O POVO DO AVENTUREIRO (ILHA GRANDE, RJ) E MODELO LOCAL DETURISMO

13
O POVO DO AVENTUREIRO (ILHA GRANDE, RJ) E MODELO LOCAL DE TURISMO: UMA TRANSGRESSÃO AOS NOVOS SISTEMAS DE VALORES IMPOSTOS Teresa Cristina de Miranda Mendonça, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (IM/UFRRJ), [email protected] Resumo Dois temas interferem em todo o modo de vida da Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ), o turismo e a questão ambiental. Busca-se refletir sobre a relação estabelecida entre o processo de criação das unidades de conservação e as populações humanas que vivem em seu interior ou em seu entorno, tendo como foco o modelo de turismo instaurado na Vila do Aventureiro. Palavras-chave: Ilha Grande, Vila do Aventureiro, turismo comunitário, conflito socioambiental, unidades de conservação Abstract Two subjects influence Ilha Grande`s (Angra dos Reis, Rio de Janeiro) way of life, the tourism and the ambiental conflicts. This article intends to reflect on the relation established be- tween the creation of protected areas and the population who lives in its interior. The focus is the model of tourism established in Vila do Aventureiro. Key words: Ilha Grande, Vila do Aventureiro, communitarian tourism, socioambiental conflict, protected areas Resumen Dos factores interfieren en el modo de vida de Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ). Se pretende reflexionar sobre la relación que se establece entre el proceso de creación de las unidades de conservación y las poblaciones humanas que viven en su interior o al su rededor, teniendo como foco el modelo de turismo implementado en la Vila do Aventureiro. Palabras -clave: Ilha Grande, Vila do Aventureiro, turismo comunitario, conflicto socioambiental, unidades de conservación 1

description

Dois temas interferem em todo o modo de vida da Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ), oturismo e a questão ambiental.

Transcript of O POVO DO AVENTUREIRO (ILHA GRANDE, RJ) E MODELO LOCAL DETURISMO

O POVO DO AVENTUREIRO (ILHA GRANDE, RJ) E MODELO LOCAL DE TURISMO: UMA TRANSGRESSÃO AOS NOVOS SISTEMAS DE VALORES IMPOSTOS

Teresa Cristina de Miranda Mendonça,Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (IM/UFRRJ),

[email protected] Resumo

Dois temas interferem em todo o modo de vida da Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ), o

turismo e a questão ambiental. Busca-se refletir sobre a relação estabelecida entre o processo

de criação das unidades de conservação e as populações humanas que vivem em seu interior

ou em seu entorno, tendo como foco o modelo de turismo instaurado na Vila do Aventureiro.

Palavras-chave: Ilha Grande, Vila do Aventureiro, turismo comunitário, conflito

socioambiental, unidades de conservação

Abstract

Two subjects influence Ilha Grande`s (Angra dos Reis, Rio de Janeiro) way of life, the

tourism and the ambiental conflicts. This article intends to reflect on the relation established be-

tween the creation of protected areas and the population who lives in its interior. The focus is

the model of tourism established in Vila do Aventureiro.

Key words: Ilha Grande, Vila do Aventureiro, communitarian tourism, socioambiental

conflict, protected areas

Resumen

Dos factores interfieren en el modo de vida de Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ). Se

pretende reflexionar sobre la relación que se establece entre el proceso de creación de las

unidades de conservación y las poblaciones humanas que viven en su interior o al su rededor,

teniendo como foco el modelo de turismo implementado en la Vila do Aventureiro.

Palabras -clave: Ilha Grande, Vila do Aventureiro, turismo comunitario, conflicto

socioambiental, unidades de conservación

1

IntroduçãoO presente trabalho é resultado de um ano pesquisa na região escolhida como estudo

de caso para desenvolvimento de minha tese de doutorado, Ilha Grande (Angra dos Reis/RJ).

Me aproprio da palavra “região” ao me referir a meu local de pesquisa de campo, tendo como

referência, a perspectiva de Tim Ingold (2005, p. 1): “...os lugares não têm posições e sim

histórias. Unidos pelos itinerários de seus habitantes, os lugares existem não no espaço, mas

como nós, em uma matriz de movimento. Chamarei esta matriz de “região”. Experiência que

leva à reflexão sobre os principais temas que interferem em todo o modo de vida do lugar, o

turismo e a questão ambiental. Temas que dividem a história da Ilha Grande em antes e depois

da chegada do turismo e antes e depois da instauração das leis ambientais com a criação de

quatro unidades de conservação da natureza: Reserva Biológica da Praia do Sul (1981), Área

de Proteção Ambiental de Tamoios (1982), Parque Estadual da Ilha Grande (1971), com sua

ampliação assinada em 02/02/2007 e o Parque Estadual Marinho do Aventureiro (1990).

A ascensão do turismo na região de Angra dos Reis se inicia com construção da

estrada Rio-Santos - aberta em 1974 - e com sua pavimentação, na década de 1980, o que

proporcionou rápido acesso entre a região do Rio de Janeiro e de São Paulo (WUNDER,

2006). Com a desativação do Instituto Penal Cândido Mendes em 1994 na Vila Dois Rios, a

Ilha Grande começou a tornar-se gradualmente um destino turístico muito procurado. A partir

de então, para atender ao crescimento da visitação, implementaram-se inúmeros

empreendimentos turísticos, sem que esse processo tenha sido realizado com qualquer limite

ou planejamento. Este fato teve como conseqüência uma expansão urbana realizada de forma

desordenada associada à falta de infra-estrutura para atender ao aumento do fluxo de pessoas,

principalmente na Vila do Abraão.

Com a instauração das unidades e conservação, se estabelecem novas regras que

delimitaram a relação da população com o lugar em que vivem. O surgimento de áreas

protegidas na Ilha Grande, assim como no no mundo, corresponde à perspectiva de preservar,

por meio de legislação, áreas consideradas como de recursos naturais relevantes,

resguardando-as de uso econômico intensivo (FERREIRA, 2004). Por esta razão, a criação do

Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (2000) está inserida numa lógica

mundial escolhida como o melhor mecanismo para a preservação da biodiversidade. No

entanto, raramente os governos avaliam os impactos destas ações sobre o modo de vida dos

moradores estabelecidos dentro ou no entorno destas áreas naturais. O estabelecimento de

qualquer categoria de unidade de conservação, tem significado para muitas populações um 2

aumento das restrições no uso dos recursos naturais, o que tem inviabilizado, em muitos

casos, sua sobrevivência (DIEGUES, 1998).

Em 2007, foram instuídos vários fóruns de discussão, para pensar um modelo de

desenvolvimento sustentável para a Ilha Grande: a reativação do Conselho Gestor do Parque

Estadual da Ilha Grande (Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SEA/Fundação Instituto

Estadual de Florestas - IEF) e do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental de Tamoios

(SEA/IEF), a criação do Grupo de Trabalho para a Sustentabilidade da Ilha Grande (SEA/IEF) e

do Núcleo Gestor do Plano Diretor da Ilha Grande (Prefeitura Municipal de Angra dos Reis-

PMAR). O foco proposto de discussão nos fóruns leva em consideração que a Ilha Grande é

referida por segmentos externos e nos documentos oficiais como um “paraíso ecológico” a ser

preservado, ao mesmo tempo em que: é alvo de intensa visitação de turistas - se caracteriza

como um turismo de massa - e é imposto aos moradores uma nova relação com a natureza.

Constata-se, desta forma, um confronto de saberes e lógicas a partir de uma ruptura com os

modos anteriores de vida, que significou a imposição de uma outra dinâmica econômica

socioambiental e cultural pela criação das unidades de conservação e pelo aumento do fluxo

turístico.

No entanto, a Ilha Grande é uma região complexa e diversificada, onde se vivencia

uma “Ilha Grande” dividida em diversas “outras ilhas”, identificada pelas várias comunidades

distintas (suas vilas e praias) que conformam o chamado “Paraiso ecológico”. Não podendo,

desta forma, ser vista como “a Ilha homogênea”, mas sim como várias construções sócio-

culturais que conformam modelos de turismo tão diversos nesta região. Ao mesmo tempo em

que na Vila do Abraão, principal porta de entrada da Ilha, são reconhecidas as traduções da

chamada “explosão do turismo”, o que alguns consideram como um Abraão literalmente

“detonado” (PRADO, 2005); a Vila do Aventureiro, habitada por uma população tida como

“caiçara”, apresenta um modelo de turismo caracterizado como de base comunitária. Exemplos

de práticas de turismo como da Vila do Aventureiro (Ilha Grande, Angra dos Reis – RJ),

localidade permeada por uma nova lógica econômica, ditada pela introdução do turismo, tido

como uma nova alternativa para o desenvolvimento local, se constituem em exemplo de

comunidade que, segundo Shalins (1997) se distingue entre si pelos modos específicos de

viver (MENDONÇA, 2007).

Ou seja, ao se inserir em um processo global que exige novas adaptações aos

sistemas impostos, inspirados pela noção de crescimento e mercado, sem resultados visíveis

para a melhor distribuição de renda e conseqüente melhoria da qualidade de vida das

populações, estas comunidades têm se apropriado, a seu modo, das imposições externas, 3

transformando-as e fazendo uso delas de acordo com seus valores demarcados culturalmente

(SAHLINS, 1992, 1997 apud PRADO, 2003a). O que Sahlins (op. cit.) denomina de

“indigienização da modernidade”. Presencia-se, então, uma ruptura com um modo anterior de

vida essencialmente pesqueira e agrícola, o que, conforme Prado (op. cit.), impõe uma outra

lógica na dinâmica socioambiental e cultural.

Objetivo

Este trabalho busca, então, refletir sobre a relação estabelecida entre o processo de

criação das unidades de conservação da natureza, utilizado como instrumento de política

ambiental e as populações humanas que vivem em seu interior ou em seu entorno. Esta

reflexão tem como objeto de análise o modelo de turismo instaurado na Vila do Aventureiro,

considerado de base comunitária, que a diferencia das demais localidades da Ilha Grande.

Metodologia

Pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo (observação participante e

entrevistas semi-estruturadas). A pesquisa de campo na Ilha Grande foi iniciada em fevereiro

de 2007, com a participação em vários eventos ocorridos na Ilha Grande e em Angra dos Reis

como: evento de ampliação da área do Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG); diversas

reuniões realizadas nas comunidades para desenvolvimento do Plano Diretor da Ilha Grande

(Lei de Diretrizes para a Ilha Grande, complementares ao Plano Diretor de Angra dos Reis) e

para elaboração do Plano de Manejo do PEIG e Oficina de Turismo Comunitário da Vila do

Aventureiro.

Vila do Aventureiro: soluções locais em defesa do local herdado

O processo de criação de unidades de conservação é mais do que a criação de um

espaço físico distinto. Existe uma nova concepção da relação homem-natureza. Concepção de

que a única forma de proteger a natureza é afastá-la do homem. Esta mesma lógica foi

absorvida, também, pelos países do Terceiro Mundo, inclusive pelo Brasil, que apresenta

realidade sociocultural e ambiental distinta. Nesses países, nas áreas naturais, vivem

populações portadores de uma outra cultura, chamada de trabalho tradicional, com seus mitos

próprios e de relações com o mundo natural distintas daquelas existentes nas sociedades 4

urbano-industriais (DIEGUES, 2001). No entanto, a legislação brasileira prevê, como nos

Estados Unidos a transferência dos moradores destas áreas, que segundo Diegues (op. cit.)

vem sendo responsável pelo surgimento de uma série de problemas de caráter ético, social,

econômico, político e cultural. Todo este processo está inserido dentro de uma lógica do

pensamento ambientalista, que segundo Prado (2003a), fomenta a percepção sobre as

populações locais, nativas, como aquelas que apresentam atitudes e ações “não ecológicas”,

ao invés de considerá-las portadoras de uma “ecologia nativa”, com uma visão particular e

local.

Criam-se, desta forma, processos de exclusão, desapropriação, restrição à utilização

dos recursos naturais, que significam a garantia de sobrevivência para muitas populações.

Processos que levam a crises locais, em alguns casos à pobreza, e a relações conflituosas

entre diversos atores sociais. Neste contexto se insere a comunidade da Vila do Aventureiro,

localizada na parte sul da Ilha Grande, voltada para o mar aberto com aproximadamente 800 m

de praia (COSTA, 2004). Esta região é habitada há cerca de 150 anos por uma população de

agricultores pescadores tidos como “caiçaras”, que se auto-denominam “povo do Aventureiro”.

As populações caiçaras eram constituídas, por lavradores-pescadores, com raras exceções por

comunidades essencialmente pesqueiras. O Gênero da vida caiçara combina, então, a

agricultura de subsistência, baseada na mandioca com a pesca (ADAMS, 2000).

O nome Aventureiro, conforme relatos, parece ter relação com as difíceis condições de

comunicação com o continente e a ausência do conforto urbano. Necessita-se, desta, forma,

aventurar-se para atravessar o mar e chegar ao paraíso (FERREIRA, 2004). Este paraíso é

formado por uma paisagem constituda de praias, floresta de declive, restinga, duas lagoas,

grandes rochas (WUNDER, 2006) que atrai principalmente visitantes jovens, muitos deles

surfistas, oriundos principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo, conhecidos como os

mochileiros.

No Aventureiro foram criadas duas unidades de conservação da natureza pertencentes

à categoria de Proteção Integral: a Reserva Biológica da Praia do Sul (1981) e o Parque

Estadual Marinho do Aventureiro (1990). A unidade de conservação em questão é uma reserva

biológica, portanto, o tipo mais restritivo, na qual não é permitida a presença de moradores e

nem de turistas. É importante destacar que a comunidade presente no local não está

estabelecida no entorno, mas sim, dentro da área da reserva. Apesar disto, a localidade tem

recebido um grande contingente de turistas, que representa, atualmente, sua principal fonte

para sobrevivência. Atividades ligadas ao turismo que em alguns momentos são suspensas e

impedidas pela fiscalização dos órgãos públicos. Por esta razão Catão (op. cit., p. 6) revela que5

Esta população tem vivido, na prática, as conseqüências do embate teórico

entre questões que mobilizam historicamente o ambientalismo. A visão biocêntrica e a

que respeita a permanência da população local. Estas visões têm, entretanto, se

atualizado. Paira ainda sobre a comunidade a ameaça de expulsão. Opiniões se dividem

sobre quase todos os aspectos de sua vida atual, como se o simples fato de existirem

em seu ambiente, herdado dos antepassados, fosse motivo de polêmica.

Por esse motivo, no momento de sua criação, foi prevista a retirada da população

nativa, fato que não aconteceu, por decisão do próprio órgão gestor, a Fundação Estadual de

Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA. Desde 1981, essa população tem tido que conviver

com uma situação de “ilegalidade” e a tutela do órgão ambiental. Segundo Costa (2004, p. 30)

a tutela se caracteriza “como um mecanismo político de dominação, colocando as populações

em estado de ilegalidade, constituído por condutas “anti-sociais”’. O tutelado necessita, então,

de alguém que atue e decida em seu lugar. Desta forma, “o povo do Aventureiro” não tem tido

autonomia para tomar decisões e traçar seu destino livremente. O atual sistema, também

impediu a chegada de serviços públicos como luz elétrica e telefone, além de outros benefícios

que se contrapõem à legislação ambiental (COSTA, op. cit.). No entanto, a população luta e

resiste com o apoio de um grupo de pesquisadores que têm feito intervenções com a proposta

da criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, ou outra categoria menos

restritiva, no local onde está estabelecida a população.

Com a diminuição da atividade agrícola e pesqueira, os moradores perceberam o

turismo como uma nova oportunidade de trabalho e renda. O fato do turismo ser realizado de

forma “reprimida”, por está localizado em unidade de conservação de proteção integral, a

implantação da atividade ocorre de forma diferenciada dos modelos das outras localidades da

Ilha Grande. Quase todos os que trabalham com turismo são moradores nativos, exceto alguns

caracterizados como novos residentes e de nativos ex-moradores, que retornam na alta

estação (CATÃO, op. cit.). No Aventureiro, os únicos meios de hospedagem são os camping.

Além das áreas de camping nos terrenos das casas, destacam-se os serviços de transporte de

turistas nos barcos e a venda de refeições e bebidas (CATÃO, op. cit. e WUNDER 2006). Na

vila, é a própria população nativa que organiza o as atividades relacionadas com o turismo,

partindo de sua experiência de vida, diferenciando o modelo local do restante da Ilha. Ou seja,

conforme Prado (2005, p. 14) “...é a única praia da Ilha que a comunidade local tomou

inteiramente em suas mãos a condução do turismo que a li ocorre, totalmente a seu jeito.”

Dentro de uma incompatibilidade entre a lei e as práticas reais, como resultado de

várias pressões e em atendimento à demanda local, é consentida à população do Aventureiro a 6

receber turistas. Foi implementado o plano de carga em comum acordo com a Prefeitura de

Angra dos Reis, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Procuradoria Geral do Estado

do Rio de Janeiro, FEEMA e comunidade do Aventureiro, representada pela Associação de

Moradores. O termo, com validade a partir do dia 26 de dezembro de 2006, delineia um acordo

de capacidade de carga para a área destinada ao camping de 560 pessoas por dia e o número

de campings em 18 no máximo (ILHA GRANDE.ORG, 2007). O resultado deste processo é

detacado por uma moradora na Oficina de turismo comunitário realizada em 21 de outubro de

2007: “Antigamente era muita bagunça. O pessoal acampava na praia. Aí melhorou. A

TURISANGRA1 colocou limite e ficou melhor, mais organizado. Antes de ter este controle, tinha

muita gente que ia embora e não pagava o camping, não pagava nada, agora não eles pagam

direitinho [...] Agente ganha dinheirinho, todo mundo ganha o seu.”

Os moradores percebem que a chegada do turismo foi responsável pela mudança de

suas vidas para melhor (VILAÇA; MAIA 2006). Não há duvidas de que a renda advinda do

turismo interfere de uma nova forma na economia local comparativamente com as atividades

tradicionais ligadas aos recursos florestais, à agricultura doméstica e à pesca. Os resultados

econômicos são evidentes: os moradores puderam construir mais quartos para a família e para

aluguel; a aquisição de móveis, antenas parabólicas, geradores - que permitiu o uso de

máquina de lavar, geladeira, freezer, liquidificador e televisão. (VILAÇA; MAIA, op. cit., Wunder,

op. cit., FERREIRA, op. cit.). A renda que chega com as atividades ligadas ao turismo,

também, leva alguns moradores a abandonarem suas atividades econômicas. Alguns homens

deixaram a pesca de sardinha para ficar mais perto da família, assim como as mulheres mais

jovens deixaram de ir para a roça, pois conforme relato: “Não compensa o esforço.” (WUNDER,

op. cit., p.176). Segundo Wunder, a introdução do turismo pode ter duplicado ou triplicado a

renda média das famílias do Aventureiro.

Apesar de ser possível perceber pequenas alterações nas moradias locais, a despeito

das proibições de construir ou aumentar as casas, não são constatadas alterações

significativas na paisagem. Conforme declaração de Catão (op. cit., p. 10): As casas seguem o padrão de distribuição da vila caiçara, em que a maioria

delas é protegida pela vegetação e interligada por uma rede de caminhos. Como os

meios de hospedagem existentes não são fixos (barracas de camping), o turismo no

Aventureiro assemelha-se a um cenário que se monta e desmonta periodicamente.

1 Fundação de Turismo de Angra dos Reis

7

Uma outra mudança provocada pela chegada do turismo é a criação de uma nova

sociabilidade no lugar, introduzida pela sociedade urbana em férias (RAMBAUD 1969 apud

FERREIRA, op. cit.). Neste sentido, as relações sociais instituidas pelos nativos sofrem

mundança. A solidariedade no Aventureiro era representada pelos multirões nas roças e

construções das casas, na troca dos produtos agrícolas entre os moradores, no trabalho de

puxar a rede de pesca (FERREIRA, op. cit.). Segundo (RAMBAUD 1969 apud FERREIRA, op.

cit.), o turismo rompe a homogeneidade das relações no lugar e troca a idéia de solidariedade

pelo individualismo. No entanto, no caso do Aventureiro, mesmo que se apresente um modelo

de turismo diferenciado, presencia-se uma ruptura entre as formas de relação com a

intensificação da atividade. Conforme Ferreira (op. cit., p. 93) tendo com referência relatos de

moradores, estabelecem-se relações que “cada um cuida de si e procura se dar bem, quer ser

melhor do que o outro”. O que é inevitável pois, conforme introduzido, os lugares não existem

no espaço e sim numa matriz em permanente movimento. Tudo se transforma em um mundo

que possui sua própria dinâmica.

Em 2000, a comunidade recebe um representante oficial com o surgimento da

Associação de Moradores e Amigos do Aventureiro – AMAV. Esta associação surgiu devido à

instauração de um processo civil público movido pela Associação Permanente de Defesa do

Meio Ambiente - APEDEMA que apresenta como um das ações objetivos o remanejamento da

população da Praia do Aventureiro. A associação que surge com o objetivo de defender os

moradores do possível processo de expulsão, se transforma em um canal de representação e

participação da população (COSTA, op. cit.).

Apesar do conflito causado pela criação das unidades de conservação, destaca-se a

questão levantada por Ferreira (2004) ao imaginar o que seria do Aventureiro, caso a Reserva

Biológica deixasse de abrangê-lo, tornando o espaço vulnerável à especulação imobiliária,

como acontece no restante da Ilha. Porém a questão destacada por Ferreira, também

representa a preocupação da comunidade, conforme relato de uma moradora durante a Oficina

de turismo realizada em outubro de 2007:

“Acho que a reserva é bom pra gente, se não tiver reserva vai ficar ruim pra

nós. Se não tiver reserva tem que ter outra coisa. Porque senão chegam e vão

comprando, porque eles acabam vendendo e quando vende uma casa, o outro que tem

dinheiro, compra para fazer pousada.Vende a casa aqui e vai lá para a favela de

Angra...”

8

Atualmente a comunidade se reune em fóruns locais para discutir a proposta da

recategorização da unidade de conservação, a princípio a transformação em Reserva de

Desenvolvimento Sustentável - RDS. Para um morador, reunído no fórum realizado em 16 de

fevereiro de 2008, a RDS que ele deseja é aquela em que: “Nós nativos temos o direito ao

nosso pedaço de chão”. Pedaço de chão que lhes dará o direito de plantar: “Eu quero direito à

roça. Meu direito à terra que eu vivi ”.

Um outro morador tem como foco central a manutenção da comunidade no local e a

apropriação pelos moradores da cadeia produtiva local que tem como principal atividade o

turismo, contra a entradada de agentes externos. Pois, por mais que a criação da reserva

tenha provocado conflitos pelas restrições impostas, a retirada da comunidade de dentro dela

pode ser sinônimo de perigo, ao permitir a ocupação do lugar por pessoas de fora:

“...para tomar aquela terra toda, tudo aquilo ali, pra construir pousada e hotel,

ou seja, tomar a vista mais bonita do Aventureiro, aquele coqueiro, cheio de bichos

andando lá, pra dar direito ao seu Oscar, lá de São Paulo botar pousada lá em cima.” [...]

Então agente tem que botar na cabeça é isso: vamos tirar da reserva? Então vamos tirar.

Se for tirar pra vir uma coisa que não dê direito a virem os empresários. É agente tirar

pra dar direito aos moradores, aqueles que nasceram no Aventureiro, que estão aqui

envolvidos com o turismo no Aventureiro. Agora, se for pra tirar da reserva e dar direito

às pessoas de fora virem aqui e construir, avançar e tomar o Aventureiro da gente, é

preferível que fique na reserva e a gente fica nesse empurra-empurra.

Desta forma, paira ainda no ar, a dúvida: -Qual seria melhor alternativa para a

comunidade como forma de protegê-la e prover mais liberdade para continuarem com as

atividades ligadas ao turismo ou outras alternativas que surjam?

Resultados e Conclusões

A luta pela posse da terra e contra a expulsão da população do local herdado, foi

fundamental para o surgimento de um núcleo comunitário de famílias que estabeleceu um novo

olhar sobre a questão do espaço em que vive. Esses núcleos familiares foram os responsáveis

pelo aparecimento das associações comunitárias, que hoje se apresentam como núcleos

legítimos de diversas comunidades. Se inicia, então, o processo de organização, do povo do

Aventureiro. As famílias tiveram um papel fundamental na construção da história de

organização, luta e resistência. A atuação das famílias e da associação de moradores

9

contribuiu, para o fortalecimento do sentimento de “pertencimento” à terra e para a perspectiva

de futuro (MENDONCA, op. cit.).

Este exemplo destaca as declarações de Tonnies (1973), no que se refere na formação

das comunidades territoriais. Para ele, é a partir das famílias que se formam, com suas devidas

especificações, os complexos determinados pelo solo distinguidos como: o país; a região; a

aldeia. O autor (op. cit., p.106) declara, também, que todas essas diferentes formações “estão

contidas ou provém da idéia de família, enquanto expressão geral da realidade comunitária.”

A comunidade da Vila do Aventureiro, que vive em contexto de conflitos e lutas

permanentes, apresenta um modelo de turismo que é o resultado local na busca de alternativas

contra um sistema caracterizado pela crise da pesca, processo de criação de Unidades de

Conservação, pela ameaça de expulsão dos nativos de suas terras, pela falta de participação

efetiva dos moradores na tomada de decisão em instâncias diversas (MENDONÇA, op. cit.).

Sob esta perspectiva, o modelo de turismo comunitário é, aqui, considerado, conforme

declaração de Prado (2005, p. 13), como uma prática “vista como “transgressões” mediante

novos sistemas de valores que ali aportaram.Turismo comunitário que surge em contraponto

aos modelos de desenvolvimento caracterizados por ações de exclusão e a promoção do

crescimento das desigualdades sociais. Estes modelos locais de turismo foram construídos em

um cenário de lutas permanentes contra agentes externos (grileiros, agentes imobiliários,

empresários, poder público, poder judiciário, entre outros) (MENDONCA op. cit.). No caso do

Aventureiro, seu maior inimigo é o Governo do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela

criação e gestão da Reserva Biológica da Praia do Sul.

O turismo comunitário, então, é um exemplo de “indigienização da modernidade”

(SAHLINS, op. cit.). Pois este modelo de turismo representa a forma pela qual as

comunidades, em sua região, se apropriam das imposições externas regidas por uma lógica

mundial e as transformam a favor de seus próprios intresses e objetivos. Construindo, a seu

modo, um projeto em que a população local se torna sujeito e participante ativos de seu próprio

desenvolvivimento, não apenas meros espectadores.

A reflexão aqui apresentada, infere-se que a real incorporação destas comunidade no

processo de criação e implantação de unidades de conservação e também de projetos

turísticos é elemento fundamental tanto para a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar

das comunidades como para a preservação dos recursos naturais. Um processo de tomada de

decisão partilhada e a co-gestão de projetos é uma das formas de garantir a proteção da

dignidade, pois não há razão pela qual as comunidades não devam decidir que grau de

mudanças e limites estão dispostas aceitar e tolerar. Certamente um modelo que se caracterize 10

pela voz e demanda dos atores locais, pois não há direito maior de um indivíduo do que a

oportunidade de escolher seu próprio destino. É necessário, desta forma, restituir às pessoas e

às comunidades o papel, não apenas de atores, mas sim de sujeitos de seu próprio mundo.

Este papel é reivindicado pelo “povo do Aventureiro”, conforme declaração de uma moradora

participante do fórum realizado em 16 de fevereiro de 2008:Que futuro nós queremos para o Aventureiro? É o pensamento de muitos

moradores: nós queremos o direito a permanência na terra, o direito à sobrevivência na

Praia do Aventureiro com meios, com o direito à roça, à pesca, ao turismo e ao

artesanato. O direito de poder viver com soberania e ter autoridade para decidir sobre a

praia do Aventureiro, decidir que praia nós queremos, que comunidade que nós

queremos. Agora desta vez tudo vai depender de nós, esse é o momento de juntar

forças e decidir que Aventureiro nós queremos. Queremos também o título da terra e

meios dignos de sobrevivência, meios de trabalho. Nós queremos trabalhar, não

queremos esmolas, nós não queremos bolsa família, nós queremos trabalho com

dignidade...

Exemplos como da Vila do Aventureiro comprovam que eles não são apenas atores

sociais, eles são sujeitos sociais, que atuam também como autores de seu destino, pois criam,

roteirizam e atuam na sua história. No entanto, compactuo com Velho (1994, p. 45), ao levar

em consideração que os moradores do Aventureiro não são “atores-sujeitos” na sua plenitude,

pois estes “São empurrados por forças e circunstâncias que têm que enfrentar e procurar dar

conta”. Forças e circunstâncias provocadas pela criação da Reserva Biológica que obrigaram o

“povo do Aventureiro” a se organizar, dentro de um cenário de tutela e “ilegalidade”.

As mudanças provocadas pela criação da unidade de conservação, certamente criaram

momentos de crise na Vila do Aventureiro. Para Park (1979), esta palavra não pode ser

entendida como um fato violento. Porém, certamente, na perspectiva do povo do Aventureiro,

as mudanças exigidas, a crise, significam ações de grande violência para aqueles que moram

na região, que são obrigados a se adaptar às exigências de um dia para o outro, sem que

tenham tido a oportunidade de tomar decisão ou influenciar em su destino.

Alguns moradores se adaptaram, outros tentam se adaptar às exigências atuais, porém

resistem e sobrevivem. Lutam através de manifestações, de protestos, negociações e, até

mesmo, burlando as leis. Lei que está sendo revista no caso do Aventureiro, população que

tem sobrevivido de forma bem sucedida com o turismo. As respostas dadas pelos moradores

do Aventureiro representam a capacidade de adaptar-se às circunstâncias e garantir a

permanência na Ilha Grande com melhor qualidade de vida e com a conquista de seus direitos.

11

Lutam por um modelo de turismo que se contrapõe ao modelo instaurado na Vila do Abraão e

em outras praias da Ilha Grande. Eles têm vivenciado a experiência de serem empreendedores

e gestores de seus próprios negócios.

Destaco que o modelo de turismo da Vila do Aventureiro representa, conforme

Coriolano e Silva (2007, p. 51), uma estratégia de sobrevivência e inserção daqueles que

possuem poucos recursos econômicos para atuarem nas atividades ligadas ao turismo.

Certamente é um modelo de turismo que “...pensa o lugar, a conservação ambiental e a

ressignificação cultural.”

O turismo foi uma escolha legítima, movida pela aspiração do “povo do Aventureiro” de

melhorar a qualidade de vida local, em oposição à situação de pobreza imposta pelas

restrições ambientais. O “povo do Aventureiro”, possuidor de consciência própria, de uma

dinâmica continuamente em processo de formatar e desenhar seu destino, cria e recria a

essência de seu ser.

Referências Bibliográficas

ADAMS, Cristina. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem: a necessidade de uma

nova abordagem interdisciplinar. In Revista de Antropologia v. 43 n. 1. São Paulo:USP, 2000.

CATÃO, Helena & Carneiro, Maria José. Conservação ambiental, turismo e população local. I Congresso Acadêmico de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: CADMA

EBAPE/Fundação Getúlio Vargas, 2004.

CORIOLANO, Luzia Neide M. T. 2 ed. Do local ao Global: o turismo litorâneo cearense.

Campinas: Papirus, 2001.

CORIOLANO, Luzia Neide M. T.; SILVA, Sylvio B. de M. e. Turismo: prática social de

apropriação e dominação de territórios. In: CORIOLANO, Luzia Neide M. T.; VASCONCELOS,

P. F. (org.). O Turismo e a relação sociedade-natureza: realidades, conflitos e resistências.

Fortaleza: EdUECE, 2007. p. 44-56.

COSTA, Gustavo Villela Lima. A população do Aventureiro e a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul: conflitos e disputas sob tutela ambiental. Dissertação de mestrado: Rio de

Janeiro: UFRRJ/Museu Nacional/Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, 2004.

DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1998.

______. Ecologia Humana e Planejamento em Áreas Costeiras. 2 ed. São Paulo: Núcleo de

Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas em Áreas Costeiras, USP, 2001.

12

FERREIRA, Helena Catão Henriques. Redefinindo Territórios: preservação e transformação no Aventureiro – Ilha Grande (RJ). Dissertação de mestrado: Rio de Janeiro:

UFRRJ/ICHS/CPDA, 2004.

ILHA GRANDE.ORG. Aventureiro. Disponível em: http://ilhagrande.org/sys/s.ig?a=42. Acesso

em: 02/mar/2007.

INGOLD, Tim. Jornada ao Longo de um Caminho de Vida – Mapas, descobridor-caminho e

navegação” In: Religião e Sociedade. 2005. V. 25, n 1, (p. 76–110)

MENDONÇA, Teresa Cristina de Miranda. Turismo de base comunitária: soluções locais em

defesa do local herdado. Estudos de caso: Prainha Do Canto Verde (Beberibe/CE) e Vila do

Aventureiro (Ilha Grande, Angra dos Reis/RJ). In: X Encontro Nacional de Turismo de Base

Comunitária. João Pessoa: UFPB, 2007. CD-ROOM.

PARK, R. E. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio

urbano. In: VELHO. O. (org). O Fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1979 (p. 26-67)

PRADO, Rosane. As espécies exóticas somos nós: Reflexão a propósito do ecoturismo na Ilha

Grande. Horizontes Antropológicos – Turismo, nº 20 ano 9, Porto Alegre: UFRGS, 2003a.

______. De praias que viram morros e do valor da natureza. XIX Encontro Anual da

ANPOCS. Caxambu-MG: 2005.

SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura

não é um “objeto” em via de extinção - Parte I. Mana 3/2 (Estudos de Antropologia Social), abril/1997. Rio de Janeiro: PPGAS, Museu Nacional, UFRJ/Ed. Contracapa, 1997 .

93131997000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15/jan/2007.

TÖNNIES, Ferdinand. "Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais", in F.

Fernandes (org.), Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais,

metodológicos e de aplicação. SP: Nacional/Edusp, 1973.

VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas. Rio de

Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994.

VILAÇA, Aparecida; MAIA, Ângela de Azevedo. O povo do Aventureiro In: PRADO, Rosane

(org.). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond/EDUERJ, 2006. p.

59-104..

WUNDER, Seven. Modelos de Turismo, florestas e rendas locais. In: PRADO, Rosane (org.).

Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond/EDUERJ, 2006. p. 133-190.

13