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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LÚCIA HELENA FERNANDES DE SOUZA O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR Tubarão 2012

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

LÚCIA HELENA FERNANDES DE SOUZA

O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Tubarão

2012

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LÚCIA HELENA FERNANDES DE SOUZA

O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação,

no curso de Mestrado em Educação, da Universidade do

Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Educação.

.

Orientador: Prof. Dr. Clóvis Nicanor Kassick

Tubarão

2012

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Dedico este trabalho ao meu esposo e aos

meus filhos, que me encorajaram e me

apoiaram nesta trajetória de crescimento

pessoal e profissional com palavras de

incentivo, atenção e carinho; aos mestres, que

souberam ensinar e guiar a direção correta

para que esse crescimento fosse possível e que

continue indeterminadamente; àqueles que nos

inspiram e fazem sempre querer continuar e

melhorar.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me concedido sabedoria, saúde, disposição, condições espirituais

e materiais para que eu pudesse chegar até aqui;

aos amigos, colegas de trabalho, que de alguma maneira, contribuíram para que

fosse possível a realização deste trabalho;

aos professores com quem trabalho ou trabalhei, que despertaram em mim o amor

pelo conhecimento, pela pesquisa e pelo ensino;

aos professores entrevistados, pelo tempo e atenção;

ao meu orientador, por acompanhar o desenvolvimento do meu trabalho,

apresentando ideias, sugestões e críticas;

à minha família. Meu esposo pela paciência e incentivo nos momentos mais

difíceis, para que eu não desistisse deste trabalho. Meus filhos, por serem grandes

incentivadores e parceiros nesta caminhada, e, a todos os familiares, pelo carinho.

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“Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do

inacabamento, sei que posso ir mais além dele.” ( Paulo Freire)

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RESUMO

A função da docência evolui na sociedade e constitui-se como saberes

historicamente situados. Na atualidade, entende-se a docência como uma prática profissional,

que requer formação específica, voltada aos saberes do ensinar e do aprender, bem como a

implicação destes na construção ou na reprodução de um modelo social. Essa ideia aplica-se

também ao professor universitário que, por meio da história mundial e brasileira, reforça o

descompromisso com a formação desse docente. Os saberes inerentes à prática pedagógica

ficam em segundo plano, o que reforça a banalização do exercício da docência e interfere na

profissionalização da atividade. Tal fato aponta para a necessidade da formação continuada ou

em serviço. A formação contínua ou continuada acontece em decorrência da atualização

constante da atuação profissional. Ela pode ocorrer em nível de pós-graduação, lato ou stricto

sensu, e até mesmo pela participação em cursos, eventos, como forma de ampliação da

formação inicial, desde que centrados nas necessidades e situações vividas pelos docentes.

Em vista disso, a presente pesquisa tem a intenção de investigar e analisar a contribuição da

metodologia do planejamento integrado como espaço de formação continuada do docente

universitário. A pesquisa foi realizada com professores articuladores do planejamento

integrado, no Curso de Nutrição, de uma universidade do estado de Santa Catarina,com a

utilização da metodologia de estudo de caso. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados

entrevistas e gravações, categorizadas, envolvendo aspectos referentes à formação inicial a e

continuada do docente, bem como os aspectos que envolvem o planejamento integrado,

apontando para os limites e contribuições do mesmo para a formação pedagógica na docência

universitária. Os resultados da pesquisa apontam a contribuição da estratégia do planejamento

integrado como prática educativa e como espaço de formação continuada , uma vez que adota

a reflexão e a ação coletiva como mecanismo capaz de modificar e/ou ressignificar a prática

docente universitária.

Palavras-chave: Docente Universitário. Formação Continuada. Planejamento Integrado

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ABSTRACT

The role of teaching in society evolves and as knowledge is historically situated. At present, it

is understood teaching as a professional practice, which requires specific training geared to

the knowledge of teaching and learning, as well as these implications in the building or in the

reproduction of a social model. This idea also applies to the university professor who, through

the Brazilian and world history, reinforces the lack of commitment to the training of teachers.

The knowledge inherent in the pedagogical practice are in the background, which reinforces

the trivialization of the teaching profession and interferes with the professionalization of the

activity. This fact points to the need for continuing education or in service. The continuing

training or continued happens due to the constant updating of professional practice. It can

occur at post-graduate, or lato strict sense, and even by the participation in courses, events, as

a way of expanding the initial training, they were focused on the needs and situations

encountered by teachers. As a result, this research intends to investigate and analyze the

contribution of the methodology of integrated planning as a strategy for the continuing

education faculty teacher. The survey was conducted with articulators teachers of integrated

planning in Nutrition course, from an university in the state of Santa Catarina, with the use of

case study methodology. It was used as a tool for data collection and recording interviews.

The research`s results corroborate the contribution of the strategy of integrated planning as an

educational practice, since it adopts the reflection as a mechanism able to modify and/or

organize teaching practice, thus contributing as a space of continuing education.

Keywords: Higher Education. Lecturer. Continuing Education. Integrated Planning

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Ciclo do Planejamento ........................................................................... 112

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Formação dos Professores Articuladores do Planejamento Integrado – Nutrição 121

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LISTA DE SIGLAS

ABE - Associação Brasileira de Educação

CCBE - Conferência Católica Brasileira de Educação

FFCL - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

IES - instituições de ensino superior

LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MD - Marco Doutrinal

MO - Marco Operacional

MS - Marco Situacional

NDE - Núcleos de Docente Estruturantes

PPCs - Projetos Pedagógicos de Cursos

SINAES - Sistema de Avaliação da Educação Superior

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

UnA - Unidade Acadêmica

URJ - Universidade do Rio de Janeiro

USP - Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11

2 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE NO

MUNDO ...............................................................................................................................

19

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL............................................. 19

2.2 O SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE E DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO ........... 26

2.3 O ENSINO SUPERIOR E A CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL............. 43

2.3.1 Contexto Histórico ............................................................................................................ 43

2.3.2 Do Ensino Superior Brasileiro à criação da Universidade .................................... 47

2.3.3 A constituição da universidade brasileira sob a influência dos diferentes

modelos .................................................................................................................................

51

2.3.4 A universidade brasileira: da Reforma Universitária de 1968 à LDB:9394/96 ... 64

3 A FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO......................... 74

4 PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR ............................................................

101

5 O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA NO CURSO DE NUTRIÇÃO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

121

5.1 O INGRESSO NA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: MOTIVAÇÃO E

FORMAÇÃO INICIAL ................................................................................................

125

5.2 A EXPERIÊNCIA DO PLANEJAMENTO INTEGRADO: TEMPO DE

REALIZAÇÃO, IMPORTÂNCIA, ETAPAS, LIMITES, POSSIBILIDADES E

CONTRIBUIÇÃO PARA O APERFEIÇOAMENTO DA PRÁTICA DOCENTE .............

130

5.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE: IMPORTÂNCIA, LIMITES,

NECESSIDADES E OS ESPAÇOS FORMAIS/INFORMAIS PARA A SUA

REALIZAÇÃO .............................................................................................................................

138

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 145

REFERÊNCIAS .................................................................................................................

152

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação pesquisa sobre os elementos que contribuem para a

formação do professor universitário. A escolha deste assunto reflete a trajetória profissional

da autora, como pedagoga de formação e como pedagoga de coração. Essa expressão é

utilizada sempre que ela necessita apresentar-se, por acreditar que sintetiza os vinte e nove

anos de dedicação ao magistério. Tempo este, que perpassa pela vivência de professora do

pré-escolar, por um ano; de professora alfabetizadora, por nove anos consecutivos; pela

supervisão escolar, na rede pública de ensino, por sete anos; seguido da oportunidade de

exercer a coordenação pedagógica de uma escola da rede particular de ensino e, finalmente,

pela experiência no ensino superior, dedicados à docência e também no papel de Assistente

Pedagógica dos Cursos da área da saúde.

Nesta trajetória, construiu sua identidade profissional e o amor à carreira do

magistério, cursando inicialmente o 2º. Grau, com habilitação para Magistério de 1ª. a 4ª

série, em Pelotas, sua terra natal, optando por ingressar no ensino superior, num curso

direcionado a outra área de atuação.

Ao seguir a trajetória da vida, casou-se, interrompendo assim, o curso de bacharel

em Ciências Domésticas, pela metade. Ao chegar numa cidadezinha ao sul de Santa Catarina,

restou resgatar o bom e velho diploma de 2º. Grau, de professora das séries iniciais, batizando

assim, a minha carreira profissional, de professora alfabetizadora, que coincidiu com a entrada

no magistério, da rede pública de ensino, o que lhe proporcionou o re- encontro com a

docência, sendo responsável também, pela próxima escolha de ingresso num curso de

graduação, desta vez em Tubarão, no curso de Pedagogia-Habilitação em Supervisão Escolar.

Essa trajetória profissional, direcionou suas leituras e o seu envolvimento com a

formação do docente, seja para educação básica ou para educação superior, devido às recentes

atividades a que vem se dedicando.

Na atividade de Assistente Pedagógica, tema oportunidade de ministrar cursos,

oficinas e/ou palestras no Programa de Formação Continuada dos Docentes, bem como

acompanhar e orientar as atividades decorrentes da indissociabilidade do ensino, pesquisa e

extensão dos docentes universitários, da área da saúde.

Desafio este, que pressupõe o acompanhamento da construção e da reconstrução

do fazer pedagógico, mediante ação-reflexão-ação, situada num contexto histórico de

sociedade.

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Deve-se considerar que a história da sociedade, em cada época, apresenta

características e dinâmicas próprias, impondo formas de pensar, agir e de produzir.

O advento da globalização, a partir do século XXI, fenômeno contemporâneo,

passa a ser designado para explicar a expansão de interrelações econômicas, em escala

mundial, entre países e sociedades de todo o mundo, como também para impor

pseudonecessidades, suscitando, assim, novos modos de vida, consumo ou pensamento. As

principais transformações acarretam implicações nas organizações econômicas, nas relações

sociais, nos padrões sociais de vida e cultura, bem como nas transformações do Estado e da

política.

Neste contexto, o papel da universidade, como agente de formação e de

transformação deve estar alicerçado na indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da

extensão, enquanto produto de conhecimento através da articulação da teoria com a prática,

numa relação pedagógica em que professor e aluno tornam-se sujeitos do ato de aprender.

Nesta perspectiva, a visão do ensino deve ultrapassar a ideia de transmissão de

conteúdos vinculados a técnicas de oratória e/ou de exposição oral, configurada pela Ratio

atque Institutio Studiorum. Práticas fortemente preconizadas há mais de cinco séculos,

segundo as quais, a aula é o espaço em que o professor explica o conteúdo e repassa ao aluno

que, por sua vez, recebe de forma passiva, repetindo, simplesmente, informações.

A ação docente deve acontecer situada no contexto sócio-histórico-cultural,

voltada aos princípios da educação, que consequentemente sinaliza para melhoria da

qualidade de vida e emancipação dos homens. Ciente da complexidade do mundo

contemporâneo, decorrente da sociedade globalizada, o professor deve praticar o seu ofício

pautado na reflexão das suas ações bem como sobre o impacto delas na formação do sujeito

aprendiz.

É preciso ter clareza que essa ação docente deve estar comprometida com uma

educação emancipatória, e, portanto, deve acontecer norteada por princípios que visem à

superação da fragmentação do mundo parcelarizado e pela recuperação da razão articulada ao

afeto. Isto implica em mudança de atitudes e de comportamento do professor, pois vive-se

num ciberespaço1, em que as informações encontram-se disponíveis a todo instante, nas

1 Para Pierre Lévy, o ciberespaço, torna-se conseqüência de alguns eventos maiores na civilização ocidental, em

particular na Modernidade, ao se constituírem de forma acelerada diferentes espaços antropológicos. Passou-se

a viver em uma multiplicidade de espaços diferentes, cada um com seu sistema de proximidade particular

(temporal, geográfico, afetivo, lingüístico, etc.). De tal forma que uma entidade qualquer pode estar próxima de

nós em um espaço, e bem longe em outro. O fato é que cada espaço, mesmo interpenetrado por outros, guarda

ainda sua topologia e sua axiologia, ou seu sistema de valores ou de medidas, particular.

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diferentes mídias e nos diferentes formatos (eletrônico, impresso), viabilizando constante

conexão com a realidade sócio-econômica-política e cultural.

Aliada a este contexto, surge a fragilidade e/ou a superficialidade nas relações

interpessoais, marcadas pela onda das “redes sociais”, que por um lado mantêm os sujeitos

plugados na rede e no convívio internauta, porém dissociada dos vínculos e afetos construídos

no relacionamento humano. Vive-se um paradoxo, pois as pessoas estão em contato umas

com as outras, pela rede, porém ausentes fisicamente.

O exercício do magistério na educação superior, ocorre na maioria das vezes, sem

preparação pedagógica, valendo-se da performance e/ou da atuação profissional, sendo o

professor recrutado enquanto profissional técnico. Esta idéia é reforçada por Benedito (apud

PIMENTA e ANASTASIOU, 2010, p.36),

[...] o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização

em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos “outros”. Isso se explica

devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário.

Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência de

aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as relações de

seus alunos, embora há que se descartar a capacidade autodidata do professorado.

Mas ela e insuficiente.

O processo de formação docente deve ser ininterrupto e realizado durante o

exercício do magistério, pautado na reflexão-ação-reflexão, que pressupõe a capacidade de

redescobrir-se e, posteriormente, reinventar-se. A formação docente universitária precisa

acontecer ao longo do desenvolvimento profissional, com o objetivo de confrontar as ações

cotidianas com as produções teóricas, bem como rever as práticas e as teorias que as

informam e pesquisar a prática para a produção de novos conhecimentos da práxis educativa.

A educação universitária no Brasil reforça a visão cartesiana, na qual o

conhecimento é entendido como algo dado e acabado, distribuído numa organização

curricular tradicional que valoriza a especialidade na sua individualidade. Dessa forma, o

conhecimento é compreendido como estático, acabado, cumulativo, sendo disposto numa

formatação de grade curricular em que cada professor é responsável por uma parte, que

corresponde a sua disciplina, despreocupando-se com as demais e com a relação existente

entre os saberes. Adota-se, então, a metodologia formal ou tradicional de ensino, que visa

repassar conhecimentos de forma mecânica, conteudista, sem estabelecer vínculo com a

realidade e/ou com a aplicação prática.

Contrapondo-se a esse modelo de fazer ciência, aparece a metodologia dialética,

na qual o sujeito apresenta um conhecimento prévio sobre o assunto, numa visão sincrética,

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inicial, de forma reduzida ou distorcida. Esse sujeito submetido a momentos de análise

intencional e sistemática formará sínteses provisórias, fruto da atividade de pensar do homem.

Nessa perspectiva, a universidade assume como função social o ensino e a

formação de profissionais para a sociedade da era do conhecimento. Conhecimento este que

não está mais centrado exclusivamente nas bibliotecas, tampouco na sala de aula. Ele circula

em redes de informação e não apenas nos meios tradicionais de comunicação. Outra

característica da atualidade é a rapidez com que novos conhecimentos são criados, incitando a

busca constante e a revisão dos mesmos.

Então, na atualidade, a universidade, precisa voltar-se ao pensamento dialético

como forma de desenvolvimento social e humano, a partir dos novos conhecimentos gerados

por meio das suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, que serão aplicados à realidade,

promovendo o avanço científico, tecnológico e cultural da sociedade. Por isso, Penin (apud

ROLLEMBERG, 2004, p. 36) aponta que

Na atualidade estão bem estabelecidas as três funções básicas da universidade:

pesquisa, ensino e extensão universitária, assim como a necessária indissociabilidade

entre elas. No tocante ao ensino, tal indissociabilidade possibilita que o projeto

pessoal de formação de um estudante convirja para o avanço de um projeto coletivo,

seja de âmbito local, nacional ou mundial.

Pedro Demo (1997), reafirma essa indissociabilidade, com ênfase na pesquisa a

serviço do ensino e da extensão, como promotora da geração de conhecimentos científicos

direcionados mais ao saber do que a uma ideologia. Assim, a atividade do ensino deriva-se da

pesquisa, como saber inovado e capaz de ser transmitido, aplicado ou testado na sociedade,

por meio da extensão.

Isto demonstra a necessidade de atualização e de aperfeiçoamento constante em

todos os segmentos da sociedade. Assim, a universidade no século XXI, também na qualidade

de instituição empregadora, responsabiliza-se também pelo desenvolvimento de programas de

formação de seus professores para o exercício da docência, uma vez que a formação dos

docentes para o ensino superior no Brasil não está regulamentada sob a forma de um curso

específico.

Na atualidade, acrescenta-se aos desafios da formação profissional, a superação da

fragmentação, pela visão de totalidade, do pós-moderno, mediante a articulação dos saberes e

das capacidades; a superação da homogeneidade do mundo globalizado e a recuperação do

significado da razão articulada ao sentimento.

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A organização curricular disciplinar implica em algumas dificuldades para a

construção do conhecimento global, por isso algumas instituições de ensino ou alguns

professores buscam estratégias de estabelecer relações entre os conhecimentos, numa

perspectiva de integrar os currículos.

Na tentativa de construir práticas integradoras, cursos da área da saúde, de uma

universidade do Estado de Santa Catarina, vêm adotando a prática da realização de

planejamento integrado como estratégia inicial de possibilitar o resgate da unidade do

conhecimento.

A utilização desta forma de planejamento segue a ideia defendida por

Vasconcellos (1995), que associa o ato de planejar ao princípio dialético, visando à superação

do otimismo e do fatalismo e desenvolvendo a capacidade de prever antecipadamente as

possibilidades das ações a serem desenvolvidas.

O processo do planejamento integrado viabiliza uma práxis social docente,

constituída de três etapas distintas e interdependentes, iniciando pela elaboração,

caracterizada pelo campo das ideias – concepção e das possibilidades e que culmina com a

concretização das mesmas em um plano, podendo ser escrito ou não. Ao obter-se o plano,

esse sempre de caráter provisório, pressupõe-se o desenvolvimento da segunda etapa, a da

realização interativa. Ao colocar em prática as ações do plano, torna-se necessário avaliar os

resultados obtidos para dar continuidade ao que foi planejado ou para refazer o plano. Dessa

maneira, retrata-se seu caráter dialético, embasado na reflexão-ação-reflexão.

Mediante as condições de formação e da complexidade do exercício da docência

frente às necessidades da sociedade pós-moderna, torna-se relevante o estudo sobre o tema:

“O planejamento integrado como espaço de formação continuada do docente da educação

superior”, proposto nesta dissertação, vinculada ao Programa de Pós-Graduação da Unisul, na

linha de pesquisa Educação, História e Política no Brasil e na América Latina, que propõe

como objetivo geral: investigar e analisar a contribuição da metodologia do planejamento

integrado como espaço de formação continuada do docente universitário.

Em decorrência do objetivo proposto, pretende-se que o referido estudo

possibilite: identificar os desafios para a realização do planejamento integrado na docência

universitária; diagnosticar os fatores intervenientes para a prática interdisciplinar na ação da

docência universitária; relacionar a metodologia do planejamento integrado com a formação

continuada do docente universitário.

Em virtude do problema apresentado e dos objetivos propostos, o caminho

utilizado nesta pesquisa será baseado no método histórico. Sabe-se que a definição do método,

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possibilita ao pesquisador a escolha do melhor percurso para se atingir o fim que, neste caso,

são os objetivos. Para Motta (2009, p. 98),

O método é um recurso que se refere ao modo de conduzir ou de orientar a pesquisa.

Envolve a descrição de quais etapas e procedimentos serão realizados para a coleta

de dados, que se decidem a partir da escolha do tema, delimitação do problema e da

definição dos objetivos (apresentados no projeto).

A pesquisa científica caracteriza-se por uma atividade intelectual e intencional na

busca de respostas aos diferentes questionamentos e indagações, em função da contínua

insatisfação do ser humano, sendo a mola propulsora para a construção do conhecimento.

Pesquisar, no entender de Santos (2000, p.17), “é um exercício intencional da pura atividade

intelectual, visando melhorar as condições práticas de existência.”

Para Barros e Lehfeld (apud RAUEN 2002, p.47) a pesquisa é o “esforço dirigido

para a aquisição de um determinado conhecimento, que propicia a solução de problemas

teóricos, práticos e/ou operatórios mesmo quando situados no contexto do dia-a-dia do

homem.”

Classifica-se esta pesquisa como básica, qualitativa, de natureza exploratória,

descritiva, analítica, tomando como eixo o estudo de caso. A pesquisa exploratória visa

aproximar o problema com as questões de pesquisa, geralmente utiliza-se de estudo

bibliográfico, pesquisa de campo, entrevistas semiestruturadas e ou estudo de caso.

Neste estudo, utilizar-se-á a pesquisa de campo, observações, entrevista oral e

semiestruturada. Para Motta (2009), as entrevistas semiestruturadas valorizam a presença do

investigador, permitindo liberdade e espontaneidade nas informações por parte do informante.

A entrevista semiestruturada contempla um roteiro orientador, que serve de eixo norteador

para que os entrevistados possam responder sobre os mesmos elementos, sem seguir uma

sequência padronizada, mas respeitando a evolução e o desenvolvimento da conversa.

Segundo Trivinõs (apud MOTTA 2009, p.102),

[...] a entrevista semi-estruturada, que se situa entre as duas anteriores ( padronizada

e a despadronizada), pois valoriza a presença do investigador e oferece perspectiva

para que o informante alcance liberdade e espontaneidade nas informações. Isso

implica num processo de interação entre o observador e o observado.

Para aplicar a entrevista foi elaborado um roteiro de questões abertas. O registro

das respostas foi gravado para evitar desperdício de informações e ocorrerá mediante a

assinatura de termo de consentimento dos participantes sem a identificação deles.

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A entrevista foi precedida de pré-teste para analisar a adequabilidade do

instrumento de coleta de dados.

Os dados obtidos foram organizados e categorizados com o auxílio de recursos

manuais e computacionais, em consonância com a estatística para posterior análise e

interpretação.

O roteiro da entrevista aborda as questões referentes a formação inicial e

continuada do docente, bem como os aspectos que envolvem o planejamento integrado,

apontando para os limites e contribuições do mesmo para a formação pedagógica na docência

universitária.

A elaboração do roteiro da entrevista atende a natureza do problema e aos

objetivos da pesquisa. Para isso, os questionamentos são claros, abordando desde aspectos

gerais até aqueles mais específicos, o que favorece uma aproximação entre o entrevistado e o

entrevistador.

As pesquisas qualitativas de descrição, segundo Rauen (2002), são aquelas que

não se conformam com os dados bibliográficos, confiam na notação qualitativa e não

intervêm na realidade. Já o Estudo de caso, possibilita uma análise profunda e exaustiva de

um ou de poucos objetos, de modo a permitir o seu amplo e detalhado conhecimento. Sua

qualidade exponencial é a flexibilidade.

Segundo Merrian (apud ANDRÉ, 2005, p. 17-18), o estudo de caso qualitativo

precisa contemplar quatro características essenciais: particularidade, descrição, heurística e

indução, assim descritas pelo autor:

Particularidade significa que o estudo de caso focaliza uma situação, um programa,

um fenômeno particular. [...] É, pois, um tipo de estudo adequado para investigar

problemas práticos, questões que emergem do dia-a-dia.

Descrição significa que o produto final de um estudo de caso é uma descrição

“densa”do fenômeno em estudo. Por situação densa entende-se uma descrição

completa e literal da situação investigada. [...] Os dados são expressos em palavras,

imagens, citações literais, figuras literárias.

Heurística significa que os estudos de caso iluminam a compreensão do leitor sobre

o fenômeno estudado. Podem revelar a descoberta de novos significados, estender a

experiência do leitor ou confirmar o já conhecido. [...]

Indução significa que em grande parte, os estudos de caso se baseiam na lógica

indutiva. [...]

Após a aproximação feita pela exploração, busca-se a descrição das características

de determinado fato, fenômeno ou população, por meio de coleta de dados, que segundo

Rauen (2002), ocorre por meio de um processo interativo e holístico.

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O estudo foi realizado no Curso de Nutrição, de uma universidade do Estado de

Santa Catarina, do primeiro ao sétimo semestre, envolvendo os professores articuladores do

planejamento integrado de cada semestre, no período de 2008 a 2010, pertencentes ao quadro

docente da universidade, a fim de validar ou não os objetivos da pesquisa. Cabe salientar, que

os professores articuladores são o elo entre a turma e os professores do semestre. Possuem a

incumbência de apresentar a proposta do planejamento integrado à turma, bem como a

condução deste processo. Ele transita no curso desempenhando também outros papéis, ora

como articulador, ora como professor do semestre, ora como coordenador de estágio ou como

coordenador de curso.

Este trabalho está estruturado a partir do capítulo introdutório, que apresenta o

tema, os objetivos, o método e o instrumento de coleta e de análise dos dados, bem como a

apresentação do assunto em capítulos, mediante a sequência mencionada a seguir.

No capítulo I, discorre-se sobre o contexto histórico do surgimento da

universidade no mundo, com uma caracterização sóciopolítica e educacional da época, que

influenciará na constituição, no modelo e na prática de formação e de atuação do docente

universitário brasileiro.

No capítulo II, aponta-se para o percurso da formação do docente universitário no

Brasil, enfocando seus princípios, finalidades e modelos pedagógicos a partir dos aspectos

históricos e legais que norteiam essa concepção de educação.

No capítulo III, aborda-se sobre o planejamento integrado como práxis social da

docência universitária, numa perspectiva de formação continuada e compromissada com a

construção do conhecimento interdisciplinar.

No capítulo IV, narra-se a experiência do planejamento integrado vivenciada no

curso de Nutrição, de uma universidade do Estado de Santa Catarina, no período

compreendido entre 2008 a 2010.

No capítulo V, apresenta-se a análise dos dados coletados obtidos na pesquisa de

campo, mediante a técnica da entrevista oral e semiestruturada, como mecanismo de

cientificidade.

Finalmente, no capítulo VI, apresenta-se a conclusão e, em seguida, as referências

consultadas.

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2 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE NO MUNDO

As universidades, como instituições de ensino superior, surgiram no mundo

medieval, com finalidade distinta do mundo contemporâneo. Naquela época, não era colocado

em papel de destaque a formação profissional, nem mesmo a da formação docente.

É a partir do século XX que se observa a mudança de modelo de universidade,

voltada as questões do mundo das profissões e das relações com a sociedade.

Nessa perspectiva, o presente capítulo aborda o contexto histórico do surgimento

das instituições de ensino superior e do papel do professor no mundo.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL

O surgimento do ensino superior no mundo ocorreu sob a influência do modelo

europeu de produção de conhecimento, por volta do século XII, na chamada Idade Média. O

período da Idade Média caracterizou-se pelo domínio político do Estado Aristocrático e da

Igreja. Desenvolveu-se entre 476, ano do fim do Império Romano do Ocidente, e final do

século XV, com uma organização social baseada em feudo.

Os feudos, grandes extensões de terras, latifúndios, comumente chamados de

fazendas, viviam sob o domínio do rei, o suserano, que distribuía as suas terras entre a

nobreza para protegê-la. Os nobres guerreiros, os vassalos, eram guerreiros que mantinham

um pacto de honra e de fidelidade militar com o suserano, estabelecendo, assim, o acordo da

vassalagem. Os servos, por sua vez, eram responsáveis pela produção dos feudos, pois não

manejavam as armas, nem detinham terras, envolvendo-se, apenas, com a agricultura e

pecuária.

Para Cambi (1999, p. 156), essa estrutura social configurava-se da seguinte

maneira:

[...] No vértice estão os bellatores (os guerreiros) e os oratores (os clérigos),

embaixo estão os laboratores (camponeses, artesãos, ou seja, o povo), mas cada

ordem tem direitos e deveres que, sobretudo embaixo, são bastante impositivos e

caracterizam a condição dos laboratores como de servidão (os “servos da gleba”

eram, de fato, os camponeses, colocados no degrau mais baixo da sociedade feudal).

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Nesse modelo econômico, os nobres feudais eram os proprietários de terras,

fazendas, denominadas de feudo, consideradas unidades econômicas, daí o modo de economia

chamado de feudalismo.

Cada feudo possuía suas leis, sua justiça, seu exército particular, seu governo,

sendo que o esforço produtivo ficava sob o encargo dos servos. Esses não recebiam salários,

porém lhes era cedido uma parte de terra do feudo para produzirem e pagarem os tributos

feudais aos nobres. O pagamento era feito em forma de entrega de mais da metade do

produzido.

A outra força política da época, a Igreja, também possuía terras, era uma grande

senhora feudal. Acumulou muitas riquezas oriundas do pagamento dos dízimos ou das

heranças dos papas e dos bispos, que tinham na sua origem o sangue nobre.

A educação medieval era de responsabilidade da Igreja. Devido às invasões dos

bárbaros os conventos eram os únicos lugares que detinham o domínio da leitura e da escrita,

assim como eram os únicos depositários das obras das bibliotecas romanas, que foram salvas.

Dessa forma, a cultura e a escola passam a ser reorganizadas pela Igreja, onde os princípios

educativos eram baseados no modelo incontestável do cristianismo, como ideal e como

instituição educativa.

Segundo Meneses (2001), a educação medieval pode ser dividida em dois

períodos. O primeiro se estende de 476 d.C até 1150, com a concentração da população no

meio rural, e o surgimento das escolas monásticas. O segundo, a partir do século XII, com a

atração das pessoas para as cidades, com o início do desenvolvimento do comércio e da

criação das universidades.

No primeiro período existiram três tipos de escolas: a paroquial, a monástica e a

episcopal. A paroquial destinava-se aos meninos que pretendiam seguir a carreira religiosa,

para isso aprendiam as primeiras letras, a ler, calcular e a cantar. Era uma escola mais

elementar.

A monástica, concentrada em áreas desabitadas ou afastadas do convívio social,

primeiramente, era destinada à formação literária e religiosa dos futuros monges, pelo curso

das Artes Liberais, que requeria o domínio da leitura, da escrita e da lectio divina, ou Sagrada

Escritura.

A partir do século IX, o sistema de ensino medieval estava organizado para

atender as diferenças sociais. A educação elementar, ministrada em escolas paroquiais, por

sacerdotes, visava doutrinar os camponeses; a educação secundária era ministrada nas escolas

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monásticas e a educação superior, nas escolas episcopais, ministrada nas escolas imperiais,

preparavam os funcionários do Império.

Com o aumento das populações nas cidades, por volta do século XII, houve o

aparecimento das corporações de ofícios, a fim de prover formação especializada aos

profissionais do artesanato, do comércio e das pequenas fábricas, o que inspirou a criação das

universidades, além do notável impulso obtido pela escola episcopal, que ensinava as Artes

Liberais e a Teologia.

A educação desenvolvida nos mosteiros, oriunda do movimento religioso

chamado monaquismo, exerceu influência na educação medieval, uma vez que os monges

eram religiosos que buscavam a perfeição afastando-se, por isso, do convívio da vida

mundana. Na sua origem etimológica, do grego, monge (monachós), significa só, solitário.

Nessa época, os mosteiros eram responsáveis pelo monopólio da ciência e da

cultura. Era no interior deles que os monges copistas imprimiam seus legados, traduzindo as

obras para o latim, fazendo adaptações ou reinterpretando-as segundo os princípios do

cristianismo.

Para Manacorda (2001), havia monges que liam bem, outros que não liam bem e

outros que, pelo menos entre os noviços, podiam ser analfabetos. Embora a leitura e a escrita

fosse condição para entrada nos mosteiros, mediante o ritual de escrever o seu próprio pedido

de admissão, “escrita de própria mão”, era também previsto que na ausência dessas

habilidades fosse solicitado a outrem que fizesse esse pedido, acrescido de um sinal traçado

com a sua mão, para que pudesse ser colocado sobre o altar.

A educação dos monges era fundamentada pela Regula Benedicti, cuja

preocupação principal era a educação moral e a participação na liturgia com poucos subsídios

na instrução literária.Tinha como regra básica, a leitura, que deveria ser atividade constante e

proferida por aqueles que apresentavam o domínio, conforme explicita Manacorda (2001, p.

120), que:

[...] A leitura é especialmente reservada ao domingo e à Quaresma, e é considerada

ocupação normal para os monges, exceto para alguns negligentes e preguiçosos, que

não querem dispor daquele que parece ser um implemento essência do mosteiro: a

biblioteca.

A leitura era utilizada como técnica de ensino, primando pela leitura silenciosa,

que era mais aceitável aos sentidos do que aquela realizada em voz alta, pois permitia uma

maior compreensão pelo fato do silêncio oportunizar reflexão.

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A educação medieval preconizava a formação moral do homem, sendo

desenvolvida nas escolas paroquiais, episcopais e cenobiais destinadas exclusivamente aos

homens. Inicialmente, a escola (schola) foi concebida como um espaço para reunir as pessoas

muito mais do que um lugar para se estudar, pois poucos eram aqueles que detinham a

habilidade de ler e de escrever, inclusive os monges, o que requeria uma tarefa disciplinada e

ordeira.

É na Idade Média que, segundo Durkheim (apud MENESES, 2001), surge a

escola no seu sentido próprio. Ela ultrapassa o lugar em que o mestre ensina e adquire um

caráter moral, impregnado de ideias, de sentimentos, que envolve tanto o mestre quanto o

aluno.

A educação do homem medieval é decorrente do monaquismo, movimento

religioso que ocorreu dentro dos mosteiros, influenciando a cultura medieval. Caracterizado

pelos princípios da fé cristã, preconizava a pregação apostólica, com a adaptação lenta e

criteriosa do legado greco-romano. Trata-se de uma educação que valoriza a transcendência,

pois Deus é uma figura inquestionável e capaz de explicar os fatos e fenômenos do dia a dia.

Segundo Aranha (2002), o ponto de partida é sempre a verdade, revelada por

Deus, autoridade indiscutível do texto sagrado a que se adere pela graça da fé, pois a fé não

contraria a razão. Embora a primeira seja mais importante do que a segunda, a razão é apenas

um instrumento que impõe uma sistematização, conhecida como filosofia cristã, que pode ser

caracterizada por dois períodos, o da Patrística e o da Escolástica.

A filosofia cristã Patrística, conhecida como filosofia dos Padres da Igreja,

envolvendo os séculos II até o V, caracterizava-se pela defesa da fé e conversão dos não-

cristãos pela harmonia da fé e da razão como mecanismo de compreensão da existência de

Deus e da alma, bem como dos valores morais. O principal representante da Patrística foi

Santo Agostinho. Ele buscava a explicação para a origem e a natureza do conhecimento.

Adaptando a teoria de Platão, começava a explicar pela alegoria da caverna2, chegando à

teoria da reminiscência. Aranha (2002), salienta que nessa teoria a alma contempla as

essências no mundo das idéias antes da vida presente, enquanto os sentidos seriam apenas

ocasião das lembranças e não a fonte do próprio conhecimento.

Na filosofia Patrística, configura-se a presença dos padres copistas, os

enciclopedistas, que retomam a cultura antiga, adequando-a às verdades teológicas. Eles

2 Foi escrita pelo filósofo Platão, e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). Trata-se da

exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da

verdade.

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conhecem o programa das sete artes liberais3,

fazem seleção de textos, copiam, traduzem para

o latim, respeitando a fé cristã para difundirem a crença, segundo a interpretação deles.

Já a filosofia cristã Escolástica, é a mais alta expressão da filosofia das escolas

cristãs na Idade Média. Acontece nas escolas, pelos doutores da Igreja. Desenvolvida a partir

do século IX, encontra seu apogeu no século XIII e a sua decadência com o surgimento do

“período das luzes”- o Renascimento, por volta do início do século XVI. O professor era

denominado de Scholasticus, aquele que ensina as artes liberais, sendo mais tarde chamado

oficialmente de magister, o professor de filosofia e de teologia.

Para Pilletti (1996), a escolástica é um movimento intelectual oriundo da Idade

Média, que se preocupava em ensinar as concordâncias da razão com a fé pelo método da

análise lógica. Seu objetivo era apoiar a fé na razão, de modo a dirimir as dúvidas e

controvérsias por meio da argumentação, ou seja, baseada na lógica dedutiva.

A educação escolástica, segundo Gadotti (2002), conservou a tradição e a cultura

antiga, por meio dos copistas que reproduziam as obras clássicas, dentro dos conventos, e,

pela primeira vez, tornou a escola, o aparelho ideológico do Estado4, utilizando a fé cristã

como princípio educacional. Foi uma educação para poucos, que objetivava aparelhar os dois

segmentos de poder da sociedade, a igreja e o império, ao primeiro por meio das escolas

monásticas (educação secundária), realizada nos conventos e ao segundo, nas escolas

imperiais (educação superior), que preparava os funcionários do império.

O método escolástico primava pela reflexão dos textos sagrados da Bíblia e dos

escritos dos Padres da Igreja, os copistas ou enciclopedistas que, segundo Aranha (2002),

requeria etapas distintas, a começar pela leitura (lectio), seguida do comentário (glossa), pelas

questões (quastio) e pela discussão (disputatio).

O termo escolástica é associado à ideia do conjunto de saberes transmitidos na

escola clerical e tinha como disciplina as Sete Artes Liberais, que incluía o trivium,

responsável pelo estudo da Gramática, da Dialética e da Retórica, e o quadrivium, que reunia

conteúdos da Aritmética, da Geometria,da Música e da Astronomia. A reunião dos estudos do

trivium com os do quadrivium, constituía o septivium (Sete Artes Liberais). Para explicar o

sentido do ensino das Sete Artes Liberais, Le Goff (2003, p. 88), diz que:

3 É uma expressão que designa um conjunto de estudos e disciplinas através das quais se intenciona prover

conhecimentos, métodos e habilidades intelectuais gerais para seus estudantes

4 A teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado, de Althusser, constrói uma visão monolítica e acabada de

organização social, onde tudo é rigidamente organizado, planejado e definido pelo Estado, de tal sorte que não

sobra mais nada para os cidadãos. Não há mais nenhuma alternativa a não ser a resignação ante o Estado

onipresente e absolutamente dominante.

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[...] Mas o que é uma arte? Não é uma ciência, é uma técnica. Ars é techné. É tanto a

especialidade do professor como a do carpinteiro ou a do ferreiro.Depois de Hugues

de Saint-Victor, Santo Tomás, no século seguinte, tirará todas as conseqüências

dessa posição. Uma arte é toda a atividade racional e justa do espírito aplicada à

fabricação dos instrumentos tanto materiais como intelectuais: é uma técnica

inteligente do fazer. Ars est recta ratio factibilium.Assim, o intelectual é um artesão;

no meio de todas as ciências [artes liberais] são chamadas artes as que não implicam

apenas conhecimento mas também uma produção que se origina imediatamente na

razão, como função da construção (a gramática), dos silogismos (a dialética), do

discurso (a retórica) , dos números ( aritmética), das medidas (a geometria), das

melodias (a música), dos cálculos do curso dos astros ( a astronomia).

As Sete Artes Liberais configuraram-se pelo desenvolvimento do intelecto,

conhecida também pela arte do homem livre, diferentemente das artes mecânicas, dos tempos

dos sofistas gregos, que primavam pelo desenvolvimento do homem servil, voltado aos

ofícios.

Para ilustrar a influência cristã sobre as Artes Liberais, Cassiodoro (apud

MENESES, 2001, p. 45), explica no prefácio da segunda parte das suas Institutiones, a

concepção desta expressão, a partir da palavra liberales, que provém de líber, livro, que

sucede as artes. Assim, artes liberales, são matérias que estão e que se aprende nos livros,

podendo ser estudadas por qualquer pessoa, de qualquer classe social, retirando desta maneira,

a associação da expressão liberal a sua conotação social.

Veiga (2007), contrapõe essa concepção, por afirmar que a adoção do termo líber

para traduzir em livro, não se refere “as artes dos homens livres, mas as dos saberes

livrescos”, pois, agora os saberes passam a ser escritos lidos, comparados, interpretados e

não mais traduzidos.

Já por volta do século XII, o inglês João Salisbury busca outra explicação para o

termo liberal. Para Salisbury (apud MENESES, 2001, p. 45), as artes se chamam liberais

porque os antigos as utilizavam para instruírem os seus filhos (líber, líberi = filho), a fim de

conseguirem a libertação do homem, livres da inquietação com as necessidades materiais,

propiciando ao espírito aplicar-se com mais liberdade à Filosofia e desta forma adquirirem a

sabedoria.

As Sete Artes Liberais preconizava a difusão de estudos elementares, por meio do

trivium, e mais elaborados, correspondentes ao ensino superior, por meio do quadrivium, que

era estudado por um número menor de pessoas.

Nos cursos do trivium, incubia-se à gramática o estudo das letras e da literatura; já

na retórica, a arte de bem falar e de história e na dialética, o objeto era a lógica, que tratava da

arte de raciocinar. No quadrivium, o conjunto das artes reais voltava-se ao ensino da

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geometria com inclusão de conceitos da geografia, a aritmética com o estudo da lei dos

números, a astronomia com princípios da física e a música com as leis dos sons e a harmonia

do mundo.

O ensino da Retórica perdeu o seu glamour com a perda da importância social e

política da oratória, restringindo-se aos ensinamentos de redigir cartas e de preparar

formulários para o uso dos estudantes.

As mudanças da sociedade ocorridas a partir do século XII trouxeram implicações

diretas à educação, ressaltadas pelo triunfo dos ideais platônicos sobre o isocrático, da

preferência da Filosofia sobre os estudos literários, do predomínio da dialética, o despertar

pelos estudos matemáticos e científicos.

Além destes, dois fatos culturais produziram impacto na organização e no modo

de funcionar as escolas, o humanismo e a invenção da imprensa. O humanismo mediante o

crescente entusiasmo pelos autores clássicos greco-romanos, acrescido pelo gosto culto da

linguagem erudita junto com a apreciação das obras pagãs antigas. A invenção da Imprensa,

como propulsora da revolução cultural e social, pois os livros podiam ser multiplicados

rapidamente e vendidos a baixo custo, o que permitia o acesso a todas as classes da sociedade.

Para facilitar o acesso aos livros, era comum elaborarem manuscritos reduzidos, comprimindo

as letras ou escrevendo de forma abreviada, pois o papel era caro, tornando a aquisição

dispendiosa.

Esses dois fatos são apontados por Meneses (2001, p. 51), como provocadores de:

[...] efeitos imediatos na vida escolar. Primeiramente, acarretaram uma crise

educacional, uma vez que as novidades culturais sempre antecedem a sua aceitação

pelas escolas que são cidadelas da tradição. Por isso, de um lado manifestou-se o

choque entre os representantes de uma escolástica cada vez mais anquilosada e os

inovadores das letras e, de outro, uma grande defasagem entre a existência dos livros

como textos escolares e o emprego de métodos didáticos que remontavam à idade

antiga pelo recurso a técnicas auditivas sugeridas pela raridade dos manuscritos.

Enfim, a educação medieval caracterizou-se pelo monopólio da Igreja Católica,

baseada na transcendência, onde o nome de Deus justificava tudo.

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2.2 O SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE E DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

O surgimento da universidade no mundo, decorreu do modelo europeu de

produção de conhecimentos, por volta dos séculos XII e XIII. Associado a esse cenário, surge

também a organização e proliferação dos colégios como lugares de formação dos letrados,

que se diferenciavam na adoção de métodos, disciplinas e saberes.

O aparecimento dessas instituições escolares na Idade Média, segundo Veiga

(2007), deu-se devido à reurbanização, que trouxe mudanças na sua forma de produzir e de

negociar os seus produtos, caracterizando mais tarde, por volta do século XVI, o período de

transição do feudalismo para o capitalismo. As cidades eram cercadas por muralhas, que por

sua vez eram constituídas de vilas, administradas por um bispo ou por um representante da

nobreza. Nos seus arredores, fixavam-se os subúrbios e parte das atividades agrícolas, além

das oficinas dos artesãos, ateliês e corporações.

Surge assim, o renascimento das cidades e o surgimento de uma nova classe

social, a burguesia. A palavra burgo,designa castelo, casa nobre, fortaleza ou mosteiro,

incluindo as cercanias. Com o tempo os burgos foram se transformando em cidades, cujos

arredores abrigavam os servos libertos que se dedicavam ao comércio, que viriam a ser

chamados de burgueses.

Destaca-se aí, outra força no controle político, o das comunas, decorrentes dos

movimentos comunais, liderados pelos burgueses em contraposição aos senhores feudais e

aos bispos. Entende-se que por meio da outorga da administração das comunas aos burgueses,

configuram-se as primeiras manifestações de governabilidade laica, distanciando-se da

influência e das regras eclesiásticas.

Devido ao comércio florescente, as cidades crescem e segundo Aranha (1996, p.

77), configura-se outra estrutura:

[...] começam as lutas contra o poder dos senhores feudais. Aos poucos as vilas se

libertam e transformam-se em comunas ou cidades livres.

Essas mudanças repercutem em todos os setores da sociedade. Onde só existia o

poder do nobre e do clero, contrapõe-se o do burguês. Serão três pólos da atividade

medieval: o castelo, o mosteiro e a cidade; e três os seus agentes: o nobre, o padre e

o burguês.

Com o desenvolvimento do comércio surgem novas necessidades e com elas a

reorganização do sistema educativo, agora educação não passa a ser privilégio somente dos

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clérigos ou então dos leigos para instruírem-se religiosamente, os burgueses precisam

aprender a ler, a escrever e a calcular.

Em decorrência disso, surgem as escolas seculares. Secular significa século, do

mundo, que neste caso correspondia a atividades sem vínculo religioso. Então, no início, os

burgueses frequentavam as escolas seculares e monacais, porém requeriam uma educação

mais direcionada às suas atividades práticas.

As escolas seculares contestavam o ensino religioso e no seu início era

incumbência dos mestres o recebimento dos alunos em diferentes lugares, como nas suas

casas, na igreja, numa esquina de rua ou alugando uma sala.

Sobre o funcionamento dessas escolas, Aranha (1996, p. 78) menciona o relato de

um historiador francês Philippe Ariés, que diz o seguinte:

Essas escolas, é claro, eram independentes umas das outras. Forrava-se o chão com

palha, e os alunos ali se sentavam. [...] Então, o mestre esperava pelos alunos, como

o comerciante esperava pelo freguês. Algumas vezes, um mestre roubava os alunos

do vizinho. Nessa sala, reuniam-se então, meninos e homens de todas as idades, de

seis a 20 anos ou mais.

A partir do século XIII, a própria burguesia faz uma divisão de classe,

distinguindo a casta entre o rico patriciado urbano, o pequeno comerciante e os artesãos. O

primeiro desempenhava as atividades bancárias, aproximando-se da classe nobre,

desvalorizando o trabalho manual desenvolvido pelos artesãos. Logo, resolveram separar o

tipo de educação para cada um dos segmentos, sendo que para a burguesia plebeia foi

direcionado o estudo em escolas profissionais, onde a leitura e a escrita eram bem

rudimentares.

Essa forma de organização da sociedade burguesa é mencionada por Petitat (1994,

p. 50), da seguinte maneira:

No ápice das hierarquias urbanas encontraremos um patriciado formado pelas

famílias de grandes mercadores e pela nobreza das cidades. Em toda a parte, durante

os séculos XII e XIII, o poder municipal foi exercido por um número restrito de

famílias. Este patriciado logo foi coagido a dividir seu poder com as principais

corporações de artesãos; contudo, como regra geral, ele soube conservar sua

proeminência.

O mundo das comunidades de ofícios estende-se a atividades tão pouco importantes

que não chegam a organizar-se e a criar regulamentos. Ele subdivide-se em ofícios

maiores e menores.Os primeiros associam-se ao poder político das municipalidades.

Dentro de cada comunidade, pode-se distinguir os mestres, os companheiros e os

aprendizes, mais fechados são os ofícios e mais espírito de corpo tem seus

integrantes. [...]

Em todas as cidades , os trabalhos domésticos ocupam um número considerável de

pessoas: até mesmo um quinto da população flutuante composta de pessoas sem

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oficio certo,andarilhos, servos fugidos, etc. Entre o patriciado e a população

composta por artesãos, pessoas dedicadas a atividades domésticas e marginais,

intercala-se uma categoria de letrados de status os mais variados: juízes,

administradores públicos, advogados, notários, médicos, professores, o alto clero, e

também, em nível mais modesto, os professores de escolas elementares de leitura e

de escrita, os escrivãos públicos, os clérigos e empregados dos comerciantes, da

administração, dos advogados e notários, etc.

Em decorrência dessa configuração social, aparecem novas carreiras profissionais

que requerem novas posturas e conhecimentos para o exercício do ofício. Trata-se do

aperfeiçoamento das técnicas de produzir, que geram, segundo Aranha (1996, p. 77), as

pequenas escolas nas cidades mais importantes, com professores leigos e nomeados pela

autoridade municipal. O autor descreve ainda que, o latim é adotado como língua oficial e que

ao invés do ensino do tradicional trivium e do quadrivium, passam a ser enfatizadas as noções

de história, de geografia e de ciências naturais, que constituíam as artes reais.

Surge também, a proliferação das corporações de ofício (universitates, associações

juridicamente reconhecidas por todos, universi) que, segundo Veiga (2007,p. 17), elas:

[...] decorrem das demandas da urbanização e do seu comércio. Organizadas de

forma sistemática, congregavam pessoas de um mesmo ofício que se submetiam a

estatutos regimentais e tinham serviços legitimados por meio da corporação.

Os estatutos das corporações de ofício regulavam as relações externas – com o poder

municipal e com o mercado (vendas, preços, aquisição de matérias-primas) – e as

relações internas, como o monopólio de seus produtos, das ferramentas e dos

saberes, e os vínculos entre mestres e aprendizes. Estes eram estabelecidos a partir

de contratos celebrados entre o mestre e o pai ou tutor do aprendiz e fixavam o

preço, a duração da aprendizagem e os deveres de ambos.

Então, nas cidades, os homens livres desenvolviam vários ofícios, sendo

aperfeiçoados à medida que recebiam influência do Oriente, mediante às Cruzadas. Essa

produção obedecia a uma regulamentação rigorosa das corporações de ofício (ou grêmios),

que determinavam o material a ser utilizado, o processo de fabricação, o preço do produto,

bem como as condições de aprendizagem.

O processo para abertura de uma oficina era rigoroso, requeria primeiramente a

comprovação de recursos financeiros, seguido da demonstração da capacidade de transformar

uma matéria-prima em produto, ser aprovado, pagar as taxas impostas e receber o título de

mestre para posterior concessão da licença e abertura do seu negócio, juntamente à

corporação. Aceitavam aprendizes, que viviam nas casas dos mestres, assumindo as despesas

da sobrevivência até o momento em que comprovassem as suas aptidões, mediante um exame,

para tornarem-se companheiros ou oficiais.

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Com o passar dos anos, o ingresso nas corporações de ofício foi tornando-se cada

vez mais oneroso, excluindo assim, os homens mais pobres e destinando-se exclusivamente

aos filhos dos mestres. Essas corporações passam a ser organizadas, em meados do século

XII, na maioria das cidades européias, pela divisão em comunidades profissionais entre os

artesãos e os comerciantes.

Na visão de Petitat (1994, p.51) são

[...] Hierarquizadas, tentando obter o poder municipal através da oposição aberta ou

camuflada, dominadas na maior parte do tempo por comunidades de comerciantes,

precocemente instrumentalizadas nas monarquias centralizadoras, as corporações

formam unidades sócio-políticas, administrativas e econômicas de fundamental

importância. Juntamente com os clãs familiares, elas constituem a base das pequenas

sociedades urbanas medievais.

Essas corporações possuíam caráter de proteção aos artesãos. Protegiam contra o

medo e insegurança, contra a concorrência externa e de seus colegas, regulamentando as

técnicas, ferramentas, preços e salários, horas de trabalho, número de aprendizes e de

companheiros. Chegava a ser contraditória, pois ao mesmo tempo em que primava pela

independência de cada um, estabelecia a estrita subordinação entre todos.

Além das corporações de ofício, organizou-se na Europa, outro tipo de

agrupamento: a Universitas studii, oriunda da associação entre alunos e mestres para

transmissão e aprendizagem de conhecimentos desvinculados à doutrina cristã, influenciados

pelo desejo da ascensão social da burguesia.

Porém, segundo Aranha (1996, p. 79), a palavra universidade (universitas) não

significa inicialmente um estabelecimento de ensino, na Idade Média, mas sim a qualquer

assembleia corporativa, seja de marceneiros, curtidores ou sapateiros e em especial aqui, a

universidade de mestres e de alunos.

Nessa associação, alunos pagavam para assistirem aulas, o que era privilégio de

poucos. Contratavam professores para receberem lições sobre algum tema das essências

universais, termo associado à Essência Universal ou da Natureza Universal (Deus).

Acreditavam que o homem era capaz de entender e interferir nas coisas da vida, porém o bom

senso e a capacidade cultural não eram suficientes para nortear o destino da civilização

humana, pois com Deus estava a sabedoria e a força.

A sabedoria era entendida como a ciência pura e suprema da essência universal,

como uma forma de emancipação divina. Proclamavam que, a busca pela sabedoria para a

civilização humana era uma forma de emancipação divina, porque “Feliz é o homem que ache

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a sabedoria e o homem que adquire entendimento; pois melhor é o lucro que ele dá do lucro

da prata, e a sua renda do que o ouro.”(Provérbio 3.13-14) http://www.bibliaon.com/sabedoria

As universidades surgem a partir da evolução das escolas catedrais com um

caráter mais corporativo que, segundo Cambi (1999), evoluíram para um novo instituto de

universidade – o studium generalle- como foi chamada num primeiro momento, por Bowen,

e pela formação de escolas urbanas independentes da Igreja, que durante três séculos

espalhou-se por todo o Ocidente até os dias de hoje, com o desafio de retomada do próprio

papel e da reorganização da sua imagem estrutural e cultural.

No decorrer do século XIII, as universidades conquistam a sua autonomia de

forma diferenciada, para cada uma delas. No início, elas eram vinculadas à Igreja e às

comunas. O vínculo com a Igreja acontecia pelas autorizações das licenças aos mestres e pelas

comunas, como autoridades municipais, os benefícios de não pagamento das salas, pela

participação direta na administração das universidades, até nas colações de grau.

Conforme Manacorda (2001, p. 150), a igreja

[...] manteve uma espécie de supervisão sobre as universidades através da concessão,

com exame prévio dos títulos de estudo, da autorização para ensinar, a licentia

docendi. (A conventatio era a cerimônia pública que sucedia à da concessão da

licentia, interna da universidade). Portanto, feita a exceção à importante iniciativa

dos mestres livres, nota-s euma continuidade ininterrupta pelo menos na direção

política, entre escolas episcopais e universidades.

As primeiras manifestações registradas do ensino universitário, aconteceram no

século X, em Salermo, na Itália, com o ensino de Medicina. Mas, os registros apontam o

século XII, como a época da florescência das universidades despontadas pelas de Paris,

Bolonha, Inglaterra, Oxford, seguidas das de Salamanca, Roma e Nápoles.

Em 1214, surge em Paris, a de Sorbonne, especializada em teologia, oferecendo

posteriormente direito e medicina, porém iniciada com um curso da trivium (artes liberais) .

Esse studium generalle nasce ao redor da escola episcopal contando com o prestígio de

Abelardo, um goliardo5

de carreira impressionante, que largou o ofício das armas para se

dedicar aos estudos.

A irreverência dos goliardos chamava a atenção da sociedade medieval, que

procurava excluí-los do convívio da sociedade sob o pretexto de não seguir as leis divinas.

Manacorda ( 2001, p. 147), expõe a visão dos goliardos como sendo

5 Goliardos, denominação dada aos estudantes pobres ou clérigos vagantes, que de origem urbana, camponesa

ou até nobre, deslocam-se entre as cidades em busca do prazer, escandalizando e polemizando pelas suas atitudes

os espíritos tradicionais.

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Os estudantes ou clérigos vagantes, novos e diferentes herdeiros dos gyrovagi,

condenados por São Bento, não deviam ser hóspedes agradáveis para as cidades. O

nome que merecem - goliardos (talvez de Golias, o gigante filisteu, símbolo de

Satanás) - , mostra quanto, pelo menos alguns deles, dedicaram seus anos

universitários mais a divertimentos licenciosos do que aos estudos sérios,

aproveitando a licença, obtida ou arrancada, para afastar-se de seus mosteiros. Os

cantos goliárdicos remanescentes, especialmente da coletânea dos Carmina Burana,

falam mais de mulheres, vinho, caça desesperada ao dinheiro, conflitos com os

mestres e os cidadãos, do que estudos sérios.

Os goliardos eram considerados fugitivos sem recursos que sentiam-se atraídos

por Paris, conforme retrata Le Goff ( 2010, p.44):

Assim Paris, na realidade e simbolicamente, torna-se para uns a cidade-farol, a fonte

de toda a satisfação intelectual e para outros o antro do diabo onde se misturam a

perversidade dos espíritos conquistados pela depravação filosófica e as torpezas de

uma vida voltada para o jogo, o vinho, as mulheres. A grande cidade é o lugar da

perdição, Paris é a Babilônia moderna. São Bernardo brada aos mestres e aos

estudantes de Paris: Fugi do ambiente de Babilônia, fugi e salvai vossas almas. Ide

todos juntos para a cidade do refúgio, onde podeis vos arrepender do passado, viver

na graça para o presente, e esperar com confiança o futuro ( quer dizer, nos

mosteiros). Encontrarás bem mais nas florestas do que nos livros. Os bosques e as

pedras ensinar-te-ão mais do que qualquer mestre.

Ao chegar a Paris, Abelardo, dotado de um ímpeto forte e de uma elevada

autoestima, enfrenta um dos mais ilustres mestres parisienses, Guillaume de Chapeaux. Num

auditório, Abelardo o provoca, deixa-o acuado, e consegue detê-lo. Então, Abelardo torna-se

mestre adorado e seguido pelas pessoas para ser ouvido, provocando, desta forma, o

afastamento de seu adversário, que sem público para ouvi-lo, recolheu-se na montanha.

O mestre Abelardo não encontra mais adversários a sua altura, capaz de estimulá-

lo ao debate e consequentemente à gloria. Dotado de personalidade forte e de caráter

irreverente, não aceitava o fato de que os teólogos estavam numa condição superior a todos os

homens. Então, decidiu estudar teologia com o mais ilustre teólogo da época. Ao concluir

seus estudos de Teologia, retorna a Paris e retoma as suas atividades de mestre.

Na Bolonha, no início de 1100, aparece fortes indícios para o despontar de um

centro de estudos de direito, inspirados em Graciano e Irnério, sendo este último, um

estudioso do Corpus júris de Justiniano, especificamente nos princípios jurídicos que o

regulavam. Porém, o reconhecimento da corporação estudantil bolonhesa ocorrerá somente

em 1158. Inicialmente é reconhecida e especializada em direito canônico e civil, oferecendo,

posteriormente medicina.

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A partir desses dois centros universitas, a universidade difundiu-se por toda a

Europa, com destaque da criação das universidades na Itália, na França, na Espanha (a

começar por Salamanca), na Inglaterra (pela de Oxford) , além de Portugal, da Alemanha e

dos países eslavos.

Torna-se importante salientar que inicialmente as universidades não funcionavam

em prédios ou estabelecimentos próprios. Sua constituição era configurada pelo agrupamento

dos indivíduos na condição de estudantes e/ou de mestres com atividades de estudo (studium).

Veiga (2007, p. 21), descreve esta situação, apontando que

Os mestres ministravam suas aulas em qualquer lugar- salas alugadas, na própria

casa ou mesmo em espaços das igrejas. Outra característica importante é que o título

concedido de autorização para a docência era reconhecido em outras cidades,

favorecendo assim a possibilidade de circulação dos mestres.

Para a obtenção do título e da concessão para o exercício da docência dos clérigos

e leigos, foi organizada uma associação para fazer o controle do licenciamento dos mestres,

que primeiramente era atividade exclusiva dos eclesiásticos. Para isso, era preciso que o

futuro mestre fosse orientado por um mestre autorizado e depois, por meio de um ritual de

iniciação (inceptio), desse a sua primeira aula, na presença de um bispo ou do chanceler. Se

aprovado, recebia a licencia docendi, condição sine qua non (do latim, sem a qual não pode

ser) para ingressar no ofício de mestre.

Contrapondo-se à hegemonia da Igreja para a outorga das licencia docendi,

estabeleceu-se um conflito entre os mestres e as autoridades eclesiásticas. Veiga (2007), relata

que esse costume expunha os futuros mestres a muitas arbitrariedades, numa dependência

total dos poderes da igreja, o que impulsionou mestres e alunos a buscarem uma forma mais

autônoma de organização, com estatutos próprios, e a invocar a proteção da Santa Sé.

Ao ser outorgada pelo papa a prerrogativa da concessão das licenças, as

corporações universitárias adquiriram uma autonomia parcial, pois a igreja permanecia

vinculada a essa instituição, uma vez que as universidades ocupariam o papel de centros da

cristandade, receberiam a proteção e os privilégios papais, a começar pelas prebendas, renda

eclesiástica que mantinha o sustento dos mestres. O ensino era gratuito.

Desta forma, havia a concessão da licença para ensinar, pelo arcediago6,

que

acontecia por meio da entrega das insígnias de sua função: uma cátedra (posição contratual,

de natureza permanente, destinada ao ensino e investigação numa disciplina científica, numa

6 vigário geral encarregado pelo bispo, da administração de uma parte da diocese, ocupando posição superior aos

clérigos.

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universidade), um livro aberto, uma anel de ouro, a boina ou o barrete (veste sagrada para

cobrir a cabeça).

O recebimento de prebendas e a gratuidade do ensino eram concebidos pela

mentalidade cristã da época, que via o saber como um dom divino e que por sua vez, não

podia ser comercializado. Os mestres podiam receber recompensas materiais de seus alunos,

só não poderiam exigi-las, assemelhado a uma colaboração espontânea e como tal, alguns

pagavam e outros não. Manacorda (2001, p. 149), afirma que

Nas relações com os seus mestres, os estudantes tinham fortes poderes: de fato, eram

os próprios estudantes, através de seus representantes encarregados das collectae,

que os pagavam; às vezes nem pagavam. Diz a respeito Odofredo, sucessor de

Irnério em Bolonha: “Sabeis bem que, quando os doutores fazem coletas, o doutor

não pede aos escolares, mas escolhe dois deles para que sondem a vontade dos

outros; e os escolares se comprometem por intermédio deles. Mas os maus escolares

não querem pagar.”

Além da função de mestre, também lhes era conferida a oportunidade de

complementar renda com a ocupação de cargos administrativos, prestação de serviços a

soberanos ou o exercício do ofício em âmbito particular, devido a confiabilidade e

respeitabilidade social que a função apresentava.

Assim, a universidade passa a ser denominada de Universitas studii, uma

organização corporativa que faz funcionar o studium por meio de estatutos que garantem a

sua autonomia, combatendo as interferências internas. Conforme Veiga (2007, p.22), estes

estatutos

[...] variavam de acordo com as corporações de cada localidade e regulamentavam

os procedimentos de todos aqueles cujas atividades se ligavam ao studium: além de

professores e alunos, bedéis, livreiros, copistas, barbeiros e boticários( vinculados ao

estudo da medicina). Algumas características eram comuns: assembléias para

tomada de decisões ( realizadas em igrejas ou conventos), eleição de representantes,

garantia dos privilégios, ritual de exames e colação de grau).

A criação das universidades aconteceu sob circunstâncias diversas. Segundo

Verger (apud VEIGA, 2007), eram de três naturezas: as espontâneas, as formadas por

migração e as instituídas por autoridades religiosas ou da nobreza.

As espontâneas eram oriundas das escolas já existentes, a exemplo da

Universidade de Oxford (Inglaterra), de Paris (França) e a de Bolonha. Já as de migração,

surgiram em decorrência da organização da corporação de mestres e alunos dissidentes de

outra, como a Universidade de Pádua (Itália), que nasceu do movimento dissidente das

Universidades de Bolonha e de Cambridge (Inglaterra). E as criadas por papas ou nobres,

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respeitavam a origem dos estatutos e privilégios da sua fundação, como as Universidades de

Nápoles (Itália), as de Salamanca e Valladolid (Espanha), a de Lisboa (Portugal) e as

primeiras universidades germânicas.

Outra forma de classificar as universidades, apontadas por Veiga ( 2007), é quanto

a suas divisões administrativas, como as nações ou as faculdades. As nações referiam-se à

origem étnica dos alunos (franceses, alemães, ingleses, entre outros), que objetivavam

proteger e/ou auxiliar compatriotas, bem como eram responsáveis pela acolhida dos mestres e

dos estudantes. Enquanto que as faculdades foram subdivisões ligadas às facultas, aquelas

com estudos afins ou referentes ao conjunto de pessoas com estudos específicos em comum.

Dessa forma, organizaram-se as faculdades de artes (agrupando os mestres e

alunos das sete artes liberais), as faculdades dos estudos superiores de teologia, direito e

medicina. As universidades não ofertavam todos esses estudos, somente por volta do século

XIV é que houve uma concentração de estudos mais completa e diversificada, com a oferta

dos Estudos Gerais (Studium generale) , com representação de todas as disciplinas.

As universidades eram compostas então, pela corporação dos professores (leigos,

clérigos7 ou goliardos) e dos estudantes e do seu principal funcionário, o reitor. A figura de

reitor era indicada pelo papa, reis, príncipes e pelos dirigentes municipais. Fazia parte de suas

atribuições convocar e presidir as assembleias, embora assistido por um conselho composto

de delegados representantes dos alunos e por alguns funcionários. Administrava a situação

financeira, fiscalizava as aulas e inspecionava as salas de aula alugadas. Gozavam também de

certos privilégios como o da isenção da prestação de serviço militar e do pagamento de alguns

impostos, benefícios estes que não eram bem vistos entre os membros da corporação

universitária e de ofício, assim como pela população em geral.

Esse processo aconteceu em momentos distintos em cada universidade, conforme

diz Le Goff (2010, p. 95):

Em Paris, o chanceler perde, praticamente em 1213, o privilégio de conferir a

licença, quer dizer, a autorização de ensinar. Esse direito passa aos mestres da

Universidade. Em 1219 o chanceler, por ocasião da entrada de membros das ordens

mendicantes na Universidade, tenta se opor a essa novidade. Perde então, suas

derradeiras prerrogativas. Em 1301, deixará mesmo de ser o chefe oficial das

escolas. Por ocasião da grande greve de 1229-1231, a Universidade deixa de

pertencer à jurisdição do bispo.[...]

Em Oxford, o bispo Lincoln, separado da Universidade por quase duzentos

quilômetros, preside-a oficialmente por intermédio de seu chanceler.[...] Mas logo o

7 Segundo Le Goff, a palavra é originada do francês, clerc, que embora tenha o sentido associado ao membro do

clero, o de sábio, erudito, intelectual, aqui é o descendente de uma linhagem original do Ocidente medieval,

como a dos intelectuais, a dos mestres das escolas.

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chanceler será absorvido pela Universidade, eleito por ela, torna-se seu oficial, em

vez de ser oficial do bispo.

Em Bolonha a situação é mais complexa. A Igreja havia muito tempo se

desinteressado do ensino do direito, considerado uma atividade secular. Só em 1219

a Universidade recebeu como chefe o arcediago de Bolonha, que parece exercer a

função de chanceler e , às vezes, chega a ser designado por esse nome. Mas sua

autoridade é de fato exterior à Universidade. Ele se contenta em presidir as

promoções, em dar a absolvição às ofensas feitas a seus membros.

O enfraquecimento do poder religioso para a propagação e detenção dos saberes

começou a preocupar a Igreja que acompanhava de perto todo esse movimento. Como

mecanismo de controle, a partir do século XII, a Igreja conservadora instala na Europa, a

Santa Inquisição ou o Santo Ofício, como mecanismo de controle e de coerção para os

homens que desviem os seus atos da fé cristã. Esse controle era exercido com rigor e censura,

determinando a punição dos dissidentes desde a queima de suas obras até a de seus autores.

Mesmo assim, a universidade liberta-se parcialmente da influência da Igreja,

sendo que enfrentaria lutas contra o poder comunal. Os burgueses por sua vez, reclamavam da

população universitária, quanto ao distanciamento da sua jurisdição, da bagunça obtida por

meio de crimes cometidos por alguns estudantes. Além da interferência sobre o seu poder

econômico, no que diz respeito ao pagamento de impostos sobre os aluguéis, definição de

preços na comercialização dos gêneros alimentícios e na imposição do uso da justiça nas

transações comerciais.

Por volta de 1321 as universidades deixaram de receber interferências comunais.

Esse fato ocorreu primeiramente pela união e determinação das corporações universitárias

seguido da ameaça de greve e de secessão. Essa ameaça foi determinante, pois os poderes

civis e eclesiásticos estavam convencidos das vantagens na presença dos universitários, que

ao mesmo tempo lhes proporcionavam rendimento econômico, além de prestígio.

Porém, quando tudo caminhava para a laicização das universidades, elas se viram

obrigadas a retornarem ao poder da Igreja, devido ao apoio recebido pelo papado na

independência das comunas, conforme elucida Le Goff (2010, p. 99):

[...] Sem dúvida a Santa Sé reconhece a importância e o valor da atividade

intelectual; mas suas intervenções não são desinteressadas. Se tira os universitários

das jurisdições leigas é para deixá-los sob a jurisdição da Igreja: assim, para

conseguir esse apoio decisivo, os intelectuais se vêem forçados a escolher o caminho

da dependência eclesiástica, contrariando a forte corrente que os empurra para o

laicismo. Se o papa retira do controle da Igreja local os universitários - e não

totalmente, uma vez que ver-se-á a importância, no curso do século, das

condenações episcopais no domínio intelectual – é para submetê-los à Santa Sé,

integrá-los à sua política, impor-lhe seu controle e suas finalidades.

Nesse sentido, os intelectuais estão submetidos, como as ordens novas, à sé

apostólica que os favorece para domesticá-los. Sabe-se como essa proteção

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pontifícia desviou, no decorrer do século XIII, as ordens mendicantes de seu caráter

e de seus objetivos primitivos. Sabe-se, especialmente, dos silêncios e da retirada

dolorosa de São Francisco de Assis diante desse encaminhamento de sua Ordem,

participante a partir daí das intrigas temporais, da repressão às heresias pela força, da

política romana. Assim se fez também os intelectuais, quanto à independência,

quanto ao espírito desinteressado dos estudos e do ensino.

Esse movimento demonstra a ambiguidade e a contradição que a universidade

precisaria administrar no decorrer da sua existência, ora como instituição livre, ora como

instituição vinculada aos setores da sociedade.

As universidades exigiam dos estudantes um percurso de dedicação nos estudos e

de tempo, conforme menciona Cambi (1999, p. 183):

Os estudos duravam de cinco a sete anos e terminavam ( em torno dos 21 anos) com

uma “cerimônia de disputa ou debate” (determinatio) que designava o estudante

como bacharel. Depois de outros dois anos de estudos, o estudante era designado

magister (através da licentia conferida pelo chanceler). Seis meses depois, era

licenciatus, com uma cerimônia, e magister para todos os efeitos.

Nessa época de efervescência cultural, tornou-se necessária a adoção de outros

equipamentos para os membros da corporação universitária, descritos no dicionário de Jean de

Garland e mencionado por Le Goff ( 2010, p. 113), que são os seguintes:

[...] “Eis os instrumentos necessários aos clérigos: livros, uma escrivaninha, uma

lâmpada noturna com sebo e um castiçal, uma lanterna, e uma peça de boca ampla

com tinta, uma pena, um fio de prumo e uma régua, uma mesa, e uma férula, uma

cadeira, um quadro-negro, uma pedra-pomes com uma raspadeira e giz. A

escrivaninha ( pulpitum) chama-se estante (letrum) em francês; deve-se observar que

é provida de uma graduação através de entalhes que permitem alçá-la à altura em

que se vai ler, porque a estante é o descanso onde se põe o livro. Chama-se

raspadeira (plana) um instrumento de ferro com o qual os pergaminheiros preparam

o pergaminho.”

Já os intelectuais medievais, que recorriam ao ensinamento, realizado,

essencialmente oral, requeriam de poucos apetrechos, dentre eles o livro.

A tradição do ensino nas universidades vinha do método escolástico que impunha

ao mestre habilidade em comunicação oral (exposição e argumentação), com raciocínio

lógico, domínio das obras, impondo aos alunos a reprodução fiel mediante a memória ou

canto. Nessa época, o ensino era realizado de forma oral e tinha como base de aprendizagem o

exercício da memória.

Isso, segundo Veiga (2007), proporcionava aos mestres o prestígio e o poder, uma

vez que não utilizavam o pensamento das autoridades mediante registros escritos, pois ao

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expor a arte do raciocínio formal de maneira convincente conferia status universitário ao

professor e aos alunos. Essa situação não diminuiu a importância dos livros, uma vez que os

saberes das sete artes liberais tornaram-se saberes livrescos, ordenados em obra a ser

estudada. O acesso aos livros era limitado, pois eram textos manuscritos em papel e o seu

custo tornava a aquisição dispendiosa.

A concepção do livro na idade medieval difere da atual. Embora fosse utilizado

como um dos instrumentos essenciais à vida universitária, ele precisava adaptar-se às novas

necessidades da sociedade, pois a escrita era fundamental à vida da coletividade e a dos

indivíduos letrados. A visão da escrita, traçada a mão e de forma corrente, apresentada por

Henri Pirenne, é relatada por Le Goff (2010, p.114). Ele diz que:

[...] “O cursivo corresponde a uma civilização em que a escrita é indispensável à

vida da coletividade tanto quanto à dos indivíduos; a minúscula (da época

carolíngia) é uma caligrafia apropriada à classe dos letrados, no seio da qual a

instrução se confina e se perpetua. É altamente significativo constatar que o cursivo

reaparecerá ao lado dela na primeira metade do século XIII, quer dizer, precisamente

na época em que o progresso social e o desenvolvimento da economia e da cultura

legais irão generalizar outra vez a necessidade da escrita.”

Nesse período, a escrita passa a adotar o status de cultura, de sabedoria, vinculada

ao homem letrado e à tarefa de gente graúda8.

Lentamente, o uso da escrita segrega as

pessoas, evidenciando a desvalorização dos analfabetos com o desprestígio dos usuários da

linguagem oral até então utilizada nas formas de ensino e de aprendizagem. Para Petitat

(1994), a cultura do texto se apresenta como dominação cultural, como expressão da

dominação das elites urbanas em plena expansão. Essa estreita vinculação entre o uso e o

domínio da escrita com as classes sociais privilegiadas, é decorrente do surgimento das

universidades, que recorre ao texto das leis ou ao dos livros sagrados para a formação dos

sujeitos. Ainda, Petitat ( 1994, p. 69), diz que a

Expansão do uso da escrita, erosão do monopólio exclusivo da Igreja em proveito de

grupos dominantes, criação de escolas como locais de transmissão de técnicas de

escrita, de leitura e de cálculo, e também como locais para a formação em práticas

jurídicas, médicas e comerciais; estas são algumas das transformações que o

renascimento urbano e comercial acarretou.

Trata-se de um marco na história, pois a revolução do conhecimento, a partir dos

escritos nos livros, acontecera no século XIII, nas oficinas universitárias. Utilizavam-se os

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antigos copistas, que faziam a reprodução das peças. A primeira cópia, a oficial da obra, era

feita em cadernos de pele de carneiro dobrada em quatro, era denominada de peça: pecia, para

posteriormente ser reproduzidas em cópias sucessivas do manuscrito e que reunidos, geravam

um exemplar. A confecção desses manuscritos ficava sob a supervisão das universidades.

O livro adquire aqui o caráter da portabilidade dos nossos dias, pois deixam de ser

obras armazenadas nas abadias, de consulta restrita, para tornarem-se constantemente

manuseados por estudantes e mestres. A prova disso, é que os mestres e alunos deveriam ler

não somente as obras apontadas nos programas de cada estatuto universitário, como também

os registros de cada curso ministrado pelos mestres.

Os estudantes acompanhavam os cursos e anotavam (relationes) as falas dos

mestres. Ao mesmo tempo, o conteúdo desse curso era publicado para ser utilizado,

consultado no momento dos exames.

Os livros foram sendo aperfeiçoados ao longo dos tempos, visando o aumento de

reproduções, facilidade de manuseio e rapidez na sua escrita, desde a substituição da letra

uncial9 pela minúscula gótica

10, escrita agora com pena de ganso, ao invés da escrita com pena

feita de caniço. Eram reproduzidos em série e precisavam ser fáceis de manuseio. Para isso,

sofreram as modificações apontadas por Le Goff (2010): as páginas passaram a ser

numeradas, uso de rubricação (destaque em cor vermelha para os títulos dos capítulos ou para

a letra inicial), do índice das matérias, da presença da lista das abreviaturas e do recurso de

apresentação , sempre que possível, em ordem alfabética.

Dessa maneira, o livro ultrapassa a confecção artesanal para transformar-se num

produto industrializado. A categoria dos copistas, passa a ser desempenhada, então, por

estudantes pobres, como forma de subsistência e por livreiros.

Inicialmente, o ensino utilizava o raciocínio elaborado por meio da dedução

formal, obedecendo às regras do silogismo. Partia-se de duas premissas, para chegar-se a uma

terceira, logicamente correlacionada, que resulta na conclusão, como por exemplo: Todo

homem é mortal. Sócrates é mortal. Logo, Sócrates é homem. Esta elaboração mental era

conduzida pela ausência de contradições, na busca da harmonia do discurso e no

estabelecimento de proposições incontestáveis e gerais.

8 Gente graúda, terminologia adotada por Petitat, ao referir-se à camada da população elitizada e privilegiada

economicamente, para a condição contrária, atribui a denominação de povo miúdo, classe social desprovida dos

bens da sociedade.

9 Letra uncial, letra mais desenhada e de difícil compreensão.

10 Letra Gótica, mais arredondada, de fácil escrita e leitura, sendo desenhada e/ou ilustrada, apenas as

maiúsculas.

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O uso da comunicação oral, como mecanismo de ensino, era possível porque

segundo Verger (apud VEIGA, 2007), naquela época, a biblioteca dos estudantes continha em

torno de 12 (doze) obras, entre os textos religiosos e as obras fundamentais para o estudo. Os

professores possuíam em torno de 30 (trinta) livros referentes às autoridades para prepararem

as suas aulas, uma vez que a quantidade de livros utilizada pelos professores ou alunos era

indicativo de saber e conferia-lhes autoridade.

Posteriormente, com a influência do mestre parisiense Abelardo, essa concepção

foi modificada. Ele apresentou um contraponto à ideia defendida até então, pela Igreja, de que

as coisas do mesmo gênero eram universais (concepção universalista), que os sujeitos

pensariam da mesma forma.

Abelardo afirmava que cada indivíduo possui uma essência própria, o que lhe

permite formulações próprias. Essa afirmação suscitou o estudo da lógica, na autoridade de

Organon e de Aristóteles. Para Veiga (2007, p. 26)

[...] Vale ressaltar que, para o exercício do silogismo, não se recorria a uma

identificação com o sistema filosófico aristotélico, mas com a estrutura de seus

textos. Buscavam-se, então, meios de refutação na construção de argumentos

plausíveis resultantes das disputas ( disputation). Também com base em Aristóteles,

ensinava-se retórica selecionando do texto generalizações de caráter verossímel e,

portanto, capazes de convencer.

Se o processo de ensino era embasado na repetição, utilizando a memória, as

aulas eram organizadas, basicamente, a partir da lectio (leitura) e da disputatio (debates).

Manacorda (2001, p. 153), narra sinteticamente o método adotado por um mestre

universitário:

Para termos uma idéia de como se realizavam os estudos universitários é preciso ler

algum depoimento direto dos mestres. Odofredo, discípulo dos discípulos de Irnério

e professor direto de direito em Bolonha desde 1228, assim apresenta aos estudantes

o programa de seu curso: “Quanto ao método de ensino, seguirei o método

observado pelos doutores antigos e modernos e particularmente pelo meu mestre; o

método é o seguinte: primeiro, dar-vos-ei um resumo de cada título antes de

proceder à análise literal do texto; segundo, farei uma exposição a mais clara e

explícita possível do teor de cada fragmento incluido no título; terceiro, farei a

leitura do texto com o objetivo de emendá-lo; quarto, repetirei brevemente o

conteúdo da norma; quinto, esclarecerei as aparentes contradições, acrescentando

alguns princípios gerais de direito ( extraídos do próprio texto), chamado

comumente Brocardica, como também as distinções e os problemas sutis e úteis

decorrentes da norma, com suas respectivas soluções, dentro dos limites da

capacidade que a Divina Providência me concederá. Se alguma lei merecer, em

virtude de sua importância e dificuldade, uma repetitio, essa repetição será feita à

noite. As disputationes realizar-se-ão pelo menos duas vezes por ano: uma vez antes

do Natal e uma vez antes da Páscoa, se estais de acordo.”

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A didática dos intelectuais medievais, mestres daquela época, encontrava-se

ancorada no método escolástico, que buscava desenvolver o pensar, calcado em algumas leis.

Dentre elas, em primeiro lugar, as leis da linguagem, que por meio das palavras buscavam

explicar os conteúdos, sendo necessário estabelecer relações entre palavra, conceito e o ser.

Os pensadores e os mestres querem falar bem e saber do que falam, recorrem, portanto à base

gramatical.

A próxima lei a ser seguida, é a da demonstração, que se utiliza da dialética que,

segundo Le Goff (2010), requer um conjunto de procedimentos que fazem do objeto do saber

um problema, que os dialéticos expõem e defendem sua solução contra os opositores,

resolvem-no e convencem o ouvinte ou o leitor.

Outra lei a ser seguida é a da autoridade, uma vez que a escolástica se alimenta de

textos, passam a ser referência de consulta e de uso as obras que se fundamentam no

Cristianismo e nos pensadores antigos. Passam a ser textos e saberes norteadores aqueles

originários da Bíblia, dos Padres, do Platão, do Aristóteles e dos árabes.

Já às leis da imitação, foram incorporadas as leis da razão com as prescrições de

autoridade, fundamentadas pela ciência. A exemplo disto cita-se a Teologia, que apela para a

razão, tornando-se uma ciência.

Caminhando para a próxima lei, encontra-se a dos exercícios, atividade peculiar,

proposta pelos mestres aos estudantes, baseados em Quaestio, Disputatio e Quodlibet,

explicados por Le Goff (2010, p.120), da seguinte maneira:

Com base no comentário de texto, a lectio, análise em profundidade que parte da

análise gramatical, a qual produz a letra (littera), ergue-se a explicação lógica que

fornece o sentido (sensus) e termina pela exegese que revela o conteúdo da ciência e

do pensamento (sententia).

Mas o comentário provoca a discussão. A dialética permite ultrapassar a

compreensão do texto para ir aos problemas que levanta, faz com o texto se apague

diante da busca da verdade. Uma extensa problemática substitui a exegese. De

acordo com os procedimentos próprios, a lectio se desenvolve em quaestio.

O texto assume o papel de recurso para a discussão, muda de passivo para tornar-

se ativo, torna-se inclusive questionável. Assim é que nasce o intelectual universitário: o

mestre pensa e faz pensar. Dá soluções para os problemas que resulta na determinatio, obra de

sua elaboração mental, impulsionada pela quaestio, que promove a discussão, consolidando a

disputatio.

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A realização dessa metodologia era valorizada e respeitada por todos os membros

da universidade, pois os dias de disputatio seguiam um ritual que transcorria segundo a

descrição do Padre Mandonnet, mencionada por Le Goff (2010, p. 120-121):

[...] Quando um mestre disputava [dirigia uma discussão] todas as aulas dadas na

parte da manhã pelos outros mestres e pelos diplomados da faculdade cessavam, só

o mestre que mantinha a sua disputa dava aula curta para permitir que os assistentes

chegassem; a disputa começava em seguida. Preenchia uma parte mais ou menos

considerável da manhã. Todos os diplomados da faculdade e os alunos do mestre

que disputava tinham que assistir ao exercício. Os outros mestres e estudantes,

parece, estavam liberados; mas não há dúvida de que uma parte deles permanecia lá,

em maior ou menor número, dependendo da reputação do mestre e do tema da

discussão. O clero parisiense, assim como os prelados e outras autoridades

eclesiásticas de passagem pela capital, freqüentavam habitualmente essas justas que

apaixonavam os espíritos. A disputa era o torneio dos clérigos.

A questão a ser discutida na disputa era previamente fixada pelo mestre que devia

sustentar a disputa. Assim que se fixava o dia, era anunciada nas outras escolas da

faculdade...

A disputa realizava-se sob a direção do mestre, mas não era ele que exatamente

disputava. Era um diplomado que assumia a função de responder e assim se iniciava

no aprendizado desses exercícios. [...] O diplomado respondia aos argumentos

propostos e, quando era necessário, o mestre o auxiliava.

Durante a disputa, era preciso responder a todas as objeções para posteriormente

apresentar alguns argumentos a favor da doutrina que iria propor. Iniciava-se então, a

exposição doutrinal, que requeria uma apresentação com detalhes convincentes sobre a

questão em debate. Ao concluir o debate, eram enviados escritos pelo mestre ou por um

ouvinte que constituíam as Questões Disputadas, encerrando-se assim mais uma disputa.

Além das disputas marcadas acerca de um tema, poderiam ser marcadas pelo

mestre também, duas sessões ao ano, sobre um problema levantado por qualquer pessoa e

referente a qualquer assunto, era o que chamavam de disputa quodlibética, que segundo Le

Goff (2010), envolveria uma discussão ampla, sobre todas as partes de uma disputa que não

suscitasse do mestre.

Esse tipo de disputa era temido pelos mestres, pois eles não detinham o controle

sobre as perguntas levantadas, podendo cair em contradições ou obrigá-los a se pronunciar

sobre assuntos de ordem intelectual ou política, sobre os quais não gostariam de se

pronunciar.

A organização dos estudos universitários era regulamentada pelos estatutos

universitários, que variavam de universidade para universidade, de local para local. Eles

definiam a idade ideal para o ingresso, a duração dos estudos para obtenção do grau e do

título, os programas de ensino, o método adotado, os períodos das provas finais, enfim, todos

os procedimentos e metodologia a serem utilizados por aquela corporação universitária.

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Em geral, o ingresso à universidade era precedido do ensino da gramática (da

leitura e escrita), sem fazer parte da mesma. Às vezes, este ensino primário ou secundário era

realizado parcialmente dentro delas ou por elas controlado. Segundo Le Goff (2010, p. 105), o

ensino universitário funcionava da seguinte forma:

Pode-se dizer, grosso modo, que o ensino básico das universidades – o das artes –

durava seis anos para alunos entre os 14 a 20 anos; isso é que prescreviam em Paris

os estatutos de Robert de Courson. Compreendia duas etapas: o diploma do

secundário ( baccalauréat) ao fim de dois anos, pouco mais pouco menos, e o

doutoramento ( doctorat), no fim dos estudos. Medicina e Direito eram cursos para

as idades seguintes, entre 20 e 25 anos. Os primeiros estatutos da Faculdade de

Medicina de Paris prescrevem seis anos de estudos para obtenção de licença ou

doutoramento em Medicina- uma vez obtido o mestrado em Artes.A Teologia, por

fim, exigia longo fôlego. Os estatutos de Robert de Courson exigiam oito anos de

estudo e idade mínima de 35 anos para obtenção do doutoramento.

O ensino consistia de textos comentados, das obras do programa de exercícios e

dos seus respectivos autores, que também variavam conforme o estatuto universitário. A

obtenção do grau modificava-se em cada estatuto, bem como o tempo para adquiri-lo, sendo

universal a licencia docendi (licenciatura), que garantia o ingresso na corporação dos

bacharéis mediante a avaliação de um júri de mestres, ao qual o candidato ministrava uma

lição e respondia a perguntas.

Para obtenção do grau de doutor, na universidade de Bolonha, o futuro jurista

deveria passar por duas etapas, primeiramente o exame propriamente dito (examen ou examen

privatum) e posteriormente o exame público (conventus, conventus publicus, doctoratus), que

constava de uma cerimônia. Le Goff (2010, p. 107), descreve a realização destes exames da

seguinte maneira:

Algum tempo antes do exame privado o candidato era apresentado pelo consiliarius

de sua nação ao reitor, ao qual jurava que cumpriria as condições exigidas pelos

estatutos e que não tentaria corromper os examinadores. Na semana que precedia a

data do exame, um dos mestres o apresentava ao arcediago, respondendo por sua

capacidade de enfrentar a prova. Na manhã da prova, depois de ouvir a Missa do

Espírito Santo, o candidato comparecia diante dos colégios dos doutores, um dos

quais lhe dava passagens para comentar.O examinando retirava-se, então, para sua

casa a fim de preparar esse comentário que faria no fim do dia em um local público (

mais frequentemente a catedral), diante de um júri de doutores, em presença do

arcediago, que não podia intervir. Depois do comentário exigido, ele respondia às

perguntas dos doutores, que em seguida se retiravam e votavam. Quando se chega a

uma decisão por maioria, o arcediago proclamava o resultado.

O candidato ao ser aprovado nesse exame, tornava-se licenciado, condição prévia

para o recebimento do título de doutor, que previa passar por um exame público para a

obtenção do mesmo, como condição para ensinar, na qualidade de mestre. Esse por sua vez,

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dava-se no interior de uma catedral, onde o licenciado deveria fazer um discurso e em seguida

apresentar uma tese sobre um ponto do direito, seguida de defesas contra as inúmeras

argumentações realizadas pelos estudantes. Era a sua estréia na condição de mestre, numa

disputa universitária.

A obtenção do grau, ao término de uma faculdade, era composta de rituais.

Requeria, além da realização dos exames, a realização de uma programação que envolvia

presentes, festejos e banquetes, custeados pelos graduandos, que proporcionavam a comunhão

espiritual do grupo e a admissão do novo membro em sua corporação.

Enfim, nesse contexto surge a figura do docente universitário, mestre, que

desenvolve as suas atividades de ensino, a partir do método escolástico, com a adoção da

lógica Aristotélica, traduzida para o latim (especialmente a partir do século XIII),

consagrando as corporações de estudo como espaço de fermentação cultural, devido a

utilização da razão para explicação dos fatos , embora apoiados na fé.

A escolástica enquanto método, com o seu rigor e disciplina, preconizando a

obediência às leis da razão, influenciou decisivamente, até os dias de hoje, a cultura e o

pensamento ocidental.

2.3 O ENSINO SUPERIOR E A CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL

A história da educação brasileira retrata a influência do período de transição

europeia, da Idade Média feudal para a Modernidade capitalista. É nesse contexto que a

sociedade brasileira se organiza e começa a organizar o ensino superior brasileiro, baseada

numa economia agrária, densamente povoada, capaz de produzir gêneros alimentícios e

matérias- primas em grande escala para a manufatura europeia.

Nesse sentido, aborda-se, a seguir, o processo de construção histórica da educação

superior no Brasil, apontando a constituição da universidade sob a influência dos diferentes

modelos dessa instituição, confrontando-os no processo histórico na Europa, nos Estados

Unidos da América e particularmente o Brasil. Apresenta também, os aspectos legais de

funcionamento da universidade brasileira até os dias de hoje.

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2.3.1 Contexto Histórico

O século XVI, período da colonização brasileira pelos portugueses, é decorrente

da revolução social ocorrida na Europa, no século XV. Esse período é marcado pela

substituição de um sistema político, econômico e social, o feudalismo, que predominou

durante toda a idade média, tendo como fonte de riqueza, a terra.

O uso da terra foi perdendo força, os campos foram abandonados e as cidades

burguesas tornavam-se centro das atividades econômicas, onde o lucro e os seus atrativos

despontavam. Ocorre também a difusão de alguns inventos, impulsionando o progresso

técnico-científico da sociedade, entre eles: a invenção da bússola, da pólvora, o surgimento da

imprensa, ocasionando a propagação do livro.

Nesse contexto, a vida urbana é fortalecida e ocorre o aumento da população nas

cidades. A comunicação tornava-se mais veloz, iniciavam-se as navegações marítimas e a

expansão do comércio. Surgia também, uma nova classe social, a da burguesia, que reunia

banqueiros, artesãos, mercadores, camponeses, baseada na troca das mercadorias por dinheiro,

fortalecendo o comércio, que superou a troca dos produtos cultivados na terra, o escambo.

Esse século é marcado pela Renascença europeia, também chamado de

Renascimento11, que segundo Aranha (1996), desencadeia um movimento chamado

humanismo, que busca associar a ideia de homem e de cultura desvinculada das concepções

teológicas da Idade Média, sem desconsiderar a religiosidade, buscava superar o

teocentrismo, enfatizando os valores antropocêntricos, mais humanos e terrenos.

É marcado também, por profundas transformações e contradições, que

caracterizam a modernidade, pelas suas características que envolvem a secularização, o

individualismo, o domínio da natureza, o Estado moderno territorial e burocrático, a ênfase da

ciência, a afirmação da burguesia , da economia de mercado e do modelo capitalista. É a volta

do estudo dos clássicos antigos com um novo olhar, livres da tradução dos monges, com a

busca da cientificidade e da estética.

Na Europa, inicia-se a laicização do ensino bem como a proliferação das escolas

públicas, devido ao movimento da Reforma, liderado por Martim Lutero, na Alemanha. Para

11

Período de transformações culturais, econômicas, políticas e de religiosidade, que caracterizaram o momento

de transição do feudalismo para o capitalismo. Rompe-se com as estruturas medievais e ressignifica-se a postura

do homem, que passa a utilizar a cultura e a ciência para explicar os fatos e fenômenos do cotidiano,

fortalecendo os sentimentos de liberdade social e individual.

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Cambi (1999), o protestantismo afirma-se no princípio do direito-dever de todo cidadão em

relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da

gratuidade da instrução, não estando mais o indivíduo condicionado na crença da verdade

com a figura divina, Deus.

O modelo de cultura que o movimento reformador adota nas escolas é o

humanístico, priorizando, assim, o estudo das línguas (as antigas e as nacionais: latim,grego,

hebraico e alemão), por meio do estudo da gramática, pois para Lutero, as línguas eram as

bainhas na qual estavam guardadas a espada do Espírito e era por meio delas que o homem

compreenderia a verdade do Evangelho.

Ele baseava-se na concepção pedagógica que a instrução era um bem universal e

desta forma todo homem poderia cumprir os seus deveres sociais. Assim, a educação passava

a ser uma obrigação para os cidadãos e um dever para os administradores das cidades.

No processo educativo, o mestre deveria possuir em equilíbrio as atitudes de amor

e de severidade, uma vez que iriam substituir os pais e por acreditar que com o amor obtém-se

mais do que com o medo servil e com a coerção.

Em âmbito universitário, há uma renovação nos cursos com a introdução de novas

matérias, entre elas a matemática, que era ensinada apenas com fins práticos e comerciais,

bem como uma concepção mais humanista geral (filosófica e literária).

Com a Reforma Protestante, rompe-se a hegemonia da Igreja e a unidade do

cristianismo, provocando uma renovação no meio eclesiástico. Porém, ocorre reação da Igreja

Católica por meio do Concílio de Trento (1546- 563), segundo Cambi (1999), confirmando os

pontos essenciais da doutrina católica, a sua essencialidade e o valor dos sacramentos, define

novas tarefas para os eclesiásticos no plano disciplinar e pastoral, dá um forte impulso aos

estudos bíblicos e teológico-filosóficos, favorecendo o nascimento de ordens religiosas com

objetivos de frear a heresia protestante e difundir a religião católica nos países do Novo

Mundo.

Essas medidas constituíram a essência do movimento de reação da Igreja à

Reforma Protestante. Comumente denominada de Contra-Reforma, é um mecanismo de

enfrentamento às Igrejas Protestantes espalhadas pela Europa e como resposta às fortes

pressões recebidas dos monarcas fiéis ao catolicismo.

Esse movimento adquire o caráter eminentemente pedagógico, que renova a

função educativa tanto para os eclesiásticos quanto para os jovens descendentes de grupos

dirigentes, a elite da época. É neste ponto que reside a principal diferença entre os dois

movimentos e, conforme Cambi (1999, p. 256) aponta:

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[...] Nisso consiste a principal diferença entre o movimento da Reforma e o da

Contra-Reforma. O primeiro privilegia a instrução dos grupos burgueses e populares

com o fim de criar as condições mínimas para leitura pessoal dos textos sagrados,

enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo

cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo político e social

expresso pela classe dirigente.

Esse interesse mais pronunciado da Igreja católica pela dimensão educativa é

explicada pela renovada concepção de homem elaborada pela teologia tridentina e

na definição de novas tarefas pastorais atribuídas à instituição eclesial.O homem se

redime do pecado não pela fé, mas também pelas obras. Já que a graça de Deus só

age se o homem se dispuser a aceitá-la, ele deve ser preparado para esse escopo.

Outro motivo que torna necessária a intervenção educativa em seu favor é dado pela

sua condição de pecador, da qual só pode se livrar se conseguir reprimir os instintos

e adquirir os hábitos próprios do bom cristão.

Em 1534 é fundada a Companhia de Jesus, por Inágcio Loyola, baseada na

Reforma Católica, onde os jesuítas faziam votos de obediência à Igreja Católica, colocando-se

a serviço da defesa da fé e tornando-se um soldado de Cristo, com a função de implementar os

preceitos educativos da Contra-Reforma. A Companhia de Jesus surgiu então, em decorrência

do Concílio de Trento para combater a Reforma Protestante, liderada por Martin Lutero e para

formar padres e/ou teólogos, capazes de combater as adversidades do século XVI. Várias

missões são empreendidas pela Companhia em toda a América, especialmente nas colônias

espanholas, no Brasil, e no Canadá francês.

São denominados jesuítas, os seguidores da Companhia de Jesus que, segundo

Cambi (1999), segue os princípios militares, com disciplina rígida e obediência ao chefe

supremo, sendo uma espécie de “milícia” a serviço da Igreja de Roma, capaz de controlar os

aspectos da vida individual e social dos povos não cristãos da Ásia, das Américas e da África.

É acima de tudo, uma ordem missionária que se utiliza do instrumento educativo,

por meio do catecismo, para enfrentar o movimento da Reforma. Para isso, descobrem que

teriam maior eficácia, se trabalhassem com os jovens, pois os adultos demonstravam

intolerância e que o instrumento dessa propagação deveria ser por meio da criação e da

multiplicação das escolas. Fato este bem sucedido, que a ação pedagógica dos jesuítas se

manifestou por inúmeras gerações de estudantes, durante mais de duzentos anos (de 1540 a

1773), sob as determinações da Ratio Studiorum (Plano de Estudos).

A Ratio Studiorum (A Ratio atque institutio studirum Societatis) publicada em

1599, é um documento que contem trinta capítulos, retoma as considerações pedagógicas da

Constituições da Companhia de Jesus, assumindo o caráter de um programa formativo com

base católica, a ser estendido por todos os colégios jesuíticos do mundo.

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Trata-se de um documento que apresenta as normas rígidas de funcionamento dos

colégios, envolvendo desde as funções de dirigentes do provincial e do reitor até as

orientações didáticas relativas ao processo de ensino (professores) e de aprendizagem

(estudantes), envolvendo todos os cursos e as várias disciplinas a serem ensinadas.

Envolve, portanto, uma programação das atividades educativas em consonância

direta com os fins religiosos da ordem jesuítica, que é o de formar uma consciência cristã

culta e moderna, mediante a instrução escolar, por meio da obediência cega e absoluta à

autoridade religiosa e civil. Convém ressaltar que a obediência era vista como uma virtude,

descrita na Ratio, conforme transcreve Cambi (1999, p. 262),

A obediência é uma virtude: “A santa obediência seja sempre perfeita em nós e em

toda a parte, tanto na obra como na vontade e no intelecto, de modo que coloquemos

em ação aquilo que nos é comandado com grande presteza, gáudio e perseverança...

Que cada um se convença de que aqueles que vivem na obediência devem deixar-se

guiar pela divina providência por meio dos superiores”.

Na organização didática, apresenta normas minuciosas e destaca o método da

praelectio e da concertatio, seguidas das atividades escritas e das repetições orais, a fim de

reforçar a mémoria. A palestra (praelectio) era utilizada em todos os estudos,como premissa,

fossem eles literários, filosóficos, científicos ou teológicos. Primeiramente era feita uma

leitura de uma parte, sem interrupção, para em seguida, proceder as explicações das artes mais

obscuras, fazendo a ligação das ideias e registro das observações pertinentes a elas. Já a

disputa (concertatio) era iniciada pela pergunta do docente ou pelas interrogações recíprocas

dos próprios concorrentes.

O texto da Ratio permanece em vigor até a dissolução da Companhia de Jesus,

que ocorre em 1773, motivada por razões políticas, na Espanha, embora ela seja reconstituída

a partir de 1832.

2.3.2 Do Ensino Superior Brasileiro à criação da Universidade

O surgimento do ensino superior no Brasil sofre influência direta do modelo

Europeu, desde a sua gênese, entre os séculos XII e XIII, sob as características da educação

medieval, do método escolástico e do poder direto da Igreja.

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A criação da universidade brasileira surge tardiamente, somente um século após a

independência do Brasil, sendo impulsionada pela decretação do Estatuto das Universidades

Brasileiras, na década de 1930, frente às necessidades da crescente urbanização e

industrialização pelas quais passava o nosso país. Muito embora, desde a chegada da família

real, em 1808, no Rio de Janeiro, já houvesse a preocupação com a oferta do ensino superior

no Brasil.

Durante o Brasil-Colônia, era prática habitual, o incentivo, por meio da concessão

de bolsas de estudos para os brasileiros cursarem o ensino superior, em Coimbra, para

fortalecer os vínculos de dependência da colônia com a coroa portuguesa. Porém, segundo

Cunha (2007 a), ocorre a oferta de ensino superior no Brasil, por volta de 1572, com a criação

dos Cursos de Artes e Teologia, no colégio dos jesuítas, na Bahia. Inclusive, a justificativa da

oferta deste tipo de ensino, centrava-se basicamente, na necessidade de ministrar-se um saber

superior.

Na tentativa de ilustrar a evolução histórica do ensino superior brasileiro, Cunha

(2007 a, p. 19) apresenta a seguinte periodização:

O primeiro período foi o da Colônia, iniciando-se em 1572, data da criação dos

cursos de Artes e Teologia no colégio dos jesuítas da Bahia, provavelmente o

primeiro curso superior no Brasil, estendendo-se até 1808, quando ocorreu a

transferência da sede do reino português para o Rio de Janeiro. O segundo período, o

do Império, iniciou-se de fato, quando o Brasil era ainda Colônia, em 1808, com a

criação de um novo ensino superior, estendendo-se até 1889, com a queda da

monarquia. O terceiro período, o da República oligárquica, teve início com o

governo provisório de Deodoro e terminou com a instalação do governo provisório

de Vargas, em 1930. O quarto período, a era Vargas, começou com a Revolução de

1930 e findou com a deposição do ditador, em 1945.[...]

Destaca-se que os critérios utilizados para a caracterização dos períodos acima

mencionados foram de caráter político, muito embora possuam fundamentações de caráter

educacional.

Por outro lado, voltando ao ensino superior desenvolvido nos cursos de Filosofia e

de Teologia, no Brasil, entre os séculos XVI e XVIII, a prática educativa era entendida como

mecanismo de exploração da Colônia pela Metrópole. Esses cursos eram voltados à

reprodução dos quadros dos Colégios da Companhia de Jesus, garantindo o caráter

burocrático das suas organizações.

Dessa maneira, Cunha (2007a, p. 22) aponta que

A colonização surgiu, então, como uma variante para intensificar a acumulação

(primitiva) de capital que acabaria por acelerar o processo de formação dos estados

nacionais centralizadores e de emergência na economia capitalista, tendo na

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industrialização seu veio maior. A colonização consistia, basicamente na

organização de uma economia complementar à da Metrópole.

Assim, o início do ensino superior brasileiro, assumiu a função de formar quadros

para o aparelho repressivo da metrópole portuguesa, que tinha como base o exército e a

marinha, capazes de resguardar a atividade de exploração das colonizadoras rivais, bem como

garantir a continuidade da exploração, por meio do combate ao contrabando, obrigando o

pagamento de taxas alfandegárias, reprimindo qualquer iniciativa de autonomia.

Então, para Cunha (2007a), os jesuítas tinham tripla função, ao formar padres para

a atividade missionária, para a composição de quadros do aparelho repressivo e formar os

filhos das classes dominantes para estudarem na metrópole.

Os estudos nos colégios brasileiros não apresentavam o mesmo valor aos olhos da

universidade de Coimbra, embora fossem idênticos aos ministrados por lá e obtivessem o

reconhecimento do pontifício para o seu funcionamento. A diferenciação residia na forma de

ingresso na universidade, pois os alunos de Portugal, ao concluírem o curso de Artes,

ingressavam diretamente nos cursos de Medicina, Direito, Cânones e Teologia. Já os

procedentes do Brasil, necessitavam cursar novamente o curso de Artes ou prestar exames de

equivalência.

Houve expansão dos colégios dos jesuítas em outras cidades brasileiras, porém o

colégio da Bahia era considerado referência, servindo de modelo e apresentando inovações,

como a da criação da faculdade de Matemática, até a expulsão dos jesuítas , por volta de

1759.

Em 1798, o Colégio do Rio de Janeiro foi transformado em hospital militar, pelo

fato de dispor de duas enfermarias e uma botica, que fabricava medicamentos, vindo

posteriormente, ministrar aulas de anatomia e de cirurgia, a partir de 1808, pela determinação

do príncipe regente e que mais tarde abrigaria a faculdade de Medicina.

Então, a família real, ao chegar ao Brasil, em 1808, gerou mudanças de ordem

política e econômica, quebrando o sistema de trocas de três séculos e estabelecendo uma

elação de dependência com a Inglaterra. Segundo Cunha (2007a), essas mudanças foram

orientadas pela doutrina econômica liberal, que preconizava a liberdade de produzir e de

comercializar. Dentre as inúmeras mudanças, destaca-se a abertura dos portos brasileiros às

nações amigas, favorecendo as relações de importação e de exportação, principalmente ao

território inglês.

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Dessa maneira, a escolha da cidade do Rio de Janeiro para abrigar a família real,

tornando-se a sede da Coroa portuguesa, deu-lhe ares de modernidade com desenvolvimento

cultural e educacional, que repercutiria em todo o país, uma vez que iniciaria a formação das

lideranças intelectuais e políticas.

Tratava-se de imprimir uma mentalidade metropolitana, com hábitos e costumes

civilizados e modos de vida sofisticados, que implicariam na criação de todo aparato

necessário para tal. Foi criado então, O Jardim Botânico, o Museu Nacional, a Imprensa

Régia, bem como alguns cursos superiores.

Aranha (1996, p. 153), menciona as intenções do monarca, bem como faz uma

síntese dos cursos de educação superior que foram criados, dizendo que:

Assim que chegou ao Brasil, D.João VI determinou as primeiras medidas a respeito

da educação, no sentido de criar escolas de nível superior para atender as

necessidades do momento: formar oficiais do exército e da marinha ( para defesa da

Colônia), engenheiros militares, médicos, e abrir cursos especiais de caráter

pragmático.Vejamos algumas destas realizações:

Academia Real da Marinha (1808) e Academia Real Militar (1810) são anexadas,

compondo a Engenharia militar, naval e civil [...] e a Escola Politécnica em 1874,

como instituições que preparam para a carreira militar e formam engenheiros civis,

respectivamente.

Cursos médico-cirúrgico: a partir de 1808, na Bahia e no Rio, visando médicos

para a marinha e o exército.

Diversos cursos avulsos de economia, química e agricultura, também na Bahia e

no Rio.

Cursos jurídicos: surgem após a independência, em São Paulo e em Recife

(1827), mas só se tornam faculdades em 1854.

A criação desses cursos isolados, demonstram a intenção elitista e aristocrática da

época, em favorecer os nobres, os proprietários de terras e uma camada intermediária da

população que surgiu em decorrência da criação de funcionários administrativos e/ou

burocráticos, sendo que esses últimos, manifestavam interesse para frequentarem cursos de

direito, com o propósito de assumir funções administrativas ou até mesmo as de jornalismo.

Observa-se, então, que a criação desses cursos estava relacionada basicamente

com a necessidade emergente de defesa militar da colônia e da formação técnica. Eram cursos

vinculados ao Estado e laicos, até mesmo após a nossa independência.

Havia, no entanto, uma resistência, por parte da coroa portuguesa, para que os

cursos superiores brasileiros adquirissem o status de universidade, uma vez que os filhos dos

nobres embarcavam para Coimbra, a fim de obterem a titulação de bacharéis.

Este fato é ilustrado por Lacombe (apud MENDONÇA, 2000, p.133), grifando

que o laço de dependência não era neutro, nem indiferente, servindo num primeiro momento,

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aos interesses dos próprios jesuítas, que desde 1555, mantinham o controle da Universidade

de Coimbra e que viria a tornar-se posteriormente em um dos mais úteis instrumentos de

difusão do pombalismo e do espírito nacionalista.

Outro fato curioso, que merece destaque, foi a criação tardiamente dos cursos de

direito sob a alegação, na época, de que a criação dos cursos decorreriam da necessidade

social e aqui havia um número considerável de juristas, formados pela universidade de

Coimbra, essa profissão não carecia de formação.

Nessa época, a aquisição de diplomas, conferia o caráter de enobrecimento, pois

aos letrados e eruditos, com formação humanista, era concedido o distanciamento do trabalho

manual, além de atribuir-lhes status de “educado” diante da sociedade, conforme explica

Teixeira (1998, p.88)

[...] A universidade era tarefa especializada de um grupo de homens, devotados ao

cultivo do saber do passado - empenhados em transmiti-lo a um grupo de jovens

para o aperfeiçoamento individual de cada um. O próprio indivíduo aperfeiçoado

pela obra de cultura pessoal, que o tornava mais sensível, e mais interessante,

adquiria, assim, a arte de viver com elegância e graça. Os ingleses chamavam-na a

educação do gentleman. Benjamin Franklin, a educação ornamental. Essa educação

de elite, destinada ao clero e à nobreza, foi a que tivemos durante a Colônia. Embora

a Metrópole não tenha permitido a universidade no território da Colônia, abriu-nos

as portas para a Universidade de Coimbra, talvez para melhor forçar nossa lealdade

à Coroa portuguesa.

Nesse contexto, a educação superior no Brasil emerge sob a influência dos modelos

educacionais jesuítico, francês e alemão, que predominaram em alguns momentos da história

da universidade brasileira e se fazem presentes no cotidiano das mesmas até os dias de hoje.

2.3.3 A constituição da universidade brasileira sob a influência dos diferentes modelos

a) Modelo Jesuítico

Com a chegada dos jesuítas no Brasil, em meados do século XVI, iniciavam-se as

suas práticas educativas, nas diferentes modalidades, seja por meio das missões para

evangelizar os nativos, por meio da implementação dos colégios para ensinar as primeiras

letras, a música, a arte e os ofícios aos filhos dos colonos e para alguns índios, ou por meio da

criação dos seminários, com o propósito bem definido de formar novos seguidores da ordem.

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O primeiro colégio a ser fundado no Brasil foi em 1549, em Salvador, intitulado

de Colégio dos Meninos de Jesus. Ofereciam aos índios aulas de alfabetização na língua

portuguesa, de catequese, de aritmética e de canto, além do manejo de alguns instrumentos

musicais e também a possibilidade do ensino da língua latina aos mais inteligentes. Seguiam

as orientações da Ratio, que preconizava aulas matinais para aprender a ler e a escrever,

seguida de aulas de canto das ladainhas à tarde, na igreja, encerrando as atividades diárias

com a entonação da Salve Rainha.

A expansão dos colégios aconteceu entre os séculos XVII e XVIII, numa

perspectiva humanista cristã, com a finalidade de educar os filhos dos colonizadores à

imagem e semelhança dos ensinamentos realizados nos colégios jesuíticos europeus, dando

ênfase no latim e na retórica, embasados no método escolástico.

A regulamentação da ordem previa dos estudos superiores e inferiores, conforme

Veiga (2007, p.63), apresentava a seguinte organização de estudos:

[...] Os estudos superiores incluíam teologia moral ( estudos de casos de consciência,

das virtudes e dos vícios) e teologia dogmática (doutrina) para as carreiras

eclesiásticas, e estudos de filosofia e matemáticas para aspirantes a carreiras liberais.

Já os estudos inferiores organizavam o conjunto das artes liberais, com ênfase na

trivium (gramática latina, humanidades e retórica) e complemento de história,

geografia e outras disciplinas. A fundamentação básica do conhecimento no entanto,

era o latim, em função do qual se cultivava o próprio vernáculo – no caso, o

português.

Assim sendo, dois momentos se faziam indispensáveis, conforme destacam

Pimenta e Anastasiou (2010): a lectio, que consistia na leitura e na interpretação de textos

feitas pelo professor, no sentido das palavras e das idéias que delas emergissem, bem como a

sua comparação com outros autores, seguida da questio, perguntas formuladas pelo professor

aos alunos e vice-versa.

Ainda nas aulas, enfatizam Pimenta e Anastasiou (2010), que os alunos faziam as

anotações, reportationes, em cadernos, para serem memorizadas posteriormente, a exemplo

da idade medieval. A partir dos comentários realizados pelo professor, surgiam as quaestiones

(dúvidas), que ao serem esclarecidas, acarretavam as disputationes, debates entre ambos ou

somente entre os alunos. Salienta também, que a revisão dos conteúdos era uma premissa,

acontecendo diariamente, no início de cada aula, a recapitulação do assunto estudado no dia

anterior, e semanalmente, a recapitulação de toda a matéria deste período.

Seguindo a tradição jesuítica, as aulas ocorriam no período integral, onde no

período matutino aconteciam as aulas propriamente ditas e no período vespertino faziam

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então, as revisões, sob o comando de uma aluno decurião ou decúrio (termo atribuído ao

oficial da cavalaria do exército romano que comandava um grupo de homens), que

assessorava um grupo de dez alunos.

A linha mestra da Ratio Studiorum propunha que a organização dos estudos

respeitasse a ordem de complexidade destes e sendo que a evolução dos assuntos

acompanhasse o grau de compreensão dos alunos e/ou da classe.

Ao professor cabia a tarefa de repassar os conhecimentos recebidos pelo material

unificado e contido na Ratio, como saberes universais e incontestáveis. A aprendizagem dava-

se mediante a repetição, pela memorização, por meio de aulas expositivas, assemelhado às

palestras, uma vez que o centro do saber era o professor. Para fixação do conteúdo, eram

realizados exercícios, que posteriormente seriam cobrados em exames orais.

Além disso, era vinculada ao perfil do mestre, a eficácia ou não do método, sendo

que era esperado do professor vocação e dedicação na tarefa de ensinar, ideia implícita de

dom, servidão e abnegação, uma vez que a educação formal servia para a aproximação do

homem com o divino, conforme descrevem Pimenta e Anastasiou (2010, p. 146):

A formação e a personalidade de cada professor – um sacerdote – eram elementos

fundamentais para a eficácia do método jesuítico. Como o objetivo era salvar as

almas para Deus, cabia seguir cada aluno e concentrar toda a sua ciência em saber

ensinar, adaptando-se ao aluno, pondo em jogo toda a solicitude e amor exigido por

sua vocação sacerdotal e docente. A fim de garantir a ordem e o sucesso, toda

anarquia discente e docente devia ser evitada: as normas eram rigidamente seguidas.

Nesse modelo educativo, o discente era um ser passivo e obediente, que recebia as

verdades proferidas pelo seu mestre com a condição de memorizá-las e reproduzi-las na hora

do exame. Era considerado uma “tabula rasa”, que não detinha conhecimentos antes de

frequentar a escola, o sucesso da aprendizagem era determinado pelo meio, que se

encarregava de imprimir os conhecimentos. O professor ensinava, se o aluno não aprendia,

era porque ele não tinha aptidão para o estudo, deveria então, aprender logo um ofício.

A metodologia utilizada pelos jesuítas encontra-se enraizada na prática educativa

universitária desde o seu surgimento até os dias de hoje. Pimenta e Anastasiou (2010, p. 147)

consolidam essa afirmativa ao dizer que

O modelo jesuítico encontra-se, pois, na gênese das práticas e modos de ensinar

presentes nas universidades, configurando-se como um habitus, isto é, um conjunto

de esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a situações

sempre renovadas, sem nunca constituir princípios explícitos (f. Bourdieu, 1991). O

habitus permite a incorporação de alterações nos discursos e não nas práticas,

instala-se e acaba sendo modificado apenas superficialmente, num avanço que fica

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presente muito mais no discurso do que na alteração da visão formal do

conhecimento e, consequentemente, da memorização como metodologia na e da sala

de aula.

Hoje, diferentemente do momento jesuítico inicial, não se impõe ao professor

universitário um manual. Sua ação docente é muito mais calcada no senso comum

do como ensinar. Neste, no entanto, a preleção docente, a memorização, a avaliação,

a emulação e o castigo característicos do modelo jesuítico permanecem.

b) Modelo Napoleônico

Em 1806, surge a universidade dita napoleônica, fundada por Napoleão

Bonaparte, em decorrência da Revolução Francesa e sob a influência do Iluminisnmo, que faz

emergir o indivíduo em busca dos direitos, da liberdade e a autonomia no plano político e

econômico. A Universidade Imperial francesa, com as suas faculdades isoladas, tinha o

objetivo de formar quadros técnicos e políticos para viabilizar a expansão político-militar e

industrial da França.

O ensino superior brasileiro foi organizado sob a influência deste sistema de

ensino adotado na Universidade de Paris, durante o governo de Napoleão, o que lhe conferiu a

denominação de modelo napoleônico. Esse fato aconteceu devido à influência dos franceses

que aqui chegaram por volta de 1808, com a transferência da corte portuguesa para o Rio de

Janeiro, sob a convocação de D. João VI, de franceses, para a criação da Escola Real de

Ciências, Artes e Ofícios.

A escolha por estrangeiros franceses, deu-se devido à grande influência da França

sobre Portugal, nos aspectos referentes à moda, ao comportamento, ao lazer e aos aspectos

filosóficos e sociais, que por sua vez, tornou-se modelo de organização da vida cultural

carioca.

O modelo napoleônico caracterizava-se pelo controle por parte do Estado sobre

todo o ensino superior, caracterizando-se como centralizador, profissionalizante, centrado em

curso e faculdades para aparelhar o Estado, mediante desempenho futuros, meramente

burocráticos. Priorizava a unidade de pensamento, impedindo toda e qualquer manifestação de

processos divergentes. Tinha preocupação como central formar o quadro de profissionais da

elite, com ênfase na língua francesa, que segundo Cunha (apud Pimenta e Anastasiou (2010,

p. 150), isso só foi possível porque a

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[...] grande influência cultural francesa no período iniciado com a vinda da corte

portuguesa para o Brasil contou com os seguintes fatores facilitadores: a mesma

origem latina das línguas (francesa e portuguesa), a visão da corte francesa como

vencedora sobre os senhores feudais, a similaridade da crença religiosa (

catolicismo) e a intensa produção ideológica que atendia a burguesia e influenciava

a europeização de Portugal à época. Assim fica clara a recusa de criação, no Brasil,

de uma universidade, mantendo-se no lugar o modelo das faculdades isoladas

francesas.

Este modelo atribui importância à colação de grau e ao Diploma como requisitos

para o exercício da profissão. Além disso, traz consigo o caráter ideológico que vincula a

educação aos interesses do Estado, dificultando inclusive, a característica da universidade, de

promover pensamento divergente, enquanto espaço de produção e de difusão do

conhecimento.

Para Anastasiou (2006), o modelo francês-napoleônico caracterizou-se por uma

organização não-universitária, mas sim profissionalizante, que visava à formação de

burocratas para desempenho de funções do Estado.

Com base nessa concepção, surge a primeira universidade brasileira, criada em 7

de setembro de 1920, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), em consonância com a

autorização recebida em 1915. Essa autorização foi concedida pelo governo federal, mediante

a reunião da Escola Politécnica com a Escola de Medicina e com a Escola de Direito, que

reunidas, originariam a universidade. Porém, só foi instituída como tal, após cinco anos.

Segundo Paula (2002), o motivo da criação desta universidade pode estar vinculado à visita

do Rei Alberto I, da Bélgica, a quem foi concedido o título de doutor honoris causa, em

virtude da sua visita ao Brasil, pela comemoração do primeiro centenário da independência do

país.

Nessa universidade, não existe qualquer preocupação com a atividade científica,

pesquisa. A aquisição deste espírito anti-universitário, deu-se por meio do distanciamento

físico e do isolamento entre as escolas que constituíam essa instituição, não alterando o seu

funcionamento , conforme diz Mendonça, (2000, p. 136):

[...] A reunião em universidade dessas instituições, entretanto, não teve um maior

significado e elas continuaram a funcionar de maneira isolada, como um mero

aglomerado de escolas, sem nenhuma articulação entre si (a não ser a disputa pelo

poder que se estabelece entre elas, a partir daí) e sem qualquer alteração nos seus

currículos, bem como nas práticas desenvolvidas no seu interior.

Esse fato é explicado a partir do que aconteceu na França, por volta de 1793,

marcado pela abolição das universidades, por Napoleão. Em decorrência disso, as

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universidades passaram a ser mal vistas pelos revolucionários franceses, por entenderem que

elas reproduziam o antigo modelo de universidade, o da Idade Média, com espírito

corporativo e ênfase na cultura clássica, que impedia a entrada das ciências experimentais.

Enfim, era entendido como uma forma de perpetuar a ideologia medieval.

Com isso, o ensino superior francês passou por mais de cem anos a funcionar

como um sistema de escolas superiores autárquicas, organizadas sob a ótica do serviço

público e dos cursos isolados. E somente, por volta de 1896, é que surgirá uma nova forma de

organização do ensino superior, primeiramente na condição de faculdades autárquicas e

posteriormente com o nome de universidades, que representavam uma federação de unidades

independentes.

A Universidade do Rio de Janeiro (URJ) foi criada sob os princípios do modelo

napoleônico, de caráter conservador e com a dissociação entre ensino e pesquisa e grande

centralização estatal. Cunha (apud LIMA, 2011) menciona que o Ministro da Educação e

Saúde do Governo Vargas, Gustavo Capanema, objetivava torná-la modelo de referência de

universidade, para adaptar a concepção dela à universidade de São Paulo, prestes a ser criada,

estabelecendo, assim, um controle nacional de qualidade do ensino superior, em todo o país.

Este modelo visava atender a elite, já que a educação para as classes menos favorecidas era

destinada à formação para o trabalho.

Dessa forma, houve a distinção entre serviços educacionais, uns direcionaram

para a pesquisa científica e para a formação intelectual das elites e outros, para um ensino

mais massificado, sendo a pesquisa realizada fora das universidades. Fato este, que segundo

Paula (2007), aconteceu na Universidade do Rio de Janeiro, constituída de faculdades

profissionalizantes, com enfoque no ensino e não na pesquisa.

O modelo napoleônico caracterizava-se pelo alto grau de centralização e controle

estatal sobre a universidade, que conforme Paula (2007, p. 13)

No caso brasileiro, a centralização do ensino superior e o seu controle acentuado

pelo Estado tiveram início com a Reforma do Ensino Superior Francisco Campos e

com a instituição do Estatuto das Universidades Brasileiras, ambos de 1931. Este

controle manifestou-se sobretudo no Rio de Janeiro, sede do governo Vargas, sendo

responsável pela transformação da Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde

Universidade do Brasil, em um verdadeiro “aparelho ideológico de Estado: em

conformidade com a Igreja Católica.”

Nessa época, havia um vínculo entre os intelectuais e o governo Vargas. Os

intelectuais transitavam nos diferentes espaços para além da academia, entre eles, em

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ambientes governamentais, ao ocuparem cargos políticos de confiança ou eletivos, bem como

por sua inserção nas formulações de políticas públicas educacionais do momento.

Diferentemente da França, aqui havia um vínculo entre o Estado, Igreja e parte

dos intelectuais mais conservadores, que montaram a organização e estrutura, nos diversos

níveis de ensino.

Esse modelo de universidade medieval segue os princípios da educação jesuítica

tanto na organização das aulas, quanto na relação entre professor e alunos. O professor

assume o papel de transmissor e o aluno de mero espectador. Há ênfase na memorização e na

reprodução dos fatos, dos conceitos, os quais posteriormente serão cobrados em avaliações,

com caráter classificatório, visando destacar e premiar os bem-sucedidos. A reprovação é

entendida como consequência da obtenção ou não de notas resultantes das provas aplicadas,

sem análise dos fatores que influenciaram os resultados, nem tampouco da tomada de

decisões sobre o que fazer para modificar o resultado obtido.

Essa prática é entendida por Pimenta e Anastasiou (2010), como um processo de

condicionamento pretendido e preservado com a metodologia tradicional, a serviço da

pedagogia da manutenção do status quo, não havendo intencionalidade para criação do

conhecimento.

Na década de 1930, houve a institucionalização da universidade no Brasil,

marcada pela crescente urbanização e industrialização que demandava a formação dos

quadros profissionais decorrentes dessa nova estrutura social, principalmente destinados à

classe dirigente e à formação do professorado para os níveis secundário e superior, como

subsídio para a organização racional do trabalho.

No campo educacional, havia dois projetos, um proposto pela Igreja Católica, que

exercia enorme pressão entre a sociedade e o governo, requerendo o direito sobre a educação

moral do povo, porque a pureza de costumes contribuiria para a formação de homens úteis e

conscientes, requisitos indispensáveis para os bons cidadãos. O outro projeto era proposto

pelos defensores de uma escola nova, responsáveis pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova, composto por intelectuais, políticos e educadores, intitulados de reformadores ou

renovadores. Defendiam a reconstrução da educação nacional em âmbito nacional, com o

princípio da escola pública, leiga, obrigatória e gratuita, com ênfase nos aspectos biológicos,

psicológicos, administrativos e didáticos do processo educacional.

A atuação desse grupo foi marcante nesse período. Shiroma (2002), salienta que,

quando os “renovadores” ganharam a hegemonia na direção da ABE (Associação Brasileira

de Educação), em 1932, o grupo católico abandonou em massa a associação, fundando a

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Conferência Católica Brasileira de Educação (CCBE). Percebe- se dessa maneira, mais uma

tentativa de detenção do poder, pela Igreja, prática comum ao longo da história da educação

mundial.

Nesse contexto, surge a segunda universidade brasileira, criada em 1934, a

Universidade de São Paulo (USP), por um grupo vinculado ao jornal O Estado de São Paulo,

com o propósito de formar a elite paulista, pautada no projeto de nacionalização acima dos

interesses partidários, conforme destaca Paula (2002, p. 2-3),

A origem da tradicional postura acadêmica da USP, distanciada dos centros e

partidos políticos, pode ser detectada já nos antecedentes do seu projeto de criação,

na medida em que a “Comunhão Paulista” 12

enfatizava a necessidade de um projeto

cultural independente da prática política imediata.

Na concepção dos fundadores da USP, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

(FFCL) foi o órgão fundamental para a constituição da nacionalidade à época. Para isso,

contavam com a contratação de professores franceses para a composição do quadro docente,

embora fosse de curta duração, para o processo de consolidação das ciências humanas.

A participação de professores franceses na URJ, diferenciava-se dos pertencentes

à USP, quanto a ligação com a corrente católica. Os franceses que incorporavam o quadro da

primeira instituição mantinham vínculo com a igreja, que por sua vez mantinha estreita

relação com o governo formando parceria nos objetivos nacionais, conforme relata Paula

(2002, p. 3):

Cabe ressaltar, a título de comparação, que também no Rio de Janeiro, Dumas foi o

intermediário na contratação dos professores franceses. A diferença é que na Capital

Federal, a contratação era feita pelo Ministro Capanema, após a autorização de

Getúlio Vargas, e obedecia fundamentalmente a critérios ideológicos, sobretudo o

vínculo com a Igreja Católica. “Uma Exposição de Motivos de Capanema ao

presidente da República em 1944 deixa claro que a nomeação de professores para a

universidade era feita por autorização do presidente, ouvida a Seção de Segurança

Nacional”.

c) Modelo Humbolditiano

Além do modelo francês, a universidade brasileira, recebeu influência de um outro

modelo, o humboldtiano, de Berlim, também chamado de modelo alemão.Esse modelo teve

início na Europa, por volta do século XIX e no Brasil, no século XX, mais precisamente, em

torno de 1934, por ocasião da criação da Universidade de São Paulo (USP).

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A ressignificação do papel da universidade, como propulsora do conhecimento,

mediante a pesquisa, acontece na Alemanha. Nasce com o compromisso de eliminar a

dependência e de estruturar a cultura nacional, além de inserir a cultura alemã à civilização

industrial, capaz de tornar-se uma potência mundial. Teixeira (1998, p. 85), revela isso,

dizendo que

É na Alemanha, com efeito, que se opera a grande renovação da universidade,

voltando a ser o centro de busca da verdade, de investigação e pesquisa: não o

comentário sobre o conhecimento existente, não a exegese, a interpretação e a

consolidação desse conhecimento, mas a criação de um conhecimento novo. A

sociedade estava-se transformando, a pesquisa ia voltar a essa universidade, então

debruçada toda sobre o passado, jogando-a para o futuro.

O modelo alemão, com a concepção de renascimento científico, acaba por

influenciar também, as universidades da Holanda, da Inglaterra e as da América do Norte,

com a perspectiva da construção de novos conhecimentos, por meio da pesquisa. A utilização

da pesquisa era entendida como mecanismo de renovação tecnológica para eliminar a

dependência e gerar autonomia nacional. Além disso, comprometia a universidade com o

desenvolvimento industrial da época.

Esse modelo apresenta características bem definidas. Conforme destacam Pimenta

e Anastasiou ( 2010), envolvem questões como a resolução dos problemas nacionais mediante

a ciência, a união de professores e de alunos pela atividade da pesquisa, em dois espaços

distintos: os institutos, para a formação profissional e os centros de pesquisa, regidos pela

autonomia ante o Estado e a sociedade civil, pela busca da verdade para o

autodesenvolvimento e autoconsciência, pela atividade científica criativa, pelo caráter

humanitário da atividade científica, pela docência exercida de forma livre e pelo processo

cooperativo entre docentes e entre estes e os discentes, sem forma exterior de controle, porém

com organização acadêmica.

Nessa proposta, a relação entre professor e aluno ocorre em prol da ciência, num

clima de parceria, sem esperar a submissão e a passividade do aluno, nem a autoridade

incontestável do professor. Esse clima de respeito e de cumplicidade existe porque Humboldt

afirmava que a ciência por si só, não está descoberta, pronta e que jamais poderão descobri-la

por inteiro.

12 O Termo “Comunhão Paulista” é utilizado por Irene A.R. Cardoso (apud, Paula, 2002,p.2), para designar a

representação que o grupo de Estado faz de si mesmo, quando assume a postura do partido ideológico.

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Porém, esta concepção de universidade tarda a se manifestar no Brasil. Teixeira

(1998, p. 87) evidencia isso ao dizer que

[...] As circunstâncias do Brasil fazem com que ele se desenvolva, primeiro, sob a

influência da educação de que os jesuítas se fizeram os mestres, compreendendo um

currículo fundamentalmente clássico, visando ao treino da mente e à cultura geral;

depois, então, passavam para os cursos profissionais de Teologia e preparo dos

membros da ordem, repetindo inteiramente a universidade medieval. De maneira

que o Brasil, nesses primeiros séculos, apesar de não ter havido universidade no

território da Colônia, contou com a de Coimbra, que era uma universidade

tipicamente medieval, dirigida pelos jesuítas, e teve também o colégio dos jesuítas

no Brasil, que reproduzia a trivium e o quadrivium da cultura existente à época.

Com esse colégio de estudos latinos e das literaturas clássicas, prendeu-se o Brasil

inteiramente à influência da Idade Média, cuja educação era fundamentalmente a de

latinidade.

Nessa configuração, a construção do conhecimento ocorre pela interação dos

atores, professor e aluno, sem prevalência da figura de um sobre a do outro. É uma quebra de

paradigmas, sem verdades absolutas e sim comprovadas cientificamente. Deixa de ocorrer a

centralização do saber na figura do docente e do papel de transmissor apontado no modelo

tradicional. Ambos passam a investigar um problema, em busca da resolução e comprovação

científica, pois o que move este modelo é a ciência.

A USP assumiu o compromisso no ensino superior de ultrapassar a mera

formação especializada e profissional, que na sua concepção tratava-se apenas de reproduzir

um saber, não superior, pois se voltava à aplicação imediata. Por outro lado, defendiam um

saber livre e desinteressado, mas comprometido com o desenvolvimento da nacionalidade, por

meio da formação acadêmica das novas elites dirigentes.

Nessa concepção de ensino superior, com ênfase na formação científica e de

cunho humanista, não pragmatista, é que a USP se vincula ao modelo alemão, humboldtiano.

Essa vinculação acontece, na visão de Paula (2002), pela ênfase da pesquisa e da articulação

desta com as atividades de ensino, por meio da investigação científica pela formação geral e

humanista, em detrimento à formação profissional; pela relativa autonomia diante do Estado

e dos poderes políticos; pela concepção idealista e não pragmática de universidade e não

apenas de prestadora de serviços ao mercado e à sociedade; pela não ligação imediata entre a

intelligentzia13

e o poder; pela concepção liberal e elitista de universidade e pela estreita

ligação entre a formação das elites dirigentes com a questão da nacionalidade.

13 Intelligentzia vem do latim: intelligentia, utilizado na Europa, no século XIX para referir-se a uma categoria

ou grupo de pessoas engajadas em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e

disseminação da cultura, abrangendo trabalhadores intelectuais.

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O foco na pesquisa, como atividade ensino, adotado pela USP, é evidenciado no

texto do Decreto no. 6.283, de 25 de janeiro de 1934, por ocasião da sua fundação,

manifestado no Art. 2º. , dizendo que:

Artigo 2º.- São fins da Universidade:

a) promover, pela pesquisa, o progresso da ciência;

b) transmitir pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o

espírito, ou sejam úteis à vida;

c) formar especialistas em todos os ramos da cultura, e técnicos e profissionais em

todas as profissões de base científica ou artística;

d) realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio

de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e

congêneres.

Dessa maneira fica explicitada a relação direta entre pesquisa e constituição de

uma nação moderna e desenvolvimentista, justificando inclusive, a autonomia da universidade

em relação ao Estado, mesmo que a sua existência esteja vinculada economicamente a ele.

Paula (2002), reforça esta ideia ao dizer que a existência de uma autêntica universidade não

será possível se o Estado limitar a liberdade de ensino e de pesquisa e se impedir a busca e a

transmissão incessante da verdade.

Por essa razão, também era justificado o não envolvimento dos intelectuais com a

prática da política, pois interfere na autonomia e na busca da verdade. Nesse contexto, o

professor universitário conquista sua autonomia pelo exercício das atividades de pesquisa e de

ensino, sem sofrer pressões nem demandas externas e/ou alheias ao saber.

A questão da autonomia também é mencionada no decreto de fundação da USP,

no artigo 24 “A Universidade de São Paulo (em personalidade jurídica, autonomia científica,

didática e administrativa), nos limites do presente decreto, e, uma vez constituído um

patrimônio com cuja renda se mantenha, terá completa autonomia econômica e financeira.”

Essa autonomia foi mantida pela USP, ainda que de forma relativa. Dependente

economicamente do Estado, ao contrário da URJ, procedia o recrutamento dos professores e a

desvinculação da constituição do projeto acadêmico com as decisões políticas, reforçado pelas

ideias do modelo alemão. Já o modelo de universidade francesa, desde Napoleão, incubia o

Estado de mantê-la e de dirigi-la, como maneira de torná-la uma mera reprodutora das suas

ideologias.

O modelo alemão, além de enfatizar a pesquisa, propunha a indissociabilidade

entre ensino, pesquisa e formação, bem como preconizava a autonomia frente ao Estado,

devido a posição de neutralidade dos intelectuais frente aos poderes políticos. Essa situação

foi mantida na USP, por um longo tempo, até que os intelectuais começassem a criar vínculo

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com a política estatal, numa mudança de direcionamento, influenciada pelo modelo norte-

americano de universidade.

Segundo Paula (2002), os governos dos Estados, responsáveis pelas universidades

após a unidade alemã, aceitam progressivamente a nova tendência, criando estabelecimentos

ou carreiras ligadas às novas necessidades de uma sociedade industrial.

Essa nova tendência influenciou universidades europeias, como a alemã e também

universidades latino-americanas, como as brasileiras. Especificamente, no Brasil, este modelo

passa a ser difundido a partir da Reforma Universitária de 1968, em todas as universidades,

inclusive na USP e na URJ.

d) Modelo Norte-americano

A concepção de universidade, com ênfase na pesquisa, chega ao Brasil somente

com a reforma universitária, em 1968, como resultado de um acordo com a sociedade norte-

americana, por meio do Acordo MEC-USAID, que conduziram as reformas educacionais no

período da ditadura militar.

Assim, a pesquisa passou a ser encarada como elemento distinto da atividade de

ensino, ressaltando a sua aplicação nos estudos de pós-graduação, uma vez que a graduação

deveria responsabilizar-se pela formação profissional, reforçando mais uma vez o modelo

napoleônico.

Então, na década de 1960, esta realidade tende a se reforçar, principalmente nas

universidades públicas, devido à adoção do modelo norte-americano, que insere a pesquisa no

processo educativo, exigindo por um lado dedicação exclusiva ou contratação por tempo

integral dos docentes e por outro lado, a melhor qualificação dos estudantes que nela

ingressassem. Percebe-se mais uma vez, a prática da exclusão social, reafirmando que o

ingresso na universidade é para poucos.

Paula (2008, p.07) avança nessa análise, explicitando o papel da universidade.

No modelo norte-americano, a instituição universitária procura associar

estreitamente os aspectos ideais ( ensino e pesquisa) aos funcionais (serviços),

estruturando-se de tal maneira que possa ajustar-se às necessidades da massificação

da educação superior e da sociedade de consumo. Ao adotar a forma empresarial,

boa parte das universidades procura atender aos interesses imediatos do setor

produtivo, do Estado e da sociedade, produzindo especialistas, conhecimento

tecnológico e aplicado, pesquisas de interesse utilitário, assim como serviços de

uma maneira geral. O ideal da concepção alemã de universidade, voltada para a

formação humanista, integral e “desinteressada” do homem, tendo como base a

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, é crescentemente substituído pela

racionalização instrumental e pela fragmentação do trabalho intelectual.

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É nesse contexto e sob a influência do neoliberalismo que se instala a concepção

mercadológica do capital, proporcionando a expansão do ensino universitário nas instituições

privadas, com a criação de vários cursos para atender as demandas do mercado e dos clientes

que procuram obter a titulação em nível universitário.

A ditadura militar foi precedida por um movimento curto, que pretendia a busca

pela hegemonia educacional. Esse período é descrito por Schwarzs (apud SHIROMA, 2002,

p.32 ) como sendo

tempos de revanche da província, dos ratos de missa, dos bacharéis em lei, das

damas da sociedade que defendiam em marcha pelas ruas e com velas acesas nas

janelas a tríade “Deus, família e liberdade”, e que tais.

[...] O regime militar, instalado no Brasil, instalado no Brasil a fim de garantir o

capital e o continente contra o socialismo – abafou sem hesitação quaisquer

obstáculos que no âmbito da sociedade civil pudessem perturbar o processo de

adaptação econômica e política que se impunha no país. Um Poder Executivo

hiperatrofiado e repressor controlava os sindicatos, os meios de comunicação, a

universidade.

Tratava-se de um modelo repressor, com controle social, agindo diretamente nos

sindicatos, meios de comunicação e nas universidades, por meio da ação dos militares, que

utilizavam-se de estratégias diferenciadas tais como: a censura, os expurgos, as

aposentadorias compulsórias, o arrocho salarial, a dissolução dos partidos políticos, das

organizações estudantis e dos trabalhadores , chegando até às torturas.

Esses “recursos” adotados pelos militares foram responsáveis pela contenção da

crise econômica, bem como pela retenção da movimentação da política nacional e da

consolidação da implementação da cultura para o capital multinacional.

Assim, o modelo norte-americano de universidade, procura associar os aspectos

ideais, de ensino e pesquisa aos funcionais, de serviços. As universidades passam a atender

aos interesses do setor produtivo, do Estado e da sociedade, formando especialistas com

conhecimento aplicado e tecnológico, direcionando a pesquisa às demandas dos serviços.

Ocorre a troca de formação baseada numa concepção humanista e integral pela racionalização

e pela fragmentação do trabalho intelectual.

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2.3.4 A universidade brasileira: da Reforma Universitária de 1968 à LDB:9394/96

A década de 1960 é marcada pela reforma universitária, texto da Lei 5540/68, que

dita as regras para o ensino superior durante todo o período da ditadura militar, estendendo-se

até 1996, quando foi promulgada em 20 de dezembro, a atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN 9394/96).

A reforma universitária nasceu para atender as mudanças sociais e econômicas da

época, influenciada pelas características militares e ditatoriais, que conforme Veiga (2007, p.

309):

Ao mesmo tempo que representara parte dos anseios de mudanças educacionais dos

setores representativos da sociedade, ao menos em termos da reestruturação do

ensino, foram instituídas num contexto de autoritarismo, portanto de cerceamento

das liberdades.

Nesse período, ocorre o aumento da procura pelo ensino superior, devido à crescente

industrialização, novas ofertas de emprego e urbanização, que exigem novo perfil do

trabalhador e consequentemente falta de mão de obra qualificada.

O aumento pela procura de cursos de ensino superior e a inadequação da estrutura

universitária trouxe a implementação dos exames classificatórios, os vestibulares, que

selecionavam os alunos com maior pontuação para o ingresso no ensino superior.

Mesmo antes da reforma universitária, houve algumas mudanças na estrutura

universitária, por meio de decretos. O decreto de 18/11/1966 instituiu a pesquisa e o ensino

em unidades de uso comum, já o decreto de 28/2/1967, estabeleceu a organização de

departamentos em torno das disciplinas afins, a criação do colegiado de curso para a

coordenação didática e a instituição de órgãos de desenvolvimento de atividades culturais e de

assistência ao estudante.

Nesse contexto de repressão e de controle, aconteceu a reforma universitária

estabelecida em 1968, que extinguiu a cátedra, introduziu o regime de tempo integral e

dedicação exclusiva aos professores, criou a estrutura de departamento, dividiu o curso de

graduação em ciclo básico e ciclo profissional, criou o sistema de créditos por disciplina,

instituiu a periodicidade semestral e o vestibular com caráter eliminatório .

Portanto, esta reforma incorporou várias características do modelo norte-americano.

Paula (2008, p.07) apresenta-o da seguinte maneira:

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a) vínculo linear entre educação e desenvolvimento econômico, entre

educação e mercado de trabalho;

b) estímulo às parcerias entre universidade e setor produtivo;

c) instituição do vestibular unificado, do ciclo básico ou primeiro ciclo geral,

dos cursos de curta duração , do regime de créditos e matrícula por

disciplinas, todas estas medidas visando uma maior racionalização para as

universidades;

d) fim da cátedra e incorporação do sistema departamental;

e) criação da carreira docente aberta e do regime de dedicação exclusiva;

f) expansão do ensino superior, através da ampliação do número de vagas nas

universidades públicas e da proliferação de instituições privadas, o que

provocou uma massificação deste nível de ensino;

g) a idéia moderna de extensão universitária;

h) ênfase nas dimensões técnica e administrativa do processo de reformulação

da educação superior, no sentido de disponibilização da mesma.

O princípio básico da Reforma Universitária de 1968, segundo Paula ( 008), foi o

da racionalização da instituição universitária com relação aos recursos financeiros, materiais e

humanos, em busca da eficiência, eficácia e produtividade, ficando o processo educacional

associado a esta concepção.

Após a reforma, outras medidas foram decretadas. No âmbito da carreira

acadêmica, criaram-se níveis e titulações requeridas ao exercício da docência: professor titular

(doutorado e concurso específico, mediante vagas criadas pelo governo), professor adjunto

(doutorado), professor assistente (mestrado) e auxiliar (graduação). Houve também a

regulamentação dos cursos de pós-graduação e normas para credenciamento. A pesquisa

ficaria vinculada às exigências econômicas e do mercado de trabalho, a oferta dos cursos de

curta duração e a expansão do número de vagas era condicionada às necessidades do mercado

profissional.

No final da década de 1970, o regime da ditadura militar começa a ser

enfraquecido, marcado pela crise econômica articulada com o capitalismo internacional.

Época essa, que coincide com o período da anistia e a volta dos exilados políticos (por volta

dos anos de 1980) reforçando os movimentos de oposição tanto no campo social quanto no

campo educacional.

Em 1985, o regime militar termina oficialmente, com a eleição indireta para a

presidência da república. Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral, porém,

impossibilitado de assumir, devido a sua morte, assume então, o vice- presidente José Sarney,

o cargo de presidente.

Trata-se de um governo voltado aos interesses da elite brasileira, com a

manutenção do modelo de educação herdado do regime militar. Afinal, mantinham-se as

mesmas práticas e legislações educacionais.

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Porém, as reivindicações educacionais não paravam de acontecer, mesmo nos

meados da década de 1970, crescia o movimento crítico de educadores que reivindicavam

mudanças. Conforme relata Shiroma (2002, p. 47),

[...] Diagnósticos, denúncias e propostas para a educação eram veiculadas por meio

dos novos partidos de oposição – criados legalmente em 1979 -, por recém-criadas

associações científicas e sindicais na área, como a Associação Nacional de Pesquisa

e Pós-Graduação (ANPEd), a Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior

(ANDES), a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE),

periódicos, também recentemente criados, como a Revista Educação & Sociedade. A

ANDE, os Cadernos do CEDES, e em eventos de grande porte, como as

Conferências Brasileiras de Educação (CBE), as reuniões anuais da Sociedade

Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outros.

O movimento de reivindicação educacional demonstra o resgate do fortalecimento

da categoria profissional, que buscava a constituição de um sistema nacional de educação

orgânico, já pretendido em 1930, além de reafirmar a luta pela educação pública e gratuita

como direito de todos e de dever do Estado, bem como a erradicação do analfabetismo e da

universalização da escola pública.

Outro aliado às mudanças educacionais foi a promulgação da Constituição do

Brasil, em 1988. Ela legitima os anseios da justiça e da igualdade social.

Após a promulgação da Constituição, iniciam-se as discussões sobre o projeto

para a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN. As discussões em

torno do novo projeto de lei, tiveram início pelo texto escrito por Demerval Saviani, que

propunha uma reorganização de todos os níveis de ensino, encaminhado à Câmara de

Deputados Federais, em 1988, pelo deputado Octávio Elísio (PMDB- MG). O referido texto

recebeu algumas emendas e segundo Shiroma (2002), a comunidade educacional mantinha-se

organizada por meio do “Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB”, ao qual se

associaram mais de 30 entidades nacionais de feição sindical, acadêmica, religiosa e

profissional, porém, concomitantemente, um novo projeto de lei é apresentado no Senado,

pelo então Senador Darcy Ribeiro.

Em 1993, o projeto de lei de Demerval Saviani, é encaminhado ao Senado, porém

em outra instância e dois anos após, em 1995, Darcy Ribeiro apresentou novo substitutivo ao

seu projeto de lei inicial, fruto de acordos realizados com o governo Fernando Henrique

Cardoso ( governo FHC) e o ministro da educação na época, Paulo Renato Costa Souza. Ao

retornar à Câmara dos Deputados, foi sancionado pelo presidente, sem nenhum veto.

Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a nova lei educacional, a LDBEN, no.

9394/96, caracterizada como sendo uma lei moderna, capaz de atender às demandas do século

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XXI. Trata-se de uma lei mais compacta, com 92 artigos, marcada pelo princípio da

democratização, da descentralização e da flexibilidade.

Demo (2002, p.13), denomina-a da seguinte maneira: “LEI SIM, RÍGIDA NÃO,

OU A MÃO DO SENADOR”. Essa ideia encontra-se apoiada no caráter de legalidade do

texto que possui como característica central a flexibilidade, podendo ser associado a um dos

traços de personalidade do Senador Darcy Ribeiro, que se recusava a impor paradigmas aos

outros.

O texto legal contém parâmetros a serem seguidos, aponta possibilidades sem

ficar aprisionada pela letra da lei àquilo que está dito e não pode ser subentendido, mas é lei.

Para Demo (2002), o caráter de flexibilidade é expresso ao longo do texto legal,

começando no artigo 4º. , que trata do direito à educação e o dever de educar, ressaltando a

extensão progressiva da obrigatoriedade e da gratuidade ao ensino médio, pelas formas de

acesso aos diferentes níveis de ensino, independente da escolarização anterior, perpassando

pela forma de organizar o sistema educacional.

Ao mesmo tempo em que o texto impõe-se pela flexibilidade, requer maior

atenção, pois segundo Demo (2002, p. 19):

[...] Pode-se sempre argüir que essa visão corre o risco de permanecer letra morta,

por conta da tradição centralizadora da União, o que é um contra-argumento potente

e reiteradamente comprovado. Como a lei não faz a realidade, é bem possível que,

apesar desse texto, tudo continue como antes. Mas temos pelo menos um texto

arejado. Na prática, não aparece horizonte propriamente revolucionário, até porque

se restringe ao plano dos meios (modos de organização), que pode ser novo

mantendo os conteúdos velhos.

Esta lei apresenta outros enfoques, como ser voltada aos direitos do aluno, dando

ênfase ao seu aprendizado e aos processos de progressão da aprendizagem. Além disso,

salienta-se o aumento dos dias letivos, de 180 (cento e oitenta) para 200 (duzentos) dias, a

idéia da gestão pedagógica, administrativa e financeira da escola, baseada no princípio da

descentralização e da autonomia, bem como da formação docente e da captação e aplicação

dos recursos financeiros.

No ensino superior, vê-se a discussão principalmente com o cumprimento dos dias

letivos, com a ideia da gestão pedagógica por meio da criação dos Núcleos de Docente

Estruturantes14

(NDE), mesmo que de forma incipiente. Outro forte reflexo da lei neste nível

14

Conforme o Parecer CONAES N° 4 de 17 de junho de 2010, o Núcleo Docente Estruturante (NDE) foi um

conceito criado pela Portaria Nº 147, de 2 de fevereiro de 2007, com o intuito de qualificar o envolvimento

docente no processo de concepção e consolidação de um curso de graduação. O NDE de um curso de graduação

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de ensino é o da formação docente continuada ou em serviço, que motivou as instituições do

ensino superior a criarem programas ou projetos para esse fim.

Demo (2002), categoriza esta lei como paradoxal, pois contempla “avanços” e

“ranços” , segundo a sua concepção. Para ele, são considerados avanços os aspectos referentes

ao compromisso com a avaliação, como elemento central da organização da educação

nacional, seja por meio da incumbência da União de “coletar, analisar e disseminar

informações sobre educação” ( Art. 9º., inciso V) ou pelo compromisso nacional de avaliação

do rendimento escolar nos diferentes níveis de ensino, com ênfase na avaliação do ensino

superior, em decorrência da liberdade da sua criação e do não uso da pesquisa em suas

práticas.

Atualmente, o ensino superior encontra-se diretamente vinculado às diretrizes de

aliação propostas pelo Sistema de Avaliação da Educação Superior 15

(Sinaes), como forma

de acompanhar e de orientar as instituições e os cursos sobre o seu próprio desempenho bem

como o dos seus estudantes. Trata-se de uma avaliação-regulatória, por parte da União, a fim

de alinhar em âmbito nacional, o funcionamento das instituições de ensino superior (IES) em

relação às diretrizes curriculares de cada curso, bem como o compromisso institucional de

viabilizar essa implementação.

Ainda, com relação ao compromisso com a avaliação-regulatória, cabe mencionar

a prática vivenciada nas instituições de ensino superior e em especial, em cada curso de

graduação, no qual diz respeito à renovação do reconhecimento de curso. Por meio de

relatório, é atribuída uma nota ao curso, considerando aspectos pedagógicos, de infraestrutura,

das atividades relativas ao ensino, pesquisa e extensão, da composição do corpo docente

(contemplando forma de contratação, no. de horas destinado à instituição, publicações), do

alinhamento do projeto pedagógico do curso com o perfil dos egressos. Em decorrência desse

processo de avaliação, realizado periodicamente, o curso pode obter a permanência de oferta,

como também receber uma intervenção ou em medida extrema, o descredenciamento.

constitui-se de um grupo de docentes, com atribuições acadêmicas de acompanhamento, atuante no processo de

concepção, consolidação e contínua atualização do projeto pedagógico do curso. 15

O Sinaes, foi criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, o Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Superior (Sinaes) é formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, dos

cursos e do desempenho dos estudantes. O Sinaes avalia todos os aspectos que giram em torno desses três eixos:

o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o

corpo docente, as instalações e vários outros aspectos. Ele possui uma série de instrumentos complementares:

auto-avaliação, avaliação externa, Enade, Avaliação dos cursos de graduação e instrumentos de informação

(censo e cadastro). Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cursos e

instituições de educação superior no País. Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela

Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). A operacionalização é de responsabilidade do

Inep.

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Outro aspecto positivo, salientado pelo autor supracitado, é o da visão alternativa

da formação dos profissionais da educação, pois ao enfatizar a aprendizagem do aluno, trata

o professor como eixo central da qualidade de ensino. O professor adota um papel de

orientador do processo formativo, tendo como balizador o processo de avaliação, que

acompanha a evolução do estudante. Leva em consideração o seu ponto de partida e o seu

ponto de chegada, por isso adquire o caráter de processual, contínua e qualitativa. A

concepção de aprendizagem dá-se na construção do conhecimento, numa visão

interdisciplinar, devendo utilizar todos os espaços e tempos, ultrapassando as fronteiras do

ensino presencial e de práticas formais de educação.

Nesta visão da formação dos profissionais da educação, a lei destaca a

importância da formação e do aperfeiçoamento profissional continuado, devido ao seu novo

papel na sociedade do conhecimento, onde as informações são processadas rapidamente e a

evolução social é constante. Então, segundo Demo (2002), as exigências modernas da

aprendizagem atribuem ao professor a condição de sujeito especializado, mais do que todos,

em aprender, pois somente o professor que aprende bem e continuadamente pode fazer o

aluno aprender.

Esse autor salienta ainda, que nenhuma outra profissão se desgasta com mais

rapidez do que a do professor, pois o docente lida com a lógica da reconstrução do

conhecimento. Por outro lado, a lei que valoriza a formação continuada do professor, requer

que este tenha o seu desempenho avaliado, o que é recebido pelos professores com certa

estranheza, pois além de ser uma prática nova, pode vir com os ranços da avaliação como

prática classificatória e excludente.

Para Demo (2002), não seria exagero considerar como uma parte mais “caduca”

da LDB, a visão de educação superior. Atribui a esta visão, as expressões designadas a suas

finalidades como “estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do

pensamento reflexivo”, princípios estes generalistas e empregáveis para qualquer nível de

ensino.

Outra expressão evidenciada por ele, a “de formar diplomados para a sociedade”,

com enfoque na formação para o mercado de trabalho, embora enfatize a necessidade da

formação contínua, sem mencionar sobre uma das necessidades atuais, que é a da pesquisa

avançada. O texto legal trata a pesquisa e a investigação científica como propulsoras do

desenvolvimento da ciência e da tecnologia, sem associá-las à sua função primeira, que é a

educativa, essencial tanto para a formação dos alunos quanto a dos professores. Isso, sem falar

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do sentido minimizado que é atribuído às universidades, o de simplesmente conferir um

diploma.

A legislação aponta ainda, a atribuição da propagação dos conhecimentos

culturais, científicos e técnicos por meio da atividade de ensino, de publicações ou mediante

outras formas de comunicação.

A crítica à instituição de ensino superior que se volta apenas para a atividade de

ensino, é reforçada por Bourdieu e Passeron (apud DEMO, 2002, p. 79), visto que apresenta

uma tendência a favorecer o “mero” ensino, ou seja, a subserviência ao modelo reprodutivo,

obstaculizando o compromisso com a reconstrução própria de conhecimento.

Associado aos ranços menciona ainda a questão da informática educativa, que é

desconsiderada ao longo da LDB, fazendo apenas alguma referência sobre a educação a

distância, sem mencionar as discussões modernas em torno da aprendizagem, que utilizam as

tecnologias como elemento motivador ou de acesso às informações.

Demo (2002), associa esse fato ao utilizar a expressão “atraso dos eletrônicos”,

por entender a não vinculação destes às formas de aprendizagem na sociedade atual. Afirma

que o uso das tecnologias na educação requer uma série de aparatos para o seu

funcionamento, extrapolando o acesso à televisão, pressupondo o uso e domínio de várias

mídias, entre elas o computador e seus recursos, perpassando pelo uso da rede, que contribui

significativamente para o acesso às informações.

Já os problemas relacionados com o mercado de trabalho surgem à medida que a

lei aponta a possibilidade de inserção do aluno no mercado de trabalho, como técnico, seja em

nível médio ou pós-médio (em âmbito do término da educação básica ou em âmbito da

educação superior, pelos tecnólogos), embora ela não se comprometa em preparar para o

mercado de trabalho e sim em qualificar. Este trocadilho torna-se menos nocivo, à mediada

que a própria sociedade exige profissionais qualificados, proporcionando, assim, a concepção

de educação permanente.

Aponta-se aqui, a necessidade para uma discussão maior sobre a educação

profissionalizante, que perpassa desde a educação básica até a sua formação inicial e

continuada, pela educação superior, para interferir nas relações de mercado. Conforme Demo

(2002, p. 92):

[...] Mas é incongruente propor o direito à educação de jovens e adultos que não

seja, naturalmente, profissionalizante, porque se incide na balela da separação

artificial entre educação e mercado, ou na pieguice pedagogista que imagina poder

dispensar o mercado. Sem maiores aprofundamentos, seria o caso em torno da

educação e do conhecimento, mas não pode afastar-se, para ser realista no mundo

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capitalista, da necessidade de interferir no mercado. Porquanto, toda política social

que não implica interferência no mercado, já é residual.

No que tange a formação para docência no ensino superior, a LDBEN prevê que

ela deve acontecer prioritariamente em cursos de pós-graduação stricto sensu, que nem

sempre contemplam estudos de Metodologia do Ensino Superior ou de Didática do Ensino

Superior, fragilizando assim, a formação de docentes oriundos de outra área que não seja a da

educação. Tal fato, é registrado na LDBEN no. 9394/96, no art. 66, ao designar que:

A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-

graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Parágrafo

único: O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em

área afim, poderá suprimir a exigência de título acadêmico.

Já na concepção de Morosini (2001), a atual legislação utiliza o silêncio para

referir-se à formação didática do docente universitário, pressupondo que a sua competência

advém do domínio da área de conhecimento em que atua.

Desta forma, ocorre ênfase na competência técnica, pela expertise da área de

conhecimento, na área de atuação profissional, abstendo-se no plano de formação didática. A

atual LDB define a titulação necessária para o exercício da docência, expressa no artigo 52,

incisos II e III, onde determina a composição do quadro de professores, que se caracteriza por:

II- um terço do corpo docente, pelo menos com titulação acadêmica de mestrado ou

doutorado;

III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.

Percebe-se que este tipo de formação do docente universitário, em geral,

direciona-se mais aos saberes técnico-científicos da área ou à formação de pesquisadores do

que à formação pedagógica necessária para o exercício da docência neste nível de ensino. Em

vista disso, segundo Pimenta e Anastasiou ( 2010), vem ocorrendo o aumento da demanda por

cursos de pós-graduação stricto sensu, na área da Educação, que promovem uma discussão

sobre a epistemologia e a contribuição da didática no fazer pedagógico. Faz-se necessário

discutir sobre o processo de ensino e de aprendizagem que inclui o estudo das teorias

educacionais e seus contextos, das metodologias de ensino, da avaliação, bem como da

articulação entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão, fundamentais na prática

docente.

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O exercício da docência neste nível de ensino e em conformidade com a atual

LDB, pode dar-se nos variados tipos de Instituições de Ensino Superior ( IES). Então, a partir

de 1996, as IES se dividem quanto a organização acadêmica de forma diferenciada, o que

Pimenta e Anastasiou (2010, p. 141), explicam da seguinte maneira:

Universidade, que se caracteriza por autonomia didática, administrativa e

financeira, por desenvolver ensino, extensão e pesquisa e, portanto, contar com o

número expressivo de mestres e doutores.

Centro universitário, que se caracteriza por atuar em uma ou mais áreas, com

autonomia para abrir e fechar cursos e vagas de graduação e ensino de excelência.

Faculdades integradas, que reúnem instituições de diferentes áreas do

conhecimento e oferecem ensino e, às vezes, extensão e pesquisa.

Institutos ou escolas superiores, que atuam em área específica de conhecimento e

podem ou não fazer pesquisa, além do ensino, mas dependem do Conselho Nacional

de Educação para criação de novos cursos.

Independente da característica da instituição a que o professor estiver vinculado,

sempre lhe será exigida a atividade de docência como forma de produção. Por isso, a

importância de prepará-lo para tal, numa abordagem que privilegie a indissociabilidade do

ensino, da pesquisa e da extensão, sem dar ênfase a um desses aspectos. Na prática, porém,

não ocorre desta maneira, a exemplo da organização curricular dos cursos de pós-graduação.

Embora os cursos de pós-graduação possuam a responsabilidade para a formação

inicial de professores do ensino superior, optam por formar pesquisadores. É o que explicita

Paz (2010, p. 92):

[...] os referidos cursos de pós-graduação têm, ao mesmo tempo, o objetivo de

formar pesquisadores. Em decorrência, na organização curricular dos cursos de pós-

graduação a formação para a pesquisa foi priorizada em detrimento da formação

para o ensino. Ressalta-se que os procedimentos de acompanhamento e avaliação

dos cursos de pós-graduação, sob o encargo da CAPES (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), desde 1976, valorizam

preponderantemente a produção acadêmica vinculada à pesquisa, em detrimento do

ensino e da extensão.

Esta prática fica reforçada pela incoerência da LDB que ao mesmo tempo incube

os cursos de pós-graduação para a formação docente, porém aponta, no art. 66, que “a

formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo,

trezentas horas”. Desta maneira, ocorre mais uma vez, a explicitação dos princípios desta

legislação, direcionados à flexibilidade e à autonomia das instituições de ensino quanto a sua

forma de organização e de estrutura curricular.

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Assim sendo, esse ideário reforça que a formação docente requeira apenas o

domínio do conhecimento técnico, da sua área de atuação para transmitir as informações

referentes a um determinado assunto e que conforme Pimenta e Anastasiou (2010), ensinar

trata-se apenas de dizer um conteúdo a um grupo de alunos reunidos em sala de aula.

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3 A FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO

A função da docência evolui na sociedade e constitui-se como saberes

historicamente situados. Na atualidade, entende-se a docência como sendo uma prática

profissional, que requer formação específica, voltada aos saberes do ensinar e do aprender,

bem como o da implicação destes na construção ou na reprodução de um modelo social.

Pautado nesta concepção Rios, (2001) define o docente como sendo o professor em exercício,

isto é, que desenvolve uma atividade. Ser professor é uma profissão. Mas é no efetivo

exercício de sua profissão que o professor recebe a denominação de docente, aquele que está

desenvolvendo um processo de ensinar.

Esta ideia aplica-se também ao professor universitário, que por meio da história

mundial e brasileira reforça o descompromisso com a formação do docente.

Pimenta e Anastasiou (2010), salientam que o exercício da docência no ensino

superior acoplado ao desenvolvimento de atividades como profissional autônomo,

proporciona prestígio e visibilidade social, enquanto que o título de professor, sozinho,

remete-a uma identidade menor, porque é associado aos professores da educação básica.

Desta forma, os saberes inerentes da prática pedagógica ficam em segundo plano,

reforçando a banalização do exercício da docência e interferindo na profissionalização da

atividade. Este fato aponta para a necessidade da formação continuada ou em serviço.

Ao entender a atividade docente como profissão remete-se a necessidade da

formação. Esta, por sua vez, necessita ultrapassar a concepção do senso comum, que lhe

atribui popularmente, a idéia de moldar, adequar-se a um modelo pré-estabelecido e

convencional. Segundo Veiga (2008, p. 15), a formação de professores “[...] constitui o ato de

formar o docente, educar o futuro profissional para o exercício do magistério. Envolve uma

ação a ser desenvolvida com alguém que vai desempenhar a tarefa de educar, de ensinar, de

aprender, de pesquisar e de avaliar.”

A formação docente passa a ser concebida como um mecanismo de preparação

profissional que, na atualidade, precisa ser prática permanente e subsidiaria do fazer

pedagógico, o qual se torna cada vez mais exigente e dinâmico, principalmente devido à

crescente evolução e dinamismo da sociedade, ditados pela era da informação, do

ciberespaço, pelo acesso à rede de computadores.

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O entendimento de formação, para Charlot (2008, p. 90), está vinculado a ideia de

ensino, pois para ele, “Ensina-se um saber, forma-se um indivíduo”. Essa analogia remete à

responsabilidade daquele que ensina, pois o ato de ensinar implica o de aprender por outrem,

e, consequentemente, ao apreender, o sujeito se apropria, se constitui. A fim de correlacionar

estes dois conceitos, Charlot (2008, p. 91), afirma que

[...] Em outros termos, há uma prática do saber e o ensino deve formar para essa

prática, e não apenas se contentar em expor conteúdos. Aprofundando-se a análise,

aliás, pode-se aplicá-la igualmente ao ensino magistral: quando “ministra um curso”,

o educador pratica o saber diante dos alunos e supõe que estes, seguindo-o passo a

passo, aprendem a pensar. Neste sentido, todo ensino digno desse nome se pretende

também a formação.

A ideia de formação implica a de que o indivíduo deve adquirir certas

competências. O conteúdo e a natureza dessas competências variam segundo o tipo de

formação e o momento histórico em que se vive. Assim, a formação na década de 1930,

requeria professores enciclopedistas, reprodutores do conhecimento, já na década de 1970, a

expectativa incidia na habilidade de planejar e de controlar as atividade, enquanto que a partir

da década de 1990, espera-se a competência para organizar situações de aprendizagem que

envolvam resolução de situações problema.

Para Nóvoa ( apud VEIGA, 2008, p. 17), “[...] a formação de professores

desenvolve-se num contexto de coletividade. Articula-se com escolas, com seus projetos, no

sentido de que o profissional muda a instituição e muda com a instituição”.

Esta concepção é reforçada pela concepção de que a formação busca

emancipação, por meio da construção de saberes e de valores próprios, a fim de construir a

identidade pessoal e profissional. Essa identidade passa a ser entendida como uma maneira de

ser e de estar na profissão.

A construção da identidade na docência requer um ato de encontro e de

comprometimento com as atribuições dela decorrentes, é algo intrínseco e relacionado com o

ser como pessoa e o ser como profissional, está associado as suas convicções, crenças e

ideologias, interferindo no seu modo de ser e de agir.

Pimenta e Anastasiou (2010, p. 77), reforçam este pensamento quando dizem que

Uma identidade profissional se constrói, pois, com base na significação social da

profissão; na revisão constante dos significados sociais da profissão; na revisão das

tradições. Mas também com base na reformulação de práticas consagradas

culturalmente que permanecem significativas. Identidade que se constrói com base

no confronto entre as teorias e as práticas à luz das teorias existentes, na construção

de novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor,

enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano, com base em

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seus valores, em seu modo de situar-se no mundo, em sua história de vida, em suas

representações, em seus saberes, em suas angústias e anseios, no sentido que tem em

sua vida o ser professor. Assim como mediante sua rede de relações com outros

professores, nas instituições de ensino, nos sindicatos e em outros agrupamentos.

Paralelamente à construção da identidade profissional, consolida-se a

profissionalização da docência. É um caminhar junto, ocorre de forma simultânea. A

construção da identidade acontece desde o processo de formação inicial, que habilita, concede

o exercício da profissão, estendendo-se durante a atuação profissional.

Por profissão, compreende-se o conjunto de atividades pertinentes a uma

determinada ocupação que sofrem modificações ao longo da história, frente às características

sociais. Ao desempenhar as atividades regulamentadas pela profissão, adquire-se a

profissionalidade, enquanto conjunto dos saberes e das capacidades desenvolvidas no

desempenho da função, capaz de instituir a profissionalização.

Desta forma, Veiga (2008), considera a docência como uma atividade

profissional complexa que requer saberes diversificados, provenientes de uma formação

profissional numa perspectiva teórica e prática.

Durante o processo de profissionalidade, o professor precisa munir-se de

múltiplos saberes, que para Tardif (2002), englobam os saberes da formação profissional, os

disciplinares, os curriculares e os experienciais.

Os saberes da formação profissional são os decorrentes da formação inicial ou

continuada de professores e congregam o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições

de formação, apoiados pelas ciências humanas e pelas ciências da educação. Envolvem os

saberes pedagógicos. Segundo Tardif ( 2002,p.37), “ [...] apresentam-se como doutrinas ou

concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo,

reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de

representação e orientação da atividade educativa.”

Os saberes pedagógicos articulam-se com as ciências da educação, a fim de

integrar os conhecimentos e legitimá-los cientificamente.

Já os saberes disciplinares referem-se aos diversos campos do conhecimento,

materializados pelas disciplinas, que por sua vez emergem da tradição cultural e dos grupos

sociais produtores de conhecimento. Os saberes curriculares correspondem ao domínio da

organização da prática educativa, pressupõem a utilização de métodos adequados para

atingirem os objetivos propostos mediante a seleção dos conteúdos compreendidos no

ementário, que serão avaliados mediante instrumentos diversos com critérios bem definidos.

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Enfim, trata-se da organização da prática educativa por meio da elaboração dos programas

escolares.

Além destes, há os saberes experienciais, fruto do trabalho no cotidiano e no

conhecimento do meio, que brotam da experiência e são por ela validados. Passam a ser

incorporados à prática individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades do saber

fazer e do saber ser. São também chamados de saberes práticos. Em síntese, Tardif (2002, p.

39), diz que

[...] Essa dimensão da profissão docente lhe confere o status de prática erudita que

se articula, simultaneamente, com diferentes saberes: os saberes sociais,

transformados em saberes escolares através dos saberes disciplinares e dos saberes

curriculares, os saberes pedagógicos e os saberes experienciais. Em suma, o

professor ideal é alguém que, deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu

programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e

à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado na sua experiência cotidiana

com os alunos.

Nesta concepção, a prática docente se constitui por um saber plural e por um saber

temporal. Na perspectiva de saber plural, decorre da integração da prática docente com os

diferentes saberes. Assume uma característica de heterogeneidade relacionada não somente

com a natureza dos diversos saberes, mas pela relação que o próprio docente estabelece com

os grupos que produzem ou com os grupos que possuem os saberes, bem como a relação que

ele estabelece com as instituições formadoras. Já na perspectiva de saber temporal, associa-se

à ideia de que o tempo é um fator importante para a construção dos saberes docentes e que os

mesmos se relacionam tanto com a história de vida quanto à história de carreira.

Este pluralismo epistemológico está associado também às fontes sociais de

aquisição dos saberes profissionais que segundo Tardif (2002), podem ser procedidos por:

saberes pessoais, saberes provenientes da formação escolar anterior à formação docente,

saberes da formação profissional para o magistério, saberes provenientes dos programas e

livros didáticos utilizados no trabalho e os saberes da sua própria experiência na profissão, na

sala de aula e na escola.

Então, para Tardif ( 002), as fontes dos saberes profissionais da docência são fruto

da trajetória construída durante o período pré-profissional do saber ensinar, que envolve a

história pessoal e social, assim como dos saberes da carreira profissional adquirida ao longo

do exercício profissional

A fonte de aquisição dos saberes profissionais durante o período pré profissional

é decorrente das interações estabelecidas com a família, com os grupos e com as instituições

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sociais, bem como fruto da formação escolar primária , secundária e os da pós-secundária não

voltada à formação docente.

Já os saberes da carreira profissional são decorrentes da formação pedagógica

para o magistério, em estabelecimentos de formação institucionalizados, adquiridos por meio

de estágios e/ou cursos, provenientes dos programas e livros usados no ofício docente, com

vistas ao manuseio e à aplicabilidade dos mesmos, assim como os saberes alcançados ao

longo da experiência, da prática do ofício em si.

Assim, reforçam-se a idéia do pluralismo e da diferenciação da prática educativa,

evidenciando também que estes saberes são inerentes ao mundo externo e que provêm de

lugares sociais anteriores à carreira profissional. Dessa maneira, Tardif (2002, p. 64), conclui

que:

[...] o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes

de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição

escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc. Ora, quando

estes saberes são mobilizados nas interações diárias em sala de aula, é impossível

identificar imediatamente suas origens: os gestos são fluidos e os pensamentos,

pouco importam as fontes, convergem para a realização da interação educativa no

momento.

Cunha (2007, p. 29), ratifica essa concepção, destacando que

[...] é importante salientar que os estudos que colocam o professor histórica e

socialmente contextualizado, afirmando que seu desempenho e formação tem a ver

com suas condições e experiências de vida, pressupõem uma relação forte entre o

saber e os pressupostos da elaboração deste saber.

Por fim, a prática docente é complexa, requerendo uma série de saberes para

tomar decisões. O professor recorre a valores morais e éticos, a normas sociais, a tradições

escolares, pedagógicas e profissionais adquiridas ao longo da sua profissão. Enfim, baseia-se

em sua experiência vivida, que Schön (apud TARDIF, 2002, p. 66), denomina de “saberes-na-

ação.”

A história de vida dos professores influencia nos saberes profissionais. Boa parte

dos educadores reproduz o modelo de ensino ou o modelo de professor que marcou de forma

positiva a sua experiência como estudante, fruto das experiências diversas tanto de postura

quanto de metodologia docente. Fato este que auxilia na construção da identidade do

profissional, por meio das crenças, da bagagem de conhecimentos e das representações sobre

a prática docente, que segundo Tardif (2002, p. 69)

[...] tudo leva a crer que os saberes adquiridos durante a trajetória pré-profissional,

isto é, quando da socialização primária e sobretudo quando da socialização escolar,

têm um peso importante na compreensão da natureza dos saberes, do saber-fazer e

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do saber-ser que serão mobilizados e utilizados em seguida quando da socialização

profissional e do próprio exercício do magistério.

Além disso, os saberes dos professores são temporais, marcados pela trajetória da

sua carreira profissional, de longa duração, que permite transição de fases e de mudanças

pertinentes a diferentes dimensões, de ordem de identidade, de construção ou de socialização

profissional, que podem ocorrer por meio da influência dos saberes pré-profissionais e dos

saberes de carreira. Portanto, a carreira profissional implica num processo de socialização16

,

pois pressupõe conhecimento e incorporação das práticas e das rotinas já institucionalizadas.

Neste processo do exercício profissional, ocorrem muito mais práticas advindas de

continuidades do que de rupturas. As experiências pré-profissionais oriundas das

socializações primárias (da família e do ambiente de vida) e da socialização escolar

(experiência de estudante) são expressivas.

No tocante à socialização da carreira17

, as práticas encontram-se mais

direcionadas a rupturas, pois segundo Tardif (2002, p. 81):

[...] A carreira é, portanto, fruto das transações contínuas entre as interações dos

indivíduos e as ocupações; essas transações são recorrentes, ou seja, elas modificam

a trajetória dos indivíduos bem como as ocupações que eles assumem.

A carreira profissional, por sua vez, requer uma trajetória idêntica aos membros

da categoria, na condição de indivíduos pertencentes a uma realidade social e coletiva própria.

Pertencer a uma categoria profissional pressupõe a adoção de papeis peculiares a esta ou

àquela ocupação, que precisam ser incorporados e executados pelos indivíduos para fazerem

parte de tais ocupações, muito embora ocorra a dimensão subjetiva da carreira, que faz com

que indivíduos deem sentido à sua vida profissional frente aos seus valores e suas crenças.

É no início da carreira, num período de dois a cinco anos, que o professor constrói

a base dos saberes profissionais, por meio da socialização profissional. Trata-se de um

período marcado pelo encantamento ou pela desilusão, no exercício do ofício. É como se

fosse um rito de passagem da vida de estudante ou do profissional liberal para o ingresso na

carreira de docente.

16

Para Tardif, socialização é um processo de formação do indivíduo que se estende por toda a história de vida e

comporta rupturas e continuidades. A formação profissional do docente envolve a socialização pré-profissional

e a socialização de carreira. 17

As carreiras, atualmente, não correspondem a um modelo único. Na verdade, as carreiras se estendem muito

além das profissões fortemente estratificadas e regidas por sistemas hierárquicos de recompensas e papéis. Por

outro lado, remetem a uma ocupação, que apresentam papéis profissionais mediante normas a serem adotadas

(Tardif, 2002).

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Diferentes pesquisas tentam classificar a evolução profissional do professor por

meio da experiência no trabalho. Para Eddy ( apud TARDIF, 2002), o docente passa por três

etapas distintas. A primeira refere-se à transição do idealismo para a realidade, marcada pela

orientação formal antes do início do ano letivo. O papel do professor restringe-se ao

cumprimento de regras impostas pela administração, sendo repassadas aos alunos. Ocorre

pouca ou nenhuma preocupação com os aspectos pedagógicos. Já a segunda fase, é marcada

pelo enfoque das hierarquias do sistema educacional. Os próprios colegas fazem o processo

de iniciação aos novatos, explicando claramente sobre a cultura da instituição. E a terceira

fase, demarca o momento em que o professor descobre como são e como se comportam os

seus alunos reais.

No entanto, para o grupo de pesquisadores Lortie, Gold e Zeichner&Gore (apud

TARDIF, 2002), este processo perpassa por duas fases. Uma fase de exploração (de um a três

anos) na qual o professor escolhe a sua profissão provisoriamente. Consiste na necessidade de

ser aceito no âmbito profissional, bem como no fato de experimentar os diversos papeis

inerentes à profissão. É o momento denominado de choque com a realidade.

Na próxima fase, a da estabilização e da consolidação, por volta de três a sete

anos, ocorre o reconhecimento das capacidades profissionais pelos membros da instituição,

além de haver um maior investimento na profissão. É caracterizada pelo aumento da

confiança por parte do professor, assim como pelo domínio dos diversos aspectos do trabalho,

principalmente pelo pedagógico, proporcionando um maior equilíbrio profissional e pessoal.

É conveniente salientar que a fase da estabilização e da consolidação não ocorre

somente mediante ao tempo de exercício profissional, mas também em função dos

acontecimentos que constituem esta trajetória.

Ao longo da carreira, os professores vão percebendo que somente a formação

teórica, adquirida nos bancos escolares, destinada ao profissional liberal ou ao profissional da

educação, é restrita, sendo necessário a sua complementação pela experiência. Experiência

essa, que é adquirida no exercício da profissão, por meio do ensaio-erro e pelas trocas

realizadas entres os pares os colegas, que aconselham.

Neste momento, ocorre a reflexão do conceito do professor ideal frente às

características dos alunos reais. É o momento do encontro com a realidade, quando as certezas

dão lugar às dúvidas, a preparação começa ser questionada, verifica-se que os fatores

emocionais interferem na aprendizagem, que nem todos aprendem do mesmo jeito, enfim

ultrapassa-se a concepção dos plenos poderes para a ideia de que se é capaz de realizar coisas

interessantes, mas não se faz milagres.

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Em suma, a evolução da carreira dá-se pelo domínio maior das atividades

inerentes ao trabalho e pela sensação de bem-estar ao enfrentamento das exigências dos

alunos e da profissão.

Ainda com enfoque na formação do docente, Rios (2002), aponta ser necessária a

discussão de dois aspectos inerentes a formação e a prática docente, que são o da competência

e o da qualidade.

A questão da qualidade na educação carrega um estigma, associado à ideia de

Qualidade Total18

, porém cabe entender o sentido da palavra, isenta de pré-conceitos. No

dicionário Houaiss (2004, p. 612), a palavra qualidade, é entendida como:

qualidade- sf.1.atributo que determina a essência ou a natureza de algo ou alguém <

prefere q. a quantidade> 2. Valor moral; virtude < moça de grandes q.> defeito 3.

característica comum ou inerente que serve para agrupar seres ou objetos, espécie <

foi gente de toda q.> 4. Condição social, civil, profissional, etc. < compareceu na q.

de síndico> 5. fig. Capacidade de atingir os efeitos desejados, propriedade < chá de

q. digetivas> - mais uso no pl. 6. Superioridade, excelência < roupas de q. >

~qualitativo adj. ]

Assim sendo, o termo configura-se por atributos dos seres, de característica

positiva, pode ser associado aos atributos de uma boa educação e, portanto, ser incorporado

no exercício da profissão docente. Essa ideia é ratificada pela concepção de Aristóteles, que

vincula qualidade a uma das categorias encontradas em todos os seres, capaz de indicar a sua

condição (o que eles são) e o seu estado (como estão). Pautado nesse entendimento,

recentemente, na educação surge a preocupação de desenvolver-se competências para exercer

a docência em todos os seus níveis.

Para explicitar o conceito de competência, Perrenoud (2002, p. 145) diz que

[...] As competências constituem, portanto, padrões de articulação do conhecimento

a serviço da inteligência. Podem ser associadas aos esquemas de ação, desde os mais

simples até as formas mais elaboradas de mobilização do conhecimento, como a

capacidade de expressão nas diversas linguagens, a capacidade de argumentação na

defesa de um ponto de vista, a capacidade de tomar decisões, de enfrentar situações-

problema, de pensar sobre e elaborar propostas de intervenção na realidade.

Trata-se, portanto, das capacidades dos sujeitos para enfrentarem situações

inéditas que, para serem realizadas, recorrem ao desenvolvimento das habilidades, dessa

18

Programa de Qualidade Total, iniciado no Japão, por volta dos anos de 1950, onde apresentava uma nova

concepção de administração, implementado em várias organizações do mundo inteiro. Continha como princípios

a eficiência, o controle e a competitividade. Buscava relacionar a produção com o pleno atendimento das

necessidades dos clientes. Aqui no Brasil, é vivenciado na educação na década de 1970, incentivado pela

característica da legislação educacional 5692/71, materializada pela eficiência e controle do uso dos

planejamentos educacionais.

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forma, necessitam dos conhecimentos, como núcleo de saberes, assuntos, utilizados como

meio para isso. Perrenoud (2002) aponta que as habilidades funcionam como âncoras para o

desenvolvimento das competências. Diz ainda, que a relação estabelecida entre habilidades e

competências, pode ser associada à ideia de que as habilidades são microcompetências, ou

como se as competências assumissem o papel de macro-habilidades.

Ainda, na intenção de explicitar esta concepção, Perrenound (2000, p.14), aponta

que na atual sociedade, onde a informação e o conhecimento estão cada vez mais disponíveis,

torna-se necessário que o professor desenvolva competências durante a sua formação, seja ela

inicial ou continuada, a fim de cumprir o seu papel social. Ele lista as 10 (dez) novas

competências para ensinar como sendo:

1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem.

2) Administrar a progressão das aprendizagens.

3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.

4) Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.

5) Trabalhar em equipe.

6) Participar da administração da escola.

7) Informar e envolver os pais.

8) Utilizar novas tecnologias.

9) Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão.

10) Administrar sua própria formação.

Ao definir estas competências para o docente ensinar no século XXI, aponta-se

para a complexidade requerida para o exercício do ofício, bem como para o fato de que o

desenvolvimento de competências pressupõe além do domínio do conhecimento, um saber-

fazer ou um saber-resolver, que exige estabelecer relações, tomar decisões, enfim, pensar.

Já Moretto (2007), apoiado nas idéias de Guy Lê Boterf e Philippe Perrenound,

define competência como sendo a capacidade de o sujeito mobilizar recursos visando abordar

e resolver situações complexas. Para esse autor, torna-se necessário, desmembrar os termos, a

fim de compreender o conceito. Inicia pela ideia de mobilizar, que apoiado na sua raiz, móbil,

significa força interior capaz de impulsionar o sujeito para a ação, a agir, requer, no entanto,

ação consciente.

Ao utilizar a expressão “mobilizar recursos”, pressupõe tratar-se de elementos

indispensáveis para a realização de uma tarefa, das mais diferentes naturezas, seja de ordem:

cognitiva (conteúdos conceituais), de habilidades (saber fazer), da administração das

emoções, do uso das diferentes linguagens e dos valores morais e éticos.Já a utilização do dito

“situação complexa”, refere-se ao sentido de resolver situação-problema ou um desafio a ser

enfrentado e resolvido.

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Nesta perspectiva, o domínio do primeiro recurso, de ordem cognitiva,

envolvendo os conceitos, os fatos, os princípios, é o pressuposto básico para qualquer

resolução de situação complexa, pois o entendimento do fato requer o conhecimento sobre

ele, bem como as suas relações. Aqui se faz necessário diferenciar conhecimento, de

informação ou simplesmente de dados.

Moretto (2002), faz esta diferenciação, apontando que dado é o signo ou conjunto

deles, que apresenta significados diferenciados, dependendo do contexto. Já a informação,

seria o conjunto de dados organizados em uma sentença com significado lógico. Enquanto

que o conhecimento dá-se a partir da informação ou do conjunto delas, elaboradas pela

apropriação que o sujeito faz, mediante o significado na sua estrutura cognitiva.

Nesta perspectiva, conforme já exposto, o sujeito, ao encontrar-se com o objeto do

conhecimento, pode apresentar uma visão inicial, caótica, distorcida ou não elaborada-

sincrética, que é denominada de conhecimento prévio. Com a vivência de processos de

análise, a respeito do objeto, passa a reconstruir esta visão inicial, que é superada por uma

nova visão, ou seja, uma síntese. Síntese esta que é provisória, pois o pensamento está sempre

em movimento e consequentemente em constante alteração.

Segundo Anastasiou (2004), o caminho percorrido da síncrese para a síntese, via

análise, deve ser organizado e mediatizado pelo professor, objetivando a sistematização do

saber escolar. Desta maneira, concebe-se o conhecimento como produção social, criado na

interação e fruto do trabalho organizado, sistemático e intencional do docente para a

socialização dos saberes historicamente acumulados pela humanidade e indissociáveis das

realidades sociais.

Porém, o domínio de tais conteúdos conceituais não basta, é preciso que haja

também, o desenvolvimento de certas habilidades, que remetem à capacidade de saber-fazer.

Além disso, cada situação complexa exige uma linguagem própria, adequada aos conteúdos

conceituais. É necessário o domínio da linguagem escrita, oral, pictórica, da informática, dos

sinais matemáticos, dos gráficos, das tabelas, entre outros. Por outro lado, toda situação

complexa acontece dentro de um contexto, e este, por sua vez, está relacionado com valores

éticos e culturais. É necessário também a administração do emocional como recurso para ser

competente. É condição imprescindível que ocorra o controle das emoções, separando os

problemas e/ou as frustrações de ordem econômica ou social, do desempenho profissional.

Assim, Rios (2002), diz que a competência guarda o sentido de saber fazer bem o

dever. Ela revela-se na ação, durante a prática profissional, onde mostra-se as capacidades,

exercitam-se as possibilidades e atualizam-se as potencialidades.

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Portanto, ao abordar os conceitos de qualidade e de competência, Rios (2002, p.

93) conclui que:

Fazendo a articulação entre os dois conceitos de competência e de qualidade,

chegamos a uma definição de competência que a apresenta como uma totalidade que

abriga em seu interior uma pluralidade de propriedades, um conjunto de qualidades

de caráter positivo, fundadas no bem comum, na realização dos direitos do coletivo

de uma sociedade.

A autora estabelece que o desenvolvimento das competências na docência ocorre

por meio das manifestações de uma dimensão técnica, uma dimensão política, uma dimensão

estética e uma dimensão moral.

A dimensão técnica da competência, requer o domínio de conhecimentos inerentes

ao ofício da docência, são as formas de realizar a ação educativa baseada nas ciências da

educação. Porém, a técnica requer articulação com a práxis, senão associa-se à visão

tecnicista, a qual supervaloriza a técnica, ignorando a sua relação no contexto social e

político. Rios (2002, p. 96) aponta que

[...] Para que a práxis docente seja competente, não basta então, o domínio de

alguns conhecimentos e o recurso de algumas “técnicas” para socializá-los. É

preciso que a técnica seja fertilizada pela determinação autônoma e consciente dos

objetivos e finalidades, pelo compromisso com as necessidades concretas do

coletivo e pela presença da sensibilidade, da criatividade.

Desenvolver competência numa perspectiva da dimensão estética exige do

professor um olhar estético, voltado para o coletivo e o bem-estar social. Requer

sensibilidade, empatia, originalidade, respeito. Refere-se à sensibilidade e a sua orientação

numa perspectiva criadora. Ao mesmo tempo, a ação docente competente, direciona o seu

fazer pautado na técnica e na sensibilidade, orientada pelos princípios éticos e políticos.

Na visão de Rios (2002), torna-se necessário abordar conjuntamente as dimensões

ética e política, devido a estreita relação existente entre elas. Ao abordar o termo ética, busca-

se na sua etimologia, ethos, morada do homem, como um espaço construído pela ação do

homem, transcendendo a natureza, adquire o sentido de costume, jeito de viver. Rios (2002, p.

101) fala que

No ethos, manifesta-se um espaço fundamental da existência humana: a craição de

valores. Valorizar é relacionar-se com o mundo, não se mostrando indiferente a ele,

dando-lhe uma significação. Há valores de diversos tipos: afirmamos que algo é

verdadeiro ou falso, bonito ou feio, útil ou inútil, bom ou mau. São desse último tipo

aqueles valores que usamos para qualificar a conduta. É aí que se relacionam

costume e valor. Tende-se a qualificar como boa ou correta uma conduta que seja

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costumeira e a estranhar, e mesmo a qualificar de má, uma conduta a que não se está

acostumado.

É a partir do ethos que se constitui o nomos, a regra, a lei. Esta surge como uma

maneira de viver e conviver na sociedade, de tal modo que os indivíduos possam participar do

contexto, relacionando-se e intervindo nele. A moral serve de controle das ações humanas.

Nas relações sociais, configura-se a vida política e é no espaço político que

aparecem as relações de poder, as hierarquias e se estabelecem os acordos. Por isso, a

vinculação com a moral e a ética, pois dizem respeito à participação do indivíduo na

construção coletiva da sociedade e ao exercício da cidadania.

Desta maneira, Rios (2002), aponta na dimensão ética, o elemento balizador das

demais, pois a dimensão técnica, a estética e a política ganharão o seu significado pleno, além

de se apoiarem em fundamentos próprios da natureza e guiados por princípios éticos, capazes

de garantir um espaço democrático, necessário ao exercício da cidadania.

Reforçando esta ideia, Cunha (2007), aponta que os programas de formação e

educação de professores precisam enfatizar a dimensão técnica e o compromisso político

como condição de obter-se uma pedagogia transformadora, na qual o professor consciente das

questões sociais e competente tecnicamente, engaje-se na luta pela melhoria das condições de

vida do povo brasileiro.

Aponta também, para a importância da prática, que a seu ver proporciona

inquietações, capazes de favorecer a transformação, uma vez que não há mudanças sem

considerar o cotidiano, pois o processo de formação do educador ocorre a partir das condições

históricas em que ele vive. Trata-se da realidade que ele faz no cotidiano, e segundo Cunha

(2007, p. 35),

A vida cotidiana é a objetivação dos valores e conhecimentos do sujeito dentro de

uma circunstância. É através dela que se faz concreta a prática pedagógica, no caso

do professor. É tentar descobrir como ele vive e percebe as regras do jogo escolar,

que idéias vivencia na sua prática e verbaliza no seu discurso e que relações

estabelece com os alunos e com a sociedade em que vive.

Assim, o método utilizado para esclarecer os fundamentos da vida cotidiana é o da

análise fenomenológica19

. Dessa forma, o ver fenomenológico no cotidiano possibilita, por

meio da experiência, interpretações múltiplas, pois cada sujeito é único e torna-se produto

19

A Fenomenologia busca explicação a partir do discurso como ele se apresenta ( phenomenon+ logos).

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das sensações e lembranças que contribuem para a obtenção de significado à experiência para

construir o cotidiano.

Porém, a realidade cotidiana não exclui a influência da participação coletiva,

como explicita Cunha ( 2007):

[...] O existir na vida cotidiana é estar continuamente em interação e comunicação

com os outros e os significados próprios são partilhados com os significados das

outras pessoas, que vivem também o cotidiano. A expressão do cotidiano do

professor é determinante e determinada pela conjuntura social e cultural onde se

desenvolve.

Neste prisma, a vida cotidiana assume uma estrutura espacial e temporal. Vale

ressaltar que o professor é um ser histórico-social, que nasce numa época, num local, num

contexto, capaz de interferir no seu modo de ser, agir. E que ele precisa construir e

reconstruir seus conhecimentos conforme a necessidade de utilizá-los, a partir das suas

experiências, dos seus percursos formativos e/ou profissionais.

Assim sendo, o modelo social dita as formas de se viver e de produzir, que

influenciam diretamente nas políticas de formação dos docentes. O fenômeno da

globalização20

, sem sombra de dúvidas, é o fator mais enfatizado no mundo contemporâneo.

Como consequencia deste mundo globalizado, obtém-se o enfraquecimento da cidadania e da

participação, fortalecendo as atitudes individualistas e o descompromisso social.

Já no campo educacional, segundo Veiga (2006, p. 67),

[...] destacam-se as propostas de mudanças nos paradigmas do conhecimento e nos

produtos do pensamento, a cultura e a arte. Neste mundo complexo e de profundas

transformações, também se tornam mais complexas as práticas educativas e torna-se

inquestionável uma nova forma de organização do trabalho das instituições e nos

processos de formação inicial e continuada de professores bem como no

posicionamento de todos os que trabalham na educação.

Aqui, distingue-se dois conceitos fundamentais, o da formação inicial e da

formação contínua, aquela que pode ser administrada pelo próprio professor ou pela

instituição a que ele está vinculado, e que também é denominada de formação em exercício.

A formação inicial, como o próprio nome sugere, é destinada ao conjunto de

saberes que habilitam o indivíduo a atuar em determinada área profissional. É adquirida com a

conclusão de um curso de licenciatura ou de bacharelado e, segundo Veiga (2006), deve

20

Para Veiga (2006), trata-se do fenômeno da expansão de inter-relações, principalmente de natureza

econômica, em escala mundial, entre os países de todo o mundo. Ela se expressa na difusão de padrões

internacionais de organização econômica e social, influenciando os modos de ser e de viver das pessoas, das

transformações de Estado e conseqüentemente, da política.

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fornecer ao futuro professor uma sólida bagagem nos âmbitos científico, cultural, social e

pedagógico para o exercício profissional.

Já a formação contínua ou continuada, acontece em decorrência da atualização

constante da atuação profissional, podendo ocorrer em nível de pós-graduação, lato ou stricto

sensu, ou até mesmo pela participação de cursos, eventos, como forma de ampliação da

formação inicial, pois se centra nas necessidades e situações vividas pelos docentes.

Assim, segundo Veiga (2006, p. 87),

[...] associa-se o conceito de formação de professores à idéia de inconclusão do

homem. A formação identifica-se com a idéia de percurso, processo, trajetória de

vida pessoal e profissional. Por isso, a formação não se conclui, ela é permanente.

Portanto, há que se pensar também na formação dos professores em exercício da

profissão, na sua formação inicial e continuada.

A formação do docente realizada na instituição e durante o exercício da profissão

docente por si só não ocorre indissociada do mundo do trabalho, da investigação, da

comunicação, dos saberes e das competências necessárias à prática docente. O

desenvolvimento das competências requer um agir concreto e situado na práxis do docente.

Ocorre ao longo do tempo, conforme justifica Rios (2001), ao dizer que ela se amplia na

construção coletiva, partilhada pelas experiências, na reflexão.

As diretrizes apontadas na LDB 9.394/96, referentes à formação da docência no

ensino superior, no capítulo VI, artigo 66, expressam que “A preparação para o exercício do

magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de

mestrado e doutorado.”

Pimenta e Anastasiou (2010), destacam que o exercício da docência universitária

incide no princípio da preparação e não da formação, que deve ocorrer, preferencialmente,

nos programas de pós-graduação stricto sensu. Porém, essa formação fica a cargo de

iniciativas individuais e/ou institucionais, mesmo que de forma esparsa, pois os programas de

mestrado e de doutorado, na maioria das vezes, estão organizados para a formação de

pesquisadores que desenvolvem habilidades distintas das da docência.

O ingresso à docência no ensino superior ocorre por razões e interesses variados,

na maioria das vezes por profissionais das mais variadas áreas, que trazem consigo

conhecimentos oriundos da atuação profissional ou da área de pesquisa, com pouca ou

nenhuma reflexão sobre o que é ser professor. Além disso, carregam também, os modelos

educacionais recebidos como estudante. Acerca disso, Pimenta e Anastasiou (2010, p. 37)

afirmam que

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[...] embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de

estudos em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um

desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de aprendizagem,

pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de

aula.

Assim sendo, o processo de formação continuada possibilita a construção de

identidades no cotidiano e o de profissionalização docente dos profissionais das diferentes

áreas.

Então, para os profissionais docentes, a construção da identidade ocorre durante a

sua trajetória, tendo início com os modelos construídos ao longo da sua escolarização. Na

graduação, o foco, era para o exercício profissional voltado à área de atuação, com conteúdos

específicos e intrínsecos da mesma, ligados por um código de ética, vinculados à uma

entidade de classe, visando ao reconhecimento social, referente àquela profissão e não ao da

docência.

A formação para a docência requer preparo, conforme afirma Zabalza (2004, p.

108)

[...] quando se apresenta o exercício da docência como uma atividade profissional,

estamos considerando, no mesmo nível, a sua prática ( que tem seus conhecimentos

e suas condições específicas) e o domínio científico da própria especialidade. Como

atividade especializada, a docência tem seu âmbito determinado de conhecimentos.

Ela requer uma preparação específica para seu exercício. Como em qualquer outro

tipo de atividade profissional, os professores devem ter os conhecimentos e as

habilidades exigidos a fim de poder desempenhar adequadamente as suas funções.

Esta afirmação, opõe-se à ideia daqueles que defendem a não

profissionalização da docência, atribuindo-lhe o princípio básico de que a tarefa de ensinar

ocorre naturalmente e que se aprende a ensinar ensinando, em decorrência apenas de

experiência e de vocação.

O exercício da docência requer, portanto, alguns requisitos do professor, os quais

são elencados por Veiga (2008, p. 84):

a) Conhecer profundamente os conceitos centrais e as leis gerais da disciplina, as

relações entre esses conceitos, bem como seus procedimentos investigativos (e como

estes foram surgindo historicamente na atividade científica);

b) Proceder a uma análise do conteúdo a ser ensinado, começando por identificar as

relações básicas que organizam determinado assunto, no sentido de captar os

conceitos centrais que tenham força generalizante;

c) Avançar das leis para a realidade circundante em toda a sua complexidade;

d) Saber escolher exemplos concretos e atividades práticas que demonstrem os

conceitos e as leis gerais de modo mais transparente;

e) Iniciar o estudo do assunto pela investigação concreta (objetos, fenômenos,

visitas, filmes), fazendo com que os alunos formulem relações entre conceitos,

manifestações particulares das leis gerais, até chegar aos conceitos científicos;

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f) Criar novos problemas (situações de aprendizagem mais complexas, com maior

grau de incerteza, que propiciem em maior medida a iniciativa e a criatividade.

Para o professor organizar a sua prática didático-pedagógica , torna-se necessário

que ele obtenha conhecimentos acerca da teoria do conhecimento; da psicologia do

desenvolvimento e da aprendizagem; das peculiaridades epistemológicas das disciplinas e dos

seus métodos de investigação; noções sobre o processo de planejamento das suas ações; o

papel da avaliação no processo de ensino e de aprendizagem; instrumentos e critérios de

avaliação; a seleção de estratégias de ensino frente aos objetivos pretendidos, bem como a

seleção de conteúdos.

Diante disso, evidencia-se a necessidade da formação inicial ou contínua, pois

segundo Zabalza (2004, p. 111),

Ensinar é uma tarefa complexa na medida em que exige um conhecimento

consistente acerca da disciplina ou das atividades, acerca da maneira como os

estudantes aprendem, acerca do modo como serão conduzidos os recursos de ensino

a fim de que se ajustem melhor às condições em que será realizado o trabalho, etc.

Conhecer bem a própria disciplina é uma condição fundamental, mas não é

suficiente. A capacidade intelectual do docente e a forma como abordará os

conteúdos são muito distintas de como o especialista o faz. Esta é uma maneira de

aproximar dos conteúdos ou das atividades profissionais pensando em estratégias

para fazer com que os alunos aprendam.

Então, além de dominar a área profissional e os conteúdos inerentes a ela, é

necessário que o professor consiga analisar e resolver problemas; selecionar um tópico a ser

estudado, detalhá-lo numa sequência lógica, de forma compreensível; escolher a melhor

forma de abordagem dos conteúdos; selecionar as estratégias metodológicas e os recursos

necessários e organizar as informações e as atividades a serem propostas aos alunos.

Estas habilidades intelectuais ultrapassam os domínios científico e técnicos

adquiridos na profissão de origem e pressupõem ainda, postura interativa, trabalho em equipe,

boa comunicação, interesse e preocupação com a aprendizagem do estudante, identificando o

que ele já aprendeu e o que necessita ainda apreender, agir respeitando as características e

cultura dos estudantes.

As mudanças ocorridas na sociedade, por consequência, implicam um novo

cenário universitário e, por decorrência, uma nova postura do docente, ultrapassando o papel

de tecnólogo do ensino para o de agente social, conforme denomina (VEIGA, 2006).

A formação do professor, na perspectiva de agente social implica uma discussão

política global, permeado pela formação inicial e contínua, pelas condições de trabalho,

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salário, carreira e organização da carreira. Trata-se de um processo emancipatório, que

propõe educação de qualidade para todos, envolvendo a compreensão da totalidade do

processo do trabalho docente.

Já a formação numa perspectiva do tecnólogo do ensino, vincula-se ao projeto da

sociedade globalizada e neoliberal, relacionando-se à produtividade, pautada na relação

custo/benefício. Essa formação centra-se no desenvolvimento de competências para o

exercício técnico-profissional, baseada no saber fazer, reduzindo-se a uma formação

pragmática, simplista e reducionista.

Para Veiga (2006, p. 83), a formação do professor como agente social desenvolve-

se numa perspectiva de educação crítica e emancipatória, que requer:

a) Construção e domínio sólido dos saberes da docência identificados por Tardif (et

al.1991), quais sejam: saberes disciplinares e curriculares, saber da formação

pedagógica, saber da experiência profissional e dos saberes da cultura e do mundo

vivido na prática social. Trata-se de saberes múltiplos que, embora possam ser

identificados de modo fragmentado, na prática devem ser conectados pelo professor

no contexto do trabalho pedagógico de forma interdisciplinar e contextualizada. [...]

A construção e aquisição de saberes docentes é um processo amplo e não linear,

devendo ocorrer da forma mais coletiva possível, refletindo sobre as situações

práticas e concretas. Portanto, a formação deve propiciar ao professor o

fortalecimento do vínculo entre os saberes e a realidade social mais ampla, com a

qual deve manter estreitas relações.

b) Unicidade entre teoria e prática. [...] A formação tem como fundamento básico o

trabalho como princípio educativo e a pesquisa como meio de produção de

conhecimentos e intervenção na prática social e especificamente na prática

pedagógica.

c) Outro aspecto a ser considerado nessa ótica da formação de professores refere-se

à ação coletiva, integrando todo o pessoal que atua na escola bem como todos os

processos que contribuem para a melhoria do trabalho pedagógico. [...] capazes de

planejar e gerir o ensino- aprendizagem, além de intervir nos complexos sistemas

que constituem a estrutura social e profissional.

d) Autonomia. [...] entendida como processo coletivo e solidário de busca e

construção permanente. [...] E essa contínua busca é fortalecida pela análise e

interpretação da própria prática pedagógica.

e) A explicitação da dimensão sociopolítica da educação e da escola, além de pôr em

evidência a estreita vinculação entre a forma de organização do trabalho pedagógico

da escola no conjunto da sociedade capitalista, fortalece a identidade do profissional

no seu papel de agente social.[...]

f) A formação profissional orientada por esses princípios tem por base a idéia de

que a preparação para o magistério é uma tarefa complexa e eminentemente política.

[...].

A busca pela mudança da concepção da formação docente ocorre a partir de 1990,

por meio de pesquisas que consideram as práticas pedagógicas complexas, requerendo assim,

pensar em abordagens que ultrapassem a academia, bem como a articulação com essa, o

desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão. Esta abordagem surgiu

para superar os estudos anteriores que apontavam ao exercício da profissão docente um

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conjunto de técnicas, gerando uma crise de identidade dos professores em decorrência da

separação do eu profissional e o do eu pessoal, conforme menciona Nóvoa (apud NUNES,

2001).

A consideração dos modos de vida e do quotidiano do docente, como elemento

interveniente no eu profissional, passou a priorizar o papel do professor tanto em pesquisas

quanto em debates.

Acompanhando a evolução histórica do papel do professor, percebe-se que na

década de 1960, eram priorizados os saberes específicos das disciplinas que o professor

lecionava. Por volta da década de 1970, houve a valorização dos aspectos didático-

metodológicos, relacionados à utilização das tecnologias de ensino, por meio da

supervalorização dos planejamentos educacionais, visando o controle e a eficiência.

Já na década de 1980, o discurso educacional ganha uma nova roupagem,

influenciado pelos movimentos populares, de diretas já etc., com ênfase na dimensão

sociopolítica e ideológica da prática docente, com um certo desprezo aos saberes docentes e

às práticas pedagógicas.

Nos anos de 1990, ocorre a ressignificação dos saberes e das práticas docentes, é o

momento denominado de construção de uma didática fundamental21

. Nunes (2001) aponta

para o resgate da importância do processo de autoformação, de reelaboração de saberes

iniciais em confronto com a prática vivenciada. Os saberes docentes vão se constituindo a

partir de uma reflexão sobre a prática.

Conforme Veiga (2006), quando se fala da formação docente, busca-se acomodar

as ideias da pedagogia, respaldada por nomes como Giroux, Schön, Zeichner, Tardif,

21 Candau (2000) , faz uma retrospectiva histórica da contribuição da didática ao longo dos anos. Para isso, ela

relaciona os períodos da história da educação brasileira com relação às três (03) dimensões do processo de

ensino-aprendizagem, a saber: dimensão humanista , vinculada às relações interpessoais como centro do

processo pedagógico, subjetiva, relacionada ao caráter afetivo; dimensão técnica, refere-se à ação intencional,

sistemática, que procura organizar as melhores condições para o processo de ensino-aprendizagem, vista e

concebida como meramente uma “didática instrumental” e a dimensão político-social, que acontece numa

cultura definida, com pessoas concretas, que têm classe definida na organização social. Com base nestas

dimensões, a autora procura explicar o papel da didática no decorrer da história da educação brasileira, vivida em

três momentos: 1o. Momento: A afirmação do técnico e o silenciar do político: pressuposto da neutralidade -

demarcada pelos últimos anos da década de 1950 e nos primeiros da década de 1960, perpassa da ênfase do

psicológico na aprendizagem para os métodos e as técnicas de ensino, influenciada pela forte tendência

tecnicista. A didática é concebida como estratégia para conseguir os fins; 2o. Momento: A afirmação do político

e a negação do técnico: a contestação da didática – a partir da metade da década de 1970, com críticas à falsa

neutralidade do técnico, originando assim à negação do técnico, porque era associada ao controle, dessa forma há

a negação do termo ora vinculado à Didática, período da antididática; 3o. Momento: De uma didática

instrumental a uma didática fundamental – as dimensões do processo de ensino-aprendizagem não são

contrapostas, e sim passam a ser necessárias, de forma recíproca, na prática pedagógica.

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Gauthier, Coll, Sacristán, que buscam elucidar o papel dos docentes na sociedade

contemporânea.

A autora destaca a contribuição de três teóricos para a discussão sobre a formação

docente, apontando as suas contribuições no processo de identidade e de formação. Entre eles,

Veiga (2006, p. 138) aponta

Giroux (1998), radical americano, apropria-se do conceito gramsciano de intelectual

orgânico e hasteia a bandeira do “professor intelectual”. Rejeita a tentativa de

redução dos professores a meros técnicos, preparados para executar as idéias

passadas por outros ou preparados com as melhores maneiras de transmitir um

determinado corpo de conhecimentos. Defende a tese de professores a atuarem como

intelectuais capazes de transformar a realidade, contrapondo-se às idéias

reprodutivistas e imobilistas.

Schön (2000), professor de Estudos Urbanos e Educação no Massachusetts Institute

of Technology de Boston, teve, possivelmente, a influência mais significativa na

formação de professores brasileiros na última década. Forjou a expressão reflective

practitioner – “professor reflexivo” – tão em voga, ainda que já um pouco

controversa em razão da ausência da “criticidade” da proposta. Cunhou também as

expressões “reflexão-na-ação”- no decorrer dela- e “reflexão-sobre-a-ação”- que

ocorre retrospectivamente. Schön propõe diferentes modos de estimular os

professores a utilizarem o seu próprio ensino como forma de investigação destinada

à mudança das práticas.

Zeichner (1992), professor da Universidade de Wisconsin em Madison, EUA, a

partir da noção de professor reflexivo chega ao “professor pesquisador” como

corolário da proposta de Schön: a reflexão se dará sempre por meio da pesquisa, o

que não deixa de promover uma simbiose entre professor reflexivo e professor

pesquisador.

Enquanto isso, Charlot (2008, p. 92), busca vincular o compromisso de ser

professor com a busca pela formação22

do indivíduo, adota, portanto um caráter sóciopolítico

na missão de educar ao afirmar que:

[...] Através da difusão do saber, o professor visa, segundo as épocas e os lugares, a

“moralizar o povo”, a formar a Razão, a formar o Cidadão, a desenvolver o

indivíduo, a dar sentido ao mundo, etc. Ou seja, “cultivar” o indivíduo, lhe dar

forma, uma forma apropriada ao lugar, ao tempo, algumas vezes ao sexo e à origem

social. Transmite-se, então, o saber para formar o indivíduo.

Assim, a palavra formação envolve dois aspectos, o do ensinar e o do formar. O

primeiro, o do ensinar pressupõe estabelecer vínculos entre o que aprende e o que ensina com

o saber. Requer competência para gerir a lógica das práticas23

e a dos saberes. O último

22

Formação aqui entendida com o caráter de quem educa forma indivíduos e ao educar, forma-se, numa

concepção de formação contínua, a partir da reflexão pela prática. Charlot, 2005, salienta isso, dizendo que ,”se o

ensino, uma vez que cultiva o indivíduo, é formador, o é em um sentido mais vasto do termo, diferente daquele

que implica o uso moderno da palavra formação”. 23

Charlot ( 2005) atribui à formação profissional o desafio para gerir a lógica dos discursos com a lógica das

práticas. Diz, tratarem-se de lógicas heterogêneas, porém estão relacionadas. Pois, se o saber se apresenta sob

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aspecto, o do formar está associado à ideia de cultura. O sujeito é preparado para adotar um

certo comportamento frente a uma determinada situação, bem como fazer os ajustes

necessários dessa prática frente ao contexto. Requer, portanto, o desenvolvimento de saberes

específicos para o exercício da prática. Seguindo este raciocínio, Charlot (2005, p. 93) diz o

seguinte:

[...] Formar é preparar para o exercício de práticas direcionadas e contextualizadas,

nas quais o saber só adquire sentido com referência ao objetivo perseguido. Mas

formar é também transmitir saberes que, se são transmitidos como simples

instrumentos de uma prática, correm o risco não somente de se descaracterizarem

mas também de dificultarem a adaptação da prática ao contexto, e, se eles são

transmitidos no seu estatuto de saberes constituídos em discurso coerente, correm o

risco de “deslizar” sobre as práticas e de não terem nenhum valor instrumental.

Desta forma, pensar em sua própria formação, é mais uma das tarefas do docente,

que para Nunes (2001), dá-se num processo de auto-formação, que permite reelaborar seus

saberes iniciais em confronto com a prática. Trata-se da ação refletida a partir da prática que

requer uma postura reflexiva por parte do docente.

Perrenound (2002), aponta esta questão dizendo que a prática reflexiva precisa ser

ensinada, desenvolvida tanto na formação inicial quanto na continuada, embora no

cotidiano,seja preciso pensar para agir. Ainda que essas modalidades de formação não sejam

o único veículo de profissionalização do ofício de professor, é por meio delas que se consegue

elevar o nível de competências dos profissionais. Perrenoud (2002, p.13) salienta que:

Uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade,um

habitus24

. Sua realidade não é mediada por discursos ou interações, mas pelo lugar,

pela natureza e pelas conseqüências da reflexão no exercício cotidiano da profissão,

seja em situação de crise ou de fracasso seja em velocidade de cruzeiro.

Sabe-se que a figura do profissional reflexivo está presente durante o exercício de

uma profissão que pressupõe inteligência ou um certo grau de especialização, porém o

desenvolvimento do saber- analisar, proposto por Altet (apud PERRENOUND, 2002, p.17)

requer a construção paralela dos saberes didáticos e transversais bastante ricos e profundos

para equipar o olhar e a reflexão sobre a realidade.

forma representativa de discursos constituídos, esse saber-discurso é o efeito de uma prática de saber. Assim, a

prática do saber é uma forma de mediação entre a lógica das práticas e lógica dos discursos.

24 Habitus, é uma expressão utilizada para o uso de determinadas condutas ou posturas adquiridas na e pela

prática. O habitus pode se transformar em macetes da profissão, num estilo de ensinar ou até mesmo em traços

de personalidade profissional.

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Assim sendo, a formação inicial e a formação continuada possuem atribuições

distintas. A primeira precisa preparar o futuro professor para refletir sobre a sua prática, para

criar modelos e para exercer a sua capacidade de observação. Além disso, precisa ser

estimulada a vivência em ambientes de análise da prática e ambientes de partilha, para refletir

a forma de como se pensa, decide, comunica e reage na sala de aula. Enfim, o profissional

torna-se reflexivo, à medida que é formado nessa mesma prática reflexiva, conforme expressa

Meirieu (apud PERRENOUD, 2002, p.18) dizendo que: “Aprender fazendo a fazer o que não

se sabe fazer”

Já, a formação continuada dos professores enfrenta o desafio de romper com a

lógica estabelecida pela concepção, na sua origem, referente à capacidade de abrandar a

defasagem entre os professores que obtiveram formação inicial pedagógica dos que não a

tiveram. Desta maneira adotam práticas de apresentação de modelos sobre metodologia e

estratégias de ensino, princípios e instrumentos de avaliação, na intenção que os profissionais

apliquem em suas turmas, sem levar em conta a característica da sala, os objetivos

educacionais ou as condições recebidas.

Na perspectiva do professor reflexivo, a formação continuada precisa ser o espaço

da própria prática reflexiva, por meio da análise das práticas pedagógicas, das situações-

problema e da discussão sobre o habitus. Além destes mecanismos de desenvolvimento da

prática docente reflexiva, como fio norteador e condutor da formação, torna-se importante

abordar ainda, informações temáticas, transversais, tecnológicas, didáticas, sobre os saberes

de como ensinar.

Pimenta e Anastasiou (2010), dizem que nos processos de construção da

identidade docente, tem papel fundamental o significado social que os professores atribuem a

si e à educação.

No processo de construção das identidades, que perpassa a auto-formação, surge a

corresponsabilidade das instituições de ensino, como agentes capazes de promoverem a

mediação reflexiva entre as transformações sociais e os indivíduos, que para Pimenta e

Anastasiou (2010, p. 78)

Consiste em relacionar a atividade de aprender dos alunos aos conhecimentos que

permeiam a sociedade, que foram nela produzidos e a constituem ; em relacionar a

aprendizagem do “eu”à aprendizagem do “nós”. Ao acentuar a importância do

conhecimento nas instituições educativas, é preciso afirmar as diferentes formas

pelas quais o ser humano conhece: conhecemos com teorias, com o conhecimento

elaborado, com a nossa experiência. Mas também conhecemos por intermédio das

emoções, da cognição, do afeto. Conhecer é o ato que mobiliza o ser humano por

inteiro. Mobilizar essas várias formas no processo de conhecer permite que não se

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perca a capacidade de indignar, de problematizar e de procurar saídas para os

problemas.

Ao considerar a mediação reflexiva como interveniente no processo de construção

das identidades, estabelece-se uma relação direta com o conhecimento. Por isso, constitui-se

num processo epistemológico, que para Pimenta e Anastasiou (2010), envolve quatro grandes

conjuntos de saberes: o dos conteúdos das diversas áreas do saber (das ciências humanas e

naturais, da cultura, e das artes) e do ensino; os conteúdos didático-pedagógicos (diretamente

relacionados com o campo da atividade profissional); os conteúdos relacionados a saberes

pedagógicos do campo teórico da prática educacional; e os conteúdos ligados à explicitação

do sentido da existência humana individual, como sensibilidade pessoal e social.

Em síntese, a formação docente envolve um processo formativo amplo que

transcende o ato imitativo ou reprodutivo de “dar aulas”25

, a partir das experiências adquiridas

como aluno. Requer que o professor se aproprie durante a sua formação inicial ou continuada,

de conceitos e fundamentos da Didática. É dessa forma que, na visão de Pimenta e Anastasiou

(2010), a mediação reflexiva assume o desafio de contribuir para o processo de passagem de

professores que se percebem como ex-alunos da universidade para o ver-se como professores

numa determinada instituição,onde a docência extrapola os saberes da experiência.

Ao entender o exercício da docência como prática histórica e situada num

contexto social, a docência e a sua formação encontram-se desafiadas a darem respostas às

demandas da sociedade. Hoje, o exercício docente tem como desafios, atuar numa: a)

sociedade da informação ou do conhecimento; b) sociedade imediatista; c) sociedade do não

emprego e das novas configurações do trabalho.

No tocante à sociedade da informação ou do conhecimento, torna-se necessário a

distinção dos termos. Devido ao processo de globalização26

, principalmente pelo uso da

internet, a informação chega rapidamente a qualquer ponto do planeta. Porém, as informações

precisam ser selecionadas, reorganizadas e reelaboradas pelos indivíduos, a fim de

apropriarem-se delas, em forma de conhecimento. E é dessa maneira que o professor atua.

Atualmente, vive-se numa sociedade imediatista, caracterizada pela rapidez e pela

amplitude de opções, como o fast food, pois tudo é questão de tempo, precisa ser rápido e ágil,

25

Essa expressão de “dar aulas” é combatida por Rios ( 2002), ao contrapor por “fazer”aulas. Ela justifica isso

pelo fato de que a ação do docente é remunerada e que o ato de construir o conhecimento não é doado, e sim

elaborado, construído, a partir de situações de ensino e de aprendizagem. Então, o professor não “dá”aulas e sim

“faz”aulas. 26

Ao mesmo tempo que o processo da globalização agiliza as informações, o mesmo acaba gerando a exclusão

social, uma vez que nem toda a população tem acesso à internet.

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quase que instantâneo. Neste ritmo frenético, existe a tendência da desvalorização dos valores

morais e éticos, impulsionados pela sociedade do consumo e pela satisfação dos desejos

imediatos. Aliado a tudo isso, esta época é marcada pelo aumento da violência, do uso das

drogas, pela degradação ambiental, e pela banalização das relações interpessoais.

Este contexto pressupõe a adoção de uma nova postura de ação e/ou de

enfrentamentos por parte dos indivíduos, bem como da sua formação. É necessário que

desenvolvam novas competências a partir do pensar, criar, resolver problemas. Conforme

apontam Pimenta e Anastasiou (2010, p. 100),

[...] Um profissional que reflita sobre o seu fazer, pesquisando-o nos contextos nos

quais ocorre.

Neste início de século, o discurso que domina as mídias é o de que as instituições

educativas têm por tarefa preparar os jovens para o mundo do trabalho, que, entre

outras coisas, exige deles novas competências: criar, pensar, propor soluções,

conviver em equipe – competências essas compatíveis com as novas configurações

do processo educativo. Essas transformações estão modificando significativamente a

identidade do trabalhador, que passou, da noite para o dia, a ser valorizado como

alguém que deve pensar e propor, embora com a finalidade de gerar maior

produtividade, que gere maior lucro.

A formação docente, seja ela inicial ou contínua, assume alguns desafios que

precisam ser trabalhados como forma de dar respostas às demandas sociais, bem como de

criar as suas identidades profissionais. Segundo Zabalza (2004), precisariam ser ressaltados

cinco eixos na profissionalidade renovada na docência universitária: a reflexão sobre a

própria prática; o trabalho em equipe e cooperação; a orientação para o mercado do trabalho;

o ensino planejado a partir da aprendizagem e da didática e a recuperação da dimensão ética

da profissão.

Neste contexto, a ideia do profissional reflexivo contribui para o rompimento da

ideia preconceituosa de que a prática gera conhecimento, pois o importante é que por meio

dela, aprimorem-se as ações e sua efetividade. Mediante esta análise, Zabalza (2004, p. 126)

diz que

[...] A prática pode reforçar o hábito, mas se não for analisada, se não for submetida

a comparações e se não for modificada poderemos passar a vida inteira cometendo

os mesmos erros.

De qualquer forma, refletir não é retomar constantemente os mesmos assuntos

utilizando os mesmos argumentos; na verdade, é documentar a própria atuação,

avaliá-la (ou auto-avaliá-la) e implementar processos de ajustes que sejam

convenientes.

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O outro eixo apontado é o do trabalho em equipe e cooperação, que por sua vez

busca superar a prática individualista, superando a inércia e promovendo uma cultura

institucional, capaz de enfrentar e dar respostas aos desafios educacionais vigentes. É preciso

compreender a importância da sintonia das ações, ultrapassando a concepção das práticas

individualizadas, das suas disciplinas, das suas turmas, para a adoção de um projeto mais

amplo, de um plano de formação, conforme sinaliza Zabalza (2004), ao afirmar que as novas

demandas geram novas necessidades formativas do professorado universitário, dentre elas, a

de criar um “projeto formativo integrado e original”, capaz de pôr em ação um plano de

estudos que supere a mera soma de disciplinas.

A orientação para o mercado de trabalho, apontada como outro eixo requer que o

professor tenha capacidade de associar a visão acadêmica com a atividade profissional.

Necessidade esta que pressupõe o diálogo constante com o mundo do trabalho, seja por meio

de prestação de serviços às empresas, por meio de orientação de estágios práticos dos

estudantes ou por meio da pesquisa de novos produtos, facilitando, assim, a integração entre o

exercício profissional e a docência.

O ensino planejado a partir da aprendizagem e da didática voltado à formação

de profissionais técnicos, pressupõe a passagem de simples especialista da disciplina para

didata27

da disciplina, capaz de adequar situações de aprendizagem frente aos objetivos

educacionais, por meio de embasamentos teóricos, numa postura reflexiva, comprometida

com o processo de construção do conhecimento, visando a apreensão dos fatos, conceitos

para a resolução de situações-problema.

No eixo, recuperação da dimensão ética, encontra-se a essência da profissão.

Requer atitudes individuais, capazes de demonstrar durante a atuação profissional e no campo

das relações interpessoais, o compromisso com os valores humanos fundamentais como

respeito, honestidade, integridade, solidariedade, empatia, entre outros, bem como os da

imparcialidade e do uso adequado das informações privilegiadas, dentre outras. Além destes

valores, há a necessidade dos princípios éticos, estéticos, técnicos e políticos, inerente ao

exercício profissional docente que envolve a formação e atualização para poder responder

integralmente às demandas apresentadas a eles, pois segundo Zabalza (2004, p. 131),

[...] a ética não pode ficar à margem do desenvolvimento profissional dos docentes e

do aprimoramento da qualidade de suas atividades. No final, o nossso crescimento e

o do nosso trabalho não dependerão somente do aprimoramento das técnicas e dos

27

Segundo o dicionário Houaiss, didata é que ensina, especialista em didática, autor de livros de ensino.

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recursos que utilizamos, mas, sobretudo, do reforço do compromisso profissional

que sejamos capazes de assumir.

A profissão de professor exige também de seus profissionais as características de

flexibilidade, resolutividade frente aos imprevistos, busca de soluções e/ou de informações

para resolver situações complexas que envolvem os saberes da suas áreas. Desta forma,

Pimenta e Anastasiou (2010), dizem que o processo de reflexão tanto individual como

coletivo, é a base para a sistematização de princípios norteadores de possíveis ações, e nunca

modelos. Assim, a pesquisa da prática individual e coletiva é uma ação intencional que revela

profissionalidade do docente, pois permite que o mesmo se debruce e reflita sobre a sua

própria prática.

Além destes desafios já mencionados para a docência na atualidade, surge a

necessidade da aquisição de novos saberes como responsáveis para uma educação mais

democrática. Conforme Gadotti (2005, p. 26-27),

[...] Isso implica em novos saberes, entre eles, saber planejar, saber organizar o

currículo, saber pesquisar, estabelecer estratégias para formar grupos, para resolver

problemas, relacionar-se com a comunidade, exercer atividades antropológicas, etc.

Ao serem colocados estes desafios à prática docente, emergem mudanças na

concepção da formação inicial e da formação continuada do professor, promovendo uma nova

cultura profissional. Desta nova cultura, para Gadotti ( 2005), emerge a necessidade da

formação continuada ser concebida como reflexão, pesquisa, ação, descoberta, organização,

fundamentação, revisão e construção teórica e não como mera aprendizagem de novas

técnicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas. A nova formação permanente,

inicia pela reflexão crítica sobre a prática, ressaltando a importância da troca de experiências

entre os pares, por meio de oficinas, grupos de trabalho, pois segundo Freire (1996, p.78),

Quando os professores aprendem juntos, cada um pode aprender com o outro. Isso

leva a compartilhar evidências, informação e a buscar soluções. A partir daqui os

problemas importantes das escolas começam a ser enfrentados com a colaboração de

todos.

Em se tratando da formação docente, seja ela inicial ou continuada, torna-se necessário

discutir questões relativas ao tempo e ao espaço em que ocorre a formação docente para além

da sua profissionalização. Ela pode acontecer em lugares distintos dentro ou fora do território

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do trabalho. Segundo Cunha (2008, p.2), as práticas de formação docente atendem as políticas

nacionais e são institucionalizadas da seguinte forma:

Elas envolvem a formação no território do trabalho, incluindo as iniciativas

institucionais de formação continuada. Envolvem, também, as ações institucionais

que acontecem por iniciativa dos próprios grupos de

professores/projetos/associações profissionais etc. e, ainda, a formação nos

espaços/cursos que qualificam os sujeitos a disputar/manter a condição de docente

da educação superior, envolvendo os Cursos de Especialização em Docência

Universitária; os cursos de Mestrado e Doutorado que optam por incluir nos seus

currículos a disciplina de Metodologia do Ensino Superior; as experiências do

Estágio de Docência, instituído pela CAPES; os Programas de Pós Graduação em

Educação que abrigam candidatos de outras áreas para desenvolver pesquisas

relacionadas com a pedagogia universitária; Programas de Pós Graduação de outras

Áreas que possuem Linhas de pesquisa relacionadas com a docência e/ou ensino-

aprendizagem.

Cunha (2008), apresenta uma discussão acerca das três dimensões em que podem

ocorrer a formação docente, permitindo ainda, análise da relação entre os temas espaço, lugar

e território, a partir das seguintes proposições: a) quando um espaço pode transformar-se em

lugar?; b) o que transforma o espaço em lugar? c) quando um lugar se constitui num

território?

Ao discorrer sobre a primeira proposição, ela afirma que a universidade é o

espaço da formação dos professores da educação superior. Porém pode dar-se em duas

direções, a primeira e mais institucionalizada, é a formação para a pesquisa, em nível de pós-

graduação strictu senso, uma vez que os cursos de mestrado e/ou doutorado são condições

desejadas para a docência. A segunda, em forma de educação continuada para promover a

melhoria das práticas de ensinar e de aprender.

A formação continuada está vinculada à missão da instituição e tradicionalmente

ocorre nas universidades. Porém, só transformam-se em lugares de formação, à medida que os

espaços passam a serem ocupados, ou seja, à medida que os professores frequentam os

referidos espaços.

Assim, segundo Cunha (2008) as experiências que dão à universidade a condição

de lugar de formação reconhecem nela a condição de lócus cultural que faz intermediações de

significados com os sujeitos em formação.

Já a possibilidade do lugar se constituir em território, implica no estabelecimento

das relações de poder. Ao ocupar os lugares, faz-se escolhas que preencherão os espaços e os

transformarão em território.

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Estabelecendo a interrelação entre os termos, Cunha (2008) sinaliza que o espaço

se transforma em lugar quando os sujeitos que nele transitam lhe atribuem significados. O

lugar se torna território quando se explicitam valores e dispositivos de poder de quem atribui

os significados.

Desta forma, apresentam-se como espaços de formação continuada os cursos, as

oficinas, os worshops, as reuniões pedagógicas, os seminários, os congressos, as bibliotecas,

os computadores plugados à rede, enfim todas as formas que possibilitem os sujeitos a

aprimorarem a sua prática seja ela técnica/ profissional ou pessoal.

O professor precisa ressignificar o seu papel na sociedade, para isso é necessário

que retome a sua principal função, a de ensinar algo para alguém. Ciente da sua função na

sociedade, ele pode resgatar ao longo do tempo, a representação exata do que é ser professor,

que conforme menciona Veiga (2006), requer a ultrapassagem das adjetivações colocadas em

torno da sua figura, como a de professor intelectual, professor reflexivo e de professor

pesquisador para simplesmente ser chamado de professor.

Professor, que segundo Kuenzer (apud VEIGA, 2006, p. 139-140), permite

aprender e compreender as diferentes concepções e práticas pedagógicas, stricto e

lato sensu, que se desenvolvem nas relações sociais e produtivas de cada época;

transformar o conhecimento social e historicamente produzido em saber escolar,

selecionando e organizando conteúdos a serem trabalhados de forma metodológica

adequada; construir formas de organização e gestão dos sistemas de ensino nos

vários níveis e modalidades; e; finalmente, no fazer deste processo de atores da

organização de projetos educativos, escolares e não-escolares, que expressem o

desejo coletivo da sociedade.

Assim, a formação profissional requer um conjunto de saberes transmitidos pela

instituição formadora de docentes, respaldados pelas ciências humanas e pelas ciências da

educação, a fim de subsidiar a prática docente, tanto na formação inicial quanto na contínua.

É neste momento que o professor constrói a sua identidade, fica fortalecido para buscar ou

adaptar estratégias de ensino e de aprendizagem. E mais, reafirma-se como professor, pois

acessa aos saberes pedagógicos, impregnados de uma doutrina, que reflete concepções

ideológicas, permeadas de algumas formas de saber-fazer e algumas técnicas. Esta interface é

possível mediante a articulação com as ciências da educação.

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4 PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A atividade do planejamento está relacionada com a vida diária das pessoas, pois

as ações remetem à tomada de decisões frente a determinadas situações, sejam de ordem

empírica ou científica. Isto demonstra que quando se busca determinados fins, se estabelece

os melhores meios que, de certa forma, é um planejamento não formalizado, não

sistematizado.

A sistematização ou não do planejamento é diretamente vinculada ao grau de

complexidade das ações. Assim, o planejamento envolve a sistematização do pensamento e

das ações para poder compreendê-las e transformá-las, pois segundo Dalmás (1998, p. 23),

Pelo pensamento (reflexão), o homem desenvolve níveis cada vez mais aprimorados

de discernimento, compreensão e julgamento da realidade, o que lhe favorece uma

conduta comprometida com novas situações de vida. Pelo planejamento, o homem

organiza e disciplina a ação, tornando-a mais responsável, partindo sempre para

ações mais complexas, produtivas e eficazes.

Desta forma, o ato de planejar pode ser fruto de ação intencional ou não, pois as

ações corriqueiras ocorrem de forma mecânica, automáticas, sem a necessidade da reflexão.

Já, o planejamento como prática educativa, assume o compromisso da reflexão, como

mecanismo para modificar e/ou organizar a prática.

A reflexão enquanto atividade de mudança relaciona-se ao aspecto da

subjetividade, muito embora estabeleça uma relação dialética entre os campos objetivos e

subjetivos. No entanto, a reflexão não pode interferir diretamente na realidade, pois o que age

direta ou indiretamente na realidade, por meio dos instrumentos, são os sujeitos. É por meio

da ação consciente dos sujeitos que ocorre um nível de elaboração, um sentido, uma marca

que é a intencionalidade. Assim, a reflexão para Vasconcellos (2006, p. 11), é considerada

como:

[...] uma mediação no processo de transformação. Digamos assim, ela pode agir “

através” do sujeito. Para quem deseja a mudança resta, pois, a possibilidade de

interagir com a intencionalidade dos sujeitos, favorecer a interação entre eles, de

forma a que possam ter uma ação pautada numa nova concepção.

Partindo desta premissa, a reflexão apresenta a função de proporcionar ao sujeito a

capacidade de análise da realidade, que é marcada pela intencionalidade, a fim de encontrar

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formas de intervir na situação apresentada. Nesta ótica, a reflexão necessita articular duas

dimensões apontadas por Vasconcelos (2006), a do convencimento e a da intervenção.

O convencimento corresponde a uma mobilização inicial que desperta desejo para

o sujeito se dispor à ação. É a dimensão que busca a desconstrução das concepções

equivocadas, pré-concebidas, possibilitando ao sujeito, a ideia de que é possível agir ou fazer

de outra forma.

A dimensão da intervenção indica caminhos, adota o papel de guia para a prática a

ser transformada. Pressupõe a projeção de objetivos e/ou alternativas para intervenção, por

meio da ação.

Vasconcelos (2006), diz que o papel da reflexão para transformar a prática, requer

enfrentar os obstáculos subjetivos, por meio do convencimento e da mobilização, numa base

afetiva/cognitiva, que utiliza o campo reflexivo da Ontologia e da Axiologia, tendo como fim

a própria consciência. E, para enfrentar os obstáculos objetivos, envolve a perspectiva do

conhecer para transformar, planejar para intervir, numa base cognitiva/afetiva, que utiliza o

campo reflexivo da Epistemologia e da Axiologia, tendo como fim o mundo externo, o da

extraconsciência.

A premissa que o ponto de partida para planejar é a necessidade de mudança,

condiz com a prática docente, uma vez que, por meio da reflexão, o professor precisa

organizar as situações de aprendizagem para que ela se efetive. Ao mesmo tempo, o educador

se vê como sujeito de transformação.

O docente ao encarar-se como sujeito do processo educativo, valoriza o

planejamento como possibilidades de transformação. Para isso é necessário, primeiramente,

que o professor deseje, queira mudar, para posteriormente realizar os seus desejos, em forma

de operacionalização deste querer e poder. O planejamento vem justamente contribuir para

que se ultrapasse essa dicotomia. Partindo da necessidade da mudança, Vasconcelos (2006, p.

36-37) diz que

[...] O ponto de partida é uma pergunta básica: há algo em nossa prática que precisa

ser modificado, transformado, aperfeiçoado? Senão há, não se precisa de projeto. A

ausência de falta, a inapetência ( física e/ou intelectual), a ausência de desejo é sinal

de estagnação, e, portanto, de morte. [...] Não é possível re-significar o planejamento

em si, isolado da re-significação de estar no mundo e de toda a prática educacional!

O grande nó do planejamento educacional pode estar na morte do autêntico trabalho

pedagógico devido a:

Fatores exteriores: a falta de condições e de liberdade, a cobrança formal e

autoritária do cumprimento do programa, etc;

Fatores interiores: o professor que se entregou, que abriu mão de lutar, de resistir

contra as pressões equivocadas.

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Então, planejar remete a querer mudar, acreditar na possibilidade da mudança da

situação apresentada, perceber que precisa fazer a sistematização metodológica para depois

realizar a ação prevista.

Para Vasconcelos (2006), planejar é antecipar mentalmente uma ação a ser

realizada e agir de acordo com o previsto, pois envolve a busca do fazer algo incrível,

essencialmente humano: o real a ser comandado pelo ideal.

Já para Gandin (1983, p. 18-19 ), planejar é

a) [...] transformar a realidade numa direção escolhida;

b) [...] organizar a própria ação (de grupo, sobretudo);

c) [...] implantar um processo de intervenção na realidade;

d) [...] agir racionalmente;

e) [...] dar clareza e precisão à própria ação (de grupo, sobretudo);

f) [...] explicitar os fundamentos da ação do grupo;

g) [...] pôr em ação um conjunto de técnicas para racionalizar a ação;

h) [...] realizar um conjunto de ações, propostas para aproximar uma realidade

de um ideal;

i) [...] realizar o que é importante (essencial) e, além disso, sobreviver...

Segundo o dicionário Houaiss, planejar é elaborar o plano ou a planta de; projetar;

organizar plano ou roteiro de; programar (viagem, férias, curso); ter a intenção de; pretender.

Assim sendo, o ato de planejar pressupõe a concretização do que se almeja,

enquanto ideias, efetivado pela ação, a fim de interferir na realidade, adquirindo sentido para

o sujeito, que se predispõe à mudança. Ideias por si só não geram mudanças. É preciso

romper com o mito de que ideias sofisticadas empoderam um planejamento. Elas precisam,

sim, ser viáveis, executáveis, caso contrário, recaem na descredibilidade do planejamento,

pela crença de que não adianta planejar, porque torna-se impossível a concretização deste. A

ideia oposta também pode circundar a descrença do ato de planejar, ou seja, de que não

precisa planejar, pois basta querer para que se concretize uma ação.

A descrença do planejamento, segundo Vasconcelos (2006), é justificada por

muitos educadores ao atribuir à tarefa educativa um caráter de impossibilidade da sua

antecipação, já que a realidade da escola é dinâmica e complexa. Além deste argumento,

apegam-se ao fato de que faltam condições mínimas para desencadear o processo de

planejamento, somando a isso a carga horária excessiva dos professores, bem como a

sobrecarga de atividades decorrentes da docência. Por fim, utilizam o argumento do

determinismo, marcado pela ideia de que somos determinados por fatores biológicos, sociais,

psicológicos, dentre outros que impossibilitam a mudança, o que gera a estagnação ou

alienação.

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Há ainda, educadores, que justificam a ausência do ato de planejar pelo caráter da

formalidade, sem relação direta com a prática, por ser pensado e proposto algo que

dificilmente será executado, pela falta de compromisso de executar o pensado, por entender

que o ensino não deva ficar “preso” a um plano, por ser encarado como algo distante da

realidade e por não adotar um sentido centralizador.

Fica evidente, segundo Vasconcelos (2006, p. 38), que

Para o professor não-comprometido, não há proposta de plano que seja boa;

considerar que o simples fato do professor preencher um formulário bem elaborado

será garantia de um bom trabalho, é uma ilusão!

Este pressuposto - a percepção da necessidade de mudança – é da maior

importância, pois quem está “morto, quem não está querendo nada com nada, quem

não quer mudar, obviamente não sente a necessidade de planejar”.

A postura do docente reflete o seu pensamento sobre educação e a finalidade da

sua ação enquanto forma de fazer a sua aula, o que se estende ao planejar ou não. Se ele

encara o espaço da aula como mera reprodução do que é pensado e idealizado pelo sistema

educacional, pais, material didático, entre outros, realmente planejar não faz sentido. Porém,

se acredita na possibilidade de intervenção na realidade, o planejamento passa ser um

elemento auxiliador, pois implicará a escolha das melhores estratégias de intervenção para

verificar a sua assertividade, enfim, estará envolvido no processo, imbuído do sentimento de

“querer ver acontecer”.

Desta maneira, o planejamento remete à condição do sujeito querer e poder para

fazer. Para Vasconcelos (2006, p. 39),

O querer é a dimensão relativa às necessidades, ao desejo ( eros: vivo desejo, amor),

à paixão ( pathos: sofrer, suportar, deixar-se levar por), às emoções, à afetividade,

aos valores assimilados. [...] A ação humana, simbólica ou material, se caracteriza

por ser motivada; para agir, o sujeito precisa desta energia, deste “querer”. [...]

O poder tem uma base objetiva que são as condições para a ação (os meios, os

recursos, sejam materiais ou estruturais), e uma base subjetiva que é o saber (seja na

forma do conhecimento, habilidades e/ou atitudes). Há também aqui uma relação

entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva, por um turno, constrange a

subjetiva, e, por outro, pode ser alterada justamente pela ação consciente do homem,

portanto, orientada pela base subjetiva.

É evidente que somente o “querer” não basta, pois sendo o sujeito um ser social,

faz parte de uma realidade maior, e sua ação dependerá também de condições externas ( poder

subjetivo) e internas (poder objetivo) para isso, ou seja, “poder28

.”

28

A palavra “poder” , segundo Vasconcelos ( 2006), adota o sentido de possibilidade de agir , de produzir

efeitos, de realizar. O poder tem uma base objetiva que são as condições para a ação ( os meios, os recursos,

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Assim, o ato de planejar está relacionado com o convencimento do sujeito ou do

grupo que julga ser importante refletir sobre uma situação para proporcionar a transformação,

o que implica acompanhar todo o processo em prol dos resultados.

A necessidade de planejar está intrinsecamente relacionada à motivação29

. A

motivação será o ponto de partida para o desejo de mudança , porém segundo Vasconcelos

(2006) , a motivação não se dará de forma espontânea ou apenas com boa vontade, pois o que

transforma a realidade são as ações.

Nesta perspectiva de superação, surge a mediação teórica como elemento que

qualificará a ação de intervenção, pois é por meio da ação intencional que o sujeito consegue

modificar a realidade, que conforme Vasconcelos (2006, p. 43) aponta,

A ação a ser desencadeada deve estar atravessada, pois, por uma intencionalidade,

sendo fruto de uma proposta. Coloca-se aqui a necessidade da mediação simbólica,

da teoria, de um método de trabalho, que ajude a superar a apreensão vulgar,

imediata da realidade e permita nela interferir.

Assim sendo, o processo do planejamento precisa buscar a teoria que fundamente

e guie a sua prática. A relação teoria-prática estabelece-se num binômio interrelacionado, em

busca da práxis. A práxis transita entre o pensar e o ser, sendo ao mesmo tempo saber e

prática, conhecimento e ação. Segundo Vázquez (apud VASCONCELOS, 2006, p. 45), é

atividade teórico-prática; ou seja, tem um lado ideal, teórico, e um lado material,

propriamente prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de

abstração, pode-se separar, isolar um do outro.

Desta maneira, não há prática que não tenha elaboração teórica e vice-versa.

Assim, constrói-se uma relação de interdependência entre ambas, pois a teoria se concebe

como tal à medida que se relaciona à uma prática, senão vira sem sentido. Freire (1997) diz

que nada mais prático que uma boa teoria, pois teoricizar é iluminar a ação, é decifrá-la, é

aprender o movimento do real , portanto algo relacionado com a prática.

A teoria por si só não é responsável pela mudança. Ela contribui com a

transformação, a partir das suas concepções, que precisam ser assimiladas pelos sujeitos

sejam materiais ou estruturais) e uma base subjetiva, que é o saber ( seja de forma de conhecimento, de

habilidades e/ou atitudinais). 29

Motivação, vem do latim: moveres, mover, denomina em psicologia, em etologia e em outras ciências

humanas a condição do organismo que influencia a direção, orientação para um objetivo, do comportamento.

Em outras palavras é o impulso interno que leva à ação.

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responsáveis pela execução das ideias, na ação, pois o que modifica realmente a realidade é a

ação, porém uma ação sem ideia é ineficaz.

De acordo com Vasconcelos (2006), a atividade de planejar para o professor é

um caminho de elaboração teórica, de produção de teoria, da sua teoria e quando realizado a

partir de uma necessidade pessoal, o planejamento torna-se uma ferramenta de trabalho

intelectual.

O planejar parte, então, de uma elaboração mental, com duas funções básicas, a de

instrumento e a de interação dos pensamentos. Enquanto instrumento do pensamento, o

planejamento atua na antecipação e/ou na organização dos mesmos, já como interação, utiliza

a fala como mecanismo de exteriorizar o que elaborou, pensou, para realizar um problema.

Se o planejar significa antever uma intervenção na realidade, então, planejamento

está relacionado ao campo das possibilidades de modificá-la, por meio da ação intencional,

consciente ou voluntária, que segundo Vasconcelos (2006), possui três dimensões: a

necessidade, o objetivo e o plano de ação.

A primeira condição para toda atividade é a necessidade, que pode ser vista sob o

prisma da vontade ( associada a qualquer uma das dimensões da existência: física, afetiva,

intelectual, estética, espiritual, social, econômica, etc.), mais ligada aos motivos conscientes

e/ou do desejo ( pulsão, tendência), mais direcionado aos motivos inconscientes, muito

embora a distinção entre um e outro seja tênue. Vasconcelos (2006, p. 70) diz que

Necessidade (derivado do latim necessitas) é o estado de consciência que

acompanha a privação de algo que é necessário ou encarado como tal; trata-se do

sujeito sentir uma falta que precisa ser preenchida. A necessidade pode ser

compreendida também como o estado de tensão que esta falta provoca no sujeito;

como veremos, vai ser justamente esta tensão que o impulsionará para a ação.

Estamos aqui assumindo o termo necessidade no seu sentido ontológico (precisão,

carência, déficit), e não lógico ( aquilo que não pode ser de outro modo).

Neste contexto, englobam-se tanto as necessidades primárias, referentes às

necessidades orgânicas, como respiração, fome, sono, sede, etc. como as necessidades

secundárias, condizentes com a sobrevivência e realização humana, fruto da socialização dos

indivíduos, como afeto, proteção, valorização, estética, entre outros.

Como segunda dimensão da ação, o objetivo, remete a um fim determinado. É

tudo aquilo que o sujeito aponta como necessário para satisfazer a sua necessidade. Quanto ao

plano de ação, ele estabelece mentalmente, os passos necessários para atingir o fim.

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Para clarificar os conceitos das dimensões da ação intencional, busca-se um

exemplo simples, mencionado por Vasconcelos (2006, p. 71):

[...] um indivíduo sai de casa e sente frio; tem, então, necessidade de proteção da

pele por algum agasalho; pensa em pegar o agasalho que tem na gaveta; elabora um

plano de ação: “tenho que voltar, abrir a porta, ir até o quarto e vestir a blusa”.

Como essa situação é tão corriqueira, já foi realizada tantas vezes, é evidente que o

sujeito não tem a necessidade de ficar pensando cada passo como aqui descrevemos,

pois isto faz parte de seus esquemas de ação. No entanto, se ao voltar para casa

perceber que saiu sem a chave, encontrar-se-á uma nova situação, que implica um

novo conjunto necessidade-objetivo-plano de ação: tem necessidade da chave, com

objetivo de entrar em casa e para isto elabora outro plano de ação: conseguir uma

ficha telefônica, ir até um telefone público, ligar para esposa, etc. Esse novo

conjunto de elementos de elaboração da ação está subordinado ao conjunto anterior,

e aí se encontra mais uma dificuldade de compreensão da ação do homem, uma vez

que essas elaborações vão se imbricando e complexificando, se coordenando,

subordinando ou até mesmo sendo suprimidas.

Ao elaborar o plano de ação há a necessidade do estabelecimento de um

método30. O método aparece como uma forma de organizar o pensamento e de estabelecer

relações. O método ultrapassa o conjunto de técnicas e de passos aplicados em qualquer

situação ou objeto e adota uma postura de enfrentar a realidade com a indissociação das

atividades de reflexão, conhecimento e interpretação sobre ela e sua transformação, que

segundo Vasconcelos (2006, p. 73), pode

Partir da Prática- terá a prática em que estamos inseridos como referência e

desafio para a transformação. Ter clareza que há uma história, há um movimento do

real; não é a reflexão que inaugura o mundo, já que, como vimos, “no princípio era

ação”; qualquer processo de mudanças tem como referência experiências anteriores;

Refletir sobre a Prática- através da reflexão crítica e coletiva, buscar

subsídios, procurar conhecer como funciona a prática, quais são suas contradições,

sua estrutura, suas leis de movimento, captar sua essência; projetar um sentido novo

de sua transformação;

Transformar a Prática – atuar, coletiva e organizadamente, sobre a prática,

procurando transformá-la na direção desejada.

A necessidade de utilização de um Méthodos incide na possibilidade de o

educador transformar a sua prática por meio da reflexão, uma vez que não possui o hábito de

ter método de pesquisa e/ou de trabalho. O processo de reflexão envolve três dimensões

30 Cabe ressaltar a diferença entre método e metodologia, embora estejam interligados. A palavra Método, do

grego, méthodos, de metà ( fim) e hodós ( via, caminho), ou seja, é o caminho para se chegar a um fim. Já a

metodologia é o estudo da melhor maneira de, num determinado estado de conhecimentos, abordar determinados

problemas. Ela não procura soluções, mas contribui na escolha das maneiras de encontrá-las, integrando os

conhecimentos adquiridos sobre os métodos em vigor nas diferentes disciplinas científicas ou filosóficas. A

metodologia conduz toda a elaboração do método que será empregado na resolução de um determinado

problema.

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distintas: da realidade ( situação encontrada, real), da finalidade ( o motivo e situação

pretendida) e da mediação ( maneiras para atingir o desejado), que assemelham-se à estrutura

do Planejamento : análise da realidade, projeção das finalidades e elaboração das formas de

mediação. Segundo Vasconcelos (2006, p. 75),

A apropriação do Méthodos melhor habilita o educador a enfrentar mudanças

repentinas, decorrentes de fatores imprevisíveis ( as quais, inclusive, são muito

comuns na escola e na sala de aula), visto que mais do que preso a um esquema

formal, o professor dispõe de um modus de atuação, qual seja, não está limitado aos

objetivos imediatos, já que tem uma visão de totalidade do processo.

O planejamento pode ser entendido como um instrumento teórico-metodológico

para intervenção na realidade. Ao percebê-lo como Méthodos, pressupõe a adoção de postura,

elaborada ou interiorizada pelo sujeito, como forma de organizar a reflexão e a ação.

Então, Vasconcelos (2006) concebe a ideia de método dialético, ao movimento

que parte da prática com o compromisso de transformá-la, através da reflexão crítica e

coletiva, conforme o desejado.

A prática do planejamento visa organizar, sistematizar, direcionar e mediar a

reflexão do docente, permeada pela ação reflexiva, que ao ser realizada, pressupõe pensar

anteriormente, com vistas à execução. Por isso, difere das concepções apresentadas nos

dicionários, conforme Vasconcelos (2006, p.78), mostra-nos os seguintes termos:

Planejamento. S.m1.Ato ou efeito de planejar.2. Trabalho de preparação para

qualquer emprendimento , segundo roteiro e métodos determinados; planificação: o

planejamento de um livro [...]. ( Aurélio)

Planejar. V.t.d.1. Fazer o plano de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o

edifício. 2. Fazer o planejamento ; elaborar um plano ou roteiro de; programar,

planificar: planejar um roubo. 3. Fazer tensão ou resolução de; tencionar, projetar

[...] ( Aurélio)

Plano. ( Do lat. Planu) Adj. [...] Projeto ou emprendimento com fim determinado.

Conjunto de métodos e medidas para execução de um emprendimento [...]. (Aurélio)

Projeto. ( do lat. Projectu, " lançado" para diante). S.m.1. Ideia que se forma de

executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio.2. Emprendimento a ser

realizado dentro de um determinado esquema. (Aurélio)

Projeto . Em geral, a antecipação das possibilidades: isto é, qualquer previsão,

predição, predisposição, plano, ordenação, predeterminação. ( Nicola Abbagno)

Torna-se necessário ultrapassar estas concepções mencionadas acima, pois

apresentam uma ideia restritiva de planejamento. Não estabelecem relação entre o elaborar

(pensar) e o executar (agir). É concepção voltada para os princípios do planejamento com o

caráter de controle e/ ou de produtividade preconizados pela ciência da Administração, no

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final do século XIX, que precisam ser ultrapassados, a fim de reestabelecer a importância do

planejamento para a prática educativa.

Sem dúvida, a ideia mais difundida no meio educacional foi a de Taylor (1856-

1915), americano, que corroborou a separação entre o pensar e o agir, referendando a

alienação do trabalho, termo atribuído por Marx, quando da mudança do modelo de produção

do sistema do feudalismo para o capitalismo. No modelo da organização sócio-produtiva,

feudal-artesanal, o homem detinha o conhecimento do processo de fabricação, desde a

produção da matéria-prima até a sua transformação. Já com o advento do capitalismo houve a

fragmentação do modo de produção. O homem passa a não dominar a cadeia produtiva, fica

alheio ao processo, detém apenas parte da produção, o que lhe confere a característica de

alienado.

O modelo taylorista de administração da produção utilizava o planejamento como

mecanismo de eficiência e de eficácia, fortalecendo a concepção tecnocrática. O poder de

decisão e de controle ficava nas mãos de alguns poucos (técnicos, políticos, especialistas) e

não com os que produziam. É a ideia de que uns pensam para os outros executarem.

Segundo Vasconcelos (2006, p. 27-28),

[...] pode-se identificar três grandes linhas em termos de planejamento

administrativo: o gerenciamento da qualidade total, o planejamento estratégico e o

planejamento participativo, sendo que a tendência do primeiro é decrescente em

favor do segundo, que procura, em certos casos, incorporar contribuições do

terceiro, que é mais difícil de ser utilizado em emprendimentos cuja função social

possa ser definida coletivamente.

As diferentes concepções de planejamento foram vivenciadas também nas

instituições escolares, influenciadas pelo contexto sócio-político-econômico, que marcaram a

história da educação brasileira e, por conseguinte, a prática docente. Seguindo esse raciocínio,

a professora Margot Ott (1984) menciona três momentos da história do planejamento

educacional, categorizado como: Princípio Prático, Instumental /Normativo e o Participativo.

A primeira categoria relaciona-se ao modelo tradicional de educação, na qual o

planejamento era realizado sem muita sistematização, pois os planos serviam de roteiros a

serem consultados por vários anos, assemelhados à “prática do papel carbono”, que a cada

início de ano era preciso apenas atualizar os dados da capa do mesmo, contendo os dados de

identificação da turma.

Estes planejamentos eram aplicados independentemente da realidade, como

modelos inquestionáveis, e segundo Vasconcelos (2006, p. 28), não eram bem planejamentos,

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eram roteiros que se aplicariam fosse qual fosse a realidade. Nesta concepção, o plano se fazia

presente na sala de aula e servia de guia para o trabalho docente.

Ainda, na mesma categoria, porém sob a influência de outro modelo pedagógico,

o do escolanovismo, o planejamento assume o papel da não-diretividade do ensino, com

ênfase na criatividade e no interesse dos alunos. O planejamento era feito a partir de temáticas

de caráter amplo, propiciando apenas ao professor uma ideia do que poderia acontecer a partir

da sala de aula. Havia, inclusive, a ideia implícita de que os alunos davam a tônica da aula e

colaboravam no ato de planejar.

No final da década de 1960, o planejamento passa a adotar outra característica, a

do Instrumental/Normativo. Trata-se de uma época influenciada pelo modelo educacional

tecnicista, em que a prática pedagógica dava-se a partir do controle, da eficiência e da

produtividade. Fato este, que remete o planejamento à estratégia de resolução dos problemas

de ensino e de aprendizagem.

Nesta concepção, o planejamento seguia o rigor metodológico, com o

cumprimento da sequência rígida, estipulada na elaboração, realização e avaliação. O rigor do

planejamento começava pela escolha dos verbos adequados a serem utilizados para redigirem

os objetivos gerais e específicos. Nos cursos de formação docente, as disciplinas de Didática e

de Metodologia do Ensino, faziam-se valer do uso da lista de verbos para elaboração dos

objetivos, como condição essencial para o bom planejamento. Para a elaboração dos objetivos

de ensino, os professores selecionavam o verbo para indicar a ação esperada do discente. A

partir dessa seleção direcionava-se a escolha das atividades de fixação bem como subsidiava

a elaboração das provas e a sua correção. Havia a categoria dos verbos abertos, destinados

aos objetivos gerais, pois eram de longo alcance. Já os verbos fechados, eram empregados na

elaboração dos objetivos específicos, pois remetiam a uma ação imediata. Essas categorias de

verbo são, até os dias de hoje, mencionadas pelo professorado como indicativo para

elaboração dos objetivos educacionais. De acordo com Vasconcelos (2006, p. 29):

Essa exigência técnica para elaborar o planejamento justificou, ideologicamente ,

sua centralização nas mãos dos “especialistas” (do Estado ou das escolas), fazendo

parte de uma ampla estratégia de expropriação do que fazer do educador e do

esvaziamento da educação como força de conscientização, levando a um crescente

processo de alienação e controle exterior da educação.

A ideia do planejamento associada ao controle da atividade docente manifesta-se

como justificativa para negar essa prática, embora de forma velada. Essa ideia acirrou-se

ainda mais nas instituições escolares, com o surgimento da figura do Supervisor Escolar, no

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final da década de 1960, sob influência do modelo norte-americano do “Inspetor Escolar”.

Adquiriu mais força com o advento da LDB 5692/71, que institucionalizou este profissional

em todas as escolas de 1º. e de 2º. graus, muito embora a função já existisse.

Nesse contexto, a figura do Supervisor Escolar surgiu, conforme Vasconcelos

(2006, p. 30) , como um profissional que:

[...] traz para dentro da escola a divisão entre os que pensam, decidem, mandam e se

apropriam dos frutos, e os que executam, uma vez que até então, o professor era o

ator e autor de suas aulas, sendo, que a partir daí, entre ele e o seu trabalho passa a

colocar-se a figura do técnico.

Esse processo contribuiu para a desvalorização do trabalho do docente, bem como

para o mito do planejamento, que uma vez elaborado era garantia da boa prática docente.

Estabeleceu-se então, a relação de que o professor que planeja bem ensina bem. É nesse

contexto, que surge com grande influência no meio educacional, o uso do livro didático,

acompanhado de um manual, que requer apenas, a condição de leitura prévia e de posterior

aplicação, na sua íntegra, em cada turma de alunos, assim como a adoção de técnicas de

ensino, como a do Estudo Dirigido.31

Ainda nessa mesma linha, aparece posteriormente, a

idéia de Qualidade Total, que propõe à escola eficiência e qualidade, porém com roupagem do

neotecnicismo e de cunho conservador.

Em decorrência do movimento de redemocatização do ensino, por volta da década

de 1990, surge a concepção do Planejamento Participativo como mecanismo de construção

coletiva e de enfrentamento dos educadores ao modelo anterior. Aqui, para Vasconcelos

(2006) , passa a ser valorizado a participação, o diálogo, o poder coletivo, a formação crítica a

partir da reflexão sobre a prática da mudança.

Nessa perspectiva, há o rompimento do planejamento funcional ou normativo.

Ele passa a ser instrumento de intervenção na realidade, com vistas à sua transformação e

compromisso com o social.

Vasconcelos (2006), diz que planejamento é o processo de reflexão, com tomada

de decisão, para colocação em prática do que foi pensado, mediante a avaliação dos resultados

31 O estudo dirigido teve sua aplicação, principalmente, durante a década de 1970, e pode-se notar que nas séries

do ensino de 1º grau os livros didáticos e os programas oficiais incentivaram os professores no uso desta técnica.

O trabalho dirigido desenvolvido com os alunos franceses, durante a experiência das “classes novas”, nos anos

60, repercutiu nas escolas brasileiras nas décadas seguintes. O estudo dirigido difundiu-se em companhia da

instrução programada. A instrução programada, mais utilizada na elaboração dos exercícios dos livros didáticos,

tinha como base teórica as pesquisas de Skinner sobre o reforço positivo, que por meio do reforço das ações

corretas, aumentava a probabilidade de repetição deste ato, o que conduzia a um maior número de

comportamentos desejáveis. Nessa técnica, o aluno desenvolvia suas atividades. sem acompanhamento de um

professor e dependeria da assimilação individual e gradual dos conhecimentos para completar as tarefas.

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obtidos durante a execução. Atribui ao plano, o produto desta reflexão e da tomada de decisão

que, como tal, pode ser explicitado em forma de registro, documento ou não.

A partir desse entendimento, o planejamento enquanto processo, compreende

dois subprocessos: o da elaboração e o da realização interativa.

Durante o processo da elaboração, obtêm-se o plano de intervenção da realidade,

por meio da intencionalidade. Segundo Vasconcelos (2006), trata-se do momento da reflexão

“grávida”de intervenção da realidade, estabelecendo-se a relação dialética entre a reflexão e a

ação, com momentos de predominância da reflexão ou da ação, porque ambas constituem a

práxis.

Assim, ao elaborar o plano de ação é necessário colocá-lo em prática, a partir do

que foi pensado antecipadamente, garantindo o processo de planejamento. Desta maneira,

configura-se o ciclo do planejamento, que por meio da realização interativa, coloca-se em

prática (ação), aquilo que foi elaborado (reflexão), mediante a avaliação das ações, conforme

expressa o quadro abaixo:

Figura 1 - Ciclo do Planejamento

Fonte: Vasconcelos, 2006, p. 81.

Ao representar o ciclo de planejamento dessa forma, o autor reafirma que

planejamento requer elaboração e realização interativa, o que implica avaliação, tanto no

processo quanto no momento de conjunto, corroborando com a indissociação do planejado

com o executado e com a vinculação da ação com a intencionalidade, o que caracteriza a

práxis.

Além disso, justifica a ideia de que o planejamento enquanto processo é

permanente, e o plano, enquanto produto é provisório. A obtenção do plano como produto do

planejamento remete à sua execução e, durante esta realização, o compromisso de

acompanhamento requer atenção para qualquer sinal de interferência. No caso de algum

(Re) Elaboração

Realização Interativa

Avaliação de Conjunto

Avaliação de Conjunto

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impeditivo ou dificuldade, recorre-se à reflexão para nova tomada de decisão, por isso o

processo de planejamento torna-se permanente e o plano enquanto produto é provisório.

Gandin (2000) diz que o planejamento comporta possibilidades de transformação

ou de conservação social, conforme a ideologia do grupo que o lidera, porém envolve

questões de qualidade, missão e poder. Associa a predominância de um desses elementos a

cada uma das três linhas de planejamento classificadas por ele: gerenciamento da qualidade

total, planejamento estratégico e planejamento participativo.

A concepção do planejamento como Gerenciamento da Qualidade Total,

apresenta caráter mais conservador, pois aponta mudanças para aprimorar o processo

industrial e pós-industrial, com viés econômico. O valor econômico é supremo e primordial.

Visa ao lucro, decorrência natural do processo. Além disso, a satisfação do cliente, a

eficiência, o modelo hierárquico de funções, com a padronização de tarefas, de procedimentos

e de resultados são elementos essenciais . Nesta abordagem, a participação adquire o caráter

de colaboração ou de decisão em assuntos menos relevantes.

Assim, para Gandin (2000, p. 25), este modelo fundamenta as concepções de

missão e de participação, pois

[...] Firma-se logo a compreensão de que não há forças maiores para incrementar a

qualidade humana do que a crença - sempre ligada a uma missão – e o espírito de

pertença – facilmente forte quando existe qualquer tipo de participação.

Já o planejamento estratégico adquire a característica de rever as atitudes frente a

um momento de crise, a fim de adequar finalidades às estratégias adotadas, com vinculação

entre qualidade e participação. No planejamento participativo, as questões da qualidade, da

missão e da participação são valorizadas e fazem parte do processo de integração, na prática,

os aspectos operacionais e estratégicos, que segundo Gandin (2000, p. 28-29),

[...] parte de uma leitura do nosso mundo na qual é fundamental a idéia de que nossa

realidade é injusta e de que essa injustiça se deve à falta de participação em todos os

níveis e aspectos da atividade humana. A instauração da justiça social passa pela

participação de todos no poder. Isto quer dizer que a construção de uma sociedade

nova, a superação da crise, se quisermos seguir no mesmo modo de falar, passa pela

participação de todos. Essa participação significa não apenas contribuir com uma

proposta preparada por algumas pessoas, mas representa a construção conjunta de

que falo no livro Escola e transformação social, p. 80-83. Significa, também, a

participação no poder que é o domínio de recursos para realizar a própria vida, não

apenas individualmente, mas grupalmente. O planejamento participativo é o modelo

e a metodologia para que isto aconteça.

Por isto, o planejamento participativo, enquanto instrumento e metodologia, isto é,

enquanto processo técnico, abre espaços especiais para a questão política.

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O surgimento dessa concepção de planejamento está associada às necessidades da

Igreja Católica que, na época do Concílio do Vaticano II, propunha uma nova caminhada,

embasada na participação como forma de mudança. Essa proposta fora incrementada por

grupos de brasileiros, também ligados à Igreja, com a inclusão do método científico no

modelo de planejamento.

Segundo Dalmás (1998), é considerado ideal o planejamento que envolve as

pessoas como sujeito, desde a sua elaboração e com a presença constante na execução e

avaliação. Compartilhando desse entendimento, Vianna (apud Dalmás,1998 ) diz que o

homem como ser social, partilha vivências e busca realização pessoal na participação

comunitária, propondo

Uma nova forma de ação, cuja força reside na participação de muitas pessoas,

politicamente agindo em função de necessidades, interesses e objetivos comuns. Um

planejamento flexível, adaptado a cada situação específica que envolva decisões

comunitárias e que se constitua em processo político vinculado à decisão da maioria.

Um planejamento que tenha por objetivo final a formação do brasileiro, individual e

socialmente considerado, a partir do engajamento da maioria para mudanças

estruturais.

O planejamento participativo caracteriza-se pelo estabelecimento do diálogo como

elemento fundamental para troca de experiências, compartilhamento de idéias e de tomada de

decisões. Além disso, requer capacidade de análise e crítica da realidade, com atitudes de

respeito, de escuta, de partilha, a fim de estabelecer ações capazes de transformar o meio.

Trata-se de um modelo que se efetiva à medida que empodera o grupo, que

envolve uma metodologia para planejar. Gandin (apud DALMÁS, 1998, p. 26), sugere três

linhas a serem seguidas, são elas:

o primeiro modo é planejar PARA a comunidade: neste modo de planejar, o poder é

exercido de maneira autocrática, dominadora e até ditatorial. A participação na

elaboração é nula. No que se refere à execução é imposta. [...] A gestão, neste

modelo, é uma administração ou direção exercida por alguém e não por todos. É

assumida por um pequeno grupo, uma parte, nunca o todo;

um segundo modo de planejar é COM a comunidade: neste momento o poder está a

serviço. A participação da comunidade, na preparação e elaboração do plano, é

controlada. A execução do plano acontece a partir do consenso e do resultado de

uma negociação. Neste modelo de planejamento existe a co-gestão. [...] Na

realidade, a participação é insignificante e pequena. Às vezes ilusória. O poder

continua nas mãos de poucos, que o controlam constantemente.

um terceiro modelo é o planejamento da comunidade: aqui, o poder é exercido como

um serviço. A gestão é da comunidade, e será chamada de auto-gestão. A

participação da comunidade na preparação, na elaboração do planejamento, em sua

execução e em seu resultado é co-responsável e de comunhão.[...]

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Ao propor intervenção na realidade, o planejamento participativo, requer

criatividade, conhecimento e capacidade de compreensão do grupo possuir. Dalmás (1998),

afirma que o encontro de pessoas, por meio de debates e diálogo, promove decisão e também

a capacidade de assumir as realidades comuns, propiciando tanto crescimento pessoal quanto

comunitário.

Embora este tipo de planejamento apresente inúmeros benefícios, Vianna, 1986

(apud Dalmás, 1998) destaca dois riscos para esta prática, primeiro, o da assessoria

especializada que pode manipular os interesses da maioria comunitária, determinando o que

fazer, como, quando e por que fazer. E segundo, quando a coordenação utiliza a informação e

a comunicação para manipular , politicamente, a comunidade.

A realização do planejamento participativo, além de promover crescimento

pessoal e do grupo, assume a possibilidade de transformação ou de renovação das estruturas e

das relações na educação formal.

Dalmás (1998), diz que o planejamento precisa responder a três perguntas

básicas: o que alcançar? (UTOPIA); a que distância se está do que se quer alcançar?

(DIAGNÓSTICO) e o que será feito para diminuir a distância? (PROGRAMAÇÃO). E que

metodologicamente, o processo do planejamento perpassa quatro passos.

O primeiro passo prevê a determinação das diretrizes gerais. Envolve o conjunto

das concepções conceituais, dos objetivos e dos conteúdos sobre os aspectos teóricos que

permeiam a realidade a ser transformada. Essas diretrizes, relacionam-se com o IDEAL,

movidas pela utopia.

Então, a utopia adquire a função de força motriz e provoca o desencadeamento do

processo do planejamento. Está imbuída do fazer diferente, de perseguir em busca do ideal,

do que se imagina para uma determinada realidade. Busca aproximar a distância da realidade

constatada com o ideal que se pretende.

Esse movimento relaciona-se diretamente com a ideia de homem, de sociedade e

de educação que se obtém, e, segundo Dalmás (1998), requer um referencial teórico,

composto pelo conjunto do Marco Situacional, Marco Doutrinal e Marco Operativo.

No Marco Situacional (MS) ocorre a descrição da realidade em que se vive e em

que se trabalha. Não é isenta da percepção pessoal nem de direcionamento, porém carrega a

concepção do grupo que planeja. Com isso, assume caráter participativo, com vistas a

realização no futuro, que pretende situar-se num contexto, a partir da análise da situação local,

regional, estadual, nacional e até mundial.

Gandin (2000, p. 40), diz que a realidade pode ser concebida como,

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global, incluindo todo o complexo sócio-econômico-cultural; ela é assim

classificada por abranger a totalidade, tanto de conteúdo natural e humano, como de

espaço;

do campo de ação do grupo ou da instituição que planeja; esta realidade se

restringe, assim, à educação, ao sindicalismo, à saúde ou a qualquer outro setor de

atividade humana dentro do que opera a instituição ou o grupo que planeja;

do grupo ou da instituição, realidade restrita e específica do processo planejado.

O autor menciona ainda, que a realidade pode ser vista sob o ângulo da visão,

como existente e desejada. Refere-se à primeira, como sendo um determinado conjunto de

seres, ideias, símbolos, etc., que num determinado momento se faz presente. E a segunda,

como o mesmo conjunto mencionado anteriormente, porém proposto como rumo a ser

perseguido. Diz ainda, que o planejamento atua na realidade institucional existente, pois é

nela que a prática pode ser construída e/ou modificada.

No Marco Doutrinal (MD), busca-se a orientação para a nova ação, marcada pela

utopia e sendo assumida por todos que participam do planejamento. Envolve os princípios

pedagógicos, sociológicos, antropológicos, etc., que se tem do homem e da sociedade.

Conforme Dalmás ( 1998, p. 31),

Em função da utopia, no MD, deverá ficar declarado:

o modelo de pessoa que, se julga, todos devem desenvolver, aqui e agora, para

viver e agir;

o modelo de sociedade que se apresenta como proposta;

o modelo de educação que se quer assumir.

E no Marco Operacional (MO) ocorre a tomada de posição do grupo de

planejamento em relação ao como proceder, agir. Indica o caminho a ser percorrido por todos

após a escrita do plano. Dalmás (1994), sintetiza esses marcos da seguinte maneira: “diante de

um mundo assim...( MS); propõe-se condições assim...(MD); por isto, a nossa escola

funcionará assim...( MO).”

O segundo passo do planejamento envolve o diagnóstico, condição indispensável

para elaborá-lo. É por meio do diagnóstico, levantamento das características e das condições

da realidade, que se propõe a diminuir a distância entre a realidade e a utopia.

Para Dalmás, ( 1998, p. 32), para realização de um bom diagnóstico é preciso

obedecer aos seguintes passos:

avanços – identificar os avanços transformadores conseguidos e as forças que

ajudaram e foram apoio. Há muitas contribuições favoráveis;

limites – constatar os limites, as dificuldades e os problemas que atrapalham os

avanços. Há forças de resistência, que contribuem desfavoravelmente para se

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conseguir avanços. Num processo de planejamento participativo transformador , os

problemas se tornam desafios;

necessidades – a partir dos avanços e dos limites, determinar as necessidades

mais urgentes, considerando a impoirtância de reforçar os avanços e superar as

limitações. Em outras palavras, trata-se de definir prioiridades.

Como terceiro passo do planejamento é apontada a programação, que determina o

momento de executar as ações pretendidas para resolver os problemas ou atender as

necessidades, a fim de transformar a situação apresentada. É o empenho para diminuir a

distância entre a realidade existente com a realidade pretendida.

E como último passo, a avaliação. Ela é constante, perpassa todo o processo do

planejamento, pois confere os resultados obtidos.

Dalmás (1998, p. 34) declara que

A avaliação é o motor que assegura o dinamismo do plano, pela constante

atualização através de sucessivas revisões e reformulações. Possui duplo aspecto: de

controle e de realimentação. Está presente no todo e em cada parte.

A avaliação confronta os resultados alcançados com os resultados desejados

(objetivos), para analisar as causas dos acertos ou dos desvios ocorridos.

Os quatro passos do planejamento já apresentados, contribuem para identificar os

momentos que o contemplam. Eles não são indossociáveis, mas sim integrados e

interdependentes.

Gandin (2000), diz que o planejamento pode ser classificado quanto ao nível de

participação, nível de poder, bem como quanto à forma de sua administração. Apresenta

então, dois níveis de planejamento: o político e o operacional. Salienta que ambos são

interligados, pois do político emana o operacional e este realiza as propostas do político.

O planejamento operacional trata dos meios necessários para a execução.

Preocupa-se com a definição das técnicas e dos instrumentos, busca a eficiência, remete à

resposta de curto prazo. Envolve questionamentos sobre o “como” e sobre o “com que”. Por

outro lado, o planejamento político, busca atender o “para quem” e o “para quê”, é

globalizante, trata dos fins, busca a eficácia, é realizado num período de médio e de longo

prazo.

Gandin (2000, p. 37) diz que:

Talvez fosse útil dizer que o planejamento político serve à transformação, é um tipo

(um nível) que sobressai nas épocas de crise, isto é, nas épocas em que a

humanidade, uma sociedade ou um fim de seus setores se reestrutura (ver “Crise e

respostas ...”). Enquanto isto, o planejamento operacional serve à manutenção, à

melhoria de uma estrutura tida como boa e possível de aperfeiçoamento (ver “Um

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modo de pensar a mudança”); sobressai em época de calmaria ou quando se pensa

(para aqueles que assim pensam) que estamos num mundo estruturado.

Enfim, o planejamento político estabelece uma direção, um horizonte, capaz de

fortalecer os objetivos tanto da instituição quanto do grupo ou do movimento que está sendo

planejado. Já o planejamento operacional busca encaminhar as ações para a realização frente

aos objetivos e ao direcionamento. Embora ambos sejam importantes, há uma tendência em

dar maior ênfase ao planejamento operacional em detrimento do político, pelo fato de ser

utilizado como referencial nos cursos de Administração e ao mesmo tempo estar associado

como tarefa principal da profissão.

Esta ideia, desencadeia duas concepções falsas. Primeiro, ao vincular a figura do

administrador como responsável ou com o poder para pensar sobre os rumos e/ou sobre as

decisões a serem tomadas. Desta forma, há centralização na sua figura, enquanto os demais do

grupo assumem a postura de colaboradores, meros participantes do processo.

Em segundo lugar, associa o planejamento como única e exclusiva função do

administrador,o qual assume o papel de buscar os meios, mesmo que não haja fins, pois não

considera sua atribuição defini-los. Há uma grande tendência a que o planejamento não se

efetive, porque ao sentir-se ameaçado pela crítica, o administrador transfere o poder aos

grupos, justificando que estes são autônomos.

Então, a administração passa a ser uma tarefa específica que requer preparação e

que deve ser exercida por determinadas pessoas, de preferência eleitas, ou mediante indicação

consensuada, para que a ação fique centrada no planejamento operacional. E quanto ao poder,

ele precisa ser revesado entre os membros do grupo, pois segundo Gandin ( 2000, p. 38),

Naturalmente há aqui uma premissa fundamental, sem a qual nada disto tem sentido:

embora as pessoas tenham tarefas, saberes, condições...diferentes, elas são

fundamentalmente iguais e, por isso, o poder - e os recursos que o sustentam- devem

ser repartidos igualmente.

Esta ideia é reforçada pela característica da sociedade em que se vive, pois numa

época em que é preciso construir a cada instante uma visão de mundo, essa tarefa não é

exclusividade de alguns poderosos ou técnicos, todas as pessoas possuem capacidade para

descobrirem ou compreenderem os fatos que materializam a participação.

Segundo Gandin (2000), a participação pode ser exercida em três níveis: o da

colaboração, o da decisão e o da participação. A colaboração ocorre à medida que a

autoridade, pessoa responsável pelo planejamento, solicita a contribuição dos demais do

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grupo para a validação da proposta da autoridade. A participação acontece mediante o

trabalho, o apoio ou mediante ao silêncio frente às propostas da autoridade. É uma forma de

manutenção do status quo, decorrente da submissão.

O segundo nível, o da decisão, implica uma aparente democracia, na qual o chefe

preconiza que a decisão será proveniente do grupo. Apresenta as questões em plenária e as

submete a escolhas entre as alternativas já traçadas anteriormente, pelo chefe.

O último nível, o da participação, requer a construção e a decisão em conjunto, no

grupo, pois o poder está com as pessoas e não somente no chefe imediato a elas. Todos

crescem juntos, transformam a realidade a partir do trabalho de equipe e com realização de

todos. É claro também, que a condição de participação apresenta algumas dificuldades, dentre

elas, a resistência dos que estão acostumados com os privilégios do poder, e a falta de

metodologia para realizar o processo participativo.

Assim, as questões de participação e de administração ficam diretamente

vinculadas ao seu período de duração. Aqueles planos de médio e de longo prazo necessitam

da maior participação do povo, uma vez que a administração será pequena. Já naqueles planos

de curto prazo, em que prevalece o operacional, cresce a presença da administração, porque

sobressaem as questões referentes aos meios, recursos e tempo.

Além disso, o planejamento participativo requer um caráter de cientificidade, ao

adotar um método e acompanhá-lo durante a realização para verificar a sua funcionalidade na

realidade aplicada. Por isto, Gandin (2000, p. 58) afirma que

[...] planejar é construir a realidade desejada. Não é só organizar a realidade

existente e mantê-la em funcionamento ( isto seria apenas planejamento operacional,

a administração) mas é transformar esta realidade, construindo uma nova. Como

alguém que construísse uma casa: há uma realidade existente, composta pelo terreno

e pelos recursos; e há uma realidade desejada, a casa; todo o processo consiste em,

na tensão entre as duas realidades, construir a realidade idealizada ou, pelo menos,

aproximar-se dela ao máximo. É bom insistir que o planejamento não é só fazer a

planta e administrar os recursos mas é, antes de tudo esclarecer o ideal, o sonho, o

que sempre envolve a discussão de valores e de hierarquia.

O processo do planejamento participativo viabiliza uma práxis social docente

constituída de três etapas distintas e interdependentes, iniciando pela elaboração caracterizada

pelo campo das ideias – concepção e das possibilidades e que culmina com a concretização

das mesmas em um plano, podendo ser escrito ou não. Ao obter-se o plano, este sempre de

caráter provisório, pressupõe-se o desenvolvimento da segunda etapa, a da realização

interativa. Ao colocar em prática as ações do plano, torna-se necessário avaliar os resultados

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obtidos para dar continuidade ao que foi planejado ou para refazê-lo. Desta maneira, retrata-se

o seu caráter dialético, embasado na reflexão-ação-reflexão, que é adotado no planejamento

integrado, descrito no próximo capítulo.

O planejamento integrado assume características do planejamento participativo ao

ser construído coletivamente, por um grupo de professores no decorrer de cinco anos. além

disso, assume o caráter de cientificidade, pelo método em que é desenvolvido , bem como o

caráter político e operacional do planejamento e o da práxis social.

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5 O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA NO CURSO DE NUTRIÇÃO

No presente capítulo apresenta-se e analisa-se a prática do planejamento

integrado, desenvolvida no Curso de Nutrição, de uma universidade do estado de Santa

Catarina. Dá-se o enfoque ao planejamento integrado como espaço de formação continuada

do docente da educação superior, às etapas desse tipo de planejamento, a contribuição dele

para a formação continuada dos docentes, bem como as possibilidades e os limites para

realizá-lo.

A experiência do planejamento integrado surge em decorrência do compromisso

da instituição para concretizar sua missão, visão e valores, o que resultou na implementação

de algumas ações, nas últimas décadas. Dentre elas destaca-se a nova forma de organização

dos cursos: a Unidade Acadêmica (UnA). Além da finalidade de gestão compartilhada, a UnA

objetiva garantir o caráter pedagógico calcado em ensino, pesquisa e extensão.

Em 2005, os cursos dessa universidade catarinense, foram agrupados em quatro

UnAs: Educação, Expressão e Comunicação, Gestão e Jurídica, Tecnológicas e da Saúde.

Em 2010, este agrupamento recebeu outra denominação, mas congrega os mesmos cursos das

respectivas áreas.

Ao serem criadas as UnAs, surge, uma nova função na universidade, o

profissional da Assistência Pedagógica, vinculado à Pró-Reitoria de Ensino, Pesquisa e

Extensão, com o papel de assessorar pedagogicamente a implementação dos Projetos

Pedagógicos dos Cursos da UnA. Para isso, realizam diagnósticos constantes sobre as práticas

pedagógicas e planejam ações a serem desenvolvidas com base nos diagnósticos realizados.

As ações da Assistência Pedagógica são planejadas com a coordenação de curso e

realizadas conjuntamente com a congregação de cada curso. Ocorrem por meio de reflexões,

reuniões espaços de discussões, de estudo e de avaliação, bem como realizam atendimentos às

demandas advindas da UnA, de cada curso e do corpo discente, referente ao fazer pedagógico.

Tem ainda como objetivo, criar situações que auxiliem a modificação da cultura pedagógica

instituída no cotidiano do(s) curso(s), quando isso for necessário, para implementar

adequadamente o projeto pedagógico.

Além disso, o Assistente Pedagógico identifica e propõe, em conjunto com o

Programa de Formação Continuada, ações de formação docente, bem como, acompanha o

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processo de seleção, alocação e avaliação do quadro docente da UnA, visando à melhoria da

qualidade do ensino.

O trabalho desenvolvido nas UnAs consolida-se na implementação do Plano de

Ação elaborado a partir da realidade e das necessidades de cada grupo, no final de 2005,

sendo elaborado pelo conjunto de coordenadores e pela assistência pedagógica,

proporcionando o fortalecimento da identidade, bem como o sentimento de coletividade e de

autonomia que lhes são conferidos.

Com a criação da UnA, surge também o planejamento das suas ações e dos

cursos, o que se denominou de Plano de Ação. A partir do diagnóstico dos cursos que

compõem a UnA da Saúde, elaborado pela assistência pedagógica, em 2005, o Plano de Ação

foi concebido coletivamente, com o objetivo de implementar os Projetos Pedagógicos de

Cursos (PPCs) no cotidiano dos cursos da UnA da Saúde. Para isso, cada congregação de

curso, apresentou proposições, que se desdobraram em ações, com os respectivos

responsáveis e período a serem realizadas.

Na maioria dos cursos da UnA da Saúde, apareceu a necessidade de integrar as

disciplinas para proporcionar uma abordagem interdisciplinar do conhecimento. Para

operacionalizar essa necessidade, foi implementado o Planejamento Integrado, como

estratégia de relacionar os saberes, propiciando a construção do conhecimento, de maneira

interdisciplinar. Porém, no decorrer da sua implementação, configurou-se também, como

espaço de formação continuada dos docentes, devido à sua prática reflexiva, que possibilita

mudança e/ou adoção de novas práticas pedagógicas. Tal prioridade surgiu a partir da

compreensão de que seria urgente o alinhamento dos PPCs dos cursos da UnA da Saúde no

que tange à organização curricular, pautada tanto nas Diretrizes Curriculares do MEC quanto

nas orientações da Atenção Básica à Saúde, o que requer uma nova dinâmica curricular.

A organização curricular reflete o contexto vivido, bem como a opção que o

sistema educativo pretende transformar em conteúdo para um nível de ensino ou para uma

instituição educacional, reflete uma opção cultural.

Essa idéia é reforçada por Sacristán (1998, p.34) ao explicitar que o currículo “[...]

é o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado,

que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal

como se acha configurada”. Desta forma, passa a ser visto e entendido como um componente

cultural, à medida que traduz valores e perspectivas de uma determinada época ou sociedade.

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Ao recorrer à etimologia da palavra “currículo’, que se deriva do latim

curriculum, quer dizer “pista de corrida”, “caminho a ser seguido”. O caminho percorrido

define o pensamento e explicita a identidade.

Na atualidade, currículo compreende todas as experiências e conhecimentos

proporcionados aos estudantes, no cotidiano escolar, tanto por meio do currículo explícito

quanto do currículo oculto. Essas experiências e conhecimentos são construídos a partir das

determinações dos órgãos governamentais, na condição de currículo explícito ou oficial que

passam pela organização da instituição, assumindo a condição de currículo real. Este, por sua

vez, submete-se ao planejamento do professor, incluindo os fatos, conceitos, procedimentos

e/ou atitudes a serem desenvolvidas, bem como a incorporação das suas ideologias,

configuradas no que se denomina de currículo oculto. Assim sendo, o currículo manifesto,

aquele que demonstra o resultado da aprendizagem pelo aluno, sofre a influência de todos os

outros tipos de currículo.

Santomé (1998, p.95), reforça essa idéia, assim se manifestando:

[...] o currículo pode ser descrito como um projeto educacional e desenvolvido a

partir de uma seleção da cultura e das experiências das quais deseja-se que as novas

gerações participem, a fim de socializá-las e capacitá-las para ser cidadãos e cidadãs

solidários, responsáveis e democráticos. Toda instituição escolar quer estimular e

ajudar os alunos a compreender e comprometer-se com a experiência acumulada

pela humanidade e, mais concretamente, com a sociedade na qual vivem.

Nesta concepção, o currículo assume papel de responsabilidade frente ao conjunto

de dados relativos à aprendizagem escolar, organizados para orientar as atividades educativas,

as formas de executá-las e suas finalidades. Geralmente, exprime e busca concretizar as

intenções dos sistemas educacionais e o plano cultural que eles personalizam como modelo

ideal de educação e de formação defendido pela sociedade. A concepção de currículo inclui

desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e sociopolíticos da

educação, até os marcos teóricos e referenciais técnicos e tecnológicos que a concretizam na

sala de aula.

Na opinião de Silva (2002, p. 15), outro elemento a ser considerado é “[...] o que

eles ou elas devem saber? Qual o conhecimento ou saber é considerado importante ou válido

ou essencial para merecer ser considerado parte do currículo?”. Conhecimento este que requer

ser construído a partir das relações entre os assuntos das disciplinas curriculares, pois, sem

dúvida, a forma clássica de organização dos conteúdos, ainda hoje predominante, é o modelo

linear disciplinar, ou o conjunto de disciplinas justapostas.

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Sabe-se que, na hierarquização dos níveis de colaboração e integração entre as

disciplinas propostas por Jean Piaget (apud SANTOMÉ, 1998, p. 70), distinguem-se

multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, como sendo:

[...] 1. Multidisciplinaridade. O nível inferior de integração. Ocorre quando, para

solucionar um problema, busca-se informação e ajuda em várias disciplinas, sem que

tal interação contribua para modificá-las ou enriquecê-las.Esta costuma ser a

primeira fase da constituição de equipes de trabalho interdisciplinar, porém não

implica em que necessariamente seja preciso passar a níveis de maior cooperação.

2. Interdisciplinaridade. Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a

cooperação entre as várias disciplinas provoca intercâmbios reais; isto é, existe

verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, conseqüentemente, enriquecimentos

mútuos.

3. Transdisciplinaridade. É a etapa superior de integração. Trata-se da construção de

um sistema total, sem fronteiras sólidas entre as disciplinas, ou seja, de uma “teoria

geral de sistemas ou estruturas, que inclua estruturas operacionais, estruturas de

regulamentação e sistemas probabilísticos, e que una estas diversas possibilidades

por meio de transformações reguladas e definidas”.

Na organização linear de currículo por disciplina, consegue-se, na maioria das

vezes, estabelecer a multidisciplinaridade ora como forma de integração dos assuntos, por

meio dos planejamentos a cada início de semestre, ora como proposta de provocar o diálogo

entre as disciplinas distintas e oferecidas no mesmo semestre e/ou na mesma área.

Para Santomé (1998), os cursos que apresentam uma organização curricular

disciplinar remetem a sérias dificuldades, entre elas: o não estabelecimento de relações entre

os assuntos pelos alunos, a incapacidade de solução de problemas, a inflexibilidade na

organização (tanto no tempo como no espaço e dos recursos humanos), o desestímulo da

atividade crítica e da curiosidade intelectual, o não incentivo ao estudo nem à pesquisa

autônoma.

Dessa maneira, instituições educacionais assumem uma postura de ressignificação

da atividade de ensino na busca constante de reforçar a importância do estabelecimento de

relações entre os conhecimentos necessários em cada área de formação, visando à organização

dos currículos integrados. Segundo Pring (apud SANTOMÉ, 1998, p. 112), é necessário

distinguir interdisciplinaridade e integração.

[...] a primeira denominação mais apropriada para referir-se à inter-relação de

diferentes campos do conhecimento com a finalidade de pesquisa ou de solução de

problemas. Nesta modalidade, as estruturas de cada área do conhecimento não

seriam necessariamente afetadas em conseqüência deste trabalho de colaboração e

não se originaria uma nova estrutura de conhecimento. O vocábulo integração,

como a própria palavra sugere, “significa a unidade das partes, que seriam

transformadas de alguma maneira. Uma simples soma ou agrupamento de objetos

distintos ou de partes diferentes não criaria necessariamente um todo integrado.

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Assim, os cursos da UnA da Saúde implementam, a partir do primeiro semestre de

2007, o planejamento integrado, como mecanismo de disseminar a integração dos saberes e de

promover a cultura do multiprofisssionalismo32

entre os seus cursos.

A seguir, apresenta-se a visão dos professores articuladores do planejamento

integrado, que relatam a sua experiência, enfocando: o ingresso na docência universitária, as

etapas do planejamento integrado, os limites, as possibilidades e a contribuição do mesmo

para a formação continuada dos docentes.

5.1 O INGRESSO NA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: MOTIVAÇÃO E

FORMAÇÃO INICIAL

Ao analisar as entrevistas, percebe-se que o motivo do ingresso na docência no ensino

superior ocorre de maneira ocasional, sem preparação prévia e que se dá por vários motivos,

sendo que um dos mais recorrentes é o convite da coordenação do curso ou dos gestores

responsáveis pela alocação, conforme relata um dos professores: “Durante a graduação , não

tinha intenção de ser docente. [...] mas foi muito mais como desafio por ter aceito o convite da

coordenadora, perguntando se eu gostaria de dar aula.” Um outro professor corrobora essa

afirmação dizendo que:

Não foi uma motivação, na verdade, quando eu vim para cá não existia o curso de

Farmácia e de Nutrição, me pegaram de surpresa. Um belo dia, a diretora do centro,

me ligou, perguntando se eu não dava uma disciplina no curso de Farmácia, porque

ela não estava conseguindo ninguém para dar a disciplina. Aí, eu vim, falei com ela,

peguei o material e disse: Se eu achasse que dava conta, nesta disciplina, eu vinha.

Comecei a estudar e a trabalhar, foi lá por 1992 ou 1993, então não foi uma coisa

que eu pensei, preparei, eu resolvi que iria ser, não.

Há também os que iniciaram as atividades na docência por indicação de seus

professores dos cursos de graduação, mediante o desempenho escolar obtido. Manifestaram

que o motivo do convite foi proveniente do desempenho obtido, como aluno, e que a

32 Com a implementação do modelo de saúde SUS ( Sistema Único de Saúde), adota-se o trabalho da Equipe de

Saúde da Família (ESF), lotadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSF). Essas equipes seguem os preceitos do

Programa de Saúde da Família (PSF), com atuação multiprofissional , que envolve a participação de diferentes

profissionais da saúde para atender a complexidade da atenção primária, que envolve o contexto pessoal, familiar

e social, bem como a promoção, prevenção e reabilitação da saúde.

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indicação ocorrera em caráter de substituição do quadro docente, ora por motivo de licença

médica, ora por motivo de aposentadoria, conforme os relatos a seguir:

[...] e aí, surgiu, muito antes de eu imaginar ou esperar qualquer oportunidade, um

convite em 2007, através de uma professora, que foi minha professora na graduação,

mas que ainda estava por aqui, a profa. de parasitologia, para eu assumir uma

disciplina na enfermagem, por conta de uma impossibilidade dela, temporária, a

princípio,por conta da disciplina no doutorado.

Outro professor, elata: “Então, quando eu tive uma disciplina de Anatomia

Humana, a professora estava próxima de se aposentar e ela disse que pelo meu empenho na

disciplina, ela ia se aposentar e ia me indicar. Deu certo, ela me indicou e eles me convidaram

para trabalhar a disciplina.”

Essas falas reforçam a idéia defendida por Pimenta e Anastasiou ( 2010), ao

dizerem que a maioria dos docentes universitários não possuem formação específica para a

docência, que dormem profissionais, técnicos e acordam docentes. Muito embora, um dos

professores entrevistados, tivesse cursado dois cursos de licenciatura, com formação voltada à

educação básica e, segundo ele, essa formação inicial contribuiu para o desempenho da

docência do ensino superior: “Olha, teoricamente, a gente é muito bem formada. Não vejo

muita diferença não, porque na prática pedagógica, aluno é aluno e o comportamento dele é

conforme o grau de maturidade que ele tem. ”

Outro professor relatou que mesmo escolhendo um curso de bacharel em nutrição,

fazia parte do seu projeto de vida profissional, o exercício da docência, pois: “[...] Quando eu

ingressei na faculdade, um dos objetivos de ser nutricionista é que eu gostaria de ser

professora universitária. Posso dizer que é uma realização pessoal, eu tracei um objetivo,

queria ser nutricionista e queria ensinar e passar adiante.”

A maioria dos professores entrevistados possui pouco tempo de experiência na

docência do ensino superior, em média, até cinco anos de prática docente, possuem contrato

de trabalho horista com a instituição, tem como formação inicial, o curso superior de nutrição

e pós-graduação em nível de Especialização e de Mestrado, conforme demonstra a tabela a

seguir:

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Tabela 1 - Formação dos Professores Articuladores do Planejamento Integrado - Nutrição

Curso de Graduação Curso de Pós-Graduação

Lic.

Matemática e

Ciências

Biológicas

Farmácia e

Análises

Clínicas

Nutrição Especialização Mestrado Doutorado

01 02 04 03 03 01

TOTAL: 07 TOTAL: 07

Fonte: Entrevista semiestruturada, Nov. 2011.

Fica evidente, na fala dos professores, que a formação inicial não enfoca nem os

prepara para a prática docente. Afirmam que esta ocorre a partir dos modelos que constituíram

durante a vida acadêmica ou durante as experiências que obtiveram na vida familiar e/ou nas

relações sociais.

Entretanto, Tardif ( 2002), diz que os saberes da formação profissional, os saberes

pedagógicos, são decorrentes da formação inicial ou continuada e que congregam um

conjunto de saberes transmitidos pelas instituições formadoras, apoiados pelas ciências

humanas e pelas ciências da educação.

Os professores mencionam as dificuldades que encontram no início da sua vida

profissional, como docente, por não terem uma formação inicial pedagógica. Esse fato fica

evidente na fala de um professor que relata o seguinte:

O primeiro semestre, eu posso garantir que foi um pouco difícil, pois eu mal tinha

tempo para preparar as aulas e eu já comecei na instituição, como uma carga horária

de 6 h/a e esta carga horária aqui na instituição, são 6 h/a corridas, de aula. A gente é

colocado na arena dos leões, ninguém te prepara e ninguém te explica como dividir

estas 6 h/a. Eu confesso que tive ajuda da minha cunhada, que é pedagoga. Quantas

vezes fiquei ao telefone, pedindo ajuda e suporte, porque eu tinha que fazer e não

sabia como. Então, o primeiro semestre não foi uma coisa muito prazerosa, não dá

nem para pensar.

Outro professor menciona a dificuldade no exercício da docência, pois segundo

ele:

Quando eu entrei, caí de pára-quedas para dar aulas. [...] Até trabalhava com

pesquisa, desenvolvimento de novos produtos, que envolvia muita pesquisa,

realmente, projeto de pesquisa e tudo mais. Então, tinha uma idéia do que teria que

estar fazendo, mas para entrar na sala de aula, eu vim meio crua.

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Esses depoimentos apontam a necessidade da formação docente, embora, em

alguns cursos de graduação ou em alguns programas pós-graduação existam a oferta de

disciplinas com esta característica, são insuficientes, conforme explicita um professor

entrevistado:

Eu não consigo identificar uma formação formal pedagógica, embora a gente tenha

uma disciplina na graduação de Educação Nutricional, mas ela é muito técnica, não

tem papel de formação pedagógica. E na Especialização, também não. Os

conhecimentos pedagógicos que eu tenho, eu fui buscar para além da minha

formação curricular, nos projetos de extensão e em outros espaços “n” da formação

acadêmica para eu poder conseguir uma visão teórica e prática das questões

pedagógicas.

Outro professor corrobora a percepção do anterior, dizendo o seguinte:

A disciplina que focou para a docência foi na especialização, porque eu fiz a

disciplina de Didática do Ensino Superior, em 1999. O mestrado eu fiz em 2002, por

aí. Mas, eu acho, que a disciplina da Especialização não valeu, pois foi uma

disciplina estranha. Sabe quando terminou o semestre e tu não sabes o que foi feito.

[...] A gente cumpriu a carga horária e não teve o conteúdo. Era Didática do Ensino

Superior, mas não teve didática nenhuma. O curso todo foi voltado à comunidade,

vai à comunidade, monta equipe, independente do objeto da disciplina. Foi uma

coisa muito doida [...]

Nesse contexto, evidencia-se a necessidade da formação continuada, no decorrer

do exercício profissional, refletindo o paradoxo que se vive atualmente entre a preparação e a

formação do docente universitário, apontadas por Pimenta e Anastasiou (2010), que refletem

sobre o princípio da preparação e não sobre o princípio da formação, que deve ocorrer

preferencialmente nos programas de pós-graduação stricto sensu. Porém, o que se observa na

prática, é que esta formação fica a cargo de inciativas individuais e/ou institucionais, mesmo

que de forma esparsa, pois os programas de mestrado e de doutorado, na maioria das vezes,

estão organizados para a formação de pesquisadores que desenvolvem habilidades distintas

das da docência.

Esta afirmação fica evidenciada na fala de um professor, ao relatar o seguinte: “O

mestrado de Ciências da Saúde, apesar dele dar este suporte para a docência, pela disciplina

de Metodologia do Ensino Superior, eu vejo ele mais voltado para o conhecimento, na área da

pesquisa”. Percebe-se também, que o enfoque da formação docente é diferenciado,

dependendo de cada programa de stricto sensu, conforme nos relata outro professor:

O mestrado me ajudou a rever a minha prática docente principalmente quando eu

cursei a primeira disciplina, a de Epistemologia, não tinha nem noção de como se

trabalhava a parte do conhecimento, por não ter prática, pois como a gente não tem

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disciplinas da licenciatura, não se trabalha nada da pedagogia. Duas disciplinas

foram importantes para mim, tanto a parte da Epistemologia quanto a das Teorias da

Educação, pois me abriu um campo muito grande, de como lidar em sala de aula.

Porque tem várias teorias e a gente começa a ler os diversos autores, vê como eles

pensam e abordam as questões que envolvem a educação. [...] Pode ser que se eu

tivesse feito mestrado em outra área, não tivesse estudado as questões pedagógicas,

que é o que o mestrado em educação me oportunizou.

Observa-se que, os programas de stricto sensu necessitam atender aos seus reais

objetivos, que são o da formação para a docência e o da construção do conhecimento pela

pesquisa e, para isso, os interessados precisam escolher, de forma criteriosa, o programa que

melhor atende as suas expectativas, conforme destaca um outro professor: “Eu espero que o

mestrado me dê a formação pedagógica, porém eu preciso escolher muito bem o mestrado que

irei fazer. Isso é um dos critérios para escolha do programa que eu vá entrar”.

A formação pedagógica pode ocorrer de várias maneiras, de maneira mais

sistematizada, formal ou informal, por meio das experiências, o que é bastante comum,

conforme relata um dos entrevistados:

Hoje a discussão sobre a formação docente está vinculada nos espaços formais, na

pós-graduação. Eu não tenho mestrado e isso me falta. Não consigo buscar o

mestrado agora por “n”motivos mas tem falha. Enquanto formação continuada, nos

espaços formais, eu venho buscando e a instituição oferece oportunidades. Então

isso eu faço. Eu tenho alguns espaços informais que eu procuro potencializar, são

estas discussões, nas próprias disciplinas e aquilo que eu faço e discuto fora da

instituição.

A sensação de despreparo para a docência é consenso, assim como o fato de ter

que buscar alternativas para enfrentar esse desafio, por meio da formação continuada. Porém,

o que permanece na caminhada de se fazer docente são as certezas de que se está sempre

aprendendo e que o exercício da docência acontece pelo gosto, pelo prazer de ser professor.

Para ratificar a necessidade da constante busca, do eterno aprender, ressalta-se a fala de um

professor que diz o seguinte: “Acho que tem que gostar para poder aprender , aprender com os

alunos, porque é uma troca, eu passo algumas coisas que eu sei, mas eu aprendo muito com

eles... estou aprendendo há seis anos”. Já, para enfatizar o gosto, o prazer de ensinar,

apresenta-se a fala de outro professor, que sintetiza da seguinte maneira: “Quando eu assumi

uma turma, eu vesti a camisa e acho que no bolso da camisa tinha um potinho de cachaça e eu

bebi aquela cachaça e fiquei viciada naquela cachaça, pois eu não consigo mais, largar a

docência.”

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130

5.2 A EXPERIÊNCIA DO PLANEJAMENTO INTEGRADO: TEMPO DE

REALIZAÇÃO, IMPORTÂNCIA, ETAPAS, LIMITES, POSSIBILIDADES E

CONTRIBUIÇÃO PARA O APERFEIÇOAMENTO DA PRÁTICA DOCENTE

O planejamento integrado, como prática docente, surge a partir de 2006, na

universidade em questão, como uma das estratégias para articular as disciplinas, promovendo

a construção interdisciplinar do conhecimento dos acadêmicos, oriundo da intenção dos

docentes, que no ano anterior elaboraram um Plano de Ação.

O objetivo do planejamento integrado fica explícito na fala de um professor, que

diz:

O planejamento integrado, surgiu por ser um dos requisitos de avaliação dos cursos

e como o curso entraria no processo de reconhecimento logo em seguida, a gente

começou para que no momento do reconhecimento já estar desenvolvendo a

atividade. O foco era a interdisciplinaridade, mas a gente começou por ser uma das

metas do curso e para articular as disciplinas, como exigência do MEC.

Na UnA da Saúde, à qual o curso de Nutrição está vinculado, a prática do

planejamento integrado ocorreu de maneira e em momentos diferenciados, pois a

implementação das ações acontecia na velocidade e/ou prioridade prevista no próprio Plano

de Ação ,ou pela motivação do coordenador e da sua congregação.

O Curso de Nutrição iniciou a prática do planejamento integrado a partir do ano

de 2006. No início, nem todos os semestres participaram, alguns professores demonstravam

pouco interesse e/ou descrença na própria ação proposta por eles. Então, a estratégia do

planejamento integrado começou com três semestres, sendo que, a partir de 2007, houve a

adesão de todos, conforme menciona um professor:

Chegamos num momento agora, que não se muda muita coisa. Não se muda porque

a coisa está caminhando, são poucos os semestres, talvez a sétima e a segunda fase,

que eu vejo, que tenham que mexer um pouco.A sétima fase, pela dificuldade dos

professores entenderem a necessidade e a importância realmente de aderirem a

projeto. A segunda fase, por termos passado pelo período de mudança de currículo,

ela ficou meio perdida. Então, a segunda fase não está assim firme. Primeira fase

está consolidada. A terceira fase foi a primeira fase que podemos dizer, que

funcionou. Depois veio a quarta fase. A partir do momento que a terceira e a quarta

fase estavam firmes, começamos a estimular os outros. Ai, veio a sexta, acho que

hoje todas as fases estão trabalhando.

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Outro professor menciona o seguinte:

Na Nutrição, acho que eu sou pioneira. Acho que por muito tempo eu levantei a

bandeira, para não dizer que fui a pioneira, eu tive muito apoio da coordenadora do

curso, pois se ela não tivesse me apoiado, eu teria desistido. [...] E começou a tomar

espaço, volto ao início da minha fala, que para a gente conseguir algo, precisa-se

conquistar e foi uma conquista, foi árdua, mas foi uma conquista. [...] porque foi

suado e hoje ele é reconhecido em toda a instituição. Eu trabalho com outro projeto

integrador, em outro curso e ele só tem integrador no nome, porque nenhum

professor se interessa, eu cansei de convidar professor, porque se é integrador, não é

para se trabalhar sozinho [...]

Todos os professores entrevistados apontam a importância do planejamento

integrado para a construção do conhecimento interdisciplinar e como estratégia de articular os

saberes dispostos numa organização curricular por disciplina. Essa concepção reforça a

prática do planejamento integrado como espaço de formação continuada. Para salientar essa

importância, um professor manifesta:

Eu tenho muito claro sobre a importância do integrador para a formação dos alunos,

tentando romper aos longos dos anos, o processo do ensino superior e aqui não é um

caso específico da nossa instituição, tentando romper ao longo dos anos essa

formação fragmentada que temos e que passava aos alunos a responsabilidade de

integrar os conhecimentos obtidos ao longo da sua formação. A importância do

planejamento integrador está justamente aí, fazer com que os docentes compartilhem

e integrem estes saberes com os acadêmicos. Fazerem com que estes saberes possam

ser integralizados e pensar em estratégia de ensino e de aprendizagem de maneira

que os alunos consigam integrar. Para mim ele tem uma importância muito grande,

porque eu tenho clareza, que a formação que a gente teve ,ela tem vários problemas.

O planejamento integrado, como ação intencional e consciente, segundo

Vasconcellos (2006), perpassa pelas três etapas: a elaboração, a realização interativa e a

avaliação. Elas são indissociadas e, por meio da realização interativa, coloca-se em prática (

ação) aquilo que foi elaborado (reflexão), mediante a avaliação das ações. Caso ocorra

qualquer imprevisto, será (re)elaborado, configurando, assim, a concepção de ciclo do

planejamento.

Considerando a primeira etapa do planejamento integrado, a da elaboração, os

professores relatam que ela ocorre de forma participativa, envolvendo os professores do

semestre. Mencionam que esta etapa define o tema, os objetivos, os conteúdos a serem

trabalhados em cada disciplina para desenvolver o tema, os procedimentos a serem utilizados,

contemplando a descrição da atividade, o período de realização e até também a data da

apresentação, os instrumentos e critérios de avaliação, bem como a definição do professor

articulador, num formulário padrão. Essa instância, possibilita ao docente a organização da

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sua prática bem como a ressignifica e por sua vez, configura-se em espaço de formação

continuada.

A figura do professor articulador, de forma sistematizada, ocorreu a partir do

segundo semestre do ano de 2007, em virtude das avaliações realizadas em congregação do

curso , que mostravam a fragilidade da condução do processo do planejamento integrado, pois

havia contradição entre os próprios docentes na orientação do que era planejado, causando

confusão ou desmotivação nos discentes, conforme relata um professor: “O compromisso de

organizar e encaminhar é do articulador, tem que ter uma pessoa responsável. Até nós

decidirmos ter um articulador era difícil [...].”

A partir desse momento, os professores decidiram que todos participariam da

elaboração e da orientação da atividade, na sua disciplina e que se instituiria um dos

professores do semestre para ser o articulador.

Cabe ao professor articulador fazer a apresentação da atividade à turma, explicar

como funciona, manter informado os professores do semestre sobre quaisquer problemas e/ou

imprevistos durante a realização da atividade, acompanhar a realização e cumprir o

cronograma previsto. Conforme demonstra um dos professores: “como articulador, a gente

tem a definição das metas, ou seja, cada processo e passar aos alunos, dizendo como vai ser a

atividade, qual é o objetivo da atividade, quais são as etapas que eles têm que percorrer”.

Outro professor, relata o seguinte:

Depois de elaborado, a gente monta, em forma de projeto, num formulário próprio.

Aí coloca-se os objetivos, os objetivos específicos, o geral, a gente coloca tudo que

vai acontecer, todo o procedimento da atividade . Já coloca também os critérios de

avaliação da atividade.[...] Quando a gente vê que está perfeito, que é isso mesmo

que a gente quer, então, eu como articuladora apresento aos alunos. Explico todas as

etapas da atividade. Tudo o que vai acontecer, todas as atividades, de pesquisa, de

busca da informação , o que eles precisam buscar. É marcado então, já no próprio

planejamento, uma data para apresentação e local. Aí, eu peço auxílio dos

professores para que orientem sobre a sua parte. Oriento também, sobre o dia da

apresentação, sobre a exposição do trabalho. E no dia da apresentação, todos os

professores estarão presentes, isto já é marcado em calendário, aí os professores

conseguem se organizar.

A etapa da elaboração ocorre num primeiro momento, em reunião presencial, por

semestre, a convite da coordenação do Curso, com a presença da assistente pedagógica,

conforme a fala de um professor: “No início do semestre os professores se reúnem e definem

as atividades que cada semestre vai desenvolver, juntamente com o orientador pedagógico e o

coordenador do curso para definir as atividades e nortear as competências que a atividade

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precisa desenvolver em cada disciplina.” Esses depoimentos, reforçam a ideia de que o

planejamento integrado possibilita formação continuada aos docentes, mesmo que ocorra em

espaços informais e dissociados do programa de formação institucional.

Ocorre ainda, troca de e-mails, entre os professores, liderados pelo articulador,

para fazerem os ajustes necessários ao planejamento. Posteriormente, cada professor do

semestre anexa o roteiro do planejamento integrado ao plano de ensino da sua disciplina.

Durante a primeira semana de aula, o articulador, apresenta o planejamento integrado à turma,

no horário da sua disciplina. Inicia-se, então, a segunda etapa, a da realização interativa. De

acordo com um professor: “o trabalho vai sendo desenvolvido e acompanhado pelos

professores.[...] Ao longo do semestre, cada um na sua disciplina, mas sempre tentando a

promoção da interdisciplinaridade, que o aluno perceba essa necessidade”. Outro professor

comenta ainda que:

[...] No primeiro dia de cada disciplina, pelo menos é isso que a gente pede, o

professor apresente o plano de ensino e neste plano ele já diga o que se quer. O que

na disciplina dele vai ter que realizar na atividade integrada. [...] Na implementação,

no dia da reunião, é escolhido um coordenador, um articulador. Ele é que entra em

contato com todos os outros. Ao longo do semestre, os professores vão se

comunicando com o articulador para ver se tem alguma alteração.

A etapa da realização interativa permite fazer os ajustes necessários ou não

previstos durante a primeira etapa, a da elaboração. Para Vasconcellos (2006), o

planejamento, por ser processo torna-se permanente e o plano, enquanto produto, é provisório.

Seguindo esta idéia, um professor menciona que:

Então, nós pensamos em organizar de uma forma, entretanto na hora da execução,

você encontra algumas dificuldades que não foram percebidas durante a discussão.

A discussão é teórica e a prática é uma realidade um pouquinho diferente. E aí nessa

prática, os alunos começam a trazer algumas dificuldades, demandas que precisam

ser resolvidas e aí percebemos a necessidade de fazermos algumas intervenções , as

vezes alguns detalhes que precisam ser melhor esclarecidos ou variáveis que

precisam ser controladas no trabalho para que possam ser corrigidas ou se

normalizem para que o acadêmico possa desenvolver as atividades e apresentar o

resultados e objetivos alcançados.

A apresentação dos trabalhos realizados ocorre no final do semestre, numa

semana prevista em calendário, quando as equipes de cada semestre apresentam os resultados

da atividade para todos os alunos do Curso. Nessa semana, as aulas são suspensas, os alunos

comparecem ao auditório e os professores do semestre escalado para apresentar a atividade,

assistem, questionam e avaliam. Existe ainda um outro momento de socialização do

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planejamento integrado, uma reunião de congregação, na qual os articuladores apresentam aos

colegas os resultados da atividade. Conforme o depoimento deste professor: “Hoje a gente

faz a Semana da Atividade Integrada. Esta semana é prevista em reunião de congregação , no

começo de cada semestre, a gente apresenta os trabalhos do semestre, em síntese, vê como é

que foi, avalia [...].” Esses momentos de socialização, permite a troca de experiências, de

metodologias, que configura-se mais uma vez, em espaço de formação continuada.

Já a etapa da avaliação do planejamento integrado, ocorre segundo os

entrevistados, no início do semestre posterior, antecedendo a elaboração do próximo

planejamento integrado, por meio de conversa, analisando os aspectos positivos e os aspectos

que necessitam ser melhorados. É um processo que analisa a realização da atividade frente aos

objetivos propostos, mediante as ações realizadas e os resultados obtidos, que reflete sobre a

própria prática e representa um dos objetivos da formação continuada. Após essa discussão,

começa o processo de (re) elaboração do próximo semestre, concretizando assim, o ciclo do

planejamento, pautado na concepção de planejamento dialético, de Vasconcellos (2006),

que se fundamenta pela reflexão-ação-reflexão.

Para a maioria dos articuladores, a etapa da avaliação ocorre em dois momentos.

No final do semestre, culminando com a apresentação dos trabalhos e com a emissão de uma

nota para os alunos, e, no início do semestre subsequente, para pensar a nova proposta.

Declara um professor: “[...] Então isto normalmente ocorre no final da atividade integrada. A

partir dela, a gente observa e considera o que podemos fazer para o próximo semestre. E isto,

eu já observei que a gente conseguiu evoluir bastante [...].” Outro professor complementa

dizendo, que:

No final, todo o semestre, não sei se estou confundindo as datas, não sei se é no final

do semestre ou no início, a gente senta e faz uma avaliação com todos os resultados.

Na verdade, a gente discute no final do semestre para pontuar, por e-mails, entre os

professores envolvidos. O que você achou , de uma maneira geral. [...] Quando

inicia o semestre, a gente faz uma avaliação porque vai iniciar o semestre ,vai

iniciar o próximo projeto integrador e a gente vê, será que vai ter mudança ou não,

pois temos uma ficha que a gente preenche [...]

Entretanto, dois entrevistados manifestam insatisfação na estratégia utilizada para

avaliar o planejamento integrado, que ocorre por meio de conversas, sem anotações, conforme

diz o professor a seguir: “ [...] Tínhamos que ter uma ficha de avaliação para pontuar se

atingimos ou não os nossos objetivos, pois nós que não somos da área pedagógica,

recorreríamos a esta ata para não esquecermos[...].” Já outro professor, argumenta da seguinte

maneira:

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Bom, avaliação, para mim, é um processo ou uma etapa dentro do processo de

organização do projeto integrador. Eu não percebo a etapa de avaliação como um

processo elaborado, sistematizado. Acho que passa por pensar num instrumento, de

registro.[...]. A avaliação dos resultados dos trabalhos apresentados é feita de

maneira informal. Acho que teria que pensar num instrumento para avaliar, também

não sei se o instrumento daria conta de avaliar ou dar conta de um bom

planejamento ou qualquer coisa. Mas eu acho que é um começo. Penso que

precisamos pensar com mais carinho, dentre as três etapas, na etapa da avaliação do

projeto integrador.

Mesmo assim, os professores mencionam que o planejamento integrado contribui

para o aperfeiçoamento da sua prática docente e, inconscientemente, atribuem a essa

metodologia, à sua própria formação continuada. Esse pensamento fica explicitado, a medida

que referem-se ao fato de proporcionar-lhes troca de experiências; a reflexão sobre a

organização da sua disciplina e a contribuição dela para a formação do egresso; colabora para

a construção do conhecimento interdisciplinar; favorece a criação de exemplos em sala de

aula, a partir das experiências dos outros semestres; oportuniza a socialização entre os

professores; aumenta a motivação para trabalhar com os alunos; estimula o respeito entre os

colegas; permite a valorização e a importância das disciplinas; faz pensar no uso de

estratégias diferenciadas para o ensino, para aprendizagem, bem como no uso de instrumentos

e critérios diferenciados para avaliar o acadêmico; propicia reflexão sobre o sentido da

avaliação; incentiva a pesquisa e a busca pelas informações, além de relacionar a teoria com a

prática.

Para ilustrar isso, um professor diz:

[...] É mais uma metodologia de ensino aprendizado, em que o aluno precisa ser

mais pró-ativo e o professor também. Então, isso exige , um desafio, que ambos,

professor e aluno saibam, pesquisem, resolvam as dificuldades[...]”. Outro fala que:

[...] faz pensar um pouco, pois a nossa disciplina não é a única no semestre[...]”.

Enquanto para outro: “ Em relação a minha profissionalização, isso agrega bastante,

primeiro porque tu consegue te socializar com os demais professores e segundo

porque eu me sinto mais motivada para trabalhar com os alunos[...].”

E mais um professor se manifesta dizendo que: “para mim acrescenta a forma de

como eu monto o semestre para melhorar o aprendizado do aluno.”

A partir dessas declarações fica explícita a relevância do planejamento integrado

como estratégia para a formação continuada, pois são revelados os ganhos e a maturidade

pedagógica que os professores adquirem nos momentos de troca de experiências. Os

entrevistados reafirmam também, que a formação continuada ultrapassa as instâncias dos

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espaços formais e institucionalizados e que a busca pelo fazer docente mais qualificado e

comprometido permite a sua atualização.

De acordo com os professores a prática do planejamento integrado, por acontecer

numa construção coletiva, passa maior segurança ao docente, permite um maior entrosamento

entre eles e favorece uma maior interação com os projeto pedagógico do curso, como explicita

um professor:

[...] E através desta convivência, cada vez mais entramos em contato com o projeto

do curso. [...] Fui lendo e vendo que certas coisas estão no projeto, muitas vezes

dizemos não faço porque não aceito, mas essa ação coletiva nos mostra que temos

que pensar no coletivo, mesmo que seja na nossa disciplina, é interessante, é

positivo.

Enfim, na visão dos professores, o planejamento integrado estimula a reflexão

sobre o processo de ensino e de aprendizagem, dinamizando a prática pedagógica, reflexo da

sua prática como espaço de formação continuada. Porém, eles salientam algumas limitações

para essa prática, dentre elas: a participação de todos os professores; a forma de decidir e de

avaliar coletivamente; falta de tempo dos professores, por estarem envolvidos com várias

atividades dentro e fora da instituição, como também, devido às variadas atividades que

exercem enquanto docente (dar aulas em diferentes cursos e/ou diferentes disciplinas,

orientador de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), supervisor de estágio, monitorias, entre

outras atividades); a forma de contratação/horista; a pouca clareza sobre a importância do

planejamento integrado; o comprometimento dos professores para executarem o que foi

planejado.

Tais limitações ficam evidentes na fala de diversos professores, como este, por

exemplo, que diz:

Primeiro, eu não sei se todos os docentes têm clareza da importância do projeto

integrador. Acho que para muitos professores é um ato mecânico e um ato penoso,

que reflete na fala dos alunos inclusive [...]. Segundo, o compromisso dos próprios

docentes, com aquilo que é planejado e aí, temos dificuldade de ao longo do tempo

termos momentos, no próprio semestre, do integrador, durante o projeto ser

executado e depois, momentos de avaliação do andamento dos projetos. Acho que

um dos entraves para fazer-se avaliações destes projetos, é que a maioria dos

docentes são horistas. Enquanto horistas, eles não tem tempo, fora da sala de aula,

para realizar estes momentos. Associado ao fato da não clareza, do não

comprometimento, vem o fato de eu não vou alocar espaço para que a gente faça a

avaliação, que possa discutir.

Outro coloca que:

[...] Então assim, cada etapa da atividade integrada é um desafio. A elaboração é um

desafio, a realização é um desafio, discutir a avaliação é um desafio e o maior

desafio ainda, é convencer os professores que precisamos motivar os alunos para

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participar da atividade integrada.Porque se o professor não vê a importância, o aluno

não irá ver a importância. E isso a gente encontra bastante. Todo semestre tem.

Apesar de tantas limitações apontadas, talvez mais do que vantagens, o planejamento

integrado se mantém no curso pesquisado. Vários professores justificam a permanência dessa

prática pedagógica, apontando que se faz necessário reorganizar os processos pedagógicos

frente às características da sociedade da era do conhecimento, elementos esses, que são

condicionantes da formação continuada. Isso ocorre por vários motivos, conforme relata um

professor: “[...] eu penso que muitos professores continuam fazendo por pedido, mas eu vejo

que outros continuam fazendo porque já viram que tem resultado”. Já outro diz que:

O integrador tem o papel de pensar sobre as relações entre o curso mas que cabe

pensar para além do curso. Fico pensando na possibilidade de termos projetos

integradores entre os cursos da área da saúde. São coisas que estão em voga tanto na

educação quanto na saúde. Cada vez mais, discute-se sobre a integralização das

atividades da área da saúde. Como é importante das profissões estarem pensando

juntas e não mais separadas como sempre foi. Aí, tu imaginas que salto que estamos

dando, pois até então os alunos eram formados para saber disciplina por disciplina

do seu curso e a partir de agora, quer dizer que ele não vai mais fazer disciplina por

disciplina. Além disto, ela vai integralizar os conhecimentos do curso , que vai

discutir junto com outros cursos da área da saúde. Então, é a concretização da idéia

da atuação multiprofissional numa abordagem interdisciplinar.

E, contribuindo com esta idéia de mudança que a estratégia do planejamento

integrado proporciona, outro professor diz que:

Quando o sujeito decide ser docente, ele precisa estar consciente e aberto para que o

desenvolvimento do seu trabalho, ao longo da sua vida como docente, vai passar

cada vez mais por processos de auto-avaliação, que exigem mudanças como

docente. O perfil é diferente [..] e a mudança é constante e seja a única certeza ,pois

nada é definitivo e o docente precisa realmente se aprimorar cada vez mais e

continuamente.

Isso significa que o fazer docente é permanente, porém a mudança é constante.

Vive-se num processo evolutivo, a ponto de se superar os limites e enfrentar novos desafios

por meio da formação continuada.

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5.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE: IMPORTÂNCIA, LIMITES,

NECESSIDADES E OS ESPAÇOS FORMAIS/INFORMAIS PARA A SUA

REALIZAÇÃO

A idéia da formação continuada decorre da necessidade de atualização

profissional. Segundo Veiga (2006), está associada à idéia de inconclusão do homem e

identifica-se com a idéia de trajetória, de percurso, de trajetória da vida pessoal e profissional.

Os professores entrevistados mostram-se unânimes quanto à necessidade da

formação continuada. Associam, principalmente, a idéia da formação continuada para o

exercício da docência ao fato de não terem recebido formação pedagógica, na sua formação

inicial, conforme nos diz um professor: “ ah... melhorou muita coisa, pois entra-se

nutricionista e não professor. [...] É que eu comecei a fazer cursos de capacitação . É ali que

eu comecei a ter experiência , convivência também, mas é ali que nos norteia bastante.”

Outro professor destaca a importância de realizar formação continuada, afirmando

que: “Hoje em dia, a nossa prática pedagógica tem que estar sempre mudada, porque hoje tu

encontras um perfil de aluno diferente, embora esteja a pouco tempo na docência, trabalhamos

com um perfil de aluno que há cinco anos atrás tu não encontravas”.

Este pensamento reforça a idéia de Rios (2002) ao dizer que a construção da

identidade do docente se faz no próprio exercício dela. É um fazer refletido e aprimorado, que

se manifesta no fazer pedagógico.

Durante as entrevistas, os professores manifestaram que a formação continuada

ocorre em espaços diferenciados e que atendem necessidades distintas. Mencionam, na sua

maioria, que buscam na própria instituição, por meio do Programa de Formação Docente, a

realização das suas capacitações, conforme nos relata um professor: “[...] Enquanto formação

continuada, nos espaços formais, eu venho buscando e a instituição oferece oportunidades.

Então isso eu faço”. Outro professor diz ainda que: “[...] Mas, a própria universidade e o

colégio que eu leciono, oferece semestralmente, cursos, nos quais eu estou sempre me

inscrevendo para ter a informação e me atualizar cada vez mais.”

A maioria dos professores, menciona que participa dos cursos de formação

docente, promovidos pela instituição, pelo menos, uma vez ao ano, e que, paralelamente,

buscam outros espaços formais e informais para se atualizarem tanto na parte pedagógica

quanto na parte profissional. Conforme o relato de um professor: “Eu procuro fazer alguns

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cursos de curta duração ou participar de algum evento e dentro da parte pedagógica, faço os

daqui da instituição e da parte profissional, tenho feito alguns que tem sempre em Porto

Alegre, são cursos de especialização, nos finais de semana.”.

A busca pela atualização é constante na fala dos professores. Alguns mencionam

que esta formação tem acontecido, de forma mais intensa, por meio do ingresso em programas

de pós-graduação, seja em nível de lato sensu ou stricto sensu. Esta ideia fica explicitada na

fala de alguns professores e evidenciada aqui, da seguinte maneira: “[...] fui fazendo

capacitação aqui dentro. Ai nesse meio tempo, eu senti que não era só aquilo ali, fui buscar a

especialização, depois fui para o mestrado.” Outro professor revela ainda que:

Então, eu sabia que nós tínhamos,aqui na universidade, programas de formação

docente e a partir do momento que a gente se envolve com a docência, surge a

necessidade da educação continuada, a questão do pedagógico, para que a gente

possa aprimorar a técnica docente, a questão dos métodos de ensino e de

aprendizagem e poder exercer cada vez mais a docência com qualificação. Enfim, e

aí naturalmente, eu entrei no Programa de Formação Docente, quando no finalzinho

de 2008, consultando o rol de especializações da universidade, encontrei um

Programa de Pós – Graduação, Lato Sensu, chamado de Docência para o Ensino

Superior . Pensei, preciso disso. Preciso disso porque isso vai me deixar mais apto,

vai me fornecer subsídios para eu exercer a docência. Eu estava decidido naquele

momento. Não hesitei não, fui atrás, fui lá à frente e me inscrevi. Entrei e não me

arrependo. Foi muito bom.

Além destes espaços formais de formação docente, os entrevistados mencionam

valorizar outros espaços que contribuem para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica,

são os ditos, por eles, como espaços informais. Um professor afirma que, sua formação ocorre

da seguinte maneira: “Tenho alguns espaços informais que eu procuro potencializar, são estas

discussões,nas próprias disciplinas e aquilo que eu faço e discuto fora da instituição.”

Os professores entrevistados demonstram, por meio das inúmeras falas, que o

planejamento integrado passa a ser um dos espaços informais da sua formação continuada,

viabilizando mudanças no fazer pedagógico. Uma destas mudanças, objeto constante da

formação docente, é a questão da organização da aula estar centrada na aprendizagem, com o

foco no aluno, capaz de ser agente ativo neste processo de construção do conhecimento,

ultrapassando a metodologia tradicional de educação. Isso é retratado na fala de um professor,

da seguinte maneira:

[...] isso implica que o professor saia um pouquinho da forma tradicional de ensino,

fica na frente falando, explicando o seu conteúdo, tentando de alguma forma

dialogar com o aluno em sala de aula, puxando com conversa e tal mais informal,

vendo quais são as concepções do aluno sobre aquele assunto, mas o professor está

lá na frente, no quadro ou no retro-projetor ou com data-show , na posição de

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superior aos alunos, eu tenho muito conhecimento , vou falar e o aluno ouve, pois

precisa aprender o que estou falando. É mais uma metodologia de ensino

aprendizado, em que o aluno precisa ser mais pró-ativo e o professor também.

Outra questão atribuída à prática do planejamento integrado como espaço

informal de formação docente é a contribuição para que os docentes diversifiquem as

estratégias de ensino e de aprendizagem, a partir da reflexão sobre a sua prática. É a adoção

da postura da prática reflexiva, reforçada por Gadotti ( 2005), ao dizer que o professor

precisa pensar sobre a sua prática para poder transformá-la. Este pensar possibilita, na visão

de alguns professores, o estabelecimento de relações entre os saberes do próprio curso e entre

os demais cursos da área da saúde. Além disso, permite uma formação interdisciplinar com

vistas ao atendimento integral do indivíduo, capaz de vivenciar práticas integrativas em saúde

e em consonância com as políticas públicas nesta área, conforme depõe este professor:

“Quando nós fizemos as nossas reuniões para reformulação curricular, para mim é muito claro

que as idéias e as premissas que temos a partir do integrador, se fazem presentes a medida que

discutimos a organização das certificações , as relações entre os cursos.”

Outra prática oriunda do planejamento integrado como espaço de formação

continuada do docente, é a de correlacionar os objetivos de aprendizagem com a metodologia

adotada e com a escolha do instrumento de avaliação, conforme a fala de um professor:

Na minha prática docente, ressalto a maneira de avaliar o processo de aprendizagem

diferente, valorizando o que ele está fazendo lá como aluno ao aplicar a parte do

conteúdo, aí é que eu consigo pensar melhor a atividade de sala de aula, porque eu

vou selecionar o conteúdo , então o meu objetivo é mostrar para eles como é que se

faz isto na prática, é uma extensão do que eu trabalho em sala de aula , porque

quando eles vão lá fazer a atividade integrada, eles estão aplicando ao mesmo tempo

aquilo que se trabalha em aula. Eu consigo ver não somente aquela parte em sala de

aula, no papel, mas sim como eles aplicam a parte da atividade, o que eles

vivenciam. É mais fácil tu fazeres o aluno entender como é que acontece o processo

de avaliação nutricional praticando do que a gente explicar na sala de aula, pois o

aluno a faz na prática .

Os professores comentam que conseguem avaliar o desempenho do aluno sem

aplicar provas e que o instrumento utilizado é tão ou mais eficaz que estas. Sem falar que as

atividades do integrador despertam interesse e motivação tanto para os alunos quanto para os

professores, pois requerem articulação da teoria com a prática. Esta percepção é mencionada

por um professor ao dizer que: “ Tem coisas muito mais importantes na avaliação que não

somente a prova e o projeto integrador com certeza , é uma destas formas, porque ele dá

conta daquele aluno que está pronto para este tipo de ação, da mesma forma que ele aponta

qual aluno que ainda precisa ser trabalhado”. Outro professor diz que: “[...] principalmente na

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flexibilidade da avaliação do aluno. Perceber que não é só prova, que existe várias formas de

avaliar, de ensinar também, não é somente ver o resultado final. Tanto é que todo semestre eu

repenso, quero mudar alguma coisinha e incentiva a fazer alguma coisa diferente”.

A concepção e o sentido da avaliação é outro aspecto percebido e manifestado

pelos docentes entrevistados, a partir do exercício do planejamento integrado. Esta prática

passa a ser incorporada mediante as discussões e/ou socializações realizadas durante o

processo do planejamento e, que configura-se como espaço de formação continuada. É mais

que uma fala, é uma prática vivenciada, que demonstra os resultados esperados e atingidos,

torna-se convincente e autoexplicativa, bem como motiva o ato de repensar a prática

educativa, dando sentido à figura e ao papel do professor.

O ato e a identidade de ser professor são construídos ao longo do exercício

docente e também por meio da formação continuada. Conforme Gadotti ( 2005, p. 41),

[...] A educação não é só ciência, mas também é arte. O ato de educar é complexo. O

êxito do ensino não depende tanto do conhecimento do professor , mas da sua

capacidade de criar espaços de aprendizagem, vale dizer, “fazer aprender”e de seu

projeto de vida de continuar aprendendo.

Aliado ao “projeto de vida de continuar aprendendo”, o professor precisa estar

motivado. Ele precisa gostar e vibrar com o que faz, precisa acreditar que faz a diferença. Só

assim, encontrará motivos para se reinventar, para se sentir desafiado a pensar de forma

diferente. Sentimentos vitais à formação continuada do docente, que alguns professores

associam à prática do planejamento integrado. É o que mostra este relato de um professor:

Em relação a minha profissionalização, isso agrega bastante, primeiro porque tu

consegues te socializar com os demais professores e segundo porque eu me sinto

mais motivada para trabalhar com os alunos. Quando eu consigo mostrar para eles o

quanto é importante aquilo ali, o valor que tem para o profissional que ele vai se

transformar, aquilo ali para mim já é a realização que precisava.

A motivação para a docência, como combustível essencial para o funcionamento

do motor, impõe a busca constante e, consequentemente, proporciona crescimento

profissional e/ou pessoal. O fazer pedagógico fica imbuído de sentido, ultrapassando os

conhecimentos técnico-pedagógicos, comprometendo-se com os aspectos éticos e políticos,

conforme destaca Gadotti ( 2005), um professor aponta para este fato a partir do seguinte

comentário:

Ou seja, eu fui avançando para obter o tipo de respostas que estamos obtendo hoje.

Os alunos se envolveram, isto foi uma realização que eu consegui, eles tem

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comprometimento e envolvimento comigo, com as disciplinas, com os colegas e

com o conteúdo. Eu me sinto realizada por isso.

Atribui-se também a este novo profissional, o “professor de sentido”, a sua

capacidade de continuar sempre aprendendo, refletindo sobre o que ensinar, por que ensinar,

como ensinar e para que ensinar. Esta reflexão constante, alimenta o docente e faz com ele

perceba que pesquisar faz parte da sua prática profissional e que segundo Freire ( 1997, p.32):

Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há

de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar

que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação,

a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o

professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador.

A necessidade de se perceber professor como sujeito que busca, que pesquisa, é

manifestada por alguns professores, a partir da vivência do planejamento integrado, como

mecanismo da sua formação continuada, como explicita o seguinte professor: “[...] Então, eu

tenho que estar sempre buscando, correndo atrás, porque praticamente todo semestre tem um

caso novo, uma coisa diferente e eu tenho que estar buscando para contemplar aquela situação

apresentada”. Outro diz que: “O planejamento integrado, por meio da atividade proposta, faz

com que eu tenha que estar sempre buscando informações para que eu possa auxiliar.”

Além de estimularem a investigação do professor, os alunos também são

desafiados a procurarem soluções, por meio da pesquisa. Essa prática pedagógica possibilita

crescimento para ambos, conforme destaca este professor:

Então, eu consigo observar facilmente que aquela atividade, aquilo que ele vai

precisar e quando ele vai apresentar para mim eu começo a anotar para mim, como

exemplos para as próximas aulas. Enfim, é um ganho para a organização das minhas

aulas futuras. Bom, quando a gente pede para que os alunos pesquisem, na pesquisa

dele, ele faz observações sobre o como ele faz relações com as disciplinas, eu acabo

recebendo aquela informação ali, o que eu nem imaginava que poderia ser, tornado-

se exemplos para a minha prática em sala de aula. Mas, não é só o exemplo e sala de

aula, eu percebo que quando o aluno pesquisa, essa busca interdisciplinar, ele

apresenta, demonstra uma postura acadêmica que não encontra sempre, abre um

leque, de como ele pode utilizar aquilo ali na prática.

O planejamento integrado como espaço de formação continuada atinge sua

contribuição crucial de significação e de relevância, que pode ser ilustrada a partir da

“Metáfora do Pintor”, dita pelo seguinte professor:

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Para mim, os ganhos obtidos com a prática do planejamento integrado são os de

visualizar a aprendizagem dos alunos, a integração e a aplicação do conhecimento.

A minha realização seria como a de um pintor, que começaria por um ponto e não

saberia aonde iria acabar. E quando eles apresentam o projeto integrador, eu sei que

aquilo começou num ponto e se transformou num lindo quadro, numa linda figura e

como quadro, não vai se perder no tempo.

A formação continuada, ocorra ela em espaços informais ou formais, além de ser

condição legal e vital para o exercício do magistério, possibilita mudanças culturais e desperta

a necessidade de atualização, conforme menciona Gadotti ( 2005, p. 31),

Para nós, a formação continuada do professor deve ser concebida como reflexão,

pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção

teórica e não uma mera aprendizagem de novas técnicas, atualização de novas

receitas pedagógicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas.

A respeito da formação continuada em espaços formais, alguns professores

relatam certas limitações, que originam a desmotivação e/ou a não adequação de temas. Esta

questão fica evidenciada nesta fala de professor: “Enquanto formação formal, eu acredito ser

ainda precária. Eu sinto necessidade de mais”. Outro professor menciona o seguinte:

O primeiro curso que tive foi de didática. Naquela época, todos os professores eram

obrigados a fazerem. E ainda relativo aos cursos de capacitação, tenho 13 anos na

instituição e eu fiz todos os cursos de capacitação, pois eu faço para aprender, para

usar como ferramenta em sala de aula, porque como eu gosto de aprender e ensinar ,

gosto de aprender e de estar sempre aprendendo. Mas, me machuca muito a

sistemática como é feito isto, porque tu aprende, tu aplica e o teu colega desaplica

aquilo que você está tentando construir. E isto acontece porque ele não tem

compromisso com a instituição ou a porque a instituição nunca valorizou quem fez.

Todo dia a gente aprende alguma coisa e a gente se constrói. Mas, quando a gente

começa a ser desrespeitado, desvalorizado , por um colega, que nunca fez uma

capacitação, que nunca veio a uma reunião pedagógica e ganha mais do você ganha.

Aí, você começa a se questionar: Será que vale a pena? Eu sou de uma parte antiga

da instituição, que faz as capacitações, mas o que eu acho importante é o prestígio e

a valorização. Sem estímulo não tem como. O estímulo pode ser visto de forma

financeira ou de forma da evolução.

Ainda, quanto à oferta dos cursos de formação docente, pela instituição, aparece a

fala de outro professor, que diz o seguinte:

[...] por eu ser de uma área totalmente diferente da pedagogia, não tenho a visão de

como é ser um professor. Primeiramente, a gente não tem a prática, entra para dar

aulas, mas entra-se aprendendo a ser professor. Apesar de ter todo o conhecimento

teórico, a dificuldade de transmitir é maior e tu vai ao longo do tempo,

aperfeiçoando isto. [...] agora quem está começando na universidade, aprendendo a

ser professor, às vezes, não consegue encarar aquela formação continuada com os

olhos de aprendizado. Hoje, eu encaro várias delas com outros olhos, porque a base

da epistemologia e a base da teoria da educação me dão outro embasamento.

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Em síntese, a importância da formação continuada para os docentes é

inquestionável, é manifestada na fala do professor, que nos diz o seguinte: “Acho que isto é

que faz a gente estar se atualizando, porque se tu achar que já sabe, podes ter certeza que é

muito pouco, porque a busca é constante.”

A formação continuada aparece vital à prática profissional, como decorrente de

ações formais ou informais.

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6 CONCLUSÃO

A profissão de professor universitário emergiu num contexto próprio, num dado

momento histórico, a partir das necessidades de uma sociedade. Com isso, percebe-se que o

fazer docente é histórico e temporal, além de requer o domínio do método de ensino. Para isso

acontecer, torna-se necessário que ocorra uma formação para a docência.

Atualmente, a formação do docente do ensino superior, atendendo os preceitos da

legislação educacional, encontra-se sob a responsabilidade dos cursos de pós-graduação, em

nível do stricto-sensu, que, direcionam os seus objetivos mais ao método da pesquisa do que

ao método de ensinar.

Esta afirmação se faz presente neste estudo, com base nas afirmações dos

professores pesquisados, professores articuladores, que manifestaram a ausência ou a

precariedade da formação docente pelos programas de pós-graduação, do stricto-sensu, por

eles frequentados. Ficou evidente, também, que a formação para a docência está diretamente

vinculada à natureza e ao compromisso do programa de pós-graduação, sendo inclusive

ressaltado, pelos docentes, que esta deveria ser uma condição para a escolha de ingresso numa

pós-graduação.

O ingresso na carreira de docente do ensino superior, no Brasil, esteve marcado,

historicamente pela preparação profissional e não pela formação docente. Fato este,

evidenciado na revisão de literatura e corroborado pelo autor desta pesquisa, mediante os

depoimentos dos professores entrevistados.

A maioria dos professores universitários ingressa na atividade da docência pelo

seu desempenho profissional e não pela sua formação pedagógica, que segundo Charlot

(2008, p. 94), requer o saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática

como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática. Esta

prática tem sido reforçada ao longo dos tempos como natural, ignorando que os saberes da

docência, independente do nível de ensino de atuação, são decorrentes da formação inicial e

continuada, e ambas, necessitam dos saberes pedagógicos.

A falta ou o pouco conhecimento dos saberes da prática pedagógica ficou

evidenciada, neste estudo, como elemento de dificuldade e de insegurança para o exercício da

docência universitária, pelo menos, nos primeiros anos de experiência, devido a não

existência desta, na formação inicial. Para Tardif (2002), os saberes profissionais são

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transmitidos pelas instituições de formação, apoiados pelas ciências da educação e pelas

ciências humanas.

Constatou-se ainda, que as práticas pedagógicas adotadas pelos professores

articuladores, em virtude da ausência ou da pouca formação inicial para a docência

universitária, incide na adoção de práticas reprodutivas ou imitativas referentes ao período da

aquisição dos saberes profissionais, na maioria, por meio de exemplos de seus professores,

daqueles que causaram empatia ou admiração, associadas às fontes sociais, oriundas, segundo

Tardif (2002), dos saberes pessoais, dos saberes da formação escolar anterior à formação

docente, dos saberes da formação do profissional para o magistério, dos saberes provenientes

dos programas e livros didáticos, assim como os saberes da própria experiência profissional.

Esta postura do docente é convergente com uma das fontes dos saberes

profissionais, a do período pré-profissional do saber ensinar, que envolve a história ou

trajetória pessoal e social de cada um, marcada pela fase inicial da docência, compreendida

num período de um a três anos de exercício profissional, e que para Tardif (2002), está

associada à fase da exploração. Neste período, os professores buscaram apoio pedagógico em

diferentes pessoas e espaços, que foi desde a orientação do coordenador do curso, das

conversas com os colegas, das trocas de experiências entre familiares com formação

pedagógica até os espaços de formação continuada oferecidos pela instituição e os espaços

acadêmicos, vivenciados por grupos e núcleos de pesquisa e por projetos de extensão.

Há, ainda, outra fonte de saberes profissionais, a do período dos saberes da

carreira profissional, adquiridos ao longo da própria experiência como docente, demonstrado

pelos professores participantes deste estudo, ao se referirem à maneira como conduzem o

processo pedagógico atualmente. Declararam que esta construção ocorreu a partir das

experiências obtidas em semestres, turmas e cursos percorridos até o momento, bem como,

fruto da formação continuada. É um processo que permite o repensar de suas ações para a

construção da identidade pessoal e profissional, de maneira individual e/ou coletivamente.

Ressalta-se também, que os saberes docentes, na sua prática, são provenientes da

integração de diferentes saberes, os saberes plurais. Segundo Tardif (2002, p. 55), a prática

docente se constitui por um saber plural, formado de diversos saberes provenientes das

instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana, o

saber docente é, portanto, essencialmente heterogêneo. Estes saberes decorrem da relação

entre eles e entre o próprio docente com o grupo que o produz e/ou pela relação dele com as

instituições formadoras, é um saber temporal, relativo à história de vida e à história de

carreira, a exemplo da prática do planejamento integrado, que possibilita essa troca e

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interação, fruto da participação no coletivo. Os saberes plurais são oriundos também dos

saberes da formação profissional, dos saberes da disciplina e dos saberes experienciais. A

grande parte dos professores da pesquisa, mencionaram que ao se depararem com o convite

para exercer a docência, buscaram referência nos saberes da formação profissional e nos

saberes experienciais para organizarem sua prática pedagógica. Os saberes da disciplina,

referentes ao desdobramento da ementa em objetivos, conteúdos, métodos de ensino, sistema

de avaliação, foram sendo adquiridos com o passar dos semestres, com a experiência

profissional e com a participação em cursos, palestras e oficinas pedagógicas oferecidas pelo

programa de formação docente da instituição. Ressaltaram também, que as reuniões de

professores, oriundas do planejamento integrado, acompanhadas pela assistência pedagógica,

contribuíram para refletir e organizar o fazer docente.

Durante a análise dos dados, percebeu-se que a maioria dos professores

entrevistados possui pouco tempo de experiência na docência. Mais da metade da amostra

exerce a docência por um período de até três anos, apenas dois professores, possuem mais de

dez anos, com experiência no magistério universitário.

A questão da formação continuada por meio do planejamento integrado fica

evidenciada neste estudo, à medida que os professores articuladores enfatizaram que para

exercer a docência é necessário discutir e compreender os aspectos relativos à ciência da

educação, ultrapassando a mera informação sobre as estratégias de ensino, bem como

privilegiar espaços que permitam a reflexão sobre a prática, conforme declara Tardif ( 2002,

p. 27),

Mas a prática docente não é apenas um objeto do saber das ciências da educação, ela

é também uma atividade que mobiliza diversos saberes que podem ser chamados de

pedagógicos. Os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou concepções

provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo,

reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes

de representação e de orientação da atividade educativa. [...]

A formação continuada, de forma sistematizada, referente à parte pedagógica,

para a maioria dos entrevistados, acontece por meio do programa de formação docente, da

própria instituição de ensino. Eles relatam que participam das atividades formativas, uma vez

ao ano e que estas deixam de abordar os fundamentos da educação, fator, que impede, na

maioria das vezes, a mudança de cultura e de prática pedagógica. Ressaltaram também, que a

participação nas diferentes modalidades de formação docente institucional ocorre de maneira

espontânea, não atingindo, desta maneira, a maioria dos docentes, o que na concepção dos

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entrevistados, gera desmotivação e/ou desvalorização profissional. Destacaram ainda, que

administram a sua formação continuada, na área específica de atuação, participando de

eventos e de cursos de curta e/ou de longa duração, como por exemplo, o ingresso nos

programas de pós-graduação.

Além dos fundamentos pedagógicos, torna-se necessário o cultivo e a adoção de

alguns princípios e valores no exercício da docência, apontados por Zabalza (2004), como

eixos de uma profissionalidade renovada na docência universitária, entre eles: a reflexão sobre

a própria prática, o trabalho em equipe, a orientação para o mercado de trabalho, o ensino

planejado a partir da aprendizagem e da didática, bem como a recuperação da dimensão ética

da profissão.

A postura do profissional reflexivo, principalmente na educação, é uma

característica fundamental para autoavaliar a sua prática e implementar os ajustes necessários

no processo pedagógico. Zabalza (2004), salienta que a prática pode reforçar o hábito, mas se

não for analisada, se não for submetida a comparações e se não for modificada, pode-se passar

a vida inteira cometendo os mesmos erros. Este repensar da prática possibilita trabalhar a

mesma disciplina de forma diferenciada, repaginada.

Pimenta e Anastasiou ( 2010, 78) ressaltam

A mediação reflexiva é tarefa complexa que exige conhecimentos. Por isso, a

identidade de professores constitui também um processo epistemológico que

reconhece a docência como campo de conhecimentos específicos configurados em

quatro grandes conjuntos: os conteúdos das diversas áreas do saber ( das ciências

humanas e naturais, da cultura e das artes) e do ensino; os conteúdos didático-

pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da atividade profissional; os

conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da

prática educacional; os conteúdos ligados à explicação da existência humana

individual, com sensibilidade pessoal e social. Esses saberes devem ser mobilizados

articuladamente nos percursos de formação inicial e continuada.

Além da reflexão sobre a prática, o trabalho em equipe e a cooperação são

mencionados como necessários para o exercício da docência e apontados por Zabalza (2004)

como uma das possibilidades de superar a inércia de alguns, no exercício profissional, bem

como torná-lo mais coeso e institucional.

A adoção do planejamento integrado, experienciada pelo curso de Nutrição, há

mais de quatro anos, possibilitou uma mudança de cultura educacional junto à congregação do

curso, associando-o a um dos espaços de formação continuada . Esta atividade iniciou como

estratégia para integrar as disciplinas, a fim de proporcionar ao estudante, a construção do

conhecimento de forma interdisciplinar.

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Com o passar dos semestres, mediante a socialização e avaliação dos resultados

obtidos na apresentação dos trabalhos, em reuniões de congregação, o planejamento integrado

foi adquirindo relevância e status de formação continuada, mediante a obtenção de resultados

positivos no processo de ensino e de aprendizagem, bem como devido ao aprimoramento em

todas as suas etapas. Atualmente, os docentes consideram a etapa de elaboração bem

organizada e sistematizada, o que facilita a operacionalização posterior. Apontam apenas, que

necessitam aprimorar a etapa da avaliação, fazendo alguns registros para que possam

subsidiar a próxima elaboração.

Considerando o ciclo do planejamento integrado, os professores apontaram como

aspectos positivos , elementos da formação continuada, tais como: a forma de registro

sistematizada e organizada; a troca de experiência entre os docentes; o sentimento de

segurança, de confiança e de respeito entre os professores; ser pensado, realizado e avaliado

de forma coletiva; a otimização do processo de ensino e de aprendizagem; a relação da teoria

com a prática; rever e manter-se atualizado com o projeto pedagógico do curso; proporcionar

uma aprendizagem significativa aos discentes; repensar o planejamento de ensino da própria

disciplina; compreender e relacionar a sua disciplina com as demais do semestre e do curso;

utilizar diferentes estratégias de ensino e de instrumentos de avaliação; refletir sobre a prática

docente; aperfeiçoar a prática docente; socializar os resultados obtidos na apresentação dos

trabalhos; enfim, promove o sentimento de realização à maioria dos docentes.

No entanto, existem aspectos que dificultam esta prática, tais como: a forma de

contratação horista, que implica a remuneração frente ao número de aulas alocadas; a

dificuldade de horário para os encontros entre os professores durante o ciclo do planejamento;

a não participação, massiva, dos professores; a pouca clareza da importância do planejamento

integrado para alguns professores; conciliar as atividades da disciplina com as do

planejamento integrado; orientar e corrigir as atividades dos grupos, pois são diferenciadas; a

atualização e a busca constante, o que requer mais tempo; aumento de atividades para os

alunos realizarem e a falta de registro sistematizado para a realização da etapa da avaliação.

Muito embora constatem os limites, avaliam que os ganhos pedagógicos são maiores e, como

educadores, estão fazendo a sua parte no processo de formação dos seus alunos.

Ressaltaram ainda, que o planejamento integrado possibilita ao docente o

aperfeiçoamento da sua prática pedagógica, sendo um dos espaços de formação continuada,

porque permite-lhes a compreensão de alguns fundamentos pedagógicos, tais como a

concepção da aprendizagem significativa e a forma que o sujeito armazena as informações na

memória de longo prazo, os procedimentos de ensino diferenciados, a concepção e o

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processo de avaliação do discente; a concepção do planejamento como método dialético e a

sua implicação na organização do fazer docente.

O planejamento integrado configura-se, então, por ações que refletem a própria

prática do docente, sendo realizado por meio do trabalho em equipe, privilegiando o ensino

planejado a partir da aprendizagem e da didática, que para Zabalza (2004, p. 126-127), são

condições inerentes ao docente do ensino universitário, porque

Não existe possibilidade nenhuma de se implementar um projeto formativo relevante

em um modelo tão dividido como é o atual ou em um marco de cultura institucional

tão marcadamente individualista. Desenvolver um projeto implica algum eixo

comum que potencialize a continuidade e a integração das atuações isoladas de cada

agente formativo.

O trabalho em equipe pressupõe que se transite de “professor de uma turma ou de

um grupo ( ou de vários, conforme a carga horária que nos corresponda)”a

“professor da instituição”. Nossa identidade profissional não se constrói em torno do

grupo a que atendemos ou da disciplina que lecionamos, mas em torno do projeto

formativo de que fazemos parte.{....] Falta-nos a capacidade de dar esse salto

qualitaivo da visão individual para nos sentirmos membro de um grupo de

formadores e de uma instituição que desenvolva um plano de formação. De alguma

maneira, deveríamos ser capazes de ter “todo o plano”em mente e saber qual é o

papel que nossa disciplina que nós mesmos desempenhamos.

Essas novas demandas geram novas necessidades formativas do professorado

universitário, muitas delas vinculadas à própria essência do que é criar um currículo

que expresse um “projeto formativo integrado e original”.

Além disso, o planejamento integrado contribui para a organização do trabalho

docente e possibilita orientar o aluno na sua organização, na divisão das tarefas do trabalho

em equipe, no cumprimento de prazos, no uso das novas tecnologias, no exercício de ser ético

e de continuar a sua formação. Essas mudanças são essenciais para a formação inicial e

continuada do professor, que supõe uma nova cultura profissional e implica novos saberes,

que para Gadotti (2005, p.26-27) envolve o saber planejar, saber organizar o currículo, saber

pesquisar, estabelecer estratégias para formar grupos, para resolver problemas, relacionar-se

com a comunidade, exercer atividades socioantropológicas, etc.

A prática do planejamento integrado vem contribuindo para esta mudança

acontecer no campo profissional da educação, na sociedade e nas suas interfaces com o

ensino. Reflete diretamente nas ações da competência profissional, manifestadas, segundo

Gadotti (2005), muito mais pela capacidade de o docente estabelecer relações com os seus

alunos e seus pares, pelo exercício da liderança profissional e pela atuação comunitária, do

que pela sua capacidade de “passar conteúdos”. Passa a adotar o papel de construtor de

sentidos, comprometido com o desenvolvimento das habilidades de reflexão, de pesquisa, de

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motivação, de conhecimento, de organização do trabalho docente com compromisso ético e

político.

Desta maneira, o planejamento integrado passa a ser encarado como uma das

estratégias de formação continuada do docente, que não tem a pretensão de perdurar e/ou de

cristalizar a sua prática, mas sim, de colaborar no processo de construção da identidade do

docente em formação. Os saberes da experiência somente não bastam, porque como

mecanismo de formação, segundo Gadotti (2005, p.42), [...] só faz sentido se não for

burocrática, isto é, se valorizar a capacidade de aprender das pessoas. Reconhecer uma

competência ou habilidade, estimular e motivar as pessoas a continuar aprendendo a “pensar

a sua prática para transformá-la”, como anunciava Freire ( 1997).

Além disso, desperta novos desafios e possibilidades de mudança. Mudança esta,

que já vem ocorrendo na instituição pesquisada, envolvendo todos os segmentos

institucionais, tanto nos aspectos administrativo como nos aspectos pedagógicos, de forma

participativa, para reorganizar a estrutura curricular de todo o portfólio oferecido pela

universidade, nas diferentes modalidades e níveis da educação superior. Estão sendo

organizados novos projetos pedagógicos dos cursos para desenvolver competências e

habilidades, o que pressupõe construção de conhecimento interdisciplinar, adoção de novas

metodologias de ensino e de aprendizagem, bem como a viabilidade do ensino com pesquisa e

com extensão.

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