O PNAE e a Agricultura Camponesa - tcc.sc.usp.br · Orientação: Profª Drª Valéria de Marcos...
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1
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Departamento de Geografia
O PNAE e a Agricultura Camponesa
Estratégia de reprodução frente aos avanços da silvicultura
Denise Piccirillo Barbosa da Veiga
Orientação: Profª Drª Valéria de Marcos
São Paulo, 2014.
2
Resumo
O avanço da agricultura capitalista, protagonizado pelas monoculturas, provoca a
diminuição do território antes ocupado pela agricultura camponesa produtora de
alimentos. No município de São Luiz do Paraitinga, esse processo ocorre devido à
silvicultura. Contudo, novas estratégias vão sendo aplicadas para se garantir a produção
de alimentos pela agricultura camponesa, uma delas é o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE). Com o objetivo de identificar como essas forças atuam
no município, foram realizadas entrevistas e visitas aos camponeses que fornecem ao
programa da merenda escolar, buscando apresentar suas impressões, sua produção e seu
modo de vida em oposição à lógica capitalista de produção, representada pela
silvicultura e seus impactos no município.
Palavras-Chave: Agricultura Camponesa, Silvicultura, PNAE, São Luiz do Paraitinga.
Abstract
The advance of capitalist agriculture, played by monocultures, causes the decrease of
territory and was occupied by peasant agriculture producing food. In São Luiz do
Paraitinga this process occurs due to reforestry. However, new strategies are
implemented to ensure food production by peasant agriculture, on of them is the
National School Feeding Programme. In order to identify how these work on the
municipality, interviews and visits to the peasant were made, seeking to present their
impressions, their way of life and their production in opposition to capitalist logic of
production, represent by reforestry and their impact on the municipality.
Keywords: Peasant Agriculture, Forestry, PNAE, São Luiz do Paraitinga
3
Aos meus pais, Jorge e Nadia.
4
AGRADECIMENTOS
Acredito seriamente que somos/estamos o que as outras pessoas trazem e retiram
de nossas vidas, ao longo dos anos nos construímos e modificamos com cada pessoa
que passa ou permanece conosco. Assim, para a minha vida, para a construção desse
trabalho e para a minha formação há muitas (todas) pessoas que preciso agradecer.
Primeiro e acima de tudo, aos meus pais, Jorge Barbosa Sobrinho e Nadia
Piccirillo Barbosa, porque eles são os responsáveis de eu estar aqui hoje. Agradeço por
cada renúncia que precisaram fazer e por cada dedicação a mim, só eles sabem o quanto
foi difícil, o quanto é difícil estar em um lugar do qual você não faz parte e que te
lembra todos os dias disso. Agradeço por confiarem e acreditarem no meu esforço.
Muito obrigada por pensarem na minha realização pessoal e minha felicidade sempre.
Vocês são meu exemplo de coragem, persistência e companheirismo em todos os
momentos.
Agradeço também minha tia e companheira de discussões Lígia Piccirillo e ao
meu tio Gilson Oliveira, por me acolherem em sua casa no primeiro ano de faculdade,
pelo cuidado e pelo carinho, muito obrigada. Assim como agradeço às minhas tias
Maria Aparecida, Verônica Barbosa e minha madrinha Ozélia Barbosa e meu padrinho
Carlos Barbosa por sempre estarem presente assim como à minhas queridas avós Judite
e Geni, e a todos os meus familiares que possuem um carinho muito grande por mim e
sempre me apoiaram.
Agradeço a minha irmã e companheira de CRUSP, a socióloga Debora Piccirillo
B. da Veiga, que me ajudou em reflexões e discussões teóricas. Agradeço, por
conseguinte, à cientista política Barbara Soares, por tornar a nossa estadia no CRUSP
muito mais agradável, pela irmandade e pelo carinho, minhas vizinhas de parede e
coração, obrigada!
Agradeço a todos os amigos “cruspianos” que estiveram constantemente no meu
dia-a-dia, que viajaram comigo, que dançaram que choraram que dividiram contas, que
tanto contribuíram para minha formação e meu crescimento, obrigada à família que se
construiu, Renata, Diógenes, Camila, Aline e ao Diego por incentivar meus projetos-
sonhos e pelo companheirismo. Agradeço às minhas colegas de trabalho da biblioteca
do IME, à Roberta do LUME-FAU e as meninas da dança.
Agradeço aos meus amigos geógrafos, Catia, companheira de geografia agrária,
assim como a Grazielle, Sandra, Tiago e Klisman, Victória, Rita e Erivelton, agradeço
5
também aos sociólogos Graciela Zapatta e Vitor Vanetti. Agradeço a Jéssica Oliveira
minha amiga-irmã de Santos por me aguentar em todo o colégio e mesmo agora depois
de tanto tempo, agradeço a todos meus amigos da escola e professores que tive.
Agradeço à Profª Drª Valéria de Marcos pela oportunidade de pesquisar, de
acompanhar seu trabalho e suas reflexões, pela paciência, confiança, aprendizado, muito
obrigada. Agradeço à CNPq pelo ano de bolsa de iniciação-científica que tornou
possível minha dedicação aos estudos por esse período.
Agradeço a todos os camponeses e aos funcionários da prefeitura de São Luiz do
Paraitinga, em especial à nutricionista Natalia Irina, que já considero como uma querida
amiga, por colaborarem muito com minha pesquisa e tornarem possível a realização
desse trabalho.
Agradeço por fim, a cada pessoa que conviveu comigo por alguns momentos,
aos meus familiares e colegas. Acredito que em todo esse tempo, conheci e convivi com
pessoas únicas e especiais, sinto-me abençoada por isso. O que me faz agradecer à meu
Anjo da Guarda, firme e forte sempre, à São Jorge Guerreiro, à Santa Luzia e todos os
Deuses (as), energias e bênçãos que me envolveram e me acompanham.
Sou grata à vida, aos lugares que visitei e às pessoas que conheci, sou grata a
Geografia que me encanta a cada momento, me proporcionou tantas experiências novas,
me fez olhar com mais cuidado e perceber as delicadezas que esse mundo traz. Optar
pela geografia foi uma das escolhas mais acertadas que pude fazer até agora, me
sensibilizou para a vida, para os conflitos e contradições, para o exótico e para o
comum.
Obrigada a todos por preencherem meu coração.
6
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Relevo de Mares de Morros – Vale do Paraíba ........................................................... 7
Figura 2 – Procissão da Festa do Divino Espírito Santo em São Luiz do Paraitinga .................. 15
Figura 3 – Morros de São Luiz ocupados pela silvicultura ......................................................... 39
Figura 4 – Morros de São Luiz ocupados pela silvicultura ......................................................... 39
Figura 5 – Eucaliptais plantados em declive, acima de residência .............................................. 45
Figura 6 – Nutricionista divulgando a primeira chamada pública .............................................. 57
Figura 7 – Reuniões realizadas com os produtores ..................................................................... 57
Figura 8 – Casarão da antiga Fazenda Boa Vista ........................................................................ 62
Figura 9 – Sementes para a plantação ........................................................................................ 63
Figura 10 – Imagem de satélite da propriedade do Sr. André ..................................................... 64
Figura 11 – Plantação de verduras, Sr. André ............................................................................. 64
Figura 12 – Sr. André mostrando sua plantação ......................................................................... 65
Figura 13 – Imagem de Satélite da propriedade dos pais de Tiago ............................................. 66
Figura 14 – Plantação e organização dos produtos de Tiago ...................................................... 66
Figura 15 – Imagem de Satélite da propriedade do Sr. Luis ....................................................... 67
Figura 16- Produção de Leite e Plantação de milho do Sr. Luis ................................................. 68
Figura 17 – Imagem de satélite da propriedade do Sr. Isaias ...................................................... 69
Figura 18 – Plantação e caminhão ............................................................................................... 70
Figura 19 – Imagem de satélite plantação do Sr. Sebastião ........................................................ 71
Figura 20 – Plantação de Sr. Sebastião ....................................................................................... 71
Figura 21 – Residência da Família e Sr. Sebastião ..................................................................... 72
Figura 22 – Imagem de satélite da propriedade de Sr. Joaquim Marcelino ................................ 73
Figura 23 – Plantação e moradia ................................................................................................. 73
Figura 24 – Proximidade das propriedades com a Silvicultura ................................................... 75
Figura 25 – Imagem de satélite da propriedade da Srª Elenice, PDRT ....................................... 76
Figura 26 – Área preparada para o plantio orgânico do espinafre .............................................. 76
Figura 27 – Imagem de Satélite da propriedade Srª Nair ............................................................ 77
7
Figura 28 – Área da plantação orgânica da Srª. Nair .................................................................. 77
Figura 29 – Sr. Valdir plantação de abobrinha ............................................................................ 78
Figura 30- Plantação orgânica de Sr. Valdir e Sr. Benedito em área arrendada de Cristiane ..... 79
Figura 31 – Imagem de satélite da Propriedade do Sr. Valdir..................................................... 79
Figura 32 – Srª Rosângela ........................................................................................................... 80
Figura 33 – Imagem de Satélite da propriedade do Sr. Benedito ................................................ 80
Figura 34 – Produção do Sr. Benedito ........................................................................................ 81
Mapa 1 – As 5 subregiões da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte ............ 5
Mapa 2 – Localização do município São Luiz do Paraitinga ........................................................ 6
Mapa 3 – Áreas de Unidade de Conservação do Vale do Paraíba ................................................ 7
Mapa 4 – Área e distribuição das plantações de eucaliptos no Brasil ......................................... 37
Mapa 5 – Os cinco municípios com maiores áreas de Silvicultura no Vale do Paraíba ............. 42
Mapa 6 – Localização das propriedades visitadas ....................................................................... 82
Tabela 1 – Condição legal dos produtores .................................................................................. 10
Tabela 2 – Produção Pecuária ..................................................................................................... 11
Tabela 3 – Produção da Silvicultura ........................................................................................... 11
Tabela 4- Produção Agrícola....................................................................................................... 12
Tabela 5 – Área cultivada (em hectares) em São Luiz do Paraitinga .......................................... 12
Tabela 6 – Estrutura Fundiária .................................................................................................... 13
Tabela 7 – As 10 principais empresas de Papel e Celulose em 2010 no Brasil .......................... 36
Tabela 8– Área ocupada pela silvicultura nos municípios do Vale do Paraíba ........................... 41
Tabela 9 – Valor do recurso repassado pelo PNAE no Brasil. .................................................... 55
Tabela 10 – Camponeses visitados em campo ............................................................................ 61
Quadro 1 – Caracterização das espécies de eucaliptos: .............................................................. 35
Quadro 2 – Classificação de gravidade e efeitos da intoxicação aguda por ingestão ................. 43
Quadro 3 – Estrutura das Entidades Executoras e suas atribuições ............................................ 54
Sumário
Introdução ....................................................................................................................... 1
1. Delimitação da área de estudo ................................................................................... 4
1.1. Contexto histórico-econômico ................................................................................ 8
1.2. Aspectos Socioeconômicos ................................................................................... 10
2. O conceito de camponês .......................................................................................... 17
2.1. Elementos recorrentes da agricultura camponesa....................................................19
2.2. O conceito de Agricultor Familiar...........................................................................26
3. A Produção Capitalista ............................................................................................ 31
3.1 A Silvicultura............................................................................................................34
3.2. Silvicultura em São Luiz do Paraitinga ................................................................. 40
4. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)............................................50
4.1. Histórico do PNAE ................................................................................................ 51
4.2. Organização e funcionamento do PNAE ............................................................... 53
4.3. O PNAE em São Luiz do Paraitinga ..................................................................... 56
4.4. Agricultura camponesa e a merenda escolar ......................................................... 60
Considerações Finais ................................................................................................... 84
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 87
1
Introdução
O presente Trabalho de Graduação Individual é fruto de dois anos de Iniciação
Científica e dos estudos e conhecimentos obtidos ao longo dos anos do curso de
graduação em Geografia. O interesse pela Geografia Agrária ocorreu no 2ª ano da
Geografia (2010), com a disciplina obrigatória Agrária I, ministrada pela Profª Drª
Valéria de Marcos.
Foi a partir de um trabalho de campo realizado no município de São Luiz do
Paraitinga que o interesse e a identificação com essa área da Geografia se destacou.
Durante o depoimento de um camponês produtor de leite, ouvindo suas palavras, sua
fala parecia muito familiar. Foi como se ouvisse meu próprio avô/pai contar sobre a
abastança e fartura da vida na terra.
Aquele momento foi sumamente importante, porque por anos não entendia um
certo saudosismo que meu pai demonstrava sobre sua infância/adolescência. E então,
naquele trabalho de campo, ouvindo aquele senhor e rodeada por outras pessoas, com
outras histórias, foi que compreendi meu pai, sua história de vida, a minha, e de tantos
outros.
Então, refletindo sobre todos os causos e lembranças de meu pai, de seu trabalho
e o de meu avô, na plantação de café, no milho, no algodão, das histórias de cavalos, do
caminho escuro e longo até a escola, que meu avô com outros camponeses ajudaram a
levantar, da pescaria no rio, da retirada do leite, fui entendendo e me admirando com a
riqueza daquela trajetória de vida. Foi, portanto, devido à origem camponesa da família
de meu pai, e à possibilidade de união das diversas áreas da geografia que me interessei
e procurei estudar a agricultura e seus processos.
O primeiro processo que motivou o início dos estudos em São Luiz do Paraitinga
foi o avanço da agroindústria de papel e celulose na região. Devido à expansão das
plantações de eucaliptos surgiram alguns conflitos com parte da população local que
tentaram barrar essa expansão. Para se aproximar dessa problemática foi realizada
Iniciação Científica com bolsa CNPq.
Ao longo dos estudos foram surgindo novos temas e outros processos ocorrendo
no município principalmente com a agricultura camponesa, fato que levou a pesquisa à
2
outro direcionamento, buscando compreender mais a fundo as estratégias de reprodução
camponesa, entre elas o Programa Nacional de Alimentação Escolar e sua efetivação
enquanto política de segurança alimentar e valorização da agricultura camponesa.
Portanto, este trabalho se organiza no sentido de discutir alguns conteúdos
teóricos da Geografia Agrária tentando mostrar como eles se apresentam no município.
Os capítulos que o estruturam buscam apresentar, divulgar e problematizar processos de
desenvolvimento do capitalismo no campo juntamente com a inserção de políticas
públicas na agricultura, a fim de discutir esses processos.
O primeiro capítulo irá apresentar a área de estudo, um breve histórico da
ocupação e formação do município, privilegiando os as fases agrícolas, desde ser apenas
um entreposto de excedentes no caminho dos tropeiros, passando pela economia
cafeeira e escravista, pela produção leitura com os imigrantes mineiros até o panorama
atual.
No segundo capítulo iniciam-se as reflexões teóricas acerca do campesinato,
identificando os elementos recorrentes da agricultura camponesa e apresentando os
embates teóricos que este conceito enfrenta com o conceito de agricultura familiar. Em
seguida, no capítulo 3, apresenta-se a agricultura capitalista, seu avanço e seu modelo de
desenvolvimento que, representada aqui pela silvicultura e a agroindústria de papel e
celulose, entra em conflito direto com a agricultura camponesa ao mesmo tempo em que
se relaciona com esta.
Por fim, no quarto capítulo apresentamos um dos programas de políticas
públicas de incentivo à agricultura camponesa, o Programa Nacional de Alimentação
Escolar. Após uma breve apresentação histórica e exposição sobre sua estrutura de
funcionamento, buscamos expor como ele ocorre no município e quais são as famílias
que dele fazem parte.
Para tanto, foram realizados trabalhos de campo para visitar as famílias que
fornecem alimentos à merenda escolar. Nesses trabalhos foi possível visitar as
propriedades a fim de conhecer a produção e aplicar questionário aos agricultores. Esse
questionário se constituiu de perguntas que buscaram identificar as principais
3
características da produção, renda e tipo de propriedade, além de compreender o real
impacto que o PNAE trouxe a essas famílias.
Juntamente com o questionário aos agricultores, foi realizada uma entrevista
com a nutricionista responsável pela merenda escolar no município, a fim de
compreender melhor o funcionamento do programa e os desafios em sua aplicação. A
nutricionista Natália Irina que acompanhou e proporcionou as visitas às propriedades,
juntamente com outros funcionários da prefeitura de São Luiz do Paraitinga que
forneceu o transporte para que fosse possível visitar o maior número de propriedades.
Além das famílias, foram visitadas algumas escolas sendo possível observar a
elaboração da merenda escolar, pelas merendeiras, e até mesmo experimenta-la.
Durante o trabalho de campo entramos em contato também com a OSCIP (Organização
Social Civil de Interesse Público) Akarui, a qual realiza um PDRT (Projeto de
Desenvolvimento Rural Territorial) juntamente com a empresa Fíbria Papel e Celulose,
de incentivo à agricultura orgânica com algumas famílias do município.
Assim, este trabalho busca apresentar os processos contraditórios e combinados
do desenvolvimento do capitalismo no campo juntamente com a crescente preocupação
da segurança alimentar e as políticas públicas de valorização da produção de alimentos
pela agricultura camponesa.
4
1. Delimitação da área de estudo
Para realizar os estudos acerca do desenvolvimento do capitalismo no campo e a
agricultura camponesa, foi escolhido para essa análise o município de São Luiz do
Paraitinga localizado na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte no
Estado de São Paulo. Essa escolha se deu, sobretudo, devido à realização de um
trabalho de campo para a região, trabalho ocorrido pela disciplina Agrária I, ministrada
pela Profª Drª Valéria de Marcos no ano de 2010.
O município de São Luiz do Paraitinga está localizado na Região Metropolitana
do Vale do Paraíba e Litoral Norte, a qual foi instituída em 2012 como a 4º Região
Metropolitana do Estado de São Paulo, sendo a 10º do país. De acordo com a Lei
Complementar nº 11661, a criação dessa Região Metropolitana tem como objetivo
político-econômico promover uma integração socioeconômica dos municípios, o que
inclui um pesado investimento na região.
Com uma população aproximada de 2,3 milhões de habitantes, 5,5% do total do
Estado, a nova região metropolitana está dividida em cinco sub-regiões como ilustra o
mapa :
1: Caçapava, Igaratá, Jacareí, Jambeiro, Monteiro Lobato, Paraibuna, Santa Branca e
São José dos Campos.
2: Campos do Jordão, Lagoinha, Natividade da Serra, Pindamonhangaba, Redenção da
Serra, Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, São Luiz do Paraitinga, Taubaté
e Tremembé.
3: Aparecida, Cachoeira Paulista, Canas, Cunha, Guaratinguetá, Lorena, Piquete, Potim
e Roseira.
4: Arapeí, Areias, Bananal, Cruzeiro, Lavrinhas, Queluz, São José do Barreiro e
Silveiras.
5: Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba.
1http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2012/lei.complementar-1166-
09.01.2012.html acessado em 11/03/2013
5
Mapa 1 – As 5 subregiões da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte
Elaboração: Denise Piccirillo. Base Cartográfica: IBGE.
São Luiz do Paraitinga está situada na 2º subdivisão da Região Metropolitana do
Vale do Paraíba e Litoral Norte, a aproximadamente 170km da capital de São Paulo, nas
coordenadas de Latitude: 23º 13′ 23″ Sul e Longitude: 45 18′ 38″ Oeste.
O município é formado pelos distritos de São Luiz do Paraitinga e Catuçaba,
com uma área de 617 Km², limitado pelos municípios de Taubaté ao Norte, Ubatuba ao
Sul, Lagoinha (antigo distrito) a Leste, Redenção da Serra e Natividade da Serra a
Oeste. De acordo com o IBGE (Censo, 2010) o município possui 10.721 habitantes e
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDMH,2010) de 0,697. O Mapa 2 a
seguir apresenta sua localização.
6
Mapa 2 – Localização do município São Luiz do Paraitinga
Elaboração: Denise Piccirillo. Base Cartográfica: IBGE
O município está localizado na Zona do Alto Paraíba a qual se constitui de
escudos cristalinos (Escarpa da Serra do Mar e Serra da Mantiqueira) e da Bacia
Sedimentar do Paraíba do Sul. O rio Paraíba do Sul é formado pelos rios Paraibuna e
Paraitinga, na Serra da Bocaina corre para sudeste até o município de Guararema, aonde
devido a Serra da Mantiqueira o rio Paraíba do Sul direciona-se a nordeste para
desaguar no mar, no estado do Rio de Janeiro2.
A região pertence ao conjunto de Planaltos Serras e Escarpas do Brasil Tropical
Atlântico (PETRONE, 1959) dentro do bioma da Mata Atlântica, onde está situada a
reserva do Parque Estadual da Serra do Mar - Núcleo Santa Virgínia. O parque foi
criado em 1989 e possui uma área de 17.500ha com o intuito de proteger partes ainda
intactas da floresta e preservar o rio Paraibuna.3. O Mapa 3 a seguir apresenta as áreas de
Unidade de Conservação do Vale do Paraíba as quais se concentram na Serra do Mar e
na Serra da Mantiqueira.
2 Ab’ Saber, 2000, in http://ppegeo.igc.usp.br/pdf/rig/v21n1-2/v21n1-2a05.pdf acesso: 13/05/2014
3 http://www.ambiente.sp.gov.br/parque-serra-do-mar-nucleo-santa-virginia/sobre-o-parque/ acesso
13/05/2014
7
Mapa 3 – Áreas de Unidade de Conservação do Vale do Paraíba
Elaboração: Denise Piccirillo. Base Cartográfica: IBGE.
O clima é denominado de Clima Subtropical de Inverno Seco (Cwa) com índice
pluviométrico de 1.210 mm/ano de acordo com o Centro de Pesquisa Meteorológicas e
Climáticas Aplicadas à Agricultura da UNICAMP4. O relevo do município -
denominado de mares de morros e serras - possui altitudes entre 800 e 900 metros. O
domínio de mares de morros possui formas mamelonares, com formações conhecidas
como meia laranja, concha de tartaruga, colinas e morros (AB’SABER, 2000).
Figura 1 – Relevo de Mares de Morros – Vale do Paraíba
Fonte: Denise Piccirillo,trabalho de campo 2012.
4 http://www.cpa.unicamp.br/outras-informacoes/clima_muni_562.html acessado em 11/03/2013
8
1.1. Contexto histórico-econômico
A Ocupação do Vale do Paraíba iniciou-se, sobretudo por paragens de tropeiros
e dos bandeirantes em busca de metais e servindo como rota entre o Rio de Janeiro,
Minas Gerais e São Paulo. As primeiras vilas do Vale do Paraíba e do interior paulista
foram fundadas, portanto, por esses bandeirantes e ocupadas por pessoas que se
dedicavam à agricultura e comercializavam os excedentes produzidos nas beiras das
estradas.
O povoado de São Luiz do Paraitinga foi fundado em 1769 por Manoel Antônio
de Carvalho, e elevado à vila em 1773 pelo governador Morgado de Matheus. Essa
primeira fase de povoamento foi caracterizada pela ocupação das terras pela agricultura
de excedentes. Como apontou Petrone (1959, p.251),
A lavoura caracterizava-se, salvo nas aluviões, por ser do tipo de roças
modestas: cada posseiro ou proprietário mantinha, junto à casa de
pau-a-pique, pequenas culturas de feijão, milho e arroz para sua
alimentação, um ou mais porcos, quem sabe, cana para obter rapadura
e fumo.
Com inicio da economia cafeeira em todo o estado, o processo de abertura das
fazendas trouxe a devastação da mata atlântica, facilitando o aumento demográfico e a
urbanização na região do Vale do Paraíba. O café alcançou as vertentes dos morros, mas
em pouco tempo o solo se esgotou, resultando assim em baixo rendimento. A grande
geada de 1918 (PETRONE,1959) acabou de uma vez com os resquícios do café em São
Luiz do Paraitinga. Segundo Brandão (1995, p.23):
São Luiz do Paraitinga não viveu um desenvolvimento significativo
desencadeado pela agricultura do café durante o período em que, sob o
trabalho escravo, ele transformou a economia[...] Não produziu
durante tal período e nem depois, excedentes capitalizáveis que
pudessem ser aplicados na modernização da agricultura ou na
instalação de indústrias... E apenas há cerca de 40 anos atraiu
migrantes mineiros que alternaram ali a agricultura “caipira” de
excedentes com a produção de gado e leite para o mercado.
Apesar de não possuir o sucesso econômico que o Oeste paulista teve com a
cafeicultura, é preciso salientar que foi nesse período em que se constituíram as
características socioculturais da região, é com o café que algumas estruturas fundiárias
9
vão se desenhando, como as grandes fazendas e seus “barões do café”, o comercio de
pessoas escravizadas e o surgimento dos colonos. Foi nesse período que se constituíram
também a religião católica como dominante e as edificações típicas da Casa Grande,
hoje como patrimônio histórico.5
Após a produção significativa do café e devido à abolição da escravatura, a partir
de 1900 a migração mineira se intensificou e trouxe para a região a pecuária leiteira e a
criação para corte de bovinos e suínos. Assim, os morros antes ocupados pelos cafezais,
passaram a apresentar vastos pastos. A produção leiteira da região é, ainda hoje, a
segunda maior do estado, com uma produção de 1.074 mil litros/dia6.
Apesar da importância da produção leiteira, o município de São Luiz do
Paraitinga é caracterizado por ser um município policultor de excedentes que participa
do abastecimento das cidades da região, o qual irá se concentrar na cidade de Taubaté
com o MERCATAU, principal destino da produção agrícola na região. Há também
algumas produções artesanais de doces e queijos, além de hortaliças e frutas, cultivos
que irão caracterizar-se principalmente pela pequena produção,
a produção camponesa [...] atualmente reproduz o trabalho de
lavradores arrendatários, sitiantes e ocupa na região espaços de
várzeas e morros livres dos pastos que alimentam o gado leiteiro dos
criadores, o quase último ciclo de produção para a venda, antes da até
agora restrita chegada dos eucaliptais. (BRANDÃO 1995, p.28).
Como podemos verificar no trecho acima, a silvicultura já começava a se
destacar na década de 1990. Após esse breve histórico da economia do município,
importante apresentar um pouco das características socioeconômicas atuais, que irão
ajudar a compreender melhor o contexto em que se irá estudar os processos de expansão
da agricultura capitalista e as estratégias de recriação da agricultura camponesa.
5 http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2008/06/ciclo-do-
cafe_pg-13-a-39.pdf acesso 13/05/2014 6 http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/artigos-especiais/mapa-do-leite-no-estado-de-sao-paulo-
31862n.aspx acesso 06/02/2013
10
1.2. Aspectos Socioeconômicos
O município de São Luiz do Paraitinga possui uma população de 10.397
habitantes de acordo com o último censo populacional (IBGE, 2010). Desse total, 6.180
habitantes foram classificados como população urbana e 4.217 enquanto população
rural, sendo esta última dividida em 2.275 homens e 1.943 mulheres. Em relação à
condição legal dos produtores, o Censo Agropecuário (IBGE, 2006), nos apresenta a
seguinte estrutura:
Tabela 1 – Condição legal dos produtores
Condição legal do
produtor
Número de
estabelecimentos Área total (hect.)
Proprietário 436 26.070
Arrendatário 57 1.550
Ocupante 13 402 Org. Denise Piccirillo. Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006
Gráfico 1 – Condição Legal dos produtores
Org: Denise Piccirillo
No que diz respeito à educação do município, no ano do Censo (2010) a pré-
escola possuía 176 alunos, todos da rede pública; o ensino fundamental possuía 1.289
alunos (27 na rede particular); o ensino médio contava com 441 alunos (34 na rede
particular) e, por fim, 47 alunos que frequentava a educação de jovens e adultos (EJA).
11
Uma vez que o município de São Luiz do Paraitinga é uma Estância Turística, a
principal fonte da economia é o setor de Serviços (R$82.347,007), seguido pela
Agropecuária (R$13.899,00) e pela indústria (R$12.516,00). No que se refere à
produção agrícola municipal, apresentamos nas tabelas a seguir os produtos
considerados pelo IBGE nos relatórios de Produção Municipal.
As tabelas apresentam uma parte (a mais significativa economicamente) das
produções agropecuárias do município. Não demonstram todas as produções do
município, como por exemplo, a quantidade de produção da mandioca, do café, da
banana, entre outros produtos. Isso se ocorre porque o IBGE não contabiliza produtos
que não atingiram a unidade de medida utilizada em sua metodologia, ou seja, somente
apresentam os produtos que atingiram produção acima de uma tonelada/ano ou mil
reais/ano.
Tabela 2 – Produção Pecuária
Produção (cabeças) 2010 2011 2012
Bovinos 34.564 35.045 34.800
Suínos 876 600 560
Equinos 1.239 1.308 1.280
Galinhas 26.999 19.200 17.450
Galos, frangas, frangos e
pintos. 15.494 14.604 17.230
Caprinos 208 250 158
Vacas ordenhadas 11.060 10.860 -
Leite de vaca (mil litros) 8.030 7.251 7.841
Ovos de galinha (mil dúzias) 228 221 232
Mel de Abelha (kg) 317 345 - Org. Denise Piccirillo. Fonte: IBGE, Produção Pecuária Municipal
Tabela 3 – Produção da Silvicultura
Produtos da Silvicultura 2010 2011 2012
Carvão Vegetal (ton) 39 - -
Lenha (m³) 1.450 6.962 2.450
Madeira em tora (m³) 17.087 57.711 19.730
Madeira em tora (m³) - celulose
e papel 12.287 56.471 13.450
Org. Denise Piccirillo. Fonte: IBGE, Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura
7 Valor adicionado bruto.
12
Tabela 4- Produção Agrícola
Produto Ano Quantidade
(toneladas)
Valor da
produção
(R$)
Área
plantada
(hect)
Área
colhida
(hect)
Rendimento
médio
(kg/hect)
Cana de
açúcar
2010 6000 276000 100 100 60000
2011 3000 132000 50 50 60000
2012 - - - - -
Feijão
2010 78 73000 55 55 1236
2011 98 103000 45 45 4020
2012 399 479000 85 85 4694
Milho
2010 453 269000 780 186 2396
2011 567 336000 780 780 3467
2012 164 66000 20 20 82000
Tomate
2010 4080 5434 60 60 68000
2011 4800 6393 60 60 80000
2012 - - - - -
Trigo
2010 24 11000 20 20 1200
2011 26 11000 250 250 104
2012 - - - - -
Org: Denise Piccirillo. Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal.
Assim, para ilustrar de forma mais detalhada a agricultura do município, vale
apresentar a tabela seguinte, do Projeto LUPA. Apesar dos dados serem do ano de 2008,
podemos perceber melhor a variedade de culturas presentes no município.
Tabela 5 – Área cultivada (em hectares) em São Luiz do Paraitinga
CULTURA Nº UPAS Mínimo (ha) Média (ha) Máximo (ha) Total (ha)
Braquiária 514 0,1 31,8 979,2 16.367,00
Outras gramíneas
para pastagem 290 0,1 27,9 294 8.097,40
Eucalipto 196 0,1 40 1.273,30 7.836,40
Gramas 99 0,2 22,6 153,2 2.238,10
Milho 273 0,1 1,8 200 481,9
Capim-napier 298 0,1 1,4 12,1 405
Cana-de-açúcar 212 0,1 0,9 15 196,6
Feijão 159 0,1 0,7 25 118,4
Milho-silagem 4 5 27,3 49 109
Outras olerícolas 22 0,1 2,2 14 48,7
Palmito 4 0,2 10,2 40 40,7
Pomar doméstico 300 0,1 0,1 1,3 39,7
Triticale 1 30 30 30 30
Horta doméstica 222 0,1 0,1 2,4 25,5
13
CULTURA Nº UPAS Mínimo (ha) Média (ha) Máximo (ha) Total (ha)
Trigo 1 20 20 20 20
Colonião 3 0,6 5,9 13 17,6
Alface 21 0,1 0,5 4 9,6
Outras frutíferas 52 0,1 0,2 2,5 9,6
Aveia 1 7 7 7 7
Café 2 0,1 3,3 6,5 6,6
Tomate envarado 15 0,1 0,3 0,8 5,1
Brócolos 8 0,1 0,5 1 4,1
Couve-flor 14 0,1 0,2 0,8 3,4
Mandioca 12 0,1 0,3 1,2 3,1
Abóbora 9 0,1 0,3 1 3
Capim-gordura 1 2,7 2,7 2,7 2,7
Tangerina 1 2,7 2,7 2,7 2,7
Araucária 2 0,1 1,3 2,5 2,6
Pinus 2 0,1 1,3 2,5 2,6
Beterraba 9 0,1 0,3 0,8 2,4
Org: Denise Piccirillo. Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento, CATI/IEA, Projeto LUPA,
2007/2008.
A partir da análise das tabelas apresentadas, o município apresenta significativa
produção de leite, de carne bovina e de frangos. Durante o período apresentado,
manteve certa regularidade na produção do milho, do tomate e do trigo, e apresentou um
crescimento constante na produção do feijão.
A produção da braquiária, do eucalipto e as pastagens, ocupam as maiores áreas
em hectares, porém ao considerar o número de Unidades Produtivas Agropecuárias,
podemos constatar que o maior número de unidades são pomar e horta domésticos e
também do milho. A estrutura fundiária do município é apresentada na tabela abaixo.
Tabela 6 – Estrutura Fundiária
Área (hect)
Estabelecimentos
agropecuários
(Unidades)
Estabelecimentos
agropecuários (%)
Área dos
estabelecimentos
(Hectares)
Área dos
estabelecimentos
(%)
Total 507 100,00 28.051 100,00
0 -200 491 96,83 17719 63,17
200- 500 10 1,97 3.069 10,94
500 -1000 3 0,59 1.648 5,88
1000 3 0,59 - -
Org. Denise Piccirillo. Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.
14
Além disso, enquanto estância turística, o setor de turismo é muito presente no
município e envolve o turismo histórico, religioso, de aventura e principalmente o
turismo cultural. O município possui um calendário inteiramente ocupado com Festas
tradicionais e comemorações como a Festa de Reis, as festas de cada bairro, o carnaval
de marchinhas, a festa junina, a festa do divino, festa do Saci e outras comemorações
que valorizam, divulgam e remontam às origens da colonização e do café, do modo de
vida camponês, da moda de viola e do sincretismo religioso.
Uma das mais famosas e significativas festas na cidade é a Festa do Divino, da
qual foi possível participar e conferir sua grandiosidade e importância não só
econômica, mas principalmente religiosa, popular e integradora. A festa do Divino
Espírito Santo é influência direta da colonização portuguesa, principalmente açoriana.
No Vale do Paraíba, o primeiro registro de realização da Festa do Divino encontra-se no
livro tombo de Guaratinguetá no ano de 1761 e em São Luiz do Paraitinga em 1803
(SANTOS 2008, p.93). A Festa do Divino é uma festa predominantemente popular
católica, mas que reúne influências das religiões africanas e costumes pagãos seguindo
o calendário agrícola e de distribuição de alimentos. O trecho a seguir do poema de
Antonio Nicolau de Toledo de 1969, mostra claramente essa integração popular e
religiosa:
“ [...]Na frente São Benedito
Atráis São Sebastião
Irmandade do Santíssimo
E o Sagrado Coração
Nossa Senhora Aparecida
A Imaculada Conceição
Mais atráis vai o Divino
E atráis dele a murtidão
De noite tem a jongada
Relembrano a escravidão
Ali acende uma foguera
Com pau de lenha dos bão
Dança preto, dança branco
Pois não existe distinção
Candogueiro fala fino
Fala grosso o tambusão[...]”8
8 Tese, Santos, 2008. P.104
15
Para estruturação da festa, existe um grupo intitulado “Folia do Divino Espírito
Santo”, que percorre os bairros rurais arrecadando prendas e doações. A dona da casa
visitada recebe a bandeira do divino que irá abençoar sua casa e enquanto os foliões
cantam, o patriarca da casa entrega sua doação. Essa Folia do Divino costuma ser
formada por quatro foliões que carregam instrumentos como viola, caixa de percussão e
triângulo (SANTOS 2008,p.107).
Depois das arrecadações começam os preparativos da festa que ocorre como uma
novena, sendo o ultimo dia da festa o domingo de pentecostes. Durante os noves dias
ocorrem procissões, encontro de bandeiras, dança de fitas, missas, jongos, shows e a
distribuição do afogado (prato tradicional de ensopado de carne), a qual remonta à
tradição pagã do “retorno à fartura proporcionada pelas prendas oferecidas ao Divino
em sua relação íntima com a natureza e as colheitas” (SANTOS 2008, p. 86).
Figura 2 – Procissão da Festa do Divino Espírito Santo em São Luiz do Paraitinga
Fonte: Denise Piccirillo, 2010.
No cristianismo, é a Rainha portuguesa D. Isabel que faz a primeira distribuição
de alimentos em agradecimento ao milagre da transformação dos pães que ela doava aos
pobres em rosas, uma vez que seu marido, D. Diniz, a proibia de ajudar os pobres
(SANTOS 2008, p. 86). Assim, a festa do Divino é a representatividade da cultura
16
religiosa e popular do município, além de ser o momento de integração social, de
agradecimento e perpetuação da cultura tradicional e do trabalho na agricultura.
Por fim, procuramos apresentar nesse capítulo inicial um breve panorama do
município estudado a fim de localizar e destacar suas particularidades. Nos próximos
capítulos serão apresentadas as discussões teóricas acerca dos processos e características
da agricultura como um todo e como ela ocorre em São Luiz do Paraitinga.
17
2. O conceito de camponês
Os camponeses e suas culturas. Culturas que falo são
seus frutos colhidos, que alimentam os seus familiares,
e o restante vendido para sua fonte de sobrevivência,
chegando à mesa do homem da cidade, muitos não
conhecem a riqueza da terra onde impera a união
desses bravos cidadãos; sua colheita se faz do trigo,
arroz e feijão, não esquecendo da carne e o leite, e
para suas vestes o algodão. Este é o camponês, a
grande força que move o nosso país. (Jorge Barbosa
Sobrinho, meu pai).
Um trabalho que se proponha apresentar e analisar as questões presentes na
realidade agrária brasileira deve, antes de tudo, identificar seus sujeitos, seu papel e a
posição que cada um deles ocupa nessa realidade. Nem sempre essa identificação ocorre
de forma simples, direta ou óbvia. Conceitos como os de camponês, agricultor familiar,
agricultura capitalista, agroindústria e agronegócio são motivos de grande discussão na
academia e fora dela.
Para entender um conceito como o de camponês, além de buscar as definições
em diferentes bibliografias, é preciso ter claro que esses conceitos são mutáveis, se
modificam ao longo do tempo, porque antes de tudo o conceito de camponês é
carregado de aspectos sociais e políticos. Portanto, não podemos congelar esse sujeito
histórico e social em um determinado tempo, é preciso reconhecer suas modificações.
Etimologicamente, o termo camponês provem de paganus, o habitante do campo
na Roma Antiga, do latim pagus, território rural limitado por marcos ou aldeia
camponesa, como explica Moura (1986, p. 17): “Paganus, em latim, foi transmutado em
payan, no francês, e peasant, no inglês, que significam exatamente camponês.”
Ao longo do tempo e da intensificação na preocupação dos estudos agrários,
muitos autores e correntes procuraram definir e encaixar o conceito de camponês em
suas teorias. Para entendermos melhor esse processo, autores de ótica marxista, que
compreendem o campo através do desenvolvimento capitalista, como Tavares dos
Santos, Ariovaldo U. de Oliveira e José de Souza Martins, serão essenciais para nossa
compreensão e delimitação do conceito.
18
Oliveira (2007) nos distingue três correntes de interpretação do processo de
desenvolvimento do capitalismo no campo presentes no interior do marxismo. A
primeira que o autor apresenta considera que esse processo levará à destruição dos
camponeses, e ao fortalecimento da modernização dos latifúndios. De acordo com essa
corrente o camponês sofreria um processo de diferenciação social ao se inserir no
mercado capitalista. Uma vez sujeito às flutuações de preços, empréstimos e juros, o
camponês se diferenciaria, de acordo com sua capacidade de adaptação, em camponeses
ricos (semelhantes a pequenos capitalistas) e camponeses pobres, que se tornariam
trabalhadores assalariados.
De modo semelhante, a modernização dos latifúndios faria dos latifundiários os
grandes capitalistas do campo, aproximando os camponeses ricos de seus interesses.
Consequentemente, o capital se desenvolveria de maneira homogênea, fazendo com que
aos camponeses pobres restasse apenas a proletarização, fosse ela agrária ou industrial.
Tem-se, portanto nessa visão, apenas duas classes no campo, os capitalistas em
oposição aos trabalhadores (camponeses pobres).
A segunda corrente que Oliveira (2007) distingue é aquela que vê o camponês
como resquício de relações feudais. Essa corrente mostra a transformação que o
camponês sofreria com a introdução do capitalismo na agricultura. Primeiramente o
camponês, afastando-se de seus costumes tradicionais, tornar-se-ia um agricultor
individual, abandonaria outras produções que servissem à reprodução de sua família, e
dedicar-se-ia somente em produzir para o mercado.
Com uma necessidade maior de consumo de bens industriais, e devido ao baixo
preço pago por seus produtos, esse camponês assumiria então dívidas que não
conseguiria quitar, restando como solução a venda de sua propriedade, o que representa
a sua alienação dos meios de produção e, consequentemente, o assalariamento. Assim,
novamente hegemoniza-se o capitalismo no campo com relações capitalistas de
produção e a transformação do camponês em proletário.
Finalmente, Oliveira (2007) apresenta a terceira corrente, que irá entender o
processo de desenvolvimento do capitalismo no campo como desigual e contraditório.
Ou seja, segundo essa corrente, o próprio capitalismo irá criar e recriar relações não-
capitalistas de produção, e é nesse processo que o camponês se recria. O capital irá
19
subordinar a produção camponesa, sujeitando assim a renda da terra, ou seja, além de
usar a terra como especulação, o capital ainda sujeita o trabalho na terra, não
necessariamente assalariando o camponês.
Essa corrente mostra que o desenvolvimento do capitalismo no campo ocorre de
forma desigual, combinada e contraditória, não eliminando do campo e da terra o
camponês. Assim, o capitalismo não se desenvolve de modo homogêneo no campo,
nem destrói totalmente as relações já existentes mas, ao contrário, aproveita-se delas e
subordina-as, o que implica em dizer que não existem, portanto, somente o proletário e
o capitalista.
Mas quem seria esse camponês, vendedor do produto de seu trabalho,
subordinado e recriado pelo capital, que não sofre proletarização? Adiante, tratamos de
alguns elementos e características, presentes nesse sujeito, que se reproduzem ao longo
do tempo e nos auxiliam a compreender melhor o conceito. Não pretendemos, contudo,
taxá-lo ou limitá-lo a esses preceitos, uma vez que os sujeitos sociais e suas recriações
são dinâmicas, subjetivas e contraditórias, portanto incapazes de restringirem-se a uma
fórmula pré-definida.
2.1. Elementos recorrentes da agricultura camponesa
Shanin (1979) identifica o camponês a partir de quatro características principais:
unidade familiar; cultivo da terra para reprodução; cultura tradicional e modo de vida;
posição de classe subordinada.
Sobre a unidade familiar, significa dizer que o trabalho é realizado pela família,
esse trabalho se realiza a partir da segunda característica, qual seja, o cultivo da terra, a
agricultura para a própria reprodução. Seu modo de vida se caracteriza por uma cultura
tradicional, de moral religiosa e patriarcal tendo como base a terra, o trabalho e a
família e por fim, a sua posição de classe subordinada, ou seja, subordinada e sujeitada
aos interesses do grande capital.
Oliveira (2007) referindo-se a Tavares dos Santos (1978) além das
características apresentadas por Shanin, irá nos apresentar mais algumas. Discutiremos a
seguir cada uma delas:
20
Força de Trabalho Familiar
Um dos principais elementos a se considerar na produção camponesa é que esta
é majoritariamente realizada a do trabalho familiar. Como explica Tavares dos Santos
(1978), geralmente essas famílias são compostas pelo casal e dois ou três filhos, os
quais só são considerados como força de trabalho a partir dos 14 anos. A hierarquia do
trabalho costuma estar representada na figura masculina, o pai decide e organiza os
trabalhos, enquanto a mãe, ou fica somente responsável pelos afazeres da casa, ou
possui jornada dupla, auxiliando o trabalho na terra e as tarefas em casa.
No caso do município estudado, as famílias se constituem, em sua maioria, no
casal e dois filhos os quais nem sempre possuem idade para ajudar com o trabalho.
Ocorre também desse casal trabalhar junto com o pai/sogro, acompanhados da esposa, o
que contribui para um número maior de pessoas trabalhando no campo.
Ajuda mútua
Além do trabalho realizado pelo núcleo familiar, em determinadas etapas da
produção, eventualmente se faz necessária uma quantidade maior de força de trabalho.
Para tanto, existe a ajuda mútua, caracterizada pela ajuda em forma de troca de dias, ou
seja, quando um vizinho ajuda na produção e posteriormente aquele que necessitou
também irá ajuda-lo, a ajuda mútua pode acontecer também, em alguns casos, na forma
de mutirão, quando muitos camponeses se unem para trabalhar na produção daquele que
precisa, esse em troca, oferece um bom almoço.
Em São Luiz do Paraitinga, por muito tempo, os mutirões foram recorrentes, e
os mais velhos lembram com certa nostalgia dessa época. Recordam que todos se
reuniam e, apesar do trabalho pesado, se divertiam juntos. Porém, das famílias visitadas,
atualmente nenhuma realiza o mutirão, apenas lembram-se das histórias do patriarca, ou
em alguns casos, de quando crianças chegaram a participar.
Parceria
Essa característica não aparece em Tavares dos Santos (1978), contudo Oliveira
(2007, p.31) nos explica que a parceria ocorre quando, por condições financeiras, o
camponês não consegue contratar um trabalhador assalariado, então ele se une a outro
camponês para “dividirem os custos e os ganhos da produção”. Essa estratégia também
21
pode acontecer em relação à produção capitalista, esta “contrata” o trabalho da família
camponesa para um serviço específico de sua produção, assim o capitalista diminui seus
gastos com remuneração, ao subordinar o trabalho da família, ao mesmo tempo em que
o camponês pode “aumentar sua área de cultivo e sua renda” (OLIVEIRA, 2007).
No caso das famílias que foram visitadas para o trabalho, nenhuma realiza esse
tipo de contrato, todas vivem apenas da própria produção.
Trabalho Acessório
Esse elemento se caracteriza quando o camponês se assalaria a outro, ou realiza
um trabalho fora da agricultura, como por exemplo, na construção civil. Importante
salientar que essa atividade não é a principal fonte de renda da família, mas pode
acontecer em caso de necessidade. Como frisa Tavares dos Santos (1978), esse tipo de
trabalho não anula sua condição enquanto camponês, uma vez que ocorre de forma
irregular, não se constituindo em proletarização.
Em São Luiz do Paraitinga, nas famílias estudadas, o patriarca não realiza
nenhum tipo de trabalho acessório. Porém, em alguns casos, os filhos prestam serviço
assalariado a outro camponês no momento do transporte e distribuição dos produtos.
Trabalho Assalariado
Há períodos de intensificação do trabalho que o camponês pode precisar
assalariar um trabalhador, ou seja, contratar mediante pagamento em dinheiro uma
pessoa que trabalhe com ele na terra. Geralmente, essa contratação se determina por um
período que pode ser diário ou mensal, mas na verdade será determinado pela atividade
que deverá realizar, ou seja, será por período ou de limpeza do solo, ou plantação, ou
colheita, ou distribuição, de acordo com a necessidade do camponês.
Porém, mesmo com essa contratação, não ocorre exploração da mais-valia da
força de trabalho assalariada, porque o pagamento desse trabalhador é retirado da renda
da família, representando assim, uma diminuição da renda e não uma reprodução
ampliada de capital (SANTOS, 1978; p.43).
No município estudado, encontramos esse elemento de forma bem escassa. Entre
os camponeses que possuem produções um pouco maiores que os outros, somente um
22
deles contrata dois ou três diaristas que complementam o trabalho, principalmente o de
correção/limpeza do solo e de colheita.
Socialização camponesa
A socialização camponesa, diz respeito à inserção da criança na divisão social do
trabalho. Como nos explica Tavares dos Santos (1978), ao acompanhar os pais desde
pequeno no trabalho no campo, a criança, ainda que não trabalhe efetivamente, irá
observar e brincar com instrumentos da produção, copiando, ou imitando as tarefas
realizadas pelos adultos. Nesse processo, a criança começa aprender a realizar pequenas
etapas do trabalho agrícola, isso não quer dizer que elas não frequentem a escola, pois
tal acompanhamento ocorre nos períodos em que estão em casa e nos finais de semana.
Em São Luiz do Paraitinga, somente duas famílias visitadas9, possuem filhos
pequenos em idade escolar, os quais foram vistos brincando ou com a terra, e alguns
produtos descartados para venda/consumo, ou mesmo com alguns instrumentos,
cavando a terra, por exemplo. Tal fato indicava que eles reconheciam o trabalho do pai
e tentavam imita-lo.
Propriedade da terra
A terra é parte/meio fundamental para a realização da produção camponesa. É
nela que se dá a realização do trabalho camponês e do produto desse trabalho, o qual
visa garantir a reprodução da família. Porém, nem todos os camponeses podem ser
proprietário da terra na qual trabalham, o que podemos verificar em Martins (1995)
aonde irá diferenciá-los de acordo com sua situação na terra:
1. Camponês proprietário: aquele que é dono da terra em que trabalha e vive com a
família. No caso de São Luiz do Paraitinga, os camponeses proprietários são
herdeiros, a terra originalmente era dos pais ou avós.
2. Camponês posseiro: é aquele que ocupa terras improdutivas, tendo ela um
proprietário ou não. Posseiro vem de posse, de possuir como sua. E é a partir da
posse, por exemplo, que se pode legalmente entrar com ação por usucapião pro
labore. A Constituição, em seu art. 191, define que:
9 Foram feitas duas visitas (2013 e 2014) a 14 famílias camponesas no município.
23
Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como seu, por cincos anos ininterruptos, sem oposição, área de terra
em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva
por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-
lhe-á a propriedade.10
3. Camponês parceiro: o parceiro, como já citado anteriormente, é aquele que se
une a outro camponês ou ao capitalista, para dividirem a produção e mesmo a
propriedade. Diferente do arrendamento, a parceria também divide os custos e
prejuízos, como define o Art. 16 do Estatuto da Terra “o malogro da colheita
afeta tanto o proprietário como o parceiro agricultor”11
4. Camponês rendeiro: o rendeiro é o camponês que arrenda uma parcela de terra
de um proprietário. Arrendar é equivalente a pagar um aluguel, mensalmente ele
paga uma quantia ao dono da terra, essa quantia paga pode ser em dinheiro ou
em porcentagem de produtos.
Além dessa diferenciação em relação ao seu acesso à terra, Martins (1991) irá
distinguir a propriedade da terra camponesa da propriedade da terra capitalista. Embora
haja a propriedade, elas possuem objetivos distintos, lógicas opostas de produção, abre-
se aqui um parênteses para diferenciar essas duas formas de propriedade.
A propriedade capitalista será representada pelo lucro obtido ou pela exploração
do trabalho do outro, o que caracteriza a mais-valia, ou como reserva de valor, ou seja, a
mercê da especulação (PAULINO, 2012). Assim, para diferenciar a terra de negócio da
terra de trabalho, ou seja, a propriedade capitalista da camponesa, Martins (1991; p.56)
explica:
Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de
negócio, em terra de exploração do trabalho alheio. Quando o
capitalista se apropria da terra, ele o faz com intenção de lucro, direto
ou indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de quem não tem
terra; ou a terra serve para ser vendida por alto preço a quem dela
precisa para trabalhar e não a tem.
10
SILVIA C. Opitz – Curso Completo de Direito Agrário. 2013 - CF/1988, art. 191. Quem pode usucapir,
p. 100. 11
SILVIA, 2013.
24
Portanto, a propriedade da terra capitalista, representa lucro, mercado,
exploração do trabalho alheio e assalariado, mecanização e mercantilização. Ainda a
esse respeito, Paulino e Almeida (2010, p.64) mostram essa diferença:
O próprio Marx (1974) advertia que a presença ou ausência do
trabalho assalariado deve ser tomada como critério fundamental para
distinguir a pequena produção de mercadorias da produção capitalista.
Desse modo, a transformação da pequena produção em produção
capitalista requer a transformação das relações sociais de produção,
em que a centralidade está na natureza das relações de trabalho.
Diferentemente, da propriedade camponesa, a terra de negócio não visa a
recriação da família, ou do trabalho. Muitas vezes esse proprietário capitalista não
sobrevive da exploração da terra, nem mesmo a utiliza de sua morada. Os proprietários
das terras de negócio, em sua maioria, não habitam o campo, estando muito longe deste.
A propriedade camponesa, por outro lado, irá se caracterizar como meio
fundamental para a reprodução da família. É ela que irá produzir os alimentos, os
produtos do trabalho camponês. A exploração da terra de trabalho, não tem por fim
último o lucro, mas sim a obtenção de dinheiro para a compra de mercadorias que o
camponês não produz (PAULINO, 2012). A diferença principal entre a propriedade
capitalista da camponesa é que ela não explora o trabalho de outro, os ganhos da família
vem do próprio trabalho, como explica Martins (1991, p.54/55):
A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o trabalho
de outrem; é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte
de quem trabalha [...] Seus resultados sociais são completamente
distintos, porque neste caso a produção e reprodução das condições de
vida do trabalhador não é regulada pela necessidade de lucro do
capital, porque não se trata de capital no sentido capitalista da palavra
[...] Os seus ganhos são ganhos do seu trabalho e do trabalho de sua
família e não ganhos de capital, porque esses ganhos não provêm da
exploração de um capitalista sobre um trabalhador expropriado dos
instrumentos de trabalho.
A produção camponesa, portanto, é uma produção simples, ou seja, é uma
produção que permite o acúmulo do dinheiro no limite da reposição dos meios de
produção e da reprodução da família camponesa, (OLIVEIRA, 2007; p.42)
25
Propriedade dos meios de produção
Além da terra existem outros meios de produção, como sementes, insumos,
instrumentos de trabalho, entre outros. Nem sempre o camponês possui a propriedade
desses outros meios, muitas vezes as sementes são obtidas no mercado assim como os
insumos, exceto aqueles que produzem orgânicos e constroem aos poucos, um banco de
sementes e produz seu próprio adubo, o chamado adubo verde.
Obter esses elementos no mercado significa possuir um gasto com essa
mercadoria, gasto esse que não é mínimo. No caso das famílias estudadas, a maioria
compra as sementes e insumos, o que consome uma significativa quantia da renda,
como se verá mais adiante.
Jornada de Trabalho
O último elemento apresentado por Oliveira (2007) e Tavares dos Santos (1978)
faz referência às horas de trabalho do camponês. Diferente do operário, que tem sua
jornada de trabalho fixada, o camponês “faz seu próprio horário”, o qual irá variar de
acordo com a época do ano e da atividade a ser realizada. Períodos de colheita e de
preparação do solo costumam exigir maior jornada de trabalho, maior dedicação e
intensa utilização do trabalho familiar.
Foram apresentados até aqui, alguns aspectos recorrentes da produção
camponesa, o que não significa que esses elementos estarão presentes em todas as
unidades familiares camponesas. Como já evidenciado, alguns desses aspectos não
estão integralmente presentes nas famílias visitadas para a realização da pesquisa.
Entretanto, somente expor essas características, não refletir sobre o que elas
representam e consequentemente não apresentar outras denominações sobre o mesmo
sujeito é ignorar um dos mais intensos debates acadêmicos recentes.
Como dito anteriormente, não é intenção da pesquisa limitar o sujeito social em
definições e conceitos. Ao contrário, pretende-se mostrar a atualidade e inovação do uso
dos conceitos de acordo com a realidade. Assim, não é preciso usar outras
denominações para tratar do mesmo assunto. Um exemplo de outra denominação é o de
agricultura familiar ao invés de agricultura camponesa.
26
Existem estudiosos e linhas de pensamentos que negam a utilização do conceito
de “camponês” e optam por usar a de “agricultor familiar”. Para entender melhor o
porquê dessa opção e o que ela representa, é preciso voltar à Abramovay, uma das
principais referências teóricas daqueles que propõe a substituição do termo “camponês”
por aquele de “agricultor familiar”.
2.2 O Conceito de agricultor familiar
O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, traz em suas explicações
metodológicas, o critério utilizado para definição de Agricultura Familiar em oposição à
Agricultura Patronal, ou Capitalista.
Para essa definição, usou-se da Lei 11.326/2006 a qual determina como
agricultura familiar aquela que possuir: área do estabelecimento ou empreendimento
rural que não exceda quatro módulos fiscais; a mão de obra utilizada nas atividades
econômicas desenvolvidas é predominantemente da própria família; a renda familiar é
predominantemente originada dessas atividades; e o estabelecimento é dirigido pela
família.12
Torna-se extremamente importante citar essa definição, a qual é muito utilizada
para políticas públicas de incentivo à agricultura, para entendermos os critérios e o
perfil daqueles que acessam políticas como o PRONAF (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar), o PAA (Programa de Aquisição de
Alimentos), e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), esse último, por
sua vez, trataremos com mais detalhe nos próximos capítulos.
E porquê, de acordo com essas características, muito próximas daquelas
apresentadas por Shanin (1979), não utilizar o termo camponês?
Para entender melhor o porquê dessa distinção de conceitos, o raciocínio de
Fernandes (2004) constitui-se como base auxiliar para essa compreensão. O autor nos
apresenta a diferença entre o Paradigma da Questão Agrária e o Paradigma do
Capitalismo Agrário, uma vez que, são nessas duas perspectivas distintas de análise do
campo que o embate teórico acerca dos dois conceitos apresentados fica evidente.
12
IBGE, Censo Agropecuário 2006. Agricultura Familiar. Primeiros resultados. Brasil, Grandes Regiões
e Unidades da Federação,2009.
27
Como exposto anteriormente autores como Oliveira e Martins consideram que o
desenvolvimento do capitalismo no campo ocorre de forma desigual e contraditória.
Para tanto, ambos trabalham sob uma perspectiva marxista e privilegiam análises de
renda da terra e diferenciação econômica do campesinato. Essa vertente faz parte do que
Fernandes (2004) denomina de paradigma da Questão Agrária; em contrapartida, numa
tentativa de ruptura com o marxismo e privilegiando um viés mais econômico para
análise do trabalho familiar, Abramovay (1992) distingue o camponês do agricultor
familiar, metodologia que Fernandes (2004) denomina de paradigma do Capitalismo
Agrário.
Para Abramovay (1992) o que diferencia o agricultor familiar do camponês é
que este representa um modo de vida enquanto o outro é uma profissão, e para o autor,
em uma sociedade capitalista, ao inserir-se no mercado, o camponês se diferenciaria
interiormente, o que acabaria levando sua eliminação social:
O ambiente no qual se desenvolve a agricultura familiar
contemporânea é exatamente aquele que vai asfixiar o camponês,
obriga-lo a se despojar de suas características, minar as bases
objetivas e simbólicas de sua reprodução social. (ABRAMOVAY,
1992: p. 131).
Ao fazer tal afirmação, o autor considera que o modo de produção camponesa
permaneceu igual no curso de sua secular existência (1992; p. 100), ou seja, ele não
considera as estratégias de recriação que o campesinato desenvolveu ao longo dos anos,
para se reproduzir enquanto camponês, porque sua análise se dá apenas na dimensão
econômica. Para o autor, o problema não está no capitalismo, mas sim no camponês que
por ter uma integração parcial aos mercados incompletos, desapareceria no
capitalismo, (ABRAMOVAY, 1992: P. 127).
Ou seja, ao privilegiar a questão da racionalidade da agricultura, o autor afirma
que [...] uma agricultura familiar altamente integrada ao mercado, capaz de incorporar
os principais avanços técnicos e de responder às políticas governamentais não pode ser
nem de longe caracterizada como camponesa (Abramovay, 1992: 22).
Ao que parece, essa descrição faz alusão aos “farmers”, a agricultura norte-
americana baseada no trabalho familiar. Contudo, como diferencia Tavares dos Santos (
1978: p.64), um “farmer”, é um produtor que combina trabalho doméstico e trabalho
28
assalariado e que acumula capital, o que permite, em um prazo significativo, ampliar o
processo produtivo. Em seguida, o autor deixa claro que o camponês difere desse tipo
de produtor uma vez que sua agricultura se constitui como produção simples de
mercadoria, ou seja, realiza o ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria, (TAVARES DOS
SANTOS, 1978, p. 69).
Além do mais, como nos indica Paulino (2012, p.65), a abordagem de
Abramovay, [...] distancia-se dos pressupostos de Marx, ao privilegiar o mercado,
instituindo-o como elemento que funda a sociedade e as classes. Como podemos
entender melhor também com Paulino (2012, p. 56), ao contrário do que considera
Abramovay,
[...] a inserção no mercado foi tida como estratégia de fortalecimento,
por permitir aos camponeses dedicarem-se com mais afinco aos
cultivos mais rentáveis, adquirindo no mercado aquilo cuja produção
própria roubaria tempo e recursos preciosos, especialmente terra,
sempre escassa entre eles.
É preciso salientar, que mesmo inserido no mercado, e mesmo sendo a classe
responsável pelo abastecimento alimentar da maior parte do mercado interno, sua
produção, muitas vezes, ainda pode ser considerada uma produção de excedentes, não
produz capital, não explora mais-valia e que os camponeses sofrem de formas distintas a
subordinação ao capital.
Apesar de passar por diversas modificações, o modo de vida camponês não foi
substituído por um comportamento “moderno”, (FERNANDES, 2004: p. 17). Podemos
então perceber o desenvolvimento contraditório do capitalismo, o qual cria e recria
relações não capitalistas de produção.
Como explica Moura (1986: p 18):
[...] o camponês adaptou-se e foi adaptado, transformou-se e foi
transformado, diferenciou-se internamente, mas permaneceu
identificável como tal. Teve suas formas de produção e organização
de vida redefinida e, em larga medida, postas a serviço de uma
realidade estrutural mais poderosa: a engrenagem de reprodução do
capital.
Também Shanin (1980; p.58) faz referência à essas adaptações do camponês:
29
[...] sob certas condições, os camponeses não se dissolvem, nem se
diferenciam em empresários capitalistas e trabalhadores assalariados e
tampouco são simplesmente pauperizados. Eles persistem ao mesmo
tempo em que se transformam e se vinculam gradualmente à
economia capitalista circundante, que pervade suas vidas.
Portanto, Abramovay (1992), ao optar pelo uso do conceito de “agricultor
familiar” está optando por um método de análise que enxerga a sociedade capitalista
como uma totalidade, sendo a agricultura familiar uma unidade desse sistema que se
mantém de acordo com as regras do capital (FERNANDES, 2004).
Usar o conceito de “agricultor familiar” em detrimento do conceito de
“camponês”, é despolitizar o tema da questão agrária, é fragmentar e descaracterizar
sujeitos que possuem o modo de vida camponês, este pautado na terra, trabalho e
família (MARQUES, 2002).
Assim, Abramovay (1992) ao denominar seu primeiro capítulo como o “saco de
batatas”, fazendo alusão ao Marx (1978, p.115) ignora, por exemplo, a luta e
reivindicações dos caiçaras, dos sem-terra, seringueiros e posseiros e mesmo do MPA.
Grupos que possuem diferentes denominações, mas que estão na verdade, sob o mesmo
modo de vida, sob a mesma subordinação ao capital. E são nessas lutas, mesmo que
fragmentadas, que se expressa o campesinato enquanto classe.
Entende-se assim o campesinato como uma classe social e não apenas como um
setor da economia. E, diferente de sua origem feudal, no Brasil o camponês já nasce no
capitalismo e não está alheio a ele (MARQUES, 2002). Como já dito anteriormente, o
campesinato é uma classe contraditória, a qual está em posição subordinada ao grande
capital ao mesmo tempo em que se recria a partir dele. Como finaliza Paulino (2012;
p.74)
Como um elemento de dentro do capitalismo, esses sujeitos seguem,
incorporando técnicas, produzindo mercadorias sem, contudo
tornarem-se capitalistas face ao controle dos meios de produção; sem
tornarem-se proletários, ainda que o trabalho familiar seja fundamento
de sua reprodução.
Por fim, a opção metodológica de análise do desenvolvimento do capitalismo no
campo usada para a realização deste trabalho é a que foi apresentada neste capítulo.
Essa privilegia a compreensão das estratégias de recriação do campesinato frente ao
30
avanço capitalista no campo e que identifica um modo de vida e uma lógica de
produção camponesa oposta à lógica capitalista.
Apresentaremos no próximo capítulo essa lógica oposta à agricultura
camponesa, identificando as principais características da agricultura capitalista e da
agroindústria, suas relações de produção, sua intervenção no território e como se
apresenta no município estudado.
31
3. A Produção Capitalista
No capítulo anterior abordamos as principais características da agricultura
camponesa, considerando seu acesso a terra e as lógicas de produção. Do outro lado, há
uma lógica distinta dessa produção, qual seja a agricultura capitalista, ou o modo
capitalista de produção, esse baseado no trabalho assalariado o que irá constituir a mais-
valia, lucro, e reprodução ampliada do capital.
Para Karl Marx, mais-valia é a forma geral da soma de valor (trabalho
excedente e realizado além do trabalho necessário que por sua vez é
pago sob a forma de salário) de que se apropriam os proprietários dos
meios de produção (capitalistas e ou proprietários de terras) sem pagar
o equivalente aos trabalhadores (trabalho não pago) sob as formas
metamorfoseadas, transfiguradas de lucro e de renda fundiária.
(OLIVEIRA 2007, p. 43).
Enquanto a produção camponesa se dá pela produção de mercadoria para gerar
dinheiro para comprar mercadorias que não produz (M-D-M), a produção capitalista,
em sua forma ampliada visa à circulação de capital, ou seja, dinheiro produz mercadoria
para esta produzir capital (D-M-D’). Oliveira (2007, p. 38) apresenta essa diferença:
Um cidadão só é capitalista e o seu dinheiro capital quando o coloca
no processo produtivo (comprando meios de produção e força de
trabalho) para reproduzir, de forma ampliada, esse capital. O capital é,
pois a materialização do trabalho não-pago ao trabalhador. É,
portanto, a mais-valia expropriada do trabalhador. É a fração do valor
produzido pelo trabalhador que se realiza nas mãos do capitalista.
Assim a relação capitalista de produção é baseada no trabalho assalariado, e no
controle dos meios de produção. No caso da agricultura, o capitalista possui ou arrenda
a terra, o principal meio de produção. Como já exposto no capitulo anterior, essa terra
capitalista é caracterizada como terra de negócio, terra de exploração que visa o lucro.
A agricultura capitalista se caracteriza ainda como monocultora, dedica-se
apenas à um único cultivo, e latifundiária, concentra grandes extensões de terra. No
Brasil, podemos citar como exemplo as produções de soja, cana-de-açúcar, pecuária e a
silvicultura, todas elas destinadas prioritariamente ao mercado externo, exceto a cana-
de-açúcar que visa principalmente à produção do etanol para consumo interno.
32
Devido a essas características a agricultura capitalista reconfigura o território,
transforma-o. Como aponta Oliveira (2007, p.147) o agronegócio pretende-se
hegemônico e único, e para tanto ele irá se desenvolver a partir de duas estratégias: a
monopolização do território pelo capital e pela territorialização do capital. Contudo,
não podemos esquecer que o capital não se desenvolve de uma vez só em todas as partes
do território.
A Territorialização do capital ocorre quando a indústria e agricultura estão unidas
(agroindústria) em um mesmo sujeito, (OLIVEIRA, 1999, p.106) como podemos
verificar com as monoculturas, elas varrem do campo as populações rurais, desmata a
vegetação original e se expande com um plantio único, alterando a paisagem e as
relações de produção. Como exemplos de territorialização do capital, temos a produção
capitalista da cana-de-açúcar, soja, laranja e o eucalipto.
A Monopolização do território pelo capital ocorre quando a indústria é apenas
uma empresa capitalista, não é proprietária de terra. O proprietário da terra será
representado pelo camponês, que ao mesmo tempo será o trabalhador, um prestador de
serviços.
Nesse caso, o capitalista cria e fornece as condições para que o camponês produza
ao capital, ou seja, o capitalista sujeita a renda da terra camponesa à sua produção ao
mesmo tempo em que mantém a população no campo e as relações camponesas de
produção. (OLIVEIRA, 1999, p.106). Como exemplos de monopolização do território
pelo capital, tem-se a produção de fumo e avicultura.
A seguir apresentaremos o exemplo da agricultura capitalista presente na região
estudada. A silvicultura está inserida nas características da agroindústria e ocorre a
partir do processo de territorialização do capital, segundo Almeida (2010)
O modelo celulose-papel atua por meio de uma rede do agronegócio
que controla a produção, processamento, comercialização e
distribuição, via internacionalização do capital. Ademais este setor é
um dos mais monopolizados dentre aqueles que representam o
agronegócio.
Vejamos esse processo com mais detalhe.
33
3.1. A Silvicultura
Ao tratar da silvicultura, não se pretende demonizar o eucalipto ou defender a
sua produção. A intenção é apresentar os impactos que a silvicultura pode trazer a uma
região, assim como acontece com qualquer tipo de monocultura. O que se está
questionando não é o eucalipto em sí, necessário e mesmo benéfico em vários setores,
mas sim a sua monocultura, sua territorialização enquanto agronegócio.
A palavra silvicultura provém do latim e quer dizer floresta (silva) e cultivo de
árvores (cultura). Silvicultura é a modalidade que estuda as maneiras naturais e
artificiais de restaurar e melhorar o povoamento nas florestas, para atender às exigências
do mercado13
. Geralmente essas plantações ocorrem em grandes extensões de terras,
mas também podem ser encontradas em diversos e pequenos pedaços de terra.
Originário da Austrália e da Indonésia pertence ao gênero Eucalyptus, que reúne
mais de 600 diferentes espécies. No século XIX começou a disseminação de eucaliptos
pelo mundo, a utilização do eucalipto no segmento papeleiro data do início do século
XX, mas sua produção massiva, só ocorreu por volta de 1957. (MORA & GARCIA,
2000).
No contexto histórico social da Austrália, o uso do eucalipto é extremamente
importante na cultura aborígene. Ao longo da história verifica-se seus diferentes usos,
como por exemplo, o uso das cascas na fabricação de utensílios como cestos, pratos,
escudos e mesmo para canoas. As folhas, além do chá para problemas respiratórios,
serviam para afastar insetos e as flores para a produção do mel. Além disso, as
plantações de eucaliptos são o habitat natural dos coalas e importante para sua
preservação. (FREITAS, 2011).
No Brasil, alguns sitiantes plantam eucaliptos em pequena quantidade com a
intenção de barrar o vento, diminuindo sua intensidade ao atingir a residência, de
possuir madeira para construção de cercas, abrigos para animais e para usar como lenha.
Porém, o que será discutido aqui é seu uso comercial, a silvicultura, o qual não trás essa
diversidade de usos e muito menos serve à comunidade local.
13
http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/agroenergia/arvore, acesso: 04/10/2013
34
De acordo com Mora & Garcia (2000, p. 35), os primeiros experimentos para a
produção de madeira ocorreram em 1904 em Jundiaí, nos quais foram testadas também
espécies nativas como a Peroba e o Jequitibá. O o Eucalipto, porém, se mostrou mais
produtivo em relação às outras duas espécies, tendo sido aquela escolhida. A primeira
plantação de eucaliptos para produção de madeira data de 1909, em terras da Cia.
Paulista de Estradas de Ferro.
Já na década de 1940 surgiram as primeiras plantações de eucaliptos destinadas
à produção de celulose e papel, realizada pela Cia. Melhoramentos. Na década de 1960,
o governo brasileiro criou programas de incentivos fiscais e na década de 1980, já havia
6 milhões de hectares de eucalipto em todo o pais (MORA&GARCIA, 2000). Ao longo
dos anos, foram se constituindo empresas como a Aracruz, Suzano, Klabin entre outras,
que se firmaram com incentivos governamentais.
De acordo com os tipos de usos de celulose são indicadas espécies distintas,
como o Pinus ou o Eucalipto. De acordo com a Associação Brasileira de Celulose e
Papel (BRACELPA), a Celulose de fibra longa e a de fibra curta possuem usos
distintos14
:
Fibra longa: A celulose de fibra longa, originária de espécies coníferas como o
pinus – plantada no Brasil –, tem comprimento entre 2 e 5 milímetros. É utilizada na
fabricação de papéis que demandam mais resistência, como os de embalagens, e nas
camadas internas do papel cartão, além do papel jornal.
Fibra curta: A celulose de fibra curta, com 0,5 a 2 milímetros de comprimento,
deriva principalmente do eucalipto. É ideal para a produção de papéis como os de
imprimir e escrever e de fins sanitários (papel higiênico, toalhas de papel, guardanapos).
As fibras do eucalipto também compõem papéis especiais, entre outros itens. Elas têm
menor resistência, com alta maciez e boa absorção.
De acordo com estudos da EMBRAPA, existem espécies mais adaptadas para
cada região e cada fim específico. O Quadro 1 a seguir mostra as principais espécies
plantadas no Brasil e seus usos. No Vale do Paraíba, as duas espécies predominantes
são a E. grandis e a E. saligna.
14
www.bracelpa.org.br/bra2/181 acesso 13/09/2013
35
Quadro 1 – Caracterização das espécies de eucaliptos15
:
Local propriedade Uso da madeira Eucalipto
indicado Comportamento da espécie
Em regiões sujeitas
a geadas severas e
freqüentes
Fins energéticos (fonte de
energia ou carvão vegetal) e
serraria
E. dunnii
Apresenta rápido crescimento e
boa forma das árvores
Apresenta dificuldades na
produção de sementes
Em regiões sujeitas
a geadas severas e
freqüentes
Fins energéticos (fonte de
energia ou carvão vegetal) E. benthamii
Boa forma do fuste, intensa
rebrota, fácil produção de
sementes. Requer volume alto de
precipitação pluviométrica anual
Em regiões livres de
geadas severas
Fins energéticos (fonte de
energia ou carvão vegetal),
celulose de fibra curta,
construções civis e serraria
E. grandis
Maior crescimento e rendimento
volumétrico das espécies.
Aumenta a qualidade da madeira
com a duração do ciclo
Em regiões livres de
geadas severas Uso geral E. urophylla
Crescimento menor que E.
grandis, boa regeneração por
brotação das cepas
Em regiões livres de
geadas severas
Fins energéticos laminação,
móveis, estruturas,
caixotaria, postes, escoras,
mourões, celulose
E. saligna
Madeira mais densa quando
comparada ao E .grandis;
Menos suscetível à deficiência de
Boro.
Em regiões livres de
geadas severas
Fins energéticos, serraria,
postes, dormentes, mourões
estruturas, construções
E. camaldulensis
Árvores mais tortuosas
recomendado para regiões de
déficit hídrico anual elevado.
Em regiões livres de
geadas severas
Fins energéticos, serraria,
postes, dormentes, mourões
estruturas, construções
E. tereticornis
Tolerante à deficiências hídricas,
boa regeneração por brotação das
cepas
Em regiões livres de
geadas severas
Serraria, laminação,
marcenaria, dormentes,
postes, mourões
E. maculata
Apresenta crescimento lento
inicial. Indicada para regiões de
elevado déficit hídrico
Em regiões livres de
geadas severas
Fins energéticos (fonte de
energia ou carvão vegetal),
construções civis e uso rural
e agrosilvopastoris
E. cloeziana
Excelente forma do fuste,
durabilidade natural, alta
resistência a insetos e fungos
Fonte: EMBRAPA FLORESTAS. Org. Denise Piccirillo
No Brasil entre as principais empresas do setor de papel e celulose estão a Fíbria
(a principal empresa atuante no Vale do Paraíba), a Celulose Nipo-Brasileira, Eucatex
15
http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Eucalipto/CultivodoEucalipto/02_01_caract
erizacao_das_especies.htm acesso 10/02/2013
36
S/A Indústria e Comércio, Klabin S/A, Nobrecel Celulose e Papel, GERDAU, Suzano
Papel e Celulose S/A, entre outras.
Em outubro de 2011 a Revista Exame16
publicou um Ranking das principais
empresas de celulose do Brasil baseando-se nas vendas de 2010. A Tabela 7 a seguir foi
organizada a partir dessas informações:
Tabela 7 – As 10 principais empresas de Papel e Celulose em 2010 no Brasil
Empresa Sede Controle
Venda 2010 ( Milhões
U$)
Suzano São Paulo Brasileiro 2.990
Klabin São Paulo Brasileiro 2.790
Fíbria São Paulo Brasileiro 2.572
International Paper Mogi-Guaçu Americano 1.117
Cenibra
Belo-
Horizonte Japonês 897
Grupo Orsa Barueri Brasileiro 854
Rigesa Campinas Canadense 609
Veracel Eunápolis(BA)
Sueco-
Filandesa 480
Mili Curitiba Brasileiro 389
Bahia Speciality
Cellulose
Camaçari
(BA) Singapuriano 371
Fonte: Revista Exame. Org: Denise Piccirillo
De acordo com os dados da Revista da Madeira, o Brasil consome atualmente
350 milhões de m3/ ano, o que significa 8% do consumo mundial de madeira. Existem
no país 4,6 milhões de hectares de florestas plantadas, sendo 1,7 milhões do gênero
Pinus e 2,9 milhões do gênero Eucalyptus, o que corresponde a 50% do total de
16
http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/as-15-maiores-empresas-de-papel-e-celulose acesso
11/03/2013
37
florestas plantadas de Eucalyptus em todo o mundo17
. A maioria dos plantios está
localizada nas regiões Sul e Sudeste e o país já é o terceiro produtor mundial de papel e
celulose, atrás do Canadá e Estados Unidos da América.
Mapa 4 – Área e distribuição das plantações de eucaliptos no Brasil
Fonte: Anuário Estatístico da ABRAF, 2012
A partir desses dados pode-se ter uma visão melhor da silvicultura e do peso que
representa na economia. De acordo com o Relatório da ABRAF (2012), só no ano de
2011, o Brasil exportou USD 7,9 bilhões em papel e celulose, o que representa 19% da
balança comercial. Todo esse montante e crescimento da silvicultura não acontece por
17
http://www.remade.com.br/br/revistadamadeira_materia.php?num=20&subject=Origens&title=O%20E
ucalipto%20e%20Suas%20Origens acesso 02/02/2013
38
acaso e tão pouco sem conflitos. O chamado Novo Código Florestal de 2011 é mais
uma política de incentivo e benefícios ao agronegócio e em especial à Silvicultura, que
a partir de então passou a ser regulada, tendo inclusive obtido a permissão para cultivo
em áreas de topo de morro.
Esse ponto é fundamental para nosso estudo, uma vez que o relevo característico
do município é o de Mares de Morros, fato que explica os diversos problemas causados
pela silvicultura na região, como veremos a seguir.
A Resolução nº 303/2002 da CONAMA (Conselho Nacional do Meio
Ambiente), dispõe sobre os parâmetros, definições e limites referentes às APPs (Áreas
de Preservação Permanentes) as quais incluem os topos de morro. No código Florestal.
o Art. 3 define Área de Preservação Permanente como sendo: “V – no topo de morros e
montanhas, em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços
da altura mínima da elevação em relação à base.”
E define topo de morro em seu Art. 2, incisivo IV, de 1965 (Lei Federal nº
4.771)18
como: “elevação do terreno com cota de topo em relação a base, entre
cinquenta e trezentos metros e encostas com declividade superior a trinta por cento (17º)
na linha de maior declividade.”
Como dito anteriormente, o relevo predominante na região estudada, é
caracterizado como mares de morros, o que de acordo com as regras de APP’s da
CONAMA, grande parte desse relevo não seria recomendado para o plantio do
eucalipto. Porém, com o Novo Código Florestal (2011), as áreas de topo de morro,
deixam de ser Áreas de Preservação Permanente e passam a ser ocupadas pela
silvicultura.
Esse fato aumenta e intensifica os processos de erosão causados por plantios de
eucaliptos em declividades acentuadas e que, por conseqüência, determinam a
intensificação também dos processos de lixiviação e alteração da estrutura física dos
solos. Vale lembrar que mesmo antes da mudança do código florestal, os topos de
18
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4771-15-setembro-1965-369026-norma-pl.html
acesso: 15/04/2014
39
morro já se encontravam ocupados pela silvicultura, como podemos perceber nas
Figuras 3 e 4.
Figura 3 – Morros de São Luiz ocupados pela silvicultura
Fonte: Denise Piccirillo, 2011.
Figura 4 – Morros de São Luiz ocupados pela silvicultura
Fonte: Denise Piccirillo, 2011.
40
Após esse breve panorama, pode-se ter uma ideia do papel da silvicultura na
economia nacional, e como é difícil combater e/ou restringir sua expansão, dificuldades
que as comunidades locais enfrentam ao questionar não só a silvicultura, mas toda a
expansão do agronegócio.
3.2. Silvicultura em São Luiz do Paraitinga
A região merece um programa de revitalização agrária e a
proibição das grandes plantações de eucalipto (AB’SÁBER,
2007; p. 98)
As plantações de eucaliptos na região do Vale do Paraíba iniciaram-se em 1965,
com a compra de terras em São Luiz do Paraitinga pela empresa Suzano Papel e
Celulose. No ano de 2011, em toda a região, havia 106.296 hectares de plantação de
eucaliptos, o que representou naquele ano, 12% do total plantado em São Paulo
(FREITAS, 2011; p.88).
De acordo com Barros (2009)19
e Freitas (2011), muitos são os impactos
ambientais causados pela silvicultura. Os mais significativos são a erosão do solo, perda
de nutrientes, perda da umidade, aplicação e contaminação de agrotóxicos, sufocamento
da rebrota de matas ciliares e construção irregular de estradas rurais.
No município de São Luiz do Paraitinga há relatos de contaminação de águas,
erosões nas declividades do relevo e de deformação e morte de animais devido ao uso
de agrotóxicos nas plantações de eucaliptos. Além disso, a circulação de caminhões de
três eixos e a abertura de estradas irregulares cortando as propriedades, ou mesmo em
áreas de APP’s vem incomodando muito a população local, além de provocar também a
destruição de capelas centenárias de valor histórico para o município, o que também é
de grande pesar aos moradores.
De acordo com Barros, em 2009 o município de São Luiz do Paraitinga já tinha
20% de seu território ocupado por eucaliptos, com plantações situadas em áreas de topo
de morros, antes da mudança da lei. Em muitos municípios é possível notar que as áreas
ocupadas por eucaliptos já superam as áreas de remanescente de Mata Atlântica, mesmo
com as áreas de conservação, reservas e parques florestais, como podemos verificar na
Tabela 8.
19
http://reporterbrasil.org.br/2009/07/eucalipto-avanca-em-sao-luiz-do-paraitinga-e-gera-reacoes/
41
Tabela 8– Área ocupada pela silvicultura nos municípios do Vale do Paraíba
Município
Área plantada
Eucaliptos(ha)
2005
Área do
município
(km)
Área
coberta
eucaliptos
(%)
Área
remanescente de
Mata Atlântica
(%) 2008
1º Paraibuna 15.380 810 19 14
2º Natividade da Serra 15.250 833 18,5 18
3º São José dos
Campos 13.250 1.100 12 10
4º São Luiz do
Paraitinga 7.700 617 12,5 17
5º Silveiras 7.400 416 18 6
6º Taubaté 6.158 626 9,75 6
7º Redenção da Serra 5.500 309 18 10
8º Pindamonhangaba 3.600 730 5 16
9º Caçapava 1.000 a 3.000 370 1 a 8,2 4
10º Cunha 1.000 a 3.000 1.407 1 a 2,2 15
11º Jacareí 1.000 a 3.000 460 1 a 6,6 4
12º Jambeiro 1.000 a 3.000 184 5,5 a 16,5 4
13º Monteiro Lobato 1.000 a 3.000 333 3 a 9,1 31
14º Queluz 1.000 a 3.000 249 4 a 12 13
15º Santa Branca 1.000 a 3.000 275 3 a 11 5
Total aprox. 81.238 a 95.238 8.719 9 a 10 11,5 Fonte: Gerson Freitas 2011, p. 47. Org: Denise Piccirillo
Analisando esses dados, é preciso ficar atento à uma variante, o município de
Silveiras, por exemplo, aparece como o quinto em área plantada, porém se formos
considerar sua área total e portanto a porcentagem de área ocupada pelo eucalipto,
Silveiras passa a ser o terceiro município com maior porcentagem de área ocupada pela
silvicultura (18%) enquanto sua área de Mata Atlântica é de apenas 6%.
Desse modo, podemos visualizar no Mapa 5, destacados os cinco municípios que
possuem as maiores áreas plantadas de eucalipto, de acordo com a tabela apresentada.
São, portanto, Paraibuna, Natividade da Serra, São José dos Campos, São Luiz do
Paraitinga e Silveiras, nessa ordem.
42
Mapa 5 – Os cinco municípios com maiores áreas de Silvicultura no Vale do Paraíba
Elaboração: Denise Piccirillo, 2013. Base Cartográfica IBGE.
A expansão da silvicultura tráz, além dos problemas ambientais como erosão do
solo e o esgotamento dos cursos d’água, problemas de contaminação por agrotóxico,
contaminação tanto do meio ambiente como de animais e pessoas. Desde 2007 a
população do Vale do Paraíba, através da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, já
entrou com algumas Ações Civís Públicas (Anexo 1), contra a Votorantin Celulose e
Papel, contra a Nobrecel S.A Celulose e Papel e também contra a Monsanto do Brasil
LTDA.
Houve uma junção entre a Votorantim Celulose e Papel e a Aracruz Celulose e
Papel no ano de 2009, essa junção deu origem à Fíbria Celulose e Papel, hoje a
principal empresa no Vale do Paraíba. A Nobrecel é a segunda empresa mais importante
da região, e a Monsanto é a empresa fabricante do herbicida a base de Glifosato usado
nas plantações de eucaliptos para a “limpeza do terreno”, ou seja, para a eliminação de
ervas daninhas que podem “sufocar” e prejudicar os estágios iniciais do eucalipto.
43
Os principais representantes desse composto são o ROUNDUP e o SCOUT-NA,
herbicidas à base de Glifosato (N-fosfonometil-glicina)20
, é o principal herbicida usado
no estado de São Paulo sendo aplicado nas culturas de Cana-de-açucar, soja, milho,
café, feijão, banana, laranja, eucaliptos e pinus e no ano de 2011 o Estado de São Paulo
comercializou 65 mil toneladas desse herbicida (Mario Junior, 2013).
Dependendo da capacidade de adsorção do solo, o glifosato pode ficar presente
no solo por até 2 anos após sua última aplicação, essa substância está em processo de
revisão da Ingestão Diária Aceitável, devido ao crescente número de intoxicação
humana, há estudos sugerindo que o herbicida em questão é altamente tóxico para
anfíbios e pode ser a causa da extinção de rãs, (Mario Junior, 2013, p. 94)
O Quadro 2 a seguir, mostra os principais sintomas que uma pessoa apresenta
pela contaminação por ingestão do Glifosato. As contaminações podem ocorrer tanto
por ingestão, como por via cutânea (eritema, queimação, prurido e eczema), por via
ocular (irritação, turvação da visão, conjuntivite e edema palpebral) e por via
respiratória (broncoespasmos e congestão vascular pulmonar).
Quadro 2 –Efeitos da intoxicação aguda por ingestão de Glifosato
Classificação Descrição dos efeitos
Sem sintomas Sem queixas, sem anormalidades físicas ou exames laboratoriais.
Leve
Principalmente do trato gastrintestinal: náuseas, vômitos, diarréia, dor
abdominal, dor em orofaringe com resolução em 24 horas. Sinais vitais
estáveis, sem alterações renais, pulmonares ou cardiovasculares.
Moderada
Sintomas gastrintestinais que persistem mais de 24h, hemorragia
gastrintestinal. Endoscopia: esofagite ou gastrite; ulceração oral, hipotensão
responsiva a fluídos EV. Alteração respiratória sem necessidade de
intubação, distúrbio ácido-básico; alterações hepáticas ou renais transitórias,
oligúria temporária (ausência de urina).
Severa
Alteração respiratória necessitando intubação; falência renal requerendo
hemodiálise; hipotensão com necessidade de aminas vasopressoras; parada
cardíaca, coma, convulsões repetidas ou morte.
Fonte: Instituto de Toxicologia UFRJ.21
Org: Denise Piccirillo.
20
http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mXII.glifo.htm acesso: 06/05/2014 21
http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mXII.glifo.htm acesso: 06/05/2014
44
Além desses tipos de contaminação, existem outros, mais silenciosos e com
efeitos a longo prazo. Por exemplo, o herbicida pode continuar presente em alimentos
num período de até dois anos após o contato com o produto. No solo ele pode restar por
mais três anos. No organismo seu efeito é cumulativo e pode inibir a síntese de
esteróides, alteração na produção de hormônios, o que ocasiona distúrbios reprodutivos
em mamíferos.
Um estudo realizado na Suécia [HARDELL&ERIKSSON; 1999]
concluiu que há uma associação do contato prolongado com glifosato
e o linfoma non-Hodgkin, outra forma de cancro, e os cientistas
alertam para o caso, considerando o exponencial aumento no consumo
do herbicida a nível mundial em soja transgênica.22
Não por acaso, o Ministério Público no mês de março de 2014, acionou a Justiça
pedindo a suspensão do uso do Glifosato e além dele, a procuradoria quer impugnar
ainda o 2,4-D23
e os princípios ativos: parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano,
abamectina, tiram e paraquate.24
Curiosamente porém, de acordo com o manual técnico (Anexo 2) do herbicida,
da empresa fabricante (Monsanto), os herbicidas à base de Glifosato, aplicados
prioritariamente nos estágio de muda do eucalipto, desde que usado corretamente
(evitando relevos de declive acentuado), possui poucas chances de contaminação dos
leitos de água.
Contudo, as plantações de eucalipto em São Luiz do Paraitinga estão, sua maior
parte, em declives e topos de morro, além disso a aplicação em período de chuvas faz
com que o produto “escorra” para a base dos morros atingindo leitos de água. Foi esse
processo que provocou um dos casos mais significativos de contaminação humana no
município. Esse caso foi um dos considerados para a Ação Cívil Pública em 2008,
aberta pelo promotor Wagner Gíron contra as empresas citadas e contra o município de
São Luiz do Paraitinga.
Assim, Barros (2009) apresenta em seu artigo o caso citado, a senhora Benedita
de Moraes de Oliveira, sofreu contaminação por Glifosato após ingerir água
22
http://www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano0607/glifosato/frame7.html acesso: 07/05/2014 23
Herbicida com alto potencial de contaminação do solo e de águas subterrâneas, pertencente ao grupo
químico ácido ariloxialcaníco , utilizado nas mesmas culturas citadas. Fonte: Mario Júnior 2013. 24
http://www.agrolink.com.br/noticias/minist--233-rio-p--250-blico-quer-proibir-uso-do-
glifosato_193190.html acesso: 07/05/2014
45
contaminada em sua propriedade. Ela sofreu um dos efeitos mais comuns da
contaminação dessa substância que é a queimação da boca e esôfago.
Há cerca de quatro anos, a VCP passou a cultivar
eucaliptos na propriedade. Durante o processo de
preparação da terra para plantio das mudas, Benedita
afirma haver ingerido agrotóxicos devido à
contaminação da fonte de água que ela usava para beber.
“Depois que chegou o eucalipto, minha vida piorou,
porque perdi a saúde, que é o principal”, diz
emocionada. (BARROS, 2009)
Imagem Sra. Benedita, fonte: Denise Piccirillo, em entrevista
realizada no Trabalho de Campo 2011.
A Figura 5, obtida em entrevista da Sra. Benedita em trabalho de campo
realizado pela disciplina Geografia Agrária I no ano de 2011, mostra a localização de
sua residência e, acima e ao redor, a plantação de eucalipto. Assim podemos visualizar
como seu problema foi causado, uma vez que a aplicação do herbicida em área com
relevo em declive facilita seu escoamento e a contaminação de cursos d’água, como foi
o caso apresentado.
Figura 5 – Eucaliptais plantados em declive, acima de residência
Fonte: Denise Piccirillo, 2011
46
As empresas contra as quais foram direcionadas as Ações Civis Públicas ainda
não foram julgadas, porém foram obrigadas a apresentar um EIA/RIMA (Estudos
Impactos Ambientais/Relatório de Impacto Ambiental) de suas áreas de plantação.
Porém de acordo com a decisão do Ministério Público do Estado de São Paulo, está
temporariamente proibida a criação de novas áreas de plantio, enquanto o EIA/RIMA
não for apresentado.
A ação foi resultado de um ano de estudo em conjunto com
ambientalistas e atendimento à população carente da cidade e foi
proposta contra as empresas, VCP-Votorantim Celulose e Papel e
Suzano Papel e Celulose, que são proprietárias das fazendas de
eucaliptos, e contra o Município de São Luiz de Paraitinga e o Estado,
que têm o dever constitucional de fiscalizar e exigir o cumprimento
das normas ambientais. De acordo com o defensor público Wagner
Giron, que assinou a ação, "o plantio de eucaliptos, iniciado na década
de 70, já chega a 20% do município e estava sendo expandido sem a
realização de um estudo de impacto ambiental". A decisão foi
proferida pelo desembargador Samuel Júnior, da 1ª Câmara de Direito
Ambiental no recurso de agravo de instrumento n.º 759.170.5/3-00
contra decisão do Juiz de São Luiz do Paraitinga, que indeferia a
liminar25
.
Se for comprovado o descumprimento pelas empresas, da ordem expedida, ou
seja, se algum eucalipto for plantado em nova área, será aplicada uma multa diária de
R$ 15.000 desde a data em que se plantou em nova área até o momento em que a
empresa apresentar o EIA/RIMA ao juízo. Uma questão que atrasa esse relatório é que
apesar da União exigir o EIA/RIMA para a silvicultura, o Estado de São Paulo não o
exige e, baseadas nessas alegações, as empresas ainda não apresentaram o relatório.
No Vale do Paraíba e em São Luiz do Paraitinga, a maior parte das plantações de
eucaliptos pertence ou são destinadas à Fíbria (antiga Votorantim Celulose e Papel).
Segundo a empresa, as plantações de eucaliptos do Vale do Paraíba ocupam uma área
de 88 mil hectares, sendo 13.343 hectares em parceria (arrendamento de terra) com 205
produtores rurais.
De toda a área ocupada por eucaliptos na região, 77,5 % pertence à Fíbria. A
madeira ali produzida é enviada à unidade de processamento de Jacareí-SP, a qual
25
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idItem=1418&idPagina
=3086 acesso: 13/08/2013
47
possui capacidade de produzir 1,1 milhões de toneladas/ano, sendo que 91% dessa
produção é destinada para o mercado externo26
. De acordo com informações de seu site,
a empresa possui uma capacidade produtiva de 5,25 milhões de toneladas anuais de
celulose.
Como política de responsabilidade social e compensação socio-ambiental, no
ano de 2010 a Fíbria implementou no município estudado o Programa de
Desenvolvimento Rural e Territorial (PDRT), o qual visa ampliar e estimular a vocação
economica e ambiental de São Luiz do Paraitinga.
O setor de responsabilidade social da empresa, adotou como projeto o incentivo
da produção de alimentos orgânicos (ANEXO 3). A Fíbria portanto, escolheu algumas
famílias do município, mais especificamente no bairro de Mato Dentro, e ofereceu um
agrônomo para ensinar essas famílias sobre os cuidados e procedimento da plantação
orgânica. A empresa forneceu também as sementes e os adubos verdes.
No capítulo seguinte, entraremos com mais detalhe no funcionamento desse
projeto e nas famílias que dele participam. O que é importante mostrar agora, é que
projetos como esses são realizados por empresas como a Fíbria com o objetivo de
melhorar sua imagem, tanto com a população local, como para acionistas e mercado
externo. Pretende assim mostrar que possui uma produção sustentável, preocupada e
dedicada á conservação ambiental e aos costumes tradicionais da região, estimulando a
agricultura camponesa e a produção orgânica.
Contudo, frente aos problemas aqui apresentados, medidas compensatórias e
projetos como esse, estão longe de recuperar a saúde humana e ambiental da região. É
preciso por em prática propostas e diretrizes eficazes para a recuperação ambiental e da
qualidade de vida. Propostas como as apresentadas por Ab’ Saber (2007, p.98):
Evitar plantações de eucaliptos em um raio de 8km do entorno da mancha
urbana.
Manter os eucaliptais à uma distância de 3km das rodovias e estradas da região.
26
http://www.fibria.com.br/web/pt/negocios/celulose/jacarei.htm em 11/01/2013
48
Proteção das cabeceiras de drenagem e seus canais de escoamento, através da
reintrodução de plantas nativas de crescimento rápido.
Reservar espaços nas vertentes mais baixas dos morros para atividades múltiplas
social e economicamente válidas (gado leiteiro, fruticultura e milharais).
Essas medidas propostas por Ab’ Saber (2007), visam diminuir os problemas
que a silvicultura traz ao município, tais medidas tem o intuito de proteger
principalmente a nascentes e cursos d’água, preservar a biodiversidade local e recuperar
solos já degradados. Além disso, o próprio Plano Diretor do município apresenta
medidas com o intuito de minimizar os impactos socioambientais da silvicultura.
Para tanto, deve-se colocar em prática o que se propõe, por exemplo, em seu Art.
40, o qual dispõe em relação ao meio ambiente:
III - criar projeto para viabilizar a implantação do sistema de
recuperação de nascentes, matas ciliares, áreas degradadas e reserva
legal no âmbito do município;
V - promover, em parceria com os órgãos estaduais fiscalizadores, as
ações necessárias à substituição imediata das florestas exóticas
(eucaliptos e pinus) das áreas consideradas de preservação
permanente;
Art. 44
VII - promover a recuperação das nascentes do córrego do Turvo que
estão localizadas nas propriedades das Empresas Votorantim,
Nobrecel e Suzano.
No que diz respeito ao Planejamento rural, o referido plano dispõe:
Art. 48
IV - promover mudanças sociais, econômicas e ambientais que visem
a fixação da mão de obra no campo, através de atividades rurais
sustentáveis;
VII - promover o uso racional do solo e sua conservação,
baseado no projeto FLORAN (de autoria do Prof. Aziz
Ab'Saber), através do zoneamento agro-ecológico do município,
tomando como base de unidade de planejamento, as micro-
bacias, seguindo critérios de classe de capacidade de uso do
solo, para ocupação e promoção da diversificação da produção;
49
Art. 50
I-Implantar o Programa Municipal de “Agrovilas” através das
diretrizes para zoneamento agro-ecológico;
II-criar o Fundo Municipal de Desenvolvimento Rural
Sustentável visando incrementar o desenvolvimento social e
rural sustentável;
E por fim,
XXIX - impedir, através de lei municipal, novos plantios de eucalipto,
para fins de industrialização, em uma distância mínima de um
quilômetro a partir do perímetro urbano, com o objetivo de não
degradar a paisagem natural local;
Com a adoção dessas medidas e com a fiscalização da restrição de criação de
novas áreas de silvicultura será possível, a médio e longo prazo, garantir a recuperação
das áreas impactadas pela monocultura do eucalipto. A partir do crescimento e
fortalecimento de uma agricultura sustentável, a manutenção da cultura tradicional e
integridade do patrimônio histórico-cultural será possível trazer alimentação segura e
qualidade de vida aos moradores do município de São Luiz do Paraitinga.
Apresentamos aqui, um dos exemplos do processo da expansão da agroindústria
no campo. Contraditoriamente à essa expansão, representada no caso pela silvicultura,
estudando o município mais de perto encontramos algumas famílias camponesas que
vivem estritamente da agricultura, através da produção de alimentos. Essa produção foi
considerada muito significativa uma vez que é destinada para o abastecimento da
própria região do Vale do Paraíba e para a merenda escolar do município.
No capítulo seguinte abordaremos essa agricultura camponesa no município e
sua relação com as políticas públicas de aquisição de alimentos, no caso o Programa
Nacional de Alimentação Escolar e como a própria silvicultura se relaciona com essas
famílias.
50
4. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
No capítulo anterior foi abordada a expansão do cultivo do eucalipto e os
problemas que assa monocultura trouxe ao município de São Luiz do Paraitinga. Ao
longo dos estudos sobre essa expansão verificamos que no município há produção de
alimentos, realizada pela agricultura camponesa, destinada à merenda escolar. Essa
produção está inserida no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o qual
abordaremos nesse capítulo.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), de assistência financeira
aos municípios para compra da merenda escolar, é hoje realizado pelo Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Foi pensado inicialmente em 1955, durante
o Governo de Getúlio Vargas, mas só em 1983 o PNAE foi constituído como programa
oficial da merenda escolar. Desde então, passou por diversas transformações,
principalmente relacionadas à descentralização da gerência dos recursos repassados.
Contudo, é devido a Lei 11.947/ 2009, a qual determina uma parte do recurso da
merenda escolar para a compra direta de alimentos produzidos pela agricultura
camponesa, que abordaremos o funcionamento do programa e seus objetivos. Os
principais programas federais de transferência de renda relacionam-se com o problema
da desnutrição infantil, da segurança alimentar, da evasão escolar e da valorização à
agricultura, institucionalmente reconhecida como familiar.
Para efeitos de segurança alimentar e nutricional, são considerados quatro
requisitos: (1) o consumo de uma quantidade mínima de calorias, proteínas e vitaminas;
(2) alimentos de qualidade, que pressupõe alimentos nutritivos e seguros; (3)
regularidade segura, ou seja, uma pessoa bem nutrida deve se alimentar 3 vezes ao dia,
(4) O acesso à essa alimentação deve ocorrer de forma segura e digna. (SANTOS, 2012;
p. 22).
Tendo em vista esses requisitos da segurança alimentar e a desnutrição infantil, é
que surgem as primeiras medidas para se garantir uma alimentação escolar. Veremos a
seguir um breve histórico dessas medidas.
51
4.1. Histórico do PNAE
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem o objetivo de
garantir a alimentação escolar dos alunos da educação básica de escolas públicas,
atendendo as necessidades nutricionais de cada período de desenvolvimento. É
realizado por meio de transferência de recursos financeiros e considerado o maior
programa de alimentação escolar entre os países latinos.
Desde a década de 1940 já se defendia que Governo Federal garantisse a
alimentação escolar. Porém, devido à falta de recursos, somente na década de 1950 se
estruturou uma campanha de merenda escolar nacional, anos mais tarde, já na década de
1970 se constituiu o Programa Nacional de Alimentação Escolar o qual passou a ser
financiado pelo Ministério da Educação.
Na década de 1990 o programa se consolidou como política pública de
alimentação escolar, principalmente após a Constituição Federal de 1988 (a qual
assegura o direito à alimentação escolar a todos os alunos da rede pública), e a
realização das etapas de fornecimento e de transferência dos recursos foram
descentralizadas, passando automaticamente aos municípios.
Nesse mesmo período ficou definido que 70% dos recursos transferidos do
governo federal fossem para compra de produtos básicos (semi-elaborados e in natura),
respeitando os hábitos alimentares regionais, baseados na vocação agrícola do
município, na qualidade da alimentação e na sua diversidade. Contudo a merenda ainda
se constituía de produtos processados, a conhecida “merenda seca”, e muito pouco se
consumia de produtos in natura.
Com a mudança do governo em 2002, dentro da política do Projeto Fome Zero,
foram elaboradas diversas medidas e projetos com o intuito de diminuir os índices de
fome no pais e facilitar o acesso à alimentação. Nesse sentido, em 2006, a Lei Orgânica
de Segurança Alimentar e Nutricional nº 11.346 apresenta o
Direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de
qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural, econômica
e socialmente sustentável. (Brasil, 2006, Art.3º)
52
Assim, considerando o direito humano universal de acesso à alimentação e as
diretrizes da segurança alimentar nacional, os programas de combate à fome resgatam o
papel regulador do Estado, sobrepondo-se às lógicas privativas mercantis (COSTA
2008, p. 62). Nesse sentido fica definido, no ano de 2009, sobre o atendimento da
merenda escolar (Art. 14º da Lei nº 11.947) que
do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do
PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) devem ser utilizados na
aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e
do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-
se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais
indígenas e comunidades quilombolas27
.
É justamente devido a essa lei de 2009 que voltamos as atenções para o
programa, a fim de compreender sua organização e sua efetividade enquanto política de
acesso aos alimentos e ao mesmo tempo em que se propõe promover a agricultura
camponesa, institucionalmente como familiar.
Para esclarecimento, a lei 11.326/2006 define agricultor familiar aquele que
reside em propriedade de até 4 módulos fiscais28
; utiliza-se de mão de obra
majoritariamente familiar; e possui renda familiar oriunda do próprio estabelecimento29
.
Importante destacar essa definição, pois é a partir dela que se define quem pode ou não
participar dos programas de aquisição de alimentos, com já destacado no capítulo 1,
acerca da utilização dos conceitos.
27
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm 28
INSTRUÇÃO ESPECIAL/INCRA/Nº 20 - Modulo fiscal em São Luiz do Paraitinga equivale a 40
hectares. http://www.canalrural.com.br/pdf/11097027.pdf em 11/01/2014. 29
O censo agropecuário 2006 e a agricultura familiar no Brasil / Caio Galvão de França; Mauro Eduardo
Del Grossi; Vicente P. M. de Azevedo Marques. – Brasília: MDA, 2009.
53
4.2. Organização e funcionamento do PNAE
Para fornecer os alimentos ao PNAE, é preciso antes de tudo possuir a
Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), uma identificação para que o agricultor possa
acessar as políticas públicas de aquisição de alimentos e créditos rurais. O limite de
venda aos programas federais por DAP/ano é de R$20 mil.
Para melhor organização do programa, os processos foram divididos de acordo
com as responsabilidades das entidades executoras. Assim, inicialmente a Secretaria de
Educação deve solicitar à Secretaria de Agricultura um mapeamento, uma listagem dos
alimentos que são produzidos no município, especificando sua quantidade e época de
colheita. Não havendo os produtos necessários e a quantidade exigida, A Secretaria de
Educação pode buscar em outros municípios da mesma região.
De posse dessas informações, o nutricionista responsável pelo PNAE elabora um
modelo de cardápio - que deve ter no mínimo três opções de frutas e hortaliças por
semana -, procurando sempre respeitar a cultura alimentar da região. Em seguida o
nutricionista informa às entidades executoras os produtos e a quantidade necessária para
a execução de seus cardápios.
A partir dessas informações as Secretarias de Educação e as Prefeituras realizam
uma chamada pública para a aquisição, parcelada, de gêneros alimentícios da então
agricultura familiar (ANEXO 4). Uma vez divulgada a chamada pública, os agricultores
devem se inscrever a partir de um projeto de venda (ANEXO 5), no qual constará o
produto a ser fornecido, sua quantidade e a que valor será comercializado. Este projeto
deve ser individual para DAP física, ou coletivo em caso de DAP jurídica e deverá ser
entregue às entidades executoras juntamente com o Extrato de Declaração de Aptidão
ao Pronaf (DAP) e o CPF de cada agricultor participante.
Após a inscrição dos agricultores, as entidades executoras selecionam os projetos,
priorizando aqueles oriundos de assentamentos de reforma agrária, de comunidades
tradicionais e indígenas, que residam no município, região, território rural ou estado. Os
produtos devem respeitar as normas do Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Serviço
de Inspeção Estadual (SIE), do Serviço de Inspeção Municipal (SIM), do Serviço de
54
Inspeção Vegetal/MAPA e da Vigilância Sanitária. A partir de então, ocorre a assinatura
do contrato e inicia-se a entrega dos produtos.
O pagamento será realizado mensalmente e de forma direta ao agricultor após a
entrega dos produtos e mediante apresentação da nota fiscal, a qual deverá ser emitida a
cada entrega de produtos feita à secretaria de agricultura ou ao CAE (Conselho de
Alimentação Escolar). As entidades executoras (EE) têm autonomia para administrar o
dinheiro e compete a elas a complementação financeira para a melhoria do cardápio
escolar, conforme estabelece a Constituição Federal.
Quadro 3 – Estrutura das Entidades Executoras e suas atribuições
Parceiros Competência
FNDE
Assistência Financeira, normatização,
coordenação, acompanhamento e fiscalização.
Entidades Executoras (Secretarias de
Educação, Prefeituras e Escolas Federais)
Recebimento do auxilio, execução do programa
e prestação de contas dos recursos.
Conselho de Alimentação Escolar (CAE)
Fiscalização da aplicação dos recursos e da
qualidade dos produtos recebidos
Tribunal de Contas da União Fiscalização dos recursos
Secretarias de Saúde Inspeção sanitária dos alimentos
Ministério Público da União Apuração de denúncias
Conselho Federal de Nutricionistas Fiscalização do exercício da profissão.
Fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar. Org. Denise Piccirillo
O valor repassado pelo FNDE aos estados e municípios é calculado de acordo
com a etapa de ensino. O valor por dia letivo e por aluno, divulgado no site do FNDE, é
de R$ 1,00 para as creches, R$ 0,50 para pré-escola, R$ 0,60 para escolas indígenas e
quilombolas, R$ 0,30 para ensino fundamental, médio e educação de jovens e adultos e
R$ 0,90 para o sistema de ensino integral. A transferência é paga em parcelas de dez
meses e cobre 200 dias letivos. O total de recursos recebidos é resultado do cálculo nº
de alunos X nº de dias X valor per capita.
Os valores repassados em 2013, de acordo com informações do FNDE, foram de
R$ 3,5 bilhões, o que contemplou 45 milhões de estudantes. Do total de recursos
55
repassados, 30% - o que em 2013 correspondeu a mais de R$ 900 milhões- foi
designado para a compra direta de produtos da agricultura camponesa. A partir da tabela
a seguir, podemos notar que após a Lei 11.947/2009 o repasse tem aumento
progressivamente.
Tabela 9 – Valor do recurso repassado pelo PNAE no Brasil.
ANO Valor repassado (Milhões R$) 30% destinado à agricultura familiar
2009 2.013 604
2010 3.034 910
2011 3.051 915
2012 3.306 992
2013 3.600 1080
Fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-escolar/consultas.
Org. Denise Piccirillo
De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)30
,
somente no estado de São Paulo, inscritos no PNAE como pessoa física, são 1.109
agricultores o que representou em 2013, o pagamento de R$ 9.131.331 e 97% desse
valor foi pago a agricultores do próprio estado.
De posse dessas informações sobre o PNAE veremos à seguir como ele ocorre
no município de São Luiz do Paraitinga, quais suas particularidades e se ele alcança os
objetivos propostos. Em seguida iremos apresentar as famílias que entregam os
alimentos à merenda escolar e quais suas impressões, críticas e sugestões acerca do
programa. As informações sobre o PNAE em São Luiz do Paraitinga foram obtidas em
entrevista à nutricionista responsável, Natália Irina.
30
Registro da palestra no IV Seminário de Discussão e Implementação do Sistema de Monitoramento do
PNAE. Realizado em Março 2014, organizado pela UNIFESP, CECANE e FNDE.
56
4.3. O PNAE em São Luiz do Paraitinga
No ano de 2010 o município iniciou sua primeira chamada pública para a
aquisição de gêneros da agricultura familiar. A nutricionista Natalia Irina e o
funcionário da prefeitura Claudinei iniciaram o processo de divulgação da nova lei e
começaram a visitar os produtores para participarem. Natalia é formada em nutrição
desde 2007, na cidade de São José dos Campos, prestou o concurso da prefeitura de São
Luiz do Paraitinga nesse mesmo ano e começou a trabalhar no município em 2009.
Segundo ela, ao assumir o cargo foi aprendendo aos poucos sobre o programa, sobre
alimentação escolar e sobre agricultura.
Nesse primeiro momento a nutricionista, juntamente com os outros funcionários
da prefeitura, fizeram reuniões com os produtores para explicar a nova lei e orientar os
procedimentos para tirar a DAP, para obter as notas fiscais e mesmo preencher os
envelopes. No município, de acordo com os dados do Ministério de Desenvolvimento
Agrário (MDA), 72 agricultores possuem a DAP, ou seja, são considerados legalmente
como agricultores familiares e podem participar dos programas federais e de créditos
rurais.
No primeiro ano (2010), apenas 3 produtores se inscreveram na chamada pública
e o município não conseguiu comprar o mínimo dos 30%, compraram metade, os outros
15% foram usados para a comprar no ano seguinte. A nutricionista explicou que no
início muitas famílias ficaram com receio de entregar os alimentos ao programa, porque
tinham medo de que a prefeitura não realizasse o pagamento, uma vez que eles
entregam semanalmente e o pagamento é mensal.
Nos outros anos, a divulgação aumentou e as primeiras famílias que
participaram foram angariando novas famílias, garantindo que haviam recebido. As
figuras a seguir, cedidas pela nutricionista Natalia, mostram a etapa de divulgação,
cartazes foram espalhados por todo município, sobre a chamada e sobre as reuniões que
seriam realizadas.
57
Figura 6 – Nutricionista divulgando a primeira chamada pública
Fonte: Natália Irina. Acervo da Cozinha Piloto, Prefeitura de São Luiz do Paraitinga.
Figura 7 – Reuniões realizadas com os produtores
Fonte: Natalia Irina. Acervo da Cozinha Piloto, Prefeitura de São Luiz do Paraitinga.
O município possui 9 escolas, totalizando 2.244 alunos. Todas as escolas
recebem a verba do FNDE para a aquisição de produtos para a merenda escolar. Os
alimentos industrializados são comprados por licitação, escolhendo-se o valor mais
baixo e os produtos da agricultura camponesa são entregues semanalmente (verduras)
ou quinzenalmente (frutas e legumes), também respeitando o menor valor oferecido,
não o valor listado pela CONAB, pois este é muito baixo.
58
Desde o ano de 2012, o município vem ultrapassando o mínimo dos 30%,
exigidos por lei, e hoje usa mais de 40% dos recursos para a compra direta dos
alimentos da agricultura camponesa, como apresenta o trecho a seguir do Relatório
Anual de Gestão do município fornecido por Natália Irina:
O número total de alunos atendidos no ano de 2012 foi de 2254, sendo 155 alunos da
pré-escola, 1661 ensino fundamental, 422 ensino médio e 16 educação jovens e adultos.
O perfil geral da avaliação nutricional foi positiva, 72% dos alunos estão com o peso
normal, 4% está abaixo do peso, 15% sobrepeso e 9% obeso, o índice de sobrepeso e obesidade
é de 24% estando abaixo do índice estadual e nacional que são de 29,4%, 25,6%
respectivamente. O planejamento do cardápio foi realizado pela Nutricionista, revisado e
aprovado pela chefe da cozinha piloto e chefe de suprimento escolar.
O valor do recurso repassado pelo FNDE foi de R$ 139.477,75, recebidos de março a
novembro de 2012. O valor da aquisição de gêneros pela agricultura familiar foi de R$
66.476,26 sendo este valor pago com recurso próprio e do FNDE. O valor gasto do recurso do
FNDE foi de R$ 57.452,21 representando 41% do valor do recurso repassado pelo FNDE.
O valor das compras efetuadas com o recurso do FNDE para cada modalidade de ensino
foi de: R$ 13.055,60 com pré-escola, R$ 10.041,53 com fundamental, R$ 963,68 com EJA e R$
25.416,94 com ensino médio.
Fonte: Natalia Irina. Cozinha Piloto - Prefeitura Municipal da Estância Turística de São Luiz do
Paraitinga. Lei Estad ual n°11 .197 de 05 de Julho de 2002 , Al imentação Esco lar .
O balanço que Natália faz do programa é positivo, apesar de encontrar algumas
dificuldades em relação a aplicação de novos cardápios, a compra direta de alimentos da
agricultura famíliar/camponesa incrementou e melhorou a qualidade nutricional da
merenda, como destacado no seguinte trecho da entrevista:
O cardápio em si mudou. Porque salada tinha duas vezes, legumes não
tinham todos os dias, agora tem salada todos os dias. E fruta tem duas
vezes na semana e o mel uma vez por semana em sache.
Antes o cardápio tinha mais tomate, alface, cenoura, só. Quando
entrou os agricultores, ai eu falei, agora vou colocar um monte de
coisa. Colocamos berinjela, colocamos espinafre, fomos colocando
um monte de coisa. Mas ai o que aconteceu. O produtor planta, vem
entregar, a merendeira já olha torto pra fazer, fala que as crianças não
vão comer isso. Ai serve pras crianças, as crianças não comem, porque
dai ninguém incentivou neh, e acaba jogando fora. (Natalia Irina)
A nutricionista além do caso da berinjela citou também a polpa de Juçara, que
foi oferecida às crianças e forma de suco. Nesses casos, uma vez que o contrato com o
agricultor já foi assinado, ela continua adquirindo os produtos, mas reconhece que há
59
desperdiço. Salientou, contudo, que quando realizou esses teste, comprou pouca
quantidade e na próxima chamada retirou o alimento da lista. Sobre a disposição das
merendeira, a nutricionista explicou que realiza oficinas e cursos periodicamente e que
hoje ocorre uma interação bem melhor do que no começo.
No início do ano de 2014, na primeira chamada pública nº 001/2014, Processo
Administrativo n° 17/2014 (ANEXO 6), foram listados 36 alimentos, fornecidos por 15
famílias. Destes 36 alimentos, apenas 7 produtos não foram adquiridos, ou por
apresentarem preços considerados elevados ou por não ter produção no município.
Nesses casos, iria se abrir outra chamada a fim de obtê-los.
Um dos questionamentos iniciais ao estudar o tema, era se o PNAE estava
alterando a agricultura camponesa, se os produtores estavam deixando de plantar
alimentos que não seriam procurados pela merenda escolar. Questionada sobre essa
suposição a nutricionista nos informou que no município isso não ocorre, que todas as
famílias que fornecem ao PNAE, ou tem banca de feira em São Luiz do Paraitinga, ou
vende ao MERCATAU, um centro de abastecimento na cidade de Taubaté.
Eles não produzem de acordo com o cardápio porque não tenho
nenhum agricultor que vende só pra mim. Eles já tem mercado. Às
vezes só aumentam a produção porque sabem que agora vão vender
mais [...] Ano passado inteiro, por exemplo, nós não tivemos batata na
merenda escolar, porque ninguém planta, é difícil de dar aqui, e eu
falei que não ia comprar no supermercado, se ninguém plantasse não
ia ter. Ai, uso a mandioca, que tem bastante produção, (Natalia Irina).
Há casos em que um mesmo camponês fornece mais de um produto. Também
pode acontecer de um mesmo produto ser fornecido por mais de um agricultor, isso
ocorre quando a produção de um camponês não é suficiente para cumprir o pedido, o
que raramente acontece.
A fim de conhecer melhor a produção desses alimentos e seus agricultores,
foram visitadas 14 famílias das 16 que forneceram ao programa desde 2010 até agora.
Vamos apresentar a seguir cada um deles, sua propriedade e o que é plantado.
60
4.4. Agricultura camponesa e a merenda escolar
Considerando que a produção de alimentos é realizada majoritariamente pela
agricultura camponesa, como apontado pelo Censo Agropecuário (IBGE, 2006) e com o
intuito de compreender o funcionamento do PNAE e identificar as famílias que
fornecem os alimentos à merenda escolar, foram realizadas visitas à alguns dos
camponeses de São Luiz do Paraitinga inscritos no programa.
A seguir serão apresentadas as famílias visitadas, sua propriedade e sua produção.
Dos camponeses que responderam ao questionário elaborado, todos disseram que o
PNAE representa uma renda extra e contribui para melhorias na residência e nas
condições de trabalho. No caso da cooperativa de mel, que será apresentada a seguir, o
PNAE é visto como uma chance de fazer da apicultura a principal fonte de renda das
famílias, e ao fornecer ao programa eles não ficam a mercê do atravessador.
No caso do mel, conversamos com um dos produtores que se organizaram na
cooperativa COAPVALE, Abner Carlos dos Santos, 33 anos. A cooperativa possui 40
produtores de mel, os quais produzem mel nas propriedades da Fíbria Celulose e Papel,
a partir do Projeto Colmeias. A partir desse projeto, a empresa instala as caixas de
abelha nas áreas de plantação de eucalipto, essa instalação ocorre depois que a muda do
eucalipto já tem três anos, esse período é necessário para evitar que as caixas e o mel
sejam contaminados com a aplicação do Glifosato.
As colmeias estão distribuídas nas fazendas Fazenda da Santa e Una, localizadas
no município. A Fibria cobra um “aluguel” da cooperativa, a qual deve ser entregar à
empresa 2kg de melo por ano. Depois de colhido, o mel é enviado para uma unidade de
processamento da Universidade de Taubaté, a qual possui a autorização e o selo SIF
para que possa ser vendido à merenda escolar. Esse ano de 2014 é o primeiro ano que
essa cooperativa entregará o mel às escolas. De acordo com a chamada pública, eles
entregarão 60.000 saches de mel de 10 gramas, num total de 600 Kg de mel.
A tabela a seguir reúne os dados principais de identificação dos camponeses
entrevistados, destacando os alimentos que cada um entrega à merenda e o valor
recebido. Em seguida vamos apresentar cada um deles em separado, mostrando suas
peculiaridades e semelhanças.
61
Tabela 10 – Camponeses visitados em campo
Fonte: Denise Piccirillo. Anotações de campo
Agricultor Bairro Produto Condição legal Área
plantada(ha)
Área
Total(ha)
Principal fonte de
renda
Renda do
PNAE
(ano)
Utm Utm Altitude
Fabricio Santa Cruz Feijão Proprietário (herança) 2 33 Prestação de serviço 13.500 0462399 7425181 759
André Bom Retiro Alface, acelga,
repolho Arrendatário 2 2,5 Feira 7.200
0466377 7425002 993
0466379 7425063 989
Tiago Fabrica Banana, Melancia Proprietário (herança) 3 29 Feira 20.000 0472604 7426551 887
Matheus Fabrica Berinjela,
Abobrinha Proprietário (herança) 1 4,84 Feira 2.000 0471755 7426231 872
Luiz São Sebastião Milho Proprietário (herança) 6 26 Comércio 9.000 0461167 7431445 760
Isaias São Sebastião
Vagem, Tomate,
Pepino,Beterraba,
Brócolis
Arrendatário 8 9 Mercatau 7.000 0458177 7430270 802
Sebastião São Sebastião Mamão, Batata
doce, Abobrinha Arrendatário 6 6 Mercatau 7.000 0458182 7430442 814
Marcelino Chapéu Tangirina, Couve
e Banana Proprietário (herança) 2,42 9,68 PNAE 11.000 0482913 7434004 991
Abner Mato Dentro Mel Parceria PNAE 12.000 0462450 7434056 795
Elenice Mato Dentro Espinafre, Cheiro
verde Proprietária (herança) 1200 m² Venda de doce 6.600
0462763 7435075 796
046224 7435399 802
Nair Mato Dentro Abóbora Proprietária (herança) 1 1,8 Requeijão 4.700 0462077 7435474 805
Cristiane Arrendante Pousada 0461417 7435403 820
Valdir Mato Dentro Cebola Proprietário/Arrendatário 1.220m² 1000m² Mercatau 1.000 0462707 7435148 777
Benedito Mato Dentro Alho Proprietário 1.000m² 1000m² Mercatau/Feira 10.000 0463349 7435413 824
0463448 7435447 783
62
Fabrício de Assis Monteiro – 26 anos
O primeiro agricultor visitado31
foi o Sr. Fabrício de Assis Monteiro, 26 anos e
morador do Bairro Santa Cruz. Trabalham na propriedade ele e a esposa, eles são
proprietários herdeiros e produzem mel, milho e feijão, esse ultimo foi entregue à
merenda escolar em 2013.
A principal fonte de renda da família atualmente é a prestação de serviços,
porém, segundo Fabrício, com a renda do PNAE eles puderam avançar na construção da
casa e pagar o casamento. Fabrício já plantou eucalipto para entrega à Fíbria, mas não
continuou porque acredita que essa plantação prejudica o solo.
A sua propriedade foi herdada do avô, o qual foi fazendeiro na época do café e
dono da histórica fazenda Boa Vista (Figura 8). A imóvel está sendo avalizado como
Patrimônio Histórico pelo IPHAM e por enquanto não há ninguém morando na antiga
fazenda. As terras que constitui a propriedade do avô foram divididas entre os filhos e
netos. A propriedade do Fabrício possui 33 hectares.
Figura 8 – Casarão da antiga Fazenda Boa Vista
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo, março/2014
31
Não foi possível visitar sua plantação, pois Fabrício não se encontrava na propriedade.
63
André dos Santos – 41 anos
Próximo à propriedade de Fabrício, visitamos André dos Santos, 41 anos,
morador do bairro Bom Retiro. Sua família é composta por 6 pessoas: ele, a esposa,
dois filhos pequenos, os quais não possuem idade para trabalhar na propriedade, o pai e
a sogra.
A propriedade é arrendada e possui 2 hectares de área plantada. André produz
verduras e legumes variados e os comercializa na banca de feira de São Luiz do
Paraitinga, a qual é sua principal fonte de renda. A renda do PNAE representa
aproximadamente um salário mínimo por mês, o qual é somado à renda obtida pela
família.
De acordo com a entrevista realizada, o Sr. André afirma que a renda da
merenda escolar ajuda muito a família, porém poderia pagar uma valor maior pelos
produtos entregues, uma vez que o gasto da agricultura é muito alto. Como exemplo
citou a compra de sementes de Tomate Debora, que custa R$ 125,00 uma lata com
1.000 sementes. As sementes são compradas em Taubaté e vem em latas como as da
imagem a seguir
Figura 9 – Sementes para a plantação
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo março/2014
64
Questionado sobre a possibilidade de plantar orgânico, Sr. André afirmou que
“até plantaria, se eu tivesse mais condições de investimento”, uma vez que o custo dos
orgânicos é alto devido à maior perda de produtos. Sobre os eucaliptos, nunca se
interessou em plantar porque “destrói a terra e seca tudo a água.” As imagens a seguir
(Figura 10, Figura 11, Figura 12) retratam sua propriedade e sua plantação.
O Sr. André também doa alimentos para a Festa do Divino em forma de
agradecimento e nos contou com saudosismo sobre os mutirões em que participava
quando criança, lamentando que hoje o campo esteja “esvaziado”, não sendo mais
possível essa reunião.
Figura 10 – Imagem de satélite da propriedade do Sr. André
Fonte: Imagem Google Earth, a partir de ponto obtido por GPS.
Figura 11 – Plantação de verduras, Sr. André
65
Figura 12 – Sr. André mostrando sua plantação
Fonte: Denise Piccirillo, Trabalho de campo, maio/2013 e março 2014.
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo, maio/2013
Fonte: Denise Piccirillo, maio 2013.
Vale destacar aqui que o Sr. André foi muito simpático e receptivo, com muita
disposição nos mostrou sua plantação, seus produtos e falou com muita alegria e
entusiasmo de seu trabalho e da agricultura.
Tiago Henrique da Silva – 26 anos
Assim como André, Tiago é um dos camponeses que participam do PNAE desde
a primeira chamada. A propriedade é dos pais de Tiago e está localizada no bairro
Fábrica. A DAP está no nome de sua esposa Gesiele referente à propriedade que ela
possui no município de Ubatuba, aonde produzem bananas.
O casal e seu filho pequeno moram com os pais de Tiago, a propriedade possui
29 hectares dos quais 3 são plantados com hortaliças, verduras e legumes. A principal
fonte de renda é a barraca de feira em São Luiz do Paraitinga e em Ubatuba. Tiago
entrega à merenda escola, banana e melancia, ele é o único que vende o máximo de R$
20 mil/ano ao PNAE. Com esse dinheiro, foi possível investir na irrigação da lavoura e
pagar o caminhão para que ele mesmo pudesse fazer as entregas.
Em relação aos orgânicos, não plantaria porque o custo e o trabalho são maiores
do que no plantio convencional. Sobre a participação na festa do Divino, informa que os
66
pais costumam doar a carne, geralmente oferecem um integrante da própria criação. As
imagens à seguir foram obtidas em sua propriedade.
Figura 13 – Imagem de Satélite da propriedade dos pais de Tiago
Fonte: Imagem Google Earth.
Figura 14 – Plantação e organização dos produtos de Tiago
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo 2013/2014
67
Luis Tavares – 32 anos
Outro camponês visitado foi o Luis Tavares, 32 anos, morador do bairro de São
Sebastião. A propriedade é própria (herança do avô) e tem 26 hectares, dos quais 6 deles
de plantação. Luis produz leite e vende à Cooperativa de Laticínios do Médio Vale do
Paraíba (COMEVAP) cerca de 125 mil litros/ano e, com financiamento do PRONAF,
adquiriu um refrigerador para armazenar o leite. Produz também milho, de onde provém
sua principal fonte de renda, entrega-o ao comércio e à merenda escolar. Sua família é
composta pela esposa e duas filhas. Somente ele trabalha na propriedade, às vezes com
o auxilio de um diarista.
Sobre o PNAE, no último ano vendeu 9 mil reais e declarou que essa renda extra
ajudou a melhorar as condições de vida da família. Luiz também não plantaria alimentos
orgânicos porque a produção é muito difícil. As imagens a seguir foram obtidas em sua
propriedade em trabalho de campo realizado em março/2014.
Figura 15 – Imagem de Satélite da propriedade do Sr. Luis
Fonte: Imagem Google Earth
68
Figura 16- Produção de Leite e Plantação de milho do Sr. Luis
nte:
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo março/2014
Isaias Bispo de Oliveira – 50 anos
O próximo camponês visitado entrega alimentos à merenda escolar, desde 2010,
assim como o Sr. André e o Sr. Tiago. Isaias Bispo de Oliveira, 50 anos, é morador do
bairro São Sebastião, arrenda uma propriedade de cerca de 8 hectares na qual
praticamente, excetuando o local da moradia, é toda destinada ao cultivo.
Sr. Isaias paga um arrendamento de R$1.000/mês. Trabalha com a família
composta por 5 pessoas: sua esposa, filhos e seu irmão Sebastião. Em determinados
períodos, como no preparo do solo e na colheita, ele recorre à 3 diaristas.
Sua principal fonte de renda é a venda ao Mercatau e feira-livre. Produz
diversidade de verduras, legumes e frutas. No ano de 2013 vendeu cerca de R$ 7.000 à
merenda escolar e no ano de 2014 será um dos camponeses que irá entregar mais
diversidades de alimentos como, alface, beterraba, brócolis, pepino, repolho, tomate e
vagem.
Sr. Isaias é o mais crítico ao programa. Sempre frisando o quanto é difícil o
trabalho na agricultura, reivindica mais investimentos na agricultura e considera que o
PNAE deveria pagar um valor maior aos produtos oferecidos. Além da renda que tem
que pagar, citou também despesas como a construção de barracões, manutenção dos
69
canos de irrigação e adubos. Isso tudo faz com que ele tenha um gasto de cerca de R$
7.000/ano, valor que varia de acordo com as necessidades de manutenção.
Com financiamento do Pronaf, Sr. Isaias comprou um trator e um caminhão que
o ajudam na preparação do solo e na entrega dos produtos. Ele optou por comprar o
caminhão, que fez questão de mostrar com muito orgulho, porque gastava muito
pagando alguém por esse serviço. Atualmente seu filho mais velho o ajuda nas entregas.
As imagens a seguir são de sua propriedade e produção.
Figura 17 – Imagem de satélite da propriedade do Sr. Isaias
Fonte: Imagem Google Earth
70
Figura 18 – Plantação e caminhão
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo, 2013/2014
Sebastião Bispo de Oliveira – 38 anos
O Sr. Sebastião Bispo de Oliveira, 38 anos. A propriedade onde ele mora e
trabalha é a mesma do Sr. Isaias, os dois são irmãos, mas como possuem duas DAP eles
fornecem individualmente à merenda escolar. As plantações também são divididas, uma
em cada inclinação da vertente. Assim como o irmão, Sr. Sebastião também fornece
vários alimentos ao programa. Na chamada de 2014 ganhou a entrega da abobrinha,
acelga, batata-doce, cenoura, mamão, mandioca e milho-verde.
Também para ele sua principal fonte de renda é o Mercatau, mas acredita que a
merenda escolar o ajudou muito a melhorar as condições de trabalho. Como crítica,
71
sugere que o programa pague mais pelos produtos e abra mais opções de frutas. Tanto o
Sr. Sebastião como o Sr. Isaias pensa em plantar orgânico somente quando tiverem a
própria terra, pois poderiam se dedicar mais.
Figura 19 – Imagem de satélite plantação do Sr. Sebastião
Fonte: Imagem Google Earth
Figura 20 – Plantação de Sr. Sebastião
72
Figura 21 – Residência da Família e Sr. Sebastião
Fonte: Denise Piccirillo, março/2014
Joaquim Marcelino dos Santos – 55 anos
Sr. Joaquim Marcelino dos Santos, 55 anos, morador do Bairro do Chapéu, foi
outro camponês visitado. Na ocasião estava levantando a parede de sua casa em
construção, portanto, a conversa foi breve. Ele mora em uma propriedade de 9 hectares,
herdada do pai, e planta cerca de 3 hectares.
Em sua propriedade há cerca de 120 pés de tangerina-pocan, além de couve e
banana nanica, todos produtos que serão entregues à merenda escolar nesse ano de
2014. Diferente dos outros camponeses já citados, a merenda escolar é para ele a
principal fonte de renda, a qual representa cerca de R$ 11mil.
Desde que começou entregar os alimentos ao programa, Sr. Joaquim adquiriu
uma “caminhonete” para que ele próprio pudesse levar seus produtos até a Cozinha
Piloto. Antes o que ele recebia com a merenda escolar, servia praticamente para pagar o
serviço de entrega. Sr. Joaquim nos explicou que entrar para o programa foi muito
importante uma vez que antes perdia muita produção, e hoje tem a venda garantida. A
crítica que fez foi a de que deveria ter um dia especifico para a entrega.
Sr. Joaquim não usa agrotóxicos em sua produção, mas ainda não possui o selo
de orgânico, embora esteja em busca desta certificação. As imagens a seguir são de sua
propriedade.
73
Figura 22 – Imagem de satélite da propriedade de Sr. Joaquim Marcelino
Fonte: Imagem Google Earth.
Figura 23 – Plantação e moradia
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo março/2014
74
Os camponeses que apresentaremos a seguir entregarão alimentos à merenda
escolar pela primeira vez nesse ano de 2014. Essas famílias fazem parte do Projeto de
Desenvolvimento Rural Territorial (PDRT) da empresa de Celulose e Papel, Fíbria.
Esse projeto faz parte da política de compensação socioambiental da empresa e visa o
desenvolvimento socioeconômico da região, incentivando sua vocação regional.
O PDRT32
no município tem o objetivo de incentivar os moradores do bairro
Mato Dentro à produzir alimentos orgânicos, é realizado pela Fíbria por 5 anos. A
empresa se responsabiliza em fornecer as sementes, os insumos - adubos verdes -, e
oferece acompanhamento de um agrônomo para auxiliar as famílias na plantação de
orgânico. Juntamente com a OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público) AKARUI33
, a equipe de sustentabilidade da Fíbria buscou por uma associação
de bairro que já fosse organizada, tendo sido escolhida aquela do bairro de Mato Dentro.
A responsável pela OSCIP e ex-secretária de planejamento de São Luiz do
Paraitinga, Cristiane Bittencourt, acompanha as famílias do projeto e propôs que essas
famílias fizessem a inscrição no PNAE, uma vez que alimentos orgânicos têm
preferência na escolha da merenda escolar.
Contudo, impossível não pensar na aplicação do Glifosato nas plantações de
eucaliptos, uma vez que essas famílias são vizinhas de algumas das propriedades da
Fíbria, como a Fazenda PIO X e a Fazenda Calipso (Figura 24). Ou seja, há uma
contradição muito grande nessa ação de “compensação” socioambiental, pois, como
explicitado no capítulo de Agricultura Capitalista, a substância do Glifosato pode
permanecer no solo por até dois anos e nos alimentos por até três anos.
A representante da Akarui e ex-secretária de planejamento de São Luiz do
Paraitinga reconhece essa contradição de se tentar desenvolver uma plantação de
orgânicos em área passível de contaminação por Glifosato. Todavia, acredita que deva
aproveitar essa oportunidade para elevar o desenvolvimento da agricultura camponesa
na região e incentivar os moradores a não desistirem da agricultura.
A figura a seguir apresenta a localização da propriedade das famílias do projeto
que vão entregar alimentos ao PNAE nesse ano de 2014.
32
http://www.akarui.org.br/pdrt-programa-de-desenvolvimento-rural-territorial - ANEXO 3 33
http://www.akarui.org.br/instituicao
75
Figura 24 – Proximidade das propriedades com a Silvicultura
Fonte: Imagem Google Earth
Diferentemente dos outros bairros, as propriedades do bairro Mato Dentro são
menores e mais próximas umas das outras, muito semelhantes à chacaras.
Elenice Aparecida da Mota Santos – 39 anos
Visitamos a Srª Elenice Aparecida da Mota Santos, 39 anos. Sua propriedade é
herdada de seu pai, a família é composta pelo marido e pelo filho. Seu marido é
“retireiro” - trabalha com a retirada do leite. A família tem como renda principal a
venda de cerca de 80 a 100 kg/ano de doces que Srª Elenice produz.
Nesse ano de 2014 irá entregar à merenda escolar o espinafre à R$2,38 Kg.
Além do espinafre, ela também produz cheiro verde e couve que vende no mercado
municipal de São Luiz do Paraitinga. Sua produção é orgânica, usa somente esterco e o
adubo verde. Com o dinheiro obtido da merenda escolar pretende fazer uma cozinha
própria para a produção dos doces.
76
Figura 25 – Imagem de satélite da propriedade da Srª Elenice, PDRT
Fonte: Imagem Google Earth
Figura 26 – Área preparada para o plantio orgânico do espinafre
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo março/2014
77
Nair de Fátima Paulista da Mota – 54 anos
A propriedade da Srª Nair possui 1,8 hectares e foi herdada de seu pai. A renda
principal provém da venda do requeijão que fabrica e que lhe rendem cerca de dois
salários mínimos por mês. Planta verduras para o consumo e agora a devido ao PDRT
irá entregar abóbora para a merenda escolar.
Figura 27 – Imagem de Satélite da propriedade Srª Nair
Fonte: Imagem Google Earth
Figura 28 – Área da plantação orgânica da Srª. Nair
Fonte: Denise Piccirillo, março/2014
78
Para visitar a produção dos últimos dois camponeses participantes do PDRT e
que irão entregar alimentos à merenda escolar em 2014, fomos até a propriedade de
Cristiane, representante da Akarui. Ela possui uma pousada, aonde planta orgânico para
seu restaurante e também arrenda (recebe 10% da produção) uma parcela da terra para o
Sr. Benedito e o Sr. Valdir que também produzem em suas propriedades.
Sr. Valdir – 42 anos
O Sr.Valdir, 42 anos, e sua esposa Srª Rosangela possuem uma propriedade de
1000m² e arrendam de Cristiane uma área equivalente. Sempre trabalharam com a
agricultura e comercializavam no Mercatau, porém Sr. Valdir explicou que essa venda
era praticamente toda para pagar o arrendamento. Em 2014, venceram a chamada
pública e durante o ano irão fornecer cebola à merenda escolar.
Sobre o PDRT, Sr. Valdir nos mostrou com muita atenção e disposição a
plantação de orgânicos que iniciaram e falou sobre como foi importante esse apoio, uma
vez que participaram de cursos e oficinas com um agrônomo o qual sempre acompanha
a plantação. Explicou também que uma das intenções do projeto é que os agricultores
produzam suas próprias sementes, e então eles criarão um banco de sementes crioulas.
Para evitar insetos infectantes na lavoura, Sr. Valdir prepara um óleo da folha da
mamona e de arnica o qual se mostrou muito eficaz. O adubo verde também foi
exemplificado como sendo plantação secundária, antes da plantação principal, por
exemplo, nos mostrou uma plantação de abobrinha num área destinada ao feijão, a
abobrinha vai ajudar a fortalecer o solo para a próxima plantação.
Figura 29 – Sr. Valdir plantação de abobrinha
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo, março/2014
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Figura 30- Plantação orgânica de Sr. Valdir e Sr. Benedito em área arrendada de
Cristiane
Fonte: Denise Piccirillo, trabalho de campo março 2014
Fonte: Denise Piccirillo. Março/2014
Figura 31 – Imagem de satélite da Propriedade do Sr. Valdir
Fonte: Imagem Google Earth
Ao visitar sua propriedade, a Sr. Rosangela mostrou sua plantação orgânica, com
abobrinha, alface, cebola, mandioca e Cambuci.
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Figura 32 – Srª Rosângela
Fonte: Denise Piccirillo, março/2014
Sr. Benedito – 43 anos
O Sr. Benedito, 43 anos, trabalha com o filho na agricultura. Vendem no
Mercatau e na feira de Taubaté. Cultivam em sua propriedade (de 1000m²), abacaxi,
couve, gengibre e além disso cria galinhas para a produção de ovos. Em 2014 irá
fornecer alho à merenda escolar. Sr. Benedito acredita que será bom participar do
PNAE porque não há risco de perder a produção, o que acontece muito atualmente.
Figura 33 – Imagem de Satélite da propriedade do Sr. Benedito
Fonte Imagem Google Earth
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Figura 34 – Produção do Sr. Benedito
Fonte: Denise Piccirillo, março/2014
São esses, portanto, os camponeses que fornecem à merenda escolar no
município de São Luiz do Paraitinga. A média de renda obtida com o programa é de
cerca de R$ 8.500 por ano, e somente Tiago consegue vender o limite máximo de R$
20.000/ano. O mapa a seguir apresenta a distribuição das propriedades visitada:
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Mapa 6 – Localização das propriedades visitadas
Fonte: Denise Piccirillo. Base Cartográfica: IBGE
A partir da sistematização das repostas obtidas em campo, pudemos verificar
que apesar do fato de que para muitos camponeses, o PNAE não é a principal fonte de
renda, todos reconhecem que ele se constitui em uma renda complementar importante
para melhorias na produção.
A principal crítica ao funcionamento do programa é a de que se paga pouco
pelos produtos oferecidos. Consideram que esse valor deveria ser maior e que se poderia
reduzir os dias de entrega dos alimentos na cozinha piloto. As principais aquisições, por
meio de financiamento, foram no geral caminhonete ou caminhão para poder entregar,
eles próprios – e, portanto, diminuindo gastos com frete e principalmente ficar livre dos
atravessadores, os quais determinavam os preços de seus produtos -, os alimentos que
produzem, tanto para Taubaté como para a merenda escolar.
O município tem conseguido cumprir a lei da merenda escolar e possui um bom
relacionamento com seus agricultores, incentivando-os a produzir e comprando seus
produtos. Nesse ponto é preciso reconhecer que o bom funcionamento do programa
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depende em muito da dedicação e interesse dos funcionários da prefeitura e da
nutricionista.
Uma das questões que nos colocamos quando decidimos estudar o PNAE era se
ele determinasse de alguma forma, o que deveria ser produzido. Verificamos que isso
não ocorre uma vez nenhum camponês deixou de produzir o que já plantava
anteriormente e não produz nada em específico para a merenda escolar.
Verificamos também que os camponeses que não fazem parte do PDRT não
pretendem plantar orgânico atualmente, devido às grandes perdas que viriam a ter.
Contudo, considerando que tivessem apoio e mais tempo livre para a dedicação, alguns
aceitariam tentar a plantação orgânica.
Acerca das tradições no município, muitos contribuem para a Festa do Divino,
doando criações ou dinheiro em forma de agradecimento. Perguntados sobre a
realização de mutirões para ajudar na lavoura, os poucos que já participaram o fizeram
quando criança e lembram com muito entusiasmo da reunião de muitas pessoas para
colher o milho ou preparar o solo. Hoje não presenciam mais os mutirões, devido
sobretudo ao “esvaziamento” que o campo sofreu, relatando que hoje é mais difícil
encontrar e organizar as famílias.
Assim, são principalmente esses apontamentos que podemos apresentar sobre o
PNAE em São Luiz do Paraitinga e as famílias camponesas que participam dessa
política.
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Considerações Finais
O presente trabalho construiu-se a partir das pesquisas realizadas em Iniciação
Científica e buscou apresentar e problematizar o processo de desenvolvimento do
capitalismo no campo e as estratégias de reprodução da agricultura camponesa.
Em São Luiz do Paraitinga esse avanço capitalista está representado pela
silvicultura, a qual recebe incentivos fiscais do Governo, e pouca ou nenhuma punição
aos problemas ambientais que provoca. Assim como em outras regiões dominadas pela
monocultura, tem-se uma alteração da paisagem, modificação dos modos de produção e
casos de contaminação do solo, água, animais e pessoas devido ao uso de agrotóxicos.
Como diria Rubens Alves (1980) acerca das plantações de eucaliptos, “[...] para
certos gostos, fica até mais bonito: todos enfileirados, em permanente posição de
sentido, preparados para o corte. E para o lucro”. A agricultura capitalista se
caracteriza por isso, pelo lucro, pela exploração total e esgotamento dos recursos
naturais, privilegiando a eficiência produtiva e o menor custo.
Contraditoriamente à esse avanço, tem-se ainda uma significativa produção de
alimentos realizada em pequena propriedade e pela agricultura camponesa. Agricultura
essa que, diferente do que diz Abramovay (1992, p.22) ao afirmar que “[...] uma
agricultura familiar, capaz de responder às políticas governamentais não pode ser nem
de longe caracterizada como camponesa”, continuou plantando seus produtos de
acordo com sua lógica camponesa de produção.
Além disso, observando as famílias que foram visitadas, podemos considerar
que reunidos a partir das chamadas públicas do programa, tendo consciência do valor de
seus produtos e dos problemas que as suas plantações podem apresentar, como falta de
água e pragas, eles se reconhecem enquanto classe e se organizam para fazer sugestões
de melhorias do PNAE.
Políticas públicas como as de aquisição de alimentos, além de melhorar o acesso
e a distribuição de alimentos no país, contribuíram muito para a diminuição nos índices
de pessoas em situação de fome. Concomitantemente reuniram e aproximaram os
camponeses fortalecendo-os.
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Contudo, acreditamos que essas iniciativas são acanhadas frente ao apoio e
incentivo que a agricultura capitalista recebe do mesmo Governo. A principal
reclamação ao programa é relacionada ao valor muito baixo pago pelos produtos, que
poderia mesmo ser maior, o que mostra o reflexo de uma política que, apesar ser
inovadora ao voltar a atenção à agricultura camponesa, ainda mantém os privilégios e
grandes incentivos à agricultura capitalista, o agronegócio e à exportação.
Desse modo, Marcos (2006; p.203) esclarece que o “campo brasileiro possui
dois projetos antagônicos mas combinados de desenvolvimento”, um território
capitalista representado predominantemente pelo agronegócio latifundiário e
transgênico e um território camponês representado pela resistência, pela produção de
alimentos e o trabalho familiar.
Escolher a agricultura camponesa como fornecedora da alimentação escolar,
além de incentivá-la e melhorar sua produção, é um indício real de que alimentação
segura e de qualidade só pode ser produzida por uma forma, e não é a capitalista.
A crescente preocupação com alimentos saudáveis e de produção orgânica pode
ser um processo de valorização da agricultura camponesa, uma vez que, atualmente
somente ela pode produzir dessa forma. A crescente consciência alimentar, pode nos
ajudar a valorizar o trabalho dessas famílias e exigir maiores investimentos.
Priorizar a agricultura camponesa pode ser uma maneira de termos uma
distribuição de terra mais justa e igualitária, uma produção mais saudável e
diversificada, construir uma segurança alimentar consolidada, garantindo o trabalho e a
dignidade de muitas famílias.
Realizar essa pesquisa e construir esse trabalho foi muito importante para
entender processos que ocorrem por todo o país e mesmo fora dele. Entender numa
localidade o que se repete por várias regiões. Podem mudar alguns atores, ou estes se
colocarem com outras denominações, mas na verdade, o que costumamos presenciar é o
avanço e cercamento que a agricultura capitalista provoca à agricultura camponesa.
Ao mesmo tempo, surge desse conflito estratégias e alternativas que as famílias
encontram para continuar a produção e se reproduzirem enquanto camponesas
produtoras de alimentos que não visam a exploração do trabalho alheio nem o sobre
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lucro. Essa distinção na lógica de produção, também procuramos apresentar nesse
trabalho. Ou seja, mesmo que a agricultura capitalista possa se apropriar do mercado de
orgânicos e se readaptar às suas exigências, a sua lógica de produção continuará sendo o
lucro e não a segurança alimentar.
Por fim, buscamos apresentar a contradição do desenvolvimento do capitalismo
no campo e a preocupação com a segurança alimentar e nutricional que recentemente
vem impulsionando políticas públicas nesse sentido. Mostrando que duas formas
distintas e combinadas de agricultura, uma que valoriza a alimentação, outra o lucro e a
exportação.
A Geografia proporciona um entendimento amplo acerca das dinâmicas
socioeconômicas da sociedade, suas particularidades e contradições. Procuramos,
portanto, apresentar um olhar geográfico sobre o campo de São Luiz do Paraitinga,
analisando suas contradições e suas potencialidades na agricultura e nas pessoas que
nela estão envolvidas.
O trabalho de pesquisa realizado para a construção desse TGI, além reunir e
aprofundar alguns debates teóricos da Geografia, contribuíram para uma percepção mais
apurada de alguns processos que constroem nossa sociedade. Sociedade essa repleta de
contradições, privilégios e ainda assim resistência e luta.
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