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O PIBID/MATEMÁTICA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE Vanessa Largo Universidade Tecnológica Federal do Paraná Campus Toledo Diego Fogaça Carvalho i Universidade Estadual de Londrina Pretende-se neste estudo apresentar o que se entende por identidade profissional docente, defendendo que a sua construção pode ser compreendida como o estabelecimento de relações de saber com o conteúdo matemático, com o ensino praticado e com a aprendizagem dos alunos, considerando-se essas relações em suas três dimensões: epistêmicas, pessoais e sociais. Assim, propõe-se investigar traços da construção da identidade docente de bolsistas do PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, especificamente no PIBID/Matemática/2009, por meio da análise de fragmentos de entrevistas semiestruturadas, de dois BIDs Bolsistas de Iniciação à Docência, que participaram do programa durante os anos de 2010 e 2011. Para análise dos depoimentos desses estudantes, utilizou-se a matriz 3x3, de Arruda, Lima e Passos (2011), um instrumento para a análise das relações de saber do professor em sala de aula e, como teoria estruturante dos procedimentos metodológicos, a ATD Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011). Com esta investigação, pode-se interpretar que a participação dos bolsistas nas atividades oportunizadas pelo programa foi relevante por proporcionar aos estudantes momentos de reflexão sobre a decisão de querer ser professor, bem como o estabelecimento de relações de saber epistêmicas e pessoais com o ensino praticado durante o PIBID e que forneceram indícios a respeito da constituição da identidade profissional docente de cada bolsista, visto que os bolsistas vivenciaram sucessivas socializações no decorrer dos dois anos. Ressalta-se que um deles se identificou com a profissão docente, aderindo à docência. O outro, mesmo afirmando querer ser professor, demonstra uma preocupação com a sua individualidade e certa insegurança em sua decisão, atribuindo à desvalorização do professor pela sociedade essa sua incerteza pela opção da docência. Palavras-chave: PIBID/Matemática, identidade profissional docente, análise da relação do professor em sala de aula. 1 INTRODUÇÃO Este estudo pretende apresentar o que se entende por identidade profissional docente, debruçando-se sobre estudos de Pimenta (1997), Pimenta e Lima (2010), Dubar (1997) e Oliveira (2004). Em consonância com esses referenciais, apresentam-se algumas considerações tendo como base o instrumento para a análise da relação do professor em sala de aula, de Arruda, Lima e Passos (2011) e como teoria estruturante dos procedimentos metodológicos, a Análise Textual Discursiva, de Moraes e Galiazzi (2011). Nesta investigação, concorda-se com Nóvoa (1992) quando defende a importância de se investir na pessoa do professor e valorizar o saber experiencial, pois Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03001

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O PIBID/MATEMÁTICA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

PROFISSIONAL DOCENTE

Vanessa Largo

Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Toledo

Diego Fogaça Carvalhoi

Universidade Estadual de Londrina

Pretende-se neste estudo apresentar o que se entende por identidade profissional docente,

defendendo que a sua construção pode ser compreendida como o estabelecimento de

relações de saber com o conteúdo matemático, com o ensino praticado e com a

aprendizagem dos alunos, considerando-se essas relações em suas três dimensões:

epistêmicas, pessoais e sociais. Assim, propõe-se investigar traços da construção da

identidade docente de bolsistas do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação

à Docência, especificamente no PIBID/Matemática/2009, por meio da análise de

fragmentos de entrevistas semiestruturadas, de dois BIDs – Bolsistas de Iniciação à

Docência, que participaram do programa durante os anos de 2010 e 2011. Para análise

dos depoimentos desses estudantes, utilizou-se a matriz 3x3, de Arruda, Lima e Passos

(2011), um instrumento para a análise das relações de saber do professor em sala de aula

e, como teoria estruturante dos procedimentos metodológicos, a ATD – Análise Textual

Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011). Com esta investigação, pode-se interpretar

que a participação dos bolsistas nas atividades oportunizadas pelo programa foi relevante

por proporcionar aos estudantes momentos de reflexão sobre a decisão de querer ser

professor, bem como o estabelecimento de relações de saber epistêmicas e pessoais com

o ensino praticado durante o PIBID e que forneceram indícios a respeito da constituição

da identidade profissional docente de cada bolsista, visto que os bolsistas vivenciaram

sucessivas socializações no decorrer dos dois anos. Ressalta-se que um deles se

identificou com a profissão docente, aderindo à docência. O outro, mesmo afirmando

querer ser professor, demonstra uma preocupação com a sua individualidade e certa

insegurança em sua decisão, atribuindo à desvalorização do professor pela sociedade essa

sua incerteza pela opção da docência.

Palavras-chave: PIBID/Matemática, identidade profissional docente, análise da relação

do professor em sala de aula.

1 – INTRODUÇÃO

Este estudo pretende apresentar o que se entende por identidade profissional

docente, debruçando-se sobre estudos de Pimenta (1997), Pimenta e Lima (2010), Dubar

(1997) e Oliveira (2004). Em consonância com esses referenciais, apresentam-se algumas

considerações tendo como base o instrumento para a análise da relação do professor em

sala de aula, de Arruda, Lima e Passos (2011) e como teoria estruturante dos

procedimentos metodológicos, a Análise Textual Discursiva, de Moraes e Galiazzi

(2011).

Nesta investigação, concorda-se com Nóvoa (1992) quando defende a

importância de se investir na pessoa do professor e valorizar o saber experiencial, pois

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estar “em formação implica um investimento pessoal, [...] com vista à construção de uma

identidade, que é também uma identidade profissional” (NÓVOA, 1992, p.25). Para o

mesmo autor, a “troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de

formação mútua”, considerando que o “diálogo entre os professores é fundamental para

consolidar saberes emergentes da prática profissional” (NÓVOA, 1992, p.26).

Nesse sentido, apresentam-se relatos de dois bolsistas participantes do PIBID, e

as relações de saber por eles estabelecidas com o ensino praticado, nas dimensões:

epistêmicas, pessoais e sociais, e que constituem a construção da identidade profissional

docente.

2 – A IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

Compreende-se que a construção da identidade profissional está imbricada no

desenvolvimento profissional docente. Entretanto, não serão abordadas ideias relativas a

esse tema, mas sim, algumas considerações sobre a identidade profissional docente,

enfatizando o modo como os autores caracterizam a sua construção.

Pimenta e Lima (2010), parafraseando Guimarães (2004), afirmam que os

estudos sobre identidade profissional docente têm um caráter interdisciplinar complexo,

pois recebem significados diversos no campo da Psicologia, da Sociologia e de outras

ciências.

Nesse sentido, considera-se relevante definir, primeiramente, o que se entende

por identidade. Segundo Dubar (1997), identidade é o resultado de “sucessivas

socializações”, pois o sujeito não constrói sua identidade sozinho, ela é construída na

infância e é reconstruída ao longo da vida do sujeito (DUBAR, 1997, p.13). Pimenta

(1997), afirma ainda que “a identidade não é um dado imutável”, nem externo, que possa

ser adquirido, mas, “é um processo de construção do sujeito historicamente situado”

(PIMENTA, 1997, p.6).

Com base nos estudos de Bernard Charlot – das relações de saber –, de Yves

Chevallard – sistema didático – e de Arruda, Lima e Passos – instrumento para a análise

da relação docente em sala de aula –, entende-se que as relações de saber estabelecidas

na ação em sala de aula, com o conteúdo matemático, com o ensino da Matemática e com

a aprendizagem dos alunos, em suas três dimensões: epistêmicas, pessoais e sociais,

podem fornecer indícios da construção da identidade profissional docente. Ressalta-se

que a constituição da identidade docente é permeada por relações de saber, e estas

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relações são caracterizadas pelos movimentos que ocorrem na matriz 3x3, de Arruda,

Lima e Passos (2011) – Quadro 1, apresentado no final do trabalho.

Para Pimenta (1997), a identidade profissional se constrói,

a partir da significação sociais da profissão; da revisão constante dos

significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Como, também, da

reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem

significativas [...]. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise

sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas

teorias, constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto

ator e autor confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus

valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas

representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que

tem em sua vida: o ser professor. Assim, como a partir de sua rede de relações

com outros professores, nas escolas, nos sindicatos e em outros agrupamentos

(PIMENTA, 1997, p.7).

Assim, observa-se que “a identidade vai sendo construída com as experiências e

a história pessoal, no coletivo e na sociedade”, no entanto, “é no processo de sua formação

que são consolidadas as opções e intenções da profissão” que o curso de Licenciatura “se

propõe legitimar” (Pimenta e Lima, 2010, p.62-63). Ainda segundo as autoras, com

relação à identidade profissional, a sua construção carece de espaços de formação e, além

disso, é importante “considerar os aspectos subjetivos da profissão, que dizem da

identificação e da adesão dos sujeitos a ela, para que os candidatos a essa profissão digam,

para si, que querem ser professores” (Pimenta e Lima, 2010, p.63-64).

Segundo Oliveira (2004), não é possível separar completamente as dimensões

pessoal e social na ação do sujeito. Isto pode ser explicado quando o sujeito, ao observar

os outros – pais, colegas, professores – mais ou menos como se observa a si próprio (ao

fazer as coisas e expressar sentimentos), essa observação dos outros estaria, de certo

modo, implicada no sujeito ao realizar comparações ou ao tomar decisões, passando a

fazer parte da própria identidade. Nesse sentido, pode-se considerar que os outros têm um

papel determinante na construção da identidade do indivíduo (Oliveira, 2004, p.66).

Para Pimenta (1997), mobilizar os saberes da experiência vivenciados como

aluno do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e do Ensino Superior, durante a formação

inicial é importante para o processo de construção da identidade docente, visto que,

quando

os alunos chegam ao curso de formação inicial, já têm saberes sobre o que é

ser professor. Os saberes de sua experiência de alunos, que foram de diferentes

professores em toda sua vida escolar [...]. Quais professores foram

significativos em suas vidas, isto é, contribuíram para sua formação humana.

Também sabem sobre o ser professor, através da experiência socialmente

acumulada, as mudanças históricas da profissão, o exercício profissional em

diferentes escolas, a não valorização social e financeira dos professores, as

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dificuldades de estar diante de turmas de crianças e jovens turbulentos, em

escolas precárias [...] (PIMENTA, 1997, p.7).

Tem-se ainda que, o curso de Licenciatura em Matemática, o estágio, as

aprendizagens das disciplinas da graduação, as experiências e vivências dentro e fora da

universidade são fatores que colaboram com a construção da identidade docente. “O

estágio, ao promover a presença do estagiário no dia a dia da escola, abre espaço para a

realidade e para a vida e o trabalho do professor na sociedade” (Pimenta e Lima, 2010,

p.67-68) e, por analogia, pode-se pensar no PIBID como uma “configuração de

aprendizagem da docência” (ARRUDA; PASSOS; FREGOLENTE, 2012, p.27), visto

que o programa também pode se constituir, ao inserir o bolsista no ambiente escolar,

como um momento oportuno para a construção da identidade profissional do futuro

professor.

Desse modo, ressalta-se que o curso de formação inicial exerce um papel

relevante na construção da identidade docente, no que diz respeito ao processo de

passagem de aluno a professor, no qual o acadêmico passa de “seu ver o professor” como

aluno ao “ver-se como professor” (Pimenta, 1997).

Nesse sentido, e considerando o contexto do PIBID, especificamente o

subprojeto da Matemática, é que este estudo torna-se relevante, e defende que, por meio

das relações de saber estabelecidas pelos bolsistas, com o conteúdo, com o ensino

praticado e com a aprendizagem dos alunos, em suas três dimensões: epistêmicas,

pessoais e sociais; pode-se interpretar, por meio dos relatos, que ocorreram movimentos

que demonstraram indícios de um processo de construção da identidade profissional

docente durante a participação dos estudantes no PIBID. Todavia, cabe ressaltar que pelo

modo como a matriz 3x3 foi construída – pode-se conferir em Arruda, Lima e Passos

(2011) –, limita-se ao sistema didático de Chevallard. Dessa forma, as compreensões aqui

apresentadas assumem essa limitação.

3 – A ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA E A MATRIZ 3X3

De acordo com Bogdan e Biklen (1994), esse estudo pode ser caracterizado

como uma investigação qualitativa e de cunho interpretativo. Opta-se pela ATD – Análise

Textual Discursiva, de Moraes e Galiazzi (2011), considerada como uma teoria

estruturante dos procedimentos metodológicos e que permite a produção de novas

compreensões sobre os fenômenos analisados e que são originadas dos sentidos

emergentes das produções textuais.

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Para a análise dos relatos de dois estudantes, coletados por meio de entrevistas

semiestruturadas no decorrer dos anos de 2010 e 2011, durante a participação no

PIBID/Matemática/2009 (Edital CAPES/DEB Nº 02/2009), utilizou-se o instrumento

para a análise da relação docente em sala de aula, a “matriz 3x3”, de Arruda, Lima e

Passos (2011), que considera as relações de saber do professor com o conteúdo, com o

ensino e com a aprendizagem dos alunos em suas três dimensões: epistêmicas, pessoais e

sociais, conforme o Quadro 1, apresentado no final deste trabalho.

Para a apresentação dos dados escolheu-se somente dois bolsistas, o E3 e o E10,

por limitação de espaço para a apresentação dos dados dos demais estudantes

entrevistados neste estudo. Os fragmentos têm origem da tese de doutoramento do

primeiro autor deste trabalho, e serão apresentados os depoimentos relativos a uma

questão realizada nas entrevistas: Você quer ser professor?

Para compor este trabalho, foi necessário editar alguns fragmentos, e também foi

preciso realizar algumas inserções ou supressões – indicadas por colchetes e reticências,

para facilitar a compreensão do que foi relatado. Durante a apresentação dos fragmentos

dos relatos, ao final de cada um e entre parênteses, apresenta-se um número que dirá

respeito à unidade de análise alocada na matriz 3x3.

O bolsista E3, em sua primeira entrevista, nunca havia atuado como professor e

estava no 3º ano do curso de Licenciatura em Matemática, em uma universidade

localizada na região norte do estado do Paraná. Em 2011, o E3 licenciou-se em

Matemática, em 2012 concluiu duas especializações e atualmente, em 2014, é mestrando

em um programa de pós-graduação da mesma universidade.

O estudante 10, já havia atuado como professor em uma instituição de ensino

privada. Nos dias de hoje, o bolsista E10 está atuando como PSS – Professor Seletivo

Simplificado do Estado do Paraná, e está cursando especialização em Estatística.

4 – ANÁLISES DOS DEPOIMENTOS DOS BOLSISTAS E3 E E10

Na sequência, apresentam-se os fragmentos das quatro entrevistas sobre o

“querer ser professor”, do estudante 3 (E3) e do estudante 10 (E10), respectivamente.

Na primeira entrevista, o E3 relata:

[...] eu realmente quero ser professor, eu adoro ensinar. Eu acho interessante

você fazer alguém gostar de uma coisa que você gosta, e é por isso que eu

quero trabalhar com Ensino Fundamental e Médio, porque eles [os alunos] não

gostam de Matemática (5).

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O depoimento acima foi alocado na célula 2B da matriz 3x3, essa acomodação

se deu por E3 expressar em sua fala, que estabeleceu relações de saber pessoais com o

ensino praticado, ou seja, afirma querer ser professor e adorar ensinar Matemática. O

estudante demonstra em sua resposta estar preocupado em fazer com que os alunos

gostem da disciplina como ele gosta, há uma ênfase no posicionamento pessoal do

bolsista com relação ao ensino da matemática. O E3 toma como referência a sua relação

pessoal com a matemática para direcionar a aprendizagem dos alunos por meio de seu

ensino.

Observa-se ainda que a fala do E3 expressa uma remissão à existência de uma

tradição de que os alunos não gostam da Matemática. O conteúdo desse depoimento

advém de sua vivência enquanto aluno, porém se interpreta que essa situação o desafia,

fazendo com que ele se interesse em desenvolver suas atividades com turmas do Ensino

Fundamental e do Ensino Médio, com o objetivo de fazer com que os alunos aprendam a

gostar da Matemática.

Considera-se que o estudante 3 esteve imerso em um processo de transição, pois

até então ocupava a posição de aluno que observava o seu professor, e ao participar do

programa e estar inserido no ambiente escolar, compreende-se que o bolsista esteve

envolvido com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, o que indica a

possibilidade do sujeito ter ocupado a posição de professor em alguns momentos, tendo

a oportunidade de se ver como como um profissional da docência.

Na segunda entrevista, apresentada abaixo, o E3 mantém a sua decisão de querer

ser professor e justifica o porquê dessa decisão:

Eu quero muito ser professor (6), [...] quando eu entrei no PIBID, justo na

minha sala [...] tinha um menino com deficiência (7), [...] no começo eu fiquei

apavorado, [...] eu queria mas eu nunca tinha lidado com alguém que tem

algum tipo de deficiência, ele tem deficiência física, é muito inteligente (8),

[...] [mas] depois que eu comecei a conviver com [este aluno], eu tive mais a

certeza de que é isso que eu quero, trabalhar com pessoas que tenham

necessidades especiais (9), [...] agora já ficou tão normal, eu acho que é pelo

convívio né (10). [...] A primeira vez que eu o vi na sala: como que eu vou

tratar ele? Porque eu não sabia né, tanto que eu acho que tinha que ter uma

matéria obrigatória de inclusão na faculdade (11), [...] a gente tem que estar

preparado (12). Quando eu comecei a lidar com [este aluno], [...] eu não sabia

como, [...] [hoje] trato ele como qualquer outro aluno, [...] mas no começo foi

um pouco assustador, porque eu não sabia como agir (13), [...] [então, na]

primeira aula foi assim, eu vi como as outras pessoas tratavam ele, como os

alunos tratavam ele, e aí eu percebi que eles tratavam ele como tratavam

qualquer outra pessoa [...] (14).

Na entrevista de número 3, o sujeito relata: “[...] eu [...] gosto mesmo de estar

em sala, gosto do ambiente do colégio, gosto de estar com o aluno, eu quero mesmo ser

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professor” (16). E na quarta entrevista, observa-se em seu depoimento: “[...], eu sempre

quis ser professor, [...] eu adoro ensinar Matemática” (17). Nesse sentido, compreende-

se nas quatro entrevistas que o estudante quer ser professor. Observa-se que E3 estabelece

relações de saber com o ensino na dimensão epistêmica (11) e (13), ao buscar pela

compreensão do ensino por ele praticado, refletindo, como exemplo, sobre o porquê de

não existir na universidade uma disciplina voltada à educação inclusiva, ao mesmo tempo

em que afirma ter aprendido, durante o PIBID, a agir frente à situação – ao se deparar

com um aluno com necessidades especiais.

No Quadro 2, pode-se observar que todos os fragmentos estão concentrados na

coluna da relação de saber com o ensino, nas suas três dimensões: epistêmica, pessoal e

social. Seus depoimentos movimentam-se nas três linhas da matriz, manteve a decisão de

ser professor, alegando gostar de ensinar por dois motivos: por gostar do ambiente escolar

e por gostar de estar com os alunos. Essas frases expressam relações com o saber que vão

de uma dimensão pessoal para uma dimensão coletiva, em uma direção que se interpreta

como indícios da construção da identidade profissional do E3.

É interessante observar que o estudante sempre atribui ao fato de querer ser

professor aos alunos, reafirmando a sua opção que é determinada pela influência da

interação com o outro, no caso, com o aluno.

Constata-se ainda que as sucessivas socializações com o aluno que apresenta

necessidades especiais, proporcionaram ao BID um repensar de sua prática e um saber-

fazer relacionado à como lidar com ele, o E3 deixa claro que ele foi inspirador na sua

decisão de trabalhar futuramente com a educação inclusiva. Observa-se também que

ensinar o conteúdo matemático não é o seu único objetivo, mas lidar e conviver com o

aluno com necessidades especiais é mais importante nessa relação de saber que

estabeleceu durante a participação no programa.

Ainda, constata-se que o E3 observou como os outros alunos agiam para depois

agir com o aluno com necessidades especiais, ou seja, o próprio bolsista passou a agir de

outra forma ou de um modo considerado por ele como significativo naquele momento.

Essa relação de saber que pode ser expressa em seu depoimento mostra que E3 está se

constituindo professor por meio de diferentes experiências, e a sua ação dá indícios,

segundo os referenciais teóricos, de que a sua identidade profissional docente está em

construção por meio das sucessivas socializações vivenciadas.

Os depoimentos (5); (6); (9); (16); (17) foram alocados na célula 2B, que se

refere às relações de saber pessoais com o ensino, o E3 quer trabalhar com alunos com

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necessidade especiais, depois de ter vivenciado esse processo no PIBID. Os fragmentos

(7); (8); (10); (12); (14); (15) foram acomodados na célula da relação social com o ensino

por E3 praticado, 3B. Para o estudante, uma das situações que dá sentido ao seu papel de

professor é o fato de conviver com o aluno com necessidades especiais, o seu interesse

em cursar futuramente uma especialização em Educação Inclusiva, faz com que a sua

preocupação fique centrada nesse aluno.

A partir deste momento, seguem os fragmentos das quatro entrevistas sobre

“querer ser professor” do bolsista E10.

Na primeira entrevista, o estudante 10 expressa em seu relato que quer ser

professor. “Eu quero, [mas] eu estou bem desiludido com essa profissão (1). [...], eu acho

que o professor [...] tinha que ser um pouco mais valorizado [pela sociedade], [...] tem

aluno que passa mais tempo com o professor do que com os pais!” (2). É interessante

ressaltar que se observa no depoimento do bolsista que ele carrega consigo um sentimento

de desilusão devido à desvalorização do professor pela sociedade, e expressa suas

angústias e opiniões quando relata que os alunos passam mais tempo na escola, com os

seus professores, do que com os próprios pais, em suas casas.

Observa-se que, na segunda entrevista, E10 mantém a sua decisão: “Eu quero

[ser professor], tento fugir, mas sempre caio! Quero [ser professor] com todas as palavras,

me sinto super bem na sala de aula” (3). O bolsista demonstra em seu parecer o significado

que confere que à profissão, o sentimento de estar em sala é, para ele, motivador,

entretanto, expressa contradições em seus relatos, ao mesmo tempo em que quer ser

professor, tenta uma fuga para não o ser, pois o modo como a docência é vista pela

sociedade lhe incomoda.

O relato do E10, na terceira entrevista, mantém-se em consonância com as

anteriores: “Quero [ser professor], com certeza. [...] Se eu não for [professor] é porque eu

vou prestar concurso, essas coisas, mas eu falo que, se eu não for professor, eu vou ser

muito frustrado, [...] mas eu quero ser professor de Matemática” (4). É relevante

considerar que, ao mesmo tempo em que quer ser professor, pretende prestar concurso

para outra área, que não a docência.

Pode-se inferir que o E10 expressa estar vivendo um conflito pessoal, os seus

relatos movimentam-se nas células 2A e 2B, nas relações de saber epistêmicas e pessoais

com o ensino praticado, e se destaca também, nesse parecer, a ênfase por parte do E10 à

sua individualidade. Tem-se ainda a quarta e última entrevista, na qual E10 afirma: “Eu

quero, estou estudando para [ser professor]” (5).

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Compreende-se que nas quatro entrevistas, o BID manteve a sua decisão de

querer ser professor, porém observa-se em suas falas que, ao mesmo tempo em que quer

ser professor, há sempre remissões relativas à desvalorização da profissão e motivos que

resultam em uma fuga com relação à sua escolha de ser professor, há pretensão de realizar

um concurso em outra área, que não a docência.

Constata-se ainda que os deslocamentos observados em seus relatos nas células

da matriz, de 2B para 2A, demonstram que há uma satisfação do bolsista em ser professor,

ao mesmo tempo em que ele tenta compreender o papel que o professor ocupa na

sociedade. Desse modo, as relações de saber pessoais que o bolsista estabeleceu com o

ensino, movimentam-se para o estabelecimento de relações epistêmicas, nos momentos

em que há uma mobilização do estudante pela busca da compreensão e da reflexão sobre

a profissão, no que diz respeito à desvalorização social da docência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio das análises apresentadas, pode-se compreender que os movimentos na

matriz indicaram que a participação no PIBID foi relevante para a construção da

identidade profissional docente, pois essa vivência fez parte da história de vida desses

bolsistas. Observa-se que para este estudo, têm-se somente os depoimentos relativos à

questão: você quer ser professor? Entretanto, em uma análise macro, de todas as questões

realizadas com esses bolsistas, os pareceres desses bolsistas distribuíram-se em toda a

matriz, como se pode conferir em Largo (2013).

Constata-se, desse modo, que por meio das relações estabelecidas nas suas três

dimensões, o E3 posiciona-se de formas distintas, em alguns momentos assume a posição

de licenciando, em outros, a de professor e a de aluno. Esse movimento indica uma fase

de formação vivenciada pelo bolsista – de conhecer a profissão e de se reconhecer como

um membro de uma comunidade de profissionais. Verifica-se, também, que o estudante

identificou-se com a profissão e ressalta que antes do programa não havia atuado na

docência.

Em relação às remissões do E10, destaca-se que ele já atuava como professor e

não expressou uma identificação com a docência. Observa-se que demonstrou, além de

um sentimento de contradição, sempre que se referiu ao querer ser professor, uma

preocupação com a sua individualidade, o que difere do E3, que se remete constantemente

às preocupações relacionadas aos alunos, e não consigo próprio.

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Outro fato é a partilha de saberes que o PIBID proporcionou ao E3, esse

compartilhamento de saberes ou as relações de saber estabelecidas com o ensino de

matemática na dimensão social, com o seu supervisor, foi fundamental para a construção

da sua identidade profissional docente, momento em que o bolsista elabora e mobiliza o

seu saber-fazer.

O E3 dá importância ao aluno com necessidades especiais, fazendo com que a

relação estabelecida com o ensino do conteúdo matemática seja colocada em segundo

plano, ou seja, E3 estabeleceu relações com o ensino, hierarquizando esta relação de

saber, confirmando o que Tardif (2001) defende, o professor hierarquiza o seu saber, ou,

o professor hierarquiza suas relações com o saber. No momento, estabelecer uma relação

com o aluno foi mais importante do que estabelecer uma relação com o conteúdo

matemático. Desse modo, esta ação do bolsista expressa por meio de seus relatos, nos

leva a interpretar que o PIBID contribuiu para a construção da sua identidade profissional

docente.

Tem-se ainda que E3 e E10 identificaram-se com a profissão de maneiras

distintas. O E3 expressa ênfase em sua decisão de manter-se na docência. O bolsista 10

desde a primeira entrevista, ao mesmo tempo em que demonstrou querer ser professor,

complementa seu depoimento com relatos que se referem à profissão e a sua

desvalorização pela sociedade, há também ressalvas que acenam para a opção de realizar

concurso em outras áreas. Compreende-se que a decisão do E10 em querer ser professor

é condicionada pela desvalorização social da profissão docente, levando-o a oscilar entre

querer ser professor e planejar ações futuras fora da área da docência.

Com este estudo, pretende-se avançar nas pesquisas sobre a identidade

profissional docente, tendo como aporte os referenciais teóricos sobre identidade docente

e a matriz 3x3.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, S. de M.; LIMA, J. P. C. de; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a

análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em

Educação em Ciências, RBPEC, ano 2011, n. 2, v. 11, p.139-160, Mai-Ago 2011.

ARRUDA, S. de M.; PASSOS, M. M.; FREGOLENTE, A. Focos da Aprendizagem

Docente. Alexandria, UFSC, v.5, p. 25-48, 2012.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação. Porto:

Porto Editora, 1994.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 3030010

Page 11: O PIBID/MATEMÁTICA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ...uece.br/endipe2014/ebooks/livro3/345 O PIBID MATEMÁTICA E A... · estava no 3º ano do curso de Licenciatura em Matemática,

BRASIL. CAPES. Edital CAPES/DEB Nº 02/2009. Programa Institucional de Bolsa

de Iniciação à Docência – PIBID. 2009.

DUBAR, C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais.

Disponível em: <http://www.4shared.com/office/FWvcVTuq/>. Acesso em: 18 abr.

2014.

LARGO, V. O PIBID e as relações de saber na formação inicial de professores de

Matemática. 2013. 214 fls. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Educação

Matemática) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.

MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise Textual Discursiva. Ijuí: Unijuí, 2011.

NÓVOA, A. (org). Formação de Professores e Profissão Docente. In: ______. Os

Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 15-33.

OLIVEIRA, H. M. A. P. A Construção da Identidade Profissional de Professores de

Matemática em Início de Carreira. 2004. 576 fls. Tese (Doutorado em Educação) –

Faculdade de Educação Universidade de Lisboa, Lisboa. 2004.

PIMENTA, S. G. Formação de Professores: saberes da docência e identidade do

Professor. Nuances: estudos sobre educação. Presidente Prudente – SP, v. 3, n. 3.

Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/50/46>.

Acesso em: 18 abr. 2014.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. L. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2010.

TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

QUADROS Quadro 1: Instrumento para a análise da relação docente em sala de aula

Novas tarefas

do professor

Relações de saber

1

Relação com o

conteúdo - segmento

P-S

2

Relação com o ensino -

segmento

P-E

3

Relação com a

aprendizagem -

segmento E-S

A – Relação Epistêmica (1A): diz respeito ao

conteúdo enquanto

objeto a ser

compreendido pelo

professor.

(2A): diz respeito ao

ensino enquanto

atividade a ser

compreendida pelo

professor.

(3C): diz respeito à

aprendizagem enquanto

atividade a ser

compreendida pelo

professor.

B – Relação Pessoal (1B): diz respeito ao

conteúdo enquanto

objeto pessoal.

(2B): diz respeito ao

ensino enquanto

atividade pessoal.

(3B): diz respeito à

aprendizagem enquanto

atividade pessoal.

C – Relação Social (1C): diz respeito ao

conteúdo enquanto

objeto social.

(2C): diz respeito ao

ensino enquanto

atividade social.

(3C): diz respeito à

aprendizagem enquanto

atividade social.

Fonte: Adaptada de Arruda, Lima e Passos, 2011, p.147.

Quadro 2: As quatro entrevistas sobre querer ser professor

Estudante 3

1

Relação com o

conteúdo - segmento

P-S

2

Relação com o ensino -

segmento

P-E

3

Relação com a

aprendizagem -

segmento E-S

A – Relação Epistêmica (11); (13)

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 3030011

Page 12: O PIBID/MATEMÁTICA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ...uece.br/endipe2014/ebooks/livro3/345 O PIBID MATEMÁTICA E A... · estava no 3º ano do curso de Licenciatura em Matemática,

B – Relação Pessoal (5); (6); (9); (16); (17)

C – Relação Social (7); (8); (10); (12); (14)

Fonte: próprios autores.

Quadro 3: As quatro entrevistas do E10 sobre querer ser professor

Estudante 10

1

Relação com o

conteúdo - segmento

P-S

2

Relação com o ensino

- segmento

P-E

3

Relação com a

aprendizagem -

segmento E-S

A – Relação Epistêmica (2); (5)

B – Relação Pessoal (1); (3); (4)

C – Relação Social

Fonte: próprios autores.

i Com apoio da CAPES

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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