O OtelO brasileirO de machadO de assis -...

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    O OtelO brasileirO

    de machadOde assishelen caldwell

    Essa obra no de domnio pblico

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    Prefcil Edio Americana

    Os brasileiros possuem uma jia que deve ser motivo de inveja para todo o mundo, um verdadeiro Kohincor* entre escritores de fico: Machado de Assis. Porm, mais do que todos os outros povos, ns do mundo anglfono devemos invejar o Brasil por esse es-critor que, com tanta constncia, utilizou nosso Shakespeare como modelo - personagens, tramas e idias de Shakespeare to habilidosamente fundidos em seus enredos prprios -, que devemos nos sentir lisonjeados de sermos os nicos verdadeiramente aptos a apreciar esse grande brasileiro.

    Encontramos estmulo a nossa megalomania nos escritores brasileiros, habituados a se referirem a Machado de Assis como seu "enigma", seu "mito", sua "Esfinge"1. Desori-entados pela sutileza do autor, muitos deles debruaram-se sobre sua vida, tentando inter-pretar sua obra em termos de sua origem humilde e sua composio fsica2. Mas Machado de Assis reteve deliberadamente os fatos de sua vida privada, pois aparentemente sentia que tais fatos no tinham nada que ver com sua vida espiritual e que o conhecimento de-les traria somente empecilhos apreciao de suas obras3. Com efeito, ele nos diz com freqncia: minha obra a minha vida, por meio delas podero me conhecer4. E nos avisa para lermos com cuidado5 - pois idia e forma esto to artisticamente integrados em cada uma de suas obras que cada parte, mesmo que no demonstre relao aparente, age para formar o significado do todo.

    Neste estudo, tentei obedecer a estas duas injunes do autor. Uma vez que o con-junto da obra de Machado de Assis apresenta a emergncia de um intelecto estvel e consistente, com idias e formas que aparecem, reaparecem e se desenvolvem, mergulhei em suas obras para elucidar um nico romance. Visto que o prprio Machado de Assis se referiu diversas vezes a Shakespeare com respeito a suas idias recorrentes, tentei remon-tar tais referncias (pertinentes) a sua fonte. Mas o ncleo de meu estudo consiste em re-sponder duas questes suscitadas diretamente do prprio Dom Casmurro, uma subsidiria outra. A questo principal : "A herona culpada de adultrio?"; a subsidiria, "por que o romance escrito de tal forma a deixar a questo da culpa ou inocncia da herona para deciso do leitor?"

    Embora Dom Casmurro tenha sido publicado em 1900, nenhuma anlise abran-gente a respeito foi feita ainda. Os estudiosos de Machado de Assis que mencionaram este romance assumiram, praticamente sem exceo, a herona como culpada"; mas h poucas indicaes de que algum estudo tenha realmente dado conta do assunto.

    A segunda questo nem sequer foi formulada por crticos de Machado de Assis, ainda que uma resposta para ela parea ser uma parte essencial da resposta questo principal, seno sua prpria chave.

    As evidncias que reuni para responder estas duas questes iro, assim espero, dei-tar luzes na mensagem deste romance de Machado de Assis e na de outros, alm de for-necer alguma (pequena) compreenso acerca de seu mtodo narrativo.

    com prazer que agradeo aos amigos que estimularam a realizao deste pequeno

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    livro com seu auxlio e encorajamento.

    Do campus da Universidade da Califrnia, em Los Angeles, agradeo a Ada Nis-bet e John J. Espey do departamento de ingls; Albert H. Travis, catedrtico de Estudos Clssicos, e Paul Friedlander do mesmo departamento; a Marion A. Zeitlin, minha antiga professora e ainda minha baluarte e mentora em assuntos brasileiros - a todos minha mais sincera gratido.

    Gostaria de agradecer ao Ministro Brasileiro de Relaes Exteriores por colocar a minha disposio um microfilme do manuscrito de Esa e Jac e pelo simptico amparo sempre ofertado no consulado de Los Angeles; sou profundamente devedora aos ex-cn-sules Srgio Corra da Costa, Antnio Corra do Lago e Galba Samuel Santos, e ao atual cnsul, Raul de Smandek, um amigo de longa data.

    Agradeo de corao a lida Stichini, que compartilhou comigo sua viso de litera-tura portuguesa.

    Devo gratido equipe da biblioteca da Universidade da Califrnia em Los Angeles - em particular, aos membros do departamento de referncia, e minha colega de portu-gus Helene Schimansky, do departamento catalogrfico.

    Uma palavra especial de apreo deve ser enderea da a John Jennings e James Kubeck, da editora da Universidade da Califrnia, por demonstrarem interesse solcito por este livro e pacincia generosa com a autora.

    Agradeo, finalmente, Noonday Press pela permisso de citar minha traduo de Dom Casmurro (1953).

    HELEN CALDWELL, 1960

    *Referncia a um diamante indiano, famoso por seu tamanho, tomado pela Coroa Britnica por ocasio da anexao da pennsula do Punjab, em 1849, tornando-se assim uma das maiores - seno a principal - relquias do Tesouro Britnico (N. do T.).

    1.Por exemplo, lvaro Lins, Jornal de Crtica: Primeira Srie, Rio de Janeiro, Olympio, 1941, p. 171; Alceu Amoroso Lima, Trs Ensaios Sobre Machado de Assis, Belo Horizonte, Paulo Bluhm, 1941, pp. 13 e 70; Barrete Filho, Introduo a Machado de Assis, Rio de Janeiro, AGIR, 1947, pp. 7 e 34; Lcia Miguel Pereira, Machado de Assis: Estudo Crtico e Biogrfico, 5. ed., Rio de Janeiro, Olympio, 1955, p. 277; Bezerra de Freitas, Forma e Expresso no Romance Brasileiro, Rio de Janeiro, Pongetti, 1947, p. 140.

    2.Mesmo Lcia Miguel Pereira, em seu excelente Machado de Assis: Estudo Crtico e Biogrfico, tenta localizar nos personagens de Machado a influncia de sua epilepsia e sua aguda conscincia de possuir sangue negro e origem humilde. Cf. Othon Costa, Machado de Assis Epilptico, Conceitos e Afirmaes, Rio de Janeiro, Pongetti, [1939], pp. 73-86; Viana Moog, Heris da Decadncia, Porto Alegre, Globo, 1939, pp. 208-209; Peregrino [unior, Doena e Constituio de Machado de Assis, Rio de Janeiro, Olyrnpio, 1938; Hermnio de Briro Conde, A Tragdia Ocular de Machado de Assis, Rio de Janeiro, 1942; Sylvio Romero, Machado de Assis, 2. ed., Rio de Janeiro, Olympio, 1936, pp. 54-55 (sobre o efeito da gagueira de Machado em seu estilo).

    3.Por exemplo, ele no desejava ver sua correspondncia publicada (carta de 21 de abril de 1908 a Jos Verssimo e nas retribuies de Verssimo datadas de 23 e 24 de abril [CORRESPONDNCIA]), deixando orientaes especficas de que as cartas trocadas entre ele e sua mulher, juntamente com outras recordaes, deveriam ser queimadas em sua morte (Lcia Miguel Pereira, Machado de Assis, p. II2). Cf.

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    idem, p. 22; Augusro Meyer, Introduo, Exposio Machado de Assis: Centenrio do Nascimento de Machado de Assis 1839-1939, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1939, p. 13,

    4.Como na advertncia de 1907 de A Mo e a Luva ou na advertncia de Relquias de Casa Velha (RELQUIAS DE CASA VELHA, I).

    5.Este aviso, frisado repetidamente, pode ser resumido nas duas seguintes passagens do romance Esa e Jac: O leiror atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estmagos no crebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os faros, at que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar, escondida [capo LV].

    Explicaes comem tempo e papel, demoram a ao e acabam por enfadar. O melhor ler com ateno [capo V].

    6.Por exemplo, Jos Verssimo, Histria da Literatura Brasileira, 3. ed., Rio de Janeiro, 1929, pp. 427428; Afrnio Coutinho, A Filosofia de Machado de Assis, Rio de Janeiro, Vecchi, 1940, p. 155; Bar-rero Filho, Introduo a Machado de Assis, pp. 55 e 195197; Augusto Meyer, Sombra da Estante, Rio de janeiro, Olympio, 1947, pp. 45-61; Jos de Mesquita, De Lvia a Dona Carrno, Machado de Assis: Estudos e Ensaios, Rio de Janeiro, Federao das Academias de Letras do Brasil, 1940, pp. 15 e 28.