O Património da água e as Embarcações Tradicionais do Noroeste de Portugal

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O Património da água e as O Património da água e as Embarcações Tradicionais do Embarcações Tradicionais do Noroeste de Portugal Noroeste de Portugal Ivone Baptista de Magalhães Ivone Baptista de Magalhães João Paulo Baptista João Paulo Baptista ( Associação Barcos do Norte Associação Barcos do Norte) Feira Náutica de Barcelona/Marina Tradicional Feira Náutica de Barcelona/Marina Tradicional Novembro Novembro 2007 2007

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O Património da água e as Embarcações Tradicionais do Noroeste de Portugal. Ivone Baptista de Magalhães João Paulo Baptista ( Associação Barcos do Norte ) Feira Náutica de Barcelona/Marina Tradicional Novembro 2007. Em busca de um legado. - PowerPoint PPT Presentation

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O Património da água e as O Património da água e as Embarcações Tradicionais do Embarcações Tradicionais do

Noroeste de PortugalNoroeste de Portugal

Ivone Baptista de MagalhãesIvone Baptista de MagalhãesJoão Paulo BaptistaJoão Paulo Baptista

((Associação Barcos do NorteAssociação Barcos do Norte))

Feira Náutica de Barcelona/Marina TradicionalFeira Náutica de Barcelona/Marina Tradicional Novembro Novembro

20072007

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Em busca de um Em busca de um legadolegado

A BARCOS DO NORTE – Associação para o estudo, a defesa, e a conservação do Património A BARCOS DO NORTE – Associação para o estudo, a defesa, e a conservação do Património Marítimo do Norte de Portugal, foi fundada em Viana do Castelo em Agosto de 2001.Marítimo do Norte de Portugal, foi fundada em Viana do Castelo em Agosto de 2001.

Percorrendo o litoral, de Caminha a Vila Real de Santo António, a ancestral cultura Percorrendo o litoral, de Caminha a Vila Real de Santo António, a ancestral cultura marítima parece diluir-se e desaparecer no ritmo voraz do nosso quotidiano.marítima parece diluir-se e desaparecer no ritmo voraz do nosso quotidiano.O cosmopolitismo actual ameaça as formas tradicionais de propagação de conhecimentos O cosmopolitismo actual ameaça as formas tradicionais de propagação de conhecimentos e saberes, interrompida a transmissão oral e a experimentação, substituídos os velhos e saberes, interrompida a transmissão oral e a experimentação, substituídos os velhos bancos da escola e as oficinas dos aprendizes. bancos da escola e as oficinas dos aprendizes.

Consciente da necessidade de investigar e recuperar a informação, enquanto perdura na Consciente da necessidade de investigar e recuperar a informação, enquanto perdura na memória dos protagonistas, a BARCOS DO NORTEmemória dos protagonistas, a BARCOS DO NORTE assumiu a responsabilidade de estudar o assumiu a responsabilidade de estudar o legado das comunidades ribeirinhas do norte de Portugal, compreendidas entre os rios legado das comunidades ribeirinhas do norte de Portugal, compreendidas entre os rios Minho e Douro.Minho e Douro.

Mas estudar não basta para preservar a memória dessas comunidades, pois têm um Mas estudar não basta para preservar a memória dessas comunidades, pois têm um legado vivo que é preciso sobretudo divulgar para preservar.legado vivo que é preciso sobretudo divulgar para preservar.Esta a razão para nos encontrarmos aqui em Barcelona reunidos a propósito da Feira Esta a razão para nos encontrarmos aqui em Barcelona reunidos a propósito da Feira Náutica de Barcelona/Marina Tradicional.Náutica de Barcelona/Marina Tradicional.

Estaleiro de Esposende Marina de Recreio, Esposende

Cais Velho, Darque (Viana do Castelo) Vila do Conde (1º Encontro de

Embarcações, 2003)

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O litoral norte português foi modelado desde a Pré-história pelos O litoral norte português foi modelado desde a Pré-história pelos recolectores e pastores de rebanhos, pelos caçadores de gados silvestres, recolectores e pastores de rebanhos, pelos caçadores de gados silvestres, pelos homens e mulheres que apanharam frutos, lenhas e matos, pelos pelos homens e mulheres que apanharam frutos, lenhas e matos, pelos lavradores que organizaram o território em pequenas parcelas muradas de lavradores que organizaram o território em pequenas parcelas muradas de pedra, criando o cadastro agrícola, antigo de mais de 20 séculos. Os pedra, criando o cadastro agrícola, antigo de mais de 20 séculos. Os mesmos homens que construíram barcos e portos de abrigo no interior dos mesmos homens que construíram barcos e portos de abrigo no interior dos grandes rios e que levantaram salinas nas praias e na foz desses rios. grandes rios e que levantaram salinas nas praias e na foz desses rios. Foram os construtores da nossa paisagem, rural e marítima. Foram os construtores da nossa paisagem, rural e marítima.

Por isso o mar e os rios são mais do que uma reserva de peixe ou uma via Por isso o mar e os rios são mais do que uma reserva de peixe ou uma via de comunicação. Representam uma história milenar sobre o primeiro tronco de comunicação. Representam uma história milenar sobre o primeiro tronco flutuante, que permitiu ultrapassar com êxito a barreira da água e flutuante, que permitiu ultrapassar com êxito a barreira da água e transportar para a outra margem, e em segurança, os bens preciosos do transportar para a outra margem, e em segurança, os bens preciosos do Homem do passado: a sua família. Homem do passado: a sua família.

O O princípio do tronco flutuanteprincípio do tronco flutuante é a primeira é a primeira canoacanoa. Para transportar, depois . Para transportar, depois pescar e logo conservar, o Homem precisou de melhorar a canoa e pescar e logo conservar, o Homem precisou de melhorar a canoa e transformá-la num transformá-la num barcobarco..O curso natural levou a construir mais barcos e um porto de abrigo para O curso natural levou a construir mais barcos e um porto de abrigo para protegê-los. Assentou arraiais num lugar especial, protegido no estuário de protegê-los. Assentou arraiais num lugar especial, protegido no estuário de um rio. Dedicou-se á pesca, à conservação do peixe e à sua venda. Depois um rio. Dedicou-se á pesca, à conservação do peixe e à sua venda. Depois ao transporte e à compra e venda de mercadorias. Teve que inventar ao transporte e à compra e venda de mercadorias. Teve que inventar melhores barcos, para a pesca, para o transporte, para a defesa e para a melhores barcos, para a pesca, para o transporte, para a defesa e para a guerra. Construiu edifícios adequados para cada uma destas actividades.guerra. Construiu edifícios adequados para cada uma destas actividades.

Depois organizou confrarias e irmandades e teceu a arquitectura do lugar, Depois organizou confrarias e irmandades e teceu a arquitectura do lugar, religiosa, civil e militar. Surgiram as cidades portuárias e as suas religiosa, civil e militar. Surgiram as cidades portuárias e as suas comunidades ribeirinhas. Este é o legado do comunidades ribeirinhas. Este é o legado do princípio do tronco flutuanteprincípio do tronco flutuante, o , o primeiro “barco”.primeiro “barco”.

O princípio do tronco flutuante

CanoaLugar da

Passagem, Rio Lima, Viana do

CasteloIII Milénio a.C.

Centro Nacional de Arqueologia

Náutica e Subaquática,

2003

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Património da águaPatrimónio da água e e Embarcações Embarcações TradicionaisTradicionais

Falar deFalar de “ “O O património da águapatrimónio da água e as e as Embarcações Tradicionais Embarcações Tradicionais do Noroeste de Portugal”do Noroeste de Portugal”, , é é colocar em ordem alguns conceitos fundamentais:colocar em ordem alguns conceitos fundamentais:

PatrimónioPatrimónioPatrimónio da ÁguaPatrimónio da ÁguaPatrimónio MarítimoPatrimónio MarítimoPatrimónio Fluvial Património Fluvial Património SubaquáticoPatrimónio SubaquáticoPatrimónio NáuticoPatrimónio NáuticoPaisagem MarítimaPaisagem MarítimaPaisagem FluvialPaisagem FluvialArquitectura dos lugares ribeirinhosArquitectura dos lugares ribeirinhosInventárioInventárioBarcoBarcoEmbarcaçãoEmbarcaçãoSobrevivênciaSobrevivênciaExtinçãoExtinção

Não temos a pretensão de os explicar, mas sim de criar uma base de linguagem comum, uma Não temos a pretensão de os explicar, mas sim de criar uma base de linguagem comum, uma ponteponte para o para o legado da cultura marítima e fluvial do norte de Portugal: o património da água.legado da cultura marítima e fluvial do norte de Portugal: o património da água.

Barca de passagem, Barca do Lago, Esposende, 1940

Barca pequena de passagem, Valbom, Rio Douro, 1940

Barca de Passagem, Valbom, Rio Douro, 1904

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Património

“O Património é constituído por todos os bens materiais e imateriais que, pelo seu reconhecido valor próprio, devam ser considerados como de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura portuguesa através do tempo”

(Diário da República, Decreto-lei nº 13/1985 de 6 de Julho)

“Integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização”.

(Diário da República, Decreto-lei nº 107/2001 de 8 de Setembro)

Rio Minho Rio Cávado Rio NeivaPraia atlântica. S. Bartolomeu

do Mar (Esposende)

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PatrimóniosPatrimónios

Até há bem pouco tempo, as gerações eram míopes em relação à cultura sua contemporânea e à das gerações próximas. Tal como os míopes não conseguiam ver o que lhes estava mais próximo. Valorizavam apenas o muito antigo e o muito raro.Só em 1990 a língua Portuguesa foi enquadrada na lei de bases do património. Não espanta que também não entendessem a cultura das comunidades ribeirinhas e das suas embarcações como um património. Isto é uma conquista recente da nossa sociedade.

Em 2007 temos uma noção alargada a diferentes patrimónios relacionados com a cultura das comunidades ribeirinhas e das suas embarcações :

Património da ÁguaPatrimónio da ÁguaPatrimónio MarítimoPatrimónio MarítimoPatrimónio Fluvial Património Fluvial Património SubaquáticoPatrimónio SubaquáticoPatrimónio NáuticoPatrimónio Náutico

Esposende, 1973 A-ver-o-Mar, 1987 Apúlia, 2001 Lanhelas, 1º Encontro de Embarcações, 2001

Mar de Apúlia, 2002 Caminha, 1913 Mindelo, 1930Cavalos de Fão, 2004

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Paisagem Ribeirinha: marítima ou fluvialPaisagem Ribeirinha: marítima ou fluvial

Actualmente o património e a paisagem são dois elementos importantes e indissociáveis Actualmente o património e a paisagem são dois elementos importantes e indissociáveis das embarcações.das embarcações.

Oceano, rios e lagos tornaram-se na Pré-história Oceano, rios e lagos tornaram-se na Pré-história caminhos de águacaminhos de água, numa rede operada , numa rede operada pelas embarcações, distribuidora de produtos, pessoas e bens, que permitiu fundar a pelas embarcações, distribuidora de produtos, pessoas e bens, que permitiu fundar a velha Europavelha Europa, modelo civilizacional que perdurou até hoje. , modelo civilizacional que perdurou até hoje.

Com as suas diferentes tipologias, as embarcações pertencem a uma paisagem Com as suas diferentes tipologias, as embarcações pertencem a uma paisagem exclusiva, e são o resultado das produções de uma comunidade humana que lhes deu exclusiva, e são o resultado das produções de uma comunidade humana que lhes deu expressão e representação. Pertencem à Arquitectura dos lugares ribeirinhos, Marítima expressão e representação. Pertencem à Arquitectura dos lugares ribeirinhos, Marítima ou Fluvial, que é identitária e única.ou Fluvial, que é identitária e única.

As embarcações foram o motor da civilização que conhecemos e a que pertencemos. As embarcações foram o motor da civilização que conhecemos e a que pertencemos. Este é o legado dos nossosEste é o legado dos nossos barcos barcos. .

Esposende, 1987 Esposende, 1995 Vila do Conde, 1940

Vila do Conde, 1904

Afurada, 1980 Afurada, 1970 Foz do Douro, 2000 Foz do Douro, 1779

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IdentidadIdentidadee

Temos hoje consciência de que até à geração dos nossos avós (50 anos atrás) as embarcações Temos hoje consciência de que até à geração dos nossos avós (50 anos atrás) as embarcações que hoje dizemos “tradicionais”, eram simplesmente os que hoje dizemos “tradicionais”, eram simplesmente os barcos de trabalhobarcos de trabalho dos homens de dos homens de então. então.

Trabalho de pesca, de transporte, de guerra, de pirata, de corsário, de vigilância, de Trabalho de pesca, de transporte, de guerra, de pirata, de corsário, de vigilância, de salvamento, de carreira regular entre margens ou carreira entre países ribeirinhos, de salvamento, de carreira regular entre margens ou carreira entre países ribeirinhos, de lazer, de desporto...lazer, de desporto...

Em Portugal investigadores e cientistas (arqueólogos navais, arqueólogos subaquáticos, Em Portugal investigadores e cientistas (arqueólogos navais, arqueólogos subaquáticos, antropólogos, historiadores, engenheiros navais e arquitectos navais) estão nos últimos 20 antropólogos, historiadores, engenheiros navais e arquitectos navais) estão nos últimos 20 anos, apostados em conhecer o universo destes anos, apostados em conhecer o universo destes barcosbarcos..

Porquê? –simplesmente porque se provou, que entre todas as Porquê? –simplesmente porque se provou, que entre todas as peças peças do património local, do património local, quando em presença de comunidades ribeirinhas, são os quando em presença de comunidades ribeirinhas, são os barcosbarcos que dão a diferença entre que dão a diferença entre cada uma das comunidades humanas, logo são eles que identificam a cada uma das comunidades humanas, logo são eles que identificam a comunidadecomunidade. .

Hoje, em que se caminha em direcção de uma única Europa e para um futuro global, encontrar Hoje, em que se caminha em direcção de uma única Europa e para um futuro global, encontrar as diferenças entre as diferenças entre o um e o outroo um e o outro , é garantir a primeira de todas as liberdades , é garantir a primeira de todas as liberdades fundamentais que a Humanidade conquistou: o direito a ser diferente, logo a ter fundamentais que a Humanidade conquistou: o direito a ser diferente, logo a ter identidade.identidade.

A-Ver-o Mar, 1987 A-Ver-o-Mar, 1987 Cais Velho, Darque, Viana do Castelo,

2003

Vila do Conde, 2003

Esposende, 1997

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BarcoBarcoO conceito de O conceito de barco,barco, entendido como meio de comunicação e de transporte, não é completo entendido como meio de comunicação e de transporte, não é completo se não for entendido também como o meio de pesca e de sustento. se não for entendido também como o meio de pesca e de sustento.

A verdade é que a utilização mais antiga para o barco é a sua capacidade de trabalho e não a A verdade é que a utilização mais antiga para o barco é a sua capacidade de trabalho e não a de recreio: lá diz o ditado popular “de recreio: lá diz o ditado popular “Quem ao mar vai por lazer, ou é burro ou quer morrerQuem ao mar vai por lazer, ou é burro ou quer morrer”. ”. Assim se a embarcação não “trabalha” acaba também por entrar em declínio e desaparecer, Assim se a embarcação não “trabalha” acaba também por entrar em declínio e desaparecer, por mais que se contrarie a tendência. por mais que se contrarie a tendência.

Sobreviveram até aos nossos dias algumas embarcações de pesca fluvial, por serem Sobreviveram até aos nossos dias algumas embarcações de pesca fluvial, por serem embarcações pequenas e de fácil manutenção. Objectos de interesse cultural, só algumas embarcações pequenas e de fácil manutenção. Objectos de interesse cultural, só algumas (poucas) foram salvas, em situação extrema, por Associações culturais e Clubes Náuticos que (poucas) foram salvas, em situação extrema, por Associações culturais e Clubes Náuticos que agora se desdobram a tentar encontrar maneira de as colocar na água novamente… mas já agora se desdobram a tentar encontrar maneira de as colocar na água novamente… mas já não “trabalham”, não transportam nem pescam. Com isto perdem-se os gestos, as palavras e não “trabalham”, não transportam nem pescam. Com isto perdem-se os gestos, as palavras e

os conceitos associados a cada arte náutica onde o barco é tão só a peça mais visível.os conceitos associados a cada arte náutica onde o barco é tão só a peça mais visível.

Lancha Poveira

Catraia de Esposende Catraia fanequeira

Masseira de Montedor Canote de Fão

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Caminha Afurada (Vila Nova de Gaia)

Embarcação Embarcação TradicionalTradicionalOs investigadores usam várias fontes de informação para os seus estudos: Os investigadores usam várias fontes de informação para os seus estudos: -entrevistam pessoas, consultam os Arquivos históricos, comparam Fotografias antigas, -entrevistam pessoas, consultam os Arquivos históricos, comparam Fotografias antigas, interpretam a iconografia (pintura, desenhos, modelos à escala…), analisam a bibliografia interpretam a iconografia (pintura, desenhos, modelos à escala…), analisam a bibliografia e estudam os ex-votos religiosos. Mas a melhor informação continua a ser a do próprio e estudam os ex-votos religiosos. Mas a melhor informação continua a ser a do próprio barco original. barco original.

O barco é o símbolo individual de cada comunidade ribeirinha. Resulta do apurar de milénios de conhecimentos artesanais, saberes do Saber-saber, do Saber-fazer e do Saber-ser: modos e usos do dia-a-dia de outrora, saberes náuticos e ribeirinhos.

Por isso o barco deve ser entendido individualmente, pois cada um é único, um verdadeiro contentor de informação histórica, considerando-se a sua espessura no tempo, desde a Pré-história até aos nossos dias.

Neste contexto, entende-se por Neste contexto, entende-se por Embarcação TradicionalEmbarcação Tradicional, por oposição a todos os outros , por oposição a todos os outros barcos modernos e tecnologicamente diferentes, as embarcações que são construídas em barcos modernos e tecnologicamente diferentes, as embarcações que são construídas em madeira por tecnologias artesanais que remontam ao passado longínquo, movidas a remo, madeira por tecnologias artesanais que remontam ao passado longínquo, movidas a remo, à vela ou à vara, correspondendo a universos piscatórios ou agro-piscatórios, de à vela ou à vara, correspondendo a universos piscatórios ou agro-piscatórios, de características marítimas ou fluviais. características marítimas ou fluviais.

Cais Velho, Darque, Viana do Castelo

Azenhas do Prior, sítio dos antigos estaleiros, Viana do castelo

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AbandonoAbandonoHá poucos anos, os barcos, grandes ou pequenos, eram abandonados findo o seu uso, nas praias, Há poucos anos, os barcos, grandes ou pequenos, eram abandonados findo o seu uso, nas praias, margens de rios ou portos, nos locais onde se construíam ou reparavam: os estaleiros navais.margens de rios ou portos, nos locais onde se construíam ou reparavam: os estaleiros navais. Todos os estaleiros tinham por isso a sua Todos os estaleiros tinham por isso a sua lixeiralixeira de carcaças de navios, a sua de carcaças de navios, a sua sucatasucata, onde se iam , onde se iam reciclando ferragens e madeiras, que se retiravam sempre que tinham serventia até só restar a carcaça reciclando ferragens e madeiras, que se retiravam sempre que tinham serventia até só restar a carcaça desmantelada, que se não servisse para melhor, sempre dava para alimentar as fogueiras de S. João ou desmantelada, que se não servisse para melhor, sempre dava para alimentar as fogueiras de S. João ou de S. Pedro, os santos masculinos que os pescadores portugueses mais festejam.de S. Pedro, os santos masculinos que os pescadores portugueses mais festejam. Afinal estas lixeiras eram o cemitério das embarcações... Mas este abandono não traz agora a Afinal estas lixeiras eram o cemitério das embarcações... Mas este abandono não traz agora a substituição com inovação tecnológica. Traz a substituição com inovação tecnológica. Traz a morte morte dos barcos e das comunidades ribeirinhas a eles dos barcos e das comunidades ribeirinhas a eles associados.associados.Com o progresso e o novo ordenamento do território e das frentes ribeirinhas, a par da falência Com o progresso e o novo ordenamento do território e das frentes ribeirinhas, a par da falência desastrosa do sector das pescas e de boleia neste, do da construção e reparação naval, os velhos desastrosa do sector das pescas e de boleia neste, do da construção e reparação naval, os velhos lugares destes cemitérios, considerados, sujos e perigosos, deram lugar à especulação imobiliária e a lugares destes cemitérios, considerados, sujos e perigosos, deram lugar à especulação imobiliária e a empreendimentos habitacionais ou turísticos, ou ainda à “renaturalização” da margem, agora semeada empreendimentos habitacionais ou turísticos, ou ainda à “renaturalização” da margem, agora semeada de relva.de relva.

A par dos barcos perdem-se a memória desses lugares ribeirinhos, abandonados em nome do A par dos barcos perdem-se a memória desses lugares ribeirinhos, abandonados em nome do cosmopolitismo. cosmopolitismo.

Rio Cávado, 1993 A-ver-o-Mar, 1987Aguçadoura,

2000Apúlia, 2007 Esposende, 2007

Apúlia, c.1916 Fão, c. 1918Caxinas,

1950

S. Bartolomeu do Mar, 1983Cedovém, 2007

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ExtinçãoExtinção

O cosmopolitismo actual, com a sua voraz modernidade tecnológica, condenou as embarcações tradicionais, movidas à vela, a remo ou à vara, ao absoletismo técnico e assim ao seu desuso. Com o desuso continuado virá a extinção.

Poucas pessoas, individualmente ou institucionalmente, perceberam até algum tempo atrás o drama desta extinção. Não é a apenas o Não é a apenas o barcobarco que se perde. É tudo o que está que se perde. É tudo o que está com elecom ele, , dentro dentro deledele, , antes e depois deleantes e depois dele. .

““Quando um barco morre há muita gente que páraQuando um barco morre há muita gente que pára” ”

(João Paulo Baptista, fundador da Associação Barcos do Norte)(João Paulo Baptista, fundador da Associação Barcos do Norte)

Num barco, as diferenças são muitas entre estar como Num barco, as diferenças são muitas entre estar como tripulantetripulante ou como ou como passageiropassageiro. Ao primeiro . Ao primeiro exige-se conhecimento técnico e experiência pessoal, ao segundo apenas a vontade de lá estar. E exige-se conhecimento técnico e experiência pessoal, ao segundo apenas a vontade de lá estar. E é aqui que reside o maior problema para a é aqui que reside o maior problema para a extinçãoextinção. Quando um barco pára, poucos se dão conta, . Quando um barco pára, poucos se dão conta, mas o tripulante, esse, sofre as consequências da perda do mas o tripulante, esse, sofre as consequências da perda do seu barcoseu barco. Aqui a mudança não dá . Aqui a mudança não dá lugar a novas formas de continuidade. Quando um barco “tradicional” pára não é para ser lugar a novas formas de continuidade. Quando um barco “tradicional” pára não é para ser substituído, é para substituído, é para morrermorrer. Por isso o tripulante também pára. Quase sempre também . Por isso o tripulante também pára. Quase sempre também definitivamente. Afinal, perdemos com este definitivamente. Afinal, perdemos com este pararparar os últimos 2500 anos de informação histórica, os últimos 2500 anos de informação histórica, tecnológica, empírica e cultural. tecnológica, empírica e cultural.

Estaleiro Naval, Vila do Conde, 1940

Estaleiro Naval, Esposende, 1960

Estaleiro Naval, Vila do Conde, 1980

Estaleiro Naval Esposende, 1993

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InventárioInventário

Universidades, Associações e Investigadores apostados Universidades, Associações e Investigadores apostados em conhecer o universo destes em conhecer o universo destes barcosbarcos criaram normas criaram normas para o seu estudo: para o seu estudo: levantamentolevantamento, , tipologia, inventáriotipologia, inventário. .

Buscam o legado material da cultura dos Buscam o legado material da cultura dos barcosbarcos, , marítima ou fluvial, piscatória ou agro-piscatória. marítima ou fluvial, piscatória ou agro-piscatória.

Barcos de rio, de fundo chato e barcos de mar, de Barcos de rio, de fundo chato e barcos de mar, de quilha e cadaste. Barcos simétricos, de proa e popa quilha e cadaste. Barcos simétricos, de proa e popa levantados em rodas, ou barcos cortados, de proa e levantados em rodas, ou barcos cortados, de proa e popa em painel, como as masseiras de amassar o pão popa em painel, como as masseiras de amassar o pão de milho. Barcos de casco forrado a tábuas a topo ou a de milho. Barcos de casco forrado a tábuas a topo ou a tábuas trincadas umas sobre as outras. Barcos só à tábuas trincadas umas sobre as outras. Barcos só à vara ou só a remo nos rios. Barcos de velas bastardas vara ou só a remo nos rios. Barcos de velas bastardas ou de velas latinas, nos rio se no mar. ou de velas latinas, nos rio se no mar. Barcos que no passado recente trabalharam nas fainas Barcos que no passado recente trabalharam nas fainas do pilado e do sargaço e nas safras da sardinha. Que do pilado e do sargaço e nas safras da sardinha. Que ora mataram a fome nos ora mataram a fome nos acejosacejos da Primavera, ora a da Primavera, ora a vida, nos naufrágios de Inverno.vida, nos naufrágios de Inverno.

Para além das tipologias das diferenças, o que resumia Para além das tipologias das diferenças, o que resumia um barco, era ser uma extensão da própria um barco, era ser uma extensão da própria famíliafamília. . Frequentemente passava de pai para filho e Frequentemente passava de pai para filho e sucessivamente, de geração em geração. Madeiras sucessivamente, de geração em geração. Madeiras novas, velas novas, peças novas, reconstrução em novas, velas novas, peças novas, reconstrução em cima de reconstrução. Mas sempre o mesmo nome, o cima de reconstrução. Mas sempre o mesmo nome, o mesmo modelo naval com os mesmos defeitos e mesmo modelo naval com os mesmos defeitos e qualidades. Um barco só qualidades. Um barco só morria morria verdadeiramente verdadeiramente quando naufragava. Esta era a morte do barco. E só quando naufragava. Esta era a morte do barco. E só morre o que tem morre o que tem vidavida. Nas comunidades ribeirinhas, o . Nas comunidades ribeirinhas, o barco e as pessoas, são barco e as pessoas, são entidadesentidades, com vida depois da , com vida depois da vida. vida.

Mapa das embarcações tradicionais sobreviventes no NW de Portugal, entre o Minho e o Ave: conhecem-se 13 tipologias de embarcações tradicionais sendo que 4 são de réplicas (a Lancha Poveira, a catraia de Esposende, a Masseira de Montedor e o Carocho de Lanhelas).

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SobrevivênciaSobrevivência

Aquilo que nos escapa frequentemente é que os barcos não existem sem as comunidades humanas que lhes deram origem e identidade, e que essa relação é recíproca. Esse é o elemento da sobrevivência.

Esposende, 1950 Esposende, 1940

Cedovém, 1992

Esposende, 1960

Caxinas, 1930 Caxinas, 1970 Caxinas, 2007

Barcelos, c. 1950Lanhelas, 1998

Vila Praia de Ancora, 1998

Moledo, c.1904

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ConclusãoConclusão

“O Poveiro”, Livro de Santos Graça, desenho dos aprestos do Poveiro, 1945.

“Os Barcos Também se abatem”, Painel decorativo feito com restos de embarcações , associação ADRIP, Cacela Velha, Tavira, 1986.

Encontro de embarcações Tradicionais, Bouzas, Vigo, Galiza, 2005

A cultura marítima, afinal a A cultura marítima, afinal a nossa cultura,nossa cultura, Atlântica, que remonta à Pré-história e tem a Atlântica, que remonta à Pré-história e tem a espessura de milhares de anos de apuramento de técnicas, de usos e costumes, de espessura de milhares de anos de apuramento de técnicas, de usos e costumes, de modos de agir, de pensar e de sentir, é uma cultura carregada de ancestralismos, modos de agir, de pensar e de sentir, é uma cultura carregada de ancestralismos, feitos de crenças e simbolismos, imaginário, ritual e fervor. Ancestralismos que fazem feitos de crenças e simbolismos, imaginário, ritual e fervor. Ancestralismos que fazem com que nunca se acredite que a Vida se esgota no vazio da Morte. com que nunca se acredite que a Vida se esgota no vazio da Morte.

Tal como os velhos pescadores das comunidades sardinheiras, as mais sofridas com a Tal como os velhos pescadores das comunidades sardinheiras, as mais sofridas com a morte à vistamorte à vista, na barra ou na beirada da praia, sempre com aquela Fé, sem ciência, , na barra ou na beirada da praia, sempre com aquela Fé, sem ciência, que os faz acreditar ingenuamente que os seus mortos só morrem, verdadeiramente, que os faz acreditar ingenuamente que os seus mortos só morrem, verdadeiramente, quando os esquecem. quando os esquecem. Esta Feira Náutica – Marina Tradicional é prova de que os nossos barcos tradicionais só Esta Feira Náutica – Marina Tradicional é prova de que os nossos barcos tradicionais só morrerão morrerão verdadeiramente quando os esquecermos. As fotografias que o público verdadeiramente quando os esquecermos. As fotografias que o público anónimo faz dos anónimo faz dos nossos nossos barcos, as reportagens que saem nos jornais locais, os jovens barcos, as reportagens que saem nos jornais locais, os jovens que participam como tripulantes a bordo dos barcos tradicionais, os livros que se que participam como tripulantes a bordo dos barcos tradicionais, os livros que se escrevem, a Arte que se faz a propósito e estes Encontros de embarcações, são a escrevem, a Arte que se faz a propósito e estes Encontros de embarcações, são a materialização da sua materialização da sua sobrevivênciasobrevivência..

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DedicatóriaDedicatória““Só a memória enriquece e alimenta. Só a memória enriquece e alimenta.

Não há pedra que mais sangre nem asa que mais nos liberte. Não há pedra que mais sangre nem asa que mais nos liberte. Talvez por isso os Saberes da memória respirem um tempo e um espaço muito Talvez por isso os Saberes da memória respirem um tempo e um espaço muito

próprios.próprios.

A morte, que tudo transfigura, pratica as artes supremas da imprevisibilidade. E, A morte, que tudo transfigura, pratica as artes supremas da imprevisibilidade. E, nesta imprevidência se compraz, irremediavelmente, a nossa humana nesta imprevidência se compraz, irremediavelmente, a nossa humana

condição.condição.

Manuel LopesManuel Lopes““O Barco Poveiro”, Prefácio, 1995O Barco Poveiro”, Prefácio, 1995

Manuel Lopes, nasceu na Póvoa de Varzim em 1943 e morreu em 14 de Agosto de 2006 com 63 anos de idade. Manuel Lopes, nasceu na Póvoa de Varzim em 1943 e morreu em 14 de Agosto de 2006 com 63 anos de idade.

Autor de numerosos trabalhos sobre a cultura marítima do norte de Portugal e da Galiza. Da sua obra destaca-se em 1993 o Autor de numerosos trabalhos sobre a cultura marítima do norte de Portugal e da Galiza. Da sua obra destaca-se em 1993 o projecto de construção de uma réplica navegante da embarcação de pesca mais emblemática da cultura poveira e do Norte de projecto de construção de uma réplica navegante da embarcação de pesca mais emblemática da cultura poveira e do Norte de Portugal do século XIX, a “Lancha Poveira do Alto”, baptizada “Portugal do século XIX, a “Lancha Poveira do Alto”, baptizada “Fé em DeusFé em Deus” tal como a última lancha do alto.” tal como a última lancha do alto.

Manuel Lopes inspirou a construção de todas as réplicas navegantes que actualmente existem no território de trabalho da Manuel Lopes inspirou a construção de todas as réplicas navegantes que actualmente existem no território de trabalho da BARCOS DO NORTE.BARCOS DO NORTE.

Os nossos mortos só morrem verdadeiramente quando os esquecemos.Os nossos mortos só morrem verdadeiramente quando os esquecemos.