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1 O MÉTODO DE APRENDIZADEM BASEADA EM PROBLEMAS (PBL): UMA ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL Vinícius Dourado Loula Salum 1 RESUMO: O presente artigo analisa como o método de aprendizagem baseada em problemas ou PBL (Problem Based Learning) apresenta-se como uma opção viável para o ensino jurídico no Brasil, com vistas a superar alguns problemas causados pela tradicional forma de ensino-aprendizagem do Direito. A partir de entrevistas com dois estudantes do curso de Direito de diferentes instituições de ensino superior, constata-se o uso predominante das aulas teórico-expositivas (centradas no professor) em detrimento de outras metodologias de ensino que priorizam a prática (e focalizam a aprendizagem do aluno). Tal apego às formas tradicionais de ensino tem gerando não somente uma deficiente compreensão do fenômeno jurídico como também uma insegurança dos bacharéis quanto à futura prática profissional. É neste contexto que propomos a utilização do PBL como uma qualificada alternativa pedagógica, cuja viabilidade já pôde ser comprovada não somente por relatos colhidos da literatura como pelo próprio depoimento do autor, que pôde experimentar os benefícios proporcionados por esta metodologia na condição de aluno do curso de pós-graduação em Direito Tributário do IBET. Palavras-Chave: Ensino jurídico; Metodologia; Problem Based Learning (PBL). Introdução É amplamente cediço que o ensino do Direito, no Brasil, cada dia mais tem se tornado tecnicista. Não bastasse o conhecido apego às abordagens pedagógicas tradicionais, as faculdades de Direito têm se concentrado primordialmente na preparação dos alunos para os exames da OAB e, sobretudo, para os concursos públicos. A proliferação viral dos chamados cursinhos preparatórios é um indicativo sintomático desta realidade, que acaba por “infectar” até mesmo o ambiente da graduação, acentuando ainda mais na academia jurídica o dogma de que o conhecimento é algo a ser transmitido (e até mesmo imposto) pelo professor ao aluno, reduzido este a mero expectador de lições e receptor de conteúdos. Tem-se, assim, uma educação centrada no professor e baseada quase que exclusivamente em aulas expositivas/explicativas – formas típicas de uma educação bancária. Com base nos dados coletados por meio de entrevistas, constatamos que, apesar de os alunos entrevistados estarem vinculados a universidades distintas (uma pública outra privada), 1 Advogado. Aluno do curso de pós-graduação em Docência do Ensino Superior da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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O MÉTODO DE APRENDIZADEM BASEADA EM PROBLEMAS (PBL): UMA

ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Vinícius Dourado Loula Salum1

RESUMO: O presente artigo analisa como o método de aprendizagem baseada em problemasou PBL (Problem Based Learning) apresenta-se como uma opção viável para o ensinojurídico no Brasil, com vistas a superar alguns problemas causados pela tradicional forma deensino-aprendizagem do Direito. A partir de entrevistas com dois estudantes do curso deDireito de diferentes instituições de ensino superior, constata-se o uso predominante das aulasteórico-expositivas (centradas no professor) em detrimento de outras metodologias de ensinoque priorizam a prática (e focalizam a aprendizagem do aluno). Tal apego às formastradicionais de ensino tem gerando não somente uma deficiente compreensão do fenômenojurídico como também uma insegurança dos bacharéis quanto à futura prática profissional. Éneste contexto que propomos a utilização do PBL como uma qualificada alternativapedagógica, cuja viabilidade já pôde ser comprovada não somente por relatos colhidos daliteratura como pelo próprio depoimento do autor, que pôde experimentar os benefíciosproporcionados por esta metodologia na condição de aluno do curso de pós-graduação emDireito Tributário do IBET.

Palavras-Chave: Ensino jurídico; Metodologia; Problem Based Learning (PBL).

Introdução

É amplamente cediço que o ensino do Direito, no Brasil, cada dia mais tem se tornado

tecnicista. Não bastasse o conhecido apego às abordagens pedagógicas tradicionais, as

faculdades de Direito têm se concentrado primordialmente na preparação dos alunos para os

exames da OAB e, sobretudo, para os concursos públicos. A proliferação viral dos chamados

cursinhos preparatórios é um indicativo sintomático desta realidade, que acaba por “infectar”

até mesmo o ambiente da graduação, acentuando ainda mais na academia jurídica o dogma de

que o conhecimento é algo a ser transmitido (e até mesmo imposto) pelo professor ao aluno,

reduzido este a mero expectador de lições e receptor de conteúdos. Tem-se, assim, uma

educação centrada no professor e baseada quase que exclusivamente em aulas

expositivas/explicativas – formas típicas de uma educação bancária.

Com base nos dados coletados por meio de entrevistas, constatamos que, apesar de os

alunos entrevistados estarem vinculados a universidades distintas (uma pública outra privada),

1 Advogado. Aluno do curso de pós-graduação em Docência do Ensino Superior da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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a metodologia de ensino em sala de aula é a mesma: Preponderantemente composta por aulas

teórico-expositivas. Questionados acerca do que poderia ser melhorado no processo de

ensino-aprendizagem, os entrevistados foram categóricos em expor seus anseios por uma

educação menos teórica e mais voltada para a prática, sobretudo com estudos de casos

concretos da vida real. Esta deficiência no ensino jurídico acaba por desembocar na seguinte

constatação empírica: “Muitas vezes é possível extrair da fala dos bacharéis em Direito

brasileiros recém formados uma espécie de angústia por terem tido acesso a muito conteúdo,

mas não saberem o que fazer com ele”2.

Muitas e complexas são as causas deste fenômeno, demandando um esforço hercúleo

dos estudiosos da educação na proposição de soluções para tal problema ou, quando menos,

para minimizar seus efeitos deletérios. Sem desconsiderar a força dos fatores históricos,

culturais, econômicos e políticos que dificultam (quando não impedem) a utilização de

métodos alternativos de ensino no âmbito jurídico, o presente trabalho crê que há medidas

simples a serem adotadas pelo próprio professor em sala de aula, e que são capazes de

contaminar positivamente o ambiente tradicional de educação para favorecer a formação de

sujeitos cognoscentes da ciência jurídica e não apenas meros operários do Direito.

Uma dessas alternativas pedagógicas consiste no método de aprendizagem baseado em

problemas, mais conhecido como PBL – sigla, em inglês, para a expressão Problem Based

Learning. Implementado originalmente pela Faculdade de Medicina da Universidade

McMaster no Canadá, e, no âmbito do ensino do Direito, pela Universidade de Maastricht na

Holanda, o PBL consiste numa “metodologia de ensino na qual os tópicos de aprendizado são

identificados a partir da apresentação de um problema real ou simulado”3, em torno do qual os

alunos, individual e coletivamente, propõem soluções juridicamente válidas.

Como se trata de um método participativo e voltado para a prática – em contraposição

ao método tradicional de exposição teórica de conteúdos – o PBL constitui-se numa iniciativa

contracultural e ainda incipiente no Brasil, despontando no horizonte como alternativa viável

à implementação de uma abordagem educacional mais colaborativa, construtivista e

contextualizada (RIBEIRO & MIZUKAMI, 2005) e que confira ao estudante um papel de

maior relevância dentro do processo de ensino-aprendizagem.

2 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre

ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 55, 2012.3 ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista Vox Forensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 22, Abr./Jun. 2010.

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O modelo tradicional de ensino-aprendizagem do Direito

Realizamos entrevistas com dois estudantes de Direito em diferentes períodos da

graduação, um no início (3º semestre) e outro no final (10º semestre) do curso. A primeira

estudante vinculada a uma instituição pública de ensino superior (Universidade Federal da

Bahia – UFBA); o segundo, aluno de uma universidade privada (Centro Universitário de João

Pessoa/PB – UNIPÊ).

O questionário apresentado abordava desde as razões que levaram o estudante a

escolher o curso de Direito, passando pelas expectativas quanto ao currículo do curso e o

conteúdo das disciplinas, tangenciando a competência dos professores e a metodologia de

ensino, até desembocar nas sugestões dos discentes quanto a eventuais mudanças tendentes a

aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem nas suas faculdades.

Antes de adentrar aos pontos mais diretamente relacionados ao nosso objeto de análise,

cabe destacar um dado curioso: Ambos os graduandos escolheram estudar o Direito a partir de

uma afinidade maior com as matérias de ciências humanas do ensino médio (especialmente

história, geografia e português) – e que possuem maior peso de avaliação no vestibular para

Direito – mas sentiram-se relativamente frustrados em suas expectativas quando tiveram de

estudar as disciplinas de base geralmente ofertadas no início do curso, como filosofia,

antropologia, sociologia, etc.

Nota-se que, apesar de declararem possuir maior gosto pelo estudo dos objetos

culturais, contraditoriamente os estudantes revelam um desgosto com o estudo (mais

aprofundado) de tais objetos no ensino superior, e isto porque, dentre outros fatores4, na

graduação em Direito a análise destas disciplinas parece estar dissociada da ciência jurídica

propriamente dita e bastante distanciada da prática cotidiana. Mas o que releva destacar aqui é

o anseio dos alunos em lidar antes com questões de prática profissional em detrimento da

abordagem teórica, principalmente nas matérias mais gerais.

Feita esta observação inicial, abordaremos os tópicos das entrevistas que guardam

relação direta com a questão das metodologias de ensino. Apesar de os professores do curso

de Direito serem titulados, em geral mestres e/ou doutores (inclusive com reconhecida

4 “Cumpre enfatizar o papel do mercado, e do sistema capitalista econômico como potencializadores da crise

jurídica. Os estudantes ingressam nos cursos em direito, com diversas ambições relacionadas à aprovação em umconcurso público, e já inseridos na lógica-mercadológica, sendo muitas vezes resistentes a qualquer tentativa de formação humana, já que, aparentemente, o mercado de trabalho não a exige” (SCHMACHTENBERG, Frederico Martins; ALBENAZ, Renata Ovenhausen (orient.). O Direito que se ensina errado. O ensino jurídico

como reprodutor do paradigma dogmático. I Seminário Internacional - Imagens da Justiça, Currículo e Educação Jurídica. Pelotas-RS: Nov./2012).

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especialização na matéria que lecionam), às vezes falta-lhes didática. É o que revela a

seguinte observação de um dos entrevistados acerca dos docentes: “Do ponto de vista

acadêmico, eles são preparados. Mas, do ponto de vista da didática, não é, assim, muito

bom”. Esta deficiência também existe no que concerne às técnicas de ensino empregadas em

sala de aula: “Tem professores que usam slides apenas, e só leem os slides. Então, isso

dificulta muito o aprendizado do aluno que busca o conhecimento na sala de aula”.

A par deste uso inadequado e pouco eficiente do recurso tecnológico (no caso, os

slides), a relativa falta de didática também se relaciona com um ponto central do nosso

estudo: O projeto pedagógico tradicional do Direito ancora-se em aulas preponderantemente

explicativas, com o ensino centrado no professor e baseado em assuntos/temas. Ambos os

entrevistados testemunham esta mesma realidade. Já é algo de tal modo enraizado na tradição

do ensino que os próprios alunos confessam uma predileção por esta metodologia,

notadamente porque as opções alternativas (trabalho em grupo, p. ex.), quando são aplicadas,

não o são adequadamente.

Veja-se, por exemplo, o seguinte relato: “A que era mais comum lá era a aula

expositiva. Mas a que me chamava mais a atenção, e a que eu tinha maior facilidade,

também era a aula expositiva. Mas quando ele pegava a aula expositiva e juntava com algum

trabalho, em relação ao que ele expôs, ajudava bastante. (...) Trabalho em grupo ou

individual. Um caso prático da aula que ele dava”. E ainda esta afirmação da outra aluna

entrevistada: “Em geral usam aulas expositivas. Eu prefiro também as aulas expositivas,

porque eu tenho muita dificuldade de trabalhar em grupo, porque eu acredito que no grupo

sempre tem aquelas pessoas que se responsabilizam mais e outras que se responsabilizam

menos ou nada. Então, você acaba por levar o grupo nas costas”. Ressalte-se que, neste

último relato, o desgosto pela sistemática de trabalho em grupo decorre muito mais da

utilização inadequada (que permite uns alunos se responsabilizarem mais que outros) do que

pela técnica em si.

O enraizamento das aulas expositivas como metodologia preponderante no ensino

jurídico revela-nos, portanto, uma proposta pedagógica tradicional:

“A concepção tradicional tem a finalidade de transmitir conhecimentos e estábaseada na técnica da aula expositiva. O resultado de tal técnica é a merareprodução automática e mecânica de conteúdos memorizados. A ênfase édada no intelecto, na lógica e nos conteúdos. O centro do processo é oprofessor”5.

5 ZANIN, Fabrício Carlos. Direito e pedagogia: aproximações interdisciplinares. Jus Societas, n. 1, v. 3, Ji-

Paraná, p. 21-42, 2009.

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Esta verdadeira pedagogia da transmissão, em linhas gerais, pode ser assim definida:

“trata o aluno como alguém que nada sabe a respeito de um tópico e que, porisso, deve apenas receber as informações transmitidas pelo professor earmazená-las. As aulas expositivas ministradas pelo professor são, porexcelência, o meio pelo qual os alunos entram em contato com a disciplinajurídica no curso de Direito. A aprovação do aluno é certificada mediante oemprego de exames. Sejam eles compostos por questões dissertativas ou porquestões-teste, aplicados na metade ou ao fim do período. Ao final do curso,o aluno bem sucedido será aquele que demonstrou razoável capacidade paramemorização de conceitos jurídicos esparsos. Nesse modelo de ensino doDireito, aquele que transmite o conteúdo aos estudantes é quem exerce opapel central no processo de ensino-aprendizagem”6.

Dentre as inúmeras desvantagens desta metodologia convencional para o

desenvolvimento cognitivo dos discentes, ARANTES & MUSSI destacam estas duas: (1)

“resulta em um aprendizado por memorização de conceitos, que podem ser rapidamente

perdidos, já ao longo do curso”; e (2) “a integração de conhecimentos e habilidades é

dificultada, uma vez que as informações são absorvidas de maneira dissociada da prática

imediata (principalmente nas Disciplinas básicas dos dois primeiros anos de curso), sem um

foco ao redor do qual se organize o conhecimento”7.

Ressalte-se que estas dificuldades já são sentidas pelos próprios alunos desde os

primeiros semestres de curso. Descontentes com as formas tradicionais de ensino que

priorizam a exposição teórica dissociada da prática cotidiana, um deles testemunha o seguinte:

“No meu ponto de vista, na universidade em que estudei, e que eu estudo até hoje ainda, ela

me deu uma base muito boa, me ensinou muita coisa. Mas o que eu senti dificuldade foi na

prática. Pegar casos práticos, onde há o caso concreto em si e estudar. Porque eu não vejo

muita prática”. Até mesmo as disciplinas da grade curricular que, por definição, são voltadas

para a prática profissional sucumbiam à cultura metodológica das aulas explicativas: “Mas a

disciplina de Prática Jurídica eu via como uma disciplina como outra qualquer. Uma

disciplina muito teórica, não tinha prática. Só no nome mesmo. Eu via muito a teoria, porque

ela chegava dentro de uma sala de aula, falava o que acontecia lá fora, mas só falar... Pra

gente não tinha muita prática, realmente, em si”.

6 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre

ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 59, 2012.7ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista Vox Forensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 24, Abr./Jun. 2010.

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Na outra universidade os casos concretos são cobrados apenas nas provas, impondo ao

aluno a resolução dos mesmos com base no aporte teórico transmitido pelo professor nas

aulas expositivas ao longo do curso. Acerca da utilização de casos reais como problemas a

serem analisados e resolvidos, a estudante do 3º semestre não esconde sua predileção: “Eu

acho super proveitoso! Você aprende, assim, infinitamente mais quando é um caso concreto.

Você se dá mais para o assunto e você quer buscar mais conhecimento, porque você tá vendo

na prática. A diferença é essa: O aluno se sente motivado, estimulado quando ele vê que

realmente o que tá sendo aprendido você pode aplicar na vida real”.

Todavia, em que pese a angústia manifestada pelos estudantes quanto a lidar apenas

com esta forma convencional de ensino – e o relato de que um estudo centrado na prática se

torna mais motivador e estimulante –, o modelo tradicional se impõe porque já está

estabelecido sobretudo na cultura docente. Não por outro motivo o processo tradicional de

ensino-aprendizagem da ciência jurídica nos remete ao que Paulo Freire chamava de

educação bancária, onde o educador é o que pensa e os alunos são os que são pensados (cf.

VIEIRA, 2013, p. 146). Com suporte em BORDENAVE & PEREIRA, Neusi Berbel faz um

paralelo entre a educação problematizadora e a educação bancária, aduzindo que esta última

está

“baseada na transmissão do conhecimento e da experiência do professor,atribui importância suprema ao conteúdo da matéria, sem preocupar-se como aluno como pessoa integral e como membro de uma comunidade.Conseqüentemente, ‘o aluno é passivo, grande tomador de notas, exímiomemorizador’ (p. 10). Desse modo, ele vai ter facilidade para tratar comconceitos abstratos mas não vai ter facilidade para resolver problemasconcretos de sua realidade”8.

A constatação de que o ensino jurídico no Brasil ancora-se quase que exclusivamente

numa metodologia convencional de aulas expositivas centradas no professor, razão pela qual

lhe atribuímos a alcunha de ensino bancário, é o que nos remete à necessidade de ultrapassar

este modelo, no sentido proposto por BERBEL (1995, p. 9): “O que é preciso ultrapassar é o

seu uso exagerado, o seu uso exclusivo, sem alternativas. Para grande número de professores

do ensino superior essa é a única possibilidade, tendo sido o modelo aprendido e então

reproduzido”.

8 BERBEL, Neusi Aparecida Navas. Metodologia da problematização: uma alternativa metodológica apropriada para o ensino superior. Seminário: Ciências Sociais/Humanas, v. 16, n. 2, Ed. Especial, p.11, out. 1995.

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Uma destas opções de proposta pedagógica alternativa para o ensino do Direito no país

é a que encontramos no método de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), conforme

veremos melhor adiante.

A metodologia da Problem Based Learning (PBL)

Para fins de definição da metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL),

inicialmente lançaremos mão da classificação proposta por ARANTES & MUSSI (2010, p.

23), quando divide o ensino em quatro modalidades, quais sejam: (1) centrado no professor,

baseado em assuntos/temas; (2) centrado no estudante, baseado em assuntos/temas; (3)

centrado no professor, baseado na solução de problemas; e (4) centrado no estudante, baseado

na solução de problemas.

Enquanto o ensino tradicional em geral – e especialmente o ensino do Direito – se

amolda perfeitamente à primeira modalidade, o PBL propõe justamente a inversão desta

lógica educacional: O principal responsável pelo processo de ensino-aprendizagem passa a ser

o estudante ao invés do professor, e a maneira como o conteúdo das disciplinas é ensinado

deixa de ser centrada em assuntos/temas para basear-se na solução de problemas. O PBL

encaixa-se, portanto, na quarta modalidade de ensino, de acordo com a classificação ora

adotada.

Levando em consideração que a proposta pedagógica convencional reduz o aluno a

mero receptor e armazenador de informações transmitidas pelo docente, resta evidente, desde

logo, que o PBL qualifica-se como uma abordagem pedagógica alternativa e, para tanto,

“considera que o aluno não só é capaz de aprender por si, como pode ser elevado à posição de

protagonista no processo de ensino-aprendizagem”9. Esta a razão pela qual o professor – que

antes era reduzido à condição de mero expositor de conteúdos – passa a ser, no método PBL,

um autêntico “criador de situações de aprendizagem”10.

Neste sentido, a adoção do sistema de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), em

última análise, significa compor com a alteração metodológica proposta pelo professor

Marcos Tarciso MASETTO:

9 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre

ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 59, 2012.10 PERRENOUD, Philippe apud SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. op. cit. loc. cit.

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“Colocar a aprendizagem na prática como objetivo central da formação dosalunos significa iniciar pela alteração da pergunta que fazemos regularmentequando vamos preparar nossas aulas – o que devo ensinar aos meus alunos?

– por outra mais coerente – o que meus alunos precisam aprender para se

tornarem cidadãos profissionais competentes numa sociedade

contemporânea? Se fizermos essa pequena experiência em nosso trabalhodocente, veremos as implicações e as modificações que resultarão, deimediato, em nossas práticas pedagógicas”11.

Expondo as vantagens da utilização do PBL como método de ensino do Direito, Kátia

Fach Gómez LL. M., professora de Direito Internacional Privado da Universidade de

Zaragoza, ressalta justamente o fato de o aluno tornar-se a pedra angular do sistema de

aprendizagem, encontrando um terreno fértil para melhor desenvolver suas competências e

habilidades. Por outro lado, chama a atenção para a mudança radical que sói ocorrer no papel

do professor: “En un PBL, el profesor deja de comportar-se como el experto que monopoliza

las clases magistrales y de su interactuación com el grupo también se deriva un interesante

aprendizage para el docente”12. Assim, com o método PBL, da mera exposição monológica de

conteúdo passa-se a uma interação dialógica de saberes e com maior participação do aluno,

transmudando, dessarte, não somente o processo de ensino-aprendizagem como a própria

relação docente-discente.

Embora admitindo que a tradicional forma de aprendizagem jurídica, centrada no

professor e sua aula expositiva/explicativa, ainda é o método mais aplicado pelas Faculdades

de Direito no Brasil, as professoras da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (Direito

GV) identificam uma tendência na adoção de métodos participativos em sala de aula,

sobretudo porque uma parcela considerável dos estudantes “necessita da imersão num

ambiente mais participativo de ensino-aprendizagem, a fim de que o aprendizado do Direito

se torne cada vez mais significativo”13.

Dentre estes métodos participativos, destaca-se o Problem Based Learning (PBL), por

meio do qual o professor inicialmente transmite aos alunos um problema jurídico (um caso

concreto) que deverá ser solucionado por eles, mediante a análise tanto individual quanto

coletiva (em grupo). A partir daí os discentes realizam um trabalho de pesquisa do assunto

relativo à questão proposta, interagem com os colegas dentro de um processo de discussão,

11 MASETTO, M. T. Professor Universitário: Um profissional da educação na atividade docente. In: Marcos Tarciso Masetto. (Org.). Docência na Universidade. 2 ed. Campinas/SP: Papirus, 1998, v. , p. 9-26.12 LL. M., Kátia Fach Gómez. Ventajas del ‘problem based learnig’(PBL) como método de aprendizage del

derecho internacional. Bordón, 64, p. 60, 2012.13 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre

ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 55, 2012.

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tudo com o fim de buscar soluções juridicamente válidas para o caso concreto, expondo, ao

final, uma alternativa de resolução para aquele problema jurídico formulado pelo docente no

começo da atividade.

Desde o início do processo, portanto, o aluno assume uma posição de protagonista e

responsável pelo seu conhecimento, razão pela qual se diz que “a metodologia PBL enfatiza o

aprendizado auto-dirigido, centrado no estudante”14, cumprindo com a finalidade principal de

qualquer pedagogia que, antes de tudo, pretenda focar no aluno: O desenvolvimento da sua

autonomia15. De fato, uma das características principais do PBL é o fato de ser um método

“que encoraja o aprendizado individual do estudante para um conhecimento mais profundo,

tornando-o responsável pela sua própria aprendizagem”16.

Ainda nesta senda, invocamos mais uma vez a defesa do método PBL empreendida pela

professora de Direito da Universidade de Zaragoza que, inclusive, expõe com maior clareza

todas as fases do processo:

“El PBL convierte al estudiante em el protagonista de su próprio aprendizaje,ya que, entre outros aspectos beneficiosos, se le responsabiliza de localizar,priorizar, interiorizar y aplicar la información jurídica que precisa para llegara ser capaz de dominar el tema asignado. En la fase de preparación ypresentación oral de sus conclusiones, estos desarrollan sus capacidades detrabajo en equipo, toma de decisiones y síntesis, de la misma forma quemejoran su expresión oral. La fase del brainstorming final fomenta sushabilidades negociadoras y de role playing, agudiza su atención y les preparapara el óptimo desarrollo de su futura profesión legal (Resultados)”17.

Todavia, esta centralização no estudante e na resolução de problemas, combinada com

uma transformação na relação aluno-professor, não é o que define, por si, o método PBL.

Segundo RIBEIRO & MIZUKAMI, citando BARROWS, “o núcleo absolutamente irredutível

da aprendizagem baseada em problemas” consiste na “colocação de problemas relevantes à

atuação profissional dos alunos antes de os conceitos serem introduzidos”, confluindo para o

que os autores denominam de “inversão do binômio teoria-prática” que permeia todo o ensino

tradicional18.

14 ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista Vox Forensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 25, Abr./Jun. 2010.15

VIEIRA, Flávia. O professor como arquiteto da pedagogia na universidade. Revista Teias, v. 14, n. 33, DossiêEspecial, p. 145, 2013.16 SOARES, Mara Alves. Aplicação do método de ensino Problem Based Learning (PBL) no curso de Ciências

Contábeis: um estudo empírico. 2008. 214 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008. p. 67.17 LL. M., Kátia Fach Gómez. Ventajas del ‘problem based learnig’(PBL) como método de aprendizage del

derecho internacional. Bordón, 64, p. 59, 2012.

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Esta apontada inversão é a característica basilar do PBL que se relaciona diretamente

com seu próprio suporte filosófico: “A base filosófica que norteia a proposição desse modelo

de aprendizagem foi a consciência de que o aprendizado do ser humano se faz a partir de

experiências do seu cotidiano, ou seja, aprender resolvendo problemas”19.

Com efeito, no PBL, o aluno é posto diante de um problema prático (real ou simulado)

sobre o qual deve se debruçar para buscar a solução mais adequada, inicialmente lançando

mão dos seus conhecimentos prévios, adquiridos tanto de experiências anteriores (inclusive de

senso comum) quanto do debate com os demais colegas (reunidos em grupos e auxiliados por

um tutor). Somente depois de ultrapassada esta fase é que o estudante é imerso com

profundidade no arsenal teórico e conceitual da matéria estudada.

A fim de melhor visualizar o método PBL, oportuno destacar seu processo básico:

“(1) apresenta-se um problema aos alunos que, em equipes, organizam suasidéias, tentam solucioná-lo com o conhecimento que possuem, avaliando-o edefinindo sua natureza; (2) através de discussão, os alunos levantamquestões de aprendizagem (learning issues) sobre os aspectos do problemaque não compreendem; (3) os alunos priorizam as questões de aprendizagemlevantadas pelo grupo e planejam quando, como, onde e por quem estasquestões serão investigadas para serem posteriormente partilhadas com ogrupo; (4) quando os alunos se reencontram, eles exploram as questões deaprendizagem anteriores, integrando seus novos conhecimentos ao contextodo problema, podendo vir a definir novas questões de aprendizagem àmedida que progridem na solução do problema; e (5) depois de terminado otrabalho com o problema, os alunos avaliam a si mesmos e seus pares demodo a desenvolverem habilidades de auto-avaliação e avaliação construtivade colegas”20.

Tendo em conta os conceitos acima postos, que ressaltam as características principais

bem como o sistema básico de aplicação do método PBL, propomos defini-lo, enfim, como

uma abordagem de ensino alternativa ao modelo tradicional, que desloca do professor para o

aluno o papel de principal ator do processo de ensino-aprendizagem, adota a técnica de

solução de problemas concretos (reais ou simulados) em detrimento das aulas expositivas

(baseadas em assuntos/temas) e inverte, outrossim, o binômio teoria-prática que é típico das

metodologias de ensino convencionais.

18 RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Quais são os ganhos e prejuízos da adoção da

aprendizagem baseada em problemas (PBL) para o docente? Uma experiência no ensino superior. Formação docente para o ensino superior. VIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. UNESP. São Paulo, p. 32-42, 2005.19ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista VoxForensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 27, Abr./Jun. 2010.20 RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. op. cit. p. 34.

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A metodologia de ensino do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET): Um caso

de inspiração no método PBL

Como ex-aluno do curso de especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro

de Estudos Tributários (IBET), sinto-me autorizado – e convém fazê-lo – a descrever a

metodologia de ensino da referida instituição, ressaltando suas qualidades reconhecidas, o que

pode ser creditado, inclusive, pela nítida inspiração no método de Aprendizagem Baseada em

Problemas (PBL).

Antes das aulas, os alunos do curso recebem um módulo dividido por diversos temas,

com indicações bibliográficas (leitura obrigatória e leitura complementar) e de jurisprudência,

bem como questões (teóricas e práticas) relacionadas àquela determinada temática do Direito

Tributário – que constituem justamente os problemas a serem enfrentados pelos estudantes.

Ressalte-se que, dentre tais problemas, há sempre casos concretos relacionados à prática

profissional. Incumbe aos alunos, preliminarmente, estudar os temas de forma individual,

consultando inclusive a bibliografia indicada e, antes do primeiro encontro e de qualquer aula

teórica a respeito da matéria, resolver as questões-problema propostas no módulo. Já aqui se

manifesta a adoção da solução de problemas em detrimento das aulas expositivas. A partir de

então, começa a ganhar relevo o cerne da proposta pedagógica do IBET, que se implementa

mediante a alternância de dois encontros distintos: aula-seminário numa semana, e aula-

expositiva noutra.

Com efeito, no primeiro encontro (a chamada aula-seminário) os estudantes são

divididos em grupos de quatro ou cinco pessoas, que, sob a orientação de um tutor, novamente

devem se debruçar sobre as questões-problema do módulo, cada qual expondo suas hipóteses

de solução, a fim de que haja uma discussão coletiva em torno das mesmas – inaugurando,

assim, a fase de brainstorming do método PBL. Cada núcleo elege seu líder (relator), a quem

compete relatar as conclusões daquele grupo para os demais. Isto ocorre no momento

posterior, quando os grupos menores são desfeitos e a sala de aula novamente é recomposta

para que todos possam debater com todos, formando uma grande comunidade de aprendizes.

Esta comunidade escolhe, então, um relator geral, responsável por tomar nota de toda a

discussão e das eventuais dúvidas suscitadas em torno do tema, a fim de serem expostas e

dirimidas pelo professor-palestrante no encontro da semana posterior (a aula expositiva).

Note-se que, até o presente momento, o estudante é quem figura como protagonista do

processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo, com isso, inúmeras competências e

habilidades que certamente contribuirão para um melhor desempenho profissional, tais como:

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1) o estudo autodirigido (autonomia); 2) a exposição oral e a defesa dos seus apontamentos

perante os colegas; 3) a capacidade de negociação e interação com o grupo, sujeitando suas

opiniões a eventuais críticas; e 4) a memorização mais eficiente dos problemas jurídicos e de

suas hipóteses de solução, compondo um acervo teórico-prático bastante útil sobretudo nas

situações que demandam uma resposta rápida do profissional.

Sem dúvidas, portanto, através deste método pedagógico alternativo, o estudante

desenvolve uma melhor compreensão do fenômeno jurídico:

“Daí, compreender o Direito não pode ser o mesmo que decorar códigos,simplesmente. O conhecimento da lei processual é essencial às atividades deum advogado, não há dúvidas, numa audiência ou num júri. Mas,certamente, um desempenho diferenciado desse bacharel e dele enquantoprofissional dependerá em muito da sua capacidade de respeitar osposicionamentos diversos que concorrerão aos seus naquele momento; emrapidamente encontrar uma solução jurídica pertinente aos problemaslançados e; estruturar seus argumentos e contra-argumentos de modo a sefazerem claros e convincentes aos seus interlocutores”21.

Somente depois de ultrapassada esta fase inicial de estudo autodirigido e discussão de

idéias é que – no encontro posterior – há a chamada aula expositiva, ministrada por um

professor especialista da área, encarregado não somente de expor o conteúdo teórico e

conceitual que compõe os problemas discutidos pelos alunos, mas também dirimir as dúvidas

suscitadas pelos estudantes na aula-seminário da semana precedente. Tem-se, aqui, a inversão

do binômio teoria-prática que se constitui, conforme exposto alhures, no núcleo

absolutamente irredutível que caracteriza o método PBL.

Efeitos do método PBL para alunos e professores

De acordo com ARANTES & MUSSI (2010, p. 25-26):

“A metodologia do PBL é considerada ideal para os estudantes que: (1) Têminiciativa para estudar por conta própria; (2) Sentem-se à vontadeformulando objetivos de aprendizado flexíveis mesmo que apresentem, porvezes, alguma ambigüidade; (3) Aprendem melhor com leitura e discussão;(4) Consideram desejável que seu aprendizado seja sempre em um contextoclínico”.

21 SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre

ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. Buenos Aires, año 10, n. 20, p. 57, 2012.

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Conforme abordamos anteriormente, o método PBL tende a desenvolver no aluno uma

maior capacidade de gestão do seu próprio aprendizado. Vem a calhar, portanto, muito mais

com o perfil do alunado de nível superior (e sobretudo com os estudantes em nível de pós-

graduação) do que com aqueles de nível fundamental e médio, uma vez que – pelo menos em

tese – o estudante de nível superior detém maior autonomia intelectual. Portanto, a primeira

consequência da utilização do PBL, para os discentes, seria o aumento da sua capacidade de

estudo autodirigido.

Este efeito benéfico, inclusive, é ressaltado pela advogada Aurora Tomazini de

Carvalho, que é pesquisadora e professora do IBET: “Ao contrário de outros cursos que

despejam um monte de informações para serem absorvidas pelo aluno, o IBET faz com que o

aluno construa suas informações”22. Além deste breve relato, a matéria veiculada pelo site

jurídico “migalhas.com” também colhe o depoimento de outros alunos e professores do IBET,

igualmente confirmando a eficácia da metodologia aplicada:

“Argos Campos Ribeiro Simões, Agente Fiscal de Rendas daSecretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, buscou no Instituto Brasileirode Estudos Tributários - IBET o aprimoramento do Direito tributário.'Quando comecei a fazer o curso do IBET, em 1998, percebi que o DireitoTributário fazia sentido e que havia uma forma até divertida de compreendê-lo', explica. Até então, Argos Campos tinha dificuldade com a matéria. Elecursou também no IBET em 2008/2009 o curso de Extensão em Teoria Geraldo Direito.

Em seu cargo de Agente Fiscal de Rendas, ele ocupa hoje as funçõesde Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e Assistente Fiscal daEscola Fazendária do Estado de São Paulo. Hoje, ele também é professor dainstituição.

'A profundidade das aulas e da bibliografia sugeridas pelo cursodescortinaram um oceano de possibilidades de raciocínio, no qualpermaneço navegando e aplicando desde 1998', relata. Outro aspectoressaltado por Ribeiro Simões é sobre a metodologia de ensino utilizadaem sala de aula. 'O aluno, sem condicionamentos prévios, pensainicialmente sobre as questões propostas e descobre, posteriormente,outras possibilidades nas discussões com os colegas e torna-se umsaudável crítico construtivo quando das palestras do professorexpositor', conta”23. (grifamos)

Em pesquisa realizada junto a turmas de graduação e pós-graduação em engenharia de

uma universidade pública do interior de São Paulo, RIBEIRO & MISUKAMI (2005, p. 35-

40) destacam os ganhos e prejuízos da adoção do PBL sobretudo para o docente, valendo

22 MIGALHAS. Advogados buscam cursos especializados em Direito Tributário fora das faculdades. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI119258,61044-Advogados+buscam+cursos+especializados+em+Direito+Tributario+fora+das>. Acesso em: 06 fev. 2015.23 Idem.

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ressaltar os seguintes pontos que – dada a generalidade – certamente também se aplicam ao

processo de ensino-aprendizagem do Direito:

(1º) A “capacidade de a PBL tornar a aprendizagem mais agradável e as aulas mais

dinâmicas e prazerosas para ambos, docentes e alunos” (p. 36), o que resulta do fato de

o PBL ser um método de ensino participativo. Neste sentido, como a adoção deste

método, poderia ser melhor contemplado o desejo manifestado por nossa entrevistada:

“acho que deveria ter muito mais interação entre aluno e professor”;

(2º) em razão desta maior participação do aluno no processo, aumenta nos professores,

entretanto, “as percepções de perda de controle e vulnerabilidade” (p. 37), o que pode

ser visto como uma “causa potencial de resistência à abordagem” (p. 36), constituindo,

portanto, em um entrave à superação do modelo convencional no âmbito do ensino

jurídico, haja vista que os professores de Direito, nos dizeres da aluna, em geral têm

“medo de o aluno saber muito” e “não gostam de responder perguntas muito

aprofundadas”. Transparece, assim, o receio do professor “de ser colocado em uma

situação em que teria que admitir o desconhecimento de algum conceito ou fato” (p.

37);

(3º) do efeito negativo apontado no item anterior decorre, todavia, um efeito positivo,

que consiste no “aumento do tempo dedicado às disciplinas” (p. 37), sobretudo em

razão da “necessidade de conceber os problemas, de corrigir os relatórios, escrever

comentários aos alunos, computar as notas/conceitos das avaliações (suas e as dos

alunos) e refletir sobre os erros e acertos dos grupos de modo a dar feedback à turma

durante os encontros” (p. 37);

(4º) com uma maior dedicação às disciplinas, há que se falar no “desenvolvimento

profissional do docente, contribuindo para que o Professor modificasse algumas de suas

concepções sobre o ensino” (p. 39), o que acaba por potencializar o processo reflexivo

do professor;

(5º) além disso, “as atividades da PBL (e. g., as avaliações, os relatórios, as

apresentações dos grupos e as discussões em sala de aula) podem ter promovido o

desenvolvimento docente no que concerne o conhecimento dos alunos” (p. 39); e

(6º) por fim, “o maior ganho para o docente advindo do uso da PBL é sua capacidade de

injetar um novo alento ao processo de ensino-aprendizagem, para docentes e alunos,

mesmo em implementações parciais, quer dizer, em disciplinas isoladas em currículos

convencionais” (p. 40).

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Buscando justamente este “novo alento ao processo de ensino-aprendizagem”, Kátia

Fach Gómez LL. M. (2012, p. 68) conclui seu trabalho ressaltando as vantagens da utilização

do método PBL na aprendizagem do Direito, especialmente no que se refere ao estudante –

que passa a assumir, conforme vimos, um papel central inexistente no modelo pedagógico

tradicionalmente estabelecido:

“Con el PBL los estudiantes van a retener más y durante más tiempo elconocimiento generado a lo largo de todo el processo, ya que esteconocimiento, aparte de estar vinculado a un contexto fáctico concreto, hasido generado 'artesanalmente' por los estudiantes, quienes conforman una'comunidad de aprendices'. De esta forma, la teoría y la práctica se engarzande una forma mucho mãs natural que si la docencia se divide em clasesmagistrales y prácticas. Como se ha ido apreciando, el PBL tambíen potenciala autonomía del estudiante y su capacidad para estructurar conocimientos ytomar decisiones. El alumon desarrolla asimismo habilidades comunicativasy de relaciones interpersonales. En definitiva, el PBL ayuda a reducir el'abismo' que em ocasiones parece existir entre las Faculdades de Derecho yel ejercicio de la profesion”.

Considerações Finais

De todo o exposto no decorrer do presente trabalho, urge salientar – à guiza de

conclusão – que a pretensão aqui manifestada, de propor um modelo pedagógico alternativo

para o estudo do Direito, não implica em total abandono das aulas expositivas e do professor

enquanto transmissor do conhecimento, mas intenta conferir especial relevância à advertência

de Derek Bok: “Não podemos nos contentar em ensinar aos estudantes a se lembrar de um

corpo fixo de conhecimentos; em vez disso, cumpre-nos ajudá-los a dominar técnicas de

resolver problemas e hábitos de aprendizado contínuo”24.

O método de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), sem sombra de dúvidas, é

adequado à tarefa de ajudar os alunos do Direito a dominarem melhor as técnicas de resolução

de problemas concretos da vida real, contribuindo para uma formação profissional mais

condizente com os desafios propostos por um mundo cada vez mais complexo e em constante

mutação. Sobreleva destacar, neste ponto, a “necessidade de transformar a educação do

profissional do Direito em saber Direito (raciocinar e interpretar) e não decorar Direito (...)”,

conforme afirmam ARANTES & MUSSI (2010, p. 37).

24 BOK, Derek. Apud RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Quais são os ganhos e

prejuízos da adoção da aprendizagem baseada em problemas (PBL) para o docente? Uma experiência no

ensino superior. Formação docente para o ensino superior. VIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. UNESP. São Paulo, p. 32-42, 2005.

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Para tanto, é preciso abandonar o velho dogmatismo pedagógico, centrado no professor

e baseado quase que exclusivamente nas aulas expositivas, e lançar mão de uma abordagem

pedagógica alternativa com vistas a conferir maior protagonismo ao estudante da ciência

jurídica. Não que o método PBL deva ser aplicado com ares de exclusividade, como se fora o

mais novo dogma das formas de ensino, mas que contribua para a formação de uma nova

pedagogia no âmbito das escolas de Direito.

Afinal de contas, como bem adverte VIEIRA (2013, p. 46), “Uma pedagogia para a

autonomia é, então, uma pedagogia-em-movimento – flexível, exploratória, transitória e (auto)

crítica –, que implica uma reflexão continuada sobre os pressupostos que a orientam e os seus

efeitos nos contextos em que é vivenciada”.

Referências

ARANTES, Artur C.; MUSSI, Amali de Angelis Artur. Aplicação do PBL no ensino do direito. Revista VoxForensis, Espirito Santo do Pinhal, v. 3, n. 2, p. 22-40, Abr./Jun. 2010.

BERBEL, Neusi Aparecida Navas. Metodologia da problematização: uma alternativa metodológica apropriadapara o ensino superior. Seminário: Ciências Sociais/Humanas, v. 16, n. 2, Ed. Especial, p.09-19, out. 1995.

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RIBEIRO, Luis Roberto C.; MIZUKAMI, Maria da Graça N. Quais são os ganhos e prejuízos da adoção da

aprendizagem baseada em problemas (PBL) para o docente? Uma experiência no ensino superior. Formaçãodocente para o ensino superior. VIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. UNESP. SãoPaulo, p. 32-42, 2005.

SICA, Ligia Paula Pires P.; PALMA, Juliana Bonacorsi de; RAMOS, Luciana de Oliveira. Reflexões sobre

ensino do direito e avaliação no contexto brasileiro. Academia – revista sobre enseñanza del derecho. BuenosAires, año 10, n. 20, p. 51-72, 2012.

SCHMACHTENBERG, Frederico Martins; ALBENAZ, Renata Ovenhausen (orient.). O Direito que se ensina

errado. O ensino jurídico como reprodutor do paradigma dogmático. I Seminário Internacional - Imagens daJustiça, Currículo e Educação Jurídica. Pelotas-RS: Nov./2012

SOARES, Mara Alves. Aplicação do método de ensino Problem Based Learning (PBL) no curso de Ciências

Contábeis: um estudo empírico. 2008. 214 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração eContabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008.

VIEIRA, Flávia. O professor como arquiteto da pedagogia na universidade. Revista Teias, v. 14, n. 33, DossiêEspecial, p. 138-156, 2013.

ZANIN, Fabrício Carlos. Direito e pedagogia: aproximações interdisciplinares. Jus Societas, n. 1, v. 3, Ji-Paraná,p. 21-42, 2009.