O por quê da exigência, pelo fisco municipal paulistano, do cadastramento das empresas prestadoras...

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1 O por quê da exigência, pelo fisco municipal paulistano, do cadastramento das empresas prestadoras de serviços que executem serviços a tomadores estabelecidos no Município de São Paulo, mas que emitam notas fiscais de outros municípios? Por Tatiana Revoredo Antes da vigência do Decreto nº 406/68, para fins de cobrança do ISS, entendia-se que o imposto era devido no local onde o serviço era prestado, em conformidade com o princípio locus regit actum, eis que o Código Tributário Nacional, não definia qual era o local da prestação de serviços 1 . O Decreto nº 406/68 alterou esta orientação, estabelecendo como regra geral para a cobrança do ISS a de que o imposto era devido no local onde estivesse situado o estabelecimento prestador do serviço (art. 12, alínea a, do Decreto-lei nº 406/68) e, na hipótese de inexistir este, no local do domicílio do prestador (locus regit actus). Excepcionalmente, nos casos de prestação de serviços relacionados com a construção civil, a incidência dava-se em razão do local da execução do serviço, ou seja, no local da realização da obra (art. 12, alínea b, do Decreto-Lei nº 406/68). Tal interpretação gerou a “guerra fiscal”, posto que permitiu que várias empresas se instalassem em outros municípios, ou, às vezes, apenas declarassem a instalação da sede, mas com plena atuação nesta cidade, sem recolher o tributo devido, e, por outro lado, os municípios vizinhos, de menor potencial econômico passaram a atrair empresas prestadoras de serviço para o seu território, cobrando alíquotas menores de ISS, até mesmo abaixo do limite legal. Para superar tais obstáculos, foi promulgada a Lei Complementar nº 116/03, que trouxe a definição do local da prestação de serviços, como regra geral, o “local do estabelecimento prestador”, porém, procurou afastar o conceito formal de “sede”, deixando claro em seu art. 4º, que considera-se para fins de imposição do ISS, “o local onde o contribuinte desenvolva atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que 1 Sérgio Pinto Martins, in “Manual do Imposto Sobre Serviços”, Malheiros Editores, 1995, p. 201

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O por quê da exigência, pelo fisco municipal paulistano, do cadastramento das empresas prestadoras de serviços

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O por quê da exigência, pelo fisco municipal paulistano, do

cadastramento das empresas prestadoras de serviços que

executem serviços a tomadores estabelecidos no Município de São

Paulo, mas que emitam notas fiscais de outros municípios?

Por Tatiana Revoredo

Antes da vigência do Decreto nº 406/68, para fins de cobrança do ISS, entendia-se que o

imposto era devido no local onde o serviço era prestado, em conformidade com o princípio

locus regit actum, eis que o Código Tributário Nacional, não definia qual era o local da

prestação de serviços1.

O Decreto nº 406/68 alterou esta orientação, estabelecendo como regra geral para a

cobrança do ISS a de que o imposto era devido no local onde estivesse situado o

estabelecimento prestador do serviço (art. 12, alínea a, do Decreto-lei nº 406/68) e, na

hipótese de inexistir este, no local do domicílio do prestador (locus regit actus).

Excepcionalmente, nos casos de prestação de serviços relacionados com a construção civil,

a incidência dava-se em razão do local da execução do serviço, ou seja, no local da

realização da obra (art. 12, alínea b, do Decreto-Lei nº 406/68).

Tal interpretação gerou a “guerra fiscal”, posto que permitiu que várias empresas se

instalassem em outros municípios, ou, às vezes, apenas declarassem a instalação da sede,

mas com plena atuação nesta cidade, sem recolher o tributo devido, e, por outro lado, os

municípios vizinhos, de menor potencial econômico passaram a atrair empresas

prestadoras de serviço para o seu território, cobrando alíquotas menores de ISS, até mesmo

abaixo do limite legal.

Para superar tais obstáculos, foi promulgada a Lei Complementar nº 116/03, que trouxe a

definição do local da prestação de serviços, como regra geral, o “local do estabelecimento

prestador”, porém, procurou afastar o conceito formal de “sede”, deixando claro em seu

art. 4º, que considera-se para fins de imposição do ISS, “o local onde o contribuinte

desenvolva atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que

1 Sérgio Pinto Martins, in “Manual do Imposto Sobre Serviços”, Malheiros Editores, 1995, p. 201

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configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante, para caracterizá-lo, as

denominações sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de

representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.

Sérgio Pinto Martins, ao comentar este artigo legal, nos ensina que a ficção legal

estabelece como local da prestação de serviços o estabelecimento prestador, e não o

“estabelecimento do prestador”, o que significa dizer que este estabelecimento é o local

onde o contribuinte desenvolve “a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou

temporário, e que se configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para

caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal,

escritório de representação ou contado ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.

E, ainda, ressalta que: “se num local há apenas mesa e telefone, sem que se constitua em

unidade econômica ou profissional, este não será o estabelecimento prestador. O ISS não

incidirá neste local”2.

Ademais, há outras exceções em que se desconsiderou o critério do “estabelecimento

prestador” e, ainda, autorizou atribuição de responsabilidade ao recolhimento do crédito

tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador do imposto (art. 6º da Lei

Complementar nº 116/03).

Antes mesmo da vigência desta nova lei (LC 116/2003), o Superior Tribunal de Justiça já

possuía o entendimento de que o ISS era devido no local da prestação do serviço, e não

onde se encontrava a sede do estabelecimento prestador3, vez que “tal interpretação

harmoniza-se com o disposto no artigo 156, III, da Constituição da República, que atribui

ao Município o poder de tributar as prestações ocorridas em seus limites territoriais”4.

Ora, como ainda as empresas continuaram a burlar o fisco municipal, considerando o que

dispõe o art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional, a Lei municipal nº 14.042/05

(regulamentada pelo Decreto nº 45.598/05, art. 1º, § 3º), passou a exigir a obrigação

acessória de cadastramento das empresas prestadoras de serviços que executem serviços a

2 in “Manual do Imposto Sobre Serviços”, Ed. Atlas, 7ª edição, 2006, p. 103

3 AgRg no Ag 516637/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 5/2/2004

4 AgRg no Ag 607881/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 22/3/2005

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tomadores estabelecidos no Município de São Paulo, mas que emitam notas fiscais de

outros municípios, em relação a alguns serviços listados na Lei nº 13.701/03, os quais têm

um percentual maior de número de fraudes.

Nem se levante qualquer dúvida sobre a total e completa legalidade do procedimento do

Fisco Paulistano, ao exigir o cumprimento dessa obrigação acessória, vez que o Município

de São Paulo pode legislar de forma suplementar, principaliter, quando ao interesse local

e, na espécie, ele apenas criou mecanismo mais rigoroso para evitar a evasão fiscal que, na

realidade, se constituiu, no momento, num dos mais graves problemas dos entes políticos

da federação, não se limitando aos territórios inter-municipais, como também inter-

estaduais.

Nesse passo, tal cadastro tem a finalidade de possibilitar ao fisco municipal paulistano

verificar quais empresas realmente se encontram situadas em outros municípios, e quais se

situam nesta Capital, mas se valem de expedientes fraudatórios para burlar o recolhimento

do ISS devido.

Ademais, fixou o recolhimento do tributo pelo sistema de substituição tributária, com

fulcro no que dispõe o art. 6º, da Lei Complementar nº 116/03.

Conquanto o acima exposto, ainda assim, muitas empresas se recusam a cadastrar-se e

continuaram a recolher o tributo no Município onde supostamente estão sediadas e alegam

ser o local da prestação de serviços.

Por conta disso, necessário averiguar onde se dá a efetiva captação de clientes e prestação

de serviços, se no local da sede social da empresa prestadora, ou nas capitais, onde

geralmente e, por coincidência, residem seus sócios (sendo que geralmente nenhum destes

tem qualquer ligação com o Município sede).

Note-se, ainda, que são muitos os fatos que evidenciam a utilização do estabelecimento

sede, apontado como local da prestação de serviços, como “ fachada” para o fim de

recolhimento do tributo a menor, como, por exemplo, a pequena dimensão do Município

(apontado como sede e local da prestação de serviços), a inexistência de grandes empresas

que necessitem de serviços semelhantes àquele prestado pela empresa, ou ainda, a total

falta de sentido dos sócios residirem na Capital (muitas vezes, no próprio bairro onde se

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localiza filial da empresa) e terem que se deslocar para o fim de trabalhar em outro

Município situado no interior.

Portanto, pela própria determinação legal atual e orientação jurisprudencial, conquanto o

ISS seja devido, como regra, no local do estabelecimento prestador, quando os serviços

são efetivamente prestados em outro Município, ainda que a sede do estabelecimento

prestador esteja em outro local, o imposto é devido no local da efetiva prestação de

serviços.

Referencias bibliográficas: MARTINS, Sergio Pinto in “Manual do Imposto Sobre Serviços”, Ed. Atlas, 7ª edição,

2006; in “Manual do Imposto Sobre Serviços”, Malheiros Editores, 1995.

Tatiana Revoredo é assessora jurídica no TJSP, graduada pela PUC-SP, especialista em Direito

Constitucional, Processual Civil e Tributário.

São Paulo, 20 de agosto de 2014.