O Papel Principal

11
- O PAPEL PRINCIPAL - CONTRIBUTO PARA UMA ANÁLISE DO QUE VÊEM AS MULHERES NAS REVISTAS FEMININAS Um Estudo de Caso – As capas da Elle de Edição Portuguesa Helena Cristina Pereira Cordeiro elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 5

description

O Papel Principal

Transcript of O Papel Principal

Page 1: O Papel Principal

- O PAPEL PRINCIPAL -CONTRIBUTO PARA UMA ANÁLISE DO

QUE VÊEM AS MULHERES NASREVISTAS FEMININAS

UUmm EEssttuuddoo ddee CCaassoo –– AAss ccaappaass ddaa Elle ddee EEddiiççããoo PPoorrttuugguueessaa

Helena Cristina Pereira Cordeiro

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 5

Page 2: O Papel Principal

Ficha técnica

Título:-- O Papel Principal -

Contributo para uma análise do que vêem as mulheres nas revistas femininas

Autores: Helena Cordeiro

Design e Paginação: Paulo Mendes | Formalpress

Capa: José Rodrigues

Editora:Formalpress | Media XXI

Impressão:Publidisa

Reservados todos os direitos de autor. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em

parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização da

Editora e do Autor.

MediaXXI | Formalpress - Publicações e Marketing, Lda.

Rua Professor Alfredo de Sousa, n.º 8, Loja A, 1600-188 Lisboa

E-mail: [email protected] | Tel.: 217 573 459 | Fax: 217 576 316

1ª Edição - Novembro 2008

Tiragem: 750 exemplares

ISBN:

Depósito Legal:

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 6

Page 3: O Papel Principal

Índice

Abstract | Resumo 9Dedicatória 11Agradecimentos 13Preâmbulo 15

Prefácio 17

IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO 19

PPRRIIMMEEIIRRAA PPAARRTTEE -- RReevviissttaass FFeemmiinniinnaass.. AA RReepprreesseennttaaççããoo ddaa MMuullhheerr nnaa IImmpprreennssaa ddee GGéénneerroo 25

CAP. 1 - A MULHER E A REVISTA FEMININA 28

1. 1. Um medium menor? A assunção do princípio do prazer 28

CAP. 2 - A MULHER NA REVISTA FEMININA E O SEU CORPO COMO MATÉRIA-PRIMA DO DISCURSO IMAGÉTICO 36

2.1. A representação do corpo feminino e o estereótipo como seu ideal 362.2. O corpo como objecto cultural desterritorializado. O lugar do corpo na moda e a revista

feminina como fashion converter 452.3. Conceitos de base: o vestir, o corpo, a corporeidade, o género e o habitus 502.4. O Poder do Vestir. Identidade, feminilidade e sexualidade na cultura moderna 572.5. A indústria da moda. A moda como indústria cultural 63

SSEEGGUUNNDDAA PPAARRTTEE -- DDeessccoonnssttrruuiinnddoo aa RReevviissttaa FFeemmiinniinnaa 67

CAP. 3 – LER UMA REVISTA FEMININA 69

3.1. As revistas femininas internacionais 693.2. O uso quotidiano dos media 723.3. Como são lidas as Glossies: atribuição de sentido à leitura e a sua falácia 743.4. Tipologia e significados que damos às revistas femininas. Uso de repertórios 773.5. A importância das revistas femininas no quotidiano da mulher e a construção de novas

realidades – o caso típico do «eu-perfeito» sexual 863.6. A revista feminina como género e a leitura apologética 923.7. Panorama geral do sector em Portugal e da revista Elle em particular 93

7

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 7

Page 4: O Papel Principal

TTEERRCCEEIIRRAA PPAARRTTEE -- OO CCoorrppuuss ddooss CCoorrppooss 97

CAP. 4 – NAS CAPAS 100

4.1. Cover model. A modelo de capa 1004.2. Coverlines. As chamadas de capa 115

CAP. 5 – ADQUIRINDO SENTIDO EM PORTUGUÊS 137

5.1. As entrevistas 137

CCOONNCCLLUUSSÂÂOO 151

BBIIBBLLIIOOGGRRAAFFIIAA 157

AANNEEXXOOSS 169

1. Guião de entrevista conversacional 169

2. Gráficos referentes à análise do número pág./mês da revista Elle entre 1988 e 2004 172

3. Gráficos referentes às presenças de capa da revista Elle entre 1988 e 2004 175

4. Evolução anual da audiência média de publicações (Barame Imprensa) 178

8

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 8

Page 5: O Papel Principal

Abstract

For a long time enclosed between the so called intelectuality prejudice standards andacademic disinterest, women magazines follow their path somehow immune to cri-ticism. This investigation searches not only for a correlation between the disciplinaryimplications of this type of gender publication and its globalized representation(s)of women and womanhood, but also the reason for the double bind created betweenthe pleasure and the feeling of shame for reading them. By conveying a depreciativeattitude, this kind of gender readership promotes its very low cultural status. Whatinternational women magazine (Glossies) covers offer both in terms of imagery andtext (expressed in coverlines) to appeal to readership and how are they seen and readby a selected sample of portuguese women - these are, in short, the main focuspoints of this analysis which pursues the need of understanding modern women’sproper locus of play and its connection to pleasure.

Resumo

Há muito enclausuradas entre os preconceitos da dita intelectualidade e o desinter-esse académico, as revistas femininas seguem o seu caminho, aparentemente imunesàs críticas. Esta pesquisa procura não só entender a correlação existente entre asimplicações disciplinares deste tipo de imprensa de género e a(s) sua(s) represen-tação(ões) globalizada(s) da mulher e do feminino, mas também a razão para oaparente nó cego criado pelo prazer retirado da sua leitura e a simultânea vergonhapor lê-las. Ao adoptar uma atitude depreciativa, este tipo de leitura promove, emúltima análise, o seu status cultural muito baixo. O que as capas das revistas femini-nas internacionais ou Glossies oferecem tanto em termos imagéticos como textuais(expressos nas chamadas de capa) por forma a apelar à sua leitura e como são vistase lidas por uma amostra seleccionada de leitoras portuguesas – são estes, resumida-mente, os pontos principais nos quais baseamos esta análise que persegue a necessi-dade de compreender o proper locus de ócio da mulher moderna e sua óbvia ligaçãoao prazer.

9

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 9

Page 6: O Papel Principal

19

INTRODUÇÃO

O 1.º número da Elle em versão portuguesa surgiu em Outubro de 1988. No edito-rial1, Tereza Coelho escreve:

«Surgira em França depois da guerra, em Novembro de 1945, pelo entusiasmo e intuição deHélène Lazareff 2 (o marido, Pierre Lazareff, dirigia nesses tempos o France-Soir). Duas ideiasbásicas: surpreender a transformação quotidiana do mundo na viragem do século, afirmar aimagem de juventude que domina, cada vez mais, essa transformação».

Feita a apresentação e sumariados os objectivos primazes que deram origem ao nasci-mento da publicação, a editora continua, justificando o nascimento da ediçãonacional:

«Porque a Elle portuguesa é acima de tudo uma revista portuguesa. Como diria outro poeta,o universal é o lugar sem muros. E o nosso lugar é português. Se não tem muros é porquetrabalhamos com a equipa francesa, a grega, ou a alemã. Mas fazemo-lo com portugueses epara portugueses. Fazemos a Elle que todos reconhecem para aqueles que ainda não a con-hecem em português. Com o mesmo estilo, o estilo Elle, mas nosso: as nossas reportagens, anossa moda, os nossos manequins, a nossa actualidade, os nossos problemas, as nossas casas,no nosso país. E sobretudo com homens e mulheres portugueses, com as suas inquietações,perplexidades, expectativas. Uma revista sem muros é isso, também: um lugar feminino, acomeçar pelo título, mas para todos os leitores».

A pertinência deste estudo justifica-se pela colocação de várias questões. A primeirae mais óbvia prende-se ao género. Porquê revistas femininas? Fundamentalmente,porque este género (popular feminino) tem sido, cremos que injustamente, sujeito aalgum preconceito académico.

Para além de acreditarmos que a pesquisa académica, mais do que qualquer outra,deve ter respeito por todos os géneros, interessa-nos particularmente o estudo de re-presentações femininas «globalizadas» na imprensa feminina, através da análise dastendências e gostos nas representações sociais. O facto de vivermos numa sociedadeque possui uma imagem muito consciente de si mesma, leva a que sejam essencial-mente os media a reflectir essa pressão social de enquadramento nos cânones de um

1. COELHO, Tereza. (1988). «Um rosto português para a Elle» in Elle n.º 1, Outubro, p. 9.2. Hélène Gordon-Lazareff (1909-1972), de família judia emigrada, chega muito jovem a França. Licencia-se em Letras, inicia estu-dos em Etnologia (chegando mesmo a publicar uma reportagem sobre os Dogons do Níger). Em 1936 conhece aquele que viria aser o seu marido, trabalha para o Paris-Soir e para a revista Marie-Claire (que havia sido fundada em 1932 por Marcelle Auclair). É,depois da guerra, quando volta dos Estados Unidos, que concebe e lança a Elle a 21 de Novembro de 1945 (Wolgensinger, 1989:123).

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 19

Page 7: O Papel Principal

20

corpo globalizado transformando-se, conforme sugere Silveirinha, em «um doslugares sociais e políticos de construção das identidades» (2004: 9)3, justificandoconsiderar estas revistas o mais importante meio de comunicação de cultura de mas-sas feminino (Marques, 2004: 142)4.

Porque é que a escolha do suporte recaiu na revista Elle?

A Elle foi a primeira revista internacional, de género, a ser publicada em português5,catorze anos depois da queda do Estado Novo, cuja Constituição6 estabelecia a igual-dade de todos os cidadãos excepto das mulheres, variável de acordo com a«natureza», isto é, a sua faculdade reprodutora e o «bem da família»7 e dezanove anosdepois de terminar em Portugal, em 1969, o imperativo legal que obrigava a mulhera pedir uma autorização escrita ao marido, no caso de querer viajar para fora do país,abrir uma empresa, celebrar contratos ou exercer determinadas profissões, como apolítica, a magistratura e a diplomacia.

O que nos propomos fazer é analisar as capas e chamadas de capa da revista Elle deedição portuguesa enquanto dispositivos primeiros de comunicação. Mais concreta-mente, pretendemos caracterizar e compreender o papel específico desempenhadopelos discursos imagético e escrito, patentes nas cento e oitenta e nove capas de umarevista feminina de referência, nos dezasseis anos e três meses que pautaram a suaedição em português e que constituem o corpus da presente pesquisa8.

O facto de se auto-apelidar «a revista de moda mais vendida em todo o mundo», fez-nos pensar na Elle como ideal em termos de representações femininas globalizadas.A publicação da revista no mundo é controlada pelo seu editor francês, a HachetteFilipacchi em Paris, o que obriga a uma grande coordenação em termos de materialtextual e fotográfico9 nas diferentes edições internacionais da revista (Moeran, 2002:4)10. A revista é publicada actualmente em cinquenta e nove países, ao passo quetodas as outras revistas foram sendo franchisadas a diferentes editores e, consequente-

3. SILVEIRINHA, Maria João. (2004). «Representadas e Representantes: as Mulheres e os Media». in As Mulheres e os Media. RevistaMedia & Jornalismo. Lisboa: Minerva Coimbra. Vol. 5: pp 9-30. 4. MARQUES, Alice. (2004). Mulheres de Papel: Representações do Corpo nas Revistas Femininas. Lisboa: Livros Horizonte. 5. A primeira revista feminina tout court surgida em Portugal foi O Toucador, fundada pelo Visconde de Almeida Garrett no séculoXIX. Contudo, houve mais de sessenta títulos periódicos dedicados à mulher neste período (Lopes, 2005). 6. «Em 1939 fora publicado um Código de Processo Civil que introduziu normas restritivas da autonomia das mulheres, recuandoem relação à legislação produzida durante a 1.ª República» (Vicente, 2001: 202).7. Esta expressão foi omitida em 1971, mas a Constituição só foi finalmente alterada em 1976. Segundo Ana Vicente, a organiza-ção político-social construída pelo Estado Novo, profundamente conservadora e resistente à mudança, considerava as mulheres e oshomens como seres natural e essencialmente desiguais (2001: 203).8. A presente análise compreende desde o período de fundação da Elle portuguesa, em Outubro de 1988 a Dezembro de 2004. Narealidade, a totalidade de capas referente aos anos do corpo de análise perfaz cento e noventa e cinco exemplares, mas, devido à totalimpossibilidade de conseguir seis números da publicação, trabalhámos um total de cento e oitenta e nove revistas. 9. A divisão de imagem da HFM – Hachette Filipacchi Photos (HFP) – inclui agências centradas em três áreas temáticas: notícias,pessoas e ilustrações, e tem o propósito não só de melhorar a qualidade das imagens reproduzidas nas revistas e usadas pelas agên-cias mas também de desenvolver uma actividade essencial ao negócio da imprensa escrita.10. MOERAN, Brian. (2002). «On Entering the World of Women’s Magazines: a Cross-Cultural Comparison of Elle and MarieClaire», Danish Institute for Advanced Studies in the Humanities, 16 p., disponível em http://web.cbs.dk/departments/ikl/whatwedo/research/workpapers/WP45.doc, retirado a 04.01.05.

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 20

Page 8: O Papel Principal

21

mente, a gostos e estratégias marcadamente locais. Afigurou-se-nos relevante o factode a Hachette Filipacchi Médias, líder mundial na edição de revistas, ocupando oprimeiro lugar em França e em Espanha e sendo também o primeiro editorestrangeiro de revistas nos Estados Unidos, China continental, Japão e Itália, teroptado na sua estratégia de expansão internacional, por não vender franchises a cor-porações locais, mas criado as suas próprias organizações nos países em que opera(e.g. Hachette Filipacchi Publicações, em Portugal).

Finalmente, porque focámos a análise nas capas (covers)?

Porque estas, tal como as páginas de abertura de uma revista, são o seu «rosto» e fun-cionam como um anúncio em si mesmas (Moeran, 2002: 14). As capas das revistasfemininas são a primeira «janela» para o que é comummente aceite como belo e,consequentemente, para o que se quer espreitar, imaginar, obter e imitar. São o«bombom» atraente e colorido a desembrulhar, o «isco» de cariz emocional que éultimado no acto da compra, ou expresso, ao menos, em curiosidade e interesse.

Estas capas veiculam o quê? Estão orientadas para quê? O que destacam? O quesurge como tema principal?11 E, não menos importante, qual o lugar desta revista navida quotidiana da mulher portuguesa?

Peguemos ainda numa qualquer Elle e recordemo-nos do editorial do primeironúmero, o mesmo com que iniciámos esta proposta de trabalho.

As modelos de capa são portuguesas? A partir de que altura a moda nacional passoua ter de facto lugar na capa da revista? Como se gere a contradição entre imagens decorpo globalizadas e a imagem da mulher portuguesa? A partir de quando é que apreocupação da magreza e do corpo estilizado se cravou nas nossas próprias preocu-pações e a partir de quando o saudável passou a confundir-se com o belo e conse-quentemente com parâmetros de valoração sexual? De que forma as mensagenstransmitidas na revista denotam um filtro selectivo e a interpretação de aspectos domundo em Portugal? Teremos nós, portugueses, dado algum contributo para esse«verdadeiro tesouro mitológico» que a revista Elle representa (Barthes, 1957: 119)12,ou adoptámos sem questionar o que nos venderam como se há muito fosse nosso?De que forma as respostas a estas inúmeras questões evoluíram desde 1988?

Todas estas interrogações levam-nos a reflectir no modo como esta revista interna-cional, que é publicada a um nível mundial13, se adapta (ou não) às diferentes neces-

11. Ao longo do estudo tornou-se, em alguns dos casos, fundamental fazer não só uma análise das capas e das chamadas de capa oucoverlines, mas também dos índices, extraordinariamente reveladores da sucessiva adaptação da revista em português ao esqueletointernacional da publicação. A respeito da terminologia técnica usada na descrição dos conteúdos de capa, confrontar com página215 do estudo de JOHNSON, Sammye, PRIJATEL, Patricia. (1999). The Magazine from Cover to Cover: Inside a Dynamic Industry.Chicago: NTC. 12. BARTHES, Roland. (1957). Mitologias. Lisboa, 1997: Edições 70. 13. Como veremos mais adiante, a Elle é a mais recente das revistas internacionais, possuindo a maior circulação mundial fora dosEUA.

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 21

Page 9: O Papel Principal

22

sidades e expectativas dos leitores «indígenas», o que muda e que valores se mantêmconstantes.

Finalmente, a ideia para este estudo surge também da nossa experiência pessoal.Assumidamente leitora da Elle, quisemos saber onde «estão» realmente estas revistasjá que o nosso pré-conceito dizia-nos que elas se encontram num ponto de inter-secção entre o discurso mediático e o emancipatório.

Estruturámos esta pesquisa em três partes e cinco capítulos que correspondem, nofundo, ao modo como arrumámos mentalmente todas as facetas que julgámosimprescindíveis na compreensão do objecto de estudo.

Falar da imagem da mulher e da sua representação nas revistas femininas é, de facto,entrar num tema tão apaixonante quanto complexo. Exige-nos um olhar transversalàs mulheres e revistas femininas, abrangendo os temas da moda, do corpo e da cor-poreidade, da fotografia, da publicidade e até do prazer (dado interessar-nos igual-mente a representação da mulher como audiência14). A «transdisciplinaridade» dabibliografia revelou-se condição indispensável, mas podemos afiançar que um doslivros que guiaram a nossa pesquisa de forma mais estruturadora, especialmente aonível da análise empírica, foi a obra Reading Women’s Magazines de Joke Hermes15,pela relevância dada ao quotidiano da leitora e ao lugar da revista feminina nessequotidiano.

Na primeira parte, tentamos compreender como é feita a representação da mulherna imprensa de género ou, mais especificamente, nas revistas femininas. Fazêmo-loem dois momentos: primeiro, há que clarificar a relação entre este género de impren-sa e a mulher. Apesar de o nosso trabalho ter sido feito na perspectiva de uma cul-tura existente e não numa perspectiva feminista, não podemos deixar de focar o quefoi academicamente produzido sobre este género, mesmo porque até determinadaaltura, as críticas formuladas pela Academia, nomeadamente pelas correntes femi-nistas, coincidiram com as expressas pelas leitoras comuns. Como referiu Aronson16

(2000: 111), a maior parte da crítica às intenções e efeitos deste género proveio daspróprias mulheres-leitoras. Seguidamente, abordamos as componentes que gravitamem torno do actor principal deste tipo de imprensa - para tal, como para tudo, pre-cisamos do corpo. Do corpo feminino representado e das suas implicações numarevista de género – a corporeidade que é a materialidade de base do corpo, a moda,o vestir, a feminilidade, o género, a sexualidade e a identidade femininas.

Para facilitar a operacionalização de conceitos que são absolutamente relevantes parao estudo dos media na questão da representação, resolvemos tripartir o de género:numa primeira fase, para entendermos a importância deste género de imprensa

14. Já Roland Barthes havia referido a importância do «prazer» na leitura, dado este permitir uma certa exploração do indivíduohumano. O prazer está ligado a uma consistência do eu, manifesta em valores de conforto e bem-estar (1981: 203). 15. HERMES, Joke. (1995). Reading Women’s Magazines. Cambridge: Polity Press.16. ARONSON, Amy. (2000). «Reading Women’s Magazines». in Media History. Taylor & Francis Ltd. Vol. 6(2): pp 111-3.

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 22

Page 10: O Papel Principal

(feminina) no segmento Imprensa, numa segunda fase, para compreendermos a suarelação com a moda e, finalmente, para esclarecermos a sua relação com o sexo, semesquecer que é o recurso mais usado na publicidade.

Como não acreditamos em relações unívocas, não nos interessa entender apenas aforma como as mulheres surgem representadas, mas também como é que fazem sen-tido daquilo que lêem. Assim, na segunda parte e porque é de leitoras comuns quetratamos, trabalhamos a «desconstrução» da revista feminina: desde as razões para asua aparente fácil adaptabilidade e aceitação além-fronteiras, passando pela caracter-ização das revistas femininas segundo a tipologia proposta por Joke Hermes, pela suaimportância no quotidiano feminino, até à teorização de como é feita a atribuiçãode sentido a estas publicações - a única forma correcta de o fazer é levar o uso quo-tidiano dos media a sério, inclusive os pequenos e pouco significativos prazeres a quedá acesso e a significação desse uso quotidiano deve ser encontrada essencialmentenas rotinas que sustenta.

A terceira parte é constituída pela análise empírica das capas e chamadas de capa darevista Elle em português. Utilizámos dois tipos de metodologias para trabalhar ocorpus empiricus. A primeira é usada para definir o que a revista «oferece». Assim,para as cento e oitenta e nove capas que correspondem ao corpo de análise, foi cria-da uma base de dados em Excel, com todas as chamadas de capa constantes da pub-licação, de modo a obtermos temas, destaques, tendências, frequências e circulari-dades manifestos num seguimento cronológico.

Foram ainda criadas mais quatro bases de dados em Excel que nos proporcionaramo que era oferecido a nível da imagem de capa: as médias no total de páginas pormês, os índices de utilização de manequins morenas, louras e ruivas nas capas, osnomes e nacionalidades das figuras de capa e os nomes e nacionalidades dos fotó-grafos de capa.

Utilizámos posteriormente o programa SPSS (Statiscal Package for the Social Sciences)para analisar as chamadas de capa, visto interessar-nos fundamentalmente a evoluçãoda revista em termos da frequência temática e os cruzamentos havidos entre essestemas. Criámos trinta e oito variáveis, integradoras de categorias específicas opera-cionalizadas em função de dezassete grandes áreas que as chamadas de capa nos ofer-ecem, a saber: Moda (que subdividimos em roupa, acessórios, cosmética, perfumes,maquilhagem e tendências), Relações Sociais ou de Sociabilidade, Cultura, Beleza,Saúde, Gordura, Sexo, Entrevistas [subdivididas em nacionalidade, sexo e área detrabalho do(a) entrevistado(a)], Destaque, Personalidade, Horóscopo e Esoterismo,Ofertas e Consumo, Testes, Inquéritos e Sondagens, Viagens, Reportagem e Dossier.

Inspirada pelo trabalho de Hermes, quisemos também saber o que tinham algumasmulheres portuguesas a dizer da revista em causa, pelo que fizemos dez entrevistasconversacionais a mulheres baseadas numa guião aberto e flexível, colocadas nos li-

23

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 23

Page 11: O Papel Principal

mites etários que o Bareme Imprensa sugeriu como os mais incidentes para esta pub-licação.

É, obviamente, a procura de respostas que motiva a presente investigação. Não seambicionam respostas definitivas ou estanques porque tal não existe. Tentamos sim,identificar uma série de possibilidades que, no seu conjunto, poderão contribuir paraa compreensão da complexa teia de relações e interesses que desembocam no quo-tidiano feminino, abrindo um pouco mais a porta para esse fascinante campo deinvestigação.

24

elle_revisto_setembro.qxp 16-10-2008 15:06 Page 24