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O PLANEJAMENTO DE PESQUISA LUNA

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  • Srgio Vasconcelos de Luna. Foi feito o depsito legal

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouva Kfouri/PUC-SP

    Luna, Srgio Vasconcelos deP l a n e j a m e n t o de pesquisa: uma int roduo / Srgio

    Vasconcelos de Luna. - 2 ed. So Paulo: EDUC, 2009.116 p.7 18 cm. - (Srie Trilhas)Bibliografia.ISBN 97S-S5-283-0408-4

    1. Pesquisa - Metodologia. 1. Ttulo. H. Srie.

    CDD 001.42

    SUMARIO

    Ia edio: 1996Reimpresses: 1997, 3998 (2), 1999, 2000, 2002, 2003, 2005, 2007

    EDUC - Editora da PIJC-SP

    DireoMiguel Wady ChaiaProduo Editorial

    Snia MontoneReviso

    Soma RangelEditorao EiefrnicaWaJdir Antnio Alves

    WiLliam "MartinsCapa

    Maril DardotRealizao: Waldr Antnio Alves

    SecretrioRonaldo Decicino

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    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558E-majl: [email protected] - Site: w\u c

    PREFCIO 7

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISACOMO TOMADA DE DECISES 13

    Conceituao do termo pesquisa 13O projeto de pesquisa 27O problema de pesquisa 28A explicitao das fontes de informao 51A seleo dos procedimentos de coletade informao 61Uma pausa para reconsiderao 63A transformao das informaese tratamento de dados .66A generalidade do conh.eam.ento - 72

    A REVISO DE LITERATURA COMO PARTEINTEGRANTE DO PROCESSO DE FORMULAODO PROBLEMA 85

    Alguns objetivos da reviso de literatura 87Localizao e Identificao de materialpotencialmente relevante 94At onde retroceder no tempo? 99Conao iniciar o levantamento bibliogrfico 100A organizao do texto ; 101Adequao do tipo e da quantidadede informao: resumo versusdescrio versas crtica - 103Fontes primrias versus fontes secundrias.-. 108Citaes direias 110

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 113NOTA SOBRE O AUTOR 115

  • t PREFACIO

    Ao longo de muitos anos como profes-sor de Metodologia Cientfica, beneficiei-me deinmeros livros sobre o assunto que, de umaforma ou de outra, por uma razo ou por outra,serviram para subsidiar a discusso sobre apesquisa cientfica em diferentes momentos docurso. Com certeza, jamais encontrei "o lixo-o"que preenchesse os requisitos do curso queeu pretendia lecionar, mas pouco provvelque algum professor, minimamente inquieto,o tenha feito. Alis, essa deve ser a razo pelaqual muitos professores acabara escrevendoseus prprios livros didticos.

    Fosse como fornia de ir "compondo" umabibliografia mais prxima dos meus objetivos,fosse pela necessidade de fazer os alunos con-frontarem-se com diferentes autores - e, con-sequentemente, com diferentes ideias sobreos assuntos em discusso -, acabei aderindo ideia de ir buscar, para cada tpico a ser dis-cutido , o s autores que melhor exprimis s emas questes centrais sobre ele e o debate quese travava em torno dele. Mas, se essa decisosatisfazia a minha inteno no que se referiaa programa de. curso, era certo que o recurso

  • PLANEJAMENTO DE PESQUISA PREFACIO

    era insuficiente, tanto em relao minha con-tribuio corno professor quanto no que diziarespeito s ligaes que o aluno podia esta-belecer a partir daquilo que poderia parecer aele "uma colcha de retalhos". A alternativa eratransformar-me em autor, ainda que modesta-mente, redigindo notas de aula.

    Paralelamente s minhas atMdades comoprofessor (a maior parte do tempo junto a pro-gramas de Ps-Graduao), somava-se uma ati-vidade de orientador de teses e dissertaes ede membro de bancas de exame de qualifica-o e de defesa. Nessas atividad.es interferiauma condio possivelmente diferenciada emrelao a outros professores de ps-graduao-provavelrnente, em virtude do tempo que dedi-quei ao ensino da Metodologia Cientfica e/oupor causa do meu declarado interesse peJasquestes metodolgicas, havia quase sempreuma expectativa de que minha participaoem bancas cobrisse particularmente o aspectometodolgico, a par de outras questes que eutivesse para analisar. Essa circunstncia, aJiadaao meu hbito de redigir arguies, levou-mea focalizar minha ateno em problemas meto-dolgicos recorrentes e a sistematiz-los.

    Finalmente - e como as coisas nunca ocor-rem por acaso -, tive oportunidade de partici-par de vrios eventos em que o tema centralera a metodologia ou a atividade de pesquisa

    na Universidade. Por hbito ou por coerncia,minha tendncia foi sempre a de levar paraesses eventos o exerccio de reflexo sobre osproblemas que encontrava em meus cursos,nas bancas em que arguira e, obviamente, naprpria literatura que estudava.

    No demorou para que esses exercciosde reflexo - transformados em. textos - viras-sem publicaes, ora para servirem a fins did-ticos em meus prprios cursos, ora por forada (boa) tradio de se publicarem textos apre-sentados era eventos. No entanto, a despeitoda qualidade dos veculos em que os artigosforam publicados, uma srie de razes acaboufazendo com que sua circulao ficasse res-trita, tendo unia das publicaes se esgotadomuito rapidamente e nunca mais sendo ree-ditada. Apesar disto, com frequncia, eu erasolicitado a emprestar cpias desses textos efiquei mesmo sabendo que cpias em. xeroxdeles eram recorrentemente usadas em cursosem. diferentes instituies.

    Em Asta disso, comecei a cogitar a ideiade reunir todos os artigos em uma publicaonica. Pela prpria exposio feita at aqui,j deve estar claro que minha inteno no a de publicar um livro de Metodologia daPesquisa ou Cientfica: os assuntos tratados ea sua abrangncia nem permitiriam cogit-lo. Adeciso de faz-lo teve trs intenes bsicas:

  • PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    condensar experincias tanto como orientadorde alunos (principalmente mestrado e douto-rado) quanto como membro de bancas de exa-mes de qualificao e de defesa; sistematizaranotaes de aulas em cursos de metodologiaque venho ministrando h alguns anos; e inte-grar a esse conjunto os textos que redigi paraexposio em eventos. Ao mesmo tempo, orelanamento deles visa, tambm, dar-lhesuma direo mais definida em termos de suadivulgao.

    Dada a minha explcita inteno de que ocontedo deste texto tenha finalidade didticaem relao reflexo sobre alguns aspectos daativdade de pesquisar, julgo procedente, deincio, fazer duas declaraes de princpio.

    A primeira diz respeito ao valor relativoque atribuo aos cursos de metodologia. Quantomais me envolvo com eles, mais me convenode sua insuficincia para a formao de pes-quisadores, sobretudo quando eles so usadoscomo substitutos da ativdade de pesquisa.

    A metodologia um instrumento pode-roso, justamente porque representa e apresentaos paradigmas de pesquisa vigentes e aceitospelos diferentes grupos de pesquisadores, emum dado perodo de tempo. , ela mesma, umobjeto de pesquisa, e grandes pesquisadores \m se dedicado a estud-la, o que atesta, maisuma vez, a sua importncia e seriedade.

    PREFCIO l

    No entanto, ha, ainda, considervel con-fuso em relao sua funo e utilidade.Uma coisa empreg-la para preparar ocaminho de iniciantes pesquisa que estocontinuamente sendo confrontados com asituao de pesquisa; outra coisa substi-tuir a prtica da pesquisa pela metodologia.Uma coisa promover, entre os alunos, a dis-cusso terico-metodolgica sobre a realidadeque eles precisam aprender a representar parapoder analisar; outra coisa substituir o fazerpesquisa pelo falar sobre pesquisa,

    Tive algumas lies inesquecveis comoprofessor de cursos de metodologia para alu-nos de Medicina, Farmcia e Odontologia.Habitualmente, a metodologia - pelo menoscomo uma disciplina formal - no faz partedo currculo desses cursos, o que j um fatora ser analisado. Durante as primeiras aulas, aminha sensao de fracasso era sempre muitoforte, j que era patente a dificuldade dos alu-nos em "sintonizarem" comigo no raciocniometodolgico. Aps as primeiras aulas, come-ava a ficar claro que a novidade estava naformalizao de conceitos e de procedimen-tos abstrados da prtica: eles j agiam meto-dologicamente na prtica de laboratrio, masno sabiam falar a respeito do que faziam!Talvez seu currculo pudesse ser criticado pela

  • PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    demora era entrar ria questo conceituai, mascertamente no corria o risco de levar os alu-nos a s ub s ti turrem o fazer pelo falar sobre.

    Voltando ao ponto inicial, gostaria de nosver a todos discutindo metodologia em meio atvidade de pesquisa, em vez de nos ocnpar-rnos com quanta metodologia conseguimoscolocar em l ou 2 semestres. Mas, enquantonossos currculos no substiturem crditos erncursos por atividades de. pesquisa, no faz sen-rido discutir a eficincia/suficincia dos cursosde metodologia; eles continuaro sendo um.mal necessrio. Todavia, permanece verdadeque seu contedo servir apenas corno poss-vel roteiro para atividades de pesquisa se estasocorrerem,

    A segunda declarao que fao decorrn-cia da primeira. A realidade a ser pesquisada infinitamente maior, mais complexa e maisdiversificada do que qualquer formalizaoddtca da atividade do pesquisador (e a meto-dologia no passa disso). Assim., o valor dasconsideraes feitas aqui restringe-se opor-tunidade de se refletir sobre questes metodo-lgicas; o risco que se corre o de elas virema ser transformadas em modelos e padres aserem seguidos.

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISACOMO TOMADA DE DECISES

    Conceituaao do termo pesquisa

    Se foi possvel, em um certo perodo dahistria da cincia, estabelecer parmetros elimites para delimitar o que era pesquisa, deh muito pode-se afirmar qne ningum sairileso de tal empreitada, e eu no tenho ilusode constituir exceo a essa "regra". As razesque justificam, essa afirmao esto alm daspossibilidades deste livro, seja ern inteno,seja mesmo em. necessidade, j que outrosautores cuidaram disso. No entanto, impor-tante recuperar alguns dos argumentos quedo sustentao a ela, na medida em que aju-dam a entender a conceltuao de pesquisaque proponho e que adoto ao longo do texto.

    O sentido da palavra metodologia temvariado ao longo dos anos. Mais importante,tem. variado o status atribudo a ela no contextoda pesquisa. Em alguns mbitos profissionais,metodologia associada a Estatstica, e Demo(1981) sugere que, na Amrica Latina, metodolo-gia se aproxima mais do que se poderia chamarde Filosofia ou Sociologia da Cincia, enquantoa disciplina instrumental referida corno

  • PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    Mtodos e Tcnicas. Mais importante, porm,que as conotaes que possam ser atribudasao termo, foram as transformaes que sofreu oseu status dentro do cenrio da cincia. De fato,reconhece-se, hoje, que a metodologia no temstatus prprio, precisando ser definida em umcontexto terico-metodolgico. Em. outras pala-vras, abandonou-se (ou vem-se abandonando)a ideia de que faa qualquer sentido discutir ametodologia fora de um quadro de referenciaterico que, por sua vez, condicionado porpressupostos epistemolgicos. O -reconheci-mento do poder relativo da metodologia tem portrs outra decorrncia da evoluo do pensa-mento epistemolgico: a substituio da buscada verdade, pela tentativa de aumentar o poderexplicativo das teorias. Nesse contexto, o papeldo pesquisador passa a ser o de um intrpreteda realidade pesquisada, segundo os instrumen-tos conferidos pela sua postura terco-episte-molgica. No se espera, hoje, que ele estabeleaa veracidade das suas constataes. Espera-se,sim, que ele seja capaz de demonstrar -segundo critrios pblicos e convincentes -que o conhecimento que ele produz fidedignoe relevante terica e/ou socialmente.J

    ( Defendo o compromisso social do pesquisador em sua at-vdade cientfica, mas a histria da cincia mostra que seria ingnuocobrar de todas as pesquisas, o tempo rodo, urna aplicao social m ed faca.

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    A despeito dessas consideraes, a ativi-dade de pesquisa pode ser razoavelmente con-ceituada e delimitada. Na medida em que meuconceito de pesquisa embasa o restante dotexto, julgo procedente explicit-lo.

    Essencialmente, pesquisa visa a produ-o de conliecrmento novo, relevante tericae socialmente e fidedigno. A discusso docritrio por trs do adjTTh/o "novo" ser feitamais amplamente quando tratarmos da distin-o entre o pesquisar e o prestar servios, umpouco adiante. Por enquanto, suficiente escla-recer que ele subentende um conhecimento quepreenche unia lacuna importante no conheci-mento disponvel em uma determinada rea doconhecimento. O julgamento ltimo da novi-dade e da importncia do conhecimento produ-zido feito pela comunidade de pesquisadoresque estudam aquela rea de conhecimento.

    O carter deli.beradame.nte despojado doconceito de pesquisa apresentado acima deve-ria ser suficiente para deixar claro que no merefiro a qualquer tipo particular de pesquisa,nem a uma abordagem particular, mas a exem-plificao de alguns objetivos a serem atingi-dos por uma pesquisa pode esclarecer melhoressa afirmao:

    - demonstrao da existncia (ou daausncia) de relaes entre diferentesfenmenos;

  • j 6 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    estabelecimento da consistncia internaentre conceitos dentro de uma dadateoria;

    - desenvolvimento de novas tecnologiasou demonstrao de novas aplicaesde tecnologias conhecidas;

    - aumento da generalidade do conhe-cimento;

    - descrio das condies sob as quaisurn fenmeno ocorre.

    Os elementos bsicos da pesquisa

    Qualquer que seja o referencial te-rico ou a metodologia empregada, uma pes-quisa implica o preenchimento dos seguintesrequisitos:

    1) a formulao de um problema de pes-quisa, isto , de um conjunto de perg~untasque se pretende responder e cujas respostasse mostrem, novas e relevantes terica e/ousocialmente;

    2) a determinao das .informaes neces-srias para encaminhar as respostas s pergun-tas feitas;

    3) a seleo das melhores fontes dessasInformaes;

    4) a definio de um conjunto de aesque produzam essas informaes;

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    5) a seleo de um sistema para trata-mento dessas informaes;

    6) o uso de ura sistema terico para inter-pretao delas;

    7) a produo de respostas s perguntasformuladas pelo problema;

    8) a indicao do grau de contabilidadedas respostas obtidas (ou seja, por que aque-las respostas, nas condies da pesquisa, so asmelhores respostas possveis?);

    9) finalmente, a indicao da generalidadedos resultados, isto , a extenso dos resul-tados obtidos; na medida em que a pesquisafoi realizada sob determinadas condies, ageneralidade procura mdlcar (quanto possvel)at que ponto, sendo alteradas as condies,podem-se esperar resultados semelhantes.

    Essa sequncia est ilustrada no esquema pgina 83 e ser retomada ao longo do livro.

    Antes de prosseguir, paro neste pontopara sugerir ao leitor que reflita sobre umaquesto: exatamente, que tendncia meto-dolgica particular caracterizada por essesrequisitos? Ou, de outra forma, que correntemetodolgica poderia dispensar qualquer um.deles? Neste ltimo caso, o que permitiria con-tinuar falando em pesquisa? Minha respostaa ambas as perguntas acima "nenhnma", epasso a justific-la usando cada um dos requi-sitos acima mencionados.

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    Os efeitos da inexistncia de um problemade pesquisa (ou de uma pergunta que se queiraresponder) parecem claros e no dependem demuita discusso. Ele precisa existir, mesmo quesob a forma de uma mera curiosidade, paradigir o trabalho de coleta de informaes eposteriormente, para organiz-las. difcilargumentar contra a formulao de problemasde pesquisa e desconheo a existncia de umacorrente metodolgica que o faa seriamente.

    Vez por outra, surgem alegaes de quea formulao de problemas de pesquisa umaimposio de metodologias tradicionais. Noentanto, a meu ver, a maioria dos argumentosoferecidos nesse sentido tem uma concepoequivocada de "problema de pesquisa". Porexemplo, defensores da chamada pesqusa-aao sustentam no ser possvel a formula-o prvia de problemas em virtude de istoser parte do prprio processo de pesquisa,devendo, portanto, brotar dele.

    No tenho objees a essa maneira deencarar o problema de pesquisa. Entretanto,se cabe ao pesquisador um pape] de desen-cadeador desse processo ou, ainda, se cabe aele qualquer papel diferencial que o qualifi-que como pesquisador, ento, necessrioQue ele nos devolva urna anlise que indiquequal era o problema original (que poderia per-feitamente ter sido "corno levar este grupo a

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    descrever e identificar suas dificuldades?" oualgo no gnero) e que resposta obteve. Note-seque estou fazendo uma clara distino entre aresposta s questes sociais que poderiam tergerado a sua ao no grupo ou comunidade e aresposta que ele oferece enquanto pesquisador comunidade cientfica.

    Em resumo, toda pesquisa tem um pro-blema, embora a sua formulao possa variarquanto natureza ou molaridade.

    Os requisitos segiiintes (2, 3 e 4) dizemrespeito existncia de um conjunto de passosque gerem informao relevante, isto , o pro-cedimento. No vejo como uma pesquisa possadispensar procedimentos, e a razo para isso simples. Se o problema que gera a pesquisano pode ser respondido diretamente (casocontrrio no teramos um problema!), isso sig-nifica que a realidade no pod.e ser apreendidadiretamente, mas depende de um recorte delaque faa sentido. Esse recorte garantido peloprocedimento que seleciona as informaesnecessrias para uma leitura pelo pesquisador.Diferentes tendncias faro recortes diferentes,mas no podero prescindir de procedimentosde coleta de informaes.

    O s cri trio s 5 e 6 jus tif iam-s e p elanoo de "recorte" da realidade, mencionadaacima. Respostas a um questionrio, transcri-es de entrevistas, documentos, registros de

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    observao representara apenas "informaes" espera de um tratamento que Lties de umsentido e que permita que a partir delas seproduza ura conhecimento at ento no dis-ponvel. E aqui se fecha o crculo da teoria emrelao pesquisa (ver esquema), j que o sis-tema de tratamento das informaes dependedo referencial adotado e que, por sua vez,gerou o problema, as perguntas a serem res-pondidas e o procedimento para a coleta deinformaes.

    A questo da confiabilidade da respostaoferecida pela pesquisa pode, resumidamente,ser colocada da seguinte forma: se a res-posta (ou respostas) produzida pela pesquisadepende da interpretao das informaesgeradas pelo procedimento, o pesquisador deveoferecer garantias quanto sua adequao(a alternativa colocar o interlocutor na posi-o de acreditar ou no no resultado oferecido,em vez de torn-lo um reintrprete dos resul-tados!). Frequentemente (e cada vez mais), asinformaes geradas pelos procedimentos depesquisa consistem em massas de relatos ver-bais, verdadeiros discursos (como se diz hoje)que em geral no so colocados disposiodo leitor, pelo seu volume ou mesmo pelanecessidade de manuteno do sigilo. Contudo,ainda nesses casos, o pesquisador no pode sefurtar dvida de expor os meios de transfor-

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    mao da informao em dado e de argumen-tar a favor da sua adequao. A ausncia dessecompromisso tem transformado muito do quecomeou como pesquisa em manifesto ou emromance.

    Embutida na questo da fidedignidade,existe outra questo. Uma v&z tratadas e ana-lisadas as informaes, o pesquisador chega resposta (ou respostas) ao seu problema.Consideradas as circunstncias em que foi rea-lizada a pesquisa, por que a resposta oferecida a melhor resposta possvel? Por que respostasalternativas puderam, ser descartadas? Apenascomo exemplo da importncia dessa avaliao,lembro a frequncia com. que termino a leiturade uma "pesquisa" com a sensao de que aresposta estava pronta antes de a pesquisa serrealizada e teria sido oferecida independente-mente das informaes coletadas e das anli-ses feitas.

    O ltimo item da sequncia ser maisdetidamente analisado em um tpico parte,no final do livro, dedicado generalidade dosresultados. Por isso, basta, no moruento, umabreve meno a ele para completar o quadrodos requisitos da pesquisa. Por mais abran-gente que possa s er, urna p es q uis a tomasempre um "pedao", uma amostra de unafenmeno para estudo; at demonstrao emcontrrio, os resultados a que apesquisa chega -

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    se terica e metodologicamente corretos - tmsua validade restrita s condies sob as quaisfoi realizada. Cabe ao pesquisador indicar ograu de generalidade que se possa vir a atribuira eles, ou seja, em que medida eles podem serestendidos a situaes no contempladas pelapesquisa.

    Logo no incio deste tpico, eu afirmeique os requisitos propostos para uma pes-quisa independiam da natureza da pesquisa edo referencial adotado. Feitas as consideraesacima, pergunto: sob que condies uma cor-rente metodolgica qualquer poderia se eximirde oferecer respostas a essas questes? E, sepuder, por que razo as respostas oferecidaspor uma pesquisa realizada sob essa orienta-o deveriam merecer algum, crdito?

    O pesquisar e o prestar servios

    A evoluo das matrizes epstemolgicasque presidem a pesquisa em. educao e aspreocupaes com os determinantes sociais dofenmeno educacional produziram urna altera-o sensvel no padro de pesquisa nos ltimosauos. Ocorreu uma imerso mais profunda dopesquisador na situao natural, aumentando,em muito, a relevncia dos conliecim.entos pro-duzidos. Ao mesmo tempo, aumentou o com-promisso do pesquisador com a transformao

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    da realidade pesquisada, seja pela intervenodireta, seja peia explicitao das implicaessociais do conhecimento produzido.

    O problema todo que, se imerso na rea-lidade e compromisso com ela so sempre pro-dutivos em termos de ao relevante, isso no suficiente para caracterizar a pesquisa. Entraaqui uma distino entre uma prestao de ser-vios e uma pesquisa. Antes de faz-lo, porm,julgo fundamental prestar alguns esclareci-mentos no intuito de prevenir mai-entendidos-

    - No h, na distino, tentativa de esta-belecer juzos de valor sobre qualquerunia das ativid.ades. O melhor critriopara julga-las ainda o da qualidade,seja do ponto de vista do conhecimentoproduzido, seja no que diz respeito aoservio prestado.

    - Formalmente falando, no h nad.a queimpea que um profissional pesquiseuma realidade e, ao mesmo tempo,preste servios aos envolvidos nela. Domeu ponto de vista, este seria o profis-sional ideal.

    - Alm disso, mesrno que todos os profis-sionais soubessem/quis essem/pudes-sem faz-lo, essa distino ainda fariasentido, na medida em que ambas asatividades - pesquisa e prestao deservios - assurnem caractersticas

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    diferentes, no mnimo quanto ao seuponto de partida e de chegada, con-forme indico a seguir.

    A distino pode ser melhor caracterizadaretomando-se um dos critrios para definir apesquisa: a produo de conhecimento novo.Ao se realizar uma pesquisa, espera-se queo ponto de partida identifique um problemacuja resposta no se encontre explicitamentena literatura; consequentemente, a respostaobtida ao final da pesquisa - constatada a cor-reo metodolgica - deve ser relevante para acomunidade cientfica, no apenas por se tra-tar de uma resposta, mas, principalmente, porse tratar d.e tuna resposta importante de serobtida. Dessa forma, pesquisa sempre um elode ligao entre o pesquisador e a comunidadecientfica, razo pela qual sua publicidade elemento indispensvel do processo de produ-o de conhecimento.

    Nos projetos de interveno, o profissio-nal (e no necessarl.am.ente o pesquisador) esta servio de um. interlocutor (indivduo, grupoou comunidade) que apresenta una problemaque, para maior facilidade de comunicao,identificarei aqui como "queixa". Cabe ao pro-fissional identifica-la ou levar seu interlocutora identific-la e colocar sua habilitao a ser-vio do encaminhamento de solues. Dessa

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    forma, um projeto de interveno parte da"queixa" (ou da necessidade de ideutific-la) etem como ponto de chegada a sua soluo. Seisso ocorrer, ter-se- caracterizado uma ade-quada prestao de servios.

    Se essas consideraes soam bvias, suaobviedade parece diminuir quando o pro-jeto de interveno envolve pesquisa, ou seja,quando seu autor (ou autores) qualifica-o eapresenta-o como urna pesquisa. Nessas cir-cunstncias, tenho observado, n.o relato dele,a ocorrncia de certas combinaes que mere-cem considerao.

    Combinao 1. O relato sugere um projetorelevante pelos seus efeitos, mas no indica osprocedimentos empregados, nem que avalia-o d.os resultados foi feita e:m relao a eles;em. outras palavras, tor.ua-se difcil caracteri-zar mesmo uma ao profissional, seja de pes-quisa, seja de interveno. Na maior parte dasvezes, o sucesso avariado por um critrio de"validao social", isto , o "cliente" mostra-sesatisfeito com os resultados.

    Combinao 2. O relato cl conta da queixae da sua soluo; contudo, nem queixa, nemsoluo so relevantes para a comunidade cien-tfica, na medida em que no constituem infor-mao nova para ela. Embora pais possam ficaraliviados por saberem que a enfermidade deseu filho foi identificada e curada, dificilmente

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    ura mdico iria a um congresso para comunicarseu procedimento para identificar um resfriadoe tratar dele. Em outras palavras, o relato podeter o "aspecto formal" de uma pesquisa, mas oconliecim.ento a que se chega no novo para acomunidade de pares do pesquisador.

    Combinao 3. Essa combinao, comoa anterior, decorre de uma confuso quantoao interlocutor prprio para cada avidade,embora em senado inverso. Pesquisadoresadoando a metodologia da pesquisa-ao/pes-qulsa-parlicipante sempre assumiram, a tarefade devolver aos participantes os resultados desua ao. No entanto, com alguma frequncia,constataram o desinteresse destes quanto aosresultados. Com algumas possveis excees,certamente tratava-se de devolver aos parti-cipantes resultados que s interessariam comunidade cientfica. Um exemplo frequentedessa situao configura-se nos relatrios quepesquisadores na rea de educao costumamentregar escola aps concludo o estudo:massudo e maante!

    Em resumo, independenternente da rele-vncia de que cada uma se reveste, pesquisa eprestao de servio no se confundem, nemmesmo quando ambas so desenvolvidas con-juntamente. Por mais verdadeiro que seja ofato de que teoria e pratica precisam interagircontinuamente e por mais indiscutvel que seja

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... T7

    a necessidade do compromisso do pesquisa-dor com a realidade, permanece o fato de queambas - prestao de servios e pesquisa -tm objetivos e interlocutores diferentes, quedesempenham funes diferentes no processode desenvolvimento do conhecimento.

    O projeto de pesquisaUma das principais dificuldades com que

    se defronta quem quer que se disponha a dis-correr sobre o processo envolvido no plane-jamento da pesquisa diz respeito inevitvelpeculiaridade de cada projeto, decorrente danecessidade, por exemplo, de ajust-lo aoproblema form.u].ado e de respeitar as condi-es sob as quais a pesquisa ser realizada.De fato, a partir das primeiras decises toma-das, abre-se um. verdadeiro leque de caminhosalternativos a tomar, e o pesquisador deveestar preparado para, ao mesmo tempo, sersensvel s alteraes que se lhe impem (sejapela lgica do plan.ejamen.to, seja pelos resul-tados que comea a obter) e manter o equil-brio metodolgico, sob o risco de terminar comuma massa de informaes que no produzemdados consistentes.

    Essa fluidez do processo de pesquisa (queno deve justificar ausncia de critrios) tornaimpraticvel e indesejvel normatiz-lo. Apesar

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    disso, a experincia indica caminhos (a trilharou a evitar) e recursos que podem auxiliar nareflexo que preside o planejamento. issoque se pretende transmitir a seguir.

    O problema de pesquisaA posio assumida e enfatizada neste

    livro a de que clareza em relao ao problemada pesquisa constitui um passo fundamentaldentro do processo de pesquisar. Conformese pretende demonstrar, as demais decises aserem tomadas pelo pesquisador dependeroda formulao do problema e, portanto, serotanto mais adequadas quanto maior for a cla-reza em relao a ele.

    No raramente, um pesquisador iniciar(um)a pesquisa, far intervenes na realidadea ser pesquisada e colhera informaes como propsito explcito de localizar um(o) pro-blema de pesquisa ou de detalhar o problemainicialmente formulado. Essas circunstncias,no entanto, apenas falam a favor da importn-cia do detalhamento do problema de pesquisacomo guia p ara o ds envolvimento futurodesta.

    Entretanto, com alguma frequncia, esta-belece-se uma confuso entre elementos rela-tivos a um problema de pesquisa e o prprioproblema, dando-se andamento ao trabalho de

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    pesquisa sem uma clareza suficiente quantoao que se pretende pesquisar. Os itens a seguirforam introduzidos com o intuito de esclare-cer alguns desses elementos e as relaes queeles costumam manter com o problema depesquisa.

    rea / tema / ttulo / sujeito / instituioversus problema de pesquisa

    O ponto de partida de uma pesquisa podeconstituir-se de uma inteno ainda imprecisa.O pesquisador pode ter decidido trabalhar comdeficientes mentais ou estudar a escola de pri-meiro grau. possvel que tenha se associadoa um grupo que vem estudando a psicologiadas organizaes ou, mais especificamente, asrelaes sociais dentro de empresas. Nenhumadessas especificaes delimita um problema depesquisa, embora o pesquisador esteja um oumais passos adiante de quem no tenha aindaideia do que pretende estudar.

    De fato, "deficientes mentais" delimitaum tipo de sujeito (embora a deficincia men-tal seja melhor caracterizada como um tema).A escola de primeiro grau (ou qualquer outra)circunscreve uma instituio dentro da qual sepretende trabalhar. A psicologia social ou dasorganizaes configura uma rea de pesquisae a especificao de que se pretende tratar das

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    relaes sociais dentro das empresas j implicaa seleo de ura terna dentro de urna rea, masno ainda um problema de pesquisa.

    Da mesma forma, por mais informativoque seja o ttulo de um trabalho (e ele deverias-lo), raramente ele se constitui em uma boaformulao de problema de pesquisa (at por-que ttulos no deveriam ser longos). "Estado,Sociedade e Marginalidade" pode ser um timottulo para um trabalho, mas certamente noconstitui uma boa formulao para um pro-blema. Em qualquer das situaes acima, opesquisador estar apenas em urna fase preli-minar do processo de pesquisar, que pode serurna etapa inevitvel do pesquisar, especial-mente se o pesquisador estiver entrando emuma rea nova para ele (alis, condio comumentre os pesquisadores iniciantes). O risco delaest no fato de uma formulao to inicial sertomada como o problema de pesquisa, gerandoo desencadeamento das demais decises (esco-lha de procedimentos, das caractersticas dosparticipantes da pesquisa, etc.). J foi dito aquique quanto mais claramente um problema esti-ver formulado, mais fcil e adequado ser oprocesso de tomada das decises posteriores,mas deve ficar claro que essa clareza no sig-nifica que o pesquisador no decida/prefira/

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 3 l

    precise reformular o problema posteriormente.O processo de pesquisa essenciahnentedinmico .

    O problema de pesquisa como perguntaou conjunto de perguntas

    Ura dos recursos teis no detalhamentodo problema de pesquisa o destrinchar daformulao inicial, buscando destacar as res-postas que o pesquisador gostaria de obter ou,pelo menos, indicar que aspectos do fenmenoa estudar ele julga necessrio cercar.

    Considerem-se as formulaes abaixo:- Que transformaes ocorreram no con-

    ceito de deficincia mental desde queele foi cunhado e quais as possveisimplicaes delas para as prticas decuidado com o deficiente mental?

    ~ Quais os efeitos de diferentes proce-dimentos de preenchimento de cargosde chefia sobre a produtividade daempresa?

    - H diferenas entre o relato de umprofessor sobre as dificuldades de umaluno e as dificuldades constatadas apartir do desempenho efetivo do aluno?

    - H coerncia interna entre os conceitosX, Y e Z que embasam a teoria T?

  • 32 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    Dois aspectos marcam, claramente a dife-rena entre as proposies iniciais que acaba-mos de discutir e as formulaes acima. Eraprimeiro lugar, quanto s perguntas formula-das acima, representara uma delimitao maisclara na inteno do pesquisador, em oposi-o a temas e reas genricos abrangentes.Em segundo lugar, por causa dessa maior cla-reza, comeam a servir de guia para a tomadade decises importantes na conduo da pes-quisa; de fato, em cada uma delas j h clarasindicaes do caminho a ser trilhado na pes-quisa (um. dos efeitos mais simples, mas cer-tamente importante, permitir ao pesquisadorselecionar que tipo de literatura poder vir ainteress-lo no embasamento da pesquisa e nadiscusso dos resultados).

    A discusso desses dois aspectos enseja aconsiderao de outro elemento importante doprocesso de pesquisar, embora seja difcil faz-lo sem. tomar um espao considervel e, maisImportante, sem correr o risco de supersimpli-ficao. Em todo caso, arrisco pelo menos umcomentrio: trata-se-do realce da funo dateoria. Considere-se, por exemplo, a formula-o do segundo dos quatro problemas acima.Um pesquisador pode percorrer inmerasempresas, descrever em detalhes tudo que lheparecer pertinente em termos de "sistema depreenchimento de cargos" e anotar tudo o que,

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 33

    eventualmente, possa dizer respeito a "produ-tividade". Pelos menos duas questes centraispodem ser destacadas daqui.

    a) Obtidas as inforrnaes sobre preenchi-mento de cargos e produtividade, a inteno a de associar os dois conjuntos, para cadaempresa, na expectativa de extrair possveisrelaes entre eles. Se essa relao existir nadireo prevista na formulao do problema,o pesquisador dever ser capaz cie explic-laem funo de algum processo que v alm daspeculiaridades encontradas em cada situao.Em outras palavras, que critrio dever serempregado para distinguir entre o .que idios-sincrasia de irm empresa no procedimento depreenchimento de um cargo daquilo que pode-ria vir a ser considerado, por exemplo, um. pro-cesso empresarial relevante? Algum tipo declassificao das informaes dever ser usadopara essa finalidade. Ora, esse tpico (comoa maioria deles) no constitui uma mata vir-gem aguardando um desbravador; certamente,algum j pesquisou, e escreveu, a respeito, e nofaz sentido que cada pesquisa parta do zero.

    b) possvel que o problema tenha tidouma origem em uma formulao "no-terica"(uma pesquisa encomendada por uma empresa,por exemplo, ou o interesse particular de umpesquisador). Ainda assim, o pesquisadordefrontar-se- com as questes mencionadas

  • 34 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    acima. Uma "soluo" (?) adotada por alguns iniciar a coleta de dados e esperar que ascategorias de anlise surjam das leituras domaterial e/ou que o referencial terico sejaescolhido aps a coleta do material. Ambas asalternativas esto disponveis e tm sido usa-das. No entanto, alm de achar que a primeiradelas exige um pesquisador experiente e cria-tivo, continuo acreditando que a realidade nose mostra a quem no pergunta. E se h per-guntas, algum tipo de teorizao j est envol-vido. Resta saber se boa... O mesmo raciocnioaplica-se a quaisquer dos demais exemplos.

    Hipteses e objetivos de pesquisa

    No sentido mais leigo do termo, hiptesesignifica uma suposio, uma conjectura e,quando aplicada pesquisa, implica conjecturaquanto aos possveis resultados a serem obti-dos. Desse ponto de vista, hipteses so quaseinevitveis, sobretudo para quem estudiosoda rea que pesquisa e, com base em anli-ses do conhecimento disponvel, acaba "apos-tando" naquilo que pode surgir como produtofinal do estudo.2

    2 E bem verdade que muito j se falou (cf. Bachrach, 1969)contra os perigos que qualquer tipo de hiptese possa representar,no sentido de tornar o pesquisador "mope" em relao a resultadosno esperados, mas este apenas um vis, dentre outros, a tentar opesquisador.

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA.. 35

    Mas hiptese sempre teve um significadoe uma funo bem mais precisos, especial-mente no que se refere pesquisa quantitativaconduzida segundo delineamentos estatsticos.De fato, a estatstica inferencial3 responde aperguntas especficas sobre relaes entre con-juntos de dados.

    Durante muitos anos, a primazia quaseabsoluta da pesquisa quantitativa tornouimpensvel que se dispensasse o uso de testesestatsticos para encaminhar os resultados dapesquisa. Nesse contexto, hipteses eram deri-vadas do problema formulado e faziam parteindispensvel do projeto e do relatrio depesquisa.

    Particularmente nas cincias humanas,quando comearam a ser introduzidos novosmodelos de pesquisa, a estatstica inferencialteve seu uso drasticamente reduzido e, emdecorrncia, evidenciou-se a existncia de urnaconfuso estabelecida entre problema e hip-tese. Por um lado, falar em problema de pes-quisa parece evocar, para muitas pessoas, ecosde pesquisa quantitativa segundo modelosestatsticos; ou seja, problema de pesquisa con-funde-se com hiptese estatstica. Como um

    3 A estatstica inferencial permite que se tirem concluses so-bre populaes a partir da anlise dos parmetros de amostras delas;ope-se, neste sentido, estatstica descritiva, cujo escopo a orga-nizao e a distribuio de dados de uma coletvidade qualquer.

  • 36 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    outro lado dessa mesma moeda, parece persis-tir a ideia de que, se no se pretender empregarestatstica inferncia!, desnecessria a preo-cupao com a preciso da formulao do pro-blema de pesquisa.

    Hiptese, nesse sentido, no pode e nemdeve confundir-se com problema de pesquisa.Em primeiro lugar, porque a formulao dehipteses de pesquisa deriva necessariamentedo problema. Em segundo, porqne, ao con-trrio do que ocorre com as demais formula-es de problema tomadas como exemplo,a hiptese representa uma formalizao doproblema e, como tal, muito mais especficado que este. De fato, uma hiptese bem. estru-turada depende de um problema claro e semambgni dades.

    Problemas de pesquisa so, tambm, fre-quentemente tornados por objetivos de pes-quisa. No raro, sou questionado por alunossobre as diferenas entre ambos ou sobre o lugaradequado para apresent-los, no projeto ou norelato. A discusso dos objetivos dentro do pla-nejamento do projeto apresenta uma dificul-dade decorrente do fato de, tradicionalmente,sua incluso no ser obrigatria nos modeloshabituais de planejamento de projetos e derelatrios de pesquisa e, consequentemente,

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA,.. 37

    haver pouca e>rplicitaao quanto a eles.'5 A con-fuso entre problema de pesquisa e objetivoscia pesquisa existe, mas parece-me que o bom-senso seja suficiente para dirimir dvidas: defato, ou os objetivos coincidem com o pro-blema (e, neste caso, no h porque criar umnovo item no relato), ou com "objetivos" pre-tende-se chamar a ateno para a relevncia dapesquisa, para a aplicabilidade dos resultados(que, de resto, sempre foi um item esperadodentro da introduo e/ou ao final do relato,;na discusso dos resultados).

    Neste ltimo caso, o importante frisarque a explicitaao do que se espera vir a con-seguir com a realizao da pesquisa (contri-buir para..., chanaar a ateno dos responsveispara..., esclarecer...) no substitui a formulaodo problema, nem se confunde com ela.

    Em sntese, objetivos e hipteses de pes-quisa no se confundem com o problema depesquisa, mas dependem da prvia formulaodele.

    -4 Tenho uma forte suspeita, de que essa expresso tenha sidointroduzida no planejamento das pesquisas pelos formulrios deagncias de fomento, como modo de forara explicao da relevn-cia de um projeto de pesquisa.

  • 38 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    Fatores relevantes na formulaode um problema

    H considervel consenso sobre relevnciae originalidade como critrios importantes paraa formulao de ura problema de pesquisa. Noentanto, por alguma razo, esses critrios assu-mem propores gigantescas para pesquisado-res iniciaates. O medo de que suas pesquisasvenham, a ser taxadas de futilidade, de queno venham a constituir "efetiva contribuio:ao campo" leva-os frequentemente a formularproblemas de muitos modos inviveis.

    A questo da relevnciaH pelo menos dois tipos de relevncia a

    considerar: a terica e a social. Inmeros textostm discutido essa questo, e eu cito, em par-ticular, o de Demo (1981), no qual a qualidadedo contedo se associa a um raro bom-sensoem discusses sobre o assunto. Ainda assim,vale apontar alguns aspectos em geral no con-siderados nas discusses sobre a questo.

    Uma coisa no saber responder pelarelevncia de uma pesquisa; outra espe-rar que seus resultados sejam definitivos emrelao a problemas nacionais seculares. Uniacoisa repisar o que muitos j disseram; outra imobilizar-se procura do absolutamente ori-ginal. Qualquer desses extremos parte do des-connecimento bsico da cincia enquanto uma

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 39

    atividade social, de carter coletivo, se no emcada ao, pelo menos no propsito. A solu-o de grandes problemas - nas cincias exa-tas como nas bumanas - se d como trabalhode criao coletiva, e em um espao de tempoque ultrapassa em muito aquele de una projetoindividual de pesquisa.

    Projeto de pesquisa versus programa de pesquisaGrande parte dos projetos mirabolantes e

    grandiloquentes constituiria, para pesquisado-res experientes, um programa de pesquisa, noqual cad.a tema importante analisado, decom-posto lgica e teoricamente, encadeado emrelao ao conhecimento que deve ir sendo pro-duzido. Esse procedimento, mais do que reve-lar esperteza por parte do pesquisador, revelaprofissionalismo: -cada etapa concluda divul-gada, submetida crtica, reformulada e adap-tada em relao ao conhecimento j avanadopelo prprio pesquisador e pelos demais. Nofaz sentido, portanto, que justamente pesqui-sadores iniciantes se aventurem, em uma pes-quisa singular (que mais propriamente deveriaconstituir um programa de pesquisa) em buscade sentido e relevncia para seus resultados..Parafraseando a profa. Maria Amlia Azevedo,se voc pretende continuar pesquisando oassunto, no precisa se envolver em um pro-jeto nico to ambicioso; por outro lado, se

  • 40 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    no pretende, a que no faz naesmo sentidoformul-lo desta maneira. "Pesquisas que notm passado dificilxnente tero futuro...".

    Em resumo, relevncia no sinnimo degrandiosidade. O melhor teste da relevncia deuna problema o confronto com o que pesqui-sadores e profissionais vm fazendo na rea. a explicitao da insero de urn problema depesquisa mais delimitado no contexto maior deum programa de pesquisa (do prprio pesqui-sador ou do conjunto de pesquisadores que sededicam a estudar o assunto) que confere rele-vncia pesquisa.

    Problema de pesquisa versuso que necessrio para estud-lo

    Uma das armadilhas espreita do pes-quisador iniciante a chamada "necessidadede contextualizar o problema". Muitas vezes,como parte desse processo, o projeto acabase desdobrando e perdendo a sua viabilidade;se, de fato, a contextualizao de um problemaexige uma pesquisa histrica, retrospectiva(como parece ser sempre o caso), ento,

    a) ou algum, j deve t-la realizado (e seisso no ocorreu valeria a pena, antes, rever anecessidade dela);

    b) ou mesmo necessrio que ela sejafeita; mas, neste caso, por que no realizar esseprojeto e adiar o segundo?

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 41

    Em qualquer projeto de pesquisa, o pes-quisador defronta-se com lacunas importantesna rea. Parte dessas lacunas dever ser preen-chida (por exemplo, com literatura pertinente),mas uma poro considervel delas far partede um conjunto de pressupostos assumidospelo pesquisador- Suas concluses permanece-ro provveis se e enquanto aqueles pressupos-tos puderem ser sustentados.

    Pressupostos5 sempre estaro por trs depesquisas. O risco maior no est na sua pre-sena, mas no desconhecimento dela. Levar emconta os pressupostos na anlise dos resul-tados uma das maneiras de contornar seusefeitos.

    O detalhamento do problema de pesquisa

    J foi dito aqui que quanto maior a clarezana formulao de um problema mais adequa-das podero vir a ser as decises subsequentesem relao ao projeto. Alm disso, o detalha-mento de um problema de pesquisa um pro-cesso relativamente aberto e, com algumafrequncia, o pesquisador ver-se- tentado oumesmo instado a alterar a sua formulao em.meio coleta de dados. Portanto, a insistnciaquanto clareza da formulao do problema

    5 Demo (l 98 l) faz uma anlise interessante deles e mostra queeles vo da ideologia ao senso-comum.

  • 42 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    e da sua delimitao visa a obteno de par-metros claros para as decises metodolgicas,mas no pode e no deve funcionar corno umacamisa de fora que torne o pesquisador insen-svel realidade com que ele se defronta.

    Se o problema formulado constitui, umconjunto de perguntas s quais o pesquisa-dor pretende responder ao final do trabalho,o passo seguinte deveria ser a determinaode uni conjunto de informaes a serem obti-das e que, uma vez analisadas, encaminha-riam as respostas pretendidas (ver o esquema pagina 83). O procedimento para se chegara isso depende de muitos fatores, comeandopelo estilo do pesq_uisador e chegando natu-reza da pesquisa e do problema. Apesar disso,apresento alguns exemplos que no pretendemconstituir roteiro, apenas apontar caminhos.

    H d.ois conjuntos diferentes de informa-es a serem obtidos a partir das perguntascontidas em um problema e eles sero ilustra-dos com. uni exemplo relativamente simples: acompreenso de leitura poder ser facilitada seo texto a ser lido/estudado for acompanhado dequestes de estudo?

    A partir desse problema, precisaramos,aparentemente, apenas de um grupo de alu-nos/pessoas dos quais pudssemos obter

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 43

    Informaes - as quais chamaremos, na faltade expresso melhor, de informaes diretassobre o problema - sobre:

    a) a compreenso de leitura sem questesde estudo;

    b) a compreenso de leitura com questesde estudo.

    Entretanto, uma anlise mais cuida-dosa revelaria a necessidade de informaes(ou, pelo menos, de cuidados) adicionais.Suponhamos que pretendssemos conduzira pesquisa segundo o esquema de compara-o entre grupos: durante um certo tempo,avaliaramos a compreenso de leitura dos indi-vduos de um grupo sem questes de estudo ea dos elementos do outro grupo que contassecom elas; ao final desse tempo, compararamoso desempenho dos dois grupos. A execuo dapesquisa comearia, ento, a exigir um outroconjunto de informaes no diretamente rela-cionadas ao problema, a saber:

    - qual o nvel de compreenso de lei-tora dos alunos antes de se iniciar apesquisa? (sem essa Informao, noteramos como comparar as diferenasao final dela);

    - qual o grau de dificuldade relativade cada texto? (sem essa informao,

  • 44 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    correramos o risco de misturar efeitosdiferentes: o das questes e o da com-plexidade do texto);

    - situao idntica anterior ocorre como fator motivacional, j que a dificul-dade maior ou menor de um texto sofrea influncia do interesse que o indi-vduo tem pelo assunto e do conheci-mento prvio dele sobre o contedo.

    Deve ser salientado que a natureza e fun-o das informaes consideradas necessrias,em uma determinada pesquisa, so variveisjustamente porque devem preparar o pesqui-sador para a tarefa futura de encaminhamentodas respostas formuladas a partir do problemamais geral. Ao concluir sobre a melhoria (ouno) do desempenho dos alunos no estudo, aofinal da pesquisa, o pesquisador deveria estarpreparado para responder pela possvel intera-o de fatores outros que no as questes deestudo, sob risco de comprometer suas conclu-ses (abalando a fidedignidade do estudo).

    Esse problema particularmente impor-tante quando a pesquisa envolve interme-dirios entre o indivduo que se estuda e opesquisador. A avaliao de programas deensino, por exemplo, no pode ser levada a

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA.., 45

    cabo sem que se considerem aspectos do seudesenvolvimento: quem os aplicou, com quecompetncia, etc.

    Alm disso, o reconhecimento da neces-sidade de informaes adicionais para escla-recer anlises que o pesquisador possa vira ter de fazer no pode servir de razo parauma ao desorientada, pela qual o pesquisa-dor passa a "cercar" quase tudo que lhe ocorreem matria de informao. A consequnciadisso ser, quase invariavelmente, informaono utilizada. Note-se que, em muitos casos,a implicao do fato no se refere apenas aotempo perdido do pesquisador: provvelque um certo nmero de pessoas deva terperdido tempo considervel fornecendo infor-mao (respondendo a questionrios ou con-cedendo entrevistas) que, afinal, nem era (to)importante.

    A esse respeito, cabe um alerta. Ao con-cluir sobre a importncia de um determinadoconjunto de informaes, vale a pena fazeruma ltima pergunta: como essas informaessero transformadas para que se obtenha a res-posta esperada? Indicadores sociais e econmi-cos costumam ser complexos e dependem demodelos adequados, nem sempre disponveis.No raro que questionrios contenham umalonga srie de questes supostamente neces-srias para a determinao de indicadores

  • 46 PLy\NEJAMENTO D PESQUISA

    socioeconmicos que, afinal, no podero seraproveitadas pelo simples fato de no se dis-por de maneiras adequadas de trat-las.

    Eu iniciei este tpico afirmando a impos-sibilidade de fornecer regras para essa ativi-dade. Mas h pelo menos um guia infalvel paraela: a literatura. por essa razo que nenhumapesquisa pode prescindir de um completo tra-balho de reviso, da literatura pertinente aoproblema. Obviamente, quanto mais extenso ecomplexo for o problema, maior e mais com-plexa ser a literatura a ser pesquisada.

    Viabilidade de um projeto de pesquisaInmeros fatores podem comprometer

    a viabilidade da consecuo de um projeto depesquisa, a partir da formulao do problema.Tecnologia disponvel, tempo, recursos finan-ceiros tm sido os mais comumente citados, eexatarnente por isso eu no pretendo retom-los diretatnente. Julgo mais produtivo des-trinchar algumas condies frequentementepresentes em projeto s e que acabam se conver-tendo em fonte de inviabilidade. Lembro queEco (1977) discute algumas dessas questes deforma impecvel, chegando mesmo a assumirum tom irnico e divertido.

    - A primeira, e mais importante, exa-tarnente a extenso que se confere aoproblema em sua formulao ou, dito

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 47

    de outra forma, que se permite que oproblema assuma por no se imporemhrnites ao formul-lo. Lembro-me deum projeto que, tendo partido de urnasituao razoavelmente delimitada (irmproblema educacional local), acabouincorporando uma anlise histricaque partia da situao das mes que seviram obrigadas a trabalhar, na Europa,no perodo da Revoluo Industrial.No discuto a propriedade das relaesestabelecidas; mas afirmo que o projeto desnecessariamente complexo e pro-vavelmente invivel para um ms trajadoiniciante na atividade de pesquisa.

    - Formular um problema sob a forma deperguntas ajuda a encaminhar o pro-jeto, mas h perguntas e perguntas. Porexemplo "como a criana aprende?" uma formulao que est muito longede permitir o detalhamento de una pro-jeto, assemelhando-se mais a um temageral, j que no permite entrever, deimediato, procedimentos que gereminformaes passveis de produziremrespostas. "Corno" refere-se a um pro-cedimento? A uni processo? De quecriana se fala? Aprendendo o qu? Etc.

    - Muitas vezes, a funo da perguntafalha por falta de compreenso do nvel

  • s PUMMEJAMENTO DE PESQUISA

    pesquisa, prendendo-se exclusivamente (suposta ou real) capacidade de trabalho dopesquisador. Alguns exemplos cotidianos:- as 6 semanas previstas para coleta de dados

    em urna escola podem virar 20 por no selevarem em conta as varias festas, perodosde provas ou as tradicionais greves;

    - o fato de se ter una cronograma de entre-vistas no significa quase nada em virtudeda necessidade, de constantes alteraes(de horrio ou de pessoa por desistncia deentrevistados); no cus ca lembrar que, nocaso de questionrios, o pesquisador temcontrole sobre o cronograma de envio, masno controla a devoluo;

    - transcries de fitas (cassete e de vdeo) soextremamente demoradas (a. "menos que sedisponha de recursos financeiros para paga-mento de terceiros) e costumam resistira cronogramas; em um. trabalho que reali-zei, a razo foi de 7 horas de transcrio porhora de fita gravada!

    O mais lamentvel que a constataodesses entraves costuma ser feita em meio fase de coleta de informaes para a pesquisa,corn todas as implicaes dai advindas!

    O PLANEJAMENTO D PESQUISA... 5 l

    A explicitao das fontesde informao

    importante notar que, at aqui, poucaou nenhuma referncia foi feita a procedimen-tos de coleta de informaes, e essa ausncia foideliberada. A menos que o pesquisador venhadesenvolvendo um programa de pesquisasencadeadas, a deciso quanto ao melhor pro-cedimento costuma ser tomada tardiamentedentro do planejamento da pesquisa, justa-mente porque ela depende de outras decises(a natureza do problema e a sua relao com ateoria, o detalhamento das questes seleciona-das, o cipo de tratamento que se pretende ouse precisa dar s informaes, etc.)- Antes defalar da questo da seleo das fontes, con-veniente fazer um prembulo sobre a naturezadas informaes.

    A natureza das informaes

    Para os propsitos da presente discusso,as informaes podem ser classificadas em fac-tuais e opinativas (crenas, suposies, valores,etc.)- Estoxi denominando factuais as infor-maes que dependem de pouca ou nenhumainterpretao, seja da parte do informante(se esta for a fonte), seja da parte de quem ar egis tra. Exemplo s de inf ormao es f ac tuais

  • 52 . PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    so: sexo, idade, estado civil, srie que cursa,empresa em que trabalha, renda, religio quepratica, etc.

    Por oposio, as informaes no factuaisou opin.ati.vas so aquelas que exprimem aconcepo de um mdivduo a respeito de simesmo, de uma situao ou de outrem, envol-vendo suas crenas, sentimentos, valores, opi-nies, etc. Nesse sentido, essas informaes,em geral, exigem interpretao de ambas aspartes: de quem as emite (seja porque a pr-pria natureza da informao implica subjeti-vidade, seja porque o mdivduo pode no ter,de momento, uma formulao verbal comoresposta) e de quem precisa registr-la e/oudecodific-la no momento da analise (aqui, denovo, evidencia-se a importncia da teoria).

    Essas distines podem soar meramenteformais, sobretudo se considerarmos que, nosextremos, dificilmente haver ambiguidade nadiscriminao entre uma informao to fac-tual quanto sexo ou idade e uma avaliao tosubjetiva quanto "gosto/no gosto". Mas duascircunstncias justificam sua considerao:em primeiro lugar, nem sempre a comparao feita entre extremos (ou nem sempre h osegundo termo para estabelecer-se a compara-o); em segundo - e mais importante -, no

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 53

    raro uma informao altamente opinativa tomada como factual. Essa questo retomadano tpico seguinte sobre a escolha das fontes.

    Tipos de fontes de informao6

    Para os propsitos deste texto, as fontesde informao foram classificadas em:

    - observao direta- observao indireta- relato verbal direto e indireto (oral ou

    escrito)- documento

    A observao direta refere-se ao registrode um.a dada situao/fenmeno enquantoela/ele ocorre. No raro, essa fonte citada,principalmente na pesquisa emprica, comoa mais direta das fontes, o que verdade emvrias circunstncias. No entanto, corno ocorreinvariavelmente em metodologia, a veracidadedessa afirmao condicionada por tantos"se" que acaba no fazendo sentido algum.

    6 A classificao que apresento a seguir (e que foi elaboradapara atender aos propsitos especficos deste texto) formalmenteIncorreta, na medida em que o termo "fonte" ambguo (ora assu-mindo o significado habitual de fonte, ora aproximando-se mais doque se costuma chamar de forma de registro ou, em outro contexto,de delineamento de pesquisa). Espera-se que as possveis vantagensdidticas compensem a violao cometida.

  • 54 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    Na verdade, seu valor depende do problemaque se formulou e das questes a responder,o que, alis, vale para todas as demais fontes.

    Eis alguns dos condicionantes:a) se verdade que, em muitos casos, a

    observao direta "reduz" o vis inevitveldos relatos orais, nem sempre ser possvel,em outros, reduzir o vis do observador; aomesmo tempo, possvel que o vis do sujeitoseja exatamente a informao que se pretendeobter (ver as informaes opinativas);

    b) dependendo do referencial de anlisedo pesquisador, possvel/provvel que eleseja capaz, com dados de observao direta,de propor explicaes funcionais para os fen-menos que observa; no entanto, eles sempresero insuficientes para estabelecer o processoque levou situao observada; reconhecendoessas limitaes, no raro os pesquisadoresaliam essa fonte a outras (por exemplo, a rela-tos orais).

    A observao indireta refere-se, aqui, aouso de indcios ou pistas como informaesdas quais se deduzem outras informaes.O exemplo mais claro que se pode ter o dafigura do "ndio batedor" que deduz infor-maes sobre quantas pessoas passaram poronde, em que direo, com que tipo de monta-ria, etc. apenas com base nos rastros deixados.Esse tipo de informao tanto pode ser explo-

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA. 55

    rado em funo da dificuldade de se obteremoutras, mais dixetas, quanto pode ter um usodeliberado como forma de no interferir nasituao estudada.

    Lembro-me de pelo menos uma pesquisaem que, suspeitando de que a diretora daescola no estava "abrindo o jogo" sobre cer-tas informaes, a pesquisadora lanou modos escritos que encontrava pelas paredese pelos quadros de aviso. Em um outro caso,quase toda a pesquisa foi montada com baseem informaes esparsas celeradas na sala dosprofessores durante o intervalo. Note-se quenenhum professor foi diretamente questionadosobre coisa alguma.

    Os relatos verbais sempre foram fon-tes controversas de informao, e a principalrazo para isso o fato de que eles tenderosempre a ser um correlato de algum fenme-no.7 Por exemplo, estudar as representaesde um indivduo pode ajudar a entender subs-tratos de suas aes, mas, de fato, no signi-fica estudar as suas aes. No mnimo, deverhaver, nesses casos, uma teoria forte capaz deestabelecer uma ponte entre o dizer e o fazer,entre a representao e a ao.

    Apesar desse carter indreto dos relatosverbais, possvel classific-los como diretos

    7 A menos, ciaro, que o prprio relato seja o objeto de escudoda pesquisa.

  • 56 Pt^NEJAr-lENTO DE PESQUISA

    I: e indiretos, com base na relao que se podeestabelecer entre a fonte e a informao quese espera dela; assim, o relato ser tanto maisdireto quanto menor for a intermediao entrea fonte e a informao que se deseja obter.A fonte mais direta sobre a satisfao deempregados de uma empresa so os prpriosempregados, e no o seu chefe!

    O documento, corno fonte de informao,assume diferentes formas: literatura pertinentea um assunto, anurios estatsticos e censos,pronturios mdicos, legislao, etc. so todosexemplos de fontes docuixi.en.tais. Como ocorreem relao s demais fontes, as informaesobtidas em documentos podem ser diretas eindiretas. No caso particular de documentos,essa distino costuma assumir a denomina-o de fontes primrias (diretas) e secundrias(indiretas). As obras originais de um autor soconsideradas corno primrias, enquanto as tra-dues e comentrios sobre esse autor j soconsideradas fontes secundrias.8

    De um modo geral, quanto mais "oficial"for um documento, mais primria ser a fonte.9

    8 No encanto, comum falar-se ern "tradues autorizadas"de obras, o que, sob determinadas condies, permite consider-lascomo fontes primrias.

    9 Certamente, caber ao pesquisador o exerccio do bom-senso e da crtica documental. Em alguns momentos, precisar usaro documento oficial, mesmo que ele no seja totalmente fidedigno,por falta de fontes melhores; em outros, parecer melhor refetar ooficial em troca de maior preciso.

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 57

    A escolha das fontes de informao

    J deve estar claro, a esta altura, qualseja a primeira regra na escolha de fontes deinformao: escolha sempre a fonte mais diretapossvel A segunda regra : esteja preparadopara assumir, na anlise das informaes, asimplicaes da escolha feita.

    Certos problemas de pesquisa - quer pelasua prpria natureza, quer pela habilidade dopesquisador .na delimitao do problema depesquisa - no deixam muita margem de esco-lha quanto s fontes a serem consultadas. Seminha pesquisa prope-se a comparar o nvelde aprovao no vestibular dos al.unos oriun-dos de escolas particulares e de escolas pbli-cas, no h multa escolha: preciso consultardocumentos nas secretarias das xmiversidad.ese registrar as informaes de forma cruzada.10Se uma pesquisa pretende avaliar as interaesentre a professora e seus alunos, a fonte maisdireta possvel a observao em sala de aula.Finalmente, se a inteno for a de avaliar assugestes e crticas do usurio de um servioqualquer (digamos, um posto de sade ou. uma!0 E possvel argumentar que a fonte mais direta o prprioaluno. No entanto, alm de se tratar de uma informao factual (nodependendo, portanto, de qualquer interpretao), a oficialidade doregistro da universidade torna essa fonte mais confivel.

  • 58 PLANEJAMENTO D PESQUISA

    biblioteca), o melhor recurso o relato verbal(oral ou escrito).

    O caso particular dos relatos verbais.merece destaque neste item. Estudar um fen-meno por meio de relatos verbais implica sele-cionar iridividuos que

    a) detenham a informao;b) sejam capazes de traduzi-las verbal-

    mente (especialmente no caso de informaesno factuais);

    c) e - principalmente - disponham-se afaz-lo para o pesquisador.

    Essas caractersticas dos indivduos sele-cionados no deveriam constituir meros pres-supostos; ao contrrio, o pesquisador d.eveestar preparado para avali-las durante a sele-o de seus sujeitos.

    Tenho constatado um fato curioso envol-vendo a questo da seleo de fontes diretas.Parece haver um consenso geral quanto suasupremacia, em relao a fontes indiretas,quando se trata de discutir a questo teorica-mente ou, mesmo, quando se avaliam decisesde outros pesquisadores. No entanto, o cursodo processo de pesquisa, por alguma razo,costuma fazer desviar o raciocnio, levandopesquisadores a ignorar a supremacia das fon-tes diretas.11

    l E possvel que, em muitos casos, isso ocorra em virtude deuma inverso na ordem da cornada de decises, tal como determi-

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 59

    Muito poucas situaes justificam a scle-o de fontes indiretas; no entanto, seu uso cfrequente, e as razes alegadas nem sempreso convincentes.

    Uma das fontes indiretas merece des-taque e comentrio: trata-se do indivduoselecionado como "autoridade". Em outraspalavras, o starus da fonte torna-a "oficial",de modo que seu relato tomado como umafonte direta. Um coordenador de uni reno-mado centro de pesquisa poderia ser tomadocorno unia autoridade para falar das dificul-dades de financiamento para projetos de pes-quisa (no mbito de sua rea); um terapeutapoderia vir a ser selecionado para falar, comoautoridade, dos problemas mais frequentes debusca de terapia.

    "Mais uma vez, a atribuio de swtus deautoridade a uma pessoa deve ser resultadode avaliao. Garantido que se avaliou por queuma autoridade prefervel "fonte- direta",ainda resta responder a:

    a) o que recomenda "aquela" pessoa como"autoridade"?

    nar o procedimento antes de urna formulao clara do problema ouseleconar fontes antes de se explicitarem as informaes de que senecessita para responders questes propostas pelo problema.

  • 60 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    b) que condies existem para ela e/oupara o pesquisador cUscriminar o que ela sabedaquilo sobre o que opina? O que sabe daquiloque pensa que sabe?12

    c) caso no seja possvel responder aoitem anterior, o que ainda recomenda a pessoacomo autoridade?

    d) como possvel avaliar (ou analisarposteriormente) o grau de iseno ou de senso-crtico da autoridade em relao sua parcelade responsabilidade no fenmeno estudado?13

    As anJises a f aqui feitas no pretendemcriar a expectativa de se chegar verdade dosfatos, nem eliminao da variabilidade ouda subjetividade. O que se pretende enfa-tizar, o mximo possvel, a ideia de que asdecises no processo de pesquisa encadeiam-se (mesmo que possam ou devam ser revis-tas ao longo dele): inforrnaes so coletadasporque encaminhara respostas a perguntasformuladas; fontes so selecionadas porque

    l 2 Obviamente, o que se contrape, aqui, a tomada da infor-mao opinativa como se fosse factual, sendo que esta, em geral, aque se espera de uma autoridade; por outro lado, se for avaliado quemesmo sua opinio ser importante, ento a questo no apresentadificuldade.

    13 E a pergunta que sempre me fao quando leio pesquisas quepretendem avaliar as dificuldades de alunos e que tomam, como fon-te, o prprio professor!

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 6!

    representam a melhor (mais autorizada, poss-vel, vivel...) forma de se obterem as informa-es necessrias.

    A seieo dos procedimentosde coleta de informao

    O esquema mostrado no anexo sugereque, tomadas as decises referentes s fontesde informao, o momento de determinar queprocedimentos sero empregados na coleta dasinformaes. Descries e anlises da maioriados procedimentos empregados para esse fimpodem ser encontradas em uma literatura jvasta (por exemplo, Jahoda, D eu ts cri e Cook,1951; Kerlinger, 1980; Burgess, 1982; Liidkee Andr, 1986). Assim sendo, prefiro concen-trar-me na discusso da relao entre o proce-dimento e as demais decises decorrentes doproblema. Pretendo demonstrar que:

    - raramente um procedimento empre-gado fruto de uma "escolha";

    - as anlises sugeridas no esquema anexopraticamente conduzem ao melhor pro-cedimento ou, pelo menos, reduzemsensivelmente as alternativas possveis.

    O raciocnio por trs da vinculaoentre o problema de pesquisa (e as decises

  • 62 PLANEJAMENTO DE PHSQUISA

    decorrentes do seu detaJJh.aro.ento) e o procedi-mento semelhante quele que fizemos ao dis-cutir as fontes diretas e indiretas.

    Cada procedimento de coleta de informa-es, pelas suas prprias caractersticas, apre-senta uma srie de vantagens, mas limitadoem vrios aspectos. preciso que o pesquisa-dor tenha conhecimento das desvantagens esaiba como contorn-las; se isso no for poss-vel, mais prudente buscar urn procedimentoalternativo. Por exemplo, questionrios fecha-dos, enviados por correio, permitem agilidadena coleta de informaes e facilitam enorme-rnente a tarefa de tabulao e anlise delas. Poroutro lado, o pesquisador deve estar preparadopara um retorno pequeno (estimad.o ern tornode 20 a 30% - cf. Baptistella Filho, Mazzon eGuagliardi, 1980), uma impossibilidade devolta ao indivduo que o respondeu para escla-recimento de respostas ambguas, um nmerorazovel de questes no respondidas, entreoutras desvantagens. Para fugir desses e deoutros problemas, pesquisadores optam, porexemplo, pela entrevista que, em grande partedos casos, ser aberta. Se ganham de um lado,devem enfrentar o fato de perderem em quan-tidade de respostas, na heterogeneidade delas(j que, em. casos de roteiros abertos, a dire-

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 63

    ao das anl ises acaba sendo determinada peloentrevistado,) e no tempo gasto para a anlisedas informaes.

    A essas peculiaridades de cada proce-dimento (j bem rnapeadas pela literatura),somam-se outros fatores de consideraodecorrentes da situao sob investigao.Questionrios podem ser aplicados .em forma dequestes abertas, mas estas precisam ter umaformulao clara e sua eficincia ainda d.epen-der de indivduos razoavelmente b ern-articula-dos na escrita. Alm disso, dependendo do tipode informao que se espera do indivduo, tal-vez seja prefervel deixar que ele a fornea porescrito, garantindo (ou no) o anonimato.

    Ao insistir na explicitao de cada umad.as perguntas que nos interessa respondere no de talhamento, para cada uma delas, damelhor fonte para cada conjunto de informa-es necessrias, estamos tentando explorarao mximo as condies da pesquisa, de modoque a seleo dos procedimentos seja a maisadequada possvel. E, desse ponto de vista, aseleo ser mais uma decorrncia do que uma"escolha".

    Uma pausa para reconsiderao

    Em vrios momentos do texto, eu insistina ideia de que o processo de pesquisa

  • 64 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    dinmico, na dificuldade de normaiiy.-lo e,sobretudo, na necessidade de o pesquisadorestar atento realidade que pesquisa e ser sen-svel s alteraes que ela pode exigir. A des-peito disso, propus roteiros, sugeri passos aserem dados e anlises a serem conduzidas.

    Apesar desses alertas, uma questo pre-cisa ser reconsiderada: trata-se da insistnciano detalhamento do problema de pesquisa. Adespeito das razes oferecidas a favor desseprocedimento, ele polmico e costuma gerarresistncia. Gostaria de retoma-lo com o intuitode, pelo menos, eliminar arestas que possamdecorrer meramente da falta de explicitao daproposta.

    Com alguma frequncia, um pesquisadorpode descobrir que a formulao adequada doseu problema pode depender de algumas infor-maes a serem coletadas preluninarmente:algo semelhante ao que costumava ser feito,no passado, sob o rtulo de projeto-piloto eque, hoje, provavelmente ser denominadopesquisa-exploratria. Esse procedimento po-der ter a finalidade de "treinar" o pesquisa-dor iniciante situao concreta que enfren-tar durante a pesquisa, mas tambm poderser um recurso de um pesquisador experienteque adentra uma rea ainda pouco explorada.Pode, ainda, ter o sentido de uru pr-teste deinstrumentos ou de determinados procedimen-

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 65

    i os a serern empregados, com o objetivo de no"queimar" o trabalho efetivo de pesquisa (emgeral, isto feito em uma situao mais res-trita, com menos indivduos).

    Os casos em que as aes do pesquisa-dor caracterizam uma prvia do desenvol-vimento posterior da pesquisa no alteram,essencialmente, os argumentos que justificamas anlises para detalhamento do problema;na pior das hipteses, essas aes prviasacumularo novas informaes que permitiroo refinamento d.as anlises. Os demais casos,no entanto, so mais difceis de analisar. Porum lado, podem vir a ter o sentido de umapesquisa prvia: o pesquisador entra em. aoexplorando a situao rio que lhe for possvele, em seguida, emprega seus achados para unaplanejamento posterior. Alm disso, as situa-es em que a ao exploratria a prpriapesquisa e as informaes disponveis no per-mitem qualquer planejamento situam-se forade qualquer discusso organizada. Se lembrar-mos, porm, os requisitos que caracterizam umestudo como uma pesquisa, ser necessrio umpesquisador com trnsito metodolgico e cria-tividade na anlise para configur-lo como tal!

    Uma segunda situao exige reconside-rao da proposta de detalhamento do pro-blema: trata-se das vertentes metodolgicasque defendem que a construo do problema

  • 66 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    ocorra ao longo e como par te do processo depesquisa. Meu ponto ck- v is ta , porm, no sealtera tambm neste caso, porque, admitindo-se que se trate mesmo de um processo de pes-quisa, ento

    - ou a proposta a de que pesquisadore grupo caminhem juntos no trabalho- qualquer que seja o projeto ~, mas oprimeiro responde pelo processo depesquisa e presta conta dele a seuspares;

    - ou ele poder ter um belo, engajado erelevante programa de transformaosocial, mas ainda no ter chegado pesquisa.

    Evidentemente, no deve ser descartadaa hiptese de que um novo paradigma de pes-quisa j esteja em vigor, com novos objedvose diferentes parmetros. A esses casos, porm,provavelmente, no se apliquem as considera-es feitas aqui.

    A transformao das informaese tratamento de dados

    Revendo-se o esquema anexo, pode-severificar que a etapa seguinte da seleo dosprocedimentos a de tratamento das infor-maes obtidas. Cada conjunto de pergxmtas

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 67

    previa informaes que foram coletadas pelosprocedimentos selecionados. Elas podem con-sistir, por exemplo, em transcries de entre-vistas gravadas, trechos de documentos lidos,fitas gravadas em vdeo, protocolos de obser-vao. Em qualquer caso, porm, no passamde informao obtida e, como cal, aguardamum tratamento, uma organizao que pernoitao encaminhamento das possveis respostas quese pretendia obter.

    Informaes tratadas resultam em dados,e o procedimento para isso extremamentedependente do referencial terico do pesqui-sador, que deve ter condicionado a naturezadas perguntas formuladas que, por sua vez,dehmitaram o tipo de informao a ser obtido,e assim por diante. Em alguns casos, o trata-mento to direto que a prpria maneira decoletar a informao j produz o dado (comoocorre, por exemplo, em situaes de avaliaoem que o registro feito j codifica a respostado indivduo em alguma escala do tipo "certo-errado") ou encaminha facilmente o. seu tra-tamento (como acontece com. a tabulao dasquestes fechadas de um questionrio).

    Nem sempre (eu diria, cada vez menos emrelao aos problemas de pesquisa atuais) ascoisas encaminham-se to facilmente. A com-plexidade dos problemas que vm sendo pro-postos, a variedade de informaes coletadas,

  • 68 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    a d t \e de fontes de onde so coletadasacabam produzindo uma verdadeira massa deinformaes que exige tratamento diferenciadoe para a qual nem sempre est disponvel umsistema de tratamento. Um dos primeiros pro-blemas com que se defronta o pesquisador,nesses casos, o da seleo de unidade deanlise.

    Para efeitos da compreenso do que seentende por unidade de anlise, retomemos adiscusso feita quando da anlise de informa-es factuais e opinativas e consideremos a dis-tino entre categorias de registro e categoriasde anlise. A expresso "categoria de registro"foi cunhada no contexto do procedimento deobservao no cursiva. Em situaes em queo interesse do pesquisador j est delimitado ainformaes factuais (por exemplo, determinara frequncia e durao de interaes verbaisiniciadas por uma criana e dirigidas a colegas),em vez de anotar cursivamente tudo o que vaiobservando, ele pode elaborar um protocolo noqual anote apenas a ocorrncia de interao e otempo que cada uma durou. H pouca margemde ambiguidade nesse caso, e seu erro maisprovvel consistir em distrao.

    Outro exemplo dessa mesma situao ode um pesquisador interessado em estudar a

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 69

    evoluo quantitativa da evaso e repetncia.14Temos, novamente, uma informao factuala ser obtida. Decidida a fonte de informaomais direta, a pesquisa coletaria os nme-ros referentes evaso e repetncia ao longode um determinado perodo de tempo e fariaa anlise do significado deles. Informaesfactuais desse tipo representam categorias deregistro porque o fato observado o fato regis-trado, com um mjoimo de interpretao neces-sria (note-se que se trata do fato registrado,no do seu significado em termos de anlise!).

    Suponha-se, agora, que o interesse dopesquisador seja o de analisar o compromissosocial do professor no desempenho de sua fun-o didtica. Exatamente, que categoria deveriaser registrada? Em outras palavras, que fatosingular representa o compromisso profissio-nal do professor? A resposta que nenhumainformao factual isolada preencheria o con-ceito, j que ele resultado da anlise de umconjunto de elementos a serem explicitadospelo pesquisador.

    Quando se trata de pesquisas predoini-nantemente quantitativas, a questo da sele-o de unidades costuma ficar facilitada, querporque elas tendem a no ser to prolficas no

    14 Admitamos, para efeitos do presente raciocnio, que os con-ceitos de evaso e repetncia tenham sido completa e corretamenteformulados.

  • 70 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    volume e/ou diversidade de informaes cole-tadas, quer por ser mais provvel a existnciade modelos de tratamento das informaes(estatsticos ou no) que j oferecem parme-tros sugestivos das unidades possveis. Noentanto, quando se trata de pesquisa de orien-tao mais qualitativa, a escolha de unidades mais complexa, sobretudo porque estare-mos francamente no terreno das categorias deanlise. Quando o pesquisador est ancoradoem uma teoria com forte poder explicativo, quase certo que esta j tenha fornecido (as)unidades de anlise prvias (pode-se dizer,para usar a terminologia aqui empregada, quea teoria forneceu grande parte das informaesnecessrias para o detalhamento do problema,que, portanto, subsidiaro as anlises). Noentanto, tem sido frequente a cole ta de infor-maes sem essa ncora, na expectativa de queas categorias de anlise "brotem"(?) da leiturado material., o que arriscado, para dizer ornniino.

    Textos sobre anlise de contedo e an-lise etnogrfica (por exemplo, Ba r dia, 1977;Burgess, 1982; Thiollent, 1986; Ezpeleta eRockwell, 1986; Ui.dke e Andr, 1986; Fazenda,1989) facilitaram grandemente essa tarefa, namedida em que comearam a indicar caminhose a discutir procedimentos. Temas, subtemas,categorias tm sido frequentemente utilizados

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 7 l

    como unidades segundo as quais as informa-es sero transformadas. O problema quetudo o que se pode fazer para facilitar a vidado pesquisador iniciante mostrar caminhose ilustrar procedimentos j empregados. Masno h possibilidade de indicar por que urnaciada pesquisa deveria empregar ternas e nocategorias e, sobretudo, quais temas ou catego-rias selecionar.

    Alm dessa dificuldade, acresce-se o fatode, com alguma frequncia, pesquisas ditasqualitativas coletarem grande diversidade deinformao de uma variedade de fontes dife-rentes. Na fase final de anlise, o tratamentodado a essas informaes precisa apresentarurn mnimo de compatibilidade, sob risco deestas no permitirem integrao e, consequen-teniente; no se prestarem obteno das res-postas esperadas.

    Talvez fique mais clara, agora, uma afirma-o j feita aqui a respeito do compromisso dopesquisador com. a transparncia das transfor-maes efetuaclas nas Informaes. Um grandevolume de informaes, tratado na ausnciade unidades prvias, implica uma quantidadeconsidervel de ambiguidade e de interpreta-o, o que significa aumentar sensivelmente aincerteza da anlise. Aumenta, nessa mesmaproporo, a necessidade de o pesquisador ofe-recer ao seu leitor todos os passos que seguiu

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    na transformao do material (procedimentode anlise) e, no mnimo, exemplificar abun-dantemente as transformaes feitas com omaterial original coletado.15

    A generalidade do conhecimento

    No ltimo item. da sequncia de passosque caracterizam a pesquisa, a generalidade foiconceituada como possibilidade de expansodas condies em que a pesquisa foi realizada,mantendo-se resultados semelhantes. Se umdeterminado estudo toma corno referncia umaescola (ou mais) e chega a resultados conclusi-vos sobre - digamos - a eficincia de praticas deinterao aluno-aluno no desenvolvimento dehabilidades educacionais, o que se pergunta -no que diz respeito generalidade - sobre apossibilidade de se eliminarem idiossincrasiasdaquela(s) escola(s) e se chegar aos fatores queexplicam a eficincia daquelas praticas. Dito,ainda, de outra maneira, do que depende a efi-ccia das prticas em. estudo?

    Nas abordagens experimentais ou qua-siexperimentais (cf. Campbell e Stanley, 1979),os critrios para avaliar fidedignidacle e gene-ralidade so essencialmente estatsticos, o que

    15 O ideai seria que o leitor pudesse contar com todo o materiala que o pesquisador teve acesso.

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 73

    equivale a dizer que so essencialmente proba-bilsticos. Ao submeter unia hiptese a testesestatsticos, o pesquisador pretende avaliar aprobabilidade de os resultados serem fruto dascondies da pesquisa contra a probabilidadede que eles sejam meros frutos do acaso. Aprobabilidade de aceitao da hiptese indicaa probabilidade de que - repetidas as condi-es da pesquisa - aqueles mesmos resultadosvenham a ser produzidos. Se os resultados dostestes mostrarem-se no significativos, rejeita-se a hiptese formulada e diz-se que os dadosforam produzidos "por acaso". Dependendo da"fora" terica da hiptese e/ou. da suspeita devieses nas condies da pesquisa, o pesquisa-dor poder rever o planejamento (procedimen-tos, por exemplo) e voltar a testar a hiptese.

    Esse carter probabilstico dos procedi-mentos estatsticos, cie um. modo geral, jamaiscriou dificuldade para o pesquisador atentoe srio: se o problema de pesquisa puder seradequadamente estudado segundo critriosde avaliao estatstica - isto , se ele atenderaos requisitos exigidos pelo teste estatstico aser utilizado -, ento basta que o pesquisadorse mantenha fiel ao esquema probabusticode interpretao dos resultados. Ao contr-rio, dispor de um modelo de interpretao to

  • 74 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    objetivo e, sobretudo, to unanimemente aceitosempre conferiu uma certa tranquilidade a pes-quisadores que se valem dele.

    Generalidade, dentro desse delineamentode pesquisa, consequncia direta do plane-jamento, mas necessrio introduzirem-sealguns elementos novos para esclarecer essaafirmao.

    O conceito-chave em relao generali-d.ade, dentro de d.elineamentos estatsticos, representaria idade da amostra em relao populao. Considerando-se os problemasd.e pesquisa com que nos defrontamos, espe-cialmente na rea de Cincias Humanas, seriaimve! conceber uma pesquisa com uniapopulao inteira. Habitualmente, o que se faz extrair desta um grupo de casos - o que sechama de amostra da populao - e estud-locomo se se estivesse estudando a populao. nessa expectativa de considerar vlidos para apopulao os resultados obtidos para a amos-tra que se coloca em considerao a ques-to da generalidade. Precisamos aumentar aomximo as chances de que a amostra contenhaos fatores relevantes que esto presentes napopulao, em relao a um dado fenmenoque queremos estudar: quanto mais prxima aamostra estiver d.a populao .nesses aspectos

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 75

    relevantes, maior ser a probabilidade de queo que conhecermos dela valha tambm para apopulao,

    Ora, cada fenmeno resultado de umconjunto de fatores. Se conhecssernos todosos fatores envolvidos era cada um dos fen-menos em. estudo, no haveria necessidade deproduzir conhecimento: ns j o deteramos.Alrn disso, se no os conhecemos todos, deque maneira poderemos selecionar amostrasrepresentativas da populao? A estatsticaacabou desenvolvendo procedimentos de sele-co de amostras, mas sua analise e discussofoge aos propsitos deste livro. "importantelembrar, porm, que, como sempre ocorre naestatstica, eles indicam probabilidades e assimdevera ser considerados seus resultados.

    H um segundo aspecto, correlato ao ante-rior, que precisa ser .mencionado em relao generalidade. H pouco foi dito que os testesestatsticos respondem a perguntas formula-das pelas hipteses. Se uma hiptese afirmar,por exemplo, que a introduo de situaes Ae B melhoram o desempenho escolar de alunos(que chamaremos de C), ento, o que um testeestatstico far ser avaliar a probabilidadede que quaisquer progressos no desempenhodos alunos sejam atribuveis s condies A eB. Uni dos riscos do pesquisador o de que,simultaneamente introduo das condies

  • 76 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    A e B, outros fatores - tambm capazes de alte-rar o desempenho - estejam atuando sem oseu conhecimento. Por essas razes, pesquisasexperimentais costumam valer-se de procedi-mentos ditos de controle, cujo objetivo bsico o de eliminar ou, pelo menos, neutralizarefeitos de fatores no planejados pelo estudo.Cada fator eliminado ou neutralizado (diga-mos, o fator D) aumenta a confiabilidade nosresultados obtidos, mas limita a generalidade.Em outras palavras, o fato de D no interfe-rir no estudo aumenta a minha confiana nasrelaes que pretendo estudar (A e B sobre C);por outro lado, nada me permite afirmar sobrecomo sero as relaes se D estiver atuante. Emdecorrncia, quanto mais controladas foremas condies de uma pesquisa, maior o rigormetodolgico, rnaior a fidedignidade e menora generalidade dos resultados.

    Essa relao inversa fidedignidade-gene-ralidade no um problema incontornvel. Porexemplo, o pesquisador - dentro de um pro-grama de pesquisa - pode ir estudando isolada-mente os fatores ou, ainda, estudar efeitos deinterao entre diferentes fatores. Alm disto,os delineamentos estatsticos foram se sofisti-cando de modo que se tornou cada vez maispossvel deixar variar controladamente umgrande conjunto de fatores e, com isso, ampliara generalidade.

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 77

    Em resumo, e antes de prosseguir, a ques-to da generalidade, nesses modelos, refere-ses condies em que a pesquisa foi realizada:com que indivduos, com quantos indivduos,com que caractersticas, com que tipo de pro-cedimentos, etc., e em torno delas que seestabelecer o mbito de generalidade possvel.

    Com a mudana dos paradigmas de pes-quisa e principalmente com a introduo dasdenominadas metodologias alternativas, osproblemas de pesquisa foram sendo altera-dos, e isso significou, na maioria dos casos,uma mudana substantiva na natureza dosfatores selecionados para estudo. O aumentona complexidade dos fenmenos pesquisa-dos, a nfase nos processos (em oposio afatores isolados), a insistncia na recuperaodo desenvolvimento histrico configuraramdesenhos de pesquisa para os quais os testesestatsticos tradicionais para a determinaode fidedignidade e generalidade tm poucautilidade (o que no significa que no sirvam aoutros propsitos).

    Com isso, o pesquisador ficou privado decertas ncoras em torno das quais gravitava asua atividade de pesquisa, precisando reunircriatividade metodolgica e segurana tericapara dar sentido a seus dados. Particularmente,interessa-me, aqui, discutir o que ocorreu em

  • 78 PLANEJAMENTO DE PESQUISA

    relao ao conceito de generalidade e as impli-caes disso para a produo de conhecimentonas Cincias Humanas.

    Quaisquer que sejam os referenciais te-rico-metodolgicos do pesquisador, bem comoseus compromissos sociais, presume-se que eleinclua, entre seus objetivos para pesquisar, ocrescimento do conhecimento e a ampliao dopoder explicativo de sua teoria. Ora, para queisso ocorra necessrio que sua pesquisa valm da constatao das informaes por elecoletadas, que suas concluses possam superaros limites das condies estudadas; em outraspalavras, preciso que ele possa conferir gene-ralidade aos seus resultados.

    Estatisticamente falando, isso implicagarantir, por exemplo, a representatividade daamostra em relao populao e a significn-cia de eventuais diferenas entre grupos trata-dos diferencialmente durante a pesquisa (paraficar com a situao mais frequente). Mas, doponto de \~ista das metodologias alternativas,o que garantir generalidade? Como superaridiossincrasias das situaes e dos indivduos erecuperar o fenmeno mais amplo? Em ltimaanlise, o que confere generalidade aos resul-tados? No que consiste a generalidade, nessescasos?

    Tentemos analisar a questo a partir desituaes concretas. Referenciais tericos j

    O PLANEJAMENTO DE PESQUISA... 79

    no to recentes mostraram a importncia dasconcepes que os indivduos elaboram a res-peito da sua realidade. A importncia maiorreside no fato de, segundo tais teorias, essasconcepes presidirem s aes do indiv-duo, assumindo, portanto, valor explicativo.Coerentemente, pesquisadores adotando taisreferenciais tericos passaram a desenvolverpesquisas para captar concepes, represen-taes de indivduos pertencentes a diferen-tes estratos sociais e/ou profissionais, com ointuito de explicar sua insero nos fenmenosem estudo. Assim, contamos, hoje, com umaenxurrada de relatos de professores, orienta-dores educacionais, diretores de escola, alu-nos de diferentes graus sobre o que fazeme pretendem, sobre suas dificuldades, etc.Frequentemente, se no sempre, tais estudosso feitos sob a forrna de estudo de caso (leia-se, uma nica instituio) com a justificativa deque s assim ser possvel mergulhar na situa-o e captar o processo. Nada a opor opometodolgica nem justificativa. A questo :e da? Em que momento se decide que j se trnrelatos suficientes para avanar na explicao?Dito de outra forma: at quando continuare-mos perguntando a professores (ou a outraspessoas envolvidas no processo educacional) oque eles pensam sobre A, B ou C? Na dcadade 70, houve um boom de pesquisas sobre os

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    ANEXOEsquematizao da sequncia de decises no planejamento de pesquisaProblema -*- Perguntas a serem respondidas-** Informaes necessrias >- Fontes de informao-*- Proccdimcnlos

    Pergunta l Informao l , Fonte A EntrevistaInformao 2 Fonte A EntrevistaInformao 3 Fonte B Anlise

    documentalInformao 4 ..Fonte C Entrevista

    Pergunta 2 , Informao l ,,,,Fome A Observao

    Pcrgunta3 , ....Informao l Fonte D QuestionrioInformao 2 Fonte C , Questionrio

    .Informao n l Fonte E...., , Anlisedocumental

    Informao 2 Fonte C An