O PROCESSO DE LUTO DE PAIS E MÃES QUE ...siaibib01.univali.br/pdf/Josiani Paula Batisteli.pdf3...
Transcript of O PROCESSO DE LUTO DE PAIS E MÃES QUE ...siaibib01.univali.br/pdf/Josiani Paula Batisteli.pdf3...
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
O PROCESSO DE LUTO DE PAIS E MÃES QUE PERDERAM SEUS
FILHOS EM DECORRÊNCIA DE MORTE NÃO NATURAL
JOSIANI PAULA SCARTEZINI BATISTELI
Itajaí, (SC) 2009
2
JOSIANI PAULA SCARTEZINI BATISTELI
PROCESSO DE LUTO EM PAIS E MÃES QUE PERDERAM SEUS
FILHOS EM DECORRÊNCIA DE MORTE NÃO NATURAL
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí Orientador: Prof. Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado
Itajaí SC, 2009
3
Dedico este trabalho in memoriam da pessoa pela
qual acompanhei de muito perto a profunda dor de
uma família e principalmente de um pai e uma mãe
que perderam seu filho mais novo em decorrência
de morte por causa não natural, ao querido Cesinha
- César Eduardo Bittencourt, falecido em 11 de
agosto de 2007, vítima de homicídio.
4
AGRADECIMENTOS
No percurso deste trabalho pude contar com o apoio, estímulo e carinho de muitas
pessoas. Por isto gostaria de agradecer a todos que de alguma forma contribuíram para
a realização da minha pesquisa. Porém algumas pessoas tiveram papel fundamental,
as quais eu gostaria de deixar registrado meu agradecimento:
Aos meus pais, aos quais me deram a oportunidade em realizar o curso de Psicologia,
sempre ajudando em tudo que está ao seu alcance, oferecendo amor, carinho e
motivação para concluir este curso.
Ao meu noivo, por estar sempre ao meu lado, além de ser um dos integrantes da família
à qual mencionei ter vivenciado o processo de luto. Por sua compreensão e
colaboração para que esta pesquise se realizasse.
A minha orientadora, Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado, por sua dedicação e
atenção, compartilhando comigo seus conhecimentos e apoio para que esta pesquisa
fosse uma realidade.
Agradeço ainda aos quatro participantes desta pesquisa, que aceitaram abrir não
somente as portas de suas casas, mas também de seus corações e tornaram real o
presente trabalho.
5
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................ 7
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................8
2 EMBASAMENTO TEÓRICO ......................................................................................10
2.1 Família......................................................................................................................10
2.2 Morte.........................................................................................................................12
2.3 Luto...........................................................................................................................14
2.4 Família e luto............................................................................................................17
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS ...............................................................................19
3.1 Participantes da pesquisa.........................................................................................19
3.2 Instrumentos.............................................................................................................20
3.3 Coleta dos dados......................................................................................................20
3.4 Análise dos dados.....................................................................................................21
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..........................................23
4.1 Sentimentos..............................................................................................................23
4.1.2 Sentimentos ao receber a notícia da morte do filho (a)......................................24
4.1.3 Sentimentos atuais frente à perda.........................................................................25
4.2 Estratégias de enfrentamento...................................................................................28
4.2.1 Religião..................................................................................................................29
4.2.2 Substituição da ausência através da semelhança com o outro filho.................31
4.2.3 Não falar sobre o assunto......................................................................................32
4.2.4 Rede social e o trabalho.........................................................................................33
4.3 Consequências decorrentes da perda....................................................................34
4.3.1 Reorganização familiar...........................................................................................34
4.3.2 Surgimento de doenças em decorrência da perda do filho (a).............................35
4.3.3 Aceitação da realidade ..........................................................................................36
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 38
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 45
7 APÊNDICES ...............................................................................................................49
7.1 Apêndice A................................................................................................................49
7.2 Apêndice B................................................................................................................50
6
7.3 Apêndice C...............................................................................................................52
7
PROCESSO DE LUTO EM PAIS E MÃES QUE PERDERAM SEUS FILHOS EM
DECORRÊNCIA DE MORTE POR CAUSAS NÃO NATURAIS.
Nome do orientador: Josiane Aparecida Ferrarri de Almeida Prado
Defesa: 25/11/2009
RESUMO:
A morte é um assunto temido e para muitos é considerada como inconcebível, faz parte de nosso ciclo vital e por isto está intimamente ligada às nossas vidas, porém, nunca estamos preparados para enfrentá-la. Frente a essa realidade, este estudo buscou conhecer como dois pais e duas mães enfrentam a perda de seus filhos em decorrência de mortes não naturais (como assassinatos e acidentes). O instrumento para coleta de dados foi uma entrevista semi-estruturada. Os dados foram analisados qualitativamente, através da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977). Os resultados apontaram que não podemos delinear como será ou quanto tempo irá durar o processo de luto, e que, além disto, cada pessoa vivencia este processo de maneira singular. Podemos destacar que em decorrência da morte por causas não naturais, e da perda inesperada, o luto pode apresentar fases mais complicadas, no que se refere ao desespero e desnorteamento por parte dos que sobrevivem. Identificamos que nenhum dos entrevistados superou a morte do filho, eles buscam estratégias para se adaptar a falta que sentem dos mesmos, mesmo tendo passado muitos anos. Dor e pesar são os sentimentos relacionados à perda de seus filhos. As estratégias de enfrentamento adotadas por eles contribuem para que vivenciem este processo da maneira mais saudável possível e dêem continuidade às suas vidas. Palavras-chaves: morte, morte não-natural, família, luto.
Subáreas de conhecimento: 7.07.00.00-1
Membros da Banca
Márcia Aparecida Miranda de Oliveira Professor convidado
Kátia Simone Ploner Professor convidado
Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado Professor Orientador
8
1 INTRODUÇÃO
A morte é algo que sempre preocupou as pessoas. Todas as pessoas têm
consciência de que vão morrer e que um dia passarão pela dor de perder um ente
querido.
Para a maioria das pessoas, a morte é algo praticamente impensável, e quando
por alguma razão ela se impõe à consciência e à elaboração, é acompanhada por
sofrimento, vulnerabilidade e sensação de desamparo. Este é um fato irrefutável para
todos os seres vivos (SCHRAMM, 2002).
Existem diferenças com relação às reações frente à morte, contudo, o tipo de
morte também influencia essa reação. Segundo Labate (2006), a morte de um doente
terminal ou de uma pessoa muito velha passa anteriormente por um processo de
preparação, já a morte inesperada, ou seja, por causas não naturais, como acidentes e
homicídios desencadeiam uma série de sensações adversas ao enlutado, como o
choque e a culpa.
Assim, de acordo com dados publicados pelo IBGE (2004) que contemplam a
síntese dos indicadores sociais de 2003 (cujas informações são referentes aos anos de
2000 e 2002), apresentam que entre 1980 e 2000 houve 598.367 de pessoas vítimas
de homicídios, sendo registrados nestes vinte anos 2 milhões de mortes por causas não
naturais, ou externas. Enquanto nos anos 80 os acidentes de trânsito eram a principal
causa das mortes externas, na década de 90 os homicídios assumiram a liderança
desta estatística.
Ainda com relação às mortes por homicídios, os dados do IBGE (2004) apontam
que, para cada 100 mil habitantes em 1992 o número de mortes era de 24,6; em 2004 o
número de mortes passou para 32,3. Estes dados fazem parte do IDS (Índice de
Desenvolvimento Sustentável), que contempla os números de 2004. No que se refere à
taxa de homicídios é importante salientar que o aumento da violência no Brasil tem
proporcionado maior número de mortes entre a população jovem, negra e masculina.
No que se refere às mortes provocadas por acidentes no trânsito no Brasil, estes
números também foram significativas ao longo do ano de 2004. Os dados trazem que
9
os homens foram as principais vítimas, com 32,6 mortes a cada 100 mil habitantes e
entre as mulheres, o índice foi de 7,2 por 100 mil, a média brasileira é de 19,6 mortes
por acidentes de trânsito por 100 mil habitantes.
Partindo do pressuposto que todos nós fazemos parte de uma família, esta é
uma organização comum a todas as pessoas. A família possui membros, e cada um
desempenha um papel diferente dentro da estrutura familiar. A partir do momento que
nos deparamos com a ausência de um dos membros dentro da estrutura familiar,
instala-se um processo denominado processo de luto, ou seja, no momento em que
realmente acreditamos que uma pessoa querida morreu.
Os objetivos da presente pesquisa foram conhecer como pais e mães enfrentam o
processo de luto, suas principais estratégias e mudanças na dinâmica familiar são de
grande importância para a psicologia, pois muitas vezes é necessária a ajuda de um
psicólogo para os pais ou para a família superarem essa fase. Perder um ente querido
envolve muitos sentimentos confusos, especialmente no que tange à perda de um filho
de forma inesperada, como Osório (1996) pontua, que a família é viva, possui um ciclo
vital, e com a morte precoce de um filho ocorre o rompimento do ciclo natural da vida
familiar, pois o filho falece antes dos pais.
Domingos e Maluf (2003) também apontam que em decorrência da perda, gera-se
uma crise no indivíduo, na família e nos sistemas da sociedade dos quais participavam
as pessoas, ou seja, o processo de luto envolve toda a rede social das pessoas
envolvidas.
Desta forma, destacamos a relevância da presente pesquisa, visto que o processo
de luto é um fenômeno que atinge tanto a família como toda uma rede social a qual o
falecido pertencia, e também busca contribuir para a ampliação do referencial teórico
acerca do processo de luto, especialmente em pais e mães que perderam seus filhos
em decorrência de morte não natural, tendo em vista a carência da literatura sobre o
tema.
10
2 EMBASAMENTO TEÓRICO
2.1 Família
Segundo Prado (1986) é muito difícil conceituar a palavra família, é muito mais
fácil conceituar o que não é família, pois o estudo sobre a história da humanidade, com
os povos e culturas mais distantes e distintas, constatou-se que a família existiu e
existe.
As famílias evoluem se modificam, assim como os significados que o indivíduo
estabelece a esta em determinada cultura/sociedade. No entanto segundo o senso
comum, família significa pessoas aparentadas que vivem geralmente em uma mesma
casa, especialmente o pai, a mãe e os filhos, ou ainda pessoas do mesmo sangue,
ascendência ou adotados.
Família é algo muito comum a todos, já que partimos do princípio que todos são
integrantes de uma. A família é um sistema de indivíduos comprometidos a permanecer
juntos por um extenso período de tempo, é uma unidade social, cultural e econômica da
comunidade (ZINKER, 2001).
Como os indivíduos que a integram, a família também possui um ciclo vital, ela
nasce, cresce, amadurece, habitualmente se reproduz em novas famílias e se encerra
quando os membros que a originaram morrem e assim a dispersão de seus
descendentes que formam outras famílias, pontua Osório (1996).
A família manifesta grande capacidade de sobrevivência, de adaptação. Mesmo
apresentando diversidades, ela vem se recriando ao longo dos tempos, referindo-se
aos questionamentos em relação à distribuição dos papéis masculinos e femininos,
surgindo assim novas estruturas sociais. Alguns fatores que interferem no tipo da
família é o tipo de sociedade e a época vivida, assim como a família e seu modelo ideal,
levando em consideração a sua composição durante sua trajetória, os diferentes fatores
sociais, além das demais famílias que coexistiram no mesmo tempo e espaço. Sendo
assim, a família não é compreendida apenas como um agrupamento de pessoas com o
11
mesmo laço sanguíneo, mas sim uma instituição social, que se modifica ao longo da
história, dependendo da época e costumes do lugar (OSÓRIO, 1996).
Osório (1996) aponta que dentro das famílias existem os papéis familiares que
são as funções desempenhadas por cada membro da família dentro de sua estrutura,
são as atribuições designadas à determinada pessoa. Os papéis familiares nem sempre
correspondem aos indivíduos que habitualmente designamos como tais. O papel de
uma mãe alimentar seu filho, por exemplo, pode ser desempenhado pela avó ou pelo
pai da criança quando esta não é possível fazê-lo, o papel paterno pode ser
desenvolvido por um avô ou um tio presente, na ausência do pai.
Para o autor acima citado a função da família é de garantir, ou pelo menos
buscar prover os requisitos necessários para um bom desenvolvimento físico e psíquico
de seus filhos, destaca as funções biológicas, psicológicas e sociais da família, funções
estas que estão intimamente ligadas uma à outra. Sobre a função biológica, esta está
focada em garantir a sobrevivência de novos seres através dos devidos cuidados já
estabelecidos por nossa espécie.
Em relação às funções psicossociais refere-se ao afeto ministrado ao indivíduo
como sendo indispensável para o desenvolvimento e sobrevivência do ser humano. A
função psíquica da família é prover a afetividade e servir de continente para as
ansiedades existenciais dos seres humanos durante seu processo evolutivo, auxiliando
o membro da família em suas crises vitais, dando o devido suporte, proporcionando um
ambiente adequado para as aprendizagens. No que se refere às funções sociais cabe à
família a transmissão da cultura e a preparação para o exercício da cidadania.
Zinker (2001) também traz que nos tempos modernos, as unidades familiares
assumiram e assumem muitas faces, são combinações diferentes de pessoas que
integram as famílias, assim como pais divorciados que constituem outra família e casais
homossexuais que vivem juntos. Deste modo observamos que atualmente não existe o
modelo de famílias, o que existem são famílias nas suas mais diversas composições.
Segundo Yontef (1998), quando acontece algo com um membro da família, todos
os outros membros também são afetados, trata-se assim de um exemplo de campo
dinâmico, onde todas as partes se inter-relacionam, ou seja, quando ocorre uma
mudança em uma das partes, o todo se modifica e assim também percebemos na
12
dinâmica das famílias, quando ocorre a perda de um ente querido, neste caso o filho,
inevitavelmente os outros membros da família também mudarão.
Cracel (2004) fala também que a família é como um sistema, integrante de uma
sociedade e que não interage sozinha. A família faz parte de um todo, assim como um
organismo composto de órgãos. Quando um órgão não funciona adequadamente o
corpo todo é afetado, assim acontece com a família enlutada, há a mudança em sua
estrutura, e todos os demais pertencentes do grupo são atingidos.
2.2 Morte
Para Ferreira (2006) ocorreram mudanças sociais referentes à morte, uma delas
foi à rejeição e a supressão do luto que se deve a uma pressão impiedosa da
sociedade, a qual recusa participar na emoção do enlutado. No Ocidente, em meados
do século XX, passa a ganhar consistência a idéia de que a manifestação pública do
luto e também a sua expressão duradoura é de natureza mórbida, ou seja, manter o
ritual de velórios muito expostos à sociedade e à família e também muito longos não
era hábitos saudáveis. Nos dias de hoje, o autor acrescenta que o número de pessoas
e o tempo que se dispensa em torno do velório reduziram. No Ocidente, se evita
demonstrar a dor do luto em público, além do funeral ter deixado de ser um
acontecimento solene e familiar.
Existem diferentes reações dependendo do tipo de morte ocorrida. Segundo para
Parkes (1998) mortes repentinas e inesperadas, assim como os assassinatos, suicídios
e acidentes, representam um risco especial para a saúde mental. Labate (2006) aponta
que a morte de doentes terminais é um processo preparatório, onde se espera
angustiadamente pela morte. A chegada à velhice promove a perda gradativa das
funções orgânicas, e espera-se que o indivíduo logo irá falecer. Uma pessoa que vive
perigosamente, arriscando a própria vida e não dando importância para esta, também
se pode dizer que se espera pela morte, e esta quando acontecer não será uma
surpresa. No entanto a morte não natural, inesperada provoca um efeito muito mais
13
doloroso aos enlutados, pois, além do ser humano não estar preparado para a morte,
uma morte repentina, gera um processo de luto muito sofrido.
De acordo com Shanfield (1985) apud Parkes (1998), o luto de pais que
perderam seus filhos em decorrência de acidentes de trânsito se dá de modo mais
intenso, ocasionando problemas de saúde e depressão, mais do que pais de filhos que
morreram de câncer. Contudo, a autora diz que um dos fatores de risco associados ao
mau resultado na elaboração do luto pode ser representada por morte mais violenta. A
combinação de morte inesperada, precoce e violência, seja ela feita por ação humana
ou não, podem levar as famílias a terem complicações e problemas psicológicos
duradouros.
Na sociedade atual, para Gallery (2004) apud Ferreira (2006), o homicídio é um
dos piores tipos de crimes. Há duas categorias de homicídio: o homicídio qualificado,
que ocorre quando um sujeito provoca a morte de outra pessoa com a intenção
criminosa, e o não premeditado, que resulta de um momento de exaltação, de um ato
involuntário praticado em conseqüência de outra ilegalidade, ou reação frente a uma
situação de defesa.
Gawryszewski; Koizum e Mello-Jorge (2004) pontuam que as mortes por causas
externas, ou não-naturais, vêm aumentando a taxa de mortalidade no mundo todo,
nesta classificação entram principalmente os homicídios, suicídios e acidentes diversos.
Uma pesquisa realizada pelo autor aponta que as causas externas ocasionaram, no
Brasil, uma taxa de 69,3 óbitos por cem mil habitantes no ano de 2000. Destes, 66,4%
ocorreram na faixa etária dos 15 aos 44 anos de idade, sendo que a maioria das
vítimas eram homens.
A resposta mais comum diante da morte é o medo. Para Kóvacs (1992) apud
Hart (2008) o medo da morte é inerente ao processo de desenvolvimento e está
presente em todos os seres humanos e possui várias proporções: o medo de morrer, o
medo do que vem após a morte e o medo da morte do outro, que esta gera solidão e a
separação de quem se ama. A perda de uma pessoa amada é uma experiência
dolorosa, uma das mais dolorosas que o ser humano pode ter, e o luto é uma
experiência desorganizadora e assustadora, são momentos de dificuldade e sofrimento,
14
e estes momentos são vividos de formas diferentes para cada um, e através de seus
próprios recursos para enfrentá-la.
2.3 Luto
“A perda e o luto são partes do drama humano total. Cada perda, grande ou
pequena, está incluída na tessitura de nossos relacionamentos, de nossos apegos e de
nossas evasões.” (ZINKER, 2001, p. 271).
Segundo Worden (1998) para se falar sobre o luto é necessário compreender o
impacto de uma perda, compreendendo o significado do apego no comportamento
humano. A teoria do Apego de Bowlby (1977) apud Worden (1998) nos esclarece
sobre a tendência do ser humano em estabelecer laços, sendo assim clareando a
compreensão sobre as reações diante das perdas, quando estes laços são rompidos.
Os laços surgem de uma necessidade de segurança e proteção pertinentes a todos os
seres humanos, eles são dirigidos a poucas e especificas pessoas e tendem a durar por
uma boa parte do ciclo vital, sendo este um comportamento normal, desde crianças até
nos adultos. No processo de luto, acontece o que Bowlby assinalou como perda do laço
de apego
Marinho, Marinonio e Rodrigues (2007) apontam que o comportamento do apego
se estabelece inicialmente com a mãe, ou quem ocupou este papel, que tem como
função prover segurança para o individuo explorar o meio e é a qualidade deste vínculo
que determinará os vínculos futuros e os recursos para enfrentar e elaborar os
rompimentos e perdas ao longo da vida, e caso este vínculo não tenha sido satisfatório,
o enlutado ao passar por uma experiência de perda pode não ter recursos suficientes
para o enfrentamento, podendo ocorrer o chamado luto patológico.
Worden (1998) pontua que existem fatores específicos que afetam o processo de
luto e influenciam o grau de ruptura na família, como o estágio do ciclo de vida familiar,
os papéis desempenhados pela pessoa falecida dentro da dinâmica familiar. O autor
afirma que não basta tratar individualmente cada membro da família que se relacionava
15
com a pessoa falecida e lidar com o seu luto sem relacioná-lo a toda rede familiar. As
características dos membros da família, isoladamente, ajudam a compor o caráter do
sistema familiar, sendo o sistema familiar mais do que a soma das características de
seus membros.
Autores como Stroebe e Stroebe, Bromberg, Kubler-Ross e Worden apud
Marinho, Marinonio e Rodrigues (2007) identificaram através dos comportamentos
observáveis, as diferentes etapas do processo de luto.
As fases ou etapas descritas por estes autores são semelhantes e assim
citaremos Worden (1998) que aponta quatro tarefas ou etapas dentro do processo de
luto. A primeira é a aceitação da realidade da perda, ou seja, enfrentar que a pessoa
está morta e que não irá retornar. A segunda tarefa é a de elaborar a dor da perda, é
necessário reconhecer e elaborar a dor ou esta se manifestará por meio de outros
sintomas que influenciam negativamente no processo de luto, podendo até mesmo
prolongá-lo. A terceira tarefa é de o enlutado ajustar-se ao ambiente com a ausência da
pessoa que faleceu, dependendo da relação que o indivíduo tinha com o falecido e os
papéis que este desempenhava. A quarta tarefa é o enlutado reposicionar-se
emocionalmente em relação à pessoa que faleceu e dar continuidade a sua vida,
retomar seu caminho e suas relações, podendo lembrar-se da pessoa falecida sem
sofrimento.
No entanto estas tarefas nem sempre são cumpridas na elaboração do luto.
Algumas pessoas apresentam dificuldades em lidar com seus sentimentos em relação à
perda, impossibilitando o resgate de sua vida normal, prolongando o processo doloroso
do luto. Embora as tarefas citadas anteriormente não necessariamente aconteçam
nesta ordem, o autor considera o luto como um processo e não um estado, e o não
cumprimento das etapas prejudicarão o desenvolvimento e o crescimento futuro do
enlutado. Worden (1998) aponta como impossível determinar uma data definitiva para o
cumprimento das tarefas do processo de luto.
Para Kóvacs (1992) o tempo de luto é variável e em alguns casos o processo de
luto nunca se encerra. Com o passar do tempo, alguns sentimentos como tristeza e
desespero ocorrem com menos freqüência, mas o desânimo toma conta da pessoa e o
sentimento mais constante no luto é a solidão. A autora aponta que em casos de
16
mortes inesperadas há dificuldades que caracterizam o processo de luto como
complicado, pois se trata de uma ruptura brusca, sem haver nenhum processo
preparatório por parte dos familiares, podendo manifestar sentimentos como culpa,
podendo haver, por parte do enlutado, ideações de acompanhar o falecido.
Bromberg (1998) apud Hart (2008) aponta a importância em dividir o processo de
luto por etapas ou fases, pois desta maneira se torna mais fácil a identificação de
possíveis patologias, sendo assim uma importante ferramenta de auxílio para os
profissionais que buscam avaliar as condições de luto. Porém a autora acrescenta que
se deve também levar em consideração que existem diferenças individuais, cada
pessoa pode viver o processo de luto de maneira particular, não devendo assim fazer
afirmações definitivas com relação as etapas do luto.
Segundo Zinker (2001) não existe um processo certo ou errado para o luto. O
autor ressalta o que alguns estudiosos trazem a negação, aceitação, raiva e tristeza,
como aspectos do luto, sendo que estes podem acontecer ou não e tão pouco em
ordem predestinada. O que podemos observar é que existem muitas variáveis que
impactam de formas diferentes a elaboração do luto nas pessoas e que não existe uma
regra que informe como e quanto tempo o luto permanecerá.
Para Parkes (1998) apud Marinho, Marinonio e Rodrigues (2007), o luto é uma
sucessão de quadros clínicos que se confundem e se substituem, ocorrendo de
maneira particular para cada indivíduo, embora se tenha um padrão comum observável
na maioria das pessoas, considerando assim o processo de luto como um processo
piscológico distinto.
Franco (2002) apud Marinho, Marinonio e Rodrigues (2007) discorda do que o
autor acima destacou, pontua que a visão sociológica e antropológica sobre a morte e o
luto foram ignoradas, e foi concebida como uma experiência individual e passível de um
desenvolvimento patológico, gerando a impressão de que o luto é mais uma doença do
que uma experiência universal.
17
2.4 Família e o luto
A morte é algo rejeitado pela consciência, e lidar com morte é mais difícil quando
se conviveu com a pessoa. O luto se torna ainda mais intenso para aqueles que não só
conviveram com o falecido, mas também foram seus progenitores. (OLIVEIRA; LOPES,
2008).
O que os autores apontaram acima é de extrema relevância, pois a morte
inegavelmente é um tabu, é vista como o fim, como um limite, um rompimento com as
pessoas que amamos e o quão forte é este rompimento para quem deu a vida a esta
pessoa, como é para pais e mães encarar, aceitar o que até então foi rejeitado, foi
inconcebível.
A morte de um filho é considerada pela maioria das pessoas como a maior
tragédia da vida, considerando que a maioria dos pais vê o filho com extensões de seus
sonhos e projetos para o futuro, e com a morte dele ocorre uma ruptura neste ciclo,
sendo desta forma a morte o pior golpe existencial (BROWN, 2001).
Para Oliveira e Lopes (2008), a morte de um filho pode representar a impotência
do amor dos pais, podendo colocar em dúvida a qualidade desse amor, é como se esse
tivesse fracassado. Eles podem se sentir culpados por sobreviverem ao filho, além de
como Osório (1996) já mencionou, é o rompimento de um ciclo, do ciclo familiar, e os
pais podem sentir-se culpados por esta alteração, e no caso da morte inesperada,
ocorre uma ruptura e um sentimento de culpa, fracasso e impotência maior ainda.
Para Labate (2006) perder um ente querido gera forte impacto e a necessidade de
uma nova adaptação do grupo familiar. Sabendo que para cada individuo o luto é
significado de maneira distinta, cada membro da família enfrenta o processo de luto de
maneira específica, e o que irá realmente diferenciar este enfrentamento é o papel do
sujeito dentro da organização familiar, criando assim uma desestruturação nos diversos
papéis, gerando uma crise diante da necessidade da família em continuar
desenvolvendo seus diversos papéis, considerando a sobrecarga de sintomas que o
luto acarreta para cada um deles.
18
Labate (2006) fala ainda que esta crise deve ser superada por toda família para
que possa haver uma nova organização familiar, criando assim uma nova identidade.
No entanto este processo é lento e doloroso, pois à medida que esta nova estrutura é
formada, há a sensação da ausência do ente querido cada vez mais concretizada
dentro do ambiente familiar.
No caso da terapia para pessoas enlutadas, a Gestalt-Terapia como dá ênfase ao
fenômeno, pode trabalhar o restabelecimento do contato, a interação, as possibilidades
do indivíduo, a comunicação entre os membros da família, e desta forma o contribuir
com essas famílias, afim de lidarem com as dificuldades inerentes do processo de luto.
Através da gestalt terapia há a possibilidade dessas famílias experimentarem relações
saudáveis, podendo diante das dificuldades encontrarem uma solução mais adequada
para este momento, na qual vai buscando formas diversas, se movimentando e
encontrando um “ritmo” adequado e uma boa forma nas relações, de modo a ser
congruente com seus atos e pensamentos, ocorrendo novas configurações na família
sem que haja cristalizações de papéis (CRACEL, 2004).
Referente à perda de um ente querido, Worden (1998) afirma que na maioria dos
casos, dois anos não é tempo suficiente para a elaboração do luto e que em poucos
casos a resolução do processo de luto se completa em menos de um ano.
19
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS:
Para a realização da presente pesquisa, foi utilizada a metodologia qualitativa,
que, segundo Turato (2003) proporciona ao pesquisador investigar o que os
participantes têm a dizer sobre determinado assunto e identificar o significado que dão
ao mesmo.
Para Gonzalez Rey (2005) a pesquisa qualitativa foca o conhecimento dos
complexos processos que compõe a subjetividade e não o cunho de controle e
descrição, buscando apurar efetivamente a compreensão de processos os quais
existem inter-relações e sua investigação deve acontecer integralmente, sem sua
fragmentação em variáveis.
Richardson (1999) aponta que a Análise Qualitativa pode descrever a
complexidade do problema, analisar as interações de variáveis, compreender os
processos vivenciados pelos grupos de pessoas.
3.1 Participantes da pesquisa:
Esta pesquisa contou com a participação voluntária de duas mulheres e dois
homens que passaram pela experiência de ter perdido seu filho ou filha em decorrência
de morte não natural.
Os participantes foram contatados pela pesquisadora através de indicações de
pessoas conhecidas, que não tinham contato direto com a mesma. O número de
participantes foi decorrente da quantidade de indicações realizadas, pois o tema está
relacionado a questões muito pessoais e a um assunto que a maioria das pessoas não
gostam de falar. Outras duas pessoas, um pai e uma mãe foram contatados pela
pesquisadora e não concordaram em participar desta pesquisa.
20
Quadro1 – Identificação dos entrevistados
3.2 Instrumentos
Para a realização desta pesquisa utilizamos a entrevista semi-estruturada, com
os pais e mães que perderam seu filho ou filha em decorrência de morte não natural
(Apêndice A).
A entrevista semi-estruturada é composta por perguntas abertas e podem ser
retiradas ou re-elaboradas, podem ter sua ordem de apresentação alterada ou ainda
ser acrescentadas de imprevisto, segundo a percepção do entrevistador. Para André e
Ludke (1996), a flexibilidade é a principal característica deste instrumento.
3.3 Coleta dos dados
Primeiramente a pesquisadora entrou em contato com algumas pessoas
conhecidas, com a finalidade de obter indicações de pais ou mães que a haviam
passado pela experiência da morte de seu filho ou filha.
Nome do pai
e mãe
(pseudônimo)
Ano de
nascimento do
filho (a)
Ano do
falecimento do
filho (a)
Motivo de
falecimento
Maria 1987 2004
(aos 17 anos)
Acidente de
trânsito
Paulo 1979 1994
(aos 15 anos) Afogamento
Ana 1980 1998
(aos 18 anos)
Acidente de
trânsito
José 1989 2006
(aos 17 anos)
Acidente de
trânsito
21
Após, a pesquisadora fez contato telefônico com as pessoas indicadas
convidando-as a participar da pesquisa e realizando os esclarecimentos sobre os
objetivos. O local e horário para realização das entrevistas foram agendados de acordo
com a disponibilidade das pessoas. As entrevistas foram realizadas na casa de cada
participante com a duração de aproximadamente de uma hora.
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B)
a pesquisadora preencheu a Ficha de Identificação (Apêndice C) e realizou as
entrevistas individualmente e essas foram gravadas e posteriormente transcritas e
analisadas.
3.4 Análise dos dados
Os dados coletados foram analisados qualitativamente, e o método escolhido
pela pesquisadora para analisar as entrevistas foi a Análise de Conteúdo proposta por
Bardin, sendo este o que atende as necessidades da pesquisa.
A Análise de Conteúdo segundo Bardin (1977) consiste em um conjunto de
instrumentos metodológicos que se aplicam aos discursos extremamente diversificados.
É composta por três fases: A Pré-Análise, as entrevistas são transcritas e seus dados
comporão o corpus da pesquisa, corresponde à organização/transcrição das idéias
iniciais do entrevistado; posteriormente é feita a Exploração do Material, que relaciona
os dados obtidos com as categorias criadas, é a etapa mais longa e cansativa, é o
momento em que os as informações são transformados de forma organizada em
unidades que permitem uma descrição das características apresentadas; e, a última
fase é o Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação, então é efetivamente a
interpretação dos dados recebidos.
A seguir serão apresentadas as categorias e subcategorias (Quadro 2)
encontradas nesta pesquisa:
22
Quadro 2 – Identificação das categorias e subcategorias
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
4.1.1 Sentimentos ao receber a notícia da morte do filho (a)
Desespero
4.1.2 Sentimentos Atuais frente à perda
4.1 - SENTIMENTOS
Dor (pesar)
Lembrança (saudade)
4.2.1 - Religião
4.2.2 - Substituição da ausência através da semelhança com
outro filho (a)
4.2.3 – Não falar sobre o assunto
4.2 - ESTRATÉGIAS DE
ENFRENTAMENTO
4.2.4 – Rede social e o trabalho
4.3 - CONSEQUÊNCIAS
RELACIONADAS À
PERDA DO FILHO (A)
4.3.1 - Reorganização familiar
4.3.2 – Doenças
4.3.3 – Aceitação da realidade
23
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente capítulo tem como objetivo descrever os resultados obtidos através
das entrevistas realizadas com dois pais e duas mães que perderam seus filhos em
decorrência de morte não natural. Em função dos princípios éticos de sigilo e
anonimato, utilizaremos nomes fictícios para os participantes.
Para uma melhor compreensão do leitor sobre as falas dos pais e mães
entrevistados, as mesmas estão destacadas em itálico e negrito.
4.1 SENTIMENTOS
O tema abordado na presente pesquisa aponta a alteração na estrutura da
família, na quebra de um padrão estabelecido, onde neste caso, os filhos morrem
precocemente, antes de seus pais, interrompendo o ciclo natural da vida familiar
(OSÓRIO, 1996).
Segundo Caterina (2007) há um conjunto de sensações quando o assunto é a
morte de um filho. A idéia de injustiça e de raiva se misturam, além do sentimento de
culpa por não ter impedido a morte de seu filho.
Zinker (2007) elenca os sentimentos de negação, aceitação, raiva e tristeza que
podem apresentar no processo de luto. Ressalta que nestes sentimentos não há ordem
exata para ocorrer, ou seja, não há uma seqüência determinada de sentimentos
durante o processo de luto, o que existe é uma soma de vários sentimentos, mas não
podemos afirmar quais e em que ordem ocorre.
A seguir serão apresentados os sentimentos trazidos pelos entrevistados.
24
4.1.1 SENTIMENTOS AO RECEBER A NOTÍCIA DA MORTE DO (A) FILHO (A)
Desespero
Segundo Caterina (2007) há duas formas diferentes de reação frente à morte de um
ente querido. Uma, quando este é um doente terminal e a morte é algo já esperado, e
nesse caso, mesmo sendo um fato insuportável, acaba sendo assimilado pela família. O
contrário ocorre com a morte inesperada e repentina, que representa uma dor
inacessível. Para a autora, a reação ao receber a notícia da morte vem acompanhada
de insegurança e desespero.
Ana quando questionada sobre sua reação ao receber a notícia da morte de sua
filha, comenta: “(...) Aí ali eu me desesperei... comecei a chorar, chorar, fiquei
desesperada... aquilo é uma coisa que te pega e te arrasa (...)”.
A perda de uma pessoa amada é algo extremamente doloroso na vida de
qualquer ser humano, o processo de luto é acompanhado por uma vivência muito
sofrida, é uma experiência desesperadora, desorganizadora, são momentos
apavorantes e insuportáveis (HART, 2008)
José também nos fala de seu desespero “(...) foi a pior notícia que recebi até
hoje, a gente fica muito desesperado... é uma ferida que não cicatriza (...)”.
A experiência da morte no outro configura na própria morte do enlutado, como o
rompimento total do vinculo antes estabelecido, envolvendo desorganização,
paralisação e impotência (CATERINA, 2007). Na fala de Maria aparece o seu
desespero: “(...) Ah! Eu queria morrer na hora!”. Quando Maria relata seu desejo de
morrer ao receber a noticia do falecimento de seu filho em decorrência de uma morte
brusca, identificamos uma profunda desorganização de suas idéias, pois esta situação
é de difícil assimilação o que provocou o desespero.
Frente à reação destes pais, observamos que a resposta de desespero, choro,
entorpecimento é algo inteiramente normal perante esta situação de rompimento, de
desorganização mental por qual o enlutado passa no momento em que há
25
irreversivelmente a quebra do vinculo entre o enlutado e o falecido. De acordo com
Worden (1998), o choque, o desespero ocorre com mais freqüência no caso de morte
súbita, pois geralmente quando o familiar está passando por um processo de doença
terminal, a morte já é esperada.
Para Caterina (2007), a morte tem significados diferentes para cada pessoa,
podendo ser até mesmo algo ameaçador, pois a morte em si é o desfecho de todo ser
vivo. O rompimento desta relação, ou de uma perda, desencadeia sentimentos e
comportamentos que levam o enlutado a profunda melancolia e desorganização em sua
vida.
4.1.2 SENTIMENTOS ATUAIS FRENTE À PERDA
Dor (pesar) A dor é um sentimento inevitável no processo de luto. Segundo Worden (1998) a
elaboração desta faz parte da segunda tarefa do processo de luto e é necessário
reconhecer e elaborá-la, ou esta se manifestará por meio de outros sintomas, que
influenciam negativamente ainda mais no luto, podendo até mesmo prolongá-lo.
Paulo relata sobre a lembrança que tinha do filho à mesa, como se fosse um
sentimento passado, mas a voz embargada demonstra a dor que ainda sente: “(...) nos
primeiros dias, após o falecimento de meu filho, quando estávamos à mesa, e
tinha coxa de galinha, aquilo não descia, porque ele gostava muito de comer, daí
não dava para comer, pois a lembrança estava muito presente (...)”
Identificamos na fala de todos os pais entrevistados a presença do sentimento de
dor, todos fizeram seu relato com muito pesar, como se revivessem quotidianamente
essa dor, que, como José citou anteriormente em sua fala sobre seu sentimento ao
receber a notícia da morte de seu filho, não cicatriza.
No depoimento de Maria, quando questionada sobre seu sentimento atual referente
à morte de seu filho, relata: “(...) a dor só sabe quem tem... então pode passar sete,
26
oito, dez anos, pra mim a dor é pior ainda, entendeu? Eu fico pensando como ele
estaria, será que já estaria casado? Será que eu já seria avó? Será que ele já teria
realizado os sonhos dele? Então a dor... eu achava que ao passar do tempo ela
aliviaria, mas no meu caso não, porque não tem um dia que eu não acordo e não
penso, que eu não lembre (...)”.
José relata com profunda lamentação: “(...) Olha hoje é doído ainda, hoje pra
mim, cada dia é mais doloroso... é uma cicatriz que não fecha, é uma guerra, é
uma guerra que não vai ter fim, eu creio que não vai ter fim (...)”.
Para Ana: “(...) É triste, ninguém quer perder um filho, é um pedaço horrível da
vida da gente, porque perder um pai, uma mãe é uma coisa, mas filho é outra”.
No discurso de Paulo destacamos a dor presente no fato de o filho não poder
desfrutar com a família as conquistas que a mesma teve após sua morte: “(...) Meu
filho dizia assim para mim: ‘Ô pai, quando nós vamos ter uma casa bem bonita
para nós, porque a nossa casa é de madeira’, e com isto me lembrei que uma vez
na escola, ele tinha os trabalhos para fazer e os colegas dele sempre falavam que
ele só desenhava casas, e ele falava que era porque ele só sabia fazer isto.
Quando ele fazia as pesquisas deu para saber que ele queria muito ter uma casa
mais nova, mais bonita (...)”. E, com muito pesar acrescenta: “(...) O que eu sinto é
que como hoje eu tenho um carro melhor que eu tinha na época em que meu filho
era vivo, tenho uma casa melhor do que a que eu tinha, e isto tudo era um sonho
dele que não podemos realizar antes que ele partisse”.
É evidente que para todos os entrevistados há a dor no processo de luto, para
Kóvacs (1992) o tempo de luto é variável e com o passar do tempo, alguns sentimentos
como a tristeza, desespero passam a ocorrer com menos freqüência, mas as pessoas
aprendem a conviver com esse sentimento.
Worden (1998) nos auxilia a compreender os depoimentos citados nesta categoria,
pois podemos identificar que apesar da presença de profunda dor e pesar, há o
reconhecimento da perda na fala destes pais, ou seja, já uma etapa alcançada para o
processo de luto, não deixando de levar em consideração o que Kóvacs (1992)
ressaltou anteriormente, de que cada pessoa possui seu tempo para o processo de
27
luto, não podemos assim simplesmente categorizar a dor e o sofrimento destas em um
padrão de comportamentos.
Lembrança (Saudade) Poder lembrar-se da pessoa falecida, sem sofrer, ou pelo menos não na mesma
intensidade do início do processo de luto, de acordo com Worden (1998) é um sinal de
que o processo de luto está chegando ao final, porém, quando esta lembrança ainda
machuca nos alerta de que ainda não houve a aceitação ou adaptação por parte da
pessoa enlutada.
José relata com muita emoção a saudade que sente do filho: “(...) Eu me lembro
dele todos os dias. Ele já não faz mais parte das nossas vidas, agora ele faz parte
das lembranças, sempre falta ele dentro de casa, na mesa, nas brincadeiras, nas
conversas, nos conselhos, ele não está mais conosco (...)”.
Maria também fala de sua saudade: “(...) Não tem um dia que eu não acordo e
não lembro, entende? É como se ele tivesse partido hoje (...)” Percebemos no
depoimento desta mãe a profunda saudade, Maria se lembra com sofrimento do filho
todos os dias.
Ana também demonstra com lamentação a saudade que sente da filha, ela fala que:
“(...) De vez em quando a gente pensa (...) Perder não é fácil, sempre fica a
lembrança (...)”.
Notamos que todos os entrevistados trouxeram muitas lembranças, recordações
envolvidas por uma profunda saudade de seus filhos. Bowlby (2002) apud Worden
(1998) apresenta as fases do luto e fala que na última fase deste processo é o
momento em que o enlutado consegue lembrar-se do ente querido falecido sem
sofrimento. Contudo não identificamos em nenhum dos pais entrevistados esta
possibilidade, nenhum deles relata, ou lembra do falecimento de seu filho como uma
lembrança de alguma coisa que se foi, todos demonstram ao menos lamentações, uma
expressão triste, de como se lhe estivesse faltando algo.
28
Vale ressaltar que nas falas acima citadas, três dos quatro entrevistados, explicitam
a saudade como um sentimento presente no seu cotidiano quando se referem aos
filhos. Para José, Maria e Ana estas lembranças provocam dor e pesar, ou seja, trazem
à tona sentimentos negativos, então podemos afirmar que estes pais não estão na
última fase do processo de luto, e conforme Bowlby (2002) apud Worden (1998), eles
ainda não conseguem lembrar-se de seus entes queridos sem sofrer, sem lamentações
e também não podemos afirmar se algum dia conseguirão.
Quanto ao outro pai, Paulo, percebemos em seus relatos a saudade, as
lembranças que carrega de seu filho, porém notamos que ele já consegue lembrar-se
do mesmo como uma pessoa importante que passou e marcou intensamente sua vida,
e ainda assim percebemos a dor, talvez possamos dizer menos intensa ou freqüente,
talvez até em consequência do tempo, passaram-se mais de 17 anos do falecimento de
seu filho, mas ela está ali, as lembranças permanecem presentes.
Assim, concluímos através destes depoimentos que para pais e mães não ocorre a
superação nem tão pouco a conformação com relação à perda, pode ocorrer sim a
adaptação e o reconhecimento da morte de seu filho, possibilitando ao enlutado que
siga dê continuidade à sua vida, adaptando-se em um processo de diferentes
estratégias com a ausência de seu filho.
4.2 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
As estratégias de enfrentamento podem ser consideradas como mecanismos
defensivos, no caso do processo de luto, as pessoas adaptam comportamentos para
enfrentar tal momento e é de extrema importância para os profissionais que integram a
equipe de saúde conheçam estes mecanismos para assim atenderem de forma efetiva
as necessidades das pessoas enlutadas (BELATTO; CARVALHO, 2005).
Segundo Caputo e Fornazari (sd) para que se elabore o luto,é necessário que se
desenvolva meios saudáveis de enfrentamento, estas estratégias não evitarão o
sofrimento, porém colabora como ferramenta auxiliadora do processo de luto.
29
Hart (2008) acrescenta que cada pessoa vivencia o processo de luto à sua
maneira, e cada pessoa possui recursos diferentes para enfrentar este momento,
através dos depoimentos dos participantes desta pesquisa, percebemos exatamente
isto, ou seja, que cada um dos pais apresentou sua própria estratégia para enfrentar a
morte precoce do filho ou filha. Um dos pais, conforme citaremos adiante prefere não
falar sobre o assunto, acredita que desta forma estará aliviando seu sofrimento. Outro
pai tenta compensar a ausência do filho através da semelhança física e
comportamental entre o filho mais novo e o filho morto. Também buscam a religião
como forma de enfrentamento. Identificamos como formas de enfrentamento de todos
os pais e mães que colaboraram com a presente pesquisa o sentimento de
solidariedade por seus relatos da história da morte de seus filhos, por colaborar com
uma produção científica sobre o tema, podendo auxiliar outras pessoas que passam por
situações de perda de entes queridos. Demonstrando orgulho, Paulo relata durante a
entrevista que: “(...) Quem sabe se meu filho não vai ajudar você nesta pesquisa, o
que aconteceu com ele vai servir para ajudar. É como se sentir orgulho quando se
doa os órgãos do filho, senti orgulho em dizer o órgão do meu filho está naquela
moça, naquele rapaz. Quem sabe nessa pesquisa Deus não vai te abençoar e
você vai conseguir fazer teus objetivos da vida né (...)”.
Maria ao despedir-se da pesquisadora, declarou: “(...) Acredito que meu filho
com a história dele vai ajudar na tua pesquisa e as outras pessoas que estudam
psicologia”
4.2.1 Religião
Segundo Parkes, Laungani e Young (2003) apud Carvalho (2006), a religião é uma
cultura que possui uma soma total de conteúdos, é desde a maneira de se pensar e
agir que se difere de outros grupos de pessoas e tendem ser transmitidos de geração a
geração.
30
De acordo com um estudo realizado por Walsh et al (2002) apud Carvalho, (2006)
com 95 pessoas, entre um grupo de pessoas que estavam em processo de luto
pertencentes a uma crença e um grupo que não tinha religião, concluiu que a maioria
das pessoas que possuíam uma crença, elaborou o luto mais rapidamente que as que
não tinham religião.
Ana, Paulo e Maria trouxeram a religião como fator importante no enfrentamento do
processo de luto. Maria aponta: “(...) Olha hoje eu estou indo na igreja, me apego
bastante com Deus (...)”.
Conforme Walsh et al (2002) apud Carvalho, (2006) , a religião possui um efeito de
conformação para as pessoas que a seguem, é como uma explicação para o que não
se consegue explicar.
Para Paulo e sua família, a igreja foi fator relevante para o enfrentamento, além
de ter promovido uma maior aceitação com relação à perda de seu filho, ele disse: “
Conseguimos retomar nossas vidas graças a Deus. A grande força que nós
tivemos quando meu filho faleceu foi da igreja, a gente fala que se encaminhou
também mais para a igreja, se inseriu mais nos trabalhos da igreja para preencher
aquela lacuna que fica, então foi a igreja que mais socorreu os nossos corações.
E hoje está natural, Deus vai dando força. Porque quem lê a bíblia sabe, Deus
também gosta das coisas boas, não leva com ele só as ruins não, e nada melhor
para curar a gente como o tempo e muita oração (...)”.
Percebemos no relato de Paulo, que além da religião ter sido um suporte para o
enfrentamento do luto, ela também promoveu uma explicação sobre a perda, quando
ele fala que Deus também gosta das coisas boas está se referindo que seu filho morreu
porque Deus também quer os bons do seu lado.
Ana fala que através da religião sentiu-se mais confortada, disse: “Aquele tempo
eu ainda não tava firme com Deus, mas mesmo assim Deus me confortou muito.
Deus sempre conforta a gente, é só pedir força para ele e ele te dá (...)”.
Segundo Carvalho (2006), as pessoas que são mais religiosas conseguem
restabelecer com menos dificuldades e complicações o equilíbrio que se perdeu com a
morte de um ente querido. Notamos na falas acima citadas pelos pais que a religião foi
uma estratégia de enfrentamento que possibilitou um processo de luto com menos
31
conflitos, promovendo o conforto necessário para poderem dar continuidade aos
projetos de vida.
É importante salientar então que três dos quatro pais entrevistados apontaram a
religião como ferramenta auxiliadora no processo de enfrentamento do luto. Para estes
pais que relataram não encontrar explicações muito menos razões para a morte
precoce de seus filhos, eles buscam a religião como uma fonte de conformação, é a
busca por uma explicação para algo que não lhe faz sentido, a morte.
Constatamos assim que o a religião promoveu para estes pais um amparo, os
auxiliando com relação à dor e ao sofrimento pela morte de seus filhos, sendo assim a
religião é uma estratégia de enfrentamento relevante nos casos de processo de luto.
4.2.2 Substituição da ausência através da semelhança com outro filho
Em algumas fases do luto podem surgir a identificação com o falecido,o enlutado
por vezes pode se perceber fazendo coisas que a pessoa que morreu fazia, porém para
Kóvacs (1992) este processo podem fazer parte normalmente do processo de luto e
conforme o grau e a perda de contato com a realidade pode se tornar aí um indicador
para aspectos patológicos. Alguns sentimentos e sensações inerentes à perda que são
apresentados pelos pais é uma tentativa irracional de manter o vínculo, mesmo que as
evidências da realidade estejam provando o contrário.
Paulo faz a comparação entre seu filho menor (que tinha quatro meses na época
do falecimento do irmão) com traços de personalidade de seu filho falecido, relata que:
“(...) de vez em quando a gente compara o trabalho, as idéias desse filho que é o
mais parecido com ele, a gente não pode fazer isso... a gente quer que ele seja...
que ele dê continuidade(...)”.
Notamos no discurso de Paulo a tentativa de manter viva a presença de seu filho
falecido, através de comparações com seu filho mais novo, porém o próprio Paulo
admite a comparação como algo errado, mas ainda assim a continua fazendo,
confirmando o que Kóvacs (1992) apontou anteriormente, de que mesmo que o pai
32
tenha consciência da realidade, ele pode apresentar algumas tentativas de manter o
vínculo com o filho que morreu.
Ana também traz em seu discurso a comparação dos atributos físicos de sua filha
mais nova com a filha falecida: “(...) a minha outra filha é idêntica, olha para a foto
que tá lá e olha para a dela aí, a gente fica com o coração apertado... então tu olha
o corpo, o cabelo, o cabelo dela era ondulado, não tem o que tirar (...)” Tanto
quanto Paulo, Ana também faz comparações da filha falecida com a sua filha mais
jovem, denotando uma tentativa de manter viva a lembrança e o vínculo com a filha que
morreu.
4.2.3 Não falar sobre o assunto
Apenas um dos pais, José, ao ser questionado sobre as estratégias adotadas para
lidar com as mudanças que aconteceram na família após a perda de seu filho, revelou
ter sido o fato de não falar sobre o assunto, ou seja, não expressar nada referente a
morte do filho, como facilitador para o processo de luto. E por esta estratégia ter
chamado a atenção da pesquisadora durante a entrevista, decidimos mencioná-la.
José ressaltou veementemente que para ele para enfrentar o processo do luto pela
morte de seu filho procurou não comentar mais sobre o assunto, ele explicita que: “(...)
Ah! A gente busca não comentar o assunto... nós não falamos muito, aliás, nós
não conversamos sobre o assunto (...)”.
Levando em consideração o que Worden (1998) pontua em relação a uma das
etapas do luto, que é elaborar a dor da perda, fica evidente que esta etapa do processo
de luto para José ainda está mal elaborado, pois na intenção de amenizar seu
sofrimento ele evita falar sobre a morte de seu filho, não conseguindo elaborar sua dor.
Para o autor, estes fatores de negação podem se manifestar através de outros
sintomas, assim causando mais complicação para a elaboração do luto e até mesmo
para o fechamento deste. Parkes (1998) pontua ainda que a dificuldade em expressar
33
os sentimentos pode se explicada por influência sociais ou culturais, como o estilo da
família, por exemplo.
De acordo com Fleming e Adolf (1986) apud Domingos e Maluf (2003), trabalhos
de terapia de luto têm evidenciado que não expressar-se durante o processo de luto
não auxilia na elaboração do mesmo, pois uma vez que inibindo a expressão dos
sentimentos podem gerar culpa e inadequação ao enlutado, ou seja, podendo ser
manifestado de forma inadequada, através da agressividade, uso de drogas, ou outros
comportamentos inadequados. Dificultando ou complicando assim o processo de luto
ou até tornando-o patológico.
4.2.4 Rede social e o trabalho
Segundo Caterina (2007), para que o processo de luto tenha um resultado favorável,
é muito importante que o enlutado expresse seus sentimentos e emoções. Através da
rede social, família, amigos e trabalho, o enlutado tem a possibilidade de focar sua
atenção em coisas diferentes, distrair-se, além de poder expressar-se fora do ambiente
familiar.
Sluzki (1997) aponta também que a interação do sujeito não se limita à família
nuclear ou extensa, mas estende-se a um conjunto de vínculos interpessoais, como os
amigos, as relações de trabalho, de estudo, inserção em atividades comunitárias e
práticas sociais. O processo de interação social constitui assim uma instância
necessária para a promoção da saúde e bem estar, revelando ainda mais a importância
desta interação múltipla para o enlutado.
Quando questionado sobre como havia lidado com as mudanças decorrentes da
morte do filho, Paulo explicita que como ele trabalhava e tinha contato com outras
pessoas o processo do luto foi mais simples do que para sua esposa que não
trabalhava, somente cuidava da casa e dos filhos, ele relata: “(...) eu sofri bastante,
mas para mim foi mais fácil, porque a gente sempre tem comunicação com outras
pessoas, tem o trabalho, mas para a minha mulher foi mais difícil, né? A gente sai
34
para trabalhar, conversa com um, conversa com outro (...)”. Paulo evidencia nesta
fala que o fato de trabalhar, de sair de casa, conviver com outras pessoas além da
família, foi positivo para o seu processo de luto. Com outras pessoas ele podia
expressar sua dor e também se distrair, falar também sobre outros assuntos, e assim
elaborar melhor seu luto.
Para Worden (1998) a importância de falar, de se expressar é extremamente
significativa durante o processo de luto. Para Paulo, o trabalho foi um agente facilitador
durante o processo de elaboração do luto, pois como o mesmo convivia com outras
pessoas, outros ambientes, o que, segundo seu relato não acontecia com sua esposa,
que em decorrência de não ter um trabalho fora de casa, não tinha tanta oportunidade
de conviver com outras pessoas, ter acesso a outras redes sociais que possibilitasse à
mesma um aspecto facilitador no processo de luto.
Worden (1998) também traz como uma das tarefas a serem cumpridas no processo
de luto, a retomada das relações e a continuidade da vida do enlutado após a morte do
ente querido. Como Paulo tinha outras relações sociais além da família, o trabalho, este
fator caracterizou-se como positivo para a elaboração do luto, possibilitando ao mesmo
a retomada das atividades após a morte de seu filho, atuando assim como um agente
facilitador.
4.3 CONSEQUÊNCIAS DECORRENTE DA PERDA DO FIILHO (A)
4.3.1 Reorganização familiar
De acordo com o que Osório (1996) pontua, a família tem o poder de adaptar-se
às diferentes circunstâncias e alterações em sua estrutura, promovendo uma nova
composição e interagindo entre os seus integrantes.
Um dos pais entrevistados (José) aponta que a que a união de sua família foi
fundamental continuar dando sentido às suas vidas, ele fala que: “(...) Nós somos
35
muito apegados um ao outro e o nosso amor que nos fez lutar, e o que nos
fortaleceu foi a nossa união. Se não tivesse a união, eu creio que seria mais
pesado (...)”.
Para cada pessoa o luto é significado de maneira diferente, cada membro da família
enfrenta o processo de luto de maneira específica, e o que irá realmente diferenciar
este enfrentamento é o papel do sujeito dentro da organização familiar, criando assim
uma desestruturação nos diversos papéis, gerando uma crise diante da necessidade da
família em continuar desenvolvendo seus diversos papéis, considerando a sobrecarga
de sintomas que o luto acarreta para cada um deles (LABATE, 2006).
Das quatro pessoas entrevistadas, apenas Maria fala da desestruturação familiar
após a morte do filho, mas em algumas falas de sua entrevista ela aponta que antes da
filha morrer o casamento já não estava mais harmonioso. Relata que: “(...) Mudou
tudo, a família ficou totalmente desunida, já não tava bem, aí mesmo que acabou.
E assim, acabou muito com estado dele (referindo-se ao marido), com o emocional,
porque ele nunca foi aquele pai presente, ele não curtiu o filho, quando ele tava
se preparando pra curtir aconteceu isso tudo, porque nós estávamos mais
separados do que juntos (...)”.
Sobre o relacionamento conjugal inexistente, conclui: “(...) Eu quero morar sozinha,
já botei na minha cabeça que eu quero ter o meu canto, porque hoje quem mora
aqui sou eu, a minha filha, e o pai dela, mas cada um no seu quarto né, o pai dela
está aqui também porque ele ajuda financeiramente, ele que mantém a casa, ele
está aqui mais para ajudar (...)”. Não podemos inferir se a morte do filho provocou ou
não uma ruptura na família, mas identificamos uma desorganização na estrutura
familiar, os componentes desta mudaram seus papéis para continuar a viver após a
perda.
Desta maneira a fala de Maria clarifica o que Labate (2006) apontou, ou seja, de que
após a perda de um ente querido dentro da estrutura familiar, há uma reorganização de
papéis, Maria relatou que o marido continua morando na mesma casa apenas porque
ele é o provedor da mesma, ou seja, há uma confusão de sentimentos e papéis mal
elaborados nessa estrutura familiar.
36
4.3.2 Surgimento de doenças em decorrência da perda do filho (a)
O luto pode não ser o causador da dor física, mas provoca desconforto e geralmente
altera as funções do organismo, ocasionando desta forma uma doença. Ruschel (2006)
aponta que existem indicadores que a maioria das pessoas que enfartam possui algum
tipo de fator emocional que contribui para que isso aconteça, como uma separação,
mudanças na dinâmica profissional, brigas, ou seja, situações de perda, como um
processo de luto.
No depoimento de dois entrevistados apareceu a doença como conseqüência da
perda. Maria salienta várias vezes durante a entrevista a sua debilidade física atual,
como no trecho: “(...) eu era cheia de saúde, não tinha nada assim, eu vejo que o
susto foi tão grande, que mexeu com tudo... porque acarretou mais doença para o
meu corpo, entendeu? E eu vejo que é decorrente da falta que eu sinto dele (...)”.
Paulo aponta a doença de sua mulher como decorrente da perda do filho “(...) Ela
um ano depois deu infarto, diz o médico que morreu uma parte do coração dela
(...)”. Desta forma, salientamos que para dois entrevistados há a relação entre a morte
do filho e o adoecimento da pessoa que está passando pelo processo de luto.
4.3.3 Aceitação da realidade
Identificamos em dois pais entrevistados que, em decorrência da morte de seu filho,
passaram a ter uma percepção diferente sobre a realidade. Paulo e Ana passaram a
aceitar a realidade, as coisas como são, e passaram a ter a consciência da
vulnerabilidade de todos, que coisas ruins também acontecem, Paulo discursa: “(...) a
gente acha que câncer só pega nos outros, filha solteira só engravida a dos
outros, a da gente não, filho só morre o dos outros, o da gente não, a gente acha
que é só com os outros que acontece né? Aids só pega nos outros, na gente não
37
pega, mas no decorrer da vida, as gente vai percebendo que também está na
chuva para se molhar. (...)”
Para aceitar a realidade ele descreve as circunstâncias da morte do filho como
heróica: “(...) Eu até meio que me orgulho, porque quando meu filho morreu ele
estava fazendo uma boa ação, ele foi fazer uma boa ação, não conseguiu, mas
tentou, porque eu sempre ensinava a ele que não se deixa nenhum amigo em
apuros, e como ele era obediente, foi o que fez. (...)”
Ana também traz em seu discurso a aceitação da realidade da morte de sua filha,
fala que: “(...) No dia que eu levei ela e sepultei, eu tive o entendimento de que não
volta mais, e que eu ainda tenho duas filhas para cuidar. A gente superou bem,
levamos a vida que tinha que levar, porque não adianta aquilo ali não volta atrás,
não tem como voltar, então, eu ergui a minha cabeça, não sou de ficar me
lamentando, ficar vendo foto, chorando, nunca fiz isso, não volta mais(...)”
Oliveira e Lopes (2008) trazem que processo de luto mostra-se organizado e é
conscientemente aceito quando a morte foi tomada como real e o enlutado apresenta
disponibilidade para novos investimentos em sua vida, podendo assim manter vivos os
sentimentos em relação à pessoa que faleceu, a que se alia a recuperação da auto-
estima. O reconhecimento da morte tende a estar ligado a aceitação da realidade, e
como um processo de luto bem elaborado, não significando a superação, mas sim o
reconhecimento e aceitação do que é real, principalmente da morte, desmistificando
que o que é ruim ou real só acontece com o outro.
Para Bromberg (1998) apud Hart (2008), o processo de luto é composto por
mudanças psicológicas, e a primeira delas é a aceitação da realidade, ou seja, de que a
morte aconteceu e a relação com o ente que faleceu está acabada. Para Ana e Paulo a
mudança psicológica ocorreu, visto que para este pai e esta mãe a morte de seu filho é
um fato, é real e reconhecido como tal.
38
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em decorrência de uma vivência pessoal sobre o tema, surgiu a necessidade em
estudar e compreender sobre o luto para ajudar pessoas próximas, e no futuro, como
psicóloga, poder também auxiliar outras pessoas a lidarem com suas perdas reais.
Desta forma, a presente pesquisa proporcionou conhecer como pais e mães que
perderam seus filhos representam essa perda e como aprenderam a lidar com ela.
Atualmente os profissionais da saúde, de modo geral, estão atribuindo grande
importância aos cuidados às pessoas que estão em estágio terminal, que necessitam
de cuidados paliativos, pois sabe-se a proximidade da morte. Especificamente sobre o
luto, a produção científica é pouca e a saúde do enlutado não é valorizada. Cabe a ele
e à sua família esse sofrimento, que muitas vezes não é compartilhado, discutido ou
mesmo aceito.
Na nossa cultura o tema morte é cercado de tabus, medos, silêncio. Não fomos e
tampouco estamos preparados para perdermos as pessoas as quais amamos. Não
aprendemos a aceitar a morte e muito menos a respeitá-la. Quando pessoas novas
(criança, adolescente ou adulto jovem) perdem sua vida, causa comoção ainda maior.
Pela “lei natural” os mais velhos deveriam morrer antes, mas nem sempre é assim que
acontece...
É importante salientar a dificuldade em encontrar na literatura, achados
referentes ao luto ou perda relacionado às causas não naturais. A maior parte dos
achados científicos refere-se ao luto decorrente de doenças ou pacientes terminais.
Existe uma grande variedade de pesquisas, livros e dados, porém, quanto à
especificidade do processo de luto em decorrência da perda de um ente querido por
morte precoce ou inesperada há escassez.
Buscamos entender o que é luto e como é vivenciado, tendo como base as
pesquisas já realizadas pelos principais estudiosos do tema, e desta forma relacionar
ao conteúdo obtido e articulá-lo com as entrevistas realizadas para entendermos como
as pessoas entrevistadas vivenciaram essa difícil realidade.
Partindo dos aspectos bibliográficos e das entrevistas, podemos perceber que o
luto é um processo extremamente doloroso. Mas torna-se ainda pior quando se refere à
39
perda de um filho. Identificamos nesta pesquisa que a dor ou pesar dos pais e mães
perdura por toda sua existência, pois ela se cristaliza no coração de quem perdeu,
tornando-se atemporal. Ou seja, os entrevistados trazem como aspecto do seu
cotidiano a saudade, e a presença de seus filhos através da lembrança. A saudade
identificada pela falta em ver, tocar, sentir; a presença através de fotos, desenhos,
recordações de ocorrências familiares e sociais, também reforçada por professores e
amigos dos adolescentes mortos.
Os pais e mães entrevistados perderam seus filhos em decorrência de
fatalidades. Através de seus depoimentos identificamos que o luto é um processo
individual, acontece de maneira singular, e podemos afirmar com base nos relatos que
o processo de elaboração do luto é doloroso para todos, a saudade e as lembranças
continuam sempre presentes.
A perda de um filho por morte não-natural acarretou alguns comportamentos
observáveis nos pais participantes. Destacamos o desespero ao receber a notícia,
atitude de quem não consegue aceitar a realidade. Os pais entrevistados relataram o
desespero e choque com relação ao momento em que receberam a notícia da morte de
seus filhos, por não esperar e não aceitar gerou-se um entorpecimento, uma mistura de
sentimentos negativos que tomaram conta deles, surgindo no discurso de um deles até
mesmo o desejo de morrer junto com o filho (a).
Para os entrevistados, a dor faz parte de suas vidas. Nas entrevistas, ao relatar
sobre a morte dos filhos, os pais e mães demonstraram através das palavras, do tom de
voz, da expressão facial e do choro a presença da dor.
No depoimento de Maria, ao falar sobre o sentimento atual frente à perda do
filho, diz que a dor só sabe quem passa, que o tempo não ameniza, só intensifica a
saudade, pensa diariamente no filho que faleceu, tentando imaginar como ele seria se
estivesse vivo. Outra mãe, Ana, também diz que não há dor igual à dor da perda de um
filho. José também evidencia seu sentimento ao comparar a dor da perda com uma
ferida que nunca cicatrizará, ou ainda como uma guerra que nunca terá fim,
explicitando o quão grande é este sentimento para ele, ou seja, que esta dor estará
com ele para sempre. Paulo destaca sua dor pelo fato de o filho não ter aproveitado as
conquistas que a família obteve, como uma casa nova, um carro melhor, para este pai é
40
muito sofrido não poder compartilhar com o filho as suas conquistas, são sonhos que
não puderam ser realizados antes que o filho morresse.
As lembranças marcaram a fala dos pais entrevistados, todos apontaram
recordações e saudade ao falar sobre o filho ou filha. Cada pessoa tem seu próprio
tempo para elaborar seu luto, mas com relação ao tempo, identificamos em nossos
entrevistados que nos pais que perderam seus filhos mais recentemente, três e cinco
anos, os depoimentos foram mais carregados de dor e sentimentos negativos. Para os
dois pais que perderam os filhos há mais de dez anos, as lembranças e a saudade
continuam presentes, porém, aparecem com menos frequência em seu cotidiano.
Identificamos que com esses dois pais há uma maior adaptação com a realidade e o
reconhecimento da perda.
Com base no que Worden (1998) pontua a respeito das principais etapas ou
tarefas do processo de luto, a primeira fase é a aceitação da realidade, ou seja, assumir
que a morte aconteceu e é irreversível. Todos os entrevistados apresentam ter esta
tarefa realizada, ou seja, todos os pais e mães demonstram clareza com relação à
morte, reconhecem que seus filhos faleceram.
A segunda etapa consta em elaborar a dor da perda, juntamente com o
reconhecimento desta dor, ou conforme Worden (1998) esta pode se manifestar através
de outros sintomas que influenciam negativamente no processo de luto. Nesta etapa,
podemos dizer que Ana e Paulo demonstraram estar mais adaptados, neste caso
podemos considerar o tempo, pois os dois pais perderam seus filhos há dez e
dezessete anos, e assim ocorrendo a um maior ajustamento com relação a perda do
filho. Já os outros dois pais ainda não apresentam a elaboração da dor, evidenciada em
seus relatos, Maria e José destacam a sua dor com relação à perda de seus filhos, ela
é presente e freqüente em seu cotidiano. Com relação à terceira etapa ou tarefa, esta acontece quando o enlutado
consegue se ajustar ao ambiente em que vive com a ausência da pessoa que faleceu.
Dois dos pais, Paulo e Ana demonstram ter se adaptado com a ausência do filho
falecido. Segundo identificamos nos relatos de Maria e José, estes não têm esta etapa
realizada até o presente momento, tendo em vista que estão elaborando sua perda e
desta forma ainda não se adaptaram com a ausência do filho que morreu. Assim
41
destacamos que cada sujeito vive o processo de luto de maneira singular, além de
considerarmos que o falecimento dos filhos destes dois pais aconteceram mais
recentemente.
E na quarta etapa é quando o enlutado consegue reposicionar-se
emocionalmente em relação à pessoa que faleceu, dando continuidade a sua vida e
suas relações, podendo lembrar-se da pessoa falecida sem sofrimento.
Com relação a esta etapa identificamos que Maria e José ainda não
estabilizaram-se emocionalmente com relação a perda do filho e tão pouco lembram-se
dele sem sofrimento. Ana e Paulo demonstram já ter conseguido dar continuidade a
suas vidas e conseguem lembrar-se de seus filhos com saudade, porém estas
lembranças não vêem mais carregadas de dor, no sentido de sofrer toda vez que se
lembram do filho falecido. Estes pais já se adaptaram com a perda e a ausência de
seus filhos, evidentemente que ainda sentem sua falta e sempre sentirão, porém houve
a adaptação e a retomada de suas vidas.
Com a descrição dos comportamentos e sentimentos juntamente com as fases
em que estes podem acontecer percebemos a importância de se conhecer as etapas
do processo de luto. O luto não deve ser visto luto uma doença, mas sim um estado,
que possui tempo variável, por isto a percepção da pesquisadora sobre a relevância em
se ter o conhecimento dos padrões de comportamento comuns a cada fase do
processo, pois assim, o profissional pode identificar se em decorrência do luto surge
alguma patologia.
No entanto, também percebemos que é extremamente relevante considerarmos
as questões culturais, bem como os papéis atribuídos à pessoa que faleceu, seu lugar
dentro de sua rede social, família e outros grupos, apurando como se davam estas
relações. É também importante considerar as circunstâncias em que seu deu o
falecimento para poder identificar ou ao menos clarificar nossa concepção acerca das
diferentes reações e formas de enfrentamento das pessoas enlutadas.
A presente pesquisa constatou que há uma ruptura brusca na vida dos pais e
mães que perdem seus filhos em decorrência de morte não natural. A morte de um filho
carrega com ela todos os sonhos de realizações do futuro: ver os filhos crescerem,
estudar, trabalhar, casar, ter netos, enfim dar continuidade ao ciclo “natural” da vida.
42
Nenhum dos pais entrevistados apresentou a conformação com relação à perda,
percebemos que através das diversas estratégias de enfrentamento adotadas por eles,
o que ocorre é a adaptação com a perda.
Em dois dos pais entrevistados (Maria e José) esta adaptação está sendo
processada, para estes pais a dor está presente no cotidiano. Através das estratégias
de enfrentamento que os mesmos adotaram podemos identificar alguns
comportamentos que evidenciam um processo de luto ainda muito doloroso e não
trabalhado, como por exemplo, não querer falar sobre o assunto. Vale destacar que
José, durante a entrevista, demonstrou uma grande dificuldade em expressar-se e em
relatar sobre a perda do filho, tentava não demonstrar seus sentimentos, chegando a
desculpar-se por não conseguir conter a voz embargada e o choro, evidenciando que
não aceita a realidade da perda de seu filho, e que por isto aderiu à estratégia de não
falarem sobre este assunto em sua casa. Maria afirma que chegou até a contrair
doenças em decorrência da perda, confirmando o que os autores levantam sobre o luto
não elaborado, de que a dor não trabalhada pelo enlutado pode se manifestar por meio
de outros sintomas, que prejudicam o processo de luto.
Com relação às estratégias de enfrentamento, ficou evidenciado que para três
dos quatro entrevistados o enfrentamento através religião foi de extrema importância
enquanto ferramenta facilitadora nesse processo. O apoio religioso, segundo eles é
fundamental, e destacam que somente através da busca pela religião conseguem
conforto e motivação para continuar suas vidas com a ausência dos filhos.
Identificamos também que dois dos pais entrevistados (Ana e Paulo),
apresentaram como estratégia de enfrentamento a substituição da presença do filho
falecido através das semelhanças físicas com o filho vivo, fazendo comparações entre
ambos. Um dos pais comentou que “induz” o filho a ter comportamentos parecidos com
os do que morreu, como forma de amenizar a dor, a saudade. No entanto, o próprio
admite que não é correto tais comparações, mas que o filho também gosta desta
comparação e desta forma esse comportamento se apresenta como o desejo de manter
a presença e a memória do filho viva para todos da família.
Apenas Maria relatou ter procurado por psicoterapia, alegou que não deu
continuidade ao tratamento, pois saía das sessões mais triste do que já estava. Através
43
da realização desta pesquisa destacamos a relevância da atuação do psicólogo com
toda a família.
Com a atuação do psicólogo, podemos oferecer apoio para o enlutado enfrentar
da maneira mais saudável possível este processo. É papel do psicólogo auxiliar os
enlutados e as famílias a lidarem com as dificuldades inerentes do processo de luto.
Possibilitar às pessoas que experimentarem relações saudáveis, podendo diante das
dificuldades encontrarem uma solução mais adequada para este momento. Mas é
necessário que o psicólogo também esteja estruturado tecnicamente e
psicologicamente para essa intervenção.
CAMINHOS E CAMINHADAS DA PESQUISADORA
Um fato nos chamou a atenção: esse tema é evitado, negado, silenciado pelas
famílias, mas, nos depoimentos foi evidente a necessidade de falar das pessoas
enlutadas em falar em RE-lembrar sua dor sobre sua perda, ou perdas que vem tendo
desde a morte do ente querido. Desta forma, pesquisadora pôde propiciar uma escuta
atenta aos entrevistados, e percebeu que esses pais e mães se utilizaram do momento
da entrevista para desabafar e falar, de forma muito tocante e sincera, sobre a dor da
perda de seu filho ou filha.
As entrevistas foram realizadas nas casas dos entrevistados, que eram pessoas
desconhecidas para a pesquisadora, e, mais do que abrir a porta de suas casas,
abriram seus corações, revelando os diversos sentimentos imersos no processo de luto.
Houve momentos nas entrevistas em que a emoção se tornou evidente na voz
embargada e no choro.
Destacamos a maneira peculiar como um dos pais agiu, Paulo solicitou que a
entrevista fosse realizada em um sábado no período da manhã. Assim que a
concluímos, ele chamou a esposa e ofereceram café e um bolo recheado com
morangos. Relataram que aquele era o dia do aniversário de nascimento de seu filho
falecido. Demonstraram que queriam compartilhar a data com a entrevistadora, o que
44
provocou-me sentimentos confusos por não saber até onde poderia compartilhar
daquele momento.
Além da experiência única e inesquecível que vivenciei através da pesquisa,
gostaria de ressaltar que ficou ainda mais evidente para mim que o profissional que se
dispuser a trabalhar com o pessoas enlutadas deve estar preparado teoricamente,
tecnicamente e ainda e especialmente sensibilizado para poder compreender este
processo que atinge a todos os seres humanos, e que é singular e doloroso.
É fato que a grande maioria das pessoas não foram educadas para
compreender e aceitar o fim da vida, e com o psicólogo não é diferente, pois temos
valores sociais introjetados. Hoje sei, nem todos os psicólogos têm estrutura pessoal
para trabalhar com a morte e luto, daí destaco a importância em se ter profissionais
especializados que possam efetivamente oferecer este apoio psicológico.
Contudo conhecer como de dá o processo de luto, suas principais fases e
características é extremamente relevante para que se possa perceber o limiar entre
saúde e doença, e é imprescindível que o profissional que atuará junto à esta
população tenha claro e resolvido com ele mesmo sua posição frente às perdas,
especialmente a morte.
45
6 REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E.; LUDKE, M. Pesquisa em educação: abordagem qualitativa. São
Paulo: Edu, 1996.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BELLATO, R.; CARVALHO, E. C. O jogo existencial e a ritualização da morte. Rev.
Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 1, Feb. 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo. Acesso: 08 nov. 2009.
BROWN. F. H. O impacto da morte e da doença grave sobre o ciclo familiar In:
CARTER, B.; MACGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma
estrutura para a terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
CARVALHO. C. D. R. Luto e Religiosidade. Monografia para obtenção da Licenciatura
em Psicologia do Instituto Superior da Maia. Orientador: Professor Doutor José Martins.
Portugal, 2006.
CAPUTO,R. F; FORNAZARI, S. A. Educação para a morte: desafios da família e dos
profissionais de educação. (online), sd. Disponível em:
http://www.unisalesiano.edu.br/encontro2007/trabalho/aceitos/CC15807090870.pdf.
Acesso em: 08 de novembro de 2009.
CATERINA. M. Luto adulto: fatores facilitadores e complicadores no processo de
elaboração. Monografia apresentada para conclusão do curso de Aprimoramento de
Luto e Perdas do Instituto de Psicologia Quatro Estações. Orientador: Professora
Valéria Tinoco, 2007.
46
CRACEL, D. Gestalt-terapia na família globalizada. IGT na Rede, Brasília, DF, 1.1, 05
08 2004. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/revistas/seer/ojs/viewarticle.php?id=39>.
Acesso em: 26 09 2009.
DOMINGOS, B.; MALUF, M. R. Experiências de Perda e Luto em Escolares de 13 à
18 anos. Psicologia: reflexão e crítica (online), 2003.vol. 16, n.3, 577-589.
FERREIRA I. M. C. A morte em quatro narrativas brasileiras da segunda metade do
século XX. Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em Literaturas
Românticas. Orientador: Professor Doutor Arnaldo Saraiva. 2006.
GAWRYSZEWSKI, V. P.; KOIZUMI, M. S.; MELLO-JORGE, M. H. P. Morbidity and
mortality from external causes in Brazil, 2000. Cad. Saúde Pública, Rio
deJaneiro, v. 20, n. 4, 2004. Disponível em:<http://www.scielosp.org/scielo. Acesso em:
18 out 2008.
GONZALEZ REY, F. L. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios.
São Paulo: Ed. Pioneira Thomson Learning, 2005.
HART, C.F.M. et al. Câncer: uma abordagem psicológica. Porto Alegre: ed. AGE,
2008.
IBGE, disponível em: www.ibge.org.br, acesso em 29 de setembro de 2008.
KÓVACS, J.M. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1992.
LABATE, R. C.; BARROS, G. C. Uma possibilidade de escuta a uma família
enlutada: ressignificando a experiência de perda. Rev. SPAGESP. jun. 2006, vol.7,
no.1, p.50-57. Disponível na World Wide Web: <http://pepsic.bvs-ps
47
MARINHO. A. H. R.; MARINONIO, C. C. R.; RODRIGUES, L. C. A. O processo de luto
na vida adulta decorrente de morte de um ente querido - trabalho apresentado à
Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de psicólogo.
Rio de Janeiro, 2007.
OLIVEIRA, J.B.A.; LOPES, R.G.C. O processo de luto no idoso pela morte de
cônjuge e filho. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 217-221, abr./jun. 2008.
OSORIO. L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus,
1998.
PRADO. D. O que é família. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
RICHARDSON, J. R. Pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
RUSCHEL, P.P. Quando o luto adoece o coração: luto não-elaborado e infarto.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.
SCHRAMM, F. R Morte e finitude em nossa sociedade: implicações no ensino dos
cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Cancerologia, 2002.
Disponível em: www.inca.gov.br acesso em 05 de outubro de 2009
SLUZKI, C.E. A rede social na prática sistêmica. São Paulo: Casa Do psicólogo,
1997.
TURATO. E. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis:
Vozes, 2003.
48
WORDEN J.W. Terapia do Luto: um manual para o profissional de saúde mental.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
YONTEF G. M. Processo, diálogo e awareness: ensaios em gestalt terapia. São
Paulo: Summus, 1998.
ZINKER, J.C. A busca da elegância em psicoterapia: uma abordagem gestáltica
com casais, famílias e sistemas íntimos. São Paulo: Editora Summus, 2001.
49
7 APÊNDICES
7.1 APÊNDICE (A)
Entrevista:
1- Há quanto tempo aconteceu a morte de seu filho/filha?
2- Qual foi sua reação frente a morte de seu filho/filha?
3- O que aconteceu na sua família após a morte de seu filho/filha?
4- Houve mudanças na sua família após a morte de seu filho/filha?
5- Se houveram mudanças, quais foram? Como você lidou com estas mudanças?
6- Qual seu sentimento diante da morte de seu filho/filha no momento atual?
50
7.2 APENDICE (B)
TERMO DE CONSENTIMENTO
A presente pesquisa tem como tema O Processo de luto em pais e mães que perderam
seus filhos em decorrência de morte por causas não naturais. Objetiva à pesquisadora
aprender e aprofundar os conhecimentos sobre o Processo de Luto, e principalmente
como a família reage e enfrenta o mesmo, e também vislumbra a possibilidade de,
através da produção científica, auxiliar profissionais da saúde que atuam com pessoas
enlutadas.
As pessoas que vivenciam a morte de seus familiares são acometidas por muitos
sentimentos confusos relacionados ao acontecimento. Nesse sentido caberá à
entrevistadora sensibilidade e cautela para não ser invasiva frente a esses sentimentos.
TERMO DE CONSENTIMENTO
Gostaria de convidá-lo (a) a participar de uma pesquisa que visa conhecer o processo
de luto em pais e mães que perderam seus filhos em decorrência de morte por causas
não naturais. Sua tarefa consistirá na participação em uma entrevista.
Quanto aos aspectos éticos, gostaria de informar que:
1. Seus dados pessoais serão mantidos em sigilo, sendo garantido seu
anonimato;
2. Os resultados da pesquisa serão utilizados somente com finalidade
acadêmica podendo vir a ser publicado em revistas especializadas,
porém, como explicitado no item 1, seus dados serão mantidos no
anonimato;
3. Não há respostas certas ou erradas, o que importa é a sua opinião;
4. A aceitação não implica que você estará obrigado a participar, podendo
interromper sua participação a qualquer momento, mesmo que já tenha
iniciado, bastando, por tanto, comunicar a pesquisadora;
5. Você não terá direito à remuneração por sua participação, ela é voluntária;
51
6. Durante a participação, se tiver alguma reclamação, do ponto de vista
ético, você poderá contar com o responsável por esta pesquisa;
IDENTIFICAÇÃO E CONSENTIMENTO
Eu,________________________________________________________________,
portador (a) do RG, n°_________________________, residente
a_________________________________________________________________,
telefone n°_______________ declaro estar ciente dos propósitos da pesquisa e da
maneira como será realizada e no que consiste minha participação. Diante dessas
informações aceito participar da pesquisa.
Assinatura:
______________________________________________________________
Pesquisadora responsável: Josiani Paula Scartezini Batisteli
E-mail: [email protected]
Telefone: 47- 33424325/ 91215305
Assinatura:
______________________________________________________________
Pesquisadora responsável: Profº. Msc. Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado
Curso de Psicologia da Univali
R. Uruguai, 458; CCS; bloco 25 B; sala 202 (4)
E-mail: [email protected]
Telefone: (47) 3341- 7543; (41) 9648-1950
Assinatura:_________________________________
52
7.3 APENDICE (C)
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO
Nome (iniciais):
Sexo:
Idade:
Escolaridade:
Profissão:
Estado civil:
Data de falecimento do filho (a): ___/___/___.
Motivo do falecimento do (a) filho (a):
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________