O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde...

20
33 R E S U M O O monumento MV1 apresenta um aparelho ortostático de xisto, sendo constituído por uma câmara circular e um corredor relativamente longo. A sua função, pelo grupo que o construiu, terá sido apenas a de santuário, ao contrário do sucedido com outros monumen‑ tos similares, que apresentam um carácter sepulcral bem vincado. A sua construção e essa primeira utilização, tendo em conta o espólio que lhe está associado, será datável de um momento recuado do Calcolítico, eventualmente na transição do IV para o III milénio a.C. Posteriormente ao abandono do monumento pelo grupo responsável pela sua construção, parte da câmara serviu para local de enterramento de um indivíduo adulto, o qual era acom‑ panhado de dádivas funerárias integráveis no denominado Horizonte de Ferradeira. A data‑ ção absoluta pelo radiocarbono de um fragmento craniano do esqueleto permitiu, pela pri‑ meira vez, uma atribuição cronológica precisa para os contextos similares integráveis naquele Horizonte. A calibração da data obtida (Beta‑194027 3900±40 BP) leva a colocar os referidos contextos no terceiro quartel do III milénio a.C., isto é, na charneira entre o Calcolítico e a Idade do Bronze no Sul de Portugal. A B S T R A C T The megalithic monument MV1 is a slender orthostatic monument built up with schist slabs, with a circular chamber and a relative long passage. Contrarily to monu‑ ments with similar structural features, that are collective tombs, MV1 did not exhibit a fune‑ rary character and, perhaps, it must be considered as a sanctuary. It contained some pottery, four retouched flint blades, one axe and one adze and a fragment of an engraved green schist idol‑plaque. All these goods point to an early moment in the Chalcolithic, probably in the transition from the 4 th to the 3 rd millennium BC. After some centuries from its first use, an individual was buried in the chamber of the monument. The grave goods, including an unde‑ corated beaker pottery vase and the burial itself point to the so‑called Horizonte de Ferra‑ deira. Radiocarbon dating by AMS of a small sample from the cranial bone gave the date Beta‑194027 3900±40 BP, which after calibration put the funerary context in the third quar‑ ter of the 3 rd millennium BC, i.e. in the transition from the Chalcolithic to the Bronze Age of the Southern Portugal. O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) ANTóNIO M. MONGE SOARES * REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51

Transcript of O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde...

Page 1: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

33

R E S U M O OmonumentoMV1apresentaumaparelhoortostáticodexisto,sendoconstituídopor

uma câmara circular e um corredor relativamente longo. A sua função, pelo grupo que o

construiu,terásidoapenasadesantuário,aocontráriodosucedidocomoutrosmonumen‑

tossimilares,queapresentamumcaráctersepulcralbemvincado.Asuaconstruçãoeessa

primeira utilização, tendo em conta o espólio que lhe está associado, será datável de um

momentorecuadodoCalcolítico,eventualmentenatransiçãodoIVparaoIIImilénioa.C.

Posteriormenteaoabandonodomonumentopelogruporesponsávelpelasuaconstrução,

partedacâmaraserviuparalocaldeenterramentodeumindivíduoadulto,oqualeraacom‑

panhadodedádivasfuneráriasintegráveisnodenominadoHorizontedeFerradeira.Adata‑

çãoabsolutapeloradiocarbonodeumfragmentocranianodoesqueletopermitiu,pelapri‑

meiravez,umaatribuiçãocronológicaprecisaparaoscontextossimilaresintegráveisnaquele

Horizonte.Acalibraçãodadataobtida(Beta‑1940273900±40BP)levaacolocarosreferidos

contextosnoterceiroquarteldoIIImilénioa.C.,istoé,nacharneiraentreoCalcolíticoea

IdadedoBronzenoSuldePortugal.

A B S T R A C T ThemegalithicmonumentMV1isaslenderorthostaticmonumentbuiltup

withschistslabs,withacircularchamberandarelativelongpassage.Contrarilytomonu‑

mentswithsimilarstructuralfeatures,thatarecollectivetombs,MV1didnotexhibitafune‑

rarycharacterand,perhaps,itmustbeconsideredasasanctuary.Itcontainedsomepottery,

fourretouchedflintblades,oneaxeandoneadzeandafragmentofanengravedgreenschist

idol‑plaque.AllthesegoodspointtoanearlymomentintheChalcolithic,probablyinthe

transitionfromthe4thtothe3rdmillenniumBC.Aftersomecenturiesfromitsfirstuse,an

individualwasburiedinthechamberofthemonument.Thegravegoods,includinganunde‑

coratedbeakerpotteryvaseandtheburialitselfpointtotheso‑calledHorizontedeFerra‑

deira.RadiocarbondatingbyAMSofasmall sample fromthecranialbonegavethedate

Beta‑1940273900±40BP,whichaftercalibrationputthefunerarycontextinthethirdquar‑

terofthe3rdmillenniumBC,i.e.inthetransitionfromtheChalcolithictotheBronzeAgeof

theSouthernPortugal.

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

AnTónIOM.MOngESOARES*

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51

Page 2: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5134

1. Introdução

OmonumentoMontedaVelha1(MV1)foi localizado,em1974,conjuntamentecomumoutro monumento megalítico (MV2), este já objecto de estudo e publicação (Soares e Arnaud,1984). Enquanto MV2 é um sepulcro de tipo dolménico, MV1 é um monumento de aparelhoortostático,comcâmaracircularecorredorrelativamentelongo.Distanciando,entresi,cercade750m,situam‑seambosnafreguesiadeVilaVerdedeFicalho,concelhodeSerpa,correspondendoaMV1asseguintescoordenadas(Fig.1):37º56’55’’n;7º20’09’’Wgreenwich.

Omonumentoencontra‑seimplantadonotopodeumapequenacolinacomumacotade235m,ladeadaaoesteeasulporumribeiro,paraondedescemasencostasbastanteinclinadas.Omesmoacontecealeste,enquanto,anorte,acolinaseprolongaporumaáreaaplanadadecotaligeiramentemaiselevada(doisoutrêsmetros).TodaazonadoMontedaVelhaintegra‑se,geolo‑gicamente,nasformaçõesCâmbricasouPré‑Câmbricas(complexocristalofílicoconstituídoporrochasverdesequartzo‑feldspáticas),largamenterepresentadasnestaregiãodoAlentejo(Carva‑lhosa,1968),encontrando‑se,actualmente,cobertadeolivaisemontados.

Aescavaçãodomonumentotevelugarem1975.Apósumaprimeiralimpezadaservasexis‑tentesnoterreno,quecolocouadescobertootopodemuitasdaslajesconstituintesdeMV1,aformadomonumentotornou‑selogoaparente—umacâmaracircularcomcercade3mdediâme‑troeumcorredoralgocurvo(Fig.2),comumadirecçãoaproximadaSW‑nE.

Estabeleceram‑sedoiseixosortogonais,umdelesorientadosegundoocorredorecruzando‑‑senocentrodacâmara.Apartirdesteseixosmarcou‑seumaquadrículade1mdelado.Aescava‑çãodesenrolou‑sedentrodomonumento,istoé,nacâmaraenocorredor,osquaisforamescava‑dos,inicialmente,porcamadasartificiais.Encontrando‑selogo,apoucaprofundidade,nametadesudestedacâmara, indíciosdeumaestrutura,queseviriaarevelarcomofazendopartedeum

Fig. 1 LocalizaçãodosmonumentosmegalíticosMV1(1)eMV2(2)naCartaMilitardePortugal,Esc.1:25000,Folha534,InstitutogeográficodoExército,3.ªed.,2000.

Page 3: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 35

enterramentosecundário,alémdeque,nessaáreainte‑riordacâmara,existiatambémumaárvore(umzambu‑jeiro—Olea europaea sylvestris—verFig.2),optou‑seporescavar, em primeiro lugar, essa metade sudeste até àrochavirgeme,posteriormente,orestodacâmara,tendojá em conta a estratigrafia revelada no perfil assimobtido. Tomou‑se para ponto de cota relativa igual azerootopodeummarcodepropriedadequeseencon‑travapróximodomonumento,tendotodasasestrutu‑raseespólioencontradosidoreferenciadoseregistadosemrelaçãoaoseixosortogonaisecotadosemrelaçãoaoponto0referido.

Pormotivosdiversosnãofoipossível,nessafasedeintervençãoemMV1,investigaropresumíveltumulusdomonumentoeacabaraescavaçãodaporçãoterminaldocorredor,oquesóviriaaacontecerem1999/2000,nãopormim,massimsobaorientaçãodosDrs.AntónioJ.M.Silva, primeiro, e Maria Duarte S. gonçalves, depois,numaacçãopatrocinadapelaCâmaraMunicipaldeSerpa,integradanumProjectodeSalvaguardaeValorizaçãodosMonumentosMV1eMV2edanecrópoledoBronzedoSudoestedoTalhodoChaparrinho(ver,noqueserefereaestanecrópole,Soares,1994).Amavelmente,disponibili‑zaram‑meosregistosaqueprocederam,eque,conjuga‑doscomosqueelaboreiaquandodaescavaçãode1975,serviramparacompletaralgumasdasobservaçõeseregis‑tosdessaaltura,bemcomoalgumasdasfigurasapresen‑tadasnestetrabalho.

2. Descrição do monumento

2.1. O pseudo­‑tholos

Trata‑sedeummonumentoque,comojásereferiu,apresentacâmaraecorredor,ambosdetipoortostático,podendoclassificar‑secomoumpseudo‑tholos,comosejustificaráempormenormaisadiante.nolocal,arochavirgem,umarochaxistosavermelho‑esbranquiçada,muitofractu‑rada,encontra‑sequaseàsuperfícieemesmoafloranteemalgumaszonas.Aproveitando,provavel‑mente,umarededefracturaseaprofundando‑as,foiimplantadaacâmaraeocorredor(Figs.3,4e5),sendoochãodomonumentoconstituídopelarochavirgemaplanada.

Acâmaracircular,comcercade3mdediâmetro,édefinidapor19esteiosdeumxistoverde,porvezes,detonsazulados.Acâmaraapresentaumaentradaanordeste,definidaeflanqueadapelos seus dois maiores esteios que, dada a sua protuberância no espaço do corredor, parecemtambémterservidodebatentesaumaporta(dematerialperecível?)queaípoderiaterexistido.

Ocorredor,comumcomprimentodecercade4,5m,divide‑seemdoistroços—ummaislongo,ligadodirectamenteàcâmara,eumoutro,quesepoderáconsiderarcomoátrio,separado

Fig. 2 AspectosdeMV1apósalimpezadoterreno.a–emprimeiroplano,ocorredor(vistodenorte);b–acâmaracircular,tambémvistadenorte.

Page 4: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5136

Fig. 3 Levantamentotopográficodotopodacolina,cominserçãodomonumento(combasenolevantamentoefectuadoem1999porAntónioJ.M.Silva).

Fig. 4 PlantafinaldeMV1(cotasemmetros;atracejadolevearochavirgem).Baseadanasuamaiorparte—todaaáreaenvolventedeMV1—naplantalevantada,em1999,porAntónioJ.M.Silva.

Page 5: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 37

doprimeiroporumaporta(depedra)comdoisbatentes.Aportafoiencontradanoátrio,ligeira‑menteinclinadaparaoexterior,tendosidocolocadanaposiçãovertical,quandodostrabalhosderestauroeconservaçãodomonumento(Fig.6).Osesteiosdocorredoredoátrio,maisnumerososdoladoeste,sãodomesmotipodexistoutilizadonaconstruçãodacâmara;noentanto,oátrioterminaporblocosdepedradematerialidênticoàrochavirgemaflorantenolocal.

Fig. 5 Plantaealçados(segundoalinhaAB)deMV1.

Fig. 6 a–portadocorredor,talcomofoiencontrada,vistadenorte(notem‑se,emsegundoplano,osbatentesdamesma);b–aportaemposiçãovertical,nofinaldaescavação,encostadaaosbatentes(oátrioemprimeiroplano).

Page 6: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5138

Deveránotar‑sequeocorredor,queseinicia,apartirdacâmara,comumaorientaçãoSW‑nE,vaicurvandoespaçadamenteparaterminarnumátrioqueseabreanorte.Estaorientaçãodoátriodeveráestarrelacionadacomofactodequesomentequemseaproximardomonumentovindodazonaaplanada,ligeiramentemaiselevada,quelheficanavizinhançanorteimediata,podeterumavisãoglobaldeMV1.Sabendo‑sedocaráctertambémritualdestetipodemonumentos,nãoserádifícildeverificarouimaginarquequalquerprocissãoqueseaproximassedeMV1ofariavindadoladonorte,poissóassimselhedeparariaatotalidadedomonumento,mesmoaumacertadistân‑cia,abrindo‑seàsuafrenteoátriodomesmo.

nãofoiencontradoqualquervestígiodacoberturadeMV1.Ocorredorencontrava‑sepreen‑chido praticamente só por terra, na qual dificilmente se distinguiam duas camadas — uma demaior espessura, com algum espólio arqueológico, sobreposta por uma camada superficial derevolvimento,commuitasraízesdeervas(Fig.7b).Porseulado,acâmaraapresentavaduasreali‑dadesdistintas,quesepodiamconsiderarseparadasgrosso modopelalinhaCDrepresentadanaFig.5—ametadesudeste,revolvidapeloenterramentosecundário,jáatrásreferidoequesedescreverácomdesenvolvimentomaisadiante,noponto2.2,e,actualmente,tambémpelasraízesdeumzam‑bujeiro;ametadenoroeste,comumaestratigrafiarelativamentesimplesebemdefinida(Fig.7a),constituídaportrêscamadas,correspondendoacamada1àutilizaçãoprimitivadomonumento,a2,commuitosblocosealgumaspequenaslajesdexisto,aoseuabandono,ea3aumacamadadeterraarávelrevolvidapelaslavourasrecentes.SeseobservaraFig.4,verifica‑sequenãoexistemvestígiosdeumtumuluspropriamentedito,nemdequalquerbasedeumaestruturapétreadefalsacúpula. O espaço entre os “afloramentos” de rocha virgem e a estrutura ortostática do monu‑mentoencontra‑sepreenchidaporblocospétreosdispostoscaoticamenteeacamada2dacâmara,dadaasuapequenaespessuraeconstituição,tambémnãopareceindiciaraexistênciaprimitivadequalquerfalsacúpulaempedra.Tudoistosugere,porconseguinte,queatersidoestemonumentocoberto,essacoberturaterásidodeelementosperecíveis,provavelmentedeorigemvegetal(madei‑raseramosdeárvores,porexemplo).

Fig. 7 a‑estratigrafiadametadenoroestedacâmara(aolongodalinhaCD‑verFig.5):1‑terracastanha,comespólioarqueológico,2‑terracastanha,decorligeiramentemaisescura,commuitaspedrasdexisto,3‑terracastanha,commuitasraízesdeervas;b‑estratigrafianocorredor(aolongodalinhaEF‑Fig.5):1‑terracastanhacomalgumespólio(correspondeàcamada1dametadenoroestedacâmara),2‑terracastanha,ligeiramentemaisescura,commuitasraízesdeervas(correspondeàcamada3dacâmara).

Page 7: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 39

2.1.1. Espólio

Oespóliorecolhido,atribuívelàprimeiraocupaçãodomonumentoequeaseguirsedes‑creve,encontrava‑se,nageneralidade,muitofragmentado, tendo,noentanto,sidopossível,emalgunscasos,areconstituiçãodealgunsvasosdecerâmica(Fig.8).Oespólioempedraencontra‑se,porseulado,todoele,representadonasFigs.9e10.

• MV1‑4‑Taçacarenada(Fig.8).Superfíciesavermelhadasenúcleocastanho.Pastafriável.E.n.p.degrãofinoemédio.Muitofragmentada.

• MV1‑5‑Possívelcopo,aquefaltaobordoeofundo(Fig.8).Superfíciespolidascastanhas,apresentandoaexternaalgumasmanchasnegras;núcleonegro.E.n.p.degrãomédioegros‑seiro.Muitofragmentado.

2.1.1. Espólio

Oespóliorecolhido,atribuívelàprimeiraocupaçãodomonumentoequeaseguirsedes‑creve,encontrava‑se,nageneralidade,muitofragmentado, tendo,noentanto,sidopossível,emalgunscasos,areconstituiçãodealgunsvasosdecerâmica(Fig.8).Oespólioempedraencontra‑se,porseulado,todoele,representadonasFigs.9e10.

• MV1‑4‑Taçacarenada(Fig.8).Superfíciesavermelhadasenúcleocastanho.Pastafriável.E.n.p.degrãofinoemédio.Muitofragmentada.

• MV1‑5‑Possívelcopo,aquefaltaobordoeofundo(Fig.8).Superfíciespolidascastanhas,apresentandoaexternaalgumasmanchasnegras;núcleonegro.E.n.p.degrãomédioegros‑seiro.Muitofragmentado.

Fig. 8 CerâmicadaprimeiraocupaçãodeMV1.

Page 8: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5140

• MV1‑6‑grandevasoesférico(Fig.8).Superfíciescastanho‑avermelhadasenúcleonegro.E.n.p.abundantesdegãomédioegrosseiro.Partidoemdoisfragmentos.

• MV1‑7‑Fragmentodeummamilooblongo(nãodesenhado).Superfícieexternaepastacastanhas.Pastafriável.E.n.p.muitoabundantesdegrãogrosseiro.

• MV1‑8‑Bordo(Fig.8).Superfíciescastanhasenúcleocastanho‑acinzentado.Mamilojuntoaobordo.E.n.p.abundantesdegrãomédio.Partidoemdoisfragmentos.

• MV1‑9‑Pequenovasohemisférico,aberto,deparedesgrossas(Fig.8).Pastafriávelcastanho‑‑avermelhadaesuperfíciesdamesmacor,mascorroídas.E.n.p.raros.

• MV1‑10‑Pequenovasoatenderparaofechadoedebordoengrossadoexternamente(Fig.8).Superfíciescorroídascastanho‑avermelhadasenúcleocastanho‑escuro.Pastamuitofriável.E.n.p.raros.

• MV1‑11‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanhas,comalgumasmanchasnegras,enúcleocinzento(nãodesenhado).E.n.p.degrãomédio.Espessura:6mm.PoderápertenceraovasoMV1‑5.

• MV1‑12‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanhasenúcleocinzento‑escuro(nãodesenhado).E.n.p.degrãomédio.Espessura:7mm.Poderá,igualmente,pertenceraovasoMV1‑5.

• MV1‑13‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanhasenúcleocastanho‑acinzentado(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédio.Espessura:10mm.DeverápertenceraovasoMV1‑8.

• MV1‑14‑Trêspequenosfragmentosdeumvasodesuperfíciescastanhasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.degrãomédio.Espessura:6mm.

• MV1‑15‑Fragmentodeumvasodesuperfíciesbemalisadascastanho‑avermelhadasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:7‑8mm.

• MV1‑16 ‑ Dois fragmentos de um vaso de superfícies castanho‑avermelhadas e núcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:9a11mm.PoderápertenceraovasoMV1‑6.

Fig. 9 ArtefactoslíticosdaprimeiraocupaçãodeMV1.

Page 9: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 41

• MV1‑17‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanho‑avermelhadasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:11a13mm.Poderá,igualmente,pertenceraovasoMV1‑6.

• MV1‑18‑Fragmentodeumvasodesuperfíciescastanho‑avermelhadasenúcleonegro(nãodesenhado).E.n.p.abundantesdegrãomédioegrosseiro.Espessura:11a12mm.Poderá,também,pertenceraovasoMV1‑6.

• MV1‑19‑Pequenovasohemisférico,aberto,deparedesgrossas(Fig.8).Pastamuitofriávelcastanha‑avermelhadaesuperfíciesdamesmacor.E.n.p.raros.

• MV1‑28‑Bordo(Fig.8).Superfíciesenúcleocastanho‑avermelhados.Pastamuitofriável.E.n.p.degrãofino.

• MV1‑29‑Fragmentodeumvasodesuperfíciesenúcleocastanhos(nãodesenhado).E.n.p.muitoabundantesdegrãogrosseiro.Espessura:13mm.PoderápertenceraovasoMV1‑7.

• MV1‑22‑Lâminadesílexcastanho(Fig.9‑a4).Secçãotrapezoidal,retocadaaolongodosbordos.

• MV1‑23 ‑Fragmentomesialde lâminadesílexcastanho‑acinzentado (Fig.9‑a3).Secçãotrapezoidal,retocadaaolongodeumdosbordos.

• MV1‑24‑Lâminadecalcáriosilicificadodecorcremeclara(Fig.9‑a1).Secçãotrapezoidal,retocadaaolongodeumdosbordosenaextremidadedistal.

• MV1‑25‑Fragmentodistaldelâminadesílexcinzento(Fig.9‑a2).Secçãotrapezoidal,comalgunsretoquesaolongodosbordos.

• MV1‑20‑Machadodeanfibolito,desecçãorectangular,muitobempolidonogumeeempartedassuperfíciesanterioreposterior;simplesmenteafeiçoadonassuperfícieslateraisenotalão(Fig.9‑b1).Semvestígiosdeuso.

• MV1‑21‑Enxódeanfibolitototalmentepolida(Fig.9‑b2).Semquaisquervestígiosdeuso.• MV1‑26‑Fragmentodeplacadexistoverde(Fig.10).Decoradanasduasfacescomzigue‑

zagueshorizontaiseverticais.

A distribuição no espaço do monu‑mento do espólio atrás descrito, o qual sepoderáatribuiràprimeiraocupaçãodeMV1,encontra‑seregistadanaFig.11.Todoeleseposicionanascamadas1dacâmaraedocor‑redor,comexcepçãodosfragmentoscerâmi‑cos MV1‑15 e MV1‑18 e da lâmina de sílexMV1‑24,osquaisseencontravamnaáreadoenterramento secundário, onde tambémcresceuozambujeiro.Terãosidoestesrevol‑vimentosqueprovocaramoposicionamentoemcotasaltasdeMV1‑18edeMV1‑24.Poroutrolado,deveránotar‑sequeexistiamfrag‑mentos de um mesmo vaso em posiçõesdiversas.ÉocasodovasoMV1‑4,cujosfrag‑mentos surgiram em dois locais da câmara

Fig. 10Fragmentodeplacadexisto,decorverde,muitopoucoduro,comdecoraçãonasduasfaces.

Page 10: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5142

enumdocorredore,tambémprovavelmente,dovasoMV1‑6emquatrolocaisdacâmara,dovasoMV1‑5emtrêsou,ainda,dovasoMV1‑7comfragmentosemdois locaisdiferentes.Contraria‑menteaestadispersãoefragmentaçãodacerâmica,indiciadoradosrevolvimentoshavidos,ovasoMV1‑10 deveria encontrar‑se na sua posição primitiva, assente no chão da entrada da câmara,encostadoaoesteioestedessaentrada.Omesmoaconteciacomosúnicosinstrumentosdepedrapolidaencontrados,omachadoMV1‑20eaenxóMV1‑21,osquaisestavamposicionadosnochãodacâmara,a5cmumdooutro.

2.2.­O­enterramento­secundário

naFig.12encontra‑serepresentadooenterramentosecundárioeasestruturasqueoacom‑panhavam.nointeriordacâmaradeMV1,acercadeummetrodaentrada,logonoiníciodaesca‑vaçãodaquela,surgiramapoucaprofundidadeduaslajesrectangularesdexisto.Encontravam‑seencostadaspelotopoumaàoutra,àcotade‑0,40m,assentesemterra,acercade20cmdochãodacâmaraeafastadasentresi,nabase,cercade40cm.Aslajes,comumaespessurairregular(entreos3eos10cm),formavam,porconseguinte,umânguloagudoeoespaçoporelasdelimitadoorientava‑se,noseumaiorcomprimento,segundoadirecçãon‑S.Estaestruturaprotegia(istoé,encontrava‑seentreasduaslajes)umconjuntocerâmicoconstituído(Fig.13)pelovasoMV1‑1,quecontinhaovasoMV1‑2,oqualporsuaveztinha,entreoseuenchimento,váriosfragmentos(osúnicosencontrados)dovasoMV1‑3.

A sul desta estrutura, a cerca de meio metro, encontrava‑se uma laje colocada de cutelo,assentesimplesmente,semqualquerapoiolateral,nosolodacâmaraecomotoposensivelmenteàmesmacotadotopodaestruturaprecedente.Entreessalajeeaestruturareferida,masnavizi‑nhança imediata desta, ao nível do solo da câmara, encontravam‑se os fragmentos do crânio

Fig. 11Distribuiçãoemplantaeemalçadodoespóliocorrespondenteàprimeiraocupaçãodomonumento.

Page 11: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 43

(áreaA,naFig.12),enquantooutrosfragmentosósseosdoesqueletoseposicionavamespalha‑dos(áreaB)atéaosesteiosdacâmara,entreascotas‑0,80me‑1,00m,tendoalgunssidoreferen‑

ciadosmesmopordebaixodosvasoscerâmi‑cos e, por conseguinte, por debaixo daestruturadasduaslajes.

Dequalquermodo,oesqueleto,alémdemuito fragmentado, não parecia estar com‑pleto,nãose encontrandoosossosemposi‑çãoanatómica.Tratar‑se‑ia,antes,deumaglo‑merado de ossos em que, no entanto, erapossível isolar os fragmentos cranianos, queseposicionavamjuntoaosoutros,massemsemisturaremcomeles.

2.2.1. Espólio (Fig. 13)

• MV1‑1 ‑ Taça hemisférica. Pasta castanho‑‑avermelhada, com manchas escuras nasuperfícieexterna.Superfíciespolidas.E.n.p.degrãomédio.Várias fracturas, embora seencontrepraticamentecompleta.

• MV1‑2 ‑ Vaso campaniforme liso. Superfí‑ciescastanhascomalgumasmanchasescu‑ras.núcleomaisescuro.Superfíciespolidas.E.n.p. abundantes de grão fino. Fracturaantiga, faltando um fragmento do bordo.Encontrava‑se, assente pelo fundo, dentrodeMV1‑1.

• MV1‑3‑Taçahemisférica.Pastacastanho‑‑avermelhada.Superfíciespolidas.E.n.p.degrãofino.Muitofragmentada.Osfragmen‑tosconstituemumpoucomenosdemetadedovaso,maspermitemasuareconstituiçãototal.Os fragmentosencontravam‑seden‑trodeMV1‑2.

Fig. 12OenterramentosecundárioemMV1.Azonaondeseencontraramosrestosósseosencontra‑serepresentadaatracejadolargo:A‑área,àcotade‑1,00m,comfragmentosdocrânio;B‑região,entreascotasde‑0,80me‑1,00m,comfragmentosdeossoslongos.Asduaslajesinclinadas,próximodocentrodacâmara,protegiamasdádivasfunerárias,emcerâmica.Atracejadofino,alajedexistovertical,assentenochãodacâmaraequepareciadelimitar,asul,oenterramentosecundário.

Fig. 13Dádivasfuneráriasdainumação.OvasoMV1‑1continhaovasoMV1‑2,que,porsuavez,tinha,noseuinterior,osfragmentosrecuperadosdeMV1‑3.

Page 12: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5144

3. Integração cronológico‑cultural

Peranteoatrásdescrito,quernoreferenteàarquitectura,queraoespóliodomonumentoemestudo,poderiaafirmar‑se,emprimeiraaproximação,quese tratariadeum tholos.noentanto,segundoVictorgonçalves(1992),entende‑seporumtholos“ummonumentofunerário,normal‑mentedestinadoaenterramentocolectivo,geralmentecompostoporcâmaraecorredor,sendoaprimeiraconstruídasegundoosistema de falsa cúpula”(p.237).Ostholoisão,poroutrolado,“monumentos muito diferentes entre si, tanto em termos morfológicos como, muito possivel‑mente,cronológicos.Basicamente,todos têm uma cobertura de falsa cúpula,deonde,porvezes,seremreferidoscomo«monumentos de falsa cúpula»”(gonçalves,1995,p.271).Existem,porconseguinte, duas características básicas dos tholoi que não se encontram presentes no registoarqueológicodeMV1—osistemadefalsacúpulaeaevidênciadodestinofuneráriodomonu‑mentoporquemoconstruiu.

EmboraoconteúdodeMV1seencontrasserevolvidopeloenterramentosecundárioqueneletevelugare,talvez,atéporrevolvimentosanteriores(quepoderãoserumaexplicaçãoparaoestadodefragmentaçãodacerâmicanaszonasdomonumentoaparentementenãorevolvidaspelosauto‑res do enterramento secundário, como sejam o corredor e a metade noroeste da câmara), esserevolvimentonãojustificaaausênciadequaisquerrestosósseoshumanos.nomonumentoMV2,anterioroucontemporâneodeste,foipossívelobservareisolarosdiversosenterramentosqueneletiveramlugar(Soares&Arnaud,1984).MV2encontra‑seimplantadoemterrenosxistosos,ácidos,domesmotipoousimilares,paranãodizer idênticos,aos terrenosondese implantaMV1.DoenterramentosecundáriodeMV1foipossívelrecuperardiversosfragmentosósseosidentificáveis(Silva,Ferreira&Cunha,2008)emesmodatarporradiocarbonoumfragmentodacalotecraniana,umavezquenosseusfragmentossetinhamconservadoaminoácidos(colagénio)suficientesparaestetipodeanálise.nãoécrível,porconseguinte,queseMV1tivessesido,algumavez,utilizadocomocâmarafuneráriapelosseusconstrutores,dessautilizaçãonãotivessemrestadoquaisquervestígios,istoé,quaisquerrestosósseos.

Quantoaosistemadeconstrução,tambémnãofoiencontradaqualquerevidência,quernointeriordacâmara,quernoseuexterior,daexistênciadeumafalsacúpula.Omonumento,atersidocoberto,tê‑lo‑iasidocommateriaisperecíveis—deorigemvegetal,porventura—dequenãoresta‑ramquaisquervestígios.Tambémquaisquervestígiosdotumulus eraminexistentes(verFig.4).

SeaintegraçãodeMV1nomundomegalíticoe,maisespecificamente,nomundodostholoi,encarados aqui estes como expressão de vivências e de rituais de uma determinada época, nãopareceoferecerdúvidas,faltam‑lhe,contudo,característicasbásicasdestesúltimosmonumentos,peloquesepreferedenominá‑lodepseudo‑tholos.

Deverá, por outro lado, notar‑se que existem, por vezes, particularidades regionais nosmonumentosmegalíticos,eventualmentecausadaspelotipodematerialutilizadonasuacons‑trução,queospodemtornarúnicosnoregistoarqueológico.Bastará,aqui, lembrarqueMV2,encontradocomacâmaraintactaquandooescavámos,nãotinha,nemnuncaterátidoqualquer“chapéu”,comoédenorma,masapresentavasimumapedravolumosadexistoacobrirapenasapartecentraldacâmara,sendoorestanteespaçoentreestapedraeosesteiosdacâmara,tambémdexisto,preenchidoporpequenaslajesdomesmomaterial,imbricadasumasnasoutras(Soares&Arnaud,1984).OcasodeMV1nãosepodeconsiderarparaleloaodeMV2,umavezqueomate‑rialutilizadonaconstruçãodeMV1éomesmoousimilaraoqueénormalmenteusadonostholoideaparelhoortostático.UmaexplicaçãoparaoobservadoemMV1poderáresidirnosignificadodeordemritualaatribuiraestemonumento.Segundoalgunsinvestigadoresostholoi poderãoter

Page 13: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 45

tidocomoprimeirafunçãonãoadenecrópole,masadesantuário.Éoqueteráacontecido,porexemplo, com o tholos de Paimogo, em que a existência de um altar e a riqueza do mobiliárioencontrado,designadamentedeobjectosvotivos,apontanessadirecção(gallay&al.,1973).EmMV1,seamaiorpartedosartefactosencontradosseapresentavamfragmentadoseatéalgunsfragmentos do mesmo artefacto posicionados em locais diversos do monumento, havia, noentanto,outros,comoaenxóeomachadoeopequenovasoMV1‑10,queseencontrariamin situnochãodacâmara,peloquenãoserádescabidoatribuir‑lhesumcarácterdedeposiçãovotivanãoassociadaaqualquerinumação,que,aliás,erainexistente.Portudoisto—deposiçãovotivadeartefactos,ausênciadefalsacúpula,ausênciadetumulus—nãoserádespropositadosuporqueMV1terá tidoapenasuma funçãode santuário.Aorientaçãodoátrio, abrindo‑separanorte,comojáatrásfoireferido,quandodadescriçãodomonumento,parecetambémcorroborarestainterpretação.

Diversos tholoi,deaparelhoortostáticomuitosemelhantesaMV1,existemnoAlentejo,algunsdelesjáestudadosepublicados.Sãooscasos,porexemplo,dotholosdoMontedasPereiras(Serra‑lheiro&Andrade,1961),queapresentaumacâmaracirculareumcorredortambémdivididoemdoissectores,odoMalhaFerro(Viana,Andrade&Ferreira,1960),odaAmendoeiranova(Viana&al.,1959)oudoMontedoOuteiro(Viana,Ferreira&Andrade,1961),emboranesteaslajeslate‑raisnãofuncionemcomoesteios,massimcomorevestimentoparietaldacâmara.Outros tholoiexistemnoAlentejo,publicadosounão(comoéocasodosdeBarrancos—verZbyszewski&Fer‑reira, 1967), sendo de ressaltar o seu polimorfismo: aparelho ortostático ou de pedra vã, falsacúpulaapartirdabaseoudocimodosesteios,lajesdacâmaraafuncionaremcomoesteiosouapenascomorevestimentoparietal,câmaracomdivisóriasinternas,câmarascomnichos,etc.Épossívelqueestepolimorfismotenhaumacorrespondênciacronológica,emboraglobalmentesepossadizerqueostholoi“correspondemaomundoespecíficodosprospectoresemetalurgistasdocobre”(gonçalves,1999,p.14),oqueemtermosdecronologiaabsolutaenglobariaofinaldoIVmilénioetodooIIImilénioa.C.(gonçalves,1999,p.14).

AmaiorpartedasescavaçõesdostholoifoiefectuadaemmeadosdoséculoXX,porvezescommetodologiasnãomuitoadequadas,oquetornade interpretaçãoalgodifícilmuitodosdadospublicados.Alémdisso,asdataçõesabsolutasdecontextosregistadosemtholoisãotambémemmuitopequenonúmero.Umtratamentoestatísticodessasdatas,depoucosignificadodadooseunúmero(apenasseis),alémdequeduassãomuitoprovavelmenteanómalas(adotholosdeAdosTassosSa‑1993320±200BP,bemcomoadotholosdaPraiadasMaçãsH‑2048/14583650±60BP),colocamacronologiadestesmonumentosentre2800e2000calBC(probabilidade50%)ouentre2880e1850calBC(1s)ouentre3050e1300calBC(2s)(Soares,1999).Poroutrolado,otholos daFarisoa foi datado pela Termoluminescência, obtendo‑se o valor OxTL‑169j 2675±270 a.C.(Whittle&Arnaud,1975),inteiramentecompatívelcomosintervalosatrásreferidosoucomastrêsdatasobtidasparaotholosdeaparelhoortostáticoOP2b(gonçalves,1995):ICEn‑9564180±80BP;ICEn‑9554290±100BP;ICEn‑9574130±60BP.Deigualmodo,oCalcolíticodoSuldePortu‑galdeverásituar‑se,combaseem37datasderadiocarbonodecontextoscalcolíticosdessaregião,entre3039e2610calBC(prob.50%)ouentre3362e2156calBC(2s)(Soares&Cabral,1993).Parece, pois, correcta a atribuição do início da utilização de tholoi ao final do IV milénio a.C.,prolongando‑seaconstruçãoeusodestesmonumentos,pelomenos,pelaprimeirametadedoIIImilénioa.C.

OespólioquefoiconsideradocomopertencenteàprimeiraocupaçãodeMV1nãocontinhaquaisquermateriaisorgânicossusceptíveisdedataçãopeloradiocarbono.noentanto,acerâmicaeomateriallíticopoderãoforneceralgumasindicaçõessobreoseuposicionamentocronológico

Page 14: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5146

dentrodoCalcolítico.AtaçacarenadaMV1‑4,ovasoMV1‑8commamilo juntoaobordoeopossívelcopoMV1‑5parecemapontarparaummomentorecuadodentrodoCalcolíticodoSul.Poroutro lado,o fragmentodeplacaMV1‑26, emxistoverdee comumadecoração invulgar,poderiaserindicativa,pelocontrário,deummomentoavançadodentrodoCalcolítico,umavezqueomaterialeadecoraçãoutilizadaindiciariamumadegenerescêncianadecoraçãodestesarte‑factos ideotécnicos, possivelmente correlativa de uma fase terminal do seu uso. na região deReguengosdeMonsaraz,segundogeorgeVeraLeisner(Leisner&Leisner,1951,p.115),asplacasdexistoverde,quesãomuitoraras,apresentamtambémornamentaçõesmenosvulgares,tendosidoencontradasnaAnta1doCebolinho,naAnta1doPassoenaAntagrandedoOlivaldaPega,ondepredominavam,emlargamaioria,asplacasvulgaresdexistoazulouazul‑acinzentado.Amuitoprovávellargadiacroniadosenterramentosnestasantasnãopermitemaatribuiçãodeumacronologiafinaseguraparaestetipodeplacasdexistoverde.Poroutrolado,osziguezaguesgravadosnaplacadeMV1têmparalelosrelativamentepróximosnadecoraçãorealizadaporfinasincisõese/ouporpinturaemalgunsdosesteiosdomonumentode falsacúpuladegranjadeToniñuelo(Badajoz),datáveldeumperíodocompreendidoentreoneolíticoFinal/CalcolíticoInicialeoCalcolíticoPleno(BuenoRamírez&BalbínBehrmann,1997).Destemodo,nãoserádescabidoatribuirumadatarecuada,dentrodoCalcolítico,paraaconstruçãoeprimeirafasedeutilizaçãodeMV1,dataessaquepoderásernatransiçãodoIVparaoIIImilénioa.C.Aserassim,MV1serácontemporâneoouumpoucoanterioràsegundafasedeenterramentosdeMV2,quesecaracterizamporlhesestarassociadasplacasdexistoreaproveitadas,entreelasumacomolhosgravadosemformadesol(Soares&Arnaud,1984).

Apósestaprimeirafasedeutilização(comosantuário?)deMV1,algumascentenasdeanosmaistarde,acâmaradeMV1serviudelocalparaumenterramentocomcaracterísticasqueoper‑mitemintegrarnodenominadoHorizontedeFerradeira(Schubart,1971).OHorizontedeFerra‑deira,segundoSchubart,corresponderiaaoEneolíticofinalouaosprimeirosmomentosdaIdadedoBronzenoSudoestepeninsular(maisespecificamente,noBaixoAlentejoenoAlgarve).nessaépoca, teriamsurgido,pelaprimeiravez,apósossepulcroscolectivosdomundomegalítico,osenterramentos em sepulturas individuais, construidas para o efeito, ou em reaproveitamentos,parainumaçõesindividuais,desepulcroscolectivosanteriores.Asdádivasfuneráriasconsistiamemvasoscerâmicoscampaniformeslisosassociadosaoutrasformascerâmicas,designadamentetaçashemisféricas,eapontasdesetatipoPalmela,punhaisdecobrecompontadeencabamentoemformadelingueta,braçaisdearqueiroebotõesdeossocomperfuraçãoemV.Deveránotar‑seque,quandoSchubartdefiniuoHorizontedeFerradeira,acerâmicacampaniformeerapratica‑mentedesconhecidanoBaixoAlentejoenoAlgarve(conhecia‑se,apenas,umfragmentodeumataçatipoPalmela,provenientedopovoadodeMangancha,Aljustrel),bemcomo“nãoseconhecem[conheciam]nessasregiõespovoadoselevados,daIdadedoCobreoudoBronze”(Schubart,1971,pp.7‑8).Opanoramaé,hoje,totalmentediferente—têmsidoidentificados,emgrandenúmero,povoadoscalcolíticoseacerâmicacampaniformedecoradaencontra‑serepresentadaemmuitosdeles,porvezes,comonopovoadodePortoTorrão(FerreiradoAlentejo),emquantidadesaparen‑tementesuperioresàsexistentesnospovoadosdaspenínsulasdeLisboaoudeSetúbal(Arnaud,1993).AdataobtidaparaaocupaçãodePortoTorrão(ICEn‑60/614220±45BP),estatisticamenteidênticaaoutrasobtidasparaoZambujal(grn‑70094200±40BP)eparaLeceia(Sac‑13174220±50BP) (Cardoso & Soares, 1990‑1992), indicia uma grande antiguidade desta cerâmica dentro doCalcolítico,emesmonoAlentejo,precisamentenumadasregiõesondeseriaaplicáveloconceitodeHorizontedeFerradeira.Todosestesdadoscolocamemcausaospressupostosqueestãopordetrásda“criação”desseHorizonte.noentanto,oscontextosatribuíveisaoHorizontedeFerra‑

Page 15: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 47

deiranãodeixamdeterumacertaespecificidadeecoloca‑seoproblemaquerdasuacronologiaabsoluta,querdasuafiliaçãoculturalprecisa,istoé,seserãoatribuíveisaoCalcolíticoouaoBronzeInicialouseestarãonacharneiraentreessasduasépocas.

O enterramento secundário em MV1 seria o de um indivíduo adulto, com mais de 35/40anos,nãolhetendosidodetectadas,nospoucosrestosósseosrecuperados,quaisqueralteraçõespatológicas (Silva, Ferreira & Cunha, 2008). O posicionamento desses restos ósseos, nomeada‑menteadimensãodaáreaporelesocupada,encontrando‑semesmoalgunspordebaixodasdádi‑vascerâmicasedaestruturapétreaqueasprotegia,bemcomooestadodefragmentaçãoemqueseencontravam,tudosugerequenãosetratariadeumainumaçãoprimária,massimdeumasegundainumação.nomesmosentidopoderãoapontarasfracturasantigasdeMV1‑2eoestadodefrag‑mentaçãodeMV1‑3, cujos restos seencontravamno interiordeMV1‑2.Essesvasos, conjunta‑mentecomMV1‑1,poderãoteracompanhadoaeventualinumaçãoprimáriaedaíafragmentaçãoverificada.

Adisposiçãodosdoisvasos,emposiçãovertical,encaixadosumnooutro(MV1‑2encaixadoemMV1‑1)eosrestosdeMV1‑3dentrodeMV1‑2,temparalelosmuitopróximosemsepulturasmegalíticas penínsulares, designadamente numa das grutas artificiais de São Pedro do Estoril(Leisner,Paço&Ribeiro,1964)enaAnta1dasCasasdoCanal,Estremoz(Leisner&Leisner,1955).nagruta1deSãoPedrodoEstoril,“oachadomaisimportanteconstoudetrêsvasosemposiçãoverticalencaixadosunsnosoutros:umgrandevasosemiesféricobaixo,umvasocampaniformequeocupavaolugarmédioe,dentrodaquele,umvasolisohemisférico”(Leisner,Paço&Ribeiro,1964,p.64).noentanto,ovasocampaniformereferidoéuma“caçoila,deperfilsuave”,decoradaamatrizpontilhada,bastantediferente,porconseguinte,dovasocampaniformelisoqueocupavaaposição intermédiaemMV1.naAnta1dasCasasdoCanal, emboraasdádivascerâmicas seencontrassem muito fragmentadas pelos revolvimentos ocorridos no monumento, foi possívelverificarqueumvasocampaniformelisoteriasidocolocadoencaixadonumacaçoilacampani‑formecomdecoraçãoincisa,filiávelnocomplexoCiempozuelos.Éinteressanteobservarquenestesectordomonumento,ondeseencontravaoconjuntocerâmicoemcausa,“no ladodacâmaraestavam,encostadascontraalajedaporta,duaslajesdexistobastantefracasedepoucocompri‑mento”(Leisner&Leisner,1955,p.6),oquesugereaexistênciadeumaestruturaemxisto,porven‑turasimilaràqueprotegiaosvasosdeMV1.

QuantoàformadovasocampaniformelisodoenterramentosecundáriodeMV1,talcomoparaasoutrasformasdoconjuntocerâmicoondeseintegrava,paralelosmuitoestreitos(formascerâmicaspraticamenteidênticas)encontram‑senasdádivasdasegundafasedeinumaçõesnotholos do Monte do Outeiro, as quais são típicas do Horizonte de Ferradeira (Schubart, 1965,1971).

Até hoje, desconheciam‑se datas absolutas para os contextos integráveis no denominadoHorizontedeFerradeira.Foi,agora,possível,dadaaboaconservaçãodosfragmentosósseosdacalote craniana do indivíduo inumado em MV1 (o que, curiosamente, já não acontece com osrestosdosossoslongosrecuperados),datarpelaprimeiravez,peloradiocarbono,umdestescon‑textos.Adataobtida

Beta‑194027 3900±40BP (δ13C=‑19,4‰)

quandocalibrada,fazendousodoprogramaCALIBRev5.0.1(Stuiver&Reimer,1993)edacurvaInTCAL04(Reimer&al.,2004),conduzaosseguintesintervalos,comasseguintesdistribuiçõesdeprobabilidade(entreparênteses):

Page 16: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5148

para1s:2465‑2343calBC(1,)para2s:2479‑2280calBC(0,97096);2250‑2230calBC(0,021764);2219‑2211calBC(0,007276)

EstadataçãopermitesituaroenterramentodoHorizontedeFerradeiradeMV1noterceiroquarteldoIIImilénioa.C.

Datasestatisticamentenãodiferenciáveisdestasãoasobtidasparaalgunscontextoscampa‑niformesdapenínsuladeLisboa(Cardoso&Soares,1990‑1992):

Casa2daPenhaVerde ICEn‑1275 4000±50BPCasaEndeLeceia ICEn‑1241 3950±90BPSep.2deVerdelhadosRuivos grn‑10971 3960±40BPSep.4deVerdelhadosRuivos grn‑10973 4000±35BPSep.indeterminadadeVerdelhadosRuivos ICEn‑1242 3940±45BP

Deigualmodo,asdatasderadiocarbonoobtidasapartirdeossoshumanosda“deposição«familiar»naCâmara”daAnta2daHerdadedosCebolinhos,correspondentesàFase4dautiliza‑çãodestemonumento(gonçalves,2003a),sãotambémestatisticamenteidênticasaBeta‑194027:

Beta‑176899 3900±40BPBeta‑177471 3840±40BP

Infelizmente,desconhece‑seoconjuntodeartefactosqueacompanhariaestesenterramentos,umavezquenapublicaçãoqueselhesrefere,omesmonãoédescritoeasfigurasondeestariarepresentado,comcertezaporlapso,nãoforampublicadas(vergonçalves,2003a,p.157).

Deveránotar‑seque,comojáreferido,oCalcolíticodoSuldePortugalsesituaráentre3039e2610calBC(paraumaprobabilidadede50%)ouentre3362e2156calBC(paraumaprobabi‑lidadede95,4%)(Soares&Cabral,1993),oque,emprincípio,levariaaatribuirtodososcontex‑tos atrás mencionados, incluindo o do enterramento secundário de MV1, a este período cul‑tural.

Poroutrolado,oúnicocontextodatadopeloradiocarbonocomumaatribuiçãoprovávelaoBronzeInicialdoSudoeste,aestrutura1doMontenovodosAlbardeiros(gonçalves,1988‑1989),teráumacronologiasituadadentrodoúltimoquarteldoIIImilénioa.C.(ICEn‑5293760±100BP,quecalibrada—CALIBRev5.0.1—conduzaos intervalos:para1s2330‑2030calBC;para2sσ2470‑1930calBC).Outrasdatas,estatisticamentenãodiferenciáveisdestadoMontenovodosAlbardeiros, são as obtidas para a última reutilização funerária da Anta 3 de Santa Margarida(gonçalves,2003b):

Beta‑166418 3780±40BPBeta‑166417 3770±40BPBeta‑166420 3720±50BPBeta‑166421 3730±40BP

Uma outra data estatisticamente idêntica a estas, recentemente publicada (Schubart & al.,2004,p.83),referenteaoiníciodaocupaçãodaladeirasuldeFuenteÁlamo,colocaoiníciodaCul‑turadeElArgar—ElArgarA1(Schubart,2000)—tambémnoúltimoquarteldoIIImilénioa.C.:

Page 17: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 49

Bln‑47723738±39BP,quecalibrada,conduzaosintervalos2201‑2045calBC,para1s,ou2282‑2029calBC,para2s.

Todosestesdadosdecronologiaabsolutasão,noentanto,emnúmeroaindamuitoescassoparaindiciaremcomsegurançaumaatribuiçãoculturalprecisa(emtermosclássicosdeCalcolíticooudeBronzeInicial)paraodenominadoHorizontedeFerradeira.EsteHorizonte,admitindoasuavalidade,integra‑se,antes,numarealidadeque,comoescreveVictorgonçalves(2003b,p.220),“temquevercomumdoscontextospiorconhecidosnafachadaatlânticadaPenínsulaIbérica,ou,maisadequadamente, no Centro e Sul de Portugal: as comunidades do fim do Calcolítico, imediata‑menteanterioresaoadventodassociedades,igualmentemuitomalconhecidas,daIdadedoBronzeAntigo”.Aliás,serátalvezalturadecolocaraquestãosobreoqueéquediferenciaaquelas“comuni‑dades”daquelas“sociedades”.Osrituaisfunerários?Oacervoartefactual?Ametalurgia?Aimplan‑taçãoterritorialouomododessaimplantação?EmboraexistaaindaeapenasesseconhecimentoreduzidodequefalaVictorgonçalves,delenãopareceresultarqualquerdiferenciação,peloquenãoseráútilreflectir,antes,sobreavalidadedosconceitos,queparecemvigorar,deCalcolíticoFinaledeIdadedoBronzeAntigonoSudoestepeninsular?

4. Conclusões

OmonumentoMontedaVelha1 (MV1),deaparelhoortostáticoconstituídopor lajesdexistoesverdeado,comcâmaracircularecorredorrelativamentelongo,poderáclassificar‑secomoumpseudo‑tholos,umavezquelhefaltamalgunsatributosdostholoi,designadamenteacoberturadacâmarapor falsacúpulapétreaeoseuusocomosepulcrocolectivo.Acoberturadomonu‑mento,aterexistido,terásidodemateriaisperecíveis,dosquaisnãorestaramquaisquervestígios.Apresençadeelementosvotivosentreoespólio,aausênciadetumuluseoposicionamentodocor‑redor,queterminaemátrioviradoanorte,abrindo‑se,dessemodo,aquemseaproximassepeloacessomaisfácil,sugeremaatribuiçãodeumcarácterritualàutilizaçãodomonumentopelosseusconstrutores(poderáserconsideradocomoumsantuário),interpretaçãoestaquetemsidosugeridaparaumprimeiromomentodeutilizaçãodealgunstholoi(veja‑se,porexemplo,gallay&al.,1973).Oespólio,cerâmicoelítico,associadoaestaprimeirautilizaçãodeMV1permiteatribuir‑‑lheumacronologiadoiníciodoCalcolítico,istoé,dosfinaisdoIVmiléniooudosiníciosdoIIImilénioa.C.Entreesseespóliodeverádestacar‑seumfragmentodeplacadexistoverde,gravadanasduasfaces,comumadecoraçãoinéditanestetipodeartefactoideotécnico,mascujosmotivostêmumparalelopróximoemarterupestregravadae/oupintadanomonumentodefalsacúpuladagranjadeToniñuelo(BuenoRamírez&BalbínBehrmann,1997).

ApósestaprimeirafasedeutilizaçãodeMV1,algumascentenasdeanosmaistarde,acâmaradestemonumentoserviudelocalparaumenterramentoindividual,comcaracterísticasqueoper‑mitemintegrarnodenominadoHorizontedeFerradeira.Paraisso,aproveitandoalgunsesteiosdacâmaraeumalajedexisto,colocadadecutelo,foidelimitadogrosso modoumespaçoondesepro‑cedeuàdeposição,muitoprovavelmenteemsegundainumação,deumindivíduoadultodeidadesuperiora35/40anos.Comodádivasfuneráriasregistaram‑setrêsvasosdecerâmica,metidosunsnosoutroseprotegidosporumaestruturaconstituídaporduas lajesdexisto,encostadaspelotopoeformandoumânguloagudo.Entreessesvasos,destaca‑seumvasocampaniformeliso,comparalelosmuitopróximosnasdádivasfuneráriasdasegundafasedeinumaçõesdotholosdoMontedoOuteiro(Schubart,1965,1971).Foipossíveldatarumfragmentodecalotecraniana,tendo‑seobtidoadataBeta‑1940273900±40BP,aprimeiraparaumcontextoatribuívelaoHorizontede

Page 18: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

António M. Monge Soares O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa)

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-5150

Ferradeira.Destemodo,contextosdestetipodeverãointegrar‑senacharneiraentreoCalcolíticoeaIdadedoBronzedoSuldePortugal.

Agradecimentos

Agradece‑se,reconhecidamente,aoscolegasAntónioJ.M.SilvaeAnaMariaDuarteS.gon‑çalvesaamabilidadeemmedisponibilizaremoslevantamentostopográficoseasplantasdocon‑textoexterioraMV1,nasuavizinhançaimediata,equeseencontramreproduzidosnasFigs.3e4,comasnecessáriasadaptações.Agradece‑se,também,aoRuiMongeSoaresotratamentodigitaldamaiorpartedasimagenspublicadasnestetrabalho.

Osmeusagradecimentos,igualmente,paraasDoutorasAnaMariaSilva,MariaTeresaFer‑reiraeEugéniaCunha,quetornarampossível,eaquemsedeve,oestudodosescassosrestosósseosdoenterramentosecundáriodeMV1,osquaisseencontravam“perdidos”alguresnasreservasdoDepartamentodeAntropologiadaUniversidadedeCoimbra,ondetinhamsidopormimentre‑guesnolongínquoanode1976.

Porfim,omeumuitoobrigadoaoJoséManueldosSantosPaulinoeaseuPai,proprietáriosdoolivalondeMV1seencontraimplantado,quemeautorizaramoestudodomonumentoetêmveladopelasuaconservaçãoaolongodestesanos.

NOTAS

* LaboratóriodeRadiocarbono,InstitutoTecnológicoenuclear,Estradanacional10,2686‑953Sacavém

[email protected]

BIBLIOGRAFIA

ARnAUD,J.M.(1993)‑OpovoadocalcolíticodePortoTorrão(FerreiradoAlentejo):síntesedasinvestigaçõesrealizadas.Vipasca.Aljustrel.2,

pp.41‑60.

BUEnORAMÍREZ,P.;BALBÍnBEHRMAnn,R.(1997)‑Artemegalíticoensepulcrosdefalsacúpula.Apropósitodelmonumentodegranja

deToniñuelo(Badajoz).Brigantium.LaCoruña.10,pp.91‑121.

CARDOSO,J.L.;SOARES,A.M.M.(1990‑1992)‑CronologiaabsolutaparaocampaniformedaEstremaduraedoSudoestedePortugal.

O Arqueólogo Português.Lisboa.SérieIV.8‑10,pp.203‑228.

CARVALHOSA,A.B.(1968)‑Carta geológica de Portugal, na escala de 1:50000. Notícia explicativa da folha 44‑CD ‑ Vila Verde de Ficalho.Lisboa:

ServiçosgeológicosdePortugal.

gALLAY,g.;SPInDLER,K.;TRInDADE,L.;FERREIRA,O.V.(1973)‑O monumento pré‑histórico de Pai Mogo (Lourinhã).Lisboa:Associação

dosArqueólogosPortugueses.

gOnÇALVES,V.S.(1988‑1989)‑Aocupaçãopré‑históricadoMontenovodosAlbardeiros(ReguengosdeMonsaraz).Portugalia.Porto.

novaSérie.9‑10,pp.49‑61.

gOnÇALVES,V.S.(1992)‑Revendo as antas de Reguengos de Monsaraz. Lisboa:UnIARQ.

gOnÇALVES,V.S.(1995)‑Sítios, «horizontes» e artefactos.Cascais:CâmaraMunicipal.

gOnÇALVES,V.S.(1999)‑Reguengos de Monsaraz, territórios megalíticos.ReguengosdeMonsaraz:CâmaraMunicipal.

gOnÇALVES,V.S.(2003a)‑AAnta2daHerdadedosCebolinhos(ReguengosdeMonsaraz,Évora):sinopsedasintervençõesde1996‑97

eduasdatasderadiocarbonoparaaúltimautilizaçãodaCâmaraortostática.Revista Portuguesa de Arqueologia.Lisboa.6:2,pp.143‑166.

gOnÇALVES,V.S.(2003b)‑STAM‑3, a Anta 3 da Herdade de Santa Margarida (Reguengos de Monsaraz).Lisboa:InstitutoPortuguêsdeArqueologia

(TrabalhosdeArqueologia;32).

LEISnER,g.;LEISnER,V.(1951)‑Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz.Lisboa:InstitutoparaaAltaCultura.

Page 19: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,

O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde de Ficalho, Serpa) António M. Monge Soares

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 33-51 51

LEISnER,g.;LEISnER,V.(1955)‑Antas nas herdades da Casa de Bragança no Concelho de Estremoz.Lisboa.

LEISnER,V.;PAÇO,A.;RIBEIRO,L.(1964)‑Grutas artificiais de São Pedro do Estoril.Lisboa:FundaçãoCaloustegulbenkian.

REIMER,P.J.;BAILLIE,M.g.L.;BARD,E.;BAYLISS,A.;BECK,J.W.;BERTRAnD,C.J.H.;BLACKWELL,P.g.;BUCK,C.E.;BURR,g.S.;

CUTLER,K.B.;DAMOn,P.E.;EDWARDS,R.L.;FAIRBAnKS,R.;FRIEDRICH,M.;gUILDERSOn,T.P.;HOgg,A.g.;HUgHEn,K.A.;

KROMER,B.;McCORMAC,g.;MAnnIng,S.;BROnKRAMSEY,C.;REIMER,R.W.;REMMELE,S.;SOUTHOn,J.R.;STUIVER,M.;

TALAMO,S.;TAYLOR,F.W.;vanderPLICHT,J.;WEYHEnMEYER,C.E.(2004)‑IntCal04TerrestrialRadiocarbonAgeCalibration,

0‑26calkyrBP.Radiocarbon. Tucson,AZ.46:3,pp.1029‑1058.

SCHUBART,H.(1965)‑AsduasfasesdeocupaçãodotúmulodecúpuladoMontedoOuteiro,nosarredoresdeAljustrel.Revista de Guimarães.

guimarães.75,pp.195‑210.

SCHUBART,H.(1971)‑OhorizontedeFerradeira.SepulturasdoEneolíticofinalnoSudoestedaPenínsulaIbérica.Revista de Guimarães.

guimarães.81,pp.179‑272.

SCHUBART,H.(2000)‑Laestratigrafíaenlacimayenlaladeraestedelpoblado:sequenciadelosestratosydelasfases.InSCHUBART,H.;

PIngEL,V.;ARTEAgA,O.,eds.‑Fuente Álamo. Las excavaciones arqueológicas 1977‑1991 en el poblado de la Edad del Bronce.Sevilla:Juntade

Andalucía,pp.39‑62.

SCHUBART,H.;PIngEL,V.;KUnTER,M.;LETTOW‑VORBECK,C.L.;POZO,M.;MEDInA,J.A.;CASAS,J.;TRESSERAS,J.J.;HÄgg,I.(2004)‑

Studienzugrab111vonFuenteÁlamo(Almería).Madrider Mitteilungen.Mainz.45,pp.57‑146.

SERRALHEIRO,A.S.C.;AnDRADE,R.F.(1961)‑OmonumentomegalíticodoMontedasPereiras.Comunicações dos Serviços Geológicos de

Portugal.Lisboa.45,pp.503‑515.

SILVA,A.M.;FERREIRA,M.T.;CUnHA,E.(2008)‑OsrestosósseoshumanosrecuperadosdomonumentomegalíticodoMontedaVelha1

(MV1)emVilaVerdedeFicalho(Serpa).Revista Portuguesa de Arqueologia.Lisboa.11:1,pp.53‑55.

SOARES,A.M.M.(1994)‑OBronzedoSudoestenamargemesquerdadoguadiana.AsnecrópolesdoConcelhodeSerpa.InActas das V Jornadas

Arqueológicas.Lisboa:AssociaçãodosArqueólogosPortugueses.2.ºvol.,pp.179‑197.

SOARES,A.M.M.(1999)‑Megalitismoecronologiaabsoluta.InBALBÍnBEHRMAnn,R.;BUEnORAMÍREZ,P.,eds.‑II Congreso de Arqueología

Peninsular.Zamora:FundaciónReiAfonsoHenriques,TomoIII,pp.689‑706.

SOARES,A.M.M.;ARnAUD,J.M.(1984)‑EscavaçõesdosepulcroMegalíticoMV2(V.V.Ficalho,Serpa).Arquivo de Beja.Beja.IISérie.1,

pp.67‑82.

SOARES,A.M.M.;CABRAL,J.M.P.(1993)‑CronologiaabsolutaparaoCalcolíticodaEstremaduraedoSuldePortugal.Trabalhos de

Antropologia e Etnologia.Porto.33:3‑4,pp.217‑235.

STUIVER,M.;REIMER,P.J.(1993)‑Extended14CDataBaseandRevisedCALIB3.0AgeCalibration.Radiocarbon.Tucson,AZ.35:1,pp.215‑230.

VIAnA,A.;AnDRADE,R.F.;FERREIRA,O.daV.(1960)‑Omonumentopré‑históricodoMalhaFerro(Panóias).Revista de Guimarães.

guimarães.70,pp.21‑26.

VIAnA,A.;FERREIRA,O.daV.;AnDRADE,R.F.(1961)‑Umtúmulode“tipoalcalarense”nosarredoresdeAljustrel.Revista de Guimarães.

guimarães.51,pp.247‑260.

VIAnA,A.;ZBYSZEWSKI,g.;AnDRADE,R.F.;SERRALHEIRO,A.;FERREIRA,O.V.(1959)‑Contribuiçãoparaoconhecimentodaarqueologia

megalíticadoBaixoAlentejo.InActas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia.Lisboa:InstitutodeAltaCultura.Vol.I,pp.197‑213.

WHITTLE,E.H.;ARnAUD,J.M.(1975)‑ThermoluminescentdatingofneolithicandChalcolithicpotteryfromsitesincentralPortugal.

Archaeometry.Oxford.17:1,pp.5‑24.

ZBYSZEWSKI,g.;FERREIRA,O.V.(1967)‑Acercaduma«tholos»encontradaemCastroMarim.O Arqueólogo Português.Lisboa.SérieIII.1,

p.11‑17.

Page 20: O monumento megalítico Monte da Velha 1 (MV1) (Vila Verde ...patrimoniocultural.gov.pt/.../11_1/1/02omonumentomegaliticoMontedaVelha.pdfO monumento Monte da Velha 1 (MV1) foi localizado,