O príncipe dos Barris

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André Cupolo, ex-boy e dono de um clube de sexo nos Barris, fala sobre seus ofícios e a cena gay soteropolitana LUIS FERNANDO LISBOA VERENA PARANHOS A bandeira colorida na porta de uma discreta casa nos Barris faz pen- sar que ali há algo ou alguém que não merece passar despercebido. As suspeitas são constatadas ao entrarmos e conhecermos An- dré Cupolo, que, desde criança, já se diferenciava por seu sonho diferente. Aos 11 anos, Cupolo já sabia que queria ser prosti- tuto. Apesar de suas irmãs dize- rem que isso não era profissão e chamarem-no de louco, ele argumentava: “Não é para a sua mentalidade religiosa!”. Cupolo chegou a ser eleito o dono do abdômen mais bo- nito de Salvador e foi campeão de fisi-culturismo. Talvez não soubesse que estava dando os primeiros passos para a realiza- ção do seu sonho. Quando tinha 18 anos, numa aca- demia de ginástica, foi convidado para fazer o primeiro show como stripper. “Do strip-tease veio a prostituição e de- pois todo o resto”, conta. Hoje, aos 41 anos, após ter vivido muito tempo na Europa como garoto de programa e strip- per, é dono de um clube de sexo para gays em Salvador. A idéia do clube, localizado nos Barris, veio, diz, para suprir uma carência do merca- do gay soteropoli- tano, oferecendo coisas que aqui não existiam, como o sistema de dark room e cabines. Ao criar o clube, Cupolo dei- xou de se prostituir, mas não perdeu o contato com garotos de programa. Passou a ser usuário assíduo do “produto” que ele mesmo vendia, talvez pelo fato de ser sexualmente compulsi- vo, como ele mesmo diz. “Se o boy me interessar, eu pago. Di- nheiro pra mim não é problema. Prefiro ter um bom serviço que uma chateação”. Dono de opini- ões polêmicas, Cupolo é radical quanto à sua opção sexual: “Se você disser: ‘Vamos sair com uma mulher’, eu dou um tiro na testa dela. Eu odeio mulher.” Diz que não teria relações sexuais com uma mulher nem que “Tom Cruise dissesse: ‘Só vou com você, se você for com ela.’” Um dos casos que contou, entre gargalhadas, gestos e pi- ruetas, foi o de quando contra- tou um garoto de programa que anunciava num jornal: “Deus Grego, loiro, 22 cm, ativo”. A primeira coisa que disse quan- do viu o boy foi: “Eu acho que você deveria mudar seu perfil, porque de Deus grego você não tem nada, nem os 22 cm”. Na hora da “pegação”, o rapaz não se mostrou ativo e Cupolo o es- crachou de vez: “Nós acertamos uma coisa ao telefone, mas você não está correspondendo. Saia daqui agora, não vou te dar nada, nem o dinheiro do transporte”. Mas o divertimento sexual do ex-boy não se limita a garotos de programa. Ele diz que “cansa” de cantar homens heterosse- xuais em qualquer lugar e julga seu método como agressivo. “Quando o cara me interessa, digo: ‘Nossa, que pedaço de mau caminho’, como qualquer outra pessoa diria. Ele pode até me dar um murro, mas eu canto.” Geral- mente, a primeira resposta ob- tida é: “Eu tenho mulher.” Mas Cupolo retruca: “Não foi essa a pergunta que fiz. Eu não me interesso por sua mulher. Tenho interesse é em você.” Durante sua trajetória como boy, André Cupolo teve que fazer a barba, malhar, escovar os cabelos mais do que qualquer outro homem, pois sua profissão exigia. Para ele, o pior problema de ser prostituto é ter que man- ter o “produto”. “Estar sempre arrumado é um stress”, conta. Entretanto, diz orgulhoso se diferenciar dos outros por sem- pre ter trabalhado em high level : ter etiqueta, saber se aproximar dos clientes, entregar cartões, etc. “Eu não conversava sobre coisas profissionais em festas, mas discretamente ia ao ba- nheiro, retocar a maquiagem”, revela sua estratégia. Ele se gaba de sempre ter sido profissional: enquanto os prostitutos daqui cobravam 50 reais, ele cobrava 400. Assim, economizou para abrir o clube. O “Príncipe dos Barris” não perde a oportunidade de tentar mostrar o quanto aprendeu na Europa: a maioridade na Rús- sia é de 14 anos, a prostituição na Suiça é tributada. Mas res- salta que se sentiu um analfabe- to quando passou a frequentar bares e clubes europeus, pois só falava um pouco de inglês (se- gundo ele, português não conta), enquanto os outros prostitutos falavam três ou quatro idiomas. Hoje, se gaba de falar alemão, francês e inglês e defende que um boy pode ter mais habili- dades que aspirantes a jornalis- tas, como nós, que só arranham no inglês. Cupolo parece bastante mar- cado pelo preconceito de uma sociedade religiosa e a critica ferrenhamente. “Só na cabeça de gente hipócrita que prostitui- ção é ilegal e ilícita”. Para ele, a cultura brasileira não se adequa ao talento das pessoas: “Por que é melhor fazer faculdade de Di - reito se o meu talento é outro?”, questiona. O ex-boy trata ativi- dade e passividade, outro ponto polêmico na seara da prostitui- ção masculina, com naturalidade semelhante, dizendo que esses conceitos são coisas da Igreja. “Não tem nada a ver quem ‘dá’ e quem ‘come’, nem com a sexua- lidade”. Para ele, cada um deve- ria ter liberdade de escolher se quer sair com um travesti, um boy ou uma mulher. “Cada um pode escolher o prato que come. Um dia você come caviar, no outro come bacalhau”.

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André Cupolo, ex-boy e dono de um clube de sexo nos Barris, fala sobre seus ofícios e a cena gay soteropolitanaEm parceria com Luis Fernando LisboaJornal da Facom, nº 21, agosto de 2009

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� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � ! "André Cupolo, ex-boy e dono de um clube de sexo nos Barris, fala sobre seus ofícios e a cena gay soteropolitana

LUIS FERNANDO LISBOA

VERENA PARANHOS

A bandeira colorida na

porta de uma discreta

casa nos Barris faz pen-

sar que ali há algo ou alguém que

não merece passar despercebido.

As suspeitas são constatadas ao

entrarmos e conhecermos An-

dré Cupolo, que, desde criança,

já se diferenciava por seu sonho

diferente. Aos 11 anos, Cupolo

já sabia que queria ser prosti-

tuto. Apesar de suas irmãs dize-

rem que isso não era profissão

e chamarem-no de louco, ele

argumentava: “Não é para a sua

mentalidade religiosa!”.

Cupolo chegou a ser eleito

o dono do abdômen mais bo-

nito de Salvador e foi campeão

de fisi-culturismo. Talvez não

soubesse que estava dando os

primeiros passos para a realiza-

ção do seu sonho. Quando tinha

18 anos, numa aca-

demia de ginástica,

foi convidado para

fazer o primeiro

show como stripper.

“Do strip-tease veio

a prostituição e de-

pois todo o resto”,

conta. Hoje, aos

41 anos, após

ter vivido muito

tempo na Europa

como garoto de

programa e strip-

per, é dono de um

clube de sexo para

gays em Salvador.

A idéia do clube,

localizado nos

Barris, veio, diz,

para suprir uma

carência do merca-

do gay soteropoli-

tano, oferecendo coisas que aqui

não existiam, como o sistema de

dark room e cabines.

Ao criar o clube, Cupolo dei-

xou de se prostituir, mas não

perdeu o contato com garotos de

programa. Passou a ser usuário

assíduo do “produto” que ele

mesmo vendia, talvez pelo fato

de ser sexualmente compulsi-

vo, como ele mesmo diz. “Se o

boy me interessar, eu pago. Di-

nheiro pra mim não é problema.

Prefiro ter um bom serviço que

uma chateação”. Dono de opini-

ões polêmicas, Cupolo é radical

quanto à sua opção sexual: “Se

você disser: ‘Vamos sair com

uma mulher’, eu dou um tiro na

testa dela. Eu odeio mulher.” Diz

que não teria relações sexuais

com uma mulher nem que “Tom

Cruise dissesse: ‘Só vou com

você, se você for com ela.’”

Um dos casos que contou,

entre gargalhadas, gestos e pi-

ruetas, foi o de quando contra-

tou um garoto de programa que

anunciava num jornal: “Deus

Grego, loiro, 22 cm, ativo”. A

primeira coisa que disse quan-

do viu o boy foi: “Eu acho que

você deveria mudar seu perfil,

porque de Deus grego você não

tem nada, nem os 22 cm”. Na

hora da “pegação”, o rapaz não

se mostrou ativo e Cupolo o es-

crachou de vez: “Nós acertamos

uma coisa ao telefone, mas você

não está correspondendo. Saia

daqui agora, não vou te dar nada,

nem o dinheiro do transporte”.

Mas o divertimento sexual do

ex-boy não se limita a garotos de

programa. Ele diz que “cansa”

de cantar homens heterosse-

xuais em qualquer lugar e julga

seu método como agressivo.

“Quando o cara me interessa,

digo: ‘Nossa, que pedaço de mau

caminho’, como qualquer outra

pessoa diria. Ele pode até me dar

um murro, mas eu canto.” Geral-

mente, a primeira resposta ob-

tida é: “Eu tenho mulher.” Mas

Cupolo retruca: “Não foi essa

a pergunta que fiz. Eu não me

interesso por sua mulher. Tenho

interesse é em você.”

Durante sua trajetória como

boy, André Cupolo teve que

fazer a barba, malhar, escovar

os cabelos mais do que qualquer

outro homem, pois sua profissão

exigia. Para ele, o pior problema

de ser prostituto é ter que man-

ter o “produto”. “Estar sempre

arrumado é um stress”, conta.

Entretanto, diz orgulhoso se

diferenciar dos outros por sem-

pre ter trabalhado em high level:

ter etiqueta, saber se aproximar

dos clientes, entregar cartões,

etc. “Eu não conversava sobre

coisas profissionais em festas,

mas discretamente ia ao ba-

nheiro, retocar a maquiagem”,

revela sua estratégia. Ele se gaba

de sempre ter sido profissional:

enquanto os prostitutos daqui

cobravam 50 reais, ele cobrava

400. Assim, economizou para

abrir o clube.

O “Príncipe dos Barris” não

perde a oportunidade de tentar

mostrar o quanto aprendeu na

Europa: a maioridade na Rús-

sia é de 14 anos, a prostituição

na Suiça é tributada. Mas res-

salta que se sentiu um analfabe-

to quando passou a frequentar

bares e clubes europeus, pois só

falava um pouco de inglês (se-

gundo ele, português não conta),

enquanto os outros prostitutos

falavam três ou quatro idiomas.

Hoje, se gaba de falar alemão,

francês e inglês e defende que

um boy pode ter mais habili-

dades que aspirantes a jornalis-

tas, como nós, que só arranham

no inglês.

Cupolo parece bastante mar-

cado pelo preconceito de uma

sociedade religiosa e a critica

ferrenhamente. “Só na cabeça

de gente hipócrita que prostitui-

ção é ilegal e ilícita”. Para ele, a

cultura brasileira não se adequa

ao talento das pessoas: “Por que

é melhor fazer faculdade de Di-

reito se o meu talento é outro?”,

questiona. O ex-boy trata ativi-

dade e passividade, outro ponto

polêmico na seara da prostitui-

ção masculina, com naturalidade

semelhante, dizendo que esses

conceitos são coisas da Igreja.

“Não tem nada a ver quem ‘dá’ e

quem ‘come’, nem com a sexua-

lidade”. Para ele, cada um deve-

ria ter liberdade de escolher se

quer sair com um travesti, um

boy ou uma mulher. “Cada um

pode escolher o prato que come.

Um dia você come caviar, no

outro come bacalhau”.

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