O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE … · RESUMO O mecanismo denominado pipeline foi...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITO O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE REMANESCENTE DE PROTEÇAO DA PATENTE ORIGINÁRIA E LIMITADOR. LUÍS BERNARDO COELHO CASCÃO PROFESSOR DOUTOR JOÃO MARCELO DE LIMA ASSAFIM Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE – REMANESCENTE DE PROTEÇAO DA PATENTE ORIGINÁRIA E

LIMITADOR.

LUÍS BERNARDO COELHO CASCÃO

PROFESSOR DOUTOR JOÃO MARCELO DE LIMA ASSAFIM

Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE – REMANESCENTE DE PROTEÇAO DA PATENTE ORIGINÁRIA E

LIMITADOR. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, área de Direito Econômico e Desenvolvimento, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor João Marcelo de Lima Assafim

Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE – REMANESCENTE DE PROTEÇAO DA PATENTE ORIGINÁRIA E

LIMITADOR. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito, submetida à aprovação da Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: __________________________________ Orientador Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim __________________________________ Prof. Dr. __________________________________ Prof. Dr.

Rio de Janeiro 2009

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Àminha esposa, Priscilla Ferreira Branco Cascão, aos meus pais, Luiz Augusto Cascão e Eliane de Barros Coelho Cascão, e a meu irmão, Luís Victor Coelho Cascão

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AGRADECIMENTOS À minha esposa, por todo incentivo, compreensão e apoio incondicional em

todas as horas.

Ao meu pai, por ser o grande motivador dessa empreitada acadêmica.

À minha mãe e irmão, por toda a dedicação e atenção.

Ao meu orientador, Prof. João Marcelo de Lima Assafim, pelos conselhos

sempre úteis e precisos com que, sabiamente, orientou esse trabalho.

Ao grande amigo, verdadeiro irmão mais velho, Juan Vazquez, por toda ajuda,

incentivo, conselhos e orientação.

Ao amigo, Marcelo Campos, por toda ajuda e incentivo.

Ao amigo, Sérgio Reis, pela fundamental colaboração na reta final da

dissertação.

Aos amigos de Mestrado, por tornarem mais agradável essa fase de intenso

trabalho.

Aos Professores do programa de mestrado, por terem colaborado com a

formação de nossa turma e por dividirem conosco tudo o que sabem.

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“Essa idéia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. (…) Assim, a minha idéia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim.” Machado de Assis

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RESUMO O mecanismo denominado pipeline foi institucionalizado através da Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996, com o objetivo de possibilitar o depósito de pedidos de patentes de invenção referentes a uma série de produtos e processos ligados à área químico-farmacêutica, proibidos pela legislação anterior. É um mecanismo temporário e transitório que marcou o período de mudança legislação referente à propriedade industrial. Devido ao caráter excepcional, as patentes depositadas mediante o mecanismo do pipeline apresentam requisitos, conceitos, procedimento concessório e prazo de vigência próprios. Treze anos após sua inclusão no país surgem ainda discussões a seu respeito em especial quanto à contagem do prazo de vigência e possibilidade de extensão do mesmo.

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ABSTRACT

The pipeline provision was enacted by Law nr. 9.279, of may 14th, 1996, in order to allow the filing and grant of patent applications regarding products related to the chemical and pharmaceutical area that were prohibited under the previous legislation. It is a temporary and transitory mechanism that enhances the transition imposed by the Brazilian patent statute. For being an exception, pipeline patents differs from regular patents in proceeding, requirements, form, grant and duration of rights. Even though it has been 13 years of the patent statute enactment, pipeline patents still subject to much controversy, especially when it comes to setting its correct expiration date, and the revalidation of term extensions obtained in the country where the first application for the invention was filed.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

1 ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS SOBRE PATENTES .................... 17

1.1 A Escassez - problema econômico ............................................................................................. 18

1.2 Conhecimento – bem imaterial escasso ..................................................................................... 20

1.3 Benefícios sociais e privados ....................................................................................................... 21

1.4 Fomento à inovação – comportamento do investidor ............................................................... 23

1.5 Teorias que justificam a concessão de direitos exclusivos........................................................ 27

1.6 Patente como ferramenta do desenvolvimento ......................................................................... 29

1.7 Indústria farmacêutica e patentes .............................................................................................. 33

1.8 Segurança jurídica ...................................................................................................................... 35

1.9 Breves comentários sobre patentes e direito antitruste ............................................................ 37

1.10 Uma breve análise sobre a dinâmica do mercado ................................................................... 41

2 PROPRIEDADE INDUSTRIAL – PRECEDENTES E TRATAMENTO INTERNACIONAL ............................................................................................ 44

2.1 Nomenclatura e precedentes nacionais e internacionais .......................................................... 44

2.2 Convenção da União de Paris ..................................................................................................... 47

2.3 Acordo Geral Sobre Direitos de Propriedade Intelectual - TRIPS ......................................... 48

2.4 Princípios sobre propriedade industrial encontrados nos tratados ........................................ 49 2.4.1 Principais aspectos do TRIPS com relação às patentes ....................................................... 53

2.5 Prazo de vigência e tratados internacionais .............................................................................. 54

3 A LEI 9.279/96 E A TRANSIÇÃO PARA O MODELO TRIPS ...................... 58

3.1 Processo legislativo da LPI ......................................................................................................... 58

3.2 Período de transição TRIPS e LPI ............................................................................................. 59

4 A PATENTE DE INVENÇÃO ........................................................................ 63

4.1 Previsão constitucional da patente de invenção ........................................................................ 64

4.2 Requisitos materiais para concessão de patentes de invenção ................................................. 65

4.3 Condições do pedido .................................................................................................................... 68

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4.4. Processamento do pedido e concessão da patente de invenção ............................................... 69

4.5 Prazo de vigência de uma patente regular ................................................................................ 70

5 MECANISMO DENOMINADO PIPELINE ..................................................... 74

5.1 Requisitos para concessão de patentes pipeline......................................................................... 76

5.2 Procedimento administrativo de concessão ............................................................................... 77 5.2.1 Anuência prévia da ANVISA .............................................................................................. 79

5.3 Sobre a constitucionalidade das patentes pipeline .................................................................... 81

6 O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE ............................... 88

6.1 Causas dos pedidos de correção de prazo das patentes pipeline .............................................. 90

6.2 Patentes obtidas por meio do direito de prioridade ................................................................. 92 6.2.1 Prioridade unionista ............................................................................................................ 92 6.2.2 Prioridade interna ................................................................................................................ 95

6.3. Extensão do prazo de vigência................................................................................................... 96

6.4 O Prazo de uma patente de invenção nos Estados Unidos ..................................................... 102 6.4.1 A Prática americana dos pedidos em continuação............................................................. 104

6.4.1.1 Continuation ........................................................................................................... 105 6.4.1.2 Continuation-in-part ............................................................................................... 109

6.5 O prazo de uma patente de invenção Européia ...................................................................... 110

6.6 O Prazo de uma patente de invenção no Japão ...................................................................... 111

6.7 O §4° do art. 230 da LPI – o prazo da patente pipeline .......................................................... 112 6.7.1 Termo a quo – a data do depósito no Brasil ...................................................................... 112 6.7.2 Termo ad quem – o prazo remanescente de proteção no país de origem .......................... 113 6.7.3 Prazo máximo – 20 anos contados do depósito ................................................................. 116

6.8 O prazo de validade de acordo com o INPI – o limitador ...................................................... 118

6.9 A repercussão do limitador na jurisprudência e doutrina ..................................................... 120 6.9.1 Apoio à interpretação do INPI .......................................................................................... 121 6.9.2 Argumentos contrários ao INPI – a irrelevância do primeiro pedido ................................ 125

6.10 Argumentos adicionais do INPI para impedir a correção ................................................... 136 6.10.1 Forma diferenciada de determinar o prazo de vigência ................................................... 137

6.10.1.1 Os pedidos em continuação americanos ............................................................... 139 6.10.2. Patentes obtidas através do direito de prioridade ........................................................... 144 6.10.3. Extensão da patente estrangeira revalidada .................................................................... 146

6.11 Patentes pipeline – dependência e ordem pública ................................................................. 150

10 CONCLUSÃO ........................................................................................... 155

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 165

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INTRODUÇÃO

Em 1945 o Brasil deixou de conferir proteção patentária para produtos

alimentícios, químicos e farmacêuticos. Em 1971, quando da promulgação do antigo

Código de Propriedade Industrial, Lei 5.772, tal proibição passou também a abranger os

respectivos processos de obtenção dos mencionados itens1.

Tal medida tinha como maior motivação criar um ambiente propício ao

desenvolvimento das indústrias brasileiras de atuação nesse seguimento. Essa medida

política, que era para ser transitória e durou meio século, apontou o país para um

caminho que pode não ter sido o mais adequado para o desenvolvimento tecnológico e

econômico2. Em adição, essa política criou animosidade com os principais parceiros do

Brasil no comércio exterior3.

Pressionado por países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos, o Brasil

resistiu por anos. Porém, com a criação da Organização Mundial do Comércio

(“OMC”), na década de 90, o país mudou sua posição.

O país adiantou-se em atender ao Anexo 1C do Tratado Constitutivo da OMC,

no caso o Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados

ao Comércio (“TRIPS”)4, e reformulou sua legislação interna concernente à propriedade

industrial de forma a conferir proteção a mais ampla variedade de campos tecnológicos

a partir do PL 824/1991.

Assim, foi elaborada uma nova legislação sobre propriedade industrial que,

dentre várias características de incremento dos níveis de proteção, destaca-se o fato de o

Brasil voltar a conferir proteção pelo privilégio de patente aos inventos que

1 DI BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial. Os Sistemas de Marcas, Patentes e Desenhos Industriais Analisados a partir da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro, Forense, 2ª ed., 2005, p. 322. 2 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A proteção jurídica das invenções de medicamentos e de gêneros

alimentícios. Porto Alegre, Síntese, 2000, p. 155. 3 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 7. 4 BRASIL. Decreto 1.355 de 31 de dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que incorpora os resultados da rodada do Uruguai de negociações comerciais multilaterais do GATT. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm>. Acesso em: 26 de janeiro de 2008.

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envolvessem produtos químicos, farmacêuticos, gêneros alimentícios e seus respectivos

processos de obtenção, a Lei 9.279 de 14 de maio de 1996 - LPI5.

Durante a elaboração do TRIPS, os países membros chegaram a um

entendimento de que o início da aplicação integral do acordo deveria levar em

consideração o nível de desenvolvimento dos participantes. Para os países em

desenvolvimento, caso do Brasil, foi concedido um prazo de cinco anos para

implementação da integralidade do TRIPS. Entretanto, o país pode não ter feito uso

desse prazo de adequação, pois as principais normas do TRIPS foram devidamente

incorporadas na LPI.

Além de, aparentemente, não ter utilizado todo o tempo que dispunha para

implementar o TRIPS, o Brasil parece ter ido mais a diante. Mesmo não havendo

exigência no plano internacional6, a lei brasileira passou a permitir a formulação de

pedidos de patentes de invenção para os produtos e processos acima descritos que

fossem objeto de proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, desde

que obedecidos os requisitos enumerados no art. 230 da referida lei. Instituto que já foi

caracterizado como TRIPS-plus7.

Esse mecanismo é conhecido como pipeline: “um dispositivo legal transitório

que permite o reconhecimento de patente para produtos e processos, desde que estes –

mesmo já pesquisados e desenvolvidos – não tenham sido colocados em nenhum

mercado no mundo”8. O termo pipeline vem do vernáculo inglês e deve ser entendido

como o duto que liga a bancada de pesquisa ao comércio. Ou seja, o produto que ainda

está nas fases finais de desenvolvimento antes de ser comercializado.

A LPI prevê um mecanismo de concessão de patentes diferenciado quanto à

forma e requisitos para depósito, concessão e determinação de prazo de vigência.

O mecanismo do pipeline divide opiniões desde o processo legislativo da LPI9.

Primeiro por que envolve produtos de setores sensíveis, como medicamentos e gêneros

alimentícios. O valor de mercado de alguns medicamentos protegidos por meio do

5 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 26 de janeiro de 2008. 6 BASSO, Maristela. Propriedade intelectual na era pós-OMC. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005. p. 23 et seq. 7 Loc. cit. 8 DI BLASI, Gabriel. Op.cit. p. 321. 9 DOMINGUES. Douglas Gabriel. Op. cit. p. 4 et. seq.

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pipeline é inestimável, mas, certamente, de grande envergadura técnica e econômica.

Inclusive, muitos itens são utilizados no tratamento de doentes portadores do vírus HIV,

câncer, diabetes, depressão etc. Definitivamente, muitos desses produtos, essenciais

para um número considerável de pessoas, são adquiridos em larga escala pelo Poder

Público. Enfim, trata-se da delicada questão do acesso da população a medicamentos10,

envolvendo interesses individuais, homogêneos e coletivos. Em segundo lugar,

questiona-se o impacto que o mecanismo poderia ter sobre a indústria nacional

específica, pois a mesma baseava boa parte de sua fabricação em produtos

desenvolvidos por empresas estrangeiras11. Essa discussão não é só sobre o pipeline,

mas reincidente em todas as situações referentes às patentes com maior repercussão

econômica e social. Apesar de tratar sobre o prazo das patentes pipeline em geral, esse

estudo focará seu objeto nos direitos exclusivos outorgados sobre os conceitos

inventivos empregados na produção e comercialização de produtos farmacêuticos.

Existe relato de que foram depositados 1.182 pedidos de patentes pipeline12, dos

quais 840 foram concedidos até 2007, de acordo com dados disponíveis no portal do

Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI13. Desde a adoção do mecanismo,

muitas discussões vieram à tona, como a questão referente à constitucionalidade do

instituto, a anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e o prazo de

validade dessas patentes – sendo esse último a situação problema do presente trabalho.

O prazo de vigência das patentes pipeline é determinado pelo §4º do art. 230 da

LPI, verbis:

Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único

10 FALCONE, Bruno. Questões controvertidas sobre patentes farmacêuticas no Brasil. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade Intelectual. Estudo em Homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba, Juruá Editora, 2005, p. 209. “A patenteabilidade de medicamentos é questão que enseja as mais entusiásticas discussões em todo o mundo. Em calorosas e apaixonadas alocuções, não raro a proteção da propriedade industrial é colocada como adversa ou restritiva ao acesso à saúde”. 11 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Op. cit. p. 155. 12 SCHOLZE, Simone H.C. Política de patentes em face da pesquisa em saúde humana: desafios e perspectivas no Brasil. In: PICARELLI, Márcia Flávia Santini; ARANHA, Márcio Iorio (Org.). Política

de Patentes em Saúde Humana. São Paulo, Editora Atlas, 2001. p. 52. 13 INPI. Estatísticas. Patentes. Pipeline. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/instituto/estatisticas-new-version> . Acesso em: 04 de julho de 2009.

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Ao garantir o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o

primeiro pedido, a LPI determinou como objetivo fazer com que a patente pipeline

brasileira expirasse na exata mesma data que a patente estrangeira que serviu como base

para a revalidação. Como a duração da proteção pode variar de país para país, para

evitar disparidades intoleráveis com a ordem jurídica nacional, a própria lei impôs um

limitador às patentes pipeline. Assim, uma patente obtida por esse mecanismo não deve

ter duração superior às demais patentes nacionais regulares, ou seja, 20 anos contados

do depósito (art. 40 da LPI). Por fim, para garantir que a patente pipeline expiraria na

mesma data que a correspondente estrangeira, a lei afastou a aplicabilidade do parágrafo

único do próprio art. 40, que determina que as patentes regulares não expirem antes de

10 anos contados da data de concessão da patente.

Ocorre que o INPI concedeu todas as patentes pipeline tendo como expiração

máxima a data correspondente a 20 anos contados da data de depósito do primeiro

pedido no exterior. Na capa das cartas-patentes pipeline pode-se ler o seguinte:

“Validade: 20 anos contados da data do depósito do primeiro pedido, de acordo com os

§§3º e 4º do art. 230 da LPI”14. Em outras palavras, o prazo de vigência das patentes

pipeline não poderia ultrapassar tal limite, mesmo que a patente-base estrangeira

expirasse por algum motivo em data posterior.

A autarquia erigiu um entendimento que, na conjugação do §4º do art. 230 com

o art. 40 da LPI, o limitador de 20 anos deve ser contado da data de depósito do

primeiro pedido no exterior e não o deposito do pedido pipeline no Brasil. Em resumo,

o INPI sustenta que a partir do primeiro depósito no exterior a invenção revalidada pelo

pipeline deixou de ser nova, o titular pode exercer o direito de prioridade da Convenção

da União de Paris, como também pode impedir que terceiros utilizassem a invenção

reivindicada.

A aplicação dessa interpretação restritiva quanto o limitador fez com que muitas

patentes pipeline expirassem antes que suas correspondentes estrangeiras oriundas de

países ou organizações internacionais onde, por algum motivo, a duração fosse superior

a 20 anos do primeiro depósito.

Como de fato muitas patentes pipeline tiveram o assinalado como termo final

data anterior à expiração da patente-base, os titulares passaram a buscar a correção dos

14 O texto aqui reproduzido pode ser verificado, por exemplo, na patente pipeline PI1101059-2.

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respectivos prazos de vigência perante o Poder Judiciário15. Os titulares argumentam

que as patentes pipeline devem expirar na mesma data que sua correspondente

estrangeira, salvo se o prazo desta última ultrapassar 20 anos contados da data do

depósito no Brasil.

A maioria das correções pleiteada faz referência apenas ao prazo original das

patentes estrangeiras. No entanto, em alguns casos, os titulares também buscam

revalidar no Brasil extensões de prazo obtidas no país de origem, o que fez crescer a

importância da discussão.

Nesse contencioso específico, o INPI reitera nas peças processuais a sua

interpretação quanto ao limitador, ou seja, que uma patente pipeline não pode expirar

em data posterior aos 20 anos contados da data do depósito do primeiro pedido para

invenção. Em adição, para rebater as colocações dos titulares, a autarquia sustenta que

as correções pleiteadas não podem ser trazidas para o Brasil, pois, em linhas gerais, a

forma estipulada pelas legislações estrangeiras não seriam compatíveis com o

ordenamento jurídico nacional.

Diante do exposto, é preciso verificar se, para garantir o prazo remanescente de

proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, o ordenamento jurídico

brasileiro permite que uma patente pipeline expire em data posterior aos 20 anos

contados da data do primeiro depósito no exterior. Para tanto, há de se verificar se o

limitador imposto pelo §4º do art. 230 é construído para ser contado a partir do depósito

no Brasil ou do primeiro pedido, como sustenta o INPI. Em seguida, é necessário

determinar se as correções pleiteadas pelos titulares são incompatíveis com o

ordenamento jurídico brasileiro.

Antes de entrar na questão específica referente ao prazo de vigência das patentes

pipeline, serão considerados, ainda que brevemente, os aspectos econômicos, sociais e

políticos que autorizam a adoção do sistema de patentes como instrumento propagador

do desenvolvimento tecnológico e econômico, em especial quanto às patentes

relacionadas à indústria farmacêutica. Também serão abordados alguns precedentes da

evolução do “direito de patentes”, tanto no plano internacional como brasileiro, sendo

essa parte inicial importante para identificar os objetivos perquiridos por tais direitos de

exclusiva. 15 Uma pesquisa conduzida no portal eletrônico do Tribunal Regional Federal da 2ª Região mostrou que a corte já julgou mais de 50 recursos envolvendo a matéria.

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Em seguida, faz-se um relato sobre o novo marco jurídico inserido pela LPI.

Enfim, a transição de uma lei que desprestigiava alguns setores tecnológicos para um

sistema que reflete a ordem econômica mundial renovada pela criação da OMC e o

patamar mínimo de proteção imposto pelo TRIPS.

Então, o mecanismo do pipeline será abordado dentro desta perspectiva. Serão

relatas as principais características desse sistema idiossincrático, suas particularidades

quanto à forma, requisitos, procedimentos e abrangência. Alguns outros pontos de

divergência também serão relatados, com o foco sempre sobre o prazo de vigência.

Por fim, será abordada a situação problema do presente estudo, o prazo de

vigência das patentes pipeline. Nessa parte, serão recuperados os precedentes de como o

INPI chegou ao entendimento de que a patente pipeline não pode expirar em data

posterior aos 20 anos contados da data do primeiro depósito no exterior, como são

contados os prazos das patentes estrangeiras revalidadas mais recorrentes (norte-

americanas, européias e japonesas), a repercussão na jurisprudência e doutrina, e se as

diferentes formas de correção pleiteadas pelos titulares encontram respaldo no

ordenamento jurídico brasileiro.

O objetivo do presente trabalho está em reunir elementos com vistas a dirimir a

controvérsia doutrinária e de interpretação que dá lugar a situação problema.

Aparentemente, ab initio, é possivelmente correta a interpretação que, de acordo com o

§4º do art. 230 da LPI, uma patente pipeline deve expirar na mesma data que a sua

correspondente estrangeira, contanto que o termo final não ultrapasse a data

correspondente a 20 anos contados da data do depósito no Brasil, e que as correções

postuladas pelos titulares são compatíveis com o ordenamento jurídico nacional.

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1 ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS SOBRE PATENTES

Em termos gerais, o sistema de patentes representa uma troca entre um ente o

inventor e determinado poder concedente, onde o primeiro divulga a sua criação de

fundo em troca de um período de exclusividade garantido pelo segundo. Trata-se de um

conjunto de normas jurídicas que visam promover um determinado comportamento

econômico para impulsionar o desenvolvimento – investimentos em pesquisa e na

atividade econômica.

No sistema de patentes existe uma relação muito próxima e interdependente

entre direito e economia, já que elementos de um influenciam o outro. Assim, é preciso

verificar os elementos econômicos que justificaram a construção do sistema de patentes

e que justificam a sua manutenção, além dos elementos jurídicos que causam

conseqüências econômicas. Enfim, analisar os aspectos jurídicos do sistema de patentes

é analisar seus elementos econômicos16.

Direito e Economia devem ser vistos, pois não tanto como disciplinas apenas relacionadas, mas como um todo indiviso, uma espécie de verso e reverso de uma mesma moeda, sendo difícil dizer-se até que ponto o Direito determina na Economia, ou, pelo contrário, esta influi sobre ele. Existe, isto sim, uma intrincada dinâmica de interação recíproca entre ambos, donde tornar-se indispensável para o jurista o conhecimento, pelo menos, de noções básicas de Economia e vice-versa para os economistas.

No tocante às patentes pipeline brasileiras não haveria de ser diferente. Nesse

caso especifico a relação ganha até um pouco mais de relevância se considerado que

essas patentes são relacionadas a muitos produtos farmacêuticos e alimentícios, que são,

definitivamente, imprescindíveis para a população, em especial, nos países em

desenvolvimento.

Assim sendo, é necessário esclarecer alguns aspectos econômicos para que se

possa efetivamente compreender a repercussão completa da intrincada questão referente

ao prazo de validade dessas patentes. Notadamente, o que os entes privados e públicos

16 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia –Introdução ao Direito Econômico, 4ª Edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, pág. 32.

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envolvidos consideram para tomar ou não a decisão de investir em pesquisa e

desenvolvimento e como estes se comportam neste processo17.

1.1 A Escassez - problema econômico

Ao passo que a demanda dos seres humanos expande-se indefinidamente, os

bens ofertados tendem a ser limitados e finitos, ou seja, escassos. Com a necessidade de

suprir a demanda coletiva crescente, os agentes econômicos se organizam para ofertar

os mais variados tipos de bens econômicos18.

O bem econômico é aquele que ao mesmo tempo é útil e escasso. Em outras

palavras, ele serve para atender uma necessidade humana, mas a sua oferta é reduzida

por conta da escassez. O bem econômico pode ser material ou imaterial, pode ser um

produto ou um serviço - pode ter diversas formas. A característica fundamental de um

bem econômico é a sua utilidade e raridade.

Por sua vez, a escassez pode ser de várias ordens. Ela pode ter como origem a

pouca ocorrência de um determinado bem na natureza, dificuldade de obtenção

(extração direta da natureza ou produção), ou simples inexistência. Assim, o valor do

bem econômico é encontrado na conjugação de sua utilidade e escassez19.

Diante do exposto, resta evidente que boa parte das atividades desempenhadas

pelas pessoas visa, justamente, providenciar os meios de se obter os bens úteis e

escassos. Essa lógica é inexorável. O ser humano pratica atos de forma a atender as suas

necessidades, sejam elas básicas ou não.

Não é necessário percorrer o passo a passo de como as relações das pessoas, dos

povos, nações e Estados evoluíram até o estágio atual. O importante é ter sempre em

mente que qualquer pessoa utilizará os bens econômicos excedentes que possui para

obter aqueles que ainda faltam. Nesse sentido, esclarece Fábio Nusdeo:

17 Cabe notar o caráter inter-disciplinaridade da presente análise, que tangencia a teoria dos bens imateriais e eventuais conexões e reflexos com direito da concorrência. 18 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law, 7a Edição, Nova Iorque, Apsen Publishers, 2007, p. 3. “As conceived in this book, economics is the science of rational choice in a world – our world – in which resources are limited in relation to human wants”. 19 Id. Ibid. p. 10. “The economic value of something is how much someone is willing to pay for it or, if has it already, how much money he demands for parting with it”.

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19

Pois bem o conceito de Economia, surge, exatamente, quando se conjugam observações cruciais, decorrentes, como já foi dito, da vivência quotidiana de cada um: a) as necessidades, além de serem em grande número, expandem-se indefinidamente; b) os recursos para o seu atendimento são, em maior ou menor grau, limitados, em uma palavra, escassos. Ora, se assim é, em qualquer sociedade estabelecem-se relações e instituições destinadas a lhe permitir enfrentar o problema da escassez, vale dizer, a criar um padrão decisório coerente a ser utilizado quando recursos escassos devam ser destinados a um fim qualquer. A atividade econômica é, pois, aquela aplicada na escolha de recursos para o atendimento da escassez. E a Economia, o estudo científico dessa atividade, vale dizer: do comportamento humano e das relações e fenômenos dele decorrentes que se estabelecem em sociedade20.

Como grande parcela das atividades humanas busca, justamente, atender a

demanda por bens escassos, tem-se que o comportamento econômico é de elevada

importância para o Direito. Assim, nota-se que é muito próxima a noção de bem

econômico e de bem jurídico . Em verdade, todo bem econômico é bem jurídico21.

Tendo em vista a relação entre Direito e Economia, principalmente o poder que

o Direito positivado tem de alterar as relações econômicas, nada mais natural que o

Direito siga a racionalidade econômica. Se a Economia se encarrega, como ciência, de

estudar a origem da pobreza e riqueza humana, de forma a propor meios de maximizar o

bem-estar social22, é imperioso que a atividade legislativa e a aplicação do Direito siga a

mesma proposta23. Em suma, deve o Direito considerar a eficiência alocativa24 dos

20 NUSDEO, Fábio. Op. cit. p. 30. 21 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I, Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 263, et seq. 22 MARSHALL, Alfred, apud ROSSETTI José Paschoal. Introdução à Economia, 18ª ed., São Paulo, Atlas, 2000. p. 45. Segundo os ensinamentos de Alfred Marshall em sua obra Principals of Economics: “Assim considerada, a economia é o estudo das condições materiais da vida em sociedade dos motivos que levam os homens a ações que têm conseqüências econômicas. São seus objetivos o estudo da pobreza, enquanto estudo das causas da degradação de uma grande parte da humanidade; das condições, motivações e razões de riqueza; das ações individuais e sociais ligadas à obtenção do bem-estar”. 23 ALMEIDA, Liliane do E.S. Roriz de. Desenvolvimento, Propriedade Industrial e Judiciário – a importância da propriedade industrial para países em desenvolvimento. In: IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos Jurídicos e Técnicos (org.), Propriedade Intelectual – Plataforma para o

Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Renova, 2009, p. 155. “As diversas áreas de estudo e atuação de uma sociedade – política, economia, direito, dentre outras – não representam setores estanques. Pelo contrário, essas áreas distintas das ciências humanas se intercomunicam, conversando entre si e gerando conseqüências umas sobre as outras, criando um espaço interdisciplinar onde se estabelece o cenário para que um Estado possa se desenvolver. (...) A Taxa de crescimento de um país está intimamente relacionada ao nível de investimentos que recebe, que, por sua vez, está diretamente relacionado à sensação de segurança jurídica que o país oferece”. 24 V. HOVENKAMP, Herbert. Federal Antitrust Policy. The Law of competition and its practice. St. Paul, Westlaw, 1994, p.74. “Allocative efficiency refers to the welfare of society as a whole. Given a certain amounts of inputs or resources, what use and assignment of these resources will make society best off, economically measured? The concept of allocative efficiency is not self-defining, and different

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recursos escassos como forma de maximizar o bem-estar social, obviamente, sem deixar

de lado os demais valores igualmente tutelados25.

1.2 Conhecimento – bem imaterial escasso

Como dito anteriormente, a escassez pode ter várias origens e formas, mas, ao

longo da história, o homem encarregou-se de encontrar soluções para esse problema

econômico. Parte da escassez pode ser remediada por meio do conhecimento técnico e

científico. Por exemplo, como aumentar a produtividade de uma lavoura, como extrair

um determinado mineral de uma rocha, como transformar minério em aço, como

combinar recursos naturais para se obter medicamentos etc. Enfim, é possível afirmar

que o avanço da ciência e da tecnologia tratou de solucionar muitos dos problemas

enfrentados pela humanidade, inclusive a escassez.

Assim sendo, dada a escassez de um determinado bem, pode-se dizer que é

igualmente escasso o conhecimento e a tecnologia que permitiria acabar com esse

problema de ordem econômica. O conhecimento científico e tecnológico é também um

bem econômico, uma vez que é igualmente útil e escasso.

As soluções técnicas tornam a cadeia produtiva mais eficiente e enfrentam a

escassez de determinados bens. Surge, então, a combinação invenção e inovação como

forma de aumentar a disponibilidade de bens econômicos. Conforme definido na

literatura, a primeira é a solução técnica para um problema técnico26. Por seu turno, a

economists and philosophers preffer different definitions. The most influential definition was given by Vilfrido Pareto early in the twentieth century: a given assignment of resources is most efficient (´Pareto-optimal´) if no alternative assignment will make at least one person better off without making at least one person worse off as well. If one begins with an imperfect economy, a change is ´Pareto-superior´ if it makes at least one person better off and makes no one worse off […] Allocative efficiency is maximized when the sum of consumers’ surplus and producers’ surplus is maximized”. 25 V. FORGIONI, Paula. Análise Econômica do Direito (AED): Paranóia ou Mistificação. In Revista de

Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 139, Malheiros, jul./set. 2005, p. 251. 26 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 337.

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segunda é o processo de transformar a invenção em um produto a ser colocado no

mercado27.

O primeiro ponto a ser observado é que o bem econômico do processo de

inovação é o conhecimento técnico gerado e não o objeto físico resultante. O segundo

ponto de destaque reside no fato de que o objeto da invenção só pode ser reproduzido

por quem domine a técnica. Assim sendo, o conhecimento técnico gerado, por ser útil e

escasso, é um bem econômico. Por fim, é preciso observar que quanto maior for a

escassez de conhecimento técnico – bem imaterial – maior será a escassez dos bens

econômicos materiais afins.

Portanto, quanto maior o estoque de conhecimento técnico em uma área, menos

severa será a escassez de bens relacionados. À humanidade interessa o crescente

desenvolvimento de novas técnicas, de forma que os bens necessários à vida humana

estejam disponíveis com maior facilidade.

1.3 Benefícios sociais e privados

O avanço científico e tecnológico traz benefícios de grande repercussão tanto

social como privada. O processo de inovação bem sucedido não só ataca um problema

de ordem técnica enfrentado pelo homem, como também gera um ganho de eficiência

que atinge toda a cadeia produtiva e proporciona o engrandecimento da sociedade.

A invenção poderá diminuir tanto as conseqüências danosas decorrentes da falta

de determinado bem como também os custos para adquirir o mesmo, beneficiando toda

a sociedade28. Quando a invenção recai sobre um bem antes desconhecido, o maior

benefício dela decorrente é a solução do problema em si. Antes da invenção, a

sociedade não detinha os meios necessários para resolver aquele determinado problema,

o que corresponde à existência de uma demanda sem que houvesse qualquer oferta de

solução. Quando a invenção tem como objeto uma nova maneira de se alcançar um bem

27 MASOUDI, Gerald F. Intellectual Property and Competition: Four principles for Encouraging Innovation. In: Revista da ABPI, Edição Especial, Rio de Janeiro, Agosto de 2006, p. 26. “But invention and innovation are different things: innovation – which involves not just the inventive spark, but also the process of turning an invention into a product and bringing it all the way to market”. 28 ADELMAN, Martin J. et al. Cases and Materials on Patent Law. Saint Paul, West Group, 1998, p. 37.

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já conhecido, há maior oferta de bens e conseqüente redução da escassez. Esse tipo de

processo de inovação tende a corresponder a uma forma menos onerosa de se obter os

referidos bens. Isso levará a uma diminuição no preço do referido bem, o que permitira

a aquisição por um maior número de pessoas.

Vale lembrar que um problema de ordem técnica sempre corresponde a um

determinado custo para sociedade. Quando a invenção passa a ser utilizada em escala,

há uma economia sistêmica, pois haverá uma tendência a se consumir menos recursos

na totalidade da operação. Assim, há uma maior eficiência alocativa dos recursos.

Também cabe mencionar que o processo de inovação demanda investimentos

pesquisa e desenvolvimento. São raras as ocorrências de invenções espontâneas29. Na

maioria das ocasiões, o processo de inovação decorre de tentativas, erros e acertos, o

que demanda investimentos, a circulação de bens, serviços e recursos financeiros,

mesmo que ele fracasse. Em outras palavras, promovem o desenvolvimento econômico.

A invenção, por fim, corresponde a um aumento do conhecimento humano, que,

propriamente divulgado, pode servir de base para novos processos de inovação.

Desta feita, tem-se que, ao enfrentar os problemas de ordem técnica, o processo

de inovação proporciona uma série de benefícios para a sociedade. Por outro lado, a

inovação também permite que aquele que percorra o caminho da pesquisa perceba os

ganhos financeiros decorrentes. Quem desenvolve uma invenção pode ter vantagem

competitiva e também pode atrair a demanda daquele determinado setor, seja por ser o

único a oferecer um determinado bem ou por oferecê-lo a um preço mais acessível.

Esse ganho financeiro do inovador não só permite que ele recupere os

investimentos que realizou, como também o incentiva a realizar novos investimentos.

Assim sendo, um processo de inovação bem sucedido funciona como um catalisador de

novos investimentos e gera um efeito retroalimentador do desenvolvimento científico e

econômico.

29 Geralmente, uma invenção é fruto de intensa dedicação de tempo e recursos. No entanto, existem ocasiões onde a invenção ocorre de maneira menos complicada e dispendiosa, o que não tira o mérito do inventor e da invenção em si, merecendo proteção da mesma forma que as demais. Nesse sentido, o art. 103 do lei norte-americana de patentes diz claramente que :”a patenteabilidade não será negada pelo modo como a invenção foi feita”. V. SOUTO MAIOR, Rodrigo de Azevedo. A atividade inventiva nos EUA: A evolução do requisito sob o prisma da recente decisão-paradigma da Suprema Corte no caso KSR International Co. v. Teleflex Inc. In: Revista Criação, Rio de Janeiro, Ano I, Número II, Lúmen Júris, p. 255-309, 2009.

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Sem dúvida, a redução de custos ou a produção de novas mercadorias resulta, atualmente, do aprimoramento do fator tecnológico, o qual, por meio das inovações industriais, favorece as condições para o crescimento econômico. Todas as teorias econômicas, dos clássicos a Marx e aos contemporâneos, consideram a introdução de novas técnicas no processo produtivo por uma determinada companhia como elemento fundamental no desenvolvimento econômico30.

A inovação tende a apresentar, portanto, benefícios econômicos tanto sociais

como privados. Primeiro, porque o problema técnico passa a ter uma solução; segundo,

porque essa solução diminui os custos resultantes do problema técnico; terceiro, porque

incentiva novos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, estimulando a atividade

econômica. Ou seja, a inovação cria um ciclo virtuoso de crescimento técnico e

econômico.

1.4 Fomento à inovação – comportamento do investidor

Uma vez demonstrada a importância do processo de inovação para o

desenvolvimento social e econômico, políticas públicas são freqüentemente empregadas

pelos governos para estabelecer uma rede de incentivos à continuidade dos

investimentos em pesquisa. Entretanto, essa missão não é fácil, pois há uma série de

interesses a serem tutelados, sendo que os mesmos muitas vezes se contrapõem.

Em muitos casos, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento são

privados. Portanto, em regra, o empreendimento de inovação tem como finalidade

ganhos privados para o empreendedor ou, pelo menos, a reposição dos investimentos

incorridos. Enfim, o processo de inovação apresenta uma racionalidade econômica

como pano de fundo31.

Tendo em vista a importância da inovação para a humanidade, e que esta

depende principalmente de investimentos privados surge a pergunta: como incentivar o

30 LEONARDOS, Luiz; KUNISAWA, Viviane Yumy. O sistema de propriedade industrial como fomentador da inovação tecnológica. In: Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 76, p. 16-21, mai./jun. 2005, p. 18. 31 POSNER, Richard A. Op. cit. p. 4. “The concept of man as a rational maximizer implies that people respond to incentives – that if a person`s surroundings change in such a way that he could increase his satisfaction by altering his behavior, he will do so”.

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setor privado a investir nessa atividade arriscada? Quais fatos e circunstâncias o

investidor considera para tomar a decisão estratégica para investir em pesquisa e

desenvolvimento32?

Como o ganho do inventor é baseado no domínio do conhecimento sobre a

técnica aplicada na invenção, ele é estimulado a guardar esse conhecimento – um bem

não rival33 – em segredo como forma de garantir o retorno sobre os investimentos

realizados e os lucros futuros. Por sua vez, o segredo nem sempre é possível, envolve

custos, e não permite a disseminação do conhecimento como instrumento propagador do

crescimento34.

Analisando essa rede de incentivos, quando não existem mecanismos de

proteção do conhecimento gerado, o investimento será voltado para invenções que

possam ser mantidas em segredo. Não obstante, essa característica canaliza os

investimentos em pesquisa para determinadas áreas e desestimula o desenvolvimento de

soluções para todos os problemas, o que não é socialmente desejável35.

Para a maximização dos benefícios sociais e econômicos, é primordial que o

conhecimento detido pelo inventor seja disseminado, tanto para ser utilizado como base

para novas invenções quanto para permitir que outras pessoas possam reproduzir a

invenção aumentando a oferta e reduzindo os custos para os consumidores. Essa tarefa

não é fácil.

32 Id. Ibid. p.3. “The task of economics, so defined, is to explore the implications of assuming that man is a rational maximizer of his ends in life, his satisfactions – what we shall call his ‘self-interest’. (…) The concept of man as a rational maximizer implies that people respond to incentives – that if a person`s surroundings change in such a way that he could increase his satisfactions by altering his behavior, he will do so”. 33 PESSOA, Samuel de Abreu, CONSIDERA, Claudio Monteiro, e RIBEIRO, Mário Ramos. O papel do

instituto da patente no desempenho da indústria farmacêutica, Rio de Janeiro, UFF, 2007, p. 11. Disponível em: <http://www.uff.br/econ/>. Acesso em: 30/07/2007. “O bem não rival é aquele que o fato de um indivíduo utilizar-se dele não impede que outro também o faça. (...) O conhecimento é provavelmente o bem mais não rival de que uma dada sociedade pode produzir. O fato de uma pessoa utilizar um certo conhecimento não impede que outra pessoa simultaneamente o utilize”. 34 ADELMAN, Martin J. et al. Cases and Materials on Patent Law. Saint Paul, West Group, 1998, p. 37. “The incentive to disclosure argument, which has been more popular with the courts than with commentators, rests on the premise that in the absence of patent protection inventors would keep their inventions secret in order to prevent competitors from exploiting them. Secrecy prevents the public from gaining the full benefit of the new knowledge and leads to wasteful duplicative research”. 35 POSNER, Richard A. Op.cit. p. 38. “Moreover, in a world without patents, inventive activity would be biased toward inventions that could be kept secret, in just the same way that an absence of property rights in physical goods would bias production towards things that involve minimum preparatory investment”.

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Diante da necessidade de tornar o conhecimento público e fomentar o

investimento de recursos em pesquisa, existem três modelos viáveis, conforme

asseverou Denis Borges Barbosa:

- por meio de um direito exclusivo, ou seja, a apropriação privada tanto do uso, da fruição, e também da possibilidade de transferir a terceiros a totalidade desses direitos; - por um direito não exclusivo, mas também de repercussão econômica, por exemplo, o direito de fruir dos resultados do investimento, cobrando preço de quem usasse a informação, mas sem ter o direito de proibir o uso; -por uma garantia de indenização do Estado para quem investisse na nova criação tecnológica ou autoral36 (grifos nosso).

Caso todo conhecimento técnico gerado fosse levado a conhecimento público

(ausência de direito exclusivo), não haveria por que alguém empregar recursos e correr

risco (especialmente no que diz respeito à pesquisa aplicada) para que outrem se

aproveitasse de todo o seu esforço ao reproduzir a invenção alcançada. Nesta ótica seria

teoricamente mais fácil esperar que alguém desenvolva para depois copiar, é mais

barato e não tem riscos.

Se todo conhecimento gerado fosse financiado ou adquirido pela Administração

Pública o crescimento ficaria, em grande medida, restrito ao tamanho da provisão

orçamentária destinada para esse propósito. Ademais, a escassez de dotação

orçamentária implica em escolhas que não incentivariam investimentos em todas as

áreas do conhecimento, mas somente naquelas onde houvesse um programa de

investimentos públicos.

Os argumentos a favor da concessão de direitos exclusivos tendem a prevalecer.

Diante desta situação foi criado o instituto da patente: em troca da divulgação do

conhecimento técnico gerado, ao inovador é concedido um direito de exclusividade de

exploração econômica temporária.

O ‘privilégio exclusivo’, limitado no tempo, é preferível – já ponderava STUART MILL – à recompensa administrativa por que o privilégio temporal elimina a arbitrariedade e garante uma recompensa proporcional à utilidade da invenção, recompensa essa paga pelo consumidor que se beneficia do novo produto. [...] Na corrida tecnológica, os países que adotaram o sistema tradicional de patente tiveram um desempenho muito melhor que aquelas nações onde

36 BARBOSA, Denis Borges. Inconstitucionalidade das Patentes Pipeline. In Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro, v. 83, p. 3-39, jul./ago. 2006.

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instituídos prêmios ou regalias por conta da Administração, ou onde esta se encarregou de financiar as pesquisas37.

Com fundamental importância na atividade econômica, as criações industriais

são ativos de seus detentores e satisfazem alguma necessidade privada ou da

humanidade, e por isso são bens 38 . Entretanto, as criações industriais somente

desempenham a função econômica para o titular, caso sejam também um bem

econômico. Sendo este último definido como algo útil e escasso39 a um só tempo. Resta

saber como algo inexoravelmente imaterial pode ser escasso, uma vez que todos, em

tese, podem repetir o objeto da criação.

Irrestrita sua aplicação como regra, a criação imaterial não tem, intrinsecamente, a escassez necessária para transformar um bem em bem econômico. Para que se mantenha a produção intelectual como atividade racional de produção econômica, é preciso dotá-la de economicidade, através de uma escassez artificial. A transformação desta regra de aplicação ilimitada, num bem econômico, se dá pela atribuição de uma exclusividade de Direito40.

A solução, portanto, é criar a escassez artificialmente, tornando a criação

industrial um bem jurídico. Essa solução é que, aparentemente, contém a melhor

dosagem de incentivos para permitir os investimentos em inovação, ao passo que

promove o acesso do público ao conhecimento gerado - majoração dos benefícios

sociais (public enjoyment of goods).

Embora alguns segmentos das regiões em desenvolvimento apresentem-se contrários à idéia, incumbe ter presente o fato de que as inovações tecnológicas mais dificilmente chegarão até elas se não houver uma adequada regulamentação jurídica que proporcione um mínimo de segurança aos investidores que destinaram seus recursos no desenvolvimento de um novo processo ou produto41.

O mecanismo de fomento mais utilizado para incentivar a inovação e a

disseminação do conhecimento é o sistema de patentes 42 . A patente é um direito

outorgado pelo Estado, que confere ao titular a exclusividade temporária na exploração 37 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Op. cit., p. 77. 38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 271. 39 NUSDEO, Fábio. Op. cit. p. 33. 40 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 71. 41 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Op. cit. p. 52. 42 LEONARDOS, Luiz; KUNISAWA, Viviane Yumy. Op. cit. p. 18. “Infere-se das teorias econômicas as fundamentações para a existência do sistema de patentes”.

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do objeto de uma invenção43. O titular de uma patente tem o direito de impedir terceiro

de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar o produto objeto da patente e o

processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado (art. 42 da Lei n°

9.279/96 – doravante denominada LPI).

Para que o direito de patente seja concedido, o objeto da invenção deve ser novo,

apresentar atividade inventiva e aplicação industrial (Art. 8º da LPI), bem como deve

seu texto ser dotado de suficiência descritiva (Art. 24 da LPI) para que um técnico no

assunto possa reproduzir a invenção quando a mesma cair em domínio público.

Presentes os requisitos fixados pela LPI, o direito de patente 44 (bem móvel 45 ) é

concedido e seu titular passa a gozar do direito de explorar exclusivamente o objeto da

invenção.

Das soluções viáveis, o sistema de patentes é a que proporciona os mais sólidos

benefícios sociais e privados. Ou seja, é aquele que maximiza o bem-estar social.

1.5 Teorias que justificam a concessão de direitos exclusivos

Existem vários métodos jurídicos empregados ao longo do tempo e em

diferentes sistemas para fundamentar a concessão de um direito exclusivo tal como a

patente, e como se pode avaliar a efetividade da adoção do referido mecanismo. Textos

da doutrina apontam que a concessão dos direitos exclusivos encontra apoio em

algumas teorias, das quais destacam-se as do trabalho, da personalidade, do plano social

e a utilitarista.

A primeira teoria de destaque é a do trabalho, inspirada em John Locke, que

seria “baseada no entendimento de que uma pessoa tem um direito natural aos frutos

43 DI BLASI, Gabriel; Op. cit. p. 53. 44 Cumpre esclarecer que nas vezes em que o presente texto fizer uso do termo “patente”, faz-se referência ao direito de patente conferido após a devida concessão. 45 Art. 5° da Lei nº 9.279/96. Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.

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oriundos do seu trabalho e esforço e o Estado tem o dever de respeitar e fazer cumprir

esse direito natural”46. Ainda sobre os textos de Locke, discorrem Adelman, et al:

The crux of Locke’s celebrated argument concerning property is that divine authority created the world as a universal common, in which all individuals possessed an equal right. An exception to this rule lies in the body of each individual, over which each individual enjoys a property right. Not only is an individual’s person his own, but ‘the labor of his body and the work of his hands, we may say, are properly his, as the immediate extension of his person. [...] Applied to the invention of technique and technological artifacts, Locke’s theory provides a compelling rationale for the patent system47.

Embora não seja dominante, a teoria do trabalho inseriu um dos argumentos

mais fortes a justificar a existência do sistema de patentes. A exclusividade é permitida,

pois a coletividade não usufruiria os benefícios da tecnologia não fosse o trabalho do

inventor. Portanto, a patente não gera o empobrecimento da coletividade, pois não

retira algo de alguém ou da coletividade. Pelo contrário, uma invenção protegida por

patente gera a possibilidade de fruição de novos benefícios48.

A segunda teoria, da personalidade, tem como base os ensinamentos de Georg

W. F. Hegel que afirmam que a propriedade privada é o resultado da expressão da

vontade e essencial para a satisfação das necessidades humanas49. A propriedade é

elemento da determinação da pessoa e, portanto, primordial.

Outra teoria de destaque é a do plano social. Com fundamento nos postulados de

Karl Marx, essa teoria aponta que os direitos de propriedade intelectual devem servir ao

propósito de uma sociedade justa e atrativa50.

A quarta teoria, a utilitarista, é a mais popular. Para os utilitaristas o sistema de

propriedade intelectual deve ser constituído de forma a proporcionar a maximização do

46 BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. Propriedade Industrial & Constituição – As teorias preponderantes e sua interpretação na realidade brasileira, 1ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 31. 47 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 47. 48 FISHER, William. Theories of Intellectual Property, in Stephen Munzer, ed., New Essays in the Legal and Political Theory of Property (Cambridge University Press, 2001). Disponível em: <http://cyber.law.harvard.edu/people/tfisher/iptheory.pdf.> Acessado em: 29/09/2007. “a person who labors upon resources that are either unowned or “held in common” has a natural property right to the fruits of his or her efforts – and that the state has a duty to respect and enforce that natural right. These ideas, originating in the writings of John Locke, are widely thought to be especially applicable to the field of intellectual property, where the pertinent raw materials (facts and concepts) do seem in some sense to be “held in common” and where labor seems to contribute so importantly to the value of finished products”. 49 BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. Op. cit. 32. 50 Id. Ibid. p. 33.

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bem-estar social. Considerados os interesses adjacentes e contrapostos, deve o sistema

permitir o equilíbrio ideal entre o poder compreendido nos direitos exclusivos, o

incentivo à pesquisa e a pulverização do aproveitamento social das invenções. Nesse

sentido destaca William Fisher:

[…] most popular of the four employs the familiar utilitarian guideline that lawmakers’ beacon when shaping property rights should be the maximization of net social welfare. Pursuit of that end in the context of intellectual property, it is generally thought, requires lawmakers to strike an optimal balance between, on one hand, the power of exclusive rights to stimulate the creation of inventions and works of art and, on the other, the partially offsetting tendency of such rights to curtail widespread public enjoyment of those creations51.

A teoria considera aspectos que vão além da relação entre o titular e o Estado

concedente, permitindo a análise dos efeitos dinâmicos causados pelo exercício dos

direitos exclusivos. Em linhas gerais, essa teoria informa que os direitos exclusivos são

justificáveis na medida em que os efeitos dinâmicos permitem o incremento na

eficiência na alocação dos recursos.

A teoria utilitarista demonstra que é preciso considerar não só as conseqüências

jurídicas como também as econômicas. Assim, a atividade legislativa, os atos de

concessão e o exercício e limites de direitos exclusivos devem seguir uma racionalidade

econômica que permita maximizar o bem-estar social. A concessão de direitos

exclusivos é justificada pelos efeitos econômicos produzidos, ou seja, pela sua função.

1.6 Patente como ferramenta do desenvolvimento

A tecnologia tem um valor econômico uma vez que ela permite ganhos de

eficiência na cadeia produtiva. Esse valor econômico é decorrente do conhecimento

técnico detido pelo inventor – que, por sua vez, é um bem escasso, caso não seja

disseminado. Assim, é de interesse coletivo incentivar o desenvolvimento de novas

tecnologias, promover o acesso à tecnologia, disseminar o conhecimento técnico

51 FISHER, William. Op. cit.

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desenvolvido e continuar o progresso científico. Em resumo, potencializar os benefícios

sociais da inovação.

Dentre as soluções possíveis para a composição de interesses em jogo, adotou-se

o sistema de patentes que, na propositura clássica, consiste na concessão de

exclusividade temporária na exploração comercial da invenção em troca da divulgação

completa do conhecimento científico compreendido na tecnologia.

De acordo com Adelman et al, as cortes norte-americanas destacam que as

patentes promovem o avanço da ciência por dois aspectos. Primeiro, por que a

possibilidade de obter a exclusividade funciona como um incentivo ao investimento na

pesquisa para se obter novas invenções. Segundo, porque o sistema de patente promove

a divulgação das novas invenções, aumentando, assim, o acervo público sobre o

conhecimento sobre uma determinada tecnologia.

In analyzing how patents promote scientific progress, the courts have emphasized two mechanisms: first, the prospect of obtaining a patent monopoly provides an incentive to invest in research to make new inventions; and second, the patent system promotes disclosure of new inventions and thereby enlarges the public storehouse of knowledge52.

Os argumentos favoráveis à adoção do sistema de patentes tendem a prevalecer.

Se não houver incentivo ao desenvolvimento pelo setor privado e respectiva proteção, a

inovação será restrita ao orçamento e à vontade da administração pública. A patente

parece estar dotada de atributos para contribuir de forma mais completa para o

desenvolvimento do sistema ao transferir custos, descentralizar a produção intelectual, e

tornar o conhecimento público.

A patente apresenta três grandes benefícios. Em primeiro lugar, os custos da inovação serão arcados pelos consumidores do produto protegido pela patente e não pelos contribuintes. Em segundo lugar, é um mecanismo descentralizado. A capacidade criativa encontra-se dispersa na sociedade. É muito difícil que um agente público – que é um instituto alternativo à patente – consiga encontrar e estimulá-la sem incorrer nos riscos da seleção adversa. A patente, ao garantir possível rentabilidade de uma inovação (evidentemente se ela for bem sucedida), permite o pleno aproveitamento dessa capacidade. Em terceiro lugar, a patente obriga a revelação do produto ou processo, de sorte que aspectos desse conhecimento que não sejam de aplicação comercial direta possam ser empregados53.

52 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 34. 53 PESSOA, Samuel de Abreu; CONSIDERA, Claudio Monteiro; RIBEIRO, Mário Ramos. Op. cit. p. 15.

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Quando há a concessão de um direito de exclusividade, o inventor recebe um

estímulo para inovar e disseminar o conhecimento, pois a sua criação é protegida por

uma exclusividade que possui um valor comercial. Aldeman et al. coloca com precisão

por que e como o sistema de patentes é importante para fomentar tanto a invenção como

a divulgação da técnica:

The incentive to invent theory holds that too few inventions will be made in the absence of the patent protection because inventions once made are easily appropriated by competitors of the original inventor who have not shared in the costs of invention. If successful inventions are quickly imitated by free riders, competition will drive prices down to a point where the inventor receives no return on the original investment in research and development. As a result, the original inventor may be unable to appropriate enough of the social value of the invention to justify the initial research and development expenditures. The high risk involved in research compounds the likelihood of underinvestment in invention. Thus inventions with potentially great social benefits might never come about, or at least might be significantly delayed, unless private returns to invention were increase above their free market levels. Patents serve to bring the private benefits of inventions in line with their social value by allowing inventors to use their monopoly positions to extract a price that more closely approaches the value that users receive from inventions. […] The incentive to disclosure argument, which has been more popular with the courts than with commentators, rests on the premise that in the absence of patent protection inventors would keep their inventions secret in order to prevent competitors from exploiting them. Secrecy prevents the public from gaining the full benefit of the new knowledge and leads to wasteful duplicative research. […] Nonetheless, it seems likely that the patent system at least facilitates disclosure by creating rights in inventions that survive disclosure. Secrecy makes it difficult for inventors to sell or license their inventions to other because it is difficult to persuade someone to pay for an idea without disclosing it, et once the invention is disclosed, the inventor has nothing left to sell54.

Nesse sentido, Bárbara Rosenberg esclarece como o sistema de patentes ao

incentivar à inovação no setor privado acaba por promover o bem-estar da sociedade

(comunhão de benefícios sociais e privados).

Por essa razão, aliás, diz-se que o direito do titular da patente de impedir terceiros de explorarem a invenção é o benefício mais importante decorrente desse direito de propriedade industrial. Se tal prerrogativa não fosse concedida, terceiros poderiam livremente produzir o objeto da patente sem ter incorrido em custos de P&D (free-riding), reduzindo os incentivos à criação e inovação. Daí por que se dizer que o escopo último dos direitos de

54 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p.. 34 et seq.

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propriedade intelectual seja promover o bem-estar do consumidor por meio dos incentivos de eficiência dinâmica deles decorrentes55.

Pelo lado do poder concedente, o objetivo é fomentar a inovação, pois essa é

fundamental para proporcionar o desenvolvimento econômico e social através da

pulverização do conhecimento.

Conforme referido, subjaz aos direitos patentários – e aos direitos de propriedade intelectual como um todo – o objetivo de criar incentivos à inovação e, conseqüentemente, de promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar do consumidor. Ao se conceder àquele que inova, o direito exclusivo e temporário de explorar uma patente, autoriza-se a extração de lucros supracompetitivos, conseqüentemente, induzir o investimento em pesquisa56.

Em vista do exposto, Fritz Machlup concluiu ainda que função social do sistema

de patentes é promover a atividade empreendedora – o investimento em inovação.

If one accepts the theory that patent protection has the social function of serving as an incentive for inventive activity, one accepts, by implication, that the beneficial effects of this incentive system must flow, not from existing patents, but from the hope for future patents; this hope may induce people to undertake certain risky investments and useful activities- to wit, financing and arranging industrial research – which they might not undertake otherwise57.

Ainda quanto à função social, vale citar o entendimento de Maristela Basso, para

quem, no Brasil, a patente tem deve cumprir a finalidade consitucional do interesse

social e desenvolvimento tecnológico e econômico, sendo que a verificação deste

atributo ocorre quando da concessão do direito exclusivo.

Os princípios da razoabilidade e da interpretação consistente substituem o ‘conflito figurado entre as fontes’, na medida em que a proteção à propriedade das patentes e o privilégio do gozo exclusivo dos direitos temporários estão condicionados ao cumprimento da sua finalidade constitucional: o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Em outras palavras, o ‘monopólio temporário de direitos’ não ser concedido se as condições específicas de finalidades sociais, previstas na parte final do inciso XXIX, do artigo 5º, não forem atendidas. E, se forem atendidas, o titular da patente exerce seus direitos proprietários exclusivos de

55 ROSENBERG, Bárbara. Interface entre o regime de patentes e o direito concorrencial no setor farmaceutico. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade Intelectual. Estudo em Homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba, Juruá Editora, 2005, p. 271. 56 Id. Ibid. p. 271. 57 MACHLUP, Fritz. An economic review of the patent system. Study of the Subcommittee on patents, trademarks, and copyrights of the Senate Committee on the Judiciary. Study No. 15. 85° Congresso dos Estados Unidos da America, 2a Sessão, 1958. Disponível em <http://www.mises.org/etexts/patentsystem.pdf>. Acesso em: 21 de abril de 2009. p. 55.

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exploração temporária sem que isto macule a teoria econômica e a base do direito antitruste”58.

Não seria errôneo concluir que, dentre os modelos propostos, o sistema de

patentes provavelmente será o que melhor desempenha a função de maximizar o bem-

estar social, já que contém incentivos que permitem os maiores ganhos sociais e

privados.

1.7 Indústria farmacêutica e patentes

O fato de que o avanço tecnológico vem constantemente melhorando a

qualidade de vida das pessoas. Por exemplo, sabe-se que os novos medicamentos são

responsáveis pelo aumento da longevidade da população, erradicação de algumas

doenças etc. Nada obstante, esse incremento na qualidade dos produtos não se dá ao

acaso. O desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos ocorre por meio de

pesados investimentos.

Diferentemente de outros produtos, os medicamentos não são simplesmente

inventados e prontamente comercializados. Para que um medicamento possa ser

colocado no mercado, o fabricante precisa realizar testes clínicos para comprovar a

segurança e eficácia do produto e obter o registro sanitário autorizando a

comercialização. Esse processo é custoso, demorado e altamente arriscado.

De acordo com a International Association of Pharmaceutical Manufactures &

Associations – IFPMA, o processo de desenvolvimento de um novo medicamento até a

obtenção do registro sanitário é composto de quatro etapas, podendo levar de 10 a 15

anos para ser concluído 59 . De acordo com o estudo do Banco Nacional do

Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, em 2001, o custo médio de

58 BASSO, Maristela. Prazo de patentes – Aplicabilidade do artigo 40, parágrafo único da Lei nº 9.279/96. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 103, p. 25-33, nov./dez. 2009. 59 IFPMA - International Association of Pharmaceutical Manufacturers & Associations. The

pharmaceutical innovation plataform – Meeting essential global health needs. Genebra, 2007, 59 p. Disponível em: ,http://www.ifpma.org/documents/NR8908/IFPMA-PharmaInnovPlatform-Final-Nov2007.pdf>. Acesso em: 09/07/2009. p. 19.

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desenvolvimento de um novo medicamento era de 802 milhões de dólares americanos60.

A Tabela 1 (abaixo), extraída do mesmo estudo do BNDES, descreve as quatro etapas

do processo de pesquisa e desenvolvimento, mostrando a taxa de sucesso, tempo e

percentual dos custos consumidos.

Como demonstra o estudo do BNDES, só se conhece a viabilidade do projeto

durante a fase 3 dos testes clínicos (sete anos após o início). Até a conclusão da etapa de

testes clínicos, o projeto já consumiu 90% de seu custo total. Em resumo, apenas para se

saber se uma droga candidata tem efetivas chances de chegar ao mercado, é necessário

investir aproximadamente 720 milhões de dólares americanos ao longo de sete anos.

Depois disso, ainda é preciso aguardar a concessão do registro sanitário para que o

produto possa efetivamente começar a dar algum retorno ao investidor, o que tende a

ocorrer aproximadamente dez anos após o início do projeto.

Estágio de P&D

P&D (Descoberta) Desenvolvimento Pré-Clínicob

Testes Clínicos Registro Fase 4f Fase 1c Fase 2d Fase 3e

Principais Atividades

Exploração básica com vistas à identificação de áreas de pesquisa sobre doenças e busca em laboratório ou computador de moléculas biologicamente ativas para tratamento. Envolve estudos de farmacodinâmica, farmacocinética e rotas químicas, bem como o desenvolvimento em escala piloto e experimental

Compostos selecionados são estudados em termos de Boas Práticas de Laboratório de toxicidade e segurança em paralelo ao desenvolvimento de métodos analíticos específicos para desenvolvimento subseqüente.

Compostos bem-sucedidos são testados em humanos em três fases de testes clínicos: Fase 1 – segurança e tolerância em voluntários saudáveis; Fase 2 – estudos de segurança, eficácia e bioequivalência em pequenos grupos de pacientes; e Fase 3 – testes mais longos com diferentes populações para demonstrar prova de eficácia, segurança e valor.

Se os resultados dos testes clínicos são satisfatórios em termos de qualidade, eficácia e segurnaça, um dossiê é apresentado às autoridades reguladoras para aprovação.

Têm início estudos de pós-

marketing, envolvendo milhares de pcaientes, após o medicamento ser lançado no mercado, com vistas a identificar os efeitos colaterais e reações adversas não previstos.

Taxa de Sucessoa

Menos de 1% 70% 50% 50% 90% N.A.

Tempo 4-6 anos 1 ano 1-1,5 ano 1-2 anos 2-3 anos 1-2 anos Vários anos % Custos 35 6 7 20 22 Lançamento: 10

Fonte: BNDES (2005) a A taxa de sucesso reflete o número de drogas candidatas que têm sucesso na passagem ao estágio seguinte de P&D. b Laboratório e teste animal. c 20-80 voluntários saudáveis usados para determinar segurança e dosagem. d 100-300 voluntário pacientes usados para verificar eficácia e efeitos colaterais. e 1.000-5.000 voluntários pacientes usados para monitorar reações adversas ao uso a longo prazo. f Testes adicionais pós-comercialização.

60 BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Social. Inovação farmacêutica: padrão setorial e

perspectivas para o caso brasileiro. Rio de Janeiro, 2005, 26p. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set2208.pdf>. Acesso em: 11/07/2009, p. 12.

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1.8 Segurança jurídica

Diante do grande risco inerente ao desenvolvimento de novos medicamentos,

mecanismos jurídicos que trabalhem como fomento para a atividade – patentes em

especial – se tornam ainda mais relevantes tendo em vista a importância desses produtos

para a saúde da humanidade. Caso o inventor não tenha como manter a exclusividade

sobre o medicamento inovador, muito dificilmente ele será criado.

As exigências da regulação sanitária e algumas características das invenções

relacionadas aos fármacos impedem a utilização do “segredo” como forma de

manutenção da exclusividade sobre o novo produto. O inventor precisa divulgar o

conteúdo da invenção para quem realiza os testes exigidos e ao agente regulador para

obter o registro sanitário61. Portanto, não há como se manter o sigilo sobre a invenção

de medicamento.

Ainda que o segredo fosse possível, uma invenção farmacêutica pode ser

facilmente replicada através de engenharia reversa. Uma vez inventado o medicamento

seguro e eficaz, cópias são produzidas a custos marginais muito baixos. Isso porque

quem produz uma cópia não precisa incorrer nos custos relacionados tanto à invenção

como aos testes exigidos pelas autoridades sanitárias62.

The costs of research and development leading to a new invention are one-time, ‘sunk’ costs. Once the invention has been made and disclosed, the marginal cost of using more intensively the knowledge gained through prior research is zero. There may still be other variable costs associated with producing goods and services through use of the invention, such as costs for labor and materials, but the invention cost is fixed in the past and need no be incurred again no matter how intensively the invention is used. In a competitive market in which anyone is free to use the invention to produce goods without obligation to the inventor, the cost of the goods sold will be drive down to a price approaching the marginal cost of their production, and the selling price will not allow for any return on the sunk cost of the research and development necessary to make the invention in the first place63.

61 IFPMA. Op. cit. p. 32. “Pharmaceutical companies are legally required to disclose all relevant data from clinical trials to the appropriate regulatory authorities and ethics committees … as part of the medicine development and approval process.” 62 Id. Ibid. p. 30. “once the value of a molecule for treating a particular disease has been established by the innovator and regulatory requirements have been satisfied, it is relatively easy to imitate manufacturing processes and commercialize generic copies of many medicines”. 63 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 34.

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Para esse segmento industrial específico, somente as patentes outorga o poder de

manter a exclusividade.

Duas características específicas à tecnologia fazem com que instituições que garantam direitos de propriedade intelectual (doravante, PI) sejam estabelecidas. A primeira é o custo fixo no desenvolvimento do conhecimento, que, geralmente é muito elevado, particularmente no caso da indústria farmacêutica. A segunda característica é a não rivalidade: uma vez desenvolvida a tecnologia, é possível fazer cópias a custos marginais muito baixos - outra particularidade da indústria farmacêutica. Na ausência de instituições que garantam os direitos de propriedade intelectual não haverá remuneração pela inovação não havendo produção de conhecimento e, conseqüentemente, impedindo o processo crescimento econômico. A PI garante que o conhecimento seja parcialmente exclusivo permitindo a remuneração da inovação e do crescimento econômico a longo prazo64.

Cabe aqui fazer um comentário sobre outra idiossincrasia desse tipo de

invenção. Para realizar os testes clínicos e obter o registro sanitário, o titular é obrigado

a divulgar o conteúdo de sua invenção. Portanto, para resguardar a novidade - requisito

para a concessão de uma patente - o inventor precisa depositar os respectivos pedidos de

patentes para as drogas candidatas ainda na fase inicial do projeto, muito antes de saber

se as mesmas chegarão ao mercado ou não.

Tendo em vista que nos países signatários do TRIPS as patentes geralmente

expiram na data correspondente a vinte anos da data de depósito do respectivo pedido e

que até a obtenção do registro sanitário leva-se entre 9 a 12 anos, tem-se que um

medicamento inovador só é de fato explorado com exclusividade pelo titular por um

período de 8 a 11 anos65.

A proteção proporcionada pelas patentes é usualmente válida por um prazo de vinte anos a contar da data de seu depósito junto ao órgão responsável pela sua concessão. O desenvolvimento compreende um período razoável na fase de testes pré-clínicos, e, depois, estende-se por muitos anos no processo de testes clínicos e de aprovação governamental. Esse fato reduz o prazo de proteção da patente com o produto no mercado, estando sujeito a posterior concorrência de genéricos66.

64 PESSOA, Samuel de Abreu; CONSIDERA, Claudio Monteiro; RIBEIRO, Mário Ramos. Op. cit. p. 14. 65 As legislações de alguns países, como dos Estados Unidos, Japão, e membros da Convenção Européia de Patentes concedem extensão de prazo de patentes como forma de compensar os titulares por parte do período de exclusividade perdido durante os trâmites referentes à concessão dos registros sanitários. O Brasil não reconhece esse direito aos titulares de patentes. 66 BNDES. Op. cit. p. 14.

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A exclusividade sobre o medicamento inovador não é garantia de lucro, mas

certamente diminui os riscos da operação, funcionando assim como instrumento de

fomento para essa atividade específica. Pode-se dizer que se não houvesse patentes para

o setor, muitos medicamentos importantes para a humanidade jamais teriam sido

criados. A concessão de patentes farmacêuticas em âmbito global é essencial para

garantir os investimentos necessários a promover a saúde da população mundial.

Com a exclusividade na comercialização, o preço do medicamento tende a ser

diminuído, pois seria possível garantir a demanda por aquele produto específico. Pode-

se dizer, com alguma segurança, que quanto maior a proteção jurídica, maior o número

de pessoas tratadas. Como bem assevera Ubirajara Mach de Oliveira: “na presença de

uma efetiva proteção jurídica, a produção pelo titular do direito poderia, em termos

econômicos globais, ser até mais barata”67.

A patente é, portanto, um instrumento importante a garantir o desenvolvimento

de novos e mais baratos medicamentos. Por conseguinte, modificações no quadro

normativo podem afetar a segurança jurídica do sistema, o que pode causar reflexos no

comportamento dos investidores.

1.9 Breves comentários sobre patentes e direito antitruste

Certamente, o sistema de patentes possui falhas, sendo objeto de muitas críticas.

Neste sentido, observa-se uma preocupação crescente em evitar os eventuais efeitos

deletérios do próprio sistema, e algumas dessas tem por base o direito antitruste, que

constitui um importante mecanismo de combate aos abusos dos direitos de exclusiva.

Ainda na primeira metade do século passado surgiu nos Estados Unidos um fenômeno

67 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Op. cit. p. 157.

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conhecido como Patent-Antitrust Paradox68

, onde se pode notar que o rigor na

concessão de patentes oscilava conforme o rigor da aplicação do direito antitruste69.

No Brasil, essas críticas aparecem com alguma freqüência nas discussões

referentes a patentes em setores mais sensíveis, como sobre medicamentos. Pode-se

perceber, inclusive por parte do Poder Judiciário70, comentários a respeito de eventual

poder de mercado71 conferido pela patente e eventuais efeitos deletérios decorrentes

deste poder (como provocar a escassez, abuso de posição dominante e até monopólio).

De fato, ao conferir a exclusividade sobre o objeto reivindicado (o poder de impedir

terceiros), a patente poderia, em tese, dar margem a abusos. Entretanto, esta

potencialidade não deve ser confundida com o abuso efetivo, este sim indesejado e

combatido. Em outras palavras, a concessão da patente não causa, per se, os efeitos

mencionados acima. A análise deve ser casuística, sendo preferível evitar a presunção

de que patentes produzem tais efeitos.

Elementos da doutrina ajudam a elucidar melhor essa discussão sobre patentes e

efeitos concorrenciais derivados72. O primeiro ponto diz respeito ao poder de mercado.

De acordo com Herbert Hovenkamp, não se pode presumir que os direitos de

propriedade intelectual conferem aos respectivos titulares poder de mercado sobre

determinado produto73.

68 THOMAS, John R. p. cit. p. 150. “The anti-monopoly sentiments that arose during the Depression era lead to extreme public and judicial skepticism toward patents. During that era courts began to apply an increasingly stringent ‘invention’ standard that found most patents wanting. […] By 1949, Justice Jackson was moved to observe with some frustration that ‘the only patent that is valid is one which this Court has not been able to get its hands on’”. 69 SOUTO MAIOR, Rodrigo de Azevedo. A atividade inventiva nos EUA: A evolução do requisito sob o prisma da recente decisão-paradigma da Suprema Corte no caso KSR International Co. v. Teleflex Inc. In: Revista Criação, Rio de Janeiro, Ano I, Número II, Lúmen Júris, p. 255-309, 2009. “No s’eculo XX, a ascensão do direito antitruste repercutiu fortemente no direito de patentes, num fenômeno conhecido como o Paradoxo Patente-Antitruste (Patent-Antitrust Paradox). Esse processo funciona num movimento pendular, pelo qual quanto maior a proteção antitruste, mais rigorosa é a aplicação dos requisitos de patenteabilidade. 70 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 960.728/RJ. Recorrente: I E Du Pont Nemours and Company. Recorrido: INPI. Brasília, 17/03/2009, DJe 15/04/2009. 71 HOVENKAMP, Herbert. Op. cit. p. 79. “Market power is the ability of a firm to increase its profits by reducing output and charging more than a competitive price for its products”. 72 Este estudo não tem a pretensão de abordar todos os aspectos referentes à interconexão entre patentes e direito antitruste. Aqui apenas se busca mostrar que a referida análise merece um cuidado específico, devendo-se realizar um estudo caso a caso. 73 HOVENKAMP, Herbert. Op. cit. p. 136.

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Para que seja verificado poder de mercado, é necessário primeiro que se defina o

mercado relevante74 onde esse poder será exercido.

If the notion of ‘power over market’ is key to analyzing competition issues, it becomes immediately obvious that it is necessary to understand what is meant by ‘the market’or, as will be explained below, the ‘relevant market’ for this purpose75.

Assim, é possível entender que não havendo definição do mercado relevante não

se pode inferir a existência de poder de mercado. Por dedução lógica, não seria correto

presumir que toda e qualquer patente confere poder de mercado ao seu titular. De igual

maneira, este raciocínio se aplica às menções ao termo “monopólio”, que requer a

definição do mercado relevante afetado.

Além do acima exposto, mesmo que qualquer patente desse poder de mercado

ao seu titular, ainda assim isso não configuraria uma violação antitruste. Isso é o que se

verifica na nota técnica expedida pelo Departamento de Proteção da Defesa Econômica

da Secretaria de Direito Econômico nos autos da averiguação preliminar nº

08012.002673/2007-51, onde, em um caso envolvendo o registro de desenhos

industriais, afirmou-se o que segue: “Direitos de propriedade industrial não

necessariamente conferem poder de mercado a seus detentores. Ainda que assim seja,

isso por si só não caracteriza violação antitruste”76.

Neste sentido, vale trazer a opinião de Maristela Basso sobre o uso que tem sido

feito de princípios e conceitos de direito antitruste na análise de casos envolvendo

patentes.

Teses que priorizam o direito antitruste e a livre iniciativa sobre os direitos patentários (e os demais direitos intelectuais) repousam, via de regra, sobre pressupostos econômicos equivocados e em análises político-sociais errôneas. [...]

74 BRASIL. Portaria Conjunta SEAE/SDE n 50 de 01/08/2001. “A definição de um mercado relevante é o processo de identificação do conjunto de agentes econômicos, consumidores e produtores, que efetivamente limitam as decisões referentes a preços e quantidades da empresa resultante da operação. Dentro dos limites de um mercado, a reação dos consumidores e produtores a mudanças nos preços relativos - o grau de substituição entre os produtos ou fontes de produtores - é maior do que fora destes limites. [...] Definição. O mercado relevante se determinará em termos dos produtos e/ou serviços (de agora em diante simplesmente produtos) que o compõem (dimensão do produto) e da área geográfica para qual a venda destes produtos é economicamente viável (dimensão geográfica). Segundo o teste do “monopolista hipotético”, o mercado relevante é definido como o menor grupo de produtos e a menor área geográfica necessários para que um suposto monopolista esteja em condições de impor um “pequeno porém significativo e não transitório” aumento de preços”. 75 WHISH, Robert. Competition Law. 5a edição, Lexis Nexis, 2003, p. 24. 76 BRASIL. Departamento de Proteção da Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, Nota Técnica dos autos da averiguação preliminar nº 08012.002673/2007-51.

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Também, da mesma forma, com base no mesmo raciocínio, não pode subsistir dúvida de que nenhum monopólio é conferido aos detentores de direitos de propriedade intelectual – sob a perspectiva econômica de mercado. E isto desde o momento do depósito do pedido de patente. Estudos de direito, jurisprudência e práticas comparadas revelam que tribunais e agências administrativas partem de inúmeros pressupostos econômicos errôneos quando aplicam princípios do direito antitruste na tentativa de fazê-los prevalecer sobre os direitos de propriedade intelectual/industrial. O equívoco econômicos mais doloroso é o que parte da premissa de que, ao se conferir direitos de propriedade intelectual (por exemplo, sobre as patentes), concede-se ao titular do direito um ‘monopólio’. [...] Não existe, portanto, qualquer relação econômica entre o direito da propriedade intelectual (direito de exclusiva sobre as patentes concedidas pelo INPI) com ‘monopólio’ e ‘poder de mercado’ na perspectiva econômica. [...] Em outras palavras, concorrentes estão livres para entrar e permanecer no mercado, desde que não usurpem direitos de propriedade intelectual protegidos”77.

Um aspecto que não deve ser considerado nesta análise diz respeito aos

mecanismos da legislação vigente que visam justamente evitar tanto os abusos por parte

dos titulares de patentes. A própria Lei 9.279/96 define e proíbe o abuso de direito de

patentes, como também impõe uma série de condições que o titular deve observar para

não ter a sua patente como objeto de uma licença compulsória. Por sua vez, a Lei

8.884/94 possui outros mecanismos que também se aplicam a modular o

comportamento dos titulares. Além destes mecanismos, no caso dos medicamentos

ainda há a imposição do controle de preços para uma série de produtos78.

Diante do acima exposto, tem-se como recomendável que se faça uma análise

criteriosa sobre cada caso concreto antes que se afirme ou tome como pressuposto que

qualquer patente confere poder de mercado ao seu titular. Mostra-se prudente delimitar

bem os conceitos aplicados e ter em mente que o direito de patente confere

exclusividade somente sobre aquilo exatamente reivindicado. Esta constatação se torna

ainda mais relevante no momento em que se verifica uma crescente aplicação de

conceitos do direito antitruste no contencioso envolvendo patentes farmacêuticas, com

severas conseqüências sobre a segurança jurídica conferida pelo sistema.

77 BASSO, Maristela. Prazo de patentes – Aplicabilidade do artigo 40, parágrafo único da Lei nº 9.279/96. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 103, p. 25-33, nov./dez. 2009, p. 32. 78 V. FALCONE, Bruno. Questões controvertidas sobre patentes farmacêuticas no Brasil. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade Intelectual. Estudo em Homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba, Juruá Editora, 2005.

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1.10 Uma breve análise sobre a dinâmica do mercado

Ao se fazer a análise estática79 do segmento em questão, pode-se entender que as

patentes elevam os custos dos medicamentos, causam um impacto financeiro nas

despesas governamentais e impedem as empresas nacionais especializadas em cópias de

produtos inovadores (free riders) de explorarem economicamente as invenções

protegidas. Nada obstante, é recomendável que o “desenvolvimento” seja avaliado

quanto aos seus efeitos dinâmicos80, no tempo.

Além, disso, a proteção de direitos e interesses constitucionais e de política pública exige, freqüentemente, a realização de ponderações multidimensionais, irredutíveis a falsos ou simplistas dilemas de estrutura bipolar. Essa necessária protecção exige a realização de ponderações que tenham em conta, não apenas uma visão estática de tutela de interesses de curto prazo, mas também uma perspectiva dinâmica de consideração sustentada dos interesses de médio e longo prazo, sendo que ao longo prazo não é alheia a própria protecção dos direitos das gerações futuras, hoje cada vez mais considerados essenciais a uma constitucionalmente adequada formulação de políticas públicas81.

Se, por um lado, o “interesse social e público”82 de um Estado é atender as

necessidades básicas da população, por outro, sabe-se que isso só é possível através do

desenvolvimento desse Estado. Existe uma relação de interdependência muito grande

entre o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos e desenvolvimento83. Pode-

se dizer que não há como privilegiar um em detrimento ao outro.

O “interesse social” pode ser entendido, portanto, como sendo a necessidade de

atender os anseios da sociedade via desenvolvimento. Como a avaliação deste último

deve considerar os efeitos dinâmicos, para saber se a proteção patentária para fármacos

79 POSNER, Richard A. Op. cit. p. 31. “To understand the economics of property rights, we must first distinguish between static and dynamic analysis. Static analysis suppresses the time dimension of economic activity. All adjustments to change are assumed to occur instantaneously”. 80 Id. Ibid. p. 32. “Dynamic analysis, in which the assumption of instantaneous adjustment to change is relaxed, is usually more complex than static analysis”. 81 CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas. A questão da Constitucionalidade das Patentes

“Pipeline” à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988. Almedina, 2008, pág. 17. 82 V. SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o

Princípio de Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2005. 83 NUSDEO, Fábio. Op. cit. p. 354. “O desenvolvimento envolve uma série infindável de modificações de ordem qualitativa e quantitativa, de tal maneira a conduzir uma radical mudança de estrutura da economia e da própria sociedade do país em questão. Mesmo quando tais mudanças são quantitativamente expressas, elas trazem ou revelam uma massa substancial de alterações de natureza qualitativa, inclusive de ordem psicológica, cultural e política”.

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atende ao interesse social, é preciso analisar seus efeitos no longo prazo. Ademais, se é

de interesse social dar à população medicamentos modernos, é de igual interesse social

permitir e incentivar a invenção desses medicamentos e dar segurança jurídica para que

eles efetivamente cheguem à população.

Assim, a escolha de um determinado tratamento deve ser feita com base no custo

total que a sua não existência ou adoção ocasiona. Por exemplo, o custo com

internações, afastamento do trabalho, impacto previdenciário e o impacto para o grupo

que suporta a incapacidade produtiva ou morte gerada pela ausência do tratamento.

Enfim, a doença e/ou morte atingem a coletividade, pois os efeitos econômicos

ultrapassam a pessoa acometida84. Quanto à redução nos custos na prestação de serviços

públicos e privados em saúde, disse J.J. Gomes Canotilho:

Tem sido sublinhado que os fabricantes de medicamentos de referência também contribuem significativamente para esse mesmo objectivo quando, ao desenvolverem novos medicamentos, ajudam a reduzir os custos dos internamentos hospitalares, a necessidade de intervenções cirúrgicas, o número de consultas médicas e as taxas de absentismo ao trabalho por motivo de doença85.

Obviamente que a questão não pode ser avaliada apenas com a frieza das

análises econômicas86. Por isso mesmo que o Direito tutela os mais variados princípios,

como o da dignidade da pessoa humana, livre iniciativa, livre concorrência, proteção do

meio ambiente e do consumidor. Os conflitos de interesses estáticos e as falhas

estruturais precisam ser resolvidos com outros mecanismos, como o financiamento

governamental direto, entre outros.

Uma política de medicamento constitucionalmente adequada procurará incentivar o investimento sustentado em investigação e desenvolvimento de novos medicamentos de elevada qualidade técnica e científica, conjugando isso com soluções que permitam o acesso generalizado aos medicamentos num mercado competitivo, eventualmente corrigido, nas suas falhas, por mecanismos de justiça social87.

84 IFPMA. Op. cit. p. 15. “A 2002 study by the National Bureau of Economic Research in the USA found that replacing an older medicine with one 15 years newer increases medicine costs by an average of $18, but reduces hospital and other non-medicine costs by $129, meaning that for each additional $1 spent on newer pharmaceuticals, $6.17 is saved in total health spending”. 85 CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 17. 86 FORGIONI, Paula. Os Fundamentos do Antitruste, 3ª Edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, pág. 179. “O direito é fenômeno complexo que não pode ficar enclausurado nos limites da economia”. 87 CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p.. 125.

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Pela perspectiva dinâmica, a segurança jurídica conferida pelas patentes é o que

permite o crescimento do número de soluções terapêuticas a preços mais acessíveis no

longo prazo. O aumento na disponibilidade de tratamentos por medicamentos melhora a

qualidade de vida da população e tende a diminuir os outros custos gerados pela doença,

inclusive os gastos públicos. Tem-se um efeito retroalimentador.

Como bem disse J.J. Gomes Canotilho, o dilema patentes vs. pacientes é falso88.

A adoção de novos medicamentos, apesar de relativamente caros, causam a redução de

outros custos (previdência, por exemplo) e aumentam a qualidade de vida das pessoas.

Ou seja, mesmo pela análise estática há aspectos positivos a justificar a proteção. Por

outro lado, cabe dizer que os tratamentos de hoje só existem e os do futuro dependem de

uma adequada proteção jurídica sobre essas invenções. Portanto, sob a perspectiva

dinâmica, o sistema de patentes é muito importante para a pesquisa e desenvolvimento

de novos medicamentos que melhoram a qualidade de vida das pessoas.

Há de se considerar, então, que medidas que visem a flexibilizar os direitos de

propriedade industrial tendem a causar uma diminuição de incentivo na área atingida.

Da mesma forma ocorre com o prazo de vigência desses direitos exclusivos, tendo em

vista que essa é a recompensa buscada pelo investidor.

88 CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 20.

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2 PROPRIEDADE INDUSTRIAL – PRECEDENTES E TRATAMENTO

INTERNACIONAL

A propriedade intelectual como ramo do Direito tem seus primeiros relatos na

era renascentista, tendo conquistado mais espaço a partir da Revolução Industrial no fim

do século XVIII. Assim, tem-se que as leis brasileiras sobre a proteção às criações

intelectuais, em especial sobre a propriedade industrial, refletem um processo evolutivo

não só antigo como altamente internacionalizado, dada a importância da matéria para o

comércio transnacional e o desenvolvimento econômico.

2.1 Nomenclatura e precedentes nacionais e internacionais

Propriedade intelectual é o gênero que engloba todos os direitos que resultam em

alguma espécie de exclusividade de reprodução de bens derivados da criatividade

humana. Como espécie do gênero, tem-se a Propriedade Industrial que compreende o

segmento que mais afeta diretamente a indústria de transformação e do comércio,

envolvendo, por exemplo, as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos

industriais, as marcas de produtos, serviços e de certificação.

Sobre o por que de “propriedade intelectual e industrial” faz-se remissão à obra

do Professor João Marcelo de Lima Assafim a respeito dos “bens imateriais protegidos

por direitos de exclusiva” como forma de “realização efetiva do valor econômico” do

objeto protegido89.

No capítulo anterior, foram explicados os motivos que levaram a adoção do

sistema de concessão temporária de privilégio sobre a criação tecnológica tal qual se

tem hoje. Pelo explicitado, tem-se que o modelo adotado é aquele capaz de melhor

equacionar os interesses em jogo, ou seja, garantir os investimentos do setor privado

como forma de promover o avanço tecnológico, econômico e social. Agora, passa-se a

89 ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil (Aspectos contratuais e concorrenciais da propriedade industrial), Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2005. p. 46.

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abordar a evolução dos conceitos e princípios que formam o arcabouço jurídico que

circunscreve este campo.

Os primeiros vestígios de proteção às criações intelectuais a que se tem

conhecimento remontam os séculos XIV e XV, especialmente Inglaterra, França e Itália,

e tinham como finalidade cobrir obras literárias e algumas poucas invenções. Foi nessa

época que apareceram os primeiros mecanismos de impressão gráfica, o que possibilitou

a fácil reprodução de obras literárias. Assim, foram formulados os primeiros

instrumentos de proteção aos direitos dos criadores, geralmente conferidos pelos

senhores feudais que detivessem o poder local. Na França, por exemplo, o inventor

Philippe de Cacquery recebeu do rei o poder de explorar a fabricação de vidros. Outro

exemplo clássico foi o monopólio concedido pelo Feudo de Veneza ao famoso cientista

Galileu Galilei para fabricação de um dispositivo hidráulico de irrigação90.

A primeira legislação sobre patentes formalmente constituída é o Statute of

Monopolies 91

, oriundo do parlamento inglês e sancionado pelo rei em 1623. Segundo

esta lei, era concedido o monopólio de 14 anos sobre as invenções. Tal lei vigorou na

Inglaterra por dois séculos.

Nos Estados Unidos, mesmo antes de sua independência, já existia a concessão

de patentes. Entretanto, o marco mais forte que o país deixou para essa área foi o

tratamento constitucional dado à proteção da propriedade intelectual. Quando da

elaboração da referida constituição em 1787, foi colocada pelos constituintes a intenção

de deixar naquele texto os princípios norteadores de tal proteção. Sendo assim, em

setembro do mesmo ano, foi inserido na Constituição Americana de 1776 o seguinte

texto: “Congress shall have power [...] to promote the progress of science and useful

arts by securing for limited times to authors and inventors the exclusive right to their

respective writtings and discoveries”.92

A Constituição Americana eleva ao mais alto nível a propriedade intelectual e

delega ao Congresso o poder e o dever de legislar sobre a matéria em lei específica.

Três anos depois foi sancionada a primeira lei americana específica sobre o tema. Nesta

ficou determinado o que pode ser objeto de patente e determinado que o prazo de

vigência da mesma seria de 14 anos e que sua concessão ficaria a cargo de um órgão

90 ADELMAN, Martin J. et. ali. p. 4. 91 Id. Ibid. p. 5. 92 Loc. cit.

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específico da administração. Com o passar dos anos, essa lei foi modificada para

aumentar o prazo de vigência das patentes e para incluir ainda os desenhos industriais, e

outras leis surgiram para abrigar as marcas.

A época do surgimento destas legislações coincide com a Revolução Industrial.

Portanto, tem-se que o tratamento legislativo da propriedade industrial é consequência

do referido período histórico, que foi marcado pelo acelerado avanço tecnológico.

Inspirados nos modelos inglês e americano, outros países passaram a criar suas

próprias leis a respeito da matéria. No Brasil, a primeira norma de caráter oficial com

objetivo de conferir proteção à propriedade industrial foi o Alvará de 1809, promulgado

pelo Príncipe Regente D. João VI93. Conforme aponta BARBOSA, o país foi o quarto

do mundo a ter uma lei sobre o tema, no que poderia ser chamado de “primeiro Plano de

Desenvolvimento Econômico”94:

O objetivo deste Alvará é de promover a felicidade pública dos meus vassalos e ficam estabelecidos com esse desígnio princípios liberais para a prosperidade do Estado do Brasil, especialmente necessários para fomentar a agricultura, animar o comércio, adiantar a navegação e aumentar a povoação, fazendo-se mais extensa e análoga a grandeza do mesmo Estado, e continua sendo muito conveniente que os inventores e produtores de alguma nova máquina e de invenção de artes gozem do privilégio, além do direito que possam ter ao favor pecuniário que seu serviço estabelece em favor da indústria e das artes. Ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta de Comércio e que, reconhecendo a verdade do fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo de 14 anos, ficando obrigados a publicá-lo para que o fim deste prazo toda a Nação goze do fruto desta invenção. Ordeno, outrossim, que se faça uma exata revisão dos que se acham atualmente concedidos, fazendo-se públicos na forma acima determinada e revogando-se os que, por falsa alegação ou sem bem fundadas razões, obtiverem semelhantes concessões95.

Considerada a importância da proteção às criações industriais, desde o final do

século XIX existem acordos multilaterais para regular as relações internas e externas

quanto à matéria, permitindo-se afirmar que a propriedade industrial é uma matéria 93 PIMENTEL, Luiz Otavio. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade Intelectual. Estudo em Homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba, Juruá Editora, 2005, p. 42-43. “O estabelecimento de um regime juridico de proteção da propriedae intelectual para servir de alavanca ao crescimento econômico nacional não é recente na historia dos direitos no Brasil. Antes mesmo da independência de Portugal, vigorava o Alvará de 1809, do Príncipe Regente, que previa a concessão do privilegio de exclusividade aos inventores e introdutores de novas maquinas e invenções, como um beneficio para a industria e as artes. Esta norma e outras, promulgadas a partir de 1822, colocaram o Brasil entre os primeiros paises do mundo a regulares os direitos de propriedade intelectual”. 94 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, 2ª ed., p. 4. 95 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 6.

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altamente internacionalizada. As legislações nacionais são muito influenciadas por esses

tratados e tendem a repetir muitos de seus comandos. No Brasil isso também ocorre.

As leis sobre propriedade industrial evoluíram ao passar dos anos, mas sempre houve

uma preocupação de conformidade com as regras internacionais. A atual Lei da

Propriedade Industrial (“LPI”) – Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 – é reflexo do

Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio - OMC. O referido acordo

traz dentro do seu Anexo 1 o Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade

Intelectual Relacionados ao Comércio, mais conhecido pela sigla em inglês TRIPS

(Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights).

2.2 Convenção da União de Paris

A Convenção da União de Paris (“CUP”) aconteceu em 1883 após uma celeuma

causada pelo governo dos Estados Unidos por ocasião da exposição internacional de

inventos que ocorreu dez anos antes96. Naquela ocasião, sob o argumento de que não

havia qualquer tipo de proteção jurídica para os inventores, os Estados Unidos negaram

a participação de seus nacionais na Exposição Internacional de Inventos de Viena97.

Diante deste ocorrido, a comunidade internacional abriu os olhos para essa nova

realidade trazida pelo crescente número de incrementos tecnológicos decorrentes da

constante evolução do comércio e da indústria. Em suma, o governo dos Estados

Unidos foi o primeiro a pretender para seus nacionais a proteção para seus ativos

intelectuais, visto que estes eram os motores propulsores de seu acelerado crescimento

industrial.

A CUP é um dos mais antigos e conhecidos documentos internacionais de

caráter econômico multilateral que existem. A primeira versão da CUP contém um

pequeno número de normas jurídicas, mas é a primeira a estabelecer “um patamar

96 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, 2ª ed., p. 182. 97 BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 73.

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mínimo de tratamento uniforme” 98 que todos os países signatários devem oferecer a

seus nacionais e aos estrangeiros que lá queiram estabelecer o comércio de bens,

mercadorias e serviços.

O Brasil é membro fundador da Convenção da União de Paris e hoje vige no

país o texto conforme a revisão de 1967, assinada em Estocolmo99.

2.3 Acordo Geral Sobre Direitos de Propriedade Intelectual - TRIPS

O GATT (do inglês General Agreement on Tariffs and Trade), criado em 1947,

tentou trazer para seu foro de discussão as questões pertinentes à propriedade

intelectual. Entretanto, com a subseqüente criação da Organização Mundial da

Propriedade Intelectual (“OMPI”), esse assunto acabou sendo deixado para essa outra

organização internacional.

No entanto, a OMPI não dispunha de meios coercitivos e de resolução de

disputas em matéria de propriedade intelectual. Assim, os países desenvolvidos

convergiram para promover a inclusão do assunto no âmbito do comércio internacional,

principalmente em função do inesperado crescimento da capacidade de exportação de

produtos industrializados pelos países em desenvolvimento. Assim, os participantes

produtores de propriedade intelectual buscaram outro meio, onde seria possível aplicar

sanções que visassem proteger seus interesses sem criar incompatibilidades em matéria

de defesa comercial.

Sendo assim, em 1986, em Punta Del Este, os membros do GATT iniciaram um

movimento multilateral, conhecido como Rodada do Uruguai, que se encerrou em 1994

com a criação da OMC. Desde o início das negociações, já havia sido acertado que uma

série de normas a respeito da propriedade intelectual faria parte do acordo de

estabelecimento da OMC.

98 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, 2ª ed., p. 184. 99 BRASIL. Decreto 635, de 21 de agosto de 1992. Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0635.htm>. Acesso em: 26 de janeiro de 2008.

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O Acordo Constitutivo da OMC é composto por quatro anexos. Cada anexo, por

sua vez, é constituído de vários outros acordos específicos por matéria. O primeiro

anexo contém os acordos multilaterais sobre o comércio de bens, acordo geral sobre

comércio de serviços e pelo acordo geral sobre direitos de propriedade intelectual

relacionados ao comércio (TRIPS). Os demais anexos são sobre o entendimento relativo

às normas e procedimentos para solução de controvérsias, mecanismo de exame de

políticas comerciais e acordos comerciais multilaterais.

A proteção da propriedade intelectual foi definitivamente incluída como umas

das questões centrais do comércio exterior. Entretanto, desta vez, essa proteção tornou-

se mais efetiva, já que a OMC é dotada de mecanismos eficazes para verificação do

cumprimento dos deveres e obrigações dos estados-membros e de resolução de

controvérsias100 - dentro dos dispositivos de defesa comercial.

A parte referente à propriedade intelectual gerou grandes disputas políticas entre

os estados-membros. De um lado os países desenvolvidos, liderados pelos Estados

Unidos, forçando a mais completa e irrestrita cobertura a estes direitos, sob o argumento

de que a proteção à propriedade intelectual era um instrumento que favorece a inovação,

e a transferência tecnológica, independente do desenvolvimento dos países

participantes. De outro lado, os países em desenvolvimento defendiam que o objetivo

primordial era assegurar a difusão da tecnologia como forma de propiciar o crescimento

destes101.

Nesse cenário surge o TRIPS – Trade Related Aspects of Intellectual Property

Rights, um acordo da OMC, cujos fundamentos vieram a ser incorporados no

ordenamento jurídico brasileiro102, não só como um tratado, mas servindo como base

para adoção da Lei 9.276/96, a Lei de Propriedade Intelectual103.

2.4 Princípios sobre propriedade industrial encontrados nos tratados

100 BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 175. 101 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, 2 ed., p. 174. 102 Cf. nota 4. 103 SOARES, José Carlos Tinoco. Lei de patentes, marcas e direitos conexos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 16.

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Quanto aos princípios e direitos sobre a propriedade industrial encontrados nos

tratados sobre o tema, cabe observar que a maioria deles tem origem na CUP e no

TRIPS. O segundo incorporou todos os princípios colocados pela parte substantiva da

CUP (artigos. 1 a 12) e acrescentou outros.

O primeiro princípio de destaque é o tratamento nacional. De acordo com

Maristela Basso, o princípio do tratamento nacional estabelece que:

Os nacionais dos países membros da CUP gozarão, em todos os outros países da União, das vantagens que suas leis concederem, ou venham a conceder, sem prejuízo dos direitos previstos na Convenção, tendo a mesma proteção e recursos legais contra qualquer atentado dos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais (art. 2º) 104.

Por sua vez, o princípio do tratamento unionista implica no entendimento das

normas da CUP como patamar mínimo de proteção a serem conferidos à propriedade

industrial. Esse princípio é também referido na doutrina como garantia dos mínimos

convencionais 105 . Em adição, comparando-se a norma interna e unionista, deverá

prevalecer a que for mais benéfica à proteção da propriedade industrial.

Um dos princípios unionistas mais conhecidos é o da independência de direitos.

Inserido pelo art. 4º bis para as patentes, esse princípio indica que as patentes requeridas

nos diferentes países serão independentes daquelas obtidas nos outros países. Por

exemplo, caso uma patente ou marca não seja concedida ou venha a ser anulada em um

determinado país, tais fatos não repercutirão nos demais países. Ou seja, o que ocorre

em um país não interfere nos demais. Como descreve de Denis Borges Barbosa: “cada

patente nacional é concedida e permanece em vigor, inteiramente independente das

patentes de todos os outros países”106. O princípio da independência é crucial na análise

do mecanismo do pipeline, uma vez que este é mitigado nas patentes requeridas por esta

via, como bem assinala Clérmerson Merlin Clève107.

104 BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 75. 105 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 69. 106 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 187. 107 CLÈVE, Clémerson Merlin, Melina Breckenfeld Reck, A repercussão, no regime da patente pipeline, da declaração de nulidade do privilégio originário, Revista Associação Brasileira da Propriedade

Industrial, São Paulo, v. 66, p 12-36, set./out.. 2003.

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Por fim, a CUP consagrou o direito de prioridade (art. 4º da CUP). Uma das

ferramentas mais utilizadas pelos titulares de direitos de propriedade industrial, o direito

de prioridade é fundamental para permitir o depósito dos pedidos no maior número de

países possível. Em resumo, o direito de prioridade tem como função precípua

resguardar a novidade dos pedidos de patentes e a novidade relativa das marcas. De

acordo com art. 4º da CUP:

A . - (1) Aquele que tiver devidamente apresentado pedido de patente de invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registro de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do direito de prioridade durante os prazos adiante fixados. [...] B . - em conseqüência, o pedido apresentado ulteriormente num dos outros países da União, antes de expirados estes prazos não poderá ser invalidado por fatos verificados nesse intervalo, como por exemplo outro pedido, publicação da invenção ou sua exploração, oferecimento à venda de exemplares do desenho ou do modelo ou uso da marca, e esses fatos não poderão fundamentar qualquer direito de terceiros ou posse pessoal. Os direitos adquiridos por terceiros antes do dia do primeiro pedido que serve de base ao direito de prioridade são ressalvados nos termos da legislação interna de cada país da União. C . - (1) Os prazos de prioridade acima mencionados serão de doze meses para invenções e modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio. [...] D . - (1) Quem quiser prevalecer-se da prioridade de um pedido anterior deverá formular declaração em que indique à data e o país desse pedido. Cada país fixará o momento até ao qual desta declaração deverá ser efetuada.

O direito de prioridade tem especial importância para as patentes. Afinal, sendo

um dos requisitos para concessão a novidade da matéria contida no pedido, seria

impossível que o titular depositasse simultaneamente o pedido em todos os países onde

quisesse proteção108. Com relação a esse direito, pondera Denis Borges Barbosa:

O direito de prioridade é concedido aos titulares de um depósito estrangeiro, em oposição a qualquer depósito nacional subseqüente. Pelo princípio da prioridade, um estrangeiro pode ter, em todos os demais países partícipes de um ato internacional, um prazo para requerer seus direitos, sem prejuízo da novidade e anterioridade109.

108 THOMAS, John R. Pharmaceutical Patent Law. Washington: BNA Books, 2005, p. 594. “Even the most sophisticated multinational enterprise will find it very difficult to file patent applications in several nations simultaneously. (…) The Paris Convention priority substantially ameliorates this problem by creating what is known as the international priority system.” 109 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 186.

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A CUP concede prazo de 12 meses para que o titular de um pedido possa

requerer o mesmo nos demais países membros. Desta forma, tendo em vista o requisito

da novidade, o direito de prioridade evita o indeferimento do pedido em um

determinado país, pois ele próprio tiraria a novidade e anterioridade por ter sido

depositado na origem. O direito de prioridade encontra-se no artigo 16 e subseqüentes

da LPI e será visto com maior profundidade na abordagem sobre o prazo de validade

das patentes pipeline.

Como dito, o TRIPS incorpora todos os princípios anteriores existentes em

relação à propriedade intelectual, caracterizando-os de forma a restringir a capacidade

interpretativa. Assim, torna o sistema internacional mais rígido. Os princípios inseridos

pelo TRIPS são: recepção total (single undertaking), nação mais favorecida,

transparência, cooperação internacional, interação entre os tratados e interpretação

evolutiva.

Como visto anteriormente, o Acordo Constitutivo da OMC é composto por

anexos. Um país somente poderá fazer parte da OMC se subscrever inteiramente os

anexos 1, 2 e 3, ficando ele livre para subscrever (ou não) o 4. Entretanto, pelo princípio

do single undertaking não é possível a adoção em parte. Ou adota-se o todo ou nada.

Ainda, se após a assinatura do TRIPS a legislação interna de um país vier a

conceder a nacionais de outro país condição mais vantajosa do que para outros, essa

vantagem terá que ser conferida aos nacionais dos demais estados-membros da OMC,

como determina o princípio da nação mais favorecida (cf. art. 3º).

O princípio da transparência já é bem conhecido, pois tem a sua origem no

direito administrativo. Consiste em tornar público as leis e regulamentos relativos à

matéria do acordo, de forma que os demais estados-membros e titulares de direitos

tenham pleno conhecimento.

Discorre Barbosa sobre o princípio da cooperação internacional: “A OMC tem

suas bases no direito internacional da cooperação, cuja finalidade principal é a

promoção do interesse comum via normas de cooperação mútua”110. Com relação ao

princípio da interação entre os tratados internacionais sobre propriedade intelectual,

cabe dizer que o TRIPS é resultado de toda a construção normativa e doutrinária que se

tem conhecimento desde a CUP. 110 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, 2ª ed., p. 197.

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Algo que sempre acompanha os entendimentos internacionais sobre a

propriedade intelectual, é o fato de que as legislações deixam portas abertas para as

novas formas e doutrinas que venham a surgir sobre a matéria. Portanto, a interpretação

das normas deve acompanhar a evolução do sistema como um todo.

2.4.1 Principais aspectos do TRIPS com relação às patentes

O TRIPS traz para o âmbito internacional algumas normas substantivas

inovadoras sobre patentes111. Logo no art. 1º o TRIPS deixa claro que o acordo prevê a

proteção mínima que uma patente deve conferir. Os países estão livres para dar mais

proteção, contanto que não conflite com o próprio acordo.

Primeiro ponto de destaque é o art. 27. Nele está contido o princípio da não

discriminação em razão do setor tecnológico. O mesmo artigo enumera os requisitos de

patenteabilidade. Vale dizer que um membro não pode negar patente para invenções que

atendam aos três requisitos112, cabendo a cada país dispor sobre os mesmos na forma do

art. 1.1.

Logo em seguida, o art. 28 garante os direitos mínimos conferidos por uma

patente – produzir, usar, colocar a venda, vender e importar o produto objeto de patente

ou obtido por patente de processo. O art. 29 passa a exigir a suficiência descritiva e o

art. 30 permite exceções aos direitos de patente.

Quanto ao prazo de vigência, o art. 33 diz que o mesmo não poderá expirar em

data anterior a 20 anos contados da data do depósito (termo final mínimo). Aqui cabe

mencionar que a versão em português do TRIPS, Decreto 1.355/94, traz uma redação

mais forte desse artigo que em outras línguas. A versão brasileira dá a entender que a

proteção não será inferior a 20 anos contados da data do depósito, o que é bem diferente

que termo final mínimo. Esse aspecto será melhor avaliado em tópico próprio.

111 V. CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005. 112 Id. Ibid. p. 191. “WTO members may not refuse patents for inventions that meet those requirements. WTO members are free to adopt different standards as to each one of those three requirements”.

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A parte III do acordo estipula uma série de medidas jurídicas que os membros

devem disponibilizar para que as partes possam buscar os seus direitos de propriedade

intelectual e se defender. A parte final cuida das disposições transitórias.

2.5 Prazo de vigência e tratados internacionais

Prazo de vigência de uma patente é o lapso temporal durante o qual o seu titular

pode exercer os direitos de exclusividade113. O direito de exclusiva só nasce para o

titular com a efetiva concessão da patente. Enquanto o pedido de patente está pendente,

o titular tem apenas um direito formativo gerador. Nada obstante, a duração desse

direito pode tanto iniciar na data de concessão da patente como retroagir a uma data

anterior como a data do seu depósito114.

O autor de uma invenção tem o direito de obter uma patente sobre a mesma.

Como ensina Denis Borges Barbosa, existem três direitos distintos relativos à patente de

invenção, a saber: (i) o direito de pedir patente; (ii) o direito sobre o pedido de patente;

(iii) os direitos sobre a patente concedida.

Posto pela doutrina clássica brasileira como um direito de autor, a pretensão à patente nasce efetivamente do ato de criação: uma vez obtida a solução técnica nova para um problema de caráter industrial, nasce o direito de pedir patente. Como vimos, o texto constitucional em vigor assegura primariamente ao autor da invenção tal pretensão, e não a qualquer outro postulante (erfinderprinzip). Assim, é ao autor, ou ao terceiro vinculado ao autor por norma de lei ou disposição de negócio jurídico, que cabe a titularidade de pedir patente. Esta pretensão original não importa em aquisição imediata do direito de patente, ou seja, no direito exclusivo de utilizar sua invenção, de tirar-lhe os frutos e de alienar tal direito.Com efeito, muito pode obstar que da invenção

113 As expressões “prazo de vigência”, “prazo de validade” ou simplesmente “prazo” são utilizados como sinônimas e com mais de um significado. Observa-se com certa freqüência que estas podem ser compreendidas tanto como a duração da proteção conferida por uma patente, como apenas para assinalar o “termo final”. É importante se tomar muito cuidado na leitura de qualquer texto sobre duração de proteção patentária, inclusive leis, pois é comum a confusão no emprego da terminologia. A própria lei brasileira emprega os termos com diferentes significados. Essa a confusão se torna ainda mais alarmante quando textos estrangeiros são utilizados. Portanto, algumas definições são pertinentes. Duração é o período de exclusividade compreendido entre o termo inicial e o termo final. Termo inicial é a data em que têm começo os direitos exclusivos sobre a invenção. Termo final é a data em que expiram os direitos exclusivos. 114 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 473.

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resulte, efetivamente, um privilégio - o constante da patente. Para começar, a pretensão pode não ser exercida a tempo, permanecendo a solução técnica em segredo, até que a mesma recaia no domínio comum, por exemplo, por revelação lícita feita por terceiros. A rigor, existem três direitos no tocante à patente de invenção: a pretensão ao exame estatal dos pressupostos da concessão do privilégio, que é o direito de pedir patente; o direito ao pedido de patente, uma vez exercida a primeira pretensão; e o direito exclusivo resultante da constituição do privilégio, após o exame estatal. O direito constitucional de autoria se restringe ao primeiro de tais poderes, ao direito eventual, no dizer de Roubier, de obter o privilégio. [...] A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a existência de um bem incorpóreo, de natureza móvel, o invento, que consistiria no núcleo de deflagração das pretensões à patente. O direito é exercido pelo depósito do pedido junto ao órgão de propriedade industrial, e terá como resultado, se verificados a existência dos pressupostos para a concessão do privilégio, a emissão da patente. Note-se que cada um dos direitos mencionados pode ser objeto de negócios jurídicos de transferência, cessão temporária, dação em garantia, etc. É corrente a cessão dos direitos de pedir patente; não menos freqüente é a transferência dos direitos a um pedido115.

A apresentação destes três direitos distintos é fundamental para o presente

estudo. Quando realiza uma invenção, o autor tem o direito de pedir patente. Se de fato

realizar o depósito perante a autoridade competente, o autor passa ter o direito sobre o

pedido. Somente se o pedido for deferido e a patente for concedida, é que o titular

passará a poder impedir terceiros de usar a invenção patenteada.

Tanto a CUP como o TRIPS falam sobre o prazo vigência das patentes, mas

nenhum dos dois tratados impõe um formato fixo para a duração. Cada país é soberano

para legislar da forma que melhor entender sobre o prazo de vigência de uma patente

(duração). Isso quer dizer que o mesmo pode estabelecer quando a proteção começa

(termo inicial) e quando termina (termo final)116.

A CUP, por exemplo, apenas diz que as patentes requeridas com base no direito

de prioridade terão duração independente daquela obtida no país de origem (princípio da

independência art. 4º bis (2))117, mas que tal duração será igual a que gozam as demais

patentes concedidas no mesmo país (art. 4º bis (5))118. Em resumo, a CUP determina

115 Id. Ibid. 400 et seq. 116 V. CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005, p. 378 et seq. 117 CUP. Art. 4º bis (2). Esta disposição deve entender-se de modo absoluto particularmente no sentido de que as patentes pedidas durante o prazo de prioridade são independentes, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade como do ponto de vista da duração normal. 118 CUP. Art. 4º bis (5) As patentes obtidas com o benefício da prioridade gozarão, nos diferentes países da União, de duração igual àquela de que gozariam se fossem pedidas ou concedidas sem o benefício da prioridade.

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que não pode haver prazo de patente diferente em razão do país de origem da invenção.

A CUP não diz de quanto deve ser a duração nem quando deve começar ou terminar.

Também é bom frisar que essas duas normas citadas acima somente se aplicam às

patentes obtidas através do exercício do direito de prioridade.

O TRIPS também não impõe um prazo de vigência fixo para as patentes. Ou

seja, não diz quando deve começar (dies a quo), quando deve acabar (dies ad quem),

nem que a duração da proteção deve ser de 20 anos. O acordo diz apenas que o termo

final não deve ocorrer antes do que a data correspondente a 20 anos contados da data do

depósito do respectivo pedido (ênfase sobre o respectivo pedido). Cabe a cada país

estipular quando deve iniciar o prazo de vigência119. Nesse sentido, veja-se o que o art.

33 do TRIPS diz em três idiomas, uma vez que a versão em português pode comportar

outras interpretações120.

The term of protection available shall not end before the expiration of a period of twenty years counted from the filing date. La protección conferida por una patente no expirará antes de que haya transcurrido un período de 20 años contados desde la fecha de presentación de la solicitud. A vigência da patente não será inferior a um prazo de 20 anos, contados a partir da data do depósito.

Como bem esclareceu Denis Borges Barbosa, o prazo de proteção pode tanto

começar na data de concessão como na data de depósito do pedido específico121. Pelo

TRIPS, a duração (termo final menos termo inicial) pode ser até menor do que 20 anos,

o que não pode ocorrer é a expiração de uma patente em data anterior a 20 anos

contados do depósito. O TRIPS não impõe uma duração mínima, mas um termo ad

quem mínimo. Cabe a cada legislação interna dizer quando é o termo inicial, se na

concessão, data do depósito ou outra data de sua escolha.

Outro ponto muito importante sobre os tratados ainda precisa ser exposto. Pela

leitura dos respectivos textos pode-se averiguar que não existe qualquer relação entre

119 V. CARVALHO, Nuno Pires de. 2005. Op. cit. p. 381. 120 As três versões foram obtidas no portal eletrônico do INPI. Acesso em 8 de julho de 2009. <http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/pasta_legislacao>. A versão em português comporta uma interpretação mais extensiva sobre o período mínimo de proteção. 121 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 473.

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prazo de vigência de patente e a data em que a tecnologia passou a integrar o estado da

técnica. Propositalmente, como veremos mais adiante, não existe qualquer vínculo

direto entre novidade e duração de direitos exclusivos. O que há é uma influência da

data do depósito e o termo final mínimo. Sabe-se que o ingresso no estado da técnica

pode coincidir com a data do depósito, mas os dois não são a mesma coisa.

Por fim, é preciso colocar que as patentes só geram direitos para os titulares no

país onde ela foi concedida (princípio da territorialidade), e que os direitos exclusivos

surgem, em princípio, com a concessão pela autoridade competente e pela duração

fixada pela respectiva lei incidente. Pedido de patente pendente não dá ao titular o

direito de impedir terceiros de utilizar a invenção122. O pedido pendente pode até inibir

terceiros, podendo existir, inclusive, mecanismos jurídicos para proteger a invenção

enquanto o pedido estiver pendente. Mas não existem mecanismos para se fazer o

enforcement do direito de patente em si.

Em síntese, cada país signatário do TRIPS pode determinar a duração da

proteção conferida pela patente, contanto que o termo final não ocorra antes de vinte

anos contados da data do depósito do pedido naquele país. O termo inicial pode ser

escolhido livremente.

Apesar de existirem muitas semelhanças nas diversas legislações nacionais, não

se pode dizer que existe um grande número de leis idênticas123. A diferença quanto ao

prazo de vigência das patentes revalidadas, principalmente sobre as norte-americanas, é

um dos principais motivos para os pedidos de correção das patentes pipeline.

122 O art. 70.9 do TRIPS prevê o direito exclusivo de comercialização (“DEC”), mas esse não se confunde com o direito de patente. Havendo pedido de patente pendente, o titular tem o direito de requerer o DEC, verbis: “9. Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com o parágrafo 8 (a), serão concedidos direitos exclusivos de comercialização não obstante as disposições da Parte VI acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto neste Membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha obtido a aprovação de comercialização naquele outro Membro”. 123 V. DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 555.

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3 A LEI 9.279/96 E A TRANSIÇÃO PARA O MODELO TRIPS

A Lei 9.279/96 é resultado de pressões internas e externas para adequar o marco

jurídico nacional sobre a matéria. Ainda na década de 1950 o Brasil adotou uma política

industrial que passou a proibir patentes para medicamentos, que veio a ser

complementada para abranger também os processos relacionados a esse setor industrial.

Por conta disso, o pais se direcionou para o atraso, alem de causar animosidade perante

os principais parceiros de comercio exterior.

Antes mesmo da formação da OMC, internamente, já o projeto de lei

encaminhado pelo Poder Executivo para o Congresso. Entretanto, somadas a pressão

dos países desenvolvidos e a adesão à OMC, o Brasil teve que acelerar o processo de

adequação de sua legislação. Mais precisamente, para conferir proteção patentária para

todo e qualquer tipo de invenção independente ao local de sua origem ou fabricação,

conforme determinado pelo parágrafo primeiro do artigo 27 do TRIPS. Em adição, teria

que de forma imediata possibilitar a concessão de patentes para produtos farmacêuticos

e químicos para a agricultura.

A LPI foi aprovada em 1996, já atendendo ao conteúdo mínimo imposto pelo

TRIPS e contendo o mecanismo do pipeline. Ao fazer isso, o pais se adiantou ao prazo

de transição ofertado pelo TRIPS, acalmando os ânimos na ceara internacional. Agora,

a disputa acontece internamente, numa continua queda de braço entre titulares de

patentes, INPI, setores industriais, associações de classe e instituições políticas.

3.1 Processo legislativo da LPI

A discussão no Congresso Nacional a respeito da patente pipeline é anterior à

entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC. Entretanto, ela atravessou esse

período e só teve fim com a entrada em vigor da nova Lei.

A adoção do mecanismo pipeline é resultado da explicita pressão política e

comercial dos países sedes dos grandes laboratórios farmacêuticos. Para evitar sanções

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comerciais o Governo comprometeu-se a promulgar uma nova legislação com certa

pressa. Entretanto, a nova legislação teria que equacionar os interesses da indústria

nacional bem como atender as demandas das grandes indústrias farmacêuticas.

Com relação ao pipeline o Governo encaminhou ao Senado emenda Projeto de

Lei abrigando tal mecanismo e indicando os moldes de funcionamento, o que foi objeto

de muita discussão. Os favoráveis ao pipeline tinham como argumento o fato de as

empresas estrangeiras terem receio de investir no Brasil, face a rasa proteção conferida a

seus ativos intelectuais. Por outro lado, os contrários temiam que as empresas nacionais

tivessem que pagar royalties sobre produtos existentes há tempos.

O relatório aprovado no Senado foi aquele que incluiu o pipeline, e que não

autorizava a cobrança de royalties de empresas nacionais. O Projeto foi encaminhado à

Câmara dos Deputados onde foi aprovado. Relata Gabriel Di Blasi:

Segundo o texto apresentado pelo Senado, após a publicação da nova lei, as empresas estrangeiras, no prazo de um ano, poderiam requerer o pedido de patente (pipeline) junto ao Instituto. O INPI, por sua vez, deveria conferir se os produtos, teoricamente em fase de desenvolvimento, não eram industrializados e vendidos no Brasil ou em qualquer outro mercado. Se alguma empresa brasileira tivesse investido ou comercializado o produto em questão, a proteção pipeline não seria concedida124.

A discussão no Poder Legislativo foi quase que exclusivamente política, sem

muito aprofundamento quanto à técnica e princípios norteadores deste ramo do Direito.

Não obstante, a aprovação do mecanismo pipeline aconteceu e tornou-se uma realidade

de aplicação imediata, ou seja, não sujeita à vacatio legis de um ano imposto ao restante

da Lei 9.279/96.

3.2 Período de transição TRIPS e LPI

O TRIPS foi ratificado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo

n° 30, de 15 de novembro de 1994, e promulgado pelo Decreto Presidencial n° 1.335 de

30 de dezembro de 1994. Por sua vez, a LPI foi publicada em 15 de maio de 1996, já

contemplando as normas mínimas impostas pelo TRIPS. O artigo 243 das disposições 124 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 13.

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transitórias e finais da LPI determina: “esta Lei entra em vigor na data de sua

publicação quanto às matérias disciplinadas nos arts. 230, 231, 232 e 239, e um ano

após sua publicação quanto aos demais artigos”.

Nesse intervalo entre a data em que o TRIPS entrou em vigor, 1º de janeiro de

1995, e a produção de efeitos plenos da a LPI, em 15 de maio de 1996, com base no art.

33 c/c 70 do TRIPS, ações judiciais foram ajuizadas buscando estender para 20 anos o

prazo de vigência de patentes concedidas sob a égide da lei anterior, cujos prazos eram

apenas de 15 anos. Os titulares argumentavam, e ainda argumentam, que o Brasil

renunciara ao prazo de transição do art. 65, e, portanto, o TRIPS estaria em pleno vigor

no país desde 1º de janeiro de 1995. Sobre essa discussão, assevera Jacques Labrunie:

O artigo 70 de TRIPS tem como título ‘Proteção à Matéria Existente’. Não é necessário um grande esforço de hermenêutica para concluir que se trata de regra excepcional, vigente durante o período em que os países estão adaptando suas legislações às disposições do acordo. Evidente que se impõe a aplicação imediata deste artigo, pelo seu próprio sentido. [...] O artigo 70 de TRIPS retrata uma série de disposições transitórias, de aplicação imediata, determinando que as regras do acordo passam a valer, de pleno, para as matérias existentes, dentre elas as patentes vigentes, que passaram, em 1/1/95, a viger por 20 anos, nos termos do artigo 33 de TRIPS125.

Na mão oposta, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) possuía

uma interpretação de que o Acordo TRIPS só entraria em vigor no Brasil a partir do ano

de 2000, conforme o Parecer 01/97 da Diretoria de Patentes feito com base em análise

do artigo 65 do referido Acordo.

Também não aproveita ao depositante a argüição de que, ao prever, pela nova lei, a proteção para tais setores, estaria o artigo 229 em conflito com as demais disposições de TRIPS, pois que, pelo artigo 65.2, os países em desenvolvimento (incluído aí o Brasil) têm o direito a postergar a data de aplicação das disposições de TRIPS até 31/12/1999, em relação aos processos de obtenção referidos no artigo 229 da LPI e, com base no artigo 65.4, até 31/12/2004, em relação aos respectivos produtos, para todos os pedidos depositados anteriormente a 1° de janeiro de 1995 (pelas disposições do artigo 70.8). [...] A citada disposição tem sugerido, para alguns membros, a aplicação do termo de vigência de 20 anos do depósito para as patentes em vigor na data de aplicação do Acordo para o país conforme o artigo 33 de TRIPS. Não nos parece tão clara a interpretação atual. Contudo, a par de qualquer outra análise mais profunda, a data de aplicação do Acordo para o Brasil, conforme já mencionado, é 1° de janeiro de 2000, não havendo, pois, razão

125LABRUNIE, Jacques, Ainda os prazos de vigência das patentes – TRIPS e a nova lei de propriedade industrial, Revista da Associação Brasileira de Propriedade Industrial, São Paulo, v. 36, p.31-37, set./out.. 1998.

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para que se estenda, desde já, a proteção de 20 anos ao invés de 15 para as patentes em vigor. No caso, em sendo ratificada a interpretação atual, o Brasil só estaria obrigado a tal extensão para as patentes em vigor em 31/12/1999. [...] Qualquer solicitação neste sentido até 31/12/99 é extemporânea, não devendo ser acatada, após o que, se fixada a interpretação quanto à extensão do termo de vigência, será a mesma cabível126.

No Poder Judiciário, as primeiras decisões reconheceram a aplicação imediata

de TRIPS, conforme se pode notar na ementa do Acórdão que julgou o Recurso

Especial 423.420 – RJ interposto pelo INPI, da lavra do Eminente Ministro Fernando

Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”).

Internacional. TRIPS. Reservas. Apresentação. Momento. Prequestionamento. Ausência. Súmulas 282 e 356/stf. Incidência. Dissídio jurisprudencial. Não configuração. 1. Não manifestando o Estado brasileiro, em momento oportuno, qualquer opção em postergar a vigência do TRIPS no plano do direito interno, entende-se haver renunciado à faculdade oferecida pelo art. 65 daquele acordo [...] 4. Recurso Especial não conhecido127.

No entanto, essa matéria ainda não está pacificada nos Tribunais. Por exemplo,

recentemente, a 3ª Turma do STJ chegou a um entendimento que diverge de outros

casos julgados anteriores da corte.

COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTES. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO, POR MAIS CINCO ANOS, DE PATENTE CONCEDIDA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 5.772/71, EM FACE DA ADESÃO DO BRASIL AO ACORDO TRIPS. NATUREZA DO ACORDO. EXAME DAS CLÁUSULAS RELATIVAS ÀS POSSÍVEIS PRORROGAÇÕES DE PRAZO DE VIGÊNCIA DO TRIPS PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E DAS DISCUSSÕES LEGISLATIVAS NO CONGRESSO BRASILEIRO DURANTE A ADESÃO AO ACORDO. - Quando o STJ acatou, em precedentes anteriores, a prorrogação do prazo de 15 anos previsto na anterior Lei nº 5.771/71 para 20 anos, com base no acordo TRIPS, tomou por premissa necessária um fundamento que não chegou a ser questionado e que está longe de ser pacífico, segundo o qual tal Acordo, no momento de sua recepção pelo Estado brasileiro, passou a

126 Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, Parecer Dirpa n° 01/97 Aplicação do artigo 70 do acordo TRIPS com relação às invenções não passíveis de proteção segundo as alíneas “b” e “c” do artigo 9 do CPI e extensão do prazo de vigência das patentes, Revista da Associação Brasileira de Propriedade

Industrial, São Paulo, v.25, p. 3-5, nov./dez 1996. 127 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Internacional. TRIPS. Reservas. Apresentação. Momento. Prequestionamento. Ausência. Súmulas 282 e 356/STF. Incidência. Dissídio Jurisprudencial. Não configurado. Recurso Especial n.° 423.240-RJ (2002/0032733-9). Recorrente: Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Recorrido: Gambro AB. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Brasília, 5 de março de 2004. http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp.

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produzir efeitos sobre as relações jurídicas privadas que tinham em um dos pólos detentores de patentes ainda em curso de fruição. - Em reexame da questão, verifica-se, porém, que o TRIPS não é uma Lei Uniforme; em outras palavras, não é um tratado que foi editado de forma a propiciar sua literal aplicação nas relações jurídicas de direito privado ocorrentes em cada um dos Estados que a ele aderem, substituindo de forma plena a atividade legislativa desses países, que estaria então limitada à declaração de sua recepção. [...] - Em resumo, não se pode, realmente, pretender a aplicação do prazo previsto no art. 65.4 do TRIPS, por falta de manifestação legislativa adequada nesse sentido; porém, o afastamento deste prazo especial não fulmina, de forma alguma, o prazo genérico do art. 65.2, que é um direito concedido ao Brasil e que, nesta qualidade, não pode sofrer efeitos de uma pretensa manifestação de vontade por omissão, quando nenhum dispositivo obrigava o país a manifestar interesse neste ponto como condição da eficácia de seu direito. Recurso especial não conhecido128.

Essa situação, muito peculiar, criou uma discussão muito grande em torno do

Acordo TRIPS. Apesar de não ser objeto específico do presente estudo, essa

experiência mostrou qual seria a postura do Instituto Nacional da Propriedade Industrial

quanto às inovações trazidas também pela LPI. A autarquia mostra que sua posição é

mais restritiva em matéria de patentes no que tange a interpretação de dispositivos

relativos à fixação, correção e extensão de prazos, fato comprovado no pipeline, quer

será visto a seguir.

128 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 960.728/RJ. Recorrente: I E Du Pont Nemours and Company. Recorrido: INPI. Brasília, 17/03/2009, DJe 15/04/2009.

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4 A PATENTE DE INVENÇÃO

O presente estudo tem como objeto principal a análise do prazo de vigência das

patentes de invenção concedidas através do art. 230 da LPI. Assim, este capítulo tem

por finalidade alinhar os conceitos e princípios inerentes às patentes de invenção, para

facilitar o entendimento dos mesmos quando colocados e mencionados quanto às

patentes requeridas e concedidas mediante o mecanismo pipeline.

Retomando parte do texto utilizado anteriormente, tem-se sobre a utilização

finalística do sistema de patentes que:

A patente é, sem dúvida, uma dupla retribuição. Gratifica o inventor pelo esforço criativo e por sua atividade inventiva. Por outro lado, concede à sociedade o benefício resultante da exploração da patente, estimula a concorrência entre as empresas e, conseqüentemente, o desenvolvimento tecnológico129.

Em outras palavras, é concedido ao inventor uma exclusividade temporária

como gratificação pela divulgação do conhecimento gerado para servir como base para

novas pesquisas e para que outros possam utilizá-lo. Essa é a autorização econômica e

social para o sistema de patentes.

Para a técnica jurídica, patente é um direito conferido por um determinado

Estado ou Governo para que uma determinada pessoa exerça um privilégio de

exploração temporária sobre um determinado bem que inventou ou criou. O conceito de

Denis Borges Barbosa é: “uma patente, na sua formulação clássica, é um direito,

conferido pelo Estado, que dá a seu titular a exclusividade de exploração da

tecnologia”130.

No Brasil, as patentes podem ser tanto de invenção quanto de modelo de

utilidade. Entretanto, as patentes concedidas mediante o pipeline apenas são na forma

da primeira. Isto posto, apenas interessa o estudo desta.

A patente de invenção tem várias classificações, bastando para a análise do

pipeline apenas aquelas enumeradas no art.230 da LPI. Sendo assim, basta que se

aborde a patente de invenção, que conceitualmente é a “ação humana de intervenção na

129 DI BLASI, Gabriel. Op. cit.. p. 207. 130 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 335.

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natureza, gerando uma solução técnica para um problema técnico”131. Para Douglas

Gabriel Domingues:

Enquanto isso, invenção é a criação de alguma coisa até então inexistente, que resulta do espírito inventivo e criador do homem, e soluciona um problema técnico. A invenção, portanto, satisfaz fins determinados e necessidades de ordem prática132.

Após a apresentação do conceito de patente e a definição de invenção, passa-se a

abordar a previsão constitucional para implementação no Brasil do sistema que insere a

patente de invenção, os requisitos essenciais para que seja concedida tal patente e

algumas disposições previstas na Convenção da União de Paris – CUP e TRIPS que

norteiam o sistema de patentes.

4.1 Previsão constitucional da patente de invenção

O estudo deve começar pela norma de hierarquia superior, e no caso do Brasil,

essa análise passa necessariamente pela Constituição da República de 1988133, onde está

assentada a permissão para instituição do sistema de patentes. Dispõe o inciso XXIX do

Artigo 5º da Constituição de 1988:

A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresa e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do Brasil.

Como se depreende do texto acima, o Brasil adota o sistema de patentes,

afirmando que cabe a lei específica determinar a sua forma desde que atendidos o

interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. A constituição

131 Id. Ibid. p. 337. 132 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – Patentes. Rio de Janeiro: Forense, 1980, pp. 31 e 32. 133 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 04 de maio de 2008.

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não estipula qualquer requisito de patenteabilidade134, apenas diz que a propriedade

industrial é um direito fundamental, que será temporário e que a lei irá regulá-lo135.

Apesar de não ser o objeto principal deste trabalho, é importante deixar o

registro que no dispositivo supracitado determinou o Legislador Constituinte que a

propriedade industrial carrega uma função social 136 . No capítulo 1, tivemos a

oportunidade de cuidar com maior profundidade os fundamentos, justificativas e

objetivos do sistema de patentes. Naquela oportunidade, vimos que o mesmo é um

instrumento de desenvolvimento que se justifica enquanto maximizar o bem-estar

social. Diante da redação do dispositivo acima, pode-se dizer que a constituição

brasileira visa equilibrar os mais variados interesses em jogo, e coloca a ênfase sobre a

análise dinâmica. Em resumo, uma patente atenderá sua função social enquanto que no

exercício desse direito o titular não atentar contra as contrapartidas exigidas pela própria

Constituição, e o sistema o fará também enquanto seus efeitos dinâmicos permitirem o

desenvolvimento do Brasil.

4.2 Requisitos materiais para concessão de patentes de invenção

Neste tópico reside um dos pontos cruciais da controvérsia existente quanto as

patentes concedidas via pipeline. Os estudos realizados quanto à pertinência ou não do

mecanismo levam em consideração os aspectos materiais, uma vez que estes servem de

base para uma concessão patentária.

134 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 99 et seq. 135 Denis Borges Barbosa entende que existem requisitos constitucionais de patenteabilidade. V. BARBOSA, Denis Borges. Inconstitucionalidade das Patentes Pipeline. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 83, p. 3-39, jul./ago. 2006. 136 Veja-se, nesse sentido: OSWALD, Maria Cecília; LEONARDOS, Luiz.. Direito de Patentes – uma proposta de filtragem constitucional. In: Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 86, jan./fev/ 2007; BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. Propriedade Industrial & Constituição – As teorias preponderantes e sua interpretação na realidade brasileira, 1ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2007; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas. A questão da Constitucionalidade das

Patentes “Pipeline” à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988. Almedina, 2008; MACHLUP, Fritz. An economic review of the patent system. Study of the Subcommittee on patents, trademarks, and copyrights of the Senate Committee on the Judiciary. Study No. 15. 85° Congresso dos Estados Unidos da America, 2a Sessão, 1958. Disponível em <http://www.mises.org/etexts/patentsystem.pdf>. Acesso em: 21 de abril de 2009.

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Os requisitos materiais para concessão de patentes de invenção são aqueles

enumerados no artigo 8° da Lei 9.279/96 e no artigo 27 do TRIPS, quais sejam,

novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. É importante deixar bem claro que

não existe hierarquia entre os requisitos materiais, uma vez que a ausência de qualquer

um deles é suficiente para inviabilizar a concessão de um pedido de patente. É possível

considerar que há importância teórica maior de um com relação aos outros, mas o fato é

que, no Brasil, os três são indispensáveis à concessão patentária.

Para que seja constatada a ocasião de uma invenção, é primordial que seja

verificado que a mesmo seja algo novo. Ou seja, o objeto da invenção deve ser

desconhecido em relação ao momento em que se requer o direito de patente.

Existem formas diferenciadas para se aferir a novidade, mas o critério objetivo

mais utilizado mundialmente é aquele contido no art. 11 da LPI. Vale dizer, que para ser

nova, a invenção não deve estar compreendida no estado da técnica. Por sua vez, o

estado da técnica é “constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da

data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer

outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvados o disposto nos arts. 12, 16 e 17” (§1º

do art. 11 da LPI).

Pelo exposto nos trechos acima, para ser patenteável, uma invenção tem que ser

nova na data em que foi depositado o primeiro pedido de patente com efeitos de direito

de prioridade ou na data em que foi divulgada (quando existente previsão legal para

período de graça).

É importante ressaltar que a novidade é um conceito de caráter legal, isto é, está diretamente relacionado à publicação ou divulgação da invenção ou do modelo de utilidade, de acordo com os pré-requisitos das legislações nacionais e internacionais de propriedade industrial137.

Justamente para atender a esse requisito, ainda no século XIX, a CUP inseriu o

direito de prioridade que confere ao titular o direito um certo tempo (hoje de 12 meses)

para pedir patente nos países da união, sem prejuízo da novidade e anterioridade.

Portanto, a prioridade é um direito de pedir patente e ter a invenção analisada quanto à

novidade na data em que foi depositado o pedido reivindicado138.

137 DI BLASI, Gabriel. Op.cit.. p. 214. 138 Cf. item 2.5.

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Algumas leis toleram divulgações do conteúdo da invenção anteriores ao

depósito do pedido de patente (período de graça). Nem todos os países o reconhecem. O

Brasil o permite através do art. 12 da LPI. Quando o direito ao período de graça é

utilizado, a novidade será examinada em relação à data da divulgação da invenção.

Vimos a novidade quanto ao tempo, agora é preciso vê-la quanto ao conteúdo. A

invenção será nova quanto ao conteúdo se ela não estiver antecipada integralmente por

um único documento do estado da técnica, de forma tal que um técnico no assunto possa

reproduzi-la139. Assim, pode-se dizer, que no Brasil, a novidade de uma invenção é

avaliada a luz do momento em que a mesma ingressou no estado da técnica. Essa

questão será melhor avaliada quando da abordagem das patentes pipeline.

O segundo requisito material para que seja concedida uma patente de invenção é

a atividade inventiva. Este compreende a intervenção humana através de um exercício

intelectual focado na criação140. Sobre o requisito, discorre Rodrigo de Azevedo Souto

Maior:

Significa que uma invenção não pode ter decorrido de maneira óbvia ou evidente do estado da técnica para um técnico no assunto. O propósito geral do requisito é limitar a concessão de patentes às inovações que de fato sirvam ao avanço tecnológico, excluindo do privilegio os avanços ordinários, passíveis de serem promovidos por qualquer técnico instruído141.

O último requisito material é a aplicação industrial da invenção. Sua definição é

muito simples, pois decorre expressamente do artigo 15 da LPI, onde diz que “a

invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial

quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria”. Importante

notar que esse requisito impõe que o invento tenha uma utilização econômica e que o

mesmo não seja uma mera abstração como regras de jogo ou métodos em geral,

devendo “prestar um serviço à coletividade”142.

Como será visto a seguir, no caso das patentes pipeline, o INPI não realiza o

exame quanto aos requisitos materiais de patenteabilidade, uma vez que o mecanismo é

139 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 369. 140 Ibid. p. 385. 141 SOUTO MAIOR, Rodrigo de Azevedo. A atividade inventiva nos EUA: A evolução do requisito sob o prisma da recente decisão-paradigma da Suprema Corte no caso KSR International Co. v. Teleflex Inc. In: Revista Criação, Rio de Janeiro, Ano I, Número II, Lúmen Júris, p. 255-309, 2009, p. 256. 142 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Op. cit. p. 56.

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uma forma de patente de revalidação, onde se aproveita o exame feito no país de

origem.

4.3 Condições do pedido

Além daqueles requisitos materiais elencados acima, a doutrina e a lei

estabeleceram outros requisitos, os formais ou conhecidos como condições do pedido,

que também são fundamentais para concessão de uma patente de invenção. A exigência

de tais requisitos está justamente em um dos pilares que sustentam o sistema de

concessão de patentes, que justifica o sistema com sendo este o meio propulsor do

desenvolvimento tecnológico patrocinado pela iniciativa privada, exclusividade nos

exatos termos reivindicados em troca da divulgação completa da invenção.

O primeiro dos requisitos desta natureza diz respeito à forma específica na qual

devem ser apresentados os pedidos de patentes de invenção. Na forma do 19 da LPI, o

pedido deve conter o requerimento fornecido pelo próprio INPI, relatório descritivo,

reivindicações143, desenhos (se for o caso), resumo e comprovante de pagamento da

retribuição. Não sendo respeitados estes requisitos formais, o pedido não será levado a

exame (art. 20 da LPI)144.

Quando do exame do pedido, o INPI verificará se o pedido de patente de

invenção formulado atende à condição de manutenção da unidade inventiva, suficiência

descritiva e fundamentação do quadro reivindicatório. Determina o artigo 22 da LPI

que: “o pedido de patente de invenção terá de se referir a uma única invenção ou a um

grupo de invenções inter-relacionadas de maneira a compreenderem um único conceito

inventivo”.

143 DI BLASI, Gabriel. Op.cit.. p. 99. “A parte do relatório em que, exclusivamente, são descritas as características técnicas do invento cuja patente é pretendida. Estas características são relativas às particularidades técnicas que constituem o invento, aos modos pelos quais se combinam na estrutura física, química ou biológica, aos processos e aos métodos de obtenção industrial. As reivindicações diferenciam as técnicas que se consideram como novidade das que se encontram abrangidas pelo domínio público. Caracterizam a essência da invenção e os contornos do espectro tecnológico a ser protegido pela patente.” 144 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Op. cit. p. 107.

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Esse mandamento significa que as reivindicações de um pedido de patente de

invenção devem guardar relação de forma que a junção destas seja possível de realizar

os efeitos técnicos inerentes aquilo que se deseja proteger. É considerado único o

conceito inventivo quando se mantém a unidade inventiva145.

Por sua vez, o artigo 24 determina que o relatório descritivo de um pedido de

patente de invenção seja dotado de tal suficiência de forma que um técnico no assunto

possa repetir o objeto da patente de invenção por meios próprios. Em adição, também

entende-se que para se atingir a suficiência descritiva, o relatório deve conter as formas

viáveis de realização do invento. É o relatório descritivo o que explica o que é o

invento, quais e como funcionam as reivindicações, aponta a melhor forma de

realização do invento e diferencia a invenção do estado da técnica146. Esse requisito é

fundamental para o sistema de direitos exclusivos, pois finalisticamente uma patente é

concedida em troca do conhecimento gerado para que todos possam utilizar livremente

o conhecimento quando esse se tornar de domínio público147.

Sendo todos os requisitos impostos pela LPI atendidos, cabe ao INPI conceder a

patente tal qual conste no pedido depositado.

No Brasil, como no resto do mundo, entende-se que toda vez que um inventor demonstrar que foram cumpridos os requisitos exigidos pela legislação – denominados ‘requisitos de patenteabilidade’ – o Estado tem o dever de conceder uma carta patente. Não existe, portanto, o poder arbitrário da Administração Pública para conceder ou negar uma patente148.

4.4. Processamento do pedido e concessão da patente de invenção

Via de regra, o pedido de patente de invenção segue um rito. Entretanto, quanto

ao mecanismo pipeline é diferenciado. Desta feita, é preciso explicar o “rito normal”

para que se possa fazer a comparação mais adiante.

145 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 110-111. 146 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Op. cit. p. 89 et seq. 147 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 386. 148 Dannemann, Siemsen, Bigle & Ipanema Moreira, Comentários à Lei da Propriedade Industrial e

Correlatos. Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 41.

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Apresentado o pedido de patente de invenção perante o INPI em conformidade

com o artigo 19 da LPI, o pedido é depositado e recebe um número e será considerada a

data do depósito a da sua apresentação. O pedido fica em sigilo durante 18 meses (salvo

requerimento de antecipação de publicação) contados da data do depósito ou da

prioridade mais antiga, quando finalmente é publicado na Revista da Propriedade

Industrial.

A publicação do pedido de patente de invenção torna pública a tecnologia nele

inserida, passando, portanto, a fazer parte do estado da técnica, sendo que tal efeito

retroage a data do depósito. A partir da publicação, terceiros interessados podem

apresentar subsídios para bloquear o eventual deferimento do pedido.

A próxima fase é o exame do pedido. Nesta, o INPI fará a conferência dos

requisitos enumerados anteriormente e decidirá sobre o deferimento ou não. Ocorrendo

o deferimento, cabe ao titular efetuar o pagamento da retribuição específica para que

ocorra a concessão e sucessiva expedição da carta patente, na forma do art. 38 da LPI.

4.5 Prazo de vigência de uma patente regular

No Brasil, uma patente de invenção tem duração de 20 anos contados da data de

depósito no país (art. 40 c/c 20, ambos da LPI). No entanto, a lei assegura que a patente

não expirará em data anterior a 10 anos contados da concessão (parágrafo único do

artigo 40 da LPI), salvo se o INPI estiver impedido de realizar o exame do pedido. Isso

é o que dispõem o art. 40 da LPI e seu parágrafo único, verbis:

Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

Comecemos a análise do dispositivo pela duração, ou seja, o tempo total em que

o titular poderá exercer os seus direitos exclusivos. O art. 40 diz claramente que a

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patente “vigorará pelo prazo de 20 anos”. A LPI é direta, mas não custa enfatizar que a

proteção será por um período de 20 anos contados do termo inicial.

Passemos, então, a definir o que é “data do depósito”, uma vez que a mesma

influencia tanto o termo inicial como o final149. O caput do art. 40 faz referência à data

do depósito no Brasil. De acordo com o art. 20, a data de depósito no Brasil é a data em

que o pedido foi apresentado ao INPI150.

Dito isso, o dies a quo de uma patente nacional é a data em que o pedido foi

depositado no país. Isso é o que se extrai da conjugação dos arts. 20, 40 e 44 da LPI151.

Com a concessão, “os efeitos gerados pela patente retroagirão até a data do depósito do

respectivo pedido”152. A partir da concessão, o titular pode exercer sua exclusividade

para o período futuro e obter indenização pelo uso não autorizado anterior na forma do

art. 44.

Apenas a título de esclarecimento, Douglas Gabriel Domingues informa que

legislações brasileiras pretéritas já adotaram datas diferentes como termo inicial, como a

data de publicação ou concessão153.

O mais importante aqui é ter em mente que o prazo da patente começa na data de

depósito no Brasil. Ou seja, aquele efetuado perante o INPI, na forma do art. 20 da

LPI 154 . Independe se o pedido foi realizado com base em direito de prioridade

(unionista – art. 16 – ou doméstica – art. 17). Entender que a data de depósito é qualquer

149 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 94. “Essa data, também conhecida como data de depósito, é fundamental para o pedido. (...) a referida data é o marco inicial para a contagem de prazos estabelecidos pelas leis de patentes. Na maioria dos países, o tempo de validade de uma patente é contado a partir da data de depósito do pedido”. 150 LPI. Art. 20. Apresentado o pedido, será ele submetido a exame formal preliminar e, se devidamente instruído, será protocolizado, considerada a data de depósito a da sua apresentação. 151 LPI Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente. § 1º Se o infrator obteve, por qualquer meio, conhecimento do conteúdo do pedido depositado, anteriormente à publicação, contar-se-á o período da exploração indevida para efeito da indenização a partir da data de início da exploração. § 2º Quando o objeto do pedido de patente se referir a material biológico, depositado na forma do parágrafo único do art. 24, o direito à indenização será somente conferido quando o material biológico se tiver tornado acessível ao público. 152 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 279. 153 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Op. cit. p. 153. 154 V. BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 433. “O pedido de patente, através do qual se exerce o direito constitucional de solicitar a concessão do privilégio, presume a apresentação ao INPI de um requerimento; de relatório descritivo; de reivindicações; de desenhos, se a patente o comportar; do resumo; e do comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito”.

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outra anterior à apresentação do pedido convertido em patente no INPI consistiria na

permissão de proteção patentária anterior ao termo inicial autorizado em lei. Vale dizer,

seria consentir que uma patente estrangeira ou até mesmo um pedido pendente pudesse

produzir efeitos no Brasil, o que ofenderia o princípio da territorialidade.

Quanto ao dies ad quem, uma patente de invenção regular deve expirar, via de

regra, na data correspondente a 20 anos da data do depósito no Brasil. No entanto, o

parágrafo único garante que a patente não expirará antes de 10 anos da concessão, caso

o INPI demore a realizar o exame do pedido.

Apesar do termo inicial coincidir com a data de depósito, o titular precisa

esperar pela concessão da patente para poder exercer a sua exclusividade. Com isso, a

lei inseriu um mecanismo que resguardasse os interesses dos titulares em caso de

demora demasiada da administração, pois a proteção anterior à concessão é precária e

muito difícil de se obter qualquer compensação anterior a essa data.

Como se infere do parágrafo único, a regra do caput do art. 40 será

excepcionada caso o INPI demore para decidir o pedido. Fosse absoluta essa regra, um

pedido de patente de invenção que ficasse 15 anos no INPI até ser concedido, geraria

uma patente com apenas cinco anos de exclusividade a partir da concessão.

Mecanismos parecidos não são novos no Brasil. Como relata Douglas Gabriel

Domingues, o país já teve previsões análogas, como no Decreto-Lei nº 254 de 1967,

onde a patente teria como termo final a data maior entre 20 anos do depósito ou 15 da

concessão, justamente para minorar os efeitos da demora no procedimento

administrativo155.

Desta forma, o termo final de uma patente brasileira regular só é conhecido no

dia em que é concedida, uma vez que pode ser necessária a aplicação do parágrafo único

do art. 40 da LPI. Infelizmente, essa demora é comum na prática do INPI, e diversas

patentes são concedias pelo prazo do parágrafo primeiro156.

Em síntese, no Brasil, uma patente de invenção regular tem, via de regra,

duração de 20 anos contados da data do depósito que originou a patente, mas duração

155 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Op. cit. p 154. 156 Veja-se, por exemplo, o caso da patente PI7907807-9, depositada em 30/11/1979 e concedida somente em 01/03/2006, ou seja, mais de 25 anos depois de seu depósito. No ato da concessão dessa patente, o INPI fez constar o seguinte: “Prazo de Validade: 10 anos contados a partir de 01/03/2006, observadas as condições legais”. Nesse caso específico, a proteção total é de cerca de 35 anos.

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superior é permitida em caso de atraso no exame do INPI. Enfim, pode-se dizer que o

Brasil garante um termo ad quem mínimo de 20 anos do depósito.

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5 MECANISMO DENOMINADO PIPELINE

Devido às pressões internacionais e necessidade de se adequar aos modelos

inseridos pelo TRIPS a respeito da propriedade industrial157, o Brasil incluiu no projeto

de lei que veio a ser sancionado como a atual Lei 9.279/96 o mecanismo que é

comumente chamado ou referido como pipeline. O mecanismo pipeline tem por

finalidade permitir o depósito e eventual concessão de patentes de invenção de produtos

e processos relacionados às industrias química, farmacêutica e de alimentos, por quem

tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil e que não pode

obter este privilégio anteriormente em decorrência da proibição imposta pela Lei

5.772/71. Para o presente estudo interessa apenas as patentes pipeline obtidas na forma

do art. 230 da LPI, verbis:

Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior. § 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo. § 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem. § 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único. § 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.

157 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Op. cit. p. 4 et seq.

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§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e à patente concedida com base neste artigo.

A denominação pipeline tem sentido figurado. Pipeline em inglês significa

tubulação e é usado para esse mecanismo como o duto que liga a bancada de pesquisa

ao mercado. Ou seja, produtos ainda em fase de desenvolvimento próximos a atingir

seu público alvo. O pipeline é um dispositivo temporário e transitório que marcou

mudança da legislação, para permitir a concessão de patentes anteriormente proibidas.

Gabriel Di Blasi o conceitua da seguinte forma:

O pipeline é a denominação dada a um dispositivo legal transitório que permite o reconhecimento de patente para produtos e processos, desde que estes – mesmo que já pesquisados ou desenvolvidos – não tenham sido colocados em nenhum mercado do mundo. Isto ocorre no período de transição, entre a revogação de uma antiga lei e o início de vigência de outra, nova, que preveja o reconhecimento de patentes em áreas que a antiga não previa158.

A transitoriedade é elemento marcante e tornou verdadeira condição para que

haja validade na concessão vinda mediante este mecanismo. Como pode ser notado do

art. 230, o mecanismo é um meio de revalidação de patentes estrangeiras. Por ser um

meio atípico de concessão de privilégio de exploração temporária, o pipeline apresenta

requisitos, procedimentos, rito administrativo e vigência diferenciados dos demais

pedidos de patente de invenção (regulares).

Quanto ao pipeline, haveria de ser compreendido como mecanismo excepcional e temporário utilizado para compensar os inventores que, no contexto da legislação anterior, estavam proibidos, não obstante os termos da Constituição, de privilegiar seus inventos. Daí a razão de assumir um regime jurídico especial, temporário quanto ao prazo para o pedido e dependente quanto à sua natureza e tempo de vigência. Tratar-se-ia, portanto, de uma patente de revalidação, confirmação ou importação, extraordinária e transitoriamente admitida. É patente abnormal que não se confunde com a patente normal ou convencional159.

A inclusão desse mecanismo causou e ainda causa muitas divergências. Na

academia e no Poder Judiciário vem sendo discutido, dentre outros aspectos, a

constitucionalidade160 do instituto, a dependência ou não dos pedidos originários, e a

158 DI BLASI, Gabriel. Op. cit.. p. 32. 159 CLÈVE, Clémerson Merlin & RECK, Merlinda Breckenfeld. Op. cit.. p. 26. 160 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 637.

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anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA161 . Não

obstante, a forma de contagem do prazo de vigência da patente concedida mediante o

mecanismo é a polêmica que importa para o presente trabalho.

5.1 Requisitos para concessão de patentes pipeline

O primeiro requisito desta modalidade de depósito é quanto à matéria que pode

ser objeto do pedido de patente. Conforme determina o artigo 230 da LPI, os pedidos

pipeline poderão versar sobre substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou

processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios,

químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos

processos de obtenção ou modificação.

Os segundo requisito diz respeito à legitimidade para requerer essa modalidade

de patente. Pode depositar pedido pipeline “quem tenha proteção garantida em tratado

ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no

exterior”. Vale dizer, portanto, que tem que ser realizado por quem já tenha um pedido

depositado no exterior, e em país ou organização com que o Brasil mantenha acordo.

O terceiro requisito é quanto à comercialização do objeto da patente. Como é

cediço, o mecanismo pipeline foi trazido ao ordenamento jurídico pátrio para corrigir

uma imperfeição do sistema anterior e possibilitar o depósito de matérias antes não

privilegiáveis. Como tais invenções não mais atendiam o requisito da novidade e os

pedidos estrangeiros originários não mais poderiam ser reivindicadas como prioridade,

para permitir tal ajuste, a lei passou adotar como requisito de patenteabilidade o

“critério de novidade a colocação no mercado”162 ou novidade comercial. Determina a

lei: desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa

161 Discute-se atualmente se o art. 229-C é aplicável somente as patentes pipeline, ou se também abrange as patentes regulares. V. LICKS, Otto B.;LEONARDOS, Luiz, A exegese do artigo 229-C da lei de propriedade industrial após a edições das medidas provisórias 2.006, de 15/12/99, e 2.014, de 21/12/2000, e a promulgação da lei 10.196 de 14/2/2001. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Industrial, São Paulo, v. 61, p. 57-69, nov./dez. 2002. 162 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit.. p. 641.

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direta do titular ou por terceiro com seu consentimento. Ou seja, em nenhum lugar do

mundo o objeto da patente pudera ter sido colocado a acesso do público consumidor.

Outro requisito, derivado da novidade comercial, é aquele que resguarda

eventuais nacionais que, crendo estar o objeto em domínio público efetivaram sérios e

efetivos preparativos para exploração do objeto do pedido de patente163. Entretanto,

vale a ressalva que cabe ao terceiro interessado provar de forma contundente que

realizou tais sérios e efetivos investimentos para exploração do objeto da patente, nos

moldes do parágrafo segundo deste mesmo artigo.

Também teve o interessado em utilizar o mecanismo do pipeline que realizar o

depósito de tais pedidos de patentes dentro do prazo de um ano contado da publicação

da LPI, conforme determinações do §1º do referido artigo. Ou seja, no período

compreendido entre 15 de maio de 1996 e 14 de maio de 1997.

Para ser concedido, o titular deve comprovar a concessão da patente originária

no país onde foi realizado o primeiro pedido e o objeto não pode se enquadrar em

qualquer um dos itens listados no art. 10 e 18 da LPI.

O último requisito para que se formulasse um pedido de patente de invenção

através do pipeline era que caso o depositante tivesse algum pedido em andamento

relativo aos produtos e processos mencionados no caput do artigo, o mesmo deveria

desistir do pedido pendente para poder apresentar o novo.

De acordo com Simone Scholze foram depositados 1182 pedidos via pipeline164

,

seja pelo artigo 230 ou 231.

5.2 Procedimento administrativo de concessão

O procedimento administrativo de concessão de uma patente de invenção

mediante o pipeline é bem simplificado se comparado àquele a qual são submetidos os

pedidos de patentes regulares. Isso acontece porque a patente pipeline é caracterizada

como sendo de revalidação, fazendo com que o INPI apenas conceda a patente quando

163 CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005, p. 378 et seq. 164 SCHOLZE, Simone H.C. Op. cit. p. 50.

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comprovada a concessão do pedido originário, sem que realize qualquer exame além

daquele determinado pelo próprio artigo 230.

O §2º do artigo 230 determina que o pedido depositado com base neste artigo

será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se,

no prazo de noventa dias, quanto ao atendimento no caput deste artigo.

O pedido normal é mantido em sigilo por 18 meses contados da data da

prioridade reivindicada ou sua publicação poderia ser adianta se fosse da vontade do

requerente. O período de sigilo não se repete no procedimento pipeline, uma vez que a

tecnologia nele inserida já era de conhecimento público e o prazo de reivindicação do

direito de prioridade se fosse possível já havia expirado.

Outro aspecto do mecanismo do pipeline é o prazo oferecido para que terceiros

interessados apresentassem suas manifestações pertinentes. Enquanto no pipeline o

prazo para manifestação era de 90 dias, no procedimento normal as objeções e

manifestações para subsidiarem o exame do pedido podem ser apresentadas até a

realização do mesmo. Parte da doutrina, notadamente o maior crítico do mecanismo do

pipeline, Denis Borges Barbosa, vê que o prazo de 90 dias é muito breve para que

alguém pudesse apresentar manifestações nos moldes possíveis a barrarem a concessão

do pedido165.

Apenas poderá ser alegado nas manifestações para se bloquear a concessão de

uma patente pipeline (i) o enquadramento em uma das hipóteses dos artigos 10 ou 18 da

LPI, (ii) a colocação direta do objeto do pedido no mercado por iniciativa direta do

titular ou por terceiro com seu consentimento, ou (iii) tenha o manifestante ou outrem

realizado no país sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou

a patente.

Findo o prazo de apresentação das referidas manifestações, o INPI fará o exame

dos requisitos apontados. Feito isso, o pedido ficará em espera até que seja comprovada

a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido. Ocorrendo a

comprovação, a patente será concedida no Brasil tal como concedida no país de origem.

Assim determina o §3º do art. 230 da LPI. Isto significa que a abrangência da proteção

patentária estará restrita ao quadro reivindicatório do pedido originário, resguardadas as

hipóteses dos artigos 10 e 18 da LPI, conforme os ditames do parágrafo terceiro do 165 BARBOSA, Denis Borges, Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2 ed., Rio de Janeiro, Editora Lumem Juris, 2003. p. 641.

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artigo 230 da mesma lei. Nessa análise, é impedido ao depositante que inove no pedido

pipeline para incluir matéria não abrangida no quadro reivindicatório da patente

originária.

Faz-se mister informar que a lei brasileira não exige que a patente concedida

seja oriunda do primeiro pedido depositado para a invenção, nem que tenha sido

concedida pelos escritório de marcas e patentes daquele país específico, bastando que

seja a patente a conferir proteção em tal país. A lei diz que tem que informar o primeiro

pedido, mas diz também que a patente pipeline será concedida tal como no país onde foi

depositado o primeiro pedido. Portanto, revalida-se no Brasil a patente concedida no

exterior que confira proteção à invenção no país do primeiro pedido para a mesma.

Essas características especiais da patente de revalidação devem ser sempre

consideradas ao analisar-se a questão referente ao prazo de vigência que será visto

capítulo a seguir, já que não há exame do mérito do pedido no Brasil.

5.2.1 Anuência prévia da ANVISA

Embora, não seja objetivo discutir a inclusão da ANVISA no procedimento

concessório, é necessário abordar, mesmo que brevemente, o procedimento incluído

pelo artigo 229-C (incluído por medida provisória de 1999, editada sucessivas vezes e

confirmada pela Lei 10.196/01). Essa alteração da lei criou inúmeros questionamentos,

seja por profissionais que atuam na área, seja pela indústria farmacêutica, ou do próprio

INPI, que teve autarquia estranha tendo que dar pareceres quanto sua expertise.

O fato é que para a concessão de uma patente farmacêutica o pedido vem sendo

submetido ao crivo de duas autarquias federais diferentes e que estão sob o comando de

dois ministérios diferentes. Não bastassem as inúmeras dificuldades encontradas pelo

INPI para cuidar da enorme quantidade de pedidos que recebe, passa a existir um

entrave não só técnico, mas como também jurídico e político.

Antes da aplicação do referido artigo, o INPI de forma autônoma concedia a

patente no pipeline assim que comprovada a concessão do depósito originário

estrangeiro reivindicado no pedido nacional. Entretanto, com a referida Medida

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Provisória, antes da publicação na RPI do despacho do deferimento, o pedido deveria

ser encaminhado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, para que está

anuísse previamente com a concessão.

Art. 229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

Existem duas divergências cruciais quanto a esse artigo. A primeira é quanto ao

objeto da anuência da ANVISA. Ou seja, sobre que conteúdo do pedido de patente

pode a ANVISA interferir para anuir ou não. A segunda discussão é sobre a aplicação

desse artigo sobre todas as concessões de patentes para produtos e processos

farmacêuticos, considerando estar o artigo inserido nas disposições finais e transitórias.

O INPI é a autarquia federal competente para receber, examinar e conceder

patentes de acordo com os ditames da Lei 9.279/96. Em exercício de ato administrativo

plenamente vinculado, o INPI apenas confere se o pedido de patente atende aos

requisitos impostos pela LPI. Estando o pedido em conformidade, só cabe a ele

conceder a patente. Não sendo possível, portanto, qualquer discricionariedade por parte

da autarquia. Surge, então, a inclusão da ANVISA no procedimento administrativo que

visa `a concessão de patentes de produtos e processos farmacêuticos.

Há um entendimento de que a atuação da ANVISA deve ser restrita às patentes

pipeline e seu exame deveria se destinar a aspectos diferentes daqueles já avaliados pelo

INPI. Em resumo, a ANVISA deveria apenas se manifestar sobre a comercialização

anterior da invenção reivindicada via pipeline.

No mais é importante observar que a Lei 10.196/01 visa regular basicamente situações transitórias e excepcionais, ou seja, os pedidos denominados pipeline e os pedidos pendentes quando da aplicação da Lei 9.279/96, cujas invenções são relacionadas àquelas não protegidas pelo Código nº 5.772/71166.

Otto Licks e Luiz Leonardos compartilham do mesmo entendimento.

Portanto, levando-se em consideração o contexto de disposição transitória em que se insere o artigo 229-C, pode-se concluir que apenas se sujeitam a tal dispositivo os pedidos de patente para produtos e processos farmacêuticos que são regulados pelas disposições transitórias da Lei 9.279/96, quais sejam,

166 DI BLASI, Gabriel. Op. cit.. p. 325.

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os pedidos de pipeline, com a finalidade supra-indicada (verificação da indisponibilidade do produto no mercado). Logo, à ANVISA compete o exame dos pedidos pipeline, para indicar ao INPI qualquer eventual comercialização do objeto requerido. Por conseguinte, a análise da ANVISA tem como escopo a verificação de o produto estar ou não no mercado na data do dpósito do pedido no Brasil167.

Entretanto, a prática mostrou-se diferente. A ANVISA passou a fazer uma

revisão formal dos atos realizados pelo INPI no processo de concessão das patentes

farmacêuticas em geral168.

Contudo, não é o que vem acontecendo, pois embora o artigo 229-C esteja inserido dentro do título das disposições finais e transitórias da Lei nº 9.279/96, todos os casos, sem distinção, de pedidos de patentes na área farmacêutica regulares – inclusive aqueles não sujeitos à situação prevista no ‘caput’ do artigo 229, ou seja, casos depositados após 15 de maio 1997 – vêm sendo submetidos à ANVISA, fundamentando tal decisão em um comunicado emitido pela Diretoria de Patentes do INPI, de fevereiro de 2001 (INPI/DIRPA 02/2001)169.

Quanto às patentes pipeline a ANVISA passou a fazer exame completo dos

pedidos, coisa que nem o INPI pode fazer, por ser desnecessário em face o comando do

§3º do art. 230. De acordo com Otto Licks e Luiz Leonardos, esse exame seria vedado

nessas patentes.

Uma vez presentes esses elementos, o direito subjetivo do depositante à obtenção da patente já estará inteiramente formado e obrigatoriamente a patente tem de ser concedida, por que a lei não autoriza que nenhuma outra exigência, condição ou requisito possa ser imposto para a concessão da patente pipeline170.

5.3 Sobre a constitucionalidade das patentes pipeline

Próximo ao fim dos esforços de pesquisa referentes a esse trabalho, o

Procurador-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (“ADIN”)

em face dos arts 230 e 231 da LPI. A discussão em torno da constitucionalidade de tais

167 LICKS, Otto B.; LEONARDOS, Luiz. Op. cit.. p. 62. 168 Ibid. p. 67. 169 DI BLASI, Gabriel. Op. cit.. p. 326. 170 LICKS, Otto B.; LEONARDOS, Luiz. Op. cit.. p. 69.

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patentes é anterior à ADIN, e algumas relevantes opiniões já foram dadas a esse

respeito.

Apesar de não ser o foco do presente trabalho, ou seja, a discussão em torno do

prazo de vigência, tendo em vista que a relevância que questão tomou nos últimos

tempos, não se pode deixar de abordar os principais argumentos referentes ao tema.

Nesse sentido, para não desviar o foco do real objetivo deste estudo, será feito um relato

sobre os argumentos apresentados pelo Procurador-Geral da República e como a

doutrina enfrentou o assunto.

Na petição inicial da ADIN 4134, o Procurador-Geral da República alega que os

artigos 230 e 231 apresentariam contrariedade às disposições dos artigos 3º, I a II; 5º

XXII, XXIII, XXIX, XXIX, XXXII e XXXVI; 6º; 170, II, III e IV; 196 e 200, I e V,

todos da Constituição de 1988. Resumidamente, alega-se que as patentes pipeline

ofenderiam a ordem constitucional, pois confeririam exclusividade sobre invenções já

compreendidas no domínio público e que não mais atenderiam ao requisito da novidade,

constituindo um monopólio contrário aos interesses sociais e ofendendo à ordem

econômica e à livre concorrência171.

Os argumentos expendidos pelo Procurador-Geral da República repetem em boa

parte aquilo que Denis Borges Barbosa disse em artigo específico sobre o assunto. O

argumento chave apresentado pelo autor é a inderrogabilidade do domínio público172.

Diz ele que as patentes pipeline confeririam um monopólio sobre aquilo que já seria

bem de todos. Em adição, o referido autor sustenta que haveria ofensa ao suposto

requisito constitucional de novidade; ofensa ao princípio da igualdade de tratamento;

ofensa à soberania nacional; ofensa aos princípios de direito internacional consagrados

na carta política; e desfavorecimento da indústria, tecnologia e desenvolvimento

nacional173.

No entanto, nota-se que existem opiniões no sentido de que não há

inconstitucionalidade no mecanismo do pipeline. Portanto, faz-se necessário demonstrar

como alguns doutrinadores abordaram a questão.

171 BRASIL. Procurador-Geral da República. Petição inicial da ADI 4134. Inconstitucionalidade dos artigos 230 e 231 da Lei 9.279/96. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial /verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4134&processo=4134>. Acesso em 16 de agosto 2009. 172 BARBOSA, Denis Borges. Inconstitucionalidade das Patentes Pipeline. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 83, p. 3-39, jul./ago. 2006, p. 13. 173 Id. Ibid., passim.

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Já nas discussões legislativas referentes ao projeto de lei que culminou na LPI se

notava uma celeuma em torno das patentes pipeline. Alguns parlamentares se

posicionavam contra o mecanismo e outros a favor. Prevaleceu a idéia de que era

necessário corrigir, ou remediar, a proibição que a lei anterior impunha a certos setores

tecnológicos 174 . Para Clèmerson Merlin Clève, a norma anterior mostrava-se

incompatível com a ordem constitucional de 1988.

12. A vedação à patenteabilidade de medicamentos, presente na Lei 5.772/1971, não se apresentava compatível com o disposto no inciso XXIX do artigo 5º da CF, uma vez que a harmonização entre o direito fundamental consagrado no inciso XXIX e outros direitos e valores fundamentais não se resolve através do mecanismo da proibição tout court da patente, mas sim mediante um regime bem articulado de restrições a esse direito, envolvendo, por exemplo, hipóteses de licenças compulsórias e de caducidade. 13. Com efeito, a mera proibição de patenteabilidade de produtos farmacêuticos e químicos, adotada pela Lei de 1971, importava o sacrifício do direito do inventor, da indústria, bem como da promoção da pesquisa científica e técnica, não realizando um adequado balanceamento dos bens constitucionais, afrontando, assim, o disposto do artigo 5º, XXXIX175.

Acreditando-se no fato de que a proibição imposta pela lei anterior não fora

recepcionada pela constituição de 1988, o mecanismo do pipeline teria servido,

justamente, para corrigir essa situação inconstitucional que atingia em cheio

determinados segmentos. Sobre esse aspecto, disse J. J. Gomes Canotilho:

58. A ausência de protecção legal das patentes de produtos farmacêuticos constituía, em si mesma, uma violação do artigo 5.° § XXIX, da Constituição federal de 1988, que a introdução da patente “pipeline” pretendeu atenuar. 59. A figura jurídica das patentes “pipeline” não deixa de ser uma solução transitória legítima, na medida em que procura minimizar os danos presentes de uma violação inconstitucional dos direitos de propriedade intelectual dos inventores de produtos farmacêuticos ocorrida no passado. 60. A mesma não deixa de ter subjacente uma lógica de natureza ressarcitória ou indemnizatória, compensando uma injustiça passada, equilibrando uma realidade fáctica presente e perspectivando um regime jurídico equitativo no futuro176.

O primeiro ponto a ser abordado refere-se ao “domínio público como direito

adquirido” 177 . Os críticos entendem que o mecanismo do pipeline conferiria

exclusividade sobre aquilo que já se encontrava em domínio público, sendo este um

174 V. DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 321 et seq. 175 CLÈVE, Clèmerson Merlin; RECK, Melina Breckenfeld. Op. cit. p. 34. 176 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 134. 177AHLERT, Ivan Bacellar; ANTUNES, Paulo de Bessa. Pipeline e Constituição: de que inconstitucionalidade falamos. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v. 87, p. 45-68, mar./abr. 2003., p. 50.

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direito adquirido da coletividade. Em resposta a esse entendimento, os defensores do

mecanismo sustentam que o direito adquirido deve ser individualizável, não cabendo

considerações de caráter difuso. Isso posto, para coibir o desrespeito a direitos

efetivamente adquiridos por indivíduos, o caput do art. 230 teria tratado de impedir a

concessão de patentes pipeline quando comprovado que um nacional tenha realizado

sérios e efetivos preparativos para explorar a invenção no Brasil.

De acordo com este entendimento, a doutrina dos direitos adquiridos só valeria para aqueles casos em que determinados direitos subjectivos tenham sido actual e efectivamente incorporados na esfera jurídica de um particular, não sendo relevante quando estejam em causa apenas meras expectativas ou um quadro de opções de comportamento potencial ou hipotético. Caso contrário, o status quo transformar-se-ia num “viveiro” de direitos adquiridos, resultado manifestamente absurdo e juridicamente insustentável. Em sentido contrário, deve entender-se que a mera alteração geral e abstracta de um dado regime jurídico, mesmo que com incidência no exercício de liberdades fundamentais ou de expectativas estabilizadas, não é, por si só, suficiente para violar direitos adquiridos, desde que não atente de forma grave, intolerável, arbitrária e desproporcional contra o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. O apelo a “direitos adquiridos difusos”, pertencentes a toda uma comunidade política de forma abstracta, resultantes de uma omissão legislativa, é também manifestamente insuficiente para pôr em causa a possibilidade de alterações supervenientes das circunstâncias normativas e regulatórias. [...] Assim sendo, dificilmente a expectativa social – não juridicamente individualizada, nem facticamente fundamentável – de ganhos futuros à custa da violação dos direitos de propriedade intelectual de outrem poderia ser um candidato positivo indiscutível e incontroverso à categoria de direitos adquiridos, imunes à alteração retrospectiva do quadro legislativo. [...] Na verdade, o artigo 230.° da Lei n.° 9.279/96 nega a proteção das patentes “pipeline” se o respectivo objecto tiver sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa directa do titular ou por terceiro com o seu consentimento, ou tenham sido realizados, por terceiros, no Brasil, sérios e efectivos preparativos para a exploração do objecto do pedido ou da patente. A mesma já é razoavelmente sensível à protecção de direitos adquiridos, e mesmo de meras expectativas que se possam ter consolidado de forma individualizada, embora sem ir ao ponto de proteger todas as hipotéticas e difusas oportunidades de negócio da indústria farmacêutica brasileira.178

Em um determinado caso sobre correção de prazo de uma patente pipeline que

tomou curso perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a constitucionalidade do

mecanismo foi argüida. Nessa ocasião, a argüição foi rejeita com base no voto vencedor

proferido pelo Desembargador Federal Messod Azulay Neto, que sustentou o seguinte:

Em que pesem os respeitáveis fundamentos, não vejo como acolhê-los diante do entendimento há muito pacificado pelos Tribunais de que não existe direito adquirido à alteração de regime jurídico disciplinado por lei. [...]

178 CANOTILHO, J.J. Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 112 et seq.

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Em que pesem opiniões em contrário, quedo-me convicto de que a natureza do direito adquirido é eminentemente individual, vinculada ao patrimônio econômico das pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, não se podendo conceber direito adquirido da sociedade como um todo, de forma indistinta, com base em previsão de exercício meramente hipotético. Digo hipotético, porque nos casos concretos de uso ou intenção de uso patentário das hipóteses vedadas pela Lei 5.772/71, ou seja – invenções que já estivessem em processo de utilização ou em vias de sê-lo, por ocasião da transição de regime (que as tinha em domínio público) – foram devidamente resguardadas pelo legislador, que condicionou a revalidação das “pipeline” à inexistência do invento179.

Também sutenta-se que os artigos 230 e 231 ofenderiam a constituição por não

atenderem ao “requisito constitucional da novidade”. Sobre tal posição, destacou Ivan

Ahlert: “A simples leitura do texto constitucional, data venia, não nos leva à

compreensão de que a novidade seja uma exigência constitucional para a concessão de

uma patente”180. Por sua vez, Canotilho também defende a inexistência de um requisito

constitucional de novidade. Para ele o núcleo da norma constitucional foca na proteção,

deixando para que legislador infraconstitucional regule a forma de implementação desse

comando.

Ora, sobre este ponto convém lembrar, antes de mais, que o requisito da novidade não se encontra expressamente previsto na Constituição Brasileira de 1988. [...] Diante deste inciso constitucional afigura-se problemática a afirmação categórica da inconstitucionalidade das patentes “pipeline” por violação do requisito da novidade. É que o mesmo nem sequer consta do teor literal da dita norma constitucional, nem em abstracto, nem em qualquer das suas especificações, dele não se podendo ainda dizer que está implícito nas mesmas. Essa omissão decorre do carácter propositadamente aberto das normas constitucionais, frequentemente compatíveis com diferentes modalidades de concretização. Subjacente à orientação objectivamente seguida pelo legislador constituinte brasileiro parece estar a necessidade de proteger a propriedade intelectual e industrial como factor de desenvolvimento. [...] Tanto basta para se poder concluir, desde logo, que o conceito de novidade, enquanto requisito da patenteabilidade, é compatível com diferentes entendimentos. Como se disse, a Constituição Federal de 1988 não impõe o requisito da novidade como condição de protecção da propriedade industrial, deixando uma decisão sobre o se e o como do seu acolhimento ao legislador brasileiro. Este, quer em matéria de propriedade industrial, quer no âmbito dos cultivares, adoptou diferentes concretizações do conceito de novidade, de acordo com as suas opções de política pública181.

179 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Propriedade industrial. Patente pipeline. Prazo de vigência. Prorrogação. Remessa Ex Officio em Apelação Cível nº 2005.51.01.500668-9. Parte A: Mycogen Plant Science Inc. Parte B: INPI. Relatora: Desembargadora Federal Liliane Roriz. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2007, D.J.U. 28 de março de 2007. 180 AHLERT, Ivan Bacellar; ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit. p. 53. 181 CANOTILHO, J.J. Gomes; MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 99 et seq.

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Aqueles que entendem que a novidade não é um requisito constitucional também

utilizam como argumento o reconhecimento no Brasil do direito de prioridade, seja

unionista ou doméstica, e a tolerância quanto ao período de graça. Quem se filia a essa

corrente sustenta que se o critério brasileiro fosse absoluto quanto à novidade, não se

poderia admitir qualquer reivindicação de prioridade ou o período de graça. Se ambos

são permitidos no Brasil, não se poderia dizer que o país exige um critério estritamente

absoluto, pois haveria relativizações. Face essa realidade, Ivan Ahlert apresenta o

seguinte argumento quanto à constitucionalidade das patentes pipeline:

Portanto, mesmo pelos critérios tradicionais, “novidade” é um conceito apenas relativo e regulado pela lei ordinária. Fosse a novidade absoluta um preceito constitucional, então a previsão legal de um prazo de prioridade, de um período de graça e da inclusão de matéria não divulgada no estado da técnica seriam inconstitucionais, o que nos parece de todo inverossímil182.

Em comentários ao TRIPS, Nuno Pires de Carvalho disse: “Novelty may be

absolute as to the place, the time and the means of disclosure. […] If novelty were

necessarily absolute, no country could accept the grace period (the grace period is

relative novelty as to the date of disclosure)183.

Outro argumento que causa alguma repercussão diz que as patentes pipeline

impediriam o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Esta discussão

específica é muito delicada e requer cuidado quanto à aproximação, não cabendo ao

presente estudo aprofundar a análise. Neste momento, basta apenas a remissão à

exposição feita por Ubirajara Mach de Oliveira quanto à proibição de patenteabilidade

contida na lei de patentes anterior. Em obra sobre a proteção jurídica de invenções de

medicamentos e de gêneros alimentícios, o referido autor apresentou o seguinte

entendimento:

Ao argumento referente à necessidade de proteção do ramo produtivo interno, rebate-se com a asserção de que estimulando a pesquisa e a patente locais ;e que melhor se poderá incentivar a indústria nacional. Pois sem a investigação própria, o país continuará sempre dependendo dos produtos e das invenções originados no estrangeiro e que são aqui fabricados. [...] De feito, verifica-se que a experiência brasileira, ao deixar de reconhecer direito de patentes ao inventor de produtos farmacêuticos e alimentares, não

182 AHLERT, Ivan Bacellar; ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit. p. 54. 183 CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005, p. 192.

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atingiu ao desiderato de promover uma indústria nacional pujante, pois a supremacia do mercado permaneceu com a produção transnacional, de capital eminentemente estrangeiro. [...] Se, dadas as peculiaridades da produção químico-farmacêutica, as empresas puderem copiar, não sentirão nenhuma necessidade de investigar, optando por simplesmente vender o que for copiado184. [...] Antes, é certo que a proibição dessas patentes não mais atendia, se é que alguma vez tenha tendido, aos supremos interesses da população, que agora poderá ter, e é o que se espera, acesso cada vez maior a medicamentos e gêneros alimentícios da melhor qualidade e que atendam às suas específicas necessidades185.

Como esclarecido anteriormente, o presente trabalho buscou, neste tópico,

apenas relatar a existência da discussão quanto à (in)constitucionalidade do mecanismo

do pipeline e os argumentos encontrados na doutrina, tendo em vista o início ADIN

4134. Certamente, a discussão merece ser aprofundada, precisando de uma obra

completa para se esgotar o tema. Assim, como a mesma não se confunde e tampouco

influencia o objeto desse trabalho – o prazo de validade das patentes pipeline –, uma vez

que requer estudos e abordagens de conteúdos diferentes.

184 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Op. cit. p. 157. 185 Id. Ibid. p. 185.

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6 O PRAZO DE VALIDADE DAS PATENTES PIPELINE

A questão envolvendo o prazo de validade das patentes pipeline causa muita

polêmica. A notoriedade da controvérsia é constatada nas inúmeras ações judiciais que

têm esse assunto como objeto186 e na repercussão causada no meio acadêmico187. Outro

ponto que eleva o destaque do tema é justamente o que essas patentes protegem. A

grande maioria das patentes pipeline cobre invenções relacionadas a medicamentos de

grande saída do mercado, o que chama a atenção não só de todos aqueles que sofrem as

restrições impostas pelas patentes (indústrias fabricantes de similares e genéricos) como

também do Poder Público que é, sem dúvida, o maior comprador desses produtos.

O dispositivo legal que determina a forma de contagem do prazo de validade de

uma patente pipeline é o §4º do art. 230 da LPI, verbis:

Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

O §4º do art. 230 pode ser dividido em três partes:

1. Dies ad quem: “prazo remanescente de proteção no país onde foi

depositado o primeiro pedido”;

2. Dies a quo: “contado da data do depósito no Brasil”; e

3. Limite máximo de duração: “limitado ao prazo previsto no art. 40,

não se aplicando o disposto no seu parágrafo único”.

Para determinar o prazo de uma patente concedida por esse mecanismo de

revalidação basta saber: (a) o país onde foi depositado o primeiro pedido; (b) a patente

que confere proteção no referido país, e (c) o termo final do prazo dessa patente. Todas

essas informações são fornecidas ao INPI antes da concessão da respectiva patente

pipeline.

186 Uma pesquisa nos bancos de dados da Justiça Federal do Rio de Janeiro e Distrito Federal mostra que pelo menos 50 ações discutindo o prazo de validade de patentes pipeline cursaram ou ainda estão em curso, sendo que o Superior Tribunal de Justiça julgou um caso em 2004 e sabe-se de pelo menos 11 recursos especiais que aguardam julgamento. 187 Diversos autores já se debruçaram sobre o assunto, dentre os quais podemos citar J.J. Gomes Canotilho, Denis Borges Barbosa, Clèmerson Merlin Clève, Ricardo Sichel, e Otto Licks.

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O INPI erigiu um entendimento sobre o §4° do art. 230 da LPI que foi aplicado

para todas as patentes concedidas através desse mecanismo de revalidação188. Segundo

essa interpretação, a patente pipeline deve expirar na data correspondente a vinte anos

contados da data do primeiro depósito no exterior189. Nesse sentido, a autarquia fez

constar na capa de diversas patentes pipeline os seguintes dizeres: “Validade: 20 anos

contados da data do depósito do primeiro pedido, de acordo com os §§3º e 4º do art. 230

da LPI”190. Ocorre que essa “equação” adotada pelo INPI faz com que a maioria das

patentes pipeline expire em data anterior a que a patente estrangeira no respectivo país

de origem, quando a lei brasileira garantiria o prazo remanescente de proteção conferido

no exterior191.

Tendo em vista a divergência entre o prazo assinalado pelo INPI e o prazo

remanescente de proteção no país de origem, os titulares de patentes pipeline passaram a

buscar a correção de prazo no Poder Judiciário. Essa discussão começou logo após a

concessão das primeiras patentes pipeline e continua não pacificada.

Nota-se que existem diferentes fases envolvendo esse contencioso específico.

No primeiro momento, as demandas foram quase que integralmente julgadas em favor

dos titulares. Após alguns anos, passaram a surgir decisões suportando a tese do INPI.

Agora, há uma certa divisão equilibrada entre os dois lados, acrescida pela aparição de

novas questões envolvendo essas patentes, notadamente a extensão conferida no país de

origem.

Após extensa análise da jurisprudência sobre o tema e das peças processuais

apresentadas nas ações judiciais, verificou-se que existem dois aspectos no foco do

debate, a saber: (i) limite máximo de duração de uma patente pipeline e (ii) forma de

contagem do prazo de validade remanescente da patente estrangeira.

O INPI entende que o prazo máximo de uma patente pipeline não pode

ultrapassar a data correspondente a 20 anos contados da data de depósito do primeiro 188 Nota-se que é recorrente a utilização da expressão “fixar o prazo” de uma patente. Essa expressão como outras de igual valor são tidas nesse texto como o prazo que consta em uma carta-patente. 189 É importante frisar que o fato da patente expirar na data correspondente 20 anos da data do primeiro depósito no exterior é o resultado prático obtido pela aplicação do entendimento do INPI. A análise das peças processuais apresentadas pelo INPI mostra que a interpretação é complexa e envolve muitas questões até se chegar ao resultado prático proposto. A exegese feita pela autarquia será mostrada de forma mais completa ainda nesse capítulo. 190 O texto aqui reproduzido pode ser verificado, por exemplo, na patente pipeline PI1101059-2. 191 Somente em situações específicas a data assinalada pelo INPI coincide com a data em que a patente estrangeira cai em domínio público. Esse pesquisador ainda não encontrou um exemplo real onde as datas coincidiram.

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pedido no exterior. Todas as patentes pipeline foram assinaladas com termo final que

segue essa interpretação. Por outro lado, os titulares entendem que a validade de uma

patente pipeline pode ter duração até a data correspondente a 20 anos contados da data

do depósito no Brasil, pois por esse método é que se garantiria o remanescente de

proteção no país do primeiro pedido.

Tendo em vista que o prazo assinalado pelo INPI não corresponde, na grande

maioria das vezes, ao remanescente de proteção no país do primeiro pedido, os titulares

passaram a buscar a correção judicialmente. Nessas ações, além de sustentar o aspecto

referente ao prazo máximo de duração, o INPI rebatia as alegações dos titulares

argumentando não ser possível conceder as patentes pipeline pelo prazo remanescente

de proteção no exterior, pois a forma de concessão e a contagem de prazo seriam

incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro.

O principal argumento do INPI tem como base os efeitos da data do primeiro

depósito no exterior. A autarquia diz que a partir de tal data a invenção passa integrar o

estado da técnica, deixando de ser nova, como também o titular torna-se capaz de

impedir o uso da tecnologia por terceiros. Com base nesses efeitos é que o INPI erigiu o

entendimento de que o prazo máximo deve ser contado da data do primeiro depósito no

exterior, e que qualquer duração superior ao termo final máximo ofenderia a lei

nacional.

Toda essa celeuma existe porque um grande número (a maioria) das patentes

pipeline foi concedida com termo final anterior à data de expiração de suas

correspondentes estrangeiras. O presente estudo visa esclarecer os pontos controvertidos

que surgiram sobre a matéria desde que esse mecanismo de revalidação foi adotado pelo

Brasil. Para tanto, é importante mostrar (i) quais são os tipos de patentes estrangeiras

objeto da discussão, (ii) a forma de contagem proposta pelo §4º do art. 230 da LPI, (iii)

como o INPI atingiu o entendimento sobre o prazo máximo dessas patentes e se o

mesmo é correto, (iv) o motivo do INPI afirmar que a revalidação do prazo da patente

estrangeira seria incompatível com a norma interna, e (v) como a jurisprudência e a

doutrina têm reagido a toda essa discussão.

6.1 Causas dos pedidos de correção de prazo das patentes pipeline

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Prima facie, uma patente pipeline deve expirar na mesma data que sua

correspondente estrangeira revalidada. No entanto, muitas patentes dessa modalidade

foram assinaladas com prazo validade inferior à data de expiração da proteção no

exterior. O INPI entende que o termo final de uma patente pipeline deve ocorrer no

máximo até a data correspondente a 20 anos contados da data de depósito do primeiro

pedido no exterior.

Apesar de possível, somente em condições muito específicas, o termo final da

patente estrangeira e o prazo máximo de duração estabelecido pelo INPI coincidirão.

São três os motivos que normalmente causam essa diferença entre o termos finais da

patente estrangeira e da patente pipeline, a saber:

(i) quando o termo final originalmente estabelecido pela legislação

estrangeira for posterior a 20 anos do depósito (contagem

diferenciada);

(ii) quando a patente revalidada não foi concedida através do primeiro

pedido depositado para a invenção, mas de um pedido posterior192

(direito de prioridade);

(iii) quando o termo final da patente estrangeira foi estendido (extensão de

patente).

A ocorrência de qualquer uma das hipóteses acima por si só é capaz de causar

uma discrepância entre o prazo estrangeiro e o termo final máximo permitido pelo INPI.

Entretanto, nada impede que a diferença seja resultante da conjunção das mesmas, o

que, aliás, é freqüente. Cada uma das hipóteses isoladamente e todas as quatro

combinações possíveis já foram objeto de demandas específicas perante os tribunais

brasileiros. Assim, faz-se mister apresentar os principais tipos de correção de prazo que

os titulares de patentes buscam no Poder Judiciário.

Aqui serão abordadas apenas aquelas patentes estrangeiras revalidadas de maior

freqüência nas ações judiciais envolvendo a correção de prazo de patentes pipeline,

notadamente: norte-americanas, européias e japonesas.

192 A utilização da expressão “pedido posterior” é proposital. A adoção da mesma visa deixar claro que a patente pode ter sido concedida a partir de que qualquer pedido posterior e não necessariamente do segundo depósito.

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6.2 Patentes obtidas por meio do direito de prioridade

De acordo com a contagem do INPI, uma patente pipeline é levada a expirar em

data anterior que sua correspondente estrangeira quando esta última é derivada da

reivindicação de direito de prioridade, seja ela doméstica (interna) ou unionista (CUP).

Em geral, nos países signatários do TRIPS, patentes derivadas do exercício do direito de

prioridade tendem a expirar em data posterior a 20 anos contados do primeiro depósito.

Nesse tópico, será visto como funciona o mecanismo da reivindicação de prioridade,

uma vez que o mesmo é fundamental para a análise da interpretação erigida pelo INPI.

As principais funções desse mecanismo são resguardar o direito do inventor

efetuar pedidos de patentes para sua criação a partir de um depósito original - nacional

ou estrangeiro –, permitir que a novidade do pedido posterior seja examinada à luz do

estado da técnica constituído na data do depósito do pedido reivindicado como

prioridade.

6.2.1 Prioridade unionista

Como visto anteriormente, o autor de uma invenção tem o direito de pedir

patente. Esse direito não é restrito ao país de residência ou nacionalidade do inventor,

ele é reconhecido por um grande número de países membros da CUP e do TRIPS. No

entanto, o sistema de patentes enfrenta duas dificuldades: determinar quem tem o direito

de obter patente e determinar o momento de constituição do estado da técnica para fins

do exame do requisito da novidade.

Duas ou mais pessoas podem chegar à mesma invenção dentro de um período de

tempo relativamente curto, sem que uma saiba dos trabalhos realizados pelas outras.

Casos concretos mostram que isso é possível193. Daí surge a questão sobre quem tem o

193 V. THOMAS, John R. Op. cit. p. 596.

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direito a obter a patente. Existem duas soluções: dar a patente para quem inventou

primeiro ou para quem depositou o pedido primeiro. A maioria dos países adota o

sistema do “primeiro a depositar”194.

Em adição, sabe-se que a novidade é requisito para a concessão da patente (art.

8º da LPI). Se uma invenção é considerada nova quando não compreendida no estado da

técnica, e este último é constituído por tudo aquilo acessível ao público antes da data do

depósito do pedido de patente (art. 11, §1º, da LPI), para obter uma patente, o inventor

teria que depositar simultaneamente os pedidos em todos os países de interesse195. Caso

não haja um mecanismo para resguardar a data de depósito do primeiro pedido, esse

mesmo pedido funcionará com anterioridade impeditiva para os pedidos subseqüentes.

A CUP resolve esse problema através do conhecido direito de prioridade.

Gabriel Di Blasi assim discorre sobre o tema:

Os nacionais de países-membros da União de Paris que sejam titulares de um pedido de patente, durante um certo prazo, contado a partir da data do depósito do pedido na repartição governamental de patentes, desfrutam do direito de poder também depositá-lo nos demais paises-membros da União, conforme as disposições previstas no art. 4º, [...] O direito de prioridade ;e a grande conquista do inventor reconhecida pela Convenção de Paris. Concede tempo suficiente para que o inventor, sem prejuízo da novidade, possa reivindicar a patente em outras nações196.

Ainda sobre esse mesmo assunto, Denis Borges Barbosa ensina que o direito de

prioridade não é o direito a uma patente nacional, mas tão somente o direito de pedir

patente e ter o exame realizado com base na data do primeiro depósito197.

Um dos mais antigos princípios internacionais relativos à propriedade industrial, o direito de prioridade é concedido aos titulares de um depósito estrangeiro, em oposição a qualquer depósito nacional subseqüente. Pelo princípio da prioridade, um estrangeiro pode ter, em todos os demais países partícipes de um ato internacional, um prazo para requerer seus direitos, sem prejuízo da novidade e anterioridade. No dizer da Lei 9.279/96, “ao pedido de patente depositado em pais que mantenha acordo com o Brasil, ou em organização internacional, que produza efeito de depósito nacional, será assegurado o direito de prioridade, nos

194 V. ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 204. Os Estados Unidos utilizam o sistema do primeiro a inventar. 195 THOMAS, John R. Op. Cit. p. 594. “Even the most sophisticated multinational enterprise will find it very difficult to file patent applications in several nations simultaneously. (…) The Paris Convention priority substantially ameliorates this problem by creating what is known as the international priority system.” 196 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 67. 197 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 377 et seq.

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prazos estabelecidos no acordo, não sendo o depósito invalidado nem prejudicado por fatos ocorridos nesses prazos”. O efeito previsto nos atos internacionais para esta prioridade é a de que os fatos intercorrentes (por exemplo: o depósito de terceiros de igual invento em outro país) não prejudicarão o direito do titular da prioridade de haver o seu privilégio, mesmo se o depósito no país onde a prioridade é argüida só se fizer em data posterior, mas dentro do período de proteção estabelecido. Tal período é de um ano para as PI e MU e de seis meses para as DI e MI e marcas, segundo a Convenção de Paris (outros atos prevêem prazos diferentes). Importante notar que a prioridade não é um direito à patente nacional: constitui somente a faculdade de o pedido apresentado no Brasil ser considerado, para apuração de estado da técnica, à data do primeiro depósito no exterior. Apesar da prioridade, o pedido pode ser recusado, por razões específicas do procedimento brasileiro, ou até mesmo pela conclusão de que não há novidade. Como se viu ao tratarmos da Convenção de Paris, aplica-se aqui o princípio convencional da independência das patentes.

Como se pode depreender dos excertos acima, ao realizar o primeiro depósito no

país de origem, o titular recebe o direito de pedir patente, dentro do prazo de 12 meses,

para mesma invenção nos demais países da União. Assim, o titular recebe uma garantia

de que fatos intercorrentes não prejudicarão a obtenção da patente nos demais países e

que a novidade da invenção será examinada à luz da data do depósito originário.

Aqui cabe mencionar que a CUP dá ao inventor o direito de pedir e obter

patentes, o que não se confunde, definitivamente, com os direitos conferidos por uma

patente concedida. A prioridade unionista não dá ao titular os poderes listados no art. 42

da LPI, como o direito de impedir terceiros de usar a invenção reivindicada.

Como foi dito no item 2.6, acima, a CUP apenas diz que as patentes requeridas

com base no direito de prioridade terão duração independente daquela obtida no país de

origem (princípio da independência art. 4º bis (2)), mas que tal duração será igual a que

gozam as demais patentes concedidas no mesmo país (art. 4º bis (5))198. Enfim, a CUP

diz que uma patente requerida através do benefício da prioridade terá duração igual a

que teria se não fosse obtida por esse mecanismo.

Um exemplo ajuda a visualizar melhor a situação. Digamos que um inventor

depositou um pedido de patente no país X em 07-08-2009, e com base no direito de

prioridade depositou pedido de patente para a mesma invenção no país Y em 06-08-

2010 (dentro do prazo de 12 meses). Suponhamos também que nesses dois países o

termo final da patente deve ocorrer em 20 anos contados do depósito. Nesse caso, a

patente expiraria no país X em 07-08-2019, mas em Y a patente expiraria 06-08-2020. 198 Cf. notas 82 e 83.

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O tempo transcorrido entre os depósitos em X e Y não interfere na duração da

patente no país Y. De acordo com o art. 4º bis (5) da CUP, a data de depósito em X não

influencia de forma alguma a duração em Y.

Isso quer dizer que nos casos onde os países (ou organização) do primeiro

pedido e do segundo pedido utilizam a mesma fórmula matemática para alcançar o

termo final, a patente sempre expirará no segundo país em data posterior que no

primeiro. Nos dois países, a duração será a mesma, a diferença se dará apenas quanto às

datas específicas dos termos iniciais e finais.

Essa explicação é de particular importância para as patentes européias que serão

abordadas em tópico próprio. Resumidamente, a partir de um primeiro depósito

realizado em um país-membro da convenção Européia de Patentes (“CEP”), o titular

pode depositar um pedido subseqüente perante o Escritório Europeu de Patentes

(“EPO”) para obter cobertura nos demais países-membro de seu interesse. Ocorre que

com muita freqüência, os titulares designam o país do primeiro depósito e abandonam

do primeiro depósito em si. Assim, a cobertura patentária que existe no país do primeiro

depósito é aquela conferida pela patente européia, já que o primeiro depósito foi

abandonado sem ter gerado uma patente.

Muitas patentes pipeline foram concedidas a partir de patentes européias. No

entanto, o INPI assinalou nessas patentes pipeline termo final inferior ao de suas

correspondentes européias. Isso porquê, as patentes européias expiram em data posterior

a data correspondente a 20 anos contados do primeiro depósito.

6.2.2 Prioridade interna

Prioridade interna (ou doméstica) é quando um depósito nacional é reivindicado

como prioridade no mesmo país. O principal objetivo deste mecanismo é permitir que o

titular efetue alterações no pedido originalmente depositado, sem perder a novidade.

Enfim, pode-se redigir melhor o pedido, alterar o escopo das reivindicações e até

mesmo adicionar matéria nova ao pedido, resguardando a novidade somente quanto ao

originalmente revelado.

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Cada país define a forma de implementar a prioridade doméstica e como o prazo

de vigência das patentes derivadas desse mecanismo deve ser contado. No Brasil, esse

mecanismo é uma novidade trazida pela LPI199. De acordo com Denis Borges Barbosa,

o Brasil passou a adotar a prioridade doméstica para dar maior prazo de proteção para o

depositante nacional200.

Como o depositante brasileiro, na Lei 5.772/71 e na maior parte das outras leis nacionais, não dispunha de tal prazo, o estrangeiro tinha uma proteção jurídica mais longa do que o nacional. O novo Código de 1996 enfrenta tal problema, dispondo que “o pedido de patente de invenção ou de modelo de utilidade depositado originalmente no Brasil, sem reivindicação de prioridade e não publicado, assegurará o direito de prioridade ao pedido posterior sobre a mesma matéria depositado no Brasil pelo mesmo requerente ou sucessores, dentro do prazo de 1 (um) ano”. Assim, a nova Lei compensa a desigualdade: a prioridade nacional, agora admitida, o será apenas para aquilo que constar do pedido anterior, o qual será tido por arquivado.

Nesse tocante, ousamos discordar do ilustre doutrinador, visto que uma patente

obtida através da reivindicação de prioridade unionista não tem proteção maior no

Brasil que uma patente originalmente depositada no país. Como visto acima, mesmo

com uma patente concedida, não há proteção jurídica anterior ao depósito de um pedido

no Brasil.

6.3. Extensão do prazo de vigência

Outro motivo que tem levado os titulares a buscarem a correção de suas patentes

pipeline é quando o prazo de vigência da patente estrangeira revalidada é objeto de

extensão. Como o §4º do art. 230 da LPI assegura o prazo remanescente de proteção no

199 LPI. Art. 17. O pedido de patente de invenção ou de modelo de utilidade depositado originalmente no Brasil, sem reivindicação de prioridade e não publicado, assegurará o direito de prioridade ao pedido posterior sobre a mesma matéria depositado no Brasil pelo mesmo requerente ou sucessores, dentro do prazo de 1 (um) ano. § 1º A prioridade será admitida apenas para a matéria revelada no pedido anterior, não se estendendo a matéria nova introduzida. § 2º O pedido anterior ainda pendente será considerado definitivamente arquivado. § 3º O pedido de patente originário de divisão de pedido anterior não poderá servir de base a reivindicação de prioridade. 200 Nesse sentido, veja-se BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 380.

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país do primeiro pedido, os titulares tentam trazer a extensão estrangeira para as

patentes nacionais. Esse é um dos pontos mais polêmicos sobre essas ações de

correção.

De acordo com o exposto no capítulo 1 deste trabalho, existe uma relação de

troca entre inventor e o Estado. O inventor divulga a invenção em troca de um direito

de exclusividade temporário. No entanto, o passar do tempo mostrou haver um

desequilíbrio nessa barganha quando o objeto da invenção depende de autorização

governamental para ser explorado. Por motivo de ordem pública, uma imposição do

poder concedente, o titular da patente não pode explorar economicamente a sua

invenção. Enfim, o benefício obtido pelo inventor pode ser severamente reduzido, pois

o tempo de exclusividade efetivamente aproveitado será menor que a vigência da

patente201.

No caso das patentes revalidadas pelo pipeline, essa autorização na maioria das

vezes é referente ao registro sanitário dos produtos. Para o presente estudo, interessa

apenas o registro sanitário de medicamentos.

Tendo em vista os riscos envolvendo a administração de um medicamento aos

pacientes, a legislação sanitária de muitos países, inclusive a brasileira (Lei 6.360/76),

impõe a comprovação da segurança e eficácia de um medicamento. Isso se faz por meio

de inúmeros testes laboratoriais e clínicos, num procedimento que leva em média de 8 a

10 anos202. Ocorre que esse procedimento também impõe a divulgação da invenção, o

que impossibilita a manutenção da exclusividade através do sigilo. Assim, para

preservar a novidade, os inventores são forçados a depositar os respectivos pedidos de

patentes ainda na fase inicial do desenvolvimento do medicamento.

Nesse sentido, o caso paradigmático norte-americano, Roche v. Bolar, mostrou

duas incongruências do sistema de patentes local. A decisão alcançada pela Court of

Appeals for the Federal Circuit (“CAFC”)203 em 1984 mostrou que, de um lado, o

período de exclusividade de patentes sobre medicamentos não era de fato aproveitado

na íntegra pelos titulares em função de uma barreira imposta pelo poder público. Por

201 V. CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. Cit. p. 27 et seq. 202IFPMA - International Association of Pharmaceutical Manufacturers & Associations. Op. cit. 19. 203 A CAFC é a corte norte-americana com competência para julgar recursos envolvendo propriedade industrial. Pelas características próprias do sistema do common law as decisões dessa corte acabam tendo efeito vinculante sobre o escritório de marcas e patentes dos Estados Unidos. Sobre a competência da CAFC, veja-se; <http://www.cafc.uscourts.gov/about.html>.

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outro lado, concorrentes interessados em explorar a invenção que iniciassem os

procedimentos administrativos para obtenção do registro sanitário de suas cópias antes

da expiração da patente cometeriam infração, por que esse uso não estaria comportado

dentro da exceção de uso experimental. A decisão do CAFC em Roche v. Bolar expôs

um problema específico envolvendo patente sobre invenções de uso regulado, levando a

uma grande reformulação da lei naquele país e inspirando outros países a seguirem o

mesmo caminho.

A empresa fabricante de medicamentos genéricos, Bolar Pharmaceuticals Co.

(“Bolar”), tinha interesse em comercializar uma cópia de um medicamento patenteado

pela Roche Pharmaceuticals, Inc. (“Roche”). Sabendo da demora no procedimento de

registro sanitário e tendo em vista que desejava colocar seu produto no mercado tão

logo expirasse a patente da Roche, a Bolar iniciou o desenvolvimento do produto antes

de expirada a patente sobre o produto referência204.

Sabendo da manobra da Bolar, a Roche ajuizou uma ação visando impedir a

utilização de seu produto enquanto a patente estivesse vigente. Para fugir da

condenação, a Bolar erigiu sua defesa em três pilares.

Primeiro, a Bolar disse que o uso que fez era meramente experimental e,

portanto, não haveria infração à patente. Em seguida, ela afirmou que não permitir o

início dos procedimentos do registro sanitário antes da expiração da patente seria

estender a exclusividade para período posterior ao termo final. Ao final, argumentou

que a corte deveria erigir uma exceção, tendo em vista a idiossincrasia desse seguinte

específico.

O pedido da Roche foi julgado improcedente em primeira instância, mas

revertido pela CAFC. A decisão da CAFC entendeu que a exceção de uso experimental

não comporta qualquer finalidade econômica como a desejada pela Bolar. Nesse

sentido, disse o juiz Philip Nichols em seu voto condutor:

Bolar argues that even if no established doctrine exists with which it can escape liability for patent infringement, public policy requires that we create a new exception to the use prohibition. Parties and amici seem to think, in particular, that we must resolve a conflict between the Federal Food, Drug, and Cosmetic Act (FDCA), 21 U.S.C. Secs. 301-392 (1982), and the Patent Act of 1952, or at least the Acts' respective policies and purposes. We decline

204 V: THOMAS, John R. Op. cit. p. 9.

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the opportunity here, however, to engage in legislative activity proper only for the Congress205.

Quanto à colocação de que a impossibilidade de iniciar o procedimento sanitário

após a expiração da patente configuraria uma extensão “de facto” da patente, o juiz

Nichols rebateu ao afirmar que o titular do produto referência teria passado pelo mesmo

procedimento e perdido “de facto” parte do tempo de exclusividade a que tinha direito.

Sobre a elaboração de uma exceção pelo Poder Judiciário para esse caso específico, o

CAFC disse que não poderia substituir o legislador.

Bolar argues that even if no established doctrine exists with which it can escape liability for patent infringement, public policy requires that we create a new exception to the use prohibition. [...] We decline the opportunity here, however, to engage in legislative activity proper only for the Congress. [...] The provisions of the Drug Amendments of 1962, [...], caused a substantial increase in the time required for development and approval of a pioneer new drug. Beginning in 1962, the amended Section 505 [...] required an NDA to contain proof of efficacy (effectiveness) as well as safety, and required the FDA affirmatively to approve the NDA rather than just to permit marketing by inaction. A recent study indicated that it now can take on average from 7 to 10 years for a pharmaceutical company to satisfy the current regulatory requirements. National Academy of Engineering, The Competitive Status of the U.S. Pharmaceutical Industry 79-80 (1983). [...] It is the role of Congress to maximize public welfare through legislation. Congress is well aware of the economic and societal problems which the parties debate here, and has before it legislation with respect to these issues. [...] No matter how persuasive the policy arguments are for or against these proposed bills, this court is not the proper forum in which to debate them. Where Congress has the clear power to enact legislation, our role is only to interpret and apply that legislation. "[I]t is not our job to apply laws that have not yet been written." [...]. We will not rewrite the patent laws here206.

Como bem ponderou John R. Thomas, “according to Judge Nichols, the

judiciary was not the proper forum to engage in policy argumentation inconsistent with

the patent statute”207.

O caso Roche v. Bolar expôs uma deficiência na lei de patentes sobre produtos

regulados, cuja comercialização depende de autorização do poder público. De um lado,

os titulares de patentes sobre produtos regulados tinham seu tempo de exclusividade não

aproveitado enquanto pendente o registro sanitário. Ou seja, um dia de demora no ente

205ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Court of Appeals for the Federal Circuit. Recurso de Apelação nº 733 F.2d 858. Recorrente: Roche Products Inc. Recorrido: Bolar Pharmaceuticals Co., Inc. Relator: Juiz Philip Nichols. Washington, 23 de abril de 1984. Disponível em: <http://cases.justia.com/us-court-of-appeals/F2/733/858/459501/>. Acesso em: 3 de maio de 2009. 206 Loc. cit. 207 THOMAS, John R. Op. cit, p. 12.

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regulador correspondia a um dia a menos de exclusividade. Por outro lado, os

concorrentes interessados na manufatura de cópias seriam condenados por infração de

patente caso iniciassem os procedimentos para obtenção da mesma autorização

enquanto vigente a patente. Assim, a lei americana foi alterada através do Hatch-

Waxman Act, atacando essas duas barreiras.

Quanto ao prazo, o que importa para o presente estudo, o Hatch-Waxman Act

tratou de devolver aos titulares de patente parte do tempo de exclusividade perdido no

procedimento referente à obtenção do registro sanitário do produto. Nesse sentido,

ensina John R. Thomas:

The Hatch-Waxman Act also provides for the extension of patent term, Ordinarily, the patent term is set to 20 years form the date the patent application is filed. The Hatch-Waxman Act provides that for pharmaceutical patents, the patent term may be extended for a portion of the time lost during clinical testing. [...] The statute sets some caps on the length of the term restoration, the entire patent term restored may not exceed five years. Further, the remaining term of the restored patent following FDA approval for NDA may not exceed 14 years208.

Aqui é importante frisar que a extensão norte-americana é considerada como

parte da duração original da patente209. Nesse sentido veja-se o §155 do Título 35 do

United States Code, verbis:

On receipt of such notice, the Director shall promptly issue to the owner of record of the patent a certificate of extension, under seal, stating the fact and length of the extension and identifying the composition of matter or process for using such composition to which such extension is applicable. Such certificate shall be recorded in the official file of each patent extended and such certificate shall be considered as part of the original patent, and an appropriate notice shall be published in the Official Gazette of the Patent and Trademark Office210. (grifos nossos)

De outro lado, a mesma lei americana passou a permitir que concorrentes

iniciassem o procedimento sanitário antes da expiração da patente sobre o produto

208 Id. Ibid. p. 17. 209 V. BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Algumas notas à intercessão do SPC

e da patente pipeline. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/spc.pdf>. Acesso em: 12 de abril de 2009. 210 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Título 35 do Código dos Estados Unidos. Lei de Patentes. Disponível em: < http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/consolidated_laws.pdf> . Acesso em: 4 de julho de 2008.

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referência, evitando condenações por infração de patente. Esse novo mecanismo ficou

mundialmente conhecido como exceção Bolar.211

A decisão norte-americana desencadeou um processo de modificação da lei

daquele país. No entanto, esse movimento ultrapassou as fronteiras, e foi acatado pelos

países e organizações internacionais preocupados com o desenvolvimento de tecnologia.

Ainda que com um atraso de oito anos, a União Européia aprovou o

Regulamento EEC No 1768/92, criando o certificado de proteção suplementar para

produtos medicinais (mais conhecido pela sigla “SPC” – Supplementary Protection

Certificate). Diz o preâmbulo do referido regulamento:

Whereas pharmaceutical research plays a decisive role in the continuing improvement in public health; Whereas medicinal products, especially those that are the result of long, costly research will not continue to be developed in the Community and in Europe unless they are covered by favourable rules that provide for sufficient protection top encourage such research; Whereas at the moment the period that elapses between the filing of an application for a patent for a new medicinal product and authorization to place the medicinal product on the market makes the period of effective protection under the patent insufficient to cover the investment put into the research; Whereas this situation leads to a lack of protection which penalizes pharmaceutical research; Whereas the current situation is creating the risk of research centres situated in the Member States relocating to countries that already offer greater protection; […] Whereas the duration of the protection granted by the certificate should be such as to provide adequate effective protection; whereas, for this purpose, the holder of both a patent and a certificate should be able to enjoy an overall maximum of fifteen years of exclusively from the time the medicinal product in question first obtains authorization to be placed on the market in the Community; Whereas all the interests at stake, including those of public health, in a sector as complex and sensitive as the pharmaceutical sector must nevertheless be taken into account; whereas, for this purpose, the certificate cannot be granted for a period exceeding five years; whereas the protection granted should furthermore be strictly confined to the product which obtained authorization to be placed on the market as a medicinal product212;

O regulamento comunitário é de certa forma diferente da lei americana, mas o

objetivo continua sendo o mesmo, garantir às patentes sobre medicamento o prazo de 211 CHAVES, Gabriela Costa; OLIVEIRA, Maria Auxiliadora; HASENCLEVER, Lia; MELO, Luiz Martins. A evolução do sistema internacional de propriedade intelectual; proteção patentária para o

setor farmacêutico e acesso a medicamentos. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n2/02.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2009. 212 COMUNIDADE EUROPÉIA. Regulamento EEC No 1768/92, de 10 de junho de 1992. Dispõe sobre a criação do certificado de proteção suplementar para produtos medicinais. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31992R1768:EN:HTML>. Acesso em 2 de agosto de 2009.

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vigência que o titular possa efetivamente desfrutar da exclusividade, eliminando os

efeitos perversos de limitações regulatórias impostas pelo próprio poder concedente213.

Como informa Gabriel Di Blasi, países como Austrália e Japão também

concedem extensão de prazo de patentes pelo mesmo motivo214.

Por sua vez, o Brasil reconhece a exceção Bolar (art. 43, VII, da LPI)215, mas

não possibilita a extensão de prazo. Aqui, a Lei 6.360/76 exige o registro sanitário e a

LPI permite a exceção do tipo Bolar, mas, por outro lado, não compensa o titular pelo

tempo perdido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

O importante aqui é notar que extensões de prazo concedidas nos países de

origem são completamente desconsideradas pelo INPI. Para a autarquia, não importa se

o prazo remanescente é maior ou se foi estendido, pois o mesmo sempre aplica o

limitador. Assim, muitos titulares de patentes pipeline passaram a buscar as correções

referentes às extensões do privilégio originário.

6.4 O Prazo de uma patente de invenção nos Estados Unidos

O prazo de vigência de uma patente norte-americana é sensivelmente diferente

daquele praticado no Brasil. Nesse aspecto, as leis de cada país são muito distintas. Essa

disparidade é ainda mais latente quando consideradas as patentes norte-americanas

decorrentes de depósitos realizados até 8 de junho de 1995216, data correspondente a seis

meses da entrada em vigor do TRIPS nos Estados Unidos.

A primeira particularidade sobre o prazo de vigência de uma patente norte-

americana diz respeito ao termo inicial (dias a quo). Nos Estados Unidos, a duração de

uma patente só começa no dia em que a mesma é concedida. Ou seja, os direitos

213 V. TIBURCIO, Carmen. Patente de Revalidação (Pipeline). Extensão do Prazo de Proteção da Patente Originária no Exterior. Efeitos Sobre a Patente Pipeline Nacional. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v.92, p. 44-60, jan./fev. 2008. 214 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 555. 215 LPI. Art. 43, VII. aos atos praticados por terceiros não autorizados, relacionados à invenção protegida por patente, destinados exclusivamente à produção de informações, dados e resultados de testes, visando à obtenção do registro de comercialização, no Brasil ou em outro país, para a exploração e comercialização do produto objeto da patente, após a expiração dos prazos estipulados no art. 40. 216 Essas patentes são de interesse do presente estudo, pois muitas delas foram objeto de ações visando a correção de prazo de patentes pipeline.

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exclusivos conferidos por uma patente só surgem para o titular e são oponíveis a

terceiros a partir da data da efetiva concessão. Nos Estados Unidos não existem direitos

patentários que retroajam à qualquer data anterior à concessão da patente (dies a quo).

Também é importante salientar que as datas de depósito de pedidos anteriores

reivindicados como prioridade e até do próprio pedido efetivamente convertido em

patente são irrelevantes para a determinação do termo inicial do prazo de vigência, pois

o que importa é a data da concessão. Não há direitos exclusivos anteriores à concessão

da patente. Assim ensina John R. Thomas: “the patentee gains no enforceable rights

merely by filing a patent application. These rights accrue only and if and when a patent

issues, and they include the power to enjoin infringers and obtain award of damages”217.

Quanto ao termo final (dies ad quem), é preciso tomar um certo cuidado. Antes

da implementação do TRIPS nos Estados Unidos, o termo final de uma patente era a

data equivalente a 17 anos da data de sua concessão218. Assim, a duração da patente

iniciava na data de concessão (dies a quo) e expirava exatamente 17 anos depois (dies

ad quem).

Todo o tempo transcorrido entre o primeiro pedido (se com base em direito de

prioridade doméstica)219 e a concessão da patente não influenciava de forma alguma a

duração da proteção, que era sempre de 17 anos contados da concessão. O que mudava

era a data de início e término da proteção. Assim, quanto mais tempo levasse entre o

primeiro pedido norte-americano e concessão, mais tarde iniciaria e terminaria a

proteção patentária. Note-se entretanto, que isso não era de muita importância, pois nos

Estados Unidos os direitos de patente não podem ser exercidos em momento anterior ao

termo inicial, e o procedimento administrativo não levava tanto tempo.

Com a implementação do TRIPS, a lei de patentes norte-americana foi alterada.

Agora, as patentes têm como termo final a data equivalente a 20 anos contados da data

do depósito mais antigo realizado nos Estados Unidos de que se reivindica prioridade.

Portanto, apesar da vigência iniciar na respectiva data de concessão (dies a quo),

atualmente, as patentes expiram na data correspondente a 20 anos do primeiro depósito

217 THOMAS, John R. Op. cit. p. 282. 218 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 717. “Once the Patent and Trademark Office issues a patent, that patent enjoys an effective term established by the statute. The publication of the book finds United States patent law in a transition period regarding patent term. Formerly, patents extended for 17 years from the date the patent issued”. 219 V. item 7.4.1.

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nos Estados Unidos (dies ad quem)220. Pela nova sistemática, quanto mais tempo levar

entre o primeiro depósito e a concessão da patente, menor será o prazo de vigência da

patente221.

No entanto, para proteger os titulares de patentes vigentes e pedidos de patente

depositados até 8 de junho de 1995, foi inserida uma norma transitória na lei norte-

americana222. De acordo com o §154(c)(1) do Título 35 do United States Code, as

patentes e pedidos de patente nas condições acima terão como termo final o que for

maior entre 20 anos contados da data do depósito do primeiro pedido nacional

reivindicado como prioridade ou 17 anos da data de sua concessão223. Note-se que o

termo a quo nos Estados Unidos sempre foi o mesmo – a data da concessão da patente.

Por fim, cabe esclarecer que a lei norte-americana possibilita a extensão do

prazo de vigência em caso de necessidade de se obter autorização governamental para

explorar o objeto da patente. Quanto a esse aspecto, remetemos o leitor à explicação

sobre o caso Roche v. bolar no item 6.3 (acima).

Mesmo para os pedidos anteriores a 8 de junho de 1995, geralmente, o termo

final de tais patentes é superior a 20 anos do primeiro depósito, fazendo com que o INPI

concedesse as patentes pipeline brasileiras com prazo inferior que as norte-americanas

revalidadas. Por esses motivos, muitos titulares de patentes pipeline também buscaram e

ainda buscam a correção do prazo na esfera judicial.

6.4.1 A Prática americana dos pedidos em continuação 220 Nos Estados Unidos, o período de exclusividade só tem início na data de concessão da patente. Veja-se o que determina a Seção 154(a)(2) do Título 35 do United States Code: “Term.— Subject to the payment of fees under this title, such grant shall be for a term beginning on the date on which the patent issues and ending 20 years from the date on which the application for the patent was filed in the United States or, if the application contains a specific reference to an earlier filed application or applications under section 120, 121, or 365 (c) of this title, from the date on which the earliest such application was filed”. ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 717.. 221 Os Estados Unidos também têm um mecanismo que ajustam a duração da proteção em caso de demora do USPTO. V. THOMAS, John R. Op. cit. p. 283. “The Patent Term Guarantee Act of 1999 provides certain deadlines that, if no met by the PTO, result in an automatic ‘adjustment’ of the term of an individual patent. As might be expected, each day of PTO delay beyond these statutory limits results in one additional day of patent term”. 222 Um grande número de patentes norte-americanas revalidadas pelo pipeline foram concedidas com esse prazo diferenciado do período transitório de implementação do TRIPS. 223 Seção 154(c)(1) do Título 35 do United States Code: The term of a patent that is in force on or that results from an application filed before the date that is 6 months after the date of the enactment of the Uruguay Round Agreements Act shall be the greater of the 20-year term as provided in subsection (a), or 17 years from grant, subject to any terminal disclaimers. ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 718.

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Ultimamente, tem-se falado da prática norte-americana dos pedidos em

continuação nos processos judiciais de correção de patentes pipeline224 , o que tem

repercutido na doutrina225. Novos argumentos têm sido apresentados pelo INPI e na

tentativa de impedir a correção das patentes pipeline, fazendo necessário aprofundar a

análise do assunto.

Cada país apresenta normas procedimentais próprias quanto ao processamento

dos pedidos de patentes, que refletem sua cultura jurídica226. Assim ocorre com a norma

norte-americana, que tem os institutos do continuation e continuation-in-part227. Nos

Estados Unidos, cada um dos institutos é uma espécie diferente de prioridade doméstica

– pedido de patente realizado com base em pedido anterior no mesmo país228. Note-se

que até mesmo o Brasil permite o depósito com base em prioridade doméstica229. Desta

feita, tem-se que a diferença reside somente quanto à forma de processamento e

contagem de prazo específicos de cada legislação nacional.

Os itens abaixo se prestam a apresentar as espécies de pedidos em continuação

citados rotineiramente nos casos judiciais brasileiros. Enfim, mostrar como funcionam

esses mecanismos. Quanto ao prazo de validade, aplicam-se aos pedidos em

continuação às regras descritas acima.

6.4.1.1 Continuation

224 V. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2001.02.01.038503-4. Recorrentes: INPI. Recorrido: Genentech Inc. Relator: Desembargador Federal Messod Azulay Neto. Rio de Janeiro, 04 de junho de 2008, D.J.U. 18 de junho de 2008. 225 V. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. O instituto continuation in part. Revista Facto, Rio de Janeiro, v. 8, p. 22-23, jul./ago. 2007. 226 Tendo em vista o princípio da independência das patentes do art. 4 bis da CUP, a uniformidade dos procedimentos de concessão de patentes não chega a ser importante. Pelo referido principio, os pedidos de patentes que reivindicam o direito de prioridade são independentes dos pedidos de patentes que geraram o direito de prioridade em si. Essa diferença de normas procedimentais somente apresenta um certo conflito nos casos de patentes de revalidação, como as patente pipeline, onde excepciona-se o principio da independência. 227 Nos Estados Unidos essa prática é conhecida como continuing applications (pedidos em continuação). O continuation e o continuation-in-part são espécies do gênero continuing applications. 228 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 713. “While §119 relates to international application priority, §120 concerns domestic application priority”. 229 Cf. nota 199.

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Na maioria dos países, como no Brasil e estados Unidos, os pedidos de patentes

são submetidos a exame quanto aos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade

inventiva e aplicação industrial). Durante a fase de exame, não estando o pedido de

patente apto ao deferimento, a autoridade competente pode formular exigências técnicas

para que o depositante altere o relatório descritivo ou o quadro reivindicatório. O

depositante pode tanto acatar as exigências e alterar o pedido ou simplesmente

apresentar razões que justifiquem o deferimento do pedido tal qual depositado. O exame

encerra-se com a comunicação oficial da decisão que defere ou indefere o pedido de

patente.

No Brasil não há qualquer restrição legal ao número de exigências técnicas que

podem ser formuladas ao depositante antes que o pedido seja deferido ou indeferido. No

entanto, a lei dos Estados Unidos é diferente. De acordo com o §134(a) do Título 35 do

United States Code (“35 USC”)230, a autoridade norte-americana, o United States Patent

and Trademark Office (“USPTO”), somente formula uma exigência técnica. Assim,

caso o depositante não atenda satisfatoriamente à primeira exigência, o examinador

expede um parecer pelo indeferimento do pedido de patente.

A lei norte-americana confere aos depositantes dois meios para evitar o

indeferimento definitivo, quais sejam: recurso administrativo para a Câmara Recursal

(Board of Patent Appeals and Interferences), ou o depósito de um outro pedido de

patente – continuation application (“pedido continuation”).

Como há poucas oportunidades para que o depositante ajuste o pedido de patente

às exigências técnicas do examinador, a lei norte-americana permite que o titular de um

pedido (“parent application”) efetue um novo depósito (“continuation application”)

para obter outras oportunidades para o exame. O instituto do pedido continuation serve

para que o depositante e a autoridade competente cheguem a um consenso sobre as

alterações que devem constar do pedido para que o mesmo seja deferido, sem que seja

necessário o recurso administrativo.

Continuation application practice exists out of the recognition that the path to a Final Rejection cam be a short one, the filing of an ordinary application

230 35 USC. §134(a). An applicant for a patent, any of whose claims has been twice rejected, may appeal from the decision of the primary examiner to the Board of Patent Appeals and Interferences, having once paid the fee for such appeal.

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usually purchases the applicant a scant tow Official Actions by the examiner. Agreement often cannot be reached by this point, however, leaving the applicant with only the alternatives of abandonment of patent protection of the filing of an appeal. By instead filing a continuation application and paying the appropriate fee, an applicant essentially purchases an additional period of prosecution, this time allows additional further dialogue between the applicant and examiner, with the goal of more accurate and proper claiming of a previously disclosed invention without the necessity of an appeal231.

O pedido continuation engloba a exata mesma invenção revelada no pedido

anterior. A única diferença reside no escopo das reivindicações, que podem ser alteradas

e até mesmo excluídas ao longo do processamento do pedido. O pedido continuation

deve repetir o mesmo relatório descritivo do pedido originário. Em outras palavras, o

novo pedido descreve a mesma invenção revelada anteriormente, mas a reivindica de

forma diferente.

O §120 do Título 35 do United States Code lista os requisitos para o depósito de

um pedido continuation. Primeiro, o pedido continuation deve fazer referência expressa

ao pedido anterior (parent application). Segundo, o pedido continuation deve ser

requerido antes que o pedido anterior tenha gerado uma patente, sido abandonado, ou

definitivamente encerrado. Terceiro, o pedido continuation deve identificar pelo menos

um inventor incluído no pedido anterior. Quarto, o pedido continuation deve conter o

mesmo relatório descritivo que o pedido anterior, sem adição de qualquer matéria não

revelada no pedido anterior.

Section 120 establishes certain conditions that an application must fulfill to qualify as a continuation application. A valid continuation application must: (1) expressly refer to the prior application; (2) be filed prior to the patenting, abandonment, or termination of proceedings of the prior application; (3) identify at least one inventor included in the prior application; and (4) consist of the same written description as the prior application, with no new subject matter added to the continuation232.

Não há qualquer limite ao número de pedidos continuation. Atendidos os

requisitos legais, o titular pode depositar quantos forem necessários à concessão da

patente. Relatos apontam que existem várias patentes americanas que são baseadas

numa série de quatro, cinco ou até mais pedidos anteriores233.

231 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 713. 232 THOMAS, John R. Op. cit. p. 246. 233 Loc. cit. “Many patents have issued based upon chains of continuing applications involving ‘parent’, ‘grandparent’, and even more remote predecessor applications”.

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Além de permitir o prosseguimento do exame de patenteabilidade da invenção

revelada no primeiro pedido, o depósito de um pedido continuation apresenta outras

duas particularidades. Primeiro, a novidade da invenção descrita no pedido continuation

será sempre examinada à luz do estado da técnica constituído na data do primeiro

depósito. Em adição, o depósito de pedido continuation demanda o abandono do pedido

imediatamente anterior. Ou seja, o segundo depósito leva ao abandono do primeiro, o

depósito do terceiro leva ao abandono do segundo e assim por diante.

A patente para a invenção só é concedida no último pedido. Os pedidos

anteriores são efetivamente abandonados. O depósito de um pedido continuation leva,

ipso facto, ao abandono do imediatamente anterior. No caso Godfrey v. Eames de 1863,

a Suprema Corte Americana disse que o pedido continuation causa o abandono do

pedido anterior, mas informa que a seqüência de pedidos forma uma transação única

com o USPTO.

In our judgment, if a party choose to withdraw his application for a patent, and pay the forfeit, intending at the time of such withdrawal to file a new petition, and he accordingly do so, the two petitions are to be considered as parts of the same transaction, and both as constituting one continuous application, within the meaning of the law234.

O entendimento da Suprema Corte Americana foi reafirmado pela CAFC em

1994, no caso Transco v. Performance.

Section 120 appeared in the statutes for the first time in the Patent Act of 1952. Prior to 1952, continuing application practice was a creature of patent office practice and case law, and section 120 merely codified the procedural rights of an applicant with respect to this practice. [...]. Before section 120 was enacted, the Supreme Court noted that a continuing application and the application on which it is based are considered part of the same transaction constituting one continuous application. Godfrey v. Eames, 68 U.S. (1 Wall) 317, 325-26, 17 L.Ed. 684 (1864). [...] The Supreme Court's explanation illuminates the meaning of "shall have the same effect" and clearly requires that we view appellants' applications as "parts of the same transaction" and "as constituting one continuous application" for the continuing subject matter recited therein. [...] Thus, an application is entitled to the benefit of the filing date of an earlier application as to common subject matter235.

234 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Unites States Supreme Court. Recurso nº 68 U.S. (1 Wall.) 317. Recorrente: Godfrey. Recorrido Eames. Relator: Juiz Swayne. Washington, 1863. disponível em: <http://supreme.justia.com/us/68/317/case.html. Acesso em 12/08/2009>. Acesso em 4 de maio de 2009. 235 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Court of Appeals for the Federal Circuit. Recurso de Apelação nº 38 F.3d 551. Recorrente: Performance Contractinggroup Inc. Recorrido: Transco Products Inc. Relator: Juiz Rich. Washington, 14 de setembro de 1994. Disponível em: <http://cases.justia.com/us-court-of-appeals/F3/38/551/635955/>. Acesso em 4 de maior de 2009.

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Em conclusão, o pedido continuation é um novo pedido de patente, que contém

modificações no quadro reivindicatório, que visa dar prosseguimento ao processamento

do exame de patenteabilidade de uma invenção revelada em pedido anterior. O instituto

americano do pedido continuation é a reivindicação de uma prioridade doméstica, onde

não há adição de matéria nova, e que pode ser utilizado quantas vezes forem necessárias

à concessão da patente para a invenção descrita.

6.4.1.2 Continuation-in-part

O instituto do continuation-in-part (“CIP”) também é uma forma de prioridade

doméstica. Nesta modalidade, o depositante repete boa parte de um pedido precedente,

mas adiciona matéria nova, não revelada no pedido anterior. Também vale mencionar

que não há limite ao número de pedidos CIP que podem ser apresentados.

A matéria nova adicionada não se beneficia da data do primeiro depósito ou

qualquer outro precedente. Isso posto, as reivindicações baseadas na matéria nova são

examinadas à luz do estado da técnica da data do depósito do pedido CIP em que foi

incluída.

The remaining sort of continuing applications is so-called “continuation-in-part” or CIP. Such applications rely to some extent upon the disclosure of a parent application. However, they also contain so-called “new matter” not disclosed in the earlier application. Continuation-in-part applications thus have two or more effective filing dates. Claims in the continuation-in-part application that were present in the parent application, or were first included in the continuation-in-part application but are supported entirely by the parent application’s disclosure, are entitled to the filing date of the parent application. Otherwise, they must rely upon the later filing date of the continuation-in-part application236.

Outro ponto de destaque é o fato de que o depósito de pedido CIP não ocasiona

o abandono do pedido imediatamente anterior, uma vez que a invenção reivindicada

apresenta acréscimos em relação ao pedido anterior. Portanto, os pedidos de patentes

anteriores podem caminhar em paralelo aos pedidos CIP posteriores, podendo, inclusive

gerar duas patentes distintas. Nada obstante, cada pedido CIP é independente do outro e

236 ADELMAN, Martin J. et al. Op. cit. p. 713.

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a patente só será concedia caso o respectivo pedido atenda, por si só, os requisitos de

patenteabilidade. Valendo dizer que os Estados Unidos não permitem que mais que uma

patente proteja uma só invenção.

6.5 O prazo de uma patente de invenção Européia

A Convenção Européia de Patentes (“CEP”) é formada por vários Estados do

velho continente e tem como principal objetivo aumentar a cooperação e harmonização

da matéria, bem como permitir proteção patentária nos Estados membros através de um

único procedimento administrativo 237 . A principal vantagem oferecida pela CEP é

justamente a possibilidade de se realizar um único pedido, que quando concedido, pode

ser revalidado nos Estados membros da Convenção.

[...] tem-se ainda a proteção conferida pelo Escritório Europeu de Patentes, onde é possível obter uma proteção em mais países. Este sistema, entretanto, oferece a vantagem da unificação do requerimento e conseqüente desdobramento dos pedidos em diversas patentes nacionais238.

A patente européia não produz efeitos imediatos sobre todos os Estados da CEP.

Ao depositar o pedido de patente européia, o titular designa os Estados para onde quer

proteção. Após a concessão pelo Escritório Europeu de Patentes (“EPO”), o titular

precisa revalidar a patente naqueles Estados que designou. Em resumo, é apenas uma

forma de unificar o procedimento administrativo, que, do contrário, precisaria ser feito

em cada país isoladamente. Nesse sentido, Gabriel Di Blasi:

[...] uma vez concedida, ela torna-se uma série de patentes nacionais, gerando, em cada país, efeitos idênticos aos de uma patente nacional concedida especificamente. [...] Portanto, não se trata de uma patente única, mas sim de um só processo que resulta em um procedimento validado junto aos Estados daquele continente. Ou seja, a tramitação de um pedido internacional único e, depois, com vigência nacional distinta em cada país239.

237 CONVENÇÃO EUROPÉIA DE PATENTES. Convenção Européia de Pantentes, de 13 de dezembro de 2007. Disponível em: < http://www.epo.org/patents/law/legal-texts/epc.html>. Acesso em 2 de agosto de 2009. 238 SICHEL, Ricardo Luiz. Perspectivas do Direito Patentário na Europa. In: In: CARVALHO, Patrícia Luciane de (Coord.). Propriedade Intelectual. Estudo em Homenagem à Professora Maristela Basso. Curitiba, Juruá Editora, 2005, p. 143. 239 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 76.

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Para solicitar uma patente européia basta ser residente em qualquer país

signatário do Acordo de Munique ou da Convenção da União de Paris. Vale dizer que

qualquer brasileiro pode depositar um pedido de patente perante o EPO.

O prazo de vigência de uma patente européia é muito parecido com o de uma

patente brasileira. De acordo com o art. 63(1) da CEP a duração é de 20 anos contados

da data do depósito do pedido no EPO. No entanto, o (2) do mesmo artigo permite que

os Estados concedam extensão de prazo a tais patentes no caso do titular ser impedido

de explorar o seu objeto em caso pendência de autorização do poder público240. Como

visto no item 6.3 (acima), as extensões de prazo são previstas e aplicadas segundo o

regulamento comunitário EEC No 1768/92.

Em resumo, o termo inicial é na data do depósito perante o EPO, e o termo final

é 20 anos contados desse depósito (salvo caso de extensão). O importante é ter em

mente que o depósito referido no art. 63 do CEP é aquele realizado no Escritório

Europeu de Patentes.

6.6 O Prazo de uma patente de invenção no Japão

O prazo de uma patente de invenção no Japão também é contado de uma forma

um pouco diferente do que no Brasil. De acordo com Gabriel Di Blasi, o termo final de

uma patente japonesa é 15 anos da publicação do exame do pedido de patente, contanto

que tal data não seja posterior a 20 anos da data do depósito naquele país241. Como nos

240 CEP. Art. 63 (1) The term of the European patent shall be 20 years from the date of filing of the application. (2) Nothing in the preceding paragraph shall limit the right of a Contracting State to extend the term of a European patent, or to grant corresponding protection which follows immediately on expiry of the term of the patent, under the same conditions as those applying to national patents: (a) in order to take account of a state of war or similar emergency conditions affecting that State; (b) if the subject-matter of the European patent is a product or a process for manufacturing a product or a use of a product which has to undergo an administrative authorisation procedure required by law before it can be put on the market in that State. 241 DI BLASI, Gabriel. Op. cit. p. 561.

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Estados Unidos e Europa, o Japão também permite a extensão de patentes em caso de

necessidade de se obter autorização governamental para explorar o seu objeto242.

Infelizmente, por desconhecimento da língua Japonesa, não foi possível

determinar exatamente o termo inicial. Nada obstante, para o estudo em apreço basta

saber o termo final.

6.7 O §4° do art. 230 da LPI – o prazo da patente pipeline

Comprovada a concessão da patente originária na forma do §3º do art. 230 da

LPI, o próximo passo anterior à concessão é determinar o prazo de validade da patente

no Brasil. O único dispositivo legal que determina a forma de contagem do prazo de

validade de uma patente pipeline é o §4º do art. 230 da LPI, verbis:

Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

O dispositivo acima determina o (i) termo final (prazo remanescente de proteção

no país onde foi depositado primeiro pedido), (ii) o termo inicial (a quo) e (iii) o

limitador de prazo máximo de vigência. Cada uma dessas partes será abordada nos

itens abaixo.

6.7.1 Termo a quo – a data do depósito no Brasil

Como amplamente demonstrado anteriormente, o prazo de vigência de uma

patente é o lapso temporal durante o qual o seu titular pode exercer os direitos de

exclusividade. Os direitos conferidos por uma patente nascem apenas com a concessão

242 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Algumas notas à intercessão do SPC e

da patente pipeline. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/spc.pdf>. Acesso em: 12 de abril de 2009.

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da mesma, mas a lei pode determinar a retroação dos efeitos até a data do respectivo

deposito.

Quanto às patentes pipeline, o país adotou a mesma lógica que aplica para as

patentes regulares para o termo a quo. O §4º do art. 230 da LPI é expresso em

determinar que o prazo de vigência de uma patente pipeline é “contado da data do

depósito do pedido no Brasil”. Quando a patente pipeline é concedida no Brasil, aplica-

se ao caso os efeitos retroativos a data do depósito no Brasil, na forma do art. 44 c/c 20,

ambos da LPI.

6.7.2 Termo ad quem – o prazo remanescente de proteção no país de origem

O termo ad quem é data em que a patente deve expirar. Pela ratio do §4º do art.

230 da LPI, a patente pipeline deve expirar na mesma data que sua correspondente

estrangeira, contando que tal data não ultrapasse o limitador. Apenas para facilitar a

exposição, trataremos o limitador em item separado. Agora, as atenções estarão voltadas

apenas para o prazo da patente estrangeira revalidada.

A intenção do legislador foi a de conferir proteção no Brasil com o prazo que

faltar para expirar no estrangeiro. Essa é a lógica comumente aplicada às patentes de

revalidação. As diferentes leis que tratam de mecanismos parecidos muito

freqüentemente apontam para expiração da patente interna na mesma data que a

correspondente estrangeira. Isso não é novidade no Brasil. O Decreto nº 8.820, de

30/12/1882, já estabelecia em seu art. 15: “As patentes de invenções privilegiadas em

outras nações terminarão ao mesmo tempo que os títulos estrangeiros, dentro no

máximo de 15 annos”243.

Sustentando esse entendimento, ensina Tavares Paes que: “o pipeline é o

reconhecimento da patente expedida no exterior, pelo tempo que faltar para que ela se

243 BUSCHMANN, C. Leis da propriedade industrial, artística e litteraria da República dos Estados

Unidos do Brazil – legislação vigente. Rio de Janeiro, Typ. De Olympio de Campos & Comp., 1916, p. 58.

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extinga no país de origem. O pipeline é deferido pelo tempo faltante à patente no

exterior”244. Acrescenta Carmen Tibúrcio:

O dispositivo determina que uma vez reconhecida a patente pelo sistema pipeline, seu titular terá assegurado o benefício pelo prazo que remanescer daquele já decorrido após a concessão da patente de referência no exterior. [...] De fato, como já foi mencionado, o prazo de proteção da patente de revalidação deve ser calculado segundo o Direito estrangeiro, de modo a que, em ambos países, o prazo de proteção se encerre concomitantemente245.

É pressuposto da concessão de uma patente pipeline a existência de uma patente

em vigor no exterior. Somente uma patente pode ter prazo que possa remanescer (sobrar

/ faltar). Quanto a esse aspecto, ensina Maristela Basso:

A expressão "tal como concedida no país estrangeiro" implica dizer que a patente de revalidação no Brasil é uma patente reflexo do direito validamente constituído em outro país, cuja observância decorre da aplicação do disposto no artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil246.

Outro ponto a ser ressaltado é a razão do dispositivo mencionar “proteção no

país onde foi depositado o primeiro pedido”. São dois os motivos para o uso dessa

linguagem específica.

Primeiro, por que nem sempre uma patente é obtida a partir do primeiro pedido

para uma determinada invenção. Na Europa, Estados Unidos e Japão é muito comum

depositar um primeiro pedido e abandoná-lo em benefício de um pedido subseqüente247

(às vezes até mais de um248), que então gera uma patente. Essa prática também é

permitida pela lei brasileira, apesar de não ser utilizada com tanta freqüência . Trata-se

da reivindicação de prioridade interna, prevista pelo art. 17 da LPI249.

244 PAES, Paulo Roberto Tavares. Propriedade industrial: Lei 9.279, de 14.05.1996. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, pág. 49. 245 TIBÚRCIO, Carmen. Considerações sobre o pipeline. Disponível em: <http://www.revistapropriedade.com.br/conteudo.asp?qs_str_ID_AREA=1&qs_id_texto=724>. Acesso em 12 de agosto de 2009. 246 BASSO, Maristela. Patentes pipeline e direitos adquiridos. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/Busca.aspx?termo=maristela%20basso&searchTerm=maristela_basso>. Acesso em: 13 de agosto de 2009. 247 Assim como o Brasil, muitos países e organizações internacionais permitem a reivindicação de prioridade unionista e interna (ou doméstica). 248 Nos Estados Unidos, os mecanismos do continuation e continuation-in-part permitem a reivindicação de prioridade interna mais do que uma vez. Nesse sentido, veja-se: THOMAS, John R. Pharmaceutical

Patent Law. Washington: BNA Books, 2005, pág. 246. 249 Cf. itens 199.

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Segundo, por que nem sempre a patente vigente no país onde foi depositado o

primeiro pedido foi concedida pela autoridade desse mesmo país, vide o caso das

patentes européias (item 6.5). Nesses casos, os titulares depositam o primeiro pedido

nos respectivos países de residência, e com base no direito de prioridade da CUP

efetuam um depósito no Escritório Europeu de Patentes (“EPO”) requerendo proteção

nos países membros da convenção que desejar. Então, o primeiro pedido é abandonado,

e a patente concedida pelo EPO confere proteção à invenção em todos os países

designados, inclusive no país originário250.

A linguagem acima mostra que a lei brasileira não condiciona a concessão da

patente pipeline a uma patente concedida ao final do processamento do primeiro pedido

realizado para invenção, nem que os pedidos que as patentes concedidas tenham sido

depositadas no país onde foi depositado o primeiro pedido. Para lei brasileira o que

importa é o prazo remanescente da patente que confere proteção no país onde foi

depositado o primeiro pedido.

A lei nacional informa que a patente pipeline deve expirar na mesma data que a

patente estrangeira, respeitado o limitador. Note-se, entretanto, que a lei interna não

estipula que a patente brasileira terá seu termo final fixado pelas normas de direito

alienígena. Nesse sentido, disse J. J. Gomes Canotilho: “De resto, trata-se de uma

solução que, longe de pôr em causa a soberania nacional, exprime a autonomia

legislativa do legislador soberano na disciplina jurídica das patentes dentro do território

estadual”251.

Não é o caso de aplicação de uma norma estrangeira no Brasil. Pelo contrário, é

a lei brasileira que estipula o termo final da patente pipeline, e ela determina que será a

data de expiração da patente estrangeira.

Ou seja, se o país de origem prevê que o prazo de vigência da patente é de 17 anos contados da data da concessão, e não do depósito, deve-se reconhecer essa situação jurídica constituída no exterior na sua integralidade, inclusive quanto o termo inicial de contagem do prazo de tutela. Mais do que isso, quando o legislador estabelece que o prazo do benefício no Brasil será o remanescente do prazo no exterior, deixa implícito que tal prazo deve ser computado em conformidade com a lei estrangeira [...]

250 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2004.51.01.534562-5. Recorrente: Eli Lilly and Company Limited. Recorrido: INPI. Relatora: Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes. Rio de Janeiro, 13/11/2007, D.J.U. 14/12/2007. 251 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 90.

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O legislador brasileiro, ao optar por dar eficácia a patente já concedida no exterior, sujeitou a matéria à regência do Direito estrangeiro, que deve ser respeitado e aplicado em sua integralidade252.

De acordo com a lei interna, não é relevante como a lei estrangeira fixa o prazo

da patente. Não faz diferença se o prazo de proteção de uma patente no exterior é maior

ou menor que aquele conferido a uma patente regular brasileira. O dispositivo foi

redigido justamente para abrigar eventuais diferenças de duração das variadas

legislações estrangeiras. Como Maristela Basso disse:

O ato de se reconhecer/revalidar no Brasil uma patente validamente conferida no país estrangeiro, "tal como lá concedida", significa dar-lhe vigência e eficácia aqui da mesma forma que ocorre no país de origem. Não há outra interpretação capaz de garantir e assegurar direitos aos nacionais e estrangeiros. Situações jurídicas constituídas em países estrangeiros são asseguradas em nosso país253.

Para a lei nacional o que importa é a data de expiração em si, um fato, e não

como a mesma foi alcançada. Nada obstante, para evitar incompatibilidades com a

ordem jurídica interna, o próprio §4º do art. 230 da LPI estabelece um limite para o

prazo da patente pipeline. Limite este que será visto no item logo a seguir.

6.7.3 Prazo máximo – 20 anos contados do depósito

De fato, o limite imposto pelo §4º do art. 230 é claramente um mecanismo que a

própria LPI criou para garantir que idiossincrasias dos sistemas estrangeiros não

repercutissem de modo inadequado sobre a ordem jurídica pátria. Pede-se vênia para

repetir o §4º do art. 230 da LPI para avançar a discussão.

Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único. (grifos nossos)

252 TIBÚRCIO, Carmen. Considerações sobre o pipeline. Disponível em: <http://www.revistapropriedade.com.br/conteudo.asp?qs_str_ID_AREA=1&qs_id_texto=724>. Acesso em 12 de agosto de 2009. 253 BASSO, Maristela. Patentes pipeline e direitos adquiridos. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/Busca.aspx?termo=maristela%20basso&searchTerm=maristela_basso>. Acesso em: 13 de agosto de 2009.

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O limitador tem como objetivo impedir que patentes obtidas através do pipeline

gozassem de duração superior a que uma patente regular. Por isso que o dispositivo faz

remissão ao art. 40 da própria lei. Em adição, para garantir que a patente brasileira

vigeria apenas pelo prazo remanescente no exterior, o legislador afastou por completo

qualquer possibilidade de incidência do parágrafo único do art. 40, que garante vigência

mínima de 10 anos contados da concessão.

A norma tal qual redigida causa uma certa confusão, pois remete o aplicador ao

art. 40 da LPI. O legislador poderia ter evitado muitas das discussões sobre o prazo de

vigência das patentes pipeline, e até mesmo o presente estudo, se tivesse utilizado uma

linguagem mais direta. Veja-se, por exemplo, como o México dispôs sobre as patentes

de revalidação no art. 12 das disposições transitórias da lei de patentes:

La vigencia de las patentes que fueren otorgadas al amparo de este artículo terminará en la misma fecha en que lo haga en el país donde se hubiere presentado la primera solicitud, pero en ningún caso la vigencia excederá de 20 años, contados a partir de la fecha de presentación de la solicitud de patente en México254.

Ao se incorporar o conteúdo material do art. 40, o §4º do art. 230 da LPI pode

ser lido da seguinte forma: “limitado ao prazo de 20 anos contados do depósito”. De

acordo com o demonstrado no item 4.5., o prazo de vigência de uma patente regular é

de 20 anos contados da data de depósito Brasil (art. 40 c/c art. 20 da LPI).

Os titulares de patentes entendem que o limite máximo de duração de uma

patente pipeline é, portanto, 20 anos contados da data do depósito no Brasil. Por outro

lado, o INPI entende que o limite de 20 anos deve ser contado a partir do primeiro

depósito do exterior.

O INPI aplicou esse entendimento ao conceder todas as patentes pipeline.

Assim, expirariam na mesma data que a correspondente estrangeira somente aquelas

pipelines cujo termo final ocorresse antes de 20 anos contados da data do depósito.

Todas as patentes cuja duração por algum motivo expirasse em data posterior, foram

“diminuídas” pela autarquia. Isso causou uma enxurrada de ações judiciais e

comentários da doutrina. 254 MÉXICO. Lei de Propriedade Industrial de 27 de junho de 1991. Disponível em: <http://www.impi.gob.mx/wb/IMPI/ley_de_la_propiedad_industrial. Acesso em 13/08/2209> Acesso em 14 de agosto de 2009.

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Nessas ações judiciais, visando à correção do prazo das patentes pipeline, os

titulares apresentam seus argumentos justificando porque a interpretação no INPI

quanto ao limitador está errada. Por sua vez, além de defender o entendimento sobre o

limitador, a autarquia passou a apresentar motivos adicionais para se negar a correção

de tais patentes, apontando eventuais incompatibilidades entre o prazo de vigência da

patente estrangeira e o ordenamento jurídico brasileiro.

Portanto, para verificar se o limitador imposto pelo INPI é válido, mostra-se

fundamental ver como o INPI construiu esse entendimento específico, e como o mesmo

repercutiu nos tribunais e na doutrinária. Posteriormente, serão avaliados os argumentos

adicionais que a autarquia apresenta para impedir a correção judicialmente.

6.8 O prazo de validade de acordo com o INPI – o limitador

O INPI tem um entendimento cujo efeito prático é limitar o termo final das

patentes pipeline a 20 anos contados da data do depósito do primeiro pedido no exterior.

Isso é o que aparece em muitas cartas-patentes dessa modalidade255. Nada obstante, as

cartas-patentes apenas mostram o efeito prático e muito pouco dizem sobre como o

INPI chegou a esse entendimento. Após a avaliação extensiva de várias peças

processuais apresentadas pelo INPI em processos judiciais referentes à correção do

prazo de patente pipeline256 , conseguiu-se extrair os fundamentos básicos do

entendimento que o INPI aplicou a todas essas patentes.

Sobre o limitador, os procuradores do instituto afirmam que a data do depósito

mencionada no art. 40 quando combinado com o §4º do art. 230 deve ser considerada

como aquela do primeiro pedido no exterior. Como o caput do art. 230 resguarda a data

do primeiro depósito e o §1º impõe que o depositante a indique no pedido brasileiro257,

255 Veja-se, por exemplo a Patente de ivenção nº PI1101059-2. 256Dentre outros, destacam-se as seguintes ações que tiveram curso perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro: 980025768-3; 2000.51.01.013591-0; 2004.51.01.534562-5; 2003.51.01.538118-2; 2005.51.01.524387-0; 2005.51.01.527578-0; 2001.51.01.538343-1; 2004.51.01.534005-6. 257 LPI. Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no

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a mesma deveria ser considerada para tudo que dizer respeito às patentes pipeline. Isso é

o que se constata nas razões apresentadas pela autarquia em juízo:

No que tange ao prazo de vigência das patentes pipeline, a regra instituída no §4º do art. 230 da LPI é que será assegurado o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, mas – e isto é de primordial importância para o adequado desate da questão aqui versada – limitado ao prazo do art. 40 da LPI, que é, como visto, de vinte anos, contados da data do depósito do pedido. E a data do depósito original do pedido que deu origem à patente sub

examen, expressamente indicada pela requerente, como obrigatório, quando da solicitação da patente pipeline, foi 25/04/1990, do que decorre que a fixação da respectiva data de expiração em 25/04/2010 se deu o perfeito atendimento do que gravado no §4º do art. 230 da LPI258.

Sobre as colocações do INPI, comentou Carmen Tiburcio:

A polêmica parece decorrer da previsão do caput do art. 230 da Lei da Propriedade Industrial, que traz a expressão “ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior”, combinada com o §1° do mesmo dispositivo, que exige que o pedido de patente pelo sistema pipeline contenha a indicação da “data do primeiro depósito no exterior”. É com base nesses dispositivos que a primeira corrente defende que o legislador brasileiro teria definido a data do primeiro depósito como marco inicial para a contagem do prazo remanescente de vigência da patente no exterior259.

Para dar base a esse entendimento, o INPI alega que mesmo tendo sido

abandonado, o primeiro pedido gera efeitos jurídicos, pois (i) assegura a novidade para

o depósito de eventuais pedidos subseqüentes; (ii) permite o exercício do direito de

prioridade conferido pelo art.4º da CUP, e (iii) confere ao titular o direito de impedir

que terceiros utilizem o objeto da invenção sem a sua autorização. Nesse sentido, relata

J.J. Gomes Canotilho:

Numa acção ordinária interposta por uma empresa farmacêutica contra o INPI, a instância jurisdicional competente, do Rio de Janeiro, sustentou a relevância do primeiro depósito no estrangeiro, mesmo abandonado, como momento relevante para a contagem do prazo de protecção das patentes “pipeline”. [...]

Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior. (grifos nossos) (grifos nossos) 258 INPI. Contestação apresentada nos autos da ação ordinária nº 2004.51.01.534562-5, que tomou curso perante a 37ª Vara Federal do Rio de Janeiro. 259 TIBURCIO, Carmen. Considerações sobre o pipeline. Disponível em: <http://www.revistapropriedade.com.br/conteudo.asp?qs_str_ID_AREA=1&qs_id_texto=724>. Acesso em 12 de agosto de 2009.

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No referido caso concreto, o INPI considerou que a empresa em causa tinha usado o primeiro pedido abandonado para reivindicar direitos de prioridade, pelo que o primeiro depósito abandonado deveria ser relevante também para efeitos de contagem do prazo de protecção da patente “pipeline” no Brasil. [...] Entendeu-se, in caso, que o primeiro depósito, mesmo abandonado, foi juridicamente relevante do ponto de vista da prioridade unionista, da exclusão de terceiros do uso da patente, do direito de fazer pedido idêntico em múltiplos Estados, etc. Além disso, este primeiro registro permitiu aferir a novidade do bem patenteável e o respectivo salto inventivo260.

Outrossim, o INPI sustenta que o artigo 230 da LPI deveria ser interpretado em

conjunto com a nota 8 do art. 33 do acordo TRIPS261, que determinaria que a contagem

dos prazos das patentes pipeline seria feita a partir da data de depósito no sistema de

concessão original.

Dito isso, como o §4º do art. 230 da LPI limita o prazo de vigência da patente

pipeline ao prazo previsto no art. 40, o INPI sustenta que o termo final não pode

ultrapassar o remanescente de 20 anos contados da data do primeiro depósito no

exterior.

6.9 A repercussão do limitador na jurisprudência e doutrina

Quando a matéria chegou aos tribunais, notadamente a Justiça Federal do Rio de

Janeiro e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (“TRF2”) 262 , a maioria dos

primeiros casos foi julgada em favor dos titulares de patentes pipeline. Ou seja, os

magistrados entenderam na maioria das vezes que o prazo assinalado pelo INPI nas

patentes pipeline estava errado.

Em um segundo momento, a corte passou a apresentar julgados favoráveis à tese

do INPI. A aparição das primeiras decisões contrárias à correção do prazo das patentes

pipeline coincide com a especialização do TRF2 e Justiça Federal do Rio de Janeiro. 260 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit. p. 77-78. 261 TRIPS. Art. 33. Nota (8): Entende-se que aqueles membros que não dispõem de um sistema de concessão original podem dispor que o termo de proteção será contado a partir da data de depósito no sistema de concessão original. 262 Tendo em vista que o INPI tem sede no Rio de Janeiro, a maioria das ações contra a autarquia são ajuizadas perante a Justiça Federal nesse Estado, e os recursos são, portanto, julgados pelo TRF2. Nada obstante, existem outras ações envolvendo o INPI em curso na Justiça Federal de Brasília.

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Também cabe instar que as mesmas foram acompanhadas pelo início da adoção de

argumentos políticos contrários às patentes farmacêuticas no geral263 e a participação de

associações de fabricantes brasileiros de medicamentos genéricos e similares 264 .

Atualmente, a corte se encontra dividida no que se refere especificamente ao limitador

imposto pelo INPI.

Trataremos primeiro, das decisões que acompanham o entendimento do INPI

quanto o limitador do termo final máximo.

6.9.1 Apoio à interpretação do INPI

Em linhas gerais, as decisões judiciais que negam a correção do prazo das

patentes pipeline seguem, quando não repetem ipsis verbis, os argumentos aduzidos

pelo INPI, mencionados no item anterior. Tendo em vista a proximidade das opiniões e

votos, as atenções estarão voltadas aos acórdãos mais enfáticos.

O Desembargador Federal André Fontes tem um posicionamento forte contra as

patentes pipeline, tendo inclusive já suscitado à inconstitucionalidade do mecanismo265.

Apesar de vencido na questão referente à constitucionalidade, o desembargador sempre

se coloca de forma contrária à correção do prazo dessas patentes, apresentando votos

nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE. TERMO A QUO DA VIGÊNCIA DA PATENTE ESTRANGEIRA REVALIDADA NO BRASIL (PIPELINE) NOS TERMOS DO § 4.º DO ARTIGO 240 DA LEI N.º 9.279-96. CONTAGEM A PARTIR DO PRIMEIRO DEPÓSITO NO PAÍS DE ORIGEM E NÃO DO DEPÓSITO DO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI, COM A VIGÊNCIA DA EXCLUSIVIDADE NO BRASIL PELO PERÍODO REMANESCENTE DA PATENTE DEFERIDA NO EXTERIOR, LIMITADO AO PRAZO DE VINTE ANOS (ARTIGO 40 DA LEI N.º 9.279-96). [...].

263 V. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 78. “Invocaram-se, ainda, as razões de interesse público, relacionadas com o acesso das populações aos medicamentos a preços mais baixos, por sinal as mesmas razões que são frequentemente invocadas para restringir ao mínimo possível a duração das patentes, quando não mesmo para pôr em causa a própria patenteabilidade dos produtos farmacêuticos, razões às quais o Acordo TRIPS – interpretado de acordo com a Declaração de Doha e à luz do direito internacional dos direitos humanos – concede uma resposta adequada”. 264 Cf. 250. 265 Cf. nota 179.

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II – Ao prever em seu artigo 230 a possibilidade da revalidação de patente estrangeira no Brasil (pipeline), a Lei n.º 9.279-96 atentou contra o princípio insculpido no inciso XXXVI do artigo 5.º da Constituição, já que uma série de inventos que, sob a égide da legislação revogada, encontravam-se em domínio público passaram a ser objeto de proteção intelectual, fato que representa violação ao direito adquirido dos nacionais anteriormente consolidado. III – Uma interpretação sob o prisma do sistema jurídico em que se insere o § 4.º do art. 230 da Lei n.º 9.279-96 leva à conclusão de que o prazo da proteção da patente estrangeira revalidada no Brasil terá como termo a quo a data do primeiro depósito no país de origem e não do seu depósito no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, exegese essa que é confirmada pela obrigatoriedade da indicação da data do primeiro depósito do exterior, prevista no § 1.º do mesmo dispositivo. IV – A orientação de que é a partir desse primeiro depósito que se computará o período restante da exclusividade deferida no exterior, limitada ao prazo de vinte anos (artigo 40 da Lei n.º 9.279-96), se coaduna com a razão da proteção da patente, pois é naquele momento que se dá a modificação do estado da técnica com a revelação ao mundo da solução tecnológica antes desconhecida (requisito da novidade). V – Entender de forma diversa seria endossar uma posição anti-isonômica daquele que requer revalidação de patente estrangeira em relação às patentes pleiteadas no Brasil, tendo em vista que essas últimas, conforme comando legal expresso (art. 40 da Lei n.º 9.276-96), vigoram a partir da data do depósito. VI – Em consonância com o princípio da qualificação que informa o Direito Internacional Privado, a idéia conceitual do instituto da patente acolhida pela legislação brasileira, indissociável das noções de estado da técnica e da novidade, deve se impor ao que é disposto na lei estrangeira, de modo a afastar uma obrigatória correspondência biunívoca com o direito alienígena e se distanciar erroneamente do regime jurídico adotado no Brasil para o instituto antes mencionado. VII – Desprovimento do recurso. (grifos nossos) 266

A Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes também corrobora o

posicionamento do INPI. Seus votos costumam seguir a lógica apresentada pela

autarquia, como se pode depreender da ementa abaixo.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. TERMO A QUO PARA CONTAGEM DO PRAZO DE VIGÊNCIA NO BRASIL. DATA DO PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. ARTIGOS 40 E 230, PARÁGRAFOS 1º, 3º E 4º, DA LEI Nº 9.279/96. PATENTE QUE JÁ CAIU NO DOMÍNIO PÚBLICO. APELAÇÃO IMPROVIDA. I - Na sistemática adotada pela Lei nº 9.279/96, é imperioso que se observe o disposto no § 1º, do artigo 230, a par do que dispõe o artigo 40, que limita o prazo da patente de invenção em 20 (vinte) anos, contados a partir da data do primeiro depósito, em se tratando de pipeline. A regra constante do § 1º, do artigo 230, da Lei de Propriedade Industrial, não exige que relativamente ao depósito do primeiro pedido haja necessidade de verificação quanto à concessão da patente, mesmo porque é a partir do primeiro depósito que deixa de existir a novidade relativamente ao bem ou processo patenteável.

266 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2005.51.01.512374-8. Recorrente: Novartis AG. Recorrido: INPI. Relator: Des. Fed. André Fontes. Rio de Janeiro, 28/08/2007, D.J.U. 11/12/2007.

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II- Assim, a circunstância de a autora haver abandonado o primeiro pedido de patente não autoriza que somente seja considerada a data do depósito do pedido que posteriormente foi convertido em patente. A regra aplicada encontra amparo na nota explicativa ao artigo 33, do TRIPS, que prevê que os “membros que não dispõem de um sistema de concessão original podem dispor que o termo de proteção será concedido a partir da data do depósito no sistema de concessão original”. Isso previu o Brasil pelo § 4º do art. 230 c/c. o art. 40, ambos da LPI. III – No presente caso, a autora ingressou com a ação em 18.01.2007, em relação a patente pipeline concedida com validade até 20.01.2007, requerendo extensão do prazo de validade até 24.04.2007 e como não obteve nenhuma decisão que amparasse tal pretensão, o objeto de proteção do privilégio já caiu no domínio público desde 20.01.2007. IV - Sentença confirmada. Apelação improvida267. (grifos nossos)

Há também quem comungue da opinião de que a partir do primeiro depósito, o

titular passa a ter o poder de excluir terceiros não autorizados da utilização do objeto

reivindicado. Esse entendimento ficou expresso na ementa do acórdão de relatoria do

Juiz Federal Convocado Franca Neto, que assim diz: “Assim, ao proceder ao primeiro

pedido, já deixa sob o seu poder o objeto da invenção que pretende patentear,

impedindo terceiros de fazê-lo”268.

Em adição, há de se notar que muitas das opiniões contrárias à correção

costumam mencionar que o mecanismo do pipeline é extravagante ou excepcional269.

Por isso, observa-se que alguns magistrados visam limitar ao máximo a duração dessas

patentes sobre medicamentos. Não raro, algumas decisões abordam aspectos que

transbordam a questão do prazo de vigência em si, como o impacto das patentes sobre

os preços de produtos e acesso da população aos medicamentos. Assim, partindo do

pressuposto que o acesso à saúde é afetado pelas patentes, alguns magistrados adotam a

interpretação mais restritiva em relação ao prazo de vigência das patentes pipeline.

Sobre essa aproximação específica, veja-se a sentença proferida pela Juíza

Federal Márcia Nunes de Barros, cujo objeto tratava da correção de prazo de uma

patente pipeline sobre um medicamento de 1ª linha.

267 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2007.51.01.800226-6. Recorrente: The University of British Columbia. Recorrido: INPI. Relatora: Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes. Rio de Janeiro, 11/03/2008, D.J.U. 10/04/2008. 268 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ação Rescisória nº 2002.02.01.045087-0. Autor: INPI. Ré: F. Hoffmann – La Roche AG. Relator: Juiz Federal Convocado Franca Neto. Rio de Janeiro, 30/05/2005, D.J.U. 07/03/2006. 269 SICHEL, Ricardo Luiz. Patentes de revalidação: renovação discutível. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1263, 16 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9282>. Acesso em: 16 ago. 2009. “Trata-se de uma proteção excepcional e acessória de outra concedida no exterior.”

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Além disso, tal pretensão atenta frontalmente contra o interesse público e a soberania nacional, na medida em que não pode o prazo de uma patente brasileira ficar ao sabor de decisões administrativas de outros países, cujos interesses nem sempre são consentâneos com os nacionais. [...] Imperioso consignar que, se por um lado a Constituição Federal conferiu proteção às criações industriais, por outro, cuidou de atrelá-la ao interesse social, nos termos do seu art.5o, XXIX. Por conseguinte, não se pode deixar de ter em mente que as necessidades sociais em matéria de saúde pública devem ser sempre levadas em consideração quando da interpretação da lei no que se refere a patentes de medicamentos, até porque os direitos de propriedade intelectual têm sua legitimidade mitigada pelo interesse social e pelo desenvolvimento tecnológico e econômico do País, conforme expressa determinação constitucional (art.5o, XXIII, CF/88). [...] Ora, a saúde é um direito social garantido a todos (arts.6o e 196, CF/88), cuja relevância pública encontra-se expressamente prevista no art. 197, sendo dever do Estado sua promoção. [...] Ora, é inegável que a partir do momento em que a patente caia em domínio público e passe a ser explorada pela indústria dos genéricos, a população será beneficiada com maior oferta de medicamentos, a preços muito mais acessíveis, traduzindo concretização maior e efetiva dos direitos constitucionais à saúde e da integridade da pessoa humana, princípios fundamentais de uma ordem social justa. Também o País, entidade estatal que tem dever de garantir a saúde da população, será beneficiado com a maior oferta do produto, podendo vir a economizar nas compras públicas e oferecer mais medicamentos à sociedade270. (grifos nossos)

Convém mencionar o entendimento de Ricardo Luiz Sichel, que diverge um

pouco do que o INPI vem sustentando nas ações judiciais. Segundo Sichel, o limitador

deveria ser contado a partir do depósito efetivamente convertido em patente. No

entanto, esse entendimento seria aplicável somente quando o primeiro pedido foi

retirado sem ter produzido qualquer efeito. Essa situação não se confundiria com o caso

das patentes obtidas pelo do Escritório Europeu de Patentes, onde, segundo o autor, o

prazo remanescente seria zero.

Desta forma, o prazo remanescente que deveria ser concedido é aquele teria sido concedido em decorrência do primeiro depósito, pela Autoridade Patentária Nacional. Como esta Autoridade não concedeu patente alguma, na medida em que esta veio a ser concedida pelo Escritório Europeu de Patentes, com efeitos sobre o território daquele Estado-Membro onde ocorreu o primeiro depósito, por força da natureza jurídica da patente européia, não existe prazo remanescente a ser concedido. Portanto, as patentes de revalidação concedidas, mesmo adotando-se o critério defendido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, levando em conta o primeiro depósito como marco inicial do prazo remanescente, na medida que a

270 BRASIL. Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Ação Ordinária nº 2005.51.01.524387-0. Autora: Sanofi-Synthélabo. Réu: INPI. Juíza Federal Márcia Maria Nunes de Barros. Rio de Janeiro, 31/10/2006, D.O.E. 09/11/2006.

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Autoridade Patentária onde foi efetuado o primeiro depósito não concedeu patente alguma271.

As decisões tendem a reiterar os argumentos do INPI, fazendo alusão à data do

primeiro depósito no exterior, conforme o caput e §1º do art. 230, como também

aplicando a nota explicativa 8 ao art. 33 do TRIPS. Resumidamente, esses ilustres

magistrados entendem que o prazo de vigência da patente brasileira deve ser limitado a

20 anos do primeiro depósito no exterior, uma vez que a partir desse ato (i) a invenção

passou a integrar o estado da técnica, (ii) o titular pode exercer o direito de prioridade, e

(iii) começou a exclusividade sobre a invenção.

6.9.2 Argumentos contrários ao INPI – a irrelevância do primeiro pedido

De acordo com o exposto anteriormente, a intenção do legislador foi permitir

que a patente brasileira expirasse na mesma data que sua correspondente estrangeira. A

utilização da palavra “remanescente” indica essa vontade, como também demonstra a

tolerância com os prazos de vigência fixados de formas diferentes pelas legislações

estrangeiras. Apontou Simone Scholze:

Tendo em vista que o Inpi não faria exame de mérito quanto ao pedido abrangido pelo pipeline já concedido no país de origem, deveriam ser considerados os termos da concessão e o prazo de validade da patente na origem. Assim, exaure-se a patente pipeline no Brasil na mesma data em que esta se extinguir no país de origem do pedido. Um pedido registrado, por exemplo, há 14 anos num país onde o prazo de vigência da patente seja de 15 anos, no Brasil teria proteção pipeline de apenas um ano272.

Quanto ao limitador, como o mesmo faz referência ao art. 40 da LPI, o caminho

mais direto seria tomá-lo da mesma forma em que é aplicado para as patentes regulares,

ou seja, 20 anos contados da data do deposito no Brasil. Essa é a lógica expressa no

dispositivo legal. Qualquer outra interpretação põe em risco o ideal de que as patentes

devem expirar na mesma data. Sobre isso, discorreu José dos Santos Carvalho Filho:

271 SICHEL, Ricardo Luiz. Patentes de revalidação: renovação discutível. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1263, 16 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9282>. Acesso em: 16 ago. 2009. 272 SCHOLZE, Simone H.C. Op. cit. p. 49.

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Quando a lei estabelece ficar assegurado à patente pipeline “o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido”, o foco interpretativo há de recair obviamente no período em quer terá vigência a patente concedida no exterior. Ou seja: o que a lei brasileira apenas quer é que se verifique qual o tempo remanescente da proteção oriunda da concessão da patente no exterior273.

De acordo com o exposto acima, o INPI estaria equivocado ao supervalorizar os

efeitos jurídicos decorrentes do primeiro depósito no exterior e ignorar a separação

existente entre regras relativas à concessão das patentes pipeline e regras relativas à

determinação dos respectivos prazos de vigência. O caput do art. 230 da LPI fixa os

requisitos para a concessão da patente pipeline, determinando, para esse efeito, a

consideração do primeiro depósito no exterior que gerou a patente. A exigência para que

se informe a data do primeiro depósito no exterior tem como função precípua

determinar o estado da técnica e assegurar a novidade do pedido. Por fim, serve para

saber o país do primeiro depósito, uma vez que, como sabido, não necessariamente a

patente vigente naquele país foi concedida pela autoridade nacional:

A despeito da clareza do dispositivo, e da manifesta intentio legis, têm surgido algumas vozes que, concessa vênia, têm emprestado – aos aspectos relacionados ao prazo de validade da patente – interpretação que não se coaduna com os termos da lei, advogando o entendimento de que referido prazo de validade, em se tratando de patente pipeline, deverá contar-se a partir da data do primeiro depósito no exterior, e não da concessão da patente no exterior. Esse é inclusive o entendimento do INPI. Semelhante linha de argumentação está distante de figurar no conteúdo do art. 230, §4º, da LPI. [...] Nota-se que as expressões “primeiro depósito no exterior” (art.230, caput) e “depositado o primeiro pedido” art.230, §1º) têm sido incorretamente interpretadas para o fim de fixação do prazo da patente pipeline. No primeiro caso, a expressão indica apenas a data a partir da qual terá proteção o primeiro depósito no exterior contra o estado da técnica no Brasil, para a concessão da patente pipeline que não goza da garantia ou benefício da prioridade (artigos 16 e 17 da LPI). [...] No segundo, a referência vale apenas para apontar o país em que foi efetuado o primeiro depósito. Nada mais que isso.[...] Ora, se o art. 230, §4º, da LPI só considera o prazo remanescente de proteção é porque nesta é que se encontra a proteção do titular. Nenhuma importância, portanto, tem, para o fim de fixação do prazo de validade da patente pipeline, a data do primeiro depósito efetuado no exterior, já que este pode não ter sido considerado para o prazo de validade da patente. Urge, assim, concluir que o primeiro depósito efetuado no exterior não é fator a ser considerado para a fixação do prazo de validade da patente pipeline. O

273 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Parecer de 9 de novembro de 2007. Pedido de patente pipeline.

Ato vinculado da Administração. Prazo de validade da patente: termos a quo e ad quem. Apresentado nos autos da apelação cível nº 2004.51.01.534562-5, TRF2. p. 9.

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fator legal é. Como já acentuamos, o “prazo remanescente de proteção”. Somente ele pode ser considerado274.

Ao defender a sua tese, o INPI também argumenta que a partir do primeiro

depósito a invenção deixa de ser nova e, portanto, dali deve ser contado o limitador do

§4º do art. 230. Quanto a esse aspecto, J.J. Canotilho ponderou:

Deve entender-se que quando o artigo 230.° se refere à data do primeiro depósito no exterior, o mesmo tem em vista satisfazer as exigências do artigo 8.° da Lei n.° 9.279/96, que requer a novidade absoluta da patente, e do artigo 16.° deste diploma, que remete para o prazo de um ano característico do direito de prioridade da Convenção de Paris. Isto é, sem a salvaguarda do artigo 230.°, estas exigências considerar-se-iam desrespeitadas pelas patentes “pipeline”. É este o único efeito útil desta norma, dela não se podendo extrapolar quaisquer conseqüências para efeitos de início da contagem do prazo das patentes “pipeline” 275.

Não há uma relação direta entre novidade e duração de uma patente. A novidade

é requisito de patenteabilidade. É condição para se ter patente. Como mostrado em

tópicos anteriores, as leis utilizam as datas de depósito ou concessão como parâmetros

para estabelecer o termo inicial e final da vigência da patente. As leis não dizem que o

prazo tem qualquer relação com o momento em que a invenção foi divulgada. Se assim

fosse, as leis usariam linguagem específica nesse sentido, o que não acontece.

De fato, em algumas circunstâncias a data do depósito pode servir como marco

temporal tanto para aferição da novidade como fixação do prazo de vigência – uma

mera coincidência que ocorre em casos específicos quando o referido depósito é o

primeiro para a invenção. Para comprovar que é apenas uma coincidência, veja-se o

caso de patentes brasileiras regulares concedidas com base em exercício de direito de

prioridade, através do PCT ou quando o titular beneficiou-se do período de graça (art.

11, §1º, da LPI)276.

No caso de benefício de prioridade, a novidade será avaliada face ao estado da

técnica constituído na data do depósito do pedido estrangeiro ou nacional reivindicado

(arts. 16 e 17 da LPI), enquanto que o prazo será influenciado tão somente pela data de

274 Id. Ibid. passim. 275 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 80. 276 LPI. Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica. § 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17.

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depósito no Brasil. Já no caso do período de graça, a novidade é avaliada em face da

data da divulgação do invento anterior ao depósito do pedido, na forma do art. 12 da

LPI, mas o prazo de vigência da patente não muda, será de 20 anos contados da data do

depósito. Nesse sentido, ensina Denis Borges Barbosa:

A lei 9.279/96, em seu art. 12, numa interessante inovação sobre o sistema anterior, considera não ferir a novidade a divulgação do invento, quando ocorrida durante os doze meses que precederem a data de depósito ou a da prioridade do pedido de patente, se promovida pelo próprio inventor (o chamado período de graça), pelo INPI em publicação oficial do pedido de patente depositado (por outras pessoas, que não o inventor, obviamente) ou por terceiros, com base em informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em decorrência de atos por este realizados. [...] Um dos mais antigos princípios internacionais relativos à propriedade industrial, o direito de prioridade é concedido aos titulares de um depósito estrangeiro, em oposição a qualquer depósito nacional subseqüente. Pelo princípio da prioridade, um estrangeiro pode ter, em todos os demais países partícipes de um ato internacional, um prazo para requerer seus direitos, sem prejuízo da novidade e anterioridade277.

Haveria violação aos art. 4 bis(5) da CUP e art. 33 do TRIPS, caso o prazo das

patentes regulares fosse influenciado de alguma forma pelo momento em que a

invenção deixa de ser nova, uma vez que toda e qualquer patente obtida através do

direito de prioridade expiraria em data anterior a 20 anos da data do depósito no país.

A autarquia também sustenta que, mesmo abandonado, o primeiro pedido gera

efeitos jurídicos como direito de prioridade. Nada obstante, a doutrina é categórica ao

afirmar a diferença entre direitos patentários e direito de prioridade, como bem diz

Denis Borges Barbosa:

Importante notar que a prioridade não é um direito à patente nacional: constitui somente a faculdade de o pedido apresentado no Brasil ser considerado, para apuração de estado da técnica, à data do primeiro depósito no exterior278.

Como complementou J.J. Gomes Canotilho, a reivindicação de prioridade não

altera o prazo de uma patente regular, tampouco de uma patente de revalidação.

Tal entendimento nem sequer faz sentido quando do primeiro pedido resultou já uma patente original, não podendo, por maioria de razão, ser extrapolado para pedidos em relação aos quais se verificou uma desistência. É que as patentes “pipeline” são sempre referidas a uma protecção patentária obtida num Estado estrangeiro. Assim, é inaceitável considerar como factor decisivo

277 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 376 et seq.. 278 Id. Ibid. p. 378.

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para a contagem do prazo de protecção da patente “pipeline” a mera obtenção de uma posição de prioridade unionista279.

Também não procede a afirmação do INPI de que desde primeiro pedido de

patente no exterior o titular é capaz de impedir que terceiros utilizem a invenção sem a

autorização do titular.

Vale aqui relembrar os ensinamentos de Denis Borges Barbosa sobre o direito de

pedir patente, o direito ao pedido de patente, os direitos e duração dos direitos

patentários que foram expostos no item 2.6. Em resumo, o autor informa que (i) o

criador de um invento tem o direito de pedir patente, mas que “esta pretensão original

não importa em aquisição imediata do direito de patente”, (ii) que os direitos exclusivos

só nascem para o titular na concessão da patente, (iii) que tais direitos só podem ser

exercidos no período exato de duração da patente, e (iv) que compensações anteriores só

podem retroagir à data do depósito do pedido e somente se a patente for concedida.

A rigor, existem três direitos no tocante à patente de invenção: a pretensão ao exame estatal dos pressupostos da concessão do privilégio, que é o direito de pedir patente; o direito ao pedido de patente, uma vez exercida a primeira pretensão; e o direito exclusivo resultante da constituição do privilégio, após o exame estatal. O direito constitucional de autoria se restringe ao primeiro de tais poderes, ao direito eventual, no dizer de Roubier, de obter o privilégio280. [...] O direito é exercido pelo depósito do pedido junto ao órgão de propriedade industrial, e terá como resultado, se verificados a existência dos pressupostos para a concessão do privilégio, a emissão da patente281. [...] O pedido de patente, através do qual se exerce o direito constitucional de solicitar a concessão do privilégio, presume a apresentação ao INPI de um requerimento282. [...] Uma vez concedida a patente na data e através de publicação do respectivo ato de expedição da carta-patente (art. 38 § 3 º ), uma série de efeitos se produz: para o titular, nasce o direito exclusivo: a partir de então pode restringir terceiros a deixar de fazer as atividades que lhe são privativas, sob sanção civil e penal (art. 42 e 183), com as limitações pertinentes; [...] nasce o poder de haver indenização pelas violações de seu interesse jurídico protegido anteriormente à concessão, na forma do art. 44283. [...] A duração jurídica do privilégio inclui tão somente o período em relação ao qual pode se exercer o direito de exclusiva; usualmente, a partir da concessão até um termo, contado da própria concessão ou da data de depósito. Algumas legislações, no entanto, inclusive o Código brasileiro em vigor, dão proteção limitada antes da concessão, o que consideravelmente aumenta o período

279 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MAHCADO, Jónatas. Op. cit. p. 80. 280 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 400. 281 Id. Ibid. p. 402. 282 Id. Ibid. p. 433. 283 Id. Ibid. p. 456.

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efetivo de proteção. Segundo a lei em vigor, o prazo é de 20 anos para patentes de invenção, e 15 para MU. [...] O exercício retroativo do direito na esfera civil, assim como a pretensão penal, esperará a concessão284.

Somente uma patente efetivamente concedida confere ao titular os direitos de

exclusividade. Não há exclusividade sem patente. Cada lei pode dizer se a proteção

retroage a alguma data anterior à concessão, mas isso não é regra. Pedido de patente

antes da concessão é apenas um direito formativo gerador.

O pedido pode até inibir terceiros, mas não dá ao titular direitos patentários, que

só nascem com a concessão. Assim ocorre, inclusive na lei brasileira (arts. 38, 42 e 44

da LPI). Somente após a concessão da patente que o titular pode tentar obter

compensação por uso não autorizado ocorrido entre o depósito no Brasil e a concessão.

Esse argumento do INPI é ainda mais frágil quando tal primeiro pedido tenha sido

abandonado.

Esse entendimento não se deduz expressamente da letra da lei, muito menos quando pretende ser aplicado a pedidos abandonados, dos quais não resultou nenhuma protecção patentária. Isto mesmo quando daí tenham resultado alguns direitos ou reivindicações de prioridade. Assim, pode questionar-se a bondade de uma sobre-interpretação do §1.° do artigo 230.°,.° postergando a intencionalidade de reforço da propriedade intelectual do Acordo TRIPS, da Lei n.° 9.279/96, do artigo 230.° dessa lei e do respectivo §4.°, à qual não é alheia uma lógica de compensação pelos efeitos negativos que se sentem no presente, resultantes das violações dos direitos de propriedade intelectual ocorridas no passado285.

Também parece equivocada a afirmação de que o primeiro pedido estrangeiro

impediria a utilização da invenção no Brasil. Além das explicações anteriores, isso

seria uma afronta ao princípio da territorialidade. Se uma patente estrangeira não tem

força no Brasil, quiçá um pedido pendente.

Quanto ao território, a patente é limitada, em regra, ao país que a concede. [...] Não existe, ainda por agora, uma patente internacional como tal, ainda que existam títulos comunitários e multinacionais, e métodos como o PCT (vide o capítulo sobre o direito internacional da Propriedade Intelectual); no entanto, aparentemente estaríamos nos aproximando do momento em que tal patente internacional passasse a existir286.

284 Id. Ibid. p. 473. 285 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas.. Op. cit. p. 79. 286 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 482.

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Em adição, o §4º do art. 230 estabelece que a patente pipeline terá proteção a

partir da data do depósito no Brasil. Portanto, não se pode dizer que a partir do primeiro

pedido de patente depositado no exterior, posteriormente abandonado, o titular da

patente pipeline pode impedir que terceiros fizessem uso da invenção. Ao abordar a

questão das patentes pipeline, Simone Scholze disse: “Os efeitos são gerados a partir de

seu reconhecimento para o futuro, pelo prazo remanescente de validade da patente, não

atingindo atos jurídicos passados”287.

Por fim, o INPI ainda declara, com base na nota de rodapé nº 8 do art. 33 do

TRIPS, que o Brasil não dispunha de um sistema original de concessão de patentes para

justificar o argumento de que o prazo de validade de uma patente pipeline deve ser

contado da data do primeiro depósito no exterior. O fato de a legislação anterior proibir

a concessão de patentes para determinados setores tecnológicos não pode ser

confundido com a ausência de um sistema de concessão de patentes.

Essa nota presta-se a regular a situação bem específica de um grupo de países do

qual o Brasil não faz parte. A referida nota não tem aplicação alguma no direito

brasileiro e, ipso facto, nada tem a ver com as patentes pipeline brasileiras. Com muita

propriedade, Nuno Pires de Carvalho disse que tal nota só se aplica a países que

somente revalidam patentes concedidas no exterior: “The reference to footnote 8 to the

terms of patents franted by WTO Members which do not have a system of original

grant- that is, which merely re-registers patents granted in other territories”288.

Como é sabido, o sistema de concessão original brasileiro é mais do que

centenário289. Sobre esse aspecto, esclarece Luís Roberto Barroso: “Antes da edição do

TRIPS, o Brasil dispunha de um sistema original de concessão de patentes, nos termos

da Lei nº 5.772/71, de modo que a regra não o afetou diretamente”290.

Ademais, ainda que o Brasil não dispusesse de um modelo original de

concessão, a nota de rodapé nº 8 do art. 33 do TRIPS não seria aplicável, pois o próprio 287 SCHOLZE, Simone H.C. Op. cit. p. 49. 288 CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005, p. 282. 289 V. CARVALHO, Nuno Pires de. 200 Anos do Sistema Brasileiro de Patentes: O Alvará de Abril de

1809 – Comércio, Técnica e Vida. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2009. Também: BUSCHMANN, C. Leis

da propriedade industrial, artística e litteraria da República dos Estados Unidos do Brazil – legislação

vigente. Rio de Janeiro, Typ. De Olympio de Campos & Comp., 1916. 290 BARROSO, Luis Roberto. Relações de direito intertemporal entre tratado internacional e legislação

interna. Interpretação constitucional adequada do TRIPS. Ilegitimidade da prorrogação do prazo de

proteção patentária concedida anteriormente à sua entrada em vigor. Parecer. In Revista Forense, v. 368, 2003, pág 248-249.

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§4º do art. 230 da LPI – posterior ao TRIPS – dispôs de forma diametralmente oposta,

determinando que o prazo tem termo inicial na data do depósito no Brasil.

Apesar dos esclarecimentos anteriores, que afastariam a incidência da referida

nota explicativa do TRIPS, causa estranheza o INPI sustentar a aplicabilidade da mesma

como fundamentação para contagem do prazo das patentes pipeline a partir da data do

primeiro depósito no exterior, quando em outros casos diz que o TRIPS não é aplicável

diretamente no Brasil (item 3.2).

O INPI já tinha oficialmente se manifestado nos mesmos termos. Em parecer publicado oficialmente tratando dos casos ainda pendentes de exame (parecer DIRPA n.º 01 de 1997), a autarquia entendeu que o Brasil, como país em desenvolvimento, só estaria obrigado a aplicar tais novos requisitos do TRIPS a partir de 1/1/2000 (TRIPS, art. 65.2) 291.

Como cediço, o INPI sustenta em outras ações judicial que o TRIPS não seria

auto aplicável para evitar a extensão de patentes de 15 para 20 anos292. Por conseguinte,

é um tanto quanto contraditório alegar a aplicação do mesmo para os casos de pipeline.

Se o TRIPS não é aplicável para estender o prazo das patentes concedidas na forma da

legislação nacional pretérita, também não o é para o caso das patentes pipeline.

Como apontou J.J. Gomes Canotilho, a interpretação no INPI “tem um mérito

mais aparente do que real” e ao aceitá-la “subverte-se a própria intencionalidade da

concessão da patente ‘pipeline’, fazendo sair pela janela a proteção jurídica que

primeiro se fez entrar pela porta”293.

As regras referentes ao prazo de validade das patentes pipeline estão contidas, ao

que tudo indica, exclusivamente, no §4º do art. 230 da LPI. O dispositivo estabelece

como termo inicial a data do depósito no Brasil, e como termo final a data em que

expira a patente correspondente no exterior, tendo como limite o prazo de 20 anos

estabelecido pelo art. 40 da LPI.

O art. 40 da LPI é o dispositivo que estabelece o prazo de validade das patentes

de invenção regulares, qual seja, vinte anos contados da data do deposito. Por sua vez, o

art. 20 da LPI traz a definição de que a data do depósito é a data de apresentação do

pedido no INPI.

291 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 233. 292 Cf. nota 128. 293 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. MACHADO, Jónatas. Op. cit. p. 78-81.

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Pelo exposto, não parece razoável a interpretação do INPI no sentido de que o

prazo de vigência de uma patente pipeline estaria limitado a 20 anos contados da data

do primeiro depósito no exterior.

A patente de pipeline vigeria pelo prazo iniciando na data do depósito no Brasil, até o fim do prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido. O limite desse prazo, no entanto, são os vinte anos da patente nacional regular294.

Como J.J. Gomes Canotilho disse:

O entendimento do INPI não garante a proteção das patentes ‘pipeline’ pelo prazo remanescente de proteção no país, tal como sugerido pelo § 4.° do artigo 230.°, podendo mesmo contribuir para o seu substancial encurtamento no Brasil relativamente à patente originária estrangeira295.

O acórdão de relatoria do Des. Federal Sergio Schwaitzer, do TRF2, deixa claro

que a intenção do §4º do art. 230 é que a patente brasileira expire na mesma data que a

sua correspondente estrangeira. O mesmo aresto rechaça a interpretação do INPI que de

a simples menção ao primeiro depósito no exterior contida no caput e §1º do do art. 230

levaria a mesma a ser considerada no §4º. Também diz expressamente que o limitador é

contado da data do depósito no Brasil. Por fim, o ilustre magistrado disse que não cabe

ao INPI rever os atos praticados no exterior, e conferir aos mesmos efeitos diversos

daqueles que as leis que os regem conferem.

ADMINISTRATIVO – PRAZO DE VIGÊNCIA DE PROTEÇÃO A PATENTE INICIALMENTE DEPOSITADA NO ESTRANGEIRO – PIPELINES – ART. 230 DO CPI – PRAZO DE PROTEÇÃO REMANESCENTE NO PAÍS DE ORIGEM I - O §4º do art. 230 da Lei nº 9.279/96 é expresso em assegurar a proteção no prazo remanescente do depósito concedido no exterior, contado da data

do depósito no Brasil, evidenciando-se, portanto, que o objeto da norma é estender a proteção pelo mesmo prazo que resta à patente no país de origem. II - O simples fato de o caput e o §1º do art. 230 da Lei nº 9.279/96 fazerem remissão à data do primeiro registro no exterior não significa que a referida data seja o marco inicial da contagem do prazo remanescente previsto no §4º do mesmo artigo, uma vez que o fator determinante para fixação desse lapso temporal é o período de proteção que subsiste à patente originária. III - A referência ao art. 40 do mesmo Código de Propriedade Industrial, contida no art. 230, §4º, constitui limitação da proteção ali prevista, de forma que o prazo remanescente, contado a partir do depósito no Brasil, não poderá ser superior ao das patentes comuns, cuja vigência é de vinte anos.

294 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003, p. 641. 295 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas. A questão da Constitucionalidade das

Patentes “Pipeline” à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988. Almedina, 2008, pág. 80.

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IV - Não compete ao INPI rever o ato de concessão das patentes estrangeiras, estabelecendo que as mesmas tenham vigência a partir de um primeiro depósito que posteriormente tenha sido abandonado, pois o que importa, nos termos do art. 230, §4º, da Lei nº 9.279/96, é o prazo de vigência remanescente de acordo com o que restou concedido no país originário296.

Esse mesmo entendimento também foi seguido pelo Superior Tribunal de Justiça

(“STJ”) em julgamento sobre caso de mesma natureza, verbis:

COMERCIAL. PATENTES PIPELINE. PRAZO. LEI N.º 9.279/96, ARTIGO 230, § 4.º. Nos termos dos artigos 40, caput e 230, § 4.º, da Lei n.º 9.279/96, a proteção oferecida pelo ordenamento jurídico brasileiro às patentes estrangeiras vigora "pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido", limitado ao período máximo de proteção concedido pela nossa legislação, que é de 20 anos, a contar da data do depósito do pedido no Brasil. Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia297.

O STJ deixou claro que a patente deve durar pelo tempo remanescente da

patente estrangeira revalidada e que o limitador deve ser contado da data do depósito no

Brasil. O então Ministro do STJ Carlos Alberto Menezes Direito, em voto enfático,

acompanhou o relator:

De fato, o § 4° do art. 230 da Lei nº 9.279/96 refere-se "ao prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único". Não quis o legislador brasileiro dizer de que data se conta a proteção conferida no país do primeiro depósito, mas, sim do prazo remanescente de proteção no país em que feito o primeiro depósito, o que é coisa, na minha compreensão, diferente. Por outro lado, o caput assegura a data do primeiro depósito, o que não quer dizer, igualmente, que tenha determinado que o prazo de proteção no local em que ocorreu o primeiro depósito seja daí contado e não da concessão da patente. O que se pretendeu assegurar no plano internacional repetido pela lei brasileira, foi que aquele que primeiro depositasse teria a devida proteção, garantindo-se no território nacional a proteção pelo prazo remanescente de proteção vigente no país em que depositado o primeiro pedido, contado do depósito no Brasil. Aqui, sim, a lei deu o termo inicial.

296 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2001.02.01.045636-3. Recorrente: INPI. Recorrido: Pfizer Limited e Outro. Relator: Desembargador Federal Sergio Schwaitzer. Rio de Janeiro, 03/03/04, D.J.U. 17/03/04. 297 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 445.712/RJ. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrida: Schering Corporation. Relator: Ministro Castro Filho. Brasília, 11/05/2004. D.J.U. de 28/06/2004.

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Ainda na jurisprudência, tem destaque a decisão proferida pela Juíza Federal

Edna Carvalho Kleemann, que reconheceu a ilegalidade praticada pelo INPI para

determinar a correção de uma determinada patente pipeline.

O art. 230 c/c artigo 40 ambos da Lei de Propriedade Industrial [...] estabelece que a vigência no Brasil, observará o prazo remanescente no país onde foi depositado o primeiro pedido, limitado este prazo a 20 (vinte) anos, contado da data do depósito no Brasil. [...] O INPI contrário à pretensão da Autora, não traz data venia, nenhum argumento jurídico capaz de afastar o pedido autoral298.

Nessa mesma linha, vale relatar o conteúdo da sentença da lavra da Juíza Federal

Carmen Torres, que disse: “Parece bastante simples a interpretação: verifica-se o prazo

remanescente no país de origem, e este deve ser o prazo remanescente da patente

brasileira. Nem um dia a mais, nem um dia a menos”299.

A interpretação do INPI quanto ao limitador do prazo das patentes pipeline é

objeto de fortes críticas doutrinárias. Por exemplo, J.J. Gomes Canotilho disse que: “o

entendimento do INPI afigura-se insustentável à luz dos elementos textual, sistemático e

teleológico da interpretação jurídica”300. José dos Santos Carvalho Filho também foi

enfático em suas críticas, inclusive para dizer que há ofensa ao princípio da legalidade.

De plano, é oportuno observar que o entendimento esposado pelo INPI no que tange à fixação do prazo de validade da patente pipeline é tão descompassado com o texto legal, que somente por algum descuido interpretativo poderia um juiz endossá-lo.[...] As concessões de patente, inclusive a patente pipeline, resultam de atividade vinculada (ou regrada) do INPI, não podendo a Administração desviar-se, um milímetro que seja, da garantia que a LPI assegurou, e isso porque, deve limitar-se a reproduzir os elementos já assinalados na norma. Se a LPI não deixa margem a dúvida no que toca ao prazo de prote;cão da patente pipeline, como resulta expressamente do art. 230, §4 , não pode haver qualquer razão para que o memso prazo seja ficado com base em fatores diversos daquele previsto na referida lei. Ora, o prazo remanescente de proteção a que aludiu o citado dispositivo somente pode referir-se ao prazo remanescente da patente obtida no país de origem (onde foi depositado o primeiro pedido, ou depósito) e, por isso mesmo, não tem, para esse fim, nenhuma relação com a data do primeiro depósito (ou primeiro pedido) efetuado no exterior.

298 BRASIL. Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Ação Ordinária nº 2004.51.01.528975-0. Autora: Roche Diagnostics GMBH, Réu: INPI. Rio de Janeiro, 16/01/2008. D.O.E. 30/01/2008. 299 BRASIL. Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Ação Ordinária nº 2007.51.01.800716-1. Autora: Pfizer Inc. Réu: INPI. Rio de Janeiro, 01/10/2008. D.O.E. 04/12/2008. 300 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas. Op, cit. p. 80.

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Essa é a única interpretação cabível do dispositivo. Qualquer outra ofende o princípio da legalidade301.

Ainda nessa mesma linha, filia-se Athos Gusmão Carneiro.

O entendimento do INPI, de que o prazo de validade de uma patente ‘pipeline’deveria ser contado, sempre, da data do primeiro depósito no país estrangeiro, importa em considerar ‘letra morta’uma norma expressa, clara e induvidosa da lei, a de que tal prazo deve ser contado “da data do depósito no Brasil” 302.

Por fim, resta citar o posicionamento de Maristela Basso que taxa de lamentável

o ímpeto de flexibilizar os direitos conferidos pela patente pipeline.

Entretanto, hoje é visível uma certa tendência de flexibilizar as regras de propriedade intelectual, restringindo os direitos daquelas entidades que tanto investiram em inovação. Essa tendência implica um visível e lamentável reflexo na duração das chamadas patente pipeline, o que gera um descompasso entre os planos nacionais e internacionais303.

O §4º do art. 230 da LPI é uma regra imediatamente descritiva e clara o

suficiente para estabelecer o prazo de vigência de uma patente pipeline. O INPI parte de

premissas equivocadas, nega vigência ao mencionado dispositivo, e acaba por subtrair

do titular prazo considerável de proteção. A toda evidência, o limitador imposto pelo

INPI é equivocado.

Como amplamente demonstrado, a interpretação do INPI quanto ao limitador

das patentes pipeline é incongruente, pois partindo de premissas falsas, chega a

conclusões desprovidas de suporte jurídico. Importantes vozes da doutrina informam

que a data do primeiro depósito no exterior em nada influencia o limite máximo de

duração de uma patente desta modalidade, e que tal é irrelevante para o prazo de

vigência de tais patentes. O limite máximo de duração, é, portanto, 20 anos contados do

depósito do pedido de patente pipeline no Brasil.

6.10 Argumentos adicionais do INPI para impedir a correção 301 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 15-17. 302 CARNEIRO, Athos Gusmão. Parecer de 1º de março de 2007. Prazo de validade das patentes

‘pipeline’. Apresentado nos autos da apelação cível nº 2001.51.01.538343-1. TRF2. 303 BASSO, Maristela. Patentes pipeline e direitos adquiridos. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/Busca.aspx?termo=maristela%20basso&searchTerm=maristela_basso>. Acesso em: 13 de agosto de 2009.

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Além de sustentar a interpretação restritiva quanto ao limitador, o INPI

apresenta outros argumentos que visam unicamente obstaculizar a correção do prazo de

vigência das patentes pipeline. A autarquia alega que diferenças entre a legislação

aplicável à patente estrangeira originária seriam incompatíveis com o ordenamento

jurídico pátrio, sustentando razões de ordem pública para barrar a aplicação do prazo de

validade da patente originária. Tais diferenças seriam a forma distinta de contagem de

prazo, patentes obtidas através do direito de prioridade e extensões conferidas às

patentes originárias. Basicamente, o INPI alega que a patente pipeline de um estrangeiro

não poderia ter uma duração superior a que um nacional teria. Esse entendimento é

aplicado pela autarquia a todos os tipos de correção pleiteados.

Nesse tópico, buscar-se-á abordar as alegações do INPI para verificar se as

mesmas são válidas a obstaculizar a correção das patentes pipeline.

6.10.1 Forma diferenciada de determinar o prazo de vigência

Em se tratando do mecanismo pipeline, a diferença quanto à forma de calcular o

prazo é mais latente quando a patente revalidada é norte-americana, sendo inclusive

essas patentes responsáveis por um grande número de ações judiciais. Portanto, as

atenções serão voltadas para essas patentes específicas. Sobre elas, assim disse o INPI

em uma de suas contestações:

Assim, o fato do prazo da patente norte americana ter sido contado a partir da data de concessão nos Estados Unidos da América [...] é inteira e completamente irrelevante para os efeitos da patente pipeline. [...] Com já visto acima, a Lei Brasileira é muito clara quanto ao início da contagem do prazo, pelo que se conclui nunca poder ser o prazo de vigência obtido nos Estados Unidos da América [...] absorvido pela patente brasileira, pois estaria a contrarior o dispositivo expresso em lei, ultrapassando o limite de 20 anos304.

304 INPI. Contestação apresentada nos autos da ação ordinária 2006.34.00.037378-7, que esta em curso perante a 21ª Vara Federal de Brasília.

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De acordo com o exposto no item 2.6, o art. 33 do TRIPS determina que uma

patente não deve expirar antes de 20 anos contados do depósito. O acordo não diz de

quanto deve ser a duração, nem quando deve iniciar. Apenas garante um termo final

mínimo. Essa regra está redigida de tal forma a permitir aos países-membros espaço de

manobra, na forma do art. 1.1. do mesmo acordo305.

Tomemos, então, uma patente brasileira como exemplo hipotético para efeitos

de comparação. Como verificado no item 4.5, uma vez concedida, a patente brasileira

goza de duração de 20 anos contados do depósito do pedido que a originou, sendo que o

termo final não ocorrerá antes de 10 anos da concessão (parágrafo único do art. 40 da

LPI). Ou seja, o período total onde o titular pode exercer o direito de exclusividade é de

pelo menos 20 anos.

Como visto no item 6.4, antes da implementação do TRIPS nos Estados Unidos,

em 8 de junho de 1995, as patentes daquele país tinham duração de 17 anos contados da

concessão da patente. Em outras palavras, o termo inicial ocorria na data de concessão e

o termo final ocorria 17 anos contados da data de concessão. Antes do termo a quo, o

titular não dispunha de qualquer direito exclusivo. Durante o período de transição do

TRIPS, a lei local erigiu um sistema onde o termo final seria o maior entre 20 anos

contados do primeiro pedido depositado nos Estados Unidos ou 17 da concessão,

ficando mantido o termo inicial na data de concessão. Note-se que a duração só seria

maior que 17 anos se o processamento administrativo levasse menos de 3 anos.

Atualmente, a exclusividade continua a iniciar na data de concessão, mas estende-se até

a data correspondente a 20 anos contados da data do depósito do primeiro pedido nos

Estados Unidos. Valendo dizer que a duração nunca será de vinte anos (salvo caso de

extensão).

Nenhum dos três modelos americanos chega a ter 20 anos de duração (período

que o titular pode exercer a sua exclusividade). Ou seja, a duração de uma patente

regular brasileira é maior do que uma patente americana regular concedida em qualquer

um dos três regimes.

305 TRIPS. Art.1.1. Os Membros colocarão em vigor o disposto neste Acordo. Os Membros poderão, mas não estarão obrigados a prover, em sua legislação, proteção mais ampla que a exigida neste Acordo, desde que tal proteção não contrarie as disposições deste Acordo. Os Membros determinarão livremente a forma apropriada de implementar as disposições deste Acordo no âmbito de seus respectivos sistema e prática jurídicos.

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Por conseguinte, não caberia dizer que o sistema norte-americano é incompatível

com o brasileiro, uma vez que este último confere à patente duração superior. Inclusive,

tratando especificamente sobre uma patente norte-americana, o Ministro Castro Filho,

disse não haver qualquer ilegalidade em se conceder a patente brasileira com o prazo de

vigência idêntico ao norte-americano.

Ocorre que, de acordo com os documentos de fls. 272 a 286, 16/01/86 e 16/10/91 não são as datas de concessão das patentes no exterior, mas tão-somente a data do depósito dos respectivos pedidos. E, ao contrário da proteção brasileira, a lei americana não determinava, para os pedidos anteriores a 08 de junho de 1995, que o prazo da patente fosse necessariamente contado a partir do depósito do pedido, mas que fosse o mais longo entre 20 anos a partir da data de depósito mais antiga, a contar da qual reivindica-se a prioridade, ou 17 anos a partir da concessão da patente. Concedidas as patentes, nos Estados Unidos, somente em 27.11.90 e 29.04.97, seus prazos somente se extinguirão, ali, em 27.11.07 e 29.04.14, conforme afirmado pelo acórdão recorrido. Não há, assim, no aresto impugnado, qualquer violação legal306.

Nesse mesmo julgado, completou o Ministro Menezes Direito:

Ora, se no país de origem o comando é de que o prazo, no caso, é de 17 anos a contar da concessão da patente, contado remanescente do depósito no Brasil não há como interferir no prazo de validade da patente no país de origem computando-se para efeito da lei brasileira o do primeiro depósito. O que cabe regular é a contagem do remanescente a partir do depósito no Brasil.

Resta, portanto, comprovado que não há incompatibilidade entre diferentes

formas de contagem de prazo, uma vez que o brasileiro pode ser até mais benéfico ao

titular da patente.

6.10.1.1 Os pedidos em continuação americanos

Ainda quanto patentes pipeline obtidas através de patentes norte-americanas,

além dos argumentos apresentados anteriormente, o INPI tem feito menções a institutos

específicos legislação dos Estados Unidos, o continuation e continuation-in-part (vistos

no item 6.4.1). A autarquia diz que os prazos de vigências das patentes pipeline cujas

equivalentes estrangeiras sejam derivadas de continuações ou continuações-em-parte 306 Cf. nota 297.

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(CIP) não podem ser contados com base no remanescente de vigência de tais patentes,

alegando o seguinte:

(i) os primeiros pedidos – abandonados em favor de continuações e

continuações-em-parte – teriam gerado efeitos jurídicos, sendo que os pedidos

deles decorrentes teriam respaldo nas matérias neles reveladas; e

(ii) as continuações e continuações-em-parte seriam incompatíveis com o

sistema brasileiro, já que (a) esses acréscimos não são previstos na legislação

brasileira; (b) vigora, no âmbito da propriedade industrial, o princípio da

territorialidade; e (c) não é razoável aplicar no Brasil aspectos específicos e

peculiares da legislação norte-americana.

Sustenta o INPI que esses institutos são “particulares da legislação patentária

norte-americana e européia”, não recepcionados em nossa legislação interna, onde as

patentes concedidas contém aperfeiçoamentos em relação à invenção descrita no

primeiro pedido. Assim, com base no §6º do art. 230 da LPI, o prazo de vigência de

patentes pipeline cujas correspondentes estrangeiras decorram de continuations ou CIPs

deveria ser contado como se fosse certificado de adição, cujo prazo coincide com o da

patente original. Nesse sentido, veja-se o trecho abaixo, retirado de uma peça processual

do INPI.

Vale observar, com vistas ao melhor esclarecimento de Vossa Excelência, que a continuação em parte (continuation-in-part) é um instituto particular da legislação patentária norte-americana e européia, correspondendo a pequenos aperfeiçoamentos ou alterações introduzidos naquele pedido, que por sua particularidade na legislação daqueles paises, não esta recepcionado nem na nossa legislação interna, nem em tratados em que o Brasil é signatário. Não será ocioso observar ainda que o §6º o art. 230 da LPI, estabelece que as disposições da LPI sejam aplicadas, no que couber, aos pedidos e patentes pipeline. Ora, os arts. 76 e 77 da LPI contemplam a possibilidade de proteção de aperfeiçoamento ou desenvolvimento introduzido no objeto da invenção, mediante a concessão de certificado de adição de invenção, título, entretanto – como acessório da patente concedida originalmente que é – cuja validade coincide com o termo final de vigência da patente original307.

307 INPI. Contra-razões ao recurso de apelação apresentadas nos autos da ação ordinária nº 2004.51.01.534562-5.

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Os institutos norte-americanos também já foram utilizados em decisões do TRF2

como fundamento para negar a correção do prazo de patentes pipeline. Nesse sentido,

destaca-se o acórdão de relatoria da Desembargadora Federal Liliane Roriz, que negou a

correção exclusivamente com base na impossibilidade de aplicação dos referidos

institutos no Brasil.

Para a Dra. Liliane Roriz, o mecanismo da patente pipeline é uma exceção, cuja

previsão se encontra na parte transitória da lei e, por tal motivo, deve ser interpretado e

avaliado sob o foco do texto permanente. A desembargadora aborda questões relevantes,

como efeitos do abando e a forma dos mecanismos segundo cada legislação específica.

Assim, ela concluiu que os institutos norte-americanos seriam incompatíveis como

sistema brasileiro de patentes, não sendo razoável aplicar esses elementos alienígenas.

Em adição, ela argumenta que os referidos institutos acabam por funcionar como uma

espécie de prorrogação de patentes, o que não é permitido pela lei nacional. Após

explorar esses temas específicos, a Dra. Liliane passou a negar a correção de patente

pipeline derivada de patente norte-americana objeto de pedidos continuation e

continuation-in-part.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. CONTINUATION-IN-PART. SISTEMA NORTE-AMERICANO. SISTEMA EUROPEU. SISTEMA BRASILEIRO. PREVISÃO NO TEXTO PROVISÓRIO DA LPI. COMPATIBILIZAÇÃO COM O TEXTO PERMANENTE. 1. A legislação norte-americana apresenta certas peculiaridades, que são típicas, aliás, de um país gerador de tecnologia, que sempre busca formas de dar proteção mais efetiva às patentes de seus inventores. 2. Enquanto no caso europeu a patente originária é abandonada, não podendo gerar qualquer efeito, no caso norte-americano pode haver efetivamente duas ou mais patentes decorrentes do mesmo pedido originário, todos eles gerando seus efeitos próprios, inclusive quanto ao prazo de validade. 3. Para o sistema europeu, o abandono tem o significado de renúncia ou desistência de um direito, antes mesmo de ser feita qualquer análise, na forma do art. 4º, alínea “C”, da Convenção União de Paris. Já no sistema norte-americano, ao contrário, não há propriamente um abandono, mas sim uma substituição, não do ponto de vista formal, mas do ponto de vista material, vez que a matéria inventiva da continuação decorre daquela contida no pedido originário, que a antecede e é substituída pela do pedido continuativo. Além disso, o pedido originário já foi submetido a um início de avaliação pelo órgão patentário tendo sido feita, por força de suas peculiaridades, a exigência de restrição do pedido, gerando a continuação. 4. As chamadas patentes pipelines são patentes extraordinárias e transitórias, concedidas na forma de patentes de revalidação (embora nem toda a doutrina concorde com essa afirmação), como meio de possibilitar aos titulares de patentes estrangeiras – relativas a invenções cuja patenteabilidade era proibida pela legislação brasileira anterior (produtos químicos, produtos e processos químico-farmacêuticos e alimentícios) – o direito de obter proteção no Brasil, ainda que tais matérias já tivessem sido divulgadas, não mais

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atendendo, portanto, ao requisito da novidade. As regras estão contidas no título VIII da LPI, relativo às disposições transitórias. 5. A preeminência do texto permanente de uma lei significa que o texto provisório há de ser interpretado na exata medida dos princípios e normas fixados no texto permanente, em verdadeira relação de complementaridade entre um e outro, até mesmo porque o texto provisório não é um regulamento completo das situações e fatos nele definidos, mas apenas um fixador de regras concretas, a serem complementadas pelas regras abstratas do texto permanente. 6. O sistema de continuações (continuation, divisional e continuation-in-part), previsto no direito norte-americano é, definitivamente, incompatível com o sistema brasileiro de patentes, não sendo, por conseguinte, possível aplicá-lo em nosso país. 7. A forma mais adequada para se resolver a questão é a antevista pelo INPI, que contou o prazo de vigência combinando o texto permanente da lei brasileira, quanto ao prazo de vigência de 20 anos, com o texto provisório, quanto ao dies a quo, contado do primeiro depósito no país de origem. 8. Apelação da ROCHE PALO ALTO LLC improvida e apelação do INPI e remessa necessária providas308.

Seguindo argumentos muito próximos, o Desembargador Federal Messod

Azulay Neto também já negou a correção de patentes pipeline que apresentavam as

mesmas características. Como se pode notar na ementa abaixo, o desembargador

reafirmou sua posição contra a equivocada interpretação do INPI quanto ao limitador,

mas entendeu ser indevida a correção quando a patente originária e derivada de pedidos

continuation e continuation-in-part. Para ele, o abandono do primeiro pedido que foi

objeto de continuação nos Estados Unidos é diferente do abandono nos países europeus

e no Brasil, pois a patente concedida não é completamente dissociada do primeiro

pedido.

APELAÇÃO – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – PATENTES ‘PIPELINES’ – PRAZO DE PROTEÇÃO REMANESCENTE NO PAÍS DE ORIGEM – INTELIGÊNCIA DO ART. 230 DO LPI FACE AO INSTITUTO AMERICANO “CONTINUATION IN PART” - RECURSO IMPROVIDO I - Não há dúvida de que a ratio do art. 230 da lei 9.279/96 é no sentido de permitir que a caducidade dos registros, tanto no Brasil, quanto no exterior, possam ocorrer de forma simultânea, compensando efeitos pretéritos da Lei 5.772/71, que proibia a concessão de patentes de substâncias, matérias e/ou produtos obtidos por meios ou processos químicos de natureza alimentícia, química ou farmacêutica. Exceção feita, somente, quando o período residual ultrapassar o limite de 20 anos, fato que ensejará o término da patente no Brasil antes de sua correspondente no exterior. II – De outro lado, a legislação patentária americana admite a chamada “CONTINUATION” (continuação) ou “CONTINUATION IN PART” (continuação em parte), instituto com alto grau de abrangência e que não

308 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2005.51.01.500668-9. Recorrentes: INPI e Roche Palo Alto LLC. Recorrido: Os mesmos. Relatora: Desembargadora Federal Liliane Roriz. Rio de Janeiro, 29/08/2008, D.J.U. 29/08/2008.

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encontra paralelo em outros países, permitindo que uma patente com escopo inicialmente limitado possa, ao longo dos anos, vir a obter maior cobertura, mediante novos requerimentos, sob título de continuações, que nada mais são do que uma série de aperfeiçoamentos introduzidos na matéria inventiva do pedido original, proporcionando-lhe acréscimos. III – De forma que o “abandono”, no sistema americano, diferentemente do sistema europeu, não se dissocia plenamente do primeiro pedido, denotando que parte da matéria inventiva decorre de um pedido antecedente e ainda passível de análise naquele órgão. IV – Assim, assiste razão ao INPI ao levar em consideração, para fins de revalidação de patentes a data do pedido que deu origem às subseqüentes continuações, visto que produziu efeitos, gerando outros pedidos que nada mais são do que desdobramentos do primeiro. V – Apelação e remessa necessária providas à unanimidade309.

Além dos arestos acima, Pedro Nunes Barbosa310 e Denis Borges Barbosa311

complementam as críticas sobre esses institutos.

No entanto, tendo em vista que o art. 17 da LPI permite a prioridade doméstica

que funciona em moldes muito próximos aos institutos norte-americanos aludidos acima,

não haveria uma verdadeira incompatibilidade com o sistema jurídico nacional. Nos

termos da lei brasileira, o titular pode depositar um pedido de patente no Brasil e,

cumpridos os requisitos ali instituídos, abandoná-lo em benefício de pedido posterior.

Caso este segundo pedido seja concedido, o prazo de proteção da patente,

correspondendo à regra do art. 40 da LPI, poderá ter seu terno final até 21 anos após o

depósito do primeiro pedido. O que não significa dizer que a patente teve duração

superior a 20 anos do depósito efetivamente convertido em patente.

Quanto a esse aspecto, Denis Borges Barbosa expôs:

Como o depositante brasileiro, na Lei 5.772/71 e na maior parte das outras leis nacionais, não dispunha de tal prazo, o estrangeiro tinha uma proteção jurídica mais longa do que o nacional. O novo Código de 1996 enfrenta tal problema, dispondo que “o pedido de patente de invenção ou de modelo de utilidade depositado originalmente no Brasil, sem reivindicação de prioridade e não publicado, assegurará o direito de prioridade ao pedido posterior sobre a mesma matéria depositado no Brasil pelo mesmo requerente ou sucessores, dentro do prazo de 1 (um) ano”. Assim, a nova Lei compensa a desigualdade: a prioridade nacional, agora admitida, o será apenas para aquilo que constar do pedido anterior, o qual será tido por arquivado312.

309 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2001.02.01.038503-4. Recorrentes: INPI. Recorrido: Genentech Inc. Relator: Desembargador Federal Messod Azulay Neto. Rio de Janeiro, 04/06/2008, D.J.U. 18/06/2008. 310 V. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. O instituto continuation in part. Revista Facto, Rio de Janeiro, v. 8, p. 22-23, jul./ago. 2007. 311 V. BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual, 2a ed., Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003. p. 379. 312 Id. Ibid. p. 380.

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É importante notar que a duração da patente brasileira derivada de prioridade

interna não é de 21 anos, mas sim de 20 do depósito que efetivamente foi convertido em

patente. Não há qualquer proteção no período compreendido entre o primeiro depósito e

o segundo que gerou a patente. De forma muito parecida ocorre com os institutos

americanos. Como visto no 6.4.1, lá a proteção só começa na data em que a patente é

concedida, não alcançando qualquer data anterior.

A prioridade interna brasileira é muito próxima dos institutos norte-americanos.

A norma nacional apenas difere quanto ao limite de pedidos que reivindicam a

prioridade doméstica. Aqui só é possível realizar um pedido de prioridade interna uma

única vez, e o pedido anterior não poderia ter ele mesmo reivindicado uma outra

prioridade doméstica ou unionista.

Tendo em vista que a patente pipeline será concedida tal como no país de origem,

somente a patente efetivamente concedida deve ser considerada no Brasil. Ademais,

diante da inexistência de incompatibilidade entre os mecanismos norte-americanos e

brasileiros, não haveriam argumentos suficientes a impedir a correção das patentes

derivadas de tais pedidos em continuação.

6.10.2. Patentes obtidas através do direito de prioridade

Sobre a patente pipeline derivada de uma patente estrangeira obtida através do

benefício da prioridade unionista, também se costuma argumentar que ela daria ao

titular prazo maior ao conferido aos nacionais. Isso é muito comum quando uma patente

européia é revalidada.

De acordo com o exposto no item 6.5, na Europa é muito comum se realizar o

primeiro depósito em um país, e com base nele efetuar um pedido de patente européia

reivindicando o direito de prioridade unionista. Como a patente européia terá efeitos

sobre o país do primeiro pedido, este último é abandonado sem ter gerado uma patente.

O INPI costuma dizer que apesar de não ter gerado patente, esse primeiro pedido

pode ser reivindicado como prioridade e desde o seu depósito o titular pode impedir

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terceiros. Entretanto, esses argumentos não merecem prosperar, pois o direito de

exclusividade só nasce com a concessão da patente, e tais efeitos só retroagem à data do

depósito que fora efetivamente concedido. Não sendo razoável sustentar a existência de

exclusividade anterior à concessão.

Entender que a contagem de uma patente pipeline deve ser feita a partir do

depósito abandonado vai de encontro com o disposto no §3º do art. 230 da LPI, que

determina que comprovada a concessão da patente estrangeira, a patente será aqui

concedida tal como no exterior. Se há a exigência de uma patente concedida, não há que

se considerar um pedido que não gerou patente. Do contrário, estaria a se permitir uma

patente pipeline sem patente no exterior. Não se obtém uma patente pipeline sem que se

comprove a existência do titulo originário no estrangeiro.

Há também quem diga que o titular da patente tem tempo adicional de proteção

nos países onde reivindicou prioridade. Nesse sentido, disse Denis Borges Barbosa:

“Isso evidentemente leva a alguns efeitos contrários aos interesses dos países em

desenvolvimento. Um deles, o mais apontado, é que todo estrangeiro vem a ter mais um

ano de prazo de proteção, comparando-se com o nacional”313.

No entanto, como o próprio autor diz, os efeitos anteriores ao depósito no Brasil

são meramente potenciais314. Ou seja, o pedido estrangeiro, pode até inibir terceiros de

usarem a invenção, mas não há exclusividade, que só é conferida pela patente.

Ainda que fosse verdadeira a afirmação de que o estrangeiro gozasse de proteção

mais extensa que o nacional, o mesmo ocorreria quando um brasileiro fizesse uso da

prioridade para obter patente em outros paises. Não havendo, portanto, desigualdade de

tratamento.

Assim sendo, como a lei manda que uma patente pipeline seja concedida tal

como concedida no país de origem, é a patente efetivamente concedida que deve ser

considerada e não a mera obtenção de uma posição de prioridade. Em vista do exposto,

não procedem as razões apresentadas pelo INPI para tentar barrar a correção de patentes

pipeline concedidas nessas bases.

313 Id. Ibid. p. 187. 314 Id. Ibid. p. 473 “Os efeitos potenciais do privilégio, em especial os econômicos, têm, no entanto, duração bem maior. Em primeiro lugar, contam-se do primeiro depósito do pedido, ainda que efetuado no exterior, pois o eventual concorrente levará em consideração a hipótese futura da concessão da exclusiva”.

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6.10.3. Extensão da patente estrangeira revalidada

Certamente, das correções de patentes pipeline buscadas, a que causa maior

repercussão são aquelas derivadas de extensões de prazo obtidas no exterior. São

poucos os casos onde os titulares conseguiram tais correções no Poder Judiciário.

Normalmente, alega-se que qualquer tipo de extensão de prazo é vedado pela lei

brasileira e que a extensão não tem natureza de patente315.

Foi visto no item 6.3 que alguns produtos precisam obter autorização do poder

público para que possam ser comercializados, normalmente por questões relacionadas à

segurança do usuário ou ao meio ambiente. Também foi abordado que tais exigências

alteram o ciclo das patentes relacionadas, pois o titular não pode usufruir o prazo de

exclusividade antes de obter a respectiva autorização para colocar o produto no mercado.

A maioria das invenções patenteadas através do pipeline está sujeita a esse tipo de

regulação.

Por outro lado, devido às mesmas exigências regulatórias, os concorrentes

também não poderiam colocar seus produtos no mercado logo que expiradas as patentes,

pois configuraria infração iniciar os procedimento antes de expirada a patente do

produto referência. Esse fenômeno é conhecido como “spillover effect”316.

Se de um lado, o titular não desfrutava da exclusividade por completo; de outro,

as mesmas exigências impediam concorrentes de entrarem no mercado assim que

expirada a patente. Essa foi a constatação do caso Roche v. Bolar, nos Estados

Unidos317.

O sistema de patentes consiste basicamente numa barganha entre o inventor e o

poder concedente. Em troca da divulgação do invento, o titular recebe um prazo para

315 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Algumas notas à intercessão do SPC e

da patente pipeline. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/spc.pdf>. Acesso em: 12 de abril de 2009. 316 CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005, p. 379. “The time-limits of patents raise some questions about the possibility of extending the effects of the exclusive rights beyond those limits. Actually, although patent terms are predetermined, the prohibition against others ‘making’ and ‘using’ the patented product will naturally result in a lag time after the expiration of the patent and before competitors can begin to market the subject product. Such lag time is known as spillover effects after expiry”. 317 THOMAS, John R. Op. cit. p. 12.

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explorá-lo com exclusividade. Se esse prazo não pode ser desfrutado na íntegra por

exigência do próprio poder concedente, há um desequilíbrio na balança. Nada obstante,

se as exigências regulatórias não puderem ser cumpridas pelos concorrentes antes do

término da exclusividade, a patente produzirá efeitos de facto posteriores a sua

expiração, o que não é socialmente desejável.

Os Estados Unidos, a União Européia, o Japão e outros países mudaram as

respectivas leis para corrigir esses dois efeitos. Parte do tempo perdido pelo titular nos

procedimentos regulatórios passou a ser devolvido para os titulares, e os concorrentes

poderiam realizar os testes necessários a obtenção da autorização regulatória antes de

expirada a patente (mecanismo conhecido como exceção Bolar).

O Brasil também exige o registro sanitário de vários produtos. No entanto,

apesar de não prever a extensão de patentes de invenções sujeitas à revisão regulatória,

o país permite a exceção do tipo Bolar (art. 43, VII, da LPI). Em breves palavras, o país

impede o efeito spillover, mas não permite que os titulares desfrutem da íntegra do

prazo de exclusividade conferido pela patente318.

Diante disso, alguns magistrados entendem ser impossível revalidar no Brasil o

prazo da patente estrangeira que seja derivado de extensão decorrente de revisão

regulatória.

DIREITO COMERCIAL. [...] PATENTE PIPELINE. TERMO A QUO PARA CONTAGEM DO PRAZO DE VIGÊNCIA NO BRASIL. DATA DO PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. [...] CERTIFICADO DE PROTEÇÃO SUPLEMENTAR. INSTITUTOS NÃO PREVISTOS NEM ACOLHIDOS PELO DIREITO BRASILEIRO. [...] IV - Ademais, trata-se de extensão de prazo de vigência da patente originária, por meio de Certificado de Proteção Suplementar (SPC/GB96/058) por força de aplicação de regra do tipo “TRIPS-PLUS” que admite a compensação pela demora de procedimento autorizativo de comercialização de medicamentos, regra essa não incorporada pelo Direito Brasileiro e a cuja adesão, em sede

318 CARVALHO, Nuno Pires de. The TRIPS Regime of Patent Rights. Haia, Kluwer Law International, 2ª ed., 2005, p. 379-81. O autor relata que o Canadá foi réu em um painel na OMC por ter adotado um mecanismo similar ao brasileiro. A Comunidade Européia iniciou tal painel para desafiar a lei canadense que permitia que concorrentes se preparassem, inclusive criando estoque, para comercializar produto patenteado logo após o término do período de exclusividade. O painel decidiu que a lei canadense infringia o art. 28.1. do TRIPS. De acordo com o referido autor, o painel entendeu que patentes podem geral efeitos spillover legais após a expiração. Interessante notar que nesse mesmo painel, o Brasil indagou que os países-membros poderiam entender que o prazo de proteção previsto no art. 33 do TRIPS seria o máximo, como forma de adotar medidas durante a vigência da patente para evitar que o titular se beneficie dos efeitos spillover. O painel rejeitou a visão sugerida pelo Brasil.

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internacional, o Brasil tem reiteradamente se oposto, não tendo lógica a sua aplicação, por via transversa, seja lá mediante qual raciocínio for319.

Também se diz que a extensão obtida no exterior não teria natureza de patente.

Nesse sentido dizem Denis Borges Barbosa e Pedro Nunes Barbosa:

Assim, a natureza desse Certificado é indenizatório, compensação de uma mora da Administração absolutamente diversa da concessão patentária, e não conseqüência da simples revelação da tecnologia ao público. O motivo da concessão do SPC é distinto da concessão da patente. Ou seja, SPC não é patente320.

Em vista do exposto, o primeiro passo é verificar se a extensão conferida no

exterior tem ou não natureza de patente, e se eventual diferença é relevante. Quanto a

esse aspecto, Carmen Tiburcio discorreu:

Do apanhado dos regimes jurídicos estudados, percebe-se que as divergências existentes são pouco significativas. As variações quanto ao prazo máximo de prorrogação são pequenas e decorrem de opções legislativas que não se desviam da média. Por outro lado, é também irrelevante o fato de a proteção suplementar ocorrer por meio da extensão do prazo de validade da própria patente ou per meio de certificados, já que estes, embora possam ser restritos a determinadas apresentações do produto farmacêutico, como se viu, conferem idêntica proteção.[...] O instituto da prorrogação exerce uma mesma função socioeconômica nos diversos sistemas jurídicos: assegurar ao detentor de patentes de medicamentos um prazo suplementar de proteção em compensação ao período durante o qual a exploração econômica do privilegio estava na dependência da autorização administrativa para colocação do medicamento no mercado. Os tratamentos conferidos pelos diversos sistemas jurídicos ao instituto são suficientemente semelhantes para que se possa ai identificar um bom exemplo de harmonização jurídica espontânea321.

Por sua vez, J.J. Gomes Canotilho informa que, materialmente, a extensão é a

garantia da vida efetiva de uma patente.

Na generalidade dos casos, tanto nos Estados Unidos como na Europa, a extensão das patentes tem como fundamento material o objectivo de restaurar a vida efectiva das mesmas, impedindo que factores externos, como a

319 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2004.51.01.534562-5. Recorrente: Eli Lilly and Company Limited. Recorrido: INPI. Relatora: Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes. Rio de Janeiro, 13/11/2007, D.J.U. 14/12/2007. 320 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Algumas notas à intercessão do SPC e

da patente pipeline. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/spc.pdf>. Acesso em: 12 de abril de 2009. 321 TIBURCIO, Carmen. Patente de Revalidação (Pipeline). Extensão do Prazo de Proteção da Patente Originária no Exterior. Efeitos Sobre a Patente Pipeline Nacional. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v.92, p. 44-60, jan./fev. 2008. p. 52.

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morosidade do processo de autorização ou a necessidade de novos testes clínicos, possam subverter a sua intencionalidade protectora. A extensão das patentes é materialmente justa na medida em que pretenda ser fiel à ratio protectora das patentes, ínsita na ideia de direito de propriedade intelectual e de direitos fundamentais em geral. A ratio protectora das patentes obriga a que a sua concessão assegure a respectiva vida efectiva, sob pena de perder parcial ou mesmo totalmente o seu sentido útil, podendo comprometer o conteúdo essencial do direito de propriedade intelectual322.

Apesar de o Brasil não conceder a extensão de prazo por conta da revisão

regulatória, não se pode dizer haja uma vedação legal expressa ou que a mesma seria

incompatível com o marco jurídico nacional.

Dessa forma, não é pelo fato de o Direito brasileiro não prever a extensão do prazo de proteção de patentes puramente nacionais de medicamentos, que a lei estrangeira disponha diversamente será manifestamente incompatível com nossa ordem pública internacional323.

Também não se pode dizer que no Brasil não exista extensão de patentes. O

parágrafo único do art. 40 da LPI diz que uma patente não expirará antes de 10 anos

contados de sua concessão. Isso quer dizer que a demora no processamento do pedido

perante o INPI será recompensada com a extensão da exclusividade. Note-se, entretanto,

que isso ocorrerá mesmo nos casos onde o titular não esteja impedido de comercializar

o objeto da invenção por exigência de revisão regulatória pelo poder público. Por essa

regra, a patente é estendida mesmo quando o titular sempre pode comercializar o

produto. Também não há diferença entre a natureza da extensão do parágrafo único do

art. 40 da LPI e aquela decorrente de revisão regulatória, pois a origem é a mesma: a

demora da administração pública. Com muita propriedade, comentou J. J. Gomes

Canotilho:

Ora, se o § único do artigo 40 é plenamente constitucional, na medida em que pretende garantir um mínimo de vida efectiva da patente, uma ideia de justiça

do sistema leva a que também seja constitucional a extensão da patente “pipeline” fundada na garantia da vida efectiva da patente originária. Este entendimento, para além da inerente razoabilidade do ponto de vista dos princípios pertinentes, tem um fundamento jurídico-positivo no §4º do artigo 230º da Lei nº 9.279/96, que garante à patente “pipeline” o prazo remanescente de protecção da patente obtida no estrangeiro324.

322 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. MACHADO. Jónatas. Op. cit. p. 136. 323 TIBURCIO, Carmen. Patente de Revalidação (Pipeline). Extensão do Prazo de Proteção da Patente Originária no Exterior. Efeitos Sobre a Patente Pipeline Nacional. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v.92, p. 44-60, jan./fev. 2008. p. 59. 324 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO. Jónatas.. Op. cit. p. 38.

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Portanto, tendo em vista a dependência da patente pipeline para com sua

correspondente estrangeira, aparentemente, não há motivos para se negar a correção da

patente brasileira com base em extensão obtida no exterior. Nesse sentido, conclui-se

esse item com os esclarecimentos de Maristela Basso:

Se, porventura, a proteção patentária for prorrogada no país de origem, por meio da emissão de um certificado complementar ou pela extensão da própria patente - já que ambos podem ser concedidos pelo mesmo órgão administrativo estrangeiro e têm a mesma função, gerando os mesmos direitos e obrigações - esta prorrogação estende-se também no Brasil, desde que respeitado o prazo limite de 20 anos do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial325.

6.11 Patentes pipeline – dependência e ordem pública

A patente pipeline é uma patente de revalidação. A característica mais marcante

dessa modalidade de patente é a dependência para com o privilégio obtido no exterior.

No ordenamento jurídico brasileiro não é diferente. A patente nacional só existe porque

existe uma patente estrangeira. Esta última que dá vida à própria patente pipeline.

Não há duvidas de que a concessão da patente pipeline estrangeira se alimenta

da patente estrangeira. No entanto, há quem entenda que a dependência esteja restrita

apenas quanto à concessão. Isso é o que entende Clèmerson Merlin Clève326. Com base

nessa opinião, o INPI sustenta que a dependência da patente pipeline cessa com a sua

concessão. Uma vez concedida, a patente pipeline se tornaria independente do privilégio

originário.

Nada obstante, esse entendimento não é compartilhado por importantes vozes da

doutrina. Sobre esse aspecto, Carmen Tiburcio disse que o princípio da independência

das patentes não se aplica ao mecanismo do pipeline.

Não se está diante de duas patentes distintas, cuja única ligação é o fato de o deposito da primeira constituir prioridade para o depósito da segunda, bem

325 BASSO, Maristela. Patentes pipeline e direitos adquiridos. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/Busca.aspx?termo=maristela%20basso&searchTerm=maristela_basso>. Acesso em: 13 de agosto de 2009. 326 CLÈVE, Clèmerson Merlin; Op. cit., passim.

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diferentemente, está-se diante de uma patente de revalidação; trata-se do reconhecimento de situação já constituída e aperfeiçoada segundo o direito estrangeiro. O vínculo aqui é bem mais estreito do que o que normalmente poderia ocorrer entre duas patentes distintas, em razão das regras de prioridade. O ponto é relevante e merece ser bem explicado: a patente estrangeira não é apenas necessária para que se estabeleça a prioridade para deposito de uma patente pipeline no Brasil, mas o próprio objeto de seu reconhecimento e de sua conseqüente revalidação. Tanto é assim que a patente pipeline não é concedida “durante o prazo de prioridade”, hipótese do item segundo do dispositivo transcrito, mas sim durante um prazo limitado de transição, conferido pela Lei brasileira de Propriedade Industrial327.

Para J.J. Gomes Canotilho os efeitos da dependência são fortes no sentido de

que tudo que ocorrer com a patente estrangeira deve repercutir em igual medida na

patente nacional. Ele chega a dizer que configuraria uma atitude auto-contraditória

permitir que os efeitos negativos atingissem a patente pipeline e evitar que os benefícios

não o fizessem.

As patentes “pipeline” são entendidas, pelo artigo 230º da Lei nº 9 279/96, como patentes dependentes das patentes originárias obtidas no estrangeiro. Essa relação de dependência manifesta-se relativamente a várias vicissitudes. Assim, por exemplo, se for decretada a nulidade, com efeitos ex tunc, da patente originária, essa nulidade repercute-se sobre a patente derivada, que também passa a ser nula. A dependência revela-se, evidentemente, também relativamente ao pedido da patente “pipeline”, na medida em que se houver desistência do pedido original, também o pedido da patente “pipeline” fica sem efeito. Daqui pode retirar-se a ideia de que, se o Estado faz repercutir nas patentes “pipeline” as vicissitudes que afectam negativamente a patente originária, então também deve fazer repercutir as vicissitudes que a afectam positivamente, como é o caso da extensão da patente originária. Isto decorre, desde logo, do princípio da regularidade da actuação estadual, que é um corolário do princípio do Estado de direito. Trata-se aqui de uma manifestação do princípio non venire contra factum proprium, que preclude a adopção de uma conduta auto-contraditória por parte do Estado, desprovida de uma fundamentação jurídica material suficiente. O princípio da independência das patentes, estabelecido no artigo 4º bis da Convenção da União de Paris, não se opõe a este entendimento, na medida em que as patentes de revalidação constituem uma excepção a este princípio, como é reconhecido desde há muito pela generalidade dos comentadores328.

A força da dependência mostra que tudo que atingir o privilégio originário deve

repercutir nas patentes pipeline. Em outras palavras, a pipeline deve ser idêntica à

patente estrangeira, seja quanto ao conteúdo, seja quanto à duração. Isso é o que

327 TIBURCIO, Carmen. Patente de Revalidação (Pipeline). Extensão do Prazo de Proteção da Patente Originária no Exterior. Efeitos Sobre a Patente Pipeline Nacional. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v.92, p. 44-60, jan./fev. 2008. p. 59. 328 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO. Jónatas. Op. cit. p. 34.

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informa Maristela Basso ao enfatizar que a patente pipeline é reflexo do privilégio

originário, e as extensões obtidas na origem devem ser repetidas no Brasil.

A expressão "tal como concedida no país estrangeiro" implica dizer que a patente de revalidação no Brasil é uma patente reflexo do direito validamente constituído em outro país, cuja observância decorre da aplicação do disposto no artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil. Ao se revalidar, no Brasil, a patente estrangeira, se reconhece o ato constituído no exterior.[...] E não poderia ser diferente. O ato de se reconhecer/revalidar no Brasil uma patente validamente conferida no país estrangeiro, "tal como lá concedida", significa dar-lhe vigência e eficácia aqui da mesma forma que ocorre no país de origem. Não há outra interpretação capaz de garantir e assegurar direitos aos nacionais e estrangeiros. Situações jurídicas constituídas em países estrangeiros são asseguradas em nosso país. Não obstante as singularidades, as patentes pipeline em nada se diferenciam dos demais direitos adquiridos e reconhecidos em países estrangeiros: estendendo-se ou restringindo-se o prazo de proteção no país de origem, estende-se ou restringe-se no Brasil329.

Tendo em vista (i) que o §4º do art. 230 da LPI assegura o prazo remanescente

de proteção no país de origem e (ii) a dependência é plena, tem-se que as patentes

pipeline devem expirar na exata mesma data que sua correspondente estrangeira.

Portanto, as iniciativas que visam limitar ou encurtar a duração dessas patentes

mostram-se desprovidas de razão.

O § 4.° sugere que a duração da patente “pipeline” no Brasil deve corresponder ao remanescente da protecção da patente originária no país em que a mesma foi concedida. Quando aí se fala em remanescente de protecção tem-se em vista o tempo que falta para expirar o prazo de protecção da patente no Estado estrangeiro e não o prazo que falta para a expirar o prazo de 20 anos contados a partir do primeiro pedido (no caso sub judice abandonado). A patente “pipeline” e a patente originária devem expirar no mesmo dia. O § 4.° coloca o acento tónico na protecção da patente e no respectivo prazo de duração. É com base neste ponto de referência que se concede às patentes “pipeline” o remanescente do prazo de protecção válido no estrangeiro. Na ver dade, o carácter derivado das patentes “pipeline” – que as torna dependentes das patentes originárias em vicissitudes muito importantes como a concessão, a prorrogação e a nulidade – aponta para uma relação de dependência também em matéria de duração. Tudo indica, pois, que o elemento decisivo, em matéria de patentes “pipeline”, é a garantia do remanescente da protecção efectiva concedida no Estado do primeiro depósito de que resultou a obtenção da patente330.

329 BASSO, Maristela. Patentes pipeline e direitos adquiridos. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/Busca.aspx?termo=maristela%20basso&searchTerm=maristela_basso>. Acesso em: 13 de agosto de 2009. 330 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO. Jónatas. Op. cit. p. 82.

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Essas características essenciais das patentes pipeline foram notadas pela Juíza

Federal Carmen Arruda Torres em sentença que proferiu em caso que cuidava única e

exclusivamente sobre correção de prazo derivada de extensão obtida no exterior.

Ora, se no país de origem a patente foi concedida por 20 anos e posteriormente teve seu prazo de validade estendido por mais 5 anos, me parece cristalino que, “tal como concedida no país de origem”, deverá ser a patente estendida no Brasil. Outro entendimento distancia-se da interpretação literal do dispositivo legal acima transcrito. De igual forma, conferindo a patente brasileira a extensão deferida à patente norte-americana, estar-se-á dando fiel cumprimento ao comando legal insculpido no art. 230 parágrafo 4º, que assegura “à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil”. Parece bastante simples a interpretação; verifica-se o prazo remanescente no país de origem, e este deve ser o prazo remanescente da patente brasileira. Nem mais um dia, nem menos um dia331.

O último tópico a ser abordado quanto às patentes pipeline diz respeito à crítica

de que a correção do prazo de vigência ofenderia a ordem pública. Quanto a isso, já foi

visto que todas as correções pleiteadas encontram lastro no ordenamento jurídico

nacional. Nada obstante, é importante mostrar a opinião daqueles que se debruçaram

sobre o tema. Em texto específico sobre essas patentes, Carmen Tiburcio apontou que as

críticas erigidas nesse sentido não teriam fundamento.

A freqüência com que a ordem pública é invocada como obstáculo à aplicação do Direito estrangeiro ou ao reconhecimento de direitos lá constituídos é proporcional ao equívoco com que usualmente se a interpreta. A rigor, e como se anotou, não é suficiente haja qualquer diferença entre o direito estrangeiro e o direito brasileiro para que se a invoque. É fundamental que os efeitos do direito estrangeiro ou dos atos estrangeiros sejam “manifestamente incompatíveis” com a nossa ordem pública. [...] A única ressalva que se deve fazer diz respeito ao prazo máximo de proteção que se poderá admitir no Brasil após a prorrogação, prazo esse que constitui norma de ordem pública na matéria, prevista pelo artigo 230, §4º da Lei de Propriedade Industrial. De fato, como sustentei no estudo anterior, o prazo de proteção efetiva no Brasil, incluindo a eventual prorrogação da patente de origem, deve ser limitado a vinte anos, contados do depósito da patente pipeline, com base na ordem pública brasileira332.

331 BRASIL. Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Ação Ordinária nº 2007.51.01.800716-1. Autora: Pfizer Inc. Réu: INPI. Rio de Janeiro, 01/10/2008. D.O.E. 04/12/2008. 332 TIBURCIO, Carmen. Patente de Revalidação (Pipeline). Extensão do Prazo de Proteção da Patente Originária no Exterior. Efeitos Sobre a Patente Pipeline Nacional. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, v.92, p. 44-60, jan./fev. 2008. p. 59.

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Essa opinião é complementada por Maristela Basso, que lembra que não serão

protegidas por patentes pipeline aquilo que a lei brasileira não considera invenção (art.

10 da LPI) e ou proíbe a concessão de patente (art. 18 da LPI).

A forma de concessão das patentes via pipeline no Brasil, como nos demais países membros da OMC, é, em tudo, excepcional, haja vista que se exclui o exame nacional a respeito da existência ou não dos requisitos de patentabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Isto se dá justamente porque asseguramos, em nível interno, os princípios de ordem pública internacional que mandam reconhecer os direitos adquiridos em outro país e salvaguardar a continuidade da personalidade jurídica (dos direitos e obrigações), mantendo-se, porém, no caso das patentes pipeline, a análise em relação ao atendimento das condições nacionais impostas pelo artigo 230 da Lei de Propriedade Industrial , à observância dos artigos 10 e 18 da mesma lei e à comprovação da concessão da patente no país estrangeiro de origem333.

Por fim, não se pode deixar de conferir o que diz J. J. Gomes Canotilho, que

entende que não pode haver ofensa à ordem pública um direito obtido em país

estrangeiro que comunga de princípios jurídicos devidamente constituídos.

Assim é, porque, de acordo com este artigo, “[a]s leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.” Ora, considerando que a patente “pipeline” concedida no Brasil, se limita a reflectir na ordem jurídica brasileira um direito validamente constituído noutro país, deve concluir-se que, em princípio, só por esse motivo, a mesma não representa qualquer atentado à soberania nacional. Na prática, passa-se com as patentes “pipeline” o mesmo que com outros direitos adquiridos e reconhecidos em países estrangeiros334.

Como visto, com base em textos da doutrina e julgados, as patentes pipeline

devem ser plenamente vinculadas às patentes originárias, devendo seguir a exata mesma

sorte. Os fatos ocorridos no exterior repercutirão positivamente ou negativamente sobre

as patentes brasileiras. Portanto, a patente pipeline deve ter o exato mesmo prazo que a

sua correspondente estrangeira. Em adição, não existiriam motivos de ordem pública a

ensejar o bloqueio da correção do prazo das referidas patentes.

333 BASSO, Maristela. Patentes pipeline e direitos adquiridos. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/Busca.aspx?termo=maristela%20basso&searchTerm=maristela_basso>. Acesso em: 13 de agosto de 2009. 334 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit. p. 89.

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10 CONCLUSÃO

O sistema de patentes é uma relação de barganha entre o inventor e o Estado que

concede tal direito. Em retorno pela divulgação de sua criação e do conhecimento

técnico nela compreendido, o inventor recebe do Estado um direito de exclusividade

temporário para explorar economicamente o objeto reivindicado. Esse é em linhas

gerais o mecanismo de fomento que se construiu para promover o desenvolvimento

através da tecnologia.

Como visto no capítulo 1, o trabalho do homem tem como objetivo maior obter

os meios necessários para manutenção da vida. Muito do esforço humano é concentrado

em obter os bens de que necessita, podendo esse ser de várias ordens. No entanto, sabe-

se também que as necessidades humanas são infindáveis e existe uma quantidade

limitada de bens para atender as mesmas. Surge, então, a noção de bem econômico, ou

seja, aquele que a um só tempo é útil e escasso. De acordo com Posner: o homem é um

maximizador de seus próprios meios. Em outras palavras, todo ser humano tende a

adotar um comportamento racional econômico para obter tudo o que necessita dando em

troca o mínimo do que tem em excesso. Nessa cruzada, agindo sozinho ou em

coletividade, o ser humano sempre buscou meios de obter aquilo que precisa

consumindo o mínimo de outros recursos que dispõe. Nessa linha, surge o emprego da

tecnologia, que se presta, justamente, para aumentar a oferta de um dado bem escasso

sem consumir outros tantos recursos igualmente escassos, ou seja, eficiência alocativa.

Se a técnica resolve parte do problema da escassez, ela mesma é um bem

econômico por ser útil e escassa. Pode-se dizer que dada a escassez de determinado

conhecimento técnico, menor será a oferta dos bens materiais afins. Quanto mais

abundante for o conhecimento técnico, maior e menos onerosa será a oferta dos bens

que a humanidade necessita. Além de facilitar o acesso aos bens escassos, a tecnologia

promove uma economia de recursos em escala, promovendo, portanto, o

desenvolvimento. Quanto mais conhecimento técnico disponível, mais soluções técnicas

irão surgir. Há um efeito retroalimentador.

Quem domina uma técnica tenderá a obter ganhos particulares, pois as pessoas

que necessitam de bem relacionado vão buscar obtê-lo por esse meio menos oneroso.

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No entanto, a tarefa de alcançar esse conhecimento também consome recursos

(investimento) que precisam ser repostos. Então, se por um lado a sociedade precisa

desse conhecimento para diminuir o consumo de outros recursos, o inventor precisa de

uma garantia de retorno. Na ausência de mecanismos jurídicos, há um incentivo natural

a manutenção da técnica em sigilo, o que não é socialmente desejável. Assim, surge o

sistema de patentes como mecanismo para incentivar a inovação, a disseminação do

conhecimento e propagação dos efeitos benéficos do avanço tecnológico. Como

asseverou Denis Borges Barbosa, o direito de exclusiva dá economicidade ao

conhecimento técnico. Ao conferir segurança jurídica ao inventor, o sistema de patentes

promove todos os benefícios sociais e privados acima mencionadados.

Algumas teorias justificam a concessão de direitos exclusivos: a do trabalho, da

personalidade, do plano social e utilitarista. Essa última é a que tem maior

receptividade, pois vê o sistema como aquele que melhor atinge o objetivo de

maximizar o bem-estar social, pois seria o que melhor equaciona os interesses em jogo.

Em resumo, o sistema de patentes justifica-se pelos seus benefícios dinâmicos que em

muito superam eventuais desvantagens estáticas. O Estado concedente busca a

divulgação do conhecimento para possibilitar a reprodução futura, e o inventor quer a

segurança jurídica para explorar temporariamente com exclusividade a sua criação.

As patentes pipeline envolvem uma série de produtos e processos que se

relacionam a áreas muito sensíveis, quais sejam, medicamentos e gêneros alimentícios.

Nesse trabalho, o foco estará voltado para a indústria farmacêutica.O desenvolvimento

de um medicamento consome em média 800 milhões de dólares americanos e leva,

entre as primeiras fases até a colocação no mercado, entre oito a doze anos. É um

processo muito arriscado, pois custa valores astronômicos, demora muito tempo e não

há garantia de retorno financeiro nem mesmo que o produto vai poder chegar no

mercado. Daí a importância que as patentes e a segurança jurídica do sistema tem para

essa indústria específica. Não se nega que medicamentos cobertos por patentes custam

caro, alguns não podem ser adquiridos por parcela da população, como também pesam

nas contas do Poder Público. Entretanto, esses são os efeitos estáticos. Dar mais peso a

esses efeitos tem como conseqüência desprestigiar os efeitos dinâmicos. O que precisa

ser visto é que, mesmo no presente, novos medicamentos reduzem outros custos, pois ao

serem mais eficientes que as opções terapêuticas anteriores, gastos com internações e

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retribuições previdenciárias são também diminuídos. Por conseguinte, focar nos efeitos

estáticos em detrimento dos dinâmicos na análise e implementação do sistema de

patentes pode diminuir ou até aniquilar o incentivo ao desenvolvimento de novas

drogas. Alterações no sentido de flexibilizar direitos de patente, como o prazo de

vigência, correspondem a um incentivo negativo a investigação e investimentos nessa

área, dado o custo e risco do empreendimento.

Os primeiros direitos de propriedade intelectual remontam à época do renascimento. No

entanto, com a Constituição dos Estados Unidos e a Revolução Industrial os mesmos

começaram a crescer em importância. A primeira norma brasileira sobre o tema remonta

à época da chegada da família imperial ao país. Em 1806, o Príncipe Regente, D. João

VI, promulgou uma lei concedendo privilégio aos inventores. Como é uma matéria

intimamente relacionada ao comércio, não demorou para a mesma receber atenção na

esfera internacional. O destaque fica por conta da Convenção da União de Paris que

ocorreu em 1883, instituindo uma série de princípios e regras que visam permitir que

inventores pudessem reivindicar o privilégio em todos os países-membros.

No plano internacional, o próximo grande passo aconteceu com a fundação da

OMC. Para aderir à organização, os países precisaram ratificar a integralidade do

TRIPS, parte do acordo constitutivo da organização. Esse tratado incorpora todos os

princípios da CUP e insere alguns outros. Nada obstante, sua principal característica é a

imposição de critérios mínimos de proteção que todos os países devem adotar.

Devido às pressões internacionais e a criação da OMC, o Brasil se viu forçado a

mudar a sua legislação sobre a propriedade industrial. Como cediço, o país deixou de

conferir proteção a determinados setores tecnológicos. Isso causou atritos com grandes

parceiros comerciais, que ameaçaram retaliar o país caso o quadro não fosse revertido.

Com o TRIPS, essa posição anterior não poderia mais ser mantida. Então, o Brasil

tratou de mudar o marco jurídico sobre a matéria. A LPI é resultado dessa mudança no

cenário internacional. Ela foi elaborada incorporando o padrão TRIPS, voltando a

conferir proteção aos setores tecnológicos antes negligenciados. Com a entrada em

vigor da LPI, o Brasil não utilizou a plenitude do tempo de transição permitido aos

países em desenvolvimento, pois todas as inovações do TRIPS já estavam devidamente

previstas no corpo da nova lei.

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Além de não utilizar todo o tempo que dispunha para implementar o TRIPS, o

Brasil foi além. Mesmo não havendo exigência no plano internacional, a lei brasileira

passou a permitir a formulação de pedidos de patentes de invenção para os produtos e

processos acima descritos que fossem objeto de proteção garantida em tratado ou

convenção em vigor no Brasil, desde que obedecidos os requisitos enumerados no art.

230 da referida lei. O pipeline é um dispositivo transitório que permitiu a concessão de

patentes para produtos e processos que já eram objeto de proteção no exterior - mas que

não puderam ser reivindicados no Brasil por conta da proibição anterior -, contanto que

estes não tenham sido colocados em nenhum mercado no mundo. De acordo com alguns

autores, o pipeline foi um meio de corrigir uma imperfeição anterior, dando

oportunidade de se obter proteção para aquilo que antes era vedado.

De acordo com o caput do art. 230, o mecanismo abrange tão somente

“substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as

substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e

medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou

modificação”. Comprovada a concessão da patente para o país onde foi depositado o

primeiro pedido, a patente brasileira era concedida “tal como concedida no país de

origem”, na forma do §3º do mesmo artigo. Quanto ao prazo de vigência, o §4º do art.

230 assegura “à patente concedida [...] o prazo remanescente de proteção no país onde

foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao

prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único”. O

dispositivo dá ênfase ao prazo remanescente de proteção. Portanto, pode-se entender

que o objetivo da norma é permitir que a patente pipeline expire na exata mesma data

que a sua correspondente estrangeira, contanto que não ultrapasse a data correspondente

a 20 anos contados do depósito no Brasil.

No entanto, o INPI erigiu um entendimento de que o limitador imposto pelo §4º

do art. 230 deveria ser contado a partir da data do depósito do primeiro pedido no

exterior. Em outras palavras, o termo final máximo seria a data correspondente a 20

anos contados da data do primeiro depósito do exterior, e não a data do depósito no

Brasil. Tendo em vista que o caput e o §1º do art. 230 da LPI fazem remissão ao

primeiro depósito, e a nota explicativa nº 8 do art. 33 do TRIPS permite que países que

não contem com um sistema de concessão original utilizem a data do depósito no

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sistema original como referencial, o INPI construiu uma interpretação de que a intenção

do legislador brasileiro foi limitar o termo final da patente pipeline a 20 anos contados

do depósito no país de origem da patente revalidada.

Sustenta o INPI que a partir do primeiro depósito, a invenção deixou de ser

nova, o titular pode exercer o direito de prioridade em outros países e pode impedir

terceiros de utilizarem a invenção reivindicada. Portanto, o limitador da patente pipeline

deve ser contado a partir desse primeiro depósito. A autarquia aplicou a sua versão do

limitador a todas as patentes pipeline, fazendo com que muitas patentes dessa

modalidade expirassem em data anterior que as respectivas patentes-base estrangeiras.

O emprego dessa interpretação levou muitos titulares a buscarem a correção de tais

patentes perante o Poder Judiciário, alegando que o INPI não deu às patentes pipeline a

duração assegurada em lei.

Da análise desse contencioso, percebe-se que, além de sustentar a interpretação

do limitador, o INPI também alega que seria impossível conceder as correções

pleiteadas, pois as diferentes formas de contagem do prazo e duração das patentes

estrangeiras seriam incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro. Esse segundo

argumento é enfatizado especialmente nos casos onde o privilégio estrangeiro foi objeto

de extensão. A pesquisa demonstrou que a interpretação do INPI não encontra amparo

na lei que regula esse mecanismo especial de revalidação de patentes.

O §4º do art. 230 da LPI tem a intenção de assegurar as patentes pipeline o prazo

remanescente de proteção da patente revalidada. Ou seja, a patente nacional deve

expirar na exata mesma data que a patente estrangeira. Essa regra deve ser observada

para a interpretação daquilo que fizer referência à duração dessas patentes.

Por certo, houve um cuidado de impedir que diferenças intoleráveis de duração

não repercutissem de modo negativo no país. Portanto, o próprio §4º do art. 230 impõe

um limitador, que tem por base a duração de uma patente regular. De acordo como o

dispositivo, o termo final de uma patente pipeline está limitado na forma do art. 40 da

LPI. Uma patente regular brasileira expira na data correspondente a 20 anos contados do

depósito do pedido no Brasil que foi efetivamente concedido, mesmo quando derivada

do direito de prioridade. Se o art. 40 determina que o termo final da patente regular é

contado do depósito no Brasil, não seria correto contar da data do primeiro depósito no

exterior para as patentes pipeline. Outra interpretação negaria vigência ao §4º do art.

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230 da LPI. Também foi demonstrado que os motivos pelos quais a interpretação do

INPI seria inconsistente. Elementos da doutrina informam que a autarquia supervaloriza

os reais efeitos do primeiro depósito.

Não procede a alegação de que o limitador deve ser contado do primeiro

depósito, por que a partir desse momento a invenção deixaria de ser nova. A data do

primeiro depósito serve, em linhas gerais, como marco temporal para aferição do

requisito da novidade face o estado da técnica constituído anteriormente. Tanto os

tratados internacionais e a lei brasileira não condicionam a duração de uma patente ao

marco temporal que estabelece o estado da técnica. Não há uma conexão direta entre

novidade e duração. O art. 4 bis (5) da CUP determina que uma patente deva ter duração

igual a que teria se não fosse obtida através do direito de prioridade. De outro lado, o

art. 33 do TRIPS estabelece é que o prazo de uma patente regular não deve expirar em

data anterior a 20 anos contados da data do depósito. Pela conjugação dos mesmos

chega-se a conclusão de que não há uma relação direta entre termo final mínimo

(duração) e data de ingresso no estado da técnica.

Pelo mesmo motivo acima, também não parece correto o argumento de que o

limitador deveria ser contado do primeiro depósito uma vez que dali nasceu o direito de

prioridade. Direito de prioridade é direito de pedir patente e ter a novidade analisada à

luz do estado da técnica constituído na data do depósito reivindicado.

Também não é correta a afirmação de que desde o primeiro pedido o titular pode

excluir terceiros da utilização da invenção reivindicada. Existe uma nítida diferença

entre o direito de pedir patente, o direito ao pedido de patente e os direitos exclusivos

conferidos pela patente. Esses últimos só nascem para o titular quando a patente é

concedida. Eles podem retroagir a alguma data anterior, mas isso varia de acordo com

cada sistema nacional, e não podem atingir data anterior ao pedido que originou a

patente. Do contrário seria reconhecer direitos antes mesmo do titular exercer o ato de

pedir pelos mesmos. No caso das patentes pipeline isso afrontaria também o princípio

da territorialidade, pois conferiria no Brasil direito limitado ao território de outro país.

Igualmente, não parece merecer acolhida o argumento de que seria aplicável a

nota explicativa nº 8 do art. 33 do TRIPS que diz: “Entende-se que aqueles membros

que não dispõem de um sistema de concessão original podem dispor que o termo de

proteção será contado a partir da data de depósito no sistema de concessão origina”.

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Esse argumento é inconsistente, pois nega a existência de um sistema de patentes com

mais de 200 anos, ou permite a conclusão de que o país não fazia exame de patente

antes da LPI, bastando-se a revalidar patentes estrangeiras, o que não é verdade.

Comentadores explicitaram que essa nota só é aplicável um grupo determinado de

países onde os pedidos de patentes não são examinados, apenas os revalidam, fato que

não ocorre no Brasil. Ademais, ainda que fosse aplicável em tese, a LPI teria a

revogado, pois dispôs de forma diferente. Ainda quanto à aplicação de tal nota

explicativa, compete lembrar que a autarquia sustenta a não aplicabilidade do TRIPS,

como argumento nas ações judiciais que visam estender as patentes concedidas sob a

égide da Lei 5.2771//72 de 15 para 20 anos. Por maioria de razão, se o TRIPS não é

auto-aplicável para esses casos, também não o deve ser para as patentes pipeline.

Além dos argumentos anteriormente expendidos, o INPI sustenta que as

correções pleiteadas pelos titulares não poderiam ser concedidas, pois as formas de

contagem e duração da vigência das patentes estrangeiras seriam incompatíveis com o

ordenamento jurídico brasileiro. A autarquia sustenta que a duração de algumas patentes

estrangeiras seria superior àquela conferida pela lei brasileira, sendo, portanto,

conflitante. Isso ocorre, principalmente, quanto às patentes norte-americanas, européias,

e aquelas que foram objeto de extensão.

Quanto as patentes norte-americanas, antes da implementação do TRIPS naquele

país, em 8 de junho de 1995, as patentes tinham duração de 17 anos contados da

concessão da patente. O termo inicial ocorria na data de concessão e o termo final

ocorria 17 anos contados da data de concessão. Antes do termo a quo, o titular não

dispunha de qualquer direito exclusivo. Durante o período de transição do TRIPS, a lei

local erigiu um sistema onde o termo final seria o maior entre 20 anos contados do

primeiro pedido depositado nos Estados Unidos ou 17 da concessão, ficando mantido o

termo inicial na data de concessão. Note-se que a duração só seria maior que 17 anos se

o processamento administrativo levasse menos de 3 anos. Atualmente, a exclusividade

continua a iniciar na data de concessão, mas estende-se até a data correspondente a 20

anos contados da data do depósito do primeiro pedido nos Estados Unidos. Valendo

dizer que a duração nunca será de vinte anos (salvo caso de extensão).

Nenhum dos três modelos americanos chega a ter 20 anos de duração (período

que o titular pode exercer a sua exclusividade). Ou seja, a duração de uma patente

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regular brasileira é maior do que uma patente americana regular concedida em qualquer

um dos três regimes. Por conseguinte, não cabe dizer que o sistema norte-americano é

incompatível com o brasileiro, uma vez que este último confere à patente duração

superior. Inclusive, tratando especificamente sobre uma patente norte-americana, o

Ministro Castro Filho disse, no acórdão referente ao REsp 445.712/RJ, não haver

qualquer ilegalidade em se conceder a patente brasileira com o prazo de vigência

idêntico ao norte-americano.

Há também a crítica aos institutos dos pedidos em continuação norte-americanos

(continuation e continuation-in-part), obtido através de uma espécie de prioridade

doméstica. No entanto, a mesma também não procede. Ao contrário do que o INPI

alega, não há uma verdadeira incompatibilidade com o sistema jurídico nacional, pois o

art. 17 da LPI permite a prioridade doméstica que funciona em moldes muito próximos

aos institutos norte-americanos aludidos acima. Nos termos da lei brasileira, o titular

pode depositar um pedido de patente no Brasil e, cumpridos os requisitos ali instituídos,

abandoná-lo em benefício de pedido posterior. Caso este segundo pedido seja

concedido, o prazo de proteção da patente, correspondendo à regra do art. 40 da LPI,

terá duração de 20 anos, mas poderá ter seu terno final até 21 anos após o depósito do

primeiro pedido.

Ainda nesse tocante, é importante notar que a duração da patente brasileira

derivada de prioridade interna não é de 21 anos, mas, sim, de 20 do depósito que

efetivamente foi convertido em patente. Não há qualquer proteção no período

compreendido entre o primeiro depósito e o segundo que gerou a patente. De forma

muito parecida, ocorre com os institutos americanos. Naquele país a proteção só começa

na data em que a patente é concedida, não alcançando qualquer data anterior. A

prioridade interna brasileira é muito próxima a dos institutos norte-americanos. A norma

nacional apenas difere quanto ao limite de pedidos que reivindiquem a prioridade

doméstica. Não se pode, portanto, alegar que há uma incompatibilidade com o sistema

nacional.

Há também a crítica às patentes européias. Algumas dessas patentes são

concedidas através do direito de prioridade. Portanto, o INPI alega que as mesmas

gozam de duração superior a permitida pela lei brasileira, repetindo os argumentos que

usa para o limitador. Nesse sentido, reportamos o leitor para o que foi dito

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anteriormente. Sobre as patentes européias, como todas as outras obtidas através do

direito de prioridade, o que importa é o comando legal que determina que uma patente

pipeline seja concedida tal como concedida no país de origem. Desta feita, é a patente

efetivamente concedida que deve ser considerada para a revalidação e duração e não a

mera obtenção de uma posição de prioridade. Em vista do exposto, não procedem as

razões apresentadas pelo INPI para tentar barrar a correção de patentes pipeline

concedidas nessas bases.

Outro tipo de correção que o INPI visa barrar é aquela derivada da extensão do

privilégio no país de origem. Como cediço, alguns países devolvem aos titulares o

tempo de exclusividade não usufruído em função da exigência de obtenção de

autorização para comercialização (revisão regulatória). Sustenta-se que a extensão de

patentes não é prevista na legislação nacional, como também não teria natureza de

patente.

O tempo de exclusividade é a retribuição que o inventor recebe pela divulgação

de sua criação. Se o próprio poder concedente que impede a comercialização do produto

objeto de patente em função de revisão regulatória imposta devolve ao titular o tempo

de exclusividade perdido, essa extensão tem a mesma natureza que patente. Como

algumas vozes da doutrina informam, trata-se de um medida de recomposição da vida

efetiva do direito de patente. Ou seja, a extensão tem natureza de patente.

Também não se pode dizer que no Brasil não exista extensão de patentes. O

parágrafo único do art. 40 da LPI diz que uma patente não expirará antes de 10 anos

contados de sua concessão. Isso quer dizer que a demora no processamento do pedido

perante o INPI será recompensada com a extensão da exclusividade. Note-se, entretanto,

que isso ocorrerá mesmo nos casos onde o titular não esteja impedido de comercializar

o objeto da invenção por exigência de revisão regulatória pelo poder público. Por essa

regra, a patente é estendida mesmo quando o titular sempre pode comercializar o

produto.

A patente pipeline é plenamente vinculada à patente-base estrangeira, devendo

seguir a exata mesma sorte. Isso é o que o informa o §3º do art. 230 ao estipular que a

patente pipeline será concedida “tal como” no país do primeiro pedido e o §4º ao

determinar a vinculação ao prazo remanescente. Negar essa característica importaria em

conferir caráter de patente regular àquela que é excepcional. Assim sendo, tudo que

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modificar para bem ou para mal a patente estrangeira, deve repercutir na pipeline

brasileira. As correções pleiteadas só não devem ser concedidas, caso as mesmas

ofendam a ordem pública brasileira. No entanto, conforme restou comprovado as

correções buscadas são compatíveis com a LPI, sendo que diferenças entre lei nacional

e estrangeira não podem ser consideradas como ofensa a ordem pública.

Em vista do exposto, de acordo com o §4º do art. 230 da LPI, uma patente

pipeline deve expirar na exata mesma data que a sua correspondente estrangeira,

contanto que o termo final não ultrapasse a data correspondente a 20 anos contados da

data do depósito no Brasil, e as correções postuladas pelos titulares são compatíveis

com o ordenamento jurídico nacional, devendo as mesmas ser implementadas.

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