O naturalismo sob o olhar modernista: Candido e a crítica a Aluísio Azevedo. Antonio Carlos Santos

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Crítica Cultural (Critic), Palhoça, SC, v. 6, n. 2, p. 557-563, jul./dez. 2011 O naturalismo sob o olhar modernista: Candido e a crítica a Aluísio Azevedo Antonio Carlos Santos * Resumo Repensar a crítica modernista ao naturalismo brasileiro, especificamente a de Antonio Candido a Aluízio Azevedo, a partir das reflexões de Jacques Rancière, segundo o qual o realismo não é mímesis e sim o momento em que se dá o pulo para fora da representação, e da ideia de glosa que desmancha a relação hierárquica entre metrópole e periferia para instaurar uma relação de forças no campo intelectual entre, especificamente, produções do naturalismo brasileiro e produções do naturalismo francês (Aluízio Azevedo e Émile Zola). Palavras-chave Literatura. Naturalismo. Crítica. Em um ensaio em que faz um panorama das artes plásticas do século XIX, Alexandre Eulálio (1992) faz menção, en passant, a Belmiro de Almeida censurando no pintor que havia se formado na Academia Imperial de Belas-Artes uma relação, digamos, interesseira com o “público que compra”. Assinala no artista uma posição dúplice: por um lado, “experimenta técnicas divisionistas desde 1890”, por outro, “leva avante, para uso do público que compra, glosas diversas da obra de um Gervex”. Eulálio não fala em cópia e sim em glosa, palavra usada pelos poetas para dar conta de uma composição que desenvolve um mote, geralmente mantendo o número de versos do poema fonte e terminando cada estrofe com um verso do mote. A palavra indica ainda anotação entre as linhas ou na margem de um texto para explicar o sentido de uma expressão ou esclarecer uma passagem obscura; nota explicativa, comentário, ganhando, em seguida, também um caráter negativo (parecer contrário, censura, desaprovação). Etimologicamente, vem de γλϖσσα, língua, ponta, extremidade. A glosa de Belmiro, portanto, seria um comentário ao quadro de Gervex. * Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected].

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  • Crtica Cultural (Critic), Palhoa, SC, v. 6, n. 2, p. 557-563, jul./dez. 2011

    O naturalismo sob o olharmodernista: Candido e a crtica a

    Alusio AzevedoAntonio Carlos Santos*

    ResumoRepensar a crtica modernista ao naturalismo brasileiro, especificamente a de

    Antonio Candido a Aluzio Azevedo, a partir das reflexes de Jacques Rancire,segundo o qual o realismo no mmesis e sim o momento em que se d o pulo parafora da representao, e da ideia de glosa que desmancha a relao hierrquica entremetrpole e periferia para instaurar uma relao de foras no campo intelectual entre,especificamente, produes do naturalismo brasileiro e produes do naturalismofrancs (Aluzio Azevedo e mile Zola).

    Palavras-chaveLiteratura. Naturalismo. Crtica.

    Em um ensaio em que faz um panorama das artes plsticas do sculo XIX,Alexandre Eullio (1992) faz meno, en passant, a Belmiro de Almeida censurando nopintor que havia se formado na Academia Imperial de Belas-Artes uma relao,digamos, interesseira com o pblico que compra. Assinala no artista uma posiodplice: por um lado, experimenta tcnicas divisionistas desde 1890, por outro, levaavante, para uso do pblico que compra, glosas diversas da obra de um Gervex.Eullio no fala em cpia e sim em glosa, palavra usada pelos poetas para dar contade uma composio que desenvolve um mote, geralmente mantendo o nmero deversos do poema fonte e terminando cada estrofe com um verso do mote. A palavraindica ainda anotao entre as linhas ou na margem de um texto para explicar osentido de uma expresso ou esclarecer uma passagem obscura; nota explicativa,comentrio, ganhando, em seguida, tambm um carter negativo (parecer contrrio,censura, desaprovao). Etimologicamente, vem de , lngua, ponta,extremidade. A glosa de Belmiro, portanto, seria um comentrio ao quadro de Gervex.

    * Docente do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Linguagem da Universidade do Sul deSanta Catarina (UNISUL). Doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC). E-mail: [email protected].

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    Poderamos pensar que O cortio, romance de Alusio Azevedo, de 1890,tambm uma glosa aos romances de mile Zola, especificamente a LAssommoir,como reconhece Antonio Candido fazendo disto o ponto de partida para o texto Decortio a cortio, publicado em 1991 na revista Novos Estudos (Cebrap), mas escritoem 1973. A anlise se insere, alis, no interesse de Candido pelo naturalismo e vinhaprecedida de um texto sobre o romance de Zola, Degradao do espao, publicadopela Revista de Letras da Faculdade de Filosofia de Assis, e posteriormente reunido naprimeira parte de O discurso e a cidade (1993) juntamente com o j clssico Dialticada malandragem, de 1970, e O mundo-provrbio, de 1972, uma leitura de Imalavoglia (1881), de Giovanni Verga. O problema que detona a anlise de Candido o da filiao de textos e de fidelidade aos contextos ou seja o da relao entre osromances de Zola e de Alusio Azevedo, sendo o deste, por um lado, texto segundopor ser inspirado em LAssommoir, mas, por outro, texto primeiro na medida em quefiltra o meio, apresentando assim um carter ambguo, pois opera na interao doimpacto dos textos feitos nos pases centrais com a solicitao imperiosa darealidade natural e social imediata.

    Esse mesmo problema poderia ser traado na polmica entre o discpulo deCandido, Roberto Schwarz, principalmente em As idias fora do lugar (1973) eNacional por subtrao (1986), e Silviano Santiago, em O entre-lugar do discursolatino-americano (escrito em francs e lido em maro de 1971 na Universidade deMontral), Ea, autor de madame Bovary (escrito em ingls e lido em 1970 naUniversidade de Indiana), Apesar de dependente, universal (1980) e Por que e paraque viaja o europeu (1984).

    Vamos nos concentrar, no entanto, no texto de Candido. A primeira coisa anotar a diferena de tratamento dada pelo autor ao naturalismo em Formao daLiteratura Brasileira (1959) e no texto de 1973. No terceiro captulo do segundovolume da Formao, Candido condena o naturalismo brasileiro por ter renegado otrabalho admirvel de Alencar [...] para inspirar-se em Zola e Ea de Queirs. Aconseqncia foi que nossos naturalistas [...] caram nos mesmos erros dosromnticos (sobretudo Alusio Azevedo) sem aproveitar a sua lio. Quatorze anosdepois, a leitura que faz do mesmo Alusio Azevedo j outra. Ao destacar o carterambguo do romance, sendo ao mesmo tempo texto segundo (cpia) e texto primeiro,Candido o julga bem realizado, embora continue condenando o restante da obra doescritor maranhense como geralmente medocre, na medida em que filtra o meio,mesmo vendo este meio com lentes tomadas de emprstimo. Candido abre seuensaio apresentando dois extremos de viso em relao obra literria: de um lado aidia de que um texto constitudo a partir de outros textos, um objetomanufaturado com arbtrio soberano, de outro, a de que reduplicao da realidade,ou seja as duas pontas da guerra terica de ento, estruturalistas e marxistas. Emborareconhea na primeira mais produtividade para a anlise literria, introduz umaterceira via, alis j apresentada no ensaio que abre o livro, Dialtica damalandragem, que consistiria em rastrear na obra o mundo como material, parasurpreender no processo vivo da montagem a singularidade da forma segundo a qual transformado no mundo novo, que d a iluso de bastar-se a si mesmo.

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    Reapresentado o mtodo que ser retomado por Schwarz nas anlises deMachado de Assis, Candido expe em seguida a filiao de O cortio a LAssommoir,elencando as muitas semelhanas: a vida do trabalhador pobre em um cortio, aslavadeiras e seu cotidiano, uma festa dionisaca com conseqncias importantes parao desenrolar dos dois enredos, o policial na figura da lei, tambm morador do cortio,etc. Em seguida, explica a diferena entre os dois romances: enquanto o de Zolatrabalha mais focado na queda de Gervaise e de sua famlia no bairro operrio, o deAlusio Azevedo tematicamente mais variado, pois sendo na sociedade francesa adiferenciao mais acentuada, era preciso mais especializao, enquanto nos pasespouco desenvolvidos como o Brasil isso talvez resultasse em diluio, razo pela qualAlusio lana mo no apenas de LAssommoir, mas tambm de Nana, de La Joie deVivre, La Cure e Pot-Bouille. Assim, coloca ao lado do cortio, a manso de um ricocomerciante, polarizando a narrativa entre os pobres moradores explorados, ocapitalista portugus explorador que trabalha cegamente para acumular, Joo Romo,o dono do cortio, e o portugus rico, Miranda, que mora no sobrado ao lado e aspira aum ttulo de nobreza.

    A anlise se dirige ento para uma nova ambigidade: a curiosa mistura delucidez e obnubilao demonstrada pelo narrador ao se colocar na posio dobrasileiro branco e livre, ou seja, daquele que por um lado tem como antagonista oportugus que vem ao Brasil para enriquecer pelo trabalho, mas que no quer serconfundido com o homem do trabalho bruto, o escravo. Desta forma, a violnciaexpressa no romance se d no jogo entre o portugus rico, o portugus que estenriquecendo com a explorao do cortio e do comrcio, o nativo branco quedespreza a ambos, mas deseja tomar seu lugar de senhor, e o negro e a arraia midado cortio, relao essa permeada pela posio ambgua do narrador sujeito scontradies da poca. Em seguida, expe a lgica de uma dialtica do espontneo edo dirigido para entender a transformao do cortio horizontal aparentemente regidopor uma ordem natural, embora contenha em germe o planejamento racional docapitalista, e o novo cortio, regido por uma ordem mais rgida, que aparece nomesmo momento em que seu dono, Joo Romo, constri tambm um sobrado,smbolo de sua riqueza, e se iguala ao vizinho rico, o portugus Miranda, que passarde inimigo a aliado no momento em que, j para o final, Joo Romo se casa com afilha de Miranda abandonando Bertoleza, a ex-escrava que lhe havia ajudado a chegaronde chegou.

    Candido ento passa a ler o romance de Alusio Azevedo como alegrico, comouma alegoria do Brasil, colocando em dvida se seria um romance naturalistaverdadeiro, pois este no deseja ir alm da realidade observvel. Aqui, vale voltar auma cansativa repetio, que nos faz ficar atentos pois este o sinal do sintoma, deque o naturalismo teria uma relao no mediada com o real. Na abertura do ensaio, assim que Candido o define: E para o naturalismo a obra era essencialmente umatransposio direta da realidade, como se o escritor conseguisse ficar diante dela nasituao de puro sujeito em face do objeto puro, registrando (teoricamente, seminterferncia de outro texto) as noes e impresses que iriam constituir o seu prpriotexto. (CANDIDO, 1991, p. 123) Ora, no difcil problematizar essa noo donaturalismo com os textos que Zola escreveu para revistas e jornais, a partir de

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    agosto de 1879, e publicados em livro em 1880 com o ttulo Le roman experimental: ao autor de Nana elabora a diferena entre observao, procedimento dos realistas, eexperimentao, dos naturalistas. Diz Zola que a idia de experincia, tomada dascincias duras, traz com ela a idia de modificao e cita Claude Bernard paradistinguir entre observao e experimentao: Damos o nome de observador queleque aplica os procedimentos de investigao simples ou complexos aos estudos dosfenmenos que ele no faz variar e que ele recolhe, conseqentemente, tais como anatureza os oferece; d-se o nome de experimentador quele que emprega osprocedimentos de investigao simples ou complexos para fazer variar ou modificar, apartir de um determinado objetivo, os fenmenos naturais e os fazer aparecer emcircunstncias ou em condies nas quais a natureza no os apresentava. (2006, p.51)

    Apesar da insistncia na verdade, garantida pelo mtodo cientfico, e da lutacontra os retricos, os idealistas, os romnticos, Zola tem ainda uma teoria dalinguagem (thorie de lcran), exposta ao amigo Valabrgue em uma carta de 18 deagosto de 1864, que demonstra uma clara noo da inevitvel interferncia do sujeitoem seu objeto. Segundo essa teoria, a percepo de um objeto nunca se ddiretamente, mas atravs de uma tela (cran), de uma personalidade, de umtemperamento: A imagem que se produz nessa tela [...] a reproduo das coisase das pessoas colocadas distncia, e esta reproduo, que no poderia ser fiel,mudar tantas vezes quantas uma nova tela vier se interpor entre nosso olho e acriao. [...] A realidade exata , portanto, impossvel na obra de arte. (2006, p. 413)Zola depois discorre sobre os vrios tipos de tela: a clssica, a romntica e a realistaescolhendo, evidentemente, a realista como a mais real, como aquela que apresentaas imagens mais fiis que uma tela pode apresentar. Claro que Zola tambm oscila eem O senso de real (1878) define essa qualidade mestra do romancista como sentira natureza e represent-la tal como ela . Mas se alguma coisa define o realismo ou onaturalismo sua contraposio ao romantismo, ou seja, assim como os fonemas deSaussure, sua definio no pode ser essencial, substancial, mas contrastiva, sfunciona como oposio a um outro contra o qual se quer estabelecer.

    A questo da alegoria entra ento no texto de Candido tambm sob o signo daestranheza, j que no deveria estar ali pois no ocorre no Naturalismo em geral,embora aparea sem dvida nos (romances) de Zola. uma estranha espcie derealismo alegrico segundo o qual as descries da vida quotidiana contmimplicitamente um outro plano de significado. Embora no concorde com Lukcs, paraquem o pecado do naturalismo foi no espelhar corretamente a realidade, Candidoparece s vezes proceder de modo semelhante: dada uma certa noo de naturalismo,tenta fazer com que o romance de Alusio Azevedo corresponda a ela. Mas embora nodevesse estar ali, exatamente ela que traduz a fora do livro. ao do meio cortiosomado ao meio natureza brasileira corresponde uma outra fora, que atua de dentropra fora, qual seja, a da explorao do portugus, e aqui Candido acha finalmenteaquilo que procurava, ou seja, aquilo que j estava exposto em Dialtica damalandragem: a similaridade entre o movimento social e o movimento da narrativa.Com isso praticamente se fecha o crculo da anlise. Antes, porm, o autor daFormao faz questo de ressaltar mais dois aspectos: o das metforas animais, e a,

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    mais uma vez, detecta um avano curioso em relao aos modelos europeus. Tendoo cuidado de deixar claro que no deseja julgar Alusio Azevedo, Candido aponta parauma quebra da pretensa objetividade cientfica quando a viso fisiolgica transformada em lubricidade e at obscenidade. O segundo aspecto o caso dePombinha, seduzida pela prostituta francesa Lonie. Aqui curioso ver como ojulgamento de Candido pode se virar contra ele. Se antes havia feito questo delembrar o racismo de Alusio Azevedo, que ao se referir Bertoleza e Rita Baianaafirma que ambas buscavam um homem superior no macho europeu, agora, nocaso de Pombinha, sua vez de escorregar em uma casca de banana de sua gerao.Ao comparar Pombinha com a herona de Zola em La Joie de Vivre, onde o sanguemenstrual tambm faz sua apario para indicar a passagem para a vida madura damulher, Candido afirma que ao contrrio de Pauline Quenu, Pombinha enfermia enervosa e complementa: [...] e o toque de anormalidade se acentua pelainterferncia do safismo, que Alusio adota como soluo, fazendo uma cruza meioperversa entre La Joie de Vivre e Nana. Ao descrever a iniciao de Pombinha porLonie, Candido qualifica a relao homossexual como ato desnatural para, napgina seguinte, ao ressaltar o trao original de O cortio, atribuir ao safismo quecuriosamente o dicionrio Houaiss registra como sendo tambm atributo de quem esperto, safo seu carter degradante, abaixo da realidade natural.

    Valeria ainda trabalhar com a questo da natureza brasileira, esse personagemresponsvel, em parte, pela seduo de Jernimo, pela vinda da menstruao dePombinha, esse personagem, como diz Candido, que escalda o sangue, dissolve oscostumes, desencaminha os portugueses honrados, essa natureza que funciona comofora perigosa e que faz o crtico ligar O cortio a Iracema de Jos de Alencar. E leressa natureza no do ponto de vista pessimista do ressentido e sim, por exemplo, dode Lezama Lima para quem lo nico que crea cultura es el paisaje y ese lo tenemosde maestra monstruosidad. (1993, p. 63) E a partir da inverter a lgica de que ovencedor o portugus canalha que acumula capital e no aquele que se deixa seduzirpela terra, por Rita Baiana e pelo caf, ou seja, ler a lgica de uma certa resistncia aocapitalismo, ao trabalho tal como o exige a mquina do capital. Desta forma,articularamos Iracema e O cortio a Catatau, de Paulo Leminski, onde a natureza dostrpicos responsvel pela desmontagem da lgica de Renatus Cartesius, pelo delriodo europeu cuja taxionomia no d conta de uma outra paisagem, de uma paisagemdo outro.

    Meu objetivo no tambm, poderia dizer mimetizando Candido, julg-lo, masressaltar sua curiosa mistura de lucidez e obnubilao, pois o mais interessante emseu texto exatamente esse movimento de captar a ambigidade na narrativa deAlusio Azevedo, assim como na posio do intelectual brasileiro do sculo XIX, e acomplexidade na relao entre o texto primeiro e o segundo, tentar escapar condenao e ao incmodo que o naturalismo ainda produz na crtica brasileira,sempre muito ciosa de apontar os preconceitos e o racismo e de insistir em uma visodo realismo e do naturalismo como mimticos, qualificando-os, como diz RolandBarthes em O efeito de real, de regressivo em relao grande causa damodernidade que seria a desintegrao do signo para colocar em questo aesttica secular da representao (1988, p. 165) E mais, de insistir em uma relao

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    de subordinao entre os textos do naturalismo brasileiro e os de Zola, remoendo aidia da dependncia de um ponto de vista ressentido. O esforo de Candido, ambguocomo o romance de Alusio Azevedo, se torna produtivo na medida em que tentaescapar dessa relao, o que, por exemplo, no acontece nas anlises de RobertoSchwarz para quem as idias esto sempre fora do lugar, embora o autor da Formaoache em O cortio aquilo que queria de antemo encontrar: a similaridade entre omovimento social e o movimento da narrativa.

    A noo de glosa, detonada por Alexandre Eullio na leitura de Belmiro deAlmeida, nos permite estabelecer uma relao que, diga-se de passagem, bastantecomum no meio dos pintores e dos poetas, qual seja, a de glosar os temas clssicosnuma reverncia antropofgica valentia dos mestres. Na nota segunda edio deNas malhas da letra, Silviano Santiago relembra seus livros anteriores para detectarem Uma literatura nos trpicos uma certa euforia narcisista que perdeu o vigor epraticamente se apagou com o sculo. (2002, p. 9) Diz ele que o livro que traz osensaios-chave para o debate com Schwarz, O entre-lugar do discurso latino-americano e Ea, autor de madame Bovary, pareceria datado se o novo milniono nos tivesse trazido questes que ali foram expostas e discutidas. Ou seja, se aeuforia narcisista arrefeceu, os problemas da dependncia cultural continuam eparecem exigir um outro enfoque: nem a condenao das idias fora do lugar, nem aeuforia narcisista. Feitas as contas com o modernismo esgotado, est na hora de revero naturalismo e o realismo, pensando com Jacques Rancire que o realismo no mmesis, no a valorizao da semelhana mas sim a destruio dos limites dentrodos quais ela funcionava (2005, p. 35) ou com Georg Simmel que o naturalismo noprovm de um interesse pela natureza e sim pela arte e consiste em umaaproximao aos objetos a focalizao fragmentada ou prxima a que Rancire serefere , enquanto no simbolismo o que est em jogo o encanto da distncia (derReiz der Distanz). Este um trabalho a ser feito.

    RefernciasCANDIDO, Antonio. Formao da Literatura Brasileira: momentos decisivos. 5. ed. BeloHorizonte, Itatiaia; So Paulo, Ed. da USP, 1975._____. O discurso e a cidade. So Paulo: Duas Cidades, 1993EULLIO, Alexandre. O sculo XIX Tradio e ruptura (Panorama das artesplsticas) in Escritos. Org. Berta Waldman e Luiz Dantas. Campinas, Ed. da Unicamp;So Paulo, Ed. da UNESP, 1992.LIMA, Jos Lezama. La expresin americana. Edicin de Irlemar Chiampi com El textoestablecido. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1993SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trpicos. Ensaios sobre dependncia cultural.2 Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.ZOLA, mile. Le Roman experimental. Prsentation par Franois-Marie Mourad. Paris:GF Flammarion, 2006.

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    TitleNaturalism under the Modernist Gaze: Candido and the Criticism at Aluizio

    AzevedoAbstractThe present essay discusses the modernist criticism on Brazilian naturalism,

    specifically that by Antonio Candido and Aluzio Azevedo, based on the propositions byJacques Rancire, who claims that realism is not mimesis, but the moment when artabandons representation. Rancires idea of gloss, which unmakes the hierarchicalrelation between the metropolis and the periphery in order to install a power relationin the intellectual field is used for a discussion on the naturalism of the French writermile Zola and the Brazilian writer Aluzio Azevedo.

    KeywordsLiterature. Naturalism. Criticism.

    Recebido em 10.08.2011. Aprovado em 25.10.2011.