O músico frente às Políticas Públicas de Cultura no Brasil

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Cidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão CEP: 65 085 - 580, São Luís, Maranhão, Brasil Fone(98) 3272-8666- 3272-8668 O MÚSICO FRENTE ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA NO BRASIL Daniel Lemos Cerqueira 1 RESUMO: O presente trabalho pretende avaliar as Políticas Públicas de Cultura no Brasil, procurando situar neste contexto os artistas em geral e os músicos em particular. Há uma breve recapitulação histórica sobre as políticas culturais, buscando entender o momento atual. Em seguida, há uma discussão crítica sobre o sistema de financiamento cultural em vigência desde 1991. Conclusões apontam para a necessidade de maior participação da classe artística junto às Políticas Públicas de Cultura. Palavras-chave: Artes, música, políticas públicas, cultura. ABSTRACT The present work aims to evaluate Cultural Public Policies in Brazil, focusing on artists in general and musicians in particular. There is a brief historical review, aiming to understand the whole process that leads to actual context, followed by a critical review concerning actual Public Policies in Culture. Conclusions point to the need of closer artistical participation in forums and Cultural institutions. Key words: Arts, music, public policies, culture. 1 Mestre. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

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CERQUEIRA, D. L. O músico frente às Políticas Públicas de Cultura no Brasil. In: Anais da VI Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP). São Luís: UFMA, 2013. Disponível em http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2013/Anais-Eixo6Estado-CulturaeIdentidade.htm.

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    O MSICO FRENTE S POLTICAS PBLICAS DE CULTURA NO BRASIL

    Daniel Lemos Cerqueira1

    RESUMO: O presente trabalho pretende avaliar as Polticas Pblicas de Cultura no Brasil, procurando situar neste contexto os artistas em geral e os msicos em particular. H uma breve recapitulao histrica sobre as polticas culturais, buscando entender o momento atual. Em seguida, h uma discusso crtica sobre o sistema de financiamento cultural em vigncia desde 1991. Concluses apontam para a necessidade de maior participao da classe artstica junto s Polticas Pblicas de Cultura. Palavras-chave: Artes, msica, polticas pblicas, cultura. ABSTRACT The present work aims to evaluate Cultural Public Policies in Brazil, focusing on artists in general and musicians in particular. There is a brief historical review, aiming to understand the whole process that leads to actual context, followed by a critical review concerning actual Public Policies in Culture. Conclusions point to the need of closer artistical participation in forums and Cultural institutions. Key words: Arts, music, public policies, culture.

    1 Mestre. Universidade Federal do Maranho (UFMA). E-mail: [email protected]

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    1 INTRODUO

    Ao tratarmos sobre as Polticas Pblicas de Cultura no Brasil, observa-se

    um cenrio semelhante ao que ocorre na Amrica Latina: a gerncia do capital pela

    iniciativa privada, confinando a produo artstica s lgicas de mercado (BOTELHO,

    2001, p.72; BARBALHO, 2011, p.23). Esse cenrio beneficia empresrios, produtores

    culturais e profissionais de Comunicao, relegando ao artista principal responsvel

    pela produo artstico-cultural, e que deveria ser o centro das Polticas Pblicas de

    Cultura um plano perifrico. Nesse contexto, evidencia-se o conceito de indstria

    cultural proposto pelo filsofo Theodor Adorno h quase um sculo, e que ainda nos

    dias de hoje, visto na Amrica Latina:

    A unidade visvel de macrocosmo e de microcosmo mostra aos homens o modelo de sua cultura: a falsa identidade do universal e do particular. Toda a cultura de massas em sistema de economia concentrada idntica, e o seu esqueleto, a armadura conceptual daquela, comea a delinear-se. Os dirigentes no esto mais to interessados em escond-la; a sua autoridade se refora quanto mais brutalmente reconhecida. O cinema e o rdio no tm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que nada so alm de negcios lhes serve de ideologia. Esta dever legitimar o lixo que produzem de propsito. O cinema e o rdio se auto definem como indstrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais tiram qualquer dvida sobre a necessidade social de seus produtos. (ADORNO, 2009, p.5-6)

    Adorno evidencia o uso das mdias massivas para obteno de lucro, sob

    o inestimvel custo da autonomia para a produo artstica. Os artistas em geral e

    os msicos em particular passam, ento, a adequar sua produo de forma a

    atender ao formato dos programas de rdio: canes de no mximo cinco minutos,

    composio em estilos musicais reconhecidos e ciclos de peas que duram

    aproximadamente sessenta minutos, que tambm a durao mdia de LPs, fitas

    cassete e CDs de udio, para assim lanar um lbum comercial.

    Todavia, a partir da dcada de 2000, o avano da tecnologia miditica

    graas internet e ao algorritmo de compactao de udio conhecido como MP3 fez

    desmoronar a indstria fonogrfica, justamente aquela que, ironicamente, sempre se

    apoiou na mdia para sobreviver. Segundo Kichinhevsky e Herschmann (2011, p.2),

    desde 1997 observa-se um processo de reconfigurao da indstria da Msica em

    nvel mundial, com drstica reduo nos recursos humanos das empresas e criao

    de novas estratgias de gravao e marketing, chegando at a questionar o conceito

    de lbum. Em 2007, dados da Federao Internacional de Indstria Fonogrfica

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    demonstraram diminuio na venda de CDs na ordem de 9% nos Estados Unidos,

    13% no Reino Unido e 20% na Espanha (PERPTUO In: PERPTUO; SILVEIRA,

    2009, p.7). Esta drstica queda nas vendas tem levado a indstria da Msica a investir

    na Performance Musical ao vivo, como alternativa de sobrevivncia (HERSCHMANN,

    2010). Ainda, como forma de apelo daqueles que no se adaptaram nova ordem do

    mercado fonogrfico, h o pretexto dos direitos autorais (copyright) idealizados

    para proteger a propriedade intelectual dos artistas, e no para manter os interesses

    financeiros da indstria cultural a punio pela pirataria e a consolidao de

    interesses empresariais por intermdio de leis (NOBRE, 2010, p.1-2).

    Retornemos ao ponto inicial: as lgicas de apoio ou incentivo que

    soam como meras aes de filantropia e caridade, no promovendo dignidade e

    profissionalismo de forma concreta para os artistas Cultura no Brasil perpetuam os

    valores da indstria cultural, utilizando as mdias massivas como forma de monoplio e

    no de Diversidade Cultural, conforme a concepo da UNESCO (2002). Segue-se o

    Art. 4 da Declarao Universal da Diversidade Cultural:

    A defesa da diversidade cultural um imperativo tico, inseparvel do respeito dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos autctones. (UNESCO, 2002, p.3)

    Assim, o presente trabalho pretende discutir as Polticas Pblicas de

    Cultura do Brasil e o papel do Estado, na perspectiva dos artistas em geral e dos

    msicos em particular. Ser apresentado um breve retrospecto histrico das Polticas

    de Cultura, contribuindo para a compreenso do cenrio atual.

    2 HISTRICO DAS POLTICAS PBLICAS DE CULTURA NO BRASIL

    A catequizao dos nativos pelos jesutas no perodo colonial, a posterior

    permisso da imprensa e da produo cultural durante a vinda da Famlia Real em

    1808, e a fundao do Imperial Conservatrio em 1841 atravs do Decreto Imperial n

    238 podem ser consideradas iniciativas polticas que se relacionam com a Cultura.

    Porm, autores afirmam que at 1945, havia apenas o estabelecimento de relaes

    pontuais entre o Estado e a Cultura para resolver tenses momentneas, no

    constituindo polticas pblicas de fato (CALABRE, 2007a, p.49-50). Estas, por sua vez,

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    so caracterizadas como um grande conjunto de aes por parte do Estado. Todavia,

    Calabre (2007a, p.50) considera que as aes promovidas no primeiro governo de

    Getlio Vargas (1930-1945) constituem Polticas Pblicas de Cultura. Entre estas,

    destacam-se as polticas adotadas para a busca de uma identidade nacional (FUCCI

    AMATO, 2007, p.210-2012), necessidade evidenciada na Semana de Arte Moderna de

    1922 com a mobilizao de intelectuais brasileiros, em especial o escritor Mrio de

    Andrade (1893-1945). Aqui, reitera-se a adoo do Canto Orfenico na Educao

    Bsica pelo compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) a partir de sua nomeao na

    Superintendncia de Educao Musical e Artstica (SEMA) em 1932 que, alm de

    destacar a proximidade entre Cultura e Educao, apresenta-se como medida poltica

    de Cultura em nvel nacional.

    Outra ao relevante, segundo Calabre (2007a, p.50-51), foi a fundao do

    Conselho Nacional de Cultura a partir do Decreto n 526/1938, que contemplava as

    seguintes reas:

    Produo filosfica, cientfica e literria; o cultivo das artes; a conservao do patrimnio cultural; o intercmbio intelectual; a difuso cultural entre as massas atravs dos diferentes processos de penetrao espiritual (o livro, o rdio, o teatro, o cinema, etc.); a propaganda e a campanha em favor das causas patriticas ou humanitrias; a educao cvica atravs de toda sorte de demonstraes coletivas; a educao fsica (ginstica e esportes) e recreao individual e coletiva. (CALABRE, 2007a, p.50)

    Este Conselho, composto por sete membros vinculados ao Ministrio da

    Educao e Sade, tinha como principal funo analisar atividades culturais pblicas e

    privadas, visando otimizao dos servios prestados. Calabre (2007a, p.51) afirma

    que esta foi a primeira iniciativa do Estado para criao de uma poltica cultural efetiva

    no Brasil, cuja legislao se manteve em vigor por mais de cinquenta anos.

    Em 1961, atravs do Decreto n 50.293/1961, foi criado um Conselho

    Nacional de Cultura, vinculado diretamente Presidncia da Repblica assumida

    ento por Jnio Quadros e sem relaes com o rgo homnimo criado em 1938.

    Este Conselho se subdividia em comisses nacionais de cinco membros, nomeados

    pelo Presidente, para cada uma das seguintes reas: Literatura, Teatro, Msica,

    Cinema, Dana, Artes Plsticas, Filosofia e Cincias. Todavia, no ano seguinte, o

    Decreto n 771/1962 transferiu o Conselho Nacional de Cultura de volta ao Ministrio

    da Educao e Cultura, alterando a formao para sete membros, onde quatro

    deveriam ser necessariamente vinculados a este Ministrio.

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    Em 1966, foi criado o Conselho Federal de Cultura atravs do Decreto-Lei

    n 74/1966, que visava a uma atuao nacional mais efetiva, diferentemente do

    Conselho Nacional de Cultura (CALABRE, 2007a, p.55). Dentre as aes promovidas,

    reitera-se a reformulao das instituies culturais de carter nacional, entre elas a

    Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes e o Arquivo Nacional, dando-

    lhes importncia em nvel de catlogo, registro e normatizao em suas respectivas

    reas. Outra iniciativa foi promover apoio e articulao com instncias culturais das

    esferas Estadual e Municipal, podendo inclusive propor a criao de Secretarias,

    museus, bibliotecas, arquivos histricos ou centros de Artes, com investimento parcial

    de recursos federais.

    As solicitaes remetidas s cmaras do Conselho Federal de Cultura

    tratavam, em maior parte, de auxlio financeiro para pesquisa, aquisio de

    equipamentos, acervos, passagens, imveis, organizao de eventos e homenagens a

    artistas (CALABRE, 2007a, p.59). Havia, tambm, servios de reconhecimento de

    instituies culturais e anlise sobre projetos de Lei na rea de Cultura. Assim, em

    junho de 1967, o Conselho estabeleceu normas para a concesso de apoio financeiro

    para as demandas, exigindo contrapartidas de outros rgos ou da iniciativa privada.

    A partir de 1970, o Conselho, em parceria com os municpios, passou a

    fundar Casas de Cultura, com base na experincia do Ministrio de Assuntos Culturais

    da Frana, instituio criada em 1959 e que serviu de referncia para vrios pases

    Ocidentais (CALABRE, 2007a, p.50). Tais Casas so centros de produo cultural, e

    devem possuir auditrio, teatro e biblioteca. Entretanto, esta iniciativa assim como as

    demais aes que vinham sendo promovidas at ento ficaram comprometidas,

    devido s restries oramentrias e deliberativas do Conselho Federal de Cultura.

    Ainda nesta dcada, observa-se a fundao de diversas entidades da rea

    de Cultura, entre elas o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) em 1970 e a

    Fundao Nacional das Artes (Funarte) em 1975, com autonomia para avaliar e

    financiar projetos. Assim, a descentralizao das funes do Conselho Federal de

    Cultura levou reviso de suas competncias (CALABRE, 2007a, p.63).

    Em 1985, sob a presidncia de Jos Sarney, foi criado o Ministrio da

    Cultura atravs do Decreto n 91.144/1985, oferecendo em princpio maior autonomia

    para as aes culturais, historicamente diminudas por estarem sob a gerncia do at

    ento Ministrio da Educao e Cultura. Todavia, a fundao do Ministrio da Cultura,

    que poderia prover maior independncia para o financiamento cultural, transformou-se

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    em problema, pois os efeitos de cortes no oramento da Unio afetavam

    primeiramente este rgo (CALABRE, 2007b, p.7). No ano seguinte, foi promulgada a

    Lei n 7.505/1986 conhecida como Lei Sarney aps quatorze anos de tramitao

    de seu projeto de Lei, implantando o mecanismo de financiamento cultural mais

    importante da atualidade: a renncia fiscal. Esse sistema permite iniciativa privada

    utilizar parte de seus impostos para suporte a projetos culturais, atenuando o problema

    dos cortes no oramento do Ministrio da Cultura. Outro fator que contribuiu para o

    financiamento de projetos culturais foi a Constituio de 1988, que trouxe maior

    autonomia para os municpios (CALABRE, 2007b, p.7)

    Na dcada de 1990, sob a presidncia de Fernando Collor de Mello, o

    carter de descontinuidade e superficialidade com que a Cultura tratada nas polticas

    pblicas brasileiras foi latente: foram extintos o Ministrio da Cultura e diversos rgos

    da rea, revogando tambm a Lei Sarney. No houve investimentos federais na rea

    de Cultura por dois anos, rompendo com todo o processo de polticas culturais

    construdo at ento:

    O governo de Fernando Collor de Mello veio definitivamente colocar um fim a esse perodo, com a destruio promovida nas instituies federais responsveis pelo patrimnio histrico e artstico nacional e pela ao cultural e artstica. (BOTELHO, 2001, p.77)

    Em 1991, foi promulgada a Lei n 8.313/1991 conhecida como Lei

    Rouanet que instituiu o Programa Nacional de Apoio Cultura. Esta Lei baseia-se no

    sistema de renncia fiscal, sendo um aprimoramento da Lei Sarney. Neste momento,

    houve um impacto positivo, pois o investimento cultural foi sendo retomado

    progressivamente (CALABRE, 2007b, p.7). Em 1992, no governo de Itamar Franco,

    foram recriados o Ministrio da Cultura e outros rgos da rea, entre eles a Funarte.

    Ainda, outras Leis de Incentivo Cultura foram criadas, como a Lei n 8.491/1992, de

    apoio especfico rea de Audiovisual.

    Na presidncia de Fernando Henrique Cardoso, com Francisco Weffort

    frente do Ministrio da Educao, o modelo de renncia fiscal foi ampliado e

    consolidado a partir de revises da Lei Rouanet, levando possibilidade de abater de

    impostos todo o montante direcionado a projetos culturais (CALABRE, 2007, p.8),

    buscando cada vez mais o capital privado, em regime de Estado Mnimo. Botelho

    associa este cenrio ao neoliberalismo:

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    Afora nossa dolorosa particularidade histrica, esta busca pelo patrocnio privado reflete o movimento mundial iniciado nos anos 80 e motivado pela crise econmica e pelas solues procuradas dentro do chamado quadro neoliberal, no qual os governos comearam a cortar seus financiamentos para as reas sociais e, mais particularmente, para a cultura. (BOTELHO, 2001, p.77)

    Assim, os critrios de financiamento e aprovao de projetos culturais

    passaram a ser definidos por Editais publicados por empresas, pois na maioria dos

    casos, a demanda de projetos maior que a oferta. Na prtica, a iniciativa privada

    utiliza dinheiro pblico para fins particulares, privilegiando a visibilidade e o marketing

    (CALABRE, 2007, p.8), fato observvel em Editais a partir de critrios de avaliao

    que enfatizam estratgias de publicidade e quantidade de pessoas atingidas.

    Logicamente, em oposio ao que muitas empresas tem divulgado, esta ao no

    pode ser definida como investimento, pois os patrocinadores no utilizam seu lucro

    para financiar a Cultura.

    3 A SITUAO DO ARTISTA

    No campo da Arte, a discusso entre a autonomia da produo artstica e

    a padronizao esttica do mercado antiga. O filsofo Theodor Adorno um

    reconhecido crtico da concepo de Arte como produto industrializado, afirmando que

    o mercado impe Cultura uma tendncia de padronizao, limitando a dimenso

    transformadora e enriquecedora que a experincia artstica proporciona ao ser

    humano. Mais a fundo, a indstria cultural se torna uma ferramenta de manipulao

    das massas, criando esteretipos de mercado e uma falsa concepo de pluralismo

    cultural:

    Distines enfticas, como entre filmes de classe A e B, ou entre histrias em revistas de diferentes preos, no so to fundadas na realidade, quanto, antes, servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padroniz-los. Para todos alguma coisa prevista, a fim de que nenhum possa escapar; as diferenas vm cunhadas e difundidas artificialmente. O fato de oferecer ao pblico uma hierarquia de qualidades em srie serve somente quantificao mais completa, cada um deve se comportar, por assim dizer, espontaneamente, segundo o seu nvel, determinado a priori por ndices estatsticos, e dirigir-se categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo. (ADORNO, 2009, p.7)

    A chamada cultura Erudita, to estigmatizada atualmente por ser

    associada elite, herana europeia do homem branco cristo (BARBALHO, 2011,

    p.24) ou por no se adequar s lgicas de mercado, na verdade uma minoria,

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    confinada a desaparecer por ser o alvo das crticas inferidas pelas atuais polticas de

    afirmao de afrobrasileiros, ndios, homossexuais ou operrios, entre outros. Em um

    contexto onde se busca a Diversidade Cultural que oferecer oportunidades

    iguais de produo cultural, diante das diferenas de investimento para cada

    tipo de manifestao isso inaceitvel. A cultura europeia j parte de nosso

    patrimnio e precisa de financiamento, assim como qualquer outro tipo de atividade

    cultural.

    Da mesma forma, so minoria os artistas iniciantes, emergentes ou que se

    propem a produzir Arte fora dos padres de mercado. Aqui, a discusso esttica

    Erudito, Popular ou Folclrico no importa: o que est em evidncia garantir

    autonomia, dignidade e profissionalismo para o artista no Brasil, papel que deve

    ou deveria ser das Polticas Pblicas de Cultura:

    Mesmo nos pases onde o investimento privado prevalece sobre o dos poderes pblicos, como o caso dos Estados Unidos, o Estado no deixa de cumprir um papel importante na regulao desse investimento, alm de manter uma presena no financiamento direto das atividades artsticas e culturais, cumprindo uma misso de correo das desigualdades econmicas e sociais, quer de Estados da federao, quer de minorias tnicas e culturais. (BOTELHO, 2001, p.77)

    Como as Polticas Pblicas de Cultura brasileiras no se aliceram sobre

    estes princpios, observam-se situaes cada vez mais polmicas, principalmente na

    divulgao de resultados dos projetos contemplados pela Lei Rouanet. Em 2013, a

    cantora Cludia Leite artista j reconhecida e que conta com apoio das mdias

    massivas teve um projeto aprovado de R$ 5,8 milhes. Em 2011, Maria Bethnia foi

    contemplada com R$ 1,2 milho para a criao de um blog que, segundo o Ministrio

    da Educao, no assegura o financiamento, mas permite a liberao do montante

    para as empresas interessadas. Logicamente, estes projetos certamente foram bem

    elaborados, e a Comisso Nacional de Incentivo Cultura realizou a avaliao

    observando rigorosamente a Lei. Logo, conclui-se que as Polticas Pblicas de Cultura

    devem ser revistas com urgncia, para dar fim a este crculo vicioso:

    Os problemas existentes hoje no Brasil, quanto captao de recursos via leis de incentivo fiscal, relacionam-se ao fato de produtores culturais de grande e pequeno porte lutarem pelos mesmos recursos, num universo ao qual se somam as instituies pblicas depauperadas, promovendo uma concorrncia desequilibrada com os produtores independentes. Ao mesmo tempo, os profissionais da rea artstico-cultural so obrigados a se

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    improvisar em especialistas em marketing, tendo de dominar uma lgica que pouco tem a ver com a da criao. (BOTELHO, 2001, p.78)

    Alm da tendncia em financiar artistas j reconhecidos pela mdia que,

    naturalmente, oferecem contrapartidas de marketing mais interessantes iniciativa

    privada h uma grande centralizao dos investimentos nas Regies Sudeste e Sul

    que, segundo Gruman (2011, p.26-29) captaram cerca de 90% dos investimentos

    culturais, de 2003 a 2010. O prprio Ministrio da Cultura evidencia as falhas do

    mecanismo vigente:

    O modelo atual, ainda de acordo com o diagnstico do MinC, exclui a inovao, a gratuidade e os projetos sem retorno de marketing; no fortalecem a sustentabilidade do mercado cultural; inibe a percepo de que os recursos so pblicos; no promove a democratizao do acesso aos bens culturais. (GRUMAN, 2011, p.2)

    Diante deste cenrio, crtica a situao dos artistas em geral e dos

    msicos em particular, caso no estejam sob a proteo da mdia. Logo, para possuir

    renda exclusiva de seu trabalho artstico, os msicos acabam adequando sua

    produo aos padres de mercado. Esta situao limita a autonomia do artista, pois o

    governo no oferece meios para aumentar o espao do artista independente na

    sociedade, criando ento um desenvolvimento cultural sustentvel. Salvam-se apenas

    raras excees, como no caso de artistas ricos ou que possuem empregos pblicos na

    rea de Artes.

    4 CONCLUSO

    O envolvimento dos profissionais diretamente interessados na rea de

    Cultura, a partir da participao nos Conselhos de Cultura Estaduais e Municipais,

    pode mudar a situao das Polticas Pblicas culturais, manifestando-se perante as

    decises do Ministrio da Cultura (CALABRE, 2007b, p.12-13). Alm destes, h fruns

    regionais de discusso e Colegiados Setoriais de Cultura, constituindo importantes

    meios de participao. Assim, fundamental reforar que os artistas historicamente

    margem das polticas pblicas devem adotar uma postura mais participativa e

    reivindicar condies dignas de trabalho na rea de Cultura, em especial aqueles que

    no possuem apoio das mdias empresariais. As Universidades que historicamente

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    negligenciaram conhecimentos de Administrao, Legislao e Polticas Pblicas em

    cursos superiores de Msica, Teatro, Artes Visuais e Dana devem assumir seu

    papel transformador, levando esta discusso ao campo das Artes e, dessa forma,

    multiplicar as aes a partir dos artistas egressos destes cursos.

    REFERNCIAS

    ADORNO, Theodor. Indstria Cultural e Sociedade. Traduzido por Juba Elisabeth Levy. So Paulo: Editora Paz e Terra, 2009. 5 ed BARBALHO, Alexandre. Polticas e Indstrias Culturais na Amrica Latina. Contempornea, edio 17, v.9, n.1. Rio de Janeiro: UERJ, 2011, p.23-35. BOTELHO, Isaura. Dimenses da Cultura e Polticas Pblicas. So Paulo em Perspectiva, v.15(2). So Paulo: Fundao Seade, 2001, p.73-83. CALABRE, Lia. A ao federal na cultura: o caso dos conselhos. O Pblico e o Privado, n.9. Fortaleza: UECE, jan/jun-2007a, p.49-65. ______. Polticas Culturais no Brasil: balano e perspectivas. In: III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (ENECULT). Salvador: UFBA, 2007b, p.1-18. FUCCI AMATO, Rita de Cssia. Villa-Lobos, Nacionalismo e Canto Orfenico: projetos musicais e educativos no governo Vargas. HISTEDBR On-line, n.27. Campinas, set-2007, p.210-220. GRUMAN, Marcelo. Incentivos Fiscais para as Artes: balano histrico e perspectivas futuras. In: I Seminrio em Direito, Artes e Polticas Culturais. Rio de Janeiro, 2011. Disponvel em http://www.culturaemercado.com.br. HERSCHMANN, Micael. Indstria da Msica em Transio. So Paulo: Estao das Letras e Cores, 2009. KISCHINHEVSKY, Marcelo; HERSCHMANN, Micael. A reconfigurao da indstria da msica. e-Comps, v.14, n.1. Braslia, jan/abr-2011, p.01-14. NOBRE, Cndida. Indstria cultural e cibercultura: entre a autonomia de consumo dos produtos culturais e as limitaes impostas pelo copyright. Temtica, ano VI, n.7. Jun-2010. Disponvel em http://www.insite.pro.br/2010.html. PERPTUO, Irineu Franco; SILVEIRA, Srgio Amadeu da (org.). O Futuro da Msica depois da Morte do CD. So Paulo: Momento Editorial, 2009. UNESCO. Declarao Universal sobre a Diversidade Cultural. Paris: UNESCO, 2002. Disponvel em http://unesdoc.unesco.org.