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O PAPEL CENTRAL DO PROFESSOR DO ENSINO MÉDIO NA PERCEPÇÃO DOS ALUNOS

Silvana Mesquita - PUC-RJ

Este trabalho apresenta parte da pesquisa de doutorado em andamento sobre o

exercício da docência no ensino médio. Trata-se de um recorte dos dados coletados

juntos aos estudantes desta fase de ensino sobre suas percepções em relação à escola, ao

ensino e ao professor. O objetivo é identificar as características apontadas pelos alunos

em seus professores que favorecem o ensino-aprendizagem no ensino médio.

Destacam-se duas questões norteadoras: quais a características apontadas pelos

alunos que não podem faltar em um professor de ensino médio? E, quais os objetivos

destes jovens em relação ao ensino médio que caracterizam tais escolhas?

Parte-se de uma série de estudos sobre juventude (SPOSITO, 2005; DAYRREL,

et al. 2014; MARTUCELLI, 2016) que aponta o distanciamento dos objetivos da escola

de ensino médio com a realidade e as perspectivas dos jovens. Estes estudos apontam

para a entrada de um novo público nas escolas públicas de ensino médio, com a

ampliação do número de vagas e maior progressão dos estudos. Este novo grupo de

jovens passou a questionar as próprias bases do ensino recebido, acusando-o de

enciclopédico e descontextualizado com suas realidades.

Alem disso, as pesquisas de Krawczyk (2009) e Kuenzer (2011) constatam que

nas escolas públicas de ensino médio, crescentes por todo o país, os jovens pouco

aprendem ou se interessam por esta escola, o domínio de leitura e interpretação é bem

abaixo dos padrões desejados. Há, ainda, um conflito de identidade quanto à função do

ensino médio, principalmente para as classes mais populares, em relação à ausência de

preparação para o trabalho e às chances desiguais de acesso à universidade. Somam-se

também as queixas da sociedade civil no que diz respeito à precária formação dos

jovens que entram no mercado de trabalho após concluírem o ensino médio regular.

Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza por apresentar uma abordagem

qualitativa, partindo de um estudo do cotidiano de uma escola pública estadual de

ensino médio considerada de prestígio na Baixada Fluminense, região periférica à

capital do Rio de Janeiro, em atendimento aos jovens de setores populares. Os dados

foram produzidos a partir da aplicação de questionários com questões abertas a 341

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5148ISSN 2177-336X

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jovens-alunos da 3º ano do ensino médio regular no ano de 2015, além de observação

das aulas e entrevistas com os gestores, equipe pedagógica e professores.

Parte-se da ideia de que é preciso ouvir os jovens da periferia sobre os seus

anseios, o sentido que dão a escola e interpretar suas representações sobre um "bom

professor", a fim de contribuir na legitimação de uma escola média mais efetiva e

formadora. Antes, a escola e os professores detinham o monopólio do saber e a

autoridade, mas hoje as crianças e os jovens são sujeitos de direito. Faz-se necessário

valorizar o protagonismo juvenil, levando em conta seus interesses e expectativas.

Durante a pesquisa é possível identificar relações divergentes dos jovens com o

conhecimento legitimado pela escola ao longo dos anos. Predomina entre os estudantes

uma lógica utilitária em relação ao conhecimento, com valorização dos ensinamentos

que tem aplicação direta e prática, podendo explicar o cotidiano ou contribuir no acesso

profissional.

Assim, estes jovens tornam-se resistentes ou passivos em relação à maioria dos

conteúdos ensinados e considerados por eles sem significado prático e sem

aplicabilidade no seu cotidiano. Para Galvão e Sposito (2004), a questão da perda de

adesão à escola está relacionada à visão instrumental dos alunos relativa aos estudos, o

que não possibilita um envolvimento com o trabalho de apropriação dos saberes

escolares. A escola de ensino médio se justifica para os alunos, essencialmente, como

um local de socialização por meio das relações com os pares, tanto entre os jovens

quanto com os professores. Os jovens parecem pouco valorizar a busca pelo

conhecimento simplesmente ou do prazer de estudar e aprender.

Para superar esta perda de sentido da escola, os alunos colocam uma grande

responsabilidade sobre o desempenho dos docentes, pois reconhecem o professor como

o elemento que pode dar sentido ao ato de aprender. "O bom professor me faz

aprender"; "é o professor que me mostra o porquê do aprender", "é o professor que pode

fazer eu me interessar pela matéria", afirmam os alunos.

Quando questionados sobre as características de um "bom professor" de ensino

médio que possam favorecer o seu processo de ensino, os 341 alunos se utilizam de 115

palavras/expressões. Com auxílio de uma ferramenta digital nomeada nuvem de palavra

de aglutinação de palavras, construiu-se o diagrama 1, no qual quanto maior a letra da

palavra/expressão significa que a mesma obteve maiores números de referências no

texto analisado (no caso as respostas dos alunos ao questionário).

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Diagrama 1: Características de um "bom professor" indicadas pelos alunos

.

Destacaram-se os termos: aulas-dinâmicas, interage-aluno, paciência, divertido

e aulas- divertidas. As análises e agrupamento das ideias permitiram identificar uma

série de pontos comuns entre as indicações e a possibilidade de construção de algumas

categorias apresentadas a seguir. Optou-se por nomeá-las de dimensões estratégicas,

pessoal, relacional e motivacional adotando como referência os estudos de Didática

Fundamental (CANDAU, 1983, 2012).

A dimensão estratégica compreende as características de uma boa aula e os

recursos pedagógicos que os alunos mais associam aos 'bons professores'. Assim, esta

categoria reúne menções que os mesmos fazem as estratégias didáticas e metodológicas

que os bons professores utilizam ou que os próprios alunos concebem como formas

melhorar o processo ensino-aprendizagem. Aulas diferentes, dinâmicas, divertidas, nas

quais os professores usam uma linguagem prática e informal, são as preferidas pelos

alunos.

A seleção das características agrupadas como pessoal parte do pressuposto que

são características ligadas à personalidade do professor, como ter paciência e simpatia,

além da necessidade de demonstrar atitudes pró - ativa, como ser dinâmico, divertido e

bem-humorado.

A dimensão relacional agrupa as características do 'bom professor' ligadas à

relação com os alunos na escola, com destaque para expressão "interage com o aluno".

O favorecimento do diálogo, da participação e dos debates sintoniza com as

características didáticas de aulas dinâmicas e interativas.

A dimensão motivacional envolve mobilização, compromisso e satisfação pela

profissão. Os jovens apontam que a dedicação e o interesse do professor com a

aprendizagem permite que o mesmo "faça de tudo para o aluno" aprender. Além disso,

uma condição que pode estar associada a este empenhamento por parte dos professores

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está na satisfação pela profissão, nomeada pelos alunos por "ter prazer pelo que faz" ou

"gostar de ensinar".

No entanto, identifica-se que essas dimensões levantadas não funcionam de forma

isolada, na verdade, cada uma delas vai auxiliar a prática pedagógica dos "bons

professores", mas, nenhuma isoladamente a determina. É como se a figura do professor

e a sua aula tivessem que ter uma multiplicidade de fatores para favorecer a

aprendizagem do aluno. A justificativa para esta constatação vai além da questão das

diversidades dos alunos e das culturas que compõem uma sala de aula do ensino médio

da escola pública. (DUBET, 2002; FORMOSINHO, 2009).

Assim, mesmo destacando-se alguns perfis/características nas indicações dos

alunos, há necessidade de pontos de interseções entre as categorias além de um

elemento condutor que aqui, na concepção do aluno, permite dar sentido a escola, aos

conteúdos, a aprendizagem. Um exemplo de como se estrutura esta interseção "das

exigências" para ser um bom professor na concepção dos alunos, pode ser vista na frase

abaixo:

O bom professor é aquele que me faz querer aprender (característica motivacional), mas para isso ele precisa interagir com a turma, permitir que o aluno participe para conhecê-lo (característica relacional), precisa também ser alegre, bem humorado (característica pessoais) e a sua aula tem que ser dinâmica, diferente, onde a gente não fica copiando do quadro o tempo todo (característica estratégica)." (aglutinação dos relatos dos alunos do 3º ano elaborada pelo autor)

No intuito de concluir estas análises, retoma-se ao debate da relevância de se

iniciar um estudo sobre desempenho dos professores partindo dos referenciais dos

alunos. Observa-se que mesmo com o crescimento das pesquisas sobre juventude e o

sentido da experiência escolar nas ultimas década, poucos são os estudos que buscam

entender especificamente as concepções dos alunos em relação ao desempenho do

professor, como um elemento que possa identificar estratégias que contribuam na

superação da crise do sentido da escola por parte dos jovens, principalmente das classes

populares. Os dados expostos até aqui indicam que novas referências sobre o

desempenho do professor de ensino médio podem se estruturar a partir do olhar dos

alunos, principalmente, o caráter motivacional que atribuem aos seus professores e a

importância que conferem as questões relacionais. Tais indicadores de 'bom professor'

podem contribuir para compreensão do trabalho docente e identificação dos saberes

necessários para consolidação como profissão.

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Em resumo, professor que "ensina bem", segundo os alunos, tem o poder de

motivá-los para aprender, de dar sentidos aos conteúdos e consequentemente à escola. O

"bom professor" pode orientar o futuro destes jovens via motivação, interação e

personalidade. A centralidade do papel do professor na vida destes jovens é

inquestionável, segundo os mesmos.

Os jovens de ensino médio de classes populares reconhecem o professor como o

elemento desencadeador de seu processo de estudo, é como se o docente fosse o

"gatilho" para aprendizagem do aluno. O professor na escola de massa tem papel

"catalisador", afirma Formosinho (2009).

Mas, como pode o professor de ensino médio ser tudo isso? Haveria tipos de

professores? Os mais motivacionais, os mais interativos, os mais técnicos? Ou, um

mesmo professor pode alternar estas diferentes lógicas de ação? Estão os professores

conscientes da importante dimensão que exercem na vida desses jovens? Estas são

questões em andamento na pesquisa.

Referencias bibliográficas

DUBET, François. El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa, 2002.

FORMOSINHO, João. (Coord). Formação de professores. Aprendizagem profissional e acção docente. Porto: Porto Editora, 2009.

CANDAU, Vera Maria (org.). A Didática em Questão. 17ª ed. Petrópolis: Vozes,1983.

________, Vera Maria (org.). Rumo a uma Nova Didática. 22ª ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

GALVÃO, Izabel & SPOSITO, Marília. A experiência e as percepções de jovens na vida escolar na encruzilhada das aprendizagens: a indisciplina, a violência e o conhecimento. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 345-380, jul./dez. 2004.

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KRAWCZYK, Nora. R. O Ensino Médio no Brasil. Ação educativa. São Paulo, 2009.

KUENZER, Acacia Zeneida. A formação de professores para o ensino médio: Velhos problemas, novos desafio. Educação &Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116, p. 667-688, jul.-set. 2011.

SPOSITO, Marília P. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude e escola no Brasil. In: ABRAMO, H. W.; BRANCO, P. P. M. (Orgs.). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, p. 87-127, 2005.

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