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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LEONARDO FÁBIO CONTIN DA COSTA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA Biguaçu 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

LEONARDO FÁBIO CONTIN DA COSTA

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA

Biguaçu

2009

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LEONARDO FÁBIO CONTIN DA COSTA

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu.

Orientador: Prof. MSc. Moacir José Serpa

Biguaçu 2009

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LEONARDO FÁBIO CONTIN DA COSTA

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Privado

Biguaçu, 16 de junho de 2009.

Prof. MSc. Moacir José Serpa UNIVALI – Campus Biguaçu

Orientador

Prof. MSc. Dino Adalberto Krieger Filho UNIVALI – Campus Biguaçu

Membro

Prof. Maria Helena Ferreira Fonseca UFSC

Membro

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Dedico este trabalho à minha família,

por ser minha fortaleza, meu amparo e meu suporte em todas as horas.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais, por todo o apoio, dedicação e paciência.

Ao Professor Moacir José Serpa, que me socorreu muitas vezes em seu

horário de descanso.

Aos meus colegas de trabalho e Universidade, que contribuíram para o

desenvolvimento do meu raciocínio e de meu aprendizado, especialmente aos

colegas Anabel Pereira, Maria Tereza Körbes, Miliane Mery Luchetta, Monique

Pítsica, Rogers Carlos Martins, Gabriela Maykot Testa, Jairo Hélio de Souza Filho,

Josiani Della Giustina e Karin Alessandra Capelletti.

Aos meus amigos e irmãos da Juventude Franciscana.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 16 de junho de 2009.

Leonardo Fábio Contin da Costa

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RESUMO

COSTA, Leonardo Fábio Contin da. O princípio da legalidade frente ao corte de energia elétrica. 2009. 78 f. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em Direito – Habilitação em Bacharelado) – Universidade do Vale do Itajaí, Biguaçu, 2009. A presente monografia tem por objetivo analisar o posicionamento da doutrina e dos Tribunais de Justiça Estaduais, bem como do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a respeito da legalidade ou ilegalidade na suspensão do fornecimento de energia elétrica a consumidores inadimplentes. Para tanto, apresenta, inicialmente, o histórico e o conceito de Princípio da Legalidade, de forma a demonstrar que todo e qualquer agente a serviço da Administração Pública deve ter seus atos pautados na legislação. Aponta, ainda, onde está regulamentada a matéria acerca da suspensão do fornecimento de energia. Em contrapartida, traz à voga opinião contrária à suspensão do fornecimento a consumidor inadimplente, baseada no Princípio da Continuidade do Serviço Público e no Código de Defesa do Consumidor, que compreendem não ser correta a suspensão no fornecimento de energia elétrica a consumidor inadimplente, por considerarem ser esta uma forma de coação, tendo as concessionárias de energia outros meios para procederem a cobrança da dívida. Ainda neste sentido, são apresentados conceitos e orientações acerca da atuação das concessionárias de energia e das agências reguladoras – no caso, com especial destaque à agência reguladora do setor elétrico no Brasil. Por fim, traz à baila jurisprudências diversas com o intuito de demonstrar a divergência de opiniões entre Tribunais, tratando da legalidade ou da ilegalidade na suspensão do fornecimento de energia elétrica. O método de abordagem utilizado nesta pesquisa será o dedutivo, partindo-se do geral para o específico.

Palavras-chave: Suspensão. Fornecimento. Energia elétrica.

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ABSTRACT

COSTA, Leonardo Fábio Contin da. The legality principle in front of the electric power cut. 2009. 78 p. Monograph (Graduation in Law School) - University of the Itajaí‟s Valley, Biguaçu, 2009.

The present monograph work has the aim of analyzing the doctrine and the States Tribunals of Justice, as well as the Eminent Superior Tribunal of Justice positioning, regarding the legality or the illegality in the suspension of the electric power supply to defaulters consumers. It presents initially, the history and the concept of the Legality Principle, in way to demonstrate that all and any agent in the Public Administration service should have your acts ruled by the legislation. It is also addressed where the issue is regulated concerning the suspension of the energy supply. In addition, it is highlighted the issue of the contrary opinion to the suspension of the defaulter consumer supply, based at the Continuity of the Public Service Principle and in the Consumer Defense Code. These legal documents understand not to be correct the suspension of the electric power supply to the defaulter consumer. It is consider being a form of coercion, mainly because the energy concessionary has other means to proceed the collection of the debt. In this sense, concepts and orientations are presented concerning the performance of the energy concessionary and the regulatory agencies - in the case, with special prominence to the Brazilian electric sector regulatory agency. Finally, this work addresses several jurisprudences, with the intention of demonstrating the divergence of opinions among Tribunals about the legality or the illegality in the suspension of the electric power supply. The deductive method was used in this research, from a general to a specific approach.

Key-words: Suspension. Supply. Electric power.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

Art. – Artigo

CDC – Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

STJ – Superior Tribunal de Justiça

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ROL DE CATEGORIAS

Energia:

“Embora controvertido, há quem entenda que a energia é coisa móvel material,

passível de furto”.

(SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 21. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense, 2003. p. 307)

Inadimplente:

“Designa o devedor, contratante ou estipulante que não cumpriu a obrigação

convencionada dentro do prazo ou nas condições contratadas”.

(SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 21. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense, 2003. p. 419)

Concessionário:

“Denominação que se dá à pessoa ou empresa, a quem se confere a concessão.

Quando a concessão outorgada o é em caráter administrativo ou para serviço

público ou de utilidade pública, o concessionário se mostra um delegado do poder

público, em virtude do que frui as regalias que a este são conferidas, e age como

mandatário dele nos limites do mandato recebido, isto é, dentro do objeto da

concessão, de modo que exorbita de seu mandato se atua fora dos direitos e

poderes que lhe foram outorgados”.

(SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 21. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense, 2003. p. 192)

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SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................................................7

ABSTRACT..................................................................................................................8

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONSTITUIÇÕES DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.........................................................................................13

1.1 Histórico e evolução do Princípio da Legalidade nas Constituições do Brasil.....13

1.2 Conceito de Legalidade........................................................................................20

1.3 O Princípio da Legalidade na CRFB/88...............................................................23

1.4 Previsão legal para o corte de energia elétrica....................................................27

2 O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO E AS

CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA.........................................................................31

2.1 Conceito de Princípio da Continuidade do Serviço Público.................................31

2.2 Concessionárias de serviços públicos..................................................................34

2.3 Agência Reguladora do setor energético (ANEEL)..............................................41

3 O CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA E A JURISPRUDÊNCIA...............................50

3.1 Tribunais de Justiça do Sul do Brasil...................................................................50

3.2 Tribunais de Justiça de outras regiões do Brasil..................................................59

3.3 Superior Tribunal de Justiça.................................................................................67

CONCLUSÃO............................................................................................................74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................76

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como tema a suspensão do fornecimento de energia

elétrica ao consumidor inadimplente, procedimento conhecido popularmente como

corte de energia. Objetivamente, visa estudar como vem se posicionando a doutrina

e a jurisprudência pátria a respeito da legalidade, ou da ilegalidade do procedimento

do corte de energia elétrica. É, pois, um assunto polêmico e muito discutido no

âmbito dos Direitos Constitucional e Administrativo e, ainda, nas decisões do

Tribunal de Justiça de diversos Estados da Federação e do Superior Tribunal de

Justiça.

O presente trabalho monográfico, que tem como tema o Princípio da

Legalidade frente ao corte de energia elétrica, é resultado da união de pesquisas

doutrinárias e jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça de diversos Estados do

Brasil e do Superior Tribunal de Justiça, com a utilização da legislação

infraconstitucional e constitucional brasileira e objetiva demonstrar as variedades de

interpretações sobre um mesmo tema.

O método de abordagem utilizado é o dedutivo de procedimento

monográfico, e a técnica de pesquisa é a documentação indireta, abrangendo a

pesquisa bibliográfica de fontes secundárias, encontradas em publicações avulsas,

sites especializados e doutrinas.

A monografia ora apresentada está distribuída em três capítulos:

Inicia-se o primeiro capítulo tratando do Princípio da Legalidade e sua

origem histórica, bem como a evolução deste Princípio nas Constituições Brasileiras.

Aborda também, o conceito de Legalidade, a presença deste Princípio na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como, a previsão legal

para o corte de energia elétrica.

No segundo capítulo, trata-se do conceito de Princípio da Continuidade

do Serviço Público, e, em um segundo momento, aborda a respeito das atribuições e

funções das concessionárias de serviço público, em especial, as de fornecimento de

energia elétrica, e, por fim, a função reguladora e fiscalizadora das Agências de

Regulação, com destaque à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL.

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Quanto ao terceiro e último capítulo é dedicado à análise das

disposições jurisprudenciais a respeito do tema. Num primeiro momento são

analisadas jurisprudências dos Tribunais de Justiça dos Estados da Região Sul do

Brasil, partindo, num segundo momento, para as divergências encontradas em

decisões de Tribunais dos demais Estados da Nação. Não obstante, far-se-á, ainda,

uma análise de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, procurando

demonstrar, da mesma forma, a discrepância de idéias sobre o tema abordado.

Destaca-se que, por se tratar de um trabalho de cunho acadêmico, o

autor não pretende, neste trabalho, esgotar o assunto, mesmo porque se trata de

conteúdo dinâmico e que, a cada instante, novos rumos podem ser tomados no que

se refere à legalidade – ou ilegalidade – do corte de energia elétrica.

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CAPÍTULO 1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONSTITUIÇÕES

DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

O primeiro capítulo deste trabalho visa desenvolver um breve histórico

do Princípio da Legalidade, em especial, no ordenamento jurídico brasileiro e nas

Constituições da República Federativa do Brasil (CRFB/88). A legalidade deve ser

pormenorizada tendo em vista que é um dos argumentos dos juristas que defendem

a suspensão do fornecimento de energia elétrica diante do inadimplemento por parte

do consumidor.

Sendo assim, apresentar-se-á o conceito do referido princípio,

utilizando como base, doutrinadores de Direito Constitucional e Administrativo.

Por fim, demonstrar-se-á sua previsão legal na CRFB/88, bem como na

legislação pertinente à matéria tratada.

1.1 Histórico e evolução do Princípio da Legalidade nas Constituições do

Brasil

O ordenamento jurídico, via de regra, deve ter como base fundamental

para sua atuação os princípios do Direito, pois são eles que ditam a maneira como

devem ser interpretadas as leis e as normas. Um operador do mundo jurídico que

não está atento aos princípios que norteiam sua atividade, não saberá dar a devida

interpretação às teorias que estiver defendendo.

Corroborando com tal entendimento, Nunes1 afirma que “os princípios

situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e

abstrata”. E, complementando, destaca que eles são “verdadeiras vigas-mestras,

alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico”. E finaliza, dizendo que

1 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.

182.

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“nenhuma interpretação será havida por jurídica se atritar com um princípio

constitucional” 2.

Os princípios devem ser para o operador do Direito, verdades

incontestes, sem exceção, que devem ser seguidas à risca, sob pena de não aplicar

a melhor forma de justiça. Os princípios são o “mandamento nuclear de um sistema

(...), disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes

o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência”,

conforme define Bandeira de Mello3.

Bonavides4 considera que “os princípios espargem claridade sobre o

entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no

interior de um sistema de normas”.

Em outro norte, Medauar5 estabelece que os princípios têm muita

importância no direito administrativo, pelo fato de auxiliarem “na compreensão e

consolidação de seus institutos”. E acrescenta que, na área do direito administrativo,

“muitas normas são editadas em vista de circunstâncias de momento, resultando em

multiplicidade de textos, sem reunião sistemática”. Os princípios surgem justamente

para solucionar casos não previstos, bem como para permitir uma melhor

interpretação dos textos esparsos.

Bonavides6 divide a juridicidade dos princípios em três fases: a

jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. Acerca da primeira, a mais antiga,

descreve que “os princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e sua

normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta com o reconhecimento de

sua dimensão ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça”.

Já na fase juspositivista, Bonavides7 compreende que os princípios já

estão entrando nos Códigos “e não como algo que se sobrepusesse à lei, ou lhe

fosse anterior”.

2 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. p. 188-189.

3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22. ed. rev. e atual. (até a Emenda

Constitucional n. 53, de 19.12.2006). São Paulo: Malheiros, 2007. p. 922-923. 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. Atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 259.

5 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2006. p. 122. 6 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 259.

7 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 262.

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15

E, por fim, na fase do pós-positivismo, “os princípios passam a ser

tratados como direito” e correspondem aos “grandes momentos constituintes das

últimas décadas do século XX” 8.

Dentre os princípios existentes no ordenamento jurídico, um de grande

relevância é o Princípio da Legalidade para aqueles que atuam junto à

administração pública, tema do presente trabalho, seja ela direta ou indireta, eis que,

de acordo com Lopes Meirelles9, tal princípio está entre os “fundamentos da ação

administrativa”.

A formação do Direito Administrativo, como ramo autônomo, ganhou

impulso em decorrência do desenvolvimento da noção de Estado de Direito e do

Princípio da Legalidade, no final do século XVIII e começo do século XIX10. Tal

princípio, da forma como é hoje interpretado, tem suas origens ligadas à concepção

da filosofia do movimento liberal na Europa, tendo surgido “como conseqüência de

uma luta política reveladora do triunfo do parlamento britânico sobre as restantes

instituições políticas”11.

Dentre as cartas e estatutos ingleses que fizeram parte deste momento

histórico para os britânicos, é possível citar a Magna Carta (1215-1225), a Petition of

rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688). Em

relação a estes textos, Afonso da Silva12 compreende que “não são (...) declarações

de direitos no sentido moderno, que só apareceram no século XVIII com as

Revoluções americana e francesa”, mas que, em verdade, “condicionaram a

formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos

fundamentais”.

Afonso da Silva13 ainda explica que a “primeira declaração de direitos

fundamentais, em sentido moderno, foi a Declaração de Direitos do Bom Povo de

Virgínia, que era uma das treze colônias inglesas na América”, de 1776 e continha

influência de grandes filósofos, como John Locke (1632-1704), Jean-Jacques

Rousseau (1712-1778) e Charles de Montesquieu (1689-1755).

8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 264.

9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 87.

10 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 1-2.

11 OTERO, Paulo. A legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juricidade.

Coimbra (Portugal): Edições Almedina, 2007. p. 45 - 46. 12

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. rev. e atual. (até a Emenda

Constitucional n. 52, de 8.3.2006). São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 151-152. 13

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 153.

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É inegável a contribuição de Montesquieu, principalmente em sua obra

L’Esprit des Lois, - ou O Espírito das Leis – ao afirmar que a liberdade é o “direito de

fazer tudo aquilo que as leis permitem”14. A esse respeito, Meirelles15 é taxativo ao

dizer que:

[...] o impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela teoria da separação dos Poderes desenvolvida por Montesquieu, L’Esprit des lois, 1748, e acolhida universalmente pelos Estados de Direito.

Contudo, Otero16 reforça que:

[...] em termos cronológicos, as raízes filosóficas subjacentes a uma formulação do princípio da legalidade administrativa assente na supremacia do poder legislativo encontram-se no pensamento de John Locke.

Otero17 também analisa a influência de Rousseau ao Princípio da

Legalidade, ao dizer que:

[...] partindo das idéias de inalienabilidade e indivisibilidade, da soberania, identificada esta com o exercício da vontade geral, isto tendo em vista o bem comum ou a utilidade pública, confessa que é através da lei que o soberano age e encontra a sua força, configurando o poder legislativo como sendo o único poder soberano e superior.

E complementa, argumentando que:

Rousseau atribui ao povo a autoria das leis (...), daí resultando que, sendo a lei a declaração da vontade geral, a obediência às leis que o próprio povo prescreveu é sempre uma expressão da respectiva liberdade.18

14

MONTESQUIEU, Charles de. L’esprit des lois. Paris (França): Flammarion, 1979. Livro II, Cap. I. p. 131. 15

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 51. 16

OTERO, Paulo. A legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juricidade. p.

54 – 55. 17

OTERO, Paulo. A legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juricidade. p.

59 – 60. 18

OTERO, Paulo. A legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juricidade. p.

60.

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17

Não se pode olvidar, também, as importantes contribuições de

Immanuel Kant (1724-1804), Georg Hegel (1770-1831) e Benjamin Constant (1767-

1830) ao desenvolvimento e aprimoramento do Princípio da Legalidade. Princípio

este, que teve bastante influência na construção da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia Constituinte Francesa, em agosto

de 1789, e que já trazia em seu art. 4° o seguinte texto:

A liberdade consiste em fazer tudo o que não prejudique ao próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que assegurem aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei19.

Desta forma, torna-se claro que a lei é a tradução da vontade geral,

“sendo direito de cada cidadão participar direta ou indiretamente na elaboração das

leis”20.

A respeito da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

Afonso da Silva21 diz que:

[...] o texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em dezessete artigos, proclama os princípios de liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas.

Foram inúmeras as influências da Declaração de 1789 em Declarações

de outras nações, entre elas, as do Brasil. Nesta direção, Lenza22 afirma que “a

Constituição Imperial de 1824 não estabeleceu qualquer sistema de controle” de

constitucionalidade, “já que, sob a influência do direito francês (a lei como

‘expressão da vontade geral’) e inglês (supremacia do Parlamento), somente o

Órgão Legislativo poderia saber o verdadeiro sentido da norma”.

19

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Biblioteca virtual de direitos humanos. São Paulo, 2008. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos_homem_cidad.html>. Acesso em: 11

setembro 2008. 20

SINGER, Paul; PINSK, Jayme; PINSKY, Carla. História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. p. 211. 21

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 158. 22

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006. p.

94.

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18

Barroso23 - ainda a respeito da Carta de 1824 -, considera que:

[...] em seu longo e avançado elenco de „garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros‟, remarcado de inspiração liberal, a Constituição do Império, ao lado do princípio da legalidade, consagrava o princípio da isonomia, inaugurado em nosso constitucionalismo no inciso XIII do art. 179.

Já a Constituição Republicana de 1891 foi inspirada no modelo norte-

americano, com a fórmula federalista adotada, tendo consagrado “a técnica de

controle de constitucionalidade de lei ou ato com indiscutível caráter normativo” 24.

Este foi um período de instabilidade no governo brasileiro, em função de

acontecimentos como a Guerra de Canudos, a Revolução Federalista, a Revolta da

Armada, o levante do Forte Copacabana e ao surgimento da Coluna Prestes.

Sob o comando de Getúlio Vargas ocorreu o advento da Constituição

de 1934, que, de acordo com Lenza25:

[...] estabeleceu, além da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a denominada cláusula de reserva de plenário (...) e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva.

A partir da Constituição de 1934, Di Pietro26 destaca que o Direito

Administrativo sofreu grandes alterações, “em decorrência da própria previsão

constitucional de extensão da atividade do Estado nos âmbitos social e econômico.”

Assim, desde então é possível falar em Estado Social de Direito.

A Carta de 1937, que também é conhecida pelo termo “Polaca”, em

virtude da influência polonesa, não merece grande destaque, tendo alguns autores

negado sua existência jurídica, “por não haver sido submetida ao plebiscito previsto

em seu art. 187”27.

23

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7. ed. atual. Rio de

Janeiro: Renovar, 2003. p. 11. 24

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 95. 25

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 95. 26

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 21. 27

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. p. 11.

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19

A Constituição de 1946 teve como base a Constituição norte-

americana, quanto ao modelo federalista, além da francesa, de 1848, e também da

Constituição alemã de Weimar, de 1919.

Na antiga Constituição da República Federativa do Brasil de 1967,

mais precisamente no Título II – Da Declaração de Direitos –, Capítulo IV – Dos

Direitos e Garantias Individuais -, art. 150, §2°, havia menção à obrigatoriedade de

toda ação ou omissão ser motivada por lei. Tal Constituição foi elaborada durante o

período da ditadura militar no Brasil e concentrava no Poder Executivo a maior parte

do poder de decisão, além de institucionalizar o regime militar.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 1, de outubro de 1969,

houve uma pequena mudança, passando a constar no art. 153, §2° a noção de

Princípio da Legalidade, porém, sem alteração do conteúdo.

E, após vinte e cinco anos de regime militar, “a Assembléia Nacional

Constituinte, que iria elaborar a nova Constituição da República, marcou o ingresso

do Brasil no rol dos Países democráticos”28.

A CRFB/88 menciona o ideal do Princípio da Legalidade no Título II –

Dos Direitos e Garantias Fundamentais -, Capítulo I – Dos direitos e deveres

individuais e coletivos – em seu art. 5°, inciso II, ao prever que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”29.

Também o art. 37, caput, da CRFB/88, alerta para o fato de que “a

administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”30. O caput do art.

37 possui texto muito semelhante ao da Constituição da República Portuguesa.

Além disso, o art. 84, IV, no Título IV – Da Organização dos Poderes,

Capítulo II – Do Poder Executivo -, estabelece ser da competência privativa do

Presidente da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como

expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”31.

28

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. p. 41. 29

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 30

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 31

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988.

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20

1.2 Conceito de Legalidade

São muitas as definições para o termo Legalidade, como será

demonstrado a seguir. Contudo, todas elas convergem no sentido de que esta seja o

cumprimento efetivo da norma legal, das leis e suas finalidades.

Ainda a este respeito, há que se fazer a separação do Princípio da

Legalidade nas relações particulares e na administração pública. Na primeira, o

princípio ora estudado deve ser interpretado como sendo permitido “fazer tudo o que

a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia da vontade”32. (grifo do autor)

Já no segundo caso, que deverá ser mais aprofundado em função da ligação direta

com o tema principal deste trabalho, diz que só poderá ser feito aquilo que a lei

permitir.

Sobre este tema, Lopes Meirelles33 afirma que “enquanto na

administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração

Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. E conclui: “a lei para o particular

significa „poder fazer sim‟; para o administrador público significa „dever fazer sim‟”.

Moraes34 alerta para que não seja feita confusão entre Princípio da

Legalidade e princípio da reserva legal. Para tanto, destaca que o primeiro “significa

a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo

legislador”. Já o segundo, “consiste em estatuir que a regulamentação de

determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal”. (grifos do

autor).

Feitas estas primeiras considerações, cumpre destacar, sobre o

conceito de Princípio da Legalidade, a afirmação de Peixinho35 que, didaticamente,

explana que “a essência da noção de legalidade está no parágrafo único do artigo 1°

da Constituição Federal de 1988, que ressalta os aspectos da soberania e da

cidadania.”

32

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 536. 33

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 88. 34

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. atual. até a

EC n° 52/06. São Paulo: Atlas, 2006. p. 200. 35

PEIXINHO, Manoel Messias et all. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2006. p. 528.

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21

Moraes36, por sua vez, expõe que “tal princípio visa combater o poder

arbitrário do Estado”. E complementa, dizendo que:

[...] só por meio das espécies normativas (CF, art. 59) devidamente elaboradas, conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral.

Sob a ótica de Medauar37, legalidade, em sua concepção original,

esteve vinculada à separação dos poderes, traduzindo a supremacia do poder

legislativo sobre o poder executivo e se concretizando como uma garantia de

obediência à lei e à autoridade.

Já Di Pietro38 alerta que, “em alguns sistemas, como o francês, o

Estado de Direito confunde-se com o princípio da legalidade”.

Assim também raciocina Cuéllar39, quando afirma que:

O princípio da legalidade, corolário do Estado Democrático de Direito, surgiu como forma de proteção do indivíduo frente ao Estado. Representa a confiança na lei como instrumento de limitação do poder e garantia de liberdade individual.

Em contrapartida, para Lopes Meirelles40:

[...] legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido.

Afonso da Silva41 destaca que “o princípio da legalidade é também um

princípio basilar do Estado Democrático de Direito”. E complementa, argumentando

que “sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que

realize o princípio da igualdade não pela sua generalidade, mas pela busca da

igualização das condições socialmente desiguais”.

36

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. p. 197. 37

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 123. 38

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; PAIXÃO, Leonardo André. Direito regulatório: temas polêmicos. 2. ed.

rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 30. 39

CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001. p. 37. 40

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 87. 41

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 121.

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22

Gomes Canotilho e Afonso da Silva dividem os princípios

constitucionais em duas categorias: a dos princípios político-constitucionais, onde se

enquadram decisões políticas fundamentais, como os artigos 1° a 4° do Título I, da

CRFB/88 e a dos princípios jurídico-constitucionais, que é onde se encaixam os

“princípios informadores da ordem jurídica nacional”42. É nesta segunda categoria

que afirmam estar presente o Princípio da Legalidade.

Já Bandeira de Mello43 explica que o Princípio da Legalidade “surge

como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, noção esta, que

(...) informa o caráter da relação de administração”.

A violação de um princípio, ainda citando Bandeira de Mello:

[...] é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra44.

Como remédio contra a violação de um princípio, Di Pietro45 elenca a

ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança e o

mandado de injunção, além do controle pelo Legislativo, o Tribunal de Contas e a

própria Administração.

Peixinho46 considera que o Princípio da Legalidade, como é conhecido

em nosso País, “significa que a Administração Pública é prisioneira da Lei,

garantindo a preservação do próprio Estado de Direito e demarcando as fronteiras

do Estado Absoluto e do Estado de Direito”.

Não obstante, Di Pietro47 explica que:

[...] não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.

42

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 93. 43

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 72. 44

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 913. 45

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 59. 46

PEIXINHO, Manoel Messias et all. Os princípios da Constituição de 1988. p. 528. 47

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 743.

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23

Afonso da Silva48 é sintético ao comentar que o Princípio da

Legalidade “funda-se no princípio da legitimidade”. Pois tal princípio em um Estado

Democrático de Direito “assenta numa ordem jurídica emanada de um poder

legítimo, até porque, se o poder não for legítimo, o Estado não será Democrático de

Direito”.

E, por fim, a interpretação de Lopes Meirelles49 alerta que a

administração “deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que

ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais”. (grifos do

autor).

1.3 O Princípio da Legalidade na CRFB/88

O Princípio da Legalidade na CRFB/88 apresenta-se de forma que

todos os atos da Administração Pública, seja ela direta ou indireta, de qualquer dos

entes da Federação, deve ser motivado por lei que o regule e autorize. Em outras

palavras, não se pode fazer nada que não esteja previsto em lei.

Desta maneira, qualquer ato praticado por representante da

administração pública, direta ou indireta, que não esteja amparado por previsão

legal, é considerado ilegal, e, portanto, deve ser desconsiderado.

Moraes50 ressalta que “nenhuma das constituições anteriores havia

constitucionalizado os princípios e preceitos básicos do Direito Administrativo de

maneira tão detalhada e completa quanto a atual Constituição Federal de 1988”.

Sendo assim, a CRFB/88 estabeleceu bem os deveres e limites da

atuação da Administração Pública, fato que pode ser considerado um avanço em

relação às Constituições anteriores do Brasil.

O art. 5°, II, da CRFB/88 estabelece que “ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Sobre este art.,

Afonso da Silva51 elucida que “o texto não há de ser compreendido isoladamente,

48

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 424 - 425. 49

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 88. 50

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. p. 805. 51

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 420 - 421.

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mas dentro do sistema constitucional vigente”. E sobre o termo em virtude de lei,

define que:

[...] para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (arts. 59 a 69). (grifo do autor).

Destarte, a Administração Pública deve respeitar não apenas ao

disposto na CRFB/88, mas também, a todas as leis, Códigos, Tratados, Medidas

Provisórias, Emendas à Constituição e Resoluções que dispuserem sobre sua

atuação. Todos os procedimentos que forem tomados pela Administração devem

estar em conformidade com o conjunto de normas do ordenamento jurídico nacional.

Contudo, Lenza alerta que a administração pública deve obedecer ao

“princípio da legalidade restrita”52, que considera não absoluto, por existirem

restrições, como medidas provisórias, estado de defesa e estado de sítio.

Além da legalidade restrita, Di Pietro53 narra que também é possível

falar em legalidade em sentido amplo, “para abranger não só a obediência à lei, mas

também a observância dos princípios e valores que estão na base do ordenamento

jurídico”.

Ainda sobre o art. 5°, II, da CRFB/88, Moraes54 detecta que o Princípio

da Legalidade “coaduna-se com a própria função administrativa, de executor do

direito, que atua sem finalidade própria, mas em respeito à finalidade imposta pela

lei”. (grifo do autor).

Bandeira de Mello55 dá outra ênfase ao art. 5°, II, afirmando que:

[...] a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja.

52

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 536. 53

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 744. 54

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. p. 816. 55

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 99 - 100.

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25

Neste sentido também leciona Medauar56, destacando que “a

Administração poderá justificar cada uma de suas decisões por uma disposição

legal”.

Já o art. 37, caput, da CRFB/8857, estabelece os princípios aos quais a

Administração Pública deve respeitar:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Lopes Meirelles58 menciona que estes princípios “constituem, por

assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os

sustentáculos da atividade pública” e que, se o administrador se afastar do Princípio

da Legalidade, estará exposto “a responsabilidade disciplinar, civil e criminal,

conforme o caso”. E enfatiza: “na Administração Pública não há liberdade ou

vontade pessoal”, de forma que não há alternativa ao administrador senão cumprir a

lei.

Ao explicar o art. 37 da CRFB/88, Bandeira de Mello59 diz compreender

que “a função do ato administrativo só poderá ser a de agregar à lei nível de

concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer cerceio a direito de

terceiros”.

Afonso da Silva60, por sua vez, entende que:

[...] o regime de garantias constitucionais condiciona a atividade administrativa, prescrevendo uma série de normas que procuram dar efetiva consistência ao princípio da legalidade, desde sua expressa e específica previsão no art. 37 em relação a toda e qualquer Administração Pública. (grifo do autor).

Já o art. 84 da CRFB/88, estabelece ser de competência privativa do

Presidente da República, em seu inciso IV61, “sancionar, promulgar e fazer publicar

as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.

56

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 125. 57

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 58

LOPES MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro. p. 87. 59

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 100. 60

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 427.

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26

Comentando o referido art., Afonso da Silva62 disciplina que este

mesmo poder “costuma ser outorgado aos Governadores nas Constituições

estaduais e certamente vai ser conferido aos Prefeitos na Lei Orgânica dos

respectivos Municípios”. Portanto, o poder regulamentar é concedido aos três

Chefes do Poder Executivo existentes no sistema político brasileiro.

Medauar63, a este respeito, lembra que “para muitas matérias, a

Constituição Federal, as Constituições Estaduais e as leis orgânicas de Municípios

exigem a disciplina por lei formal, ou seja, por lei que deverá necessariamente

resultar de tramitação no Legislativo”. Esta é a noção de reserva de lei.

Moraes64 expõe que os regulamentos:

[...] são normas expedidas privativamente pelo Chefe do Poder Executivo, cuja finalidade precípua é facilitar a execução das leis, removendo eventuais obstáculos práticos que podem surgir em sua aplicação e exteriorizam-se por meio de decreto.

Bandeira de Mello65 detecta que é do art. 84, IV, da CRFB/88, “donde

resulta a compostura do princípio da legalidade no Brasil”. E diz ser evidente “que

mesmo os atos mais conspícuos do Chefe do Poder Executivo, isto é, os decretos,

inclusive quando expedem regulamentos, só podem ser produzidos para ensejar

execução fiel da lei”. (grifo do autor). E, analisando os artigos 37, caput e 84, IV, da

CRFB/88, conclui que:

[...] nos dois versículos mencionados estampa-se, pois, e com inobjetável clareza, que administração é atividade subalterna à lei; que se subjuga inteiramente a ela; que está completamente atrelada à lei; que sua função é tão-só a de fazer cumprir lei preexistente, e, pois, que regulamentos autônomos ou autorizados são visceralmente incompatíveis com o Direito brasileiro.

Afonso da Silva66 compreende que “o princípio é de que o poder

regulamentar consiste num poder administrativo no exercício de função normativa

subordinada, qualquer que seja seu objeto”. E, por derradeiro, define que “seus

61

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 62

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 425. 63

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 125. 64

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. p. 1.302. 65

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 100. 66

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 425.

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27

limites naturais situam-se no âmbito da competência executiva e administrativa,

onde se insere”.

No que tange à tendência do Direito Administrativo na atualidade, Di

Pietro67 enfatiza que está havendo um:

[...] alargamento do princípio da legalidade, pela adoção dos princípios do Estado Democrático de Direito, trazendo como conseqüência a maior limitação à discricionariedade administrativa (em decorrência da submissão da Administração Pública a princípios e valores) e a ampliação do controle judicial.

Denota-se que a Administração Pública deve pautar seu exercício com

rigorosa observância às Leis e Normas que regulam sua atividade. Todavia, não

deve limitar-se a isso, mas também a outros princípios do Direito que tornam sua

atuação legítima.

Destarte, as empresas concessionárias fornecedoras de energia

elétrica, sejam elas públicas, privadas ou de economia mista, devem obedecer

rigorosamente ao disposto na legislação pátria ao efetuarem o desligamento do

fornecimento de energia elétrica de um consumidor, tendo em vista que a

eletricidade é considerada um bem essencial à vida humana, tão importante quanto

a água.

1.4 Previsão legal para o corte de energia elétrica

É incumbido ao Poder Público o fornecimento de energia elétrica à

toda a população, conforme dispõe o art. 175, da CRFB/88. Todavia, a execução

deste serviço pode ser concedida ou permitida a terceiros, através de processo

licitatório.

Há na jurisprudência pátria grande divergência acerca da possibilidade

do fornecedor de energia – seja qual for a natureza jurídica dele – em efetuar o corte

de energia motivado por inadimplemento do consumidor (como será demonstrado no

capítulo 3 do presente trabalho). Entre os que defendem a legalidade do corte, estes

67

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 27.

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28

o fazem com base na Lei n. 8.987, de 1995, que foi criada em atendimento ao art.

175, da CRFB/8868, que diz o seguinte:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I- o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II- os direitos dos usuários; III- política tarifária; IV- a obrigação de manter serviço adequado.

Desta forma, na tentativa de cumprir o disposto no art. 175 da

CRFB/88, foi editada, no ano de 1995, a Lei n. 8.987, que é conhecida como Lei da

Concessão e Permissão da Prestação de Serviços Públicos. Esta Lei, dentre outras

providências, estabelece as formas para a extinção da concessão, encargos das

concessionárias e, também, o conceito de prestação de serviço adequado ao

consumidor. Este último conceito está expresso no art. 6° da referida Lei, da

seguinte forma:

Art. 6° Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§1° Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.69

Ainda que estabelecida a obrigação da continuidade do serviço

prestado, no §3° do art. 6° há uma exceção para essa regra:

§3° Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

68

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 69

BRASIL. Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da

prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências. Brasília,

1995.

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29

I - Motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e II- por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade. (Grifo nosso).

De tal maneira, encontra-se bastante objetiva a possibilidade da

concessionária interromper o fornecimento de energia diante do inadimplemento do

consumidor, levando em conta as normas garantidoras da justa remuneração do

capital, do melhoramento e expansão do serviço e, também, do equilíbrio econômico

e financeiro do contrato. Tal dispositivo pretende também não privilegiar o particular

em detrimento de toda a coletividade, pois se a inadimplência comprometer a vida

econômico-financeira da concessionária, por certo seus serviços deixarão de ser

adequados e poderão sofrer descontinuidade, em detrimento de toda a sociedade.

Ou seja, não havendo o correto adimplemento por parte do usuário, toda a

coletividade acabará por arcar com os custos da manutenção do serviço prestado.

Além da Lei n. 8.987/1995, a Resolução n. 456, de 2000, da Agência

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) disciplina de maneira bastante detalhada as

condições para o fornecimento e interrupção de energia elétrica, conforme será

abordado no capítulo seguinte deste trabalho.

Destarte, ainda que haja previsão clara na legislação pátria a respeito

do corte de energia elétrica motivado por inadimplemento do usuário, há, na

jurisprudência, entendimento contrário, de que o princípio que deve prevalecer nesta

situação hipotética é o da Continuidade do Serviço Público. Sobre esta divergência

de opiniões, o professor Aragão70 observa que há duas lógicas distintas:

[...] uma privatista, ainda que protetiva dos hipossuficientes e permeada de normas de ordem pública, entre nós positivada principalmente no CDC, e outra publicista, que enfoca o cidadão-usuário como integrante de um sistema social de garantia da prestação de determinada atividade essencial para toda a coletividade.

Diante desta discordância, considera-se necessário expor de maneira

mais detalhada a opinião dos juristas que defendem a aplicação do Princípio da

Continuidade do Serviço Público, bem como algumas das regras de concessão e

70

ARAGÃO, Alexandre Santos de; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 163.

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30

exploração do serviço de energia elétrica no Brasil, como será apresentado no

capítulo seguinte.

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31

CAPÍTULO 2 O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO

PÚBLICO E AS CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA

Conforme exposto anteriormente, há, na doutrina e na jurisprudência,

entendimentos no sentido de que, colocados lado a lado a legalidade da suspensão

no fornecimento de energia elétrica e o Princípio da Continuidade do Serviço

Público, a prevalência deve ser deste, tendo em vista que o fornecimento de energia

elétrica é, hoje, requisito essencial à pessoa humana.

Acreditam os defensores deste entendimento, que a suspensão do

fornecimento deste item indispensável à população na atualidade, implica em ofensa

à dignidade da pessoa humana e exacerba os limites da legalidade, por submeter o

consumidor inadimplente ao constrangimento e ameaça.

Desta forma, considera-se necessário aprofundar um pouco mais o

estudo sobre o Princípio da Continuidade do Serviço Público, bem como a respeito

das regras impostas às concessionárias de energia em nosso país, assim como sua

fiscalização através da Agência Reguladora do Setor.

2.1 Conceito de Princípio da Continuidade do Serviço Público

O Princípio da Continuidade do Serviço Público, conforme ensina Di

Pietro, determina que o serviço público, sendo a forma pela qual o Estado

desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar71. Já

Gasparini72 vai além, e completa que não podem parar “porque não param os

anseios da coletividade”. Nesta mesma direção também expõe Justen Filho73,

quando diz que “a idéia da continuidade se vincula à própria permanência inerente

ao conceito de Estado, cuja atuação não pode ser interrompida”.

71

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 95. 72

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 17. 73

JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 31.

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32

Medauar74 é taxativa ao dimensionar que, de acordo com este

princípio, “as atividades realizadas pela Administração devem ser ininterruptas, para

que o atendimento da coletividade não seja prejudicado”. E Cretella Júnior75 destaca

que “a continuidade é um dos caracteres essenciais do serviço público”.

Assim sendo, algumas espécies de serviços considerados essenciais

prestados pela administração pública ou delegados às concessionárias e

permissionárias, devem ter sua prestação continuada invariavelmente, independente

de qualquer infortúnio.

O caput do art. 22, da Lei n. 8.078, de 1990 (CDC) contém a essência

do Princípio da Continuidade do Serviço Público, vejamos:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.76

Aragão77 explica que “a aplicação do Direito dos Consumidores aos

serviços públicos é uma decorrência fundamental do movimento de liberalização

econômica da década de oitenta e seguintes”.

Ocorre que há muitas dúvidas a respeito da essencialidade dos

serviços prestados, em virtude da imprecisão dos “signos”, conforme observa

Denari78. E complementa, afirmando que “é sempre muito complicado investigar a

natureza do serviço público, para tentar surpreender, neste ou naquele, o traço da

sua essencialidade”.

Dentre os serviços dotados de certo grau de essencialidade, ainda

citando Denari, temos “os serviços de comunicação telefônica, de fornecimento de

energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de lixo domiciliar”.

Sobre o assunto, Benjamin79 considera:

74

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2006. p. 144. 75

CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 53. 76

BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Brasília, 1990. 77

ARAGÃO, Alexandre Santos de; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 165. 78

DENARI, Zelmo. et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio

de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 214 - 215. 79

BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos e. et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 367

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Energia e água são consideradas, hoje, direito humano inalienável. Como já se posicionou a jurisprudência constitucional de outros países democráticos (por exemplo, África do Sul), todo ser humano faz jus a uma quantidade mínima de água e energia, como serviços essenciais que são.

Resta destacar que o art. 22 do CDC não pode ser analisado

isoladamente, mas deve, sim, ser observado em conjunto com o art. 42, também do

CDC, para melhor compreensão do tema:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.80

Ocorre que aqueles que defendem a aplicação do Princípio da

Continuidade do Serviço Público ao caso, entendem que a suspensão do

fornecimento de energia elétrica é uma maneira de ameaçar e/ou constranger o

consumidor a efetuar o pagamento de seus débitos, tendo em vista que a energia

elétrica é considerada um bem essencial à pessoa humana. Nesta linha de

raciocínio, Denari81 expõe que “a interrupção no fornecimento do serviço público não

pode ser efetivada ex abrupto, como instrumento de pressão contra o consumidor,

para forçá-lo ao pagamento da conta em atraso”.

E Benjamin82, ao explicar a elaboração do disposto no art. 42 do CDC,

esclarece que tal preceito foi novidade trazida pelo “Substitutivo Ministério Público-

Secretaria de Defesa do Consumidor” e que, ao defender sua adoção, assim se

pronunciou:

A tutela do consumidor ocorre antes, durante e após a formação da relação de consumo. São do conhecimento de todos os abusos que são praticados na cobrança de dívidas de consumo. Os artifícios são os mais distintos e elaborados, não sendo raros, contudo, os casos de ameaças, telefonemas anônimos, cartas fantasiosas e até a utilização de nomes de outras pessoas. No Brasil, infelizmente não há qualquer proteção contra tais condutas. O consumidor – e especialmente o de baixa renda – é exposto ao ridículo, principalmente em seu ambiente de trabalho, tendo, ainda, seu

80

BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Brasília, 1990. 81

DENARI, Zelmo. et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. p. 216. 82

BENJAMIN, Antônio Hermann de Vasconcellos e. et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. p. 386.

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descanso no lar perturbado por telefonemas, muitos deles em cadeia e até em altas horas da madrugada. (grifos do autor).

Segundo os comentários dos autores do anteprojeto do CDC, o art. 42

deve ser lido com a observância do disposto no art. 71, que afirma constituir crime

contra as relações de consumo:

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.83

Desta forma, cabe ao magistrado, ao analisar o caso, ponderar se a

suspensão do fornecimento de energia ou mesmo o aviso de corte podem ser

considerados meios de ameaça, coação ou constrangimento ao consumidor

inadimplente.

Todavia, além de observar o que determina o CDC e toda a legislação

pertinente à matéria, as concessionárias de energia elétrica são fiscalizadas pelo

Poder Público. O órgão nacional responsável por efetuar esta fiscalização e analisar

se a concessionária está atendendo ao Princípio da Continuidade do Serviço

Público, bem como, se não está ferindo ao Princípio da Legalidade, é a ANEEL.

Assim, importante esclarecer a relação existente entre as concessionárias de

energia e o órgão regulador do setor.

2.2 Concessionárias de serviços púbicos

A CRFB/88 estabelece as espécies de serviços que devem ser

prestados exclusivamente pelo Estado, como é o caso do serviço postal e correio

aéreo nacional, previstos em seu art. 21, X. Em contrapartida, os serviços de

83

BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Brasília, 1990.

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radiodifusão sonora (rádio), sons e imagens (televisão) são da obrigação do Estado

prestá-los e, ainda, conceder, permitir ou autorizar sua prestação por terceiros84.

Já os serviços de educação, saúde, previdência social, assistência

social e radiodifusão sonora e de sons e imagens são serviços que o Estado tem a

obrigação de prestar, todavia, sem exclusividade. E, finalmente, há os serviços

elencados no art. 21, XI e XII, ainda da CRFB/88, em que o Estado não está

obrigado a prestá-los, contudo, não os fazendo, deverá promover a prestação, seja

mediante concessão ou permissão85.

Dentre os serviços explorados diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão, previstos no inciso XII, do art. 21, estão, na alínea „b‟, os

seguintes:

Art. 21. Compete à União: [...] XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: [...] b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados, onde se situam os potenciais hidroenergéticos.86

A respeito dos termos concessão e permissão, utilizados no art. 21 da

CRFB/88, Bandeira de Mello87 explica que:

[...] concessão, no Brasil, é mencionada como um contrato (...); a permissão é qualificada pela quase totalidade da doutrina brasileira como ato unilateral do Poder Público e que não garantiria ao permissionário situação jurídica da mesma força que a outorgada pela concessão. (grifos do autor).

Já Campos88 diferencia os termos dizendo que a concessão do serviço

público:

84

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 85

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 667 - 668. 86

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

1988. 87

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 668. 88

CAMPOS, Clever Mazzoni. Introdução ao direito de energia elétrica. 1. ed. São Paulo: Ícone, 2001. p. 35-36.

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[...] é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente de exploração do serviço.

Já a permissão do serviço público é um:

[...] ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário.

Gasparini89 informa que o conceito de concessão e permissão é quase

idêntico. Àquele conceitua como sendo o:

[...] contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado adequadamente mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada.

Já para conceituar a permissão, informa que basta trocar o termo

contrato administrativo por contrato de adesão.

No presente trabalho, estudar-se-á acerca da atuação das

concessionárias de serviço público, qual seja, a concessão do serviço de

fornecimento de energia elétrica. Desta forma, torna-se necessário trazer o conceito

do termo concessão de serviço público, que, segundo Cretella Júnior90, é, em

sentido técnico:

[...] a transferência, temporária ou resolúvel, por pessoa coletiva de direito público, de poderes que lhe competem, para outra pessoa, singular ou coletiva, pública ou privada, a fim de que esta execute serviços por sua conta e risco, mas no interesse geral.

Em contrapartida, para Lopes Meirelles91, o contrato de concessão é:

89

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. p. 365. 90

CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.

388. 91

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. P. 260.

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[...] o ajuste pelo qual a Administração delega ao particular a execução remunerada de serviço ou de obra pública ou lhe cede o uso de um bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais.

No mesmo sentido segue o conceito de Bandeira de Mello92:

[...] é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (grifos do autor).

Ao citar a remuneração pela própria exploração do serviço, Bandeira

de Mello pormenoriza esmiuçando que isso se faz, regra geral, “pela percepção de

tarifas cobradas dos usuários”93.

Freitas94 é objetivo ao conceituar a concessão de serviço público

como sendo a:

[...] delegação da prestação de serviço público – efetuada pela entidade estatal em cuja competência se encontre o aludido serviço -, por meio de contrato administrativo, precedido de licitação, a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas capazes de assumi-lo, por prazo determinado e por risco próprio, com ou sem subvenção parcial da remuneração pelo Poder Público.

Já para Cretella Júnior95, a concessionária:

[...] é a organização privada que recebe do Estado a missão de gerir serviços públicos, mediante contrato de direito público entre concedente e concessionário, submetendo-se a exploração daquelas atividades a um regime jurídico de direito público, exorbitante e derrogatório do direito comum, informado por princípios publicísticos. (grifos do autor).

E conclui, informando que “a concessionária é, pois, a entidade que

colabora com o Estado na concretização dos serviços públicos”.

92

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 680-681. 93

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 681. 94

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3. ed. atual. e ampl. São

Paulo: Malheiros, 2004. p. 317. 95

CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. p. 343.

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38

Já sob a visão de Meirelles96, o objeto da concessão de serviço público

é, pois:

[...] a transferência da execução de um serviço do Poder Público ao particular, que se remunerará dos gastos com o empreendimento, aí incluídos os ganhos normais do negócio, através de uma tarifa cobrada aos usuários. (grifo do autor).

Resta claro, diante dos conceitos trazidos, que a forma de

remuneração das concessionárias se dá através das tarifas cobradas por aqueles

que se utilizam do serviço prestado. A este respeito, explica Bastos97:

Da mesma forma as tarifas não podem deixar de ser justamente remuneratórias do capital investido. Caso assim não fosse, estar-se-ia quebrando a justa expectativa de todo aquele que desempenha a atividade econômica no regime capitalista, qual seja a de auferir lucros no fim do exercício. É certo, por outro lado, que o Poder Público não está obrigado a cobrir as despesas decorrentes de uma administração perdulária ou mesmo desarrazoadamente incompetente. (...) Cumprida a sua parte, consistente na geração do serviço de estrita economicidade, não pode também o concessionário deixar de fazer jus a tarifas que lhe assegurem uma lucratividade normal, sob pena de a concessão converter-se numa forma sub-reptícia de confisco.

Ainda sobre este tema, Ribeiro98 estabelece que “a definição tarifária é

um mecanismo regulatório muito importante para a garantia do funcionamento

eficiente do mercado em regime de monopólios naturais”. E complementa:

Nesse sentido, as tarifas de fornecimento de energia elétrica devem ser estabelecidas visando a modicidade tarifária, a manutenção da qualidade e continuidade do serviço prestado, a garantia de rentabilidade aos investidores e o estímulo à eficiência setorial.

Desta forma, para que a concessionária de energia tenha a capacidade

de se auto-sustentar, manter a qualidade de seus serviços e continuar a fornecer a

energia com eficiência, é necessário que haja a contraprestação do consumidor, ao

efetuar o pagamento mensal da sua fatura de energia.

96

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 262. 97

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2003. p. 314. 98

RIBEIRO, Solange; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 165.

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39

Sem esta contraprestação de parcela considerável dos consumidores,

se torna inviável a continuação da prestação do serviço, causando sua interrupção

não apenas ao inadimplente, mas também prejudicando àquele que cumpre com

sua contraprestação.

Neste sentido, importante considerar que o concessionário “não passa

a fazer parte da organização administrativa do Estado, nem se torna órgão do

Estado”99. Da mesma forma, “a Administração não delega ao concessionário

poderes públicos, mas o direito ao exercício desses poderes”.

Gasparini100 observa que são duas as partes envolvidas na concessão

da exploração ou execução do serviço público: “uma, a Administração Pública, que

outorga a concessão, outra, o particular, que a recebe”. Após a formalização da

outorga da concessão, passa o Poder Público a ser chamado de concedente. Já o

particular interessado na exploração do serviço é chamado concessionário.

Sobre a natureza jurídica da concessão do serviço público, Bandeira

de Mello101 aponta que esta:

[...] é uma relação jurídica complexa, composta de um ato regulamentar do Estado que fixa unilateralmente condições de funcionamento, organização e modo de prestação do serviço, isto é, as condições em que será oferecido aos usuários.

Neste mesmo sentido narra Gasparini102, citando os direitos

reconhecidos pela doutrina e pela legislação ao Poder Público concedente:

I- fiscalizar o exercício da concessão; II- proceder a alterações nas condições da concessão, se relacionadas com a execução dos serviços; III- exigir uma remuneração do concessionário quando previsto em lei; IV- tributar; V- exigir garantia de execução da concessão; VI- promover novas concessões com o mesmo objeto das já outorgadas; VII- intervir; VIII- aplicar sanções; IX- extinguir a concessão.

Ou seja, a concessionária do serviço público não tem autonomia de

atuar conforme a vontade de seus dirigentes, mas deve, sim, obedecer às normas

estabelecidas pelo Poder Concedente, seja através de Agências Reguladoras, bem

99

CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. p. 389. 100

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. p. 363-364. 101

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 690. 102

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. p. 384.

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40

como através de normas específicas criadas para reger o setor. Neste sentido

discursa Justen Filho103, destacando que “o concessionário sujeita-se à permanente

fiscalização do poder concedente e de outras instâncias da comunidade”. E

acrescenta:

Destaque-se que a fiscalização apresenta contornos de dever-poder para o Estado. (...) O poder concedente não dispõe de liberdade para escolher entre fiscalizar e não fiscalizar. Está jungido ao dever de adotar providências rotineiras, permanentes e contínuas de acompanhamento da atividade do concessionário.

Também Lopes Meirelles104 discorre sobre este tema:

Nas relações com o público o concessionário fica adstrito à observância do regulamento e do contrato, que podem estabelecer direitos e deveres também para os usuários, além dos já estabelecidos em lei, para defesa dos quais dispõe o particular de todos os meios judiciais comuns, notadamente a via cominatória, para exigir a prestação do serviço nas condições em que o concessionário se comprometeu a prestá-lo aos interessados em geral.

Para disciplinar a forma de atuação das empresas concessionárias

perante a sociedade e, de forma geral, para orientar todos os seus atos, surgem as

Agências Reguladoras, que, conforme destaca Aranha105, têm o “fim de promoção

do interesse público visualizado preponderantemente, quanto aos serviços, no

interesse do usuário e, quanto à política industrial, na eficiência da atividade

regulada”. (grifos do autor). E conclui: “O papel da agência reguladora está

desenhado na conjugação dos interesses em jogo, que não se resumem à defesa

dos usuários, embora este seja o ponto central do interesse público a proteger”.

Ainda neste sentido, Di Pietro106 didaticamente expõe que a inovação

maior é o próprio vocábulo agência. Já o termo regulatória, significa “organizar

determinado setor afeto à agência, bem como controlar as entidades que atuam

nesse setor”.

103

JUSTEN FILHO, Marçal. 2003. p. 323. 104

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 387. 105

ARANHA, Márcio Iorio; PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. O novo direito administrativo brasileiro:

o estado, as agências e o terceiro setor. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 178. 106

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 434.

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41

Assim, a fiscalização por parte das Agências Reguladoras é um

instrumento que se destina a assegurar a continuidade e eficiência da prestação do

serviço pelo concessionário107.

Barroso108 enumera que até julho de 2005, haviam sido criadas no país

as seguintes agências reguladoras:

A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Lei n° 9.472, de 16.7.97); a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n° 9.427, de 26.12.97); a Agência Nacional do Petróleo – ANP (Lei n° 9.478, de 6.8.97); a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei n° 9.782, de 26.1.1999); a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei n° 9.961, de 28.1.2000); a Agência Nacional de Águas – ANA (Lei n° 9.984, de 17.7.2000); a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (ambas criadas pela Lei n° 10.233, de 5.6.2001) e, por fim, a Agência Nacional de Cinema – ANCINE (MP n° 2228-5, de 6.9.2001).

Di Pietro109 as distingue entre as que “exercem, com base em lei, típico

poder de polícia, com a imposição de limitações administrativas, previstas em lei,

fiscalização, repressão” e as que “regulam e controlam as atividades que constituem

objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público (...) ou de

concessão para exploração de bem público” (grifo da autora). É no segundo conceito

que se encaixa a ANEEL, agência responsável por fiscalizar a atuação das

concessionárias de energia elétrica no Brasil.

2.3 Agência Reguladora do Setor Energético

Com a finalidade de fiscalizar e controlar a atuação das

concessionárias de serviços públicos, o Estado criou as agências de regulação.

Justen Filho110 identifica a agência reguladora independente como “uma autarquia

especial, sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da

Administração direta e investida de competência para a regulação setorial”.

107

JUSTEN FILHO, Marçal. 2003. p. 323. 108

BARROSO, Luís Roberto; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 38-39. 109

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 434-435. 110

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: 2006. p. 475.

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42

A respeito do termo „autarquia especial‟, Cuéllar111 considera que “as

agências reguladoras brasileiras são autarquias, provavelmente porque não possam

ter outra natureza jurídica”. E completa:

Saliente-se que uma autarquia é especial, ou se submete a regime especial, quando possui características capazes de lhe conferir maior grau de independência em relação à Administração Pública do que as demais autarquias.

Di Pietro112 recorda que, em nosso país, o movimento para a

privatização, que se acentuou na década de noventa, levou à instituição de agências

com funções reguladoras:

Sob a justificativa de que, com a privatização de empresas estatais prestadoras de serviços públicos e a instituição de concorrência entre as mesmas, havia necessidade de órgão especializado para organizar o setor, manter o equilíbrio do mercado e resolver os conflitos entre as prestadoras de serviços ou entre estas e os usuários.

Ainda com relação às privatizações ocorridas principalmente na

década de noventa, Lopes Meirelles113 explica que:

Com a política governamental de transferir para o setor privado a execução de serviços públicos, reservando ao Estado sua regulamentação, o controle e a fiscalização desses serviços, houve a necessidade de criar, na Administração, agências especiais destinadas a esse fim, no interesse dos usuários e da sociedade.

E acrescenta que “o poder de regulamentar as concessões é inerente

e indespojável do concedente”114, cabendo ao Executivo aprovar o regulamento do

serviço e determinar a fiscalização de sua execução.

A respeito do papel das agências reguladoras, Di Pietro115 afirma que

este se resume em assumir poderes que, “na concessão, permissão e na

autorização, eram antes desempenhados pela própria Administração Pública Direta,

na qualidade de poder concedente”.

111

CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. p. 91. 112

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; PAIXÃO, Leonardo André. Direito regulatório: temas polêmicos. p. 37. 113

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 352. 114

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 391. 115

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 435.

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43

A respeito do termo agência reguladora, Medauar116 interpreta que “tal

denominação vem sendo usada no Brasil, recentemente, por influência dos

ordenamentos anglo-saxônicos sobretudo”. E exemplifica que:

Na Inglaterra, a partir de 1834, floresceram entes autônomos, criados pelo Parlamento para concretizar medidas previstas em lei e para decidir controvérsias resultantes desses textos; a cada lei que disciplinasse um assunto de relevo, criava-se um ente para aplicar a lei. Os Estados Unidos sofreram influência inglesa e desde 1887, com a criação da „Interstate Commerce Comission‟, tem início a proliferação de agencies para regulação de atividades, imposição de deveres na matéria e aplicação de sanções.

Já no Brasil, Gasparini117 informa que as agências reguladoras “são

criadas por lei como autarquias de regime especial” que “recebem os privilégios que

a lei criadora lhes outorga e os comuns a todas as autarquias, indispensáveis ao

atingimento de seus fins”.

Bandeira de Mello118 afirma que “em rigor, autarquias com funções

reguladoras não se constituem em novidade alguma”. E explica, da mesma forma

que Medauar, que o termo agência reguladora é que é novo. Desta forma,

exemplifica:

A autarquia Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, por exemplo, cumpria exatamente a finalidade a ora irrogada à ANEEL, tanto que o art. 31 da lei transfere à nova pessoa todo o acervo técnico, patrimonial, obrigações, direitos e receitas do DNAEE.

Assim, no ramo da produção, transmissão, distribuição e também

comercialização de energia elétrica, o órgão responsável hoje por regular este setor

é a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em substituição ao antigo

DNAEE, conforme prevê o art. 34, §4°, da Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996

(lei que institui a ANEEL).

Ainda sobre a substituição do termo autarquia por agência de

regulação, Barroso119 expõe que “as agências reguladoras foram introduzidas no

Brasil sob a forma de autarquias e, consequentemente, com personalidade jurídica 116

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 82 117

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. p. 340. 118

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 165. 119

BARROSO, Luis Roberto; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 40.

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44

de direito público”. Desta forma, as agências “estão sujeitas, assim, ao mandamento

do art. 37, XIX da CRFB/88, e sua criação somente poderá se dar mediante lei

específica”.

Neste sentido, Campos120 explica que a ANEEL:

[...] foi instituída pela Lei n° 9.427/96, como uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal, tendo sua estrutura regimental aprovada pelo Decreto n° 2.335 de 6 de outubro de 1997.

A importância de haver um órgão federal ditando a política de atuação

das concessionárias consiste principalmente na articulação entre os Estados-

Membros e o Distrito Federal, visto que, em diversos casos, o aproveitamento de

recursos hídricos atravessa a fronteira entre os entes da Federação e até mesmo as

fronteiras internacionais.

Justen Filho121 explica que:

Na Constituição Federal existem apenas duas disposições atinentes a agências. O artigo 21, XI, estabelece que cabe à lei criar um órgão regulador dos serviços de telecomunicação. E o artigo 177, §2°, III, prevê que a Lei disciplinará a estrutura e as atribuições do órgão regulador do monopólio sobre as atividades relacionadas a petróleo.

E conclui afirmando que as agências reguladoras – inclusive aquelas

explicitamente referidas nos dois dispositivos constitucionais indicados – “são

instituições infraconstitucionais, sem a dimensão de um Poder”.

Assim, dentre as atribuições básicas da ANEEL, é possível citar um rol

elencado no art. 29 da Lei n. 8.987, de 1995, dos quais destacam-se a

regulamentação do serviço concedido, a fiscalização permanente da sua prestação,

a aplicação das penalidades regulamentares e contratuais e, também, a intervenção

na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei. Desta forma, a

agência reguladora conta com determinados atributos específicos, como

independência, poder normativo e até mesmo o poder de dirimir conflitos.

120

CAMPOS, Clever Mazzoni. Introdução ao direito de energia elétrica. p. 47. 121

JUSTEN FILHO, Marçal. 2006. p. 477.

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45

A respeito do poder normativo, Lopes Meirelles122 constata que “o

poder outorgado às agências, neste campo, visa a atender à necessidade de uma

normatividade essencialmente técnica, com um mínimo de influência política”.

Também Cuéllar123 se manifestou sobre o poder normativo das

agências reguladoras:

A competência normativa conferida às agências reguladoras brasileiras pelos diplomas legais que as instituíram, além de inerente à própria atividade de regulação, é imprescindível, para que tais entes possam desempenhar de maneira eficiente suas atribuições.

Destarte, como forma de regulamentar e disciplinar a atuação das

concessionárias de energia, a ANEEL estabeleceu, através da Resolução n. 456, de

29 de novembro de 2000, as condições gerais de fornecimento de energia elétrica,

de forma atualizada e consolidada. Tal Resolução visa, de modo geral, “aprimorar o

relacionamento entre os agentes responsáveis pela prestação do serviço público de

energia elétrica e os consumidores”124. Lopes Meirelles125 considera que a “edição

de normas sobre matérias de sua competência” é um dos destaques da atuação das

agências reguladoras.

Este é também o posicionamento de Paixão126, quando afirma:

A ANEEL possui competência outorgada pelas leis para exercer uma função reguladora que ora parece idêntica ao poder regulamentar do Presidente da República, ora parece idêntica à própria função legislativa do Congresso Nacional.

Assim, a Resolução n. 456 traz, de forma detalhada, em seu art. 2°,

definições para diversos termos atinentes às atividades desempenhadas pelas

concessionárias de energia elétrica. Entre estes termos, destaca-se, pela

importância no presente trabalho, os seguintes127:

Art. 2° Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais:

122

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 354-355. 123

CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. p. 141. 124

CAMPOS, Clever Mazzoni. Introdução ao direito de energia elétrica. p. 476. 125

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 354. 126

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; PAIXÃO, Leonardo André. Direito regulatório: temas polêmicos. p. 352. 127

CAMPOS, Clever Mazzoni. Introdução ao direito de energia elétrica. p. 477.

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46

[...] II- Concessionária ou permissionária: agente titular de concessão ou permissão federal para prestar o serviço público de energia elétrica, referenciado, doravante, apenas pelo termo concessionária. III - Consumidor: pessoa física ou jurídica, ou comunhão de fato ou de direito, legalmente representada, que solicitar a concessionária o fornecimento de energia elétrica e assumir a responsabilidade pelo pagamento das faturas e pelas demais obrigações fixadas em normas e regulamentos da ANEEL, assim vinculando-se aos contratos de fornecimento, de uso e de conexão ou de adesão, conforme cada caso.128

A respeito do termo consumidor, Cretella Júnior129 opina que, com

relação ao vínculo criado entre o usuário e a entidade prestadora dos serviços pode

ser diferenciado por três correntes:

Para uma primeira corrente, o vínculo jurídico entre usuário e concessionária é de natureza contratual. [...] Para uma segunda corrente, o vínculo entre usuário e concessionária é de natureza objetiva, legal, regulamentar. [...] Para uma terceira corrente, resposta única é insuficiente para resolver o problema da relação jurídica que se forma entre a entidade concessionária e o usuário, sendo tal vínculo, em alguns casos, de natureza estatutária, ao passo que, em outros de natureza tipicamente contratual.

Já Garcia130 menciona que “as disposições do Código do Consumidor,

introduzido pela Lei 8.078/90, também são aplicáveis às relações de consumo de

energia elétrica, conforme expressamente disposto pelo art. 7°, da Lei 8.987/95”.

Entretanto, lembra que131:

[...] se o usuário dos serviços de energia elétrica não utilizar o produto na qualidade de destinatário final, se o aplicar como insumo em seu processo produtivo, não poderá invocar a proteção do Código de Defesa do Consumidor, sendo neste sentido iterativa a jurisprudência dos Tribunais Pátrios, o que, na prática, cria duas categorias de usuários, quais sejam os „consumidores‟ para todos os efeitos, e os cognominados „insumidores‟, ambos designados de consumidores pela legislação do Setor Elétrico.

128

BRASIL. ANEEL. Resolução n° 456, de 29 de novembro de 2000. Estabelece de forma consolidada, as

Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica. 129

CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. p. 398. 130

GARCIA, Armando Suárez. Aspectos essenciais do fornecimento de energia elétrica. 2. ed. ampl. e atual. Rio

de Janeiro: ABRADEE, 2006. p. 69. 131

GARCIA, Armando Suárez. 2006. p. 71.

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47

Pereira132 compreende que a regulação normatizada através da

ANEEL tem o papel de “mimetizar o mercado, criando mecanismos de indução que

levem empresas reguladas a comportar-se como se em mercados competitivos

estivessem”.

E, para Aragão133:

A visão consumerista visa à proteção do indivíduo de per se como sujeito hipossuficiente diante do poder econômico das empresas, com foco eminentemente individualista, ainda que haja instrumentos processuais coletivos, de proteção do indivíduo consumidor. Já a visão publicista se foca na proteção dos cidadãos coletivamente considerados, se preocupando com a viabilização de um sistema prestacional equânime, universal e contínuo de garantia da prestação de determinadas atividades. (grifo do autor)

E denota-se que: “Nesse caso, o foco da preocupação não é apenas o

indivíduo enquanto tal, mas, sobretudo, o indivíduo enquanto cidadão, ou seja,

enquanto integrante de uma coletividade”.

Assim, após breve explicação da localização da Resolução 456 como

dispositivo adequado a regular o fornecimento de energia elétrica à população,

importante destacar a previsão na Resolução, acerca da suspensão do fornecimento

de energia elétrica.

Destarte, quanto à suspensão do fornecimento de energia elétrica aos

consumidores, a Resolução 456 prevê, entre seus artigos 90 a 94, os casos em que

é permitida tal ação por parte das concessionárias, veja-se134:

Art. 90. A concessionária poderá suspender o fornecimento, de imediato, quando verificar a ocorrência de qualquer das seguintes situações: I - utilização de procedimentos irregulares referidos no art. 72; II - revenda ou fornecimento de energia elétrica a terceiros sem a devida autorização federal; III - ligação clandestina ou religação à revelia; e

132

PEREIRA, Edgar Antônio; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 147. 133

ARAGÃO, Alexandre Santos de; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 164. 134

CAMPOS, Clever Mazzoni. Introdução ao direito de energia elétrica. p. 536-538.

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48

IV - deficiência técnica e/ou de segurança das instalações da unidade consumidora, que ofereça risco iminente de danos a pessoas ou bens, inclusive ao funcionamento do sistema elétrico da concessionária. Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal ao consumidor, nas seguintes situações: (*) Incluídos os parágs. 3º, alíneas “a” e “b” e o parág. 4º, no art. 91, pela RES ANEEL 614 de 06.11.2002, D.O de 07.11.2002, seção 1, p. 91, v. 139, n. 216. I - atraso no pagamento da fatura relativa a prestação do serviço público de energia elétrica; II - atraso no pagamento de encargos e serviços vinculados ao fornecimento de energia elétrica, prestados mediante autorização do consumidor; III - atraso no pagamento dos serviços cobráveis estabelecidos no art. 109; IV - atraso no pagamento de prejuízos causados nas instalações da concessionária, cuja responsabilidade tenha sido imputada ao consumidor, desde que vinculados à prestação do serviço público de energia elétrica; V - descumprimento das exigências estabelecidas nos arts. 17 e 31; VI - o consumidor deixar de cumprir exigência estabelecida com base no disposto no parágrafo único do art. 102; VII - quando, encerrado o prazo informado pelo consumidor para o fornecimento provisório, nos termos no art. 111, não estiver atendido o que dispõe o art. 3º, para a ligação definitiva; VIII - impedimento ao acesso de empregados e prepostos da concessionária para fins de leitura e inspeções necessárias. § 1º A comunicação deverá ser por escrito, específica e de acordo com a antecedência mínima a seguir fixada: a) 15 (quinze) dias para os casos previstos nos incisos I, II, III, IV e V; b) 30 (trinta) dias para os casos previstos no inciso VI; e c) 3 (três) dias para os casos previstos nos incisos VII e VIII.135

Assim, há que se considerar que existe previsão clara e objetiva que

permite a suspensão do fornecimento de energia elétrica ao consumidor

135

BRASIL. ANEEL. Resolução n° 456, de 29 de novembro de 2000. Estabelece de forma consolidada, as

Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica.

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49

inadimplente, prejudicando o disposto na essência do Princípio da Continuidade do

Serviço Público.

Não obstante, ainda no que tange à continuidade, Campos136 explica

que “a Lei n. 8.987/95, estabelece no parágrafo 3° que não se caracteriza como

descontinuidade do serviço a sua interrupção, em situação de emergência ou após

prévio aviso”. Entretanto, recorda que há doutrinadores que lecionam que:

[...] do confronto entre estas duas normas deve advir o entendimento, que a concessionária não poderá interromper o fornecimento de serviços essenciais, v.g. energia elétrica, mesmo havendo inadimplência do usuário, quando existir o interesse da coletividade.

Todavia, diante de tal polêmica, e levando em consideração o exposto

a respeito da legalidade da suspensão do fornecimento de energia, bem como da

aplicação do Princípio da Continuidade do Serviço Público ao caso em tela, é

fundamental observar como vem sendo tomadas decisões a este respeito pelos

Tribunais Pátrios, ou seja, o que a Jurisprudência vem analisando como prioritário

quando confrontados os dois princípios.

136

CAMPOS, Clever Mazzoni. Introdução ao direito de energia elétrica. p. 74.

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50

CAPÍTULO 3 O CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA E A

JURISPRUDÊNCIA

Observada a previsão legal na legislação pátria disciplinando o corte de

energia elétrica, bem como a argumentação em contrário, no sentido da não

permissão da suspensão do serviço prestado, em virtude de sua essencialidade,

passa-se agora a analisar o que vem sendo decidido pelos Tribunais Pátrios a

respeito do tema, quando confrontados Princípio da Legalidade e Princípio da

Continuidade do Serviço Público aplicados ao corte de energia elétrica.

Para tanto, optou-se por proceder tal análise nos Tribunais de Justiça

dos Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, além de breve estudo

das decisões em Tribunais de Justiça de outras regiões do país, bem como no

Superior Tribunal de Justiça (STJ).

3.1. Tribunais de Justiça do Sul do Brasil

As controvérsias sobre o tema são inúmeras nos Tribunais de Justiça

dos três estados do Sul do Brasil, onde é possível encontrar decisões em ambos os

sentidos, ou seja, tanto considerando a legalidade na suspensão do fornecimento de

energia elétrica, como também, em sentido oposto, acatando o entendimento de que

não é legal o corte de energia elétrica, tomando por base o Princípio da

Continuidade do Serviço Público. Assim, os que defendem tal posicionamento,

compreendem que, tomando tal atitude, as concessionárias estariam ferindo a

dignidade dos usuários. Nesse sentido, segue a ementa da jurisprudência a seguir,

do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONSUMIDOR INADIMPLENTE. POSSIBILIDADE. ATO REVESTIDO DE LEGALIDADE. RESOLUÇÃO N. 456/00 DA

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51

ANEEL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ALEGADO DANO MORAL. RECURSO DA CONCESSIONÁRIA PROVIDO.137 (grifo nosso)

Portanto, compreende este Tribunal estar em conformidade com a

legislação pátria a ação da concessionária, ao cortar o fornecimento de energia ao

consumidor inadimplente. Do corpo do referido acórdão é possível retirar o seguinte

ensinamento:

Verificada a inadimplência do consumidor quanto ao pagamento das faturas, está autorizada a concessionária prestadora de serviço público, após prévio aviso, a suspender o fornecimento de eletricidade, conforme previsto no art. 91, I, da Resolução n. 456/00 da Aneel. [...] Demonstrada a inexistência de ato ilícito, em virtude do exercício regular do direito por parte da concessionária/acionada, descaracterizada se acha a configuração do dano moral.138

A decisão do Tribunal de Justiça Catarinense, no sentido de considerar

legal a suspensão no fornecimento de energia não é isolada. Também no

entendimento de que tal ato é revestido de legalidade, desde que havendo o

cumprimento do aviso prévio, segue outra jurisprudência do Tribunal de Justiça

Catarinense:

EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA - CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR - AVISO PRÉVIO DEMONSTRADO - RESOLUÇÃO N. 456/00 DA ANEEL - POSSIBILIDADE. Verificada a inadimplência do consumidor quanto ao pagamento das faturas, está autorizada a concessionária prestadora de serviço público, após prévio aviso, a suspender o fornecimento de eletricidade, conforme previsto no art. 91, I, da Resolução n. 456/00 da Aneel.139

137

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2008.016043-4, de

Araranguá. Des. Relator: Vanderlei Romer. Data da decisão: 29/04/2008. Disponível em: <

http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!rtf.action?qID=AAAG%2B9AAMAAAwvhAAC&qProcesso=2

008.016043-4 >. Acesso em: 22 abril 2009. 138

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2008.016043-4, de

Araranguá. Des. Relator: Vanderlei Romer. Data da decisão: 29/04/2008. Disponível em: <

http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!rtf.action?qID=AAAG%2B9AAMAAAwvhAAC&qProcesso=2

008.016043-4 >. Acesso em: 22 abril 2009. 139

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.029695-6, de

São Miguel do Oeste. Des. Relator: Volnei Carlin. Data da decisão: 10/12/2007. Disponível em: <

http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!rtf.action?qTodas=&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qD

ataFim=&qProcesso=2007.029695-

6&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pa

geCount=10&qID=AAAG%2B9AAIAAAAscAAE >. Acesso em: 22 abril 2009.

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52

Do voto do acórdão é possível extrair a seguinte lição, também

baseada na orientação prevista na Resolução n. 456/2000, da ANEEL:

Sabe-se que a interrupção de eletricidade é perfeitamente legal, com prévio aviso, conforme dispõe a Resolução n. 456/00 da ANEEL, in verbis: Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal ao consumidor, nas seguintes situações: I - atraso no pagamento da fatura relativa a prestação do serviço público de energia elétrica. É entendimento pacífico de que a inadimplência por parte do consumidor enseja o direito de interromper os serviços, matéria prevista expressamente em legislação específica, qual seja, a Lei das Concessões (Lei n. 8.987/95). Veja: Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.140

Por fim, jurisprudência datada do ano corrente, discorrendo também

neste sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO – CELESC – CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – DÉBITOS PAGOS EQUIVOCADAMENTE PELA USUÁRIA – FATURAS NÃO PAGAS – INADIMPLÊNCIA COMPROVADA – CIÊNCIA DO DÉBITO – CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA – EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – ATO ILÍCITO DESCARACTERIZADO – REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CONFIGURADOS – DANOS

140

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.029695-6, de

São Miguel do Oeste. Des. Relator: Volnei Carlin. Data da decisão: 10/12/2007. Disponível em: <

http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!rtf.action?qTodas=&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qD

ataFim=&qProcesso=2007.029695-

6&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pa

geCount=10&qID=AAAG%2B9AAIAAAAscAAE >. Acesso em: 22 abril 2009.

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MORAIS INEXISTENTES – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. A empresa concessionária tem obrigação de prestar serviços públicos essenciais adequados, eficientes, seguros e contínuos (CDC, art. 22). Essa continuidade poderá ser interrompida, contudo, se houver inadimplência de parte do usuário, caso em que pode haver corte no fornecimento, após aviso (art. 6º, § 3º, inc. II, da Lei n. 8.987/95). Ignorando aviso de débito referente a uma fatura, com advertência sobre a possibilidade de interrupção do fornecimento, a autora não pode alegar desconhecimento da existência do débito, nem danos morais, pois concorreu de forma exclusiva para o corte do fornecimento de energia elétrica em sua residência, tendo a fornecedora agido no exercício regular de um direito, uma vez que aquela não pagou corretamente as faturas inadimplidas.141 (Grifos nossos)

Ainda sobre o assunto, Garcia destaca que, de acordo com o modelo

constitucional vigente, por ser a delegação dos serviços de energia elétrica delegada

à pessoas jurídicas de direito privado, é possível dizer que este “serviço é sempre

executado por particulares mediante o exercício da atividade econômica”142,

formando um contrato entre concessionário e consumidor de energia elétrica. Assim,

estes contratos são considerados bilaterais, conforme disciplina o art. 476, do

Código Civil:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.143

Comentando o citado artigo, Sílvio Rodrigues explana que:

Portanto, nos contratos bilaterais, existe um elo a prender as obrigações dos contratantes, as quais só se justificam como causa recíproca uma da outra. O cumprimento da prestação de uma das partes, sem o co-respectivo cumprimento da prestação cabente à outra, instalaria um desequilíbrio no contrato, que se chocaria com a

idéia de justiça.144

141

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2009.006028-5, de

Araranguá. Des. Relator: Jaime Ramos. Data da decisão: 26/03/2009. Disponível em: <

http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!rtf.action?qTodas=&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qD

ataFim=&qProcesso=2009.006028-

5&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pa

geCount=10&qID=AAAG%2B9AALAAA1KYAAQ >. Acesso em: 22/04/2009. 142

GARCIA, Armando Suárez. Aspectos essenciais do fornecimento de energia elétrica. p. 172. 143

BRASIL. Código Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 2002. 144

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 73-74.

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54

Também Diniz explica que “cada um terá direito de exigir do outro o

cumprimento contratual, sob pena de suportar as conseqüências decorrentes”.145

Desta forma, é preciso se ter em mente que, para que o serviço possa

ser disponibilizado de forma contínua pelo concessionário:

[...] é necessário que este possa, em primeiro lugar, adquirir a energia elétrica das suas Supridoras, e por ela pagar pontualmente, para, a seguir, fazer os investimentos e despesas necessários para assegurar a continuidade do desejado serviço.146

Demonstradas as alegações daqueles que defendem, no Tribunal de

Justiça Catarinense, a suspensão do fornecimento de energia elétrica, em caso de

inadimplência, oportuno esclarecer a existência de posicionamento contrário, como

se verá a seguir, através de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA COMO MEIO DE COAÇÃO AO PAGAMENTO DE CONTAS. ILEGALIDADE. Mostra-se ilegal, injusto e irrazoável o procedimento da fornecedora de energia elétrica (CEEE), por meio do seu preposto, em cortar o fornecimento deste bem essencial em propriedade do recorrente. A energia elétrica é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. Os artigos 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. O corte da eletricidade, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou coibir eventual irregularidade, extrapola os limites da legalidade. Não há de se prestigiar atuação da justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. O direito do cidadão de utilizar-se dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. Em não comprovada nos autos a existência do ato dito ilegal ou abusivo, não pode tal pretensão vir amparado pela via do mandado de segurança. Recurso provido em parte.147 (Grifei)

145

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.

23. ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 46. 146

GARCIA, Armando Suárez. Aspectos essenciais do fornecimento de energia elétrica. p. 178. 147

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.

70003990256, de Pelotas. Des. Relator: Carlos Roberto Lofego Caníbal. Data da decisão: 09/10/2002.

Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php >. Acesso em: 27 abril 2009.

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E o Desembargador Lofego Caníbal, relator da decisão acima

transcrita, manteve o mesmo posicionamento, em decisão mais recente:

Não se ignora a existência da legislação referida pela demandada, onde é previsto o corte no fornecimento de energia elétrica quando houver inadimplemento por parte do consumidor. Entretanto, a lei veda prática abusiva que tal por se traduzir em coação ilegal como disposto nos artigos 42 e parágrafo único, 51, IV, § 1°, I e II e 54, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, em se tratando de serviço essencial, fornecimento de energia elétrica, os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos na forma do disposto no art. 22, do CDC, respondendo as pessoas jurídicas pelos danos causados na forma do disposto no parágrafo único, do art. 22 e da legislação civil, inclusive por dano moral. Significa o proceder, em verdade, nítida coação vedada pelo CDC, para que seja pago o eventual débito relativo ao fornecimento de serviços.148

E conclui, desta forma, o Ilustre Desembargador:

Neste passo, e, em consonância com o entendimento que venho sustentando perante esta Corte, bem como o entendimento maciço desta, a negativa ao fornecimento de energia elétrica como coação ao pagamento da tarifa se mostra ilegal, injusto e irrazoável, devendo ser afastado, mormente porque possui a concessionária, meios próprios para a cobrança de seus créditos.149

A respeito da aplicação do CDC, Aragão defende que:

A evolução liberalizante do Estado, combinada com a visão de um Estado cada vez mais garantidor, não limitador, de direitos, está fazendo com que a noção européia de interesse público esteja se aproximando daquela anglo-saxônica, com conseqüências diretas sobre a aplicação do Direito do Consumidor – um Direito Privado –

aos usuários do serviço público. 150

148

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.

70023788938, de Caxias do Sul. Des. Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal. Data da decisão: 27/08/2008.

Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php >. Acesso em: 27 abril 2009. 149

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.

70023788938, de Caxias do Sul. Des. Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal. Data da decisão: 27/08/2008.

Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php >. Acesso em: 27 abril 2009. 150

ARAGÃO, Alexandre Santos de; LANDAU, Elena (Coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. p. 170.

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56

Assim, Aragão não acredita na tese da supremacia do interesse

público, pois considera que “não há um interesse público absolutamente

considerado que deva prevalecer sobre os interesses particulares”151.

Outra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é

ementada da seguinte forma:

EMENTA: DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO FIXADO EM ACORDO EXTRAJUDICIAL NÃO CUMPRIDO. POSSIBILIDADE. COAÇÃO DA AUTORA PARA FIRMAR A AVENÇA NÃO DEMONSTRADA. 1. O valor oriundo de parcelamento de débito pelo fornecimento de energia elétrica não se trata de débito pretérito. Hipótese de suspensão do fornecimento da energia elétrica configurada entre as listadas na Resolução nº 456 da ANEEL (art. 91 c/c art. 104), desde que comprovada a inadimplência e cientificado por escrito o consumidor. 2. No decorrer da instrução, não restou demonstrada a coação da autora em firmar o termo de reconhecimento e parcelamento de dívida, razão pela qual mantém-se hígida a avença. 3. Precedente do Superior Tribunal de Justiça conferido.152

Segue entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,

sobre o assunto:

O art. 22, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que os serviços essenciais devem ser prestados de maneira contínua. Já o art. 42, da mesma Lei Consumerista, prescreve que o consumidor inadimplente não pode ser submetido a constrangimento ou ameaça na cobrança de débitos. A essencialidade, no caso, há de ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo serviço indispensável à vida em comunidade, em uma sociedade de consumo. Incluem-se aí não só os serviços públicos strictu sensu, mas também os de utilidade pública. Portanto, resta evidente a necessidade de que tal serviço seja fornecido de maneira contínua. Por outro lado, a suspensão no fornecimento caracteriza-se claramente ameaça e constrangimento ao consumidor, tornando-se uma verdadeira justiça privada.

151

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 206. 152

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n.

70026616169, de Porto Alegre. Des. Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco. Data da decisão: 30/04/2009.

Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php >. Acesso em 13 maio 2009.

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O Código de Defesa do Consumidor objetiva justamente impedir situações que atormentem o consumidor de tal maneira, transformando a cobrança numa condenação adicional. É inegável que a interrupção do fornecimento de energia elétrica traz inúmeros incômodos ao consumidor, dificultando até mesmo a sua própria sobrevivência e, no caso concreto, a continuidade de sua atividade comercial.153

Também neste sentido a decisão a seguir, ainda do Tribunal de Justiça

Paranaense:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - LIMINAR CONCEDIDA PARA DETERMINAR SEJA RESTABELECIDO, DE IMEDIATO, O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA AO AUTOR - DECISUM CORRETO - INVIABILIDADE DE CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA PELA COPEL - SERVIÇO CONSIDERADO ESSENCIAL - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO DESPROVIDO.154

É possível retirar a seguinte lição do corpo do acórdão:

Assim, reconhecida a essencialidade do serviço de fornecimento de energia elétrica, incabível a sua interrupção. Existente o inadimplemento, cabe à prestadora de serviço valer-se dos meios judiciais de satisfação do crédito que lhe são conferidos pelo direito.155

Contudo, a divergência de opiniões é tão grande que no mesmo

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é possível encontrar decisões em sentido

contrário, vejamos:

Se a concessionária, por um lado, tem obrigação de fornecer indistintamente a energia elétrica, tem o direito de receber pelos

153

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento n. 496.836-9, de Londrina. Des.

Relator: Fernando Wolff Bodziak. Data da decisão: 10/12/2008. Disponível em: <

http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaDetalhes.asp?Sequencial=1&Total

Acordaos=2&Historico=1&AcordaoJuris=762697 >. Acesso em: 13 maio 2009. 154

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento n. 377.855-0, do Foro Central da

Região Metropolitana de Curitiba. Relator: Juiz Conv. Luiz A. Barry. Data da decisão: 28/02/2007. Disponível

em: < http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp >. Acesso em:

13 maio 2009. 155

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento n. 377.855-0, do Foro Central da

Região Metropolitana de Curitiba. Relator: Juiz Conv. Luiz A. Barry. Data da decisão: 28/02/2007. Disponível

em: < http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp >. Acesso em:

13 maio 2009.

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serviços prestados (princípio da retribuição) podendo ser interrompido em caso de inadimplência.156

No voto do referido acórdão é informado que foram devolvidas à

apreciação daquela Corte as seguintes questões:

1. Legalidade ou não da suspensão no fornecimento de energia elétrica. a) Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. b) Do princípio da continuidade do serviço público. c) Da decisão da ANEEL sobre o recurso administrativo.157

E, no que tange à aplicação do CDC, explanou:

Referidas normas consumeristas, notadamente as dos artigos 22 e 42, não têm o condão de evitar a interrupção no fornecimento de energia elétrica em caso de inadimplemento, pois referida conduta não configura exposição ao ridículo, nem qualquer tipo de constrangimento ou ameaça ao consumidor, visto que expressamente previsto em lei.158

Já no que se refere ao princípio da continuidade do serviço público:

Ora, embora seja inegável que o fornecimento de energia elétrica é requisito essencial à pessoa humana, também não se pode negar que deve haver uma contraprestação dos usuários e, uma vez inobservado esse dever, é perfeitamente possível a suspensão do fornecimento sem que isso implique em ofensa à dignidade da pessoa humana, eis que a própria norma legal permite a limitação dos serviços nos aludidos casos como exceção ao referido princípio.

Destarte, diante da evidente divergência de acórdãos, que em um

mesmo Tribunal há decisões considerando ser incabível a suspensão de

fornecimento de energia a um consumidor inadimplente – pelo fato da

156

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 347.301-8, de Imbituva. Des. Relator:

Marcos de Luca Fanchin. Data da decisão: 23/01/2007. Disponível em: <

http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp >. Acesso em: 13

maio 2009. 157

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 347301-8, de Imbituva. Des. Relator:

Marcos de Luca Fanchin. Data da decisão: 23/01/2007. Disponível em: <

http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp >. Acesso em: 13

maio 2009. 158

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 347301-8, de Imbituva. Des. Relator:

Marcos de Luca Fanchin. Data da decisão: 23/01/2007. Disponível em: <

http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp >. Acesso em: 13

maio 2009.

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concessionária ter outros meios para efetuar a cobrança dos débitos -, por outro

lado, em outro acórdão, considera possível a suspensão do fornecimento, por

interpretar que tal fato não implica em ofensa à dignidade da pessoa humana, tendo

em vista que tal atitude é considerada legal.

3.2. Tribunais de Justiça de outras regiões do Brasil

Em outros Estados da nação a discrepância sobre o assunto não difere

muito da encontrada nos Tribunais de Justiça dos Estados que compõem a região

Sul. Desta forma, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui decisões no

seguinte sentido:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. CORTE DE FORNECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.159

E do corpo do acórdão se vislumbra a seguinte observação, acerca da

impossibilidade de corte no fornecimento:

A energia constitui, no entendimento pacífico consagrado por esta Colenda Câmara, serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. (...) Admitir-se a utilização de corte do fornecimento de energia elétrica, como forma de coação ao pagamento pelo inadimplente, importa agressão aos princípios basilares do ordenamento constitucional e do Código de Defesa do Consumidor. Fere-se, com toda a evidência, o princípio da dignidade da pessoa humana e o da proteção do usuário. Nesse diapasão, o interesse financeiro da concessionária não pode ser oposto aos princípios elencados. Além disso, como acentuou a digna Professora Dra. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, que honra esta casa: „A concessionária tem meios de obter seus créditos pelas vias judiciais, não lhe sendo permitido adotar medidas coativas

159

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 1246496-0/8, de

Lorena. Des. Relator: Emanuel Oliveira. Data da decisão: 06/04/2009. Disponível em: <

http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/confereCodigo.do >. Acesso em 13 maio 2009.

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para auto tutelar seu interesse. Deve executar o crédito valendo-se do título que obteve‟. (AI n° 882.624-0/3, 34ª Câm., j. 09/03/2005).160

Em contrapartida, no Estado de Mato Grosso do Sul versa decisão

sobre o mesmo tema:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. QUEIMA DE EQUIPAMENTOS ELÉTRICOS. INVERSÃO DE FASES. CULPA RECONHECIDA PELA CONCESSIONÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO PREJUÍZO HAVIDO COM O CANCELAMENTO DE SERVIÇOS. NÃO-APRESENTAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO DE FUNCIONÁRIOS. POSTERIOR SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA. AUSÊNCIA DE PROVA DE EXISTÊNCIA DE ACORDO DE COMPENSAÇÃO. INADIMPLÊNCIA CONFIGURADA. LEGALIDADE DA SUSPENSÃO. RESPONSABILIZAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA PELOS PREJUÍZOS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.161

E, diferentemente do encontrado no Tribunal de Justiça Paulista, se

destaca a lição do voto do acórdão acima citado:

Dessa maneira, uma vez constatado que a suspensão do fornecimento de energia à recorrente foi decorrência direta de sua inadimplência, não há falar em culpa da recorrida, visto que agiu no regular exercício de um direito coletivo. O princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos, segundo o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, é decorrência da obrigatoriedade da ação administrativa que, por seu turno, é consectário do princípio da indisponibilidade dos interesses coletivos.

(...)

Acontece, no entanto, que, se é verdade que o fornecimento de serviços públicos, dentre os quais o de energia elétrica, hoje é considerado essencial, não é menos verdade o fato de que para ser eficientemente prestado deve haver a devida contraprestação de seu consumidor. Fornecimento contínuo e ininterrupto não quer significar fornecimento gratuito. Nem se diga, ainda, que o fornecedor, para receber pelo

160

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 1246496-0/8, de

Lorena. Des. Relator: Emanuel Oliveira. Data da decisão: 06/04/2009. Disponível em: <

http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/confereCodigo.do >. Acesso em 13 maio 2009. 161

MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Apelação Cível n.

2004.006384-9/0000-00, de Campo Grande. Des. Relator: Horácio Vanderlei Nascimento Pithan. Data da

decisão: 25/07/2006. Disponível em: <

http://www.tj.ms.gov.br/cposg/pcpoResultadoConsProcesso2Grau.jsp?&CDP=010002NWQ0000&nuProcesso=

2004.006384-9 >. Acesso em: 13 maio 2009.

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serviço ou interromper a sua prestação que não é correspondida, deve sempre recorrer às vias judiciais.162

Assim também se manifesta decisão do Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA. CORTE NO FORNECIMENTO. POSSIBILIDADE. EXEGESE DAS LEIS N.º 8987/95 E RESOLUÇÃO N.º 456/00 DA ANEEL. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IGUALDADE. OBSERVÂNCIA. SITUAÇÕES PECULIARES DE DOENÇA GRAVE QUE DEMANDAM A UTILIZAÇÃO DE ENERGIA. DEVER DE ASSISTÊNCIA DO ESTADO, E NÃO DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. PENA DE DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE A QUE FOI CRIADA. APELO PRINCIPAL PROVIDO, PREJUDICADO O ADESIVO. 1. Ex vi do que dispõem a Lei n.º 8.987/95 e a Resolução n.º 456/00 da ANEEL, é possível o corte de fornecimento de serviços essenciais (tal como energia elétrica), especificamente em razão da inadimplência da tarifa pelo usuário, pena de violação ao princípio da legalidade e da igualdade. 2. O Estado tem o dever de prestar assistência a situações peculiares de doença (grave ou não, passageira ou permanente, própria ou de dependente, inclusive que demandam a utilização de energia elétrica), por meio de suas Secretarias (Assistência Social e Saúde), constituídas para tais fins, ressaindo inadmissível que a CEMIG - concessionária de serviço público - tenha de arcar com esse ônus, que, definitivamente, não é seu, pena de desvirtuamento de sua finalidade institucional.163 (grifo nosso).

E do voto do acórdão se retira:

162

MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Apelação Cível n.

2004.006384-9/0000-00, de Campo Grande. Des. Relator: Horácio Vanderlei Nascimento Pithan. Data da

decisão: 25/07/2006. Disponível em: <

http://www.tj.ms.gov.br/cposg/pcpoResultadoConsProcesso2Grau.jsp?&CDP=010002NWQ0000&nuProcesso=

2004.006384-9 >. Acesso em: 13 maio 2009. 163

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0024.05.697047-

8/001, de Belo Horizonte. Des. Relator: Nepomuceno Silva. Data da decisão: 13/06/2008. Disponível em: <

http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt_/juris_resultado.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=&ano=&txt_processo=&d

v=&complemento=&acordaoEmenta=acordao&palavrasConsulta=DIREITO+ADMINISTRATIVO.+ENERGIA

+EL%C9TRICA.+INADIMPL%CANCIA.+CORTE+NO+FORNECIMENTO.+POSSIBILIDADE.+EXEGESE

+DAS+LEIS+N.%BA+8987%2F95+E+RESOLU%C7%C3O+N.%BA+456%2F00+DA+ANEEL.+PRINC%CD

PIOS+DA+LEGALIDADE+E+DA+IGUALDADE.+OBSERV%C2NCIA.+SITUA%C7%D5ES+PECULIARE

S+DE+DOEN%C7A+GRAVE+QUE+DEMANDAM+A+UTILIZA%C7%C3O+DE+ENERGIA.+DEVER+DE

+ASSIST%CANCIA+DO+ESTADO%2C+E+N%C3O+DA+CONCESSION%C1RIA+DE+SERVI%C7O+P%

DABLICO.+PENA+DE+DESVIRTUAMENTO+DA+FINALIDADE+A+QUE+FOI+CRIADA.+APELO+PRI

NCIPAL+PROVIDO%2C+PREJUDICADO+O+ADESIVO.&tipoFiltro=and&orderByData=0&relator=&dataIn

icial=&dataFinal=02%2F07%2F2009&resultPagina=10&dataAcordaoInicial=&dataAcordaoFinal=&pesquisar=

Pesquisar >. Acesso em: 13 maio 2009.

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62

Em casos que tais, tenho entendimento firmado no sentido de ser possível o corte de fornecimento de serviços essenciais (tais como água e energia elétrica), após regular e prévia notificação, especificadamente em razão da inadimplência da tarifa pelo usuário, posto que, em que pese a reconhecida necessidade de todos, ao uso desses serviços, não é razoável admitir-se que usuários inadimplentes sejam protegidos pelo princípio da continuidade, previsto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, em detrimento e desrespeito àqueles que cumprem com suas obrigações perante o fornecedor, pena de se criar intolerável desigualdade entre os consumidores.164

No Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo há decisões no

seguinte sentido:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - SUSPENSÃO FORNECIMENTO ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO - POSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. 1 - Há expressa previsão normativa no sentido de suspensão do fornecimento de energia elétrica ao usuário que deixa de efetuar a contraprestação ajustada. 2 - A Resolução nº 456, de 29⁄11⁄2000, da ANEEL, responsável pela regulamentação do setor energético no país, contemplou a possibilidade de suspensão do fornecimento do serviço em várias hipóteses. 3 - Recebe o usuário, se admitida a impossibilidade de suspensão do serviço, reprovável estímulo à inadimplência. 4 - As alegações de hipossuficiência devem ser comprovadas, não bastando alegar dificuldade financeira, estado de saúde debilitado etc.165

Da mesma maneira também decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do

Ceará:

164

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0024.05.697047-

8/001, de Belo Horizonte. Des. Relator: Nepomuceno Silva. Data da decisão: 13/06/2008. Disponível em: <

http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt_/juris_resultado.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=&ano=&txt_processo=&d

v=&complemento=&acordaoEmenta=acordao&palavrasConsulta=DIREITO+ADMINISTRATIVO.+ENERGIA

+EL%C9TRICA.+INADIMPL%CANCIA.+CORTE+NO+FORNECIMENTO.+POSSIBILIDADE.+EXEGESE

+DAS+LEIS+N.%BA+8987%2F95+E+RESOLU%C7%C3O+N.%BA+456%2F00+DA+ANEEL.+PRINC%CD

PIOS+DA+LEGALIDADE+E+DA+IGUALDADE.+OBSERV%C2NCIA.+SITUA%C7%D5ES+PECULIARE

S+DE+DOEN%C7A+GRAVE+QUE+DEMANDAM+A+UTILIZA%C7%C3O+DE+ENERGIA.+DEVER+DE

+ASSIST%CANCIA+DO+ESTADO%2C+E+N%C3O+DA+CONCESSION%C1RIA+DE+SERVI%C7O+P%

DABLICO.+PENA+DE+DESVIRTUAMENTO+DA+FINALIDADE+A+QUE+FOI+CRIADA.+APELO+PRI

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Pesquisar >. Acesso em: 13 maio 2009. 165

ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Apelação Cível n. 11039001950, de

Cachoeiro de Itapemirim. Des. Relator: Jorge Góes Coutinho. Data da decisão: 18/02/2004. Disponível em: <

http://www.tj.es.gov.br/cfmx/portal/Novo/Ementa_sem_formatacao_ACORD.cfm?CDRECURS=101541 >.

Acesso em: 13 maio 2009.

Page 64: O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE …siaibib01.univali.br/pdf/Leonardo Fabio Contin da Costa.pdf · das concessionárias de energia e das agências reguladoras – no

63

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PARCELAMENTO DA DÍVIDA. IMPRODEDÊNCIA DO PEDIDO. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. 1. A parte credora não está obrigada a aceitar o parcelamento da dívida sem prévia pactuação, motivo pelo qual se impõe a improcedência do pedido. 2. É lícita a suspensão do fornecimento de energia elétrica, após aviso prévio ao usuário inadimplente. 3. Embora se trate de serviço essencial, a continuidade na sua prestação individual é condicionada ao regular pagamento das tarifas pelo usuário, sob pena de prejudicar toda a coletividade. 4. Recurso conhecido, porém não provido.166

E do voto do acórdão obtém-se a seguinte análise, acerca da

possibilidade ou não de a concessionária de serviço público suspender o

fornecimento motivado pelo inadimplemento do consumidor:

De um lado, defende-se de forma genérica a impossibilidade da suspensão, sob o fundamento de que os serviços essenciais devem ser contínuos, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e no disposto no artigo 22 do CDC. De outro lado, defende-se a possibilidade da suspensão enquanto o usuário estiver inadimplente, sob o argumento de que é necessário um equilíbrio sistêmico na prestação do serviço e que a obrigatoriedade de fornecimento do serviço essencial estabelecida no art. 22 do CDC não abrange a gratuidade deste. Além disso, com inadimplências sucessivas, o valor da tarifa teria que ser arcado de alguma forma ou pelos usuários adimplentes ou subsidiado pelo Erário, significando a participação de toda a sociedade. Ademais, a Lei nº 8.987/95 já referida, em seu art. 6º, §3º, II, não caracteriza como descontinuidade do serviço, a sua interrupção, após prévio aviso, quando se der por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade. (grifo nosso).167

No Maranhão grande parte dos julgados se posiciona contrário ao corte

no fornecimento de energia, pelo seguinte motivo:

166

CEARÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Apelação Cível n. 2007.0015.1091-4/1, de Fortaleza. Des.

Relator: Antônio Abelardo Benevides Moraes. Data da decisão: 19/01/2009. Disponível em: <

http://www4.tjce.jus.br/sproc2/paginas/Acordao.htm >. Acesso em: 14 maio 2009. 167

CEARÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Apelação Cível n. 2007.0015.1091-4/1, de Fortaleza. Des.

Relator: Antônio Abelardo Benevides Moraes. Data da decisão: 19/01/2009. Disponível em: <

http://www4.tjce.jus.br/sproc2/paginas/Acordao.htm >. Acesso em: 14 maio 2009.

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EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. REMESSA. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA. I - É defeso à concessionária de energia elétrica efetuar o corte de seus serviços, de natureza essencial, com o objetivo de compelir o consumidor ao pagamento de conta em atraso, eis que dispõe das vias judiciais para cobrá-las. II - Inexistindo justa causa para a suspensão ou corte no fornecimento de energia elétrica, afigura-se ilegal e abusivo o ato tendente à quebra do princípio da continuidade previsto no art. 22, do CDC, mormente quando praticado para compelir o consumidor a adimplir dívida controversa e pretérita. III - Remessa improvida.168

E assim se extrai do voto:

Cinge-se, portanto, a discussão destes autos acerca do direito líquido e certo do impetrante de não ter a energia cortada por falta de pagamento, sem que, para isso, sejam esgotados todos os meios judiciais de cobrança, ante a natureza essencial de tais serviços. Conforme a Resolução da ANEEL, de fato, é facultado à empresa prestadora de serviços públicos de energia elétrica o corte do fornecimento de energia desde que haja prévia notificação do devedor. Ocorre que, o corte não deve ter como objetivo forçar o devedor ao pagamento das contas em atraso, eis que dispõe das vias próprias para cobrança de tais débitos, a teor do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor.

(...)

Embora, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tenha se posicionado favorável ao corte de energia elétrica do consumidor inadimplente que tenha sido notificado previamente para pagá-lo e não o faz, entendo que cada caso deve ser analisado isoladamente.169

Segue decisão também neste sentido, do Tribunal de Justiça do Estado

de Rondônia:

EMENTA: ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO ESSENCIAL. CONTINUIDADE. CONTAS EM ATRASO. FORNECIMENTO. SUSPENSÃO. ILEGALIDADE. É ilegal a suspensão do fornecimento de energia elétrica, serviço essencial de caráter contínuo, como meio

168

MARANHÃO. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Acórdão n. 74.156/2008, de Imperatriz. Des.

Relator: Jorge Rachid Mubárack Maluf. Data da decisão: 12/06/2008. Disponível em: <

http://www.tjma.jus.br/site/cons/jurisp/vw_proc2g.php?processo=169962007 > Acesso em: 14 maio 2009. 169

MARANHÃO. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Acórdão n. 74.156/2008, de Imperatriz. Des.

Relator: Jorge Rachid Mubárack Maluf. Data da decisão: 12/06/2008. Disponível em: <

http://www.tjma.jus.br/site/cons/jurisp/vw_proc2g.php?processo=169962007 > Acesso em: 14 maio 2009.

Page 66: O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE …siaibib01.univali.br/pdf/Leonardo Fabio Contin da Costa.pdf · das concessionárias de energia e das agências reguladoras – no

65

de compelir o consumidor a quitar débito em atraso, por haver meios legais para esse fim.170

Do corpo do acórdão é possível observar a seguinte lição:

Esta Corte, como as Cortes Superiores, tem reiterado o entendimento de ser o fornecimento de energia elétrica serviço essencial, caracterizado pela continuidade da prestação. Sua suspensão é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor e sujeita a danos morais. Não há, pois, fundamento a amparar a pretensão da ré em suspender o fornecimento de energia a cada vez que o consumidor atrasa o pagamento da conta por mais de 15 (quinze) dias como meio de compeli-lo a quitar débito. Para esse fim, há meios legais próprios como a ação de cobrança e a execução de título extrajudicial, não podendo o consumidor se ver ameaçado e constrangido a cada atraso, mesmo porque a requerida é pessoa jurídica de direito privado, e, conquanto seja concessionária de serviços públicos, seus atos não se revestem do atributo da auto-executoriedade a ponto de impô-los de forma imediata, sem prévia apreciação judicial.171

Aplicando interpretação diversa da anteriormente citada ao disposto no

CDC, segue decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que ementou da

seguinte forma:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELETRICA. INADIMPLEMENTO. AUSENCIA DE COMPROVACAO DE NAO CONTEMPORANEIDADE DO DEBITO. POSSIBILIDADE. NAO CABIMENTO DE APLICACAO ISOLADA DO ART. 22, DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1- VERIFICA-SE A POSSIBILIDADE DE INTERRUPCAO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELETRICA A CONSUMIDOR INADIMPLENTE, DADA A NECESSIDADE DE SE PRESERVAR A CONTINUIDADE E A QUALIDADE DA PRESTACAO DOS SERVICOS A COLETIVIDADE, SOBRETUDO SE NAO COMPROVADO QUE A INADIMPLENCIA SE REFERE A DEBITOS PRETERITOS. 2- A NORMA INSERTA NO ART. 22 DO CDC DEVE SER CONJUGADA COM AQUELE PREVISTA NA LEI Nº 8.987/95 - QUE REGULA A CONCESSAO E PERMISSAO DOS SERVICOS PUBLICOS - QUE PREVE, EM SEU ART. 6º, §3º, II, A

170

RONDÔNIA. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 200.000.2002.003296-0, de Ji-

Paraná. Des. Relator: Eliseu Fernandes. Data da decisão: 26/02/2004. Disponível em: <

http://www.tj.ro.gov.br/cj/faces/jsp/listaDocumentos.jsp >. Acesso em: 14 maio 2009. 171

RONDÔNIA. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 200.000.2002.003296-0, de Ji-

Paraná. Des. Relator: Eliseu Fernandes. Data da decisão: 26/02/2004. Disponível em: <

http://www.tj.ro.gov.br/cj/faces/jsp/listaDocumentos.jsp >. Acesso em: 14 maio 2009.

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POSSIBILIDADE DE CORTE, EIS QUE A CONTINUIDADE DO SERVICO, SEM O EFETIVO PAGAMENTO, QUEBRA O PRINCIPIO DA IGUALDADE DAS PARTES E OCASIONA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.172

E, por fim, decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do

Amazonas:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – MEDIDA CAUTELAR E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – DIFERENÇAS - USUÁRIO DE ENERGIA ELÉTRICA INADIMPLENTE – CORTE NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO. - A tutela antecipada consubstancia um julgamento prematuro do mérito da ação, apenas proferido nos limites que a lei impõe. Este instituto tem o caráter satisfativo seja parcial seja total da própria tutela postulada na ação de conhecimento. Enfim, a tutela antecipada não visa a garantia do resultado prático da ação e nem protege o direito do autor, ainda dependente de julgamento final, mas concede de logo o que o autor deve alcançar no julgamento final da causa. - A jurisprudência, embora ainda vacilante, já vem admitindo o corte de fornecimento de energia elétrica, se o consumidor, reiteradamente notificado, continua inadimplente, de vez que é possível o entendimento de que o consumidor renitente em quitar o seu débito, não tem o direito de usufruir o serviço em detrimento dos outros usuários que cumprem a sua obrigação.173

E assim se extrai do voto do acórdão, ponderando a respeito do

disposto no CDC:

De outra face, na questão meritória, vislumbra-se um possível direito da agravante, de vez que a jurisprudência, embora ainda vacilante, já vem admitindo o corte de fornecimento de energia elétrica, se o consumidor, reiteradamente notificado, continua inadimplente, já que é possível o entendimento de que o consumidor renitente em quitar o seu débito, não tem o direito de usufruir o serviço em detrimento dos outros usuários que cumprem a sua obrigação. Na verdade, há de convir, que a continuidade do serviço público essencial, prevista no art. 22, do CDC, não é absoluta, cedendo quando o consumidor, ou o usuário, deixa de satisfazer suas obrigações continuamente, mesmo

172

GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Agravo de Instrumento n. 69573-7/180, de Formosa. Des.

Relator: Camargo Neto. Data da decisão: 30/04/2009. Disponível em: <

http://www.tjgo.jus.br/index.php?sec=consultas&item=decisoes&subitem=jusrisprudencia&acao=consultar >.

Acesso em: 14 maio 2009. 173

AMAZONAS. Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Agravo de Instrumento n. 2004.000995-0, de

Manaus. Des. Relator: Manuel Glacimar Mello Damasceno. Data da decisão: 07/12/2004. Disponível em: <

http://consultasaj.tjam.jus.br:8080/cjosg/pcjoDecisao.jsp?OrdemCodigo=0 >. Acesso em: 14 maio 2009.

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67

quando avisado da interrupção do fornecimento de luz, como no caso em exame.174

Assim, possível visualizar que a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor, para muitos julgadores, é considerada relativa, não podendo ser

obedecida em sua totalidade, sob pena de estimular involuntariamente a

inadimplência dos consumidores.

Destarte, apresentadas as divergências de opiniões sobre o tema nos

Tribunais de Justiça de alguns Estados da nação, resta apresentar algumas opiniões

sobre o tema no Egrégio STJ, um dos órgãos máximos do Poder Judiciário no Brasil,

responsável também por zelar pela uniformização jurisprudencial federal.

3.3. Superior Tribunal de Justiça - STJ

O STJ atua, no Brasil, “como órgão de convergência da Justiça

Comum”175, apreciando causas oriundas de todas as regiões da nação. Justamente

por este caráter de convergência, foi escolhido analisar algumas das últimas

decisões relativas à suspensão do fornecimento de energia em território nacional,

afim de observar como vem interpretando este Tribunal diante da situação

apresentada.

Ocorre que mesmo no Tribunal Superior, o tema vem causando

bastante controvérsia entre os Ministros. Corroborando com tal afirmação, assim

afirmou a Ministra Eliana Calmon em decisão recente: “O tema encontra

divergências nesta Corte, embora hoje, majoritariamente, colham-se depoimentos

em favor da legalidade do corte de fornecimento, em razão do inadimplemento”176.

174

AMAZONAS. Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Agravo de Instrumento n. 2004.000995-0, de

Manaus. Des. Relator: Manuel Glacimar Mello Damasceno. Data da decisão: 07/12/2004. Disponível em: <

http://consultasaj.tjam.jus.br:8080/cjosg/pcjoDecisao.jsp?OrdemCodigo=0 >. Acesso em: 14 maio 2009. 175

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Atribuições. Brasília, 2009. Disponível em: <

http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=293>. Acesso em: 14 maio 2009. 176

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 1.031.125 - RS. Relatora: Ministra Eliana

Calmon. Data da decisão: 21/04/2008. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=1031125&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=1 >. Acesso

em: 14 maio 2009.

Page 69: O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE …siaibib01.univali.br/pdf/Leonardo Fabio Contin da Costa.pdf · das concessionárias de energia e das agências reguladoras – no

68

É possível observar, através da análise da Ministra, a discussão e a

dúvida acerca da continuidade da prestação do serviço pelas concessionárias.

Entretanto, ao analisar o art. 22 do CDC, bem como a Lei n. 7.783/89177, a chamada

Lei de Greve, pondera Calmon:

Esse serviço caracteriza-se pela obrigatoriedade, pois o contribuinte não tem opção, porque, mesmo que dele não se utilize, é obrigado a remunerá-lo, e pela continuidade, mesmo ocorrendo a inadimplência. Trava-se, então, entre o contribuinte e o Poder Público, uma relação administrativo-tributária, solucionada pelas regras do Direito Administrativo.178

E prossegue:

Admitir o inadimplemento por um período indeterminado e sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos inclusive no princípio da modicidade. Sim, porque o custo do serviço será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados com possíveis aumentos de tarifa.179

Também o Ministro Mauro Campbell Marques compartilha do

entendimento de Calmon, por não visualizar a essencialidade do serviço prestado

pela concessionária:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENERGIA ELÉTRICA. CORTE NO FORNECIMENTO. CONSUMIDOR INADIMPLENTE. POSSIBILIDADE. ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. 1. A Jurisprudência assente deste Tribunal entende pela possibilidade de corte no fornecimento de energia elétrica desde que, após aviso prévio, o consumidor permaneça em situação de

177

BRASIL. Lei n° 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as

atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

Brasília, 1989. 178

BRASIL.. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 1.031.125 - RS. Relatora: Ministra Eliana

Calmon. Data da decisão: 21/04/2008. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=1031125&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=1 >. Acesso

em: 14 maio 2009. 179

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 1.031.125 - RS. Relatora: Ministra Eliana

Calmon. Data da decisão: 21/04/2008. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=1031125&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=1 >. Acesso

em: 14 maio 2009.

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inadimplência com relação ao respectivo débito, nos termos do estatuído no art. 6º, § 3º, da Lei 8.987/95. Precedentes: Recursos epeciais n. 363.943/MG e 963.990/SC. 2. In casu, o Tribunal de origem entendeu que a mera inadimplência do consumidor não constituía motivação suficiente a ensejar o corte no fornecimento de energia elétrica por resultar em ofensa ao princípio da continuidade do serviço. Tal posicionamento contraria a jurisprudência do STJ, haja vista que não foi comprovada a essencialidade do serviço prestado, nem tampouco ficou evidenciado tratar-se de débito pretérito, hipóteses essas que impedem a suspensão do serviço. 3. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nessa parte, provido.180

E do voto do referido acórdão se retira o seguinte ensinamento, acerca

da essencialidade do serviço:

Assim, com relação à essencialidade do serviço prestado, a orientação traçada por esta Corte trilha o entendimento contrário ao aresto recorrido no sentido que é vedada a interrupção no fornecimento do serviço público quando resultar em prejuízo para a coletividade, o que não ocorre no presente caso.181

Todavia, nem todos os Ministros do STJ compartilham do entendimento

da Ministra Eliana Calmon e do Ministro Campbell Marques sobre o tema.

Apresenta-se, a seguir, manifestação do Ministro Luiz Fux em decisão em que foi

relator, onde destaca justamente a essencialidade do serviço prestado pelas

concessionárias de energia:

3. A energia é um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade, uma vez que o direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos

180

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 800586 – RS. Relator: Ministro Maurício

Campbell Marques. Data da decisão: 23/09/2008. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=800586&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 >.

Acesso em 14 maio 2009. 181

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 800586 – RS. Relator: Ministro Maurício

Campbell Marques. Data da decisão: 23/09/2008. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=800586&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 >.

Acesso em 14 maio 2009.

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70

essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.182

Da mesma forma a opinião do Ministro José Delgado, em decisão

datada do ano de 2006:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42 DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). ENTENDIMENTO DO RELATOR. ACOMPANHAMENTO DA POSIÇÃO DA 1ª SEÇÃO DO STJ. PRECEDENTES. (...) 3. Não resulta em se reconhecer como legítimo o ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção de seus serviços, em face de ausência de pagamento de fatura vencida. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.183

E, analisando o caso de inadimplência de escola pública, o Ministro

Castro Meira assim ponderou:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLEMENTO. ESCOLA PÚBLICA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 11 DA LEI Nº 7.783/89. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL INDEMONSTRADA. 1. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser obtemperado, ante a exegese do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica

182

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar n. 3982/AC 2001/0092137-1. Relator: Ministro Luiz

Fux. Data da decisão: 17/02/2004. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%28%22LUIZ+FUX%2

2%29.min.+e+A+energia+%E9+um+bem+essencial+%E0+popula%E7%E3o%2C+constituindo-

se+servi%E7o+p%FAblico+indispens%E1vel&data=%40DTDE+%3E%3D+20040217+e+%40DTDE+%3C%3

D+20040417&b=ACOR >. Acesso em: 14 maio 2009. 183

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2006/0087815-1. Relator: Ministro José Delgado.

Data da decisão: 29/06/2006. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%28%22JOS%C9+DEL

GADO%22%29.min.&data=%40DTDE+%3E%3D+20060428+e+%40DTDE+%3C%3D+20060730&b=ACOR

>. Acesso em: 14 maio 2009.

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71

quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público. 2. 'A interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplemento não configura descontinuidade da prestação do serviço público' (Corte Especial, AgRg na SLS nº 216/RN, DJU de 10.04.06). 3. Ainda que mereça repúdio a falta de pagamento pelos entes públicos, neste caso, a Corte regional, ao tempo em que proibiu o corte da energia, também determinou que a verba seja afetada para o pagamento do valor devido. 4. Recurso especial improvido" (fl. 250).184

O Ministro, em outra situação, aplicou o disposto na Lei n. 8.987/95:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. ENERGIA ELÉTRICA. POSTO DE SAÚDE MUNICIPAL INADIMPLENTE. FORNECIMENTO. CORTE. ART. 6, § 3º, INCISO II, DA LEI Nº 8.987/95 E ART. 17 DA LEI Nº 9.427/96. 1. Todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia foram dirimidas de forma efetiva, sólida e integral, razão pela qual não resta configurada a falha de negativa de jurisdição. 2. É lícito ao concessionário de serviço público interromper, após aviso prévio, o fornecimento de energia elétrica de ente público que deixa de pagar as contas de consumo, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais. 3. A interrupção de fornecimento de energia elétrica de Município inadimplente somente é considerada ilegítima quando atinge as unidades públicas provedoras das necessidades inadiáveis da comunidade, entendidas essas – por analogia à Lei de Greve – como "aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população". 4. No caso concreto, indevido o corte de energia elétrica no posto de saúde municipal porquanto colocará em risco a saúde da coletividade. 5. Recurso especial não provido.185 (grifo do autor)

184

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl. Nno Recurso Especial n. 845.982 – RJ. Relator: Ministro

Castro Meira. Data da decisão: 22/08/2006. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&data=%40DTDE+%3E%3D+

20060428+e+%40DTDE+%3C%3D+20060730&processo=845982+&b=ACOR >. Acesso em: 14 maio 2009. 185

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 831.010 – RS. Relator: Ministro Castro Meira.

Data da decisão: 26/08/2008. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?data=%40DTDE+%3E%3D+20060720+e+%40DTDE+%3C

%3D+20060828&livre=%28%22CASTRO+MEIRA%22%29.min.+e+PROCESSUAL+CIVIL&&b=ACOR&p=

true&t=&l=10&i=104 >. Acesso em: 14 maio 2009.

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72

E, em decisão mais antiga, a respeito do consumidor residencial, se

pronunciou o STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE – FALTA DE PAGAMENTO. - É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II).186

O que se pode perceber, através das jurisprudências colacionadas, é

que muitas vezes, ao analisar o caso, os julgadores analisam isoladamente o

disposto no CDC, não atentando para possíveis exceções. Neste sentido se

manifesta Garcia187, ao afirmar que:

Dúvida não há de que, se interpretado isoladamente, o dispositivo legal acima prescreve a continuidade dos serviços essenciais, incondicionalmente, pois a norma, individualmente considerada, não prevê condições nem exceções.

Em outro norte, Nunes entende que a não previsão para o corte do

fornecimento ao consumidor inadimplente no CDC é taxativa, ou seja, se está escrito

que os serviços essenciais devem ser contínuos, não há porque se levar em conta

lei que diga o contrário. E vai além, ao dizer que “teria sido melhor a Lei 8.987 não

ter tratado do assunto”.188

Denari ressalta que este é um dos “temas mais polêmicos”189 a

indagação sobre a possibilidade das concessionárias cortarem o fornecimento de

luz, água ou telefone aos respectivos usuários, entretanto, ao citar parecer de

Eduardo Lima de Matos e Diógenes Gasparini, conclui ser pacífico na doutrina:

186

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 363.943 – MG. Relator: Ministro Humberto

Gomes de Barros. Data da decisão: 12/11/2003. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?data=%40DTDE+%3E%3D+20031112+e+%40DTDE+%3C

%3D+20031218&livre=%28%22HUMBERTO+GOMES+DE+BARROS%22%29.min.&&b=ACOR&p=true&t

=&l=10&i=10 >. Acesso em: 14 maio 2009. 187

GARCIA, Armando Suárez. Aspectos essenciais do fornecimento de energia elétrica. p. 154. 188

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. rev., modif. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2005. p. 106-107. 189

DENARI, Zelmo. et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. p. 215.

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[...] o entendimento de que a gratuidade não se presume e que as concessionárias de serviço público não podem ser compelidas a prestar serviços ininterruptos se o usuário deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento.190

Opinião diversa de Almeida191, que compreende que, estando os

fornecedores – órgãos públicos ou seus delegados – obrigados a fornecerem

serviços adequados, eficientes, seguros, e, no caso dos essenciais, contínuos,

devem responder em caso de prestação inadequada, ineficiente e descontínua, não

considerando a excludente em caso de inadimplência do consumidor, prevista na Lei

n. 8.987/95.

Desta forma, após análise do posicionamento divergente da

jurisprudência de diversos Tribunais Estaduais, assim como de decisões do STJ

acerca do tema em debate, e levando em consideração toda a argumentação supra

mencionada, passa-se agora às considerações finais, a partir de toda a pesquisa ora

levantada.

190

DENARI, Zelmo. et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. p. 215. 191

ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

102.

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74

CONCLUSÃO

A sociedade brasileira, via de regra, passa por um momento de auto-

avaliação, de amadurecimento, tendo aumentado, nos últimos anos, a sua

consciência sobre legalidade e moralidade. Não são raras as manifestações de

indignação para com os representantes do povo, as autoridades nacionais que, por

respeito àqueles que os elegeram, deveriam servir de exemplo de trabalho,

competência e honestidade.

Todavia, à medida em que a população brasileira observa os

escândalos que surgem nos meios políticos, observa, também, que em seu meio, no

dia a dia, inúmeras vezes sobrevêm casos de corrupção e de transgressão à lei,

quase sempre envolvendo valores e práticas menores que as divulgadas nos

noticiários nacionais, mas com idêntica intensidade de malícia e vontade de obter

lucro fácil.

Em virtude dessa má-prática do cidadão brasileiro – conhecida como

„jeitinho brasileiro‟ -, maneira fácil, e nem sempre correta, de alcançar um objetivo,

decisões que proíbam a suspensão no fornecimento de energia elétrica a

consumidores inadimplentes poderiam ter um “efeito dominó”, como já bem

asseverou o Ministro Humberto Gomes de Barros em REsp n. 363.943/MG. Assim, a

partir do momento em que o cidadão toma conhecimento da possibilidade de servir-

se do fornecimento de energia elétrica gratuito, não resistiria à tentação e buscaria

para si tal benefício.

Assim também, admitindo a possibilidade de continuidade do

fornecimento de energia elétrica ao consumidor inadimplente, estar-se-ia

comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias, visto que a

partir do momento que parcela significativa de consumidores deixarem de adimplir

com sua obrigação, o serviço prestado poderá perder a qualidade e até mesmo

deixar de ser prestado a toda a coletividade, em função da falta de investimentos na

manutenção do serviço prestado.

Por outro lado, a necessidade de haver respeito ao consumidor, muito

defendida pelo CDC, há que ser levada em consideração, entretanto, dentro dos

limites do aceitável. Não se pode admitir que as concessionárias de energia

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forneçam o seu insumo gratuitamente a consumidores inadimplentes, tendo em vista

que não terá contabilizada toda sua renda, dificultando as suas operações e a

correta execução dos serviços concedidos, podendo entrar em insolvência e

chegando ao ponto de não mais conseguir suprir as necessidades de iluminação da

população.

O lucro é, acima de tudo, o fator preponderante para a sobrevivência

das concessionárias, haja vista que a sua principal atividade se constitui no

fornecimento destes serviços, que são cobrados de acordo com determinações

legais.

Finalmente, é essencial a ocorrência da segurança jurídica nos

negócios firmados entre as concessionárias de energia e a sociedade brasileira,

para o desenvolvimento econômico e social. Ainda vale ressaltar que o correto

adimplemento por parte dos consumidores, resultará em conforto à sociedade e à

economia, eliminando custos desnecessários, ações judiciais discutindo a lide, e

conseqüentemente, tornando os negócios jurídicos mais eficientes. É necessário

não perder de vista que o cidadão consumidor de energia elétrica, sempre terá

direitos, que devem ser respeitados, mas também deverá cumprir com seus deveres,

procedendo o pagamento adequado ao benefício recebido, conforme descrição no

contrato das partes, por ocasião da assinatura da concessão do serviço de energia.

Page 77: O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FRENTE AO CORTE DE …siaibib01.univali.br/pdf/Leonardo Fabio Contin da Costa.pdf · das concessionárias de energia e das agências reguladoras – no

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

ANEEL. Resolução n. 456, de 29 de novembro de 2000. Estabelece de forma consolidada, as Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica.

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