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1 AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” O PAPEL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO COMBATE A EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ANALISE DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Por: Micheli Carvalho da Silva Orientador Profª Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2011

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AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

O PAPEL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO

COMBATE A EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ANALISE DO

CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Por: Micheli Carvalho da Silva

Orientador

Profª Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2011

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AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

O PAPEL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO

COMBATE A EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ANALISE DO

CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Apresentação de monografia à

Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do

grau de Especialista em Terapia de

Família.

Por: Micheli Carvalho da Silva

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AGRADECIMENTO

A todos os Professores, Mestres e

Doutores pelo ensinamento teórico e

até mesmo de vida que recebo de

vocês, em especial a Orientadora

Fabiane Muniz.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Denise Carvalho da

Silva e Ademir José da Silva.

Sem vocês, não teria sido possível!

Amo vocês!

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma analise da Política

de Assistência Social, sua trajetória, o adequado funcionamento do Centro de

Referência da Assistência Social - Instituição esta que tem como finalidade

atender e acompanhar as famílias em situação de vulnerabilidade social - e

destacar a atuação do Serviço Social junto a estas famílias.

A Assistência Social é marcada por preconceitos, vista como ajuda

benesse e encontra-se direcionada pela Política neoliberal. É uma política

recente que está em processo de consolidação o que gera desafios.

Nesse sentido, buscamos neste trabalho monográfico refletir e conhecer

um pouco dos questionamentos pelos quais passa a Assistência Social. Temos

que enfatizar sua importância enquanto Política de proteção social e apontar

seus avanços na atualidade.

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METODOLOGIA

A pesquisa aqui exposta refere-se a uma produção que busca

apresentar uma analise teórico qualitativa.

O procedimento metodológico utilizado na elaboração do referido

trabalho, baseou-se na pesquisa bibliográfica de referencias teóricas das mais

diferentes fontes, tais como: livros, legislação, artigos, trabalhos acadêmicos. A

partir desta pesquisa analisamos como se estruturada a Assistência Social e

como seus serviços estão sendo realizados na perspectiva de contribuir para a

promoção social das famílias vulneráveis.

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SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................ 8

Capítulo I: A trajetória da Assistência Social no Brasil ..................... 9

1.1 A Assistência Social e sua vinculação com a política do

clientelismo ...................................................................................... 9

1.2 A Constituição de 1988 e a descentralização: uma nova fase

para a Assistência Social ............................................................... 15

1.3 A Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/93): uma política

que visa promover a inclusão social .............................................. 20

Capítulo II: Assistência Social: Perspectivas e Limites................... 25

2.1 A Assistência Social na perspectiva do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) ............................................................. 25

2.2 A Assistência Social e os limites para sua afirmação como

direito ............................................................................................. 32

Capítulo III: O Centro de Referência da Assistência Social: A “Porta de Entrada” da Assistência Social..................................................39

3.1 O que é o CRAS ...................................................................... 39

3.2 A atuação do Serviço Social no Centro de Referência da

Assistência Social .......................................................................... 47

Conclusão ...................................................................................... 52

Bibliografia Consultada .................................................................. 54

Bibliografia Citada............................................................................54

Índice...............................................................................................57

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discutir algumas ambigüidades e

tensionamentos que perpassam a Política de Assistência Social, isto é, propõe-

se a examinar as contradições da Política de Assistência Social frente aos

projetos democrático e neoliberal. Entender até que ponto a Assistência Social

implementada no Centro de Referência da Assistência Social consolida

direitos.

É interessante se discutir essa temática, pois é relevante para o Serviço

Social, já que os assistentes sociais atuam diretamente com a defesa dos

direitos sociais e a universalização dos mesmos, ou seja, a ampliação e

consolidação da cidadania das famílias.

Para alcançar os objetivos a que nos propomos, o primeiro Capítulo

apresenta-se de forma sucinta ao abordar o tratamento da assistência social da

década de 30 (com a presença da cultura do clientelismo) aos dias atuais; a

consolidação da Constituição de 1988, esta trazendo avanços significativos

para a assistência social e a promulgação da Lei Orgânica da Assistência

Social em 1993, política esta que visa a inclusão social.

No segundo Capitulo discutimos a implementação do Sistema Único de

Assistência Social em 2003 e os desafios postos pelo projeto neoliberal frente

às conquistas do projeto democrático brasileiro.

No terceiro e último Capítulo tivemos o intuito de conhecer o

desenvolvimento da assistência no Centro de Referência da Assistência Social

e destacar a atuação do Serviço Social na efetivação dos direitos sociais.

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CAPÍTULO I: A TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

NO BRASIL

1.1 A assistência social e sua vinculação com a cultura

política do clientelismo

No sentido de compreender a assistência social na trama das relações

sociais que caracterizam a conjuntura brasileira atual faz-se necessário lembrar

que a assistência é uma prática antiga e se inscreve sob diversas formas nas

normas de diferentes sociedades, portanto, não se restringindo nem às

sociedades capitalistas.

No caso do Brasil, é possível afirmar que “historicamente a assistência

social tem sido tratada como uma ação tradicionalmente paternalista e

clientelista; transformada em um caráter de dádiva, “benesse”, guarda profunda

influência do pensamento humanista cristão por meio da Igreja Católica.”

(PAULA, 2007). É, ainda, vista como sinônimo de assistencialista. No entanto,

cabe diferenciar os conceitos de assistência e assistencialismo. Este se

manifesta nas políticas governamentais de cunho filantropico, salienta o caráter

fragmentado das respostas dadas à problemática social. A assistência social,

numa perspectiva assistencialista, é vista de forma residual, próxima das

práticas filantrópicas, um espaço para a reprodução da exclusão.

Destaca-se que após a crise mundial do capitalismo, o Estado brasileiro,

progressivamente, reposiciona-se frente à sociedade e reconhece a questão

social como uma questão política a ser solucionada sob sua direção.

Entretanto, o modelo de assistência social apresentado nos sucessivos

governos de Getúlio Vargas, mantém o caráter paternalista e clientelista.

Centrada no combate a pobreza, a reorientação da assistência social se faz

através do paradigma da focalização, já que o Estado – de cunho autoritário -

criou políticas predominantemente para os trabalhadores urbanos, deixando de

fora uma grande parcela da população rural.

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Essa focalização instituiu critérios próprios para designar quem tem

direito aos serviços públicos. Pode-se dizer que ela constituiu um componente

essencial para a formulação de uma assistência social estratégica, pois:

Começa a se configurar quer como uma esfera

programática da ação governamental para a prestação de

serviços quer como mecanismo político para

amortecimento de tensões sociais. (SPOSATI, 2008,42)

O Estado procura reprimir a ascensão dos movimentos sociais e

também diminuir a autonomia dos governos estatais ao concentrar no governo

federal todo poder decisório referente à assistência social. Em seu auxílio,

passa a incorporar a “nova técnica social”, isto é, institui o Serviço Social1,

transformando seus profissionais em agentes necessários na operação da

assistência. A grande regulação da assistência social no país se deu com a

instalação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), criado em 1938.

MESTRINER (2001) nos ajuda a compreender esse Conselho quando enfatiza

que:

O Conselho é criado como um dos órgãos de cooperação

do Ministério da Educação e Saúde, passando a funcionar

em uma de suas dependências, sendo formado por

figuras ilustres da sociedade cultural e filantrópica e

substituindo o governante na decisão quanto a quais

organizações auxiliar. Transita pois, nessa decisão, o

gesto benemérito do governante por uma racionalidade

nova, que não chega a ser tipicamente estatal, visto que

atribuiu ao Conselho certa autonomia. (MESTRINER,

2001,57-58)

1Sobre esse assunto, consultar IAMAMOTO, Marilda. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo, Cortez, 2005.

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Concernente ao Conselho Nacional de Serviço Social, podemos dizer

que ele foi a primeira forma de presença de assistência social na burocracia do

Estado brasileiro, pois é nesse momento que se concretiza as relações entre

segmentos da elite e o Estado. O primeiro vai avaliar o mérito do Estado em

conceder auxílios a organizações da sociedade civil. Cabe enfatizar também,

que o amparo social, neste momento, é tido como uma concepção de

assistência, contudo, identificado como benemerência.

Complementando, SPOSATI, com apoio em RAUL DE CARVALHO

afirma:

Poucos foram os resultados práticos desse Conselho,

caracterizado mais pela manipulação de verbas e

subvenções como mecanismo de clientelismo político.

(CARVALHO, apud SPOSATI, 2008, 45)

Outra forma do governo exercer seu domínio foi através da criação da

primeira grande instituição de assistência social, ou seja, a Legião Brasileira de

Assistência (LBA) que tem sua gênese marcada pela presença das mulheres,

pois segundo TORRES (2002):

Trata-se de um órgão beneficiente coordenado e chefiado

pela primeira-dama Darcy Vargas. Visava, inicialmente, a

atender as famílias dos soldados que iam ou estavam

envolvidos com a guerra. Posteriormente em 1946, passa

a dedicar-se também a infância e a maternidade,

legitimando o Estado e acentuando ainda mais o

assistencialismo a partir de obras de caridade. (TORRES,

2002,85-86)

Esse trecho de TORRES nos faz refletir que o Estado cria essa

instituição com o propósito de legitimar o seu poder usando o assistencialismo

(mais uma vez) como estratégia política, já que a figura da primeira-dama

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12 representa a generosidade diante dos “subalternos”. Observa-se que o intuito

da LBA foi o de assegurar sua presidência à primeira-dama da República,

imprimindo, assim, a marca do primeiro-damismo junto à assistência social e

estabelecendo sua ação às famílias de grande parte da população não

previdenciária, atendendo as ocorrências de calamidades com serviços

pontuais e fragmentados. SPOSATI (2004) elucida que essas ações da LBA,

trazem para a assistência social o vínculo emergencial e assistencial, marco

que predomina na trajetória da assistência social.

Em relação à década de 50, SPOSATI (2008) esclarece que “o

populismo é reforçado como forma política de legitimação do poder e comando

da chamada burguesia nacional, apoiado na adesão da massa trabalhadora,

obtida pela antecipação da concessão de benefícios”. Nota-se que o populismo

continua sendo traço fundamental entre Estado e sociedade; converte-se em

estratégia para a manutenção do patamar assistencial. Nesse período a

assistência social teve sua abrangência limitada e cercada pelo objetivo

primeiro, à ascensão da produção capitalista. O padrão seletivo permanece

atuante e, os critérios de elegibilidade eram utilizados para manter as pessoas

excluídas.

No âmbito dos governos militares ROJAS COUTO (2008) enfatiza que:

A assistência perde seu caráter populista, entretanto, se

firma como compensatória, constituindo-se de ações

assistencialistas as quais tencionavam diminuir os

impactos das desigualdades provocadas pelo crescimento

do desenvolvimento capitalista; e produtiva no intuito de

colaborar com o processo de crescimento econômico.

(ROJAS COUTO, 2008,67)

A base administrativa de um aparato estatal centralizado e repressivo

permitiu ações complexas, implicando nos recursos destinados à assistência

social, estimulando a participação da iniciativa privada, isto é, agora os

recursos circulados na área social, passam a ser circulados com a política

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13 econômica. A iniciativa privada passa, cada vez mais, a assumir as

responsabilidades do Estado, assim, a assistência social é “privatizada”, mas

nem por isso deixa de ser assistencialista.

A forma assistencialista como se apresente a assistência

social no Brasil pode ser analisada a partir da constatação

de que: ao ponto de vista político, as intervenções no

campo da política social e, particularmente, na assistência

social, vem se apresentando como espaço propício à

ocorrência de práticas assistencialistas e clientelistas,

servindo também ao fisiologismo e à formação de redutos

eleitoras [...]. Em outras palavras, tratamos aqui de uma

espécie de “cultura política” que nega a identidade social

dos subalternos e seu pertencimento a uma classe;

tratamos de uma forma de ocultar o conflito e a

resistência e a de legitimar a dominação. (YASBEK, apud,

ROJAS COUTO, 2008, 162)

Assim, observa-se que historicamente a assistência social é permeada

por uma cultura política a qual podemos chamá-la de clientelista. Essa cultura

pode ser “caracterizada como decisiva, no sentido de imprimir a essa política,

uma cultura que fragiliza a idéia de direito e fortalece a idéia da dádiva e do

favor.” (OLIVEIRA, 2003, 119).

O caráter da cultura política do clientelismo traduz-se pela ajuda aos

necessitados, pela ação compensatória, por uma política de conveniências

eleitoras. Expande-se na esteira do favor pessoal, combinando uma ação

reduzida com a necessidade de reconhecimento por parte do receptor da ajuda

que está sendo prestada. Desloca a ação para o campo do privado, o interesse

pessoal exacerbando a lógica da submissão, uma vez que essa política,

segundo SPOSATI (2008), legitima a assistência social como ação emergencial

e restrita aos pobres, aos “desassistidos”; fragmenta a ação do Estado e seus

efeitos se limitam a concessão; reproduz uma forma de relação clientelista

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14 entre pobres e poderosos; utiliza-se de velhos redutos - dádiva / patronagem –

para assegurar sua posição de dominação.

Distintas culturas políticas não só atravessam as ações

coletivas dos grupos sociais, como também incidem nos

sistemas de proteção social. No caso da assistência

social, essas culturas apresentam características que, de

um lado, favorecem a “transição” para um modelo

participativo, e, de outro, impedem sua consolidação, na

medida em que mantém atitudes e práticas perpetuadoras

do elitismo e do clientelismo. (OLIVEIRA, 2003, 117)

Essa cultura política que transpassa a assistência social, implica na

efetivação da cidadania, pois como aponta MARTINS (1994, 12) “estamos

muito longe de uma sociedade de cidadãos.” Para o autor, no Brasil há três

aspectos que colaboram para intervir no desenvolvimento da cidadania: o

patrimonialismo, a corrupção e o clientelismo. O primeiro se mantém pelo fato

de no país a distinção entre público e privado não ter chegado a se constituir

na consciência da população; a corrupção ocorre, principalmente, através da

política que nega os pressupostos racionais da igualdade e os princípios

constitucionais; e o clientelismo expressa-se na relação de troca de favores por

benefícios em diferentes escalas.

OLIVEIRA (2003) ressalta que:

O Estado com auxílio da cultura política não reconhece os

indivíduos como sujeitos de direitos e a sociedade, por

sua vez, não incorpora os princípio e as diretrizes que

orientam a assistência social. A sociedade tolera e adota

comportamentos que banalizam a desigualdade social,

não se sentindo como protagonistas da construção da

relação entre cidadão e Estado. (OLIVEIRA, 2003,57)

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As ações clientelistas do Estado desempenham uma função de

ideologia, já que revelam para os clientes a “bondade” daqueles que governam.

Em outras palavras, o pacto conservador que se faz presente no Estado

brasileiro impede que a ampliação da cidadania se constitua.

Sendo assim, à manutenção da cultura política na tradição histórica da

assistência social faz com que o Estado se desloque para atender as

demandas do capital em detrimento das necessidades sociais. O campo da

assistência social se apresenta como um campo obscuro da relação entre

Estado e sociedade, pois conceitos como clientelismo tem apontado como

constitutivos de uma sociedade que por muito tempo considerou a pobreza

como um atributo individual daqueles que não se empenham para superá-la.

1.2 A Constituição de 1988 e a descentralização: uma nova fase

para a assistência social

No primeiro momento fizemos uma analise de como a assistência social

era tratada a partir da influência da cultura política do clientelismo. Nesta nova

etapa vamos nos deter nas mudanças e avanços significativos originários da

Constituição brasileira de 19882, a qual insere a assistência no Sistema de

Seguridade Social3. Esta passou a ser vista através do tripé saúde, previdência

e assistência social. A saúde passou a ter uma cobertura universal através do

Sistema Único de Saúde (SUS), e com direito de todos e dever do Estado; a

previdência reafirmou-se como um modelo de gestão pública via contribuições

sociais; e a assistência social por sua vez, passou a ser responsabilidade do

Estado, vista como direito social, priorizando o atendimento a todos aqueles

que dela necessitam, ou seja, a todos aqueles que não possuem condições de

satisfazer suas necessidades básicas.

2A Constituição brasileira de 1988 que encontra em vigor, foi aprovada 5 de outubro do referido ano. 3Art. 194: “A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

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A respeito da assistência social, em seus Artigos 203 e 204 da Ordem

Social, a Constituição passou a tratá-la da seguinte forma:

Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela

necessitar, independente de contribuição à seguridade

social, e tem por objetivos: a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o

amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção

de integração ao mercado de trabalho; a habilitação e

reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a

promoção da sua integração à vida comunitária; a

garantia de um salário de benefício mensal a pessoas

portadoras de deficiência e ao idoso que comprove não

possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la

provida por sua família, conforme dispuser a Lei4.

Art. 204 – As ações governamentais na área da

assistência social serão realizadas com recursos do

orçamento da seguridade social, previstos no art. 195,

além de outras fontes, e organizadas com base nas

seguintes diretrizes: descentralização político-

administrativa, cabendo a coordenação e as normas

gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos

respectivos programas as esferas estadual e municipal,

bem como, a entidades beneficientes e de assistência

social; participação da população, por meio de

organizações representativas, na formulação das políticas

e no controle das ações de todos os níveis5.

4Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. Capítulo II, Título VIII, Seção IV. Art. 203. 5Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. Capítulo II, Título VIII, Seção IV. Art. 204.

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A assistência social passa a ser incluída no campo da política social,

começa a ser vista como direito, sobre isso ROJAS COUTO (2008) declara:

A assistência começou a ganhar visibilidade como política

social, campo do direito social. Ela passou a ser definida

como “um tipo particular de política social que se

caracteriza por: genérica na atenção e específica nos

destinatários; particularista, porque voltada

prioritariamente para o atendimento das necessidades

sociais básicas e universalizante, porque, ao incluir

segmentos sociais excluídos no circuito das políticas,

serviços e direitos, reforça o conteúdo universal de várias

políticas sócio-econômicas setoriais”. (PEREIRA, apud,

ROJAS COUTO, 2008, 167).

Do ponto de vista dessa concepção da política de assistência social,

observa-se que ela engloba aspectos inovadores como por exemplo, a sua

definição como política social, o seu caráter universalizante, colocando-a na

integração com as demais políticas sociais e principalmente a econômica. A

assistência social ergue uma política que visa à ampliação dos direitos sociais

em detrimento do primeiro modelo: o assistencialista. Para uma assistência

social inovadora, a Constituição adota uma nova visão de cidadania e

universalidade, na medida em que atribui em seu texto um sistema

descentralizado e participativo6.

A descentralização consiste em uma efetiva partilha de

poder entre o Estado e as coletividades locais e implica a

autogestão local. Envolve uma redefinição da estrutura de

6Para maior aprofundamento sobre descentralização e participação ver JOVCHELOVITCH, M. L. (1998), SPOSATI, A. (1990), NEVES (2008).

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poder no sistema governamental, que se realiza por meio

do remanejamento de competências decisórias e

executivas, assim como dos recursos necessários para

financiá-las. Portanto, está intimamente conectada com a

reforma do Estado, ou seja, novas formas de relação

entre Estado e a sociedade civil. Isto é, no

redimensionamento da relação povo-governo, dentro da

qual a autonomia das organizações locais proporciona o

exercício do controle social e a possibilidade de influir nas

decisões de várias instâncias de poder.

(JOVCHELOVITCH, 1998, 37)

Nesse sentido, a descentralização passa a ser um componente

imprescindível para a democratização. Ela possibilita a aproximação entre

governantes e governados, ou seja, entre Estado e sociedade civil. A

descentralização permitiu que os cidadãos controlassem as ações do governo,

para que assim, fosse reduzido, ou até mesmo, eliminado a cultura política do

clientelismo. Isso significa que a descentralização e a participação popular são

as palavras chaves para a consolidação de uma política de assistência social

não autoritária / conservadora, já que a própria Constituição em seu Art. 1º

consagra o princípio de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por

meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Outro princípio importante destacado na gestão da política, é que a

participação da população se faz através dos conselhos nacionais, estaduais e

municipais, fóruns, conferências, assembléias, entre outros. NEVES (2008)

ressalta que esses espaços irão representar a efetivação de uma cultura

participativa. Em relação a assistência social, a participação da população se

materializa por intermédio dos Conselhos de Assistência Social, este tem como

competência, dentre outros, a fiscalização, aprovação e avaliação dos

resultados da política de assistência social. Outra instância de participação de

sociedade são as Conferências de Assistência Social, que tem como atribuição

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19 avaliar a situação da assistência social e propor diretrizes para a

implementação e o aperfeiçoamento da mesma.

Além de estar articulada com a participação popular, a descentralização

articula-se também à municipalização. A descentralização assegura aos

municípios o poder de auto-organização, bem como atribuindo-lhes

competências específicas.

Para JOVCHELOVITCH (1998) essa municipalização significa uma:

Articulação das forças do município como um todo para a

prestação de serviços, cujo co-responsáveis seriam a

prefeitura e organizações da sociedade civil. A

municipalização deve ser entendida como o processo de

levar os serviços mais próximos a população.

(JOVCHELOVITCH, 1998, 40).

A partir da descentralização e da municipalização pretende-se conferir

poder efetivo aos governos locais e isso significa criar instituições que próximas

dos cidadãos, possam superar vícios do velho modelo de assistência social,

isto é, fortalecer instituições de base territorial para assim a democracia chegar

até os indivíduos. Nesse sentido, é sabido que é nos municípios que tudo

acontece, é neles que os sujeitos vivem, é nele também que as pessoas

fiscalizam e controlam as ações de cunho social.

Essa perspectiva de analise nos faz compreender que a

descentralização carrega a idéia de avanço democrático e de autonomia; ela

passa a ser um dos elementos da reforma do Estado pela qual seriam

combatidos os problemas de ineficiência posta pela cultura da dádiva / favor.

Com a partilha de poder entre governo e sociedade, temos a oportunidade de

uma política de assistência social a qual seja capaz de viabilizar serviços aos

excluídos, ampliando direitos à população.

Finalmente a Constituição de 1988 estabeleceu uma redefinição à

assistência social ao instituir ações de iniciativa universalizante, no sentido de

construir uma sociedade livre e justa. Após sua promulgação, estavam

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20 previstos a aprovação de Leis7 que tinham como objetivo concretizar a

implementação de tal política (de assistência social).

1.3 A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93):

uma política que visa promover a inclusão social

Apesar da Constituição Federal de 1988 estabelecer novas propostas

para assistência social, foi com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)

que esta política obteve um novo status. Ela introduziu uma nova concepção de

política social no país, já que a assistência social passou a ser regida pelo

princípio de univerzalização e da responsabilidade estatal. Essa Lei constitui

uma revolução no Sistema de Proteção Social brasileiro, pois no artigo 1º

define:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado

é política de Seguridade Social não contributiva que prevê

os mínimos sociais, realizada através de um conjunto

integrado de ações de iniciativas públicas e da sociedade

para garantir atendimento às necessidades básicas.

(LOAS, 1993)

Os principais objetivos da LOAS são prover a inserção dos destinatários

da assistência social nas políticas sociais básicas, fornecendo a eles a

oportunidade de acesso aos direitos que os demais componentes da sociedade

usufruem; a promoção da cidadania, eliminando relações de clientelismo que

não se pautam por direitos; a prevenção, fornecendo ao usuário apoio em caso

de situação de mantê-lo incluído no sistema social e a proteção a população

7Na ótica da política de assistência social, temos a aprovação em 1993 da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS- (Lei nº 8.742) ocorrida cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988.

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21 excluída socialmente, por meio de ações de redistribuição de renda direta e

indireta.

A LOAS busca atender todos os cidadãos brasileiros que se encontram

em desvantagem pessoal, resultante de deficiência ou incapacidade que

impossibilite ou restrinja o sujeito no desempenho de uma atividade

considerada normal para sua idade ou sexo ou os indivíduos que se encontram

em situação circunstanciais como trabalho infanto-juvenil, abuso e exploração

comercial sexual infanto-juvenil, moradores de rua, adolescentes vítimas de

abandono e desagregação familiar, idosos, crianças e mulheres vítimas de

maus-tratos, dependentes do uso e vítimas de exploração comercial de drogas,

portanto, constitui o público alvo dessa política todos os cidadãos e grupos que

se encontram em situação de vulnerabilidade ou risco social.

Em relação aos princípios e diretrizes, em seu artigo 4º a LOAS regula

os direitos no campo da assistência social a partir dos princípios de que a

assistência deve reger-se na universalização dos direitos sociais, na igualdade

de direitos no acesso ao atendimento, na supremacia do atendimento às

necessidades sociais, a ampla divulgação dos benefícios, programas, projetos

e serviços e respeito à dignidade do cidadão; já em relação às diretrizes, a Lei

em seu artigo 5º se baseia na descentralização político-administrativa, na

participação do demandante na formulação e controle social8 da política, na

primazia da responsabilidade do Estado na coordenação e execução da

política de assistência social.

Portanto, a LOAS determina que, cabe a cada esfera de governo em seu

âmbito de atuação, respeitando os princípios e diretrizes estabelecidas pela

Lei, coordenar, formular e co-financiar a política. Estabelece que a

responsabilidade das ações assistenciais deva ser do Estado9 e sua

8“O controle social tem sua concepção advinda da Constituição Federal de 1988, enquanto instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão político-administrativa-financeira e técnico-operativa, com caráter democrático e descentralizado. Dentro dessa lógica, o controle do Estado é exercido pela sociedade na garantia dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos banalizados nos preceitos constitucionais.” (PNAS, 2004, 56) 9“Marcada pelo caráter civilizatório presente na consagração de direitos sociais, a LOAS exige que as provisões assistenciais sejam prioritariamente pensadas no âmbito das garantias de cidadania sob

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22 implementação deverá se dar em parceria com a sociedade civil, prevalecendo

a ação do Estado, sendo que é deste a obrigação de conduzir as políticas

públicas de assistência social. Define que a política de assistência social difere

das prerrogativas do assistencialismo e deve, contudo, ter o compromisso com

as lutas pela defesa dos direitos sociais e superação das formas de exclusão.

No que tange a organização, os princípios de descentralização e

participação foram os melhores explicitados.

As ações na área de assistência social são organizadas

em sistema descentralizado e participativo, constituído

pelas entidades e organizações de assistência social

abrangidas por esta Lei, que articule meios, esforços e

recursos, e por um conjunto de instâncias deliberativas

compostas pelos diversos setores envolvidos na área.

(LOAS, art.6º)

A descentralização prevista na LOAS consiste em uma partilha de poder

entre as três instâncias de governo através da qual a autonomia das

organizações locais é respeitada, ou seja, autonomia dos municípios. Objetiva-

se uma descentralização político-administrativa com a adequada distribuição

de poderes políticos e financeiros, desburocratizantes e, portanto,

democratizante.

É uma política pública de seguridade, direito do cidadão e

dever do Estado, prevendo-lhe um sistema de gestão

descentralizada e participativa, cujo eixo é posto na

criação do Conselho Nacional da Assistência Social -

CNAS. (MESTRINER, 2001,31)

vigilância do Estado, cabendo a este a universalização da cobertura e a garantia de direitos e acesso para serviços, programas e projetos sob sua responsabilidade.” (PNAS, 2004, 32)

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23

Segundo a própria lei, a descentralização deverá ser administrada

através de Conselhos de Assistência10 presentes nas três esferas de governo.

Aos Conselhos compete aprovar a política de assistência social, a proposta

orçamentária para a área, regulamentar a prestação de serviços de natureza

pública e privada neste campo e convocar, a cada dois anos, as Conferências

de Assistência Social. A LOAS explicita como os Conselhos11 devem ser

formados, a representatividade de cada um e as responsabilidades na

implementação da assistência social. As funções e atividades ficam diferentes

de acordo com as possibilidades e a importância de cada órgão. As ações da

assistência social observarão as normas remetidas pelo Conselho Nacional de

Assistência Social (CNAS) e as entidades e organizações de assistência social

deverão ser inscritas nos respectivos Conselhos (federal ou municipal).

Outro aspecto relevante é o financiamento da assistência social proposto

pela LOAS. Esta determina que a assistência social será financiada com

recursos advindos das três esfera de governo, ou seja, da União, Estados, e

Municípios e das demais contribuições sociais prevista na Constituição (artigo

195). São privilegiadas ações de prevenção e provimento de um conjunto de

garantias ou seguranças que cubram, reduzam ou previnam exclusões,

vulnerabilidades sociais decorrentes de problemas pessoais ou sociais dos

sujeitos. A Lei estipula a criação do Fundo Nacional de Assistência Social

(FNAS), caracterizado como instrumento racionalizador da aplicação de

recursos. O Fundo deve gerenciar os recursos transferidos e os que venham a

ser captados; ele representa a possibilidade concreta de gestão financeira

transparente que contribua para o fortalecimento da visibilidade da assistência,

executando assim, uma gestão de recursos de acordo com as reais

necessidades locais.

Para romper com o uso dos recursos sociais de maneira patrimonialista

e clientelista, em dezembro de 1997 foi editada uma Norma Operacional Básica

10Para aprofundar, consultar DEMO, Pedro (1999); GOMES, Ana Ligia (2000). 11Os Conselhos são instrumentos criados para atender e cumprir o dispositivo constitucional no que tange ao controle social.

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24 (NOB)12 da assistência social que buscava dar concretude aos princípios e

diretrizes da LOAS. Entre os avanços que a NOB estabeleceu, estão: a

ampliação das atribuições dos Conselhos de Assistência Social, a criação dos

espaços de negociação e pactuação – as Comissões Intergestoras Bipartites

(CIBs), que reúnem representações de gestores estaduais e municipais e a

Comissão Tripartite (CIT), esta reúne representações dos gestores municipais,

estaduais e federal. Vale salientar que as Comissões Bi e Tripartite são

espaços de gestão compartilhada e democratizam o Estado, seguindo as

deliberações dos Conselhos de assistência social.

Apesar dos fatores que dificultam a compreensão da assistência social

como direito, no que se refere a seus objetivos, seus princípios e suas

diretrizes:

Inegavelmente, a LOAS não apenas introduz novo

significado para a assistência social, diferenciando-a do

assistencialismo e situando-a como política de seguridade

voltada à extensão da cidadania social dos setores mais

vulnerabilizados da população brasileira, mas também

apontam a centralidade do Estado na universalização e

garantia de direitos e de acesso a serviços sociais

qualificados, ao mesmo tempo em que propõe o sistema

descentralizado e participativo na gestão da assistência

social no país, sob a égide da democracia e da cidadania.

(YASBEK, apud, ROJAS COUTO, 2008, 175)

A LOAS estabelece uma nova matriz para a assistência social, ela inicia

um processo que tem como perspectiva torná-la visível como política pública,

ou seja, enumera as condições para que o campo da assistência social passe a

ser considerado como direito social. Seus princípios e diretrizes contribuem

para a consolidação de um sistema democrático. A LOAS colocou desafios à

12A NOB/97 buscou dar concretude aos princípios e diretrizes da LOAS.

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25 assistência social, entre eles o de superar a cultura política compensatória e

privatista, pois como afirma SPOSATI:

A menina LOAS, que não tem nada de parentesco com a

assistência social conservadora, não é consangüínea de

ações compensatórias. (SPOSATI, 2004,27)

CAPÍTULO II: A ASSISTÊNCIA SOCIAL:

PERSPECTIVAS E LIMITES

2.1 A assistência social na perspectiva do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS)

A IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada em dezembro

de 2003, aprovou a Nova Política de Assistência Social que irá consubstanciar

o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Essa Nova Política visa

reorganizar as ações, isto é, serviços, benefícios, programas e projetos de

acordo com a necessidade e complexidade que aparecem. A implementação

da Política Nacional de Assistência Social (PNAS)13 irá estabelecer importantes

procedimentos políticos e técnicos em termos de organização e prestação das

medidas socioassistenciais14, além de nova processualidade em relação a

13A PNAS (2004) e seu novo sistema de gestão SUAS, foi aprovada com apoio da Secretaria Nacional de Assistência Social, do Conselho Nacional de Assistência Social e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza com a participação de Conselhos e entidades ligadas a assistência social em diversos Estados do Brasil. A PNAS introduziu mudanças profundas nas referências conceituais, na estrutura organizativa e na lógica de gerenciamento e controle das ações na assistência social. 14“Os serviços sócio-assistenciais ofertados para o universo familiar devem levar em conta, além da idade e renda, questões que envolvem as relações de gênero, a classe social, os aspectos raciais ou étnicos e culturais, e como tais elementos que orientam a estruturação das relações sociais e econômicas que as famílias e os indivíduos estabelecem ou na qual estão inseridos.” (MDS, 2008)

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26 gestão e ao financiamento das ações organizadas no âmbito da política de

assistência social.

Segundo SPOSATI (2004), o SUAS “trata das condições para a

extensão e universalização da proteção social aos brasileiros através da

política de assistência social e para a organização, responsabilidade e

funcionamento de seus serviços e benefícios nas três instâncias de gestão

governamental.” Na verdade o SUAS materializa o conteúdo da LOAS,

cumprindo as exigências para a realização de uma política que venha

consagrar direitos de inclusão social. Ele inova a assistência social ao instaurar

no país um mesmo regime de gestão, com a perspectiva de alcance à

universalidade.

A partir do SUAS, a assistência social deverá se realizar de forma

integra às demais políticas setoriais, considerando as desigualdades sócio-

assistenciais, visando seu enfrentamento. Nessa direção, objetiva-se: promover

serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica ou

especial para famílias, indivíduos e grupos que necessitam assegurar que as

ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família e que

garantam a convivência familiar e comunitária; contribuir com a inclusão e a

equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e

serviços tanto na área urbana como rural.

Em relação aos elementos imprescindíveis à execução da assistência

social, o SUAS define uma organização, possibilitando a qualidade no

atendimento, assim como a normatização dos padrões dos serviços, os quais

se estruturam na matricidade sócio-familiar, na descentralização político-

administrativa e territorialização, no financiamento, na informação,

monitoramento e avaliação entre outros.

Voltada à proteção das necessidades básicas das pessoas, o principal

núcleo de apoio da assistência são as famílias, isso impõe a maior

aproximação possível ao cotidiano das pessoas, pois é nele que as

vulnerabilidades se manifestam. Portanto, reconhecer os processos de

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27 exclusão que giram sobre as famílias é fundamental para a política de

assistência social. Além disso, a centralidade na família é importante na

medida em que se desenvolvem política universalista, valorizando a

convivência familiar e comunitária.

Com uma concepção social protetora e inovadora, o SUAS se estrutura

em um sistema descentralizado, participativo não contributivo, que organiza e

regula as responsabilidades de cada nível de governo e da sociedade civil. Do

ponto de vista da Federação, o município constitui a menor escala

administrativa governamental. A PNAS tem como referência de análise 5.561

municípios brasileiros, pois como política pública, suas intervenções se dão

essencialmente nos territórios, já que nesses ficam visíveis os setores da

sociedade tradicionalmente excluída. Essa política assim classifica os

municípios: municípios de pequeno porte 1 (até 20.000 habitantes), municípios

de pequeno porte 2 (de 20.001 a 50.000 habitantes), municípios de médio

porte (de 50.001 a 100.000 habitantes), municípios de grande porte (de

101.000 até 900.000 habitantes) e metrópoles (com mais de 900.000

habitantes). (PNAS, 2004, p.46)

Assim, a operacionalização da assistência social com base no território,

constitui um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa

política, pois há a necessidade de se romper com os antigos paradigmas

pautados na segmentação e focalização da assistência social brasileira.

De acordo com os pressupostos do SUAS, o financiamento da

assistência social é representado pelos Fundos de Assistência Social nas três

instancias de governo. O financiamento dos benefícios se dá de forma direta

aos seus destinatários e o financiamento de rede sócio assistencial se dá

mediante o próprio repasse de recursos fundo a fundo, bem como o repasse de

recursos para programas e projetos que venham a ser importantes para a

assistência social. Segundo o MDS, trata-se de dois modos de transferência,

isto é, uma entre órgãos públicos (fundo público) e outra por operação bancária

(através da Caixa Econômica Federal ou Loterias) com saque direto pelo

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28 beneficiado. Esta nova modalidade de financiamento rompe com a relação

convencional entre a União e as entidades prestadoras de serviços. Os Fundos

de Assistência Social tem reforçado, no SUAS, seu papel de instância de

financiamento dessa política pública nas três esferas de governo.

Pode-se dizer que esse repasse Fundo a Fundo, o qual está associado a

níveis de responsabilidades assumidas pelo governo, foi um avanço

significativo para a política de assistência social, já que esse tipo de

financiamento proporcionou menos burocracia, pois os recursos vão direto do

Fundo Nacional para o estadual e, assim para os Fundos municipais de

assistência social. Introduziu critérios de justiça em uma área histórica sujeita a

forte corrupção e disputa política.

O SUAS propõe também a elaboração e implementação de planos de

monitoramento e avaliação, e a criação de um sistema oficial de informação. O

que se pretende é a efetivação de políticas articuladas de informação,

monitoramento e avaliação que realmente promovam novas mudanças para a

política de assistência social.

Conforme declara o MDS, a informação é um direito social e condição

para a autonomia. Uma postura ativa do sujeito em consonância com os

objetivos da política de assistência social pressupõe a informação, divulgação

das ações e dos benefícios. Portanto, a informação potencializa o acesso aos

direitos sociais, possibilitando a participação dos usuários e da sociedade

organizada na estrutura descentralizada, participativa. Um sistema de

monitoramento e avaliação de componentes estruturais e operacionais da

assistência social, tais como serviços prestados, recursos, trabalhadores, entre

outros, constitui condições para a ampliação da qualidade dos serviços, da

eficiência, eficácia e efetividade das ações de tal política. Nesse sentido, torna-

se estratégia a utilização de sistemas articulados de informação,

monitoramento e avaliação do SUAS no sentido de promover novos patamares

de desenvolvimento da política de assistência social no Brasil, fornecendo a

participação, o controle social, e uma gestão otimizada.

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Outro aspecto a ser considerado, são os serviços sócio-assistencial que

no SUAS são organizados a partir das seguintes referencias: vigilância social,

proteção social e defesa social e institucional. Na proteção social da

assistência social, o SUAS indica a segurança de sobrevivência, a segurança

de convívio ou vivencia familiar, comunitária e social, segurança de acolhida. O

referido Sistema também dispõe de duas modalidades de proteção, são elas:

Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE). Ambas visam

ofertar um conjunto de serviços, programas e beneficio com o objetivo de

afiançar seguranças sociais para a prevenção, proteção e o enfrentamento de

vulnerabilidade, e a promoção e defesa de direitos. As ações desenvolvidas

buscam articular as transferências de rendas com os serviços sócio-

assistenciais na perspectiva de oferecer maiores oportunidade e possibilidades

de desenvolvimento dos indivíduos, das famílias e das comunidades.

Por meio do desenvolvimento de potenciais e do fortalecimento de

vínculos familiares e comunitários, a Proteção Social Básica através de seus

serviços, programas, projetos e benefícios, objetiva contribuir para a prevenção

de situações de vulnerabilidade social – decorrente da pobreza,

privação/ausência de renda e acesso aos serviços públicos – por meio do

desenvolvimento de potenciais e do fortalecimento do vinculo familiar. A PSB

prevê ações de acolhimento, convivência e socialização de indivíduos e

famílias. Os serviços serão coordenados e organizados pelos Centros de

Referência da Assistência Social (CRAS)15. São exemplos de serviços:

Programa de Atenção Integral à Família (PAIF)16, Benefício de Prestação

Continuada (BPC)17, Programa Jovem Adolescente, Serviços destinados a

15Assunto do próximo capítulo. 16O PAIF é um conjunto de ações continuadas desenvolvidas necessariamente nos Centros de Referência da Assistência Social. Cabe ao PAIF a prestação de serviços de acolhimento, acompanhamento, inserção em serviços sócio-assistenciais e de convivência, desenvolvimento de atividades coletivas e comunitárias e encaminhamentos das famílias para demais serviços sócio-assistenciais e de outra política. A ação principal do programa é o acompanhamento sócio-familiar. (MDS, 2008) 17O Benefício de Prestação Continuada é um benefício da política de assistência social, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas idosas com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência incapacitadas para o trabalho e para a vida independente, cuja renda familiar por pessoa não ultrapasse o correspondente a ¼ do salário mínimo por mês. (LOAS, 1993)

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30 crianças de 0 a 6 anos e pessoas idosas, Carteira do idoso, Benefícios

eventuais18.

A Proteção Social Especial é um conjunto de serviços, programas e

projetos que tem por objetivo a reconstrução de vínculos familiares e

comunitários, a defesa de direitos, o fortalecimento das potencialidades e a

proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de risco

social. Os serviços da PSE são coordenados pelos Centros de Referência

Especializado de Assistência Social (CREAS)19. Os serviços de PSE se

subdividem em: serviços de média complexidade e de alta complexidade. São

serviços de média complexidade aqueles que oferecem atendimento às

famílias, seus membros e aos indivíduos com direitos violados, mas cujos

vínculos familiares e comunitários não foram dissolvidos. São exemplos desse

tipo de serviço: a abordagem de rua, a orientação e o apoio sócio-familiar, a

reabilitação de pessoas deficientes; já os serviços de alta complexidade

garantem proteção integral como moradia, alimentação e trabalho protegido.

Eles se dirigem às famílias, seus membros e indivíduos que se encontram sem

referência e, ou, ameaçados e que nestas condições, necessitam ser retirados

de seu núcleo familiar e comunitário. (PNAS, 2004). Entre os serviços

oferecidos, podemos destacar: acolhida, casa lar, família substituta entre

outros. Por sua complexidade, ao tratar de atendimentos dirigidos a situação de

violação de direitos e da lei, a Proteção Especial se difere da Básica.

Para o avanço da constituição da política de assistência social, em

outubro de 2004 foi dado o inicio à construção da Norma Operacional Básica

de regulamentação do SUAS.

18Os benefícios eventuais são provisões suplementares e provisórias, prestadas aos cidadãos e as famílias em virtude de nascimento, morte, situação de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. (MDS, 2008) 19Segundo o MDS, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) é uma unidade pública de atendimento especializado de assistência social de abrangência municipal ou regional da Proteção Social Especial do SUAS.(MDS, 2008)

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Em março de 2005 foi apresentada ao CNAS pela SNAS

a versão preliminar da NOB/SUAS com o objetivo de

desencadear seu debate. O texto final foi aprovado pela

Resolução nº130 do CNAS de 15/07/05. (SPOSATI, 2006,

107)

A NOB/SUAS 2005 indica as seguintes prerrogativas para a construção

efetiva do SUAS: gestão compartilhada, o co-financiamento e a cooperação

técnica entre três entes federativos, fundamenta-se nos compromissos da

PNAS/2004, divisão de responsabilidades entre os entes federativos para

instalar, regular, manter e expandir as ações da assistência social, regular os

vínculos e as responsabilidades do sistema cidadão de serviços, benefícios

entre outros.

Nessa direção, o SUAS é mas uma nova ordenação da gestão da

assistência social como política e sua construção deve ter fundamento nos

direitos humanos e sociais, em específico, os direitos sócio-assistenciais.

Objetiva-se, portanto, romper a identidade da assistência social caracterizada

como benevolente, romper com a idéia que vincula a assistência social com a

dádiva e não como direito/cidadania.

SPOSATI (2006) complementa:

O SUAS não é produto do inesperado, da genialidade ou

prepotência da equipe do governo federal. Ele resulta de

quase 20 anos de lutas na assistência social e do

aprendizado com a gestão de saúde. (SPOSATI, 2006,46)

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2.2 A assistência social e os limites para sua afirmação como

direito

Sem dúvida a assistência social a partir da Constituição e da

implementação da Lei Orgânica da Assistência Social almejou avanços

significativos, tais como: reconhecimento da assistência social como política

pública de direito do cidadão e dever do Estado, participação da população no

controle das ações e na formulação da política de assistência – através dos

Conselhos, Conferências, Fóruns -, criação das Comissões Intergestoras de

assistência social (CIB e CIT), implementação do processo de gestão

descentralizada da população, implementação do Benefício de Prestação

Continuada (BPC), criação de Fundos de assistência social entre outros. No

entanto, há que se considerar que tais avanços se dão num contexto político

mundial e nacional bastante desfavorável20.

No Brasil a construção democrática e, portanto, a construção da

assistência social como política pública enfrenta um dilema cujas raízes

encontram-se na confluência de dois distintos projetos21: de um lado o projeto

democrático, esse projeto é materializado com a Constituição de 1988 e tem

como objetivo aprofundar e ampliar a democracia que se expressa na

construção dos espaços públicos e na participação da sociedade civil no

controle das ações do Estado, tem a idéia de romper com a cultura do

clientelismo. De outro lado está o projeto neoliberal22 que se caracteriza pela

20“Se a Constituição de 1988 significou, como ressalta DRAIBE (1990) “um certo deslocamento que vai do modelo meritocrático-particularista em direção ao modelo institucional-redistributivo” que supõe “uma forma mais universalista e igualitária de organização da proteção social no país,” há que se questionar, de fato, a possibilidade de compatibilização deste padrão com aquele definido pela proposta neoliberal. Mais do que isso, deve-se indagar qual concepção de cidadania predomina na sociedade brasileira e que padrão de política social se coloca efetivamente viável, num contexto como o nosso, de gravíssima crise socioeconômico.” (GUIMARÃES, 2006) 21“A noção de projeto carrega consigo, afirmação da política como um terreno que é também estruturado por escolhas, expressas nas ações de sujeitos, orientados por um conjunto de representações, valores, crenças e interesses. Escolhas que estabelecem relações conflitivas, tanto em relação a outras escolhas como com respeito a condições estruturais, a recursos e a oportunidades, que circundam e qualificam sua implementação.” (DAGNINO, 2006) 22Para aprofundar este tema, consultar PERRY ANDERSON (1995), BEHRING (2008).

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33 emergência de um Estado mínimo e na dissolução das responsabilidades

estatais frente as políticas sociais, portanto, da assistência social. Uma das

estratégias utilizadas por esse projeto é dizer que o Estado está em crise.

É no governo Collor (1990/1992) que o projeto neoliberal se consolida no

Brasil, promovendo um discurso a favor do mercado e contra a intervenção do

Estado na área econômica e social. Nota-se que o Estado - mais uma vez – é o

sujeito principal, já que transfere os recursos das políticas públicas sociais para

o interesse do capital. Assim, intensifica-se o desemprego e a precarização do

trabalho. O Estado passou a ser reduzido e as suas funções foram transferidas

para as empresas, ou melhor, as denominadas Organizações Não-

Governamentais (ONGs). A economia foi aberta ao mercado exterior e começa

a era das privatizações. Os preceitos sociais estabelecidos pela Constituição

de 88 foram ignorados, já que o campo social passou a ser tratado pelo poder

privado. Assistimos um desmonte na área social, pois os direitos foram

negados aos indivíduos. Em relação à assistência social, Collor vetou a LOAS.

Nesse sentido, a assistência social explicita a perspectiva adotada para está

área, concebendo-a de forma marginal e residual.

Com o governo Collor, a assistência ganha uma nova

cara, a cara da omissão, a cara da direita. Por que

afirmamos tal argumentação? Em primeiro lugar porque o

governo, ao tomar suas primeiras medidas no que diz

respeito à assistência, veta integralmente o projeto de

regulamentação da Lei Orgânica em setembro de 1991,

que colocaria, finalmente, a assistência social em seu

devido lugar, isto é, lugar de política social de direito de

cidadania. Percebe-se, portanto, que nem mesmo a

garantia da lei foi ratificada como um dos possíveis

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caminhos para o alcance do direito tão reivindicado como

espaço de enfrentamento da pobreza. (NEVES, 1994,54)

Observa-se que o projeto neoliberal nega a assistência como política, pois

o governo não procura superar a pobreza, o discurso conservador vai

direcionando a assistência para a refilantropização, ou seja, há um estimulo as

práticas voluntárias. A política clientelista, tão presente em nossa sociedade,

cria suas estratégias de manipulação para se manter e, com isso a assistência

sofre as conseqüências de um projeto perverso que só sabe desfazer os

direitos que foram conquistados. Portanto, continua presente a ideologia do

favor e os indivíduos não sabendo de seus direitos.

Após intensa pressão da sociedade, Itamar Franco em seu governo

sanciona a LOAS, contudo, há que se considerar que continuou preparando o

terreno para o projeto neoliberal. Já em 1994, Fernando Henrique Cardoso

(FHC) assume a presidência e reafirma o ideário neoliberal tanto na política

econômica como na social. Seu governo desconheceu o processo político e os

sujeitos aos desrespeitar princípios constitucionais que definem a assistência

social como de âmbito de responsabilidade governamental. A área social foi

caracterizada pelo repasse das responsabilidades do Estado para a sociedade

civil. Em relação à assistência social, FHC criou o Programa Comunidade

Solidária23 que para MAURIEL (1997):

O legado da Comunidade Solidária foi, justamente, fazer-

nos retroceder a uma concepção de política social

focalista, emergencial e parcial, que se apresenta

ideologicamente reconfigurada, inspirada em inovações

do pensamento liberal, para o qual a população pobre tem

que dar conta de seus próprios problemas. (MAURIEL,

1997, 66)

23 MAURIEL (1997)

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O Programa Comunidade Solidária recebia recursos mas sem o controle

social do Conselho Nacional de Assistência Social, configurando-se como uma

política assistencialista, representando um retrocesso nessa área, já que o

programa tem o focalismo como eixo central visando as ações seletivas no

combate a pobreza, isto é, com a “participação da sociedade em programas de

substituição da ação estatal na responsabilidade pelo enfrentamento da

pobreza e da miséria social” conforme ressalta ANTUNES (2004). O governo

de FHC ignorou ainda a construção do SUAS.

Em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a vitória do PT24

poderia vir a significar uma efetiva derrota do projeto neoliberal. Não é o que

estamos assistindo. Esse governo mantém o discurso neoliberal de cortes de

gastos públicos, prevalecendo o privado sobre o público.

Criou o MESA25, este responsável pele implementação do Programa

Fome Zero. Segundo MAURIEL (1997) este programa se apresenta como uma

“política de seguridade alimentar e de inserção social para o Brasil com a

estratégia de reordenar as políticas sociais de Estado a nível municipal.”

Entretanto, esse programa é bastante semelhante ao da Comunidade Solidária,

pois ambos se estruturam em ações focalizadas, com um discurso eficiente da

solidariedade via parceria com a sociedade civil e, por fim, a valorização do

mercado. Devido as dificuldades enfrentadas pelo Programa Fome Zero, Lula

dissolveu o MESA e o MAS e criou o MDS26.

Apesar da construção e implementação do SUAS em 2003, esse

governo em vez de iniciar uma nova era de desmontagem neoliberal, “atolamos

na continuidade do nefasto projeto de desertificação política e social, iniciado

por Collor, desenvolvido por Fernando Henrique e agora mantido pelo governo

do PT, este que era nossa esperança.” (ANTUNES, 2004)

24Partido dos Trabalhadores 25MESA: Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar. 26MAS: Ministério da Assistência Social. MDS: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.

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Observa-se que com a “minimização” do Estado na área social, o projeto

neoliberal trata a assistência a partir da precarização dos serviços, ou seja, a

assistência social é fornecida gratuitamente pelo Estado e há a privatização da

assistência, ao re-comercializar os serviços sociais e também refilantropizar a

partir da transferência das ações do Estado para a sociedade civil,

condicionando práticas filantrópicas27, voluntárias, cariativas. É nesse espaço

que se insere as chamadas Organizações Não-Governamentais (ONGs) e o

“Terceiro Setor”28.

O resultado tem sido uma crescente identificação entre

“sociedade civil” e ONGs, onde o significado da expressão

“sociedade civil” se restringe cada vez mais a designar

apenas essas organizações, quando não em mero

sinônimo de “Terceiro Setor. (DAGNINO, 2006, 56)

O projeto neoliberal coloca a sociedade responsável pelas ações do

Estado, isto é, esvazeia-se o caráter político do Estado e fortalece o

filantrópico. Há a transferência de responsabilidades, onde a sociedade passa

a assumir o papel do Estado na implementação das políticas públicas. O

projeto neoliberal procura desmobilizar a sociedade, para assim desenvolver a

reestruturação do mercado/capital. Com o seu discurso ideológico, procura

intensificar práticas e valores direcionando para as ONGs valores de

voluntariado e solidariedade. Os serviços acabem se caracterizando como

focalizados.

Geralmente essas instituições não conseguem se auto-financiar e para

seu funcionamento requerem a transferência de fundos públicos. A relação

entre essas instituições e o Estado é denominada por MONTAÑO de “parceria”.

27“Constitui na institucionalização da ajuda, através da canalização de recursos a categorias ou pessoas definidas pelos próprios organismos com um caráter humanista, voluntário e de boa vontade (...).” (FALEIROS, 1991). 28Ver MONTAÑO 2002.

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37 Aqui se manifesta a terceirização dos serviços públicos, isso significa o repasse

da responsabilidade do Estado para a população excluída, com a participação

voluntária, no final os indivíduos acabam se auto-financiando.

Observa-se que ao substituir as funções do Estado, a população passa a

ver os serviços oferecidos como “ganhos”; temos então, a perda de conquistas

no curso histórico da assistência social, pois o controle democrático e a

pressão, com o projeto neoliberal, diminuiriam significadamente.

Vimos que com a diminuição de recursos estatais na área social e a

expansão dos serviços privados, restringe-se a proporção da população ao

acesso dos direitos sociais, isto é, não se efetivam as idéias do projeto

democrático, já que os direitos perdem sua identidade e a concepção de sujeito

cidadão se desfalece. Vale destacar, que ao longo de sua trajetória a

assistência sofre com a redução orçamentária do governo que não prioriza o

social, mas sim o econômico. O projeto neoliberal anula o princípio de

cidadania e impõe uma concessão seletiva dos direitos sociais.

Com a transferência das políticas sociais para

organizações da sociedade civil, para a filantropia e para

o voluntariado, a cidadania é identificada e reduzida à

solidariedade para com os pobres, entendida no mais das

vezes como mera caridade. Os alvos dessas políticas não

são vistos como cidadãos, com direitos a ter direitos, mas

como seres humanos “carentes” a serem atendidos pela

caridade pública ou privada. (DAGNINO, 2006, 57)

Em suma, a transformação das ações de assistência social em benesse

faz parte da cultura política que o governo e a sociedade vêm tratando a

assistência social. Esta se distância do âmbito dos direitos e se insere no

campo das ações propostas pelo neoliberalismo, em outras palavras, as ações

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38 que este impõe não são para erradicar a exclusão social, mas apenas para

reduzir a pobreza.

Em sua trajetória a assistência social esteve submetida à política

econômica, aos serviços de interesses da elite e ao processo de produção

capitalista. Apesar dos avanços obtidos (LOAS/SUAS) as ações que separam a

política de assistência social da política econômica permanecem e, isso faz

com que os direitos sociais estejam subordinados a lógica do projeto neoliberal.

Produz-se uma política assistencialista, nada diferente das anteriores, ou

seja, a prática clientelista persiste ao longo do tempo, conforme enfatiza

SPOSATI (1989) as perspectivas fragmentadas e seletivas da assistência

social, que focalizam os mais pobres, dificulta o alcance da inclusão social e

não contribui para a ampliação do caráter geral da assistência social. Esta

enfrenta o dilema entre o projeto neoliberal, o qual dissolve a idéia de

universalidade e, por outro lado o projeto democrático que luta pela

consolidação dos direitos.

É fundamental a desprivatização do Estado, a superação desse Estado

assistencial que impera na assistência desde sua gênese. Com a sua

concepção aprofundada na democracia, o projeto democrático precisa se

erguer. Desejamos uma política de assistência social de caráter

verdadeiramente universalista, radicalmente diferente da proposta pelo projeto

neoliberal, já que neste repousa a tentativa de se impor um padrão de retirada

de direitos.

Entende-se que a sociedade civil deve retornar as lutas pela defesa e

concretização dos princípios expressos na Constituição de 88 e, é de grande

importância a organização da população no sentido de desfazer as ideais do

projeto neoliberal, lembrando que a luta é permanente e que a democracia se

faz no dia a dia. Portanto, cabe a sociedade a defesa dos interesses coletivos,

por meio de uma participação critica e ativa, pois como reforça NEVES (2008):

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39

A participação social e coletiva [...] apresenta a

possibilidade de fortalecer mecanismos deliberativos de

partilhamento das decisões, reforçando a cultura

participativa na busca da inclusão social e da

democratização do Estado com a ampliação da

participação popular nas decisões públicas. (NEVES,

2008,89)

A participação da sociedade é importante para que se consolide a

democracia, caso contrário, a sua não participação tende a contribuir com a

ampliação do projeto neoliberal. O projeto democrático deve acumular forças

para manter a disputa de hegemonia política com o campo conservador, isto é,

as elites que sustentam o projeto neoliberal. A realização da democracia

implica a superação da ordem social capitalista, da apropriação privada não só

dos meios de produção, mas também do poder do Estado, com a conseqüente

construção de uma ordem social voltada para os cidadãos.

CAPÍTULO III: CENTRO DE REFERÊNCIA DA

ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS): A PORTA DE ENTRADA

DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

3.1 O que é o Centro de Referência da Assistência Social?

O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS)29 é um dos

equipamentos da rede de Proteção Básica que marca a presença do SUAS nos

Municípios. Ele é uma unidade pública estatal responsável pela oferta de

29Há no Brasil aproximadamente 3.300 CRAS. (MDS)

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40 serviços continuados de Proteção Social Básica de assistência social as

famílias em situação de vulnerabilidade social, promovendo o desenvolvimento

de potencialidades e aquisições de capacidades, fomentando o

desenvolvimento humano e social e a busca da autonomia de seus usuários.

Portanto. O CRAS é uma nova estrutura dentro da gestão da política do SUAS,

e também um recente espaço de intervenção da assistência social, a “porta de

entrada” dos usuários à rede de Proteção Social Básica.

Vem ocorrendo forte prioridade em normatizar a Proteção

Social Básica e nela, a operação dos CRAS. Trata-se de

regular a dimensão preventiva, territorizada e de

matricidade sócio-familiar no novo modelo assistencial

das atenções de assistência social sistematizada pelo

programa Federal de Atenção à Família – PAIF. Trata-se,

ainda, da regulamentação da porta de entrada do SUAS

através dos CRAS. (SPOSATI, 2006,24)

Os usuários alvo do CRAS são as famílias que, em decorrência da

pobreza, estão vulneráveis, privadas de renda e do acesso a serviços públicos,

como por questão de gênero, idade, etnia entre outros.

“a família é o primeiro sujeito que referencia e totaliza a

proteção e a socialização dos indivíduos. Independente

das múltiplas formas e desenhos que a família

contemporânea apresente, ela se constitui num canal de

iniciação e aprendizado dos afetos e das relações

sociais.” (CARVALHO, 2000,93)

Em relação os seus objetivos, o CRAS como unidade de referência

busca potencializar as famílias fortalecendo vínculos internos e externos de

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41 solidariedade, promover o acompanhamento socioassistencial de famílias em

um determinado território, contribuir para o processo de autonomia e

emancipação das famílias, desenvolver ações que envolvam diversos setores,

com o objetivo de romper o ciclo de reprodução da pobreza.

A referência dos serviços de assistência encontra-se voltada para as

famílias do seu território, caberá ao CRAS, além de desenvolver o PAIF,

garantir a informação e a orientação as famílias sobre a rede de serviços

socioassistenciais existentes em sua área de abrangência: os centros de

convivência dos idosos, os programas para crianças, jovens e pessoas com

deficiência entre outros. Esses serviços podem ser executados de forma direta

ou indireta pelo poder público local. De forma direta no próprio CRAS e nas

demais unidades públicas de assistência social municipais. De forma direta nas

ONGs de assistência social, neste caso sob orientação do CRAS.

A taxa de vulnerabilidade social, definida na NOB-SUAS, é um

importante indicador da necessidade de oferta de serviços de Proteção Básica.

Cada município deve identificar os territórios de vulnerabilidade social e neles

implementar um CRAS, de forma a aproximar os serviços dos usuários. O

CRAS deve ser instalado próximo do local de maior concentração de famílias

em situação de vulnerabilidade, conforme indicadores definidos na NOB-SUAS.

No caso de território de baixa densidade demográfica, com espalhamento ou

dispersão populacional (áreas rurais, comunidade indígena, assentamentos,

dentre outros), a unidade CRAS deverá localizar-se em local de maior

acessibilidade, podendo realizar a cobertura das áreas de vulnerabilidade, por

meio do deslocamento de sua equipe.

A Norma Operacional Básica de Assistência Social (NOB-SUAS)

estipula o número mínimo de CRAS de acordo com o porte do município.

Estipula ainda dimensões de território, definidos por um número máximo de

famílias nele referenciadas30, a saber:

30O número de famílias referenciadas a um determinado CRAS e, portanto, que vivem no território de abrangência do CRAS, é definido de acordo com o porte e a taxa de vulnerabilidade do município. (MDS)

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42

• Pequeno Porte I – município de até 20.000 habitantes/5.000 famílias

– mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas;

• Pequeno Porte II - município de 20.001 a 50.000 habitantes/de 5.000

a 10.000 famílias – mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias;

• Médio Porte – município de 50.001 a 100.000 habitantes/de 10.000 a

25.000 famílias – mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000

famílias;

• Grande Porte – município de 100.001 a 900.000 habitantes/de

25.000 a 250.000 famílias – mínimo de 4 CRAS, cada um para até

5.000 famílias;

• Metrópole – município de mais de 900.000 habitantes/mais de

250.000 famílias – mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000

famílias.

Portanto, a capacidade de atendimento do CRAS varia de acordo com o

porte do município e com o número de famílias em situação de vulnerabilidade

social, conforme estabelecido na NOB-SUAS.

No que se refere ao espaço físico, o CRAS deve ser compatível com os

serviços nele ofertados. Abriga, no mínimo, três ambientes, com funções bem

definidas: uma recepção, uma sala ou mais para entrevistas e um salão para

reuniões com grupos de famílias, além das áreas convencionais de serviços.

Deve ser maior, caso oferte serviços de convívio e socioeducativo para grupos

de crianças, adolescentes e idosos ou de capacitação e inserção produtiva;

devendo contar com mobiliário compatível com as atividades a serem

realizadas. O ambiente do CRAS deve ser acolhedor para facilitar a expressão

de necessidades e opiniões, com espaço para atendimento individual que

garanta privacidade e preserve a integridade e a dignidade das famílias, seus

membros e indivíduos. Deve ainda, prever meios de acessibilidade para

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43 pessoas idosas e com deficiência31; prever meios e instrumentos de

informação, comunicação e acolhida dos usuários.

Segundo o MDS, é recomendável a disponibilização de linha telefônica e

computador conectado à rede Internet, permitindo agilidade de procedimento e

de registro de dados. O mapa do território de abrangência do CRAS deve ser

fixado em local visível indicando sua localização e a dos demais serviços

disponíveis no território e nas proximidades.

No caso da construção do CRAS para um público indígena ou outra

comunidade tradicional, o projeto arquitetônico deve levar em conta a

organização sócio-cultural destes povos. Para que este ambiente seja

acolhedor, sua identidade física deve referenciar-se a elementos identitários do

grupo usuário do serviço sem, no entanto, perder de vista que o CRAS é uma

porta de entrada para o sistema de Proteção Social Básica de assistência

social e, enquanto tal, deve necessariamente oferecer serviços da Proteção

Social Básica do SUAS.

O espaço deve possuir uma identidade visual própria, ou seja, Centro de

Referência da Assistência Social – CRAS. OS CRAS co-financiados pela União

deverão ter placa padrão, na frente do CRAS (ao lado da porta), cujo modelo

poderá ser obtido no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.

Sendo uma unidade socioassistencial, o CRAS possui uma equipe de

trabalhadores32 da política de assistência social responsáveis pela

implementação dos serviços e projetos de Proteção Básica e pela gestão

articulada no território da atuação, sempre sob orientação do gestor municipal.

Esse conjunto de trabalhadores é denominados de “equipe de referência do

CRAS”. A equipe deverá ser composta por profissionais, assim minimamente

31Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004. 32De acordo com a NOB-SUAS, a União, os Estados, os Municípios em gestão plena e o DF são responsáveis por elaborar e executar políticas de recursos humanos, com a implementação de carreira para os servidores públicos que atuem na área de assistência social.

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44 dimensionados por categoria profissional: assistente social, psicólogo, auxiliar

administrativo, coordenador e estagiários.

Faz-se necessário que os profissionais tenham um perfil técnico, onde

detenham conhecimentos sobre:

- Constituição Federal de 1988;

- Lei Orgânica da Assistência Social / LOAS 1993;

- Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA 1990;

- Política Nacional de Assistência Social / PNAS 2004;

- Política Nacional do Idoso / PNI 1994;

- Norma Operacional Básica da Assistência Social / NOB-SUAS 2005;

- Leis, Decretos e Portarias do MDS;

- Fundamentos éticos, legais, teóricos e metodológicos do trabalho

social com e para famílias, entre outros.

Quanto à capacidade, esses profissionais devem:

- Articular procedimentos profissionais para escuta qualificada individual

ou em grupo, identificação de necessidades e oferta de orientações a

indivíduos e famílias;

- Articular serviços e recursos para atendimento, encaminhamento e

acompanhamento das famílias e indivíduos;

- Trabalhar em equipe;

- Produzir relatórios e documentos necessários ao serviço;

- Desenvolver atividades socioeducativas de apoio, acolhida, reflexão e

participação, que visem o fortalecimento familiar e a convivência comunitária.

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Estagiários de Serviço Social e Psicologia podem ser admitidos no

serviço, em caráter opcional, acompanhando e tendo um papel ativo no

atendimento a população. O estagiário poderá participar, junto ao técnico, ou

sozinho, desde que orientado, acompanhado e supervisionado pela equipe

técnica (da mesma categoria profissional) e com o consentimento dos usuários,

das seguintes atividades: atendimento as famílias (acolhida, entrevista,

orientação, visitas domiciliares), atividades de grupo de famílias, atividades de

identificação e articulação da rede prestadora de serviços e demais atividades

coletivas acompanhado do técnico responsável pela atividade, elaboração de

relatórios e participação em reuniões para discussão e avaliação do trabalho.

Cada CRAS deve ter um coordenador, este tem que ser um profissional

com formação e prática na área social, com nível superior completo, com

facilidade de comunicação, experiência em trabalho coletivo, com perfil

gerencial e de liderança. É recomendável que seja um técnico da Secretária de

Assistência Social ou órgão congênere. Ao coordenador cabe: promover e

participar de reuniões periódicas com representantes de outras políticas

públicas, visando articular a ação intersetorial no território; definir com a equipe

técnica os meios e as ferramentas teórico-metodológicos de trabalho com

famílias, grupos de famílias e comunidade, buscando o aprimoramento das

ações, o resultado positivo para as famílias atendidas; definir com os

profissionais critérios de inclusão, acompanhamento e desligamento das

famílias; definir com os profissionais o fluxo de entrada, acompanhamento,

monitoramento, avaliação e desligamento das famílias; coordenar a execução

das ações de forma a manter o diálogo e a participação dos profissionais e das

famílias inseridas nos serviços ofertados no CRAS e pela rede prestadora de

serviços no território, entre outras coisas.

É necessário que a equipe realize reuniões semanais para discussão do

trabalho com as famílias e os serviços que isso envolve; avaliação do trabalho

desenvolvido e dos indicadores de resultado a serem oportunamente definidos.

Para que o trabalho seja de qualidade, é importante que a equipe técnica se

capacite periodicamente.

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De acordo com a NOB-SUAS:

Os municípios habilitados em gestão básica e plena e o DF estão aptos

a receber o incentivo de participação em programas de capacitação de

gestores, profissionais, conselheiros e da rede prestadora de serviços,

promovidos pelo Estado e União.

Os Estados co-financiam a Proteção Social Básica de assistência social,

mediante aporte de recursos para o sistema de informação, monitoramento,

avaliação, capacitação, apoio técnico e outras ações pactuadas

progressivamente. Também são responsáveis por coordenar, gerenciar,

executar e co-financiar programas de capacitação de gestores, profissionais,

conselheiros e prestadores de serviços, recebendo recursos federais, em

incentivo para o cumprimento desta responsabilidade.

A União é a responsável pela formulação da política para a formação

sistemática e continua de recursos humanos no campo da assistência social.

Sendo uma unidade que visa a cidadania dos indivíduos, o CRAS

assegura aos usuários os direitos a: ter local digno e adequado para seu

atendimento; receber informações sobre como e onde manifestar seus direitos

e requisições sobre o atendimento socioassistencial; conhecer o nome de

quem o atende (profissional técnico, estagiário ou administrativo do CRAS);

escuta, à informação, à defesa, o encaminhamento de suas demandas de

provisão social asseguradas pela política de assistência social; receber

explicações sobre os serviços e seu atendimento de forma clara, simples e

compreensível; ter acesso dos registros dos seus dados, se assim o desejar.

A partir do que foi exposto, entende-se o Centro de Referência da

Assistência Social como uma unidade estatal, que destina suas ações a

população excluída do acesso aos bens e serviços e que vivem nas áreas de

maior vulnerabilidade social. O CRAS tem como principais características a

gratuidade, a continuidade, o investimento público permanente e a

descentralização das ações. A implementação do CRAS significa um avanço

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47 para a política de assistência e o seu reconhecimento enquanto um direito. A

assistência social no CRAS deve, acima de tudo, ser estabelecida com base

nos direitos humanos e sociais, portanto, é preciso deixar de lado o clientelismo

e abrir espaço para que as pessoas participem dos programas como cidadãos.

3.2 A atuação do Serviço Social no Centro de

Referência da Assistência Social

Apresento algumas reflexões acerca da atuação do Serviço Social no

CRAS, por entender que os assistentes sociais são profissionais privilegiados

no atendimento as famílias. São ainda os assistentes sociais quem vão

empenhar-se na viabilização dos direitos sociais dos usuários, através dos

programas e políticas sociais.

O trabalho dos assistentes sociais não se restringe a pobreza, contudo,

a realidade econômica e social do Brasil faz com que o trabalho destes

profissionais seja, em grande parte, com a população mais empobrecida da

sociedade, portanto, os assistentes sociais assumem cotidianamente o

compromisso de defesa, ampliação e consolidação dos direitos sociais junto às

classes subalternas. Seu trabalho tem como principal objetivo, garantir aos

usuários os serviços, o acesso aos direitos assegurados na Constituição de 88

e na Legislação complementar; visa à emancipação social das famílias

promovendo a cidadania.

Dentre as atribuições dos assistentes sociais, de acordo com a Lei nº

8.662/9333, destaca-se:

33Lei de Regulamentação da Profissão.

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Orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos

sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso

dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos.

(Lei nº 8.662/93)

No CRAS, as intervenções dos assistentes sociais são feitas sempre em

busca do melhor para os usuários, ou seja, nos atendimentos a acolhida as

famílias ou indivíduos em situação de vulnerabilidade social assim como a

entrevista são essenciais, pois a partir delas os profissionais saberão identificar

a demanda que aquele usuário traz. Os assistentes sociais dividem o

atendimento, quando necessário, com os demais profissionais, seja estes o

psicólogo, o cuidador social. Dentro da dinâmica do Serviço Social na

instituição, os instrumentos que os assistentes sociais utilizam são:

• Entrevista Técnica:

A entrevista é um procedimento que serve para acolher, conhecer,

coletar dados, orientar, acompanhar e avaliar a família em seu processo de

mudança. Ela deve ser realizada em local que assegure privacidade da pessoa

entrevistada.

O instrumento de entrevista é composto de questões comuns a todas as

famílias, quantificáveis e objetivas. Deve conter questões qualitativas que

possam captar a família em sua singularidade. A ênfase é o levantamento de

dados sobre as condições de vulnerabilidade da família e a avaliação junto com

ela sobre o risco de violação de direitos.

A primeira entrevista técnica deve ser realizada por profissionais de

Serviço Social ou de Psicologia, pelo período de 40 minutos a uma hora com a

finalidade de levantar dados que melhor caracterizem o conhecimento da

família e sua demanda por proteção social. Se preciso, deve ser realizada visita

domiciliar para a complementação de dados.

• Visita Domiciliar:

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É uma ação voltada para localizar famílias potenciais usuárias do CRAS,

previamente identificadas para compreender a realidade do grupo familiar, suas

demandas e necessidades, recursos, vulnerabilidades, fortalecer o vínculo da

família com o CRAS e avaliar as mudanças ocorridas a partir de sua

participação no CRAS. A visita familiar deve ser pautada nos princípios de

respeito à privacidade da família, dialogicidade, tanto no que diz respeito à

receptividade quanto à disponibilidade para responder as perguntas

específicas. A família deve ser sempre informada da visita, do funcionário do

CRAS, e as razões da visita, sempre associada à defesa dos direitos sociais.

• Acompanhamento Social das Famílias no CRAS:

O acompanhamento social das famílias é o procedimento técnico que se

segue ao plano de ação promocional. O profissional responsável pelo

acompanhamento deve levar em consideração os programas, o conjunto de

indicadores, a dinâmica do atendimento, a presença, o contrato feito com a

família, os resultados esperados e o grau de complexidade da demanda da

situação familiar, que orienta o prazo que deve ser estipulado para o

desligamento da família. O registro do acompanhamento social se faz até o

pós-desligamento da família do CRAS.

De acordo com a NOB/SUAS famílias referenciadas ao CRAS, inscritas

no Programa Bolsa Família, e que não atendam a suas condicionalidades

devem ser priorizadas para o acompanhamento social. Além das famílias que

apresentam situação de vulnerabilidade social decorrente de pobreza, privação

e/ou fragilização dos vínculos afetivos e de pertencimento social

(descriminação étnica, de gênero, por deficiências dentre outras).

• Encaminhamento com Acompanhamento Social:

O encaminhamento é o procedimento técnico, que visa facilitar o acesso

das famílias, seus membros e indivíduos aos projetos, benefícios e serviços

socioassistenciais, através de identificação da demanda, indicação apropriada

aos serviços oferecidos pela rede de proteção social de assistência social, para

verificação e avaliação de afetividade dos encaminhamentos realizados. Inclui

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50 encaminhamento para a Proteção Social Básica, Proteção Social Especial da

rede local e demais serviços ofertados por outras políticas públicas no território

de abrangência do CRAS ou para redes municipais ou regionais. Todo

encaminhamento deve ser acompanhado através de registro feito pela

instituição da rede responsável pelo atendimento complementar as famílias,

seus membros e indivíduos. Os encaminhamentos devem ser respondidos pela

instituição destino para conhecimento do técnico dos procedimentos adotados.

As atribuições do Serviço Social mencionadas não representam ações

simplesmente burocratizadoras, estão intimamente relacionadas a uma

constante observação das necessidades trazidas pela demanda, o que se

reflete em atividades que objetivam contribuir para uma melhor inserção

desses sujeitos. Assim, os assistentes sociais atuam na realidade social

através do atendimento das demandas, buscando uma sociedade de igualdade

e de justiça social, entretanto, uma questão se torna imprescindível mencionar:

os assistentes sociais tem levado a efeito o seu Projeto Ético Político ou se

contentam em reproduzir a lógica vigente? Estão trabalhando no sentido da

capacitação e promoção das famílias ou estão permitindo que a cultura do

clientelismo perpasse suas atuações?

IAMAMOTO (1999) ao abordar qual deve ser o perfil dos assistentes

sociais na contemporaneidade, afirma que:

Exige-se um profissional qualificado que reforce e amplie

a sua competência critica; não só executivo, mas que

pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade [...]. O novo

perfil que se busca construir é de um profissional afinado

com a análise dos processos sociais, tanto em suas

dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações

cotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de

entender o “tempo presente, os homens presentes, a vida

presente” e nela atuar, contribuindo, também, para moldar

os rumos de sua história. (IAMAMOTO, 1999)

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Vimos que o grande desafio para os profissionais da área social é o de

compreenderem a dinâmica entre a individualidade e a reciprocidade familiar,

bem como a sua repercussão em termos de políticas públicas de proteção

social. Torna-se necessário abrirmos espaços para repensarmos as relações

na família decorrentes da divisão dos papeis familiares, provocada pelo

contexto social.

Acreditamos ser importante que a prática profissional dos assistentes

sociais se volte para a socialização de informações quanto aos direitos e o

estímulo a participação dos usuários, para que possam criticamente exigir e

exercer o controle social sobre as políticas que melhor satisfaçam suas

necessidades. Além disso, é preciso intensificar a luta pela manutenção dos

direitos conquistados historicamente, no espaço público, ou seja, a

manutenção do Projeto Ético Político.

Nesse sentido, os assistentes sociais, assim como os demais

profissionais que atuam no CRAS, devem ter uma visão ampla da realidade

social para que a política de assistência possa se consolidar e para que os

assistentes sociais possam ser identificados como profissionais de articulação

política. Além de contribuir para o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários, assim como na emancipação das famílias vulneráveis.

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CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho ficou constatado que as inovações

estabelecidas na Constituição Federal de 1988, LOAS, PNAS, e no SUAS, por

si sós, são incapazes de modificar de imediato o legado das práticas de

assistência social. Apesar de todos os esforços e avanços, ainda permanece

um abismo entre os direitos garantidos constitucionalmente e a efetiva

afirmação.

Pode-se perceber que a política de assistência social constitui-se numa

política altamente contraditória. A assistência social ora promove a inclusão

como forma de efetivar os direitos sociais, ora submete os usuários a

seletividade, tendo em vista que o acesso aos serviços sociais torne-se cada

vez mais escasso.

Nesta via, compreendemos que há uma incoerência entre a política de

assistência defendida pelo projeto democrático e a prática da assistência

social, que reafirma a assistência não como política pública e sim como um

mecanismo assistencialista, reforçando a lógica do projeto neoliberal, este que

desregulamenta os direitos já conquistados.

Foi possível observar que este tipo de instituição – CRAS – se configura

numa peça importante no conjunto das políticas sociais reproduzidas dentro da

ótica do combate a pobreza, que tem como prioridade ajudar na construção de

habilidades que visam construir um tipo de inserção precária, onde os

indivíduos, considerados vulneráveis, não sabem identificar o que se trata o

CRAS, muito menos os seus direitos.

Desta maneira, o estudo pode contribuir para pensarmos nos limites e

possibilidades para a construção de práticas voltadas para a consolidação e

ampliação da cidadania, através de uma política que realmente possa efetivar

direitos. Para isso é imprescindível superarmos a cultura política do

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53 clientelismo, tão enraizada em nossa sociedade, e enfrentarmos as limitações

impostas pelo projeto neoliberal.

Temos que construir políticas públicas mais amplas e eficazes encima

daquilo que já existe, transformando de dentro para fora o sentido das ações

empreendidas nas instituições, atuando como assistentes sociais em conjunto

com outros profissionais e, sobre tudo, com a comunidade.

Portanto, as mudanças propostas precisam ser debatidas,

compreendidas e assumidas por todos os envolvidos no processo de gestão da

política de assistência social, em todos os níveis de federação.

Enfim, muitos limites foram percebidos com a realização desta pesquisa,

muitas possibilidades também, contudo, saber se é por meio deste processo

que a política de assistência social encontrará a sua institucionalidade, só o

tempo poderá informar. Mas que este é um bom caminho a seguir, á isto é.

Terminamos assim com uma citação da YASBEK por acredita que

sintetiza tudo o que vimos até o momento:

Avaliar os impactos da política de assistência social na

vida dos cidadãos é condição igualmente importante em

função da escassez de conhecimento e dados referentes

à população que recorre a assistência social para

satisfazer suas demandas históricas e socialmente

produzidas, pois trata-se de uma população destituída de

poder, trabalho, informação, direitos, oportunidades e

esperanças. (YASBEK, 2004, p.22)

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ÍNDICE

Folha de Rosto 2

Agradecimento 3

Dedicatória 4

Resumo 5

Metodologia 6

Sumário 7

Introdução 8

Capítulo I: A trajetória da Assistência Social no Brasil 9

1.1 A Assistência Social e sua vinculação com a política do

clientelismo 9

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1.2 A Constituição de 1988 e a descentralização: uma nova fase

para a Assistência Social 15

1.3 A Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/93): uma política

que visa promover a inclusão social 20

Capítulo II: Assistência Social: Perspectivas e Limites 25

2.1 A Assistência Social na perspectiva do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) 25

2.2 A Assistência Social e os limites para sua afirmação como

direito 32

Capítulo III: O Centro de Referência da Assistência Social: A “Porta de Entrada” da Assistência Social 39

3.1 O que é o CRAS 39

3.3 A atuação do Serviço Social no Centro de Referência da

Assistência Social 47

Conclusão 52

Bibliografia Consultada 54

Bibliografia Citada 54

Índice 57

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da Entrega:

Avaliado por: Conceito:

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