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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
LÚCIA HELENA FERNANDES DE SOUZA
O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Tubarão
2012
LÚCIA HELENA FERNANDES DE SOUZA
O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação,
no curso de Mestrado em Educação, da Universidade do
Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
.
Orientador: Prof. Dr. Clóvis Nicanor Kassick
Tubarão
2012
Dedico este trabalho ao meu esposo e aos
meus filhos, que me encorajaram e me
apoiaram nesta trajetória de crescimento
pessoal e profissional com palavras de
incentivo, atenção e carinho; aos mestres, que
souberam ensinar e guiar a direção correta
para que esse crescimento fosse possível e que
continue indeterminadamente; àqueles que nos
inspiram e fazem sempre querer continuar e
melhorar.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me concedido sabedoria, saúde, disposição, condições espirituais
e materiais para que eu pudesse chegar até aqui;
aos amigos, colegas de trabalho, que de alguma maneira, contribuíram para que
fosse possível a realização deste trabalho;
aos professores com quem trabalho ou trabalhei, que despertaram em mim o amor
pelo conhecimento, pela pesquisa e pelo ensino;
aos professores entrevistados, pelo tempo e atenção;
ao meu orientador, por acompanhar o desenvolvimento do meu trabalho,
apresentando ideias, sugestões e críticas;
à minha família. Meu esposo pela paciência e incentivo nos momentos mais
difíceis, para que eu não desistisse deste trabalho. Meus filhos, por serem grandes
incentivadores e parceiros nesta caminhada, e, a todos os familiares, pelo carinho.
“Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do
inacabamento, sei que posso ir mais além dele.” ( Paulo Freire)
RESUMO
A função da docência evolui na sociedade e constitui-se como saberes
historicamente situados. Na atualidade, entende-se a docência como uma prática profissional,
que requer formação específica, voltada aos saberes do ensinar e do aprender, bem como a
implicação destes na construção ou na reprodução de um modelo social. Essa ideia aplica-se
também ao professor universitário que, por meio da história mundial e brasileira, reforça o
descompromisso com a formação desse docente. Os saberes inerentes à prática pedagógica
ficam em segundo plano, o que reforça a banalização do exercício da docência e interfere na
profissionalização da atividade. Tal fato aponta para a necessidade da formação continuada ou
em serviço. A formação contínua ou continuada acontece em decorrência da atualização
constante da atuação profissional. Ela pode ocorrer em nível de pós-graduação, lato ou stricto
sensu, e até mesmo pela participação em cursos, eventos, como forma de ampliação da
formação inicial, desde que centrados nas necessidades e situações vividas pelos docentes.
Em vista disso, a presente pesquisa tem a intenção de investigar e analisar a contribuição da
metodologia do planejamento integrado como espaço de formação continuada do docente
universitário. A pesquisa foi realizada com professores articuladores do planejamento
integrado, no Curso de Nutrição, de uma universidade do estado de Santa Catarina,com a
utilização da metodologia de estudo de caso. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados
entrevistas e gravações, categorizadas, envolvendo aspectos referentes à formação inicial a e
continuada do docente, bem como os aspectos que envolvem o planejamento integrado,
apontando para os limites e contribuições do mesmo para a formação pedagógica na docência
universitária. Os resultados da pesquisa apontam a contribuição da estratégia do planejamento
integrado como prática educativa e como espaço de formação continuada , uma vez que adota
a reflexão e a ação coletiva como mecanismo capaz de modificar e/ou ressignificar a prática
docente universitária.
Palavras-chave: Docente Universitário. Formação Continuada. Planejamento Integrado
ABSTRACT
The role of teaching in society evolves and as knowledge is historically situated. At present, it
is understood teaching as a professional practice, which requires specific training geared to
the knowledge of teaching and learning, as well as these implications in the building or in the
reproduction of a social model. This idea also applies to the university professor who, through
the Brazilian and world history, reinforces the lack of commitment to the training of teachers.
The knowledge inherent in the pedagogical practice are in the background, which reinforces
the trivialization of the teaching profession and interferes with the professionalization of the
activity. This fact points to the need for continuing education or in service. The continuing
training or continued happens due to the constant updating of professional practice. It can
occur at post-graduate, or lato strict sense, and even by the participation in courses, events, as
a way of expanding the initial training, they were focused on the needs and situations
encountered by teachers. As a result, this research intends to investigate and analyze the
contribution of the methodology of integrated planning as a strategy for the continuing
education faculty teacher. The survey was conducted with articulators teachers of integrated
planning in Nutrition course, from an university in the state of Santa Catarina, with the use of
case study methodology. It was used as a tool for data collection and recording interviews.
The research`s results corroborate the contribution of the strategy of integrated planning as an
educational practice, since it adopts the reflection as a mechanism able to modify and/or
organize teaching practice, thus contributing as a space of continuing education.
Keywords: Higher Education. Lecturer. Continuing Education. Integrated Planning
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Ciclo do Planejamento ........................................................................... 112
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Formação dos Professores Articuladores do Planejamento Integrado – Nutrição 121
LISTA DE SIGLAS
ABE - Associação Brasileira de Educação
CCBE - Conferência Católica Brasileira de Educação
FFCL - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
IES - instituições de ensino superior
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MD - Marco Doutrinal
MO - Marco Operacional
MS - Marco Situacional
NDE - Núcleos de Docente Estruturantes
PPCs - Projetos Pedagógicos de Cursos
SINAES - Sistema de Avaliação da Educação Superior
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
UnA - Unidade Acadêmica
URJ - Universidade do Rio de Janeiro
USP - Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
2 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE NO
MUNDO ...............................................................................................................................
19
2.1 CARACTERIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL............................................. 19
2.2 O SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE E DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO ........... 26
2.3 O ENSINO SUPERIOR E A CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL............. 43
2.3.1 Contexto Histórico ............................................................................................................ 43
2.3.2 Do Ensino Superior Brasileiro à criação da Universidade .................................... 47
2.3.3 A constituição da universidade brasileira sob a influência dos diferentes
modelos .................................................................................................................................
51
2.3.4 A universidade brasileira: da Reforma Universitária de 1968 à LDB:9394/96 ... 64
3 A FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO......................... 74
4 PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR ............................................................
101
5 O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA NO CURSO DE NUTRIÇÃO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
121
5.1 O INGRESSO NA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: MOTIVAÇÃO E
FORMAÇÃO INICIAL ................................................................................................
125
5.2 A EXPERIÊNCIA DO PLANEJAMENTO INTEGRADO: TEMPO DE
REALIZAÇÃO, IMPORTÂNCIA, ETAPAS, LIMITES, POSSIBILIDADES E
CONTRIBUIÇÃO PARA O APERFEIÇOAMENTO DA PRÁTICA DOCENTE .............
130
5.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE: IMPORTÂNCIA, LIMITES,
NECESSIDADES E OS ESPAÇOS FORMAIS/INFORMAIS PARA A SUA
REALIZAÇÃO .............................................................................................................................
138
6 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 145
REFERÊNCIAS .................................................................................................................
152
11
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação pesquisa sobre os elementos que contribuem para a
formação do professor universitário. A escolha deste assunto reflete a trajetória profissional
da autora, como pedagoga de formação e como pedagoga de coração. Essa expressão é
utilizada sempre que ela necessita apresentar-se, por acreditar que sintetiza os vinte e nove
anos de dedicação ao magistério. Tempo este, que perpassa pela vivência de professora do
pré-escolar, por um ano; de professora alfabetizadora, por nove anos consecutivos; pela
supervisão escolar, na rede pública de ensino, por sete anos; seguido da oportunidade de
exercer a coordenação pedagógica de uma escola da rede particular de ensino e, finalmente,
pela experiência no ensino superior, dedicados à docência e também no papel de Assistente
Pedagógica dos Cursos da área da saúde.
Nesta trajetória, construiu sua identidade profissional e o amor à carreira do
magistério, cursando inicialmente o 2º. Grau, com habilitação para Magistério de 1ª. a 4ª
série, em Pelotas, sua terra natal, optando por ingressar no ensino superior, num curso
direcionado a outra área de atuação.
Ao seguir a trajetória da vida, casou-se, interrompendo assim, o curso de bacharel
em Ciências Domésticas, pela metade. Ao chegar numa cidadezinha ao sul de Santa Catarina,
restou resgatar o bom e velho diploma de 2º. Grau, de professora das séries iniciais, batizando
assim, a minha carreira profissional, de professora alfabetizadora, que coincidiu com a entrada
no magistério, da rede pública de ensino, o que lhe proporcionou o re- encontro com a
docência, sendo responsável também, pela próxima escolha de ingresso num curso de
graduação, desta vez em Tubarão, no curso de Pedagogia-Habilitação em Supervisão Escolar.
Essa trajetória profissional, direcionou suas leituras e o seu envolvimento com a
formação do docente, seja para educação básica ou para educação superior, devido às recentes
atividades a que vem se dedicando.
Na atividade de Assistente Pedagógica, tema oportunidade de ministrar cursos,
oficinas e/ou palestras no Programa de Formação Continuada dos Docentes, bem como
acompanhar e orientar as atividades decorrentes da indissociabilidade do ensino, pesquisa e
extensão dos docentes universitários, da área da saúde.
Desafio este, que pressupõe o acompanhamento da construção e da reconstrução
do fazer pedagógico, mediante ação-reflexão-ação, situada num contexto histórico de
sociedade.
12
Deve-se considerar que a história da sociedade, em cada época, apresenta
características e dinâmicas próprias, impondo formas de pensar, agir e de produzir.
O advento da globalização, a partir do século XXI, fenômeno contemporâneo,
passa a ser designado para explicar a expansão de interrelações econômicas, em escala
mundial, entre países e sociedades de todo o mundo, como também para impor
pseudonecessidades, suscitando, assim, novos modos de vida, consumo ou pensamento. As
principais transformações acarretam implicações nas organizações econômicas, nas relações
sociais, nos padrões sociais de vida e cultura, bem como nas transformações do Estado e da
política.
Neste contexto, o papel da universidade, como agente de formação e de
transformação deve estar alicerçado na indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da
extensão, enquanto produto de conhecimento através da articulação da teoria com a prática,
numa relação pedagógica em que professor e aluno tornam-se sujeitos do ato de aprender.
Nesta perspectiva, a visão do ensino deve ultrapassar a ideia de transmissão de
conteúdos vinculados a técnicas de oratória e/ou de exposição oral, configurada pela Ratio
atque Institutio Studiorum. Práticas fortemente preconizadas há mais de cinco séculos,
segundo as quais, a aula é o espaço em que o professor explica o conteúdo e repassa ao aluno
que, por sua vez, recebe de forma passiva, repetindo, simplesmente, informações.
A ação docente deve acontecer situada no contexto sócio-histórico-cultural,
voltada aos princípios da educação, que consequentemente sinaliza para melhoria da
qualidade de vida e emancipação dos homens. Ciente da complexidade do mundo
contemporâneo, decorrente da sociedade globalizada, o professor deve praticar o seu ofício
pautado na reflexão das suas ações bem como sobre o impacto delas na formação do sujeito
aprendiz.
É preciso ter clareza que essa ação docente deve estar comprometida com uma
educação emancipatória, e, portanto, deve acontecer norteada por princípios que visem à
superação da fragmentação do mundo parcelarizado e pela recuperação da razão articulada ao
afeto. Isto implica em mudança de atitudes e de comportamento do professor, pois vive-se
num ciberespaço1, em que as informações encontram-se disponíveis a todo instante, nas
1 Para Pierre Lévy, o ciberespaço, torna-se conseqüência de alguns eventos maiores na civilização ocidental, em
particular na Modernidade, ao se constituírem de forma acelerada diferentes espaços antropológicos. Passou-se
a viver em uma multiplicidade de espaços diferentes, cada um com seu sistema de proximidade particular
(temporal, geográfico, afetivo, lingüístico, etc.). De tal forma que uma entidade qualquer pode estar próxima de
nós em um espaço, e bem longe em outro. O fato é que cada espaço, mesmo interpenetrado por outros, guarda
ainda sua topologia e sua axiologia, ou seu sistema de valores ou de medidas, particular.
13
diferentes mídias e nos diferentes formatos (eletrônico, impresso), viabilizando constante
conexão com a realidade sócio-econômica-política e cultural.
Aliada a este contexto, surge a fragilidade e/ou a superficialidade nas relações
interpessoais, marcadas pela onda das “redes sociais”, que por um lado mantêm os sujeitos
plugados na rede e no convívio internauta, porém dissociada dos vínculos e afetos construídos
no relacionamento humano. Vive-se um paradoxo, pois as pessoas estão em contato umas
com as outras, pela rede, porém ausentes fisicamente.
O exercício do magistério na educação superior, ocorre na maioria das vezes, sem
preparação pedagógica, valendo-se da performance e/ou da atuação profissional, sendo o
professor recrutado enquanto profissional técnico. Esta idéia é reforçada por Benedito (apud
PIMENTA e ANASTASIOU, 2010, p.36),
[...] o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização
em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos “outros”. Isso se explica
devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário.
Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência de
aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as relações de
seus alunos, embora há que se descartar a capacidade autodidata do professorado.
Mas ela e insuficiente.
O processo de formação docente deve ser ininterrupto e realizado durante o
exercício do magistério, pautado na reflexão-ação-reflexão, que pressupõe a capacidade de
redescobrir-se e, posteriormente, reinventar-se. A formação docente universitária precisa
acontecer ao longo do desenvolvimento profissional, com o objetivo de confrontar as ações
cotidianas com as produções teóricas, bem como rever as práticas e as teorias que as
informam e pesquisar a prática para a produção de novos conhecimentos da práxis educativa.
A educação universitária no Brasil reforça a visão cartesiana, na qual o
conhecimento é entendido como algo dado e acabado, distribuído numa organização
curricular tradicional que valoriza a especialidade na sua individualidade. Dessa forma, o
conhecimento é compreendido como estático, acabado, cumulativo, sendo disposto numa
formatação de grade curricular em que cada professor é responsável por uma parte, que
corresponde a sua disciplina, despreocupando-se com as demais e com a relação existente
entre os saberes. Adota-se, então, a metodologia formal ou tradicional de ensino, que visa
repassar conhecimentos de forma mecânica, conteudista, sem estabelecer vínculo com a
realidade e/ou com a aplicação prática.
Contrapondo-se a esse modelo de fazer ciência, aparece a metodologia dialética,
na qual o sujeito apresenta um conhecimento prévio sobre o assunto, numa visão sincrética,
14
inicial, de forma reduzida ou distorcida. Esse sujeito submetido a momentos de análise
intencional e sistemática formará sínteses provisórias, fruto da atividade de pensar do homem.
Nessa perspectiva, a universidade assume como função social o ensino e a
formação de profissionais para a sociedade da era do conhecimento. Conhecimento este que
não está mais centrado exclusivamente nas bibliotecas, tampouco na sala de aula. Ele circula
em redes de informação e não apenas nos meios tradicionais de comunicação. Outra
característica da atualidade é a rapidez com que novos conhecimentos são criados, incitando a
busca constante e a revisão dos mesmos.
Então, na atualidade, a universidade, precisa voltar-se ao pensamento dialético
como forma de desenvolvimento social e humano, a partir dos novos conhecimentos gerados
por meio das suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, que serão aplicados à realidade,
promovendo o avanço científico, tecnológico e cultural da sociedade. Por isso, Penin (apud
ROLLEMBERG, 2004, p. 36) aponta que
Na atualidade estão bem estabelecidas as três funções básicas da universidade:
pesquisa, ensino e extensão universitária, assim como a necessária indissociabilidade
entre elas. No tocante ao ensino, tal indissociabilidade possibilita que o projeto
pessoal de formação de um estudante convirja para o avanço de um projeto coletivo,
seja de âmbito local, nacional ou mundial.
Pedro Demo (1997), reafirma essa indissociabilidade, com ênfase na pesquisa a
serviço do ensino e da extensão, como promotora da geração de conhecimentos científicos
direcionados mais ao saber do que a uma ideologia. Assim, a atividade do ensino deriva-se da
pesquisa, como saber inovado e capaz de ser transmitido, aplicado ou testado na sociedade,
por meio da extensão.
Isto demonstra a necessidade de atualização e de aperfeiçoamento constante em
todos os segmentos da sociedade. Assim, a universidade no século XXI, também na qualidade
de instituição empregadora, responsabiliza-se também pelo desenvolvimento de programas de
formação de seus professores para o exercício da docência, uma vez que a formação dos
docentes para o ensino superior no Brasil não está regulamentada sob a forma de um curso
específico.
Na atualidade, acrescenta-se aos desafios da formação profissional, a superação da
fragmentação, pela visão de totalidade, do pós-moderno, mediante a articulação dos saberes e
das capacidades; a superação da homogeneidade do mundo globalizado e a recuperação do
significado da razão articulada ao sentimento.
15
A organização curricular disciplinar implica em algumas dificuldades para a
construção do conhecimento global, por isso algumas instituições de ensino ou alguns
professores buscam estratégias de estabelecer relações entre os conhecimentos, numa
perspectiva de integrar os currículos.
Na tentativa de construir práticas integradoras, cursos da área da saúde, de uma
universidade do Estado de Santa Catarina, vêm adotando a prática da realização de
planejamento integrado como estratégia inicial de possibilitar o resgate da unidade do
conhecimento.
A utilização desta forma de planejamento segue a ideia defendida por
Vasconcellos (1995), que associa o ato de planejar ao princípio dialético, visando à superação
do otimismo e do fatalismo e desenvolvendo a capacidade de prever antecipadamente as
possibilidades das ações a serem desenvolvidas.
O processo do planejamento integrado viabiliza uma práxis social docente,
constituída de três etapas distintas e interdependentes, iniciando pela elaboração,
caracterizada pelo campo das ideias – concepção e das possibilidades e que culmina com a
concretização das mesmas em um plano, podendo ser escrito ou não. Ao obter-se o plano,
esse sempre de caráter provisório, pressupõe-se o desenvolvimento da segunda etapa, a da
realização interativa. Ao colocar em prática as ações do plano, torna-se necessário avaliar os
resultados obtidos para dar continuidade ao que foi planejado ou para refazer o plano. Dessa
maneira, retrata-se seu caráter dialético, embasado na reflexão-ação-reflexão.
Mediante as condições de formação e da complexidade do exercício da docência
frente às necessidades da sociedade pós-moderna, torna-se relevante o estudo sobre o tema:
“O planejamento integrado como espaço de formação continuada do docente da educação
superior”, proposto nesta dissertação, vinculada ao Programa de Pós-Graduação da Unisul, na
linha de pesquisa Educação, História e Política no Brasil e na América Latina, que propõe
como objetivo geral: investigar e analisar a contribuição da metodologia do planejamento
integrado como espaço de formação continuada do docente universitário.
Em decorrência do objetivo proposto, pretende-se que o referido estudo
possibilite: identificar os desafios para a realização do planejamento integrado na docência
universitária; diagnosticar os fatores intervenientes para a prática interdisciplinar na ação da
docência universitária; relacionar a metodologia do planejamento integrado com a formação
continuada do docente universitário.
Em virtude do problema apresentado e dos objetivos propostos, o caminho
utilizado nesta pesquisa será baseado no método histórico. Sabe-se que a definição do método,
16
possibilita ao pesquisador a escolha do melhor percurso para se atingir o fim que, neste caso,
são os objetivos. Para Motta (2009, p. 98),
O método é um recurso que se refere ao modo de conduzir ou de orientar a pesquisa.
Envolve a descrição de quais etapas e procedimentos serão realizados para a coleta
de dados, que se decidem a partir da escolha do tema, delimitação do problema e da
definição dos objetivos (apresentados no projeto).
A pesquisa científica caracteriza-se por uma atividade intelectual e intencional na
busca de respostas aos diferentes questionamentos e indagações, em função da contínua
insatisfação do ser humano, sendo a mola propulsora para a construção do conhecimento.
Pesquisar, no entender de Santos (2000, p.17), “é um exercício intencional da pura atividade
intelectual, visando melhorar as condições práticas de existência.”
Para Barros e Lehfeld (apud RAUEN 2002, p.47) a pesquisa é o “esforço dirigido
para a aquisição de um determinado conhecimento, que propicia a solução de problemas
teóricos, práticos e/ou operatórios mesmo quando situados no contexto do dia-a-dia do
homem.”
Classifica-se esta pesquisa como básica, qualitativa, de natureza exploratória,
descritiva, analítica, tomando como eixo o estudo de caso. A pesquisa exploratória visa
aproximar o problema com as questões de pesquisa, geralmente utiliza-se de estudo
bibliográfico, pesquisa de campo, entrevistas semiestruturadas e ou estudo de caso.
Neste estudo, utilizar-se-á a pesquisa de campo, observações, entrevista oral e
semiestruturada. Para Motta (2009), as entrevistas semiestruturadas valorizam a presença do
investigador, permitindo liberdade e espontaneidade nas informações por parte do informante.
A entrevista semiestruturada contempla um roteiro orientador, que serve de eixo norteador
para que os entrevistados possam responder sobre os mesmos elementos, sem seguir uma
sequência padronizada, mas respeitando a evolução e o desenvolvimento da conversa.
Segundo Trivinõs (apud MOTTA 2009, p.102),
[...] a entrevista semi-estruturada, que se situa entre as duas anteriores ( padronizada
e a despadronizada), pois valoriza a presença do investigador e oferece perspectiva
para que o informante alcance liberdade e espontaneidade nas informações. Isso
implica num processo de interação entre o observador e o observado.
Para aplicar a entrevista foi elaborado um roteiro de questões abertas. O registro
das respostas foi gravado para evitar desperdício de informações e ocorrerá mediante a
assinatura de termo de consentimento dos participantes sem a identificação deles.
17
A entrevista foi precedida de pré-teste para analisar a adequabilidade do
instrumento de coleta de dados.
Os dados obtidos foram organizados e categorizados com o auxílio de recursos
manuais e computacionais, em consonância com a estatística para posterior análise e
interpretação.
O roteiro da entrevista aborda as questões referentes a formação inicial e
continuada do docente, bem como os aspectos que envolvem o planejamento integrado,
apontando para os limites e contribuições do mesmo para a formação pedagógica na docência
universitária.
A elaboração do roteiro da entrevista atende a natureza do problema e aos
objetivos da pesquisa. Para isso, os questionamentos são claros, abordando desde aspectos
gerais até aqueles mais específicos, o que favorece uma aproximação entre o entrevistado e o
entrevistador.
As pesquisas qualitativas de descrição, segundo Rauen (2002), são aquelas que
não se conformam com os dados bibliográficos, confiam na notação qualitativa e não
intervêm na realidade. Já o Estudo de caso, possibilita uma análise profunda e exaustiva de
um ou de poucos objetos, de modo a permitir o seu amplo e detalhado conhecimento. Sua
qualidade exponencial é a flexibilidade.
Segundo Merrian (apud ANDRÉ, 2005, p. 17-18), o estudo de caso qualitativo
precisa contemplar quatro características essenciais: particularidade, descrição, heurística e
indução, assim descritas pelo autor:
Particularidade significa que o estudo de caso focaliza uma situação, um programa,
um fenômeno particular. [...] É, pois, um tipo de estudo adequado para investigar
problemas práticos, questões que emergem do dia-a-dia.
Descrição significa que o produto final de um estudo de caso é uma descrição
“densa”do fenômeno em estudo. Por situação densa entende-se uma descrição
completa e literal da situação investigada. [...] Os dados são expressos em palavras,
imagens, citações literais, figuras literárias.
Heurística significa que os estudos de caso iluminam a compreensão do leitor sobre
o fenômeno estudado. Podem revelar a descoberta de novos significados, estender a
experiência do leitor ou confirmar o já conhecido. [...]
Indução significa que em grande parte, os estudos de caso se baseiam na lógica
indutiva. [...]
Após a aproximação feita pela exploração, busca-se a descrição das características
de determinado fato, fenômeno ou população, por meio de coleta de dados, que segundo
Rauen (2002), ocorre por meio de um processo interativo e holístico.
18
O estudo foi realizado no Curso de Nutrição, de uma universidade do Estado de
Santa Catarina, do primeiro ao sétimo semestre, envolvendo os professores articuladores do
planejamento integrado de cada semestre, no período de 2008 a 2010, pertencentes ao quadro
docente da universidade, a fim de validar ou não os objetivos da pesquisa. Cabe salientar, que
os professores articuladores são o elo entre a turma e os professores do semestre. Possuem a
incumbência de apresentar a proposta do planejamento integrado à turma, bem como a
condução deste processo. Ele transita no curso desempenhando também outros papéis, ora
como articulador, ora como professor do semestre, ora como coordenador de estágio ou como
coordenador de curso.
Este trabalho está estruturado a partir do capítulo introdutório, que apresenta o
tema, os objetivos, o método e o instrumento de coleta e de análise dos dados, bem como a
apresentação do assunto em capítulos, mediante a sequência mencionada a seguir.
No capítulo I, discorre-se sobre o contexto histórico do surgimento da
universidade no mundo, com uma caracterização sóciopolítica e educacional da época, que
influenciará na constituição, no modelo e na prática de formação e de atuação do docente
universitário brasileiro.
No capítulo II, aponta-se para o percurso da formação do docente universitário no
Brasil, enfocando seus princípios, finalidades e modelos pedagógicos a partir dos aspectos
históricos e legais que norteiam essa concepção de educação.
No capítulo III, aborda-se sobre o planejamento integrado como práxis social da
docência universitária, numa perspectiva de formação continuada e compromissada com a
construção do conhecimento interdisciplinar.
No capítulo IV, narra-se a experiência do planejamento integrado vivenciada no
curso de Nutrição, de uma universidade do Estado de Santa Catarina, no período
compreendido entre 2008 a 2010.
No capítulo V, apresenta-se a análise dos dados coletados obtidos na pesquisa de
campo, mediante a técnica da entrevista oral e semiestruturada, como mecanismo de
cientificidade.
Finalmente, no capítulo VI, apresenta-se a conclusão e, em seguida, as referências
consultadas.
19
2 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE NO MUNDO
As universidades, como instituições de ensino superior, surgiram no mundo
medieval, com finalidade distinta do mundo contemporâneo. Naquela época, não era colocado
em papel de destaque a formação profissional, nem mesmo a da formação docente.
É a partir do século XX que se observa a mudança de modelo de universidade,
voltada as questões do mundo das profissões e das relações com a sociedade.
Nessa perspectiva, o presente capítulo aborda o contexto histórico do surgimento
das instituições de ensino superior e do papel do professor no mundo.
2.1 CARACTERIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL
O surgimento do ensino superior no mundo ocorreu sob a influência do modelo
europeu de produção de conhecimento, por volta do século XII, na chamada Idade Média. O
período da Idade Média caracterizou-se pelo domínio político do Estado Aristocrático e da
Igreja. Desenvolveu-se entre 476, ano do fim do Império Romano do Ocidente, e final do
século XV, com uma organização social baseada em feudo.
Os feudos, grandes extensões de terras, latifúndios, comumente chamados de
fazendas, viviam sob o domínio do rei, o suserano, que distribuía as suas terras entre a
nobreza para protegê-la. Os nobres guerreiros, os vassalos, eram guerreiros que mantinham
um pacto de honra e de fidelidade militar com o suserano, estabelecendo, assim, o acordo da
vassalagem. Os servos, por sua vez, eram responsáveis pela produção dos feudos, pois não
manejavam as armas, nem detinham terras, envolvendo-se, apenas, com a agricultura e
pecuária.
Para Cambi (1999, p. 156), essa estrutura social configurava-se da seguinte
maneira:
[...] No vértice estão os bellatores (os guerreiros) e os oratores (os clérigos),
embaixo estão os laboratores (camponeses, artesãos, ou seja, o povo), mas cada
ordem tem direitos e deveres que, sobretudo embaixo, são bastante impositivos e
caracterizam a condição dos laboratores como de servidão (os “servos da gleba”
eram, de fato, os camponeses, colocados no degrau mais baixo da sociedade feudal).
20
Nesse modelo econômico, os nobres feudais eram os proprietários de terras,
fazendas, denominadas de feudo, consideradas unidades econômicas, daí o modo de economia
chamado de feudalismo.
Cada feudo possuía suas leis, sua justiça, seu exército particular, seu governo,
sendo que o esforço produtivo ficava sob o encargo dos servos. Esses não recebiam salários,
porém lhes era cedido uma parte de terra do feudo para produzirem e pagarem os tributos
feudais aos nobres. O pagamento era feito em forma de entrega de mais da metade do
produzido.
A outra força política da época, a Igreja, também possuía terras, era uma grande
senhora feudal. Acumulou muitas riquezas oriundas do pagamento dos dízimos ou das
heranças dos papas e dos bispos, que tinham na sua origem o sangue nobre.
A educação medieval era de responsabilidade da Igreja. Devido às invasões dos
bárbaros os conventos eram os únicos lugares que detinham o domínio da leitura e da escrita,
assim como eram os únicos depositários das obras das bibliotecas romanas, que foram salvas.
Dessa forma, a cultura e a escola passam a ser reorganizadas pela Igreja, onde os princípios
educativos eram baseados no modelo incontestável do cristianismo, como ideal e como
instituição educativa.
Segundo Meneses (2001), a educação medieval pode ser dividida em dois
períodos. O primeiro se estende de 476 d.C até 1150, com a concentração da população no
meio rural, e o surgimento das escolas monásticas. O segundo, a partir do século XII, com a
atração das pessoas para as cidades, com o início do desenvolvimento do comércio e da
criação das universidades.
No primeiro período existiram três tipos de escolas: a paroquial, a monástica e a
episcopal. A paroquial destinava-se aos meninos que pretendiam seguir a carreira religiosa,
para isso aprendiam as primeiras letras, a ler, calcular e a cantar. Era uma escola mais
elementar.
A monástica, concentrada em áreas desabitadas ou afastadas do convívio social,
primeiramente, era destinada à formação literária e religiosa dos futuros monges, pelo curso
das Artes Liberais, que requeria o domínio da leitura, da escrita e da lectio divina, ou Sagrada
Escritura.
A partir do século IX, o sistema de ensino medieval estava organizado para
atender as diferenças sociais. A educação elementar, ministrada em escolas paroquiais, por
sacerdotes, visava doutrinar os camponeses; a educação secundária era ministrada nas escolas
21
monásticas e a educação superior, nas escolas episcopais, ministrada nas escolas imperiais,
preparavam os funcionários do Império.
Com o aumento das populações nas cidades, por volta do século XII, houve o
aparecimento das corporações de ofícios, a fim de prover formação especializada aos
profissionais do artesanato, do comércio e das pequenas fábricas, o que inspirou a criação das
universidades, além do notável impulso obtido pela escola episcopal, que ensinava as Artes
Liberais e a Teologia.
A educação desenvolvida nos mosteiros, oriunda do movimento religioso
chamado monaquismo, exerceu influência na educação medieval, uma vez que os monges
eram religiosos que buscavam a perfeição afastando-se, por isso, do convívio da vida
mundana. Na sua origem etimológica, do grego, monge (monachós), significa só, solitário.
Nessa época, os mosteiros eram responsáveis pelo monopólio da ciência e da
cultura. Era no interior deles que os monges copistas imprimiam seus legados, traduzindo as
obras para o latim, fazendo adaptações ou reinterpretando-as segundo os princípios do
cristianismo.
Para Manacorda (2001), havia monges que liam bem, outros que não liam bem e
outros que, pelo menos entre os noviços, podiam ser analfabetos. Embora a leitura e a escrita
fosse condição para entrada nos mosteiros, mediante o ritual de escrever o seu próprio pedido
de admissão, “escrita de própria mão”, era também previsto que na ausência dessas
habilidades fosse solicitado a outrem que fizesse esse pedido, acrescido de um sinal traçado
com a sua mão, para que pudesse ser colocado sobre o altar.
A educação dos monges era fundamentada pela Regula Benedicti, cuja
preocupação principal era a educação moral e a participação na liturgia com poucos subsídios
na instrução literária.Tinha como regra básica, a leitura, que deveria ser atividade constante e
proferida por aqueles que apresentavam o domínio, conforme explicita Manacorda (2001, p.
120), que:
[...] A leitura é especialmente reservada ao domingo e à Quaresma, e é considerada
ocupação normal para os monges, exceto para alguns negligentes e preguiçosos, que
não querem dispor daquele que parece ser um implemento essência do mosteiro: a
biblioteca.
A leitura era utilizada como técnica de ensino, primando pela leitura silenciosa,
que era mais aceitável aos sentidos do que aquela realizada em voz alta, pois permitia uma
maior compreensão pelo fato do silêncio oportunizar reflexão.
22
A educação medieval preconizava a formação moral do homem, sendo
desenvolvida nas escolas paroquiais, episcopais e cenobiais destinadas exclusivamente aos
homens. Inicialmente, a escola (schola) foi concebida como um espaço para reunir as pessoas
muito mais do que um lugar para se estudar, pois poucos eram aqueles que detinham a
habilidade de ler e de escrever, inclusive os monges, o que requeria uma tarefa disciplinada e
ordeira.
É na Idade Média que, segundo Durkheim (apud MENESES, 2001), surge a
escola no seu sentido próprio. Ela ultrapassa o lugar em que o mestre ensina e adquire um
caráter moral, impregnado de ideias, de sentimentos, que envolve tanto o mestre quanto o
aluno.
A educação do homem medieval é decorrente do monaquismo, movimento
religioso que ocorreu dentro dos mosteiros, influenciando a cultura medieval. Caracterizado
pelos princípios da fé cristã, preconizava a pregação apostólica, com a adaptação lenta e
criteriosa do legado greco-romano. Trata-se de uma educação que valoriza a transcendência,
pois Deus é uma figura inquestionável e capaz de explicar os fatos e fenômenos do dia a dia.
Segundo Aranha (2002), o ponto de partida é sempre a verdade, revelada por
Deus, autoridade indiscutível do texto sagrado a que se adere pela graça da fé, pois a fé não
contraria a razão. Embora a primeira seja mais importante do que a segunda, a razão é apenas
um instrumento que impõe uma sistematização, conhecida como filosofia cristã, que pode ser
caracterizada por dois períodos, o da Patrística e o da Escolástica.
A filosofia cristã Patrística, conhecida como filosofia dos Padres da Igreja,
envolvendo os séculos II até o V, caracterizava-se pela defesa da fé e conversão dos não-
cristãos pela harmonia da fé e da razão como mecanismo de compreensão da existência de
Deus e da alma, bem como dos valores morais. O principal representante da Patrística foi
Santo Agostinho. Ele buscava a explicação para a origem e a natureza do conhecimento.
Adaptando a teoria de Platão, começava a explicar pela alegoria da caverna2, chegando à
teoria da reminiscência. Aranha (2002), salienta que nessa teoria a alma contempla as
essências no mundo das idéias antes da vida presente, enquanto os sentidos seriam apenas
ocasião das lembranças e não a fonte do próprio conhecimento.
Na filosofia Patrística, configura-se a presença dos padres copistas, os
enciclopedistas, que retomam a cultura antiga, adequando-a às verdades teológicas. Eles
2 Foi escrita pelo filósofo Platão, e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). Trata-se da
exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da
verdade.
23
conhecem o programa das sete artes liberais3,
fazem seleção de textos, copiam, traduzem para
o latim, respeitando a fé cristã para difundirem a crença, segundo a interpretação deles.
Já a filosofia cristã Escolástica, é a mais alta expressão da filosofia das escolas
cristãs na Idade Média. Acontece nas escolas, pelos doutores da Igreja. Desenvolvida a partir
do século IX, encontra seu apogeu no século XIII e a sua decadência com o surgimento do
“período das luzes”- o Renascimento, por volta do início do século XVI. O professor era
denominado de Scholasticus, aquele que ensina as artes liberais, sendo mais tarde chamado
oficialmente de magister, o professor de filosofia e de teologia.
Para Pilletti (1996), a escolástica é um movimento intelectual oriundo da Idade
Média, que se preocupava em ensinar as concordâncias da razão com a fé pelo método da
análise lógica. Seu objetivo era apoiar a fé na razão, de modo a dirimir as dúvidas e
controvérsias por meio da argumentação, ou seja, baseada na lógica dedutiva.
A educação escolástica, segundo Gadotti (2002), conservou a tradição e a cultura
antiga, por meio dos copistas que reproduziam as obras clássicas, dentro dos conventos, e,
pela primeira vez, tornou a escola, o aparelho ideológico do Estado4, utilizando a fé cristã
como princípio educacional. Foi uma educação para poucos, que objetivava aparelhar os dois
segmentos de poder da sociedade, a igreja e o império, ao primeiro por meio das escolas
monásticas (educação secundária), realizada nos conventos e ao segundo, nas escolas
imperiais (educação superior), que preparava os funcionários do império.
O método escolástico primava pela reflexão dos textos sagrados da Bíblia e dos
escritos dos Padres da Igreja, os copistas ou enciclopedistas que, segundo Aranha (2002),
requeria etapas distintas, a começar pela leitura (lectio), seguida do comentário (glossa), pelas
questões (quastio) e pela discussão (disputatio).
O termo escolástica é associado à ideia do conjunto de saberes transmitidos na
escola clerical e tinha como disciplina as Sete Artes Liberais, que incluía o trivium,
responsável pelo estudo da Gramática, da Dialética e da Retórica, e o quadrivium, que reunia
conteúdos da Aritmética, da Geometria,da Música e da Astronomia. A reunião dos estudos do
trivium com os do quadrivium, constituía o septivium (Sete Artes Liberais). Para explicar o
sentido do ensino das Sete Artes Liberais, Le Goff (2003, p. 88), diz que:
3 É uma expressão que designa um conjunto de estudos e disciplinas através das quais se intenciona prover
conhecimentos, métodos e habilidades intelectuais gerais para seus estudantes
4 A teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado, de Althusser, constrói uma visão monolítica e acabada de
organização social, onde tudo é rigidamente organizado, planejado e definido pelo Estado, de tal sorte que não
sobra mais nada para os cidadãos. Não há mais nenhuma alternativa a não ser a resignação ante o Estado
onipresente e absolutamente dominante.
24
[...] Mas o que é uma arte? Não é uma ciência, é uma técnica. Ars é techné. É tanto a
especialidade do professor como a do carpinteiro ou a do ferreiro.Depois de Hugues
de Saint-Victor, Santo Tomás, no século seguinte, tirará todas as conseqüências
dessa posição. Uma arte é toda a atividade racional e justa do espírito aplicada à
fabricação dos instrumentos tanto materiais como intelectuais: é uma técnica
inteligente do fazer. Ars est recta ratio factibilium.Assim, o intelectual é um artesão;
no meio de todas as ciências [artes liberais] são chamadas artes as que não implicam
apenas conhecimento mas também uma produção que se origina imediatamente na
razão, como função da construção (a gramática), dos silogismos (a dialética), do
discurso (a retórica) , dos números ( aritmética), das medidas (a geometria), das
melodias (a música), dos cálculos do curso dos astros ( a astronomia).
As Sete Artes Liberais configuraram-se pelo desenvolvimento do intelecto,
conhecida também pela arte do homem livre, diferentemente das artes mecânicas, dos tempos
dos sofistas gregos, que primavam pelo desenvolvimento do homem servil, voltado aos
ofícios.
Para ilustrar a influência cristã sobre as Artes Liberais, Cassiodoro (apud
MENESES, 2001, p. 45), explica no prefácio da segunda parte das suas Institutiones, a
concepção desta expressão, a partir da palavra liberales, que provém de líber, livro, que
sucede as artes. Assim, artes liberales, são matérias que estão e que se aprende nos livros,
podendo ser estudadas por qualquer pessoa, de qualquer classe social, retirando desta maneira,
a associação da expressão liberal a sua conotação social.
Veiga (2007), contrapõe essa concepção, por afirmar que a adoção do termo líber
para traduzir em livro, não se refere “as artes dos homens livres, mas as dos saberes
livrescos”, pois, agora os saberes passam a ser escritos lidos, comparados, interpretados e
não mais traduzidos.
Já por volta do século XII, o inglês João Salisbury busca outra explicação para o
termo liberal. Para Salisbury (apud MENESES, 2001, p. 45), as artes se chamam liberais
porque os antigos as utilizavam para instruírem os seus filhos (líber, líberi = filho), a fim de
conseguirem a libertação do homem, livres da inquietação com as necessidades materiais,
propiciando ao espírito aplicar-se com mais liberdade à Filosofia e desta forma adquirirem a
sabedoria.
As Sete Artes Liberais preconizava a difusão de estudos elementares, por meio do
trivium, e mais elaborados, correspondentes ao ensino superior, por meio do quadrivium, que
era estudado por um número menor de pessoas.
Nos cursos do trivium, incubia-se à gramática o estudo das letras e da literatura; já
na retórica, a arte de bem falar e de história e na dialética, o objeto era a lógica, que tratava da
arte de raciocinar. No quadrivium, o conjunto das artes reais voltava-se ao ensino da
25
geometria com inclusão de conceitos da geografia, a aritmética com o estudo da lei dos
números, a astronomia com princípios da física e a música com as leis dos sons e a harmonia
do mundo.
O ensino da Retórica perdeu o seu glamour com a perda da importância social e
política da oratória, restringindo-se aos ensinamentos de redigir cartas e de preparar
formulários para o uso dos estudantes.
As mudanças da sociedade ocorridas a partir do século XII trouxeram implicações
diretas à educação, ressaltadas pelo triunfo dos ideais platônicos sobre o isocrático, da
preferência da Filosofia sobre os estudos literários, do predomínio da dialética, o despertar
pelos estudos matemáticos e científicos.
Além destes, dois fatos culturais produziram impacto na organização e no modo
de funcionar as escolas, o humanismo e a invenção da imprensa. O humanismo mediante o
crescente entusiasmo pelos autores clássicos greco-romanos, acrescido pelo gosto culto da
linguagem erudita junto com a apreciação das obras pagãs antigas. A invenção da Imprensa,
como propulsora da revolução cultural e social, pois os livros podiam ser multiplicados
rapidamente e vendidos a baixo custo, o que permitia o acesso a todas as classes da sociedade.
Para facilitar o acesso aos livros, era comum elaborarem manuscritos reduzidos, comprimindo
as letras ou escrevendo de forma abreviada, pois o papel era caro, tornando a aquisição
dispendiosa.
Esses dois fatos são apontados por Meneses (2001, p. 51), como provocadores de:
[...] efeitos imediatos na vida escolar. Primeiramente, acarretaram uma crise
educacional, uma vez que as novidades culturais sempre antecedem a sua aceitação
pelas escolas que são cidadelas da tradição. Por isso, de um lado manifestou-se o
choque entre os representantes de uma escolástica cada vez mais anquilosada e os
inovadores das letras e, de outro, uma grande defasagem entre a existência dos livros
como textos escolares e o emprego de métodos didáticos que remontavam à idade
antiga pelo recurso a técnicas auditivas sugeridas pela raridade dos manuscritos.
Enfim, a educação medieval caracterizou-se pelo monopólio da Igreja Católica,
baseada na transcendência, onde o nome de Deus justificava tudo.
26
2.2 O SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE E DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
O surgimento da universidade no mundo, decorreu do modelo europeu de
produção de conhecimentos, por volta dos séculos XII e XIII. Associado a esse cenário, surge
também a organização e proliferação dos colégios como lugares de formação dos letrados,
que se diferenciavam na adoção de métodos, disciplinas e saberes.
O aparecimento dessas instituições escolares na Idade Média, segundo Veiga
(2007), deu-se devido à reurbanização, que trouxe mudanças na sua forma de produzir e de
negociar os seus produtos, caracterizando mais tarde, por volta do século XVI, o período de
transição do feudalismo para o capitalismo. As cidades eram cercadas por muralhas, que por
sua vez eram constituídas de vilas, administradas por um bispo ou por um representante da
nobreza. Nos seus arredores, fixavam-se os subúrbios e parte das atividades agrícolas, além
das oficinas dos artesãos, ateliês e corporações.
Surge assim, o renascimento das cidades e o surgimento de uma nova classe
social, a burguesia. A palavra burgo,designa castelo, casa nobre, fortaleza ou mosteiro,
incluindo as cercanias. Com o tempo os burgos foram se transformando em cidades, cujos
arredores abrigavam os servos libertos que se dedicavam ao comércio, que viriam a ser
chamados de burgueses.
Destaca-se aí, outra força no controle político, o das comunas, decorrentes dos
movimentos comunais, liderados pelos burgueses em contraposição aos senhores feudais e
aos bispos. Entende-se que por meio da outorga da administração das comunas aos burgueses,
configuram-se as primeiras manifestações de governabilidade laica, distanciando-se da
influência e das regras eclesiásticas.
Devido ao comércio florescente, as cidades crescem e segundo Aranha (1996, p.
77), configura-se outra estrutura:
[...] começam as lutas contra o poder dos senhores feudais. Aos poucos as vilas se
libertam e transformam-se em comunas ou cidades livres.
Essas mudanças repercutem em todos os setores da sociedade. Onde só existia o
poder do nobre e do clero, contrapõe-se o do burguês. Serão três pólos da atividade
medieval: o castelo, o mosteiro e a cidade; e três os seus agentes: o nobre, o padre e
o burguês.
Com o desenvolvimento do comércio surgem novas necessidades e com elas a
reorganização do sistema educativo, agora educação não passa a ser privilégio somente dos
27
clérigos ou então dos leigos para instruírem-se religiosamente, os burgueses precisam
aprender a ler, a escrever e a calcular.
Em decorrência disso, surgem as escolas seculares. Secular significa século, do
mundo, que neste caso correspondia a atividades sem vínculo religioso. Então, no início, os
burgueses frequentavam as escolas seculares e monacais, porém requeriam uma educação
mais direcionada às suas atividades práticas.
As escolas seculares contestavam o ensino religioso e no seu início era
incumbência dos mestres o recebimento dos alunos em diferentes lugares, como nas suas
casas, na igreja, numa esquina de rua ou alugando uma sala.
Sobre o funcionamento dessas escolas, Aranha (1996, p. 78) menciona o relato de
um historiador francês Philippe Ariés, que diz o seguinte:
Essas escolas, é claro, eram independentes umas das outras. Forrava-se o chão com
palha, e os alunos ali se sentavam. [...] Então, o mestre esperava pelos alunos, como
o comerciante esperava pelo freguês. Algumas vezes, um mestre roubava os alunos
do vizinho. Nessa sala, reuniam-se então, meninos e homens de todas as idades, de
seis a 20 anos ou mais.
A partir do século XIII, a própria burguesia faz uma divisão de classe,
distinguindo a casta entre o rico patriciado urbano, o pequeno comerciante e os artesãos. O
primeiro desempenhava as atividades bancárias, aproximando-se da classe nobre,
desvalorizando o trabalho manual desenvolvido pelos artesãos. Logo, resolveram separar o
tipo de educação para cada um dos segmentos, sendo que para a burguesia plebeia foi
direcionado o estudo em escolas profissionais, onde a leitura e a escrita eram bem
rudimentares.
Essa forma de organização da sociedade burguesa é mencionada por Petitat (1994,
p. 50), da seguinte maneira:
No ápice das hierarquias urbanas encontraremos um patriciado formado pelas
famílias de grandes mercadores e pela nobreza das cidades. Em toda a parte, durante
os séculos XII e XIII, o poder municipal foi exercido por um número restrito de
famílias. Este patriciado logo foi coagido a dividir seu poder com as principais
corporações de artesãos; contudo, como regra geral, ele soube conservar sua
proeminência.
O mundo das comunidades de ofícios estende-se a atividades tão pouco importantes
que não chegam a organizar-se e a criar regulamentos. Ele subdivide-se em ofícios
maiores e menores.Os primeiros associam-se ao poder político das municipalidades.
Dentro de cada comunidade, pode-se distinguir os mestres, os companheiros e os
aprendizes, mais fechados são os ofícios e mais espírito de corpo tem seus
integrantes. [...]
Em todas as cidades , os trabalhos domésticos ocupam um número considerável de
pessoas: até mesmo um quinto da população flutuante composta de pessoas sem
28
oficio certo,andarilhos, servos fugidos, etc. Entre o patriciado e a população
composta por artesãos, pessoas dedicadas a atividades domésticas e marginais,
intercala-se uma categoria de letrados de status os mais variados: juízes,
administradores públicos, advogados, notários, médicos, professores, o alto clero, e
também, em nível mais modesto, os professores de escolas elementares de leitura e
de escrita, os escrivãos públicos, os clérigos e empregados dos comerciantes, da
administração, dos advogados e notários, etc.
Em decorrência dessa configuração social, aparecem novas carreiras profissionais
que requerem novas posturas e conhecimentos para o exercício do ofício. Trata-se do
aperfeiçoamento das técnicas de produzir, que geram, segundo Aranha (1996, p. 77), as
pequenas escolas nas cidades mais importantes, com professores leigos e nomeados pela
autoridade municipal. O autor descreve ainda que, o latim é adotado como língua oficial e que
ao invés do ensino do tradicional trivium e do quadrivium, passam a ser enfatizadas as noções
de história, de geografia e de ciências naturais, que constituíam as artes reais.
Surge também, a proliferação das corporações de ofício (universitates, associações
juridicamente reconhecidas por todos, universi) que, segundo Veiga (2007,p. 17), elas:
[...] decorrem das demandas da urbanização e do seu comércio. Organizadas de
forma sistemática, congregavam pessoas de um mesmo ofício que se submetiam a
estatutos regimentais e tinham serviços legitimados por meio da corporação.
Os estatutos das corporações de ofício regulavam as relações externas – com o poder
municipal e com o mercado (vendas, preços, aquisição de matérias-primas) – e as
relações internas, como o monopólio de seus produtos, das ferramentas e dos
saberes, e os vínculos entre mestres e aprendizes. Estes eram estabelecidos a partir
de contratos celebrados entre o mestre e o pai ou tutor do aprendiz e fixavam o
preço, a duração da aprendizagem e os deveres de ambos.
Então, nas cidades, os homens livres desenvolviam vários ofícios, sendo
aperfeiçoados à medida que recebiam influência do Oriente, mediante às Cruzadas. Essa
produção obedecia a uma regulamentação rigorosa das corporações de ofício (ou grêmios),
que determinavam o material a ser utilizado, o processo de fabricação, o preço do produto,
bem como as condições de aprendizagem.
O processo para abertura de uma oficina era rigoroso, requeria primeiramente a
comprovação de recursos financeiros, seguido da demonstração da capacidade de transformar
uma matéria-prima em produto, ser aprovado, pagar as taxas impostas e receber o título de
mestre para posterior concessão da licença e abertura do seu negócio, juntamente à
corporação. Aceitavam aprendizes, que viviam nas casas dos mestres, assumindo as despesas
da sobrevivência até o momento em que comprovassem as suas aptidões, mediante um exame,
para tornarem-se companheiros ou oficiais.
29
Com o passar dos anos, o ingresso nas corporações de ofício foi tornando-se cada
vez mais oneroso, excluindo assim, os homens mais pobres e destinando-se exclusivamente
aos filhos dos mestres. Essas corporações passam a ser organizadas, em meados do século
XII, na maioria das cidades européias, pela divisão em comunidades profissionais entre os
artesãos e os comerciantes.
Na visão de Petitat (1994, p.51) são
[...] Hierarquizadas, tentando obter o poder municipal através da oposição aberta ou
camuflada, dominadas na maior parte do tempo por comunidades de comerciantes,
precocemente instrumentalizadas nas monarquias centralizadoras, as corporações
formam unidades sócio-políticas, administrativas e econômicas de fundamental
importância. Juntamente com os clãs familiares, elas constituem a base das pequenas
sociedades urbanas medievais.
Essas corporações possuíam caráter de proteção aos artesãos. Protegiam contra o
medo e insegurança, contra a concorrência externa e de seus colegas, regulamentando as
técnicas, ferramentas, preços e salários, horas de trabalho, número de aprendizes e de
companheiros. Chegava a ser contraditória, pois ao mesmo tempo em que primava pela
independência de cada um, estabelecia a estrita subordinação entre todos.
Além das corporações de ofício, organizou-se na Europa, outro tipo de
agrupamento: a Universitas studii, oriunda da associação entre alunos e mestres para
transmissão e aprendizagem de conhecimentos desvinculados à doutrina cristã, influenciados
pelo desejo da ascensão social da burguesia.
Porém, segundo Aranha (1996, p. 79), a palavra universidade (universitas) não
significa inicialmente um estabelecimento de ensino, na Idade Média, mas sim a qualquer
assembleia corporativa, seja de marceneiros, curtidores ou sapateiros e em especial aqui, a
universidade de mestres e de alunos.
Nessa associação, alunos pagavam para assistirem aulas, o que era privilégio de
poucos. Contratavam professores para receberem lições sobre algum tema das essências
universais, termo associado à Essência Universal ou da Natureza Universal (Deus).
Acreditavam que o homem era capaz de entender e interferir nas coisas da vida, porém o bom
senso e a capacidade cultural não eram suficientes para nortear o destino da civilização
humana, pois com Deus estava a sabedoria e a força.
A sabedoria era entendida como a ciência pura e suprema da essência universal,
como uma forma de emancipação divina. Proclamavam que, a busca pela sabedoria para a
civilização humana era uma forma de emancipação divina, porque “Feliz é o homem que ache
30
a sabedoria e o homem que adquire entendimento; pois melhor é o lucro que ele dá do lucro
da prata, e a sua renda do que o ouro.”(Provérbio 3.13-14) http://www.bibliaon.com/sabedoria
As universidades surgem a partir da evolução das escolas catedrais com um
caráter mais corporativo que, segundo Cambi (1999), evoluíram para um novo instituto de
universidade – o studium generalle- como foi chamada num primeiro momento, por Bowen,
e pela formação de escolas urbanas independentes da Igreja, que durante três séculos
espalhou-se por todo o Ocidente até os dias de hoje, com o desafio de retomada do próprio
papel e da reorganização da sua imagem estrutural e cultural.
No decorrer do século XIII, as universidades conquistam a sua autonomia de
forma diferenciada, para cada uma delas. No início, elas eram vinculadas à Igreja e às
comunas. O vínculo com a Igreja acontecia pelas autorizações das licenças aos mestres e pelas
comunas, como autoridades municipais, os benefícios de não pagamento das salas, pela
participação direta na administração das universidades, até nas colações de grau.
Conforme Manacorda (2001, p. 150), a igreja
[...] manteve uma espécie de supervisão sobre as universidades através da concessão,
com exame prévio dos títulos de estudo, da autorização para ensinar, a licentia
docendi. (A conventatio era a cerimônia pública que sucedia à da concessão da
licentia, interna da universidade). Portanto, feita a exceção à importante iniciativa
dos mestres livres, nota-s euma continuidade ininterrupta pelo menos na direção
política, entre escolas episcopais e universidades.
As primeiras manifestações registradas do ensino universitário, aconteceram no
século X, em Salermo, na Itália, com o ensino de Medicina. Mas, os registros apontam o
século XII, como a época da florescência das universidades despontadas pelas de Paris,
Bolonha, Inglaterra, Oxford, seguidas das de Salamanca, Roma e Nápoles.
Em 1214, surge em Paris, a de Sorbonne, especializada em teologia, oferecendo
posteriormente direito e medicina, porém iniciada com um curso da trivium (artes liberais) .
Esse studium generalle nasce ao redor da escola episcopal contando com o prestígio de
Abelardo, um goliardo5
de carreira impressionante, que largou o ofício das armas para se
dedicar aos estudos.
A irreverência dos goliardos chamava a atenção da sociedade medieval, que
procurava excluí-los do convívio da sociedade sob o pretexto de não seguir as leis divinas.
Manacorda ( 2001, p. 147), expõe a visão dos goliardos como sendo
5 Goliardos, denominação dada aos estudantes pobres ou clérigos vagantes, que de origem urbana, camponesa
ou até nobre, deslocam-se entre as cidades em busca do prazer, escandalizando e polemizando pelas suas atitudes
os espíritos tradicionais.
31
Os estudantes ou clérigos vagantes, novos e diferentes herdeiros dos gyrovagi,
condenados por São Bento, não deviam ser hóspedes agradáveis para as cidades. O
nome que merecem - goliardos (talvez de Golias, o gigante filisteu, símbolo de
Satanás) - , mostra quanto, pelo menos alguns deles, dedicaram seus anos
universitários mais a divertimentos licenciosos do que aos estudos sérios,
aproveitando a licença, obtida ou arrancada, para afastar-se de seus mosteiros. Os
cantos goliárdicos remanescentes, especialmente da coletânea dos Carmina Burana,
falam mais de mulheres, vinho, caça desesperada ao dinheiro, conflitos com os
mestres e os cidadãos, do que estudos sérios.
Os goliardos eram considerados fugitivos sem recursos que sentiam-se atraídos
por Paris, conforme retrata Le Goff ( 2010, p.44):
Assim Paris, na realidade e simbolicamente, torna-se para uns a cidade-farol, a fonte
de toda a satisfação intelectual e para outros o antro do diabo onde se misturam a
perversidade dos espíritos conquistados pela depravação filosófica e as torpezas de
uma vida voltada para o jogo, o vinho, as mulheres. A grande cidade é o lugar da
perdição, Paris é a Babilônia moderna. São Bernardo brada aos mestres e aos
estudantes de Paris: Fugi do ambiente de Babilônia, fugi e salvai vossas almas. Ide
todos juntos para a cidade do refúgio, onde podeis vos arrepender do passado, viver
na graça para o presente, e esperar com confiança o futuro ( quer dizer, nos
mosteiros). Encontrarás bem mais nas florestas do que nos livros. Os bosques e as
pedras ensinar-te-ão mais do que qualquer mestre.
Ao chegar a Paris, Abelardo, dotado de um ímpeto forte e de uma elevada
autoestima, enfrenta um dos mais ilustres mestres parisienses, Guillaume de Chapeaux. Num
auditório, Abelardo o provoca, deixa-o acuado, e consegue detê-lo. Então, Abelardo torna-se
mestre adorado e seguido pelas pessoas para ser ouvido, provocando, desta forma, o
afastamento de seu adversário, que sem público para ouvi-lo, recolheu-se na montanha.
O mestre Abelardo não encontra mais adversários a sua altura, capaz de estimulá-
lo ao debate e consequentemente à gloria. Dotado de personalidade forte e de caráter
irreverente, não aceitava o fato de que os teólogos estavam numa condição superior a todos os
homens. Então, decidiu estudar teologia com o mais ilustre teólogo da época. Ao concluir
seus estudos de Teologia, retorna a Paris e retoma as suas atividades de mestre.
Na Bolonha, no início de 1100, aparece fortes indícios para o despontar de um
centro de estudos de direito, inspirados em Graciano e Irnério, sendo este último, um
estudioso do Corpus júris de Justiniano, especificamente nos princípios jurídicos que o
regulavam. Porém, o reconhecimento da corporação estudantil bolonhesa ocorrerá somente
em 1158. Inicialmente é reconhecida e especializada em direito canônico e civil, oferecendo,
posteriormente medicina.
32
A partir desses dois centros universitas, a universidade difundiu-se por toda a
Europa, com destaque da criação das universidades na Itália, na França, na Espanha (a
começar por Salamanca), na Inglaterra (pela de Oxford) , além de Portugal, da Alemanha e
dos países eslavos.
Torna-se importante salientar que inicialmente as universidades não funcionavam
em prédios ou estabelecimentos próprios. Sua constituição era configurada pelo agrupamento
dos indivíduos na condição de estudantes e/ou de mestres com atividades de estudo (studium).
Veiga (2007, p. 21), descreve esta situação, apontando que
Os mestres ministravam suas aulas em qualquer lugar- salas alugadas, na própria
casa ou mesmo em espaços das igrejas. Outra característica importante é que o título
concedido de autorização para a docência era reconhecido em outras cidades,
favorecendo assim a possibilidade de circulação dos mestres.
Para a obtenção do título e da concessão para o exercício da docência dos clérigos
e leigos, foi organizada uma associação para fazer o controle do licenciamento dos mestres,
que primeiramente era atividade exclusiva dos eclesiásticos. Para isso, era preciso que o
futuro mestre fosse orientado por um mestre autorizado e depois, por meio de um ritual de
iniciação (inceptio), desse a sua primeira aula, na presença de um bispo ou do chanceler. Se
aprovado, recebia a licencia docendi, condição sine qua non (do latim, sem a qual não pode
ser) para ingressar no ofício de mestre.
Contrapondo-se à hegemonia da Igreja para a outorga das licencia docendi,
estabeleceu-se um conflito entre os mestres e as autoridades eclesiásticas. Veiga (2007), relata
que esse costume expunha os futuros mestres a muitas arbitrariedades, numa dependência
total dos poderes da igreja, o que impulsionou mestres e alunos a buscarem uma forma mais
autônoma de organização, com estatutos próprios, e a invocar a proteção da Santa Sé.
Ao ser outorgada pelo papa a prerrogativa da concessão das licenças, as
corporações universitárias adquiriram uma autonomia parcial, pois a igreja permanecia
vinculada a essa instituição, uma vez que as universidades ocupariam o papel de centros da
cristandade, receberiam a proteção e os privilégios papais, a começar pelas prebendas, renda
eclesiástica que mantinha o sustento dos mestres. O ensino era gratuito.
Desta forma, havia a concessão da licença para ensinar, pelo arcediago6,
que
acontecia por meio da entrega das insígnias de sua função: uma cátedra (posição contratual,
de natureza permanente, destinada ao ensino e investigação numa disciplina científica, numa
6 vigário geral encarregado pelo bispo, da administração de uma parte da diocese, ocupando posição superior aos
clérigos.
33
universidade), um livro aberto, uma anel de ouro, a boina ou o barrete (veste sagrada para
cobrir a cabeça).
O recebimento de prebendas e a gratuidade do ensino eram concebidos pela
mentalidade cristã da época, que via o saber como um dom divino e que por sua vez, não
podia ser comercializado. Os mestres podiam receber recompensas materiais de seus alunos,
só não poderiam exigi-las, assemelhado a uma colaboração espontânea e como tal, alguns
pagavam e outros não. Manacorda (2001, p. 149), afirma que
Nas relações com os seus mestres, os estudantes tinham fortes poderes: de fato, eram
os próprios estudantes, através de seus representantes encarregados das collectae,
que os pagavam; às vezes nem pagavam. Diz a respeito Odofredo, sucessor de
Irnério em Bolonha: “Sabeis bem que, quando os doutores fazem coletas, o doutor
não pede aos escolares, mas escolhe dois deles para que sondem a vontade dos
outros; e os escolares se comprometem por intermédio deles. Mas os maus escolares
não querem pagar.”
Além da função de mestre, também lhes era conferida a oportunidade de
complementar renda com a ocupação de cargos administrativos, prestação de serviços a
soberanos ou o exercício do ofício em âmbito particular, devido a confiabilidade e
respeitabilidade social que a função apresentava.
Assim, a universidade passa a ser denominada de Universitas studii, uma
organização corporativa que faz funcionar o studium por meio de estatutos que garantem a
sua autonomia, combatendo as interferências internas. Conforme Veiga (2007, p.22), estes
estatutos
[...] variavam de acordo com as corporações de cada localidade e regulamentavam
os procedimentos de todos aqueles cujas atividades se ligavam ao studium: além de
professores e alunos, bedéis, livreiros, copistas, barbeiros e boticários( vinculados ao
estudo da medicina). Algumas características eram comuns: assembléias para
tomada de decisões ( realizadas em igrejas ou conventos), eleição de representantes,
garantia dos privilégios, ritual de exames e colação de grau).
A criação das universidades aconteceu sob circunstâncias diversas. Segundo
Verger (apud VEIGA, 2007), eram de três naturezas: as espontâneas, as formadas por
migração e as instituídas por autoridades religiosas ou da nobreza.
As espontâneas eram oriundas das escolas já existentes, a exemplo da
Universidade de Oxford (Inglaterra), de Paris (França) e a de Bolonha. Já as de migração,
surgiram em decorrência da organização da corporação de mestres e alunos dissidentes de
outra, como a Universidade de Pádua (Itália), que nasceu do movimento dissidente das
Universidades de Bolonha e de Cambridge (Inglaterra). E as criadas por papas ou nobres,
34
respeitavam a origem dos estatutos e privilégios da sua fundação, como as Universidades de
Nápoles (Itália), as de Salamanca e Valladolid (Espanha), a de Lisboa (Portugal) e as
primeiras universidades germânicas.
Outra forma de classificar as universidades, apontadas por Veiga ( 2007), é quanto
a suas divisões administrativas, como as nações ou as faculdades. As nações referiam-se à
origem étnica dos alunos (franceses, alemães, ingleses, entre outros), que objetivavam
proteger e/ou auxiliar compatriotas, bem como eram responsáveis pela acolhida dos mestres e
dos estudantes. Enquanto que as faculdades foram subdivisões ligadas às facultas, aquelas
com estudos afins ou referentes ao conjunto de pessoas com estudos específicos em comum.
Dessa forma, organizaram-se as faculdades de artes (agrupando os mestres e
alunos das sete artes liberais), as faculdades dos estudos superiores de teologia, direito e
medicina. As universidades não ofertavam todos esses estudos, somente por volta do século
XIV é que houve uma concentração de estudos mais completa e diversificada, com a oferta
dos Estudos Gerais (Studium generale) , com representação de todas as disciplinas.
As universidades eram compostas então, pela corporação dos professores (leigos,
clérigos7 ou goliardos) e dos estudantes e do seu principal funcionário, o reitor. A figura de
reitor era indicada pelo papa, reis, príncipes e pelos dirigentes municipais. Fazia parte de suas
atribuições convocar e presidir as assembleias, embora assistido por um conselho composto
de delegados representantes dos alunos e por alguns funcionários. Administrava a situação
financeira, fiscalizava as aulas e inspecionava as salas de aula alugadas. Gozavam também de
certos privilégios como o da isenção da prestação de serviço militar e do pagamento de alguns
impostos, benefícios estes que não eram bem vistos entre os membros da corporação
universitária e de ofício, assim como pela população em geral.
Esse processo aconteceu em momentos distintos em cada universidade, conforme
diz Le Goff (2010, p. 95):
Em Paris, o chanceler perde, praticamente em 1213, o privilégio de conferir a
licença, quer dizer, a autorização de ensinar. Esse direito passa aos mestres da
Universidade. Em 1219 o chanceler, por ocasião da entrada de membros das ordens
mendicantes na Universidade, tenta se opor a essa novidade. Perde então, suas
derradeiras prerrogativas. Em 1301, deixará mesmo de ser o chefe oficial das
escolas. Por ocasião da grande greve de 1229-1231, a Universidade deixa de
pertencer à jurisdição do bispo.[...]
Em Oxford, o bispo Lincoln, separado da Universidade por quase duzentos
quilômetros, preside-a oficialmente por intermédio de seu chanceler.[...] Mas logo o
7 Segundo Le Goff, a palavra é originada do francês, clerc, que embora tenha o sentido associado ao membro do
clero, o de sábio, erudito, intelectual, aqui é o descendente de uma linhagem original do Ocidente medieval,
como a dos intelectuais, a dos mestres das escolas.
35
chanceler será absorvido pela Universidade, eleito por ela, torna-se seu oficial, em
vez de ser oficial do bispo.
Em Bolonha a situação é mais complexa. A Igreja havia muito tempo se
desinteressado do ensino do direito, considerado uma atividade secular. Só em 1219
a Universidade recebeu como chefe o arcediago de Bolonha, que parece exercer a
função de chanceler e , às vezes, chega a ser designado por esse nome. Mas sua
autoridade é de fato exterior à Universidade. Ele se contenta em presidir as
promoções, em dar a absolvição às ofensas feitas a seus membros.
O enfraquecimento do poder religioso para a propagação e detenção dos saberes
começou a preocupar a Igreja que acompanhava de perto todo esse movimento. Como
mecanismo de controle, a partir do século XII, a Igreja conservadora instala na Europa, a
Santa Inquisição ou o Santo Ofício, como mecanismo de controle e de coerção para os
homens que desviem os seus atos da fé cristã. Esse controle era exercido com rigor e censura,
determinando a punição dos dissidentes desde a queima de suas obras até a de seus autores.
Mesmo assim, a universidade liberta-se parcialmente da influência da Igreja,
sendo que enfrentaria lutas contra o poder comunal. Os burgueses por sua vez, reclamavam da
população universitária, quanto ao distanciamento da sua jurisdição, da bagunça obtida por
meio de crimes cometidos por alguns estudantes. Além da interferência sobre o seu poder
econômico, no que diz respeito ao pagamento de impostos sobre os aluguéis, definição de
preços na comercialização dos gêneros alimentícios e na imposição do uso da justiça nas
transações comerciais.
Por volta de 1321 as universidades deixaram de receber interferências comunais.
Esse fato ocorreu primeiramente pela união e determinação das corporações universitárias
seguido da ameaça de greve e de secessão. Essa ameaça foi determinante, pois os poderes
civis e eclesiásticos estavam convencidos das vantagens na presença dos universitários, que
ao mesmo tempo lhes proporcionavam rendimento econômico, além de prestígio.
Porém, quando tudo caminhava para a laicização das universidades, elas se viram
obrigadas a retornarem ao poder da Igreja, devido ao apoio recebido pelo papado na
independência das comunas, conforme elucida Le Goff (2010, p. 99):
[...] Sem dúvida a Santa Sé reconhece a importância e o valor da atividade
intelectual; mas suas intervenções não são desinteressadas. Se tira os universitários
das jurisdições leigas é para deixá-los sob a jurisdição da Igreja: assim, para
conseguir esse apoio decisivo, os intelectuais se vêem forçados a escolher o caminho
da dependência eclesiástica, contrariando a forte corrente que os empurra para o
laicismo. Se o papa retira do controle da Igreja local os universitários - e não
totalmente, uma vez que ver-se-á a importância, no curso do século, das
condenações episcopais no domínio intelectual – é para submetê-los à Santa Sé,
integrá-los à sua política, impor-lhe seu controle e suas finalidades.
Nesse sentido, os intelectuais estão submetidos, como as ordens novas, à sé
apostólica que os favorece para domesticá-los. Sabe-se como essa proteção
36
pontifícia desviou, no decorrer do século XIII, as ordens mendicantes de seu caráter
e de seus objetivos primitivos. Sabe-se, especialmente, dos silêncios e da retirada
dolorosa de São Francisco de Assis diante desse encaminhamento de sua Ordem,
participante a partir daí das intrigas temporais, da repressão às heresias pela força, da
política romana. Assim se fez também os intelectuais, quanto à independência,
quanto ao espírito desinteressado dos estudos e do ensino.
Esse movimento demonstra a ambiguidade e a contradição que a universidade
precisaria administrar no decorrer da sua existência, ora como instituição livre, ora como
instituição vinculada aos setores da sociedade.
As universidades exigiam dos estudantes um percurso de dedicação nos estudos e
de tempo, conforme menciona Cambi (1999, p. 183):
Os estudos duravam de cinco a sete anos e terminavam ( em torno dos 21 anos) com
uma “cerimônia de disputa ou debate” (determinatio) que designava o estudante
como bacharel. Depois de outros dois anos de estudos, o estudante era designado
magister (através da licentia conferida pelo chanceler). Seis meses depois, era
licenciatus, com uma cerimônia, e magister para todos os efeitos.
Nessa época de efervescência cultural, tornou-se necessária a adoção de outros
equipamentos para os membros da corporação universitária, descritos no dicionário de Jean de
Garland e mencionado por Le Goff ( 2010, p. 113), que são os seguintes:
[...] “Eis os instrumentos necessários aos clérigos: livros, uma escrivaninha, uma
lâmpada noturna com sebo e um castiçal, uma lanterna, e uma peça de boca ampla
com tinta, uma pena, um fio de prumo e uma régua, uma mesa, e uma férula, uma
cadeira, um quadro-negro, uma pedra-pomes com uma raspadeira e giz. A
escrivaninha ( pulpitum) chama-se estante (letrum) em francês; deve-se observar que
é provida de uma graduação através de entalhes que permitem alçá-la à altura em
que se vai ler, porque a estante é o descanso onde se põe o livro. Chama-se
raspadeira (plana) um instrumento de ferro com o qual os pergaminheiros preparam
o pergaminho.”
Já os intelectuais medievais, que recorriam ao ensinamento, realizado,
essencialmente oral, requeriam de poucos apetrechos, dentre eles o livro.
A tradição do ensino nas universidades vinha do método escolástico que impunha
ao mestre habilidade em comunicação oral (exposição e argumentação), com raciocínio
lógico, domínio das obras, impondo aos alunos a reprodução fiel mediante a memória ou
canto. Nessa época, o ensino era realizado de forma oral e tinha como base de aprendizagem o
exercício da memória.
Isso, segundo Veiga (2007), proporcionava aos mestres o prestígio e o poder, uma
vez que não utilizavam o pensamento das autoridades mediante registros escritos, pois ao
37
expor a arte do raciocínio formal de maneira convincente conferia status universitário ao
professor e aos alunos. Essa situação não diminuiu a importância dos livros, uma vez que os
saberes das sete artes liberais tornaram-se saberes livrescos, ordenados em obra a ser
estudada. O acesso aos livros era limitado, pois eram textos manuscritos em papel e o seu
custo tornava a aquisição dispendiosa.
A concepção do livro na idade medieval difere da atual. Embora fosse utilizado
como um dos instrumentos essenciais à vida universitária, ele precisava adaptar-se às novas
necessidades da sociedade, pois a escrita era fundamental à vida da coletividade e a dos
indivíduos letrados. A visão da escrita, traçada a mão e de forma corrente, apresentada por
Henri Pirenne, é relatada por Le Goff (2010, p.114). Ele diz que:
[...] “O cursivo corresponde a uma civilização em que a escrita é indispensável à
vida da coletividade tanto quanto à dos indivíduos; a minúscula (da época
carolíngia) é uma caligrafia apropriada à classe dos letrados, no seio da qual a
instrução se confina e se perpetua. É altamente significativo constatar que o cursivo
reaparecerá ao lado dela na primeira metade do século XIII, quer dizer, precisamente
na época em que o progresso social e o desenvolvimento da economia e da cultura
legais irão generalizar outra vez a necessidade da escrita.”
Nesse período, a escrita passa a adotar o status de cultura, de sabedoria, vinculada
ao homem letrado e à tarefa de gente graúda8.
Lentamente, o uso da escrita segrega as
pessoas, evidenciando a desvalorização dos analfabetos com o desprestígio dos usuários da
linguagem oral até então utilizada nas formas de ensino e de aprendizagem. Para Petitat
(1994), a cultura do texto se apresenta como dominação cultural, como expressão da
dominação das elites urbanas em plena expansão. Essa estreita vinculação entre o uso e o
domínio da escrita com as classes sociais privilegiadas, é decorrente do surgimento das
universidades, que recorre ao texto das leis ou ao dos livros sagrados para a formação dos
sujeitos. Ainda, Petitat ( 1994, p. 69), diz que a
Expansão do uso da escrita, erosão do monopólio exclusivo da Igreja em proveito de
grupos dominantes, criação de escolas como locais de transmissão de técnicas de
escrita, de leitura e de cálculo, e também como locais para a formação em práticas
jurídicas, médicas e comerciais; estas são algumas das transformações que o
renascimento urbano e comercial acarretou.
Trata-se de um marco na história, pois a revolução do conhecimento, a partir dos
escritos nos livros, acontecera no século XIII, nas oficinas universitárias. Utilizavam-se os
38
antigos copistas, que faziam a reprodução das peças. A primeira cópia, a oficial da obra, era
feita em cadernos de pele de carneiro dobrada em quatro, era denominada de peça: pecia, para
posteriormente ser reproduzidas em cópias sucessivas do manuscrito e que reunidos, geravam
um exemplar. A confecção desses manuscritos ficava sob a supervisão das universidades.
O livro adquire aqui o caráter da portabilidade dos nossos dias, pois deixam de ser
obras armazenadas nas abadias, de consulta restrita, para tornarem-se constantemente
manuseados por estudantes e mestres. A prova disso, é que os mestres e alunos deveriam ler
não somente as obras apontadas nos programas de cada estatuto universitário, como também
os registros de cada curso ministrado pelos mestres.
Os estudantes acompanhavam os cursos e anotavam (relationes) as falas dos
mestres. Ao mesmo tempo, o conteúdo desse curso era publicado para ser utilizado,
consultado no momento dos exames.
Os livros foram sendo aperfeiçoados ao longo dos tempos, visando o aumento de
reproduções, facilidade de manuseio e rapidez na sua escrita, desde a substituição da letra
uncial9 pela minúscula gótica
10, escrita agora com pena de ganso, ao invés da escrita com pena
feita de caniço. Eram reproduzidos em série e precisavam ser fáceis de manuseio. Para isso,
sofreram as modificações apontadas por Le Goff (2010): as páginas passaram a ser
numeradas, uso de rubricação (destaque em cor vermelha para os títulos dos capítulos ou para
a letra inicial), do índice das matérias, da presença da lista das abreviaturas e do recurso de
apresentação , sempre que possível, em ordem alfabética.
Dessa maneira, o livro ultrapassa a confecção artesanal para transformar-se num
produto industrializado. A categoria dos copistas, passa a ser desempenhada, então, por
estudantes pobres, como forma de subsistência e por livreiros.
Inicialmente, o ensino utilizava o raciocínio elaborado por meio da dedução
formal, obedecendo às regras do silogismo. Partia-se de duas premissas, para chegar-se a uma
terceira, logicamente correlacionada, que resulta na conclusão, como por exemplo: Todo
homem é mortal. Sócrates é mortal. Logo, Sócrates é homem. Esta elaboração mental era
conduzida pela ausência de contradições, na busca da harmonia do discurso e no
estabelecimento de proposições incontestáveis e gerais.
8 Gente graúda, terminologia adotada por Petitat, ao referir-se à camada da população elitizada e privilegiada
economicamente, para a condição contrária, atribui a denominação de povo miúdo, classe social desprovida dos
bens da sociedade.
9 Letra uncial, letra mais desenhada e de difícil compreensão.
10 Letra Gótica, mais arredondada, de fácil escrita e leitura, sendo desenhada e/ou ilustrada, apenas as
maiúsculas.
39
O uso da comunicação oral, como mecanismo de ensino, era possível porque
segundo Verger (apud VEIGA, 2007), naquela época, a biblioteca dos estudantes continha em
torno de 12 (doze) obras, entre os textos religiosos e as obras fundamentais para o estudo. Os
professores possuíam em torno de 30 (trinta) livros referentes às autoridades para prepararem
as suas aulas, uma vez que a quantidade de livros utilizada pelos professores ou alunos era
indicativo de saber e conferia-lhes autoridade.
Posteriormente, com a influência do mestre parisiense Abelardo, essa concepção
foi modificada. Ele apresentou um contraponto à ideia defendida até então, pela Igreja, de que
as coisas do mesmo gênero eram universais (concepção universalista), que os sujeitos
pensariam da mesma forma.
Abelardo afirmava que cada indivíduo possui uma essência própria, o que lhe
permite formulações próprias. Essa afirmação suscitou o estudo da lógica, na autoridade de
Organon e de Aristóteles. Para Veiga (2007, p. 26)
[...] Vale ressaltar que, para o exercício do silogismo, não se recorria a uma
identificação com o sistema filosófico aristotélico, mas com a estrutura de seus
textos. Buscavam-se, então, meios de refutação na construção de argumentos
plausíveis resultantes das disputas ( disputation). Também com base em Aristóteles,
ensinava-se retórica selecionando do texto generalizações de caráter verossímel e,
portanto, capazes de convencer.
Se o processo de ensino era embasado na repetição, utilizando a memória, as
aulas eram organizadas, basicamente, a partir da lectio (leitura) e da disputatio (debates).
Manacorda (2001, p. 153), narra sinteticamente o método adotado por um mestre
universitário:
Para termos uma idéia de como se realizavam os estudos universitários é preciso ler
algum depoimento direto dos mestres. Odofredo, discípulo dos discípulos de Irnério
e professor direto de direito em Bolonha desde 1228, assim apresenta aos estudantes
o programa de seu curso: “Quanto ao método de ensino, seguirei o método
observado pelos doutores antigos e modernos e particularmente pelo meu mestre; o
método é o seguinte: primeiro, dar-vos-ei um resumo de cada título antes de
proceder à análise literal do texto; segundo, farei uma exposição a mais clara e
explícita possível do teor de cada fragmento incluido no título; terceiro, farei a
leitura do texto com o objetivo de emendá-lo; quarto, repetirei brevemente o
conteúdo da norma; quinto, esclarecerei as aparentes contradições, acrescentando
alguns princípios gerais de direito ( extraídos do próprio texto), chamado
comumente Brocardica, como também as distinções e os problemas sutis e úteis
decorrentes da norma, com suas respectivas soluções, dentro dos limites da
capacidade que a Divina Providência me concederá. Se alguma lei merecer, em
virtude de sua importância e dificuldade, uma repetitio, essa repetição será feita à
noite. As disputationes realizar-se-ão pelo menos duas vezes por ano: uma vez antes
do Natal e uma vez antes da Páscoa, se estais de acordo.”
40
A didática dos intelectuais medievais, mestres daquela época, encontrava-se
ancorada no método escolástico, que buscava desenvolver o pensar, calcado em algumas leis.
Dentre elas, em primeiro lugar, as leis da linguagem, que por meio das palavras buscavam
explicar os conteúdos, sendo necessário estabelecer relações entre palavra, conceito e o ser.
Os pensadores e os mestres querem falar bem e saber do que falam, recorrem, portanto à base
gramatical.
A próxima lei a ser seguida, é a da demonstração, que se utiliza da dialética que,
segundo Le Goff (2010), requer um conjunto de procedimentos que fazem do objeto do saber
um problema, que os dialéticos expõem e defendem sua solução contra os opositores,
resolvem-no e convencem o ouvinte ou o leitor.
Outra lei a ser seguida é a da autoridade, uma vez que a escolástica se alimenta de
textos, passam a ser referência de consulta e de uso as obras que se fundamentam no
Cristianismo e nos pensadores antigos. Passam a ser textos e saberes norteadores aqueles
originários da Bíblia, dos Padres, do Platão, do Aristóteles e dos árabes.
Já às leis da imitação, foram incorporadas as leis da razão com as prescrições de
autoridade, fundamentadas pela ciência. A exemplo disto cita-se a Teologia, que apela para a
razão, tornando-se uma ciência.
Caminhando para a próxima lei, encontra-se a dos exercícios, atividade peculiar,
proposta pelos mestres aos estudantes, baseados em Quaestio, Disputatio e Quodlibet,
explicados por Le Goff (2010, p.120), da seguinte maneira:
Com base no comentário de texto, a lectio, análise em profundidade que parte da
análise gramatical, a qual produz a letra (littera), ergue-se a explicação lógica que
fornece o sentido (sensus) e termina pela exegese que revela o conteúdo da ciência e
do pensamento (sententia).
Mas o comentário provoca a discussão. A dialética permite ultrapassar a
compreensão do texto para ir aos problemas que levanta, faz com o texto se apague
diante da busca da verdade. Uma extensa problemática substitui a exegese. De
acordo com os procedimentos próprios, a lectio se desenvolve em quaestio.
O texto assume o papel de recurso para a discussão, muda de passivo para tornar-
se ativo, torna-se inclusive questionável. Assim é que nasce o intelectual universitário: o
mestre pensa e faz pensar. Dá soluções para os problemas que resulta na determinatio, obra de
sua elaboração mental, impulsionada pela quaestio, que promove a discussão, consolidando a
disputatio.
41
A realização dessa metodologia era valorizada e respeitada por todos os membros
da universidade, pois os dias de disputatio seguiam um ritual que transcorria segundo a
descrição do Padre Mandonnet, mencionada por Le Goff (2010, p. 120-121):
[...] Quando um mestre disputava [dirigia uma discussão] todas as aulas dadas na
parte da manhã pelos outros mestres e pelos diplomados da faculdade cessavam, só
o mestre que mantinha a sua disputa dava aula curta para permitir que os assistentes
chegassem; a disputa começava em seguida. Preenchia uma parte mais ou menos
considerável da manhã. Todos os diplomados da faculdade e os alunos do mestre
que disputava tinham que assistir ao exercício. Os outros mestres e estudantes,
parece, estavam liberados; mas não há dúvida de que uma parte deles permanecia lá,
em maior ou menor número, dependendo da reputação do mestre e do tema da
discussão. O clero parisiense, assim como os prelados e outras autoridades
eclesiásticas de passagem pela capital, freqüentavam habitualmente essas justas que
apaixonavam os espíritos. A disputa era o torneio dos clérigos.
A questão a ser discutida na disputa era previamente fixada pelo mestre que devia
sustentar a disputa. Assim que se fixava o dia, era anunciada nas outras escolas da
faculdade...
A disputa realizava-se sob a direção do mestre, mas não era ele que exatamente
disputava. Era um diplomado que assumia a função de responder e assim se iniciava
no aprendizado desses exercícios. [...] O diplomado respondia aos argumentos
propostos e, quando era necessário, o mestre o auxiliava.
Durante a disputa, era preciso responder a todas as objeções para posteriormente
apresentar alguns argumentos a favor da doutrina que iria propor. Iniciava-se então, a
exposição doutrinal, que requeria uma apresentação com detalhes convincentes sobre a
questão em debate. Ao concluir o debate, eram enviados escritos pelo mestre ou por um
ouvinte que constituíam as Questões Disputadas, encerrando-se assim mais uma disputa.
Além das disputas marcadas acerca de um tema, poderiam ser marcadas pelo
mestre também, duas sessões ao ano, sobre um problema levantado por qualquer pessoa e
referente a qualquer assunto, era o que chamavam de disputa quodlibética, que segundo Le
Goff (2010), envolveria uma discussão ampla, sobre todas as partes de uma disputa que não
suscitasse do mestre.
Esse tipo de disputa era temido pelos mestres, pois eles não detinham o controle
sobre as perguntas levantadas, podendo cair em contradições ou obrigá-los a se pronunciar
sobre assuntos de ordem intelectual ou política, sobre os quais não gostariam de se
pronunciar.
A organização dos estudos universitários era regulamentada pelos estatutos
universitários, que variavam de universidade para universidade, de local para local. Eles
definiam a idade ideal para o ingresso, a duração dos estudos para obtenção do grau e do
título, os programas de ensino, o método adotado, os períodos das provas finais, enfim, todos
os procedimentos e metodologia a serem utilizados por aquela corporação universitária.
42
Em geral, o ingresso à universidade era precedido do ensino da gramática (da
leitura e escrita), sem fazer parte da mesma. Às vezes, este ensino primário ou secundário era
realizado parcialmente dentro delas ou por elas controlado. Segundo Le Goff (2010, p. 105), o
ensino universitário funcionava da seguinte forma:
Pode-se dizer, grosso modo, que o ensino básico das universidades – o das artes –
durava seis anos para alunos entre os 14 a 20 anos; isso é que prescreviam em Paris
os estatutos de Robert de Courson. Compreendia duas etapas: o diploma do
secundário ( baccalauréat) ao fim de dois anos, pouco mais pouco menos, e o
doutoramento ( doctorat), no fim dos estudos. Medicina e Direito eram cursos para
as idades seguintes, entre 20 e 25 anos. Os primeiros estatutos da Faculdade de
Medicina de Paris prescrevem seis anos de estudos para obtenção de licença ou
doutoramento em Medicina- uma vez obtido o mestrado em Artes.A Teologia, por
fim, exigia longo fôlego. Os estatutos de Robert de Courson exigiam oito anos de
estudo e idade mínima de 35 anos para obtenção do doutoramento.
O ensino consistia de textos comentados, das obras do programa de exercícios e
dos seus respectivos autores, que também variavam conforme o estatuto universitário. A
obtenção do grau modificava-se em cada estatuto, bem como o tempo para adquiri-lo, sendo
universal a licencia docendi (licenciatura), que garantia o ingresso na corporação dos
bacharéis mediante a avaliação de um júri de mestres, ao qual o candidato ministrava uma
lição e respondia a perguntas.
Para obtenção do grau de doutor, na universidade de Bolonha, o futuro jurista
deveria passar por duas etapas, primeiramente o exame propriamente dito (examen ou examen
privatum) e posteriormente o exame público (conventus, conventus publicus, doctoratus), que
constava de uma cerimônia. Le Goff (2010, p. 107), descreve a realização destes exames da
seguinte maneira:
Algum tempo antes do exame privado o candidato era apresentado pelo consiliarius
de sua nação ao reitor, ao qual jurava que cumpriria as condições exigidas pelos
estatutos e que não tentaria corromper os examinadores. Na semana que precedia a
data do exame, um dos mestres o apresentava ao arcediago, respondendo por sua
capacidade de enfrentar a prova. Na manhã da prova, depois de ouvir a Missa do
Espírito Santo, o candidato comparecia diante dos colégios dos doutores, um dos
quais lhe dava passagens para comentar.O examinando retirava-se, então, para sua
casa a fim de preparar esse comentário que faria no fim do dia em um local público (
mais frequentemente a catedral), diante de um júri de doutores, em presença do
arcediago, que não podia intervir. Depois do comentário exigido, ele respondia às
perguntas dos doutores, que em seguida se retiravam e votavam. Quando se chega a
uma decisão por maioria, o arcediago proclamava o resultado.
O candidato ao ser aprovado nesse exame, tornava-se licenciado, condição prévia
para o recebimento do título de doutor, que previa passar por um exame público para a
obtenção do mesmo, como condição para ensinar, na qualidade de mestre. Esse por sua vez,
43
dava-se no interior de uma catedral, onde o licenciado deveria fazer um discurso e em seguida
apresentar uma tese sobre um ponto do direito, seguida de defesas contra as inúmeras
argumentações realizadas pelos estudantes. Era a sua estréia na condição de mestre, numa
disputa universitária.
A obtenção do grau, ao término de uma faculdade, era composta de rituais.
Requeria, além da realização dos exames, a realização de uma programação que envolvia
presentes, festejos e banquetes, custeados pelos graduandos, que proporcionavam a comunhão
espiritual do grupo e a admissão do novo membro em sua corporação.
Enfim, nesse contexto surge a figura do docente universitário, mestre, que
desenvolve as suas atividades de ensino, a partir do método escolástico, com a adoção da
lógica Aristotélica, traduzida para o latim (especialmente a partir do século XIII),
consagrando as corporações de estudo como espaço de fermentação cultural, devido a
utilização da razão para explicação dos fatos , embora apoiados na fé.
A escolástica enquanto método, com o seu rigor e disciplina, preconizando a
obediência às leis da razão, influenciou decisivamente, até os dias de hoje, a cultura e o
pensamento ocidental.
2.3 O ENSINO SUPERIOR E A CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL
A história da educação brasileira retrata a influência do período de transição
europeia, da Idade Média feudal para a Modernidade capitalista. É nesse contexto que a
sociedade brasileira se organiza e começa a organizar o ensino superior brasileiro, baseada
numa economia agrária, densamente povoada, capaz de produzir gêneros alimentícios e
matérias- primas em grande escala para a manufatura europeia.
Nesse sentido, aborda-se, a seguir, o processo de construção histórica da educação
superior no Brasil, apontando a constituição da universidade sob a influência dos diferentes
modelos dessa instituição, confrontando-os no processo histórico na Europa, nos Estados
Unidos da América e particularmente o Brasil. Apresenta também, os aspectos legais de
funcionamento da universidade brasileira até os dias de hoje.
44
2.3.1 Contexto Histórico
O século XVI, período da colonização brasileira pelos portugueses, é decorrente
da revolução social ocorrida na Europa, no século XV. Esse período é marcado pela
substituição de um sistema político, econômico e social, o feudalismo, que predominou
durante toda a idade média, tendo como fonte de riqueza, a terra.
O uso da terra foi perdendo força, os campos foram abandonados e as cidades
burguesas tornavam-se centro das atividades econômicas, onde o lucro e os seus atrativos
despontavam. Ocorre também a difusão de alguns inventos, impulsionando o progresso
técnico-científico da sociedade, entre eles: a invenção da bússola, da pólvora, o surgimento da
imprensa, ocasionando a propagação do livro.
Nesse contexto, a vida urbana é fortalecida e ocorre o aumento da população nas
cidades. A comunicação tornava-se mais veloz, iniciavam-se as navegações marítimas e a
expansão do comércio. Surgia também, uma nova classe social, a da burguesia, que reunia
banqueiros, artesãos, mercadores, camponeses, baseada na troca das mercadorias por dinheiro,
fortalecendo o comércio, que superou a troca dos produtos cultivados na terra, o escambo.
Esse século é marcado pela Renascença europeia, também chamado de
Renascimento11, que segundo Aranha (1996), desencadeia um movimento chamado
humanismo, que busca associar a ideia de homem e de cultura desvinculada das concepções
teológicas da Idade Média, sem desconsiderar a religiosidade, buscava superar o
teocentrismo, enfatizando os valores antropocêntricos, mais humanos e terrenos.
É marcado também, por profundas transformações e contradições, que
caracterizam a modernidade, pelas suas características que envolvem a secularização, o
individualismo, o domínio da natureza, o Estado moderno territorial e burocrático, a ênfase da
ciência, a afirmação da burguesia , da economia de mercado e do modelo capitalista. É a volta
do estudo dos clássicos antigos com um novo olhar, livres da tradução dos monges, com a
busca da cientificidade e da estética.
Na Europa, inicia-se a laicização do ensino bem como a proliferação das escolas
públicas, devido ao movimento da Reforma, liderado por Martim Lutero, na Alemanha. Para
11
Período de transformações culturais, econômicas, políticas e de religiosidade, que caracterizaram o momento
de transição do feudalismo para o capitalismo. Rompe-se com as estruturas medievais e ressignifica-se a postura
do homem, que passa a utilizar a cultura e a ciência para explicar os fatos e fenômenos do cotidiano,
fortalecendo os sentimentos de liberdade social e individual.
45
Cambi (1999), o protestantismo afirma-se no princípio do direito-dever de todo cidadão em
relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da obrigação e da
gratuidade da instrução, não estando mais o indivíduo condicionado na crença da verdade
com a figura divina, Deus.
O modelo de cultura que o movimento reformador adota nas escolas é o
humanístico, priorizando, assim, o estudo das línguas (as antigas e as nacionais: latim,grego,
hebraico e alemão), por meio do estudo da gramática, pois para Lutero, as línguas eram as
bainhas na qual estavam guardadas a espada do Espírito e era por meio delas que o homem
compreenderia a verdade do Evangelho.
Ele baseava-se na concepção pedagógica que a instrução era um bem universal e
desta forma todo homem poderia cumprir os seus deveres sociais. Assim, a educação passava
a ser uma obrigação para os cidadãos e um dever para os administradores das cidades.
No processo educativo, o mestre deveria possuir em equilíbrio as atitudes de amor
e de severidade, uma vez que iriam substituir os pais e por acreditar que com o amor obtém-se
mais do que com o medo servil e com a coerção.
Em âmbito universitário, há uma renovação nos cursos com a introdução de novas
matérias, entre elas a matemática, que era ensinada apenas com fins práticos e comerciais,
bem como uma concepção mais humanista geral (filosófica e literária).
Com a Reforma Protestante, rompe-se a hegemonia da Igreja e a unidade do
cristianismo, provocando uma renovação no meio eclesiástico. Porém, ocorre reação da Igreja
Católica por meio do Concílio de Trento (1546- 563), segundo Cambi (1999), confirmando os
pontos essenciais da doutrina católica, a sua essencialidade e o valor dos sacramentos, define
novas tarefas para os eclesiásticos no plano disciplinar e pastoral, dá um forte impulso aos
estudos bíblicos e teológico-filosóficos, favorecendo o nascimento de ordens religiosas com
objetivos de frear a heresia protestante e difundir a religião católica nos países do Novo
Mundo.
Essas medidas constituíram a essência do movimento de reação da Igreja à
Reforma Protestante. Comumente denominada de Contra-Reforma, é um mecanismo de
enfrentamento às Igrejas Protestantes espalhadas pela Europa e como resposta às fortes
pressões recebidas dos monarcas fiéis ao catolicismo.
Esse movimento adquire o caráter eminentemente pedagógico, que renova a
função educativa tanto para os eclesiásticos quanto para os jovens descendentes de grupos
dirigentes, a elite da época. É neste ponto que reside a principal diferença entre os dois
movimentos e, conforme Cambi (1999, p. 256) aponta:
46
[...] Nisso consiste a principal diferença entre o movimento da Reforma e o da
Contra-Reforma. O primeiro privilegia a instrução dos grupos burgueses e populares
com o fim de criar as condições mínimas para leitura pessoal dos textos sagrados,
enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo
cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo político e social
expresso pela classe dirigente.
Esse interesse mais pronunciado da Igreja católica pela dimensão educativa é
explicada pela renovada concepção de homem elaborada pela teologia tridentina e
na definição de novas tarefas pastorais atribuídas à instituição eclesial.O homem se
redime do pecado não pela fé, mas também pelas obras. Já que a graça de Deus só
age se o homem se dispuser a aceitá-la, ele deve ser preparado para esse escopo.
Outro motivo que torna necessária a intervenção educativa em seu favor é dado pela
sua condição de pecador, da qual só pode se livrar se conseguir reprimir os instintos
e adquirir os hábitos próprios do bom cristão.
Em 1534 é fundada a Companhia de Jesus, por Inágcio Loyola, baseada na
Reforma Católica, onde os jesuítas faziam votos de obediência à Igreja Católica, colocando-se
a serviço da defesa da fé e tornando-se um soldado de Cristo, com a função de implementar os
preceitos educativos da Contra-Reforma. A Companhia de Jesus surgiu então, em decorrência
do Concílio de Trento para combater a Reforma Protestante, liderada por Martin Lutero e para
formar padres e/ou teólogos, capazes de combater as adversidades do século XVI. Várias
missões são empreendidas pela Companhia em toda a América, especialmente nas colônias
espanholas, no Brasil, e no Canadá francês.
São denominados jesuítas, os seguidores da Companhia de Jesus que, segundo
Cambi (1999), segue os princípios militares, com disciplina rígida e obediência ao chefe
supremo, sendo uma espécie de “milícia” a serviço da Igreja de Roma, capaz de controlar os
aspectos da vida individual e social dos povos não cristãos da Ásia, das Américas e da África.
É acima de tudo, uma ordem missionária que se utiliza do instrumento educativo,
por meio do catecismo, para enfrentar o movimento da Reforma. Para isso, descobrem que
teriam maior eficácia, se trabalhassem com os jovens, pois os adultos demonstravam
intolerância e que o instrumento dessa propagação deveria ser por meio da criação e da
multiplicação das escolas. Fato este bem sucedido, que a ação pedagógica dos jesuítas se
manifestou por inúmeras gerações de estudantes, durante mais de duzentos anos (de 1540 a
1773), sob as determinações da Ratio Studiorum (Plano de Estudos).
A Ratio Studiorum (A Ratio atque institutio studirum Societatis) publicada em
1599, é um documento que contem trinta capítulos, retoma as considerações pedagógicas da
Constituições da Companhia de Jesus, assumindo o caráter de um programa formativo com
base católica, a ser estendido por todos os colégios jesuíticos do mundo.
47
Trata-se de um documento que apresenta as normas rígidas de funcionamento dos
colégios, envolvendo desde as funções de dirigentes do provincial e do reitor até as
orientações didáticas relativas ao processo de ensino (professores) e de aprendizagem
(estudantes), envolvendo todos os cursos e as várias disciplinas a serem ensinadas.
Envolve, portanto, uma programação das atividades educativas em consonância
direta com os fins religiosos da ordem jesuítica, que é o de formar uma consciência cristã
culta e moderna, mediante a instrução escolar, por meio da obediência cega e absoluta à
autoridade religiosa e civil. Convém ressaltar que a obediência era vista como uma virtude,
descrita na Ratio, conforme transcreve Cambi (1999, p. 262),
A obediência é uma virtude: “A santa obediência seja sempre perfeita em nós e em
toda a parte, tanto na obra como na vontade e no intelecto, de modo que coloquemos
em ação aquilo que nos é comandado com grande presteza, gáudio e perseverança...
Que cada um se convença de que aqueles que vivem na obediência devem deixar-se
guiar pela divina providência por meio dos superiores”.
Na organização didática, apresenta normas minuciosas e destaca o método da
praelectio e da concertatio, seguidas das atividades escritas e das repetições orais, a fim de
reforçar a mémoria. A palestra (praelectio) era utilizada em todos os estudos,como premissa,
fossem eles literários, filosóficos, científicos ou teológicos. Primeiramente era feita uma
leitura de uma parte, sem interrupção, para em seguida, proceder as explicações das artes mais
obscuras, fazendo a ligação das ideias e registro das observações pertinentes a elas. Já a
disputa (concertatio) era iniciada pela pergunta do docente ou pelas interrogações recíprocas
dos próprios concorrentes.
O texto da Ratio permanece em vigor até a dissolução da Companhia de Jesus,
que ocorre em 1773, motivada por razões políticas, na Espanha, embora ela seja reconstituída
a partir de 1832.
2.3.2 Do Ensino Superior Brasileiro à criação da Universidade
O surgimento do ensino superior no Brasil sofre influência direta do modelo
Europeu, desde a sua gênese, entre os séculos XII e XIII, sob as características da educação
medieval, do método escolástico e do poder direto da Igreja.
48
A criação da universidade brasileira surge tardiamente, somente um século após a
independência do Brasil, sendo impulsionada pela decretação do Estatuto das Universidades
Brasileiras, na década de 1930, frente às necessidades da crescente urbanização e
industrialização pelas quais passava o nosso país. Muito embora, desde a chegada da família
real, em 1808, no Rio de Janeiro, já houvesse a preocupação com a oferta do ensino superior
no Brasil.
Durante o Brasil-Colônia, era prática habitual, o incentivo, por meio da concessão
de bolsas de estudos para os brasileiros cursarem o ensino superior, em Coimbra, para
fortalecer os vínculos de dependência da colônia com a coroa portuguesa. Porém, segundo
Cunha (2007 a), ocorre a oferta de ensino superior no Brasil, por volta de 1572, com a criação
dos Cursos de Artes e Teologia, no colégio dos jesuítas, na Bahia. Inclusive, a justificativa da
oferta deste tipo de ensino, centrava-se basicamente, na necessidade de ministrar-se um saber
superior.
Na tentativa de ilustrar a evolução histórica do ensino superior brasileiro, Cunha
(2007 a, p. 19) apresenta a seguinte periodização:
O primeiro período foi o da Colônia, iniciando-se em 1572, data da criação dos
cursos de Artes e Teologia no colégio dos jesuítas da Bahia, provavelmente o
primeiro curso superior no Brasil, estendendo-se até 1808, quando ocorreu a
transferência da sede do reino português para o Rio de Janeiro. O segundo período, o
do Império, iniciou-se de fato, quando o Brasil era ainda Colônia, em 1808, com a
criação de um novo ensino superior, estendendo-se até 1889, com a queda da
monarquia. O terceiro período, o da República oligárquica, teve início com o
governo provisório de Deodoro e terminou com a instalação do governo provisório
de Vargas, em 1930. O quarto período, a era Vargas, começou com a Revolução de
1930 e findou com a deposição do ditador, em 1945.[...]
Destaca-se que os critérios utilizados para a caracterização dos períodos acima
mencionados foram de caráter político, muito embora possuam fundamentações de caráter
educacional.
Por outro lado, voltando ao ensino superior desenvolvido nos cursos de Filosofia e
de Teologia, no Brasil, entre os séculos XVI e XVIII, a prática educativa era entendida como
mecanismo de exploração da Colônia pela Metrópole. Esses cursos eram voltados à
reprodução dos quadros dos Colégios da Companhia de Jesus, garantindo o caráter
burocrático das suas organizações.
Dessa maneira, Cunha (2007a, p. 22) aponta que
A colonização surgiu, então, como uma variante para intensificar a acumulação
(primitiva) de capital que acabaria por acelerar o processo de formação dos estados
nacionais centralizadores e de emergência na economia capitalista, tendo na
49
industrialização seu veio maior. A colonização consistia, basicamente na
organização de uma economia complementar à da Metrópole.
Assim, o início do ensino superior brasileiro, assumiu a função de formar quadros
para o aparelho repressivo da metrópole portuguesa, que tinha como base o exército e a
marinha, capazes de resguardar a atividade de exploração das colonizadoras rivais, bem como
garantir a continuidade da exploração, por meio do combate ao contrabando, obrigando o
pagamento de taxas alfandegárias, reprimindo qualquer iniciativa de autonomia.
Então, para Cunha (2007a), os jesuítas tinham tripla função, ao formar padres para
a atividade missionária, para a composição de quadros do aparelho repressivo e formar os
filhos das classes dominantes para estudarem na metrópole.
Os estudos nos colégios brasileiros não apresentavam o mesmo valor aos olhos da
universidade de Coimbra, embora fossem idênticos aos ministrados por lá e obtivessem o
reconhecimento do pontifício para o seu funcionamento. A diferenciação residia na forma de
ingresso na universidade, pois os alunos de Portugal, ao concluírem o curso de Artes,
ingressavam diretamente nos cursos de Medicina, Direito, Cânones e Teologia. Já os
procedentes do Brasil, necessitavam cursar novamente o curso de Artes ou prestar exames de
equivalência.
Houve expansão dos colégios dos jesuítas em outras cidades brasileiras, porém o
colégio da Bahia era considerado referência, servindo de modelo e apresentando inovações,
como a da criação da faculdade de Matemática, até a expulsão dos jesuítas , por volta de
1759.
Em 1798, o Colégio do Rio de Janeiro foi transformado em hospital militar, pelo
fato de dispor de duas enfermarias e uma botica, que fabricava medicamentos, vindo
posteriormente, ministrar aulas de anatomia e de cirurgia, a partir de 1808, pela determinação
do príncipe regente e que mais tarde abrigaria a faculdade de Medicina.
Então, a família real, ao chegar ao Brasil, em 1808, gerou mudanças de ordem
política e econômica, quebrando o sistema de trocas de três séculos e estabelecendo uma
elação de dependência com a Inglaterra. Segundo Cunha (2007a), essas mudanças foram
orientadas pela doutrina econômica liberal, que preconizava a liberdade de produzir e de
comercializar. Dentre as inúmeras mudanças, destaca-se a abertura dos portos brasileiros às
nações amigas, favorecendo as relações de importação e de exportação, principalmente ao
território inglês.
50
Dessa maneira, a escolha da cidade do Rio de Janeiro para abrigar a família real,
tornando-se a sede da Coroa portuguesa, deu-lhe ares de modernidade com desenvolvimento
cultural e educacional, que repercutiria em todo o país, uma vez que iniciaria a formação das
lideranças intelectuais e políticas.
Tratava-se de imprimir uma mentalidade metropolitana, com hábitos e costumes
civilizados e modos de vida sofisticados, que implicariam na criação de todo aparato
necessário para tal. Foi criado então, O Jardim Botânico, o Museu Nacional, a Imprensa
Régia, bem como alguns cursos superiores.
Aranha (1996, p. 153), menciona as intenções do monarca, bem como faz uma
síntese dos cursos de educação superior que foram criados, dizendo que:
Assim que chegou ao Brasil, D.João VI determinou as primeiras medidas a respeito
da educação, no sentido de criar escolas de nível superior para atender as
necessidades do momento: formar oficiais do exército e da marinha ( para defesa da
Colônia), engenheiros militares, médicos, e abrir cursos especiais de caráter
pragmático.Vejamos algumas destas realizações:
Academia Real da Marinha (1808) e Academia Real Militar (1810) são anexadas,
compondo a Engenharia militar, naval e civil [...] e a Escola Politécnica em 1874,
como instituições que preparam para a carreira militar e formam engenheiros civis,
respectivamente.
Cursos médico-cirúrgico: a partir de 1808, na Bahia e no Rio, visando médicos
para a marinha e o exército.
Diversos cursos avulsos de economia, química e agricultura, também na Bahia e
no Rio.
Cursos jurídicos: surgem após a independência, em São Paulo e em Recife
(1827), mas só se tornam faculdades em 1854.
A criação desses cursos isolados, demonstram a intenção elitista e aristocrática da
época, em favorecer os nobres, os proprietários de terras e uma camada intermediária da
população que surgiu em decorrência da criação de funcionários administrativos e/ou
burocráticos, sendo que esses últimos, manifestavam interesse para frequentarem cursos de
direito, com o propósito de assumir funções administrativas ou até mesmo as de jornalismo.
Observa-se, então, que a criação desses cursos estava relacionada basicamente
com a necessidade emergente de defesa militar da colônia e da formação técnica. Eram cursos
vinculados ao Estado e laicos, até mesmo após a nossa independência.
Havia, no entanto, uma resistência, por parte da coroa portuguesa, para que os
cursos superiores brasileiros adquirissem o status de universidade, uma vez que os filhos dos
nobres embarcavam para Coimbra, a fim de obterem a titulação de bacharéis.
Este fato é ilustrado por Lacombe (apud MENDONÇA, 2000, p.133), grifando
que o laço de dependência não era neutro, nem indiferente, servindo num primeiro momento,
51
aos interesses dos próprios jesuítas, que desde 1555, mantinham o controle da Universidade
de Coimbra e que viria a tornar-se posteriormente em um dos mais úteis instrumentos de
difusão do pombalismo e do espírito nacionalista.
Outro fato curioso, que merece destaque, foi a criação tardiamente dos cursos de
direito sob a alegação, na época, de que a criação dos cursos decorreriam da necessidade
social e aqui havia um número considerável de juristas, formados pela universidade de
Coimbra, essa profissão não carecia de formação.
Nessa época, a aquisição de diplomas, conferia o caráter de enobrecimento, pois
aos letrados e eruditos, com formação humanista, era concedido o distanciamento do trabalho
manual, além de atribuir-lhes status de “educado” diante da sociedade, conforme explica
Teixeira (1998, p.88)
[...] A universidade era tarefa especializada de um grupo de homens, devotados ao
cultivo do saber do passado - empenhados em transmiti-lo a um grupo de jovens
para o aperfeiçoamento individual de cada um. O próprio indivíduo aperfeiçoado
pela obra de cultura pessoal, que o tornava mais sensível, e mais interessante,
adquiria, assim, a arte de viver com elegância e graça. Os ingleses chamavam-na a
educação do gentleman. Benjamin Franklin, a educação ornamental. Essa educação
de elite, destinada ao clero e à nobreza, foi a que tivemos durante a Colônia. Embora
a Metrópole não tenha permitido a universidade no território da Colônia, abriu-nos
as portas para a Universidade de Coimbra, talvez para melhor forçar nossa lealdade
à Coroa portuguesa.
Nesse contexto, a educação superior no Brasil emerge sob a influência dos modelos
educacionais jesuítico, francês e alemão, que predominaram em alguns momentos da história
da universidade brasileira e se fazem presentes no cotidiano das mesmas até os dias de hoje.
2.3.3 A constituição da universidade brasileira sob a influência dos diferentes modelos
a) Modelo Jesuítico
Com a chegada dos jesuítas no Brasil, em meados do século XVI, iniciavam-se as
suas práticas educativas, nas diferentes modalidades, seja por meio das missões para
evangelizar os nativos, por meio da implementação dos colégios para ensinar as primeiras
letras, a música, a arte e os ofícios aos filhos dos colonos e para alguns índios, ou por meio da
criação dos seminários, com o propósito bem definido de formar novos seguidores da ordem.
52
O primeiro colégio a ser fundado no Brasil foi em 1549, em Salvador, intitulado
de Colégio dos Meninos de Jesus. Ofereciam aos índios aulas de alfabetização na língua
portuguesa, de catequese, de aritmética e de canto, além do manejo de alguns instrumentos
musicais e também a possibilidade do ensino da língua latina aos mais inteligentes. Seguiam
as orientações da Ratio, que preconizava aulas matinais para aprender a ler e a escrever,
seguida de aulas de canto das ladainhas à tarde, na igreja, encerrando as atividades diárias
com a entonação da Salve Rainha.
A expansão dos colégios aconteceu entre os séculos XVII e XVIII, numa
perspectiva humanista cristã, com a finalidade de educar os filhos dos colonizadores à
imagem e semelhança dos ensinamentos realizados nos colégios jesuíticos europeus, dando
ênfase no latim e na retórica, embasados no método escolástico.
A regulamentação da ordem previa dos estudos superiores e inferiores, conforme
Veiga (2007, p.63), apresentava a seguinte organização de estudos:
[...] Os estudos superiores incluíam teologia moral ( estudos de casos de consciência,
das virtudes e dos vícios) e teologia dogmática (doutrina) para as carreiras
eclesiásticas, e estudos de filosofia e matemáticas para aspirantes a carreiras liberais.
Já os estudos inferiores organizavam o conjunto das artes liberais, com ênfase na
trivium (gramática latina, humanidades e retórica) e complemento de história,
geografia e outras disciplinas. A fundamentação básica do conhecimento no entanto,
era o latim, em função do qual se cultivava o próprio vernáculo – no caso, o
português.
Assim sendo, dois momentos se faziam indispensáveis, conforme destacam
Pimenta e Anastasiou (2010): a lectio, que consistia na leitura e na interpretação de textos
feitas pelo professor, no sentido das palavras e das idéias que delas emergissem, bem como a
sua comparação com outros autores, seguida da questio, perguntas formuladas pelo professor
aos alunos e vice-versa.
Ainda nas aulas, enfatizam Pimenta e Anastasiou (2010), que os alunos faziam as
anotações, reportationes, em cadernos, para serem memorizadas posteriormente, a exemplo
da idade medieval. A partir dos comentários realizados pelo professor, surgiam as quaestiones
(dúvidas), que ao serem esclarecidas, acarretavam as disputationes, debates entre ambos ou
somente entre os alunos. Salienta também, que a revisão dos conteúdos era uma premissa,
acontecendo diariamente, no início de cada aula, a recapitulação do assunto estudado no dia
anterior, e semanalmente, a recapitulação de toda a matéria deste período.
Seguindo a tradição jesuítica, as aulas ocorriam no período integral, onde no
período matutino aconteciam as aulas propriamente ditas e no período vespertino faziam
53
então, as revisões, sob o comando de uma aluno decurião ou decúrio (termo atribuído ao
oficial da cavalaria do exército romano que comandava um grupo de homens), que
assessorava um grupo de dez alunos.
A linha mestra da Ratio Studiorum propunha que a organização dos estudos
respeitasse a ordem de complexidade destes e sendo que a evolução dos assuntos
acompanhasse o grau de compreensão dos alunos e/ou da classe.
Ao professor cabia a tarefa de repassar os conhecimentos recebidos pelo material
unificado e contido na Ratio, como saberes universais e incontestáveis. A aprendizagem dava-
se mediante a repetição, pela memorização, por meio de aulas expositivas, assemelhado às
palestras, uma vez que o centro do saber era o professor. Para fixação do conteúdo, eram
realizados exercícios, que posteriormente seriam cobrados em exames orais.
Além disso, era vinculada ao perfil do mestre, a eficácia ou não do método, sendo
que era esperado do professor vocação e dedicação na tarefa de ensinar, ideia implícita de
dom, servidão e abnegação, uma vez que a educação formal servia para a aproximação do
homem com o divino, conforme descrevem Pimenta e Anastasiou (2010, p. 146):
A formação e a personalidade de cada professor – um sacerdote – eram elementos
fundamentais para a eficácia do método jesuítico. Como o objetivo era salvar as
almas para Deus, cabia seguir cada aluno e concentrar toda a sua ciência em saber
ensinar, adaptando-se ao aluno, pondo em jogo toda a solicitude e amor exigido por
sua vocação sacerdotal e docente. A fim de garantir a ordem e o sucesso, toda
anarquia discente e docente devia ser evitada: as normas eram rigidamente seguidas.
Nesse modelo educativo, o discente era um ser passivo e obediente, que recebia as
verdades proferidas pelo seu mestre com a condição de memorizá-las e reproduzi-las na hora
do exame. Era considerado uma “tabula rasa”, que não detinha conhecimentos antes de
frequentar a escola, o sucesso da aprendizagem era determinado pelo meio, que se
encarregava de imprimir os conhecimentos. O professor ensinava, se o aluno não aprendia,
era porque ele não tinha aptidão para o estudo, deveria então, aprender logo um ofício.
A metodologia utilizada pelos jesuítas encontra-se enraizada na prática educativa
universitária desde o seu surgimento até os dias de hoje. Pimenta e Anastasiou (2010, p. 147)
consolidam essa afirmativa ao dizer que
O modelo jesuítico encontra-se, pois, na gênese das práticas e modos de ensinar
presentes nas universidades, configurando-se como um habitus, isto é, um conjunto
de esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a situações
sempre renovadas, sem nunca constituir princípios explícitos (f. Bourdieu, 1991). O
habitus permite a incorporação de alterações nos discursos e não nas práticas,
instala-se e acaba sendo modificado apenas superficialmente, num avanço que fica
54
presente muito mais no discurso do que na alteração da visão formal do
conhecimento e, consequentemente, da memorização como metodologia na e da sala
de aula.
Hoje, diferentemente do momento jesuítico inicial, não se impõe ao professor
universitário um manual. Sua ação docente é muito mais calcada no senso comum
do como ensinar. Neste, no entanto, a preleção docente, a memorização, a avaliação,
a emulação e o castigo característicos do modelo jesuítico permanecem.
b) Modelo Napoleônico
Em 1806, surge a universidade dita napoleônica, fundada por Napoleão
Bonaparte, em decorrência da Revolução Francesa e sob a influência do Iluminisnmo, que faz
emergir o indivíduo em busca dos direitos, da liberdade e a autonomia no plano político e
econômico. A Universidade Imperial francesa, com as suas faculdades isoladas, tinha o
objetivo de formar quadros técnicos e políticos para viabilizar a expansão político-militar e
industrial da França.
O ensino superior brasileiro foi organizado sob a influência deste sistema de
ensino adotado na Universidade de Paris, durante o governo de Napoleão, o que lhe conferiu a
denominação de modelo napoleônico. Esse fato aconteceu devido à influência dos franceses
que aqui chegaram por volta de 1808, com a transferência da corte portuguesa para o Rio de
Janeiro, sob a convocação de D. João VI, de franceses, para a criação da Escola Real de
Ciências, Artes e Ofícios.
A escolha por estrangeiros franceses, deu-se devido à grande influência da França
sobre Portugal, nos aspectos referentes à moda, ao comportamento, ao lazer e aos aspectos
filosóficos e sociais, que por sua vez, tornou-se modelo de organização da vida cultural
carioca.
O modelo napoleônico caracterizava-se pelo controle por parte do Estado sobre
todo o ensino superior, caracterizando-se como centralizador, profissionalizante, centrado em
curso e faculdades para aparelhar o Estado, mediante desempenho futuros, meramente
burocráticos. Priorizava a unidade de pensamento, impedindo toda e qualquer manifestação de
processos divergentes. Tinha preocupação como central formar o quadro de profissionais da
elite, com ênfase na língua francesa, que segundo Cunha (apud Pimenta e Anastasiou (2010,
p. 150), isso só foi possível porque a
55
[...] grande influência cultural francesa no período iniciado com a vinda da corte
portuguesa para o Brasil contou com os seguintes fatores facilitadores: a mesma
origem latina das línguas (francesa e portuguesa), a visão da corte francesa como
vencedora sobre os senhores feudais, a similaridade da crença religiosa (
catolicismo) e a intensa produção ideológica que atendia a burguesia e influenciava
a europeização de Portugal à época. Assim fica clara a recusa de criação, no Brasil,
de uma universidade, mantendo-se no lugar o modelo das faculdades isoladas
francesas.
Este modelo atribui importância à colação de grau e ao Diploma como requisitos
para o exercício da profissão. Além disso, traz consigo o caráter ideológico que vincula a
educação aos interesses do Estado, dificultando inclusive, a característica da universidade, de
promover pensamento divergente, enquanto espaço de produção e de difusão do
conhecimento.
Para Anastasiou (2006), o modelo francês-napoleônico caracterizou-se por uma
organização não-universitária, mas sim profissionalizante, que visava à formação de
burocratas para desempenho de funções do Estado.
Com base nessa concepção, surge a primeira universidade brasileira, criada em 7
de setembro de 1920, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), em consonância com a
autorização recebida em 1915. Essa autorização foi concedida pelo governo federal, mediante
a reunião da Escola Politécnica com a Escola de Medicina e com a Escola de Direito, que
reunidas, originariam a universidade. Porém, só foi instituída como tal, após cinco anos.
Segundo Paula (2002), o motivo da criação desta universidade pode estar vinculado à visita
do Rei Alberto I, da Bélgica, a quem foi concedido o título de doutor honoris causa, em
virtude da sua visita ao Brasil, pela comemoração do primeiro centenário da independência do
país.
Nessa universidade, não existe qualquer preocupação com a atividade científica,
pesquisa. A aquisição deste espírito anti-universitário, deu-se por meio do distanciamento
físico e do isolamento entre as escolas que constituíam essa instituição, não alterando o seu
funcionamento , conforme diz Mendonça, (2000, p. 136):
[...] A reunião em universidade dessas instituições, entretanto, não teve um maior
significado e elas continuaram a funcionar de maneira isolada, como um mero
aglomerado de escolas, sem nenhuma articulação entre si (a não ser a disputa pelo
poder que se estabelece entre elas, a partir daí) e sem qualquer alteração nos seus
currículos, bem como nas práticas desenvolvidas no seu interior.
Esse fato é explicado a partir do que aconteceu na França, por volta de 1793,
marcado pela abolição das universidades, por Napoleão. Em decorrência disso, as
56
universidades passaram a ser mal vistas pelos revolucionários franceses, por entenderem que
elas reproduziam o antigo modelo de universidade, o da Idade Média, com espírito
corporativo e ênfase na cultura clássica, que impedia a entrada das ciências experimentais.
Enfim, era entendido como uma forma de perpetuar a ideologia medieval.
Com isso, o ensino superior francês passou por mais de cem anos a funcionar
como um sistema de escolas superiores autárquicas, organizadas sob a ótica do serviço
público e dos cursos isolados. E somente, por volta de 1896, é que surgirá uma nova forma de
organização do ensino superior, primeiramente na condição de faculdades autárquicas e
posteriormente com o nome de universidades, que representavam uma federação de unidades
independentes.
A Universidade do Rio de Janeiro (URJ) foi criada sob os princípios do modelo
napoleônico, de caráter conservador e com a dissociação entre ensino e pesquisa e grande
centralização estatal. Cunha (apud LIMA, 2011) menciona que o Ministro da Educação e
Saúde do Governo Vargas, Gustavo Capanema, objetivava torná-la modelo de referência de
universidade, para adaptar a concepção dela à universidade de São Paulo, prestes a ser criada,
estabelecendo, assim, um controle nacional de qualidade do ensino superior, em todo o país.
Este modelo visava atender a elite, já que a educação para as classes menos favorecidas era
destinada à formação para o trabalho.
Dessa forma, houve a distinção entre serviços educacionais, uns direcionaram
para a pesquisa científica e para a formação intelectual das elites e outros, para um ensino
mais massificado, sendo a pesquisa realizada fora das universidades. Fato este, que segundo
Paula (2007), aconteceu na Universidade do Rio de Janeiro, constituída de faculdades
profissionalizantes, com enfoque no ensino e não na pesquisa.
O modelo napoleônico caracterizava-se pelo alto grau de centralização e controle
estatal sobre a universidade, que conforme Paula (2007, p. 13)
No caso brasileiro, a centralização do ensino superior e o seu controle acentuado
pelo Estado tiveram início com a Reforma do Ensino Superior Francisco Campos e
com a instituição do Estatuto das Universidades Brasileiras, ambos de 1931. Este
controle manifestou-se sobretudo no Rio de Janeiro, sede do governo Vargas, sendo
responsável pela transformação da Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde
Universidade do Brasil, em um verdadeiro “aparelho ideológico de Estado: em
conformidade com a Igreja Católica.”
Nessa época, havia um vínculo entre os intelectuais e o governo Vargas. Os
intelectuais transitavam nos diferentes espaços para além da academia, entre eles, em
57
ambientes governamentais, ao ocuparem cargos políticos de confiança ou eletivos, bem como
por sua inserção nas formulações de políticas públicas educacionais do momento.
Diferentemente da França, aqui havia um vínculo entre o Estado, Igreja e parte
dos intelectuais mais conservadores, que montaram a organização e estrutura, nos diversos
níveis de ensino.
Esse modelo de universidade medieval segue os princípios da educação jesuítica
tanto na organização das aulas, quanto na relação entre professor e alunos. O professor
assume o papel de transmissor e o aluno de mero espectador. Há ênfase na memorização e na
reprodução dos fatos, dos conceitos, os quais posteriormente serão cobrados em avaliações,
com caráter classificatório, visando destacar e premiar os bem-sucedidos. A reprovação é
entendida como consequência da obtenção ou não de notas resultantes das provas aplicadas,
sem análise dos fatores que influenciaram os resultados, nem tampouco da tomada de
decisões sobre o que fazer para modificar o resultado obtido.
Essa prática é entendida por Pimenta e Anastasiou (2010), como um processo de
condicionamento pretendido e preservado com a metodologia tradicional, a serviço da
pedagogia da manutenção do status quo, não havendo intencionalidade para criação do
conhecimento.
Na década de 1930, houve a institucionalização da universidade no Brasil,
marcada pela crescente urbanização e industrialização que demandava a formação dos
quadros profissionais decorrentes dessa nova estrutura social, principalmente destinados à
classe dirigente e à formação do professorado para os níveis secundário e superior, como
subsídio para a organização racional do trabalho.
No campo educacional, havia dois projetos, um proposto pela Igreja Católica, que
exercia enorme pressão entre a sociedade e o governo, requerendo o direito sobre a educação
moral do povo, porque a pureza de costumes contribuiria para a formação de homens úteis e
conscientes, requisitos indispensáveis para os bons cidadãos. O outro projeto era proposto
pelos defensores de uma escola nova, responsáveis pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, composto por intelectuais, políticos e educadores, intitulados de reformadores ou
renovadores. Defendiam a reconstrução da educação nacional em âmbito nacional, com o
princípio da escola pública, leiga, obrigatória e gratuita, com ênfase nos aspectos biológicos,
psicológicos, administrativos e didáticos do processo educacional.
A atuação desse grupo foi marcante nesse período. Shiroma (2002), salienta que,
quando os “renovadores” ganharam a hegemonia na direção da ABE (Associação Brasileira
de Educação), em 1932, o grupo católico abandonou em massa a associação, fundando a
58
Conferência Católica Brasileira de Educação (CCBE). Percebe- se dessa maneira, mais uma
tentativa de detenção do poder, pela Igreja, prática comum ao longo da história da educação
mundial.
Nesse contexto, surge a segunda universidade brasileira, criada em 1934, a
Universidade de São Paulo (USP), por um grupo vinculado ao jornal O Estado de São Paulo,
com o propósito de formar a elite paulista, pautada no projeto de nacionalização acima dos
interesses partidários, conforme destaca Paula (2002, p. 2-3),
A origem da tradicional postura acadêmica da USP, distanciada dos centros e
partidos políticos, pode ser detectada já nos antecedentes do seu projeto de criação,
na medida em que a “Comunhão Paulista” 12
enfatizava a necessidade de um projeto
cultural independente da prática política imediata.
Na concepção dos fundadores da USP, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCL) foi o órgão fundamental para a constituição da nacionalidade à época. Para isso,
contavam com a contratação de professores franceses para a composição do quadro docente,
embora fosse de curta duração, para o processo de consolidação das ciências humanas.
A participação de professores franceses na URJ, diferenciava-se dos pertencentes
à USP, quanto a ligação com a corrente católica. Os franceses que incorporavam o quadro da
primeira instituição mantinham vínculo com a igreja, que por sua vez mantinha estreita
relação com o governo formando parceria nos objetivos nacionais, conforme relata Paula
(2002, p. 3):
Cabe ressaltar, a título de comparação, que também no Rio de Janeiro, Dumas foi o
intermediário na contratação dos professores franceses. A diferença é que na Capital
Federal, a contratação era feita pelo Ministro Capanema, após a autorização de
Getúlio Vargas, e obedecia fundamentalmente a critérios ideológicos, sobretudo o
vínculo com a Igreja Católica. “Uma Exposição de Motivos de Capanema ao
presidente da República em 1944 deixa claro que a nomeação de professores para a
universidade era feita por autorização do presidente, ouvida a Seção de Segurança
Nacional”.
c) Modelo Humbolditiano
Além do modelo francês, a universidade brasileira, recebeu influência de um outro
modelo, o humboldtiano, de Berlim, também chamado de modelo alemão.Esse modelo teve
início na Europa, por volta do século XIX e no Brasil, no século XX, mais precisamente, em
torno de 1934, por ocasião da criação da Universidade de São Paulo (USP).
59
A ressignificação do papel da universidade, como propulsora do conhecimento,
mediante a pesquisa, acontece na Alemanha. Nasce com o compromisso de eliminar a
dependência e de estruturar a cultura nacional, além de inserir a cultura alemã à civilização
industrial, capaz de tornar-se uma potência mundial. Teixeira (1998, p. 85), revela isso,
dizendo que
É na Alemanha, com efeito, que se opera a grande renovação da universidade,
voltando a ser o centro de busca da verdade, de investigação e pesquisa: não o
comentário sobre o conhecimento existente, não a exegese, a interpretação e a
consolidação desse conhecimento, mas a criação de um conhecimento novo. A
sociedade estava-se transformando, a pesquisa ia voltar a essa universidade, então
debruçada toda sobre o passado, jogando-a para o futuro.
O modelo alemão, com a concepção de renascimento científico, acaba por
influenciar também, as universidades da Holanda, da Inglaterra e as da América do Norte,
com a perspectiva da construção de novos conhecimentos, por meio da pesquisa. A utilização
da pesquisa era entendida como mecanismo de renovação tecnológica para eliminar a
dependência e gerar autonomia nacional. Além disso, comprometia a universidade com o
desenvolvimento industrial da época.
Esse modelo apresenta características bem definidas. Conforme destacam Pimenta
e Anastasiou ( 2010), envolvem questões como a resolução dos problemas nacionais mediante
a ciência, a união de professores e de alunos pela atividade da pesquisa, em dois espaços
distintos: os institutos, para a formação profissional e os centros de pesquisa, regidos pela
autonomia ante o Estado e a sociedade civil, pela busca da verdade para o
autodesenvolvimento e autoconsciência, pela atividade científica criativa, pelo caráter
humanitário da atividade científica, pela docência exercida de forma livre e pelo processo
cooperativo entre docentes e entre estes e os discentes, sem forma exterior de controle, porém
com organização acadêmica.
Nessa proposta, a relação entre professor e aluno ocorre em prol da ciência, num
clima de parceria, sem esperar a submissão e a passividade do aluno, nem a autoridade
incontestável do professor. Esse clima de respeito e de cumplicidade existe porque Humboldt
afirmava que a ciência por si só, não está descoberta, pronta e que jamais poderão descobri-la
por inteiro.
12 O Termo “Comunhão Paulista” é utilizado por Irene A.R. Cardoso (apud, Paula, 2002,p.2), para designar a
representação que o grupo de Estado faz de si mesmo, quando assume a postura do partido ideológico.
60
Porém, esta concepção de universidade tarda a se manifestar no Brasil. Teixeira
(1998, p. 87) evidencia isso ao dizer que
[...] As circunstâncias do Brasil fazem com que ele se desenvolva, primeiro, sob a
influência da educação de que os jesuítas se fizeram os mestres, compreendendo um
currículo fundamentalmente clássico, visando ao treino da mente e à cultura geral;
depois, então, passavam para os cursos profissionais de Teologia e preparo dos
membros da ordem, repetindo inteiramente a universidade medieval. De maneira
que o Brasil, nesses primeiros séculos, apesar de não ter havido universidade no
território da Colônia, contou com a de Coimbra, que era uma universidade
tipicamente medieval, dirigida pelos jesuítas, e teve também o colégio dos jesuítas
no Brasil, que reproduzia a trivium e o quadrivium da cultura existente à época.
Com esse colégio de estudos latinos e das literaturas clássicas, prendeu-se o Brasil
inteiramente à influência da Idade Média, cuja educação era fundamentalmente a de
latinidade.
Nessa configuração, a construção do conhecimento ocorre pela interação dos
atores, professor e aluno, sem prevalência da figura de um sobre a do outro. É uma quebra de
paradigmas, sem verdades absolutas e sim comprovadas cientificamente. Deixa de ocorrer a
centralização do saber na figura do docente e do papel de transmissor apontado no modelo
tradicional. Ambos passam a investigar um problema, em busca da resolução e comprovação
científica, pois o que move este modelo é a ciência.
A USP assumiu o compromisso no ensino superior de ultrapassar a mera
formação especializada e profissional, que na sua concepção tratava-se apenas de reproduzir
um saber, não superior, pois se voltava à aplicação imediata. Por outro lado, defendiam um
saber livre e desinteressado, mas comprometido com o desenvolvimento da nacionalidade, por
meio da formação acadêmica das novas elites dirigentes.
Nessa concepção de ensino superior, com ênfase na formação científica e de
cunho humanista, não pragmatista, é que a USP se vincula ao modelo alemão, humboldtiano.
Essa vinculação acontece, na visão de Paula (2002), pela ênfase da pesquisa e da articulação
desta com as atividades de ensino, por meio da investigação científica pela formação geral e
humanista, em detrimento à formação profissional; pela relativa autonomia diante do Estado
e dos poderes políticos; pela concepção idealista e não pragmática de universidade e não
apenas de prestadora de serviços ao mercado e à sociedade; pela não ligação imediata entre a
intelligentzia13
e o poder; pela concepção liberal e elitista de universidade e pela estreita
ligação entre a formação das elites dirigentes com a questão da nacionalidade.
13 Intelligentzia vem do latim: intelligentia, utilizado na Europa, no século XIX para referir-se a uma categoria
ou grupo de pessoas engajadas em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e
disseminação da cultura, abrangendo trabalhadores intelectuais.
61
O foco na pesquisa, como atividade ensino, adotado pela USP, é evidenciado no
texto do Decreto no. 6.283, de 25 de janeiro de 1934, por ocasião da sua fundação,
manifestado no Art. 2º. , dizendo que:
Artigo 2º.- São fins da Universidade:
a) promover, pela pesquisa, o progresso da ciência;
b) transmitir pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o
espírito, ou sejam úteis à vida;
c) formar especialistas em todos os ramos da cultura, e técnicos e profissionais em
todas as profissões de base científica ou artística;
d) realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio
de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e
congêneres.
Dessa maneira fica explicitada a relação direta entre pesquisa e constituição de
uma nação moderna e desenvolvimentista, justificando inclusive, a autonomia da universidade
em relação ao Estado, mesmo que a sua existência esteja vinculada economicamente a ele.
Paula (2002), reforça esta ideia ao dizer que a existência de uma autêntica universidade não
será possível se o Estado limitar a liberdade de ensino e de pesquisa e se impedir a busca e a
transmissão incessante da verdade.
Por essa razão, também era justificado o não envolvimento dos intelectuais com a
prática da política, pois interfere na autonomia e na busca da verdade. Nesse contexto, o
professor universitário conquista sua autonomia pelo exercício das atividades de pesquisa e de
ensino, sem sofrer pressões nem demandas externas e/ou alheias ao saber.
A questão da autonomia também é mencionada no decreto de fundação da USP,
no artigo 24 “A Universidade de São Paulo (em personalidade jurídica, autonomia científica,
didática e administrativa), nos limites do presente decreto, e, uma vez constituído um
patrimônio com cuja renda se mantenha, terá completa autonomia econômica e financeira.”
Essa autonomia foi mantida pela USP, ainda que de forma relativa. Dependente
economicamente do Estado, ao contrário da URJ, procedia o recrutamento dos professores e a
desvinculação da constituição do projeto acadêmico com as decisões políticas, reforçado pelas
ideias do modelo alemão. Já o modelo de universidade francesa, desde Napoleão, incubia o
Estado de mantê-la e de dirigi-la, como maneira de torná-la uma mera reprodutora das suas
ideologias.
O modelo alemão, além de enfatizar a pesquisa, propunha a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e formação, bem como preconizava a autonomia frente ao Estado,
devido a posição de neutralidade dos intelectuais frente aos poderes políticos. Essa situação
foi mantida na USP, por um longo tempo, até que os intelectuais começassem a criar vínculo
62
com a política estatal, numa mudança de direcionamento, influenciada pelo modelo norte-
americano de universidade.
Segundo Paula (2002), os governos dos Estados, responsáveis pelas universidades
após a unidade alemã, aceitam progressivamente a nova tendência, criando estabelecimentos
ou carreiras ligadas às novas necessidades de uma sociedade industrial.
Essa nova tendência influenciou universidades europeias, como a alemã e também
universidades latino-americanas, como as brasileiras. Especificamente, no Brasil, este modelo
passa a ser difundido a partir da Reforma Universitária de 1968, em todas as universidades,
inclusive na USP e na URJ.
d) Modelo Norte-americano
A concepção de universidade, com ênfase na pesquisa, chega ao Brasil somente
com a reforma universitária, em 1968, como resultado de um acordo com a sociedade norte-
americana, por meio do Acordo MEC-USAID, que conduziram as reformas educacionais no
período da ditadura militar.
Assim, a pesquisa passou a ser encarada como elemento distinto da atividade de
ensino, ressaltando a sua aplicação nos estudos de pós-graduação, uma vez que a graduação
deveria responsabilizar-se pela formação profissional, reforçando mais uma vez o modelo
napoleônico.
Então, na década de 1960, esta realidade tende a se reforçar, principalmente nas
universidades públicas, devido à adoção do modelo norte-americano, que insere a pesquisa no
processo educativo, exigindo por um lado dedicação exclusiva ou contratação por tempo
integral dos docentes e por outro lado, a melhor qualificação dos estudantes que nela
ingressassem. Percebe-se mais uma vez, a prática da exclusão social, reafirmando que o
ingresso na universidade é para poucos.
Paula (2008, p.07) avança nessa análise, explicitando o papel da universidade.
No modelo norte-americano, a instituição universitária procura associar
estreitamente os aspectos ideais ( ensino e pesquisa) aos funcionais (serviços),
estruturando-se de tal maneira que possa ajustar-se às necessidades da massificação
da educação superior e da sociedade de consumo. Ao adotar a forma empresarial,
boa parte das universidades procura atender aos interesses imediatos do setor
produtivo, do Estado e da sociedade, produzindo especialistas, conhecimento
tecnológico e aplicado, pesquisas de interesse utilitário, assim como serviços de
uma maneira geral. O ideal da concepção alemã de universidade, voltada para a
formação humanista, integral e “desinteressada” do homem, tendo como base a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, é crescentemente substituído pela
racionalização instrumental e pela fragmentação do trabalho intelectual.
63
É nesse contexto e sob a influência do neoliberalismo que se instala a concepção
mercadológica do capital, proporcionando a expansão do ensino universitário nas instituições
privadas, com a criação de vários cursos para atender as demandas do mercado e dos clientes
que procuram obter a titulação em nível universitário.
A ditadura militar foi precedida por um movimento curto, que pretendia a busca
pela hegemonia educacional. Esse período é descrito por Schwarzs (apud SHIROMA, 2002,
p.32 ) como sendo
tempos de revanche da província, dos ratos de missa, dos bacharéis em lei, das
damas da sociedade que defendiam em marcha pelas ruas e com velas acesas nas
janelas a tríade “Deus, família e liberdade”, e que tais.
[...] O regime militar, instalado no Brasil, instalado no Brasil a fim de garantir o
capital e o continente contra o socialismo – abafou sem hesitação quaisquer
obstáculos que no âmbito da sociedade civil pudessem perturbar o processo de
adaptação econômica e política que se impunha no país. Um Poder Executivo
hiperatrofiado e repressor controlava os sindicatos, os meios de comunicação, a
universidade.
Tratava-se de um modelo repressor, com controle social, agindo diretamente nos
sindicatos, meios de comunicação e nas universidades, por meio da ação dos militares, que
utilizavam-se de estratégias diferenciadas tais como: a censura, os expurgos, as
aposentadorias compulsórias, o arrocho salarial, a dissolução dos partidos políticos, das
organizações estudantis e dos trabalhadores , chegando até às torturas.
Esses “recursos” adotados pelos militares foram responsáveis pela contenção da
crise econômica, bem como pela retenção da movimentação da política nacional e da
consolidação da implementação da cultura para o capital multinacional.
Assim, o modelo norte-americano de universidade, procura associar os aspectos
ideais, de ensino e pesquisa aos funcionais, de serviços. As universidades passam a atender
aos interesses do setor produtivo, do Estado e da sociedade, formando especialistas com
conhecimento aplicado e tecnológico, direcionando a pesquisa às demandas dos serviços.
Ocorre a troca de formação baseada numa concepção humanista e integral pela racionalização
e pela fragmentação do trabalho intelectual.
64
2.3.4 A universidade brasileira: da Reforma Universitária de 1968 à LDB:9394/96
A década de 1960 é marcada pela reforma universitária, texto da Lei 5540/68, que
dita as regras para o ensino superior durante todo o período da ditadura militar, estendendo-se
até 1996, quando foi promulgada em 20 de dezembro, a atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN 9394/96).
A reforma universitária nasceu para atender as mudanças sociais e econômicas da
época, influenciada pelas características militares e ditatoriais, que conforme Veiga (2007, p.
309):
Ao mesmo tempo que representara parte dos anseios de mudanças educacionais dos
setores representativos da sociedade, ao menos em termos da reestruturação do
ensino, foram instituídas num contexto de autoritarismo, portanto de cerceamento
das liberdades.
Nesse período, ocorre o aumento da procura pelo ensino superior, devido à crescente
industrialização, novas ofertas de emprego e urbanização, que exigem novo perfil do
trabalhador e consequentemente falta de mão de obra qualificada.
O aumento pela procura de cursos de ensino superior e a inadequação da estrutura
universitária trouxe a implementação dos exames classificatórios, os vestibulares, que
selecionavam os alunos com maior pontuação para o ingresso no ensino superior.
Mesmo antes da reforma universitária, houve algumas mudanças na estrutura
universitária, por meio de decretos. O decreto de 18/11/1966 instituiu a pesquisa e o ensino
em unidades de uso comum, já o decreto de 28/2/1967, estabeleceu a organização de
departamentos em torno das disciplinas afins, a criação do colegiado de curso para a
coordenação didática e a instituição de órgãos de desenvolvimento de atividades culturais e de
assistência ao estudante.
Nesse contexto de repressão e de controle, aconteceu a reforma universitária
estabelecida em 1968, que extinguiu a cátedra, introduziu o regime de tempo integral e
dedicação exclusiva aos professores, criou a estrutura de departamento, dividiu o curso de
graduação em ciclo básico e ciclo profissional, criou o sistema de créditos por disciplina,
instituiu a periodicidade semestral e o vestibular com caráter eliminatório .
Portanto, esta reforma incorporou várias características do modelo norte-americano.
Paula (2008, p.07) apresenta-o da seguinte maneira:
65
a) vínculo linear entre educação e desenvolvimento econômico, entre
educação e mercado de trabalho;
b) estímulo às parcerias entre universidade e setor produtivo;
c) instituição do vestibular unificado, do ciclo básico ou primeiro ciclo geral,
dos cursos de curta duração , do regime de créditos e matrícula por
disciplinas, todas estas medidas visando uma maior racionalização para as
universidades;
d) fim da cátedra e incorporação do sistema departamental;
e) criação da carreira docente aberta e do regime de dedicação exclusiva;
f) expansão do ensino superior, através da ampliação do número de vagas nas
universidades públicas e da proliferação de instituições privadas, o que
provocou uma massificação deste nível de ensino;
g) a idéia moderna de extensão universitária;
h) ênfase nas dimensões técnica e administrativa do processo de reformulação
da educação superior, no sentido de disponibilização da mesma.
O princípio básico da Reforma Universitária de 1968, segundo Paula ( 008), foi o
da racionalização da instituição universitária com relação aos recursos financeiros, materiais e
humanos, em busca da eficiência, eficácia e produtividade, ficando o processo educacional
associado a esta concepção.
Após a reforma, outras medidas foram decretadas. No âmbito da carreira
acadêmica, criaram-se níveis e titulações requeridas ao exercício da docência: professor titular
(doutorado e concurso específico, mediante vagas criadas pelo governo), professor adjunto
(doutorado), professor assistente (mestrado) e auxiliar (graduação). Houve também a
regulamentação dos cursos de pós-graduação e normas para credenciamento. A pesquisa
ficaria vinculada às exigências econômicas e do mercado de trabalho, a oferta dos cursos de
curta duração e a expansão do número de vagas era condicionada às necessidades do mercado
profissional.
No final da década de 1970, o regime da ditadura militar começa a ser
enfraquecido, marcado pela crise econômica articulada com o capitalismo internacional.
Época essa, que coincide com o período da anistia e a volta dos exilados políticos (por volta
dos anos de 1980) reforçando os movimentos de oposição tanto no campo social quanto no
campo educacional.
Em 1985, o regime militar termina oficialmente, com a eleição indireta para a
presidência da república. Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral, porém,
impossibilitado de assumir, devido a sua morte, assume então, o vice- presidente José Sarney,
o cargo de presidente.
Trata-se de um governo voltado aos interesses da elite brasileira, com a
manutenção do modelo de educação herdado do regime militar. Afinal, mantinham-se as
mesmas práticas e legislações educacionais.
66
Porém, as reivindicações educacionais não paravam de acontecer, mesmo nos
meados da década de 1970, crescia o movimento crítico de educadores que reivindicavam
mudanças. Conforme relata Shiroma (2002, p. 47),
[...] Diagnósticos, denúncias e propostas para a educação eram veiculadas por meio
dos novos partidos de oposição – criados legalmente em 1979 -, por recém-criadas
associações científicas e sindicais na área, como a Associação Nacional de Pesquisa
e Pós-Graduação (ANPEd), a Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
(ANDES), a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE),
periódicos, também recentemente criados, como a Revista Educação & Sociedade. A
ANDE, os Cadernos do CEDES, e em eventos de grande porte, como as
Conferências Brasileiras de Educação (CBE), as reuniões anuais da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outros.
O movimento de reivindicação educacional demonstra o resgate do fortalecimento
da categoria profissional, que buscava a constituição de um sistema nacional de educação
orgânico, já pretendido em 1930, além de reafirmar a luta pela educação pública e gratuita
como direito de todos e de dever do Estado, bem como a erradicação do analfabetismo e da
universalização da escola pública.
Outro aliado às mudanças educacionais foi a promulgação da Constituição do
Brasil, em 1988. Ela legitima os anseios da justiça e da igualdade social.
Após a promulgação da Constituição, iniciam-se as discussões sobre o projeto
para a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN. As discussões em
torno do novo projeto de lei, tiveram início pelo texto escrito por Demerval Saviani, que
propunha uma reorganização de todos os níveis de ensino, encaminhado à Câmara de
Deputados Federais, em 1988, pelo deputado Octávio Elísio (PMDB- MG). O referido texto
recebeu algumas emendas e segundo Shiroma (2002), a comunidade educacional mantinha-se
organizada por meio do “Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB”, ao qual se
associaram mais de 30 entidades nacionais de feição sindical, acadêmica, religiosa e
profissional, porém, concomitantemente, um novo projeto de lei é apresentado no Senado,
pelo então Senador Darcy Ribeiro.
Em 1993, o projeto de lei de Demerval Saviani, é encaminhado ao Senado, porém
em outra instância e dois anos após, em 1995, Darcy Ribeiro apresentou novo substitutivo ao
seu projeto de lei inicial, fruto de acordos realizados com o governo Fernando Henrique
Cardoso ( governo FHC) e o ministro da educação na época, Paulo Renato Costa Souza. Ao
retornar à Câmara dos Deputados, foi sancionado pelo presidente, sem nenhum veto.
Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a nova lei educacional, a LDBEN, no.
9394/96, caracterizada como sendo uma lei moderna, capaz de atender às demandas do século
67
XXI. Trata-se de uma lei mais compacta, com 92 artigos, marcada pelo princípio da
democratização, da descentralização e da flexibilidade.
Demo (2002, p.13), denomina-a da seguinte maneira: “LEI SIM, RÍGIDA NÃO,
OU A MÃO DO SENADOR”. Essa ideia encontra-se apoiada no caráter de legalidade do
texto que possui como característica central a flexibilidade, podendo ser associado a um dos
traços de personalidade do Senador Darcy Ribeiro, que se recusava a impor paradigmas aos
outros.
O texto legal contém parâmetros a serem seguidos, aponta possibilidades sem
ficar aprisionada pela letra da lei àquilo que está dito e não pode ser subentendido, mas é lei.
Para Demo (2002), o caráter de flexibilidade é expresso ao longo do texto legal,
começando no artigo 4º. , que trata do direito à educação e o dever de educar, ressaltando a
extensão progressiva da obrigatoriedade e da gratuidade ao ensino médio, pelas formas de
acesso aos diferentes níveis de ensino, independente da escolarização anterior, perpassando
pela forma de organizar o sistema educacional.
Ao mesmo tempo em que o texto impõe-se pela flexibilidade, requer maior
atenção, pois segundo Demo (2002, p. 19):
[...] Pode-se sempre argüir que essa visão corre o risco de permanecer letra morta,
por conta da tradição centralizadora da União, o que é um contra-argumento potente
e reiteradamente comprovado. Como a lei não faz a realidade, é bem possível que,
apesar desse texto, tudo continue como antes. Mas temos pelo menos um texto
arejado. Na prática, não aparece horizonte propriamente revolucionário, até porque
se restringe ao plano dos meios (modos de organização), que pode ser novo
mantendo os conteúdos velhos.
Esta lei apresenta outros enfoques, como ser voltada aos direitos do aluno, dando
ênfase ao seu aprendizado e aos processos de progressão da aprendizagem. Além disso,
salienta-se o aumento dos dias letivos, de 180 (cento e oitenta) para 200 (duzentos) dias, a
idéia da gestão pedagógica, administrativa e financeira da escola, baseada no princípio da
descentralização e da autonomia, bem como da formação docente e da captação e aplicação
dos recursos financeiros.
No ensino superior, vê-se a discussão principalmente com o cumprimento dos dias
letivos, com a ideia da gestão pedagógica por meio da criação dos Núcleos de Docente
Estruturantes14
(NDE), mesmo que de forma incipiente. Outro forte reflexo da lei neste nível
14
Conforme o Parecer CONAES N° 4 de 17 de junho de 2010, o Núcleo Docente Estruturante (NDE) foi um
conceito criado pela Portaria Nº 147, de 2 de fevereiro de 2007, com o intuito de qualificar o envolvimento
docente no processo de concepção e consolidação de um curso de graduação. O NDE de um curso de graduação
68
de ensino é o da formação docente continuada ou em serviço, que motivou as instituições do
ensino superior a criarem programas ou projetos para esse fim.
Demo (2002), categoriza esta lei como paradoxal, pois contempla “avanços” e
“ranços” , segundo a sua concepção. Para ele, são considerados avanços os aspectos referentes
ao compromisso com a avaliação, como elemento central da organização da educação
nacional, seja por meio da incumbência da União de “coletar, analisar e disseminar
informações sobre educação” ( Art. 9º., inciso V) ou pelo compromisso nacional de avaliação
do rendimento escolar nos diferentes níveis de ensino, com ênfase na avaliação do ensino
superior, em decorrência da liberdade da sua criação e do não uso da pesquisa em suas
práticas.
Atualmente, o ensino superior encontra-se diretamente vinculado às diretrizes de
aliação propostas pelo Sistema de Avaliação da Educação Superior 15
(Sinaes), como forma
de acompanhar e de orientar as instituições e os cursos sobre o seu próprio desempenho bem
como o dos seus estudantes. Trata-se de uma avaliação-regulatória, por parte da União, a fim
de alinhar em âmbito nacional, o funcionamento das instituições de ensino superior (IES) em
relação às diretrizes curriculares de cada curso, bem como o compromisso institucional de
viabilizar essa implementação.
Ainda, com relação ao compromisso com a avaliação-regulatória, cabe mencionar
a prática vivenciada nas instituições de ensino superior e em especial, em cada curso de
graduação, no qual diz respeito à renovação do reconhecimento de curso. Por meio de
relatório, é atribuída uma nota ao curso, considerando aspectos pedagógicos, de infraestrutura,
das atividades relativas ao ensino, pesquisa e extensão, da composição do corpo docente
(contemplando forma de contratação, no. de horas destinado à instituição, publicações), do
alinhamento do projeto pedagógico do curso com o perfil dos egressos. Em decorrência desse
processo de avaliação, realizado periodicamente, o curso pode obter a permanência de oferta,
como também receber uma intervenção ou em medida extrema, o descredenciamento.
constitui-se de um grupo de docentes, com atribuições acadêmicas de acompanhamento, atuante no processo de
concepção, consolidação e contínua atualização do projeto pedagógico do curso. 15
O Sinaes, foi criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Sinaes) é formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, dos
cursos e do desempenho dos estudantes. O Sinaes avalia todos os aspectos que giram em torno desses três eixos:
o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o
corpo docente, as instalações e vários outros aspectos. Ele possui uma série de instrumentos complementares:
auto-avaliação, avaliação externa, Enade, Avaliação dos cursos de graduação e instrumentos de informação
(censo e cadastro). Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cursos e
instituições de educação superior no País. Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela
Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). A operacionalização é de responsabilidade do
Inep.
69
Outro aspecto positivo, salientado pelo autor supracitado, é o da visão alternativa
da formação dos profissionais da educação, pois ao enfatizar a aprendizagem do aluno, trata
o professor como eixo central da qualidade de ensino. O professor adota um papel de
orientador do processo formativo, tendo como balizador o processo de avaliação, que
acompanha a evolução do estudante. Leva em consideração o seu ponto de partida e o seu
ponto de chegada, por isso adquire o caráter de processual, contínua e qualitativa. A
concepção de aprendizagem dá-se na construção do conhecimento, numa visão
interdisciplinar, devendo utilizar todos os espaços e tempos, ultrapassando as fronteiras do
ensino presencial e de práticas formais de educação.
Nesta visão da formação dos profissionais da educação, a lei destaca a
importância da formação e do aperfeiçoamento profissional continuado, devido ao seu novo
papel na sociedade do conhecimento, onde as informações são processadas rapidamente e a
evolução social é constante. Então, segundo Demo (2002), as exigências modernas da
aprendizagem atribuem ao professor a condição de sujeito especializado, mais do que todos,
em aprender, pois somente o professor que aprende bem e continuadamente pode fazer o
aluno aprender.
Esse autor salienta ainda, que nenhuma outra profissão se desgasta com mais
rapidez do que a do professor, pois o docente lida com a lógica da reconstrução do
conhecimento. Por outro lado, a lei que valoriza a formação continuada do professor, requer
que este tenha o seu desempenho avaliado, o que é recebido pelos professores com certa
estranheza, pois além de ser uma prática nova, pode vir com os ranços da avaliação como
prática classificatória e excludente.
Para Demo (2002), não seria exagero considerar como uma parte mais “caduca”
da LDB, a visão de educação superior. Atribui a esta visão, as expressões designadas a suas
finalidades como “estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo”, princípios estes generalistas e empregáveis para qualquer nível de
ensino.
Outra expressão evidenciada por ele, a “de formar diplomados para a sociedade”,
com enfoque na formação para o mercado de trabalho, embora enfatize a necessidade da
formação contínua, sem mencionar sobre uma das necessidades atuais, que é a da pesquisa
avançada. O texto legal trata a pesquisa e a investigação científica como propulsoras do
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, sem associá-las à sua função primeira, que é a
educativa, essencial tanto para a formação dos alunos quanto a dos professores. Isso, sem falar
70
do sentido minimizado que é atribuído às universidades, o de simplesmente conferir um
diploma.
A legislação aponta ainda, a atribuição da propagação dos conhecimentos
culturais, científicos e técnicos por meio da atividade de ensino, de publicações ou mediante
outras formas de comunicação.
A crítica à instituição de ensino superior que se volta apenas para a atividade de
ensino, é reforçada por Bourdieu e Passeron (apud DEMO, 2002, p. 79), visto que apresenta
uma tendência a favorecer o “mero” ensino, ou seja, a subserviência ao modelo reprodutivo,
obstaculizando o compromisso com a reconstrução própria de conhecimento.
Associado aos ranços menciona ainda a questão da informática educativa, que é
desconsiderada ao longo da LDB, fazendo apenas alguma referência sobre a educação a
distância, sem mencionar as discussões modernas em torno da aprendizagem, que utilizam as
tecnologias como elemento motivador ou de acesso às informações.
Demo (2002), associa esse fato ao utilizar a expressão “atraso dos eletrônicos”,
por entender a não vinculação destes às formas de aprendizagem na sociedade atual. Afirma
que o uso das tecnologias na educação requer uma série de aparatos para o seu
funcionamento, extrapolando o acesso à televisão, pressupondo o uso e domínio de várias
mídias, entre elas o computador e seus recursos, perpassando pelo uso da rede, que contribui
significativamente para o acesso às informações.
Já os problemas relacionados com o mercado de trabalho surgem à medida que a
lei aponta a possibilidade de inserção do aluno no mercado de trabalho, como técnico, seja em
nível médio ou pós-médio (em âmbito do término da educação básica ou em âmbito da
educação superior, pelos tecnólogos), embora ela não se comprometa em preparar para o
mercado de trabalho e sim em qualificar. Este trocadilho torna-se menos nocivo, à mediada
que a própria sociedade exige profissionais qualificados, proporcionando, assim, a concepção
de educação permanente.
Aponta-se aqui, a necessidade para uma discussão maior sobre a educação
profissionalizante, que perpassa desde a educação básica até a sua formação inicial e
continuada, pela educação superior, para interferir nas relações de mercado. Conforme Demo
(2002, p. 92):
[...] Mas é incongruente propor o direito à educação de jovens e adultos que não
seja, naturalmente, profissionalizante, porque se incide na balela da separação
artificial entre educação e mercado, ou na pieguice pedagogista que imagina poder
dispensar o mercado. Sem maiores aprofundamentos, seria o caso em torno da
educação e do conhecimento, mas não pode afastar-se, para ser realista no mundo
71
capitalista, da necessidade de interferir no mercado. Porquanto, toda política social
que não implica interferência no mercado, já é residual.
No que tange a formação para docência no ensino superior, a LDBEN prevê que
ela deve acontecer prioritariamente em cursos de pós-graduação stricto sensu, que nem
sempre contemplam estudos de Metodologia do Ensino Superior ou de Didática do Ensino
Superior, fragilizando assim, a formação de docentes oriundos de outra área que não seja a da
educação. Tal fato, é registrado na LDBEN no. 9394/96, no art. 66, ao designar que:
A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-
graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Parágrafo
único: O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em
área afim, poderá suprimir a exigência de título acadêmico.
Já na concepção de Morosini (2001), a atual legislação utiliza o silêncio para
referir-se à formação didática do docente universitário, pressupondo que a sua competência
advém do domínio da área de conhecimento em que atua.
Desta forma, ocorre ênfase na competência técnica, pela expertise da área de
conhecimento, na área de atuação profissional, abstendo-se no plano de formação didática. A
atual LDB define a titulação necessária para o exercício da docência, expressa no artigo 52,
incisos II e III, onde determina a composição do quadro de professores, que se caracteriza por:
II- um terço do corpo docente, pelo menos com titulação acadêmica de mestrado ou
doutorado;
III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.
Percebe-se que este tipo de formação do docente universitário, em geral,
direciona-se mais aos saberes técnico-científicos da área ou à formação de pesquisadores do
que à formação pedagógica necessária para o exercício da docência neste nível de ensino. Em
vista disso, segundo Pimenta e Anastasiou ( 2010), vem ocorrendo o aumento da demanda por
cursos de pós-graduação stricto sensu, na área da Educação, que promovem uma discussão
sobre a epistemologia e a contribuição da didática no fazer pedagógico. Faz-se necessário
discutir sobre o processo de ensino e de aprendizagem que inclui o estudo das teorias
educacionais e seus contextos, das metodologias de ensino, da avaliação, bem como da
articulação entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão, fundamentais na prática
docente.
72
O exercício da docência neste nível de ensino e em conformidade com a atual
LDB, pode dar-se nos variados tipos de Instituições de Ensino Superior ( IES). Então, a partir
de 1996, as IES se dividem quanto a organização acadêmica de forma diferenciada, o que
Pimenta e Anastasiou (2010, p. 141), explicam da seguinte maneira:
Universidade, que se caracteriza por autonomia didática, administrativa e
financeira, por desenvolver ensino, extensão e pesquisa e, portanto, contar com o
número expressivo de mestres e doutores.
Centro universitário, que se caracteriza por atuar em uma ou mais áreas, com
autonomia para abrir e fechar cursos e vagas de graduação e ensino de excelência.
Faculdades integradas, que reúnem instituições de diferentes áreas do
conhecimento e oferecem ensino e, às vezes, extensão e pesquisa.
Institutos ou escolas superiores, que atuam em área específica de conhecimento e
podem ou não fazer pesquisa, além do ensino, mas dependem do Conselho Nacional
de Educação para criação de novos cursos.
Independente da característica da instituição a que o professor estiver vinculado,
sempre lhe será exigida a atividade de docência como forma de produção. Por isso, a
importância de prepará-lo para tal, numa abordagem que privilegie a indissociabilidade do
ensino, da pesquisa e da extensão, sem dar ênfase a um desses aspectos. Na prática, porém,
não ocorre desta maneira, a exemplo da organização curricular dos cursos de pós-graduação.
Embora os cursos de pós-graduação possuam a responsabilidade para a formação
inicial de professores do ensino superior, optam por formar pesquisadores. É o que explicita
Paz (2010, p. 92):
[...] os referidos cursos de pós-graduação têm, ao mesmo tempo, o objetivo de
formar pesquisadores. Em decorrência, na organização curricular dos cursos de pós-
graduação a formação para a pesquisa foi priorizada em detrimento da formação
para o ensino. Ressalta-se que os procedimentos de acompanhamento e avaliação
dos cursos de pós-graduação, sob o encargo da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), desde 1976, valorizam
preponderantemente a produção acadêmica vinculada à pesquisa, em detrimento do
ensino e da extensão.
Esta prática fica reforçada pela incoerência da LDB que ao mesmo tempo incube
os cursos de pós-graduação para a formação docente, porém aponta, no art. 66, que “a
formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo,
trezentas horas”. Desta maneira, ocorre mais uma vez, a explicitação dos princípios desta
legislação, direcionados à flexibilidade e à autonomia das instituições de ensino quanto a sua
forma de organização e de estrutura curricular.
73
Assim sendo, esse ideário reforça que a formação docente requeira apenas o
domínio do conhecimento técnico, da sua área de atuação para transmitir as informações
referentes a um determinado assunto e que conforme Pimenta e Anastasiou (2010), ensinar
trata-se apenas de dizer um conteúdo a um grupo de alunos reunidos em sala de aula.
74
3 A FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO
A função da docência evolui na sociedade e constitui-se como saberes
historicamente situados. Na atualidade, entende-se a docência como sendo uma prática
profissional, que requer formação específica, voltada aos saberes do ensinar e do aprender,
bem como o da implicação destes na construção ou na reprodução de um modelo social.
Pautado nesta concepção Rios, (2001) define o docente como sendo o professor em exercício,
isto é, que desenvolve uma atividade. Ser professor é uma profissão. Mas é no efetivo
exercício de sua profissão que o professor recebe a denominação de docente, aquele que está
desenvolvendo um processo de ensinar.
Esta ideia aplica-se também ao professor universitário, que por meio da história
mundial e brasileira reforça o descompromisso com a formação do docente.
Pimenta e Anastasiou (2010), salientam que o exercício da docência no ensino
superior acoplado ao desenvolvimento de atividades como profissional autônomo,
proporciona prestígio e visibilidade social, enquanto que o título de professor, sozinho,
remete-a uma identidade menor, porque é associado aos professores da educação básica.
Desta forma, os saberes inerentes da prática pedagógica ficam em segundo plano,
reforçando a banalização do exercício da docência e interferindo na profissionalização da
atividade. Este fato aponta para a necessidade da formação continuada ou em serviço.
Ao entender a atividade docente como profissão remete-se a necessidade da
formação. Esta, por sua vez, necessita ultrapassar a concepção do senso comum, que lhe
atribui popularmente, a idéia de moldar, adequar-se a um modelo pré-estabelecido e
convencional. Segundo Veiga (2008, p. 15), a formação de professores “[...] constitui o ato de
formar o docente, educar o futuro profissional para o exercício do magistério. Envolve uma
ação a ser desenvolvida com alguém que vai desempenhar a tarefa de educar, de ensinar, de
aprender, de pesquisar e de avaliar.”
A formação docente passa a ser concebida como um mecanismo de preparação
profissional que, na atualidade, precisa ser prática permanente e subsidiaria do fazer
pedagógico, o qual se torna cada vez mais exigente e dinâmico, principalmente devido à
crescente evolução e dinamismo da sociedade, ditados pela era da informação, do
ciberespaço, pelo acesso à rede de computadores.
75
O entendimento de formação, para Charlot (2008, p. 90), está vinculado a ideia de
ensino, pois para ele, “Ensina-se um saber, forma-se um indivíduo”. Essa analogia remete à
responsabilidade daquele que ensina, pois o ato de ensinar implica o de aprender por outrem,
e, consequentemente, ao apreender, o sujeito se apropria, se constitui. A fim de correlacionar
estes dois conceitos, Charlot (2008, p. 91), afirma que
[...] Em outros termos, há uma prática do saber e o ensino deve formar para essa
prática, e não apenas se contentar em expor conteúdos. Aprofundando-se a análise,
aliás, pode-se aplicá-la igualmente ao ensino magistral: quando “ministra um curso”,
o educador pratica o saber diante dos alunos e supõe que estes, seguindo-o passo a
passo, aprendem a pensar. Neste sentido, todo ensino digno desse nome se pretende
também a formação.
A ideia de formação implica a de que o indivíduo deve adquirir certas
competências. O conteúdo e a natureza dessas competências variam segundo o tipo de
formação e o momento histórico em que se vive. Assim, a formação na década de 1930,
requeria professores enciclopedistas, reprodutores do conhecimento, já na década de 1970, a
expectativa incidia na habilidade de planejar e de controlar as atividade, enquanto que a partir
da década de 1990, espera-se a competência para organizar situações de aprendizagem que
envolvam resolução de situações problema.
Para Nóvoa ( apud VEIGA, 2008, p. 17), “[...] a formação de professores
desenvolve-se num contexto de coletividade. Articula-se com escolas, com seus projetos, no
sentido de que o profissional muda a instituição e muda com a instituição”.
Esta concepção é reforçada pela concepção de que a formação busca
emancipação, por meio da construção de saberes e de valores próprios, a fim de construir a
identidade pessoal e profissional. Essa identidade passa a ser entendida como uma maneira de
ser e de estar na profissão.
A construção da identidade na docência requer um ato de encontro e de
comprometimento com as atribuições dela decorrentes, é algo intrínseco e relacionado com o
ser como pessoa e o ser como profissional, está associado as suas convicções, crenças e
ideologias, interferindo no seu modo de ser e de agir.
Pimenta e Anastasiou (2010, p. 77), reforçam este pensamento quando dizem que
Uma identidade profissional se constrói, pois, com base na significação social da
profissão; na revisão constante dos significados sociais da profissão; na revisão das
tradições. Mas também com base na reformulação de práticas consagradas
culturalmente que permanecem significativas. Identidade que se constrói com base
no confronto entre as teorias e as práticas à luz das teorias existentes, na construção
de novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor,
enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano, com base em
76
seus valores, em seu modo de situar-se no mundo, em sua história de vida, em suas
representações, em seus saberes, em suas angústias e anseios, no sentido que tem em
sua vida o ser professor. Assim como mediante sua rede de relações com outros
professores, nas instituições de ensino, nos sindicatos e em outros agrupamentos.
Paralelamente à construção da identidade profissional, consolida-se a
profissionalização da docência. É um caminhar junto, ocorre de forma simultânea. A
construção da identidade acontece desde o processo de formação inicial, que habilita, concede
o exercício da profissão, estendendo-se durante a atuação profissional.
Por profissão, compreende-se o conjunto de atividades pertinentes a uma
determinada ocupação que sofrem modificações ao longo da história, frente às características
sociais. Ao desempenhar as atividades regulamentadas pela profissão, adquire-se a
profissionalidade, enquanto conjunto dos saberes e das capacidades desenvolvidas no
desempenho da função, capaz de instituir a profissionalização.
Desta forma, Veiga (2008), considera a docência como uma atividade
profissional complexa que requer saberes diversificados, provenientes de uma formação
profissional numa perspectiva teórica e prática.
Durante o processo de profissionalidade, o professor precisa munir-se de
múltiplos saberes, que para Tardif (2002), englobam os saberes da formação profissional, os
disciplinares, os curriculares e os experienciais.
Os saberes da formação profissional são os decorrentes da formação inicial ou
continuada de professores e congregam o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições
de formação, apoiados pelas ciências humanas e pelas ciências da educação. Envolvem os
saberes pedagógicos. Segundo Tardif ( 2002,p.37), “ [...] apresentam-se como doutrinas ou
concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo,
reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de
representação e orientação da atividade educativa.”
Os saberes pedagógicos articulam-se com as ciências da educação, a fim de
integrar os conhecimentos e legitimá-los cientificamente.
Já os saberes disciplinares referem-se aos diversos campos do conhecimento,
materializados pelas disciplinas, que por sua vez emergem da tradição cultural e dos grupos
sociais produtores de conhecimento. Os saberes curriculares correspondem ao domínio da
organização da prática educativa, pressupõem a utilização de métodos adequados para
atingirem os objetivos propostos mediante a seleção dos conteúdos compreendidos no
ementário, que serão avaliados mediante instrumentos diversos com critérios bem definidos.
77
Enfim, trata-se da organização da prática educativa por meio da elaboração dos programas
escolares.
Além destes, há os saberes experienciais, fruto do trabalho no cotidiano e no
conhecimento do meio, que brotam da experiência e são por ela validados. Passam a ser
incorporados à prática individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades do saber
fazer e do saber ser. São também chamados de saberes práticos. Em síntese, Tardif (2002, p.
39), diz que
[...] Essa dimensão da profissão docente lhe confere o status de prática erudita que
se articula, simultaneamente, com diferentes saberes: os saberes sociais,
transformados em saberes escolares através dos saberes disciplinares e dos saberes
curriculares, os saberes pedagógicos e os saberes experienciais. Em suma, o
professor ideal é alguém que, deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu
programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e
à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado na sua experiência cotidiana
com os alunos.
Nesta concepção, a prática docente se constitui por um saber plural e por um saber
temporal. Na perspectiva de saber plural, decorre da integração da prática docente com os
diferentes saberes. Assume uma característica de heterogeneidade relacionada não somente
com a natureza dos diversos saberes, mas pela relação que o próprio docente estabelece com
os grupos que produzem ou com os grupos que possuem os saberes, bem como a relação que
ele estabelece com as instituições formadoras. Já na perspectiva de saber temporal, associa-se
à ideia de que o tempo é um fator importante para a construção dos saberes docentes e que os
mesmos se relacionam tanto com a história de vida quanto à história de carreira.
Este pluralismo epistemológico está associado também às fontes sociais de
aquisição dos saberes profissionais que segundo Tardif (2002), podem ser procedidos por:
saberes pessoais, saberes provenientes da formação escolar anterior à formação docente,
saberes da formação profissional para o magistério, saberes provenientes dos programas e
livros didáticos utilizados no trabalho e os saberes da sua própria experiência na profissão, na
sala de aula e na escola.
Então, para Tardif ( 002), as fontes dos saberes profissionais da docência são fruto
da trajetória construída durante o período pré-profissional do saber ensinar, que envolve a
história pessoal e social, assim como dos saberes da carreira profissional adquirida ao longo
do exercício profissional
A fonte de aquisição dos saberes profissionais durante o período pré profissional
é decorrente das interações estabelecidas com a família, com os grupos e com as instituições
78
sociais, bem como fruto da formação escolar primária , secundária e os da pós-secundária não
voltada à formação docente.
Já os saberes da carreira profissional são decorrentes da formação pedagógica
para o magistério, em estabelecimentos de formação institucionalizados, adquiridos por meio
de estágios e/ou cursos, provenientes dos programas e livros usados no ofício docente, com
vistas ao manuseio e à aplicabilidade dos mesmos, assim como os saberes alcançados ao
longo da experiência, da prática do ofício em si.
Assim, reforçam-se a idéia do pluralismo e da diferenciação da prática educativa,
evidenciando também que estes saberes são inerentes ao mundo externo e que provêm de
lugares sociais anteriores à carreira profissional. Dessa maneira, Tardif (2002, p. 64), conclui
que:
[...] o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes
de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição
escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc. Ora, quando
estes saberes são mobilizados nas interações diárias em sala de aula, é impossível
identificar imediatamente suas origens: os gestos são fluidos e os pensamentos,
pouco importam as fontes, convergem para a realização da interação educativa no
momento.
Cunha (2007, p. 29), ratifica essa concepção, destacando que
[...] é importante salientar que os estudos que colocam o professor histórica e
socialmente contextualizado, afirmando que seu desempenho e formação tem a ver
com suas condições e experiências de vida, pressupõem uma relação forte entre o
saber e os pressupostos da elaboração deste saber.
Por fim, a prática docente é complexa, requerendo uma série de saberes para
tomar decisões. O professor recorre a valores morais e éticos, a normas sociais, a tradições
escolares, pedagógicas e profissionais adquiridas ao longo da sua profissão. Enfim, baseia-se
em sua experiência vivida, que Schön (apud TARDIF, 2002, p. 66), denomina de “saberes-na-
ação.”
A história de vida dos professores influencia nos saberes profissionais. Boa parte
dos educadores reproduz o modelo de ensino ou o modelo de professor que marcou de forma
positiva a sua experiência como estudante, fruto das experiências diversas tanto de postura
quanto de metodologia docente. Fato este que auxilia na construção da identidade do
profissional, por meio das crenças, da bagagem de conhecimentos e das representações sobre
a prática docente, que segundo Tardif (2002, p. 69)
[...] tudo leva a crer que os saberes adquiridos durante a trajetória pré-profissional,
isto é, quando da socialização primária e sobretudo quando da socialização escolar,
têm um peso importante na compreensão da natureza dos saberes, do saber-fazer e
79
do saber-ser que serão mobilizados e utilizados em seguida quando da socialização
profissional e do próprio exercício do magistério.
Além disso, os saberes dos professores são temporais, marcados pela trajetória da
sua carreira profissional, de longa duração, que permite transição de fases e de mudanças
pertinentes a diferentes dimensões, de ordem de identidade, de construção ou de socialização
profissional, que podem ocorrer por meio da influência dos saberes pré-profissionais e dos
saberes de carreira. Portanto, a carreira profissional implica num processo de socialização16
,
pois pressupõe conhecimento e incorporação das práticas e das rotinas já institucionalizadas.
Neste processo do exercício profissional, ocorrem muito mais práticas advindas de
continuidades do que de rupturas. As experiências pré-profissionais oriundas das
socializações primárias (da família e do ambiente de vida) e da socialização escolar
(experiência de estudante) são expressivas.
No tocante à socialização da carreira17
, as práticas encontram-se mais
direcionadas a rupturas, pois segundo Tardif (2002, p. 81):
[...] A carreira é, portanto, fruto das transações contínuas entre as interações dos
indivíduos e as ocupações; essas transações são recorrentes, ou seja, elas modificam
a trajetória dos indivíduos bem como as ocupações que eles assumem.
A carreira profissional, por sua vez, requer uma trajetória idêntica aos membros
da categoria, na condição de indivíduos pertencentes a uma realidade social e coletiva própria.
Pertencer a uma categoria profissional pressupõe a adoção de papeis peculiares a esta ou
àquela ocupação, que precisam ser incorporados e executados pelos indivíduos para fazerem
parte de tais ocupações, muito embora ocorra a dimensão subjetiva da carreira, que faz com
que indivíduos deem sentido à sua vida profissional frente aos seus valores e suas crenças.
É no início da carreira, num período de dois a cinco anos, que o professor constrói
a base dos saberes profissionais, por meio da socialização profissional. Trata-se de um
período marcado pelo encantamento ou pela desilusão, no exercício do ofício. É como se
fosse um rito de passagem da vida de estudante ou do profissional liberal para o ingresso na
carreira de docente.
16
Para Tardif, socialização é um processo de formação do indivíduo que se estende por toda a história de vida e
comporta rupturas e continuidades. A formação profissional do docente envolve a socialização pré-profissional
e a socialização de carreira. 17
As carreiras, atualmente, não correspondem a um modelo único. Na verdade, as carreiras se estendem muito
além das profissões fortemente estratificadas e regidas por sistemas hierárquicos de recompensas e papéis. Por
outro lado, remetem a uma ocupação, que apresentam papéis profissionais mediante normas a serem adotadas
(Tardif, 2002).
80
Diferentes pesquisas tentam classificar a evolução profissional do professor por
meio da experiência no trabalho. Para Eddy ( apud TARDIF, 2002), o docente passa por três
etapas distintas. A primeira refere-se à transição do idealismo para a realidade, marcada pela
orientação formal antes do início do ano letivo. O papel do professor restringe-se ao
cumprimento de regras impostas pela administração, sendo repassadas aos alunos. Ocorre
pouca ou nenhuma preocupação com os aspectos pedagógicos. Já a segunda fase, é marcada
pelo enfoque das hierarquias do sistema educacional. Os próprios colegas fazem o processo
de iniciação aos novatos, explicando claramente sobre a cultura da instituição. E a terceira
fase, demarca o momento em que o professor descobre como são e como se comportam os
seus alunos reais.
No entanto, para o grupo de pesquisadores Lortie, Gold e Zeichner&Gore (apud
TARDIF, 2002), este processo perpassa por duas fases. Uma fase de exploração (de um a três
anos) na qual o professor escolhe a sua profissão provisoriamente. Consiste na necessidade de
ser aceito no âmbito profissional, bem como no fato de experimentar os diversos papeis
inerentes à profissão. É o momento denominado de choque com a realidade.
Na próxima fase, a da estabilização e da consolidação, por volta de três a sete
anos, ocorre o reconhecimento das capacidades profissionais pelos membros da instituição,
além de haver um maior investimento na profissão. É caracterizada pelo aumento da
confiança por parte do professor, assim como pelo domínio dos diversos aspectos do trabalho,
principalmente pelo pedagógico, proporcionando um maior equilíbrio profissional e pessoal.
É conveniente salientar que a fase da estabilização e da consolidação não ocorre
somente mediante ao tempo de exercício profissional, mas também em função dos
acontecimentos que constituem esta trajetória.
Ao longo da carreira, os professores vão percebendo que somente a formação
teórica, adquirida nos bancos escolares, destinada ao profissional liberal ou ao profissional da
educação, é restrita, sendo necessário a sua complementação pela experiência. Experiência
essa, que é adquirida no exercício da profissão, por meio do ensaio-erro e pelas trocas
realizadas entres os pares os colegas, que aconselham.
Neste momento, ocorre a reflexão do conceito do professor ideal frente às
características dos alunos reais. É o momento do encontro com a realidade, quando as certezas
dão lugar às dúvidas, a preparação começa ser questionada, verifica-se que os fatores
emocionais interferem na aprendizagem, que nem todos aprendem do mesmo jeito, enfim
ultrapassa-se a concepção dos plenos poderes para a ideia de que se é capaz de realizar coisas
interessantes, mas não se faz milagres.
81
Em suma, a evolução da carreira dá-se pelo domínio maior das atividades
inerentes ao trabalho e pela sensação de bem-estar ao enfrentamento das exigências dos
alunos e da profissão.
Ainda com enfoque na formação do docente, Rios (2002), aponta ser necessária a
discussão de dois aspectos inerentes a formação e a prática docente, que são o da competência
e o da qualidade.
A questão da qualidade na educação carrega um estigma, associado à ideia de
Qualidade Total18
, porém cabe entender o sentido da palavra, isenta de pré-conceitos. No
dicionário Houaiss (2004, p. 612), a palavra qualidade, é entendida como:
qualidade- sf.1.atributo que determina a essência ou a natureza de algo ou alguém <
prefere q. a quantidade> 2. Valor moral; virtude < moça de grandes q.> defeito 3.
característica comum ou inerente que serve para agrupar seres ou objetos, espécie <
foi gente de toda q.> 4. Condição social, civil, profissional, etc. < compareceu na q.
de síndico> 5. fig. Capacidade de atingir os efeitos desejados, propriedade < chá de
q. digetivas> - mais uso no pl. 6. Superioridade, excelência < roupas de q. >
~qualitativo adj. ]
Assim sendo, o termo configura-se por atributos dos seres, de característica
positiva, pode ser associado aos atributos de uma boa educação e, portanto, ser incorporado
no exercício da profissão docente. Essa ideia é ratificada pela concepção de Aristóteles, que
vincula qualidade a uma das categorias encontradas em todos os seres, capaz de indicar a sua
condição (o que eles são) e o seu estado (como estão). Pautado nesse entendimento,
recentemente, na educação surge a preocupação de desenvolver-se competências para exercer
a docência em todos os seus níveis.
Para explicitar o conceito de competência, Perrenoud (2002, p. 145) diz que
[...] As competências constituem, portanto, padrões de articulação do conhecimento
a serviço da inteligência. Podem ser associadas aos esquemas de ação, desde os mais
simples até as formas mais elaboradas de mobilização do conhecimento, como a
capacidade de expressão nas diversas linguagens, a capacidade de argumentação na
defesa de um ponto de vista, a capacidade de tomar decisões, de enfrentar situações-
problema, de pensar sobre e elaborar propostas de intervenção na realidade.
Trata-se, portanto, das capacidades dos sujeitos para enfrentarem situações
inéditas que, para serem realizadas, recorrem ao desenvolvimento das habilidades, dessa
18
Programa de Qualidade Total, iniciado no Japão, por volta dos anos de 1950, onde apresentava uma nova
concepção de administração, implementado em várias organizações do mundo inteiro. Continha como princípios
a eficiência, o controle e a competitividade. Buscava relacionar a produção com o pleno atendimento das
necessidades dos clientes. Aqui no Brasil, é vivenciado na educação na década de 1970, incentivado pela
característica da legislação educacional 5692/71, materializada pela eficiência e controle do uso dos
planejamentos educacionais.
82
forma, necessitam dos conhecimentos, como núcleo de saberes, assuntos, utilizados como
meio para isso. Perrenoud (2002) aponta que as habilidades funcionam como âncoras para o
desenvolvimento das competências. Diz ainda, que a relação estabelecida entre habilidades e
competências, pode ser associada à ideia de que as habilidades são microcompetências, ou
como se as competências assumissem o papel de macro-habilidades.
Ainda, na intenção de explicitar esta concepção, Perrenound (2000, p.14), aponta
que na atual sociedade, onde a informação e o conhecimento estão cada vez mais disponíveis,
torna-se necessário que o professor desenvolva competências durante a sua formação, seja ela
inicial ou continuada, a fim de cumprir o seu papel social. Ele lista as 10 (dez) novas
competências para ensinar como sendo:
1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
2) Administrar a progressão das aprendizagens.
3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
4) Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.
5) Trabalhar em equipe.
6) Participar da administração da escola.
7) Informar e envolver os pais.
8) Utilizar novas tecnologias.
9) Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão.
10) Administrar sua própria formação.
Ao definir estas competências para o docente ensinar no século XXI, aponta-se
para a complexidade requerida para o exercício do ofício, bem como para o fato de que o
desenvolvimento de competências pressupõe além do domínio do conhecimento, um saber-
fazer ou um saber-resolver, que exige estabelecer relações, tomar decisões, enfim, pensar.
Já Moretto (2007), apoiado nas idéias de Guy Lê Boterf e Philippe Perrenound,
define competência como sendo a capacidade de o sujeito mobilizar recursos visando abordar
e resolver situações complexas. Para esse autor, torna-se necessário, desmembrar os termos, a
fim de compreender o conceito. Inicia pela ideia de mobilizar, que apoiado na sua raiz, móbil,
significa força interior capaz de impulsionar o sujeito para a ação, a agir, requer, no entanto,
ação consciente.
Ao utilizar a expressão “mobilizar recursos”, pressupõe tratar-se de elementos
indispensáveis para a realização de uma tarefa, das mais diferentes naturezas, seja de ordem:
cognitiva (conteúdos conceituais), de habilidades (saber fazer), da administração das
emoções, do uso das diferentes linguagens e dos valores morais e éticos.Já a utilização do dito
“situação complexa”, refere-se ao sentido de resolver situação-problema ou um desafio a ser
enfrentado e resolvido.
83
Nesta perspectiva, o domínio do primeiro recurso, de ordem cognitiva,
envolvendo os conceitos, os fatos, os princípios, é o pressuposto básico para qualquer
resolução de situação complexa, pois o entendimento do fato requer o conhecimento sobre
ele, bem como as suas relações. Aqui se faz necessário diferenciar conhecimento, de
informação ou simplesmente de dados.
Moretto (2002), faz esta diferenciação, apontando que dado é o signo ou conjunto
deles, que apresenta significados diferenciados, dependendo do contexto. Já a informação,
seria o conjunto de dados organizados em uma sentença com significado lógico. Enquanto
que o conhecimento dá-se a partir da informação ou do conjunto delas, elaboradas pela
apropriação que o sujeito faz, mediante o significado na sua estrutura cognitiva.
Nesta perspectiva, conforme já exposto, o sujeito, ao encontrar-se com o objeto do
conhecimento, pode apresentar uma visão inicial, caótica, distorcida ou não elaborada-
sincrética, que é denominada de conhecimento prévio. Com a vivência de processos de
análise, a respeito do objeto, passa a reconstruir esta visão inicial, que é superada por uma
nova visão, ou seja, uma síntese. Síntese esta que é provisória, pois o pensamento está sempre
em movimento e consequentemente em constante alteração.
Segundo Anastasiou (2004), o caminho percorrido da síncrese para a síntese, via
análise, deve ser organizado e mediatizado pelo professor, objetivando a sistematização do
saber escolar. Desta maneira, concebe-se o conhecimento como produção social, criado na
interação e fruto do trabalho organizado, sistemático e intencional do docente para a
socialização dos saberes historicamente acumulados pela humanidade e indissociáveis das
realidades sociais.
Porém, o domínio de tais conteúdos conceituais não basta, é preciso que haja
também, o desenvolvimento de certas habilidades, que remetem à capacidade de saber-fazer.
Além disso, cada situação complexa exige uma linguagem própria, adequada aos conteúdos
conceituais. É necessário o domínio da linguagem escrita, oral, pictórica, da informática, dos
sinais matemáticos, dos gráficos, das tabelas, entre outros. Por outro lado, toda situação
complexa acontece dentro de um contexto, e este, por sua vez, está relacionado com valores
éticos e culturais. É necessário também a administração do emocional como recurso para ser
competente. É condição imprescindível que ocorra o controle das emoções, separando os
problemas e/ou as frustrações de ordem econômica ou social, do desempenho profissional.
Assim, Rios (2002), diz que a competência guarda o sentido de saber fazer bem o
dever. Ela revela-se na ação, durante a prática profissional, onde mostra-se as capacidades,
exercitam-se as possibilidades e atualizam-se as potencialidades.
84
Portanto, ao abordar os conceitos de qualidade e de competência, Rios (2002, p.
93) conclui que:
Fazendo a articulação entre os dois conceitos de competência e de qualidade,
chegamos a uma definição de competência que a apresenta como uma totalidade que
abriga em seu interior uma pluralidade de propriedades, um conjunto de qualidades
de caráter positivo, fundadas no bem comum, na realização dos direitos do coletivo
de uma sociedade.
A autora estabelece que o desenvolvimento das competências na docência ocorre
por meio das manifestações de uma dimensão técnica, uma dimensão política, uma dimensão
estética e uma dimensão moral.
A dimensão técnica da competência, requer o domínio de conhecimentos inerentes
ao ofício da docência, são as formas de realizar a ação educativa baseada nas ciências da
educação. Porém, a técnica requer articulação com a práxis, senão associa-se à visão
tecnicista, a qual supervaloriza a técnica, ignorando a sua relação no contexto social e
político. Rios (2002, p. 96) aponta que
[...] Para que a práxis docente seja competente, não basta então, o domínio de
alguns conhecimentos e o recurso de algumas “técnicas” para socializá-los. É
preciso que a técnica seja fertilizada pela determinação autônoma e consciente dos
objetivos e finalidades, pelo compromisso com as necessidades concretas do
coletivo e pela presença da sensibilidade, da criatividade.
Desenvolver competência numa perspectiva da dimensão estética exige do
professor um olhar estético, voltado para o coletivo e o bem-estar social. Requer
sensibilidade, empatia, originalidade, respeito. Refere-se à sensibilidade e a sua orientação
numa perspectiva criadora. Ao mesmo tempo, a ação docente competente, direciona o seu
fazer pautado na técnica e na sensibilidade, orientada pelos princípios éticos e políticos.
Na visão de Rios (2002), torna-se necessário abordar conjuntamente as dimensões
ética e política, devido a estreita relação existente entre elas. Ao abordar o termo ética, busca-
se na sua etimologia, ethos, morada do homem, como um espaço construído pela ação do
homem, transcendendo a natureza, adquire o sentido de costume, jeito de viver. Rios (2002, p.
101) fala que
No ethos, manifesta-se um espaço fundamental da existência humana: a craição de
valores. Valorizar é relacionar-se com o mundo, não se mostrando indiferente a ele,
dando-lhe uma significação. Há valores de diversos tipos: afirmamos que algo é
verdadeiro ou falso, bonito ou feio, útil ou inútil, bom ou mau. São desse último tipo
aqueles valores que usamos para qualificar a conduta. É aí que se relacionam
costume e valor. Tende-se a qualificar como boa ou correta uma conduta que seja
85
costumeira e a estranhar, e mesmo a qualificar de má, uma conduta a que não se está
acostumado.
É a partir do ethos que se constitui o nomos, a regra, a lei. Esta surge como uma
maneira de viver e conviver na sociedade, de tal modo que os indivíduos possam participar do
contexto, relacionando-se e intervindo nele. A moral serve de controle das ações humanas.
Nas relações sociais, configura-se a vida política e é no espaço político que
aparecem as relações de poder, as hierarquias e se estabelecem os acordos. Por isso, a
vinculação com a moral e a ética, pois dizem respeito à participação do indivíduo na
construção coletiva da sociedade e ao exercício da cidadania.
Desta maneira, Rios (2002), aponta na dimensão ética, o elemento balizador das
demais, pois a dimensão técnica, a estética e a política ganharão o seu significado pleno, além
de se apoiarem em fundamentos próprios da natureza e guiados por princípios éticos, capazes
de garantir um espaço democrático, necessário ao exercício da cidadania.
Reforçando esta ideia, Cunha (2007), aponta que os programas de formação e
educação de professores precisam enfatizar a dimensão técnica e o compromisso político
como condição de obter-se uma pedagogia transformadora, na qual o professor consciente das
questões sociais e competente tecnicamente, engaje-se na luta pela melhoria das condições de
vida do povo brasileiro.
Aponta também, para a importância da prática, que a seu ver proporciona
inquietações, capazes de favorecer a transformação, uma vez que não há mudanças sem
considerar o cotidiano, pois o processo de formação do educador ocorre a partir das condições
históricas em que ele vive. Trata-se da realidade que ele faz no cotidiano, e segundo Cunha
(2007, p. 35),
A vida cotidiana é a objetivação dos valores e conhecimentos do sujeito dentro de
uma circunstância. É através dela que se faz concreta a prática pedagógica, no caso
do professor. É tentar descobrir como ele vive e percebe as regras do jogo escolar,
que idéias vivencia na sua prática e verbaliza no seu discurso e que relações
estabelece com os alunos e com a sociedade em que vive.
Assim, o método utilizado para esclarecer os fundamentos da vida cotidiana é o da
análise fenomenológica19
. Dessa forma, o ver fenomenológico no cotidiano possibilita, por
meio da experiência, interpretações múltiplas, pois cada sujeito é único e torna-se produto
19
A Fenomenologia busca explicação a partir do discurso como ele se apresenta ( phenomenon+ logos).
86
das sensações e lembranças que contribuem para a obtenção de significado à experiência para
construir o cotidiano.
Porém, a realidade cotidiana não exclui a influência da participação coletiva,
como explicita Cunha ( 2007):
[...] O existir na vida cotidiana é estar continuamente em interação e comunicação
com os outros e os significados próprios são partilhados com os significados das
outras pessoas, que vivem também o cotidiano. A expressão do cotidiano do
professor é determinante e determinada pela conjuntura social e cultural onde se
desenvolve.
Neste prisma, a vida cotidiana assume uma estrutura espacial e temporal. Vale
ressaltar que o professor é um ser histórico-social, que nasce numa época, num local, num
contexto, capaz de interferir no seu modo de ser, agir. E que ele precisa construir e
reconstruir seus conhecimentos conforme a necessidade de utilizá-los, a partir das suas
experiências, dos seus percursos formativos e/ou profissionais.
Assim sendo, o modelo social dita as formas de se viver e de produzir, que
influenciam diretamente nas políticas de formação dos docentes. O fenômeno da
globalização20
, sem sombra de dúvidas, é o fator mais enfatizado no mundo contemporâneo.
Como consequencia deste mundo globalizado, obtém-se o enfraquecimento da cidadania e da
participação, fortalecendo as atitudes individualistas e o descompromisso social.
Já no campo educacional, segundo Veiga (2006, p. 67),
[...] destacam-se as propostas de mudanças nos paradigmas do conhecimento e nos
produtos do pensamento, a cultura e a arte. Neste mundo complexo e de profundas
transformações, também se tornam mais complexas as práticas educativas e torna-se
inquestionável uma nova forma de organização do trabalho das instituições e nos
processos de formação inicial e continuada de professores bem como no
posicionamento de todos os que trabalham na educação.
Aqui, distingue-se dois conceitos fundamentais, o da formação inicial e da
formação contínua, aquela que pode ser administrada pelo próprio professor ou pela
instituição a que ele está vinculado, e que também é denominada de formação em exercício.
A formação inicial, como o próprio nome sugere, é destinada ao conjunto de
saberes que habilitam o indivíduo a atuar em determinada área profissional. É adquirida com a
conclusão de um curso de licenciatura ou de bacharelado e, segundo Veiga (2006), deve
20
Para Veiga (2006), trata-se do fenômeno da expansão de inter-relações, principalmente de natureza
econômica, em escala mundial, entre os países de todo o mundo. Ela se expressa na difusão de padrões
internacionais de organização econômica e social, influenciando os modos de ser e de viver das pessoas, das
transformações de Estado e conseqüentemente, da política.
87
fornecer ao futuro professor uma sólida bagagem nos âmbitos científico, cultural, social e
pedagógico para o exercício profissional.
Já a formação contínua ou continuada, acontece em decorrência da atualização
constante da atuação profissional, podendo ocorrer em nível de pós-graduação, lato ou stricto
sensu, ou até mesmo pela participação de cursos, eventos, como forma de ampliação da
formação inicial, pois se centra nas necessidades e situações vividas pelos docentes.
Assim, segundo Veiga (2006, p. 87),
[...] associa-se o conceito de formação de professores à idéia de inconclusão do
homem. A formação identifica-se com a idéia de percurso, processo, trajetória de
vida pessoal e profissional. Por isso, a formação não se conclui, ela é permanente.
Portanto, há que se pensar também na formação dos professores em exercício da
profissão, na sua formação inicial e continuada.
A formação do docente realizada na instituição e durante o exercício da profissão
docente por si só não ocorre indissociada do mundo do trabalho, da investigação, da
comunicação, dos saberes e das competências necessárias à prática docente. O
desenvolvimento das competências requer um agir concreto e situado na práxis do docente.
Ocorre ao longo do tempo, conforme justifica Rios (2001), ao dizer que ela se amplia na
construção coletiva, partilhada pelas experiências, na reflexão.
As diretrizes apontadas na LDB 9.394/96, referentes à formação da docência no
ensino superior, no capítulo VI, artigo 66, expressam que “A preparação para o exercício do
magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de
mestrado e doutorado.”
Pimenta e Anastasiou (2010), destacam que o exercício da docência universitária
incide no princípio da preparação e não da formação, que deve ocorrer, preferencialmente,
nos programas de pós-graduação stricto sensu. Porém, essa formação fica a cargo de
iniciativas individuais e/ou institucionais, mesmo que de forma esparsa, pois os programas de
mestrado e de doutorado, na maioria das vezes, estão organizados para a formação de
pesquisadores que desenvolvem habilidades distintas das da docência.
O ingresso à docência no ensino superior ocorre por razões e interesses variados,
na maioria das vezes por profissionais das mais variadas áreas, que trazem consigo
conhecimentos oriundos da atuação profissional ou da área de pesquisa, com pouca ou
nenhuma reflexão sobre o que é ser professor. Além disso, carregam também, os modelos
educacionais recebidos como estudante. Acerca disso, Pimenta e Anastasiou (2010, p. 37)
afirmam que
88
[...] embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de
estudos em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um
desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de aprendizagem,
pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de
aula.
Assim sendo, o processo de formação continuada possibilita a construção de
identidades no cotidiano e o de profissionalização docente dos profissionais das diferentes
áreas.
Então, para os profissionais docentes, a construção da identidade ocorre durante a
sua trajetória, tendo início com os modelos construídos ao longo da sua escolarização. Na
graduação, o foco, era para o exercício profissional voltado à área de atuação, com conteúdos
específicos e intrínsecos da mesma, ligados por um código de ética, vinculados à uma
entidade de classe, visando ao reconhecimento social, referente àquela profissão e não ao da
docência.
A formação para a docência requer preparo, conforme afirma Zabalza (2004, p.
108)
[...] quando se apresenta o exercício da docência como uma atividade profissional,
estamos considerando, no mesmo nível, a sua prática ( que tem seus conhecimentos
e suas condições específicas) e o domínio científico da própria especialidade. Como
atividade especializada, a docência tem seu âmbito determinado de conhecimentos.
Ela requer uma preparação específica para seu exercício. Como em qualquer outro
tipo de atividade profissional, os professores devem ter os conhecimentos e as
habilidades exigidos a fim de poder desempenhar adequadamente as suas funções.
Esta afirmação, opõe-se à ideia daqueles que defendem a não
profissionalização da docência, atribuindo-lhe o princípio básico de que a tarefa de ensinar
ocorre naturalmente e que se aprende a ensinar ensinando, em decorrência apenas de
experiência e de vocação.
O exercício da docência requer, portanto, alguns requisitos do professor, os quais
são elencados por Veiga (2008, p. 84):
a) Conhecer profundamente os conceitos centrais e as leis gerais da disciplina, as
relações entre esses conceitos, bem como seus procedimentos investigativos (e como
estes foram surgindo historicamente na atividade científica);
b) Proceder a uma análise do conteúdo a ser ensinado, começando por identificar as
relações básicas que organizam determinado assunto, no sentido de captar os
conceitos centrais que tenham força generalizante;
c) Avançar das leis para a realidade circundante em toda a sua complexidade;
d) Saber escolher exemplos concretos e atividades práticas que demonstrem os
conceitos e as leis gerais de modo mais transparente;
e) Iniciar o estudo do assunto pela investigação concreta (objetos, fenômenos,
visitas, filmes), fazendo com que os alunos formulem relações entre conceitos,
manifestações particulares das leis gerais, até chegar aos conceitos científicos;
89
f) Criar novos problemas (situações de aprendizagem mais complexas, com maior
grau de incerteza, que propiciem em maior medida a iniciativa e a criatividade.
Para o professor organizar a sua prática didático-pedagógica , torna-se necessário
que ele obtenha conhecimentos acerca da teoria do conhecimento; da psicologia do
desenvolvimento e da aprendizagem; das peculiaridades epistemológicas das disciplinas e dos
seus métodos de investigação; noções sobre o processo de planejamento das suas ações; o
papel da avaliação no processo de ensino e de aprendizagem; instrumentos e critérios de
avaliação; a seleção de estratégias de ensino frente aos objetivos pretendidos, bem como a
seleção de conteúdos.
Diante disso, evidencia-se a necessidade da formação inicial ou contínua, pois
segundo Zabalza (2004, p. 111),
Ensinar é uma tarefa complexa na medida em que exige um conhecimento
consistente acerca da disciplina ou das atividades, acerca da maneira como os
estudantes aprendem, acerca do modo como serão conduzidos os recursos de ensino
a fim de que se ajustem melhor às condições em que será realizado o trabalho, etc.
Conhecer bem a própria disciplina é uma condição fundamental, mas não é
suficiente. A capacidade intelectual do docente e a forma como abordará os
conteúdos são muito distintas de como o especialista o faz. Esta é uma maneira de
aproximar dos conteúdos ou das atividades profissionais pensando em estratégias
para fazer com que os alunos aprendam.
Então, além de dominar a área profissional e os conteúdos inerentes a ela, é
necessário que o professor consiga analisar e resolver problemas; selecionar um tópico a ser
estudado, detalhá-lo numa sequência lógica, de forma compreensível; escolher a melhor
forma de abordagem dos conteúdos; selecionar as estratégias metodológicas e os recursos
necessários e organizar as informações e as atividades a serem propostas aos alunos.
Estas habilidades intelectuais ultrapassam os domínios científico e técnicos
adquiridos na profissão de origem e pressupõem ainda, postura interativa, trabalho em equipe,
boa comunicação, interesse e preocupação com a aprendizagem do estudante, identificando o
que ele já aprendeu e o que necessita ainda apreender, agir respeitando as características e
cultura dos estudantes.
As mudanças ocorridas na sociedade, por consequência, implicam um novo
cenário universitário e, por decorrência, uma nova postura do docente, ultrapassando o papel
de tecnólogo do ensino para o de agente social, conforme denomina (VEIGA, 2006).
A formação do professor, na perspectiva de agente social implica uma discussão
política global, permeado pela formação inicial e contínua, pelas condições de trabalho,
90
salário, carreira e organização da carreira. Trata-se de um processo emancipatório, que
propõe educação de qualidade para todos, envolvendo a compreensão da totalidade do
processo do trabalho docente.
Já a formação numa perspectiva do tecnólogo do ensino, vincula-se ao projeto da
sociedade globalizada e neoliberal, relacionando-se à produtividade, pautada na relação
custo/benefício. Essa formação centra-se no desenvolvimento de competências para o
exercício técnico-profissional, baseada no saber fazer, reduzindo-se a uma formação
pragmática, simplista e reducionista.
Para Veiga (2006, p. 83), a formação do professor como agente social desenvolve-
se numa perspectiva de educação crítica e emancipatória, que requer:
a) Construção e domínio sólido dos saberes da docência identificados por Tardif (et
al.1991), quais sejam: saberes disciplinares e curriculares, saber da formação
pedagógica, saber da experiência profissional e dos saberes da cultura e do mundo
vivido na prática social. Trata-se de saberes múltiplos que, embora possam ser
identificados de modo fragmentado, na prática devem ser conectados pelo professor
no contexto do trabalho pedagógico de forma interdisciplinar e contextualizada. [...]
A construção e aquisição de saberes docentes é um processo amplo e não linear,
devendo ocorrer da forma mais coletiva possível, refletindo sobre as situações
práticas e concretas. Portanto, a formação deve propiciar ao professor o
fortalecimento do vínculo entre os saberes e a realidade social mais ampla, com a
qual deve manter estreitas relações.
b) Unicidade entre teoria e prática. [...] A formação tem como fundamento básico o
trabalho como princípio educativo e a pesquisa como meio de produção de
conhecimentos e intervenção na prática social e especificamente na prática
pedagógica.
c) Outro aspecto a ser considerado nessa ótica da formação de professores refere-se
à ação coletiva, integrando todo o pessoal que atua na escola bem como todos os
processos que contribuem para a melhoria do trabalho pedagógico. [...] capazes de
planejar e gerir o ensino- aprendizagem, além de intervir nos complexos sistemas
que constituem a estrutura social e profissional.
d) Autonomia. [...] entendida como processo coletivo e solidário de busca e
construção permanente. [...] E essa contínua busca é fortalecida pela análise e
interpretação da própria prática pedagógica.
e) A explicitação da dimensão sociopolítica da educação e da escola, além de pôr em
evidência a estreita vinculação entre a forma de organização do trabalho pedagógico
da escola no conjunto da sociedade capitalista, fortalece a identidade do profissional
no seu papel de agente social.[...]
f) A formação profissional orientada por esses princípios tem por base a idéia de
que a preparação para o magistério é uma tarefa complexa e eminentemente política.
[...].
A busca pela mudança da concepção da formação docente ocorre a partir de 1990,
por meio de pesquisas que consideram as práticas pedagógicas complexas, requerendo assim,
pensar em abordagens que ultrapassem a academia, bem como a articulação com essa, o
desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão. Esta abordagem surgiu
para superar os estudos anteriores que apontavam ao exercício da profissão docente um
91
conjunto de técnicas, gerando uma crise de identidade dos professores em decorrência da
separação do eu profissional e o do eu pessoal, conforme menciona Nóvoa (apud NUNES,
2001).
A consideração dos modos de vida e do quotidiano do docente, como elemento
interveniente no eu profissional, passou a priorizar o papel do professor tanto em pesquisas
quanto em debates.
Acompanhando a evolução histórica do papel do professor, percebe-se que na
década de 1960, eram priorizados os saberes específicos das disciplinas que o professor
lecionava. Por volta da década de 1970, houve a valorização dos aspectos didático-
metodológicos, relacionados à utilização das tecnologias de ensino, por meio da
supervalorização dos planejamentos educacionais, visando o controle e a eficiência.
Já na década de 1980, o discurso educacional ganha uma nova roupagem,
influenciado pelos movimentos populares, de diretas já etc., com ênfase na dimensão
sociopolítica e ideológica da prática docente, com um certo desprezo aos saberes docentes e
às práticas pedagógicas.
Nos anos de 1990, ocorre a ressignificação dos saberes e das práticas docentes, é o
momento denominado de construção de uma didática fundamental21
. Nunes (2001) aponta
para o resgate da importância do processo de autoformação, de reelaboração de saberes
iniciais em confronto com a prática vivenciada. Os saberes docentes vão se constituindo a
partir de uma reflexão sobre a prática.
Conforme Veiga (2006), quando se fala da formação docente, busca-se acomodar
as ideias da pedagogia, respaldada por nomes como Giroux, Schön, Zeichner, Tardif,
21 Candau (2000) , faz uma retrospectiva histórica da contribuição da didática ao longo dos anos. Para isso, ela
relaciona os períodos da história da educação brasileira com relação às três (03) dimensões do processo de
ensino-aprendizagem, a saber: dimensão humanista , vinculada às relações interpessoais como centro do
processo pedagógico, subjetiva, relacionada ao caráter afetivo; dimensão técnica, refere-se à ação intencional,
sistemática, que procura organizar as melhores condições para o processo de ensino-aprendizagem, vista e
concebida como meramente uma “didática instrumental” e a dimensão político-social, que acontece numa
cultura definida, com pessoas concretas, que têm classe definida na organização social. Com base nestas
dimensões, a autora procura explicar o papel da didática no decorrer da história da educação brasileira, vivida em
três momentos: 1o. Momento: A afirmação do técnico e o silenciar do político: pressuposto da neutralidade -
demarcada pelos últimos anos da década de 1950 e nos primeiros da década de 1960, perpassa da ênfase do
psicológico na aprendizagem para os métodos e as técnicas de ensino, influenciada pela forte tendência
tecnicista. A didática é concebida como estratégia para conseguir os fins; 2o. Momento: A afirmação do político
e a negação do técnico: a contestação da didática – a partir da metade da década de 1970, com críticas à falsa
neutralidade do técnico, originando assim à negação do técnico, porque era associada ao controle, dessa forma há
a negação do termo ora vinculado à Didática, período da antididática; 3o. Momento: De uma didática
instrumental a uma didática fundamental – as dimensões do processo de ensino-aprendizagem não são
contrapostas, e sim passam a ser necessárias, de forma recíproca, na prática pedagógica.
92
Gauthier, Coll, Sacristán, que buscam elucidar o papel dos docentes na sociedade
contemporânea.
A autora destaca a contribuição de três teóricos para a discussão sobre a formação
docente, apontando as suas contribuições no processo de identidade e de formação. Entre eles,
Veiga (2006, p. 138) aponta
Giroux (1998), radical americano, apropria-se do conceito gramsciano de intelectual
orgânico e hasteia a bandeira do “professor intelectual”. Rejeita a tentativa de
redução dos professores a meros técnicos, preparados para executar as idéias
passadas por outros ou preparados com as melhores maneiras de transmitir um
determinado corpo de conhecimentos. Defende a tese de professores a atuarem como
intelectuais capazes de transformar a realidade, contrapondo-se às idéias
reprodutivistas e imobilistas.
Schön (2000), professor de Estudos Urbanos e Educação no Massachusetts Institute
of Technology de Boston, teve, possivelmente, a influência mais significativa na
formação de professores brasileiros na última década. Forjou a expressão reflective
practitioner – “professor reflexivo” – tão em voga, ainda que já um pouco
controversa em razão da ausência da “criticidade” da proposta. Cunhou também as
expressões “reflexão-na-ação”- no decorrer dela- e “reflexão-sobre-a-ação”- que
ocorre retrospectivamente. Schön propõe diferentes modos de estimular os
professores a utilizarem o seu próprio ensino como forma de investigação destinada
à mudança das práticas.
Zeichner (1992), professor da Universidade de Wisconsin em Madison, EUA, a
partir da noção de professor reflexivo chega ao “professor pesquisador” como
corolário da proposta de Schön: a reflexão se dará sempre por meio da pesquisa, o
que não deixa de promover uma simbiose entre professor reflexivo e professor
pesquisador.
Enquanto isso, Charlot (2008, p. 92), busca vincular o compromisso de ser
professor com a busca pela formação22
do indivíduo, adota, portanto um caráter sóciopolítico
na missão de educar ao afirmar que:
[...] Através da difusão do saber, o professor visa, segundo as épocas e os lugares, a
“moralizar o povo”, a formar a Razão, a formar o Cidadão, a desenvolver o
indivíduo, a dar sentido ao mundo, etc. Ou seja, “cultivar” o indivíduo, lhe dar
forma, uma forma apropriada ao lugar, ao tempo, algumas vezes ao sexo e à origem
social. Transmite-se, então, o saber para formar o indivíduo.
Assim, a palavra formação envolve dois aspectos, o do ensinar e o do formar. O
primeiro, o do ensinar pressupõe estabelecer vínculos entre o que aprende e o que ensina com
o saber. Requer competência para gerir a lógica das práticas23
e a dos saberes. O último
22
Formação aqui entendida com o caráter de quem educa forma indivíduos e ao educar, forma-se, numa
concepção de formação contínua, a partir da reflexão pela prática. Charlot, 2005, salienta isso, dizendo que ,”se o
ensino, uma vez que cultiva o indivíduo, é formador, o é em um sentido mais vasto do termo, diferente daquele
que implica o uso moderno da palavra formação”. 23
Charlot ( 2005) atribui à formação profissional o desafio para gerir a lógica dos discursos com a lógica das
práticas. Diz, tratarem-se de lógicas heterogêneas, porém estão relacionadas. Pois, se o saber se apresenta sob
93
aspecto, o do formar está associado à ideia de cultura. O sujeito é preparado para adotar um
certo comportamento frente a uma determinada situação, bem como fazer os ajustes
necessários dessa prática frente ao contexto. Requer, portanto, o desenvolvimento de saberes
específicos para o exercício da prática. Seguindo este raciocínio, Charlot (2005, p. 93) diz o
seguinte:
[...] Formar é preparar para o exercício de práticas direcionadas e contextualizadas,
nas quais o saber só adquire sentido com referência ao objetivo perseguido. Mas
formar é também transmitir saberes que, se são transmitidos como simples
instrumentos de uma prática, correm o risco não somente de se descaracterizarem
mas também de dificultarem a adaptação da prática ao contexto, e, se eles são
transmitidos no seu estatuto de saberes constituídos em discurso coerente, correm o
risco de “deslizar” sobre as práticas e de não terem nenhum valor instrumental.
Desta forma, pensar em sua própria formação, é mais uma das tarefas do docente,
que para Nunes (2001), dá-se num processo de auto-formação, que permite reelaborar seus
saberes iniciais em confronto com a prática. Trata-se da ação refletida a partir da prática que
requer uma postura reflexiva por parte do docente.
Perrenound (2002), aponta esta questão dizendo que a prática reflexiva precisa ser
ensinada, desenvolvida tanto na formação inicial quanto na continuada, embora no
cotidiano,seja preciso pensar para agir. Ainda que essas modalidades de formação não sejam
o único veículo de profissionalização do ofício de professor, é por meio delas que se consegue
elevar o nível de competências dos profissionais. Perrenoud (2002, p.13) salienta que:
Uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade,um
habitus24
. Sua realidade não é mediada por discursos ou interações, mas pelo lugar,
pela natureza e pelas conseqüências da reflexão no exercício cotidiano da profissão,
seja em situação de crise ou de fracasso seja em velocidade de cruzeiro.
Sabe-se que a figura do profissional reflexivo está presente durante o exercício de
uma profissão que pressupõe inteligência ou um certo grau de especialização, porém o
desenvolvimento do saber- analisar, proposto por Altet (apud PERRENOUND, 2002, p.17)
requer a construção paralela dos saberes didáticos e transversais bastante ricos e profundos
para equipar o olhar e a reflexão sobre a realidade.
forma representativa de discursos constituídos, esse saber-discurso é o efeito de uma prática de saber. Assim, a
prática do saber é uma forma de mediação entre a lógica das práticas e lógica dos discursos.
24 Habitus, é uma expressão utilizada para o uso de determinadas condutas ou posturas adquiridas na e pela
prática. O habitus pode se transformar em macetes da profissão, num estilo de ensinar ou até mesmo em traços
de personalidade profissional.
94
Assim sendo, a formação inicial e a formação continuada possuem atribuições
distintas. A primeira precisa preparar o futuro professor para refletir sobre a sua prática, para
criar modelos e para exercer a sua capacidade de observação. Além disso, precisa ser
estimulada a vivência em ambientes de análise da prática e ambientes de partilha, para refletir
a forma de como se pensa, decide, comunica e reage na sala de aula. Enfim, o profissional
torna-se reflexivo, à medida que é formado nessa mesma prática reflexiva, conforme expressa
Meirieu (apud PERRENOUD, 2002, p.18) dizendo que: “Aprender fazendo a fazer o que não
se sabe fazer”
Já, a formação continuada dos professores enfrenta o desafio de romper com a
lógica estabelecida pela concepção, na sua origem, referente à capacidade de abrandar a
defasagem entre os professores que obtiveram formação inicial pedagógica dos que não a
tiveram. Desta maneira adotam práticas de apresentação de modelos sobre metodologia e
estratégias de ensino, princípios e instrumentos de avaliação, na intenção que os profissionais
apliquem em suas turmas, sem levar em conta a característica da sala, os objetivos
educacionais ou as condições recebidas.
Na perspectiva do professor reflexivo, a formação continuada precisa ser o espaço
da própria prática reflexiva, por meio da análise das práticas pedagógicas, das situações-
problema e da discussão sobre o habitus. Além destes mecanismos de desenvolvimento da
prática docente reflexiva, como fio norteador e condutor da formação, torna-se importante
abordar ainda, informações temáticas, transversais, tecnológicas, didáticas, sobre os saberes
de como ensinar.
Pimenta e Anastasiou (2010), dizem que nos processos de construção da
identidade docente, tem papel fundamental o significado social que os professores atribuem a
si e à educação.
No processo de construção das identidades, que perpassa a auto-formação, surge a
corresponsabilidade das instituições de ensino, como agentes capazes de promoverem a
mediação reflexiva entre as transformações sociais e os indivíduos, que para Pimenta e
Anastasiou (2010, p. 78)
Consiste em relacionar a atividade de aprender dos alunos aos conhecimentos que
permeiam a sociedade, que foram nela produzidos e a constituem ; em relacionar a
aprendizagem do “eu”à aprendizagem do “nós”. Ao acentuar a importância do
conhecimento nas instituições educativas, é preciso afirmar as diferentes formas
pelas quais o ser humano conhece: conhecemos com teorias, com o conhecimento
elaborado, com a nossa experiência. Mas também conhecemos por intermédio das
emoções, da cognição, do afeto. Conhecer é o ato que mobiliza o ser humano por
inteiro. Mobilizar essas várias formas no processo de conhecer permite que não se
95
perca a capacidade de indignar, de problematizar e de procurar saídas para os
problemas.
Ao considerar a mediação reflexiva como interveniente no processo de construção
das identidades, estabelece-se uma relação direta com o conhecimento. Por isso, constitui-se
num processo epistemológico, que para Pimenta e Anastasiou (2010), envolve quatro grandes
conjuntos de saberes: o dos conteúdos das diversas áreas do saber (das ciências humanas e
naturais, da cultura, e das artes) e do ensino; os conteúdos didático-pedagógicos (diretamente
relacionados com o campo da atividade profissional); os conteúdos relacionados a saberes
pedagógicos do campo teórico da prática educacional; e os conteúdos ligados à explicitação
do sentido da existência humana individual, como sensibilidade pessoal e social.
Em síntese, a formação docente envolve um processo formativo amplo que
transcende o ato imitativo ou reprodutivo de “dar aulas”25
, a partir das experiências adquiridas
como aluno. Requer que o professor se aproprie durante a sua formação inicial ou continuada,
de conceitos e fundamentos da Didática. É dessa forma que, na visão de Pimenta e Anastasiou
(2010), a mediação reflexiva assume o desafio de contribuir para o processo de passagem de
professores que se percebem como ex-alunos da universidade para o ver-se como professores
numa determinada instituição,onde a docência extrapola os saberes da experiência.
Ao entender o exercício da docência como prática histórica e situada num
contexto social, a docência e a sua formação encontram-se desafiadas a darem respostas às
demandas da sociedade. Hoje, o exercício docente tem como desafios, atuar numa: a)
sociedade da informação ou do conhecimento; b) sociedade imediatista; c) sociedade do não
emprego e das novas configurações do trabalho.
No tocante à sociedade da informação ou do conhecimento, torna-se necessário a
distinção dos termos. Devido ao processo de globalização26
, principalmente pelo uso da
internet, a informação chega rapidamente a qualquer ponto do planeta. Porém, as informações
precisam ser selecionadas, reorganizadas e reelaboradas pelos indivíduos, a fim de
apropriarem-se delas, em forma de conhecimento. E é dessa maneira que o professor atua.
Atualmente, vive-se numa sociedade imediatista, caracterizada pela rapidez e pela
amplitude de opções, como o fast food, pois tudo é questão de tempo, precisa ser rápido e ágil,
25
Essa expressão de “dar aulas” é combatida por Rios ( 2002), ao contrapor por “fazer”aulas. Ela justifica isso
pelo fato de que a ação do docente é remunerada e que o ato de construir o conhecimento não é doado, e sim
elaborado, construído, a partir de situações de ensino e de aprendizagem. Então, o professor não “dá”aulas e sim
“faz”aulas. 26
Ao mesmo tempo que o processo da globalização agiliza as informações, o mesmo acaba gerando a exclusão
social, uma vez que nem toda a população tem acesso à internet.
96
quase que instantâneo. Neste ritmo frenético, existe a tendência da desvalorização dos valores
morais e éticos, impulsionados pela sociedade do consumo e pela satisfação dos desejos
imediatos. Aliado a tudo isso, esta época é marcada pelo aumento da violência, do uso das
drogas, pela degradação ambiental, e pela banalização das relações interpessoais.
Este contexto pressupõe a adoção de uma nova postura de ação e/ou de
enfrentamentos por parte dos indivíduos, bem como da sua formação. É necessário que
desenvolvam novas competências a partir do pensar, criar, resolver problemas. Conforme
apontam Pimenta e Anastasiou (2010, p. 100),
[...] Um profissional que reflita sobre o seu fazer, pesquisando-o nos contextos nos
quais ocorre.
Neste início de século, o discurso que domina as mídias é o de que as instituições
educativas têm por tarefa preparar os jovens para o mundo do trabalho, que, entre
outras coisas, exige deles novas competências: criar, pensar, propor soluções,
conviver em equipe – competências essas compatíveis com as novas configurações
do processo educativo. Essas transformações estão modificando significativamente a
identidade do trabalhador, que passou, da noite para o dia, a ser valorizado como
alguém que deve pensar e propor, embora com a finalidade de gerar maior
produtividade, que gere maior lucro.
A formação docente, seja ela inicial ou contínua, assume alguns desafios que
precisam ser trabalhados como forma de dar respostas às demandas sociais, bem como de
criar as suas identidades profissionais. Segundo Zabalza (2004), precisariam ser ressaltados
cinco eixos na profissionalidade renovada na docência universitária: a reflexão sobre a
própria prática; o trabalho em equipe e cooperação; a orientação para o mercado do trabalho;
o ensino planejado a partir da aprendizagem e da didática e a recuperação da dimensão ética
da profissão.
Neste contexto, a ideia do profissional reflexivo contribui para o rompimento da
ideia preconceituosa de que a prática gera conhecimento, pois o importante é que por meio
dela, aprimorem-se as ações e sua efetividade. Mediante esta análise, Zabalza (2004, p. 126)
diz que
[...] A prática pode reforçar o hábito, mas se não for analisada, se não for submetida
a comparações e se não for modificada poderemos passar a vida inteira cometendo
os mesmos erros.
De qualquer forma, refletir não é retomar constantemente os mesmos assuntos
utilizando os mesmos argumentos; na verdade, é documentar a própria atuação,
avaliá-la (ou auto-avaliá-la) e implementar processos de ajustes que sejam
convenientes.
97
O outro eixo apontado é o do trabalho em equipe e cooperação, que por sua vez
busca superar a prática individualista, superando a inércia e promovendo uma cultura
institucional, capaz de enfrentar e dar respostas aos desafios educacionais vigentes. É preciso
compreender a importância da sintonia das ações, ultrapassando a concepção das práticas
individualizadas, das suas disciplinas, das suas turmas, para a adoção de um projeto mais
amplo, de um plano de formação, conforme sinaliza Zabalza (2004), ao afirmar que as novas
demandas geram novas necessidades formativas do professorado universitário, dentre elas, a
de criar um “projeto formativo integrado e original”, capaz de pôr em ação um plano de
estudos que supere a mera soma de disciplinas.
A orientação para o mercado de trabalho, apontada como outro eixo requer que o
professor tenha capacidade de associar a visão acadêmica com a atividade profissional.
Necessidade esta que pressupõe o diálogo constante com o mundo do trabalho, seja por meio
de prestação de serviços às empresas, por meio de orientação de estágios práticos dos
estudantes ou por meio da pesquisa de novos produtos, facilitando, assim, a integração entre o
exercício profissional e a docência.
O ensino planejado a partir da aprendizagem e da didática voltado à formação
de profissionais técnicos, pressupõe a passagem de simples especialista da disciplina para
didata27
da disciplina, capaz de adequar situações de aprendizagem frente aos objetivos
educacionais, por meio de embasamentos teóricos, numa postura reflexiva, comprometida
com o processo de construção do conhecimento, visando a apreensão dos fatos, conceitos
para a resolução de situações-problema.
No eixo, recuperação da dimensão ética, encontra-se a essência da profissão.
Requer atitudes individuais, capazes de demonstrar durante a atuação profissional e no campo
das relações interpessoais, o compromisso com os valores humanos fundamentais como
respeito, honestidade, integridade, solidariedade, empatia, entre outros, bem como os da
imparcialidade e do uso adequado das informações privilegiadas, dentre outras. Além destes
valores, há a necessidade dos princípios éticos, estéticos, técnicos e políticos, inerente ao
exercício profissional docente que envolve a formação e atualização para poder responder
integralmente às demandas apresentadas a eles, pois segundo Zabalza (2004, p. 131),
[...] a ética não pode ficar à margem do desenvolvimento profissional dos docentes e
do aprimoramento da qualidade de suas atividades. No final, o nossso crescimento e
o do nosso trabalho não dependerão somente do aprimoramento das técnicas e dos
27
Segundo o dicionário Houaiss, didata é que ensina, especialista em didática, autor de livros de ensino.
98
recursos que utilizamos, mas, sobretudo, do reforço do compromisso profissional
que sejamos capazes de assumir.
A profissão de professor exige também de seus profissionais as características de
flexibilidade, resolutividade frente aos imprevistos, busca de soluções e/ou de informações
para resolver situações complexas que envolvem os saberes da suas áreas. Desta forma,
Pimenta e Anastasiou (2010), dizem que o processo de reflexão tanto individual como
coletivo, é a base para a sistematização de princípios norteadores de possíveis ações, e nunca
modelos. Assim, a pesquisa da prática individual e coletiva é uma ação intencional que revela
profissionalidade do docente, pois permite que o mesmo se debruce e reflita sobre a sua
própria prática.
Além destes desafios já mencionados para a docência na atualidade, surge a
necessidade da aquisição de novos saberes como responsáveis para uma educação mais
democrática. Conforme Gadotti (2005, p. 26-27),
[...] Isso implica em novos saberes, entre eles, saber planejar, saber organizar o
currículo, saber pesquisar, estabelecer estratégias para formar grupos, para resolver
problemas, relacionar-se com a comunidade, exercer atividades antropológicas, etc.
Ao serem colocados estes desafios à prática docente, emergem mudanças na
concepção da formação inicial e da formação continuada do professor, promovendo uma nova
cultura profissional. Desta nova cultura, para Gadotti ( 2005), emerge a necessidade da
formação continuada ser concebida como reflexão, pesquisa, ação, descoberta, organização,
fundamentação, revisão e construção teórica e não como mera aprendizagem de novas
técnicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas. A nova formação permanente,
inicia pela reflexão crítica sobre a prática, ressaltando a importância da troca de experiências
entre os pares, por meio de oficinas, grupos de trabalho, pois segundo Freire (1996, p.78),
Quando os professores aprendem juntos, cada um pode aprender com o outro. Isso
leva a compartilhar evidências, informação e a buscar soluções. A partir daqui os
problemas importantes das escolas começam a ser enfrentados com a colaboração de
todos.
Em se tratando da formação docente, seja ela inicial ou continuada, torna-se necessário
discutir questões relativas ao tempo e ao espaço em que ocorre a formação docente para além
da sua profissionalização. Ela pode acontecer em lugares distintos dentro ou fora do território
99
do trabalho. Segundo Cunha (2008, p.2), as práticas de formação docente atendem as políticas
nacionais e são institucionalizadas da seguinte forma:
Elas envolvem a formação no território do trabalho, incluindo as iniciativas
institucionais de formação continuada. Envolvem, também, as ações institucionais
que acontecem por iniciativa dos próprios grupos de
professores/projetos/associações profissionais etc. e, ainda, a formação nos
espaços/cursos que qualificam os sujeitos a disputar/manter a condição de docente
da educação superior, envolvendo os Cursos de Especialização em Docência
Universitária; os cursos de Mestrado e Doutorado que optam por incluir nos seus
currículos a disciplina de Metodologia do Ensino Superior; as experiências do
Estágio de Docência, instituído pela CAPES; os Programas de Pós Graduação em
Educação que abrigam candidatos de outras áreas para desenvolver pesquisas
relacionadas com a pedagogia universitária; Programas de Pós Graduação de outras
Áreas que possuem Linhas de pesquisa relacionadas com a docência e/ou ensino-
aprendizagem.
Cunha (2008), apresenta uma discussão acerca das três dimensões em que podem
ocorrer a formação docente, permitindo ainda, análise da relação entre os temas espaço, lugar
e território, a partir das seguintes proposições: a) quando um espaço pode transformar-se em
lugar?; b) o que transforma o espaço em lugar? c) quando um lugar se constitui num
território?
Ao discorrer sobre a primeira proposição, ela afirma que a universidade é o
espaço da formação dos professores da educação superior. Porém pode dar-se em duas
direções, a primeira e mais institucionalizada, é a formação para a pesquisa, em nível de pós-
graduação strictu senso, uma vez que os cursos de mestrado e/ou doutorado são condições
desejadas para a docência. A segunda, em forma de educação continuada para promover a
melhoria das práticas de ensinar e de aprender.
A formação continuada está vinculada à missão da instituição e tradicionalmente
ocorre nas universidades. Porém, só transformam-se em lugares de formação, à medida que os
espaços passam a serem ocupados, ou seja, à medida que os professores frequentam os
referidos espaços.
Assim, segundo Cunha (2008) as experiências que dão à universidade a condição
de lugar de formação reconhecem nela a condição de lócus cultural que faz intermediações de
significados com os sujeitos em formação.
Já a possibilidade do lugar se constituir em território, implica no estabelecimento
das relações de poder. Ao ocupar os lugares, faz-se escolhas que preencherão os espaços e os
transformarão em território.
100
Estabelecendo a interrelação entre os termos, Cunha (2008) sinaliza que o espaço
se transforma em lugar quando os sujeitos que nele transitam lhe atribuem significados. O
lugar se torna território quando se explicitam valores e dispositivos de poder de quem atribui
os significados.
Desta forma, apresentam-se como espaços de formação continuada os cursos, as
oficinas, os worshops, as reuniões pedagógicas, os seminários, os congressos, as bibliotecas,
os computadores plugados à rede, enfim todas as formas que possibilitem os sujeitos a
aprimorarem a sua prática seja ela técnica/ profissional ou pessoal.
O professor precisa ressignificar o seu papel na sociedade, para isso é necessário
que retome a sua principal função, a de ensinar algo para alguém. Ciente da sua função na
sociedade, ele pode resgatar ao longo do tempo, a representação exata do que é ser professor,
que conforme menciona Veiga (2006), requer a ultrapassagem das adjetivações colocadas em
torno da sua figura, como a de professor intelectual, professor reflexivo e de professor
pesquisador para simplesmente ser chamado de professor.
Professor, que segundo Kuenzer (apud VEIGA, 2006, p. 139-140), permite
aprender e compreender as diferentes concepções e práticas pedagógicas, stricto e
lato sensu, que se desenvolvem nas relações sociais e produtivas de cada época;
transformar o conhecimento social e historicamente produzido em saber escolar,
selecionando e organizando conteúdos a serem trabalhados de forma metodológica
adequada; construir formas de organização e gestão dos sistemas de ensino nos
vários níveis e modalidades; e; finalmente, no fazer deste processo de atores da
organização de projetos educativos, escolares e não-escolares, que expressem o
desejo coletivo da sociedade.
Assim, a formação profissional requer um conjunto de saberes transmitidos pela
instituição formadora de docentes, respaldados pelas ciências humanas e pelas ciências da
educação, a fim de subsidiar a prática docente, tanto na formação inicial quanto na contínua.
É neste momento que o professor constrói a sua identidade, fica fortalecido para buscar ou
adaptar estratégias de ensino e de aprendizagem. E mais, reafirma-se como professor, pois
acessa aos saberes pedagógicos, impregnados de uma doutrina, que reflete concepções
ideológicas, permeadas de algumas formas de saber-fazer e algumas técnicas. Esta interface é
possível mediante a articulação com as ciências da educação.
101
4 PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
A atividade do planejamento está relacionada com a vida diária das pessoas, pois
as ações remetem à tomada de decisões frente a determinadas situações, sejam de ordem
empírica ou científica. Isto demonstra que quando se busca determinados fins, se estabelece
os melhores meios que, de certa forma, é um planejamento não formalizado, não
sistematizado.
A sistematização ou não do planejamento é diretamente vinculada ao grau de
complexidade das ações. Assim, o planejamento envolve a sistematização do pensamento e
das ações para poder compreendê-las e transformá-las, pois segundo Dalmás (1998, p. 23),
Pelo pensamento (reflexão), o homem desenvolve níveis cada vez mais aprimorados
de discernimento, compreensão e julgamento da realidade, o que lhe favorece uma
conduta comprometida com novas situações de vida. Pelo planejamento, o homem
organiza e disciplina a ação, tornando-a mais responsável, partindo sempre para
ações mais complexas, produtivas e eficazes.
Desta forma, o ato de planejar pode ser fruto de ação intencional ou não, pois as
ações corriqueiras ocorrem de forma mecânica, automáticas, sem a necessidade da reflexão.
Já, o planejamento como prática educativa, assume o compromisso da reflexão, como
mecanismo para modificar e/ou organizar a prática.
A reflexão enquanto atividade de mudança relaciona-se ao aspecto da
subjetividade, muito embora estabeleça uma relação dialética entre os campos objetivos e
subjetivos. No entanto, a reflexão não pode interferir diretamente na realidade, pois o que age
direta ou indiretamente na realidade, por meio dos instrumentos, são os sujeitos. É por meio
da ação consciente dos sujeitos que ocorre um nível de elaboração, um sentido, uma marca
que é a intencionalidade. Assim, a reflexão para Vasconcellos (2006, p. 11), é considerada
como:
[...] uma mediação no processo de transformação. Digamos assim, ela pode agir “
através” do sujeito. Para quem deseja a mudança resta, pois, a possibilidade de
interagir com a intencionalidade dos sujeitos, favorecer a interação entre eles, de
forma a que possam ter uma ação pautada numa nova concepção.
Partindo desta premissa, a reflexão apresenta a função de proporcionar ao sujeito a
capacidade de análise da realidade, que é marcada pela intencionalidade, a fim de encontrar
102
formas de intervir na situação apresentada. Nesta ótica, a reflexão necessita articular duas
dimensões apontadas por Vasconcelos (2006), a do convencimento e a da intervenção.
O convencimento corresponde a uma mobilização inicial que desperta desejo para
o sujeito se dispor à ação. É a dimensão que busca a desconstrução das concepções
equivocadas, pré-concebidas, possibilitando ao sujeito, a ideia de que é possível agir ou fazer
de outra forma.
A dimensão da intervenção indica caminhos, adota o papel de guia para a prática a
ser transformada. Pressupõe a projeção de objetivos e/ou alternativas para intervenção, por
meio da ação.
Vasconcelos (2006), diz que o papel da reflexão para transformar a prática, requer
enfrentar os obstáculos subjetivos, por meio do convencimento e da mobilização, numa base
afetiva/cognitiva, que utiliza o campo reflexivo da Ontologia e da Axiologia, tendo como fim
a própria consciência. E, para enfrentar os obstáculos objetivos, envolve a perspectiva do
conhecer para transformar, planejar para intervir, numa base cognitiva/afetiva, que utiliza o
campo reflexivo da Epistemologia e da Axiologia, tendo como fim o mundo externo, o da
extraconsciência.
A premissa que o ponto de partida para planejar é a necessidade de mudança,
condiz com a prática docente, uma vez que, por meio da reflexão, o professor precisa
organizar as situações de aprendizagem para que ela se efetive. Ao mesmo tempo, o educador
se vê como sujeito de transformação.
O docente ao encarar-se como sujeito do processo educativo, valoriza o
planejamento como possibilidades de transformação. Para isso é necessário, primeiramente,
que o professor deseje, queira mudar, para posteriormente realizar os seus desejos, em forma
de operacionalização deste querer e poder. O planejamento vem justamente contribuir para
que se ultrapasse essa dicotomia. Partindo da necessidade da mudança, Vasconcelos (2006, p.
36-37) diz que
[...] O ponto de partida é uma pergunta básica: há algo em nossa prática que precisa
ser modificado, transformado, aperfeiçoado? Senão há, não se precisa de projeto. A
ausência de falta, a inapetência ( física e/ou intelectual), a ausência de desejo é sinal
de estagnação, e, portanto, de morte. [...] Não é possível re-significar o planejamento
em si, isolado da re-significação de estar no mundo e de toda a prática educacional!
O grande nó do planejamento educacional pode estar na morte do autêntico trabalho
pedagógico devido a:
Fatores exteriores: a falta de condições e de liberdade, a cobrança formal e
autoritária do cumprimento do programa, etc;
Fatores interiores: o professor que se entregou, que abriu mão de lutar, de resistir
contra as pressões equivocadas.
103
Então, planejar remete a querer mudar, acreditar na possibilidade da mudança da
situação apresentada, perceber que precisa fazer a sistematização metodológica para depois
realizar a ação prevista.
Para Vasconcelos (2006), planejar é antecipar mentalmente uma ação a ser
realizada e agir de acordo com o previsto, pois envolve a busca do fazer algo incrível,
essencialmente humano: o real a ser comandado pelo ideal.
Já para Gandin (1983, p. 18-19 ), planejar é
a) [...] transformar a realidade numa direção escolhida;
b) [...] organizar a própria ação (de grupo, sobretudo);
c) [...] implantar um processo de intervenção na realidade;
d) [...] agir racionalmente;
e) [...] dar clareza e precisão à própria ação (de grupo, sobretudo);
f) [...] explicitar os fundamentos da ação do grupo;
g) [...] pôr em ação um conjunto de técnicas para racionalizar a ação;
h) [...] realizar um conjunto de ações, propostas para aproximar uma realidade
de um ideal;
i) [...] realizar o que é importante (essencial) e, além disso, sobreviver...
Segundo o dicionário Houaiss, planejar é elaborar o plano ou a planta de; projetar;
organizar plano ou roteiro de; programar (viagem, férias, curso); ter a intenção de; pretender.
Assim sendo, o ato de planejar pressupõe a concretização do que se almeja,
enquanto ideias, efetivado pela ação, a fim de interferir na realidade, adquirindo sentido para
o sujeito, que se predispõe à mudança. Ideias por si só não geram mudanças. É preciso
romper com o mito de que ideias sofisticadas empoderam um planejamento. Elas precisam,
sim, ser viáveis, executáveis, caso contrário, recaem na descredibilidade do planejamento,
pela crença de que não adianta planejar, porque torna-se impossível a concretização deste. A
ideia oposta também pode circundar a descrença do ato de planejar, ou seja, de que não
precisa planejar, pois basta querer para que se concretize uma ação.
A descrença do planejamento, segundo Vasconcelos (2006), é justificada por
muitos educadores ao atribuir à tarefa educativa um caráter de impossibilidade da sua
antecipação, já que a realidade da escola é dinâmica e complexa. Além deste argumento,
apegam-se ao fato de que faltam condições mínimas para desencadear o processo de
planejamento, somando a isso a carga horária excessiva dos professores, bem como a
sobrecarga de atividades decorrentes da docência. Por fim, utilizam o argumento do
determinismo, marcado pela ideia de que somos determinados por fatores biológicos, sociais,
psicológicos, dentre outros que impossibilitam a mudança, o que gera a estagnação ou
alienação.
104
Há ainda, educadores, que justificam a ausência do ato de planejar pelo caráter da
formalidade, sem relação direta com a prática, por ser pensado e proposto algo que
dificilmente será executado, pela falta de compromisso de executar o pensado, por entender
que o ensino não deva ficar “preso” a um plano, por ser encarado como algo distante da
realidade e por não adotar um sentido centralizador.
Fica evidente, segundo Vasconcelos (2006, p. 38), que
Para o professor não-comprometido, não há proposta de plano que seja boa;
considerar que o simples fato do professor preencher um formulário bem elaborado
será garantia de um bom trabalho, é uma ilusão!
Este pressuposto - a percepção da necessidade de mudança – é da maior
importância, pois quem está “morto, quem não está querendo nada com nada, quem
não quer mudar, obviamente não sente a necessidade de planejar”.
A postura do docente reflete o seu pensamento sobre educação e a finalidade da
sua ação enquanto forma de fazer a sua aula, o que se estende ao planejar ou não. Se ele
encara o espaço da aula como mera reprodução do que é pensado e idealizado pelo sistema
educacional, pais, material didático, entre outros, realmente planejar não faz sentido. Porém,
se acredita na possibilidade de intervenção na realidade, o planejamento passa ser um
elemento auxiliador, pois implicará a escolha das melhores estratégias de intervenção para
verificar a sua assertividade, enfim, estará envolvido no processo, imbuído do sentimento de
“querer ver acontecer”.
Desta maneira, o planejamento remete à condição do sujeito querer e poder para
fazer. Para Vasconcelos (2006, p. 39),
O querer é a dimensão relativa às necessidades, ao desejo ( eros: vivo desejo, amor),
à paixão ( pathos: sofrer, suportar, deixar-se levar por), às emoções, à afetividade,
aos valores assimilados. [...] A ação humana, simbólica ou material, se caracteriza
por ser motivada; para agir, o sujeito precisa desta energia, deste “querer”. [...]
O poder tem uma base objetiva que são as condições para a ação (os meios, os
recursos, sejam materiais ou estruturais), e uma base subjetiva que é o saber (seja na
forma do conhecimento, habilidades e/ou atitudes). Há também aqui uma relação
entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva, por um turno, constrange a
subjetiva, e, por outro, pode ser alterada justamente pela ação consciente do homem,
portanto, orientada pela base subjetiva.
É evidente que somente o “querer” não basta, pois sendo o sujeito um ser social,
faz parte de uma realidade maior, e sua ação dependerá também de condições externas ( poder
subjetivo) e internas (poder objetivo) para isso, ou seja, “poder28
.”
28
A palavra “poder” , segundo Vasconcelos ( 2006), adota o sentido de possibilidade de agir , de produzir
efeitos, de realizar. O poder tem uma base objetiva que são as condições para a ação ( os meios, os recursos,
105
Assim, o ato de planejar está relacionado com o convencimento do sujeito ou do
grupo que julga ser importante refletir sobre uma situação para proporcionar a transformação,
o que implica acompanhar todo o processo em prol dos resultados.
A necessidade de planejar está intrinsecamente relacionada à motivação29
. A
motivação será o ponto de partida para o desejo de mudança , porém segundo Vasconcelos
(2006) , a motivação não se dará de forma espontânea ou apenas com boa vontade, pois o que
transforma a realidade são as ações.
Nesta perspectiva de superação, surge a mediação teórica como elemento que
qualificará a ação de intervenção, pois é por meio da ação intencional que o sujeito consegue
modificar a realidade, que conforme Vasconcelos (2006, p. 43) aponta,
A ação a ser desencadeada deve estar atravessada, pois, por uma intencionalidade,
sendo fruto de uma proposta. Coloca-se aqui a necessidade da mediação simbólica,
da teoria, de um método de trabalho, que ajude a superar a apreensão vulgar,
imediata da realidade e permita nela interferir.
Assim sendo, o processo do planejamento precisa buscar a teoria que fundamente
e guie a sua prática. A relação teoria-prática estabelece-se num binômio interrelacionado, em
busca da práxis. A práxis transita entre o pensar e o ser, sendo ao mesmo tempo saber e
prática, conhecimento e ação. Segundo Vázquez (apud VASCONCELOS, 2006, p. 45), é
atividade teórico-prática; ou seja, tem um lado ideal, teórico, e um lado material,
propriamente prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de
abstração, pode-se separar, isolar um do outro.
Desta maneira, não há prática que não tenha elaboração teórica e vice-versa.
Assim, constrói-se uma relação de interdependência entre ambas, pois a teoria se concebe
como tal à medida que se relaciona à uma prática, senão vira sem sentido. Freire (1997) diz
que nada mais prático que uma boa teoria, pois teoricizar é iluminar a ação, é decifrá-la, é
aprender o movimento do real , portanto algo relacionado com a prática.
A teoria por si só não é responsável pela mudança. Ela contribui com a
transformação, a partir das suas concepções, que precisam ser assimiladas pelos sujeitos
sejam materiais ou estruturais) e uma base subjetiva, que é o saber ( seja de forma de conhecimento, de
habilidades e/ou atitudinais). 29
Motivação, vem do latim: moveres, mover, denomina em psicologia, em etologia e em outras ciências
humanas a condição do organismo que influencia a direção, orientação para um objetivo, do comportamento.
Em outras palavras é o impulso interno que leva à ação.
106
responsáveis pela execução das ideias, na ação, pois o que modifica realmente a realidade é a
ação, porém uma ação sem ideia é ineficaz.
De acordo com Vasconcelos (2006), a atividade de planejar para o professor é
um caminho de elaboração teórica, de produção de teoria, da sua teoria e quando realizado a
partir de uma necessidade pessoal, o planejamento torna-se uma ferramenta de trabalho
intelectual.
O planejar parte, então, de uma elaboração mental, com duas funções básicas, a de
instrumento e a de interação dos pensamentos. Enquanto instrumento do pensamento, o
planejamento atua na antecipação e/ou na organização dos mesmos, já como interação, utiliza
a fala como mecanismo de exteriorizar o que elaborou, pensou, para realizar um problema.
Se o planejar significa antever uma intervenção na realidade, então, planejamento
está relacionado ao campo das possibilidades de modificá-la, por meio da ação intencional,
consciente ou voluntária, que segundo Vasconcelos (2006), possui três dimensões: a
necessidade, o objetivo e o plano de ação.
A primeira condição para toda atividade é a necessidade, que pode ser vista sob o
prisma da vontade ( associada a qualquer uma das dimensões da existência: física, afetiva,
intelectual, estética, espiritual, social, econômica, etc.), mais ligada aos motivos conscientes
e/ou do desejo ( pulsão, tendência), mais direcionado aos motivos inconscientes, muito
embora a distinção entre um e outro seja tênue. Vasconcelos (2006, p. 70) diz que
Necessidade (derivado do latim necessitas) é o estado de consciência que
acompanha a privação de algo que é necessário ou encarado como tal; trata-se do
sujeito sentir uma falta que precisa ser preenchida. A necessidade pode ser
compreendida também como o estado de tensão que esta falta provoca no sujeito;
como veremos, vai ser justamente esta tensão que o impulsionará para a ação.
Estamos aqui assumindo o termo necessidade no seu sentido ontológico (precisão,
carência, déficit), e não lógico ( aquilo que não pode ser de outro modo).
Neste contexto, englobam-se tanto as necessidades primárias, referentes às
necessidades orgânicas, como respiração, fome, sono, sede, etc. como as necessidades
secundárias, condizentes com a sobrevivência e realização humana, fruto da socialização dos
indivíduos, como afeto, proteção, valorização, estética, entre outros.
Como segunda dimensão da ação, o objetivo, remete a um fim determinado. É
tudo aquilo que o sujeito aponta como necessário para satisfazer a sua necessidade. Quanto ao
plano de ação, ele estabelece mentalmente, os passos necessários para atingir o fim.
107
Para clarificar os conceitos das dimensões da ação intencional, busca-se um
exemplo simples, mencionado por Vasconcelos (2006, p. 71):
[...] um indivíduo sai de casa e sente frio; tem, então, necessidade de proteção da
pele por algum agasalho; pensa em pegar o agasalho que tem na gaveta; elabora um
plano de ação: “tenho que voltar, abrir a porta, ir até o quarto e vestir a blusa”.
Como essa situação é tão corriqueira, já foi realizada tantas vezes, é evidente que o
sujeito não tem a necessidade de ficar pensando cada passo como aqui descrevemos,
pois isto faz parte de seus esquemas de ação. No entanto, se ao voltar para casa
perceber que saiu sem a chave, encontrar-se-á uma nova situação, que implica um
novo conjunto necessidade-objetivo-plano de ação: tem necessidade da chave, com
objetivo de entrar em casa e para isto elabora outro plano de ação: conseguir uma
ficha telefônica, ir até um telefone público, ligar para esposa, etc. Esse novo
conjunto de elementos de elaboração da ação está subordinado ao conjunto anterior,
e aí se encontra mais uma dificuldade de compreensão da ação do homem, uma vez
que essas elaborações vão se imbricando e complexificando, se coordenando,
subordinando ou até mesmo sendo suprimidas.
Ao elaborar o plano de ação há a necessidade do estabelecimento de um
método30. O método aparece como uma forma de organizar o pensamento e de estabelecer
relações. O método ultrapassa o conjunto de técnicas e de passos aplicados em qualquer
situação ou objeto e adota uma postura de enfrentar a realidade com a indissociação das
atividades de reflexão, conhecimento e interpretação sobre ela e sua transformação, que
segundo Vasconcelos (2006, p. 73), pode
Partir da Prática- terá a prática em que estamos inseridos como referência e
desafio para a transformação. Ter clareza que há uma história, há um movimento do
real; não é a reflexão que inaugura o mundo, já que, como vimos, “no princípio era
ação”; qualquer processo de mudanças tem como referência experiências anteriores;
Refletir sobre a Prática- através da reflexão crítica e coletiva, buscar
subsídios, procurar conhecer como funciona a prática, quais são suas contradições,
sua estrutura, suas leis de movimento, captar sua essência; projetar um sentido novo
de sua transformação;
Transformar a Prática – atuar, coletiva e organizadamente, sobre a prática,
procurando transformá-la na direção desejada.
A necessidade de utilização de um Méthodos incide na possibilidade de o
educador transformar a sua prática por meio da reflexão, uma vez que não possui o hábito de
ter método de pesquisa e/ou de trabalho. O processo de reflexão envolve três dimensões
30 Cabe ressaltar a diferença entre método e metodologia, embora estejam interligados. A palavra Método, do
grego, méthodos, de metà ( fim) e hodós ( via, caminho), ou seja, é o caminho para se chegar a um fim. Já a
metodologia é o estudo da melhor maneira de, num determinado estado de conhecimentos, abordar determinados
problemas. Ela não procura soluções, mas contribui na escolha das maneiras de encontrá-las, integrando os
conhecimentos adquiridos sobre os métodos em vigor nas diferentes disciplinas científicas ou filosóficas. A
metodologia conduz toda a elaboração do método que será empregado na resolução de um determinado
problema.
108
distintas: da realidade ( situação encontrada, real), da finalidade ( o motivo e situação
pretendida) e da mediação ( maneiras para atingir o desejado), que assemelham-se à estrutura
do Planejamento : análise da realidade, projeção das finalidades e elaboração das formas de
mediação. Segundo Vasconcelos (2006, p. 75),
A apropriação do Méthodos melhor habilita o educador a enfrentar mudanças
repentinas, decorrentes de fatores imprevisíveis ( as quais, inclusive, são muito
comuns na escola e na sala de aula), visto que mais do que preso a um esquema
formal, o professor dispõe de um modus de atuação, qual seja, não está limitado aos
objetivos imediatos, já que tem uma visão de totalidade do processo.
O planejamento pode ser entendido como um instrumento teórico-metodológico
para intervenção na realidade. Ao percebê-lo como Méthodos, pressupõe a adoção de postura,
elaborada ou interiorizada pelo sujeito, como forma de organizar a reflexão e a ação.
Então, Vasconcelos (2006) concebe a ideia de método dialético, ao movimento
que parte da prática com o compromisso de transformá-la, através da reflexão crítica e
coletiva, conforme o desejado.
A prática do planejamento visa organizar, sistematizar, direcionar e mediar a
reflexão do docente, permeada pela ação reflexiva, que ao ser realizada, pressupõe pensar
anteriormente, com vistas à execução. Por isso, difere das concepções apresentadas nos
dicionários, conforme Vasconcelos (2006, p.78), mostra-nos os seguintes termos:
Planejamento. S.m1.Ato ou efeito de planejar.2. Trabalho de preparação para
qualquer emprendimento , segundo roteiro e métodos determinados; planificação: o
planejamento de um livro [...]. ( Aurélio)
Planejar. V.t.d.1. Fazer o plano de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o
edifício. 2. Fazer o planejamento ; elaborar um plano ou roteiro de; programar,
planificar: planejar um roubo. 3. Fazer tensão ou resolução de; tencionar, projetar
[...] ( Aurélio)
Plano. ( Do lat. Planu) Adj. [...] Projeto ou emprendimento com fim determinado.
Conjunto de métodos e medidas para execução de um emprendimento [...]. (Aurélio)
Projeto. ( do lat. Projectu, " lançado" para diante). S.m.1. Ideia que se forma de
executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio.2. Emprendimento a ser
realizado dentro de um determinado esquema. (Aurélio)
Projeto . Em geral, a antecipação das possibilidades: isto é, qualquer previsão,
predição, predisposição, plano, ordenação, predeterminação. ( Nicola Abbagno)
Torna-se necessário ultrapassar estas concepções mencionadas acima, pois
apresentam uma ideia restritiva de planejamento. Não estabelecem relação entre o elaborar
(pensar) e o executar (agir). É concepção voltada para os princípios do planejamento com o
caráter de controle e/ ou de produtividade preconizados pela ciência da Administração, no
109
final do século XIX, que precisam ser ultrapassados, a fim de reestabelecer a importância do
planejamento para a prática educativa.
Sem dúvida, a ideia mais difundida no meio educacional foi a de Taylor (1856-
1915), americano, que corroborou a separação entre o pensar e o agir, referendando a
alienação do trabalho, termo atribuído por Marx, quando da mudança do modelo de produção
do sistema do feudalismo para o capitalismo. No modelo da organização sócio-produtiva,
feudal-artesanal, o homem detinha o conhecimento do processo de fabricação, desde a
produção da matéria-prima até a sua transformação. Já com o advento do capitalismo houve a
fragmentação do modo de produção. O homem passa a não dominar a cadeia produtiva, fica
alheio ao processo, detém apenas parte da produção, o que lhe confere a característica de
alienado.
O modelo taylorista de administração da produção utilizava o planejamento como
mecanismo de eficiência e de eficácia, fortalecendo a concepção tecnocrática. O poder de
decisão e de controle ficava nas mãos de alguns poucos (técnicos, políticos, especialistas) e
não com os que produziam. É a ideia de que uns pensam para os outros executarem.
Segundo Vasconcelos (2006, p. 27-28),
[...] pode-se identificar três grandes linhas em termos de planejamento
administrativo: o gerenciamento da qualidade total, o planejamento estratégico e o
planejamento participativo, sendo que a tendência do primeiro é decrescente em
favor do segundo, que procura, em certos casos, incorporar contribuições do
terceiro, que é mais difícil de ser utilizado em emprendimentos cuja função social
possa ser definida coletivamente.
As diferentes concepções de planejamento foram vivenciadas também nas
instituições escolares, influenciadas pelo contexto sócio-político-econômico, que marcaram a
história da educação brasileira e, por conseguinte, a prática docente. Seguindo esse raciocínio,
a professora Margot Ott (1984) menciona três momentos da história do planejamento
educacional, categorizado como: Princípio Prático, Instumental /Normativo e o Participativo.
A primeira categoria relaciona-se ao modelo tradicional de educação, na qual o
planejamento era realizado sem muita sistematização, pois os planos serviam de roteiros a
serem consultados por vários anos, assemelhados à “prática do papel carbono”, que a cada
início de ano era preciso apenas atualizar os dados da capa do mesmo, contendo os dados de
identificação da turma.
Estes planejamentos eram aplicados independentemente da realidade, como
modelos inquestionáveis, e segundo Vasconcelos (2006, p. 28), não eram bem planejamentos,
110
eram roteiros que se aplicariam fosse qual fosse a realidade. Nesta concepção, o plano se fazia
presente na sala de aula e servia de guia para o trabalho docente.
Ainda, na mesma categoria, porém sob a influência de outro modelo pedagógico,
o do escolanovismo, o planejamento assume o papel da não-diretividade do ensino, com
ênfase na criatividade e no interesse dos alunos. O planejamento era feito a partir de temáticas
de caráter amplo, propiciando apenas ao professor uma ideia do que poderia acontecer a partir
da sala de aula. Havia, inclusive, a ideia implícita de que os alunos davam a tônica da aula e
colaboravam no ato de planejar.
No final da década de 1960, o planejamento passa a adotar outra característica, a
do Instrumental/Normativo. Trata-se de uma época influenciada pelo modelo educacional
tecnicista, em que a prática pedagógica dava-se a partir do controle, da eficiência e da
produtividade. Fato este, que remete o planejamento à estratégia de resolução dos problemas
de ensino e de aprendizagem.
Nesta concepção, o planejamento seguia o rigor metodológico, com o
cumprimento da sequência rígida, estipulada na elaboração, realização e avaliação. O rigor do
planejamento começava pela escolha dos verbos adequados a serem utilizados para redigirem
os objetivos gerais e específicos. Nos cursos de formação docente, as disciplinas de Didática e
de Metodologia do Ensino, faziam-se valer do uso da lista de verbos para elaboração dos
objetivos, como condição essencial para o bom planejamento. Para a elaboração dos objetivos
de ensino, os professores selecionavam o verbo para indicar a ação esperada do discente. A
partir dessa seleção direcionava-se a escolha das atividades de fixação bem como subsidiava
a elaboração das provas e a sua correção. Havia a categoria dos verbos abertos, destinados
aos objetivos gerais, pois eram de longo alcance. Já os verbos fechados, eram empregados na
elaboração dos objetivos específicos, pois remetiam a uma ação imediata. Essas categorias de
verbo são, até os dias de hoje, mencionadas pelo professorado como indicativo para
elaboração dos objetivos educacionais. De acordo com Vasconcelos (2006, p. 29):
Essa exigência técnica para elaborar o planejamento justificou, ideologicamente ,
sua centralização nas mãos dos “especialistas” (do Estado ou das escolas), fazendo
parte de uma ampla estratégia de expropriação do que fazer do educador e do
esvaziamento da educação como força de conscientização, levando a um crescente
processo de alienação e controle exterior da educação.
A ideia do planejamento associada ao controle da atividade docente manifesta-se
como justificativa para negar essa prática, embora de forma velada. Essa ideia acirrou-se
ainda mais nas instituições escolares, com o surgimento da figura do Supervisor Escolar, no
111
final da década de 1960, sob influência do modelo norte-americano do “Inspetor Escolar”.
Adquiriu mais força com o advento da LDB 5692/71, que institucionalizou este profissional
em todas as escolas de 1º. e de 2º. graus, muito embora a função já existisse.
Nesse contexto, a figura do Supervisor Escolar surgiu, conforme Vasconcelos
(2006, p. 30) , como um profissional que:
[...] traz para dentro da escola a divisão entre os que pensam, decidem, mandam e se
apropriam dos frutos, e os que executam, uma vez que até então, o professor era o
ator e autor de suas aulas, sendo, que a partir daí, entre ele e o seu trabalho passa a
colocar-se a figura do técnico.
Esse processo contribuiu para a desvalorização do trabalho do docente, bem como
para o mito do planejamento, que uma vez elaborado era garantia da boa prática docente.
Estabeleceu-se então, a relação de que o professor que planeja bem ensina bem. É nesse
contexto, que surge com grande influência no meio educacional, o uso do livro didático,
acompanhado de um manual, que requer apenas, a condição de leitura prévia e de posterior
aplicação, na sua íntegra, em cada turma de alunos, assim como a adoção de técnicas de
ensino, como a do Estudo Dirigido.31
Ainda nessa mesma linha, aparece posteriormente, a
idéia de Qualidade Total, que propõe à escola eficiência e qualidade, porém com roupagem do
neotecnicismo e de cunho conservador.
Em decorrência do movimento de redemocatização do ensino, por volta da década
de 1990, surge a concepção do Planejamento Participativo como mecanismo de construção
coletiva e de enfrentamento dos educadores ao modelo anterior. Aqui, para Vasconcelos
(2006) , passa a ser valorizado a participação, o diálogo, o poder coletivo, a formação crítica a
partir da reflexão sobre a prática da mudança.
Nessa perspectiva, há o rompimento do planejamento funcional ou normativo.
Ele passa a ser instrumento de intervenção na realidade, com vistas à sua transformação e
compromisso com o social.
Vasconcelos (2006), diz que planejamento é o processo de reflexão, com tomada
de decisão, para colocação em prática do que foi pensado, mediante a avaliação dos resultados
31 O estudo dirigido teve sua aplicação, principalmente, durante a década de 1970, e pode-se notar que nas séries
do ensino de 1º grau os livros didáticos e os programas oficiais incentivaram os professores no uso desta técnica.
O trabalho dirigido desenvolvido com os alunos franceses, durante a experiência das “classes novas”, nos anos
60, repercutiu nas escolas brasileiras nas décadas seguintes. O estudo dirigido difundiu-se em companhia da
instrução programada. A instrução programada, mais utilizada na elaboração dos exercícios dos livros didáticos,
tinha como base teórica as pesquisas de Skinner sobre o reforço positivo, que por meio do reforço das ações
corretas, aumentava a probabilidade de repetição deste ato, o que conduzia a um maior número de
comportamentos desejáveis. Nessa técnica, o aluno desenvolvia suas atividades. sem acompanhamento de um
professor e dependeria da assimilação individual e gradual dos conhecimentos para completar as tarefas.
112
obtidos durante a execução. Atribui ao plano, o produto desta reflexão e da tomada de decisão
que, como tal, pode ser explicitado em forma de registro, documento ou não.
A partir desse entendimento, o planejamento enquanto processo, compreende
dois subprocessos: o da elaboração e o da realização interativa.
Durante o processo da elaboração, obtêm-se o plano de intervenção da realidade,
por meio da intencionalidade. Segundo Vasconcelos (2006), trata-se do momento da reflexão
“grávida”de intervenção da realidade, estabelecendo-se a relação dialética entre a reflexão e a
ação, com momentos de predominância da reflexão ou da ação, porque ambas constituem a
práxis.
Assim, ao elaborar o plano de ação é necessário colocá-lo em prática, a partir do
que foi pensado antecipadamente, garantindo o processo de planejamento. Desta maneira,
configura-se o ciclo do planejamento, que por meio da realização interativa, coloca-se em
prática (ação), aquilo que foi elaborado (reflexão), mediante a avaliação das ações, conforme
expressa o quadro abaixo:
Figura 1 - Ciclo do Planejamento
Fonte: Vasconcelos, 2006, p. 81.
Ao representar o ciclo de planejamento dessa forma, o autor reafirma que
planejamento requer elaboração e realização interativa, o que implica avaliação, tanto no
processo quanto no momento de conjunto, corroborando com a indissociação do planejado
com o executado e com a vinculação da ação com a intencionalidade, o que caracteriza a
práxis.
Além disso, justifica a ideia de que o planejamento enquanto processo é
permanente, e o plano, enquanto produto é provisório. A obtenção do plano como produto do
planejamento remete à sua execução e, durante esta realização, o compromisso de
acompanhamento requer atenção para qualquer sinal de interferência. No caso de algum
(Re) Elaboração
Realização Interativa
Avaliação de Conjunto
Avaliação de Conjunto
113
impeditivo ou dificuldade, recorre-se à reflexão para nova tomada de decisão, por isso o
processo de planejamento torna-se permanente e o plano enquanto produto é provisório.
Gandin (2000) diz que o planejamento comporta possibilidades de transformação
ou de conservação social, conforme a ideologia do grupo que o lidera, porém envolve
questões de qualidade, missão e poder. Associa a predominância de um desses elementos a
cada uma das três linhas de planejamento classificadas por ele: gerenciamento da qualidade
total, planejamento estratégico e planejamento participativo.
A concepção do planejamento como Gerenciamento da Qualidade Total,
apresenta caráter mais conservador, pois aponta mudanças para aprimorar o processo
industrial e pós-industrial, com viés econômico. O valor econômico é supremo e primordial.
Visa ao lucro, decorrência natural do processo. Além disso, a satisfação do cliente, a
eficiência, o modelo hierárquico de funções, com a padronização de tarefas, de procedimentos
e de resultados são elementos essenciais . Nesta abordagem, a participação adquire o caráter
de colaboração ou de decisão em assuntos menos relevantes.
Assim, para Gandin (2000, p. 25), este modelo fundamenta as concepções de
missão e de participação, pois
[...] Firma-se logo a compreensão de que não há forças maiores para incrementar a
qualidade humana do que a crença - sempre ligada a uma missão – e o espírito de
pertença – facilmente forte quando existe qualquer tipo de participação.
Já o planejamento estratégico adquire a característica de rever as atitudes frente a
um momento de crise, a fim de adequar finalidades às estratégias adotadas, com vinculação
entre qualidade e participação. No planejamento participativo, as questões da qualidade, da
missão e da participação são valorizadas e fazem parte do processo de integração, na prática,
os aspectos operacionais e estratégicos, que segundo Gandin (2000, p. 28-29),
[...] parte de uma leitura do nosso mundo na qual é fundamental a idéia de que nossa
realidade é injusta e de que essa injustiça se deve à falta de participação em todos os
níveis e aspectos da atividade humana. A instauração da justiça social passa pela
participação de todos no poder. Isto quer dizer que a construção de uma sociedade
nova, a superação da crise, se quisermos seguir no mesmo modo de falar, passa pela
participação de todos. Essa participação significa não apenas contribuir com uma
proposta preparada por algumas pessoas, mas representa a construção conjunta de
que falo no livro Escola e transformação social, p. 80-83. Significa, também, a
participação no poder que é o domínio de recursos para realizar a própria vida, não
apenas individualmente, mas grupalmente. O planejamento participativo é o modelo
e a metodologia para que isto aconteça.
Por isto, o planejamento participativo, enquanto instrumento e metodologia, isto é,
enquanto processo técnico, abre espaços especiais para a questão política.
114
O surgimento dessa concepção de planejamento está associada às necessidades da
Igreja Católica que, na época do Concílio do Vaticano II, propunha uma nova caminhada,
embasada na participação como forma de mudança. Essa proposta fora incrementada por
grupos de brasileiros, também ligados à Igreja, com a inclusão do método científico no
modelo de planejamento.
Segundo Dalmás (1998), é considerado ideal o planejamento que envolve as
pessoas como sujeito, desde a sua elaboração e com a presença constante na execução e
avaliação. Compartilhando desse entendimento, Vianna (apud Dalmás,1998 ) diz que o
homem como ser social, partilha vivências e busca realização pessoal na participação
comunitária, propondo
Uma nova forma de ação, cuja força reside na participação de muitas pessoas,
politicamente agindo em função de necessidades, interesses e objetivos comuns. Um
planejamento flexível, adaptado a cada situação específica que envolva decisões
comunitárias e que se constitua em processo político vinculado à decisão da maioria.
Um planejamento que tenha por objetivo final a formação do brasileiro, individual e
socialmente considerado, a partir do engajamento da maioria para mudanças
estruturais.
O planejamento participativo caracteriza-se pelo estabelecimento do diálogo como
elemento fundamental para troca de experiências, compartilhamento de idéias e de tomada de
decisões. Além disso, requer capacidade de análise e crítica da realidade, com atitudes de
respeito, de escuta, de partilha, a fim de estabelecer ações capazes de transformar o meio.
Trata-se de um modelo que se efetiva à medida que empodera o grupo, que
envolve uma metodologia para planejar. Gandin (apud DALMÁS, 1998, p. 26), sugere três
linhas a serem seguidas, são elas:
o primeiro modo é planejar PARA a comunidade: neste modo de planejar, o poder é
exercido de maneira autocrática, dominadora e até ditatorial. A participação na
elaboração é nula. No que se refere à execução é imposta. [...] A gestão, neste
modelo, é uma administração ou direção exercida por alguém e não por todos. É
assumida por um pequeno grupo, uma parte, nunca o todo;
um segundo modo de planejar é COM a comunidade: neste momento o poder está a
serviço. A participação da comunidade, na preparação e elaboração do plano, é
controlada. A execução do plano acontece a partir do consenso e do resultado de
uma negociação. Neste modelo de planejamento existe a co-gestão. [...] Na
realidade, a participação é insignificante e pequena. Às vezes ilusória. O poder
continua nas mãos de poucos, que o controlam constantemente.
um terceiro modelo é o planejamento da comunidade: aqui, o poder é exercido como
um serviço. A gestão é da comunidade, e será chamada de auto-gestão. A
participação da comunidade na preparação, na elaboração do planejamento, em sua
execução e em seu resultado é co-responsável e de comunhão.[...]
115
Ao propor intervenção na realidade, o planejamento participativo, requer
criatividade, conhecimento e capacidade de compreensão do grupo possuir. Dalmás (1998),
afirma que o encontro de pessoas, por meio de debates e diálogo, promove decisão e também
a capacidade de assumir as realidades comuns, propiciando tanto crescimento pessoal quanto
comunitário.
Embora este tipo de planejamento apresente inúmeros benefícios, Vianna, 1986
(apud Dalmás, 1998) destaca dois riscos para esta prática, primeiro, o da assessoria
especializada que pode manipular os interesses da maioria comunitária, determinando o que
fazer, como, quando e por que fazer. E segundo, quando a coordenação utiliza a informação e
a comunicação para manipular , politicamente, a comunidade.
A realização do planejamento participativo, além de promover crescimento
pessoal e do grupo, assume a possibilidade de transformação ou de renovação das estruturas e
das relações na educação formal.
Dalmás (1998), diz que o planejamento precisa responder a três perguntas
básicas: o que alcançar? (UTOPIA); a que distância se está do que se quer alcançar?
(DIAGNÓSTICO) e o que será feito para diminuir a distância? (PROGRAMAÇÃO). E que
metodologicamente, o processo do planejamento perpassa quatro passos.
O primeiro passo prevê a determinação das diretrizes gerais. Envolve o conjunto
das concepções conceituais, dos objetivos e dos conteúdos sobre os aspectos teóricos que
permeiam a realidade a ser transformada. Essas diretrizes, relacionam-se com o IDEAL,
movidas pela utopia.
Então, a utopia adquire a função de força motriz e provoca o desencadeamento do
processo do planejamento. Está imbuída do fazer diferente, de perseguir em busca do ideal,
do que se imagina para uma determinada realidade. Busca aproximar a distância da realidade
constatada com o ideal que se pretende.
Esse movimento relaciona-se diretamente com a ideia de homem, de sociedade e
de educação que se obtém, e, segundo Dalmás (1998), requer um referencial teórico,
composto pelo conjunto do Marco Situacional, Marco Doutrinal e Marco Operativo.
No Marco Situacional (MS) ocorre a descrição da realidade em que se vive e em
que se trabalha. Não é isenta da percepção pessoal nem de direcionamento, porém carrega a
concepção do grupo que planeja. Com isso, assume caráter participativo, com vistas a
realização no futuro, que pretende situar-se num contexto, a partir da análise da situação local,
regional, estadual, nacional e até mundial.
Gandin (2000, p. 40), diz que a realidade pode ser concebida como,
116
global, incluindo todo o complexo sócio-econômico-cultural; ela é assim
classificada por abranger a totalidade, tanto de conteúdo natural e humano, como de
espaço;
do campo de ação do grupo ou da instituição que planeja; esta realidade se
restringe, assim, à educação, ao sindicalismo, à saúde ou a qualquer outro setor de
atividade humana dentro do que opera a instituição ou o grupo que planeja;
do grupo ou da instituição, realidade restrita e específica do processo planejado.
O autor menciona ainda, que a realidade pode ser vista sob o ângulo da visão,
como existente e desejada. Refere-se à primeira, como sendo um determinado conjunto de
seres, ideias, símbolos, etc., que num determinado momento se faz presente. E a segunda,
como o mesmo conjunto mencionado anteriormente, porém proposto como rumo a ser
perseguido. Diz ainda, que o planejamento atua na realidade institucional existente, pois é
nela que a prática pode ser construída e/ou modificada.
No Marco Doutrinal (MD), busca-se a orientação para a nova ação, marcada pela
utopia e sendo assumida por todos que participam do planejamento. Envolve os princípios
pedagógicos, sociológicos, antropológicos, etc., que se tem do homem e da sociedade.
Conforme Dalmás ( 1998, p. 31),
Em função da utopia, no MD, deverá ficar declarado:
o modelo de pessoa que, se julga, todos devem desenvolver, aqui e agora, para
viver e agir;
o modelo de sociedade que se apresenta como proposta;
o modelo de educação que se quer assumir.
E no Marco Operacional (MO) ocorre a tomada de posição do grupo de
planejamento em relação ao como proceder, agir. Indica o caminho a ser percorrido por todos
após a escrita do plano. Dalmás (1994), sintetiza esses marcos da seguinte maneira: “diante de
um mundo assim...( MS); propõe-se condições assim...(MD); por isto, a nossa escola
funcionará assim...( MO).”
O segundo passo do planejamento envolve o diagnóstico, condição indispensável
para elaborá-lo. É por meio do diagnóstico, levantamento das características e das condições
da realidade, que se propõe a diminuir a distância entre a realidade e a utopia.
Para Dalmás, ( 1998, p. 32), para realização de um bom diagnóstico é preciso
obedecer aos seguintes passos:
avanços – identificar os avanços transformadores conseguidos e as forças que
ajudaram e foram apoio. Há muitas contribuições favoráveis;
limites – constatar os limites, as dificuldades e os problemas que atrapalham os
avanços. Há forças de resistência, que contribuem desfavoravelmente para se
117
conseguir avanços. Num processo de planejamento participativo transformador , os
problemas se tornam desafios;
necessidades – a partir dos avanços e dos limites, determinar as necessidades
mais urgentes, considerando a impoirtância de reforçar os avanços e superar as
limitações. Em outras palavras, trata-se de definir prioiridades.
Como terceiro passo do planejamento é apontada a programação, que determina o
momento de executar as ações pretendidas para resolver os problemas ou atender as
necessidades, a fim de transformar a situação apresentada. É o empenho para diminuir a
distância entre a realidade existente com a realidade pretendida.
E como último passo, a avaliação. Ela é constante, perpassa todo o processo do
planejamento, pois confere os resultados obtidos.
Dalmás (1998, p. 34) declara que
A avaliação é o motor que assegura o dinamismo do plano, pela constante
atualização através de sucessivas revisões e reformulações. Possui duplo aspecto: de
controle e de realimentação. Está presente no todo e em cada parte.
A avaliação confronta os resultados alcançados com os resultados desejados
(objetivos), para analisar as causas dos acertos ou dos desvios ocorridos.
Os quatro passos do planejamento já apresentados, contribuem para identificar os
momentos que o contemplam. Eles não são indossociáveis, mas sim integrados e
interdependentes.
Gandin (2000), diz que o planejamento pode ser classificado quanto ao nível de
participação, nível de poder, bem como quanto à forma de sua administração. Apresenta
então, dois níveis de planejamento: o político e o operacional. Salienta que ambos são
interligados, pois do político emana o operacional e este realiza as propostas do político.
O planejamento operacional trata dos meios necessários para a execução.
Preocupa-se com a definição das técnicas e dos instrumentos, busca a eficiência, remete à
resposta de curto prazo. Envolve questionamentos sobre o “como” e sobre o “com que”. Por
outro lado, o planejamento político, busca atender o “para quem” e o “para quê”, é
globalizante, trata dos fins, busca a eficácia, é realizado num período de médio e de longo
prazo.
Gandin (2000, p. 37) diz que:
Talvez fosse útil dizer que o planejamento político serve à transformação, é um tipo
(um nível) que sobressai nas épocas de crise, isto é, nas épocas em que a
humanidade, uma sociedade ou um fim de seus setores se reestrutura (ver “Crise e
respostas ...”). Enquanto isto, o planejamento operacional serve à manutenção, à
melhoria de uma estrutura tida como boa e possível de aperfeiçoamento (ver “Um
118
modo de pensar a mudança”); sobressai em época de calmaria ou quando se pensa
(para aqueles que assim pensam) que estamos num mundo estruturado.
Enfim, o planejamento político estabelece uma direção, um horizonte, capaz de
fortalecer os objetivos tanto da instituição quanto do grupo ou do movimento que está sendo
planejado. Já o planejamento operacional busca encaminhar as ações para a realização frente
aos objetivos e ao direcionamento. Embora ambos sejam importantes, há uma tendência em
dar maior ênfase ao planejamento operacional em detrimento do político, pelo fato de ser
utilizado como referencial nos cursos de Administração e ao mesmo tempo estar associado
como tarefa principal da profissão.
Esta ideia, desencadeia duas concepções falsas. Primeiro, ao vincular a figura do
administrador como responsável ou com o poder para pensar sobre os rumos e/ou sobre as
decisões a serem tomadas. Desta forma, há centralização na sua figura, enquanto os demais do
grupo assumem a postura de colaboradores, meros participantes do processo.
Em segundo lugar, associa o planejamento como única e exclusiva função do
administrador,o qual assume o papel de buscar os meios, mesmo que não haja fins, pois não
considera sua atribuição defini-los. Há uma grande tendência a que o planejamento não se
efetive, porque ao sentir-se ameaçado pela crítica, o administrador transfere o poder aos
grupos, justificando que estes são autônomos.
Então, a administração passa a ser uma tarefa específica que requer preparação e
que deve ser exercida por determinadas pessoas, de preferência eleitas, ou mediante indicação
consensuada, para que a ação fique centrada no planejamento operacional. E quanto ao poder,
ele precisa ser revesado entre os membros do grupo, pois segundo Gandin ( 2000, p. 38),
Naturalmente há aqui uma premissa fundamental, sem a qual nada disto tem sentido:
embora as pessoas tenham tarefas, saberes, condições...diferentes, elas são
fundamentalmente iguais e, por isso, o poder - e os recursos que o sustentam- devem
ser repartidos igualmente.
Esta ideia é reforçada pela característica da sociedade em que se vive, pois numa
época em que é preciso construir a cada instante uma visão de mundo, essa tarefa não é
exclusividade de alguns poderosos ou técnicos, todas as pessoas possuem capacidade para
descobrirem ou compreenderem os fatos que materializam a participação.
Segundo Gandin (2000), a participação pode ser exercida em três níveis: o da
colaboração, o da decisão e o da participação. A colaboração ocorre à medida que a
autoridade, pessoa responsável pelo planejamento, solicita a contribuição dos demais do
119
grupo para a validação da proposta da autoridade. A participação acontece mediante o
trabalho, o apoio ou mediante ao silêncio frente às propostas da autoridade. É uma forma de
manutenção do status quo, decorrente da submissão.
O segundo nível, o da decisão, implica uma aparente democracia, na qual o chefe
preconiza que a decisão será proveniente do grupo. Apresenta as questões em plenária e as
submete a escolhas entre as alternativas já traçadas anteriormente, pelo chefe.
O último nível, o da participação, requer a construção e a decisão em conjunto, no
grupo, pois o poder está com as pessoas e não somente no chefe imediato a elas. Todos
crescem juntos, transformam a realidade a partir do trabalho de equipe e com realização de
todos. É claro também, que a condição de participação apresenta algumas dificuldades, dentre
elas, a resistência dos que estão acostumados com os privilégios do poder, e a falta de
metodologia para realizar o processo participativo.
Assim, as questões de participação e de administração ficam diretamente
vinculadas ao seu período de duração. Aqueles planos de médio e de longo prazo necessitam
da maior participação do povo, uma vez que a administração será pequena. Já naqueles planos
de curto prazo, em que prevalece o operacional, cresce a presença da administração, porque
sobressaem as questões referentes aos meios, recursos e tempo.
Além disso, o planejamento participativo requer um caráter de cientificidade, ao
adotar um método e acompanhá-lo durante a realização para verificar a sua funcionalidade na
realidade aplicada. Por isto, Gandin (2000, p. 58) afirma que
[...] planejar é construir a realidade desejada. Não é só organizar a realidade
existente e mantê-la em funcionamento ( isto seria apenas planejamento operacional,
a administração) mas é transformar esta realidade, construindo uma nova. Como
alguém que construísse uma casa: há uma realidade existente, composta pelo terreno
e pelos recursos; e há uma realidade desejada, a casa; todo o processo consiste em,
na tensão entre as duas realidades, construir a realidade idealizada ou, pelo menos,
aproximar-se dela ao máximo. É bom insistir que o planejamento não é só fazer a
planta e administrar os recursos mas é, antes de tudo esclarecer o ideal, o sonho, o
que sempre envolve a discussão de valores e de hierarquia.
O processo do planejamento participativo viabiliza uma práxis social docente
constituída de três etapas distintas e interdependentes, iniciando pela elaboração caracterizada
pelo campo das ideias – concepção e das possibilidades e que culmina com a concretização
das mesmas em um plano, podendo ser escrito ou não. Ao obter-se o plano, este sempre de
caráter provisório, pressupõe-se o desenvolvimento da segunda etapa, a da realização
interativa. Ao colocar em prática as ações do plano, torna-se necessário avaliar os resultados
120
obtidos para dar continuidade ao que foi planejado ou para refazê-lo. Desta maneira, retrata-se
o seu caráter dialético, embasado na reflexão-ação-reflexão, que é adotado no planejamento
integrado, descrito no próximo capítulo.
O planejamento integrado assume características do planejamento participativo ao
ser construído coletivamente, por um grupo de professores no decorrer de cinco anos. além
disso, assume o caráter de cientificidade, pelo método em que é desenvolvido , bem como o
caráter político e operacional do planejamento e o da práxis social.
121
5 O PLANEJAMENTO INTEGRADO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA NO CURSO DE NUTRIÇÃO
No presente capítulo apresenta-se e analisa-se a prática do planejamento
integrado, desenvolvida no Curso de Nutrição, de uma universidade do estado de Santa
Catarina. Dá-se o enfoque ao planejamento integrado como espaço de formação continuada
do docente da educação superior, às etapas desse tipo de planejamento, a contribuição dele
para a formação continuada dos docentes, bem como as possibilidades e os limites para
realizá-lo.
A experiência do planejamento integrado surge em decorrência do compromisso
da instituição para concretizar sua missão, visão e valores, o que resultou na implementação
de algumas ações, nas últimas décadas. Dentre elas destaca-se a nova forma de organização
dos cursos: a Unidade Acadêmica (UnA). Além da finalidade de gestão compartilhada, a UnA
objetiva garantir o caráter pedagógico calcado em ensino, pesquisa e extensão.
Em 2005, os cursos dessa universidade catarinense, foram agrupados em quatro
UnAs: Educação, Expressão e Comunicação, Gestão e Jurídica, Tecnológicas e da Saúde.
Em 2010, este agrupamento recebeu outra denominação, mas congrega os mesmos cursos das
respectivas áreas.
Ao serem criadas as UnAs, surge, uma nova função na universidade, o
profissional da Assistência Pedagógica, vinculado à Pró-Reitoria de Ensino, Pesquisa e
Extensão, com o papel de assessorar pedagogicamente a implementação dos Projetos
Pedagógicos dos Cursos da UnA. Para isso, realizam diagnósticos constantes sobre as práticas
pedagógicas e planejam ações a serem desenvolvidas com base nos diagnósticos realizados.
As ações da Assistência Pedagógica são planejadas com a coordenação de curso e
realizadas conjuntamente com a congregação de cada curso. Ocorrem por meio de reflexões,
reuniões espaços de discussões, de estudo e de avaliação, bem como realizam atendimentos às
demandas advindas da UnA, de cada curso e do corpo discente, referente ao fazer pedagógico.
Tem ainda como objetivo, criar situações que auxiliem a modificação da cultura pedagógica
instituída no cotidiano do(s) curso(s), quando isso for necessário, para implementar
adequadamente o projeto pedagógico.
Além disso, o Assistente Pedagógico identifica e propõe, em conjunto com o
Programa de Formação Continuada, ações de formação docente, bem como, acompanha o
122
processo de seleção, alocação e avaliação do quadro docente da UnA, visando à melhoria da
qualidade do ensino.
O trabalho desenvolvido nas UnAs consolida-se na implementação do Plano de
Ação elaborado a partir da realidade e das necessidades de cada grupo, no final de 2005,
sendo elaborado pelo conjunto de coordenadores e pela assistência pedagógica,
proporcionando o fortalecimento da identidade, bem como o sentimento de coletividade e de
autonomia que lhes são conferidos.
Com a criação da UnA, surge também o planejamento das suas ações e dos
cursos, o que se denominou de Plano de Ação. A partir do diagnóstico dos cursos que
compõem a UnA da Saúde, elaborado pela assistência pedagógica, em 2005, o Plano de Ação
foi concebido coletivamente, com o objetivo de implementar os Projetos Pedagógicos de
Cursos (PPCs) no cotidiano dos cursos da UnA da Saúde. Para isso, cada congregação de
curso, apresentou proposições, que se desdobraram em ações, com os respectivos
responsáveis e período a serem realizadas.
Na maioria dos cursos da UnA da Saúde, apareceu a necessidade de integrar as
disciplinas para proporcionar uma abordagem interdisciplinar do conhecimento. Para
operacionalizar essa necessidade, foi implementado o Planejamento Integrado, como
estratégia de relacionar os saberes, propiciando a construção do conhecimento, de maneira
interdisciplinar. Porém, no decorrer da sua implementação, configurou-se também, como
espaço de formação continuada dos docentes, devido à sua prática reflexiva, que possibilita
mudança e/ou adoção de novas práticas pedagógicas. Tal prioridade surgiu a partir da
compreensão de que seria urgente o alinhamento dos PPCs dos cursos da UnA da Saúde no
que tange à organização curricular, pautada tanto nas Diretrizes Curriculares do MEC quanto
nas orientações da Atenção Básica à Saúde, o que requer uma nova dinâmica curricular.
A organização curricular reflete o contexto vivido, bem como a opção que o
sistema educativo pretende transformar em conteúdo para um nível de ensino ou para uma
instituição educacional, reflete uma opção cultural.
Essa idéia é reforçada por Sacristán (1998, p.34) ao explicitar que o currículo “[...]
é o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado,
que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal
como se acha configurada”. Desta forma, passa a ser visto e entendido como um componente
cultural, à medida que traduz valores e perspectivas de uma determinada época ou sociedade.
123
Ao recorrer à etimologia da palavra “currículo’, que se deriva do latim
curriculum, quer dizer “pista de corrida”, “caminho a ser seguido”. O caminho percorrido
define o pensamento e explicita a identidade.
Na atualidade, currículo compreende todas as experiências e conhecimentos
proporcionados aos estudantes, no cotidiano escolar, tanto por meio do currículo explícito
quanto do currículo oculto. Essas experiências e conhecimentos são construídos a partir das
determinações dos órgãos governamentais, na condição de currículo explícito ou oficial que
passam pela organização da instituição, assumindo a condição de currículo real. Este, por sua
vez, submete-se ao planejamento do professor, incluindo os fatos, conceitos, procedimentos
e/ou atitudes a serem desenvolvidas, bem como a incorporação das suas ideologias,
configuradas no que se denomina de currículo oculto. Assim sendo, o currículo manifesto,
aquele que demonstra o resultado da aprendizagem pelo aluno, sofre a influência de todos os
outros tipos de currículo.
Santomé (1998, p.95), reforça essa idéia, assim se manifestando:
[...] o currículo pode ser descrito como um projeto educacional e desenvolvido a
partir de uma seleção da cultura e das experiências das quais deseja-se que as novas
gerações participem, a fim de socializá-las e capacitá-las para ser cidadãos e cidadãs
solidários, responsáveis e democráticos. Toda instituição escolar quer estimular e
ajudar os alunos a compreender e comprometer-se com a experiência acumulada
pela humanidade e, mais concretamente, com a sociedade na qual vivem.
Nesta concepção, o currículo assume papel de responsabilidade frente ao conjunto
de dados relativos à aprendizagem escolar, organizados para orientar as atividades educativas,
as formas de executá-las e suas finalidades. Geralmente, exprime e busca concretizar as
intenções dos sistemas educacionais e o plano cultural que eles personalizam como modelo
ideal de educação e de formação defendido pela sociedade. A concepção de currículo inclui
desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e sociopolíticos da
educação, até os marcos teóricos e referenciais técnicos e tecnológicos que a concretizam na
sala de aula.
Na opinião de Silva (2002, p. 15), outro elemento a ser considerado é “[...] o que
eles ou elas devem saber? Qual o conhecimento ou saber é considerado importante ou válido
ou essencial para merecer ser considerado parte do currículo?”. Conhecimento este que requer
ser construído a partir das relações entre os assuntos das disciplinas curriculares, pois, sem
dúvida, a forma clássica de organização dos conteúdos, ainda hoje predominante, é o modelo
linear disciplinar, ou o conjunto de disciplinas justapostas.
124
Sabe-se que, na hierarquização dos níveis de colaboração e integração entre as
disciplinas propostas por Jean Piaget (apud SANTOMÉ, 1998, p. 70), distinguem-se
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, como sendo:
[...] 1. Multidisciplinaridade. O nível inferior de integração. Ocorre quando, para
solucionar um problema, busca-se informação e ajuda em várias disciplinas, sem que
tal interação contribua para modificá-las ou enriquecê-las.Esta costuma ser a
primeira fase da constituição de equipes de trabalho interdisciplinar, porém não
implica em que necessariamente seja preciso passar a níveis de maior cooperação.
2. Interdisciplinaridade. Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a
cooperação entre as várias disciplinas provoca intercâmbios reais; isto é, existe
verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, conseqüentemente, enriquecimentos
mútuos.
3. Transdisciplinaridade. É a etapa superior de integração. Trata-se da construção de
um sistema total, sem fronteiras sólidas entre as disciplinas, ou seja, de uma “teoria
geral de sistemas ou estruturas, que inclua estruturas operacionais, estruturas de
regulamentação e sistemas probabilísticos, e que una estas diversas possibilidades
por meio de transformações reguladas e definidas”.
Na organização linear de currículo por disciplina, consegue-se, na maioria das
vezes, estabelecer a multidisciplinaridade ora como forma de integração dos assuntos, por
meio dos planejamentos a cada início de semestre, ora como proposta de provocar o diálogo
entre as disciplinas distintas e oferecidas no mesmo semestre e/ou na mesma área.
Para Santomé (1998), os cursos que apresentam uma organização curricular
disciplinar remetem a sérias dificuldades, entre elas: o não estabelecimento de relações entre
os assuntos pelos alunos, a incapacidade de solução de problemas, a inflexibilidade na
organização (tanto no tempo como no espaço e dos recursos humanos), o desestímulo da
atividade crítica e da curiosidade intelectual, o não incentivo ao estudo nem à pesquisa
autônoma.
Dessa maneira, instituições educacionais assumem uma postura de ressignificação
da atividade de ensino na busca constante de reforçar a importância do estabelecimento de
relações entre os conhecimentos necessários em cada área de formação, visando à organização
dos currículos integrados. Segundo Pring (apud SANTOMÉ, 1998, p. 112), é necessário
distinguir interdisciplinaridade e integração.
[...] a primeira denominação mais apropriada para referir-se à inter-relação de
diferentes campos do conhecimento com a finalidade de pesquisa ou de solução de
problemas. Nesta modalidade, as estruturas de cada área do conhecimento não
seriam necessariamente afetadas em conseqüência deste trabalho de colaboração e
não se originaria uma nova estrutura de conhecimento. O vocábulo integração,
como a própria palavra sugere, “significa a unidade das partes, que seriam
transformadas de alguma maneira. Uma simples soma ou agrupamento de objetos
distintos ou de partes diferentes não criaria necessariamente um todo integrado.
125
Assim, os cursos da UnA da Saúde implementam, a partir do primeiro semestre de
2007, o planejamento integrado, como mecanismo de disseminar a integração dos saberes e de
promover a cultura do multiprofisssionalismo32
entre os seus cursos.
A seguir, apresenta-se a visão dos professores articuladores do planejamento
integrado, que relatam a sua experiência, enfocando: o ingresso na docência universitária, as
etapas do planejamento integrado, os limites, as possibilidades e a contribuição do mesmo
para a formação continuada dos docentes.
5.1 O INGRESSO NA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: MOTIVAÇÃO E
FORMAÇÃO INICIAL
Ao analisar as entrevistas, percebe-se que o motivo do ingresso na docência no ensino
superior ocorre de maneira ocasional, sem preparação prévia e que se dá por vários motivos,
sendo que um dos mais recorrentes é o convite da coordenação do curso ou dos gestores
responsáveis pela alocação, conforme relata um dos professores: “Durante a graduação , não
tinha intenção de ser docente. [...] mas foi muito mais como desafio por ter aceito o convite da
coordenadora, perguntando se eu gostaria de dar aula.” Um outro professor corrobora essa
afirmação dizendo que:
Não foi uma motivação, na verdade, quando eu vim para cá não existia o curso de
Farmácia e de Nutrição, me pegaram de surpresa. Um belo dia, a diretora do centro,
me ligou, perguntando se eu não dava uma disciplina no curso de Farmácia, porque
ela não estava conseguindo ninguém para dar a disciplina. Aí, eu vim, falei com ela,
peguei o material e disse: Se eu achasse que dava conta, nesta disciplina, eu vinha.
Comecei a estudar e a trabalhar, foi lá por 1992 ou 1993, então não foi uma coisa
que eu pensei, preparei, eu resolvi que iria ser, não.
Há também os que iniciaram as atividades na docência por indicação de seus
professores dos cursos de graduação, mediante o desempenho escolar obtido. Manifestaram
que o motivo do convite foi proveniente do desempenho obtido, como aluno, e que a
32 Com a implementação do modelo de saúde SUS ( Sistema Único de Saúde), adota-se o trabalho da Equipe de
Saúde da Família (ESF), lotadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSF). Essas equipes seguem os preceitos do
Programa de Saúde da Família (PSF), com atuação multiprofissional , que envolve a participação de diferentes
profissionais da saúde para atender a complexidade da atenção primária, que envolve o contexto pessoal, familiar
e social, bem como a promoção, prevenção e reabilitação da saúde.
126
indicação ocorrera em caráter de substituição do quadro docente, ora por motivo de licença
médica, ora por motivo de aposentadoria, conforme os relatos a seguir:
[...] e aí, surgiu, muito antes de eu imaginar ou esperar qualquer oportunidade, um
convite em 2007, através de uma professora, que foi minha professora na graduação,
mas que ainda estava por aqui, a profa. de parasitologia, para eu assumir uma
disciplina na enfermagem, por conta de uma impossibilidade dela, temporária, a
princípio,por conta da disciplina no doutorado.
Outro professor, elata: “Então, quando eu tive uma disciplina de Anatomia
Humana, a professora estava próxima de se aposentar e ela disse que pelo meu empenho na
disciplina, ela ia se aposentar e ia me indicar. Deu certo, ela me indicou e eles me convidaram
para trabalhar a disciplina.”
Essas falas reforçam a idéia defendida por Pimenta e Anastasiou ( 2010), ao
dizerem que a maioria dos docentes universitários não possuem formação específica para a
docência, que dormem profissionais, técnicos e acordam docentes. Muito embora, um dos
professores entrevistados, tivesse cursado dois cursos de licenciatura, com formação voltada à
educação básica e, segundo ele, essa formação inicial contribuiu para o desempenho da
docência do ensino superior: “Olha, teoricamente, a gente é muito bem formada. Não vejo
muita diferença não, porque na prática pedagógica, aluno é aluno e o comportamento dele é
conforme o grau de maturidade que ele tem. ”
Outro professor relatou que mesmo escolhendo um curso de bacharel em nutrição,
fazia parte do seu projeto de vida profissional, o exercício da docência, pois: “[...] Quando eu
ingressei na faculdade, um dos objetivos de ser nutricionista é que eu gostaria de ser
professora universitária. Posso dizer que é uma realização pessoal, eu tracei um objetivo,
queria ser nutricionista e queria ensinar e passar adiante.”
A maioria dos professores entrevistados possui pouco tempo de experiência na
docência do ensino superior, em média, até cinco anos de prática docente, possuem contrato
de trabalho horista com a instituição, tem como formação inicial, o curso superior de nutrição
e pós-graduação em nível de Especialização e de Mestrado, conforme demonstra a tabela a
seguir:
127
Tabela 1 - Formação dos Professores Articuladores do Planejamento Integrado - Nutrição
Curso de Graduação Curso de Pós-Graduação
Lic.
Matemática e
Ciências
Biológicas
Farmácia e
Análises
Clínicas
Nutrição Especialização Mestrado Doutorado
01 02 04 03 03 01
TOTAL: 07 TOTAL: 07
Fonte: Entrevista semiestruturada, Nov. 2011.
Fica evidente, na fala dos professores, que a formação inicial não enfoca nem os
prepara para a prática docente. Afirmam que esta ocorre a partir dos modelos que constituíram
durante a vida acadêmica ou durante as experiências que obtiveram na vida familiar e/ou nas
relações sociais.
Entretanto, Tardif ( 2002), diz que os saberes da formação profissional, os saberes
pedagógicos, são decorrentes da formação inicial ou continuada e que congregam um
conjunto de saberes transmitidos pelas instituições formadoras, apoiados pelas ciências
humanas e pelas ciências da educação.
Os professores mencionam as dificuldades que encontram no início da sua vida
profissional, como docente, por não terem uma formação inicial pedagógica. Esse fato fica
evidente na fala de um professor que relata o seguinte:
O primeiro semestre, eu posso garantir que foi um pouco difícil, pois eu mal tinha
tempo para preparar as aulas e eu já comecei na instituição, como uma carga horária
de 6 h/a e esta carga horária aqui na instituição, são 6 h/a corridas, de aula. A gente é
colocado na arena dos leões, ninguém te prepara e ninguém te explica como dividir
estas 6 h/a. Eu confesso que tive ajuda da minha cunhada, que é pedagoga. Quantas
vezes fiquei ao telefone, pedindo ajuda e suporte, porque eu tinha que fazer e não
sabia como. Então, o primeiro semestre não foi uma coisa muito prazerosa, não dá
nem para pensar.
Outro professor menciona a dificuldade no exercício da docência, pois segundo
ele:
Quando eu entrei, caí de pára-quedas para dar aulas. [...] Até trabalhava com
pesquisa, desenvolvimento de novos produtos, que envolvia muita pesquisa,
realmente, projeto de pesquisa e tudo mais. Então, tinha uma idéia do que teria que
estar fazendo, mas para entrar na sala de aula, eu vim meio crua.
128
Esses depoimentos apontam a necessidade da formação docente, embora, em
alguns cursos de graduação ou em alguns programas pós-graduação existam a oferta de
disciplinas com esta característica, são insuficientes, conforme explicita um professor
entrevistado:
Eu não consigo identificar uma formação formal pedagógica, embora a gente tenha
uma disciplina na graduação de Educação Nutricional, mas ela é muito técnica, não
tem papel de formação pedagógica. E na Especialização, também não. Os
conhecimentos pedagógicos que eu tenho, eu fui buscar para além da minha
formação curricular, nos projetos de extensão e em outros espaços “n” da formação
acadêmica para eu poder conseguir uma visão teórica e prática das questões
pedagógicas.
Outro professor corrobora a percepção do anterior, dizendo o seguinte:
A disciplina que focou para a docência foi na especialização, porque eu fiz a
disciplina de Didática do Ensino Superior, em 1999. O mestrado eu fiz em 2002, por
aí. Mas, eu acho, que a disciplina da Especialização não valeu, pois foi uma
disciplina estranha. Sabe quando terminou o semestre e tu não sabes o que foi feito.
[...] A gente cumpriu a carga horária e não teve o conteúdo. Era Didática do Ensino
Superior, mas não teve didática nenhuma. O curso todo foi voltado à comunidade,
vai à comunidade, monta equipe, independente do objeto da disciplina. Foi uma
coisa muito doida [...]
Nesse contexto, evidencia-se a necessidade da formação continuada, no decorrer
do exercício profissional, refletindo o paradoxo que se vive atualmente entre a preparação e a
formação do docente universitário, apontadas por Pimenta e Anastasiou (2010), que refletem
sobre o princípio da preparação e não sobre o princípio da formação, que deve ocorrer
preferencialmente nos programas de pós-graduação stricto sensu. Porém, o que se observa na
prática, é que esta formação fica a cargo de inciativas individuais e/ou institucionais, mesmo
que de forma esparsa, pois os programas de mestrado e de doutorado, na maioria das vezes,
estão organizados para a formação de pesquisadores que desenvolvem habilidades distintas
das da docência.
Esta afirmação fica evidenciada na fala de um professor, ao relatar o seguinte: “O
mestrado de Ciências da Saúde, apesar dele dar este suporte para a docência, pela disciplina
de Metodologia do Ensino Superior, eu vejo ele mais voltado para o conhecimento, na área da
pesquisa”. Percebe-se também, que o enfoque da formação docente é diferenciado,
dependendo de cada programa de stricto sensu, conforme nos relata outro professor:
O mestrado me ajudou a rever a minha prática docente principalmente quando eu
cursei a primeira disciplina, a de Epistemologia, não tinha nem noção de como se
trabalhava a parte do conhecimento, por não ter prática, pois como a gente não tem
129
disciplinas da licenciatura, não se trabalha nada da pedagogia. Duas disciplinas
foram importantes para mim, tanto a parte da Epistemologia quanto a das Teorias da
Educação, pois me abriu um campo muito grande, de como lidar em sala de aula.
Porque tem várias teorias e a gente começa a ler os diversos autores, vê como eles
pensam e abordam as questões que envolvem a educação. [...] Pode ser que se eu
tivesse feito mestrado em outra área, não tivesse estudado as questões pedagógicas,
que é o que o mestrado em educação me oportunizou.
Observa-se que, os programas de stricto sensu necessitam atender aos seus reais
objetivos, que são o da formação para a docência e o da construção do conhecimento pela
pesquisa e, para isso, os interessados precisam escolher, de forma criteriosa, o programa que
melhor atende as suas expectativas, conforme destaca um outro professor: “Eu espero que o
mestrado me dê a formação pedagógica, porém eu preciso escolher muito bem o mestrado que
irei fazer. Isso é um dos critérios para escolha do programa que eu vá entrar”.
A formação pedagógica pode ocorrer de várias maneiras, de maneira mais
sistematizada, formal ou informal, por meio das experiências, o que é bastante comum,
conforme relata um dos entrevistados:
Hoje a discussão sobre a formação docente está vinculada nos espaços formais, na
pós-graduação. Eu não tenho mestrado e isso me falta. Não consigo buscar o
mestrado agora por “n”motivos mas tem falha. Enquanto formação continuada, nos
espaços formais, eu venho buscando e a instituição oferece oportunidades. Então
isso eu faço. Eu tenho alguns espaços informais que eu procuro potencializar, são
estas discussões, nas próprias disciplinas e aquilo que eu faço e discuto fora da
instituição.
A sensação de despreparo para a docência é consenso, assim como o fato de ter
que buscar alternativas para enfrentar esse desafio, por meio da formação continuada. Porém,
o que permanece na caminhada de se fazer docente são as certezas de que se está sempre
aprendendo e que o exercício da docência acontece pelo gosto, pelo prazer de ser professor.
Para ratificar a necessidade da constante busca, do eterno aprender, ressalta-se a fala de um
professor que diz o seguinte: “Acho que tem que gostar para poder aprender , aprender com os
alunos, porque é uma troca, eu passo algumas coisas que eu sei, mas eu aprendo muito com
eles... estou aprendendo há seis anos”. Já, para enfatizar o gosto, o prazer de ensinar,
apresenta-se a fala de outro professor, que sintetiza da seguinte maneira: “Quando eu assumi
uma turma, eu vesti a camisa e acho que no bolso da camisa tinha um potinho de cachaça e eu
bebi aquela cachaça e fiquei viciada naquela cachaça, pois eu não consigo mais, largar a
docência.”
130
5.2 A EXPERIÊNCIA DO PLANEJAMENTO INTEGRADO: TEMPO DE
REALIZAÇÃO, IMPORTÂNCIA, ETAPAS, LIMITES, POSSIBILIDADES E
CONTRIBUIÇÃO PARA O APERFEIÇOAMENTO DA PRÁTICA DOCENTE
O planejamento integrado, como prática docente, surge a partir de 2006, na
universidade em questão, como uma das estratégias para articular as disciplinas, promovendo
a construção interdisciplinar do conhecimento dos acadêmicos, oriundo da intenção dos
docentes, que no ano anterior elaboraram um Plano de Ação.
O objetivo do planejamento integrado fica explícito na fala de um professor, que
diz:
O planejamento integrado, surgiu por ser um dos requisitos de avaliação dos cursos
e como o curso entraria no processo de reconhecimento logo em seguida, a gente
começou para que no momento do reconhecimento já estar desenvolvendo a
atividade. O foco era a interdisciplinaridade, mas a gente começou por ser uma das
metas do curso e para articular as disciplinas, como exigência do MEC.
Na UnA da Saúde, à qual o curso de Nutrição está vinculado, a prática do
planejamento integrado ocorreu de maneira e em momentos diferenciados, pois a
implementação das ações acontecia na velocidade e/ou prioridade prevista no próprio Plano
de Ação ,ou pela motivação do coordenador e da sua congregação.
O Curso de Nutrição iniciou a prática do planejamento integrado a partir do ano
de 2006. No início, nem todos os semestres participaram, alguns professores demonstravam
pouco interesse e/ou descrença na própria ação proposta por eles. Então, a estratégia do
planejamento integrado começou com três semestres, sendo que, a partir de 2007, houve a
adesão de todos, conforme menciona um professor:
Chegamos num momento agora, que não se muda muita coisa. Não se muda porque
a coisa está caminhando, são poucos os semestres, talvez a sétima e a segunda fase,
que eu vejo, que tenham que mexer um pouco.A sétima fase, pela dificuldade dos
professores entenderem a necessidade e a importância realmente de aderirem a
projeto. A segunda fase, por termos passado pelo período de mudança de currículo,
ela ficou meio perdida. Então, a segunda fase não está assim firme. Primeira fase
está consolidada. A terceira fase foi a primeira fase que podemos dizer, que
funcionou. Depois veio a quarta fase. A partir do momento que a terceira e a quarta
fase estavam firmes, começamos a estimular os outros. Ai, veio a sexta, acho que
hoje todas as fases estão trabalhando.
131
Outro professor menciona o seguinte:
Na Nutrição, acho que eu sou pioneira. Acho que por muito tempo eu levantei a
bandeira, para não dizer que fui a pioneira, eu tive muito apoio da coordenadora do
curso, pois se ela não tivesse me apoiado, eu teria desistido. [...] E começou a tomar
espaço, volto ao início da minha fala, que para a gente conseguir algo, precisa-se
conquistar e foi uma conquista, foi árdua, mas foi uma conquista. [...] porque foi
suado e hoje ele é reconhecido em toda a instituição. Eu trabalho com outro projeto
integrador, em outro curso e ele só tem integrador no nome, porque nenhum
professor se interessa, eu cansei de convidar professor, porque se é integrador, não é
para se trabalhar sozinho [...]
Todos os professores entrevistados apontam a importância do planejamento
integrado para a construção do conhecimento interdisciplinar e como estratégia de articular os
saberes dispostos numa organização curricular por disciplina. Essa concepção reforça a
prática do planejamento integrado como espaço de formação continuada. Para salientar essa
importância, um professor manifesta:
Eu tenho muito claro sobre a importância do integrador para a formação dos alunos,
tentando romper aos longos dos anos, o processo do ensino superior e aqui não é um
caso específico da nossa instituição, tentando romper ao longo dos anos essa
formação fragmentada que temos e que passava aos alunos a responsabilidade de
integrar os conhecimentos obtidos ao longo da sua formação. A importância do
planejamento integrador está justamente aí, fazer com que os docentes compartilhem
e integrem estes saberes com os acadêmicos. Fazerem com que estes saberes possam
ser integralizados e pensar em estratégia de ensino e de aprendizagem de maneira
que os alunos consigam integrar. Para mim ele tem uma importância muito grande,
porque eu tenho clareza, que a formação que a gente teve ,ela tem vários problemas.
O planejamento integrado, como ação intencional e consciente, segundo
Vasconcellos (2006), perpassa pelas três etapas: a elaboração, a realização interativa e a
avaliação. Elas são indissociadas e, por meio da realização interativa, coloca-se em prática (
ação) aquilo que foi elaborado (reflexão), mediante a avaliação das ações. Caso ocorra
qualquer imprevisto, será (re)elaborado, configurando, assim, a concepção de ciclo do
planejamento.
Considerando a primeira etapa do planejamento integrado, a da elaboração, os
professores relatam que ela ocorre de forma participativa, envolvendo os professores do
semestre. Mencionam que esta etapa define o tema, os objetivos, os conteúdos a serem
trabalhados em cada disciplina para desenvolver o tema, os procedimentos a serem utilizados,
contemplando a descrição da atividade, o período de realização e até também a data da
apresentação, os instrumentos e critérios de avaliação, bem como a definição do professor
articulador, num formulário padrão. Essa instância, possibilita ao docente a organização da
132
sua prática bem como a ressignifica e por sua vez, configura-se em espaço de formação
continuada.
A figura do professor articulador, de forma sistematizada, ocorreu a partir do
segundo semestre do ano de 2007, em virtude das avaliações realizadas em congregação do
curso , que mostravam a fragilidade da condução do processo do planejamento integrado, pois
havia contradição entre os próprios docentes na orientação do que era planejado, causando
confusão ou desmotivação nos discentes, conforme relata um professor: “O compromisso de
organizar e encaminhar é do articulador, tem que ter uma pessoa responsável. Até nós
decidirmos ter um articulador era difícil [...].”
A partir desse momento, os professores decidiram que todos participariam da
elaboração e da orientação da atividade, na sua disciplina e que se instituiria um dos
professores do semestre para ser o articulador.
Cabe ao professor articulador fazer a apresentação da atividade à turma, explicar
como funciona, manter informado os professores do semestre sobre quaisquer problemas e/ou
imprevistos durante a realização da atividade, acompanhar a realização e cumprir o
cronograma previsto. Conforme demonstra um dos professores: “como articulador, a gente
tem a definição das metas, ou seja, cada processo e passar aos alunos, dizendo como vai ser a
atividade, qual é o objetivo da atividade, quais são as etapas que eles têm que percorrer”.
Outro professor, relata o seguinte:
Depois de elaborado, a gente monta, em forma de projeto, num formulário próprio.
Aí coloca-se os objetivos, os objetivos específicos, o geral, a gente coloca tudo que
vai acontecer, todo o procedimento da atividade . Já coloca também os critérios de
avaliação da atividade.[...] Quando a gente vê que está perfeito, que é isso mesmo
que a gente quer, então, eu como articuladora apresento aos alunos. Explico todas as
etapas da atividade. Tudo o que vai acontecer, todas as atividades, de pesquisa, de
busca da informação , o que eles precisam buscar. É marcado então, já no próprio
planejamento, uma data para apresentação e local. Aí, eu peço auxílio dos
professores para que orientem sobre a sua parte. Oriento também, sobre o dia da
apresentação, sobre a exposição do trabalho. E no dia da apresentação, todos os
professores estarão presentes, isto já é marcado em calendário, aí os professores
conseguem se organizar.
A etapa da elaboração ocorre num primeiro momento, em reunião presencial, por
semestre, a convite da coordenação do Curso, com a presença da assistente pedagógica,
conforme a fala de um professor: “No início do semestre os professores se reúnem e definem
as atividades que cada semestre vai desenvolver, juntamente com o orientador pedagógico e o
coordenador do curso para definir as atividades e nortear as competências que a atividade
133
precisa desenvolver em cada disciplina.” Esses depoimentos, reforçam a ideia de que o
planejamento integrado possibilita formação continuada aos docentes, mesmo que ocorra em
espaços informais e dissociados do programa de formação institucional.
Ocorre ainda, troca de e-mails, entre os professores, liderados pelo articulador,
para fazerem os ajustes necessários ao planejamento. Posteriormente, cada professor do
semestre anexa o roteiro do planejamento integrado ao plano de ensino da sua disciplina.
Durante a primeira semana de aula, o articulador, apresenta o planejamento integrado à turma,
no horário da sua disciplina. Inicia-se, então, a segunda etapa, a da realização interativa. De
acordo com um professor: “o trabalho vai sendo desenvolvido e acompanhado pelos
professores.[...] Ao longo do semestre, cada um na sua disciplina, mas sempre tentando a
promoção da interdisciplinaridade, que o aluno perceba essa necessidade”. Outro professor
comenta ainda que:
[...] No primeiro dia de cada disciplina, pelo menos é isso que a gente pede, o
professor apresente o plano de ensino e neste plano ele já diga o que se quer. O que
na disciplina dele vai ter que realizar na atividade integrada. [...] Na implementação,
no dia da reunião, é escolhido um coordenador, um articulador. Ele é que entra em
contato com todos os outros. Ao longo do semestre, os professores vão se
comunicando com o articulador para ver se tem alguma alteração.
A etapa da realização interativa permite fazer os ajustes necessários ou não
previstos durante a primeira etapa, a da elaboração. Para Vasconcellos (2006), o
planejamento, por ser processo torna-se permanente e o plano, enquanto produto, é provisório.
Seguindo esta idéia, um professor menciona que:
Então, nós pensamos em organizar de uma forma, entretanto na hora da execução,
você encontra algumas dificuldades que não foram percebidas durante a discussão.
A discussão é teórica e a prática é uma realidade um pouquinho diferente. E aí nessa
prática, os alunos começam a trazer algumas dificuldades, demandas que precisam
ser resolvidas e aí percebemos a necessidade de fazermos algumas intervenções , as
vezes alguns detalhes que precisam ser melhor esclarecidos ou variáveis que
precisam ser controladas no trabalho para que possam ser corrigidas ou se
normalizem para que o acadêmico possa desenvolver as atividades e apresentar o
resultados e objetivos alcançados.
A apresentação dos trabalhos realizados ocorre no final do semestre, numa
semana prevista em calendário, quando as equipes de cada semestre apresentam os resultados
da atividade para todos os alunos do Curso. Nessa semana, as aulas são suspensas, os alunos
comparecem ao auditório e os professores do semestre escalado para apresentar a atividade,
assistem, questionam e avaliam. Existe ainda um outro momento de socialização do
134
planejamento integrado, uma reunião de congregação, na qual os articuladores apresentam aos
colegas os resultados da atividade. Conforme o depoimento deste professor: “Hoje a gente
faz a Semana da Atividade Integrada. Esta semana é prevista em reunião de congregação , no
começo de cada semestre, a gente apresenta os trabalhos do semestre, em síntese, vê como é
que foi, avalia [...].” Esses momentos de socialização, permite a troca de experiências, de
metodologias, que configura-se mais uma vez, em espaço de formação continuada.
Já a etapa da avaliação do planejamento integrado, ocorre segundo os
entrevistados, no início do semestre posterior, antecedendo a elaboração do próximo
planejamento integrado, por meio de conversa, analisando os aspectos positivos e os aspectos
que necessitam ser melhorados. É um processo que analisa a realização da atividade frente aos
objetivos propostos, mediante as ações realizadas e os resultados obtidos, que reflete sobre a
própria prática e representa um dos objetivos da formação continuada. Após essa discussão,
começa o processo de (re) elaboração do próximo semestre, concretizando assim, o ciclo do
planejamento, pautado na concepção de planejamento dialético, de Vasconcellos (2006),
que se fundamenta pela reflexão-ação-reflexão.
Para a maioria dos articuladores, a etapa da avaliação ocorre em dois momentos.
No final do semestre, culminando com a apresentação dos trabalhos e com a emissão de uma
nota para os alunos, e, no início do semestre subsequente, para pensar a nova proposta.
Declara um professor: “[...] Então isto normalmente ocorre no final da atividade integrada. A
partir dela, a gente observa e considera o que podemos fazer para o próximo semestre. E isto,
eu já observei que a gente conseguiu evoluir bastante [...].” Outro professor complementa
dizendo, que:
No final, todo o semestre, não sei se estou confundindo as datas, não sei se é no final
do semestre ou no início, a gente senta e faz uma avaliação com todos os resultados.
Na verdade, a gente discute no final do semestre para pontuar, por e-mails, entre os
professores envolvidos. O que você achou , de uma maneira geral. [...] Quando
inicia o semestre, a gente faz uma avaliação porque vai iniciar o semestre ,vai
iniciar o próximo projeto integrador e a gente vê, será que vai ter mudança ou não,
pois temos uma ficha que a gente preenche [...]
Entretanto, dois entrevistados manifestam insatisfação na estratégia utilizada para
avaliar o planejamento integrado, que ocorre por meio de conversas, sem anotações, conforme
diz o professor a seguir: “ [...] Tínhamos que ter uma ficha de avaliação para pontuar se
atingimos ou não os nossos objetivos, pois nós que não somos da área pedagógica,
recorreríamos a esta ata para não esquecermos[...].” Já outro professor, argumenta da seguinte
maneira:
135
Bom, avaliação, para mim, é um processo ou uma etapa dentro do processo de
organização do projeto integrador. Eu não percebo a etapa de avaliação como um
processo elaborado, sistematizado. Acho que passa por pensar num instrumento, de
registro.[...]. A avaliação dos resultados dos trabalhos apresentados é feita de
maneira informal. Acho que teria que pensar num instrumento para avaliar, também
não sei se o instrumento daria conta de avaliar ou dar conta de um bom
planejamento ou qualquer coisa. Mas eu acho que é um começo. Penso que
precisamos pensar com mais carinho, dentre as três etapas, na etapa da avaliação do
projeto integrador.
Mesmo assim, os professores mencionam que o planejamento integrado contribui
para o aperfeiçoamento da sua prática docente e, inconscientemente, atribuem a essa
metodologia, à sua própria formação continuada. Esse pensamento fica explicitado, a medida
que referem-se ao fato de proporcionar-lhes troca de experiências; a reflexão sobre a
organização da sua disciplina e a contribuição dela para a formação do egresso; colabora para
a construção do conhecimento interdisciplinar; favorece a criação de exemplos em sala de
aula, a partir das experiências dos outros semestres; oportuniza a socialização entre os
professores; aumenta a motivação para trabalhar com os alunos; estimula o respeito entre os
colegas; permite a valorização e a importância das disciplinas; faz pensar no uso de
estratégias diferenciadas para o ensino, para aprendizagem, bem como no uso de instrumentos
e critérios diferenciados para avaliar o acadêmico; propicia reflexão sobre o sentido da
avaliação; incentiva a pesquisa e a busca pelas informações, além de relacionar a teoria com a
prática.
Para ilustrar isso, um professor diz:
[...] É mais uma metodologia de ensino aprendizado, em que o aluno precisa ser
mais pró-ativo e o professor também. Então, isso exige , um desafio, que ambos,
professor e aluno saibam, pesquisem, resolvam as dificuldades[...]”. Outro fala que:
[...] faz pensar um pouco, pois a nossa disciplina não é a única no semestre[...]”.
Enquanto para outro: “ Em relação a minha profissionalização, isso agrega bastante,
primeiro porque tu consegue te socializar com os demais professores e segundo
porque eu me sinto mais motivada para trabalhar com os alunos[...].”
E mais um professor se manifesta dizendo que: “para mim acrescenta a forma de
como eu monto o semestre para melhorar o aprendizado do aluno.”
A partir dessas declarações fica explícita a relevância do planejamento integrado
como estratégia para a formação continuada, pois são revelados os ganhos e a maturidade
pedagógica que os professores adquirem nos momentos de troca de experiências. Os
entrevistados reafirmam também, que a formação continuada ultrapassa as instâncias dos
136
espaços formais e institucionalizados e que a busca pelo fazer docente mais qualificado e
comprometido permite a sua atualização.
De acordo com os professores a prática do planejamento integrado, por acontecer
numa construção coletiva, passa maior segurança ao docente, permite um maior entrosamento
entre eles e favorece uma maior interação com os projeto pedagógico do curso, como explicita
um professor:
[...] E através desta convivência, cada vez mais entramos em contato com o projeto
do curso. [...] Fui lendo e vendo que certas coisas estão no projeto, muitas vezes
dizemos não faço porque não aceito, mas essa ação coletiva nos mostra que temos
que pensar no coletivo, mesmo que seja na nossa disciplina, é interessante, é
positivo.
Enfim, na visão dos professores, o planejamento integrado estimula a reflexão
sobre o processo de ensino e de aprendizagem, dinamizando a prática pedagógica, reflexo da
sua prática como espaço de formação continuada. Porém, eles salientam algumas limitações
para essa prática, dentre elas: a participação de todos os professores; a forma de decidir e de
avaliar coletivamente; falta de tempo dos professores, por estarem envolvidos com várias
atividades dentro e fora da instituição, como também, devido às variadas atividades que
exercem enquanto docente (dar aulas em diferentes cursos e/ou diferentes disciplinas,
orientador de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), supervisor de estágio, monitorias, entre
outras atividades); a forma de contratação/horista; a pouca clareza sobre a importância do
planejamento integrado; o comprometimento dos professores para executarem o que foi
planejado.
Tais limitações ficam evidentes na fala de diversos professores, como este, por
exemplo, que diz:
Primeiro, eu não sei se todos os docentes têm clareza da importância do projeto
integrador. Acho que para muitos professores é um ato mecânico e um ato penoso,
que reflete na fala dos alunos inclusive [...]. Segundo, o compromisso dos próprios
docentes, com aquilo que é planejado e aí, temos dificuldade de ao longo do tempo
termos momentos, no próprio semestre, do integrador, durante o projeto ser
executado e depois, momentos de avaliação do andamento dos projetos. Acho que
um dos entraves para fazer-se avaliações destes projetos, é que a maioria dos
docentes são horistas. Enquanto horistas, eles não tem tempo, fora da sala de aula,
para realizar estes momentos. Associado ao fato da não clareza, do não
comprometimento, vem o fato de eu não vou alocar espaço para que a gente faça a
avaliação, que possa discutir.
Outro coloca que:
[...] Então assim, cada etapa da atividade integrada é um desafio. A elaboração é um
desafio, a realização é um desafio, discutir a avaliação é um desafio e o maior
desafio ainda, é convencer os professores que precisamos motivar os alunos para
137
participar da atividade integrada.Porque se o professor não vê a importância, o aluno
não irá ver a importância. E isso a gente encontra bastante. Todo semestre tem.
Apesar de tantas limitações apontadas, talvez mais do que vantagens, o planejamento
integrado se mantém no curso pesquisado. Vários professores justificam a permanência dessa
prática pedagógica, apontando que se faz necessário reorganizar os processos pedagógicos
frente às características da sociedade da era do conhecimento, elementos esses, que são
condicionantes da formação continuada. Isso ocorre por vários motivos, conforme relata um
professor: “[...] eu penso que muitos professores continuam fazendo por pedido, mas eu vejo
que outros continuam fazendo porque já viram que tem resultado”. Já outro diz que:
O integrador tem o papel de pensar sobre as relações entre o curso mas que cabe
pensar para além do curso. Fico pensando na possibilidade de termos projetos
integradores entre os cursos da área da saúde. São coisas que estão em voga tanto na
educação quanto na saúde. Cada vez mais, discute-se sobre a integralização das
atividades da área da saúde. Como é importante das profissões estarem pensando
juntas e não mais separadas como sempre foi. Aí, tu imaginas que salto que estamos
dando, pois até então os alunos eram formados para saber disciplina por disciplina
do seu curso e a partir de agora, quer dizer que ele não vai mais fazer disciplina por
disciplina. Além disto, ela vai integralizar os conhecimentos do curso , que vai
discutir junto com outros cursos da área da saúde. Então, é a concretização da idéia
da atuação multiprofissional numa abordagem interdisciplinar.
E, contribuindo com esta idéia de mudança que a estratégia do planejamento
integrado proporciona, outro professor diz que:
Quando o sujeito decide ser docente, ele precisa estar consciente e aberto para que o
desenvolvimento do seu trabalho, ao longo da sua vida como docente, vai passar
cada vez mais por processos de auto-avaliação, que exigem mudanças como
docente. O perfil é diferente [..] e a mudança é constante e seja a única certeza ,pois
nada é definitivo e o docente precisa realmente se aprimorar cada vez mais e
continuamente.
Isso significa que o fazer docente é permanente, porém a mudança é constante.
Vive-se num processo evolutivo, a ponto de se superar os limites e enfrentar novos desafios
por meio da formação continuada.
138
5.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE: IMPORTÂNCIA, LIMITES,
NECESSIDADES E OS ESPAÇOS FORMAIS/INFORMAIS PARA A SUA
REALIZAÇÃO
A idéia da formação continuada decorre da necessidade de atualização
profissional. Segundo Veiga (2006), está associada à idéia de inconclusão do homem e
identifica-se com a idéia de trajetória, de percurso, de trajetória da vida pessoal e profissional.
Os professores entrevistados mostram-se unânimes quanto à necessidade da
formação continuada. Associam, principalmente, a idéia da formação continuada para o
exercício da docência ao fato de não terem recebido formação pedagógica, na sua formação
inicial, conforme nos diz um professor: “ ah... melhorou muita coisa, pois entra-se
nutricionista e não professor. [...] É que eu comecei a fazer cursos de capacitação . É ali que
eu comecei a ter experiência , convivência também, mas é ali que nos norteia bastante.”
Outro professor destaca a importância de realizar formação continuada, afirmando
que: “Hoje em dia, a nossa prática pedagógica tem que estar sempre mudada, porque hoje tu
encontras um perfil de aluno diferente, embora esteja a pouco tempo na docência, trabalhamos
com um perfil de aluno que há cinco anos atrás tu não encontravas”.
Este pensamento reforça a idéia de Rios (2002) ao dizer que a construção da
identidade do docente se faz no próprio exercício dela. É um fazer refletido e aprimorado, que
se manifesta no fazer pedagógico.
Durante as entrevistas, os professores manifestaram que a formação continuada
ocorre em espaços diferenciados e que atendem necessidades distintas. Mencionam, na sua
maioria, que buscam na própria instituição, por meio do Programa de Formação Docente, a
realização das suas capacitações, conforme nos relata um professor: “[...] Enquanto formação
continuada, nos espaços formais, eu venho buscando e a instituição oferece oportunidades.
Então isso eu faço”. Outro professor diz ainda que: “[...] Mas, a própria universidade e o
colégio que eu leciono, oferece semestralmente, cursos, nos quais eu estou sempre me
inscrevendo para ter a informação e me atualizar cada vez mais.”
A maioria dos professores, menciona que participa dos cursos de formação
docente, promovidos pela instituição, pelo menos, uma vez ao ano, e que, paralelamente,
buscam outros espaços formais e informais para se atualizarem tanto na parte pedagógica
quanto na parte profissional. Conforme o relato de um professor: “Eu procuro fazer alguns
139
cursos de curta duração ou participar de algum evento e dentro da parte pedagógica, faço os
daqui da instituição e da parte profissional, tenho feito alguns que tem sempre em Porto
Alegre, são cursos de especialização, nos finais de semana.”.
A busca pela atualização é constante na fala dos professores. Alguns mencionam
que esta formação tem acontecido, de forma mais intensa, por meio do ingresso em programas
de pós-graduação, seja em nível de lato sensu ou stricto sensu. Esta ideia fica explicitada na
fala de alguns professores e evidenciada aqui, da seguinte maneira: “[...] fui fazendo
capacitação aqui dentro. Ai nesse meio tempo, eu senti que não era só aquilo ali, fui buscar a
especialização, depois fui para o mestrado.” Outro professor revela ainda que:
Então, eu sabia que nós tínhamos,aqui na universidade, programas de formação
docente e a partir do momento que a gente se envolve com a docência, surge a
necessidade da educação continuada, a questão do pedagógico, para que a gente
possa aprimorar a técnica docente, a questão dos métodos de ensino e de
aprendizagem e poder exercer cada vez mais a docência com qualificação. Enfim, e
aí naturalmente, eu entrei no Programa de Formação Docente, quando no finalzinho
de 2008, consultando o rol de especializações da universidade, encontrei um
Programa de Pós – Graduação, Lato Sensu, chamado de Docência para o Ensino
Superior . Pensei, preciso disso. Preciso disso porque isso vai me deixar mais apto,
vai me fornecer subsídios para eu exercer a docência. Eu estava decidido naquele
momento. Não hesitei não, fui atrás, fui lá à frente e me inscrevi. Entrei e não me
arrependo. Foi muito bom.
Além destes espaços formais de formação docente, os entrevistados mencionam
valorizar outros espaços que contribuem para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica,
são os ditos, por eles, como espaços informais. Um professor afirma que, sua formação ocorre
da seguinte maneira: “Tenho alguns espaços informais que eu procuro potencializar, são estas
discussões,nas próprias disciplinas e aquilo que eu faço e discuto fora da instituição.”
Os professores entrevistados demonstram, por meio das inúmeras falas, que o
planejamento integrado passa a ser um dos espaços informais da sua formação continuada,
viabilizando mudanças no fazer pedagógico. Uma destas mudanças, objeto constante da
formação docente, é a questão da organização da aula estar centrada na aprendizagem, com o
foco no aluno, capaz de ser agente ativo neste processo de construção do conhecimento,
ultrapassando a metodologia tradicional de educação. Isso é retratado na fala de um professor,
da seguinte maneira:
[...] isso implica que o professor saia um pouquinho da forma tradicional de ensino,
fica na frente falando, explicando o seu conteúdo, tentando de alguma forma
dialogar com o aluno em sala de aula, puxando com conversa e tal mais informal,
vendo quais são as concepções do aluno sobre aquele assunto, mas o professor está
lá na frente, no quadro ou no retro-projetor ou com data-show , na posição de
140
superior aos alunos, eu tenho muito conhecimento , vou falar e o aluno ouve, pois
precisa aprender o que estou falando. É mais uma metodologia de ensino
aprendizado, em que o aluno precisa ser mais pró-ativo e o professor também.
Outra questão atribuída à prática do planejamento integrado como espaço
informal de formação docente é a contribuição para que os docentes diversifiquem as
estratégias de ensino e de aprendizagem, a partir da reflexão sobre a sua prática. É a adoção
da postura da prática reflexiva, reforçada por Gadotti ( 2005), ao dizer que o professor
precisa pensar sobre a sua prática para poder transformá-la. Este pensar possibilita, na visão
de alguns professores, o estabelecimento de relações entre os saberes do próprio curso e entre
os demais cursos da área da saúde. Além disso, permite uma formação interdisciplinar com
vistas ao atendimento integral do indivíduo, capaz de vivenciar práticas integrativas em saúde
e em consonância com as políticas públicas nesta área, conforme depõe este professor:
“Quando nós fizemos as nossas reuniões para reformulação curricular, para mim é muito claro
que as idéias e as premissas que temos a partir do integrador, se fazem presentes a medida que
discutimos a organização das certificações , as relações entre os cursos.”
Outra prática oriunda do planejamento integrado como espaço de formação
continuada do docente, é a de correlacionar os objetivos de aprendizagem com a metodologia
adotada e com a escolha do instrumento de avaliação, conforme a fala de um professor:
Na minha prática docente, ressalto a maneira de avaliar o processo de aprendizagem
diferente, valorizando o que ele está fazendo lá como aluno ao aplicar a parte do
conteúdo, aí é que eu consigo pensar melhor a atividade de sala de aula, porque eu
vou selecionar o conteúdo , então o meu objetivo é mostrar para eles como é que se
faz isto na prática, é uma extensão do que eu trabalho em sala de aula , porque
quando eles vão lá fazer a atividade integrada, eles estão aplicando ao mesmo tempo
aquilo que se trabalha em aula. Eu consigo ver não somente aquela parte em sala de
aula, no papel, mas sim como eles aplicam a parte da atividade, o que eles
vivenciam. É mais fácil tu fazeres o aluno entender como é que acontece o processo
de avaliação nutricional praticando do que a gente explicar na sala de aula, pois o
aluno a faz na prática .
Os professores comentam que conseguem avaliar o desempenho do aluno sem
aplicar provas e que o instrumento utilizado é tão ou mais eficaz que estas. Sem falar que as
atividades do integrador despertam interesse e motivação tanto para os alunos quanto para os
professores, pois requerem articulação da teoria com a prática. Esta percepção é mencionada
por um professor ao dizer que: “ Tem coisas muito mais importantes na avaliação que não
somente a prova e o projeto integrador com certeza , é uma destas formas, porque ele dá
conta daquele aluno que está pronto para este tipo de ação, da mesma forma que ele aponta
qual aluno que ainda precisa ser trabalhado”. Outro professor diz que: “[...] principalmente na
141
flexibilidade da avaliação do aluno. Perceber que não é só prova, que existe várias formas de
avaliar, de ensinar também, não é somente ver o resultado final. Tanto é que todo semestre eu
repenso, quero mudar alguma coisinha e incentiva a fazer alguma coisa diferente”.
A concepção e o sentido da avaliação é outro aspecto percebido e manifestado
pelos docentes entrevistados, a partir do exercício do planejamento integrado. Esta prática
passa a ser incorporada mediante as discussões e/ou socializações realizadas durante o
processo do planejamento e, que configura-se como espaço de formação continuada. É mais
que uma fala, é uma prática vivenciada, que demonstra os resultados esperados e atingidos,
torna-se convincente e autoexplicativa, bem como motiva o ato de repensar a prática
educativa, dando sentido à figura e ao papel do professor.
O ato e a identidade de ser professor são construídos ao longo do exercício
docente e também por meio da formação continuada. Conforme Gadotti ( 2005, p. 41),
[...] A educação não é só ciência, mas também é arte. O ato de educar é complexo. O
êxito do ensino não depende tanto do conhecimento do professor , mas da sua
capacidade de criar espaços de aprendizagem, vale dizer, “fazer aprender”e de seu
projeto de vida de continuar aprendendo.
Aliado ao “projeto de vida de continuar aprendendo”, o professor precisa estar
motivado. Ele precisa gostar e vibrar com o que faz, precisa acreditar que faz a diferença. Só
assim, encontrará motivos para se reinventar, para se sentir desafiado a pensar de forma
diferente. Sentimentos vitais à formação continuada do docente, que alguns professores
associam à prática do planejamento integrado. É o que mostra este relato de um professor:
Em relação a minha profissionalização, isso agrega bastante, primeiro porque tu
consegues te socializar com os demais professores e segundo porque eu me sinto
mais motivada para trabalhar com os alunos. Quando eu consigo mostrar para eles o
quanto é importante aquilo ali, o valor que tem para o profissional que ele vai se
transformar, aquilo ali para mim já é a realização que precisava.
A motivação para a docência, como combustível essencial para o funcionamento
do motor, impõe a busca constante e, consequentemente, proporciona crescimento
profissional e/ou pessoal. O fazer pedagógico fica imbuído de sentido, ultrapassando os
conhecimentos técnico-pedagógicos, comprometendo-se com os aspectos éticos e políticos,
conforme destaca Gadotti ( 2005), um professor aponta para este fato a partir do seguinte
comentário:
Ou seja, eu fui avançando para obter o tipo de respostas que estamos obtendo hoje.
Os alunos se envolveram, isto foi uma realização que eu consegui, eles tem
142
comprometimento e envolvimento comigo, com as disciplinas, com os colegas e
com o conteúdo. Eu me sinto realizada por isso.
Atribui-se também a este novo profissional, o “professor de sentido”, a sua
capacidade de continuar sempre aprendendo, refletindo sobre o que ensinar, por que ensinar,
como ensinar e para que ensinar. Esta reflexão constante, alimenta o docente e faz com ele
perceba que pesquisar faz parte da sua prática profissional e que segundo Freire ( 1997, p.32):
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há
de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar
que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação,
a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o
professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador.
A necessidade de se perceber professor como sujeito que busca, que pesquisa, é
manifestada por alguns professores, a partir da vivência do planejamento integrado, como
mecanismo da sua formação continuada, como explicita o seguinte professor: “[...] Então, eu
tenho que estar sempre buscando, correndo atrás, porque praticamente todo semestre tem um
caso novo, uma coisa diferente e eu tenho que estar buscando para contemplar aquela situação
apresentada”. Outro diz que: “O planejamento integrado, por meio da atividade proposta, faz
com que eu tenha que estar sempre buscando informações para que eu possa auxiliar.”
Além de estimularem a investigação do professor, os alunos também são
desafiados a procurarem soluções, por meio da pesquisa. Essa prática pedagógica possibilita
crescimento para ambos, conforme destaca este professor:
Então, eu consigo observar facilmente que aquela atividade, aquilo que ele vai
precisar e quando ele vai apresentar para mim eu começo a anotar para mim, como
exemplos para as próximas aulas. Enfim, é um ganho para a organização das minhas
aulas futuras. Bom, quando a gente pede para que os alunos pesquisem, na pesquisa
dele, ele faz observações sobre o como ele faz relações com as disciplinas, eu acabo
recebendo aquela informação ali, o que eu nem imaginava que poderia ser, tornado-
se exemplos para a minha prática em sala de aula. Mas, não é só o exemplo e sala de
aula, eu percebo que quando o aluno pesquisa, essa busca interdisciplinar, ele
apresenta, demonstra uma postura acadêmica que não encontra sempre, abre um
leque, de como ele pode utilizar aquilo ali na prática.
O planejamento integrado como espaço de formação continuada atinge sua
contribuição crucial de significação e de relevância, que pode ser ilustrada a partir da
“Metáfora do Pintor”, dita pelo seguinte professor:
143
Para mim, os ganhos obtidos com a prática do planejamento integrado são os de
visualizar a aprendizagem dos alunos, a integração e a aplicação do conhecimento.
A minha realização seria como a de um pintor, que começaria por um ponto e não
saberia aonde iria acabar. E quando eles apresentam o projeto integrador, eu sei que
aquilo começou num ponto e se transformou num lindo quadro, numa linda figura e
como quadro, não vai se perder no tempo.
A formação continuada, ocorra ela em espaços informais ou formais, além de ser
condição legal e vital para o exercício do magistério, possibilita mudanças culturais e desperta
a necessidade de atualização, conforme menciona Gadotti ( 2005, p. 31),
Para nós, a formação continuada do professor deve ser concebida como reflexão,
pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção
teórica e não uma mera aprendizagem de novas técnicas, atualização de novas
receitas pedagógicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas.
A respeito da formação continuada em espaços formais, alguns professores
relatam certas limitações, que originam a desmotivação e/ou a não adequação de temas. Esta
questão fica evidenciada nesta fala de professor: “Enquanto formação formal, eu acredito ser
ainda precária. Eu sinto necessidade de mais”. Outro professor menciona o seguinte:
O primeiro curso que tive foi de didática. Naquela época, todos os professores eram
obrigados a fazerem. E ainda relativo aos cursos de capacitação, tenho 13 anos na
instituição e eu fiz todos os cursos de capacitação, pois eu faço para aprender, para
usar como ferramenta em sala de aula, porque como eu gosto de aprender e ensinar ,
gosto de aprender e de estar sempre aprendendo. Mas, me machuca muito a
sistemática como é feito isto, porque tu aprende, tu aplica e o teu colega desaplica
aquilo que você está tentando construir. E isto acontece porque ele não tem
compromisso com a instituição ou a porque a instituição nunca valorizou quem fez.
Todo dia a gente aprende alguma coisa e a gente se constrói. Mas, quando a gente
começa a ser desrespeitado, desvalorizado , por um colega, que nunca fez uma
capacitação, que nunca veio a uma reunião pedagógica e ganha mais do você ganha.
Aí, você começa a se questionar: Será que vale a pena? Eu sou de uma parte antiga
da instituição, que faz as capacitações, mas o que eu acho importante é o prestígio e
a valorização. Sem estímulo não tem como. O estímulo pode ser visto de forma
financeira ou de forma da evolução.
Ainda, quanto à oferta dos cursos de formação docente, pela instituição, aparece a
fala de outro professor, que diz o seguinte:
[...] por eu ser de uma área totalmente diferente da pedagogia, não tenho a visão de
como é ser um professor. Primeiramente, a gente não tem a prática, entra para dar
aulas, mas entra-se aprendendo a ser professor. Apesar de ter todo o conhecimento
teórico, a dificuldade de transmitir é maior e tu vai ao longo do tempo,
aperfeiçoando isto. [...] agora quem está começando na universidade, aprendendo a
ser professor, às vezes, não consegue encarar aquela formação continuada com os
olhos de aprendizado. Hoje, eu encaro várias delas com outros olhos, porque a base
da epistemologia e a base da teoria da educação me dão outro embasamento.
144
Em síntese, a importância da formação continuada para os docentes é
inquestionável, é manifestada na fala do professor, que nos diz o seguinte: “Acho que isto é
que faz a gente estar se atualizando, porque se tu achar que já sabe, podes ter certeza que é
muito pouco, porque a busca é constante.”
A formação continuada aparece vital à prática profissional, como decorrente de
ações formais ou informais.
145
6 CONCLUSÃO
A profissão de professor universitário emergiu num contexto próprio, num dado
momento histórico, a partir das necessidades de uma sociedade. Com isso, percebe-se que o
fazer docente é histórico e temporal, além de requer o domínio do método de ensino. Para isso
acontecer, torna-se necessário que ocorra uma formação para a docência.
Atualmente, a formação do docente do ensino superior, atendendo os preceitos da
legislação educacional, encontra-se sob a responsabilidade dos cursos de pós-graduação, em
nível do stricto-sensu, que, direcionam os seus objetivos mais ao método da pesquisa do que
ao método de ensinar.
Esta afirmação se faz presente neste estudo, com base nas afirmações dos
professores pesquisados, professores articuladores, que manifestaram a ausência ou a
precariedade da formação docente pelos programas de pós-graduação, do stricto-sensu, por
eles frequentados. Ficou evidente, também, que a formação para a docência está diretamente
vinculada à natureza e ao compromisso do programa de pós-graduação, sendo inclusive
ressaltado, pelos docentes, que esta deveria ser uma condição para a escolha de ingresso numa
pós-graduação.
O ingresso na carreira de docente do ensino superior, no Brasil, esteve marcado,
historicamente pela preparação profissional e não pela formação docente. Fato este,
evidenciado na revisão de literatura e corroborado pelo autor desta pesquisa, mediante os
depoimentos dos professores entrevistados.
A maioria dos professores universitários ingressa na atividade da docência pelo
seu desempenho profissional e não pela sua formação pedagógica, que segundo Charlot
(2008, p. 94), requer o saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática
como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática. Esta
prática tem sido reforçada ao longo dos tempos como natural, ignorando que os saberes da
docência, independente do nível de ensino de atuação, são decorrentes da formação inicial e
continuada, e ambas, necessitam dos saberes pedagógicos.
A falta ou o pouco conhecimento dos saberes da prática pedagógica ficou
evidenciada, neste estudo, como elemento de dificuldade e de insegurança para o exercício da
docência universitária, pelo menos, nos primeiros anos de experiência, devido a não
existência desta, na formação inicial. Para Tardif (2002), os saberes profissionais são
146
transmitidos pelas instituições de formação, apoiados pelas ciências da educação e pelas
ciências humanas.
Constatou-se ainda, que as práticas pedagógicas adotadas pelos professores
articuladores, em virtude da ausência ou da pouca formação inicial para a docência
universitária, incide na adoção de práticas reprodutivas ou imitativas referentes ao período da
aquisição dos saberes profissionais, na maioria, por meio de exemplos de seus professores,
daqueles que causaram empatia ou admiração, associadas às fontes sociais, oriundas, segundo
Tardif (2002), dos saberes pessoais, dos saberes da formação escolar anterior à formação
docente, dos saberes da formação do profissional para o magistério, dos saberes provenientes
dos programas e livros didáticos, assim como os saberes da própria experiência profissional.
Esta postura do docente é convergente com uma das fontes dos saberes
profissionais, a do período pré-profissional do saber ensinar, que envolve a história ou
trajetória pessoal e social de cada um, marcada pela fase inicial da docência, compreendida
num período de um a três anos de exercício profissional, e que para Tardif (2002), está
associada à fase da exploração. Neste período, os professores buscaram apoio pedagógico em
diferentes pessoas e espaços, que foi desde a orientação do coordenador do curso, das
conversas com os colegas, das trocas de experiências entre familiares com formação
pedagógica até os espaços de formação continuada oferecidos pela instituição e os espaços
acadêmicos, vivenciados por grupos e núcleos de pesquisa e por projetos de extensão.
Há, ainda, outra fonte de saberes profissionais, a do período dos saberes da
carreira profissional, adquiridos ao longo da própria experiência como docente, demonstrado
pelos professores participantes deste estudo, ao se referirem à maneira como conduzem o
processo pedagógico atualmente. Declararam que esta construção ocorreu a partir das
experiências obtidas em semestres, turmas e cursos percorridos até o momento, bem como,
fruto da formação continuada. É um processo que permite o repensar de suas ações para a
construção da identidade pessoal e profissional, de maneira individual e/ou coletivamente.
Ressalta-se também, que os saberes docentes, na sua prática, são provenientes da
integração de diferentes saberes, os saberes plurais. Segundo Tardif (2002, p. 55), a prática
docente se constitui por um saber plural, formado de diversos saberes provenientes das
instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana, o
saber docente é, portanto, essencialmente heterogêneo. Estes saberes decorrem da relação
entre eles e entre o próprio docente com o grupo que o produz e/ou pela relação dele com as
instituições formadoras, é um saber temporal, relativo à história de vida e à história de
carreira, a exemplo da prática do planejamento integrado, que possibilita essa troca e
147
interação, fruto da participação no coletivo. Os saberes plurais são oriundos também dos
saberes da formação profissional, dos saberes da disciplina e dos saberes experienciais. A
grande parte dos professores da pesquisa, mencionaram que ao se depararem com o convite
para exercer a docência, buscaram referência nos saberes da formação profissional e nos
saberes experienciais para organizarem sua prática pedagógica. Os saberes da disciplina,
referentes ao desdobramento da ementa em objetivos, conteúdos, métodos de ensino, sistema
de avaliação, foram sendo adquiridos com o passar dos semestres, com a experiência
profissional e com a participação em cursos, palestras e oficinas pedagógicas oferecidas pelo
programa de formação docente da instituição. Ressaltaram também, que as reuniões de
professores, oriundas do planejamento integrado, acompanhadas pela assistência pedagógica,
contribuíram para refletir e organizar o fazer docente.
Durante a análise dos dados, percebeu-se que a maioria dos professores
entrevistados possui pouco tempo de experiência na docência. Mais da metade da amostra
exerce a docência por um período de até três anos, apenas dois professores, possuem mais de
dez anos, com experiência no magistério universitário.
A questão da formação continuada por meio do planejamento integrado fica
evidenciada neste estudo, à medida que os professores articuladores enfatizaram que para
exercer a docência é necessário discutir e compreender os aspectos relativos à ciência da
educação, ultrapassando a mera informação sobre as estratégias de ensino, bem como
privilegiar espaços que permitam a reflexão sobre a prática, conforme declara Tardif ( 2002,
p. 27),
Mas a prática docente não é apenas um objeto do saber das ciências da educação, ela
é também uma atividade que mobiliza diversos saberes que podem ser chamados de
pedagógicos. Os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou concepções
provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo,
reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes
de representação e de orientação da atividade educativa. [...]
A formação continuada, de forma sistematizada, referente à parte pedagógica,
para a maioria dos entrevistados, acontece por meio do programa de formação docente, da
própria instituição de ensino. Eles relatam que participam das atividades formativas, uma vez
ao ano e que estas deixam de abordar os fundamentos da educação, fator, que impede, na
maioria das vezes, a mudança de cultura e de prática pedagógica. Ressaltaram também, que a
participação nas diferentes modalidades de formação docente institucional ocorre de maneira
espontânea, não atingindo, desta maneira, a maioria dos docentes, o que na concepção dos
148
entrevistados, gera desmotivação e/ou desvalorização profissional. Destacaram ainda, que
administram a sua formação continuada, na área específica de atuação, participando de
eventos e de cursos de curta e/ou de longa duração, como por exemplo, o ingresso nos
programas de pós-graduação.
Além dos fundamentos pedagógicos, torna-se necessário o cultivo e a adoção de
alguns princípios e valores no exercício da docência, apontados por Zabalza (2004), como
eixos de uma profissionalidade renovada na docência universitária, entre eles: a reflexão sobre
a própria prática, o trabalho em equipe, a orientação para o mercado de trabalho, o ensino
planejado a partir da aprendizagem e da didática, bem como a recuperação da dimensão ética
da profissão.
A postura do profissional reflexivo, principalmente na educação, é uma
característica fundamental para autoavaliar a sua prática e implementar os ajustes necessários
no processo pedagógico. Zabalza (2004), salienta que a prática pode reforçar o hábito, mas se
não for analisada, se não for submetida a comparações e se não for modificada, pode-se passar
a vida inteira cometendo os mesmos erros. Este repensar da prática possibilita trabalhar a
mesma disciplina de forma diferenciada, repaginada.
Pimenta e Anastasiou ( 2010, 78) ressaltam
A mediação reflexiva é tarefa complexa que exige conhecimentos. Por isso, a
identidade de professores constitui também um processo epistemológico que
reconhece a docência como campo de conhecimentos específicos configurados em
quatro grandes conjuntos: os conteúdos das diversas áreas do saber ( das ciências
humanas e naturais, da cultura e das artes) e do ensino; os conteúdos didático-
pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da atividade profissional; os
conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da
prática educacional; os conteúdos ligados à explicação da existência humana
individual, com sensibilidade pessoal e social. Esses saberes devem ser mobilizados
articuladamente nos percursos de formação inicial e continuada.
Além da reflexão sobre a prática, o trabalho em equipe e a cooperação são
mencionados como necessários para o exercício da docência e apontados por Zabalza (2004)
como uma das possibilidades de superar a inércia de alguns, no exercício profissional, bem
como torná-lo mais coeso e institucional.
A adoção do planejamento integrado, experienciada pelo curso de Nutrição, há
mais de quatro anos, possibilitou uma mudança de cultura educacional junto à congregação do
curso, associando-o a um dos espaços de formação continuada . Esta atividade iniciou como
estratégia para integrar as disciplinas, a fim de proporcionar ao estudante, a construção do
conhecimento de forma interdisciplinar.
149
Com o passar dos semestres, mediante a socialização e avaliação dos resultados
obtidos na apresentação dos trabalhos, em reuniões de congregação, o planejamento integrado
foi adquirindo relevância e status de formação continuada, mediante a obtenção de resultados
positivos no processo de ensino e de aprendizagem, bem como devido ao aprimoramento em
todas as suas etapas. Atualmente, os docentes consideram a etapa de elaboração bem
organizada e sistematizada, o que facilita a operacionalização posterior. Apontam apenas, que
necessitam aprimorar a etapa da avaliação, fazendo alguns registros para que possam
subsidiar a próxima elaboração.
Considerando o ciclo do planejamento integrado, os professores apontaram como
aspectos positivos , elementos da formação continuada, tais como: a forma de registro
sistematizada e organizada; a troca de experiência entre os docentes; o sentimento de
segurança, de confiança e de respeito entre os professores; ser pensado, realizado e avaliado
de forma coletiva; a otimização do processo de ensino e de aprendizagem; a relação da teoria
com a prática; rever e manter-se atualizado com o projeto pedagógico do curso; proporcionar
uma aprendizagem significativa aos discentes; repensar o planejamento de ensino da própria
disciplina; compreender e relacionar a sua disciplina com as demais do semestre e do curso;
utilizar diferentes estratégias de ensino e de instrumentos de avaliação; refletir sobre a prática
docente; aperfeiçoar a prática docente; socializar os resultados obtidos na apresentação dos
trabalhos; enfim, promove o sentimento de realização à maioria dos docentes.
No entanto, existem aspectos que dificultam esta prática, tais como: a forma de
contratação horista, que implica a remuneração frente ao número de aulas alocadas; a
dificuldade de horário para os encontros entre os professores durante o ciclo do planejamento;
a não participação, massiva, dos professores; a pouca clareza da importância do planejamento
integrado para alguns professores; conciliar as atividades da disciplina com as do
planejamento integrado; orientar e corrigir as atividades dos grupos, pois são diferenciadas; a
atualização e a busca constante, o que requer mais tempo; aumento de atividades para os
alunos realizarem e a falta de registro sistematizado para a realização da etapa da avaliação.
Muito embora constatem os limites, avaliam que os ganhos pedagógicos são maiores e, como
educadores, estão fazendo a sua parte no processo de formação dos seus alunos.
Ressaltaram ainda, que o planejamento integrado possibilita ao docente o
aperfeiçoamento da sua prática pedagógica, sendo um dos espaços de formação continuada,
porque permite-lhes a compreensão de alguns fundamentos pedagógicos, tais como a
concepção da aprendizagem significativa e a forma que o sujeito armazena as informações na
memória de longo prazo, os procedimentos de ensino diferenciados, a concepção e o
150
processo de avaliação do discente; a concepção do planejamento como método dialético e a
sua implicação na organização do fazer docente.
O planejamento integrado configura-se, então, por ações que refletem a própria
prática do docente, sendo realizado por meio do trabalho em equipe, privilegiando o ensino
planejado a partir da aprendizagem e da didática, que para Zabalza (2004, p. 126-127), são
condições inerentes ao docente do ensino universitário, porque
Não existe possibilidade nenhuma de se implementar um projeto formativo relevante
em um modelo tão dividido como é o atual ou em um marco de cultura institucional
tão marcadamente individualista. Desenvolver um projeto implica algum eixo
comum que potencialize a continuidade e a integração das atuações isoladas de cada
agente formativo.
O trabalho em equipe pressupõe que se transite de “professor de uma turma ou de
um grupo ( ou de vários, conforme a carga horária que nos corresponda)”a
“professor da instituição”. Nossa identidade profissional não se constrói em torno do
grupo a que atendemos ou da disciplina que lecionamos, mas em torno do projeto
formativo de que fazemos parte.{....] Falta-nos a capacidade de dar esse salto
qualitaivo da visão individual para nos sentirmos membro de um grupo de
formadores e de uma instituição que desenvolva um plano de formação. De alguma
maneira, deveríamos ser capazes de ter “todo o plano”em mente e saber qual é o
papel que nossa disciplina que nós mesmos desempenhamos.
Essas novas demandas geram novas necessidades formativas do professorado
universitário, muitas delas vinculadas à própria essência do que é criar um currículo
que expresse um “projeto formativo integrado e original”.
Além disso, o planejamento integrado contribui para a organização do trabalho
docente e possibilita orientar o aluno na sua organização, na divisão das tarefas do trabalho
em equipe, no cumprimento de prazos, no uso das novas tecnologias, no exercício de ser ético
e de continuar a sua formação. Essas mudanças são essenciais para a formação inicial e
continuada do professor, que supõe uma nova cultura profissional e implica novos saberes,
que para Gadotti (2005, p.26-27) envolve o saber planejar, saber organizar o currículo, saber
pesquisar, estabelecer estratégias para formar grupos, para resolver problemas, relacionar-se
com a comunidade, exercer atividades socioantropológicas, etc.
A prática do planejamento integrado vem contribuindo para esta mudança
acontecer no campo profissional da educação, na sociedade e nas suas interfaces com o
ensino. Reflete diretamente nas ações da competência profissional, manifestadas, segundo
Gadotti (2005), muito mais pela capacidade de o docente estabelecer relações com os seus
alunos e seus pares, pelo exercício da liderança profissional e pela atuação comunitária, do
que pela sua capacidade de “passar conteúdos”. Passa a adotar o papel de construtor de
sentidos, comprometido com o desenvolvimento das habilidades de reflexão, de pesquisa, de
151
motivação, de conhecimento, de organização do trabalho docente com compromisso ético e
político.
Desta maneira, o planejamento integrado passa a ser encarado como uma das
estratégias de formação continuada do docente, que não tem a pretensão de perdurar e/ou de
cristalizar a sua prática, mas sim, de colaborar no processo de construção da identidade do
docente em formação. Os saberes da experiência somente não bastam, porque como
mecanismo de formação, segundo Gadotti (2005, p.42), [...] só faz sentido se não for
burocrática, isto é, se valorizar a capacidade de aprender das pessoas. Reconhecer uma
competência ou habilidade, estimular e motivar as pessoas a continuar aprendendo a “pensar
a sua prática para transformá-la”, como anunciava Freire ( 1997).
Além disso, desperta novos desafios e possibilidades de mudança. Mudança esta,
que já vem ocorrendo na instituição pesquisada, envolvendo todos os segmentos
institucionais, tanto nos aspectos administrativo como nos aspectos pedagógicos, de forma
participativa, para reorganizar a estrutura curricular de todo o portfólio oferecido pela
universidade, nas diferentes modalidades e níveis da educação superior. Estão sendo
organizados novos projetos pedagógicos dos cursos para desenvolver competências e
habilidades, o que pressupõe construção de conhecimento interdisciplinar, adoção de novas
metodologias de ensino e de aprendizagem, bem como a viabilidade do ensino com pesquisa e
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152
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