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O PÚBLICO NA ESTRUTURA DA OBRA METACAMPO
Milton Terumitsu Sogabe / Universidade Estadual Paulista Comitê de Poéticas Artísticas
O PÚBLICO NA ESTRUTURA DA OBRA METACAMPO Milton Terumitsu Sogabe / Universidade Estadual Paulista RESUMO
A inserção do público na obra de arte acontece no decorrer de toda a história da arte, atra-vés de diversos aspectos e graus. A partir de meados do século XX presenciamos uma mai-or evidência na criação e nas discussões sobre a participação do público na obra de arte, tal como os Hapennings (1959) de Allan Kaprow, o conceito de Obra Aberta (1962) de Humber-
to Eco e a teoria da Estética da Recepção de Hans Robert Jauss (1967). No contexto da arte interativa presenciamos um público com um maior grau de participação na obra, e com o artista pensando mais a presença do público em várias etapas do processo de criação da obra. Nossa proposta é analisar a presença do público na instalação interativa “Metacampo” (2010), do Grupo SCIArts, para que a partir da prática possamos verificar e refletir sobre a maneira como o público está presente em toda a estrutura da obra. PALAVRAS-CHAVE arte interativa; instalação interativa; interator; público. ABSTRACT
The inclusion of the public in the work of art occurs in the course of all history, through vari-ous ways and degrees. From the mid-twentieth century we witness a greater evidence in the creation and in discussions of audience participation in the work of art, as Allan Kaprow´s Hapennings (1959), the Humberto Eco´s concept of Open Work (1962), and the Hans Robert Jauss´s Theory of Aesthetic Reception (1967). In the context of interactive art we witness an audience with a greater degree of participation in the work, and the artist thinking more about the presence of the audience at various stages of the creation process of a work of art. The proposol of this article is to analyze the presence of the audience in the interactive installa-tion "Metacampo" (2010), from the Group SCIArts, so that from the practice we can verify and consider the way the audience is present through the all structure of the work. KEYWORDS
interactive art; interactive installation; interactors; audience
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Introdução
A inserção do público na obra de arte acontece no decorrer de toda a história da ar-
te, através de diversos aspectos e graus. A partir de meados do século XX presenci-
amos uma maior evidência na criação e nas discussões sobre a participação do pú-
blico na obra de arte, tal como os Hapennings (1959) de Allan Kaprow, o conceito de
Obra Aberta (1962) de Humberto Eco, a teoria da Estética da Recepção (1967) de
Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser. Esta característica acontece não só nas artes
visuais, mas na música e no teatro, como uma manifestação da visão de mundo dos
artistas no contexto de uma época.
No contexto da arte interativa presenciamos um público com um maior grau de parti-
cipação na obra, e com o artista precisando pensar mais a presença do público em
várias etapas do processo de criação da obra. Nossa proposta é analisar a presença
do público na instalação interativa “Metacampo”, do Grupo SCIArts1, para que a par-
tir da prática possamos verificar e refletir sobre a maneira como o público está pre-
sente em toda a estrutura da obra.
Apresentação da obra Metacampo
Metacampo” é uma instalação interativa do SCIArts-Equipe Interdisciplinar2, apre-
sentada pela primeira vez em 2010, no evento “emoção art.ficial - bienal internacio-
nal de arte e tecnologia”, realizada no Itaú Cultural, São Paulo, Brasil.
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SCIArts Metacampo, 2010
Instalação interativa
A obra baseia-se no pensamento sistêmico de que o homem é parte da natureza, e
suas atitudes influenciam os eventos naturais, em conjunto com outros fatores da
natureza adquirindo enorme responsabilidade. A tecnologia materializada pelo co-
nhecimento humano permite cada vez mais transformações no planeta, e no seu
ecossistema, fazendo surgir, segundo alguns cientistas, um novo período geológico
no final do século XXVIII, denominado de Antropoceno, termo cunhado pelos cientis-
tas Crutzen e Stoermer, que apontam para um período onde o ser humano apresen-
ta um alto poder de influência nos sistemas do planeta (CRUTZEN, 2000, 17).
O aspecto visual da obra lembra um campo de trigo sob a ação do vento. O vento é
gerado por um ventilador que se movimenta sobre a área das hastes, em um siste-
ma XY de trilhos, de acordo com as informações conjuntas que um programa com-
putacional recebe da movimentação do público na obra e da direção do vento no
espaço externo do prédio, possibilitando momentos de contemplação da movimen-
tação das hastes e percepção de suas atitudes.
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Esse sistema de funcionamento da obra não é fixo, pois embora a cada nova mon-
tagem o conceito pareça permanecer, ela passa por modificações de acordo com a
percepção que os autores vivenciam e/ou observam através do público. Esses deta-
lhes de modificações buscam sempre afetar a experiência estética do público. Nesse
sentido, como num processo sistêmico, o diálogo do artista com a vivência do públi-
co na obra, influencia a nova apresentação/produção da obra.
O movimento e as transformações das coisas são temas muito presentes no contex-
to do pensamento atual, permitindo que estes aspectos façam parte do próprio pro-
cesso de produção e existência da obra. Já não são apenas as diferenciadas leituras
de público ou época que modificam a obra, mas também a sua transformação física
a cada (re)apresentação, uma vez que a obra tem esta possibilidade física de trans-
formação. Nesta obra específica, Metacampo, ela não permanece exposta perma-
nentemente e tem de ser desmontada depois de cada apresentação, permitindo
transformações no seu sistema a cada nova montagem. Porém, mesmo quando é
apresentada por um longo período, as experimentações e necessidades de altera-
ções também estão presentes, como parte de uma visão de mundo em processo,
levando em consideração as experiências vivenciadas tanto pelo público, como pe-
los autores, com novas percepções e leituras em um processo que não é congelado.
A crítica do processo de Salles (2006) reflete bem esse processo criativo, apresen-
tando a obra como momento de um processo, e o artista sendo influenciado dentro
de uma rede.
Análise da presença do público na estrutura da obra
Para analisarmos como o público está presente na obra “Metacampo” utilizamos um
esquema de estrutura de uma instalação interativa (Sogabe, 2005), no qual pode-
mos pensar o público na relação com cada um dos elementos constituintes desse
sistema, que são o ambiente, a interface, o gerenciador digital, os dispositivos de
saída e o evento da obra, conforme figura abaixo.
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Milton Sogabe Esquema da estrutura de instalação interativa (2005) e o público presente na estrutura (2015)
O público e o ambiente
Por ambiente queremos dizer o espaço físico da instalação e a maneira como ele é
pensado para a presença do público. A instalação artística explora o espaço como
elemento principal, mas sofre modificações em cada época, influenciado pelos con-
ceitos de arte e pelas tecnologias utilizadas nesse espaço. Dos espaços cheios de
objetos nas instalações dos anos 60 e 70, chegamos a um espaço “vazio”, no con-
texto da instalação interativa do século XXI, onde os elementos físicos do espaço
foram para dentro de uma imagem interativa. O espaço continuando sendo explora-
do, e esse novo espaço, que parece estar vazio, é um espaço cheio de sensibilida-
de, que o público pode vivenciar (SOGABE, 2008).
Encontramos vários tipos de organizações do espaço nas instalações, algumas de
ordem técnica devido às necessidades das tecnologias utilizadas e outras com fina-
lidades de criar situações espaciais para o público com determinados objetivos. Po-
demos encontrar um espaço aberto onde uma pessoa atua e as outras observam
essa atuação, um espaço fechado que guarda certa surpresa para o público, onde a
atuação é vista só pela seguinte pessoa da fila, um espaço com corredores prepa-
rando o público para encontrar algo em um espaço posterior, um espaço amplo, um
espaço pequeno, um espaço escuro, enfim, podemos encontrar ou imaginar os mais
variados tipos de espaços, para o público vivenciar uma experiência. O espaço é
projetado de acordo com o pensamento do artista sobre a forma de participação do
público na obra.
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O espaço físico de Metacampo é simples, com uma área para as hastes e outro para
o público conforme figura abaixo, que apresenta uma planta em vista superior e vista
lateral da instalação.
SCIArts Metacampo, 2010
Planta da obra
A área das hastes ocupa 3m x 5m e a área para o público 2m x 5m. Acima das has-
tes encontra-se o sistema de trilhos onde corre o ventilador, na área do público en-
contram-se os sensores de presença e na área externa ao prédio a veleta, que capta
a direção do vento.
A área em frente ao campo de hastes é destinada ao público, sendo que o espaço é
pensado como um corredor onde o público pode se movimentar em duas vias, o ir e
vir. Não é necessário ou não se pretende que o público tenha grandes movimenta-
ções perpendicularmente ao campo das hastes, e por outro lado, a distância das
hastes com o espelho no espaço do público precisa ser pequena, para criar o efeito
de profundidade de campo e conexão visual deste espaço com o espaço das hastes,
que também tem um espelho. Os dois espelhos dispostos paralelamente, com o pú-
blico e as hastes entre eles, criam a multiplicação e a profundidade da imagem.
A parede que separa estes dois ambientes forma uma moldura que é construída
com o objetivo, de criar um ambiente de vitrine, uma moldura como em uma pintura,
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com uma visão frontal, na qual o público se movimenta e pára com o objetivo de
contemplar.
A área das hastes é iluminada, como centro de atenção, enquanto que a área do
público permanece na penumbra. O espaço da instalação funciona tal como o espa-
ço em uma pintura, onde o espaço pictórico é organizado pelo artista, numa compo-
sição com diálogo de contrastes, de cores, de forma, de texturas e de elementos a
construir uma leitura visual, que leva o leitor de um ponto a outro, num ponto de
atenção ou sobre toda a superfície, como uma programação que o artista constrói.
A altura da moldura, do campo visível é pensada em 1.80m na parte superior, adap-
tada para as pessoas mais altas, e para a visualização se concentrar mais nas has-
tes, sem criar muita atenção para o sistema existente na parte superior, onde se en-
contra o eixo XY, com o ventilador e o carro de movimentação. Assim também é
pensada a iluminação das hastes sem ofuscar muito a visão do público, ao mesmo
tempo, que dificulta ver a parte superior da obra, que toda pintada de preto e coberta
por um tecido preto também.
O espaço é pensado e projetado pelo artista, quase numa antropometria e de acordo
com o que pensa sobre a atuação do público.
O público e a interface
Para o sistema tecnológico utilizado na instalação, o público está presente através
da interface, que capta alguma informação do público e envia para o programa com-
putacional que realiza uma tarefa programada. Nesse sentido a interface é escolhida
de acordo com as atividades do público, que o artista deseja captar, embora possa
captar também outras informações que não sejam do público.
Há muitos dispositivos tecnológicos que podem servir como interface, ampliando a
área de design de interface, de uma forma subversiva no uso artístico. Os sensores
são dispositivos sensíveis a alguma informação do ambiente, geralmente um estímu-
lo físico/químico, que pode ser mensurável ou não. Os sensores digitais funcionam
como um interruptor, na situação ligada ou desligada, e os analógicos podem infor-
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mar uma variação de dados, como temperaturas, distâncias, pesos, etc. No campo
da arte vários tipos de interfaces são utilizados, tais como as câmeras de vídeo e
mesmo os mais tradicionais como o teclado e o mouse, sempre de forma muito cria-
tiva, subvertendo suas formas de uso tradicional. Em relação ao corpo humano, há
no campo da medicina, muitos tipos de sensores que captam sinais do corpo, do
termômetro ao eletroencefalógrafo, e são utilizados como interfaces adaptadas às
propostas poéticas das obras.
A relação do público com a interface, no campo da arte acontece num campo amplo
de possibilidades, que não vamos desenvolver neste momento, mas apenas apontar
alguns aspectos. O jogo que o artista cria com as interfaces, acontece de acordo
com a proposta poética de cada obra. Encontramos vários tipos de interações, com
uma gama desde a consciência total, ação voluntária, até o desconhecimento, ação
involuntária, de interação com a interface. O tipo de interface define o comportamen-
to do público. Geralmente a atuação física do público é uma constante nas obras
interativas, porém não é uma regra. A resposta da interação com o sistema também
pode estar mais perceptível ou não. A interação pode ser individual ou coletiva. Nes-
te jogo as possibilidades são muitas, e são utilizadas conforme o projeto de cada
obra e o pensamento de cada artista.
Alguns aparatos físicos não tecnológicos também podem fazer o papel de interface,
fazendo com que a manipulação desse aparato provoque informações específicas
para uma interface tecnológica, que pode estar oculta no ambiente, captando as in-
formações e enviando-as para o sistema. Neste caso, estes aparatos físicos utiliza-
dos como uma falsa interface tecnológica tem uma função poética (SOGABE, 2013).
No caso de Metacampo as interfaces utilizadas são três sensores de movimento,
para captar a movimentação do público e uma veleta, que é um aparelho indicador
da direção do vento, mais conhecido no formato de uma cruz com um galo e os pon-
tos cardeais, instalado no telhado das casas.
O desejo é que a simples presença do público no espaço já influencie o movimento
do ventilador sobre as hastes, em combinação com as informações do vento externo
enviadas pela veleta. Com três simples sensores de presença temos matematica-
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mente, por arranjos, 15 situações que podem definir percursos diferenciados na pro-
gramação, de acordo com a quantidade e a ordem de ativações dos sensores. Em
determinadas situações o ventilador pode se aproximar de um sensor soprando so-
bre a pessoa que estiver próxima, fazendo com que ela sinta o vento em seu corpo,
o que provoca mais um elemento de interação na obra.
Dentro das possibilidades de movimentações do público faz da programação, a não
movimentação do público, quando ficam parados apenas contemplando, ou seja,
uma não ação, possibilidade usualmente não considerada em uma instalação intera-
tiva. Esta situação acontece quando os sensores não são ativados por um tempo
determinado, e o sistema realiza um percurso pré-definido especial com uma maior
regularidade na movimentação, e depois estaciona o ventilador em um ponto defini-
do, sendo ligado novamente quando um dos sensores for ativado.
Gerenciamento digital
Dentro do esquema de instalação interativa utilizado aqui, o gerenciamento digital
corresponde ao computador com um programa, que recebe informações, processa e
dá saída a tarefas. Atualmente o que mais se utiliza é uma placa denominada Arduí-
no2, definida como um sistema embarcado, um microprocessador que possui o es-
sencial, com entradas, saídas, e um programa gravado nele, geralmente o Proces-
sing3 ou o Pure Data4. Nas entradas são conectados os sensores, que enviam as
informações para o programa que executa as tarefas definidas, e enviam a informa-
ção para uma saída, onde estão conectados atuadores, ou equipamentos em geral.
Os programas computacionais podem executar tarefas muito simples, como ligar e
desligar um equipamento ou muito complexas, como os algoritmos genéticos, que
apresentam uma evolução no processamento das informações e podem produzir
informações variadas. Por outro lado, os programas podem estar conectados à rede
e receber informações vindas desta, ampliando o espaço da obra para além da sua
delimitação de espaço físico. Algumas obras captam informações em tempo real
presentes na rede, e outras usam a rede para a comunicação com um público à dis-
tância. Não queremos definir com isso, que uma maior complexidade na programa-
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ção ou na tecnologia utilizada signifique uma maior qualidade da obra, fato que en-
volve questões mais complexas.
Como já foi mencionado, o público está presente no programa computacional atra-
vés de sua atuação e da respectiva informação enviada pela interface, que pela co-
nexão física público/interface é sua representante no programa. O programa reflete
o pensamento do artista em relação ao tipo de interação que o público vai encontrar
no espaço da instalação.
Em Metacampo o público está presente no programa através de sua posição no es-
paço e movimentação, que são captadas pelos sensores de presença, que enviam os
sinais para o programa. O público define em parceria com a veleta, o percurso e a
direção do vento, e consequentemente o movimento das hastes. Alguns percursos do
ventilador não são definidos pelo público e nem pela veleta, pois o programa permite
que se executem tarefas pré-definidas de tempos em tempos, sem necessidade de
que o sistema receba sinal de algum sensor. O programa recebe as informações dos
sensores e envia as tarefas para os dispositivos de saída, que são os motores.
As possibilidades de programação de percursos do vento são diversas, inclusive
determinar de tempos em tempos um percurso programado independente da ativa-
ção dos sensores pelo público. Este fato joga com o público que pensa ser o único a
definir a trajetória do vento.
Dependendo da localização da veleta, não só os fatores naturais do vento atuam
sobre ela, mas caso esteja ao lado de uma rua, o próprio trânsito pode afetar o ven-
to, apontando mesmo na ação do vento externo a participação humana.
A movimentação das hastes proporciona um estado de contemplação e não movi-
mentação do público, fato não muito habitual em instalações interativas, que geral-
mente solicitam que o público pule, fale, gesticule e atue de forma mais energética.
Essas situações do comportamento do público e resultados dos eventos no espaço
da instalação são definidas na programação, pelo artista.
Dispositivo
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O dispositivo dentro do esquema apresentado representa o equipamento que recebe
a saída das informações, após serem processadas pelo programa. Geralmente são
utilizados projetores de imagens, caixas acústicas, ou atuadores em geral, como
motores que movimentam algum sistema, ou uma combinação dessas possibilida-
des. Os sistemas interativos e de automação permitem aos artistas um universo de
possibilidades para materializarem seus projetos e ao mesmo tempo, provocam mui-
tos insights para o desenvolvimento de novos projetos. A palavra, a imagem e o som
foram os elementos mais utilizados até o momento, tendo uma longa história no de-
senvolvimento dessas linguagens, assim como tecnologias para produção, armaze-
namento e divulgação de material nessas linguagens. O olfato, o paladar e o tato
não conseguiram ter o mesmo acompanhamento tecnológico, sem ter desenvolvido
de fato uma linguagem, com sintaxe e regras, com elementos que pudessem ser
traduzidos pela tecnologia. Mas no contexto da tecnologia digital e da nanotecnolo-
gia presenciamos dispositivos e sistemas que iniciam um desenvolvimento tecnoló-
gico nessas áreas. Narizes, línguas e peles eletrônicas, sistemas de produção de
odores, de detecção de peso e temperatura e diversos tipos de nanossensores já
estão presentes na atualidade, possibilitando que os artistas comecem a utilizar es-
sas tecnologias e subverter seus usos poeticamente.
A complexidade tecnológica pode apresentar mais possibilidades de recursos para o
artista, mas não significa que defina a qualidade da obra de arte, que envolve muitos
elementos e uma complexidade também.
Em Metacampo os dispositivos de saída utilizados são três motores e um ventilador.
Todas as informações que o programa recebe da movimentação do público e da
direção do vento, resultam na saída de ativações dos motores do eixo X e do eixo Y,
que funcionam simultaneamente movimentando a estrutura até determinados pontos
desses eixos, que são marcados com sensores de posicionamento em três pontos
da extensão no eixo X (3m) e em cinco pontos no eixo Y (5m), os quais servem co-
mo referência para o programa informar aos motores até onde devem ir, além do
motor de rotação da direção do vento, através de um tubo em 45%, acoplado na sa-
ída da ventilação, que gira nos dois sentidos, em 360 graus, conforme figura abaixo.
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SCIArts
Metacampo, 2010 Detalhes do sistema de movimentação do ventilador
Os dispositivos neste caso só funcionam com o programa controlando todas as suas
ações. Por outro lado, o programa só envia as tarefas para os dispositivos se as in-
terfaces ativam o processo todo, e como as interfaces estão conectadas fisicamente
com o público, a obra só acontece através do público.
Evento
Por evento denominamos o que acontece no espaço da instalação, através da saída
do sistema, e não se configura como a proposta da obra em si, pois na instalação
interativa a obra é o processo todo. Numa instalação onde encontramos uma ima-
gem que se modifica de acordo com a interação com o público, a obra não se resu-
me no que acontece na imagem, mas sim no processo todo, desde a entrada do pú-
blico no espaço, passando pela suas ações, até a projeção da imagem.
Geralmente encontramos uma imagem e/ou som que se modifica, um equipamento
que desenvolve alguma função, um objeto que ganha vida, e tantos outros aconte-
cimentos que a imaginação do artista construir. O espaço da instalação pode estar
inicialmente sem nenhum evento, que só se manifesta com a presença e participa-
ção do público, ou então pode estar acontecendo antes da presença do público, mas
passa a dialogar e se transformar com a atuação do público. O evento pode ser um
campo de possibilidades, tal como um happening onde o artista detona o processo
sem ter controle dos acontecimentos, ficando por conta do programa e da atuação
do público as atualizações dessas possibilidades.
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O que separa as instalações interativas de outros tipos de instalações de arte ou performances interativas é que o trabalho só se realiza por meio de ações de um participante, interpretado por um programa de computador ou eletrônica, e essas ações não requerem treinamento especial ou talento para executar. (WINKLER, 2000)
Os eventos podem acontecer com a participação do público de forma individual ou
coletiva. A própria atuação do público pode ser um dos principais aspectos de uma
instalação. Muitos eventos acontecem como um jogo, onde a atuação do público se
transforma em demonstração de suas habilidades, de uma forma mais pública, en-
quanto outros eventos são mais intimistas, solicitando vivências mais reservadas.
A participação do público em eventos que provocam uma sensação de parque de
diversões apresenta outros aspectos que não só o da arte como entretenimento,
mas também a solicitação do corpo todo com a obra de arte. A relação do público
com a obra é mais que um contato, sendo uma integração, pois faz parte da obra,
com todas as sensações corporais, muito presentes em parques de diversões.
Da poesia oral, Zumthor passa a examinar modos de mediação com o poético que se apropriam dos meios e produtos da comunicação de massa. O autor deixa claro em obras como Performance, recep-ção e leitura (2000) e Escritura e nomadismo (2004) que manifesta-ções expressivas como o Rock evidenciam, a partir das suas carac-terísticas performáticas, que o que está em jogo na relação entre obra e fruidor não é somente competência cultural, mas também uma disposição corporal, um certo uso do corpo que parece ter sido ne-gligenciado nas teorias literárias – inclusive na Estética da Recep-ção. À medida que Zumthor prossegue nos desenvolvimentos de sua tese sobre a condição performática da relação entre obra e fruidor, se vê uma gradual materialização da atividade de leitura da escola de Constança, não mais entendida no âmbito ideal, mas como uma interação concreta. (COSTA, 2011)
Entramos em contato com as experiências cotidianas, com o corpo todo presente, e
isto não elimina nossas reflexões, experiências estéticas, e aquisição de conheci-
mento. Por que a vivência com uma obra de arte não poderia acontecer dessa for-
ma? Arte e experiência cotidiana estão totalmente interligadas (DEWEY, 2010).
Atualmente já existe um público para as instalações interativas, pois a relação do
público com a obra de arte tem uma longa história na tradição do proibido tocar.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a relação com a obra é de corpo inteiro e
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não só visual, a vivência da obra não acontece com todas as pessoas, pois muitas
não desejam interagir ou atuar na frente de outras pessoas. Neste caso, o contato
com a obra acontece da mesma forma visual que as obras tradicionais de arte, po-
rém a vivência e a experimentação do evento proporcionam sensações e percep-
ções que ampliam a interpretação da obra, que é um processo, uma experiência e
não mais um objeto visual.
Em Metacampo, o evento presente na instalação é o vento soprando e movimentan-
do um campo de hastes, onde o público se vê dentro dessa imagem, refletido em
espelhos que amplificam o espaço. O público não define sozinho o evento, ou seja,
o percurso e a direção do vento, também têm a participação do vento externo ao
prédio, que através de uma veleta envia inputs ao programa, além de tarefas pré-
definidas que o artista insere no programa.
A contemplação em Metacampo é um aspecto predominante, demonstrando que a
arte interativa auxiliada por tecnologia digital pensa o mundo como um sistema, co-
nectando coisas e não separando ou eliminado aspectos.
Considerações finais
Construir uma estrutura básica para o funcionamento das instalações interativas au-
xiliadas pela tecnologia digital não é algo tão complexo, pois são etapas de um pro-
cesso tecnológico, porém quando analisamos obras, não é possível encontrar gene-
ralizações, pois a arte é um campo de liberdade, onde não existe a busca de uma
verdade única, além do artista subverter sempre o já existente, com sua criatividade
a ampliar possibilidades. Nesse sentido, buscar regras e sínteses através da análise
de obras torna-se um trabalho complexo, pois cada obra apresenta um novo ponto
de vista e um pensamento específico, num processo constante de transformação do
que já existe, sendo esta característica a maior riqueza da arte. Por outro lado, a
partir de fatos muito particulares e subjetivos, a arte atinge aspectos universais, fun-
cionando dentro de uma estrutura fractal, onde o todo está na parte.
Em outro momento já havíamos analisado a obra Metacampo, sob outros pontos de
vista mais gerais da produção (SOGABE, 2011), porém, nesta proposta analisamos
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por uma especificidade no processo criativo da obra, sobre como o público está pre-
sente nos elementos da estrutura da instalação interativa Metacampo. Esta análise
contribui para a reflexão sobre a questão da co-autoria na obra interativa e sobre a
compreensão do processo de criação em instalações interativas.
Na questão da co-autoria, o público é usualmente mencionado como um co-autor,
pelo grau de sua atuação na obra, fazendo-a acontecer somente com sua presença.
A questão da co-autoria é uma questão complexa e polêmica, que está inserida na
própria discussão sobre autoria, que em si já é muito polêmica, pois é questionada
como sendo algo individual e personalizado, por autores como Mikail Bakhtin (2003)
em "O autor e a personagem na atividade estética", Roland Barthes (2006) em "A
morte do autor" (2006) e Michel Foucault (2002) em "O que é o autor?".
Verificamos que o público está presente no projeto da obra, através do pensamento
do artista sobre a maneira como o público poderá atuar, em quais condições espaci-
ais, em quais relações com os elementos materiais e tecnológicos presentes e den-
tro do programa computacional, quais possibilidades ele poderá atualizar, fazer
acontecer um evento. O artista busca prever e controlar quase todos os aconteci-
mentos dentro da instalação, porém o público, em cada especificidade, de cada indi-
víduo, é que atualiza uma das possibilidades do evento e vivencia e experiencia es-
teticamente a obra.
Em relação ao processo criativo em instalações interativas, apontamos apenas para
um aspecto, com foco sobre o público, que passa a ser mais um elemento para o
artista pensar em todas as etapas do projeto. Não é possível abranger todas as pos-
sibilidades criativas existentes em uma instalação interativa, porém mesmo a partir
da análise de um aspecto específico, em uma única obra, acreditamos que isto pos-
sa contribuir para reflexões mais amplas.
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Notas 1 SCIArts é uma equipe interdisciplinar que trabalha com instalações interativas desde 1996, formado por Fernando Fogliano, Julia Blumenschein, Milton Sogabe, Renato Hildebrandt e Rosangella Leote. http://sciarts.org.br/sciarts/ 2 Arduíno. “Arduino é uma plataforma eletrônica de código aberto baseado em hardware e software de fácil utilização. É destinado para qualquer um fazer projetos interativos.” http://www.arduino.cc/ 3 Processing é uma linguagem de programação, ambiente de desenvolvimento e comunidade on-line. https://processing.org/ 4 “Pure Data é uma linguagem de programação visual de código aberto. Pd permite que músicos, artistas visuais, artistas, pesquisadores e desenvolvedores para criarem programas graficamente, sem escrever linhas de código.” https://puredata.info/
Referências
BAKHTIN, M. Autor e personagem na atividade estética. In BAKHTIN, M. Estética da criação
verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.3-192.
BARTHES, R. A morte do autor. In: BARTHES, R. O rumor da língua. Trad. Mário Laranjeira.
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Milton Terumitsu Sogabe
Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-Doutorado na Universidade de Aveiro, Portugal. Professor no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista. Pesquisador PQ-CNPq, líder do grupo de pes-quisa cAt e membro do SCIArts-Equipe Interdisciplinar. Em suas pesquisas, dedica-se à produção e à reflexão sobre instalações interativas.