O mito da América Latina no campo polonês no período das febres brasileiras

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Estudios Latinoamericanos 6, p. II (1980), pp. 55-65 O mito da América Latina no campo polonês no período das «febres brasileiras». Krzysztof Groniowski A emigração camponêsa dos territórios polonêses para o Brasil teve início na passagem dos anos sessenta e setenta do século XIX. Inicialmente abrangeu a parte da Polônia ocupada pela Prússia e a parte ocidental da Galícia que pertencia à ocupação austro-húngara. Da parte ocupada pela Rússia, sobretudo da parte noroeste do Reino da, na região de Plock, Wloclawek e Kalisz, começou-se a emigrar imediatamente, a uma escala até então não conhecida, em 1890, e alguns anos mais tarde, antes para os Estados Unidos. Em 1895 a febre emigracional para o Brasil e para o estado das Missões na Argentina, simultaneamente com o começo da emigração para o Canadá, abrangeu a parte oriental da Galícia, que não tinha igualmente tradições emigracionais nessa direção, e que era habitada principalmente pelos Ucranianos. Em 1911 teve lugar a seguinte febre emigracional no sudeste do Reino da Polônia (regiões de Lublin e Podlasie). Há vinte- anos atrás essa região em grau ínfimo participou na emigração para o Brasil, contudo desde há alguns anos aquela população local, com frequência cada vez maior, procurava trabalho na indústria dos Estados Unidos 1 . O que atraia o camponês polonês e urcaniano para a América Latina era a esperança da obtenção de terras. Do superpopulado campo da 1 Uma documentacão mais ampla das teses aqui contidas o autor apresentou no livro Emigração economica polonesa no Brasil nos anos, 1871-1914, Wroclaw, 1972, p. 293. Ver também Employment- Seeking Emigration of the Poles World-Wide XIX and XX c. «Cadernos Científicos da Universidade de Jagiello) CCCXVII», Prace Polonijne, caderno 1, Cracóvia 1975 p. 194; A Polonia no América Latina, Lublin 1977 p. 247 (ambos trabalhos coletivos).

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Trata sobre imigração polonesa para o Brasil durante as chamadas "febres emigracionais" no fim do século XIX.

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  • Estudios Latinoamericanos 6, p. II (1980), pp. 55-65

    O mito da Amrica Latina no campo polons no perodo das

    febres brasileiras.

    Krzysztof Groniowski

    A emigrao camponsa dos territrios polonses para o Brasil teve

    incio na passagem dos anos sessenta e setenta do sculo XIX. Inicialmente abrangeu a parte da Polnia ocupada pela Prssia e a parte ocidental da Galcia que pertencia ocupao austro-hngara. Da parte ocupada pela Rssia, sobretudo da parte noroeste do Reino da, na regio de Pock, Wocawek e Kalisz, comeou-se a emigrar imediatamente, a uma escala at ento no conhecida, em 1890, e alguns anos mais tarde, antes para os Estados Unidos. Em 1895 a febre emigracional para o Brasil e para o estado das Misses na Argentina, simultaneamente com o comeo da emigrao para o Canad, abrangeu a parte oriental da Galcia, que no tinha igualmente tradies emigracionais nessa direo, e que era habitada principalmente pelos Ucranianos. Em 1911 teve lugar a seguinte febre emigracional no sudeste do Reino da Polnia (regies de Lublin e Podlasie). H vinte- anos atrs essa regio em grau nfimo participou na emigrao para o Brasil, contudo desde h alguns anos aquela populao local, com frequncia cada vez maior, procurava trabalho na indstria dos Estados Unidos1.

    O que atraia o campons polons e urcaniano para a Amrica Latina era a esperana da obteno de terras. Do superpopulado campo da

    1 Uma documentaco mais ampla das teses aqui contidas o autor apresentou no livro Emigrao economica polonesa no Brasil nos anos, 1871-1914, Wrocaw, 1972, p. 293. Ver tambm Employment-Seeking Emigration of the Poles World-Wide XIX and XX c. Cadernos Cientficos da Universidade de Jagiello) CCCXVII, Prace Polonijne, caderno 1, Cracvia 1975 p. 194; A Polonia no Amrica Latina, Lublin 1977 p. 247 (ambos trabalhos coletivos).

  • Galicia emigravam inicialmente os camponses com uma certa proviso em dinheiro. No perodo da emigrao em massa, graas entre outras coisas viagem martima grtis em certos perodos, para a Amrica Latina dirigiam-se os camponses mais pobres, e um alto por cento dentre eles era constituido pela populao sem terras.

    Tanto na poca nas tentativas de contra-agitao, assim como mais tarde na historiografia, foi colocado o problema das histrias simplesmente fantticas, que circulavam entre os candidatos emigrao, sobre a Amrica Latina. O objetivo do comunicado abaixo a tentativa de reconstruo dessa imagem, distinguir as lendas dos argumentos que chegavam conscincia do campons, quando aqueles estavam ligados com a esperana de melhoria da existncia material. Quando consideramos as mais diversas lendas sobre a vida naquela segunda metade do globo, que chegavam ao campons, no podemos esquecer que no perodo da primeira febre emigracional que partia do Reino da Polnia, essas informaes obtidas atravs de via ilegal eram em geral a nica fonte, da qual o campons podia se servir. Pois tanto a imprensa voltada para o campo, lida pelos camponses mais conscientes, como as informaes orais oriundas das fontes oficiais, tinham antes de tudo como fim a contraposio emigrao e esse era visado indiferentemente dos meios escolhidos. Portanto, surgiu uma espcie de contra-mito, do mesmo modo tendo pouco em comum com a realidade da Amrica Latina. No provoca dvidas a sua intencional tendenciosidade, mas um grande papel na escolha dos argumentos desempenhava o baixo nvel de conhecimento sobre o Brasil, igualmente entre os escritores e jornalistas. Tentativas de chegar aos camponses com informao objetiva, apresentando tanto os aspetos positivos como negativos da existncia no Brasil, foram feitas em pequena escala to s em 1895, em Lvov, que esbarrou entretanto com a decidida contraposio ad administrao autonoma polonsa da Galcia. Numa escala significativamente maior tentaram chegar aos camponses da parte oriental do Reino da Polnia, em 1911, os ativistas polonses progressistas do Paran, utilizando o apoio de alguns peridicos liberais ou relacionados com o movimento campons em surgimento, parcialmente lidos nos meios camponses.

  • Em comparao com o perodo de h vinte anos atrs elevou-se o nvel cultural do campo, diminuiu o alcance do analfabetismo, de modo mais amplo desenvolveu-se o nmero de leitores.

    A emigrao da populao polonesa da Galcia ocidental, sobretudo da regio de Jaso e Gorlice, nos anos 1876-1877, desenvolveuse em medida significativa graas s cartas que vinham do Paran. Conservaram-se tres delas, sendo uma original, assim como notcias sobre as seguintes. Os autores foram camponses que recentemente tinham viajado. E embora o chefe da administrao de Gorlice considerasse que era essa uma correspondncia escrita s em nome dos camponses, ningum questionava o papel por ela desempenhada. Um papel anlogo desempenhavam as histrias do campons Papciak da aldeia de Czermna, que aps alguns anos de estadia no Brasil voltou para levar a famlia. Czermna, para onde chegavam tambm cartas, tinha na regio a maior emigrao para o Brasil (13 famlias). Todas as cartas que me so conhecidas lembram o recebimento da subveno que os dois autores calculam em moeda austraca. Escrevem sobre a terra, inclusive um dos autores estima o solo como bom, citando a sua superfcie 25 morgas com floresta (1 morga menos de 0,6 ha). Cada um que no tenha o seu pedao de po, ento desejo-lhe a ida para o Brasil, onde trabalhars para si escreveu Jzef Burda de Curitiba para o pai Adam Burda em Binarowa 15.VII.18762. Informava que na regio de Curitiba no existem animais selvagens. Outro autor de uma carta, Adam Wolski, quase dois meses mais tarde, escrevendo para a famlia em Kowalowy no escondia que, inicialmente, pelos emigrantes espera um trabalho duro, mas decidindo viajar no pas deixa a misria. Na primavera de 1877 o chefe da administrao de Jaso convocou os chefes dos municpios a prestar informaes sobre as causas e o curso da emigrao para o Brasil. O chefe do municpio de Olpiny, Jan Ryndak, falou das notcias sobre as terras gratuitas, subvenes e boas colheitas, que chegavam aos donos de pequenas propriedades endividados, que no encontravam possibilidades de adicionalmente ganhar dinheiro.

    2 Centralnyj Derzawnyj Istorycznyj Archiw Ukrainokoji RSR em Lvov [a seguir CDIA URSR]. Galicke Namistnyctwo. 2434 p. 124.

  • Cito anos mais tarde foi constatada a agitao emigraciona? na regio de Nowy Scz, com referncia a carta do padre Adamowski Jan, que era originrio daquela regio, e se encontrava no Paran nos anos 1883-1886. Sobre a autntica carta desse padre, sobre as colnias polonesas no Paran sabemos tambm atravs da imprensa polonesa que aparecia em Pars. A cpia que circulava na regio de Nowy Scz parece ser sem dvidas uma falsificao. Entretanto, interessante que, ao lado das informaes sobre as terras gratuitas e a viagem grtis, introduz-se tambm a pessoa do filho do monarca austraco, reinando no Brasil, que enviar um grande navio para transportar os emigrantes. Pela primeira vez encontramos este tipo de mistificao nos meados de 18853.

    quase na mesma poca que o apelo do baro Alfredo Visconde de Taunay. Lembrando a situao na parte da Polnia ocupada pela Prssia, sobretudo a expulso dos chegados de outras partes ocupadas da Polnia, conhecida sob a denominao de expulso em massa de Bismarck (abrangeu essa expulso 25 mil pessoas), contrapunha-se o Brasil como Terra Prometida, Nova Polnia, na qual reina a felicidad e e a segurana, o contrrio das infelicidades e incertezas na Velha Polnia. Lembrando a liberdade e a ajuda no processo de estabelecimento, convocava-se os colonos para que dirigissem cartas dentro desse esprito o pas4. Eram os comeos da agitao que partiu da administrao brasileira, dessa vez do estado do Paran, e que uma escala mais ampla desenvolveu-se no perodo da primeira febre atravs de Lisboa.

    As primeiras informaes objetivas sobre a colonizao polonsa na regio de Curitiba apresentou na imprensa de Varsvia, em 1882, Teofil Rudzki5. Wdrowiec era um peridico de orientao positivista, que desempenhou um importante papel na vida artstica, naqueles anos tinha, entretanto, ainda, um carter de revista geogrfica. No perodo da febre Rudzki contrapos-se ao antimito

    3 Tambm 2444 p. 1. 4 A Polonia no literatura brasileira. Curitiba 1927, pp. 185-187; A. Broek: Emigrao de Alm-mar da Alta Silsia na segunda metade do sculo XIX: Conferncia Cientfico-Popular 100 anos da Colonia Polonesa no Brasil, Opole 1969, p.23. 5 T. Rudzki: Memrias do Brasil. Colonias polonesas na provincia do Paran Wdrowiec, nr. 1036 de 9.XI.1882.

  • corrente do Brasil, ele prprio entretanto j um pouco diferente decompunha as luzes e as sombras.

    Em 1890, o Reino da Polnia foi envolvido pela primeira febre brasileira. Adversrio da emigrao, escritor e pedagogo positivista, Adolf Dygasiski, que por parte de um dos jornais seguiu a trilha dos emigrantes, reconhecia que sobre os candidatos viagem agiam sobretudo as cartas cheias de promessas. A censura russa confiscou um certo nmero delas, enviadas para as partes do Reino abrangidas pela emigrao; eram entretanto cartas de emigrantes que precisamente naquele ario tinham viajado para o Brasil. Falam elas militas coisas de como estimavam ou queriam apresentar aos que ficaram no pas a vida naquela parte do globo. Contudo, significativamente mais hipotticas tm de ser as concluses tiradas na sua base sobre a gnese da deciso que recentemente tomaram. Dentre os argumentos que devero convencer os que ficaram no pas, em primeiro lugar destacam-se as informaes sobre a grande quantidade de terra obtida. A maior norma citada de cerca de 6 wka de floresta (uma wka = 30 morgas), e a menor 30 morgas. As dimenses de 100-125 morgas eram mencionadas pela maioria dos autores das cartas, embora alguns mencionavam que trata-se aqui de medidas brasileiras, pelo que o clculo era, luz dos clculos as vezes citados, aumentado em 30%. As terras obtidas estimavam como frteis, embora alguns reconheciam serem constituidas por florestas, que tinha de ser primeiramente cortadas e queimadas. Admirao causavam as rvores, que no haviam visto na Polnia. De modo realstico estimava a situao um dos colonos de So Matheus calculando que de 84 morgas de floresta obtinha dentro de um ano 4 morgas de campo limpo. De So Feliciano no Rio Grande do Sul escrevia-se sobre as colheitas duas vezes ao ano. Informava-se sobre a subveno obtida, o cereal para o plantio, sobre o equipamento e edificaes baratas, sobre a falta de impostos, mas tambm sobre a cara manuteno, em casos espordicos sobre a enorme misria daqueles que haviam assumido a colonizao. Sublinhava-se que para o trabalho na agricultura brasileira necessria uma boa sade. Inmeras eram as informaes sobre a morte dos mais prximos. Ao lado das afirmaes de que a Amrica

  • do Sul a mais rica em todo o mundo em colheitas, surgiram apreciaes mais concretas de que no Brasil est-se bem, mas somente para aqueles que tm sade e fora para o trabalho. Aparecen a informao sobre a suspenso das viagens gratuitas e a agitao contra So Paulo, juntamente com a simultanea comparao da situao dos colonos do incio dos anos setenta com a nobreza na Polnia6. A maioria dessas cartas originava-se do Rio Grande do Sul, claramente ultrapassando Santa Catarina e Paran.

    No perodo da febre no Reino da Polnia falava-se mais sobre a m situaao, alis com maior frequncia sobre a situao econmica e social, religiosa e poltica, do que sobre o que se espera no Brasil. O argumento da obteno da terra gratuitamente, juntamente com a subveno e a madeira para a construo, destacava-se no primeiro plano, embora as dimenses das propriedades informadas com relativa raridade talvez no ultrapassavam 60 morgas, portanto encerravam-se nas noes de propriedade camponesa rica. Lembrava-se o dinheiro gasto na viagem. Se confrontssemos aquilo que se falava no pas com aquilo que se escrevia do Brasil, ento nessas ltimas informaes no se encontraria meno sobre os baixos preos e bons salrios, por um lado, enquanto por outro lado sobre o papa e a rainha da Inglaterra que apoiavam aparentemente a emigrao e compravam terras para os emigrantes polonses. Ao contrrio da ocupao prussiana e austraca no haviam aqui boatos fazendo referncia a autoridade local da ocupao. A nica informao mantida em tom bastante reservado, que circulava segundo a opinio da gendarmeria de oma, lembrava a aceitao por parte do tzar do pedido do papa de criao no Brasil de um Reino da Polnia puramente catlico, sem herticos, com um rei escolhido por um perodo de 3 anos7. O argumento da alta remunerao no Brasil, o lado da motivao que atingia principalmente a populao rural, era usado sobretudo na gubernia [a mais alta unidade administrativa na Rssia tzarista e nos pases a ela submetidos nt] industrializada de Piotrkw, onde na emigrao participaram muitos

    6 Cartas dos Emigrantes do Brasil e dos Estados Unidos 1890-1891, editado por W. Kula, N. Assorodobraj-Kula e M. Kula, Varsvia 1973, pp. 147-230. 7 Centralnyj Gosudarstwiennyj Archiw Oktiabrskoj Rewo1ucyi, Moscou, conjunto 102, d. 2, 44 parte 6, 1891 p. 3.

  • operrios da indstria txtil. Os candidatos emigrao no acreditavam nas informaes oficiais das autoridades sobre a situao fatal dos emigrantes no Brasil. Como reconhecia o governador de Kalisz em maro de 1891, as cartas do Brasil, circulando de mo em mo, de melhor forma descolorizam a situao em que se encontravam os emigrantes8. Nessa mesma regio fonte de informao constituia tambm a j h bastante tempo editado manual de geografia, possuido pelo padre.

    Caraterstico que as apreciaes mais extremadas, tanto das promessas exageradas como das esperanas scio-polticas relacionadas com a emigrao, originaram-se das memrias escritas, embora ambos os autores camponses, filhos de um operrio agrcola e de um proprietrio de minifndio de 5 morgas, tivessem na poca que descreveram 12 anos. O primeiro deles cita tambm a informao sobre a promessa de 40 morgas de terras e de subveno, o que certamente desempenhava um papel mais importante9. Wadysaw Godzikowski, ativista socialista, que aparece u no Brasil 9 anos aps a febre, nas memrias, mais tarde, ao lado dos argumentos da terra e da viagem gratis, enumera igualmente uma grande quantidade de boatas fantticos sobre a situao econmica e o papa, para termin-las com a concluso refletindo o grau de conscincia, que no havia sido ainda alcanado pelos participantes de primeira febre: Em multido o povo polons seguiu para a nova e mais feliz ptria, onde no existe fiscal au ecnomo, palcia e gendarme, sem espio tzarista10.

    A pea de teatro. de quatro actas que se encantrava na biblioteca da teatro de Lvov, voltada contra a emigrao, era dedicada aos casos que tinham lugar na regio de Pock, centro da emigrao que partia do Reino. Terras gratuitas, subveno, boas colheitas, os ganhos locais dos artesos, falta de casas de fazenda, iseno por 20 anos dos impostas, baixos preas da alimentao, patrocnio do papa e da rainha da Inglaterra, por fim a definio do Brasil como paraso

    8 Arquivo Estatal da Provincia de d, Chancelaria do governador de Kalisz 437 p. 190. 9 Memrias dos emigrantes. Amrica do Sul. Varsvia 1939, pp. 140-141, 332. 10 Manuscritos Ossolineum. Wrocaw. W. Godzikowski: Memrias do Brasil. 12564/I p. 37.

  • para o povo pobre, esses argumentos, com os quais a polmica conduzida, identificando-se com as informaes de outras fontes11.

    Na parte da Polnia ocupada pela Prssia, na regio de Wielkopolska, naquele tempo apareceu a lenda sobre a duque Henrique, irmo do Imperador, que dever ser o imperador do Brasil, mais raramente era lembrado aqui o papa. Atravs da imprensa progressista de Varsvia passavam as infarmaes de segunda mo, que falavam da esperana da recebimenta de 50 morgas de terras e do reino campons.

    Nesse mesmo perodo na Galcia comearam a se difundir notcias sobre a distribuio no Brasil de terras gratuitamente; um dos informadores falava de 30 morgas, a que compreensvel num parcelamento maior de terras na Galcia. Principalmente dentre os camponses ucranianos na regio de Brady, Zoczw e Zbara era divulgada tambm infarmaes de que a imperadora compra no Brasil terras para a arquiduquesa Stefania, traz para a servos da Galcia juntamente com exrcito, e que essas terras pertencem ao imperador, que aps compr-las pretende pavoar com camponses, finalmente que essas tercas comprou a arquiduque Rudolf. Com o Brasil eram relacionadas as esperanas de bemestar. Os boatos sobre o dinheiro para a viagem e o estabelecimento econmico, gado e cavalos, lembram a argumentao usada nesse perodo no Reino da Polnia12.

    No perodo da febre emigracional da Galcia, de 1895, predominavam os boatos trasmitidos de boca em boca, dominando claramente sobre as informaes originrias de Lvov e dos agentes emigracionais. Ao contrrio do Reino da Polnia, onde esse tipo de informaes vinham com maior frequncia de Lisboa, Galcia cinco anos mais tarde chegavam principalmente dos portos italianos.

    As promessas de terras distribuidas gratuitamente oscilavam entre os 20-40 morgas e j aps o apagar do movimento, em caso espordico, 50 morgas a pagar ou 113 morgas em dinheiro. Informava-se na imprensa radical sobre os trabalhos de construo de estradas no perodo do corte de floresta. As terras, seriam com edificaes e

    11 Idem. Para o Brasil. Quadro compons em quatro atos com cantos e danas encenou K. R. Kozierowski, I 11051 p. 18, 39, 46, 54. 12 CDIA URSR. Galicke Namistnyctwo 2458 pp. 64-71, 89, 97, 152, 154, 157.

  • equipamento, livre de impostos, com ajuda para os pobres. Repetiram-se as notcias difundidas cinco anos mais cedo sobre o apoio emigrao por parte do imperador, sobre a arquiduquesa Stefania e o arquiduque Rudolf; chegaram as seguintes sobre a Nova Austria no Brasil com o governador Jan Orth. A Nova Austria seria justamente governada por Rudolf, enquanto a arquiduquesa Stefania compraria todo o Brasil. Chaama ateno o amplo alcance das lendas sobre a famlia imperadora, sobretudo sobre o falecido Rudolf, num perodo em que a administrao autonoma da Galcia de diversos modos procurava contrapor-se ampliao do movimento emigracional. A viagem gratuita em certos perodos provocava a intensificayo ou o enfraquecimento da emigrao, contudo mais raramente encontrado na argumentao. Lembrem-se que mais cedo ou mais tarde um tal trabalho nas plantaes espera por vocs, pois nas colnias vocs no conseguem se manter, lembrem-se que vocs so trazidos pelo governo brasileiro somente para substituirem os antigos escravos, Negros! adverta uma brochura sem nome editada em 1895 em Lvov, inclusive num tom um pouco mais suave do que seus anlogos prottipos da regio do Reino da Polnia13. Alguns Ucranianos acreditavam entretanto que Rudolf criou o Estado russo no qual reina o bem-estar, o Estado sem gendarmes, sequestradores de impostos e Judeus. O mito econmico-social misturava-se aqu como o poltico, no qual entretanto mantinha-se o lao dinstico com os Habsburgs. De tais concepes estavam livres os camponses do Reino da Polnia, mas nas fontes dessas diferenas encontravam-se tambm as diferenas de sistema entre o Estado russo e austro-hngaro.

    No inicio de 1911 em alguns peridicos que chegavam s aldeias ou na brochura de esquerda, o ativista polones do Paran, Micha Pankiewicz criticando os erros cometidos durante a primeira febre, postulava a colonizao na agricultura naquele estado em que os colonos recebessem 45 morgas de terras, casa e ferramentas a pagar, facilidade na venda dos produtos, altos preos, se bem que os dois primeiros anos de limpeza das terras florestais venham a ser pesados.

    13 Algumas palavras sobre o pas chamado Brasil e sobre o porque atraem para a nossa gente, adicionando prudncia e canselhos para os emigrantes. Lvov 1895, p. 76.

  • Pankiewicz lembrou os antigos colonos que tinham as vezes propriedades com algumas centenas ou inclusive com alguns milhares de margas. Informava sobre a viagem gratuita, dava nfase a liberdade poltica, acentuava a transformao dos antigos empregados das fazendas que se tornavam gente na plena acepo dessa palavra, a liberdade religiosa e a existencia de sociedades polonsas, de es colas e imprensa polonesas. Um reemigrante, tambm conhecido ativista de esquerda, Jan Hempel, chamava o Paran o lugar ideal, verdadeiro paraso para o campons polons pequeno proprietrio ou sem terra, que de um pobre sem casa e faminto torna-se um proprietrio poderoso de terras, autonomo, cidado de um pais livre. Entretanto, isto alcana aps alguns anos de trabalho duro, que exige uma grande resistncia, sob acondio de estar acostumado o trabalho no campo desde a infncia14.

    Professor de polons no Brasil, mais tarde reemigrante, Wadysaw Wjcik, conduziu aps anos conversas com os emigrantes estabelecidos nos anos 1911-1912, da parte sudeste do Reino, que falavam igualmente sobre os motivos da viagem. Antigo empregado de fazenda, Wojciech Dubiel, escutou na feira conversa sobre a viagem gratuita e terras grtis, e informaes mais concretas obteve do padre, cujos pais se encontravam no Brasil. Sabia que pode tanto conseguir algo na vida como ser vtima de doenas. Antigo cocheiro de fazenda, Wojciech Turczyniak, soube dos Judeus sobre as terras e a liberdade, mas tambm sobre o duro trabalho no corte da floresta. Filho de campons, Tomasz Koluk decidiu-se pelo caminho seguir para o Brasil, e no para os Estados Unidos, sob a influncia das histrias sobre 100 morgas de floresta a pagar, se bem que a floresta ele imaginava que fosse como no pas de origem. O jornaleiro sem terras Jzef Kopernicki sonhava tambm com terras. Receber terras sem dinheiro isso era muito mais do que um pobre ser-humano no pas podia sonhar. Adam Potyraa, jornaleiro, e Piotr Krl, cocheiro, obtiveram informaes de impressos. As promessas econmicas que chegavam a 50-100 morgas a pagar, com subveno para as edificaes e ferramentas, remunerao na construo de estradas,

    14 M. Pankiewicz: Verdade sobre o Paran. Zorza, nr 2 de 12.I. 1911. J. Hempel: Quem pode viajar para o Paran. Kurier. nr 51 3.III.1911.

  • estavam ligadas coro a concepo de uma nova Polnia, para o campons, sem senhores, econmos e autoridades de ocupao, com escolas polonesas, sociedades e imprensa polonesa. Assim se apresentava a recepo dos lemas lanados pelos intelectuais poloneses do Paran, claro, da perspectiva de uma j mais longa estadia no Brasil. Na esperana de uma manuteno barata, da possibilidade de vencer na vida e da liberdade poltica, colocava acento, aps anos, o autor de memrias Teofil Kempa, que senda filho de um carpinteiro rural viajou aps ter obtido informaes na redao do peridico campons Zaranie15.

    Durante as investigaes na questo da emigrao conduzidas pelas autoridades na regio de Zamo e Tomaszw, ao lado das informaes sobre as cartas do Paran e dos argumentos das terras gratuitas e da passagem grtis, surge j o conhecido de 1890 motivo do papa e das terras para os catlicos no Paran16. Surgiu na regio chamada Chemszczyzna, destinada a destacar-se do Reino da Polnia pela acelerada russificao, pelo favorecimento da religio ortodoxa e por uma srie de limitaes legais, sobretudo na aquisio de terras para os catlicos.

    No perodo dessa terceira, segunda febre no territrio do Reino da Polnia, podemos falar de uma certa uniteralidade das informaes, que baseava-se numa significativa medida da referencia dos pressupostos da ao de colonizao. A prtica no local era com frequenia um pouco diferente, nem todos podiam acompanhar o processo de adaptao que se alongava. Aqui nos interessa entretanto no o curso da colonizao, mas a confrontao do mito com a realidade. Com toda certeza pode-se afirmar que a fantasa constitua s a marginalidade. O campons da parte sudeste do Reino da Polnia em princpio sabia o que procura no Brasil. Para o trabalho pesado estava preparado, das diferenas das condies no se dava muito canta, se bem que sobre elas havia ouvido falar. O seu objetivo era aterra. Decidiam-se a viajar as farnlias mais empreendedoras, conscientes de suas aspiraoes, colocando-se num nvel intelectual

    15 W. Wjcik: Lublinenses no Brasil. Varsvia 1963, pp. 11-14, 87, 96, 128, 157. T. Kempa: Sou Polons! em: Memrias dos Emigrantes 1878-1958. Varsvia 1960, pp. 815-817. 16 Arquivo Estatal da Provincia de Lublin. Chancelaria do governador de Lublin, Seo I 119/1911 pp. 5, 16, 89.

  • superior aos participantes das duas primeiras febres emigracionais. Entretanto, isto era tambm resultado das mudanas que entretempos tiveram lugar no Reino da Polnia.

    O historiador brasileiro Ruy Christovam Wachowicz estima a afluncia da emigrao polonsa no perodo das febres em 90 mil, senda 45% para o Rio Grande do Sul, 40% para o Paran e o restante 15% para Santa Catarina, So Paulo, Espirito Santo e Minas Gerais17. A luz dos clculos posteriores de Wachowicz, apresentados na Comission Internationale d'Histoire des Mouvements Sociaux et des Structures Sociales, 9, 3 mil chegaram at 1889, e 80 mil nos anos 1890-1914. O Paran com 40,1 mil emigrantes (sendo 33 mil a partir de 1890) supera o Rio Grande do Sul coro 31,3 mil (31 mil a partir de 1890) e Santa Catarina coro 9 mil (7 mil a partir de 1890).

    17 R. Ch. Wchowicz: A febre brasileira na imigrao polonesa. Anais da Comunidade Brasileiro-Polonesa, vol. 1, ano 1970, p. 55.