O mito florbela espanca

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Prof. Fernanda Pantoja

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Prof. Fernanda Pantoja

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Florbela Espanca é a poetisa da dor, da insatisfação constante e principalmente do amor, mas não do amor completo, leve e bem resolvido e sim do amor conturbado, do amor nunca plenamente encontrado ou correspondido, um sentimento profundamente sofrido. Veio ao mundo com uma predisposição para a obsessão. Assim como dizia nos versos do soneto Amar ela buscava um outro tipo de amor:

“Eu quero amar, amar perdidamente!Amar só por amar: aqui... além...Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...Amar! Amar! E não amar ninguém!

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Ela amava o próprio sentimento de amar. Era isto o que Florbela ansiava e que consequentemente lhe trouxe toda a sorte de decepções por toda sua existência. Padeceu por toda a vida o problema da neurastenia, possivelmente herdada pela mão que morrera jovem de neurose, o que a deixava constantemente exausta tanto física quanto mentalmente Mas ao mesmo tempo que a dor e a doença provocaram-lhe todo o tipo de infortúnios também trouxe-lhe a contribuição na elaboração de seus versos e contos. Escreveu os livros de sonetos: Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade. Charneca em Flor e Reliquiae. Aventurou-se também pelos contos escrevendo as obras: As Máscaras do Destino, Diário do Último Ano, O Dominó Preto.

Teve a favor e contra si própria constituir-se como um mito o que de certa forma desmereceu a sua figura como poetisa e seus méritos literários. Profundamente incompreendida pela sociedade de sua época teve sua escrita comparada a das poetisas de salão que proliferavam no momento. Muitos consideravam seus versos patéticos frutos de uma futilidade de seu mundo burguês, outros os consideravam um despautério devido a conotações sensuais. Seus versos sofreram todo o tipo de alteração quando publicados. Por vezes perdiam-se até mesmo as rimas devido às tamanhas alterações sofridas o que lhe provocava revolta e desgosto.

A dificuldade em enquadra-la em certo tipo de cânone estético fora outro problema ao seu reconhecimento. A verdade é que apresentou variados traços estéticos das escolas finisseculares.

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Florbela é tida por muitos autores como Neo-romântica demonstrando isto em seu subjetivismo, individualismo, pessimismo, desencanto e principalmente na tendência e convicção de superioridade de destino dos poetas românticos que viam o sofrer como a glória e a libertação.

Outros atribuem a Florbela características decadentistas- simbolistas comparando-a ao contemporâneo Mario de Sá Carneiro em suas explosões de temas angustiantes, no lirismo e na expansão de sensibilidade inquieta em estado de crise onde proliferaram os claustros, as quimeras, os castelos junto aos céus, elementos cambiantes e sinestésicos que lembram muito este período literário.

A escolha pelo soneto leva-a a ligações com traços parnasianos. Escolheu o soneto decassílabo talvez por pura inconsciência a princípio, porém elegeu-o como principal forma estética, sendo também desta maneira uma cultora da forma onde recebe influencias desde Camões até Antero de Quental um dos escritores que mais teve influencia sobre sua obra.

Ao Modernismo possivelmente pouco ou nada se tem em sua escrita. A atitude de vanguarda de Florbela, o feminismo a flor da pele são as suas características modernistas, porém elementos estéticos que se afinem ao Modernismo ou ao movimento Orpheu não sobressaem em sua obra.

De seu contemporâneo Antonio Nobre, poeta decadentista, surge a aproximação e a profunda admiração. Ela própria se intitula “A ANTO” em um dos seus sonetos:

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A Anto!

Poeta da saudade, ó meu poeta queridoQue a morte arrebatou em seu sorrir fatal,Ao escrever o Só pensaste enternecidoQue era o mais triste livro deste Portugal,

Pensaste nos que liam esse teu missal,Tua bíblia de dor, teu chorar sentidoTemeste que esse altar pudesse fazer malAos que comungam nele a soluçar contigo!

Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,Soluços que eu uni e que senti dispersosPor todo o livro triste! Achei teu coração…

Amo-te como não te quis nunca ninguém,Como se eu fosse, ó Anto, a tua própria mãeBeijando-te já frio no fundo do caixão!

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Refere-se assim muitas vezes a Antonio e julga-se incapaz de chegar a altura deste poeta o que nos mostra certo contraste de caráter devido ao seu egotismo constante.

De Américo Durão, Colega de Florbela na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e um dos mais próximos da poetisa durante os seus estudos universitários, recebe a alcunha “Irmã soror saudade” e encarna com louvor o papel por ele atribuído:

Irmã; Sóror Saudade, ah! Se eu pudesseTocar de aspiração a nossa vida,Fazer do mundo a Terra PrometidaQue ainda em sonho às vezes me aparece!

Américo Durão

Ela de pronto responde com um soneto:

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Soror SaudadeIrmã, Soror Saudade, me chamaste...E na minh'alma o nome iluminou-seComo um vitral ao sol, como se fosseA luz do próprio sonho que sonhaste.Numa tarde de Outono o murmuraste;Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;Jamais me hão de chamar outro mais doce:Com ele bem mais triste me tornaste...E baixinho, na alma de minh'alma,Como benção de sol que afaga e acalma,Nas horas más de febre e de ansiedade,Como se fossem pétalas caindo,Digo as palavras desse nome lindoQue tu me deste: Irmã, Soror Saudade...

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Florbela é atribuída a chamada classe de “Outros Poetas” ou Poeta “Sui Generis” por constituir como única em seu gênero. Dessa forma mostra traços de certas escolas, mas não é possível enquadrá-la potencialmente a alguma. A sua linguagem foi marcadamente pessoal, totalmente influenciada por sua vida. Nada do social entrou em sua obra, para Florbela o que importava eram os seus sentimentos, suas emoções, seu mundo particular que não suportando guarda-lo para si, explodiu em seus versos.·.

Decerto o que se pode ter ao estudar-se Florbela, é a convicção de que ao contrário do que os detratores daquela sociedade patriarcal profanavam nada tem esta poetisa de vulgar ou comum. Seus versos são carregados de um lirismo a toda prova, de uma beleza profunda, o erotismo também se faz presente, e o narcisismo chega as raias da obsessão. Possuiu uma atitude caracterizada como fabulística, por agir de forma naturalmente muito complexa e dissimulada, vivendo e representando em seus versos papéis e visões ínsitas de contos de fadas. Considera-se «poetisa eleita» e dona de inspiração e versos perfeitos. Florbela constantemente chama a si mesma de princesa,

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coloca-se acima dos outros em seus palácios, sente-se especial e por isso mesmo incompreendida.

Esta atitude pode ter sido uma forma de fuga de Florbela. Nada lhe proporcionava um real prazer e o que a principio poderia causar-lhe alguma felicidade logo se desfazia. Nada a satisfez e a ânsia constante, o desejo constante produziu-lhe um desgaste profundo. Florbela ama o amor, quer um deus, não se satisfaz com nenhum homem. É dona de um profundo Donjuanismo feminino onde a busca pela conquista é constante, porém sempre frustrada quando finalmente alcançada.

Julga as mulheres de sua época como animais ambientados aos costumes medievais, submetendo-se as convenções castradoras de uma sociedade que ela não compreendia nem aceitava. É diferente e mostra-se diferente. O culto de Florbela começa nela mesma. Quando a insatisfação chega ao ápice Florbela explode, não aguenta os nervos que estão fracos, o sonho se esvai. Deixa a vida e o destino triste dos poetas ressaltado no Soneto Tormento do Ideal de Antero de Quental: “Recebi o batismo dos poetas e para sempre fiquei pálido e triste.” Florbela deixa-nos uma obra admirada e exaltada por muitos, mas leva consigo o sentimento e sua figura enigmática, majestosa e extraordinária para todo o sempre.