O movimento sindical pós

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O movimento sindical brasileiro pós-30 André Araújo de Oliveira, Bacharelando em Ciências Sociais - UFPI Brasil. Resumo A luta sindical brasileira é parte integrante do movimento operário ou trabalhista. Este movimento sofreu profundas alterações (há quem fale em crise, outros em declínio) na sua estrutura. Procuramos entender como se deu a formação dessa classe operária, seu funcionamento até a década de 30 e como este movimento se portou com a chegada de Vargas ao poder. Por fim tentamos traçar possibilidades e novas perspectivas para o sindicalismo em um contexto globalizado de crise econômica e das relações de trabalho. Palavras chaves: Sindicalismo, Movimento operário, trabalho, classe, luta de classe. Introdução O movimento sindical, aqui tratado como componente do movimento operário como um todo, surge “ao longo do século XX como um poder político de resistência às formas de controle e dominação estabelecidas pelo modelo fordista de produção; reforçado, no pós-guerra, pela presença de governos social-democratas em vários países, 1 ”. No Brasil, este 1 R.B.C. S.v.15n. 43SPjun. 2000 José Ricardo Ramalho (resenha) Sindicatos: crise ou declínio no final do século? RODRIGUES, Leôncio 3 3

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O movimento sindical brasileiro pós-30

André Araújo de Oliveira, Bacharelando em Ciências Sociais - UFPI Brasil.

Resumo

A luta sindical brasileira é parte integrante do movimento operário ou

trabalhista. Este movimento sofreu profundas alterações (há quem fale em crise, outros

em declínio) na sua estrutura. Procuramos entender como se deu a formação dessa

classe operária, seu funcionamento até a década de 30 e como este movimento se portou

com a chegada de Vargas ao poder. Por fim tentamos traçar possibilidades e novas

perspectivas para o sindicalismo em um contexto globalizado de crise econômica e das

relações de trabalho.

Palavras chaves: Sindicalismo, Movimento operário, trabalho, classe, luta de classe.

Introdução

O movimento sindical, aqui tratado como componente do movimento operário como

um todo, surge “ao longo do século XX como um poder político de resistência

às formas de controle e dominação estabelecidas pelo modelo fordista de

produção; reforçado, no pós-guerra, pela presença de governos

social-democratas em vários países, 1”. No Brasil, este movimento surge com as

primeiras associações operárias. É, pois, essa a origem do sindicalismo brasileiro, como

cita Hermínio Linhares:

“As primeiras associações operárias livres começaram a surgir nos grandes

centros, principalmente no Rio (...) quando a escravatura ainda era a forma predominante

de trabalho. Assim, apareceram as dos cocheiros, dos caixeiros etc. tinham o objetivo

expresso de fornecer aos seus membros pequenas importâncias em casos de doenças,

desemprego ou invalidez (...). Foram os tipógrafos os vanguardeiros do movimento

organizado. Deles partiram os mais significativos movimentos de reivindicação que tanto

serviram para modificar a mentalidade dos operários”. (LINHARES, HERMINIO.

Contribuição à história das lutas operárias no Brasil, São Paulo, Alfa –

Ômega, 1977.).

1 R.B.C. S.v.15n. 43SPjun. 2000 José Ricardo Ramalho (resenha) Sindicatos: crise ou declínio no final do século? RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo. São Paulo, Edusp, 1999. 335 páginas.

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Junto com essa corrente nasce o sindicato amarelo como precursor do sindicato

pelego, vinculado ao patronato ou subordinado ao governo, característica que buscamos

apreender no sindicalismo da década de 30 e subseqüentes.

Portanto, consiste no objetivo de estudo desse trabalho as condições de

existência, o comportamento de classe, as bandeiras de luta, a composição, enfim todas

as características do sindicalismo a partir de 1930 no Brasil.

As primeiras tentativas de estruturação do movimento operário

O movimento sindical operário ganha estrutura a partir do crescimento da

consciência de classe entre os trabalhadores. A partir daí ela deixa de lutar por

interesses individuais, o que Marx chama de “classe em si”, e passa a lutar por objetivos

de “classe para si”, e o motor de passagem ou a causa dessa mudança seria, como quer

Lukaes (1985), a sua conscientização. Através da formação do partido revolucionário de

associações, sindicatos ou qualquer outro instrumento de luta organizada da classe

operária. Essa mudança acontece no Brasil depois da abolição do trabalho escravo, com

a entrada do capitalismo agrário exportador, isso já na segunda metade do século XIX,

causador de diversas mudanças estruturais.

As primeiras mudanças na forma de organização dos movimentos, no entanto

surgem mais cedo como cita (SIMÃO 1994: p.164):

“A partir dos anos 70 [1970], começaram a surgir associações de um novo

tipo – Ligas Operárias – que se propunham como objetivo organizar a resistência dos

trabalhadores contra o patronato. Por isso, são também conhecidas como Associações de

Resistência. (...). O objetivo era reivindicar e uma das novas formas de atuação passou a

ser a greve”.

Portanto, temos como passo seguinte a primeiras organizações trabalhistas de

caráter mutualistas, o surgimento das ligas operárias mais ligadas à resistência contra o

patronato, daí surge o mecanismo da greve como arma reivindicatória.

Uma análise mais aprofundada da vanguarda do movimento trabalhista

organizado é feita por Sampaio2. Tratando especificamente da psicologia de massa

como fator de grande influência na formação do movimento operário brasileiro, essa

pesquisa revela, através de leituras dos jornais operários da época o preconceito racial, a

2 Sampaio, Andréa R. P.; A influência da psicologia de massa sobre o movimento operário brasileiro. Dissertação de mestrado, IFCH-Unicamp, Campinas, 1997. (Biblioteca on-line da Unicamp).

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xenofobia e a vinculação com a psicologia de massas (vendo os grupos populares como

grupos irracionais e perigosos).

A massa popular seria incapaz intelectualmente e violenta, por isso deveria se

evitar movimentos populares para que qualquer governo não se perca dentro do

movimento. Outro ponto abordado nesse trabalho mostra os operários estrangeiros

como vanguarda do movimento dos trabalhadores em virtude de sua formação política e

de uma falta dessa consciência por parte dos trabalhadores nacionais. Encontramos

nesse trabalho a análise de como a teoria da psicologia de massas exerceu influência na

formação desse movimento juntamente com o componente racial. Finalmente percebe-

se que a presença do anarquismo europeu como o gestor desse movimento esbarrou

nesses dois problemas (psicologia de massas e preconceito racial). Neste trabalho

podemos perceber como o racismo e os preconceitos prejudicaram o movimento

operário no período de 1917 e 1922 e as conseqüências disso para o momento que nos

propomos estudar do movimento sindical brasileiro.

1930: O novo sindicalismo e suas dificuldades

Depois dessa breve sistematização, e apoderação da temática estudada, tomamos

a revolução de 1930 como ponto de partida desse trabalho. Com essa revolução teve

início a era Vargas (1930-1945) caracterizado pela grande centralização e

fortalecimento do Estado. Nesse período a massa operária já é bastante considerável,

principalmente nos grandes centros urbanos, é também uma nova composição étnica

com o aumento da mão de obra nacional e o declínio dos estrangeiros imigrantes.

Temos agora os filhos desses nascidos no Brasil, os nordestinos saídos da agricultura

negros ex-escravos e seus filhos, todos vêm de uma grande crise ocorrida em 1929, que

abalou o mundo e gerou desempregos e decrescimento da indústria.

Nesse momento o movimento operário-sindical já não é mais questão de “polícia

e sim de política” e a política era controlada pelo modelo centralizador fascista de

Vargas, este se lançava sobre a política, à economia e a sociedade. Esse período também

é marcado pela edição de leis sociais, uma bandeira de luta de muito tempo dos

operários. Embora a repressão fosse constante ao movimento, ou seja, não era uma

conquista dos trabalhadores e sim concessão característica do modelo centralista e

populista do governo de Vargas.

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Em 1931 surge, para dificultar mais ainda a vida dos trabalhadores, a lei de

sindicalização estabelecida pelo decreto lei 19770, determinando que todos os

sindicatos eram obrigados a se legalizarem mediante registro no Ministério dos

Negócios do Trabalho, da Indústria e do Comércio (MTIC); proibia que as suas

diretorias fossem compostas por estrangeiros ou que estes controlassem

financeiramente as organizações sindicais.

Por detrás dessa última cláusula estava o medo da maior consciência de política

dos operários estrangeiros sabendo-se da ausência de preparo político dos operários

nacionais.

Desta forma os sindicatos livres, que eram dirigidos pelo movimento anarquista,

quase desapareceram entrando em cena a figura do diretor pelego ou sindicato pelego

todos atrelados ao poder estatal.

Isso, porém não impediu a ocorrência de greves já que a disparidade entre

salários e custo de vida era altíssima, ocorrendo em muitos casos, agremiações paralelas

à legislação vigente. Mas aqueles faziam um caminho contra a correnteza, pois com a

crescente mão de obra decorrente do êxodo rural, trabalhadores vindos do nordeste e

que não tinham a mesma consciência de luta classista dos trabalhadores estrangeiros, e,

portanto bem mais manipuláveis pelo Estado:

“Os trabalhadores começaram a cobrar de seus dirigentes o cumprimento dos

dispositivos legais, para se defenderem da burla do patronato. Como as diretorias

anarquistas, coerentes no seu combate contra a existência do Estado, não concordavam

com o reconhecimento oficial, passaram a ser desacreditadas pelos trabalhadores que

cobravam soluções imediatas no que dizia respeito à legislação trabalhista (...) Assim, os

anarquistas ficaram sem nenhuma alternativa para sua sobrevivência, perdendo influencia

no meio sindical, outros tiveram que ingressar no sindicato oficial” (CANEDO, Letícia

Bicalho. A classe operária vai ao sindicato, Sã Paulo, 1988).

Em 1934 ocorre uma nova tentativa de intensificação do movimento com a

fundação da Confederação Sindical Unitária do Brasil. Esta foi fechada um ano depois

com o aumento da repressão estatal como respostas ao levante comunista de 1935,

foram fechados sindicatos, outros foram submetidos ao Estado, multiplicaram-se as

prisões, diversas reuniões de operários foram dissolvidas violentamente e alguns líderes

foram expulsos do país. Tudo isso contribuiu forte e diretamente para o

enfraquecimento do movimento sindical agora cada vez mais sem forças para a defesa

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de seus interesses de classe e para lutar contra os interesses do Estado centralizador e do

patronato explorador.

Embora sofrendo com tantas dificuldades oriundas de um processo de

centralização do Estado Novo, o novo sindicalismo do pós-30 teve força para, pelo

menos continuar vivo através de inúmeras manifestações.

A luta contra o controle estatal

Com a constituição de 1937, que baseou seus dispositivos trabalhistas na carta

del lavoro de Mussolini de cunho bastante corporativista, além da proibição de greves,

ficou ainda mais difícil a organização dos trabalhadores, livrando os patrões de grande

parte das pressões, assim só os sindicatos reconhecidos e portanto manipulados pelo

governo podiam representar legalmente a classe operária.

Com a lei sindical de 1939, a situação ficou ainda mais difícil. Esta lei

estabelecia a criação do sindicato único por categoria, o que facilitou o controle e a

intervenção do ministério do trabalho sobre todos os sindicatos. Um discurso de Vargas

resume bem a situação vivenciada pelos trabalhadores com a nova lei sindical:

“Preservar a vida interna dos Sindicatos da contaminação de maus elementos

sociais, das intervenções estranhas e corruptoras, da infiltração das ideologias

perturbadoras (...) e colaborar com os poderes públicos no sentido de desenvolvimento da

solidariedade das classes populares e harmonização de seus interesses” (Apud: FARIA

e BARROS 1986: In: AQUINO, et all. Sociedade brasileira: uma história

através dos movimentos sociais. São Paulo 2000).

Cabia aos dirigentes livres de sindicatos livres a luta pelos direito de classe e a

retomada da característica essencial dos sindicatos: autonomia na defesa pelos direitos

dos trabalhadores.

A conseqüência dessa política “harmônica” entre sindicato e Estado, foi

praticada durante todo o período getulista, e tem como marca o enfraquecimento do

movimento sindical e a luta contra o antigo “sindicato amarelo”, ou “pelego”, ou

corporativista que vicia o movimento e facilita o controle e subordinação do mesmo e o

impossibilita de agir e desempenhar sua função natural.

Neste período o sindicato deixa de ser mecanismo de luta por melhorias e

garantias de direitos e transforma-se em mecanismo de manipulação, de controle por

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parte do estado e dos patrões. Com o controle dos sindicatos a classe torna-se incapaz

não apenas de reivindicar ou conquistarem direitos e melhorias, mas principalmente de

agir politicamente, de ter participação ativa na vida política, sem a liberdade sindical a

classe perde a própria consciência de classe e não há espaço ou aproximação com a

mudança social.

Perspectivas e novas conjunturas

Hoje os principais movimentos sindicais consolidados têm um vínculo com as

questões sociais como a terra, a moradia etc.. São movimentos sociais baseados na

participação e mobilização política. Estão no rol dos movimentos de luta pela igualdade

social, racial, de gênero, na defesa pela cidadania. E são cada vez mais dotados de

consciência política de classe e bastante organizados.

Cabe a esses novos grupos sociais ou movimentos sociais de luta reforçar sua

consciência política democrática e política evitando os erros do passado, buscando

novas perspectivas e novas formas de luta, visto que novas conjunturas afloram, as

bandeiras de luta são diferentes e exigem do movimento social e sindical uma resposta

que passa pela mudança da maneira de atuação e reivindicação, ou seja, novos

mecanismos de luta se fazem necessários em frente as mudanças estruturais da política e

da sociedade.

Considerando que o sindicalismo não é apenas o resultado de processos

econômicos e tecnológicos, que o poder sindical está também vinculado a outros

componentes sociais e culturais. RODRIGUES3 afirma que o meio pós-moderno não

abiu muitos espaços para a ação sindical. Segundo ele, embora a extensão desse espaço

possa ser diferente quando se avaliam sociedades nacionais específicas, é possível dizer

que o declínio do sindicalismo avança com a desindustrialização, afirma ainda que esses

declínio depende ou de crises econômicas ou de mudanças das relações de trabalho

(industrialização), para ele há possibilidade de resistência apenas na segunda situação.

A razão que dificultam a luta sindical em contextos de crise econômica refere-se

à uma fragmentação do movimento, enfraquecendo e desarticulando as forças sociais

organizadas, além do distanciamento ou oposição de seus objetivos.

Talvez esteja aí uma alternativa ou nova forma de caminhar e lutar. Quando os

vários grupos sociais de luta encontrarem pontos convergentes em suas plataformas de

3 Cf. nota nº1. P.03.

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reivindicação e convergirem em interesses, objetivos, lutando conjuntamente por

melhorias.

Enquanto movimentos sociais aceitarem a fragmentação herdada pelas políticas

populistas e antidemocráticas, perderam força política, terão pouca aceitação social e

lutarão por interesses contrários essa associação é sem dúvida, causa do

desmantelamento e enfraquecimento dos movimentos sociais.

Constituem armas desses grupos, as caminhadas, as campanhas, os fóruns entre

outros, todos são alternativas diferentes para que os mais diversos grupos sociais ou

movimentos sociais defendam e conquistem seus direitos e busquem a igualdade: ideal

dos sindicatos e base de sustentação da democracia através de atuação e ação conjunta

com os demais grupos sociais e toda a sociedade.

Portanto, se os movimentos sindicais originários das primeiras lutas operárias

resistiram às pressões e à subordinação da ditatura varguista e militar cabe aos mais

diversos movimentos sociais que herdaram as suas antigas bandeiras de luta somando-se

a novas necessidades e novas bandeiras, retomar a caminhada, garantindo cada vez mais

a participação política, pois são os movimentos sociais que constroem a sociedade e

fazem a história.

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BIBLIOGRAFIA

LEVINE, Robert M. O regime de Vargas, Rio de Janeiro, 1970.

LINHARES, Hermínio. Contribuições à historia das lutas operarias no Brasil, São

Paulo,1977

CANEDO, Letícia Bicalho. A classe operária vai ao sindicato, Sã Paulo, 1988.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro,

São Paulo, 1995.

SAMPAIO, Andréa R. P.; A influência da psicologia de massa sobre o movimento operário brasileiro. Dissertação de mestrado, IFCH-Unicamp, Campinas, 1997.

RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo. São Paulo, Edusp,1999.

AQUINO, et all. Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. São Paulo, Record, 2000.

Revista Brasileira de Ciências Sociais (R.B.C.S.) v.15, nº.: 43. São Paulo, Junho de 2000.

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