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O MÉTODO MARXISTA E A PESQUISA ENQUANTO AÇÃO INVESTIGATIVA NO
SERVIÇO SOCIAL
Jeovana Nunes Ribeiro1
RESUMO Neste artigo temos como fio norteador a discussão do método marxista, por entendermos, que a dialética não considera os produtos fixados, neste sentido, torna-se para o Serviço Social o método mais completo para compreender e explicar o movimento do real, a partir da pesquisa ou da “caça das imediações”. A pesquisa, por sua vez, se insere como uma competência do fazer profissional do Assistente Social, assim, pontuamos neste espaço, o seu significado e a formação profissional orientada para a produção de novos conhecimentos. Palavras-chave: Método Marxista; Pesquisa; Serviço Social.
ABSTRACT
In this article we have as a guiding thread the discussion of the Marxist method, because we understand that the dialectic does not consider the products fixed, in this sense, becomes for the Social Service the most complete method to understand and explain the movement of the real, from the research or the "hunting of the surroundings". The research, in turn, forms part of the professional work of the Social Worker, so we punctuate this space, its meaning and professional training oriented to the production of new knowledge. Keywords: Marxist Method; Search; Social service.
1 INTRODUÇÃO
Para situarmos a pesquisa no Serviço Social se faz necessário inserir-se no
caminho que conduz a formação profissional do Assistente Social como uma exigência de
superação do pragmatismo, o qual foi marcante na história de sua prática profissional.
Como sabemos desde a proposta curricular de 1982 a pesquisa foi incluída como
matéria básica dos cursos de graduação, e, no curso de Serviço Social esta é exigida não
apenas como matéria, mas se constitui num dos princípios e numa condição da formação
profissional. Neste sentido, ressaltamos que não há como fazer serviço social sem pesquisa,
1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão. [email protected]
além disto, o fortalecimento das atividades investigativas na área do serviço social pode ser
impulsionado por uma política de pesquisa para a área, que, sem ferir a liberdade na busca
do conhecimento, estimule a investigação em torno de eixos prioritários a fim de preservar
as conquistas obtidas e materializá-las no exercício cotidiano, o que exige preencher um
amplo campo de mediações entre as bases históricas, teórico-metodológicas e éticas
acumuladas. (IAMAMOTO, 2008; CARDOSO, 1998).
Entendemos que, as pesquisas na área do serviço social devem ser realizadas sob
a orientação da teoria marxista, tendo em vista o direcionamento do nosso projeto
profissional, assim como, a teoria Marxista está viva em nossa sociedade contemporânea, e,
utilizá-la não se trata de uma questão de religiosidade ou dogmatismo, mas trata-se de
empreender, desde Marx e Engel até os dias de hoje, um esforço explicativo acerca da
questão social, já que o que está subjacente às suas manifestações concretas é o processo
de acumulação do capital, produzido e reproduzido com a operação da lei do valor, cuja
contraface é o crescimento relativo da pauperização. (CARDOSO et al, 1997; IAMAMOTO,
2008; TONET, 2005).
A fim de compreendermos o método marxista, discorreremos neste artigo, questões
relevantes, que envolvem o serviço social e a pesquisa enquanto produção de
conhecimento; o conhecimento e o binômio: intervenção–investigação; a formação
profissional e a produção de conhecimento; a discussão do método no serviço social;
mediação e serviço social: sistematizar e pesquisar, e por fim, abordaremos as nossas
considerações finais.
2 O SERVIÇO SOCIAL E A PESQUISA ENQUANTO PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
No Brasil, a implantação do Serviço Social se dá entre 1920 e 1930, no bojo da
questão social, que em seus primórdios, o Serviço Social, estabeleceu uma interlocução
privilegiada com o pensamento social católico e com o pensamento conservador europeu,
tendo-se secularizado em estreita aproximação com as concepções estrutural-funcionalistas
difundidas nas Ciências Sociais e Humanas norte-americanas, além de incorporar os
rudimentos da Psicanálise (IAMAMOTO, 1982).
A aproximação teórica da profissão ao universo diferenciado da tradição marxista
ocorre a partir de meados dos anos 1960, na América Latina, no bojo do conhecimento
“movimento de reconceituação do Serviço Social”. Instaura-se, a partir daí, uma tendência
ao “debate plural” no campo das idéias, no meio acadêmico. É impossível decifrar a
profissão independente do diálogo crítico com o acervo intelectual, que vem alimentando
historicamente a cultura profissional, qualificação profissional e função na sociedade,
entretanto, sofrendo hoje, os influxos da crítica pós-moderna (IAMAMOTO, 2008).
Ao longo dos anos de 1970 a profissão buscou definir claramente e consolidar suas
atribuições e competências, as quais se encontram, desde 1962 reconhecidas e
regulamentadas, ainda que em sua primeira formulação tenha sido em 1957. Todavia, o
cumprimento dessas, exige do Assistente Social tornar a pesquisa um elemento constitutivo
do seu trabalho profissional, como precondição do exercício profissional competente e
qualificado (GUERRA, 2009).
A produção de conhecimento na área de Serviço Social iniciou-se a partir dos anos
1970 quando foram criados os primeiros cursos de pós-graduação na área de Ciências
Sociais e como resultado da Reforma Universitária imposta pela ditadura, o Serviço Social
legitimou-se no âmbito acadêmico. Surgiram primeiro os mestrados e depois, nos anos
oitenta, os doutorados; também foram fomentadas as especializações (KAMEYAMA, 1998).
É nos espaços da pós-graduação, cujos primeiros frutos se recolhem no trânsito
dos anos setenta aos oitenta, que, no Brasil, se inicia e, nos anos seguintes, se consolida a
produção de conhecimentos a partir da área de Serviço Social. O corpo profissional
começou a operar a sua acumulação teórica. Um balanço desta produção mostra que,
apesar de muito desigual, ela engendrou uma massa crítica considerável, que permitiu à
profissão estabelecer uma interlocução fecunda com as ciências sociais e, sobretudo,
revelar quadros intelectuais respeitados no conjunto do corpo profissional e, também, em
outras áreas do saber (PAULO NETTO, 2006).
A década de 1980 marca o reencontro do Serviço Social consigo mesmo, no que se
refere à busca de estabelecimento de novas bases para a compreensão do seu passado
histórico, das particularidades de sua prática na sociedade marcada por relações de classe,
da sua relação com o Estado e com as forças da sociedade civil e de sua posição quanto às
demandas sociais, cada vez mais complexas, situando-se no âmbito da divisão sóciotécnica
do trabalho. Esta década é fundamental para o entendimento da profissão hoje, pois
significa o início da maturidade da tendência, atualmente, hegemônica na academia e nas
entidades representativas da categoria e, com isso, a interlocução real com a tradição
marxista. A maioridade acadêmica do Serviço Social é reconhecida como área de produção
do conhecimento, fomentada por uma teoria social crítica (GUERRA, 2011; IAMAMOTO,
2004).
2.1 O conhecimento e o binômio: intervenção - investigação
A intervenção e investigação formam um binômio e estão em relação dialética. Para
intervir é preciso investigar e conhecer, não aleatoriamente, mas a partir de um objetivo
determinado. A investigação para o Serviço Social ganha o estatuto de elemento constitutivo
da própria intervenção profissional (GUERRA, 2011).
Mas o que é o conhecimento? Luckesi (2005) procura respondê-lo afirmando que o
conhecimento é a explicação, elucidação da realidade e decorre de um esforço de
investigação para descobrir aquilo que está oculto, que não está compreendido ainda. Só
depois de compreendido em seu modo de ser é que um objeto pode ser considerado
conhecido. Adquirir conhecimento não é compreender a realidade retendo informações, mas
utilizando-se destas para desvendar o novo e avançar, a partir o processo de reflexão.
O sentido da reflexão é apontado por Guerra (2011) como uma clara definição do
“para quê” da profissão, possível desde que iluminada por uma racionalidade (como forma
de ser e pensar) que seja dialética e crítica, conectada à capacidade de responder
eficazmente às demandas sociais. O conhecimento tem origem na intuição, no
entendimento (intelecto) e na razão dialética, enquanto momentos distintos, porém
complementares. Vejamos:
Conhecimento da intuição: a intuição produz um conhecimento efetivo a partir da
percepção do objeto pelos órgãos sensoriais e pela impressão deste no cérebro, sendo um
conhecimento instantâneo e imediato. Quando se intuí um objeto não há qualquer forma de
julgamento, intuí-se a sua figura exclusivamente e particular
Conhecimento do intelecto: é um modo operativo da razão que permite manipular
os dados, mas não a compreensão da sua lógica constitutiva. É a aceitação passiva dos
dados da realidade, apreensão da realidade pelos dados imediatos, nível do fenômeno, da
empiria.
Conhecimento proveniente da Razão Dialética: vai além do dado imediato,
provisório, apanha a processualidade do real. A Razão recria as mediações pelas quais o
real se constitui, vai além do dado imediato, supõe o movimento, supõe aceitar um
pressuposto. Foi primeiro com Hegel, depois com Marx e Engels, que a dialética apareceu
com função essencial na teoria do conhecimento. Para o marxismo, a filosofia consiste em
reconstruir, com a dialética da razão, a dialética da realidade.
2.2 A discussão do método no Serviço Social
Para abordamos a discussão do método no serviço social, temos como fio
norteador a discussão do método marxista, por entender, ser o mais completo para
compreender e explicar o movimento do real.
Paulo Netto (2009, p. 7) relata que para Marx, a teoria é uma modalidade peculiar
de conhecimento, se distingue de todas as modalidades; por exemplo, a arte, o
conhecimento prático da vida cotidiana, o conhecimento mágico-religioso; “[...] e tem
especificidade: o conhecimento teórico é o conhecimento do objeto tal como ele é em si
mesmo, na sua existência real e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e
das representações do pesquisador”.
A teoria é, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa. E esta reprodução (que constitui propriamente o conhecimento teórico) será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto. (PAULO NETTO, 2009, p. 7, grifos do autor).
Pontes (2010) relata que a discussão teórico-metodológica em Marx tem o objetivo
de analisar o conhecimento e a intervenção no plano das relações típicas da sociedade
burguesa, que, certamente, é uma tarefa espinhosa. No caso do método dialético, há um
fator complicador: a confusão que se faz entre as práticas sócio-econômico-políticas das
sociedades que foram conhecidas como “socialismo real” e a teoria social de Marx, que traz
na sua estrutura o método.
Marx inicia sua trajetória teórica quando se confronta polemicamente com a filosofia
de Hegel, direcionando suas pesquisas para a análise concreta da sociedade moderna. O
método dialético de Marx é oposto ao método de Hegel, uma vez que para Hegel o processo
do pensamento é o criador do real, e o real é, apenas, a sua manifestação externa,
enquanto que para Marx, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do
ser humano e por ela interpretado, ou seja, para Marx, não basta olhar, mirar, é preciso
analisar, investigar para além da aparência. Na investigação o pesquisador tem que
apoderar-se da matéria, em seus pormenores, analisar suas diferentes formas de
desenvolvimento e de perquirir a conexão que há entre elas (MARX, 1968 apud PAULO
NETTO, 2009).
Pontes (2010) nos remete a reflexão de que é importante lembrar que, Marx além
de ter concebido um caminho metodológico revolucionário, apontou “o instrumento” através
do qual é possível penetrar na intricada investigação do ser social: a abstração.
Colocando-a não no sentido idealista do termo, mas como sendo a capacidade que a razão humana tem de ultrapassar a imediaticidade, captando as conexões submersas na imediaticidade do real. Hegel, embora tenda sido feliz no tratamento da relação intelecto-razão, não logrou êxito total por não alcançar a concretude da análise, que veio com Marx. (PONTES, 2010, p. 69).
Ressalta-se, ainda que, o caminho metodológico descoberto por Marx é
decorrência necessária da natureza do próprio objeto: “sociedade burguesa - um sistema de
relações construído pelos homens”, que produz e reproduz desigualdade social, pobreza,
questão social (PAULO NETTO, 2009).
No Serviço Social, Iamamoto (2005) e Paulo Netto (2001) relatam que a questão
social é o seu objeto de estudo, ou seja “a matéria prima”, “sua raison d’être, sem ela, a
profissão não tem sentido”. Nessa perspectiva é fundamental avançar no conhecimento da
população a quem se dirigem os serviços profissionais.
Como relata Pontes (2010), o Assistente Social tem que “ir a caça das imediações”,
ou seja, quando o Assistente Social vai conhecer uma comunidade, uma instituição é
preciso questionar a realidade a partir de uma série de perguntas que se faz, a partir da
razão. Todavia, “não significa dizer que os objetivos que se quer alcançar serão
alcançados”, uma vez que qualquer ação humana está condicionada ao momento histórico
em que ela é desenvolvida, a partir da realidade (GUERRA, 2011).
A realidade social é complexa, heterogênea e os impactos de qualquer intervenção
dependem de fatores que são externos a quem quer que seja – inclusive ao Serviço Social.
Todavia, são as perguntas que norteiam o estudo, a partir da reflexão, da razão, para
aproximar cada vez mais do objeto de pesquisa, assim como a observação participante, a
partir dos órgãos dos sentidos: audição, visão, afinados para captar a realidade social.
Observar é muito mais do que ver ou olhar. Observar é estar atento, é direcionar o olhar, é
saber para onde se olha (CRUZ NETO, 1994).
É com o movimento do real que temos de aprender a dialogar, é em direção a ele que precisamos lançar o nosso olhar, aguçar a nossa razão, estimular a nossa consciência crítica, de forma a poder desvendá-lo, lançando as raízes da possibilidade da construção de práticas sociais múltiplas, plurais, capazes de contribuírem efetivamente para a produção do novo (MARTINELLI, 1998, p 145).
Guerra (2005) relata que não é possível oferecer ao Assistente Social um conjunto
de regras de investigação pronto e acabado, é preciso atuar sobre a realidade, esta é o que
nos conduz ao conhecimento e corrobora com Marx ao afirmar que o método não é um
conjunto de regras formais que se “aplicam” a um objeto que foi recortado para uma
investigação determinada. A instrumentalidade da intervenção profissional é construída no
movimento do real, a partir da razão.
O conhecimento pela via da razão opõe-se ao conhecimento imediato; pressupões
a síntese de elementos contraditórios, numa relação de continuidades e rupturas, mantendo
a essência. A teoria resultante da pesquisa deve excluir qualquer pretensão de
“neutralidade”, assim como, os instrumentos ou as técnicas de pesquisa são as mais
variadas, desde a análise documental até as formas mais diversas de observação para
“recolher dados, quantificar, explicar e expor”. Na investigação, o pesquisador parte de
perguntas, questões, enquanto que na exposição, parte dos resultados que obteve na
investigação. São as perguntas feitas que conduzem a aproximação do objeto de pesquisa
(GUERRA, 2005; 2011).
O conhecimento científico é uma pesquisa cientifica e como tal, exige rigor,
métodos e técnicas apropriadas. Não pode ser identificada com mera sistematização de
dados, de modo que há que se desenvolver determinados conhecimento que são
procedimentais. Necessita de um trabalho intelectual: preparo, formação, habilidades e
competência. No serviço social as pesquisas visam compreender o significado social da
profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, identificar as demandas presentes na
sociedade, ou seja, investigar (GUERRA, 2011).
A dimensão investigativa permite ao Assistente Social captar as particularidades da
questão social, suas diversas expressões, bem como as demandas, tendo em vista que a
realidade social não se apresenta de imediato, e, além disto, ela se particulariza em cada
espaço sócio-ocupacional, se faz necessário o mergulho na realidade social. O grande
desafio na atualidade é transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da
profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias,
táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que
são objetos de estudo e ação do assistente social. A pesquisa concreta de situações
concretas é condição para se atribuir um novo estatuto a dimensão interventiva e operativa
da profissão, resguardados os seus componentes ético-políticos (IAMAMOTO, 2005).
2.3 A formação profissional e a produção de conhecimento
A formação dos assistentes sociais como profissionais, dado o seu caráter
interventivo, privilegiou fundamentalmente o aspecto técnico-operativo, em detrimento da
produção de conhecimento. A análise da formação profissional do Assistente Social adquiriu
especial relevância, a partir da década de 1980, ao defrontar-se com o currículo mínimo
para o curso de serviço social, priorizando a pesquisa como uma disciplina obrigatória
(KAMEYAMA, 1998).
O Serviço Social brasileiro, nas ultimas décadas, redimensionou-se num forte
embate contra o tradicionalismo profissional e seu lastro conservador, adequando
criticamente a profissão às exigências do seu tempo, qualificando-a teoricamente, como
atesta a produção acumulada nas últimas décadas e o crescimento da pós-graduação. A
profissão fez um giro radical na sua dimensão ética e em seu debate, constituiu
democraticamente a sua normatização, expressa no Código de Ética de 1993, que dispõe
de um caráter de obrigatoriedade ao estabelecer os direitos e deveres do assistente social,
segundo princípios e valores radicalmente humanistas. O projeto profissional, construído ao
longo das últimas décadas, aglutina segmentos significativos de assistentes sociais as
forças sociais progressistas, comprometidas com a efetivação da cidadania, extensiva a
todos e com a irradiação dos preceitos e práticas democráticos a todos os poros da vida em
sociedade. Porém, o momento presente desafia os Assistentes Sociais em acompanhar,
atualizar e explicar as particularidades da questão social nos níveis internacional, nacional,
regional e municipal (IAMAMOTO, 2008).
No processo de formação profissional é importante ressaltar a relevância dos
núcleos, “recordar” os fóruns de debates sobre o currículo mínimo, tendo em vista que sem
essas discussões não é possível entender a prática interventiva hoje, bem como o discurso
teoria e prática na formação profissional. Por outro, a ausência do debate abriria o leque das
discussões em que qualquer pessoa pode desenvolver o papel do Assistente Social.
A organização curricular sustenta-se no tripé dos conhecimentos constituídos pelos
núcleos de fundamentação da formação profissional, quais sejam:
Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, que compreende um
conjunto de fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos para conhecer o ser social;
Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, que
remete à compreensão das características históricas particulares que presidem a sua
formação e desenvolvimento urbano e rural, em suas diversidades regionais e locais;
Núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que compreende os elementos
constitutivos do Serviço Social como uma especialização do trabalho: sua trajetória histórica,
teórica, metodológica e técnica, os componentes éticos que envolvem o exercício
profissional, a pesquisa, o planejamento e a administração em Serviço Social e o estágio
supervisionado (BRASIL. Diretrizes Curriculares, Resolução nº 15, 2002).
A formação profissional orienta a formação de quadros habilitados, capacitados
para fazer pesquisa, com o objetivo da intervenção propriamente dita, para produzir novos
conhecimentos. É de responsabilidade das universidades, das agências de formação e
apoio a pesquisa, manter seus núcleos de pesquisa ativos com a participação de
Assistentes Sociais e estudantes de graduação, incentivando, principalmente, a iniciação
científica, que é muito recente, bem como as bolsas de estudo. Este é um dos primeiros
passos ao estímulo à pesquisa (GUERRA, 2011).
É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. As questões da investigação estão, portanto, relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente condicionadas. (MINAYO, 1994, p. 17, grifos da autora).
A dimensão investigativa e a capacitação, a partir da pesquisa permitem ao
Assistente Social desenvolver suas atribuições privativas com maior competência, captando
como as expressões da questão social se particularizam em cada espaço sócio ocupacional.
Como se sabe, a realidade não se mostra de imediato, as demandas não se mostram de
imediato, estas aparecem de forma pontual e não real, é a demanda da aparência e não da
essência (GUERRA, 2011).
Marcuse (1988) relata que os fatos por si só não dizem nada por isso há que
submetê-los a um método, capaz de apreender a realidade da forma mais fiel possível.
2.4 Mediação e Serviço Social: sistematizar e pesquisar
Na formação da prática profissional a sistematização de conhecimentos é para o
assistente social de maior importância, tendo em vista que sistematizar sua prática através
dos instrumentos já identificados na profissão é um recurso fundamental para o profissional,
tendo o cuidado para não contribuir com o processo de naturalização da questão social
(IAMAMOTO, 2006).
A preocupação com a “sistematização da prática” tornou-se mais familiar e presente entre nós em função de uma das exigências da formação profissional: a elaboração da monografia de conclusão de curso. Este importante pré-requisito corroborou decisivamente os aspectos que envolviam a atuação do alunado nos campos de estágio, se constituísse, com maior freqüência, em objeto de reflexão. Ainda que a monografia de conclusão de curso não encerrasse apenas esta possibilidade, a de circunscrever o processo de investigação ao trabalho do assistente social – evidentemente incluindo ai o processo de aprendizagem realizado pelos alunos através do estágio supervisionado –, ela foi largamente construída nesta direção. (ALMEIDA, 2006, p. 3).
A prática profissional representa uma das possibilidades de se produzir
conhecimento, como é o caso do Serviço Social, que valoriza o saber que se origina do
fazer profissional, todavia é preciso organizar o conhecimento para compreender as
questões novas, os temas emergentes. É preciso registrar detalhadamente o que foi
observado, estimular questões, construir pressupostos/hipóteses à pesquisa. A hipótese é
uma pressuposição que se faz sobre o problema que se quer estudar, baseada numa
reflexão teórica, nas leituras prévias, na observação sobre a realidade. É uma resposta
prévia para o problema que se vai investigar, que pode ser confirmada ou não ao final da
pesquisa (MINAYO, 1994).
É importante ressaltar que não existe pesquisa sem pressupostos/hipóteses. É
preciso mirar a realidade, questionar e alçar um novo conhecimento, reforçando ou
negando. Se fosse só para confrontar não teria sentido, na verdade é para acrescentar
elementos. A realidade é muito mais plena e rica de elementos do que aquilo que se pode
captar. É o constante ir e vir à realidade. Implicando movimento, que muitas vezes é o
movimento do intelecto. O conhecimento é provisório, porque a realidade é provisória, está
sempre mudando (GUERRA, 2011).
A ação do sujeito social sobre uma realidade (instituição, por exemplo) tende a selecionar alguns momentos da realidade que são considerados essenciais. O sujeito separa o essencial do acessório (secundário), para atingir determinados objetivos. Aqui o pensamento sujeito faz recortes na realidade, debruça-se sobre ela, estuda-a, avalia-a, arrisca-se a explicá-la através de conceitos que conhece, busca novos conceitos para tal, e organiza respostas à realidade com base nos estudos realizados. Não obstante, no nosso dia-a-dia estamos sempre trabalhando com totalidades, mais ou menos amplas e complexas. Em toda realidade social, manifestam-se características de âmbito universal, particular e singular. (GUERRA, 2009, p. 11).
Para Montaño (2007) toda profissão se constitui através das respostas que
consegue dar a diversas necessidades que determinam um conjunto de demandas sociais.
O serviço social deve transcender a prática rotineira desenvolvida em torno de velhos
campos, deve incorporar o estudo, a pesquisa ao espaço profissional e as novas respostas
tanto as demandas já existentes quanto as emergentes.
É preciso apreender, historicamente, as demandas potenciais gestadas,
contribuindo assim para recriar o perfil profissional do assistente social, indicando e
antecipando perspectivas, no nível da elaboração teórica, da pesquisa ou da intervenção
profissional, perspectivas capazes de responder às exigências de um projeto profissional
coletivamente construído e historicamente situado (IAMAMOTO, 2004).
Só o “fazer” é limitado, agora, quando há reflexão sobre a intervenção, o
aprendizado é outro. Quando se reflete sobre a realidade, o sujeito aprende muito, pois “a
realidade nunca mais será a mesma”, neste sentido se faz necessário utilizar as palavras de
Lulu Santos: “nada do foi será” (GUERRA, 2011, palestra).
Marsiglia (2006) relata que há pesquisa que contribui para o avanço do
conhecimento teórico ou que contestam teorias estabelecidas. É muito freqüente na pós-
graduação lato sensu e/ou stricto sensu perguntar o que o trabalho pesquisado trouxe de
contribuição para o Serviço Social?
A pesquisa para o serviço social fornece subsídios a análise do processo de
produção e reprodução da vida social sob o capitalismo, no âmbito do qual utiliza da teoria
das ciências sociais e se situa, com vista a instrumentalidade para elaboração de projetos
de intervenção e para intervenção propriamente dita (GUERRA, 2009; IAMAMOTO, 2008;
PAULO NETTO, 2001).
A pesquisa é, também, a mediação privilegiada na relação entre o conhecimento e
a realidade, uma vez que esta vem a contribuir no clichê, recorrentemente, da dicotomia
teoria e prática, já superada desde a década de 1980 (GUERRA, 2011).
A sistematização (da prática) aparece como uma dupla requisição: de uma parte, é a condição para otimizar a própria intervenção prática, organizando e generalizando a experiência dos assistentes sociais e cristalizando pautas de procedimento profissional, reconhecidas como tais e transmissíveis via formação institucional; de outra, e fundamentalmente, é o passo compulsório para a fundação profissional, viabilizando o “recorte” de um “objeto” em função do qual a elaboração teórica desenvolveria o seu movimento de constituição de um saber específico. (PAULO NETTO, 1989, p. 150).
Para Guerra (2011) o profissional não pode entender que a sistematização da
prática é a pesquisa propriamente dita. A sistematização é importante para fazer uma
avaliação de sua intervenção, porque só se aprende a fazer refletindo. A pesquisa científica
não pode ser identificada com a mera sistematização da prática, esta exige rigor e técnicas
apropriadas, como entrevistas, questionário, entre outros.
Os Instrumentos ou técnicas de pesquisa são os mais variados, desde a análise
documental até as formas mais diversas de observação, recolha de dados, quantificação.
Esses instrumentos são meios de que se vale o pesquisador para “apoderar-se da matéria”,
mas não devem ser identificados com o método. Só depois de concluído o trabalho, de
investigação, é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real (PAULO NETTO,
2009).
3 CONCLUSÃO
É necessário pensar a formação profissional no presente, ao mesmo tempo, fazer
um balanço do debate recente do Serviço Social, indicando temas a serem desenvolvidos e
as pesquisas a serem estimuladas para decifrar as novas demandas que se apresentam ao
Serviço Social, tendo em vista que é pela via da formação e capacitação profissional,
permanente, que a investigação ganha estatuto de elemento constitutivo da própria
intervenção profissional.
Corroboramos com Guerra (2011) para responder a questão, almejamos que este,
possa contribuir com a formação profissional, pois não queremos uma massa de
profissionais despolitizados e desqualificados;
Esperamos uma profissão com perfil crítico, que desnaturalize a pobreza e todas as
formas de desigualdade e opressão, que enfrente individual e coletivamente a banalização
da vida, a barbárie social;
Queremos a garantia da formação de sujeitos políticos críticos com perfil analítico
totalizante, postura investigativa e propositiva;
Uma formação que concretize as diretrizes e um exercício que objetive
cotidianamente os princípios e compromissos ético-político-profissionais.
O desafio presente é criar uma cultura profissional que valorize a dimensão
investigativa, bem como discutir e fomentar uma política nacional de pesquisa para a área,
utilizando para isto a ética, uma vez que “fins éticos exigem meios éticos” (CHAUÍ, 2000
apud GUERRA, 2011, palestra).
A investigação, quando compromissada em libertar a verdade de seu confinamento ideológico, é certamente um espaço de resistência e de luta. Trata-se de uma atividade fundamental para subsidiar a construção de alternativas críticas ao enfrentamento da questão social que fujam a mistificação neoliberal; para subsidiar a formulação de políticas sociais alternativas aos dogmas oficiais, a atuação dos movimentos das classes sociais, subalternas, assim como a consolidação de propostas profissionais que fortaleçam a ruptura com o conservadorismo e afirmem o compromisso com o trabalho, os direitos e a democracia. (IAMAMOTO, 2008, p. 452).
Concordamos com Iamamoto (2005), Paulo Netto (2006) e Guerra (2011) quando
relatam que não basta coordenar e executar políticas sociais, projetos e programas, é
necessário avaliá-los, coordenar pesquisas, realizar vistorias, perícia técnica, elaborar
laudos, coletar informações, emitir parecer técnico sobre matéria de serviço social,
identificar os recursos da comunidade, formar assistentes sociais críticos e competentes.
O Serviço Social trata-se duma profissão eminentemente interventiva e, no
cumprimento de suas atribuições a pesquisa está inserida como uma das atribuições
privativas dos Assistentes Sociais, como inerente a profissão.
O exercício da profissão exige um sujeito profissional que tenha competência para
propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o seu campo de
trabalho, suas qualificações e atribuições profissionais. Requer ir além das rotinas
institucionais para buscar apreender, no movimento da realidade, as tendências e
possibilidades, ali presentes, passíveis de serem apropriadas pelo profissional,
desenvolvidas e transformadas em projetos de trabalho, em projetos de intervenção, sob a
luz da teoria social de Marx.
REFERÊNCIAS
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