O Processo de Desindustrialização em Países Subdesenvolvidos: o caso do Brasil.

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O PROCESSO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO EM PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS, O CASO DO BRASIL. Diogo Ferreira Santos Resumo: Nas últimas décadas o fenômeno da desindustrialização ganhou cada vez mais espaço entre os economistas. Muitas são as causas que podem resultar na desindustrialização. A saturação do desenvolvimento da economia e a doença holandesa são os dois principais caminhos para essa situação. Esse fenômeno, inicialmente peculiar a economias desenvolvidas, vem sendo observado com uma certa frequencia nas economias subdesenvolvidas nas três últimas décadas. Os efeitos desse “portento” nessas economias podem ser de caráter “desagradável”. No Brasil de 1980 e 1990, ela foi ignorada, já que havia, por motivos diversos, mecanismos que acabavam maquiando a existência da mesma. Após um breve período de atividade industrial crescente, no início dos anos 2000, o Brasil voltou a apresentar sintomas desse que ainda é um ocorrido incógnito quanto à finalidade de sua própria existência. Palavras-chave: Desindustrialização, causas, efeitos, saturação, “doença holandesa”, Brasil, economias desenvolvidas, economias subdesenvolvidas . Abstract: In recent decades the phenomenon of deindustrialization gained more space among economists. There are many causes that can lead to deindustrialization. The saturation of the development of the economy and the “dutch disease “are the two main paths to this situation. This phenomenon, originally peculiar to developed economies, has been observed with some frequency in underdeveloped economies in the last three decades. The effects of this "wonder" in these economies may be, llet's say, “undesirable”. In Brazil, in 80's and 90's, it was ignored, since, for various reasons, mechanisms that ended up 'making up' the existence of that. After a brief period of increased industrial activity in early 2000, Brazil showed again symptoms of that that's still an unknown “thing” about the point of its own existence. Key-words: Deindustrialization, its causes, its effects, development saturation, “dutch disease”, Brazil, developed economies, underdeveloped economies. 1 INTRODUÇÃO: A DESINDUSTRIALIZAÇÃO E SUAS

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O PROCESSO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO EM PAÍSES

SUBDESENVOLVIDOS, O CASO DO BRASIL.

Diogo Ferreira Santos

Resumo: Nas últimas décadas o fenômeno da desindustrialização ganhou cada vez mais

espaço entre os economistas. Muitas são as causas que podem resultar na

desindustrialização. A saturação do desenvolvimento da economia e a doença holandesa

são os dois principais caminhos para essa situação. Esse fenômeno, inicialmente peculiar a

economias desenvolvidas, vem sendo observado com uma certa frequencia nas economias

subdesenvolvidas nas três últimas décadas. Os efeitos desse “portento” nessas economias

podem ser de caráter “desagradável”. No Brasil de 1980 e 1990, ela foi ignorada, já que

havia, por motivos diversos, mecanismos que acabavam maquiando a existência da mesma.

Após um breve período de atividade industrial crescente, no início dos anos 2000, o Brasil

voltou a apresentar sintomas desse que ainda é um ocorrido incógnito quanto à finalidade

de sua própria existência.

Palavras-chave: Desindustrialização, causas, efeitos, saturação, “doença holandesa”,

Brasil, economias desenvolvidas, economias subdesenvolvidas.

Abstract: In recent decades the phenomenon of deindustrialization gained more space

among economists. There are many causes that can lead to deindustrialization. The

saturation of the development of the economy and the “dutch disease “are the two main

paths to this situation. This phenomenon, originally peculiar to developed economies, has

been observed with some frequency in underdeveloped economies in the last three decades.

The effects of this "wonder" in these economies may be, llet's say, “undesirable”. In Brazil, in

80's and 90's, it was ignored, since, for various reasons, mechanisms that ended up 'making

up' the existence of that. After a brief period of increased industrial activity in early 2000,

Brazil showed again symptoms of that that's still an unknown “thing” about the point of its

own existence.

Key-words: Deindustrialization, its causes, its effects, development saturation, “dutch

disease”, Brazil, developed economies, underdeveloped economies.

1 – INTRODUÇÃO: A DESINDUSTRIALIZAÇÃO E SUAS

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CAUSAS.

Segundo o DIEESE (p. 2, 2011) define-se desindustrialização “o processo que

provoca a reversão do crescimento e da participação da indústria na produção e na

geração de empregos”. Para Rowthorn e Ramaswamy (p. 15, 1997), “é uma

consequência natural do crescimento profundo de economias avançadas”. Diversas

outras formulações conceituais que remetem ao mesmo significado (mais ou menos

detalhados e/ou abrangentes) foram dados a esse fenômeno característico,

principalmente, a economias desenvolvidas.

Alguns pesquisadores indicam pontos bastante contundentes como

responsáveis pela desindustrialização em um país. O DIEESE (2011) aponta a taxa

de câmbio desvalorizada, a taxa de juros elevada, a estrutura fiscal ineficiente, o

excesso de burocracia e o baixo nível de escolarização da população, entre outras,

como algumas das principais causas de uma ainda muito discutida

desindustrialização precoce da economia brasileira.

Desde a década de 1970, quando começou a se observar os primeiros sinais

de desindustrialização da economia americana, discute-se quais são as causas e os

possíveis efeitos desse processo nos mais variados países. Antes de mais nada, é

válido certificar-se de que a desindustrialização não representa, por si, um fenômeno

negativo ou positivo de maneira geral. É preciso analisar as características

locacionais para então observar e definir o teor dos resultados de tal acontecimento.

Economias com alto padrão de desenvolvimento econômico e social tendem a

atingir um ápice para então enfrentar um período de crescimento moderado em seus

indicadores. Trazendo essa ideia para o âmbito produtivo, o setor industrial desse

tipo de país se desenvolve de tal maneira que, em certo ponto, já não consegue

acompanhar o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Isso ocorre da

seguinte maneira: o setor industrial se desenvolve até o ponto de saturação, onde

quase todas as necessidades atendidas por ele já conseguem ser sanadas nesse

estágio; a taxa de crescimento desse setor passa então a ser cada vez menor; o

PIB, no entanto, cresce a taxas maiores que a do setor industrial; esse crescimento

superior do PIB é explicado pelo forte impulso no setor de serviços; o setor de

indústrias passa a ter menor participação relativa na composição do PIB, dando

assim abertura para o setor de serviços, que passa a exercer o papel de carro chefe

no crescimento dessa economia; surge então o fenômeno da desindustrialização.

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Existe, todavia, uma outra teoria, que admitiu-se válido adotar por conta de sua

observação empírica, que explica muito bem o processo de desindustrialização tanto

em economias desenvolvidas quanto em economias subdesenvolvidas, a “doença

holandesa1”. Esse fenômeno diz respeito ao processo de concentração de foco de

uma economia na produção de um produto, ou grupo de produtos (geralmente

commodities), que têm valor e/ou volume elevado(s) o suficiente para, sozinho(o),

carregar o produto de um país inteiro.

É tautológica a dedução que se faz a partir de tal explanação de ambos os

meios indutores à desindustrialização de uma economia. No primeiro caso, espera-

se que o processo ocorra em países desenvolvidos, com economias satudaradas,

alto nível de distribuição de renda, elevado nível de escolaridade, bom

funcionamento da máquina governamental, etc. A desindustrialização por via da

chamada “doença holandesa”, em contrapartida, não nos espantaria caso fosse

observada em economias subdesenvolvidas.

Esse método de substituição da atividade industrial por um modelo geralmente

primário-exportador nos revela uma ruptura com o modelo nada idiossincrático já

existente no “processo natural” de evolução das economias capitalistas. É óbvio que

essa cessão de um processo historicamente tão fiel ao capitalismo só pode ocorrer

em economias que ainda não alcançaram um elevado grau de desenvolvimento.

Sinteticamente falando, para que que restem dúvidas a respeito do que foi exposto,

a chamada “doença holandesa” pode ocorrer em economias em qualquer estágio de

desenvolvimento. Mas o processo de ruptura do ciclo natural do desenvolvimento

por ela causado só pode ser observado em economias subdesenvolvidas.

A partir desse cenário, Rowthorn e Ramaswamy (p. 9, 1997) afirmam que a

“desindustrialização não é necessariamente sinônimo de falha do setor

1Observada primeiramente na Holanda na década de 1960, esse fenômeno diz respeito ao processo de

ganhos consideráveis na balança comercial de um país em função de uma vantagem quantitativa e, por

que não, qualitativa na produção de um bem (geralmente commodities) em relação ao resto do mundo.

Essa relativa vantagem, seguida da melhoria das contas externas, e com uma combinação de alguns

outros fatores, induz a economia local a um processo de desindustrialização, precoce ou não, em função do alto nível de renda obtido no balanço final das contas externas. Esse nível elevado de renda externa,

traduzido no aumento das reservas cambiais, faz com que o país tenha sua moeda valorizada, o que

facilita as importações e dificulta as exportações de produtos manufuturados. Ver mais em L. C. Bresser

Pereira. "The Dutch disease and its neutralization: A Ricardian approach". Revista de Economia

Política, 28:47–71 2008, apud Michele Polline Veríssimo et al. Taxa de Câmbio e Preços de

Commodities: Uma Investigação sobre a Hipótese da Doença Holandesa no Brasil. Economia,

Brasília(DF), v.13, n.1, p.93–130, jan/abr 2012 e em Booming Sector and De-Industrialisation in a

Small Open Economy, por W. Max Corden e J. Peter Neary. The Economic Journal, v. 92, n° 368

(dezembro de 1982), pp. 825-848.

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manufaturado de um país ou, por essa razão, da economia como um todo. Pelo

contrário, a desindustrialização é simplesmente o resultado natural do sucesso do

desenvolvimento econômico e é geralmente associado com o crescimento do padrão

de vida da população”.

Esse postulado, todavia, se encaixa apenas no caso dos países com

economias desenvolvidas. É óbvio que ao postularem tais afirmações os autores

provavelmente não haviam percebido (talvez por falta de observação ou

simplesmente de horizonte) a real dimensão dos efeitos da desindustrialização em

economias subdesenvolvidas. Nos países emergentes/subdesenvolvidos, a indústria

jamais conseguira atingir seu ponto de saturação. Além disso, o “produto” ofertado

pelo setor de serviços não possui qualidade suficiente para atender de maneira

satisfatória os anseios da população. Isso ocorre por motivos característicos à essas

economias, a saber: má infraestrutura, baixo nível de escolaridade, renda per capita

inferior a de países desenvolvidos, etc. O processo de desindustrialização nesses

países é visto, dessa maneira, como um fenômeno não característico e, por isso,

esperadamente maléfico à economia. Em nota técnica, o DIEESE (p. 5, 2011)

denominou a desindustrialização desse tipo de economia como “desindustrialização

precoce”. Assim,

Países em processo de industrialização, em que a indústria de

transformação, pelo menos na maior parte, ainda não atingiu estágios de

produtividade e competitividade compatíveis com os níveis encontrados

internacionalmente e a renda per capita da população ainda é baixa, são

aqueles que se ressentirão de eventual redução no valor agregado e no

número de empregos gerados (DIEESE, p. 4, 2011).

Identificar a presença dessas características (de desindustrialização, precoce

ou não) em uma economia não é uma tarefa difícil de se realizar. Entretanto, essa

não é válida se não acompanhada de uma análise conjuntural da mesma. É a partir

dessa análise que se torna possível implementar um plano de ações que, no caso

desses países subdesenvolvidos, busquem resolver os problemas causados por

esse fenômeno. Desindustrialização e economia subdesenvolvida são dois termos

que, de um modo geral, não se conciliam.

O objetivo maior do presente ensaio é analisar o caso brasileiro da

desindustrialização que, desde a década de 1980, vem sendo observado. Para isso,

inicialmente foi exposto a conceituação teórica ampla já existente a respeito do

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tema. Primeiro observamos o que significa desindustrialização e, superficialmente,

quais suas fontes e seus efeitos em economias desenvolvidas e também

subdesenvolvidas. Na segunda parte, observaremos mais detalhadamente a

situação da indústria brasileira e faremos um comparativo com o que nos indica o

referencial teórico já existente acerca desse fenômeno, para, então, partirmos para a

conclusão, que mostrará que, de fato, há um processo de desindustrialização

ocorrendo no Brasil. Apesar de o Brasil ser um país subdesenvolvido e, por isso,

indicar-nos que o processo de desindustrialização seria, aqui, um fenômeno

maléfico, existem economistas e outros teóricos que discordam de tal visão. Para

eles, o fenômeno ocorrido no Brasil assemelha-se àquele característico de

economias tipicamente desenvolvidas, por motivos que não nos é interessante citar

aqui. Essa discussão, não sendo peça central de estudo no presente trabalho, fica,

assim, para escritos posteriores.

2 - UM PANORAMA DA SITUAÇÃO BRASILEIRA E UMA

COMPARAÇÃO COM O REFERENCIAL TEÓRICO EXISTENTE.

Segundo Marquetti (2002) apud Oreiro e Feijó (2010), o Brasil teria

experimentado um processo de desindustrialização durante as décadas de 1980 e

1990, quando se observou uma redução gradativa da participação da indústria na

composição do valor adicionado e do emprego.

Araújo (p. 198, 2008) afirma que a produção industrial “depois de haver

atingido o “pico” de 48% do PIB em 1985, baixou para 46,3% em 1989”, tendo

crescido apenas 11,46% entre 1980 e 1989. Segundo ele, a redução da participação

da indústria no PIB continuou a diminuir no início da década de 1990, quando

Fernando Collor de Melo assumiu a presidência da república. “A produção industrial,

que representava 46,3% do PIB em 1989, caiu para 38,7% em 1992, depois de

haver chegado ao seu menor nível em 1991 (36,16%)”. (Araújo, p. 208, 2008).

A presença da desindustrialização precoce na economia brasileira, no

entanto, não foi resultado de um processo natural, mas sim de um curso forçado.

Forçado por políticas públicas de caráter recessivo que buscavam combater a

inflação crônica e inercial existente no país no período em questão. Não foi o motivo

“comum” da teoria (a saber, a “saturação do desenvolvimento”) que promoveu o

processo de desindustrialização brasileiro. Existe uma gama de fatores intrínsecos a

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esse modelo de combate à inflação associado a um crescimento sustentado que

poderiam ser elencados e apontados como barreiras ao desenvolvimento natural da

indústria brasileira.

Após um breve período de recuperação da indústria, quando Itamar Franco

ocupou a posição de presidente do Brasil (1993 – 1994), o país voltou a sofrer com a

redução da participação da indústria na composição do PIB no governo de Fernando

Henrique Cardoso. Dados da FGV, disponíveis em publicação de Araújo (p. 258,

2008), apontam que essa participação, que era de 41,61% em 1993, caiu para

34,7% em 1996, segundo ano do governo FHC. Como reflexo dessa queda da

produção industrial, “conforme levantamento do IBGE, o número de trabalhadores

industriais ao final de 1996 era de 34,2% menor do que em 1989” (Araújo, p. 258,

2008)

Um dado interessante para esses períodos, apontado em publicação do

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC – indica que

entre os anos de 1982 e 1992 a balança comercial brasileira esteve em tendência

crescente, enquanto entre 1992 e 1998 essa tendência foi explicitamente

decrescente. No primeiro momento, quando o saldo da balança comercial era

decrescente, pode-se identificar vestígios da ocorrência da chamada “doença

holandesa”. Esse momento da economia brasileira, no entanto, pode-se dizer, foi

absolutamente desorganizado. Também conhecida como década perdida, a década

de 1980 foi um período onde tentativas intermináveis de combate a crise

inflacionária que assombrava o Brasil foram lançadas. Ademais, o país passou por

diversas modificações políticas e estruturais (fim do regime militar e instituição da

democracia, planos econômicos diversos, implementação de uma nova constituição,

etc.) que fizeram da nação uma verdadeira celeuma. Celeuma essa que, no entanto,

nada mais era, como já dito, que um conjunto de ações “desesperadas” que visavam

colocar o país no caminho certo rumo ao desenvolvimento. O ocorrido principal no

âmbito político-econômico brasileiro no segundo período foi a implementação do

Plano

Real no governo de Itamar Franco. Tal plano, que teve continuidade na gestão de

FHC, acabou por sanar o problema da inflação que há muito assolara o país. Dentre

as principais medidas adotadas no plano, estava a de manutenção de um real

valorizado. Essa política visava o aumento do poder internacional de compra, o que

faria com que a entrada de produtos importados fosse elevada, resultando numa

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maior concorrência interna e, consequentemente, no fim do reajuste crônico de

preços, também conhecido como inflação.

A discussão a respeito do tema, como é de se esperar, tem se concentrado na

observação desse fenômeno na última década. A desindustrialização recente “se

reflete no encolhimento da participação da indústria de transformação na economia,

tendência que remonta à época da superinflação dos anos 1980, mas sofreu um

puxão para baixo no decênio 2002-2012, quando o PIB cresceu mais que o dobro da

indústria: 42% ante 20,5%, respectivamente” (Serra, p. 1, 2013). A situação mais

recente do processo de desindustrialização da economia brasileira é explicado pela

chamada doença holandesa. Diferentemente da Holanda, que sofreu desse mau

devido à relativa vantagem de produção de um único produto (o gás natural), ou da

maioria dos outros países que sofrem da mesma doença (a saber, principalmente os

países que têm como produto principal em sua pauta de exportação o petróleo), o

Brasil é afetado pelo volume de exportações de um leque de produtos

(momentaneamente) valorizados internacionalmente e que, por conceituação,

caracterizam-se como primários (as chamadas commodities).

O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando

Pimentel, afirmou, em 2011, que o Brasil viria a se tornar a fazenda e, talvez, a mina

do mundo. Não querendo utilizar do artifício jornalístico de copiar a declaração pela

metade, devo dizer que, provavelmente, a intenção do ex-ministro não era a de

promover a ideia da desindustrialização brasileira. Mas, apenas valendo-se de parte

da sua declaração, é possível afirmar contundentemente que a assertiva é verídica,

e que, diferentemente do que o ex-ministro tentou nos passar, isso não é uma coisa

boa. Esse processo vem veementemente desviando o foco do setor privado, que

deveria, sem abandonar o setor de serviços ou mesmo o setor primário-exportador,

dar mais atenção à indústria.

Indo na contramão da tendência existente até 1998, a balança comercial entra

em período de tendência ascendente a partir de 1999 e, mesmo com os últimos

choques comerciais empurrando esse superávit para baixo, seu saldo continua

positivo até hoje.

No caso atual, muito mais do que o observado na década de 1980, a

presença da doença holandesa na economia brasileira é gritante. A perda relativa de

importância da indústria na composição do produto é notável. A redução do nível de

emprego, que sustenta uma distribuição de renda mais qualitativa, é perceptível. O

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consumo interno absorve os produtos importados, já que não se produz, nem se

tenta produzir, o suficiente internamente. Para isso, o real mantém-se altamente

valorizado, tornando possível essa absorção dos produtos internacionais.

3 – CONCLUSÃO

O referencial teórico fornecido pela literatura existente nos leva à conclusão

de que, analisando-se a situação brasileira das últimas três décadas, o Brasil está

passando por um processo de desindustrialização. Os dados são claros quanto a

isso. O país perdeu competitividade industrial, teve o percentual de participação

relativa desse setor em relação ao PIB diminuído, teve também o emprego industrial

reduzido, e, principalmente, observou o crescimento do setor de serviços em relação

ao produto, além de uma forte de indicação da presença da doença holandesa, já

que, entre 1999 e 2008 o saldo da balança comercial apresentou uma trajetória

ascendente. Após 2008, apesar da diminuição do superávit da balança comercial, o

saldo ainda foi positivo para o ano em questão e para os três anos posteriores.

Os economistas schumpeterianos nos ensinam que o principal motor de

impulsão da dinamicidade de uma economia é o desenvolvimento tecnológico. Este,

por sua vez, está presente principalmente no meio industrial. É na indústria que se

observa a maior capacidade de criação de valor adicionado. É na indústria que a

cadeia produtiva é grande o suficiente para gerar um efeito multiplicador tanto para

frente quanto para trás em níveis elevados, já que, na maioria das vezes, várias são

as etapas de produção de um bem até que este se torne “final”.

Se, como observado, a economia brasileira, mesmo sofrendo este processo

gradativo de desindustrialização, foi capaz de sustentar um nível intermediário de

crescimento nas últimas três décadas, é possível imaginar o potencial existente que

se deixou de lado ao não se aproveitar a dinamicidade oferecida pela indústria.

Talvez o Brasil, assim como a China, fosse capaz de crescer a taxas na casa dos

dois dígitos.

Além do potencial de crescimento, a indústria oferece bases sólidas para uma

distribuição de renda mais equânime (pelo menos teoricamente). O setor de serviços

brasileiro, que, apesar de importante, ainda é bastante desqualificado, também

poderia ser melhor aproveitado. O alto volume de mão de obra desqualificada

empurra para baixo a faixa salarial de trabalhadores “comuns” dessa área. Sem o

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motor da indústria, a economia perde dinamicidade e a distribuição de renda é cada

vez mais mal feita. E, quando verifica-se uma melhoria dessa distribuição de renda,

ela ocorre por conta das transferências governamentais que, apesar de, em certa

medida, justificáveis, acaba maquiando o problema maior e protelando a resolução

dessa confusão estrutural que é a economia brasileira. Resta agora saber quais os

planos (se é que eles realmente existem) do governo brasileiro para combater esse

mal já inerente à nossa economia.

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