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XXVII Congresso da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica Campinas - 2017
O processo de gerao da forma musical luz da alagmtica e da teoria da individuao de Simondon
MODALIDADE: COMUNICAO
SUBREA: COMPOSIO
Danilo Rossetti
IA, NICS UNICAMP - [email protected]
Resumo: Nesse trabalho, identificamos a gerao da forma musical como um processo, relacio-nando-o com o mtodo alagmtico e o princpio da individuao de Simondon. A evoluo dos aparatos tecnolgicos que auxiliam o processo composicional tem ressonncia com essa aborda-gem. Discutimos a gerao da forma a partir da fuso de timbres por jitter e permeabilidade, analisando dois exemplos de nossa obra Le vide: trois rflexions sur le temps (2015). Conclumos estabelecendo relaes entre procedimentos microtemporais e a modulao da forma perceptvel. Palavras-chave: Forma musical. Princpio da individuao. Mtodo alagmtico. Fuso de timbres. Composio musical por computador. Title of the Paper in English: The Process of Musical Form Generation in the Light of the Allagmatic and the Principle of Individuation of Simondon Abstract: In this article, the generation of the musical form is identified as a process, and related to the allagmatic method and the principle of individuation of Simondon. The technical objectss evolution which aid compositional processes is connected with this approach. We discuss the form generation from timbre fusion achievement by jitter and permeability, analyzing two examples of our work Le vide: trois rflexions sur le temps (2015). We conclude establishing relations between microtemporal procedures and the modulation of the perceived form. Keywords: Musical Form. Principle of Individuation. Allagmatic Method. Timbre Fusion. Computer-aided Composition.
1. Contextualizao Os processos de composio musical, durante os sculos XX e XXI, passaram por
intensas transformaes ligadas evoluo dos aparatos tecnolgicos utilizados para estes
fins, seja no trabalho sobre o prprio material musical, seja no mbito de anlise de excertos
de udio para a extrao de dados que guiam o processo composicional. Dentre esses
processos composicionais, podemos citar, no final dos anos 1940 e incio dos 50, o advento da
musique concrte, que operava transformaes de sons captados a partir de equipamentos de
estdio, e a Elektronische Musik, que buscava a composio do timbre a partir da sntese
aditiva de sons senoidais, utilizando osciladores, geradores de rudo e de impulsos.
A separao esttica dependente da origem dos materiais utilizados na
composio, que identificava os territrios das msicas concreta e eletrnica, comeou a cair
por terra em meados dos anos 1950, como se pode observar, por exemplo, na obra Gesang der
Junglinge (1955-56) de Stockhausen, compositor ligado msica eletrnica. Nessa obra so
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utilizados, alm de sons de sntese, sons gravados da voz de um adolescente, caracterizando
uma espcie de agrupamento das duas estticas (MENEZES, 1991, In: MENEZES, 2009, p.
39). Decorrente desse fato, surge o termo msica eletroacstica, termo genrico que agrupa a
atividade dos compositores dessas duas estticas, e ainda reunindo as atividades pertencentes
msica acusmtica (composio atravs de sons fixados em suporte, com a separao dos
sons de suas fontes geradoras) e msica mista, gnero que congrega sons eletroacsticos e
instrumentos musicais. (COUPRIE, 2009).
Nos anos 1970, h o advento da msica espectral, termo cunhado por Hugues
Dufourt que procura definir a introduo, no contexto musical, das transformaes ocorridas
no mbito das cincias naturais e da mente, atravs de operaes sobre a percepo, memria
e cognio (DUFOURT, 2014, p. 17). De forma prtica, na msica, essas transformaes
ocorrem a partir de ao menos trs pontos: 1) realizao de anlises espectrais de determinados
sons para gerao de dados temporais e frequenciais; 2) aplicao da sntese instrumental, um
tipo de macrosntese tal como uma orquestrao que exprime cada parcial do som analisado
(GRISEY, 1979, In: GRISEY, 2008, p. 36); e 3) busca de organizaes em vias de
emergncia, sejam elas diferenciais (a diferena entre sons como organizadora de tenses),
liminais (busca dos limites e ambiguidades psicoacsticas que norteiam nossa percepo), ou
transitrias, a concepo do som como um fenmeno dinmico tal como um campo de foras
(GRISEY, 1982, In: GRISEY, Op. Cit., p. 46).
Tendo em vista a contextualizao histrica acima apresentada e a fundamentao
terica que desenvolveremos a seguir ambas contidas em nossa pesquisa de doutorado,
concluda em 2016 (ROSSETTI, 2016a) , procuraremos analisar pontos do processo
composicional de nossa obra Le vide: trois rflexions sur le temps (2015), para quatro vozes
solistas e conjunto instru-mental. Essa obra foi encomendada pela associao Densit 93 e
estreada em 2016 pelo Ensemble Vocal Soli Tutti e pelo Ensemble de Musique
Contemporaine du Conservatoire de Bobigny, sob a direo de Denis Gautheyrie.
2. A alagmtica e a individuao da forma em Simondon Aqui, partimos da constatao de que a forma das msicas experimentais dos
sculos XX e XXI se distanciam das noes de formas preestabelecidas presentes nas msicas
barroca, clssica, romntica, ps-romntica ou neoclssica (e.g. formas sonata, sinfonias, con-
certos, sutes de dana, fugas, etc.). Nas msicas ditas experimentais, que procuramos caracte-
rizar no item anterior, a forma ocorre como um processo, se d como uma emergncia ligada
combinao dos materiais utilizados, sem a necessidade de seguir um roteiro programado
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(ROSSETTI; FERRAZ, 2016, p. 60). Nesse ponto, temos uma interseco com o mtodo
alagmtico (ou alagmtica) e o princpio da individuao definidos por Gilbert Simondon.
A alagmtica a teoria das operaes ou o lado operacional das teorias cientficas,
no qual a ciberntica do sculo XX demarca o incio de uma alagmtica geral. Operao,
nesse contexto, definida como a converso de uma operao em estrutura e da estrutura em
operao, ou seja, uma estrutura antecedente que se converte, no fim da operao, numa
estrutura subsequente. A alagmtica, portanto, define a relao de uma operao a uma outra
operao e a relao de uma operao a uma estrutura (SIMONDON, 2005, p. 561).
O princpio da individuao um processo alagmtico, o nascimento de uma
forma no momento de sua operao, a atualizao da energia de um sistema no momento de
sua ocorrncia. Nesse sistema, h uma ressonncia interna na qual a matria adquire sua
forma atravs da atualizao da energia potencial, ao atingir um estado de equilbrio. A
individuao uma operao amplificadora que transmite ao nvel macrofsico (perceptvel)
as propriedades presentes na descontinuidade do nvel microfsico (nvel atmico). Em outras
palavras, o princpio da individuao a operao alagmtica comum entre a matria e a
forma, que ocorre atravs da atualizao da energia potencial, amplificando as singularidades
(ou informaes) do sistema (SIMONDON, Op. Cit., p. 48).
Mas o que essa teoria de Simondon pode nos auxiliar na compreenso da forma
musical? Existe, em seu princpio da individuao, uma tentativa de relacionar os processos
ocorridos no nvel microfsico (denominados transdutivos) com a energia contnua que molda
a forma macrofsica que nos perceptvel (modulao). importante frisar que quando
Simondon se refere ao conceito de modulao, est pensando em termos fsicos e energticos
onde um modulador um molde temporal contnuo, e modular significa moldar a matria
de maneira contnua e perpetuamente varivel (SIMONDON, Op. Cit., p. 47).
Nosso processo composicional procura justamente relacionar, de maneira
contnua ou descontnua, as operaes realizadas no microtempo com as estruturas
macrotemporais produzidas. O microtempo se refere escala temporal inferior durao das
notas musicais, das partculas sonoras, e o macrotempo est relacionado com os objetos
sonoros (aqui no contexto schaefferiano e da musique concrte) perceptveis por nossos
ouvidos, ou com as escalas meso e macrotemporais, das divises formais e da arquitetura
geral da forma (ROADS, 2001, p. 3-4). A seguir, desenvolveremos a aplicao dessa
fundamentao na composio musical.
3. Fuso de timbres
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A fuso de timbres uma operao alagmtica que resulta num amlgama de sons
instrumentais e/ou eletroacsticos que so percebidos como uma nica estrutura. Ela pode ser
obtida de diferentes maneiras, tal como explicitamos em trabalhos anteriores (ROSSETTI;
FERRAZ, Op. Cit., p. 75-83; ROSSETTI, 2016b). Aqui, trataremos especificamente da fuso
de timbres por jitter e pela permeabilidade de diferentes estruturas.
O fenmeno do jitter se refere s flutuaes aperidicas do regime de sustentao
dos sons instrumentais, sendo considerado por diversos autores, tais como Stephen McAdams,
uma das principais razes para a fuso de diferentes timbres em uma estrutura perceptvel.
Segundo McAdams (1984, p. 223), a hiptese da fuso de timbres por jitter ocorre pela
existncia de uma onda aleatria modulante que mantm uma coerncia (atravs de pro-
pores constantes) ao longo dos componentes espectrais do som, agrupando-os em uma ni-
ca imagem sonora perce