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Extremismo Islâmico
O novo arco do extremismo islâmico
Grupos radicais no Oriente Médio e no norte da África são as
novas faces do fundamentalismo ligado ao Islã
ÀS PRESSAS - Uniforme do Exército do Iraque abandonado durante a fuga de tropas em Mosul, em
junho de 2014: terror face ao avanço dos fundamentalistas Crédito: Safim Hamed/AFP
O grupo armado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) tornou-se
mundialmente conhecido em 2014, ao assumir o controle de uma larga região, que
abrange o noroeste do Iraque e o leste da Síria (devastada por uma guerra civil). Seus
guerrilheiros, em junho, ampliaram o controle sobre o Curdistão iraquiano ao conquistar
Mosul, a segunda maior cidade do país, e outros centros próximos à capital, Bagdá. O
avanço surpreendente do EIIL traz a ameaça inédita de formação de um Estado radical
islâmico no coração do Oriente Médio. Além do EIIL, outros grupos fundamentalistas
islâmicos, que mantêm laços diretos ou indiretos com a rede terrorista Al Qaeda
(responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001, contra os Estados Unidos),
ganham influência em países do Oriente Médio e da África, como Iêmen, Somália,
Nigéria, Mali, Argélia e Líbia. São milícias islâmicas que operam no vazio de poder
criado por Estados falidos ou imersos em conflitos, ampliando a retórica nessas regiões
contra os Estados Unidos e seus aliados. Após mais de uma década de campanhas
militares contra a Al Qaeda no Afeganistão e no Paquistão, sem muito sucesso, os
Estados Unidos veem o perigo se disseminar pelo norte da África e Oriente Médio.
Religião e política
Os grupos islâmicos são fundamentalistas, palavra que designa agrupamentos políticos
que buscam impor seus dogmas religiosos como base da organização do Estado. Os
fundamentalistas islâmicos veem o Alcorão, o livro sagrado do islamismo, como a
orientação para os diversos aspectos da vida das pessoas. Assim, defendem a

implantação da Sharia – o conjunto de leis e códigos de conduta extraídos do livro
sagrado – como lei, rejeitando o princípio da separação entre religião e Estado.
O fundamentalismo islâmico não deve ser confundido com a religião islâmica, e menos
ainda com um muçulmano, ou seja, uma pessoa que professa a fé islâmica. Há
fundamentalistas em todas as religiões, e, nesse caso, a questão torna-se política.
A democracia moderna, inaugurada pela Revolução Francesa, em 1789, constituiu o
Estado laico, com os assuntos de crença religiosa sendo relegados ao domínio pessoal.
Nesse regime, a maioria do povo elege representantes que fazem as leis e constituem o
governo, com base no respeito às diferentes opiniões políticas e credos religiosos.
O fundamentalismo islâmico é contrário ao Estado democrático e laico, e sua
perspectiva é a do Estado teocrático, como no Irã, onde o chefe do Estado é o líder
religioso supremo, o aiatolá. O fundamentalismo islâmico moderno não tem cem anos:
nasceu no Egito, com a Irmandade Muçulmana. A organização foi fundada em 1928
para divulgar o Islã e realizar ações sociais, mas em seu seio nasceu o fundamentalismo,
que desaguou na luta armada, nos anos 1950, contra o Pan-Arabismo – movimento pela
unificação dos Estados árabes, com base na identidade de língua e cultura e com caráter
laico – e o então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser (1918-1970).
A Irmandade Muçulmana radicalizou sua conduta sob o comando ideológico do
pensador e líder político Sayyid Qutb. No livro Marcos (1964), escrito na prisão, ele
exorta os muçulmanos à jihad (guerra santa) para libertar as nações árabes dos
governantes reformistas laicos e fundar Estados baseados no Alcorão. O passo seguinte
seria restaurar o califado islâmico que existiu no século XVII, e, por fim, expandir o Islã
pelo mundo. A Irmandade Muçulmana renunciou à violência nos anos 1970, mas o
ideário de Qutb tornou-se a base para os grupos fundamentalistas.
Al Qaeda
Sob a influência dos ensinamentos de Qutb, o saudita Osama bin Laden fundou o grupo
terrorista Al Qaeda, em 1988, no Afeganistão, quando lutava ao lado dos guerrilheiros
islâmicos (mujahedin) contra a ocupação soviética, com equipamentos e recursos vindos
das potências ocidentais. Mas após a Guerra do Golfo, em 1990, quando tropas
lideradas pelos EUA atacam o Iraque, a jihad da Al Qaeda passa a ter como inimigo o
Ocidente, em especial os Estados Unidos, por causa da crescente presença militar no
Oriente Médio.
Nos anos 1990, Bin Laden foi responsabilizado por vários ataques a alvos norte-
americanos, até realizar o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, contra os EUA.
Então, Bin Laden ganhou fama mundial. Vários grupos anunciaram sua ligação com a
Al Qaeda, o que permitiu ao grupo expandir seu alcance, para se tornar uma rede
terrorista com ramificações internacionais.
Na última década, porém, a Al Qaeda Central (AQC), no Afeganistão e Paquistão, foi
duramente atingida pelas ações militares dos EUA. O trabalho de espionagem e os
ataques com drones mataram seus líderes e reduziram sua capacidade de ação e de se
comunicar com as “filiais”. A morte de Bin Laden por uma equipe da Marinha dos

EUA, em 2011, enfraqueceu o grupo. O novo líder, o médico egípcio Ayman al
Zawahiri, não possui o carisma do fundador.
Mundo árabe
Já os grupos derivados da Al Qaeda no Oriente Médio e no norte da África avançam em
meio a guerras e ao desgoverno e se distanciam da AQC. Eles têm autonomia para
recrutar membros, planejar ataques e arrecadar fundos – por meio de sequestros,
assaltos, negócios, cobrança de taxas e doações. Também perseguem objetivos locais ou
regionais, deixando em segundo plano os atos contra os países desenvolvidos
ocidentais. Há ainda um número crescente de milícias não filiadas à Al Qaeda, mas que
agem em nome de seus objetivos.
Sua região de atuação se identifica, em geral, com a antiga expansão do mundo árabe,
que propagou a religião muçulmana. Tendo como centro a região na qual fica hoje a
Arábia Saudita, a expansão árabe, ocorrida a partir do século VII da nossa era, chegou à
Ásia Central (até o atual oeste chinês) e ao oeste da Índia, e, na direção oposta,
expandiu-se por todo o norte da África (naquela época, chegou até a Península Ibérica).
Nos séculos seguintes, a religião islâmica expandiu-se pelo sudeste da Europa, sudeste
da Ásia e, pelas caravanas que faziam comércio, para a faixa ao sul do Deserto do
Saara, em áreas atualmente em países africanos, como a Nigéria.
Boko Haram
PELA FORÇA - Líder e integrantes do Boko Haram: objetivo de implantar um Estado islâmico na Nigéria Crédito: AFP
A seita islâmica Boko Haram chocou o mundo ao raptar mais de 200 estudantes no
norte da Nigéria, em abril de 2014, e anunciar que iria vendê-las como escravas. O
sequestro coletivo de meninas tornou-se símbolo dos métodos brutais do grupo na luta
contra o governo federal da Nigéria e para erradicar as supostas influências ocidentais,
em especial o sistema educacional laico. “Boko Haram” significa “a educação ocidental
é pecaminosa”.

Com a expansão de suas ações, a partir de 2009, o grupo realizou assassinatos e ataques
contra prédios oficiais ou postos policiais. Mas, desde que o governo enviou tropas para
o norte do país, em 2013, o Boko Haram está saqueando vilas e massacrando seus
habitantes. Também intensificou os atos contra escolas e os atentados terroristas na
capital nigeriana, Abuja.
Apesar das atrocidades contra civis, o grupo é visto com bons olhos por nigerianos do
marginalizado norte, onde a maioria da população é muçulmana. Jovens amargurados
com o governo estão aderindo à luta armada em função da miséria e do que entendem
como as injustiças, cuja origem identificam no Estado. Por isso, a resolução positiva do
conflito envolve, principalmente, a realização de investimentos governamentais em
políticas econômicas e sociais que melhorem as condições de vida no norte da Nigéria.
EIIL
Um fator recente para o fortalecimento dos movimentos islâmicos radicais foi a
Primavera Árabe – as revoluções populares do mundo árabe, iniciadas em 2011 – e suas
consequências. Durante décadas, os mandatários da região reprimiram com mão de
ferro o extremismo islâmico. Mas esses grupos ressurgiram com força na situação
recente. Na Tunísia, onde tudo começou, e no Egito ditadores foram derrubados e, no
ambiente resultante de maior liberdade política, partidos com inspiração religiosa
ganharam força política. Em países como Líbia e Síria, diferentemente, milícias locais –
muitas vezes fundamentalistas – receberam farto armamento e apoio político de fora,
vindo das potências ocidentais ou de seus aliados na região, para lutar contra os regimes
autoritários, passando a agir depois em consonância com seus próprios objetivos.
Assim, a Síria, mergulhada na guerra civil, se tornou um celeiro para jihadistas.
Mas a proliferação dos grupos está também fortemente associada ao contexto de
intervenção militar dos EUA no Oriente Médio e ao conflito entre israelenses (judeus) e
palestinos.
Outro fator religioso que influi na situação é a divisão do islamismo em duas vertentes
milenares – os sunitas e os xiitas. São sunitas os sauditas, os monarcas do Golfo
Pérsico, bem como Bin Laden e o ditador iraquiano Saddam Hussein. São xiitas os
iranianos, o ditador sírio Al-Assad e a maioria da população do Iraque.
As vitórias do EIIL no centro-norte da Síria e no oeste e norte do Iraque – na verdade,
uma região contínua – são a maior conquista já feita por uma milícia nascida da Al
Qaeda. Nenhuma chegou tão perto de concretizar o califado islâmico idealizado por Bin
Laden. Na marcha em direção a esse objetivo, seus combatentes espalham o terror.
Responsável pela campanha de atentados contra os xiitas no Iraque, onde surgiu como
uma filial da Al Qaeda, o EIIL enviou combatentes na guerra civil síria em 2013 para
iniciar a tomada de territórios. Foi aí que adotou o nome de Estado Islâmico do Iraque e
do Levante (EIIL), para expressar suas ambições – a região geográfica do levante
engloba, além da Síria, o Líbano, a Palestina e a Jordânia.
Na Síria, o EIIL entrou em guerra com as brigadas sunitas pelo controle de enclaves
rebeldes e usa da violência contra civis para firmar sua autoridade. Nas áreas que
controla, a Sharia é aplicada de forma severa.

No Iraque, onde começou a tomar cidades em janeiro de 2014, poucos sunitas aprovam
as práticas do EIIL. Mas, por enquanto, as milícias sunitas, que se juntaram à
insurgência, compartilham com o EIIL uma causa comum: derrubar o governo montado
com a presença das tropas dos EUA e liderado pelo xiita Nouri al Maliki.
É certo que o caos reinante na Síria e o ressentimento dos sunitas iraquianos com as
políticas de Maliki foram cruciais para o sucesso do EIIL. Mas o grupo também
ascendeu graças às doações vindas das monarquias do Golfo Pérsico (Arábia Saudita,
Catar) aos rebeldes sírios e à abertura da fronteira turca para o fluxo de armas e de
jihadistas estrangeiros. Assim, na ofensiva para minar a ditadura síria xiita (chamada ali
de alauita), os poderes regionais sunitas criaram uma força que ameaça fragmentar o
Iraque em três partes – xiita, sunita e curdo – arrastando junto partes da Síria. Os curdos
são uma nacionalidade presente no norte do Iraque.
Os Estados Unidos já cometeram no passado o erro de dar suporte à Osama bin Laden
na luta contra os soviéticos no Afeganistão. É um importante motivo pelo qual relutam
em intervir no conflito sírio. Mas, agora que a área se converte em base para ataques
contra países ocidentais – já existem campos de treinamento do EIIL e de outros grupos
armados na Síria –, a pressão para realizar ataques aéreos aumenta.
Iêmen e África
Até a ascensão do EIIL, o foco das atenções dos Estados Unidos vinha sendo o sul do
Iêmen, sede da Al Qaeda na Península Arábica (AQPA), a única que mantém relações
estreitas com a AQC e centra seus ataques em alvos ocidentais. O grupo dominou
cidades no sul iemenita em 2012, mas o governo local retomou o controle com o apoio
dos EUA, que ampliou as operações de combate ao grupo, em especial os ataques com
drones.
O vasto e despovoado Deserto do Saara, com fronteiras sem vigilância, oferece aos
jihadistas um terreno propício. A Al Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI), braço da Al
Qaeda na região, tem raízes na Argélia, mas estendeu as ações para a vizinhança. No
Mali, a AQMI, reforçada por grupos armados vindos da Líbia após a derrubada de
Muammar Kadafi, juntou-se a grupos seculares e extremistas islâmicos no
marginalizado norte numa grande insurgência que chegou às portas da capital, Bamaco,
em 2013. Os combatentes foram repelidos após uma intervenção militar da França. A
milícia islâmica Al Shabaab, ligada à Al Qaeda, chegou a controlar uma parte
significativa da Somália, cujo poder central está desagregado desde os anos 1990. Mas a
área sob seu controle reduziu diante da intervenção militar de países africanos, que são
alvo de atentados terroristas do grupo, como o que ocorreu no shopping do Quênia em
2013.
Extremismo islâmico - Fundamentalismo religioso
Expressão que, para grupos políticos, designa os que buscam impor dogmas religiosos
como base da organização do Estado e das leis. Podem ser de qualquer religião –
cristãos, judeus ou muçulmanos.
Fundamentalismo islâmico

Os partidários do fundamentalismo islâmico defendem a implantação de Estados
teocráticos islâmicos regidos pela Sharia, o sistema de leis que deriva do Alcorão, o
livro sagrado. A Sharia impõe regras familiares, de sexualidade, de hábitos alimentares,
obrigações religiosas e práticas econômicas e políticas. Grupos extremistas islâmicos
defendem a sua aplicação de forma severa. Assim, crimes como o adultério, o roubo e o
uso de bebidas alcoólicas podem ser punidos com chibatadas, amputações ou a morte.
Al Qaeda
É a organização terrorista fundada por Osama bin Laden no Afeganistão, em 1988.
Após realizar o maior atentado de todos os tempos, contra o solo norte-americano, em
11 de setembro de 2001, a Al Qaeda expandiu suas atividades, com o surgimento de
grupos afiliados em vários países.
África do Norte e Oriente Médio
Na última década, a ação desses grupos se deslocou do Afeganistão/Paquistão, onde fica
o comando da Al Qaeda, para o norte da África e o Oriente Médio, onde novos grupos
fundamentalistas crescem em importância.
EIIL
O Estado Islâmico do Iraque e do Levante é a milícia fundamentalista islâmica mais
poderosa neste momento. No Iraque, nasceu como filial da Al Qaeda. Em 2013,
estendeu as atividades para a Síria, como parte dos grupos armados de combate à
ditadura de Bashar al-Assad, mudando o nome para EIIL. Desde então, vem
conquistando territórios tanto na Síria como no Iraque, com o objetivo de implantar um
Estado islâmico. Os líderes da Al Qaeda Central romperam com o EIIL por desaprovar
seus métodos e objetivos.
Saiu na Imprensa
Fujam, a guerra não acabou (por Mariana Queiroz Barboza)
Dois anos e meio depois do fim declarado da guerra com os Estados Unidos, o Iraque
permanece mergulhado em instabilidade. A devastação deixada pelo conflito de oito
anos voltou à superfície na semana passada, quando militantes de um grupo extremista,
o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), dominaram Mossul, a segunda maior
cidade do país. Armados, eles tomaram prédios públicos, estações de tevê, o aeroporto
internacional e penitenciárias de segurança máxima, de onde libertaram prisioneiros.
(...)
O principal objetivo do EIIL, renegado pela Al Qaeda (...) é redesenhar as fronteiras e
criar um Estado Islâmico (...). Em texto publicado na quarta-feira 11, o Instituto para o
Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), de Washington, disse acreditar que o grupo
“já não é apenas uma organização terrorista”. “É uma força militar convencional que
mantém territórios e diz governar alguns deles.” (...)
ISTOÉ, 14/6/2014 Fonte: Almanaque Abril/2014