O Mistério do Poço do Caldeirão

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O rio Zêzere, na sua passagem pela Barroca (Fundão, Portugal) e a propósito da descoberta de Arte Paleolítica de Ar Livre no Rio Zêzere. Publicado em 2003.

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Partilhar este m

istério

com todos

é um estímulo

para a nossa capacidade

de realizar sonhos.

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Às nossas Famílias,ao Fernando Paulouro,

a todos os que amam o Rioe transportam consigo a carga afectiva

das Terras e das Gentes deste Concelho.3

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Santuário da Senhora da RochaO Mistério do Poço do Caldeirão

Belarmino Lopes (BL) / Diamanatino Gonçalves (DG)

Fernando Paulouro

Augusto Cardoso - poeta da Barroca, 1886

Belarmino Lopes

Grafisete - Artes Gráficas, Lda. - Fundão

1.000 exemplares

200623/03

Reservados todos os direitos, Reprodução proibida, mesmo parcial e por qualquer forma.

2003

Título:

Edição e Propriedade,Produção e Fotografia:

Textos:

Poemas Escolhidos:

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Como um rio que canta

Um rio é um curso de alegria. Esta viagem é como o sopro dovento. E como a água que é matéria-mãe. Há uma suave músicaque brota da água e se enleia nos amieiros, que às vezes sãomargem do caminho, nos milharais dos lameiros, nas oliveirasparadas, que sobem por muros apertados. Os pinheiros estãomais longe, mas também escutam o rio e algumas vezes sereflectem nas suas águas, quando as vertentes também são deverde pinho. A música da água é irmã do rio e por isso ospássaros são felizes quando bebem a sua água ou incendeiama tarde nos ramos das árvores.Não há como um rio para nos obrigar a parar - e ver! E, às vezes,sonhar. Poisamos os olhos na água que corre e seguimos comela tumultuosa à descoberta das surpresas e dos instantes quese abrem em cada curva do seu curso. O Zêzere é um rio dediversidades, como se quisesse ter dentro de si a matriz identitáriadesta Beira, tão "manta de retalhos", no dizer de Orlando Ribeiro,ora branda, com a geometria variável dos verdes e doirados dosvergéis da Cova da Beira, ora agreste, com a montanha ondeafloram cumes de granito e terrenos áridos de xisto, ora marverde de pinhal onde a brisa inventa ondas, ou campina feitade terras do sol onde os sulcos da sede parecem ter ficado comomemória de antigas servidões.O Zêzere inscreveu no espaço o desenho da sua topografia, e,como se quisesse desafiar os deuses, fez-se impetuoso como oscavalos selvagens que nunca se deixaram domar, criou a suaprópria natureza rica em bio-diversidades. Por onde passa(indiferente às malfeitorias do homem) dá o que tem para dar:água e mil fertilidades.O rio, na sua caminhada, desceu das alturas da Estrela, ondeganhou eternos ímpetos, rompeu por gargantas apertadas,espreguiçou-se na planura da Cova da Beira, foi ao encontro dopaís do pinhal, em vales cavados fundo, mas logo as suas águas

Como um rio que canta

se alargam quando as margens lhe oferecem escassos palmosde terra. Vieram peixes e aves habitar este paraíso movente, elogo o homem navegou por esse rio abaixo, aprendendo comele a fazer-se a si próprio, edificando à sua beira comunidadesoriginárias, lugares e aldeias, fixando gente que encontrou neleum factor civilizacional que acabou por moldar o seu vivercolectivo.Este rio vem de muito longe e vai para longe, num andamentomuito próprio, só dele, rápido ou lento, consoante o leito queé o seu berço. O que ele andou para aqui chegar!Às vezes, caminha-se com ele à beira, debruçamo-nos paracolher mãos cheias de água, outras afasta-se surpreendentemente,fazendo ângulos raros, curvas apressadas, mas logo nos chamapara o tomarmos inteiro e nos banharmos num açude ou empiscinas naturais poisadas em conchas de pedra. Que pena ainsensatez do homem ter feito dele um esgoto… Mas o rio lutae ergue-se de novo, na respiração da água. Os peixes regressamlogo que o caudal sacode para longe a míngua da estiagem.Mesmo quando o prendem em barragens (que depois alimentarãode água Lisboa) e mini-hídricas (que depois produzirão energia)não fica domado por inteiro. Volta a correr como se o ímpetoe a raiva ganhos porventura nas alturas da Estrela, na imensidãodo Cântaro Magro, fossem eternos. Ainda um dia destes tive amão cheia de água, lá onde ele nasce. Um fio de água cristalinae pura.Este rio é indomável, ou assim parece, desde a sua génese.Assim vai ele, sempre levantado, até que o Tejo se atravessa noseu caminho como que a dizer-lhe: alto aí, que o rei sou eu!.E, mesmo aí, não morre logo. Mistura lentamente as suas águasem outras mais profundas e assim se dissolve à medida da suagrandeza, caminhando com "o mais belo rio" à procura de umdestino comum.

5 Fernando Paulouro

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Mil surpresas nos oferecem aquelas pedras que estão no meio do rio ou lhe cavaram a margem

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...e se apurarmos o ouvido percebemos a música do vento a inventar lendas de princesas em magoado pranto pelo amado7

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...não há como essa estrada de água para potenciar sonhos e fazer dos dias territórios onde o imaginário busca raízes seculares.8

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Cansados de tanto flagelar pedras com o olhar, parámos...para descansar, no tempo quebrado pelo langor das águas.

Às cinco da tarde lemos a carta ali vazada no xisto,servida em pedra de altar, que se levanta do rio,

ao encontro do Sol!

E partilhamos, ali, o abraço que a carta trazia.

Barroca, 1 de Junho 2003

Diamantino Goncalves / Belarmino Lopes

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- Sr.ª

na

Roc

ha Santuário da Senhora da Rocha

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Ella dormia, linda como um anjo,Serena como a Virgem n’um altar!E ao ver tão bello o candido jasmimQuiz-lhe os divinos labios ir beijar.Mas o luar que andava alli por ellaDisse-me, olhando a virginal donzella:- Oh! Como é linda, encantadora assimCuidado não a vás pois acordar.

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- Sr.ª

na

Roc

ha -

porm

enor

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E’ tão suave, é tão puraA expressão do teu olhar,Ha n’elle tanta doçura,Tanto amor, tanto brilharQuando contemplo a luz calmaD’esse olhar, mar insondavel,Sinto cá dentro em minh’almaUm prazer tão ineffavel,Que me chego a convencerDe que é o céu cá na terra;Que só pode ter a ditaDe o paraizo gosarQuem tem a sorte bemditaDe ser alvo d’esse olhar!Meu anjo, se o paraizoDo teu olhar ou sorrisoA morte tambem requer,Que Deus me leve, Maria...Porém que a illuminarA scena triste e sombriaDa minha ultima agoniaTenha a luz do teu olhar!

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- Ec

cus

Caba

llus

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- Ec

cus

Caba

llus

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O cavalo é um símbolo de liberdade, e este, que foi capaz de atravessar o tempo da história, desde o Paleolítico Superior, resistiu a tudo,voou até aos dias de hoje, eterno como o rio que continua a correr.

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Vou ás vezes sentar-me junto ao rioQue banha os pés da minha pobre aldeia,Debaixo dum salgueiro ermo e sombrio,Nas noites estivaes de lua cheia;Ponho-me a comparar a veia calma Das aguas entre as rosas Com, da minha pobre alma, As maguas tumultuosas ...

Canto: e parece-me que as aguas paramPara me ouvir, e que o luar me escutaAlmas que julgo ainda não provaramO fel da dôr e a agitação da lucta;Desprendo a minha voz triste, magoada, Pela amplidão sem fim Scismatica, calada; E o meu canto é assim:

- Aguas de leite, puras, tão felizesQue até dormis no leito de rochedos,Que daes vigor aos troncos e ás raizesE aos toucados gentis dos arvoredos;Luar sereno a que eu amo tanto, Nos ondeados folhos Das sedas do teu manto, Enxuga-me os meus olhos!

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- Poç

o do

Cal

deir

ão

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Minh’alma não descança... Se consigoPegar no somno, é só sonhar... sonhar...Ver coisas lindas p’ra maior castigo...P’ra que a desillusão do despertarDepois me seja mais cruel ainda! Dae d’essa santa calma, Da vossa paz infinda A’ martyr da minh’alma!

Mas logo volvem as bondosas aguas:- Como te enganas... São mysteriosas,Mas peiores que as tuas, nossas maguas;Escuta as elegiacas chorosas,As queixas que gememos sem cessar, E olha este agro mister De andarmos sem parar, Sempre, sempre a correr...

E a lua n’um fallar dorido e brando:- Ha milhões d’annos vivo a andar, a andar...Não sei p’ra onde vou, nem mesmo quandoVirá o meu fadario a terminar...A tua sorte eu bem trocára à minha: Coragem, trovador! Que esta vida mesquinha E’ irmã gêmea da Dor.

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Há uma suave música que brota da água e se enleia nos amieiros, que às vezes são margem do caminho...

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Respirar pela água

De muitas pedras se faz a viagem do rio. E se atentarmosbem logo perceberemos que não há como essa estradade água para potenciar sonhos e fazer dos dias territóriosonde o imaginário busca raízes seculares. Em toda a cordade aldeias que o ladeiam, as aldeias do xisto, o rio estápresente. Foi pão elementar, criador de vida, deu o calhaurolado para as casas, alimentou de água as terras, ofereceude beber às gentes. Desde a Argemela, onde o imaginárioparece brotar das pedras do velho castro — e se apurarmoso ouvido percebemos a música do vento a inventar lendasde princesas em magoado pranto pelo amado —, que amemória do rio está presente na identificação do territórioe na sua modelação humana. Lá do cimo, o rio é umcorpo de água que navega mais apressado, apertado pelaclivagem das margens, depois da Cova da Beira lhe teroferecido terra para espreguiçar-se à vontade. Aí os camposvestiram-se de verde, em regadios de grande diversidade,em pomares e vinhas que fazem da paisagem uma bênçãopara o olhar. O rio desce para Silvares não sem antes seterem ouvido no ar estranhas sonoridades guerreiras dosbombos de Lavacolhos. Estarão a acordar os homens doseu prolongado tropor anímico? Talvez. Ainda não seperderam de todo as sonoridades telúricas dos bombos ejá ele corre mais depressa, como se quisesse defender-sedas ofensas dos humanos. Quando passa pelas Minas daPanasqueira olha as feridas profundas de um assassinatoprogramado. Mas até esse drama de longa duração adquiriuuma dimensão fantástica. O tempo fez-se pintor e escultor.Olha o Poço do Caldeirão, na Barroca! O espaço é mítico.O cenário deslumbrante. Que pintor lograria tão singularescromatismos! Que escultor seria capaz de tãosurpreendentes formas! As rochas guardaram as cores queo tempo lavrou e agora o sol poisa nelas estranhasfigurações. Não longe a Senhora da Rocha como quecertifica o carácter sacral do lugar. Há quinze mil anos,o homem também se deixou seduzir pela beleza do espaço,gravando na pedra gravuras rupestres. Numa pausa dacaça ou da pesca, ali deixaram a caligrafia da sua arte,num diálogo entre a mão e o espírito.

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O cavalo é um símbolo de liberdade, e este, que foi capaz deatravessar o tempo da história, desde o Paleolítico Superior,resistiu a tudo, voou até aos dias de hoje, eterno como o rio quecontinua a correr.Ferido de morte o rio, com feridas de muitas contaminações,

urbanas e industriais, o seu curso tem como destino o futuro.Ganhou o Zêzere a batalha? Parece que sim, apesar dos ferimentosainda sangrarem. Agora já respira outras águas. Janeiro de Cimaé uma festa. A sua relação com o rio é mais presente na topografiadas ruas e na arquitectura. Vamos lá por esse rio abaixo.

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Volta-se a gritar Ó da Barca!, é entrar meus senhores!Regressam à memória os tempos de outrora, quando atravessia do rio, no Inverno, era um sobressalto e uminferno.O rio é uma festa verdadeiramente colectiva. No seucaminhar reinventa a alegria.Está um fim de tarde magnífico e em tudo o que toca, osol doira. As casas de xisto que povoam toda a região,mesmo as aldeias que de certo modo viraram costas aorio e foram fazer a sua vida para longe, mais vocacionadasao coração da serra, ficaram marcadas pela identidade daspedras que o rio dá. São todas aldeias do xisto. DesdeLavacolhos que o traço identificador da arquitectura criaesse universo original. Enxabarda, Açor, Boxinos (Pá Negralé uma memória) Bogas, Maxial, Ladeira, todas pertencemao mesmo mundo, cavado à margem ou virado para dentrode si próprio, como se quisesse produzir uma identidadesingular. O rio é mais traço-de-união do que fronteira deágua. Acena às terras como madre originária, oferece vida.Daí a cumplicidade das aldeias na sua relação com oZêzere.A esta hora, em todas elas, o xisto recorta-se melhor napaisagem. O mar verde dos pinhais começa a bulirsuavemente. Bate mais depressa o coração da terra. Osincêndios trouxeram o inferno a estas paragens. Há terracalcinada, cinzas, árvores queimadas. Um velho petrificado,à beira do caminho, já secou as lágrimas do desespero. Éa fatalidade do Verão. O rio é a fronteira que o fogo tentapassar. Mais uma vez é nas suas águas que a esperançase renova. O rio. O nosso Zêzere!“Nascendo faz nascer em tudo a vida / — e a paisagemfunda”. Leio, para mim, versos do João Rui de Sousa sobreeste mistério da água que se faz rio. E sobreponho a poesiaao corpo de água que tenho à minha beira:

“Furtivo fio de água que baloiçapor entre rudes pragas e a brumaé um vulto que sem olhos ultrapassaquanto se oponha à sua lenta marchaao tortuoso trilho que ele fecunda”

Rio Zêzere. “Respirar pela água. Respirar absolutamente”.Respirar. Respirar.

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Estas pedras que surgem no meio do rio são criadoras. É como se o rio chegasse ao Poço do Caldeirão e se fizesse um enorme museu aberto...

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...às vezes uma pedra ou uma gota de água,

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...esculturas petrificadas que sinalizam a alegria da água

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De muitas pedras se faz a viagem do rio.

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Às vezes, parecem mares cristalizados na pedra, ondas de espuma que se fizeram pequenas ilhas no meio do rio...

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O Zêzere inscreveu no espaço o desenho da sua topografia, e, como se quisesse desafiar os deuses,fez-se impetuoso como os cavalos selvagens que nunca se deixaram domar.

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O rio é mais traço-de-união do que fronteira de água.

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...um animal pré-histórico petrificado parece espreitar o mundo ou estará a guardar as verdes águas

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Não há como um rio para nos obrigar a parar - e ver!

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E, às vezes, sonhar.

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A lua vem beijando meigamenteAs cristas das montanhas escalvadasE poisa o olhar doce, tristemente,Em baixo... nas correntes prateadas.

Tudo repousa n’um dormir silente.A custo, ouvem-se apenas - muito mal,Os regatos n’um frémito dolenteBeijar com ancia os lagos de crystal.

E a minha pobre aldeia lá ao longeMerencórea e tristonha como um monge,Mas toda em luz, ditosa, luarisada;

Dorme... dorme tambem placidamenteUm somno sem cuidados, doce e quente,Pelo manto da crença agasalhada.

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O Zêzere corre por entre cores que se misturam e se reflectem nas suas águas.

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À beira da água os azuis parecem dissolver-se em outros azuis que julgávamos só existirem na imaginação.

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...continentes fantásticos de pedras rugosas, leitos de geometria difícil

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...uma espécie de jardim aquático de animais petrificados, como se Noé tivesse andado a semeá-los neste lugar do rio.

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Não faltam jangadas de pedra, penso eu, se calhar à espera que as libertem para poderem navegar com as águas do rio...

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Que escultor seria capaz de tão surpreendentes formas! As rochas guardaram as cores que o tempo lavrou e agora o sol poisa nelas estranhas figurações.

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Olhos fitos no azul immenso, ethereo,Scismo ás vezes, n´um extase profundo,Buscando a explicação d´este mysterio:O que é o homem? que sou eu no mundo?

Vou os astros, os ceus interrogando,Mas nada me responde... E fico doenteAo ver que tudo me despreza, quandoEu me julgava grande, omnipotente...

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O mar verde dos pinhais começa a bulir suavemente. Bate mais depressa o coração da terra.

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Rio Zêzere. “Respirar pela água. Respirar absolutamente”.

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Respirar. Respirar.

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O tempo fez-se pintor e escultor. Olha o Poço do Caldeirão, na Barroca!

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O espaço é mítico. O cenário deslumbrante.

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A minha musa é pobresinha e vem- Olhal-a desconsola -

Envergonhada, humilde como quemAnda pedindo esmola.

Ao bordão encostada da amisade,- Imagem da indigencia -

Vem, fiada na vossa lealdade,Pedir benevolencia.

Vem mal vestida... – a aldeã singelaMette dó, coitadinha! -

Não a maltrateis, pois, tende dó d’ellaJá que é tão pobresinha.

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...os campos vestiram-se de verde, em regadios de grande diversidade...

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Em termos plásticos, a viagem caminha de surpresa em surpresa...

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Essas surpresas são tesouros.

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Agora, subitamente, é um rio de cores que corre para os nossos olhos. Quem as inventou foi o tempo, esse escultor.E para que o esplendor cromático seja completo, veio o sol poisar nelas estranhas e fantásticas luminosidades.

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A água continua a passar, uma estranha cabeça de pedra é a serenidade absoluta.

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Azuis, mais azuis.

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Pareceu-me ainda há pouco ver um pôr-do-sol no alto mar...

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Este rio de cores continua a correr para lá do tempo.

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Anos e anos de químicos provenientes das Minas da Panasqueira cristalizaram nas rochas dando-lhes surpreendente expressão plástica.

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As cores parecem a síntese de um universo onírico. Cores de outros mundos: que galáxias serão estas?

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Um rio de cores

Agora, subitamente, é um rio de cores que corre paraos nossos olhos. Quem as inventou foi o tempo, esseescultor. E para que o esplendor cromático seja completo,veio o sol poisar nelas estranhas e fantásticasluminosidades. Estas pedras que surgem no meio do riosão criadoras. É como se o rio chegasse ao Poço doCaldeirão e se fizesse um enorme museu aberto. Decada vez que olhamos, de cada ângulo, o espectáculoé diferente. Mil surpresas nos oferecem aquelas pedrasque estão no meio do rio ou lhe cavaram a margem. Ali,onde há quinze ou dezasseis mil anos, os nossosantepassados foram capazes de buscar a transcendênciado pensamento feito arte.Só quem ama um rio o pode retratar como fizeram oDiamantino Gonçalves e o Belarmino Lopes. Caçadoresde imagens, eles conhecem de cor e salteado os segredosdo Zêzere. Partem à aventura, medem a intensidade daluz, exercitam o pastoreio do olhar como forma de colhera felicidade dos instantes.Às vezes, uma flor, às vezes, o céu azul, às vezes umapedra ou uma gota de água, às vezes uma folha quebalança levada pelo vento, às vezes uma nuvem ou umaave que rasga o céu, às vezes uma casa ou uma rua, àsvezes uma porta ou janela, às vezes um aradoabandonado num curral, às vezes a cravelha de umaporta, às vezes uma foice que resiste ao tempo nummuro de pedra solta, às vezes uma árvore e outra e outrae outra ainda, às vezes a floresta, às vezes um moinho,às vezes uma mó abandonada à beira do caminho, àsvezes os pássaros simplesmente, às vezes a gente quetraz o sol dentro dos olhos, às vezes as aldeias fora domapa, às vezes um rosto lavrado pelo tempo, às vezesum rio que trazem dentro do pensamento.Isso e tanto. Essa maneira de andar e ver, de fazer dodetalhe tão simples que não se vê, a glória do espanto,

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essa forma de recriar a realidade através da objectiva,numa recusa sistemática do facilitismo e do cliché parao postal ilustrado, fazem parte do livro de bordo destesfotógrafos, que palmilham quilómetros por montes evales, se esquecem do tempo quando os momentos sãosurpreendentes, que limpam o pó às botas para as sujarem,logo a seguir – pois os instantes, em fotografia, não serepetem. São como um rio e talvez essa natureza lhesconfira a singular capacidade para descobrir coisas.E que coisas!O Zêzere é o seu sereno desafio. Sentam-se à beira doPoço do Caldeirão e… olha ali um cavalo! Como setivessem entrado na máquina do tempo, ei-los numaviagem de 15 mil anos! Tudo tão longe e tão perto.Mas logo regressam a este chão de água e poisam outrosolhares em realidades que só eles vêem e reinventampara oferecer aos outros, a todos, num convite àimaginação e ao sonho de cada um de nós.Voltaram não sei quantas vezes ao cenário de pedras doPoço do Caldeirão. Agora, sim, a luz está a preceito. Osol poisou nas telas de xisto e as cores parecem saltarda pedra. A Nikon pode capturar os instantes. À beirada água os azuis parecem dissolver-se em outros azuisque julgávamos só existirem na imaginação. Há umacaligrafia de riscos, veios de pedra acastanhados, algunsparecem rendilhados brancos, porventura a projecçãocriadora da mãe-natureza, desafio à mão humana quedesenhou o cavalo rupestre.Azuis, mais azuis. Às vezes, parecem mares cristalizadosna pedra, ondas de espuma que se fizeram pequenasilhas no meio do rio, ou esculturas petrificadas quesinalizam a alegria da água. Mas logo o olhar se poisounoutra plataforma onde a erosão cavou mais fundo, comose quisesse, com as bolas redondas, exprimir continentesfantásticos de pedras rugosas, leitos de geometria difícil,sabe-se lá se matéria fantástica para ficções siderais, ondeo tempo não tem começo nem fim.

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Em termos plásticos, a viagem caminha de surpresa emsurpresa. Há cascatas de cor e um branco leitoso queescorre da pedra em simetria, um barco de pedra quenavega – ou será antes a metáfora de um pedaço destepaís, debruado de água? Mas logo um animal pré-históricopetrificado parece espreitar o mundo ou estará a guardaras verdes águas, na esperança de que o veneno dosquímicos acabe, definitivamente?A pequena bola de granito será o mundo? A água continuaa passar, uma estranha cabeça de pedra é a serenidadeabsoluta. O Zêzere corre por entre cores que se misturame se reflectem nas suas águas. Não faltam jangadas depedra, penso eu, se calhar à espera que as libertem parapoderem navegar com as águas do rio, mas o desígniodo Zêzere é o fantástico. Impõe-se, então, uma espéciede jardim aquático de animais petrificados, como se Noétivesse andado a semeá-los neste lugar do rio.Essas surpresas são tesouros que o Diamantino Gonçalvese o Belarmino Lopes nos revelam. O seu rasgo criadorresgata da obscuridade e dá existência a um universo dedimensão onírica, é verdade, mas sem nunca esquecera Natureza como o grande património essencial àrespiração da terra e dos homens.A arte da fotografia é um desafio à dominação do tempo,ou, pelo menos, ao seu prolongamento para lá das balizasque a vida impõe como metas intransponíveis. Quandoelas se transformam em arte e vivem através do nossoolhar superam a contingência da sua efemeridade.Este rio de cores continua a correr para lá do tempo. Eda forma que os artistas o retrataram, apontando aoimaginário de cada um a sublimação do fantástico quecada imagem contém, há sempre um mundo de sugestõesque nascem da leitura destas belíssimas fotografias.Algumas impõem-se pela natureza da mensagem, pelosentido da metáfora que encerram, pela eficácia danarrativa. Outras recusam o mero figurativismo e assumemuma expressão plástica notável.

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Fragmentos de fantástico elevam-se da leitura da realidade trazida por um rio, o Zêzere.

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Um dos significados mais profundos do conjunto defotografias radica nas que mergulham no mais puroabstracionismo, embora a matéria prima de que se fazemesses sonhos seja a mineralização das cores em que orio se desdobra. Anos e anos de químicos provenientesdas Minas da Panasqueira cristalizaram nas rochas dando--lhes surpreendente expressão plástica. São coresfantásticas a que a patine do tempo deu um cromatismoluminoso. Telas magníficas por onde a imaginaçãocaminha lentamente. Vemos o que lá não está. As coresparecem a síntese de um universo onírico. Cores deoutros mundos: que galáxias serão estas? Coloco asfotografias sobre a mesa e o olhar conduz-me porsurpreendentes navegações. Fragmentos de fantásticoelevam-se da leitura da realidade trazida por um rio, oZêzere. Pareceu-me ainda há pouco ver um pôr-do-solno alto mar e já outras cores me transportam para ummundo subaquático e outras para um mundo vegetal.São cores do tempo, pintadas pelos dias, pelo sol e pelachuva, pela água corre e não volta mais a moldar estascintilações.Zêzere, o nosso rio. Água como um corpo indomável epuro. As cores irrepetíveis ficam comigo enquantoregresso às fotografias do Diamantino Gonçalves e doBelarmino Lopes, e aos versos do João Rui de Sousa,que leio para mim como quem depõe as pétalas de umarosa sobre as águas no espaço mágico do Poço doCaldeirão.

“De um rio que em argamassa se transportae traz um odor de esteva e serraniaé extensa a construção que a sede implora!

E altaneira! E fortes os seus braçosDe bronze e cal de musgo e pedra— tal um brado que o tempo não destroça!

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São cores do tempo, pintadas pelos dias, pelo sol e pela chuva, pela água corre...

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...e não volta mais a moldar estas cintilações.

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Telas magníficas por onde a imaginação caminha lentamente.

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Vemos o que lá não está.

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