, me ensinou muita coisa. Mas o que eu senti dificuldade foi na
prática. Pegar casos práticos, onde há o caso concreto em si e estudar. Porque eu não vejo
muita prática”. Até mesmo as disciplinas da grade curricular que, por definição, são voltadas
para a prática profissional sucumbiam à cultura metodológica das aulas explicativas: “Mas a
disciplina de Prática Jurídica eu via como uma disciplina como outra qualquer. Uma
disciplina muito teórica, não tinha prática. Só no nome mesmo. Eu via muito a teoria, porque
ela chegava dentro de uma sala de aula, falava o que acontecia lá fora, mas só falar... Pra
gente não tinha muita prática, realmente, em si”.
6 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre
ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 59, 2012.7ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista Vox Forensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 24, Abr./Jun. 2010.
6
Na outra universidade os casos concretos são cobrados apenas nas provas, impondo ao
aluno a resolução dos mesmos com base no aporte teórico transmitido pelo professor nas
aulas expositivas ao longo do curso. Acerca da utilização de casos reais como problemas a
serem analisados e resolvidos, a estudante do 3º semestre não esconde sua predileção: “Eu
acho super proveitoso! Você aprende, assim, infinitamente mais quando é um caso concreto.
Você se dá mais para o assunto e você quer buscar mais conhecimento, porque você tá vendo
na prática. A diferença é essa: O aluno se sente motivado, estimulado quando ele vê que
realmente o que tá sendo aprendido você pode aplicar na vida real”.
Todavia, em que pese a angústia manifestada pelos estudantes quanto a lidar apenas
com esta forma convencional de ensino – e o relato de que um estudo centrado na prática se
torna mais motivador e estimulante –, o modelo tradicional se impõe porque já está
estabelecido sobretudo na cultura docente. Não por outro motivo o processo tradicional de
ensino-aprendizagem da ciência jurídica nos remete ao que Paulo Freire chamava de
educação bancária, onde o educador é o que pensa e os alunos são os que são pensados (cf.
VIEIRA, 2013, p. 146). Com suporte em BORDENAVE & PEREIRA, Neusi Berbel faz um
paralelo entre a educação problematizadora e a educação bancária, aduzindo que esta última
está
“baseada na transmissão do conhecimento e da experiência do professor,atribui importância suprema ao conteúdo da matéria, sem preocupar-se como aluno como pessoa integral e como membro de uma comunidade.Conseqüentemente, ‘o aluno é passivo, grande tomador de notas, exímiomemorizador’ (p. 10). Desse modo, ele vai ter facilidade para tratar comconceitos abstratos mas não vai ter facilidade para resolver problemasconcretos de sua realidade”8.
A constatação de que o ensino jurídico no Brasil ancora-se quase que exclusivamente
numa metodologia convencional de aulas expositivas centradas no professor, razão pela qual
lhe atribuímos a alcunha de ensino bancário, é o que nos remete à necessidade de ultrapassar
este modelo, no sentido proposto por BERBEL (1995, p. 9): “O que é preciso ultrapassar é o
seu uso exagerado, o seu uso exclusivo, sem alternativas. Para grande número de professores
do ensino superior essa é a única possibilidade, tendo sido o modelo aprendido e então
reproduzido”.
8 BERBEL, Neusi Aparecida Navas. Metodologia da problematização: uma alternativa metodológica apropriada para o ensino superior. Seminário: Ciências Sociais/Humanas, v. 16, n. 2, Ed. Especial, p.11, out. 1995.
7
Uma destas opções de proposta pedagógica alternativa para o ensino do Direito no país
é a que encontramos no método de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), conforme
veremos melhor adiante.
A metodologia da Problem Based Learning (PBL)
Para fins de definição da metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL),
inicialmente lançaremos mão da classificação proposta por ARANTES & MUSSI (2010, p.
23), quando divide o ensino em quatro modalidades, quais sejam: (1) centrado no professor,
baseado em assuntos/temas; (2) centrado no estudante, baseado em assuntos/temas; (3)
centrado no professor, baseado na solução de problemas; e (4) centrado no estudante, baseado
na solução de problemas.
Enquanto o ensino tradicional em geral – e especialmente o ensino do Direito – se
amolda perfeitamente à primeira modalidade, o PBL propõe justamente a inversão desta
lógica educacional: O principal responsável pelo processo de ensino-aprendizagem passa a ser
o estudante ao invés do professor, e a maneira como o conteúdo das disciplinas é ensinado
deixa de ser centrada em assuntos/temas para basear-se na solução de problemas. O PBL
encaixa-se, portanto, na quarta modalidade de ensino, de acordo com a classificação ora
adotada.
Levando em consideração que a proposta pedagógica convencional reduz o aluno a
mero receptor e armazenador de informações transmitidas pelo docente, resta evidente, desde
logo, que o PBL qualifica-se como uma abordagem pedagógica alternativa e, para tanto,
“considera que o aluno não só é capaz de aprender por si, como pode ser elevado à posição de
protagonista no processo de ensino-aprendizagem”9. Esta a razão pela qual o professor – que
antes era reduzido à condição de mero expositor de conteúdos – passa a ser, no método PBL,
um autêntico “criador de situações de aprendizagem”10.
Neste sentido, a adoção do sistema de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), em
última análise, significa compor com a alteração metodológica proposta pelo professor
Marcos Tarciso MASETTO:
9 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre
ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 59, 2012.10 PERRENOUD, Philippe apud SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. op. cit. loc. cit.
8
“Colocar a aprendizagem na prática como objetivo central da formação dosalunos significa iniciar pela alteração da pergunta que fazemos regularmentequando vamos preparar nossas aulas – o que devo ensinar aos meus alunos?
– por outra mais coerente – o que meus alunos precisam aprender para se
tornarem cidadãos profissionais competentes numa sociedade
contemporânea? Se fizermos essa pequena experiência em nosso trabalhodocente, veremos as implicações e as modificações que resultarão, deimediato, em nossas práticas pedagógicas”11.
Expondo as vantagens da utilização do PBL como método de ensino do Direito, Kátia
Fach Gómez LL. M., professora de Direito Internacional Privado da Universidade de
Zaragoza, ressalta justamente o fato de o aluno tornar-se a pedra angular do sistema de
aprendizagem, encontrando um terreno fértil para melhor desenvolver suas competências e
habilidades. Por outro lado, chama a atenção para a mudança radical que sói ocorrer no papel
do professor: “En un PBL, el profesor deja de comportar-se como el experto que monopoliza
las clases magistrales y de su interactuación com el grupo también se deriva un interesante
aprendizage para el docente”12. Assim, com o método PBL, da mera exposição monológica de
conteúdo passa-se a uma interação dialógica de saberes e com maior participação do aluno,
transmudando, dessarte, não somente o processo de ensino-aprendizagem como a própria
relação docente-discente.
Embora admitindo que a tradicional forma de aprendizagem jurídica, centrada no
professor e sua aula expositiva/explicativa, ainda é o método mais aplicado pelas Faculdades
de Direito no Brasil, as professoras da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (Direito
GV) identificam uma tendência na adoção de métodos participativos em sala de aula,
sobretudo porque uma parcela considerável dos estudantes “necessita da imersão num
ambiente mais participativo de ensino-aprendizagem, a fim de que o aprendizado do Direito
se torne cada vez mais significativo”13.
Dentre estes métodos participativos, destaca-se o Problem Based Learning (PBL), por
meio do qual o professor inicialmente transmite aos alunos um problema jurídico (um caso
concreto) que deverá ser solucionado por eles, mediante a análise tanto individual quanto
coletiva (em grupo). A partir daí os discentes realizam um trabalho de pesquisa do assunto
relativo à questão proposta, interagem com os colegas dentro de um processo de discussão,
11 MASETTO, M. T. Professor Universitário: Um profissional da educação na atividade docente. In: Marcos Tarciso Masetto. (Org.). Docência na Universidade. 2 ed. Campinas/SP: Papirus, 1998, v. , p. 9-26.12 LL. M., Kátia Fach Gómez. Ventajas del ‘problem based learnig’(PBL) como método de aprendizage del
derecho internacional. Bordón, 64, p. 60, 2012.13 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre
ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 55, 2012.
9
tudo com o fim de buscar soluções juridicamente válidas para o caso concreto, expondo, ao
final, uma alternativa de resolução para aquele problema jurídico formulado pelo docente no
começo da atividade.
Desde o início do processo, portanto, o aluno assume uma posição de protagonista e
responsável pelo seu conhecimento, razão pela qual se diz que “a metodologia PBL enfatiza o
aprendizado auto-dirigido, centrado no estudante”14, cumprindo com a finalidade principal de
qualquer pedagogia que, antes de tudo, pretenda focar no aluno: O desenvolvimento da sua
autonomia15. De fato, uma das características principais do PBL é o fato de ser um método
“que encoraja o aprendizado individual do estudante para um conhecimento mais profundo,
tornando-o responsável pela sua própria aprendizagem”16.
Ainda nesta senda, invocamos mais uma vez a defesa do método PBL empreendida pela
professora de Direito da Universidade de Zaragoza que, inclusive, expõe com maior clareza
todas as fases do processo:
“El PBL convierte al estudiante em el protagonista de su próprio aprendizaje,ya que, entre outros aspectos beneficiosos, se le responsabiliza de localizar,priorizar, interiorizar y aplicar la información jurídica que precisa para llegara ser capaz de dominar el tema asignado. En la fase de preparación ypresentación oral de sus conclusiones, estos desarrollan sus capacidades detrabajo en equipo, toma de decisiones y síntesis, de la misma forma quemejoran su expresión oral. La fase del brainstorming final fomenta sushabilidades negociadoras y de role playing, agudiza su atención y les preparapara el óptimo desarrollo de su futura profesión legal (Resultados)”17.
Todavia, esta centralização no estudante e na resolução de problemas, combinada com
uma transformação na relação aluno-professor, não é o que define, por si, o método PBL.
Segundo RIBEIRO & MIZUKAMI, citando BARROWS, “o núcleo absolutamente irredutível
da aprendizagem baseada em problemas” consiste na “colocação de problemas relevantes à
atuação profissional dos alunos antes de os conceitos serem introduzidos”, confluindo para o
que os autores denominam de “inversão do binômio teoria-prática” que permeia todo o ensino
tradicional18.
14 ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista Vox Forensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 25, Abr./Jun. 2010.15
VIEIRA, Flávia. O professor como arquiteto da pedagogia na universidade. Revista Teias, v. 14, n. 33, DossiêEspecial, p. 145, 2013.16 SOARES, Mara Alves. Aplicação do método de ensino Problem Based Learning (PBL) no curso de Ciências
Contábeis: um estudo empírico. 2008. 214 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008. p. 67.17 LL. M., Kátia Fach Gómez. Ventajas del ‘problem based learnig’(PBL) como método de aprendizage del
derecho internacional. Bordón, 64, p. 59, 2012.
10
Esta apontada inversão é a característica basilar do PBL que se relaciona diretamente
com seu próprio suporte filosófico: “A base filosófica que norteia a proposição desse modelo
de aprendizagem foi a consciência de que o aprendizado do ser humano se faz a partir de
experiências do seu cotidiano, ou seja, aprender resolvendo problemas”19.
Com efeito, no PBL, o aluno é posto diante de um problema prático (real ou simulado)
sobre o qual deve se debruçar para buscar a solução mais adequada, inicialmente lançando
mão dos seus conhecimentos prévios, adquiridos tanto de experiências anteriores (inclusive de
senso comum) quanto do debate com os demais colegas (reunidos em grupos e auxiliados por
um tutor). Somente depois de ultrapassada esta fase é que o estudante é imerso com
profundidade no arsenal teórico e conceitual da matéria estudada.
A fim de melhor visualizar o método PBL, oportuno destacar seu processo básico:
“(1) apresenta-se um problema aos alunos que, em equipes, organizam suasidéias, tentam solucioná-lo com o conhecimento que possuem, avaliando-o edefinindo sua natureza; (2) através de discussão, os alunos levantamquestões de aprendizagem (learning issues) sobre os aspectos do problemaque não compreendem; (3) os alunos priorizam as questões de aprendizagemlevantadas pelo grupo e planejam quando, como, onde e por quem estasquestões serão investigadas para serem posteriormente partilhadas com ogrupo; (4) quando os alunos se reencontram, eles exploram as questões deaprendizagem anteriores, integrando seus novos conhecimentos ao contextodo problema, podendo vir a definir novas questões de aprendizagem àmedida que progridem na solução do problema; e (5) depois de terminado otrabalho com o problema, os alunos avaliam a si mesmos e seus pares demodo a desenvolverem habilidades de auto-avaliação e avaliação construtivade colegas”20.
Tendo em conta os conceitos acima postos, que ressaltam as características principais
bem como o sistema básico de aplicação do método PBL, propomos defini-lo, enfim, como
uma abordagem de ensino alternativa ao modelo tradicional, que desloca do professor para o
aluno o papel de principal ator do processo de ensino-aprendizagem, adota a técnica de
solução de problemas concretos (reais ou simulados) em detrimento das aulas expositivas
(baseadas em assuntos/temas) e inverte, outrossim, o binômio teoria-prática que é típico das
metodologias de ensino convencionais.
18 RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Quais são os ganhos e prejuízos da adoção da
aprendizagem baseada em problemas (PBL) para o docente? Uma experiência no ensino superior. Formação docente para o ensino superior. VIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. UNESP. São Paulo, p. 32-42, 2005.19ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista VoxForensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 27, Abr./Jun. 2010.20 RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. op. cit. p. 34.
11
A metodologia de ensino do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET): Um caso
de inspiração no método PBL
Como ex-aluno do curso de especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro
de Estudos Tributários (IBET), sinto-me autorizado – e convém fazê-lo – a descrever a
metodologia de ensino da referida instituição, ressaltando suas qualidades reconhecidas, o que
pode ser creditado, inclusive, pela nítida inspiração no método de Aprendizagem Baseada em
Problemas (PBL).
Antes das aulas, os alunos do curso recebem um módulo dividido por diversos temas,
com indicações bibliográficas (leitura obrigatória e leitura complementar) e de jurisprudência,
bem como questões (teóricas e práticas) relacionadas àquela determinada temática do Direito
Tributário – que constituem justamente os problemas a serem enfrentados pelos estudantes.
Ressalte-se que, dentre tais problemas, há sempre casos concretos relacionados à prática
profissional. Incumbe aos alunos, preliminarmente, estudar os temas de forma individual,
consultando inclusive a bibliografia indicada e, antes do primeiro encontro e de qualquer aula
teórica a respeito da matéria, resolver as questões-problema propostas no módulo. Já aqui se
manifesta a adoção da solução de problemas em detrimento das aulas expositivas. A partir de
então, começa a ganhar relevo o cerne da proposta pedagógica do IBET, que se implementa
mediante a alternância de dois encontros distintos: aula-seminário numa semana, e aula-
expositiva noutra.
Com efeito, no primeiro encontro (a chamada aula-seminário) os estudantes são
divididos em grupos de quatro ou cinco pessoas, que, sob a orientação de um tutor, novamente
devem se debruçar sobre as questões-problema do módulo, cada qual expondo suas hipóteses
de solução, a fim de que haja uma discussão coletiva em torno das mesmas – inaugurando,
assim, a fase de brainstorming do método PBL. Cada núcleo elege seu líder (relator), a quem
compete relatar as conclusões daquele grupo para os demais. Isto ocorre no momento
posterior, quando os grupos menores são desfeitos e a sala de aula novamente é recomposta
para que todos possam debater com todos, formando uma grande comunidade de aprendizes.
Esta comunidade escolhe, então, um relator geral, responsável por tomar nota de toda a
discussão e das eventuais dúvidas suscitadas em torno do tema, a fim de serem expostas e
dirimidas pelo professor-palestrante no encontro da semana posterior (a aula expositiva).
Note-se que, até o presente momento, o estudante é quem figura como protagonista do
processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo, com isso, inúmeras competências e
habilidades que certamente contribuirão para um melhor desempenho profissional, tais como:
12
1) o estudo autodirigido (autonomia); 2) a exposição oral e a defesa dos seus apontamentos
perante os colegas; 3) a capacidade de negociação e interação com o grupo, sujeitando suas
opiniões a eventuais críticas; e 4) a memorização mais eficiente dos problemas jurídicos e de
suas hipóteses de solução, compondo um acervo teórico-prático bastante útil sobretudo nas
situações que demandam uma resposta rápida do profissional.
Sem dúvidas, portanto, através deste método pedagógico alternativo, o estudante
desenvolve uma melhor compreensão do fenômeno jurídico:
“Daí, compreender o Direito não pode ser o mesmo que decorar códigos,simplesmente. O conhecimento da lei processual é essencial às atividades deum advogado, não há dúvidas, numa audiência ou num júri. Mas,certamente, um desempenho diferenciado desse bacharel e dele enquantoprofissional dependerá em muito da sua capacidade de respeitar osposicionamentos diversos que concorrerão aos seus naquele momento; emrapidamente encontrar uma solução jurídica pertinente aos problemaslançados e; estruturar seus argumentos e contra-argumentos de modo a sefazerem claros e convincentes aos seus interlocutores”21.
Somente depois de ultrapassada esta fase inicial de estudo autodirigido e discussão de
idéias é que – no encontro posterior – há a chamada aula expositiva, ministrada por um
professor especialista da área, encarregado não somente de expor o conteúdo teórico e
conceitual que compõe os problemas discutidos pelos alunos, mas também dirimir as dúvidas
suscitadas pelos estudantes na aula-seminário da semana precedente. Tem-se, aqui, a inversão
do binômio teoria-prática que se constitui, conforme exposto alhures, no núcleo
absolutamente irredutível que caracteriza o método PBL.
Efeitos do método PBL para alunos e professores
De acordo com ARANTES & MUSSI (2010, p. 25-26):
“A metodologia do PBL é considerada ideal para os estudantes que: (1) Têminiciativa para estudar por conta própria; (2) Sentem-se à vontadeformulando objetivos de aprendizado flexíveis mesmo que apresentem, porvezes, alguma ambigüidade; (3) Aprendem melhor com leitura e discussão;(4) Consideram desejável que seu aprendizado seja sempre em um contextoclínico”.
21 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre
ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 57, 2012.
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Conforme abordamos anteriormente, o método PBL tende a desenvolver no aluno uma
maior capacidade de gestão do seu próprio aprendizado. Vem a calhar, portanto, muito mais
com o perfil do alunado de nível superior (e sobretudo com os estudantes em nível de pós-
graduação) do que com aqueles de nível fundamental e médio, uma vez que – pelo menos em
tese – o estudante de nível superior detém maior autonomia intelectual. Portanto, a primeira
consequência da utilização do PBL, para os discentes, seria o aumento da sua capacidade de
estudo autodirigido.
Este efeito benéfico, inclusive, é ressaltado pela advogada Aurora Tomazini de
Carvalho, que é pesquisadora e professora do IBET: “Ao contrário de outros cursos que
despejam um monte de informações para serem absorvidas pelo aluno, o IBET faz com que o
aluno construa suas informações”22. Além deste breve relato, a matéria veiculada pelo site
jurídico “migalhas.com” também colhe o depoimento de outros alunos e professores do IBET,
igualmente confirmando a eficácia da metodologia aplicada:
“Argos Campos Ribeiro Simões, Agente Fiscal de Rendas daSecretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, buscou no Instituto Brasileirode Estudos Tributários - IBET o aprimoramento do Direito tributário.'Quando comecei a fazer o curso do IBET, em 1998, percebi que o DireitoTributário fazia sentido e que havia uma forma até divertida de compreendê-lo', explica. Até então, Argos Campos tinha dificuldade com a matéria. Elecursou também no IBET em 2008/2009 o curso de Extensão em Teoria Geraldo Direito.
Em seu cargo de Agente Fiscal de Rendas, ele ocupa hoje as funçõesde Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e Assistente Fiscal daEscola Fazendária do Estado de São Paulo. Hoje, ele também é professor dainstituição.
'A profundidade das aulas e da bibliografia sugeridas pelo cursodescortinaram um oceano de possibilidades de raciocínio, no qualpermaneço navegando e aplicando desde 1998', relata. Outro aspectoressaltado por Ribeiro Simões é sobre a metodologia de ensino utilizadaem sala de aula. 'O aluno, sem condicionamentos prévios, pensainicialmente sobre as questões propostas e descobre, posteriormente,outras possibilidades nas discussões com os colegas e torna-se umsaudável crítico construtivo quando das palestras do professorexpositor', conta”23. (grifamos)
Em pesquisa realizada junto a turmas de graduação e pós-graduação em engenharia de
uma universidade pública do interior de São Paulo, RIBEIRO & MISUKAMI (2005, p. 35-
40) destacam os ganhos e prejuízos da adoção do PBL sobretudo para o docente, valendo
22 MIGALHAS. Advogados buscam cursos especializados em Direito Tributário fora das faculdades. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI119258,61044-Advogados+buscam+cursos+especializados+em+Direito+Tributario+fora+das>. Acesso em: 06 fev. 2015.23 Idem.
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ressaltar os seguintes pontos que – dada a generalidade – certamente também se aplicam ao
processo de ensino-aprendizagem do Direito:
(1º) A “capacidade de a PBL tornar a aprendizagem mais agradável e as aulas mais
dinâmicas e prazerosas para ambos, docentes e alunos” (p. 36), o que resulta do fato de
o PBL ser um método de ensino participativo. Neste sentido, como a adoção deste
método, poderia ser melhor contemplado o desejo manifestado por nossa entrevistada:
“acho que deveria ter muito mais interação entre aluno e professor”;
(2º) em razão desta maior participação do aluno no processo, aumenta nos professores,
entretanto, “as percepções de perda de controle e vulnerabilidade” (p. 37), o que pode
ser visto como uma “causa potencial de resistência à abordagem” (p. 36), constituindo,
portanto, em um entrave à superação do modelo convencional no âmbito do ensino
jurídico, haja vista que os professores de Direito, nos dizeres da aluna, em geral têm
“medo de o aluno saber muito” e “não gostam de responder perguntas muito
aprofundadas”. Transparece, assim, o receio do professor “de ser colocado em uma
situação em que teria que admitir o desconhecimento de algum conceito ou fato” (p.
37);
(3º) do efeito negativo apontado no item anterior decorre, todavia, um efeito positivo,
que consiste no “aumento do tempo dedicado às disciplinas” (p. 37), sobretudo em
razão da “necessidade de conceber os problemas, de corrigir os relatórios, escrever
comentários aos alunos, computar as notas/conceitos das avaliações (suas e as dos
alunos) e refletir sobre os erros e acertos dos grupos de modo a dar feedback à turma
durante os encontros” (p. 37);
(4º) com uma maior dedicação às disciplinas, há que se falar no “desenvolvimento
profissional do docente, contribuindo para que o Professor modificasse algumas de suas
concepções sobre o ensino” (p. 39), o que acaba por potencializar o processo reflexivo
do professor;
(5º) além disso, “as atividades da PBL (e. g., as avaliações, os relatórios, as
apresentações dos grupos e as discussões em sala de aula) podem ter promovido o
desenvolvimento docente no que concerne o conhecimento dos alunos” (p. 39); e
(6º) por fim, “o maior ganho para o docente advindo do uso da PBL é sua capacidade de
injetar um novo alento ao processo de ensino-aprendizagem, para docentes e alunos,
mesmo em implementações parciais, quer dizer, em disciplinas isoladas em currículos
convencionais” (p. 40).
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Buscando justamente este “novo alento ao processo de ensino-aprendizagem”, Kátia
Fach Gómez LL. M. (2012, p. 68) conclui seu trabalho ressaltando as vantagens da utilização
do método PBL na aprendizagem do Direito, especialmente no que se refere ao estudante –
que passa a assumir, conforme vimos, um papel central inexistente no modelo pedagógico
tradicionalmente estabelecido:
“Con el PBL los estudiantes van a retener más y durante más tiempo elconocimiento generado a lo largo de todo el processo, ya que esteconocimiento, aparte de estar vinculado a un contexto fáctico concreto, hasido generado 'artesanalmente' por los estudiantes, quienes conforman una'comunidad de aprendices'. De esta forma, la teoría y la práctica se engarzande una forma mucho mãs natural que si la docencia se divide em clasesmagistrales y prácticas. Como se ha ido apreciando, el PBL tambíen potenciala autonomía del estudiante y su capacidad para estructurar conocimientos ytomar decisiones. El alumon desarrolla asimismo habilidades comunicativasy de relaciones interpersonales. En definitiva, el PBL ayuda a reducir el'abismo' que em ocasiones parece existir entre las Faculdades de Derecho yel ejercicio de la profesion”.
Considerações Finais
De todo o exposto no decorrer do presente trabalho, urge salientar – à guiza de
conclusão – que a pretensão aqui manifestada, de propor um modelo pedagógico alternativo
para o estudo do Direito, não implica em total abandono das aulas expositivas e do professor
enquanto transmissor do conhecimento, mas intenta conferir especial relevância à advertência
de Derek Bok: “Não podemos nos contentar em ensinar aos estudantes a se lembrar de um
corpo fixo de conhecimentos; em vez disso, cumpre-nos ajudá-los a dominar técnicas de
resolver problemas e hábitos de aprendizado contínuo”24.
O método de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), sem sombra de dúvidas, é
adequado à tarefa de ajudar os alunos do Direito a dominarem melhor as técnicas de resolução
de problemas concretos da vida real, contribuindo para uma formação profissional mais
condizente com os desafios propostos por um mundo cada vez mais complexo e em constante
mutação. Sobreleva destacar, neste ponto, a “necessidade de transformar a educação do
profissional do Direito em saber Direito (raciocinar e interpretar) e não decorar Direito (...)”,
conforme afirmam ARANTES & MUSSI (2010, p. 37).
24 BOK, Derek. Apud RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Quais são os ganhos e
prejuízos da adoção da aprendizagem baseada em problemas (PBL) para o docente? Uma experiência no
ensino superior. Formação docente para o ensino superior. VIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. UNESP. São Paulo, p. 32-42, 2005.
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Para tanto, é preciso abandonar o velho dogmatismo pedagógico, centrado no professor
e baseado quase que exclusivamente nas aulas expositivas, e lançar mão de uma abordagem
pedagógica alternativa com vistas a conferir maior protagonismo ao estudante da ciência
jurídica. Não que o método PBL deva ser aplicado com ares de exclusividade, como se fora o
mais novo dogma das formas de ensino, mas que contribua para a formação de uma nova
pedagogia no âmbito das escolas de Direito.
Afinal de contas, como bem adverte VIEIRA (2013, p. 46), “Uma pedagogia para a
autonomia é, então, uma pedagogia-em-movimento – flexível, exploratória, transitória e (auto)
crítica –, que implica uma reflexão continuada sobre os pressupostos que a orientam e os seus
efeitos nos contextos em que é vivenciada”.
Referências
ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista VoxForensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 22-40, Abr./Jun. 2010.
BERBEL, Neusi Aparecida Navas. Metodologia da problematização: uma alternativa metodológica apropriadapara o ensino superior. Seminário: Ciências Sociais/Humanas, v. 16, n. 2, Ed. Especial, p.09-19, out. 1995.
LL. M., Kátia Fach Gómez. Ventajas del ‘problem based learnig’(PBL) como método de aprendizage del
derecho internacional. Bordón, 64, p. 59-73, 2012.
MASETTO, M. T. Professor Universitário: Um profissional da educação na atividade docente. In: MarcosTarciso Masetto. (Org.). Docência na Universidade. 2 ed. Campinas/SP: Papirus, 1998, v. , p. 9-26.
RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Quais são os ganhos e prejuízos da adoção da
aprendizagem baseada em problemas (PBL) para o docente? Uma experiência no ensino superior. Formaçãodocente para o ensino superior. VIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. UNESP. SãoPaulo, p. 32-42, 2005.
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ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. BuenosAires, año 10, n. 20, p. 51-72, 2012.
SCHMACHTENBERG, Frederico Martins; ALBENAZ, Renata Ovenhausen (orient.). O Direito que se ensina
errado. O ensino jurídico como reprodutor do paradigma dogmático. I Seminário Internacional - Imagens daJustiça, Currículo e Educação Jurídica. Pelotas-RS: Nov./2012
SOARES, Mara Alves. Aplicação do método de ensino Problem Based Learning (PBL) no curso de Ciências
Contábeis: um estudo empírico. 2008. 214 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração eContabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008.
VIEIRA, Flávia. O professor como arquiteto da pedagogia na universidade. Revista Teias, v. 14, n. 33, DossiêEspecial, p. 138-156, 2013.
ZANIN, Fabrício Carlos. Direito e pedagogia: aproximações interdisciplinares. Jus Societas, n. 1, v. 3, Ji-Paraná,p. 21-42, 2009.