O Mistério Do Castelo de Wartburg

44
O Mistério do Castelo de Wartburg Página 1 O Mistério do Castelo de Wartburt

description

O Mistério Do Castelo de Wartburg

Transcript of O Mistério Do Castelo de Wartburg

Page 1: O Mistério Do Castelo de Wartburg

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 1

O Mistério do Castelo de Wartburt

Page 2: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Sumário

Prefácio...........................................................................................................3

Prólogo............................................................................................................5

A caminho de um sonho..................................................................................6

Na Alemanha.................................................................................................10

No castelo de Wartburg................................................................................16

Fim da linha..................................................................................................19

Na prisão.......................................................................................................22

À espera de um milagre................................................................................24

Esperando socorro........................................................................................26

O reencontro.................................................................................................30

Apêndice........................................................................................................33

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 2

Page 3: O Mistério Do Castelo de Wartburg

PREFÁCIO

"Em teoria, pregamos que devemos amar o próximo como a nós mesmos, andar a segunda milha, dar a outra face. Mas, na prática, até mesmo o nosso ‘tudo bem?’ não passa de uma mera pergunta retórica, sem qualquer expectativa de ouvir uma resposta negativa. Até porque não estamos perguntando aquilo para tratar as feridas do próximo: estamos apenas querendo ser gentis. Mesmo em nossas igrejas, muitos estão sofrendo calados, sem contar nada a ninguém, por não poderem contar com a confiança nem mesmo de seus melhores amigos ou por medo de ser considerado um ‘derrotado’” (Lucas Banzoli)

Ainda não atinei com os motivos que levaram Lucas Banzoli – ou simplesmente Lucas – a escolher-me para prefaciar seu livro. Admito a hipótese de que a deferência vise homenagear ao leitor, ou seja, todos os cristãos que sempre se interessam pelos seus curiosos artigos e livros de relatos totalmente plausíveis, relacionados com a Verdade da Bíblia – a excelente Palavra de Deus. Ou seria ainda pelo respeito demonstrado para com seus arroubos, pertinácia, estudos e feitos de um homem de Deus determinado perante os seus maiores desafios? Ou, finalmente, a escolha de meu nome teria sido motivada pelas palavras de incentivo para levar a cabo a presente obra?

Misto de historiador e teólogo, Lucas consegue transmitir às páginas de seu livro o entusiasmo e o forte do cristão, que se fazem necessários em amplas as áreas em que abordou o altruísmo e como devemos pensá-lo. Tal que seu personagem, Paulo, percorre uma das histórias na quais inúmeros cristãos passam atualmente, a de um cristão light. Aquele cuja perseverança reina em saber e saber, talvez até liderar e não viver o Evangelho, ou seja, amar como o Mestre amou.

Vemos também histórias fortes e expressivas como um paisagista sobre cada personagem coadjuvante aqui presente. A outra faceta de seu caráter – seu empenho na Verdade – ocupa a maior parte do livro, dedicada a destacar a sua auto-determinação e busca de realização espiritual dos leitores em meio às deslealdades e complôs das entrelinhas, levados a efeito por indivíduos invejosos e sem caráter, que ele, como um autêntico evangelista, interpreta como pessoas carentes de afeto e perdão, necessitados de “novo nascimento” em Cristo, para alcançarem o direito de contemplarem a Luz.

O leitor dotado de observação sutil não deixará de perceber sua capacidade magistral de retratista da paisagem humana e social, bem como também a

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 3

Page 4: O Mistério Do Castelo de Wartburg

vida de seus personagens. Como a maior parte do livro transcorre durante um passeio de aprendizes cristãos ao belo chão da Alemanha, mais precisamente castelo de Wartburg e castelo de Wittenberg, onde contamos com a belíssima história de Matinho Lutero, veremos que inúmeros foram os artifícios e estratagemas empregados pelo protagonista Paulo para mostrar o seu lado ao seus colegas, o que acaba em que o mesmo se envolve numa trama, não da visita ilustre a querida Alemanha, mas de um único pensamento: o seu.

O protagonista peca em seus pobres pensamentos dotados de apenas julgamentos e falta de zelo para com os demais, mesmo este sendo um homem de Deus. Assim, vemos que nós podemos nos deixar levar pelo desenrolar de nossos pensamentos e nossos objetivos, sem pensar na ajuda para com o próximo.

O livro oferece ao leitor um relato dos problemas dessa viagem percorrida na Alemanha, sem noções de auto-piedade e consciente do valor do próximo, podendo ser esse um coadjuvante-protagonista em nossa vida cristã, pois não vivemos sozinhos. Retratando-lhe assim a alma, põe em devido relevo o altruísmo, não somente pela necessidade, pois cada um tem sua história e suas dificuldades. Veremos que as vidas aqui apresentadas são muito mais do que podemos observar se olhássemos de fora e tentando julgar o “livro pela capa”. Veremos nessas pessoas nós mesmos, na correria do dia-a-dia, sem olhar o irmão e saber se ao menos ele é um necessitado.

Posso concluir falando principalmente do nosso lado espiritual egoísta, que nos cega desde quando somos crianças, onde a atenção é voltada para nós. Se não mudarmos o juízo, como serviremos de exemplo apenas exprimindo palavras mesmo essas sendo bíblicas? O maior exemplo damos pelo que as pessoas veem em nós, a expressão da vida, aquela vivida com amor, assim podemos mostrar com a nossa própria vida um verdadeiro filho de Deus.

Por mim, recebi com alegria o honroso convite do inesquecível irmão em Cristo e amigo leal Lucas Banzoli, para dar uma olhada aos originais dessa obra. Assim pude, antes do público leitor, maravilhar-me com o que aqui está escrito.

RAFAEL PARIS SCHESSOF

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 4

Page 5: O Mistério Do Castelo de Wartburg

O MISTÉRIO DO CASTELO DE WARTBURG

PRÓLOGO

Já era quase meia-noite. O dia tinha sido difícil. Paulo havia dado duro para conseguir estar ali, onde a história começou a ser escrita. E, agora, lá estava ele: preso, sem ter feito nada de mal que merecesse prisão. E ele não estava apenas preso: estava arrasado, decepcionado, inconformado. Isso não era justo. Ele só estava querendo ajudar nas investigações, e foi parar em uma cela fria, suja, sem a menor higiene, com bichos e sem nenhuma esperança. Sede, fome, frio, dor. Uma junção de todos os sentimentos que partiam sua alma amargurada. Foi quando ele clamou a Deus, em protesto:

– Senhor, o que foi que eu fiz para merecer isso? Eu sou teu servo, prego o evangelho, tento ser santo, oro, leio a Bíblia, gastei tudo o que eu tinha para vir até aqui... por que raios o Senhor me faz passar por isso? Isso é totalmente injusto! Eu não mereço isso! Por que os ímpios prosperam, tem sucesso e saúde, e eu sou tratado deste jeito? É isso o que eu ganho por servi-lo? Não vale a pena! Eu tento te agradar e fazer a tua vontade, estou pregando o evangelho, e ainda é deste jeito que você me retribui? Se for para ser assim, eu não mais buscá-lo nunca mais! Chega desta vida!

Enquanto Paulinho murmurava contra Deus, aos prantos e completamente inconformado, ele escuta de longe um corinho. Parou de murmurar, engoliu as lágrimas e passou a tentar escutar o que é que alguém estava cantando. Não foi difícil identificar a música, pois era um hino cristão, que Paulo conhecia desde muito tempo. O volume dos cânticos aumentava cada vez mais. Dessa vez, ele percebeu que não era apenas um homem cantando, mas dois. Ele não podia vê-los, apenas os ouvia, e os outros presos também os escutavam, calados e atônitos.

Sim, o nome de Deus estava sendo louvado naquela prisão. Independentemente de quem estivesse glorificando a Deus na cadeia, certamente estaria na mesma condição dele. Enquanto esses dois homens cantavam e os outros presos os ouviam, o carcereiro dormia, tomado pelo mais profundo sono. Foi quando, de repente, sobreveio um tão grande terremoto que os alicerces do cárcere se moveram, e logo se abriram todas as portas, e as correntes de todos se soltaram.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 5

Page 6: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Paulinho, sem perder tempo, saiu correndo, em disparada. Nem parou para ver quem estava cantando. Não parecia importante. O que importava, para ele, é que agora ele estava solto. E livre.

A CAMINHO DE UM SONHO

– Na semana que vem começaremos nossa excursão pela Europa. Iremos visitar os lugares históricos de maior importância no contexto da Reforma Protestante, que ocorreu no século XVI. Visitaremos o castelo de Wartburg, onde Lutero se escondeu da perseguição que sofria e onde traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão em apenas onze semanas. Também passaremos pelo mosteiro agostiniano onde Matinho Lutero estudou, pela igreja de Santa Maria onde ele pregava e por Worms, onde foi feita a famosa Dieta de Worms. Mas o ponto alto da viagem será pela igreja em que Lutero pregou suas 95 teses, em 31 de Outubro de 1517, no castelo de Wittenberg – disse o pastor Walter, da igreja em que Paulo congregava, animado com a excursão que seria feita no Domingo.

Paulo era um jovem cristão convertido há cinco anos, e com vinte e um já era muito interessado pela história da Igreja cristã. Seu livro preferido, a Bíblia, já tinha lido várias vezes, e se ocupava na leitura de livros cristãos, em especial os escritos dos Pais da Igreja e dos Reformadores. Lia, relia e anotava cada parágrafo importante, pois sabia que ele só estava ali porque um dia homens de Deus se levantaram para pregar o evangelho em um tempo sombrio, contra tudo e contra todos, muitas das vezes derramando seu próprio sangue. Gostava da vívida e real descrição de Tertuliano, no século II: “O sangue dos mártires é a semente de novos cristãos”.

Por isso, seria decididamente importante participar daquela excursão pela Europa, que começaria na Alemanha e se estenderia por uma semana, pela Inglaterra e pela França. Só havia um problema: o preço. A igreja tinha feito de tudo para conseguir custear a maior parte dos custos das viagens e hospedagens, mesmo assim uma parte teria que ser paga pelas próprias pessoas.

Paulo não era exatamente pobre, mas sua família constantemente passava necessidades. Sua mãe, dona Auzira, era dona de casa, e seu pai, seu Sebastião, ganhava dois salários mínimos para trabalhar dez horas por dia em uma indústria automobilística. Com o dinheiro ganho mensalmente, mal dava para pagar as despesas da família. O próprio Paulo ganhava um salário mínimo como estagiário, trabalhando de manhã. De tarde ele tinha que estudar, em uma faculdade pública. Como iria ajuntar todo o dinheiro necessário para a excursão?

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 6

Page 7: O Mistério Do Castelo de Wartburg

– Você vai para a excursão, Paulinho? – disse Marcos, o seu melhor amigo da igreja. Paulinho era como Paulo era chamado pelos colegas de trabalho, de faculdade e de igreja. Apenas sua família o chamava de Paulo.

– Eu quero muito ir, mas não tenho condições. Teria que trabalhar um mês inteiro para pagar todas as despesas, e ainda faltaria dinheiro.

– Se eu pudesse, emprestaria todo o dinheiro necessário. Mas estou tão duro quanto você. Apenas tenho o suficiente para a excursão. Ouvi dizer que há uma vaga de emprego para entregar panfletos a tarde inteira, por vinte reais por dia. É uma pena que você tenha faculdade neste período.

Paulo pensou bem. Era verdade que ele tinha aula à tarde, mas poderia faltar uma semana que não iria reprovar por isso. Por outro lado, ele nunca havia trabalhado nisso. Entregar panfletos era uma realidade totalmente diferente para ele. Nunca havia pensado que poderia fazer isso um dia. Vinte reais por dia durante uma semana não era tudo o que ele precisava, mas já era alguma coisa. Poderia cortar gastos e juntar o dinheiro necessário.

Ele pensou bem na ideia, até que decidiu topar. Conseguiu aquela vaga e passou a entregar folhetos a tarde toda, exposto ao maior sol do dia. No final da semana, pediu um adiantamento de onde trabalhava de manhã, juntou ao que já tinha e teve o extraordinário gosto de saber que havia conseguido o suficiente para ir à excursão!

Havia trabalhado duro para isso, e até passado por algumas humilhações. Mas, no fim das contas, tinha valido a pena. Afinal, agora ele iria presenciar na prática aquilo que apenas imaginava como era. Iria ver com os próprios olhos aquilo que apenas lia sobre. Iria ver a história se passar diante de seus olhos, revivendo os fatos do passado. Iria retornar ao ponto onde toda a Reforma começou, onde teve início essa nova página na história do Cristianismo.

– Se apressem todos, partiremos em dez minutos – disse a irmã Sara, uma das diaconisas da igreja.

Já era Domingo, e Paulo havia esperado tanto por aquele momento. Entrou naquele ônibus que partiria para o aeroporto como se estivesse dando um passo para a glória. Aproximadamente cem jovens de várias igrejas iriam se reunir nessa excursão. Mas, de todos eles, Paulinho era certamente o mais animado. No dia, era como se todo o esforço empreendido para chegar até ali não tivesse sido nada. Sentou-se ao lado de Marcos no último banco do ônibus.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 7

Page 8: O Mistério Do Castelo de Wartburg

No banco da frente estavam Melissa e Andressa, duas grandes amigas que tinham muito pouco em comum. Melissa era quieta, tímida, só falava com quem era de seu círculo de amizade. Por isso mesmo, pouco falava com Paulo. Talvez seja a única pessoa da igreja que não o chamava por “Paulinho”, mas por Paulo mesmo. Isso quando falava, porque na maioria das vezes apenas cumprimentava. Já Andressa era elétrica, falava com todo mundo de um modo que parecia íntima de todos. Marcos não a suportava. Paulo ainda tinha mais paciência.

– Tomara que você não apronte nada desta vez, Paulinho! – disse ela brincando, lembrando do que ocorreu quando houve uma gincana no grupo de jovens, em que ele deletou os arquivos do computador da igreja por engano e acabou com a brincadeira sobre perguntas bíblicas.

– Você devia ter ficado feliz, pois estava em último lugar! – lembrou Paulinho, também em tom de brincadeira.

Neste momento ele vê Henrique, um garoto mais jovem que ele, mas profundamente exibido e arrogante, entrando no ônibus. Geralmente ele costumava implicar com Paulo e Marcos, que tentavam não ligar para as suas provocações. Ninguém sabia se ele era convertido de verdade. De fato, ninguém sabia se ao menos ele tinha feito uma profissão de fé, apenas frequentava os cultos de Domingo, junto a seu amigo Thiago, da mesma índole que ele.

Há alguns meses, desde que ele começou a frequentar o culto, alguns objetos da igreja começaram a desaparecer. Primeiro foi o candelabro que a igreja usava de forma decorativa. Depois foi uma guitarra de um dos integrantes do grupo de louvor. Até a Bíblia do pastor Walter havia desaparecido. Ninguém ousava encarar Henrique ou acusá-lo destes crimes, mas todos desconfiavam dele e contavam entre eles que ele poderia ser culpado, ou que provavelmente tinha alguma coisa a ver com os sumiços repentinos de alguns objetos da igreja. Como de costume, ele mal entrou no ônibus e já foi encarando Paulo e Marcos:

- Aí estão os dois trouxas, quero dizer, amigos.

Paulo e Marcos não respondiam, mas guardavam silêncio. Na maioria das vezes ignoravam ou fingiam não perceber a presença de Henrique, mas às vezes Marcos perdia a paciência com ele e retrucava na mesma moeda. Desta vez, eles foram interrompidos pelo pastor Walter, que acabou com todo o falatório no ônibus para anunciar as regras da excursão.

– Ninguém pode se afastar, em nenhuma circunstância, de mim e do resto do grupo. Para qualquer coisa, como ir ao banheiro ou comer algo, me

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 8

Page 9: O Mistério Do Castelo de Wartburg

consulte primeiro. Lembrem de levar seus celulares, mas se vocês se perderem na Alemanha será muito difícil encontrá-los. Não vamos nos responsabilizar pela irresponsabilidade de ninguém. Não conversem nem façam nada a ninguém que não seja do grupo. E lembrem-se que lá vocês estarão sujeitos à lei deles. Evitem ao máximo fazer qualquer coisa que perturbe a ordem, sejamos luz e exemplo para todos.

O pastor Walter geralmente era sorridente e andava de bom humor, mas às vezes sabia ser rigoroso e rígido no uso de sua autoridade na igreja. Ninguém questionava sua liderança, pois agia com temor e tremor. O ônibus partiu e chegou ao aeroporto. De lá, seriam mais doze horas de viagem até a Alemanha. Um longo percurso, que aguardava perigos muito maiores.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 9

Page 10: O Mistério Do Castelo de Wartburg

NA ALEMANHA

Depois de doze longas horas de viagem, Paulo e todos os demais da excursão chegaram a Wartburg, cidade que seria o local da primeira parada: o castelo de Wartburg.

– O que exatamente esse castelo tem de tão importante? – perguntou Renato, outro amigo de Paulo, que não sabia ao certo o que estava fazendo ali, apenas foi porque seus amigos foram.

– Aqui foi onde Martinho Lutero se refugiou, depois da Dieta de Worms – respondeu Paulo.

– Qual foi essa dieta que o Worms fez? E quem é esse Lutero?

Pelo jeito, o desconhecimento de Renato era mais gritante que o que se pensava. Mas Paulo era calmo, e passou a explicar-lhe resumidamente a questão.

– Martinho Lutero foi um monge alemão nascido no século XVI, que, inconformado com a venda de indulgências que a Igreja praticava em sua época, redigiu 95 teses e deu início à Reforma Protestante.

– O que eram as indulgências?

– Indulgência era o perdão dos pecados que a Igreja Católica concedia a um pecador. Naquela época, ela vendia indulgências, ou seja: vendia o perdão dos pecados e a salvação. Eles diziam que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, uma alma sairia voando do purgatório para o Céu. Lutero não se conformava com isso, e respondeu:

“Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências. E deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus”.

Paulo, então, leu algumas das 95 teses de Lutero, onde este dizia:

“Por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 10

Page 11: O Mistério Do Castelo de Wartburg

causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante? Por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus; porém, por que não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito? Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?”

– E foi por isso que Lutero quis reformar a Igreja?

– Esse foi o começo. Ele pensava que, se o papa soubesse das exaltações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a basílica de São Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas. Mas o papa, ao invés de reagir aos abusos dos vendedores de indulgências, decidiu reagir contra o próprio Lutero, e o excomungou da Igreja. Quando Lutero soube que o papa estava envolvido na venda de indulgências e que era cúmplice de todo esse abuso existente na Igreja, ele passou a condenar o papa também.

– Apenas uma única coisa eu não entendi. Qual foi essa dieta que Worms fez? Ele conseguiu emagrecer mesmo? E o que isso tem a ver com Lutero?

Marcos, já irritado com a estultice de seu amigo Renato, tomou a palavra e disse:

– Cara, Worms não é uma pessoa, é uma cidade alemã. E essa “dieta” não foi uma dieta alimentar. O significado primário de dieta é “uma assembleia política onde se discute o interesse de diversos Estados nela representados”. No caso específico da Dieta de Worms, ela foi uma reunião de cúpula oficial, governamental e religiosa, chefiada pelo imperador Carlos V, na cidade de Worms, em 1521. Lutero foi intimado por esse imperador a participar dessa Dieta para renegar suas convicções religiosas que eram contrárias a Igreja de Roma, a igreja oficial do Estado. Mas ele, ao invés de renegar sua fé, disse:

"Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão, porque não acredito nem no papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável. Não posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus me ajude!”

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 11

Page 12: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Paulo continuou, contando o final da história:

- Lutero seria condenado por heresia e, muito provavelmente, seria morto na fogueira da Inquisição, como eram os demais que eram considerados “hereges” em seu tempo. Mas, quando estava voltando de Worms para retornar a Wittenberg, o príncipe-eleitor da Saxônia, Frederico, ordenou que Lutero fosse capturado por um grupo de homens mascarados a cavalo, conferindo-lhe guarda no isolado castelo de Wartburg, onde estamos agora. Aqui Lutero traduziu a Bíblia do latim para o alemão, para que o povo pudesse ler as Escrituras em sua própria língua. Ele estava tão inflamado pelo desejo de que o povo pudesse ler a Bíblia que traduziu o Novo Testamento inteiro do latim para o alemão em dois meses e meio.

Sem mais perguntas, Renato fingiu que tinha entendido tudo e não esboçou mais perguntas. Enquanto eles estavam explicando cada uma dessas informações a Renato, Henrique prestava uma atenção descomunal em tudo aquilo. Não abria a boca, mas Paulo percebeu que tinha algo a mais ali. Depois de ouvir atentamente cada palavra que Paulinho e Marcos diziam, ele exclamou:

- Eu quero entrar nesse castelo de Wartburg!

- Não pode, hoje ele está fechado para visitas.

Henrique fez uma cara descontente, visivelmente irritado por ouvir essa negativa. Mas não respondeu nada. Ficou pensativo e observou bastante o local. Depois, seguiu seus colegas para o próximo destino, que seria o castelo de Wittenberg. Todos estavam seguindo o pastor Walter, mas, como eram muitos, se dividiam em pequenos grupos de amigos. Paulo estava junto a Marcos, Renato, Melissa e Andressa, com Henrique e Thiago próximos, os irritando quando tinham oportunidade. Quando já estavam quase chegando ao castelo de Wittenberg, pararam em uma praça e lá viram alguém jogado ao chão, perto de um assento de madeira, em péssimas condições. Não era possível ver seu rosto, mas parecia ser um mendigo.

- Mas mendigo na Alemanha? – indagou Melissa.

- Nem todo país é tão de primeiro mundo quanto parece – respondeu Andressa.

- Thiago, tira uma foto, encontramos um mendigo na Alemanha! – ordenou Henrique ao seu amigo.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 12

Page 13: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Thiago tirou uma foto com uma câmera Polaroid, daquelas máquinas fotográficas antigas, em que a foto sai revelada na hora. Não satisfeito com a foto, Henrique chegou mais perto e deu um chute fraco no mendigo, para ver se ele se levantava ou esboçava alguma reação. Mas nada.

- Sai daí, Henrique! – gritou Marcos, indignado com aquela cena patética.

- Temos que ajudar esse homem, vamos fazer alguma coisa por ele – insistia Andressa.

- Melhor não, lembre-se das palavras do pastor Walter: “não conversem nem façam nada a ninguém que não seja do grupo”. Ele não é do grupo, ou é? – respondeu Paulo.

- Mas ele pode estar precisando de ajuda. Vamos levá-lo a um hospital ou sei lá onde – ainda insistia Andressa.

- Hospital? Nem sabemos onde tem um hospital aqui na Alemanha. E isso nos faria sair completamente do curso da nossa excursão. Vamos sair rápido daqui, pois o resto do grupo já está tomando distância, mal consigo ver o pastor Walter daqui. Se ele perceber que estamos parados e desobedecendo suas ordens, iremos retornar ao Brasil sem entrar no castelo de Wittenberg!

Sem conseguir refutar as palavras intransigentes de Paulinho, Andressa teve que se conformar, a contragosto. Deixaram o mendigo onde estava e correram para alcançar o restante do grupo antes que levassem uma bronca do pastor Walter, que já estava muito à frente. Finalmente, chegaram à porta da igreja de Wittenberg. O pastor não perdeu a oportunidade e fez algumas declarações ao chegar:

- Pessoal, este aqui é um local histórico. Vocês estão na frente do local onde, há quinhentos anos, começou a Reforma Protestante. Vocês estão onde Martinho Lutero pregou suas 95 teses contra a venda de indulgências. Vocês estão onde a história começou a ser escrita...

E ele continuava aquele discurso formal por longos minutos. Enquanto isso, Paulo se deu conta do sumiço de Henrique e Thiago. Olhando por todas as partes, não conseguia encontrá-los em lugar nenhum. Deu um toque em Marcos e perguntou se ele sabia para onde aqueles dois foram. Ele também se assustou quando viu que eles haviam desaparecido. Por mais que aqueles dois os irritassem não poucas vezes, eram da igreja, eram irmãos, tinha uma certa consideração e afeto por eles. Foi quando Paulo teve uma ideia e exclamou:

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 13

Page 14: O Mistério Do Castelo de Wartburg

- Já sei! Eles devem ter voltado para bater mais naquele mendigo de rua. O Henrique só parou quando você o impediu, mas com certeza eles só estavam esperando o resto do grupo avançar para que eles pudessem voltar e fazer o que quisessem com ele. Vou atrás deles agora!

Paulinho deixou Marcos e saiu em disparada para alcançar Henrique e Thiago, pelo mesmo trajeto de onde tinham vindo. Eram cinco minutos de distância, que ele correu o mais rápido que suas pernas lhe permitiam. Afinal, não queria perder de vista o resto do grupo.

Finalmente, chegou ao local onde antes estava o mendigo. Olhou ao redor e... nada. Nem sinal do mendigo, de Henrique ou de Thiago. Pensou se aquele era o local exato. Talvez fosse apenas parecido. Não era possível que não houvesse mais ninguém. Aquele mendigo não parecia ter forças para se levantar sozinho, e nem se mexeu quando foi anteriormente chutado por Henrique. Com certeza aqueles dois haviam levado aquele mendigo para sabe-se lá onde, para fazer com ele sabe-se lá o que.

Tentando se aventurar na tentativa de encontrar os três, ele deu voltas no local. Não achava nem uma única alma vivente. De vez em quando passava por ali algumas pessoas, mas não era possível se comunicar com elas. Não sabia falar inglês para que pudesse dialogar com os alemães, e muito menos sabia o próprio alemão! Sabendo disso, uma luz veio repentinamente na cabeça de Paulo:

- Eles estão no castelo de Wartburg!

Ele se lembrou do modo pelo qual Henrique olhava ambicioso para aquele castelo, que era rico em grandeza e em formosura, e também em sua descontentação ao saber que não podia entrar naquele dia. Henrique era obstinado, e ia atrás de tudo o que queria, até que conseguisse aquilo que buscava. Não aceitava um “não” como resposta. E era muito estranho que ele não tivesse respondido nada depois de ter recebido um “não” naquela ocasião. Para Paulinho, isso só podia significar uma coisa: ele e Thiago levaram o mendigo para dentro do castelo de Wartburg! Ele não sabia como eles teriam conseguido entrar, mas Henrique era astuto, certamente deveria ter arranjado algum meio.

Mas tinha um problema: Wartburg ficava a trinta minutos de Wittenberg – e isso se ele corresse muito! Se ele fosse até lá, poderia voltar e não encontrar o grupo. Estaria perdido na Alemanha, sem saber falar alemão nem inglês. Pelo menos tinha uma esperança: seu celular. Bastaria uma ligação e pronto: alguém iria buscá-lo em Wartburg. O pastor Walter com certeza ficaria indignado, mas era um risco que ele teria que correr. Além disso, se ele fosse bem rápido, talvez pudesse chegar a Wartburg antes de Henrique. Se

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 14

Page 15: O Mistério Do Castelo de Wartburg

eles estavam mesmo carregando um mendigo na rua, não iriam conseguir chegar lá tão cedo. Bastaria dez ou quinze minutos de corrida a pé que Paulo poderia alcançá-los facilmente. Ele pensou sobre tudo isso, e decidiu: ia correr na direção deles. Ao castelo de Wartburg.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 15

Page 16: O Mistério Do Castelo de Wartburg

NO CASTELO DE WARTBURG

Paulo começou a correr em disparada. Se ele tinha mesmo razão, não demoraria mais que quinze minutos para alcançá-los. Depois, seria só livrar o mendigo das mãos deles e levá-los já ao pastor Walter, para dar uma bela de uma bronca neles, e ainda por cima premiá-lo como o “herói” do dia. Um final típico de filme, que Paulinho esperava alcançar. O que ele não contava era que, depois de dez minutos correndo sem parar, ele não encontrasse ninguém. Já sem tanto fôlego, começou a correr mais devagar. Outros dez minutos, e nada. Quinze, e nada. Vinte, e nada. Depois de quase quarenta e cinco minutos correndo, Paulo havia chegado ao castelo de Wartburg, sem encontrar ninguém pelo caminho, que ao menos levantasse suspeitas de Henrique, Thiago ou do mendigo.

Desesperado e decepcionado, ele pegou seu celular, para admitir o fiasco e dizer para o pastor Walter ficar tranquilo, que ele já estaria voltando. Pegou o celular. Não demorou muito para se deparar com uma notícia que o tirou do sério: havia acabado a bateria do celular. Ele havia esquecido de desligá-lo durante toda a viagem a Alemanha, e não tinha mais bateria, nem carregador. Irado, ele perdeu a paciência e lançou o celular ao chão. Ele se espatifou completamente, se fazendo em pedaços. Havia caído sobre uma rocha, e bateu contra ela com toda a violência.

Paulinho ficou em pânico. Sua raiva era maior do que o que ele esperava. Havia lançado seu celular ao chão com uma força descomunal. Já tinha ficado com raiva antes, mas nunca ao ponto de quebrar seu celular. E pior: na hora em que ele mais precisava dele. Sem celular, longe de Wittenberg e sem o mesmo fôlego para fazer o mesmo trajeto dentro de apenas quarenta e cinco minutos, ele sabia que teria que voltar naquele mesmo momento se quisesse ter alguma chance de rever seus amigos.

Quando já estava quase retornando, ele vê um homem jogado ao chão, ao longe, em uma ponte. Era impossível saber se era o mesmo mendigo que você estava procurando, mas dois mendigos na Alemanha já era coisa demais para ser mera coincidência. Seu espírito aventureiro falou mais alto e ele decidiu esperar mais um pouco antes de voltar. Iria apenas confirmar se era ou não o mesmo mendigo que estava naquela ponte, e, quem sabe, achar algum sinal de Henrique e Thiago.

***

A ponte ficava próxima ao castelo de Wartburg. Aquele homem estava deitado ao canto dela, e abaixo dela havia um grande rio. Chegando mais

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 16

Page 17: O Mistério Do Castelo de Wartburg

perto, você percebeu que aquele homem não era o mesmo mendigo que foi visto anteriormente. Na verdade, ele nem mesmo era um mendigo. Estava bem vestido, cabelo feito, sapato de marca, e até um chapéu elegante. Mas estava largado numa uma ponte, por qualquer razão. E isso não era tudo: aquele homem sofria de epilepsia. Estava tendo convulsões ali, se revolvendo no chão.

Paulo percebeu que ele trazia alguma coisa em seu paletó. Erguendo a mão, tomou daquele homem aquilo que parecia ser uma foto. Quando virou e viu o que era, tomou um susto: era a foto que Thiago tinha tirado do mendigo! Era até possível ver Melissa ao canto direito e Marcos ao canto esquerdo da foto, com o mendigo caído no meio. Paulo não teve dúvidas: Henrique e Thiago estavam por perto.

Ele se lembrou de que não era possível ver a cara daquele mendigo. Podia ser o mesmo, com roupa trocada. Quando Henrique e Thiago perceberam que aquele homem sofria de epilepsia, teriam ficado com medo e o largado perto do castelo, para depois tentarem invadi-lo. Devia ser isso. Mas havia um problema: como que aqueles dois iriam conseguir trocar a roupa de um mendigo e vesti-lo com outra? Não tinha sentido. Só havia um único jeito de saber: entrando no castelo de Wartburg.

***

Paulo geralmente não era de quebrar regras ou infringir a lei. Zelava por guardar a Lei de Deus e a as leis dos homens. Mas, nessa circunstância, isso não parecia que deveria ser levado em conta. Então, deixou aquele homem epilético ali mesmo no chão e foi em direção ao castelo de Wartburg.

Entrar naquele castelo não era nada fácil. Afinal, ele fica a 400 metros acima do nível do mar. Teria que subir as escadas durante um bom tempo se quisesse chegar lá, e, depois, teria que ter muito mais sorte se quisesse arranjar algum jeito de entrar. Após vários minutos subindo as escadas, chegou à porta: fechada. Havia apenas um guarda montando vigia. Pela porta principal não teria como entrar. Se Henrique e Thiago entraram no castelo, com certeza eles fizeram um outro caminho.

Olhando por todas as partes, Paulo percebeu que na parte lateral do castelo havia várias janelas. Eles teriam que ter escalado o muro se quisessem chegar às janelas – e contar com a sorte de que uma delas estivesse aberta. Mas isso não seria nenhum empecilho para a mente audaciosa de Henrique. Paulo, então, se dirigiu ao canto, buscando escalar o muro até chegar às janelas. Viu que uma delas estava aberta. Todas as outras fechadas. Se eles tinham entrado por algum lugar, seria com certeza ali. Tentou ir com calma, discretamente, para não causar suspeitas ao policial que guardava vigia.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 17

Page 18: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Chegando mais perto, percebeu que aquele muro era muito mais alto do que parecia de longe. Parecia quase impossível que alguém conseguisse escalá-lo a mãos, sem ajuda de nenhum equipamento. Paulo tentou escalar pelo menos uma vez, mas, antes que pudesse chegar à metade, caiu. Por sorte, o que havia abaixo era grama, que abafou a queda, a dor e o barulho. Mas não o suficiente para que não chamasse a atenção do guarda.

Paulo percebeu que havia dado suspeitas ao guarda, e que ele estava se aproximando. Tentou se abaixar o que pôde para se esconder entre os galhos de uma árvore. O guarda se aproximava cada vez mais. Olhou para a direção onde Paulo estava, mas não fixamente a ele. Deu mais um passo à frente. Paulinho suou frio. Se fosse descoberto, seria preso e não teria como se explicar. Tentando se agachar um pouco mais, fez um barulho entre os galhos. Levantou mais suspeitas. O guarda se aproximou ainda mais.

Para a sorte de Paulo, ele estava com uma camisa verde, que servia de camuflagem entre a grama. O guarda, desconfiado, olhou mais um pouco e decidiu voltar. Talvez tivesse sido apenas um bicho, deve ter pensado. Paulo reuniu forças para sair dali. Não podia voltar pelo mesmo local de onde veio, ou iria levantar mais suspeitas. Decidiu dar a volta. Seria muito perigoso, mas parecia a única alternativa. Para o seu desespero, começava a chover. O dia já estava escurecendo, talvez já fosse seis da tarde.

Paulinho, agora, estava mais do que em apuros: estava longe de casa, longe dos amigos, sem celular, sem ter como se comunicar com os outros e preso na parte de fora de um castelo. A situação piora quando ele vê que seria impossível continuar a volta ao castelo. Havia uma declinação de dez metros, embora Paulo não conseguisse ver onde era o chão. Já machucado com a última queda, decidiu não arriscar mais. Iria voltar e esperar o turno do guarda acabar, para que pudesse sair dali e esquecer de uma vez por todas essa história, torcendo para que o grupo ainda estivesse em Wittenberg.

Sob chuva, frio e dor, ele esperou embaixo daquele mesmo galho que antes esteve ao se esconder do guarda, montando vigia, para ver quando ele iria sair. Demorou meia hora para que isso acontecesse. Aproveitando a oportunidade, saiu dali o mais rápido possível, desceu as escadas e correu. Chegando ao local onde antes estava com o homem epilético, próximo a ponte, viu uma estranha movimentação. Eram ambulâncias, que chegaram tarde demais. Aquele homem havia morrido.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 18

Page 19: O Mistério Do Castelo de Wartburg

FIM DA LINHA

Marcos estava preocupado. Seu melhor amigo havia saído e não tinha voltado mais. Será que estava perdido na Alemanha? Teria sido sequestrado? Algum bandido havia feito algo mal a ele? Não sabia. Esperou meia hora para que ele voltasse. Se possível, com Henrique e Thiago. Enquanto isso, o pastor Walter continuava com seus sermões:

- ...Vocês estão onde a história começou a ser escrita. Mas o que realmente deve ser questionado é: o que você tem feito para reformar sua própria vida? Nós somos a Igreja, o Corpo de Cristo. Cada um de nós somos membros deste corpo. Como corpo, devemos crescer, amadurecer, buscarmos a Deus, a santificação, o domínio próprio, o amor. Não devemos buscar apenas o nosso próprio bem, mas pensarmos no próximo mais do que em nós mesmos. Devemos orar pelos cristãos que estão presos injustamente como se nós mesmos estivéssemos presos com eles. Devemos ajudar o pobre, o órfão, a viúva e o necessitado como se fôssemos nós mesmos que estivéssemos ali, naquela situação. Devemos reformar continuamente o nosso próprio coração, transformar o nosso modo de pensar, renovarmos a nossa mente. Devemos Reformar a Igreja, começando por nós mesmos. A Reforma não foi apenas um grande ato do passado, sem nenhum reflexo para os séculos seguintes. A reforma deve ser contínua, devemos sempre olhar para frente e não nos cansarmos de fazer o bem, pois no tempo certo colheremos, se não desanimarmos. A Igreja é reformada quando os cristãos são reformados. Quando eu e você morremos para nós mesmos para vivermos por Cristo. Quando não lutamos pela nossa própria satisfação pessoal, mas pelo bem do próximo. Quando tudo o que temos e tudo o que somos de nada vale, se não tiver amor. Senão, a Reforma terá sido em vão. E em vão as nossas vidas.

O pastor Walter não havia terminado ainda, mas Marcos já havia esgotado sua paciência em esperar Paulo. Já havia se passado mais de meia hora, e, se ele não fizesse nada, poderia perder o seu amigo para sempre. Decidiu que iria atrás dele. Deixou o grupo e começou a correr. Chegou ao local onde estava antes o mendigo, mas não achou ninguém. Continuou pelo caminho, em direção a Wartburg. Quando já estava quase chegando, começou a chover.

Marcos procurou algum lugar onde pudesse se abrigar, fugindo da chuva. Mas, no lugar, o que encontrou foi o celular de Paulo. Estava quebrado, partido ao meio. Se a situação já era crítica, com isso ficava ainda pior. Quem teria quebrado o celular de Paulo? As suas suspeitas de que seu amigo teria sido sequestrado começavam a se confirmar. O sequestrador

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 19

Page 20: O Mistério Do Castelo de Wartburg

teria se livrado de qualquer vestígio de Paulinho, jogando seu celular ao chão. Começou a gritar:

- Paulinho! Paulinho! Você está aqui?

Algumas pessoas que passavam na rua olhavam assustadas, provavelmente sem entender o que estava sendo dito, mas ninguém respondia coisa alguma. Nem sinal de Paulinho. Se os sequestradores tinham levado seu amigo, ele não devia estar muito longe dali, onde seu celular foi encontrado. Talvez o tivessem levado a algum matagal. Olhou para frente, e não era difícil ver a extensa área verde em torno do castelo de Wartburg. Teriam levado Paulo ao castelo? Não sabia. Mas valia a pena conferir.

***

Paulo estava chocado. Aquele homem estava morto, e ele não havia feito nada para ajudá-lo. No lugar, quis correr ao castelo de Wartburg, o que não lhe foi nem um pouco útil. Sentiu-se culpado, mas já não havia nada que pudesse ser feito agora. Teria que voltar rapidamente a Wittenberg, se ainda quisesse ter alguma chance de encontrar o grupo. Foi quando ele escutou alguns gritos ao longe, pouco perceptíveis, que diziam:

- Paulinho! Paulinho! Você está aqui?

Era seu nome! E, por tê-lo chamado por “Paulinho”, com certeza só podia ser alguém do grupo. Agora sim ele tinha certeza de suas dúvidas: Henrique realmente estava ali, vigiando-o desde o início, tramando alguma coisa, como sempre. Agora estava tentando assustá-lo. Mas onde? Onde estaria Henrique? Não era possível discernir ao certo de onde vinha aquela voz. Se pudesse apostar em algum lugar, diria que vinha do castelo. Voltou seus olhos novamente a ele, até que viu um garoto correndo as escadarias que davam para a porta principal, a mesma por onde ele já havia ido e votado. Era isso: ele finalmente o tinha encontrado!

Paulo foi correndo atrás dele. Se fosse rápido, poderia alcançá-lo e lhe dar uma bela de uma lição. Chegou ao primeiro degrau quando o outro garoto já estava quase lá em cima, tão rápido que corria. Paulinho não conseguia seguir o mesmo ritmo, pois havia se cansado muito com tudo isso, além de estar mancando, ainda com fraturas por causa da queda. Queria pelo menos não perdê-lo de vista. E isso ele conseguiu até chegar ao topo. Quando chegou, não viu mais ninguém. Seja lá quem tenha corrido, tomou um dos dois lados. Pelo meio não teria ido, pois a porta estava fechada. Ele poderia ter ido à esquerda, como o próprio Paulo tinha feito antes, ou tomado a direção oposta.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 20

Page 21: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Uma dúvida cruel. Paulo decidiu ir pela esquerda.

Seguiu o mesmo caminho que já tinha ido anteriormente, visando a mesma janela que continuava aberta. Sabia que não teria como chegar lá, mas se Henrique tivesse ido pela esquerda não poderia chegar a outro lugar. Paulo tentou se desviar dos galhos de árvore. Chovia e já estava anoitecendo, o que piorava sua visão. Viu um movimento à frente.

- Henrique? É você?

Neste instante, alguém o agarra por trás e o joga ao chão. Não teve tempo para pensar. Essa queda pareceu pior do que a última.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 21

Page 22: O Mistério Do Castelo de Wartburg

NA PRISÃO

Marcos correu o mais rápido que pôde, tão grande que era sua preocupação por Paulo. “A vida dele depende de mim”, pensava ele, enquanto corria. Chegou ao topo e se deparou com uma porta fechada. Não tinha o que fazer. Era tomar a esquerda ou a direita. Sem muito tempo para pensar, preferiu seguir pela direita. Enquanto ele corria, viu um policial chegando ao posto. Marcos chegou a um lugar sem saída. Decepcionado, preferiu retornar. Era perigoso demais entrar no castelo de Wartburg. Não acreditou que por algum momento realmente achou que tivessem levado Paulinho ao castelo. “Que ideia absurda”, ele disse.

***

Era a hora da mudança de turno. Um vigia noturno tomaria o lugar daquele que guardava vigia à tarde. Ele havia se atrasado um pouco, mas finalmente chegou. E, pelo jeito, já teria trabalho deste cedo, pois viu um jovem correndo para uma área proibida, no meio do matagal. Foi atrás dele. O jovem gritou algumas palavras sem sentido. O guarda entendia apenas o alemão. Aquele jovem poderia ser um traficante, falando em códigos com alguém. Havia parado no meio do mato. O guarda não hesitou: o deteve, lançou ao chão e deu voz de prisão.

Disse para se identificar, mas aquele jovem não respondia nada. Falava algumas coisas sem sentido, talvez fosse outro idioma. Para confirmar, tomou a liberdade de pegar sua carteira de identidade. Descobriu que ele era da “República Federativa do Brasil”. Seria um traficante brasileiro ou só mais um imigrante ilegal? Não sabia. Mas o pôs na cadeia até averiguar o caso.

***

Paulinho foi levado até uma prisão. Não sabia onde estava, só sabia que foi levado em uma viatura até uma cadeia, onde foi jogado em uma cela particular. De lá, ele começou a chorar e a clamar, dizendo:

– Senhor, o que foi que eu fiz para merecer isso? Eu sou teu servo, prego o evangelho, tento ser santo, oro, leio a Bíblia, gastei tudo o que eu tinha para vir até aqui... por que raios o Senhor me faz passar por isso? Isso é totalmente injusto! Eu não mereço isso! Por que os ímpios prosperam, tem sucesso e saúde, e eu sou tratado deste jeito? É isso o que eu ganho por servi-lo? Não vale a pena! Eu tento te agradar e fazer a tua vontade, estou pregando o evangelho, e ainda é deste jeito que você me retribui? Se for assim, então eu não mais buscá-lo nunca mais! Chega desta vida!

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 22

Page 23: O Mistério Do Castelo de Wartburg

***

Por volta da meia-noite, aqueles dois homens estavam orando e cantando hinos a Deus, e os outros presos os ouviam. De repente, houve um terremoto tão violento que os alicerces da prisão foram abalados. Imediatamente todas as portas se abriram, e as correntes de todos se soltaram. O carcereiro acordou e, vendo abertas as portas da prisão, pegou sua arma para se matar, porque pensava que os presos tivessem fugido. Mas um daqueles homens gritou:

- Não faça isso! Estamos todos aqui!

***

Paulinho, sem perder tempo, saiu correndo, em disparada. Nem parou para ver quem estava cantando. Não parecia importante. O que importava, para ele, é que agora ele estava solto. E livre. Mas para onde ele iria? Ele estava perdido, em algum lugar da Alemanha. Não sabia falar inglês nem alemão. Estava chovendo, e ele estava ensopado dos pés à cabeça. Ainda mancava e sentia fortes dores. Não bastasse a primeira queda, essa segunda o pegou desprevenido, quase quebrou a coluna. Foi dor sobre dor. Sua camisa já estava rasgada, seu cabelo despenteado, sua calça marcada pela lama da terra, parecia um mendigo. E ele já estava exausto de tudo isso, caindo de sono.

Para onde ir?

Não tinha o que fazer, nem para onde ir. Decidiu se entregar ao sono e à má sorte. Caiu perto de um assento de madeira naquela praça. E seja o que Deus quiser.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 23

Page 24: O Mistério Do Castelo de Wartburg

À ESPERA DE UM MILAGRE

Era dia de trabalho. Seu Frederico, de 52 anos, se levantou cedo, às seis da manhã. Tomou um banho, tomou seu café da manhã, deu um beijo em sua esposa Antonina e foi ao serviço. Ele trabalhava no campo, no setor agropecuário. Estava muito feliz naquela semana, pois recentemente se tornara avô. Seu filho Isaac lhe dera uma neta, de nome Margarete. Com menos de uma semana de vida, tinha olhos verdes e um sorriso lindo, que conquistava qualquer um.

Ser avô era a realização de um sonho. Os médicos diziam que ele não iria passar dos quarenta, porque sofria constantemente de ataques epiléticos. Por mais que ele fizesse tratamento com medicamentos, muitas vezes acabava tendo convulsões em casa, no serviço, e, às vezes, até mesmo na rua. Por isso, era importante que ele contasse sempre com pessoas de bem, que o ajudassem quando ele mais precisasse. E, graças a Deus, até ali ele tinha chegado aos cinquenta e dois anos firme e forte. Nem suas convulsões, nem sua idade, o impediam de ir trabalhar com alegria, sustentar sua família e frequentar a igreja.

No horário de almoço ele foi até a praça comer algo. Depois, decidiu ligar a seu filho Isaac. Perguntar como estavam as coisas, se precisava de algo, se queria alguma ajuda. Sempre se prontificava a ajudar seus filhos e sua esposa, em tudo o que fosse necessário. No meio do caminho, ele viu uma foto caída no chão. Tomado por uma estranha curiosidade, se abaixou e olhou. Era uma foto de um mendigo, deitado naquela praça. Mas o mendigo não estava mais lá. Como ele gostava de ajudar as pessoas, decidiu ficar com a foto para ele, para quem sabe identificá-lo um dia e se lembrar de ajudá-lo, caso um dia visse aquele mendigo pessoalmente.

Então, ele colocou aquela foto em seu paletó, entrou no carro e continuou conversando com seu filho por celular. Até que seu Frederico parou de responder. De repente, teve uma nova convulsão. Já fazia dois meses que isso não acontecia, e parecia bom demais para ser verdade. Seu filho, Isaac, percebeu na hora o que estava acontecendo e acionou a ambulância, que ainda tardaria a chegar ao local.

Frederico, com dificuldades, parou o carro, pois não tinha a menor condição para atravessar a ponte. Deixou o carro e se arrastou até o canto da ponte, para ver se alguém o ajudava. Se ele continuasse dentro do carro, ninguém poderia fazer nada por ele. Ficou algum tempo se contorcendo ali na ponte, sem ninguém dar atenção. Poucas pessoas passavam por perto, e as que

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 24

Page 25: O Mistério Do Castelo de Wartburg

passavam estavam ocupadas demais com outras coisas para darem atenção a ele.

Até que ele viu um jovem se aproximando. Não conseguia dizer uma palavra, mas, se pudesse, teria abraçado aquele garoto e dito um “Deus te abençoe”, por ter sido o único a ir prestar ajuda àquele velho carente e necessitado. Ele sempre ajudava quem precisava, e agora estava sendo ajudado também. Mas aquele jovem, ao invés de tirá-lo dali, chamar alguém, acionar a ambulância ou prestar socorro, preferiu tomar dele aquela foto que ele trazia em seu paletó. E, depois de analisá-la com um espanto e admiração fora do comum, foi embora. Deixou-o no mesmo lugar, como um ninguém, sofrendo sozinho e desamparado.

***

Dona Antonina era uma senhora simpática e alegre. Era feliz com o marido que tinha e com a vida que Deus lhe deu. E, assim como seu marido, ela também tinha um motivo especial para estar feliz naquela semana, que era o nascimento de Margarete. Todos os dias que seu marido ia trabalhar ela orava para que pessoas boas e de bom coração o ajudassem, caso seu marido fosse acometido por alguma nova convulsão. E ela contava os minutos para vê-lo de volta, ao chegar em casa.

Mas naquele dia ela teria uma notícia diferente, que lhe partiria o coração.

- Dona Antonina, por favor, a senhora é a esposa de Frederico Tetzner Schmidt?

Pelo tom de voz de quem estava falando do outro lado da linha e pelo som das ambulâncias ela já começou a chorar, sabendo que algo de muito ruim teria acontecido. Mas não esperava o pior.

Dona Antonina ficara viúva.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 25

Page 26: O Mistério Do Castelo de Wartburg

ESPERANDO SOCORRO

- Sai daí, Henrique! – gritou Marcos, indignado com aquela cena patética.

Henrique saiu, inconformado. Queria ver a cara daquele mendigo, na Alemanha. Não se conformava apenas com uma foto que nem o rosto mostrava.

- Vamos embora, Thiago, esses trouxas não vão nos deixar fazer nada enquanto estiverem por perto – disse Henrique, enquanto atirava aquela foto ao chão, irritado.

Esperaram alguns minutos até que o grupo tomasse distância, fingindo que os estavam seguindo de perto. Depois que o grupo já tinha virado a esquina, eles voltaram correndo até o local onde aquele mendigo estava. Não planejavam chutá-lo ou socá-lo, apenas queriam uma foto em melhores condições do que a última. Aproximaram-se com cuidado, porque sabiam que o mendigo poderia estar dormindo e, se acordasse, poderiam ter complicações pela frente. Também tinham cuidado em fazer tudo aquilo de forma rápida, para não levantarem suspeitas de ninguém do grupo quanto à ausência deles.

- Thiago, pegue de novo a máquina fotográfica da sua avó – disse ele, ironizando o fato de aquela máquina ser muito antiga.

Thiago pegou a máquina. Henrique se aproximava.

Tocou a mão direita no mendigo. Este não se movia. Será que estava morto? Tinha que confirmar. Virou o corpo para ver o resto. Quando os dois viram, não acreditaram. Levaram o maior susto.

- O quê? Você?!

***

Paulo decidiu se entregar ao sono e à má sorte. Caiu perto de um assento de madeira naquela praça, e dormiu feito uma criança. Já era mais de meia-noite. O dia tinha sido cansativo, ele ficara mais de doze horas correndo atrás de Henrique e Thiago, tentando desvendar algum mistério em torno de um mendigo, investigando e invadindo o castelo de Wartburg, caindo de muros, sendo preso e dormindo na praça. Já não tinha mais esperanças de salvamento. Sua única expectativa era de que alguém do grupo o visse ali e

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 26

Page 27: O Mistério Do Castelo de Wartburg

o ajudasse, pois qualquer alemão que passasse por lá iria pensar que ele estava mendigando.

Mas como alguém do grupo iria passar por ali? Não sabia onde estava, podia ser qualquer praça na Alemanha. Quantas praças existem na Alemanha? Umas mil, ele pensou. Tinha sido conduzido a uma prisão que ele não fazia a mínima ideia de onde ficava, e depois andado até uma praça, a qual nem pôde observar direito, pois estava chovendo, o Céu estava escuro e ele caindo de sono. “Deus, por favor, me liberta”, disse ele, lembrando do terremoto que o libertou da última prisão.

Mas agora ele não estava exatamente em uma prisão. Estava solto. E livre. Mas sentia-se pior do que quando estava preso. Quando preso, ele tinha um teto que o protegia da chuva e que o guardava do frio da noite, e comida no horário de almoço. Agora, ele estava perdido, jogado ao chão como um cachorro, longe de seu grupo, sua família, seus amigos. Longe de Deus. Havia murmurado contra Ele, como se a culpa de tudo isso fosse dEle.

Enquanto outros presos que estavam em piores condições louvavam a Deus, ele estava murmurando e reclamando da vida e de sua má sorte. Não, nesse momento nem mesmo um terremoto poderia salvá-lo. Ele precisava de afeto humano. Precisava de uma mão que o ajudasse a se levantar dali. Precisava de um abrigo. Precisava do pão nosso de cada dia. Precisava que os outros membros do Corpo padecessem por ele, como se eles mesmos estivessem padecendo junto.

Ele decidiu reunir forças para se levantar. Não tinha a mínima ideia de para onde ir, mas pelo menos poderia tentar buscar ajuda. Então ele se deparou com um fato ainda mais lastimável: não conseguia se levantar. A dor que ele estava sentindo parecia pior do que a que ele sentia no dia anterior. Estava imóvel, no chão, mais dependente de Deus do que nunca.

Foi então que ele ouviu de longe alguns passos. Esses passos ficavam cada vez mais audíveis quanto mais se aproximavam. Alguém estava vindo. Alguém não, alguns. Parece que um grupo inteiro estava se aproximando. Era tudo o que ele queria e mais precisava. Mas os que iam passando seguiam adiante. Iam embora. Mais e mais passos se aproximavam, e mais e mais passos se iam. Quando já pensou que todos tinham ido, ele ouve alguém dizer:

- Mas um mendigo na Alemanha?

Ele se lembrava daquela voz. Era a voz de Melissa! Paulo se animou, seu espírito vibrou, mas seu corpo permanecia estático, ao chão. Ainda não conseguia se mover, mas ouvia a ajuda que estava chegando.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 27

Page 28: O Mistério Do Castelo de Wartburg

- Nem todo país é tão de primeiro mundo quanto parece.

Era a voz de Andressa. Se Paulinho pudesse se levantar e dizer algo, iria pedir para ajudá-lo a sair dali. Estava desesperadamente precisando de apoio, e aquela era a única saída. Se os membros do Corpo não o ajudassem, quem iria ajudá-lo?

- Thiago, tira uma foto, encontramos um mendigo na Alemanha!

Neste momento, Paulo sente um chute nas costas. Um chute fraco, mas que doeu mais do que qualquer outro que ele já levou. Suas costas já estavam doloridas do dia anterior, ainda estava machucado e agonizando, sofrendo por causa daquilo, e qualquer chute, por menor que fosse, já era suficiente para causar-lhe uma dor indescritível.

- Sai daí, Henrique!

Era a voz de Marcos. Seu melhor amigo! Se Marcos soubesse que era ele, com certeza não hesitaria em ajudá-lo.

- Temos que ajudar esse homem, vamos fazer alguma coisa por ele.

Paulo torceu como nunca antes fez na vida, para que Andressa fosse escutada. Era tudo ou nada. A sorte dele estava lançada nas mãos daquele que iria decidir o caso.

- Melhor não, lembre-se das palavras do pastor Walter: “não conversem nem façam nada a ninguém que não seja do grupo”. Ele não é do grupo, ou é?

Paulinho teve vontade de gritar: “Sim! Eu sou!!!” Mas não podia. Estava imobilizado e totalmente sem forças.

- Mas ele pode estar precisando de ajuda. Vamos levá-lo a um hospital ou sei lá onde.

- Hospital? Nem sabemos onde tem um hospital aqui na Alemanha. E isso nos faria sair completamente do curso da nossa excursão. Vamos sair rápido daqui, pois o resto do grupo já está tomando distância, mal consigo ver o pastor Walter daqui. Se ele perceber que estamos parados e desobedecendo suas ordens, iremos retornar ao Brasil sem entrar no castelo de Wittenberg!

Paulo já estava completamente fora do curso da excursão. Estava sem teto, sem comida, sem ajuda, sofrendo sozinho e sem ter o que fazer para sair por si mesmo daquela situação. Precisava de alguém que lhe estendesse as

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 28

Page 29: O Mistério Do Castelo de Wartburg

mãos, que lhe levasse a um hospital, que lhe prestasse socorro. Mas, ao invés disso, alguém preferiu sugerir que o deixassem ali, largado, no chão.

Aquele grupo foi embora. Paulo caiu na depressão. A desilusão e a tristeza que sentia superavam qualquer sentimento que já tivesse sentido antes. Se nem as pessoas da Igreja o ajudaram, quem poderia o ajudar? Os do mundo? Se os que deveriam ser luz nada fazem, quanto menos aqueles que não são. Não tinha jeito: estava fadado a permanecer ali até morrer.

Então ele ouve passos. Mais uma vez. Será outro grupo? Será que alguém voltou para lhe prestar ajuda? Será que aquele que deu a opinião de deixá-lo ali se arrependeu e voltou para socorrê-lo?

- Thiago, pegue de novo a máquina fotográfica da sua avó.

Alguém se aproximava. Tocou em seu corpo. Virou para que pudesse vê-lo. A luz do sol era forte, Paulo não conseguia abrir os olhos para ver quem era. Só pôde ouvir um grito que misturava assombro e surpresa:

- O quê? Você?!

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 29

Page 30: O Mistério Do Castelo de Wartburg

O REENCONTRO

Henrique e Thiago estavam espantados e confusos. Mal haviam deixado o grupo – onde Paulo estava – e já o encontraram caído, ao pé de um banco em uma praça, parecendo um mendigo.

- O que você está fazendo aí? – perguntou Henrique.

Paulinho reuniu forças para responder:

- É uma longa história...

- Levante-se, vou dedar agora mesmo ao pastor Walter que você está longe do grupo para dormir em uma praça. Que vergonha! Será que não teve tempo para dormir no avião?

Henrique e Thiago perceberam que Paulo estava ruim mesmo, mal conseguia falar nem se levantar.

- Henrique, acho melhor darmos uma mãozinha a ele. Vamos levá-lo ao pastor Walter, ele saberá o que deve fazer.

Henrique e Thiago levantaram Paulo e levaram ele com cuidado ao pastor Walter. Chegando lá, ouve um burbulhinho entre os presentes:

- O que aconteceu com ele?

- Nossa, como ele está mal!

- Como ele está ensopado dos pés à cabeça, se faz sol e o vimos agora há pouco? Onde ele se meteu?

O pastor Walter veio em seu socorro com grande preocupação. Imediatamente o conduziu a um hospital que ficava ali na região.

- Vamos, você vai ficar bem.

No hospital, Paulo foi tratado de seus ferimentos. Tomou água, comeu alguma coisa e voltou a ter forças. Já não havia o que temer. Ele estava a salvo, graças aos seus dois algozes. O primeiro que foi vê-lo no hospital foi Marcos. Os dois deram um forte abraço, e Paulo contou toda a inimaginável história que se passou com ele. Marcos surpreendeu-se, mas estava feliz porque seu amigo estava bem. Havia pensado o pior. Entregou-lhe o seu

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 30

Page 31: O Mistério Do Castelo de Wartburg

celular quebrado, que havia guardado após vê-lo no chão. Paulinho segurou firme, pois sabia que era um símbolo de uma história que jamais alguém iria acreditar se contasse.

***

Bem novamente, Paulinho seguiu o grupo até a parte de dentro da igreja que fica no castelo de Wittenberg, onde Lutero pregou suas 95 teses e onde ele está sepultado. O pastor Walter leu partes do Sermão de C. H. Spurgeon, que foi pregado na manhã de 11 de Novembro de 1883, sobre a Justificação pela Fé:

«Lutero proclamou perdão do pecado pela fé em Cristo sem dinheiro e sem preço, e as indulgências do papa foram logo objetos de escárnio. Lutero viveu pela sua fé. Ele poderia ter vivido uma vida tranquila, mas fez questão de denunciar o erro furiosamente como um leão ruge em cima de sua presa. A fé que havia nele o encheu de vida intensa e ele mergulhou em uma guerra com o inimigo. Depois de alguns anos, ele foi convocado para ir a Augsburg, apesar de seus amigos o aconselharam a não ir. Lá o chamaram de herege, para responder por si mesmo na Dieta de Worms. E todo mundo ordenou-lhe que ficasse longe, pois ele com certeza seria queimado, mas ele sentiu que era necessário testemunhar. E, em um vagão, ele passou de vila em vila e cidade em cidade, pregando conforme seguia!

As pessoas pobres saiam para agitar as mãos para o homem que estava de pé para Cristo e para o Evangelho com o risco de sua vida. Você se lembra de como ele se colocou diante daquela augusta assembleia. Embora ele soubesse que sua defesa lhe custaria a vida, para ser provavelmente comprometida com as chamas, como João Huss foi, ele se portou como homem para o Senhor, seu Deus. Lutero aprendeu a ser independente de todos os homens, pois ele lançou-se sobre o seu Deus!

Ele tinha todo o mundo contra ele e ainda assim viveu alegremente. Se o papa o excomungou, ele queimou a bula de excomunhão! Se o imperador o ameaçou, ele alegrou-se porque se lembrou das palavras do Senhor: "Os reis da terra se levantam, e os príncipes dos países juntos. Aquele que está sentado nos céus se rirá" (Salmo 2). Quando eles disseram-lhe: "Onde você vai encontrar abrigo se o príncipe-eleitor não protegê-lo?". Ele respondeu: "Sob o escudo amplo de Deus". Lutero não podia ficar parado. Ele tinha que escrever e falar!

Estes homens habitaram com Deus na santa ousadia de viver em oração, ou então não poderiam ter vivido tudo o que viveram. A fé de Lutero se prendeu à cruz de nosso Senhor e não seria movida dela. Ele acreditava no perdão dos pecados e não podia se dar ao luxo de duvidar. Ele lançou âncora na

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 31

Page 32: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Sagrada Escritura e rejeitou todas as invenções de clérigos e de todas as tradições. Ele assegurou a Verdade do Evangelho e nunca duvidou.

E agora, hoje, as verdades de Deus proclamadas por Lutero continuam a ser pregadas e serão até o nosso Senhor, Ele mesmo, vir. Então, a Cidade Santa não precisará de vela ou da luz do sol, porque o Senhor, Ele mesmo, será a Luz de Suas pessoas (Ap.22). Mas, até lá, temos de brilhar a luz do Evangelho, dando o nosso melhor por Deus e pelo próximo. Irmãos e irmãs, vamos nos posicionar por Ele, para que, como Lutero, vivamos pela fé, por meio do Espírito Santo que opera em nós.»

***

Então, Paulo entendeu que não tinha sido levado à Alemanha à toa, ou somente para visitar locais históricos, por mais importante que fossem. Ele tinha sido chamado para abençoar vidas, para pregar o evangelho, para fazer o seu melhor a Deus e pelo próximo. Mas, ao invés disso, correu o dia todo em busca da própria glória, querendo fazer justiça com as próprias mãos, desejando ser o herói do dia, quando, na verdade, ele foi salvo exatamente por aqueles a quem ele perseguia.

Quando tudo o que deveria ser feito era ajudar os que estavam sofrendo, dar auxílio ao pobre e ao doente, ao carente e ao necessitado, ele estava invadindo propriedade alheia, ignorando os que precisam de ajuda, esquecendo-se de que Deus colocou em nossas mãos a vida ou a morte. Não apenas da nossa vida, mas do próximo. Não apenas a morte física, mas a espiritual. Porque Deus não nos colocou neste mundo para levarmos apenas as nossas próprias cargas, mas para “levarmos os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumprir a lei de Cristo” (Gl.6:2).

E qual é a Lei de Cristo? “Ame o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e com todas as forças, e o seu próximo como a si mesmo” (Mt.22:37,39). Paulinho percebeu que a maior expressão do amor a Deus é adorá-lo nas mais difíceis adversidades da vida, e que a maior expressão do amor pelo próximo é tratá-lo como se ele fosse você mesmo. Descobriu, por fim, que o maior mistério não estava no castelo de Wartburg, mas estava nele, em sua boca e em seu coração, para anunciar as boas novas aos pobres, curar os quebrantados de coração, pregar liberdade aos cativos e proclamar as boas novas daquele que nos chama para a ressurreição e a vida.

FIM

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 32

Page 33: O Mistério Do Castelo de Wartburg

APÊNDICE

“Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que estão sendo maltratados, como se fossem vocês mesmos que o estivessem sofrendo no corpo” (Hebreus 13:3)

Tentei neste livro passar a noção que o escritor de Hebreus expôs no verso acima: tratar o próximo que é maltratado como se fôssemos nós mesmos que estivéssemos sendo maltratados no lugar deles. E isso não é nada fácil. Na maioria das vezes, estamos tão preocupados com o nosso próprio bem estar, com nossa própria saúde, com nossa própria casa própria, carro, dinheiro ou qualquer outro bem material, sentimental ou espiritual que estamos pouco nos importando com o próximo.

Em teoria, pregamos que devemos amar o próximo como a nós mesmos, andar a segunda milha, dar a outra face. Mas, na prática, até mesmo o nosso “tudo bem?” não passa de uma mera pergunta retórica, sem qualquer expectativa de ouvir uma resposta negativa. Até porque não estamos perguntando aquilo para tratar as feridas do próximo: estamos apenas querendo ser gentis. Mesmo em nossas igrejas, muitos estão sofrendo calados, sem contar nada a ninguém, por não poderem contar com a confiança nem mesmo de seus melhores amigos ou por medo de ser considerado um “derrotado”.

A igreja moderna e sua indiferença para com o próximo é gritante, mesmo entre os próprios membros do Corpo. Se nós, que somos membros do Corpo de Cristo, não ajudamos o próximo, quem é que vai ajudá-lo? Se nós, que somos a luz deste mundo, não a fazemos brilhar, quem é que vai fazer brilhar a luz? Deus não levantou ninguém para cuidar apenas de si mesmo, zelando pela sua própria satisfação pessoal. Deus levantou um Corpo, onde todos os membros dependem uns dos outros:

“Assim, há muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: 'Não preciso de você'! Nem a cabeça pode dizer aos pés: ‘Não preciso de vocês’! Pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis, e os membros que pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra. E os membros que em nós são indecorosos são tratados com decoro especial, enquanto os que em nós são decorosos não precisam ser tratados de maneira especial. Mas Deus estruturou o corpo dando maior honra aos membros que dela tinham falta, a fim de que não haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado uns pelos outros” (1ª Coríntios 12:20-25)

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 33

Page 34: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Se você acorda com o pé direito machucado e mal consegue tocá-lo ao chão sem doer, não estará bem até que este problema seja resolvido, ainda que todo o resto do seu corpo esteja bem. Se você acorda com febre, fica na cama o dia todo, mesmo que o resto do seu corpo esteja funcionando bem. Se você acorda com uma forte dor na coluna, você não se sentirá bem enquanto não tratar este problema, mesmo se todos os outros ossos estiverem perfeitos.

Com o Corpo de Cristo é a mesma coisa. Se você vê um irmão passando por algum problema, alguma dificuldade, alguma aflição, alguma dor, é seu dever consolar, prestar ajuda, dar socorro e auxílio, como se fosse você mesmo que estivesse passando por aquilo tudo. Por isso Paulo disse: “Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram” (Rm.12:15). Mas, se não somos capazes de ajudarmos nem os próprios irmãos da fé, como iremos fazer o mesmo aos que não são? Como iremos ser o “sal da terra” (Mt.5:13) e a “luz do mundo” (Mt.5:14), se não refletimos Cristo com as nossas atitudes?

Como diz uma canção da banda cristã norte-americana Casting Crowns:

«Mas se somos o corpoPor quê Seus braços não estão alcançando?Por quê Suas mãos não estão curando?Por quê Suas palavras não estão ensinando?E se somos o corpoPor quê Seus pés não estão indo?Por quê Seu amor não está mostrando-lhes que há um caminho?»

(“If We Are The Body” – “Se nós somos o Corpo”)

Deus ajuda o carente e traz o pão ao necessitado? Sim. Devemos sempre orar para que Ele dê o pão nosso de cada dia. Mas esse pão não vai cair do Céu como o maná: Deus usa pessoas para ligarem sua vontade dos céus à terra. Os mais altos céus pertencem ao Senhor, mas a terra ele a confiou ao homem, diz o salmista (Sl.115:16). Cabe ao homem cuidar da terra, ser um intermediário entre Deus e os outros seres humanos, rogar a Deus que dê semente ao que semeia e o pão ao que come, mas ao mesmo tempo não fechar suas mãos aos necessitados.

Deus usa o Seu Corpo para fazer a Sua vontade se cumprir na terra. Mas, se os membros deste Corpo ignoram-se mutuamente, toda a sorte de males irá crescer, não por culpa ou responsabilidade de Deus, mas pela omissão e indiferença do homem. Cabe a nós ligarmos na terra aquilo que Deus liga no Céu (Mt.18:18), porque a terra ele confiou aos homens.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 34

Page 35: O Mistério Do Castelo de Wartburg

Então, onde estão Seus braços, para alcançarem o perdido? E Suas mãos, para curarem o enfermo? E Suas palavras, para pregar as boas novas do evangelho? E Seus pés, para irem levar a Palavra aos povos não-alcançados? E Seu amor, para mostrar ao mundo que há um Caminho e um Salvador? Estamos aqui. Nós somos a Sua Noiva. Nós somos a Igreja. Desperta-nos, Senhor, por Cristo e por Teu Reino.

Amém!

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 35