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O Papel Ético do Educador Ambiental Vilson Sérgio de Carvalho AULA 7 Apresentação Analisaremos aqui algumas considerações éticas presentes no campo da Educação Ambiental tanto de ordem teórica como prática. Para isso conversaremos primeiro sobre os conceitos de ética e moral relacionando estes com a temática ambiental, uma vez que a crise ecológica está profundamente enraizada em uma crise ética. Posteriormente, enfocaremos duas dimensões éticas associadas à área de Educação Ambiental: A Ética “da” EA associada aos princípios defendidos pela EA através de seus principais tratados, acordos e definições a partir de sua legislação; e a Ética “na” EA relacionada à práxis dos diferentes profissionais promotores da EA, em seus diferentes âmbitos, que muitas vezes se guiam por uma ética que se conflitua com a ética “da” EA anteriormente citada. Por fim, questionaremos a necessidade de um código de ética da EA e seus reflexos no dia-a-dia do educador ambiental. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Aprender mais sobre alguns conceitos-chave como ética e moral e sua importância na análise do existir humano; Entender a atual crise socioambiental como uma crise essencialmente ética; Compreender as implicações éticas envolvidas no pensar e no fazer da Educação Ambiental através da análise das éticas “da” e “na” EA; Analisar alguns dos principais reflexos dos conflitos entre as éticas “da” e “na” EA; Tecer considerações sobre a elaboração de um código de ética da educação ambiental e suas implicações.

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O Papel Ético do

Educador Ambiental

Vilson Sérgio de Carvalho

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ão

Analisaremos aqui algumas considerações éticas presentes no

campo da Educação Ambiental tanto de ordem teórica como

prática. Para isso conversaremos primeiro sobre os conceitos de

ética e moral relacionando estes com a temática ambiental, uma

vez que a crise ecológica está profundamente enraizada em uma

crise ética. Posteriormente, enfocaremos duas dimensões éticas

associadas à área de Educação Ambiental: A Ética “da” EA

associada aos princípios defendidos pela EA através de seus

principais tratados, acordos e definições a partir de sua legislação;

e a Ética “na” EA relacionada à práxis dos diferentes profissionais

promotores da EA, em seus diferentes âmbitos, que muitas vezes

se guiam por uma ética que se conflitua com a ética “da” EA

anteriormente citada. Por fim, questionaremos a necessidade de

um código de ética da EA e seus reflexos no dia-a-dia do educador

ambiental.

Ob

jeti

vo

s

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja

capaz de:

Aprender mais sobre alguns conceitos-chave como ética e

moral e sua importância na análise do existir humano; Entender a atual crise socioambiental como uma crise

essencialmente ética;

Compreender as implicações éticas envolvidas no pensar e no

fazer da Educação Ambiental através da análise das éticas “da”

e “na” EA; Analisar alguns dos principais reflexos dos conflitos entre as

éticas “da” e “na” EA; Tecer considerações sobre a elaboração de um código de ética

da educação ambiental e suas implicações.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 2

Para ser educador ambiental, é preciso...

O que é preciso para ser ou atuar como um

educador ambiental? De todas as respostas possíveis a

esta questão como um conhecimento aprofundado da

realidade socioambiental onde pretende atuar ou uma

boa facilidade de relacionamento – nenhuma é tão

importante e imprescindível como uma postura ética

adequada a sua realidade. Infelizmente, essa não é

uma das características mais citadas nas listas para

definir o perfil dos educadores ambientais. No entanto,

não resta dúvida que se trata de sua característica mais

essencial e imprescindível. O motivo dessa ausência

talvez esteja na obviedade relacional que esta encerra,

já que, a priori, nas parece absurdo pensar a atuação

de um educador ambiental - que trabalha em prol da

formação de uma consciência ecológica - desligada de

uma atuação ética dirigida a questões ambientais,

agindo como se a mesma inexistisse.

Entretanto, faz-se necessário problematizar essa

obviedade e se perguntar: Até que ponto os

profissionais de Educação Ambiental, estão ou não

agindo eticamente em sua maneira de fazer, ministrar,

aplicar, enfim de trabalhar com Educação Ambiental em

seus locus de atuação; isto é, se perguntar até que

ponto nós educadores estamos ou não agindo

eticamente na Educação Ambiental que temos

proporcionado ao público-alvo (comunidades,

educandos, associações e etc.) com o qual temos

trabalhado? Nesse contexto, caberiam outras reflexões,

como a de que se existiria de fato, e não apenas de

direito, uma ética relativa à Educação Ambiental? Estas

e outras questões constituirão o foco desta aula.

Para tal esta aula se propõe a entender a

relação entre Ética e Educação Ambiental em dois

âmbitos distintos, porem intimamente

Dica do professor

Fique de Olho: O autor irá trabalhar a relação entre Ética e Educação Ambiental a partir de duas dimensões a Ética “na” Educação

Ambiental relativa aos valores, crenças e atitudes dos educadores ambientais e a Ética “da” Educação Ambiental relacionada a ética que a Educação Ambiental enquanto discurso ou legislação pretende instaurar no planeta.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 3

interrelacionados: A Ética da Educação Ambiental,

referindo-me a constituição da nova ética ecológica que

a Educação Ambiental se propõe a instaurar; e a Ética

na Educação Ambiental, que por sua vez, diz respeito a

ética, ou mais especificamente, ao conjunto de valores

sobre o qual esta se sustenta, relacionada a práxis do

Educador Ambiental que atua em seus diferentes

âmbitos – formal, não-formal e informal. A análise

destes âmbitos (referindo-me a ética enquanto fim e a

ética enquanto meio) - construída a partir de

interrogações, e a tentativa de respondê-las através de

algumas reflexões e contribuições teóricas - constitui o

fio condutor dessa aula.

Porque a Crise Ambiental é uma Crise

Ética

Em um de seus últimos livros - A Mudança de

Sentido e o Sentido da Mudança (2000), Pierre Weil

define ética como sendo o "conjunto de valores que

levam o homem a se comportar de modo construtivo e

harmonioso, pois são os valores que determinam as

opiniões, atitudes e comportamentos das pessoas"

(Weil, 2000:133). Nesse sentido, não é exagero afirmar

que a ética exerce uma profunda influência na

qualidade de vida, no desenvolvimento sócio-cultural,

assim como nas relações que a humanidade desenvolve

com a natureza da qual faz parte.

Uma das mais duras constatações percebidas

por cientistas e pesquisadores no final do século XX

refere-se ao distanciamento existente entre os avanços

conquistados no plano da ciência e da técnica, e o

desejável avanço no terreno da ética, que não chegou a

ocorrer na mesma proporção, intensidade e velocidade.

Esse abismo na verdade, é um velho conhecido da

grande maioria dos estudiosos que se debruçaram

sobre a temática da ética e da moral no meio tecno-

Você sabia?

Esse tem sido um dos maiores desafios contemporâneos: Favorecer a que as proporções entre o desenvolvimento ético e o desenvolvimento tecnológico possam um dia se equilibrar.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 4

científico, uma vez que se trata de uma realidade que

tem sua origem já há algumas centenas de anos, tendo

seu ápice na lógica cartesiana e no utilitarismo

baconiano. A maior parte das questões recentes de

ordem ética com as quais temos nos defrontado - que

incluem desde os problemas relativos à bioética

(clonagem, transplante e venda de órgãos, produção de

organismos geneticamente modificados) até os testes

de bombas atômicas na China, Índia e Paquistão - tem

raízes nesses preceitos onde o homem foi e continua

sendo iludido para se enxergar como “medida de todas

as coisas”.

Há praticamente 50 anos atrás, em sua obra

“The New Regional Pattern”, o arquiteto alemão

Hilberseiner defendia, de forma quase previsionária,

que “o futuro parece freqüentemente depender de

soluções técnicas e econômicas, mas os problemas que

temos de resolver são essencialmente éticos. As

técnicas e economias mudam sempre, e muitos

problemas sociais mudam com eles. Não os problemas

éticos, estes permaneceriam os mesmos” (Hilberseiner,

1949: 87). Cinco décadas depois, o raciocínio de

Hilberseiner continua sendo válido, pois, mesmo no

limiar de um novo milênio, é verdade que enquanto as

ciências da técnica e da economia são continuamente

atualizadas e reformuladas para responder novas

exigências sociais; as questões éticas fundamentais

relativas ao bem-estar social e própria qualidade da

vida humana permanecem inalteradas e sem respostas

satisfatórias. A máquina poderia servir como exemplo

clássico para ilustrar essa realidade. Cada vez mais

sofisticada, rápida, digital, compacta e eficiente, ela foi

sendo progressivamente mais aperfeiçoada - do ponto

de vista científico - para cumprir sua função que, direta

ou indiretamente, se voltava para a obtenção de lucro,

através da aceleração da produção; otimização de

serviços rentáveis ou mesmo de sua própria

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 5

comercialização. Perguntas como A quem a máquina

serve? Quem tem acesso à mesma? Quem pode

usufruir de seus benefícios? Ou, ainda, quem tem

responsabilidade pelos possíveis malefícios que possa

vir a causar? se tornaram na verdade, um conjunto de

questões secundárias e, como tais, desmerecedoras de

maior importância em nome de uma entidade

misteriosa qualificada de progresso.

Numa busca desenfreada pela acumulação de

riquezas, representada através dos ícones do lucro e da

mais-valia, a dimensão social do desenvolvimento

técnico-científico foi durante anos e anos secundarizada

e descartada, só vindo a ser recuperada, muito

recentemente, na segunda metade de nosso século,

pela pressão de grupos internacionais; de uma minoria

de cientistas e pesquisadores conscientes; e da própria

população civil organizada (onde as ONGs vão assumir

um papel fundamental); que começaram a pressionar a

própria razão científica quando em nome desta era

permitido explorar, oprimir e destruir. A apropriação e

uso dos recursos ambientais não escaparam a essa

lógica mercadológica, consumista e destrutiva, onde

possuir e dominar sempre foram palavras de ordem,

marcando de forma profunda as relações entre homem

e meio ambiente através da história. Como aponta Boff

(1996), explicitando o engodo, o sonho do crescimento

ilimitado produziu o subdesenvolvimento de 2/3 da

humanidade, a exaustão dos sistemas vitais e a

desintegração progressiva do equilíbrio ambiental (Boff,

1996: 25).

Por isso, não temo afirmar, de forma convicta,

que a crise socioambiental, reflexo da própria crise

civilizatória com a qual nos deparamos, foi antecipada,

sem dúvida alguma, por uma grave crise de ética. A

ausência de uma postura ética técnico-científica que

pudesse ordenar as ações do homem sobre a natureza,

Dica do professor

Denúncia: O sonho do crescimento ilimitado teve como um de seus resultados mais concretos a destruição ambiental em larga escala. Pesquise mais sobre as diferenças entre progresso e desenvolvimento.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 6

baseada no respeito mútuo entre esses dois elementos

- no reconhecimento tanto da dignidade humana

quanto do valor da natureza - ajuda-nos a

compreender melhor como o caos supracitado pode

alcançar níveis de tal ordem prejudiciais à própria

continuidade da vida no planeta. Não é por acaso que a

origem da palavra ética, advinda da raiz grega ethos

(costume), é a mesma, refere-se ao local onde o

homem vive, mora ou passa grande parte de seu

tempo.

Ética e moral: semelhanças e diferenças

Existe uma discussão, que acho conveniente

explicitar, referente às diferenças entre os conceitos de

ética e moral. Embora tradicionalmente utilizados como

termos sinônimos, muitas vezes até de forma aleatória,

ética e moral possuem nítidas distinções. Enquanto a

moral é concreta e diz respeito ao nível individual,

prático e prescritivo; a ética é mais social, teórica e

virtual, se constituindo como um campo de análise

filosófica voltada para o estudo dos fundamentos e

validação de comportamentos socialmente reconhecidos

e estimulados (Krüger,1998). Nesse sentido, a moral se

referiria ao conjunto de prescrições admitidas numa

época e sociedade determinada, e o esforço devido

para se conformar a estas prescrições e segui-las; ao

passo que a ética seria a doutrina dos costumes, tendo

como objeto de estudo a qualificação de condutas em

termos do que é bom ou mau (Lalande, 1996; Mora,

1998; Abbagnano, 1998).

Muitos autores concordam com esta

diferenciação, definindo moral como “um conjunto de

prescrições destinadas a assegurar uma vida em

comum de forma harmoniosa”, e ética como “a

avaliação normativa das ações e do caráter de

indivíduos e grupos” (Japiassu & Marcondes, 1996: 93).

Importante

Não se trata, aqui, de criticar a tecnologia ou mesmo a ciência como bodes expiatórios da crise civilizatória, mas sim de destacar como estas têm sido utilizadas a serviço

de um desenvolvimento exclusivamente econômico, onde o lucro é sempre a prioridade-mor.

Dica do professor

Confusão conceitual: Basta tomarmos como exemplo as questões de justiça e moralidade para entender o quanto a prática usual desses conceitos é indiferenciada e de difícil precisão quanto ao uso acertado de uma ou outra. De qualquer forma, é interessante saber que a Filosofia tem uma reflexão diversa para cada uma delas.

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Todavia, mesmo aceitando com reservas essa distinção

no plano teórico, é necessário entender que, na prática,

as questões concernentes à moral e à ética estão

inteiramente imbricadas, sendo, portanto, difícil

precisar uma separação mais rígida entre os dois

conceitos. A moral fornece o conteúdo a ser avaliado

pela ética que, por sua vez, a alimenta estabelecendo,

através de seu julgamento, que tipo de ação ou

pensamento seria moral ou amoral. Reforçando essa

mesclagem conceitual, Kremer-Marketti (1989) nos

recorda, ainda, que, na concepção anglo-saxã, a ética

tem sido definida como a ciência da moral, e a moral,

por sua vez, como uma espécie de ética-normativa

(Kremer-Marketti, A., 1989: 7-8).

Pretendendo não me estender nessa discussão,

faço uma opção consciente pelo uso do termo ética, até

porque, mais do que se voltar para problemas de

normatização, ou mesmo um conjunto de prescrições

morais juridicamente firmadas, as questões que aqui

pretendo enfocar e desenvolver sobre Educação

Ambiental referem-se mais propriamente à temática

dos valores, tanto dos que esta se propõe a disseminar

e enraizar (ética da Educação Ambiental) quanto dos

valores fundamentais que os agentes de Educação

Ambiental (ética na Educação Ambiental) devem

considerar em seu cotidiano de trabalho. Isso não

significa que, em dado momento, o texto não venha a

tecer comentários sobre algumas prescrições mais

estimuladas na prática da Educação Ambiental e/ou que

possam servir para a constituição da chamada ética

ecológica.

A ética “da” educação ambiental

Desde que a Educação Ambiental começa a

despontar no cenário mundial, já nas primeiras

conferências de que temos registro, como a

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 8

Conferência de Estocolmo (1972) - onde ela é elevada

ao estatus de “assunto oficial” por possuir uma

“importância estratégica” - e a Conferência de Tbilisi

(1977) - onde fora destacado como um de seus

objetivos principais a criação de “uma consciência de

interdependência econômica, política e ecológica do

mundo moderno, com a finalidade de acentuar o

espírito de responsabilidade e de solidariedade entre as

nações” (Assis, 1991: 62); a dimensão ética da

Educação Ambiental sempre esteve presente tanto no

âmbito formal (institucional), quanto no âmbito não-

formal (sociocomunitário) (Carvalho, 2002). Neste

item, procuro compreender que tipo de ética é

estimulada e sugerida pela Educação Ambiental, e em

que princípios ela se baseia.

Em diferentes trabalhos que escrevi, tive a

oportunidade de esclarecer que entendo a Educação

Ambiental como “um processo crítico-transformador

capaz de promover no indivíduo um questionamento

mais profundo sobre a realidade ambiental onde este se

encontra inserido, levando-o a assumir uma nova

mentalidade ecológica, pautada no respeito mútuo para

com o meio ambiente e os que nele convivem”

(Carvalho, 2002: 4-5). Esse questionamento mais

profundo diria respeito ao nível mais básico do que

denominei como a Ética “da” Educação Ambiental.

Inspirado em Edgard Morin (1997), podemos chamar

esse nível primário da ética da Educação Ambiental de

uma “auto-ética” que se fundamenta na própria

consciência moral de cada indivíduo.

Note que, a partir da definição de Educação

Ambiental adotada, tudo começa a partir de um

questionamento interior, que, por conseguinte, é

dirigido aos nossos valores e critérios pessoais de agir

no mundo que nos cerca. É fundamental que essa

moral íntima e pessoal do público-alvo, a quem a

Importante

A chamada “auto-ética” que se fundamenta na própria consciência moral do indivíduo

seria o nível primário e essencial da ética. Na Educação Ambiental, este nível seria despertado em relação a uma postura eticamente correta com relação ao ecossistema vital.

Dica do professor

Para recordar A Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental (Conferência de Tbilisi) foi realizada em Tbilisi, capital da Georgia,CEI (Ex-URSS), de l4 a 26 de outubro de l977, organizada pela UNESCO, em cooperação com o PNUMA e constituiu-se num marco histórico para a evolução da EA. Nessa conferência, foram definidos os conceitos da EA, seus objetivos, princípios orientadores e estratégias para o seu desenvolvimento.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 9

Educação ambiental se dirige, venha a ser calcada em

valores ecologicamente prudentes de se viver no meio

ambiente. É a partir do conjunto de interrogantes,

suscitado pelo processo de Educação Ambiental, que o

homem vai se questionar sobre sua atuação e papel no

habitat onde se insere, percebendo que é possível

aproveitar todos os benefícios que este tem a nos

oferecer, sem necessariamente destruí-lo. Fornecer e

provocar estas interrogações deve fazer parte das

estratégias de qualquer programa de Educação

Ambiental que pretenda alguma eficácia, servindo

inclusive como um analisador de seu sucesso ou

fracasso.

Parar e refletir sobre sua maneira de interagir

com o meio ambiente que a cerca é o primeiro passo

para o desenvolvimento de uma “auto-ética ecológica”.

Platão utiliza um termo interessante, que ora me

aproprio para entender melhor esta idéia: o de “auto-

reforma”. Ou seja, uma reforma interior promovida

pelo próprio indivíduo a partir do grau de

conscientização sobre a realidade a sua volta e o

desenvolvimento de valores ambientais essenciais,

como o direito a vida, o reconhecimento da relação

dependência/interdependência para com o meio

ambiente e o respeito concretizado na conservação e

utilização racional de seus recursos para as gerações

futuras. Sem o desenvolvimento dessa auto-ética

ecológica e a partir desta, sem uma reflexão moral

sobre sua conduta, promovendo a instauração de um

processo de auto-reforma, é praticamente impossível

que exista qualquer tipo de comprometimento mais

profundo com a questão socioambiental. O “fazer pelo

fazer” em vez do “fazer consciente” não tem

sustentação e acaba esmorecendo diante das primeiras

dificuldades. É preciso trabalhar os valores do

educando, dar-lhe motivos e, posteriormente, oferecer

condições para que este entenda seu papel diante da

Dica do professor

Resumindo: Questionamento interior (mudança de valores). Reflexo exterior (mudança de comportamento).

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 10

grave situação ambiental ao seu redor e possa, então,

optar pela defesa de sua causa, assumindo de forma

consciente as responsabilidades decorrentes desta

escolha.

O objetivo central da ética que a Educação

Ambiental pretende disseminar é o de devolver ao

homem sua condição de membro da vida, participante

ativo da teia de inter-relações do ecossistema do qual

faz parte. Ela é a base para a promoção de um novo

contrato natural, a que Michel Serres (1991) faz

referência, onde o homem deve abandonar a relação de

parasitismo para com a natureza e passar a encará-la

como algo mais do que mero pano de fundo, para

desenvolvimento de sua espécie. É ainda essa ética da

Educação Ambiental a responsável por oferecer a

sustentação necessária para que o homem perceba,

como aponta Morin (1998), a íntima interligação de

todo organismo a um ecossistema qualquer, numa

relação básica e fundamental de

dependência/interdependência. Bressan (1980), se

utilizando de um modelo complexo, descreve essa

relação a partir de um processo simultâneo de

“humanização da natureza” e “naturalização do

homem”, tendo em vista que, de forma recíproca, “a

natureza sofre as leis do desenvolvimento e o homem

as leis naturais” (Bressan, 1980: 33).

SOBRE CONSCIENTIZAÇÃO

O termo “conscientização” muito utilizado no

discurso educacional é criticado por diversos

autores, inclusive por Paulo Freire que entende que

ninguém conscientiza ninguém. O que ocorre é uma

passagem da consciência ingênua – que não

significa consciência zero – para uma consciência

crítica. Assim, vale esclarecer que o termo é aqui

utilizado no sentido de uma tomada de consciência

da realidade e/ou do universo que nos rodeia,

possibilitando ao homem se descobrir melhor a si

mesmo e aos outros com quem interage (Barros,

1971, pp. 44-45).

Para pensar

O convite de Serres Em sua conhecida obra “O Contrato Natural”, Serres faz um convite ao ser humano de que abandone uma relação negativa para com a natureza e passe a adotar uma postura mais equilibrada onde a

mudança se faz de parasita a parte integrante. Como você vê esse convite e como entende que a educação ambiental facilitaria uma resposta positiva da população a este.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 11

O fato de o homem não ser passivo - como

grande parte dos animais irracionais - diante da ação

que a natureza exerce sobre ele, agindo,

transformando, adaptando o meio em que vive, não

significa que este tenha necessariamente que assumir

uma postura de dominador ou de plena independência

para com o mesmo. Seja num nível mais micro como o

metabólico, seja num nível mais macro, como o

planetário, o homem depende diretamente do meio em

que vive; bastando imaginar que, se não fosse a

presença de elementos naturais como a hidrosfera, que

resfria o planeta, e a litosfera que filtra os raios solares,

a vida seria inimaginável. O reconhecimento desta

realidade, a partir da formação de uma consciência

ambiental mais ampla, implica a adoção de uma nova

lógica de conduta para com a natureza, que só assume

um significado mais amplo, se fundamenta numa ética

ambiental com profundos reflexos no cotidiano da

sociedade em geral, criando assim uma possibilidade de

se inserir no arcabouço cultural da mesma. Estimulada

e sugerida pela Educação Ambiental, a instauração de

uma ética ecológica vem questionar ainda dois

absurdos: o primeiro, de se pensar uma ética apenas

para o homem; e o segundo, de se pensar uma ética

para o homem e outra para a natureza de maneira

diferenciada. O que se pretende, além de denunciar

esses absurdos, é a implantação de uma “ética

integradora entre todos os seres viventes e suas

relações bioecológicas” (Siqueira, 1991: 17). Ou seja,

uma ética essencialmente da vida em sua plenitude,

enterrando definitivamente o mito da independência

plena e/ou da “autonomia da razão”, amargas heranças

do cartesianismo.

Como analisa Grün (1994), é justamente no

encontro do homo sapiens, agente moral, dotado de

direitos, com a natureza, amoral e sem direitos, que

surge o espaço da ética ecológica. Esta se volta para

Quer saber mais?

É interessante consultar o texto de Grün, M. (1994) – Uma discussão sobre valores éticos em Educaçào Ambiental, para um maior aprofundamento dessa discussão. Leia e faça um resumo, o que poderá ser útil no desenvolvimento de sua monografia.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 12

uma questão elementar, a de que, mesmo sem direitos

legalmente adquiridos, a natureza é dotada de valor, o

que requer que as relações com ela estabelecidas

estejam pautadas em pressupostos éticos de

responsabilidade. O valor a que me refiro não é apenas

o valor financeiro, como quer fazer crer o materialismo

dialético e o capitalismo selvagem, mas sim, seu valor

essencial, enquanto fator básico para o

desenvolvimento do ciclo vital, do qual dependem

milhares de espécies de seres vivos, entre os quais o

homem é apenas um deles (Carvalho, 2002). Com

muita propriedade, Siqueira (1998) vai direto ao ponto

fundamental desta discussão: A percepção de que “a

interdependência do homem e da natureza exige uma

ética que não sobreponha o racional ao irracional, mas

uma igualdade naquilo que é essencial para ambos: a

sobrevivência” (Siqueira, 1991:17).

Entendida como um fator-chave para a própria

sobrevivência dos seres vivos, tendo como razão

axiológica os valores intrínsecos do homem e do meio

ambiente, a proposição dessa ética - denominada aqui

de ética da ecologia - visa superar a permissiva moral

socioambiental vigente (utilizada para justificar erros

crassos de gestão ambiental), em direção a uma ética

verdadeiramente libertadora e comprometida com o

direito à vida, cada vez mais fragilizado no contexto

atual. É precisamente esta ética que entendo como

passível de ser reforçada e alimentada, a partir de um

sério, amplo e honesto trabalho de Educação

Ambiental, onde seja possível fornecer a cada cidadão

uma espécie de “bússola moral” dirigida a todo e

qualquer modo de interagir do homem com o meio

ambiente, revelando-lhe senão o rumo ideal a seguir,

pelo menos o mais apropriado.

Dica do professor

Como a natureza não tem voz ela fala através do homem, dotado de direitos.

Nesse espaço entre o sujeito moral, e a natureza amoral, surge a ética ecológica.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 13

A ética “na” educação ambiental

Com E. Kant, aprendemos que uma decisão

ética só pode ser resultado de um ato racional, fruto da

evolução humana, pois supõe um discernimento sobre

o bem e mal. Apoiado nesta linha de pensamento

kantiana, é possível apontar a ausência de ética como

prova de irracionalidade (Lalande, 1996: 348-349).

Kant vai afirmar, ainda, e esse é ponto de partida que

gostaria de sublinhar, antes de tratar da ética relativa

ao modus-operandi dos que trabalham com Educação

Ambiental, que o núcleo da ética é descoberto pela

investigação da razão prática, assim distinta da razão

que ele qualifica como pura e teórica. Esse caráter

prático da razão se manifestaria, segundo Kant, na

própria possibilidade de ordenar o mundo dos

fenômenos, através do pensamento, facultando ao

homem decidir sobre o que fazer eticamente, de modo

que coincida com ação livre e não venha a

impossibilitá-la.

Seguindo esse percurso kantiano, e

considerando as idéias anteriormente expostas, é

possível perceber que, enquanto um processo

educativo, o grande desafio da Educação Ambiental,

sem dúvida alguma, é aquele que se passa eticamente,

tanto da ética que ela pretende instaurar, como

elemento catalisador de uma nova lógica de

relacionamento entre o homem e a natureza, quanto do

conjunto de valores dos profissionais que, embora

atuando nessa área, muitas vezes se isolam, evitando

interagir com outras entidades de propósitos

semelhantes; não se desvencilham de viéses político-

partidários mais voltados para a efetivação de

campanhas eleitoreiras do que para a realização de um

trabalho profícuo de Educação Ambiental; ou mesmo

dos que buscam apenas um espaço na imprensa para

autopromoção.

Dica do professor

Aprender com os erros: Mesmo com todo planejamento é evidente que existirão falhas durante a execução dos processos relativos a práxis da educação ambiental. Contudo se a prática da avaliação fosse mais freqüente poderíamos humildemente aprender mais com os erros e futuramente acertar

mais em projetos futuros.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 14

Deve-se levar, também, em consideração que,

independente da prática de trabalho em Educação

Ambiental - tanto o nível micro como dentro de um

internato, através de oficinas de trabalho (Pedrini, A.,

1998); como a nível macro junto a diferentes

comunidades de sete bairros do Rio de Janeiro, vide

Subprojeto de Mobilização Social/Participação

Comunitária do Programa de Educação Ambiental do

PDBG - as pretensões implícitas e explícitas da maior

parte dos objetivos a serem alcançados são sempre de

caráter ético. Isso ocorre, simplesmente, porque o

processo de Educação Ambiental encontra-se a serviço

de uma ética integradora, sendo, portanto, inadmissível

que os meios a serem utilizados para sua aplicação

também não fossem escolhidos e administrados

segundo critérios éticos. A dimensão ética da Educação

Ambiental está presente em qualquer projeto de

atuação na área, desde a sua elaboração inicial, onde

se faz necessário ouvir as demandas da população onde

ela será ministrada e permitir que esta participe do seu

processo de elaboração e adaptação; até o

acompanhamento final dos resultados do trabalho,

onde é preciso aprender com erros, em vez de ignorá-

los, para que estes não se repitam num trabalho

posterior. A questão é que poucos atentam para a

mesma, não lhe assegurando a devida importância.

Movido pelo ideal de que esta venha a ser mais

valorizada, entendo que algumas práticas

metodológicas são fundamentais e devem ser

ressaltadas na práxis do agente de Educação Ambiental

como incentivar a participação, favorecendo o exercício

de cidadania da população envolvida; promover o

diálogo e a solidariedade; manter uma postura de

aprendiz e uma transparência no que concerne ao

desenvolvimento das diferentes fases do trabalho

realizado e dos resultados obtidos com o mesmo. Essas

práticas, por sua vez, estão inevitavelmente calcadas

Dica do professor

Aprender com os erros: Mesmo com todo planejamento é evidente que existirão falhas durante a execução dos processos relativos à práxis da educação ambiental. Contudo, se a prática da avaliação fosse mais freqüente, poderíamos humildemente aprender mais com os erros e futuramente acertar mais em projetos futuros.

Dica de leitura

Vale a pena ler a obra de ENCINAS Crisitiane intitulada Possibilidades de Futuro – Educação Ambiental, Cidadania e Projetos de Transformação e ver como a autora aborda essa temática a partir do trabalho com o lixo.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 15

em valores éticos mais amplos como a igualdade, a

honra, a integridade, a justiça, a liberdade, a

fraternidade e a paz. O que denominei nesta aula de

ética na dimensão ambiental (ética dos meios) refere-

se, de modo particular, à ética dirigida aos valores e

critérios fundamentais, norteadores da práxis do

profissional de Educação Ambiental consciente de seu

papel enquanto agente de transformação de uma

realidade extremamente crítica. São esses valores os

responsáveis pela manutenção corajosa de uma

postura ética diante “dos parcos recursos, da infra-

estrutura desmontada e salários ridículos” (Pedrini,

1998: 70) com os quais o profissional da área é

obrigado a viver.

O fato de reservar especial atenção à dimensão

ética do fazer Educação Ambiental, mais dirigida a sua

prática, advém igualmente do fato de não querer

apresentá-la como uma espécie de “remédio milagroso”

solucionador de todos os problemas ambientais. Assim

como a Educação, de modo geral, pode vir a ser

utilizada como instrumento de controle, deturpação,

seleção, exclusão ou, como diria Brügger, de

“adestramento”; é preciso ter certo cuidado com a

maneira pela qual a Educação Ambiental pode ser

utilizada, a partir das intenções de quem a promove e

das ideologias sobre as quais suas práticas estariam

calcadas (Brügger, 1994), muitas vezes

descompromissadas com um exercício mais consciente

da cidadania (através do desenvolvimento do

pensamento crítico) ou com uma reflexão ética-

ambiental mais ampla e interdisciplinar (Carvalho,

2002). Além disso, deve-se ter muito claro o fato de

que a Educação Ambiental se constitui em uma das

formas de lutar contra a crise ambiental, uma

estratégia a ser utilizada contra a mesma, mas

evidentemente não é a única. Mesmo reconhecendo a

sua importância, enquanto promotora de uma nova

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 16

consciência ecológica, é inegável que desligada de uma

política ambiental mais efetiva acompanhada de uma

legislação rígida; ou de ações voltadas para uma

distribuição de renda mais igualitária, ou ainda para a

construção e manutenção de um contexto político-

cultural favorável, estaremos agindo no “vazio” e longe

de vislumbrar um futuro socioambiental menos

desolador. O trabalho com comunidades carentes tem

revelado essa complexidade, pois é extremamente

complicado se falar em ética ambiental, ou de

prioridade para as questões ambientais, quando não se

tem sequer o que se alimentar.

Para a socióloga Anna Waehneldt (1996), a

especificidade da Educação Ambiental se dá na

viabilização do conhecimento do meio ambiente em sua

totalidade - através de seus diferentes aspectos e de

suas relações de interdependência - a partir do exame

da realidade local, com base nas situações vivenciadas

no cotidiano da população. Assim, baseada no estudo

de problemas práticos do dia-a-dia, ela pretende a

adoção de “uma nova postura ética solidária” em

relação ao meio ambiente. Pela definição de Waehneldt,

fica explícito o motivo pelo qual o processo de Educação

Ambiental deve estar calcado sobre princípios éticos

que despertem a responsabilidade ambiental, pois, caso

contrário, dificilmente este poderá favorecer ao

indivíduo um exercício mais amplo de cidadania, que se

caracterize através de atitudes participativas e

ecologicamente conscientes, ou seja, atitudes

Educação ou Adestramento? A Educação Ambiental promovida sem o devido cuidado ético pode ser entendida como adestramento segundo Paula Brügger. A dimensão ética, portanto, não apenas amplia a Educação Ambiental sob esse ponto de vista, mas sim dá sentido a mesma, uma vez que diante de sua ausência ela sequer pode ser assim qualificada.

EDUCAÇÃO OU ADESTRAMENTO?

A Educação Ambiental promovida sem o devido

cuidado ético pode ser entendida como adestramento,

segundo Paula Brügger.

A dimensão ética, portanto, não apenas amplia a

Educação Ambiental sob esse ponto de vista, mas sim

dá sentido à mesma, uma vez que diante de sua

ausência ela sequer pode ser assim qualificada.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 17

adequadas à constituição de um meio ambiente

equilibrado e saudável. É preciso estar muito atento às

práticas de trabalho - estratégias de aproximação,

atuação e mobilização - que temos utilizado no campo;

refletindo, entre outras questões, se existe um

distanciamento entre o discurso ético e democrático e

uma prática anti-ética e autoritária.

É essencial que o educador ambiental procure se

questionar não uma, mas quantas vezes forem

necessárias, se realmente ele está assumindo uma

postura de aprendiz, daquele que está na comunidade

e/ou instituição em primeiro lugar para ouvir e

aprender sobre a realidade onde pretende atuar, e não

daquele que vem apenas para ensinar, pois já sabe

tudo; se realmente ele está favorecendo uma atitude

de diálogo com a população, ou simplesmente traz

soluções prontas, desconsiderando as sugestões da

comunidade em relação a um projeto já elaborado por

sua equipe; lembrando que este tipo de atitude sugere

uma comunicação de igual para igual e nunca de quem

vem de fora para dizer o que é certo ou errado, se

dizendo “o dono da verdade”. Qualquer falta nos

pontos assinalados é, no mínimo, comprometedora, se

não for fatal, para o trabalho com Educação Ambiental.

Querer ser ouvido e respeitado implica, em

primeiro lugar, ouvir e respeitar o outro. Isto parece

uma afirmação banal para alguns, mas é estranho

comprovar como práticas elementares são inteiramente

dispensadas. Surge daí a necessidade, em minha forma

de entender a questão, cada vez mais urgente, de que

sejam estabelecidas as bases para um código de ética

do educador ambiental, isto é, de um conjunto de

procedimentos básicos fundamentais para garantir a

dimensão ética do processo de Educação Ambiental na

práxis de seus agentes promotores. Manifestada, por

exemplo, no respeito fundamental aos valores culturais,

Dica de leitura

O Desafio da Ética Ambiental: Para explorar mais as

discussões dessa página é interessante a leitura da obra de GRÜN Mauro– Ética e Educação Ambiental ,publicado pela Papirus, São Paulo: 1996.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 18

sociais, morais e religiosos do locus de atuação onde o

processo de Educação Ambiental está sendo

implementado. Ou, ainda, na garantia de que a

população tenha a possibilidade de participar do

processo de Educação Ambiental em suas diferentes

fases, podendo se defender ou mesmo lutar pelos

benefícios que o projeto e/ou programa de Educação

Ambiental se propôs a gerar; além de uma série de

outras disposições relativas ao próprio trabalho de

pesquisa e implementação de políticas nessa área.

O estabelecimento desse código, que deveria ser

pensado, repensado e efetivado com a participação dos

diferentes setores envolvidos (órgãos ambientais,

associações, ONGs, universidade, conselhos e outros)

permitiria explicitar melhor o próprio cunho

interdisciplinar e político da Educação Ambiental, que

envolve, sem dúvida alguma, uma complexidade de

processos relativos à participação social,

representatividade, legitimidade e tomada de decisão;

muitos destes insinuados nas entrelinhas do artigo 225

da Constituição Federal ou na Lei 9795 referente à

Política Nacional da Educação Ambiental. Sabemos que

a Educação Ambiental tem uma história recente e que a

mesma ainda está amadurecendo, sendo pertinente

uma série de críticas em relação à mesma. Entretanto,

defendo que, enquanto não iniciarmos esse processo de

regulamentação ética - adiando esse processo -

estaremos contribuindo para que a Educação Ambiental

continue sendo desacreditada nesse país, em vez de

buscarmos aperfeiçoá-la, para a dignificação do próprio

trabalho que temos realizado.

OUTROS DESAFIOS...

Segundo Léon Olivé (1997), o grande desafio

ético desse novo século será a tentativa de conciliar

direitos grupais locais - relacionados ao grupo no qual

os indivíduos estão inseridos, como uma comunidade

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 19

ética que luta pela preservação de sua língua, por

exemplo, com direitos globais e coletivos - que dizem

respeito aos direitos do indivíduo, tendo por base seu

pertencimento a uma coletividade, como o direito de

um cidadão votar em uma autoridade de seu país

(Olivé, 1997: 2). Essa dificuldade de conciliação, em

termos de direitos culturais, tem sido motivo de

preocupação de cientistas e pesquisadores sociais,

chegando-se a aventar a hipótese de que, cada vez

mais, os conflitos internacionais sejam baseados

fundamentalmente em contradições culturais e não em

conflitos ideológicos e econômicos como se previa. De

fato, temos presenciado em diferentes partes do globo

– como a África, a Região dos Bálcãs (Albânia e

Sérvia), e mais recentemente na Índia - uma

multiplicação de conflitos étnico-culturais de graves

proporções, apoiados pela ambição política e pela

indústria armamentícia.

Como aponta Latouche (1994), em função de

um modelo avassalador de desenvolvimento que

pretendeu a substituição de toda cultura tradicional

pela industrialização, a cultura “tornou-se, no fundo,

sinônimo de atraso, de retardamento mental” (id.,

p.75). Tentativas de preservação da biodiversidade

cultural são encaradas como barreiras inúteis e

retrógradas contra a força do progresso globalizador,

imposição de novos tempos, onde globalizar é preciso,

e viver é mera conseqüência. O que era proposta se

torna então axioma símbolo de modernização. Daí

originam-se os questionamentos típicos, no caso da

América Latina, onde essa resistência cultural se faz

sentir de forma pujante, se esta atingiu ou chegará um

dia a atingir o tão almejado estágio da modernidade

(Ibañez, J., 1996). Sob essa lógica, não importam os

avanços democráticos, as inovações tecnológicas, a

redução do analfabetismo e a aceleração dos processos

de urbanização e industrialização latino-americana, mas

sim o fato de que a mesma nunca pode se globalizar

Dica do professor

Como esclarece Touraine, a distância entre uma economia globalizada e culturas isoladas acabam gerando frutos extremamente negativos que vão da destruição de culturas à violência social. Entretanto, como veremos nas páginas seguintes, existem alternativas e a Educação Ambiental tem um papel importante

nessa direção (Touraine, 1998: 202).

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 20

completamente, ou melhor, pensar unicamente de

forma global para atuar localmente, sem lhe opor a

idéia de um pensar local culturalmente enraizado.

O fato é que a temida pressão

globalizante/ocidentalizante não conseguiu atingir seu

objetivo dominador em termos culturais como se

imaginava. Sim, os latino-americanos usam jeans, os

japoneses dominam cada vez mais o sotaque inglês, e

os grandes shoppings invadiram quase todos os

recantos do planeta. Entretanto, se essas

manifestações características de um pensar globalizado

nos fazem questionar sobre onde estaria nossa

identidade cultural, a tão temida “pasteurização

cultural” não aconteceu, o pensar e o agir local ainda

possuem sua força influenciando e impondo padrões de

comportamento. O choque entre a torrente globalizante

versus as barreiras da identidade local parece resultar

numa espécie de fusão entre local e global, onde ambos

são ressignificados, tanto na figura do local globalizado

quanto do global localizado, relativizando ações

uniformizadoras.

Por trás de toda essa conjunção cultural -

movida não apenas por um pensar global imposto, mas

também simultaneamente pela resistência que a ela se

faz, se traduz através de diferentes processos de

mesclagem cultural, geradores de novas identidades

mestiças e territorializações interculturalmente

determinadas, onde as ambivalências local x global,

particular x geral, convivem num cenário multifacetado

de culturas híbridas (Canclini, 1997) - o que está em

jogo, na verdade, é a conquista de eqüidade e justiça

social, onde os desiguais não sejam igualados, mas que

as diferenças sejam consideradas, proporcionando aos

mais diferentes grupos a possibilidade de exercerem

sua cidadania local com igualdade de condições (apesar

da existência de fronteiras). Entre as várias

Quer saber mais?

Por mais forte que sejam as forças globalizantes, sempre haverá resistências diretas e indiretas à hegemonia cultural única. É interessante para o educador ambiental, ou não, conhecer os focos de resistência de uma comunidade, uma vez que neles residem a força local.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 21

possibilidades de responder a esse desafio no campo

dos direitos sociais, três propostas se consolidaram

com o passar do tempo: o universalismo, o relativismo

e o pluriculturalismo. A primeira delas, o universalismo,

é pautada em concepções universais construídas com

base em conceitos gerais tais como autonomia,

liberdade, dignidade e necessidades básicas. O critério

para aceitação de uma norma qualquer na proposta

universalista é o de aceitá-la como universal, isto é,

entendê-la como aceitável para qualquer sujeito

racional independente de sua língua ou nacionalidade, o

que, em outras palavras, implicaria uma imposição

hegemonicamente definida de um mesmo sentido

dominante para diferentes culturas. Seria como a

utilização de qualquer um desses conceitos, como o de

“autonomia”, por exemplo, como se este

correspondesse, na lógica do pensar global, a um único

entendimento do que ele significa ou poderia vir a

significar em termos de conceituação e aplicabilidade

local.

Contrária a essa postura universalista, surge em

cena o relativismo, que enxerga o princípio da

universalidade como insuficiente para resolver alguns

problemas sociais mais concretos, já que situações

desenvolvidas do ponto de vista ético e moral

envolveriam valores e normas específicas dos

diferentes grupos envolvidos. A posição relativista,

portanto, entende que a moral deva ser baseada em

valores específicos, do ponto de vista do sistema

relevante para os indivíduos que participam da mesma;

como se o local fosse indubitavelmente mais

importante que o global. Para Olivé (1997), a aceitação

da proposta relativista, sem maiores reservas,

apresenta sérios riscos como a justificativa de qualquer

tipo de ação, desde que se conte com valores locais

adequados à mesma (tudo é válido); a vinculação de

questões de direitos humanos apenas em contextos

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 22

particulares e específicos e, principalmente, a

obstaculização de políticas de cooperação mútua, já

que se salientam-se as diferenças, e não as

semelhanças entre membros de culturas diferentes.

Buscando um caminho mais equilibrado entre

um relativismo que exacerba o pensar e o agir local

ignorando a vontade geral; e o universalismo, que

ignora as particularidades locais; a proposta do

pluriculturalismo tem encontrado grande aceitação no

campo do direito internacional, por entender a lógica

das sociedades compostas de comunidades e culturas

diversas, garantindo o reconhecimento de direitos tanto

das entidades coletivas como dos direitos de grupo,

sem anular a possibilidade de que sejam estabelecidos

direitos básicos invioláveis entre grupos diferentes.

Buscando fugir ao antagonismo criado por ilusões

universalistas e obsessões identitárias (Touraine, 1998:

197), a postura pluricultural se utiliza dos termos

respeito e o diálogo aparecem como forças motrizes de

suas estratégias, procurando valorizar o

reconhecimento de membros de culturas diferentes

como sujeitos capazes de construir acordos sobre as

condições mínimas para uma interação intercultural,

que envolveriam, por sua vez, a constituição de limites

que ninguém poderia ultrapassar (nem mesmo o

Estado), como em uma democracia de fato.

O pluralismo cultural alimenta, ainda, a idéia de

uma interpretabilidade cultural de grupos diferentes, a

partir de sua teia cultural própria. A interpretabilidade,

como parte dos processos de adaptação cultural, já

vistos anteriormente, tem por fim o favorecimento de

interações transculturais, onde a resolução de

problemas comuns entre membros de culturas

diferentes se baseia em discussões acordadas levando

em consideração as perspectivas dos diferentes

participantes envolvidos e não em conceitos universais

Quer saber mais?

Democracia: Helsen a define, identificando-a como “uma sociedade em que a ordem social é realizada por quem está submetido a esta ordem, isto é, o povo. Significa identidade entre governantes e governados, entre sujeito e objeto do poder, governo do povo sobre o povo” (Kelsen, H., 1993: 35).

Importante

Pluralismo Cultural:

A interpretabilidade cultural baseada no respeito à cultura alheia talvez seja uma das grandes vantagens do pluralismo cultural. Proposta que vem ganhando cada vez mais adeptos.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 23

preestabelecidos. Certamente, esses mecanismos de

adaptação, favorecidos por acionamentos

interpretativos, ajudam a explicar a presença das

descontinuidades culturais e a possibilidade da

coexistência, em diferentes graus, de múltiplos

reconhecimentos e pertencimentos culturais em uma

mesma cultura local (Velho, 1996). É bem possível que

esses acionamentos interpretativos possam favorecer,

ainda, o que Touraine sugere como solução para

reduções dos conflitos entre o global e o local, ou seja,

uma comunicação intercultural que impeça possíveis

auto-segregações e a adoção de políticas autoritárias

(Touraine, 1998).

Defendo a idéia de que a manutenção de um

ambiente equilibrado, fator essencial à sobrevivência, o

educador ambiental também assume um papel

fundamental no sentido de garantir esses

reconhecimentos interculturais sem ignorar a

importância de preservar a cultura local. Através dos

diferentes processos de conscientização ambiental,

trabalhados nos mais diferentes projetos de Educação

Ambiental, é possível não apenas desenvolver políticas

de valorização do espaço local, mas entender a

urgência de problemáticas globais e até planetárias,

buscando um caminho de conciliamento e adaptação

necessária entre agendas globais e práticas locais de

atuação, onde o meio ambiente é entendido como elo

comum de interligação.

O QUE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL TEM A VER COM

A QUESTÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL?

Não há como assumir uma postura ambiental ética se

a cultura local não for preservada e valorizada. Além

disso, a promoção de intercâmbios culturais favorece

a troca de experiências e ajuda a entender como

pessoas de diferentes localidades têm lidado com a

questão ambiental.

O meio ambiente é entendido no campo dos conflitos

culturais como um elo fundamental de interligação.

Não importam as diferenças, uma vez que o meio

ambiente é o elo comum.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 24

Existe uma clássica parábola, contada e

recontada por educadores e ambientalistas, que serve

bem para fundamentar esse argumento final, e revelar

que há mais do que paixão temática, no que ele deixa

transparecer. A metáfora em questão, que tem nas

ovelhas e leões - ambientalmente situados - seus

personagens centrais, também, poderia servir para

explicitar a lógica de nosso bordão inicial, em termos

de quando ele se faz necessário e em que sentido deve

ser questionado e readaptado em função das demandas

socioculturais.

As ovelhas sempre tiveram medo de leões por

razões óbvias, elas são devoradas por eles. Entretanto,

responda com sinceridade, seria possível uma

negociação entre ovelhas e leões? O que tornaria os

leões sensíveis a ponto de deitar-se ao lado de uma

ovelha, fazer um acordo com ela e depois respeitá-lo. A

resposta ambiental é muito clara: tanto o leão como a

ovelha não querem que a floresta pegue fogo, tanto um

quanto o outro não querem que as águas de uma

grande enchente inundem suas casas, tanto um quanto

o outro querem proteger seus filhotes.

Esta lista interminável de seres vivos que lutam

pela vida reflete não só como no âmbito ecológico

interdepender não significa necessariamente depender,

mas também como as diferenças podem ser

respeitadas em favor da continuidade da vida. Em

outras palavras, por maior que seja a diversidade e a

estratificação social, ecologicamente estamos

interligados pela existência comum num mesmo planeta,

nosso único lar.

Para refletir

O que sugere a metáfora? Todos somos diferentes, fazemos partes de culturas diferentes, temos valores diversos, mas o importante é que todos precisamos lutar pela nossa única casa, o planeta terra. E isso será feito a partir do diálogo entre essas

diferenças pautado numa postura ética através da qual diferentes lados sejam respeitados e valorizados.

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 25

EXERCÍCIO 1

A palavra “ética” é oriunda da raiz grega “ethos” que

significa costume, mas também se refere a:

( A ) Ambiente;

( B ) Etnia;

( C ) Trabalho;

( D ) Desvio;

( E ) Representação.

EXERCÍCIO 2

Proposta de valorização da diversidade cultural que

defende a interpretabilidade cultural de grupos

diferentes a partir de elementos de sua própria teia

cultural:

( A ) Ecumenismo;

( B ) Culturalismo;

( C ) Pluriculturalismo;

( D ) Relativismo;

( E ) Universalismo.

EXERCÍCIO 3

Diferencie a Ética “da” e a Ética “na” Educação

Ambiental.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 26

EXERCÍCIO 4

Como você vê a possibilidade da elaboração de um

Código de Ética do Educador Ambiental?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

O que é preciso para ser ou atuar como um

educador ambiental? De todas as respostas

nenhuma é tão importante e imprescindível

como uma postura ética adequada a sua

realidade;

A Ética da Educação Ambiental refere-se a

constituição da nova ética ecológica que a

Educação Ambiental se propõe a instaurar; e

a Ética na Educação Ambiental, que por sua

vez, diz respeito a ética, ou mais

especificamente, ao conjunto de valores sobre

o qual esta se sustenta, relacionada a práxis

do Educador Ambiental que atua em seus

diferentes âmbitos – formal, não-formal e

informal;

Pierre Weil define ética como sendo o

"conjunto de valores que levam o homem a

se comportar de modo construtivo e

harmonioso, pois são os valores que

determinam as opiniões, atitudes e

comportamentos das pessoas" (Weil,

2000:133). Nesse sentido, não é exagero afir-

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 27

mar que a ética exerce uma profunda

influência na qualidade de vida, no

desenvolvimento sócio-cultural, assim como

nas relações que a humanidade desenvolve

com a natureza da qual faz parte.

Uma das mais duras constatações percebidas

por cientistas e pesquisadores no final do

século XX refere-se ao distanciamento existente

entre os avanços conquistados no plano da

ciência e da técnica, e o desejável avanço no

terreno da ética, que não chegou a ocorrer na

mesma proporção, intensidade e velocidade.

As técnicas e economias mudam sempre, e

muitos problemas sociais mudam com eles.

Não os problemas éticos, estes

permaneceriam os mesmos” (Hilberseiner,

1949: 87);

O sonho do crescimento ilimitado produziu o

subdesenvolvimento de 2/3 da humanidade, a

exaustão dos sistemas vitais e a

desintegração progressiva do equilíbrio

ambiental (Boff, 1996: 25).

A crise sócio-ambiental, reflexo da própria

crise civilizatória com a qual nos deparamos,

foi antecipada, sem dúvida alguma, por uma

grave crise de ética;

Enquanto a moral é concreta e diz respeito ao

nível individual, prático e prescritivo; a ética é

mais social, teórica e virtual, se constituindo

como um campo de análise filosófica voltada

para o estudo dos fundamentos e validação

de comportamentos socialmente reconhecidos

e estimulados (Krüger,1998);

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 28

Muitos autores definem moral como “um

conjunto de prescrições destinadas a

assegurar uma vida em comum de forma

harmoniosa”, e ética como “a avaliação

normativa das ações e do caráter de

indivíduos e grupos” (Japiassu & Marcondes,

1996: 93);

Mesmo aceitando com reservas essa distinção

no plano teórico, é necessário entender que

na prática, as questões concernentes a moral

e a ética estão inteiramente imbricadas,

sendo, portanto difícil precisar uma separação

mais rígida entre os dois conceitos. A moral

fornece o conteúdo a ser avaliado pela ética,

que por sua vez a alimenta estabelecendo,

através de seu julgamento, que tipo de ação

ou pensamento seria moral ou amoral;

Esse questionamento mais profundo, diria

respeito ao nível mais básico do que

denominei como a Ética “da” Educação

Ambiental pode ser chamado ainda de nível

primário da ética da Educação Ambiental, de

uma “auto-ética” que se fundamenta na

própria consciência moral de cada indivíduo.

Parar e refletir sobre sua maneira de interagir

com o meio ambiente que a cerca é o

primeiro passo para o desenvolvimento de

uma “auto-ética ecológica”;

Sem o desenvolvimento dessa auto-ética

ecológica e a partir desta, sem uma reflexão

moral sobre sua conduta, promovendo a

instauração de um processo de auto-reforma,

é praticamente impossível que exista qualquer

tipo de comprometimento mais profundo com a

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 29

questão sócio-ambiental. O “fazer pelo fazer”

ao invés do “fazer consciente” não tem

sustentação e acaba esmorecendo diante das

primeiras dificuldades;

O objetivo central da ética que a Educação

Ambiental pretende disseminar é o de

devolver ao homem sua condição de membro

da vida, participante ativo da teia de

interrelações do ecossistema do qual faz

parte;

Estimulada e sugerida pela Educação

Ambiental, a instauração de uma ética

ecológica vem questionar ainda dois

absurdos: o primeiro, de se pensar uma ética

apenas para o homem; e o segundo, de se

pensar uma ética para o homem e outra para

a natureza de maneira diferenciada. O que se

pretende, além de denunciar esses absurdos,

é a implantação de uma “ética integradora

entre todos os seres viventes e suas relações

bioecológicas” (Siqueira, 1991: 17). Ou seja,

uma ética essencialmente da vida em sua

plenitude, enterrando definitivamente o mito

da independência plena e/ou da “autonomia

da razão”, amargas heranças do

cartesianismo.

Como analisa Grün (1994), é justamente no

encontro do homo sapiens, agente moral,

dotado de direitos, com a natureza, amoral e

sem direitos, que surge o espaço da ética

ecológica. Esta se volta para uma questão

elementar, a de que, mesmo sem direitos

legalmente adquiridos, a natureza é dotada

de valor, o que requer que as relações com ela

estabelecidas estejam pautadas em pressupos-

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 30

tos éticos de responsabilidade;

Entendida como um fator-chave para a

própria sobrevivência dos seres vivos, tendo

como razão axiológica os valores intrínsecos

do homem e do meio ambiente, a proposição

dessa ética - denominada aqui de ética da

ecologia - visa superar a permissiva moral

sócio-ambiental vigente (utilizada para

justificar erros crassos de gestão ambiental),

em direção a uma ética verdadeiramente

libertadora e comprometida com o direito a

vida;

enquanto um processo eminentemente

educativo o grande desafio da Educação

Ambiental, sem dúvida alguma, é aquele que

se passa a nível ético, tanto da ética que ela

pretende instaurar, como elemento

catalisador de uma nova lógica de

relacionamento entre o homem e a natureza;

quanto do conjunto de valores dos

profissionais que embora atuando nessa área,

muitas vezes se isolam; não se desvencilham

de viéses político-partidários, mais voltados

para a efetivação de campanhas eleitoreiras

do que para a realização de um trabalho

profícuo de Educação Ambiental; ou mesmo

dos que buscam apenas um espaço na

imprensa para auto-promoção.

A dimensão ética da Educação Ambiental está

presente em qualquer projeto de atuação na

área, desde a sua elaboração inicial, onde se

faz necessário ouvir as demandas da

população onde ela será ministrada e permitir

que esta participe do seu processo de

elaboração e adaptação; até o acompanhamento

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 31

final dos resultados do trabalho, onde é

preciso aprender com erros, ao invés de ignorá-

los, para que estes não se repitam num

trabalho posterior;

A ética na dimensão ambiental (ética dos

meios), refere-se, de modo particular, a ética

dirigida aos valores e critérios fundamentais,

norteadores da práxis do profissional de

Educação Ambiental consciente de seu papel

enquanto agente de transformação de uma

realidade extremamente crítica;

O fato de reservar especial atenção à

dimensão ética do fazer Educação Ambiental,

mais dirigida a sua prática, advém igualmente

do fato de não querer apresentá-la como uma

espécie de “remédio milagroso” solucionador

de todos os problemas ambientais. Assim

como a Educação de modo geral, pode vir a

ser utilizada como instrumento de controle,

deturpação, seleção, exclusão, ou de

adestramento;

Mesmo reconhecendo a importância da EA,

enquanto promotora de uma nova consciência

ecológica, é inegável que desligada de uma

política ambiental mais efetiva acompanhada

de uma legislação rígida; ou de ações

voltadas para uma distribuição de renda mais

igualitária, ou ainda para a construção e

manutenção de um contexto político-cultural

favorável, estaremos agindo no “vazio” e

longe de vislumbrar um futuro sócio-

ambiental menos desolador;

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 32

Ela pretende a adoção de “uma nova postura

ética solidária” em relação ao meio ambiente.

Pela definição de Waehneldt fica explícito o

motivo pelo qual o processo de Educação

Ambiental deve estar calcado sobre princípios

éticos que despertem a responsabilidade

ambiental, pois caso contrário, dificilmente

este poderá favorecer ao indivíduo um

exercício mais amplo de cidadania;

É essencial que o educador ambiental procure

se questionar não uma, mas quantas vezes

forem necessárias, se realmente ele está

assumindo uma postura de aprendiz, daquele

que está na comunidade e/ou instituição em

primeiro lugar para ouvir e aprender sobre a

realidade onde pretende atuar, e não daquele

que vem apenas para ensinar. Querer ser

ouvido e respeitado implica em primeiro lugar

ouvir e respeitar o outro;

É cada vez mais urgente o estabelecimento

das bases para um código de ética do

educador ambiental, isto é de um conjunto

procedimentos básicos fundamentais para

garantir a dimensão ética do processo de

Educação Ambiental na práxis de seus

agentes promotores. Manifestada por

exemplo, no respeito fundamental aos valores

culturais, sociais, morais e religiosos da locus

de atuação onde o processo de Educação

Ambiental está sendo implementado;

Segundo Léon Olivé (1997), o grande desafio

ético desse novo século será a tentativa de

conciliar direitos grupais locais - relacionados

ao grupo no qual os indivíduos estão inseridos,

como uma comunidade ética que luta pela pre-

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 33

servação de sua língua por exemplo -; com

direitos globais e coletivos - que dizem respeito

aos direitos do indivíduo, tendo por base seu

pertencimento a uma coletividade, como o

direito de um cidadão votar em uma

autoridade de seu país (Olivé, 1997: 2);

Como aponta Latouche (1994), em função de

um modelo avassalador de desenvolvimento

que pretendeu a substituição de toda cultura

tradicional pela industrialização, a cultura

“tornou-se no fundo, sinônimo de atraso, de

retardamento mental” (id., p.75). Tentativas

de preservação da biodiversidade cultural são

encaradas como barreiras inúteis e

retrógradas contra a força do progresso

globalizador, imposição de novos tempos;

Por trás de toda essa conjunção cultural -

movida não apenas por um pensar global

imposto, mas também simultaneamente pela

resistência que a ela se faz, se traduz através

de diferentes processos de mesclagem

cultural, geradores de novas identidades

mestiças e territorializações

interculturalmente determinadas, onde as

ambivalências local x global, particular x

geral, convivem num cenário multifacetado

de culturas híbridas (Canclini, 1997);

Dentre as várias possibilidades de responder

a esse desafio no campo dos direitos sociais,

três propostas se consolidaram com o passar

do tempo: o universalismo, o relativismo e o

pluriculturalismo. A primeira delas, o

universalismo, é pautada em concepções

universais construídas com base em conceitos

gerais tais como: autonomia, liberdade,

dignidade e necessidades básicas;

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 34

Contrária a essa postura universalista, surge

em cena o relativismo, que enxerga o

princípio da universalidade como insuficiente

para resolver alguns problemas sociais mais

concretos, já que situações desenvolvidas do

ponto de vista ético e moral envolveriam

valores e normas específicas dos diferentes

grupos envolvidos;

Buscando um caminho mais equilibrado entre

um relativismo que exacerba o pensar e o

agir local ignorando a vontade geral; e o

universalismo, que ignora as particularidades

locais; a proposta do pluriculturalismo tem

encontrado grande aceitação no campo do

direito internacional, por entender a lógica

das sociedades compostas de comunidades e

culturas diversas, garantindo o

reconhecimento de direitos tanto das

entidades coletivas como dos direitos de

grupo, sem anular a possibilidade de que

sejam estabelecidos direitos básicos

invioláveis entre grupos diferentes;

O pluralismo cultural alimenta, ainda, a idéia

de uma interpretabilidade cultural de grupos

diferentes, a partir de sua teia cultural

própria. A interpretabilidade tem por fim o

favorecimento interações transculturais, onde

a resolução de problemas comuns entre

membros de culturas diferentes se baseia em

discussões acordadas levando em

consideração as perspectivas dos diferentes

participantes envolvidos, e não em conceitos

universais pré-estabelecidos;

Defendo a idéia de que a manutenção de um

ambiente equilibrado, fator essencial à

sobrevivência, o educador ambiental também

Aula 7 | O papel ético do educador ambiental 35

assume um papel fundamental no sentido de

garantir esses reconhecimentos interculturais

sem ignorar a importância de preservar a

cultura local;