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O PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO E COMBATE AO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA Estudos de Casos sobre Municípios Integrantes da Lista de Municípios Prioritários do Ministério do Meio Ambiente Pesquisa elaborada para a Climate and Land Use Alliance – CLUA Contrato G-1302-54036 ESTUDOS DE CASOS Julho 2014 Revisão 1: novembro 2015

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O PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO E COMBATE AO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA

Estudos de Casos sobre Municípios Integrantes da Lista de Municípios Prioritários do Ministério do Meio Ambiente

Pesquisa elaborada para a Climate and Land Use Alliance – CLUA Contrato G-1302-54036

ESTUDOS DE CASOS

Julho 2014

Revisão 1: novembro 2015

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Marupiara Estudos e Projetos EQUIPE Estela Maria Souza Costa Neves – Coordenação Marussia Whately – pesquisador senior Margarida Maria Amaral Lopes - pesquisador Ana Carolina Lott Cordilha – assistente pesquisa AGRADECIMENTOS A equipe é profundamente grata aos entrevistados que, ao nos conceder seu tempo, interesse e confiança, viabilizaram este trabalho. Enquanto CLUA forneceu o financiamento para esta pesquisa, os autores são inteiramente responsáveis pelo conteúdo, que não reflete necessariamente a opinião do CLUA e posições.

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ACRÔNIMOS E ABREVIAÇÕES Adafax Associação para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar do Alto

Xingu Adepará Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará AF Autorização de Funcionamento ANA APA

Agência Nacional de Águas Área de Proteção Ambiental

Apae Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais APP Área de Preservação Permanente Aprosoja Associação de Produtores de Soja, Milho e Arroz ART Anotação de Responsabilidade Técnica AUTEX Autorização de Exploração Florestal APRT Bacen BNDES

Área de Propriedade Rural Total Banco Central Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

Cappru Cooperativa Alternativa dos Pequenos Produtores Rurais e Urbanos (São Félix do Xingu)

CAR Cadastro Ambiental Rural CCIR Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCZEE Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do

Território Nacional CDL CE

Câmara de Dirigentes Lojistas Comissão Europeia

Censipam Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia Ceplac Comissão Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira CFR Casa Familiar Rural de São Félix do Xingu Clua Climate and Land Use Alliance CMMA Conselho Municipal de Meio Ambiente CMN CNA CPT

Conselho Monetário Nacional Confederação Nacional da Agricultura Comissão Pastoral da Terra

Coema Conselho Estadual de Meio Ambiente Conab Companhia Nacional de Abastecimento Conagro Empresa de Colonização Consultoria Agrária Conama Codam

Conselho Nacional de Meio Ambiente Conselho de Desenvolvimento da Amazônia Matogrossense

Condema Conselho Municipal de Meio Ambiente (Alta Floresta, Querência) CPT Comissão Pastoral da Terra CTG Centro de Tradições Gaúchas Deter Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real Diplan DNPM

Diretoria de Planejamento Departamento Nacional de Produção Mineral

DPCD/MMA Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente

EIA Emater

Estudo Prévio de Impacto Ambiental Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

Embrapa

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

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Esalq/USP Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiros’ da Universidade de São Paulo

Faepa Federação da Agricultura e Pecuária do Pará Famato Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso Fema-MT Fetagri

Fundação de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso Federação de Trabalhadores na Agricultura

Firjan Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro FMMA Fundo Municipal de Meio Ambiente FNMA Fundo Nacional de Meio Ambiente Funai Fundação Nacional do Índio Gati Projeto Gestão Ambiental Territorial Indígena GIZ GT

Deutsche Gesellschaft für Zusammenarbeit/Cooperação Alemã Grupo de Trabalho

GPTI Grupo Permanente de Trabalho Interministerial GTAE Guia de Trânsito Animal Eletrônica GRPAFF Grupo de Restauração e Proteção a Água, Flora e Fauna Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICV Instituto Centro de Vida Ideflor Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará Idesp Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do

Pará IEB Instituto de Educação do Brasil IFDM Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal Imazon Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Indeco Integração, Desenvolvimento, Colonização Ltda. Inpe Intermat

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Instituto de Terras do Mato Grosso

Ipam Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia ISA Iterpa

Instituto Socioambiental Instituto de Terras do Pará

Jica Japan International Cooperation Agency LAR Licenciamento Ambiental Rural LAU Licença Ambiental Única LI Licença de Instalação LIO Licença de Instalação e Operação LO Licença de Operação LP Licença Prévia Mapa Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MCT Ministério de Ciência e Tecnologia MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à FoMe MMA Ministério do Meio Ambiente MME Ministério de Minas e Energia MP Ministério Público MPA Ministério da Pesca

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MPE MPF MT

Ministério Público Estadual Ministério Público Federal Mato Grosso

OAV Operação Arco Verde Oema Organização Estadual de Meio Ambiente Omma Organização Municipal de Meio Ambiente OSC PA

Organização da Sociedade Civil Pará

PAA Programa de Aquisição de Alimentos PDSAF Plano de Desenvolvimento Sustentável de Alta Floresta PE Parque Estadual PIB Produto Interno Bruto PIX Parque Indígena do Xingu PMV Programa Municípios Verdes PN Pnud

Parque Nacional Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PP-MMA Pacto Municipal para a Redução do Desmatamento em São Felix do Xingu

PPA Plano Plurianual PPCAD Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento no

Estado do Pará PPCDAm Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na

Amazônia Legal PPG7 Programa Piloto para a Proteção de Florestas Tropicais do Brasil PRAD Plano de Recuperação de Áreas Degradadas Prodes Proecotur Prodetur

Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Programa para o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste

RL Área de Reserva Legal RPPN Reserva Particular de Patrimônio Natural SAD Sistema de Alerta de Desmatamento Secex Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente Secma Sedraf

Secretaria de Meio Ambiente de Alta Floresta Secretaria de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar do Estado de Mato Grosso

SEDR/MMA Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente

Sema-MT Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso Sema-PA Semagri Semma

Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará Secretaria Municipal de Agricultura Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Paragominas

Sesc Sicar

Serviço Social do Comércio Sistema de Cadastro Ambiental Rural

SIG Sistema de Informações Geográficas Simlam Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental Sipam Sistema de Proteção da Amazônia Sisema Sistema Estadual de Meio Ambiente Sisnama SIT

Sistema Nacional de Meio Ambiente Sistema de Informação Territorial

SLAPR Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais

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SMCQ/MMA Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente

Snuc Sistema Nacional de Unidades de Conservação SPRP Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas STN Secretaria do Tesouro Nacional STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais TAC Termo de Ajustamento de Conduta TC TI

Termo de Compromisso Terra Indígena

TNC The Nature Conservancy UC UE

Unidade de Conservação Comunidade Europeia

Unemat Unesp

Universidade do Estado de Mato Grosso Universidade Estadual Paulista

Usaid United Nations Agency for International Development WWF World Wildlife Foundation ZEE Zoneamento Ecológico-Econômico ZSEE Zoneamento Socioeconômico e Ecológico

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 1 2. VISAO GERAL: OS MUNICÍPIOS E A ESTRATÉGIA DE COMBATE

AO DESMATAMENTO

3 2.1 O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na

Amazônia Legal (PPCDAm)

3 2.2 A lista dos municípios prioritários na política federal de controle do

desmatamento em 2008: PPCDAm e seus requisitos

4 2.3 Notas sobre o contexto da política ambiental nos estados de Mato

Grosso e Pará: o ZSEE-MT, resposta à lista e o Programa Municípios Verdes (PMV/PA)

6 3. OS MUNICÍPIOS E A REDUÇAO DO DESMATAMENTO: OS CASOS DE ALTA FLORESTA, MARCELÂNDIA, QUERÊNCIA, PARAGOMINAS E SÃO FÉLIX DO XINGU

9 3.1 Alta Floresta 9 3.2 Marcelândia 25 3.3 Querência 40 3.4 Paragominas 60 3.5 São Félix do Xingu 75

4. ANÁLISE DOS CASOS, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 92

4.1 Os estudos de caso: análise de aspectos selecionados 92 4.2 Conclusões finais 109 4.3 Recomendações 114

ANEXOS Anexo 1 – Relação dos entrevistados 116 Anexo 2 – Bibliografia 119 Anexo 3 - Metodologia 125 Anexo 4 – Comentário sobre as estatísticas municipais de crédito rural,

2006-2013

128 Anexo 5 – Perfil dos municípios estudos de caso 133 Anexo 6 – Figuras-resumo dos casos 148

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1. INTRODUÇÃO Este relatório apresenta os resultados da pesquisa realizada no período setembro 2013 - abril 2014 sobre cinco municípios integrantes da lista de municípios prioritários para o controle do desmatamento, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente (doravante denominada “lista do MMA”). Foram selecionados pela Climate and Land Use Alliance (CLUA) para estudos de caso os municípios de Alta Floresta, Marcelândia e Querência, em Mato Grosso, e Paragominas e São Félix do Xingu, no Pará1. O objeto da pesquisa é o processo desenvolvido e em desenvolvimento em cada município para alcançar as metas estabelecidas para sua exclusão da lista do MMA, visando analisar as experiências desenvolvidas, identificar as lições aprendidas e elaborar recomendações à Clua. Os cinco casos estudados constituem uma amostra significativa do universo de municípios que mais desmatam na região amazônica: contemplam 37% do total de municípios que conseguiram atingir os requisitos estabelecidos para exclusão da lista do MMA desde sua criação, em 2008 (Alta Floresta, Marcelândia, Querência e Paragominas)2. A pesquisa apoiou-se predominantemente em fontes primárias – atores identificados como relevantes. Foram realizadas visitas aos municípios e contatadas 84 pessoas, com as quais foram realizadas entrevistas semiestruturadas em profundidade. Para apoio às entrevistas e à constituição dos relatos, foram revistos documentos de política, legislação pertinente, publicações sobre o assunto (artigos acadêmicos e análises produzidas por organizações da sociedade civil atuantes na região), e construídos indicadores a partir de informações estatísticas sistematizadas por órgãos públicos3 e organizações atuantes na região. Considera-se que, desde as perspectivas histórica e analítica, os resultados do trabalho representam uma contribuição inovadora, ao apresentar a perspectiva dos atores locais sobre a política federal de redução do desmatamento e sobre seu papel neste campo – tema situado na fronteira do conhecimento. O dimensionamento da pesquisa para realização em oito meses, com cerca de quatro dias de campo em cada caso, estabeleceu limites para acesso aos atores relevantes (nem todos estavam acessíveis para entrevista), para levantamento de dados secundários e para sua exploração em profundidade (estão nesse caso, entre outros, relatórios parciais da Operação Arco Verde, disponibilizados pela Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente). Está, pois, ausente a pretensão de esgotar o assunto. Produto de pesquisa de caráter exploratório, os resultados alcançados oferecem subsídios para o entendimento de situações similares e permitem o enunciado de hipóteses a serem verificadas sobre aspectos relevantes da política de combate ao desmatamento – em particular sobre o papel dos municípios e dos atores locais. São

                                                                                                               1  Ulianópolis (PA) também hava sido inicialmente selecionado pela CLUA para estudo. Entretanto, a indisponibilidade de acesso a atores e a documentação relevante inviabilizaram a aplicação da metodologia de estudo de caso, tendo sido excluído o município do universo de pesquisa.  2  Os demais municípios que conseguiram ser excluídos da lista são Ulianópolis, Santana do Araguaia, Dom Eliseu, Brasil Novo, Tailândia, Brasnorte e Feliz Natal até a data de conclusão do relatório, em julho 2014. 3  As principais fontes utilizadas são o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística / IBGE, a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda / STN, o Banco Central, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais / INPE, o Programa Municípios Verdes / PMV do Estado do Pará, o Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia / IMAZON e Instituto de Pesquisas da Amazônia / IPAM.    

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referência para o aprofundamento do conhecimento sobre processos vividos nos municípios selecionados e em situações similares. Este relatório está organizado em três seções, além desta. No Capítulo 2, são apresentados aspectos importantes para a compreensão do contexto histórico e político-institucional dos processos estudados, tais como observações introdutórias sobre especificidades da governança ambiental nos estados de Mato Grosso e Pará. No Capítulo 3, são apresentados os processos desenvolvidos nos cinco municípios para sair da lista, com base nos depoimentos colhidos. A descrição dos casos apresenta uma visão geral das medidas de política de combate ao desmatamento que circunscrevem cada caso, abordando características históricas, perfil socioeconômico do município, agenda ambiental dos atores locais no momento da entrada na lista, elementos de estratégia para sair da lista, processo, resultados e situação atual. No Capítulo 4, são apresentados os resultados das análises, conclusões e recomendações. A relação dos entrevistados é apresentada no Anexo 1. No Anexo 2 é relacionada a bibliografia utilizada. No Anexo 3 é relatada a abordagem metodológica utilizada. No Anexo 4 são apresentadas notas sobre as estatísticas municipais de crédito rural. No Anexo 5 é apresentado o perfil dos cinco municípios estudados, como referência para a leitor dos estudos de caso. No Anexo 6, figuras (mapas mentais) apresentam de forma sintética os processos estudados.

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2. VISÃO GERAL: OS MUNICÍPIOS E A ESTRATÉGIA DE COMBATE AO DESMATAMENTO Neste Capítulo é apresentado um conjunto de considerações introdutórias sobre aspectos de interesse para a compreensão dos casos em estudo: o contexto institucional dos processos estudados – o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com destaque para a lista de municípios prioritários, os procedimentos do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o contexto político-institucional da política ambiental nos estados de Mato Grosso e Pará. As principais fontes de informações utilizadas nesta Seção são documentos governamentais, artigos acadêmicos, estatísticas produzidas por órgãos públicos e privados, complementados por depoimentos. 2.1 O Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal / PPCDAm O PPCDAm, lançado em abril de 2004, é um Plano elaborado pelo Grupo Permanente de Trabalho Interministerial (GPTI), instituído no ano anterior. Sob responsabilidade de treze ministérios, foi coordenado desde seu lançamento até 2013 pela Casa Civil da Presidência da República, apoiado por uma secretaria executiva, o Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente (DPCD/MMA). Em sua primeira fase (2004-2007)4 foram priorizadas a produção, monitoramento, análise e publicização da informação sobre o desmatamento, com diagnósticos propiciados pelas informações geradas pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia (Prodes) 5, ações de inteligência associadas à intensificação da fiscalização de campo promovidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Polícia Federal, e a criação de unidades de conservação (UC). Com a retomada do desmatamento em 2007, novos instrumentos de combate ao desmatamento foram editados6 ao final do segundo semestre daquele ano e início de 2008, visando ao fortalecimento da fiscalização e à criação da lista de municípios considerados prioritários para as ações de controle. Os municípios integrantes da lista passaram a ser objeto de um conjunto de medidas de controle e de restrições administrativas, entre as quais se destacam: a proibição de emissão de novas autorizações de desmatamento em dimensão superior a 5 hectares, a possibilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) promover o recadastramento de imóveis rurais, a obrigatoriedade de embargo de áreas ilegalmente desmatadas, a intensificação da fiscalização, a publicação pelo Ibama da lista de imóveis com cobertura vegetal monitorada/embargados com especificação do local com coordenadas geográficas e a proibição de concessão de crédito por agências oficiais para atividades agropecuárias ou florestais em imóvel rural que descumpra embargo.                                                                                                                4  Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (Decreto s./n. de 03/07/2003).  5  Foi lançado em 2006 pelo INPE o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) elaborou e o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), lançado em 2006. 6  Por meio do Decreto n. 6.321, de 21/12/2007.  

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Em fevereiro de 2008, o Conselho Monetário Nacional (CMN) passa a exigir comprovação de regularidade ambiental e fundiária para concessão de empréstimos a propriedades rurais de área superior a quatro módulos fiscais no bioma Amazônia7. Nesse mesmo mês, o Ibama passa a publicar em seu site a lista dos imóveis rurais e dos proprietários onde foram realizados embargos ambientais em decorrência do desmatamento. As medidas do PPCDAm seriam reforçadas em julho de 2008 com a atualização da regulamentação de crimes ambientais8, estabelecendo penalidades para os agentes da cadeia produtiva que adquiram, transportem ou comercializem produtos de áreas embargadas (art. 54) e regulando sanções tais como apreensão e destruição de bens9. Ao final de 2009, mais um componente é incorporado à estratégia: a Operação Arco Verde (OAV), destinada a promover modelos produtivos sustentáveis nos municípios da lista do MMA10. 2.2 A lista dos municípios prioritários na política federal de controle do desmatamento em 2008 2.2.1 Entrar na lista do MMA: os critérios de inserção de municípios A inclusão dos municípios na lista, que implica nas restrições e sanções mencionadas no item anterior, é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente11, realizada por meio de portarias do MMA. A inclusão de municípios na lista obedece a três critérios: a área total desmatada no município, a área total de floresta desmatada nos últimos três anos e o aumento da taxa de desmatamento em pelo menos três dos últimos cinco anos12. Em janeiro de 2008 foi publicada pelo MMA a primeira lista de municípios que incluiu, entre outros, todos os municípios integrantes desta pesquisa 13. Parâmetros usados para quantificar os critérios de entrada referentes às médias de desmatamento têm sido periodicamente modificados para fundamentar as listas subsequentes “de entrada”14. 2.2.2 Sair da lista do MMA: requisitos e consequências Os critérios para exclusão da lista do MMA dos seis municípios em estudo são os seguintes: possuir 80% de seu território inscrito no Cadastro Ambiental Rural / CAR (exceto UC de

                                                                                                               7  Resolução CMN n. 3.545, de 29/02/2008.  8 Artigo 18, § 1º, do Decreto Federal n. 6.514/2008. A lista pode ser conferida no endereço http://siscom.ibama.gov.br/geo_sicafi/. 9  “Foi muito importante a mudança na legislação com a apreensão e a destruição definida em decreto que regulamenta a lei, ou seja, a base legal foi muito importante do ponto de vista do comando e controle. [...] Então tiramos muitos bens dos proprietários. Quando se dá a multa e demora um tempo a ser processada, pode não significar nada” (Hugo Schaedler, Superintendente do Ibama-PA, entrevista de 2014).  10  Lei n. 7008/2009  11  Decreto n. 6.321/2007, art. 2o.  12  Decreto n. 6.321/3007, art. 2o.  13  Portaria MMA n. 28/2008.  14  Portaria MMA n. 28/200, Portaria n. 102/2009, Portaria n. 66/2010, Portaria n. 175/2011, Portaria n. 323/2012 e, o critério mais recente, estabelecido na Portaria MMA n. 411/2013, art. 10, incisos I a III: o teto da superfície desmatada / ano é 60% em relação à média dos períodos 2007-2008, 2008-2009 e 2009-2010).

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proteção integral e terras indígenas homologadas), manter o desmatamento em valores inferiores a 40 km2 e manter média de desmatamento nos anos de 2007 e 2008 igual ou inferior a 60% em relação à média do período de 2004 a 2006 Tal como os critérios de entrada, os parâmetros referentes às médias têm sido periodicamente atualizados por portarias do MMA. Ao ser excluído da lista dos municípios prioritários, cessam as restrições e o município passa a integrar uma lista de municípios de desmatamento monitorado e sob controle15. No dizer do MMA,

“[...] uma vez integrante da lista, o município é acompanhado e recebe apoio do governo federal na implementação de ações que visem diminuir as taxas de desmatamento, buscando também a transição para uma economia de base sustentável. Como consequência, espera-se que o município deixe de ser considerado prioritário e seja classificado como um município com desmatamento sob controle e monitorado.” (Ministério do Meio Ambiente, 2014)16

Os parâmetros usados para desmatamento – tanto para a entrada como para a saída da lista – compreendem o território total do município, incluindo áreas de desmatamento ocorrido em áreas fora da jurisdição de controle municipal – como é o caso de terras indígenas (TI) e UC de proteção integral; áreas de desmatamento licenciado para a construção de obras de infraestrutura e hidrelétricas, assim como desmatamento dentro de assentamentos de reforma agrária. Os métodos até então utilizados pela fiscalização, que consistiam em operações de rotina e intensiva “no chão” das áreas desmatadas, dificilmente flagravam o responsável pelo desmatamento em ação. A identificação dos responsáveis seria doravante viabilizada pelo registro no CAR, o segundo requisito para sair da lista, que se dirige a interlocutores definidos: proprietários e posseiros de propriedades rurais. O CAR consiste no registro eletrônico de informações georreferenciadas do imóvel previamente levantadas, com delimitação das Áreas de Proteção Permanente (APP), Reserva Legal (RL), remanescentes de vegetação nativa, área rural consolidada, áreas de interesse social e de utilidade pública, com o objetivo de traçar um mapa digital a partir do qual são calculados os valores das áreas para diagnóstico ambiental. Durante o período estudado, a iniciativa de registro do CAR cabe ao próprio produtor rural, na qualidade de proprietário ou possuidor de imóvel rural, abrangendo os seguintes passos: (i) inserir no sistema adotado no estado, através da criação de uma senha de acesso, informações sobre si mesmo e sobre o imóvel rural, gerando um arquivo do certificado com o número gerado de inscrição vinculado ao imóvel rural; (ii) confirmar as informações declaradas, enviá-las para o sistema com o aceite dos compromissos firmados e atender à futura convocação do órgão ambiental para confirmação da adesão ao programa17. Caso haja passivo ambiental, é feito um acordo entre o produtor e o órgão público responsável pelo CAR para que o primeiro promova sua regularização em tempo estabelecido de comum acordo e registrado em Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Conquistar a adesão de cada produtor rural, portanto, é a primeira condição para o cumprimento do quesito. A segunda condição recai sobre o produtor rural - deverá dispor de

                                                                                                               15  Decreto n. 6.321/2007, art. 14.  16 Disponível em http://www.mma.gov.br/florestas/controle-e-prevenção-do-desmatamento/plano-de-ação-para-amazônia-ppcdam/lista-de-munic%C3%ADpios-prioritários-da-amazônia. 17  Em Mato Grosso, a assinatura do TAC é individual. No TAC, o responsável acordará manter seus ativos ambientais e sanar eventual passivo ambiental em um tempo a ser determinado em comum acordo.  

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recursos para: (i) prover-se de todos os documentos pessoais e do imóvel, (ii) produzir os demais documentos necessários para fazer o registro, o que inclui identificar e contratar profissionais especializados em geotecnologias e idôneos para, através de trabalho de escritório e levantamentos de campo, elaborar o mapa e fazer o georreferenciamento da propriedade, e demarcar as áreas necessárias. Finalmente, ao assinar o TAC, o proprietário/posseiro se compromete a investir os recursos requeridos para sanar seu eventual passivo ambiental. Em outras palavras, estará assinando uma promissória com data de vencimento para recuperar as áreas porventura irregulares18. Além do proprietário/posseiro, outros atores precisam engajar-se para fazer o CAR. É preciso dispor de uma base de dados contínua de todo o território municipal (Cecirelli et al., 2013), o que representa investimento de recursos financeiros, humanos e tecnológicos. E é preciso contar com profissionais com competência para gerar e sistematizar adequadadmente estas informações. Em 2008, época do marco zero dos estudos de caso, Mato Grosso já havia implantado e o Pará já tinha delineado seu próprio sistema de CAR, tendo sido os estados pioneiros na adoção desse instrumento. No Pará o CAR foi criado em julho de 2009 no contexto da política estadual de florestas e meio ambiente, obrigando à inscrição de todos os imóveis rurais. Em Mato Grosso, já havia sido criado em 2000 um instrumento que identificava o responsável pela propriedade rural através de um sistema de informações geográfica e a tecnologia de sensoriamento remoto para registro da propriedade; o Sistema de Licenciamento da Propriedade Rural (SLAPR). O CAR foi criado em Mato Grosso (MT) através do Programa Mato-grossense de Regularização Ambiental Rural (MT Legal), em dezembro de 2008 e regulamentado em novembro de 2009. No governo federal, o CAR foi instituído pelo Ministério do Meio Ambiente em 200919. Atualmente a política de apoio à regularização ambiental é executada de acordo com a Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, que criou o CAR obrigatório em âmbito nacional, e a respectiva regulamentação20, que instituiu o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), responsável por integrar o CAR de todas as unidades da Federação. 2.3 Nota explicativa sobre o contexto da política ambiental nos estados de Mato Grosso e Pará em 2008, a resposta imediata à lista do MMA nos dois estados e o ZSEE-MT Os municípios estudados compartem diversas características econômicas e socioculturais típicas do padrão de ocupação promovido na região amazônica, tais como importância dos projetos privados e públicos de colonização, vetores responsáveis pelo desmatamento, situação especial dos projetos de assentamento promovidos pelos governos estadual e federal,

                                                                                                               18  Para dar uma ideia ao leitor ordem de grandeza dos custos financeiros do CAR, eis o custo de alguns componentes, em valores correntes de 2008 . O georreferenciamento de cada propriedade, em Alta Floresta, custava em 2008 cerca de R$5 mil - e o projeto do CAR, mais R$2 mil. Aderindo à iniciativa, cada proprietário gastou apenas R$600, pois os custos foram assumidos pela Prefeitura (ver Capítulo 3, seção 3.1). (http://www.estacaovida.org.br/2012/05/04/alta-floresta-discute-processo-de-desenvolvimento-como-municipio-verde/)  19  Decreto n. 7.029/2009, que institui o CAR como parte integrante do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima), com a finalidade de integrar suas informações com as informações ambientais das propriedades e posses rurais armazenadas nos sistemas estaduais.  20  Decreto n. 7.830, de 17 de outubro de 2012  

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assim como o fato de que os dois estados são pioneiros na adoção do CAR. Estas características estão descritas no Anexo 4. Algumas especificidades do contexto histórico, também tratadas no Anexo 4, merecem ser antecipadamente apresentadas: a reação dos governos estaduais às medidas do PPCDAm e a existência, em MT, de discussões mobilizadoras de atores locais com interfaces com o tema ambiental. No que diz respeito à reação dos governos estaduais às medidas do PPCDAm em vigor a partir de 2008, em Mato Grosso o governo estadual (então governado por Blairo Maggi) imediatamente respaldou a rejeição dos atores locais. A resistência à política federal foi liderada pelo governador, apoiado pela bancada mato-grossense e pelas entidades patronais de classe. Maggi imediatamente questionou junto à Presidência da República as estatísticas de desmatamento produzidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), estendendo seu questionamento aos critérios de inclusão de municípios na lista do MMA e aos critérios de interpretação de critérios estabelecidos no Código Florestal (a questão da Reserva Legal em áreas de cerrado, transição e floresta). Não foram registradas nesta pesquisa iniciativas de “resposta” institucional e suporte institucional do governo mato-grossense aos municípios integrantes da lista para sair dela. Já no Estado do Pará, face à mesma resistência inicial dos atores locais, a postura do governo estadual não foi de ostensiva resistência ou apoio à resistência dos atores locais – que protagonizaram episódios de tensão e intimidação, como será relatado no caso de Paragominas21. A resposta dada pelo governo estadual às medidas relacionadas à lista do MMA viria a emergir três anos depois da instituição da lista, e foi marcada pelo princípio da cooperação federativa. Foi instituída, em março de 2011, a Secretaria Extraordinária para Coordenação do Programa Municípios Verdes22 (PMV), em parceria com o Ministério Público Federal no Pará, voltada para o incentivo aos municípios para reduzir o desmatamento, promover o ordenamento ambiental e apoiar a produção sustentável. Em novembro de 2011, foi nomeado o secretario do PMV e instituída sua estrutura própria. Quanto a discussões mobilizadoras de atores locais com interfaces com o tema ambiental, vale registrar o processo de adoção de Zoneamento Socioeconômico Ecológico (ZSEE) de Mato Grosso, que será frequentemente mencionado nos casos mato-grossenses, no Capítulo seguinte. A discussão estadual sobre o ZSEE mobilizou forças locais nos municípios mato-grossenses estudados ao longo do período 2004-2010, tendo sido frequentemente citada pelos atores locais por conta das interfaces entre o ZSEE e a questão ambiental. O primeiro zoneamento para o Estado de Mato Grosso havia sido aprovado em 199223 como o primeiro zoneamento antrópico-ambiental (Sanchez, 1992, apud Rossete, 2008). Os trabalhos que culminaram com o zoneamento em questão, foram iniciados em 1994 e concluídos ao final de 2003, coordenados pela Secretaria Estadual de Planejamento. Em agosto de 2004, foi encaminhado projeto de lei para instituir a política de ordenamento do território estadual, incluindo-se o ZSEE. Esta primeira versão proposta do ZSEE foi veemente criticada por representantes dos setores produtivos tais como a Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). O Governo estadual retirou-a então da Assembleia para revisão, tendo sido contratados para tal a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A revisão foi finalizada                                                                                                                21  Há que registrar o alinhamento politico-partidário do governo do Pará ao governo federal à época. 22 Decreto n. 54/2011. 23 Lei n. 5.993/1992.

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em 2008, e seu produto foi submetido à Comissão Estadual de Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso24. A segunda versão da proposta do ZSEE foi reapresentada à Assembleia Legislativa em abril de 2008 (Rossete, p. 83). Também objeto de polêmica, essa segunda versão deu lugar ao chamado Substitutivo 3, igualmente alvo de críticas, aprovado três anos depois em lei sancionada pelo governador de Mato Grosso, em abril de 201125. A lei sancionada continha inconsistências técnicas e jurídicas, tendo acarretado, no ano seguinte, a suspensão de seus efeitos pelo Juiz titular da Vara de Meio Ambiente de Cuiabá, em 16/02/2012, atendendo a pleito do Ministério Público (Miotto, 2012)26. A Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional (CCZEE) também rejeitou o ZSEE-MT por colidir com o disposto no Decreto Federal n. 4.297/2002 e as diretrizes metodológicas do ZSEE Brasil.    

                                                                                                               24 Instituida em 31/01/2008. 25 Lei Estadual n. 9.523/2011.  26  Miotto,  K.  In  O  ECO  Notícias,  17/02/2012.  

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CAPÍTULO 3 OS MUNICÍPIOS E A REDUÇÃO DO DESMATAMENTO: OS CASOS DE ALTA FLORESTA, MARCELÂNDIA, QUERÊNCIA, PARAGOMINAS E SAO FÉLIX DO XINGU 3.1 O Município de Alta Floresta   O município de Alta Floresta está situado ao Norte do Estado de Mato Grosso, a aproximadamente 700 km de Cuiabá, a capital estadual. Ocupa uma superfície da ordem de 8,9 mil km2, com uma população estimada de 49,5 mil habitantes, cujo Produto Interno Bruto (PIB) per capita, da ordem de R$ 14 mil, equivale a apenas 71% do PIB per capita estadual (IBGE, 2014). Está situado na bacia hidrográfica do rio Tapajós, em região de colonização recente abrangida pelo Território Portal da Amazônia. A cidade foi fundada pelo paulista Ariosto da Riva em 1974, através da colonizadora Integração, Desenvolvimento, Colonização (Indeco) S.A., em área então integralmente florestada de aproximadamente 800 mil hectares. No Anexo 5 é apresentado um perfil socioeconômico do município. Em janeiro de 2008 Alta Floresta entrou para a lista de municípios prioritários do MMA na primeira Portaria editada pelo MMA27, tendo sido excluída em junho de 201228. É apresentado a seguir o processo que levou ao cumprimento dos critérios estabelecidos para o MMA para sua exclusão. Na conclusão desta subseção sao apresentados comentários dos atores sobre a situação atual da questão do desmatamento no município. O processo de desmatamento, 2008 O processo histórico de desmatamento em Alta Floresta é indissociável do padrão de ocupação de seu território: “abrir o lote”, suprimir a mata, era originariamente condição para ocupação definitiva dos lotes com atividades agrícolas e pecuárias. Some-se, a isso,

“[...] A ideia da propriedade da terra como poder de domínio sobre tudo o que dela faz parte, ou o que pudesse estar próximo dela, deu margem à ação predatória, já que plantas, animais e outros elementos deveriam ser retirados para dar lugar à agricultura. Para o colono, posse da terra e até mesmo sua valorização, se dá com o trabalho realizado sobre ela, que nesse caso é a implantação da atividade agrícola. Tudo o que impede o estabelecimento da área de produção é considerado empecilho e portanto deve ser eliminado". (Seluchineski, 2008, p 3.)

Neste contexto, o fogo é tradicionalmente usado como técnica de manejo de pasto na região, sendo praticamente o único instrumento de limpeza do terreno utilizado e de preparação do solo. A perda de área florestada ocorre tanto por corte raso quanto por queima. Em 2009, a área desmatada de Alta Floresta correspondia a 53% da superfície total (aproximadamente 4,8 mil km2). A taxa média de desmatamento no período 2001-2008 é de 3,1%, tendo se reduzido progressivamente a partir de 2004. Até esse ano o desmatamento era realizado predominantemente em polígonos maiores de 100 hectares. A partir de 2007-2008 os desmatamentos se mostram mais pulverizados em polígonos inferiores a 50 ha. Depreende-se da análise conjugada de indicadores de desmatamento, de produção e de financiamento,                                                                                                                27Portaria MMA n. 28, de 28/01/2008.  28  Portaria MMA n.187, de 04/06/2012.  

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que a atividade pecuária foi a principal responsável pelo desmatamento nesse período, com pequena participação das atividades agrícola e madeireira (Lima e Nobrega, 2009). A área desmatada foi ocupada predominantemente com pastagem e agricultura (29%), vegetação degradada (11%) e solo exposto (9%). Das 6.454 nascentes, apenas 49% estavam ainda preservadas (Bernasconi et al., 2008, p.4). Em 2008, é extremamente precária a regularidade ambiental das atividades rurais no município. Até o primeiro semestre daquele ano, menos de 25% da superfície municipal cadastrável (103 propriedades, somando 204 mil hectares) estava registrada no Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais (SLAPR). A Licença Ambiental Única(LAU) havia sido concedida a apenas 27 propriedades, correspondentes a 5,3% da área municipal (Bernasconi, 2008, p. 7). Agenda ambiental, 2008 Alta Floresta já conta em 2008 com elementos importantes de seu sistema de governança e gestão ambiental: o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema), criado em 1999, e uma organização municipal, a Coordenação de Meio Ambiente na Secretaria de Agricultura29. Em 2006, havia sido criado o Fundo Municipal de Meio Ambiente30. A institucionalidade ambiental no município era ainda frágil, pois o formato do órgão ambiental era precário e inexistia quadro técnico permanente para o exercício do mandato ambiental municipal. Não obstante, temas relacionados à defesa ambiental e a sustentabilidade já eram tratados tanto na esfera governamental quanto nas organizações da sociedade civil, em processo de construção de capacidades iniciado na década de 1990. Desde meados daquela década temas ambientais ocuparam espaço relevante, tanto na agenda do governo municipal e estadual quanto na de Organizações da Sociedade Civil (OSC), a partir de cinco questões: a criação de duas áreas protegidas no território municipal - a Reserva de Patrimônio Particular Natural (RPPN) Cristalino e o Parque Estadual (PE) Cristalino -, o combate às queimadas, construção da Agenda 21 local, o ZSEE e as operações ostensivas de fiscalização e controle ambiental realizadas pelo Ibama, frequentemente com o apoio da Polícia Federal e da Força Nacional. Essas questões são rapidamente descritas a seguir: Áreas Protegidas - Vitória da Riva, a RPPN Cristalino e o Parque Estadual Cristalino. A RPPN Cristalino, com 670 hectares e posição estratégica em relação ao PE Cristalino, foi criada em 1997 em propriedade de Vitória da Riva, filha do fundador da cidade, Ariosto da Riva. Ativista ambiental de perfil conservacionista, Vitória é também responsável pela criação da Fundação Ecológica Cristalino naquele mesmo ano31, uma das principais promotoras do movimento pela criação do Parque Estadual Cristalino32, instituído em 2000 e ampliado no ano seguinte, em conjunto com diversas organizações, entre as quais o Instituto

                                                                                                               29  Em 2000, o meio ambiente era apenas mais um tema da Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio, Desenvolvimento Econômico, Turismo e Meio Ambiente. Em 2005, começou a conquistar mais espaço, como Coordenadoria de Turismo e Meio Ambiente dentro de mais uma secretaria na qual eram compartilhados diversos temas (Agricultura, Indústria e Comércio, Turismo e Meio Ambiente). Em 2007, a parte de Indústria Comércio e Turismo saiu, restando Agricultura e Meio Ambiente, tendo sido consolidada a Coordenadoria de Meio Ambiente(Fonte: Projeto Olhos d’Agua da Amazônia I)  30  Lei municipal n. 1.463/2006.  31  Dez anos depois, aprovaria no FNMA projeto de financiamento para fazer o Plano de Manejo da RPPN Cristalino, com  valor  total  de  R$154  mil,  FNMA  de  R$145  mil  e  contrapartida  de  R$  8,9  mil.  32  O PE Cristalino abrange os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo (PDSAF, p. 8), com 184.900 ha.  

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Centro de Vida (ICV), OSC recém-instalada no município. Vitória faz parceria com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) para implementação do projeto do Proecotur no município e assume a sua coordenação, processo que viabilizou a criação do Parque, promovendo ações de educação ambiental na área de amortecimento do parque com o apoio de organizações nacionais e internacionais. Seu trabalho ganha visibilidade a partir de 2004 com um projeto dirigido à rede pública de ensino, “Escola Amazônia Regional”. Mobilização contra as queimadas. No início da década de 2000, as queimadas começaram a causar efeitos danosos à saúde dos habitantes do município e à própria economia local. Frequentemente, a fumaça impedia a operação do aeroporto local e foi responsável pelo aumento de doenças respiratórias. O Programa “Fogo! Emergência Crônica” adotou abordagem baseada em municípios através de Protocolos Municipais de Intenções para Redução das Queimadas Urbanas e Rurais. Sediado na Embaixada da Itália em Brasília, o Programa atuou em Alta Floresta desde 2000, alcançando mais em 29 municípios dos estados do Acre, Mato Grosso e Pará (Tozzi, 2005; Perlotto, 2002, p. 7). Em Alta Floresta, o Programa foi responsável em grande parte pela ativação do Condema e pela adoção do Protocolo Municipal de Prevenção ao Fogo, em outubro de 2000, liderado pela Prefeitura em parceria com o Instituto Centro Vida (ICV), o Ministério Público Estadual (MPE) e a Coordenação de Meio Ambiente, sindicatos, associações, comunidades, universidades, OSC e ao Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL). O ICV, OSC fundada em 1999 por iniciativa de militantes ambientalistas do Estado, havia escolhido o município de Alta Floresta para implantar sua sede e estruturar seu trabalho na região, tendo participado do Programa até 2003.

Um projeto chamado naquela época Fogo Emergência Crônica. Depois, tornou-se o Programa Fogo, Amazônia Encontrando Soluções - projeto que teve duração de vários anos, mas cuja participação do ICV se deu até 2003. Começou nessa região, com a base principal em Alta Floresta em 1999, 2000, e com uma abordagem, desde o princípio, de trabalho com municípios. O enfoque principal não era desmatamento, mas naquela época o fogo era muito ligado ao desmatamento. (...) Muito desmatamento e muito fogo, que era colocado para completar o processo de desmatamento. (Laurent Micol, ICV, entrevista, 2013)

Em 2003 é criado por Marília Carnhelutti o Instituto Floresta, que passa a integrar o Programa Fogo. Marília, especialista em educação ambiental, que chegou a Alta Floresta nos anos 1980, participou do Programa Fogo desde seu início até 2011, coordenando o escritório do Programa em Alta Floresta a partir de 2004. É considerada por vários atores protagonista do Programa. Marília ressalta o papel do Programa na construção de capacidades:

Trabalhamos com o Proarco, formando as brigadas municipais com a participação dos agricultores familiares nas associações. Outro lado bastante inovador do programa foi trabalhar a educação ambiental, por meio de uma grande campanha envolvendo os atores locais. Foi uma grande campanha de mobilização e de sensibilização em relação às queimadas. No bojo dessa campanha, que era participativa, estava a ideia de elaborar um protocolo de compromissos com a sociedade do município e também de fortalecer a ação local, como, por exemplo, as competências municipais. Para mim, isso foi uma experiência ímpar. (...). Trabalhamos no fortalecimento das capacidades locais e, quando falamos de queimadas, também estamos falando de desmatamento. (...) Tinha que ter uma instância de acompanhamento e foi por isso que construímos os conselhos municipais. As pessoas que estavam nos conselhos são um grande diferencial nos

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municípios, porque temos um desafio cada vez que mudam os prefeitos. Nesse ano em Alta Floresta, tínhamos um conselho forte, atuante, mas quando mudou a gestão, o conselho ficou três ou quatro meses sem marcar reunião.

A Agenda 21 local de Alta Floresta. A mobilização em torno do tema de uma agenda local para a sustentabilidade chega a Alta Floresta em 2003. A elaboração do projeto Agenda 21 local abre um ciclo de trabalho cooperativo que se estenderia por aproximadamente seis anos entre ICV e Prefeitura, com a participação de diversas OSC locais. O projeto preparado pela Prefeitura para solicitar financiamento ao Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), assessorada pelo ICV, é aprovado em 2004.

O mais rico no processo da Agenda 21 foi justamente o processo. Mais do que o resultado, um plano. Porque gera um plano, mas o plano se perde. Só que o aprendizado, o capital social construído naquele momento fica. E esse capital social foi fundamental, indo lá na frente. Mas para acontecer o que aconteceu de 2008, 2009 até 2012, para o município conseguir sair da lista, aquele acúmulo foi fundamental. (Laurent Micol, ICV, entrevista, 2013)

O trabalho da Agenda 21 local resultou em dois produtos: o Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável e o Plano de Intervenção em Áreas Alteradas, incluindo a identificação de APP e das nascentes, e do risco da falta de água. A partir das discussões feitas ao longo de três anos e de 45 oficinas, em janeiro de 2009 foi concluída a Agenda, com entrega do documento à Prefeitura Municipal. Alta Floresta e o ZSEE do Estado de Mato Grosso. A primeira proposta de Zoneamento Socioeconômico e Ecológico, enviada à Assembleia Legislativa estadual em 2004, foi considerada por setores de Alta Floresta como limitadora do exercício das atividades agropecuárias, e passou a ser combatida pelo governo de Alta Floresta em conjunto com outros municípios com visão similar, inaugurando mais uma arena de discussão sobre modelos e objetivos de gestão do território. Em 2005, a recém-eleita prefeita Maria Izaura Afonso encampou a oposição à proposta, acompanhada por prefeitos de vários outros municípios do norte mato-grossense em processo que se estenderia até o final da década de 2000. Segundo o atual presidente do Conselho de Desenvolvimento da Amazônia Mato-grossense (Codam), Sandro Sicuto, a discussão sobre o ZSEE funcionou como “um balão de ensaio” para a criação do Codam, ocorrida em 2004, organização informal que reúne associações de Alta Floresta e uma do município de Carlinda33. Operações ostensivas do Ibama em Alta Floresta. Promovidas no âmbito do PPCDAm, as operações de inteligência - Ibama, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Polícia Federal - para combater grupos que cometiam ilegalidades ambientais visam ao controle do desmatamento e ao combate à corrupção. Uma delas, a Operação Curupira, realizada em 2004-2005, marcou fortemente a região34. Presente em Alta Floresta em 2005, provocou forte reação da sociedade local e, ao mesmo tempo, sinalizou que uma nova etapa no controle ambiental do desmatamento estava em implantação.                                                                                                                33  Integram o Codam  o Rotary Clube de Alta Floresta, o Comitê de Dirigentes Lojistas, quatro Lojas Maçônicas, o Lyons Club, a seção local da OAB, Simenorte, Sindicato Rural de Alta Floresta, Associação Regional de Contadores, Sindicato de Moveleiros, Posto Samuca Cidade Alta e o Sindicato Rural de Carlinda. 34  Foram presas dezenas de pessoas, entre as quais o ex-presidente da Fundação de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Fema-MT) e o ex-superintendente do Ibama no MT, resultando em um total de 188 pessoas processadas no MT e na reorganização do sistema estadual de controle ambiental com a extinção da Fema.  

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2008: a entrada de Alta Floresta na lista do MMA Além da publicação do nome do município na Portaria MMA n. 28, não havia mais informações sobre o significado e as consequências de “pertencer à lista”. Em fevereiro de 2008, a prefeita Izaura foi ao Ministério do Meio Ambiente em Brasília para entender o significado da inclusão de Alta Floresta na lista, tendo conseguido do MMA que fosse enviado um gestor ao município para esclarecer “(...) a todo o mundo, para esclarecer à cidade o que significava estar na lista”. Foram em seguida feitas reuniões de esclarecimento. Mas o entendimento dos atores sujeitos às medidas da lista levou um certo tempo.

“Um madeireiro descobriu que Alta Floresta estava na lista na Europa. Ele foi vender uma carga de madeira. A primeira vez foi supertranquilo. Quando voltou para fechar o negócio, entrou uma terceira pessoa pela sala e falou assim: “O senhor é de onde?” “De Alta Floresta, Mato Grosso.” Ele disse: “A gente não vai poder negociar com o senhor, porque os seus produtos são de um município que está na lista do MMA”. Ele falou: “Não, não está”. Ele disse assim: “Está sim.” Então, o senhor pode ligar para a Prefeitura Municipal da sua cidade. Ele ligou para Izaura, da Europa. Izaura disse: “Bianchini, estamos [na lista], onde você estava que não ouviu todas as conversas?” (Irene Duarte, ICV e ex-secretária de Meio Ambiente, entrevista, 2013)

Às restrições e exigências incidentes sobre municípios integrantes da lista somaram-se as ações da Operação Arco de Fogo. Deflagrada em março pelo Ibama com o apoio da Força Nacional em todo o norte do Estado de Mato Grosso para combater a exploração ilegal de madeira, a Operação Arco de Fogo estabeleceu sua base em Alta Floresta e Sinop, tendo permanecido por cerca de seis meses no município. Esse convívio resultou em intensos conflitos com a comunidade local. Apenas em Alta Floresta, as multas somaram aproximadamente R$ 3 milhões no período.

O impacto foi violento porque os madeireiros, pessoas de quem a gente gosta e empresários da região, pioneiros, de repente essas pessoas sendo algemadas, e a Força Nacional andando em cima dos muros, das casas das pessoas. A população não entendia muito bem, porque eram pessoas que estavam no seu dia a dia, trabalhando, filhos da terra. De repente essas forças-tarefa do Governo Federal [chegam]de uma forma muito violenta, e isso assustou, causou muita revolta na população. (Irene Duarte, ICV e ex-secretária de Meio Ambiente, entrevista, 2013)

Reações se fizeram sentir. Em 15 de maio, a cidade parou para que representantes da sociedade civil se manifestassem na Audiência Pública da Comissão Externa do Senado Federal, realizada no município, sobre as ações desencadeadas. Foram entregues documentos solicitando (inutilmente) a saída da Força Nacional da cidade e a revogação do decreto n. 6.321/2007 (Mato Grosso, 2008), por conta do que foi classificado como “excessos”, abuso de poder e “terrorismo psicológico”, em reação uníssona da prefeita e de diversos representantes de setores produtivos. Ao longo de 2008, ano eleitoral, a lista foi vivenciada como um conjunto de pressões e coerções sobre moradores e setores econômicos, atingindo em particular produtores rurais e o setor madeireiro. 2009: Elementos da estratégia para sair da lista Após as eleições municipais de outubro 2008, reeleita a prefeita Izaura com 51% dos votos, é estruturada uma estratégia para retirar o município da lista. No início de seu segundo mandato, a prefeita toma a si a responsabilidade do processo para atingir as metas pelos critérios estabelecidos para exclusão da lista. Para tanto, considera essencial estruturar as

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instituições municipais de defesa ambiental: uma organização municipal com mandato ambiental, adequada moldura jurídico-institucional e recursos para operação. A criação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente é fruto de processo de negociação: foi preciso conquistar o apoio da Câmara de Vereadores para aprovar lei de criação da nova Secretaria, pois implicaria em mais gastos e emneutralizar o preconceito contra tudo o que era “ação ambiental”, identificável à atuação do Ibama – considerada truculenta e contrária aos interesses dos produtores. Para tal, é importante o apoio do vereador Francisco Militão para viabilizar, junto a seus pares, a aprovação do projeto de lei (Duarte, 2013). A Secretaria de Meio Ambiente (Secma) é instituída em dezembro de 200835. A Secma é o lócus organizacional das iniciativas destinadas a cumprir os critérios para sair da lista: reduzir o desmatamento e promover a inscrição no CAR. Para conduzir a nova secretaria e o processo de saída da lista, a prefeita convida Irene Duarte, cuja competência já lhe era conhecida. A família de Irene é fundadora de Alta Floresta, tendo chegado em maio de 1976. Irene já tinha formação especializada nas questões municipais36 e tinha sido secretária municipal de Educação na primeira gestão da Prefeita. A prefeita chegou a cogitar criar uma Secretaria de Meio Ambiente com tempo de vida definido, a ser criada apenas para sair da lista. Mas logo ficou claro que a construção institucional ambiental era “um caminho sem volta”. Relata Irene: “Assustei porque eu já tinha dimensão do que significava isso. E eu falei, não, é um casamento que não tem divórcio. A partir do momento que a gente abrir uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente...”. O patrimônio da recém-criada Secma consistia em dois funcionários experientes em gestão ambiental e uma sala com um computador avariado. A agenda deveria dar conta simultaneamente da estruturação da gestão ambiental municipal37 e da coordenação da estratégia para sair da lista. Quanto ao CAR, seria coordenado e executado pela Secma. Em números, tratava-se de registrar na Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) uma área de pelo menos 682 mil hectares – o que incluia grandes, médios e, sobretudo, muitos pequenos produtores. Havia que viabilizar financeiramente o CAR, tanto sua elaboração quanto a implementação das medidas a ele associadas. Isso incluía os custos dos procedimentos técnicos individuais para levantamento e georreferenciamento dos imóveis e as áreas requeridas, elaboração de mapas, sistematização da documentação, lançamento do cadastro individual no sistema. Além disto, seriam indispensáveis idas e vindas a Cuiabá para acompanhamento dos processos, além da necessidade de se coordenar o processo de registro dos produtores na Sema-MT. Uma vez conseguido o CAR, haveria que arcar com os custos da recuperação do passivo ambiental, estipulada no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser firmado entre a Sema e cada produtor (agenda chamada por alguns de pós-CAR). No que diz respeito ao desmatamento, seu ritmo já estava em arrefecimento, provavelmente como resultado das intervenções da Operação Curupira no município desde 2005. Entretanto, em 2009 ainda é frequente a perda de área florestada por fogo.                                                                                                                35  Lei n. 1.861/2008.  36  Além de já ter exercido cargos na Secretaria de Educação, coordenou, no ICV, a campanha de divulgação do PE Cristalino.  37  Em janeiro de 2009, a prefeita reeleita recebe o documento de conclusão da Agenda 21 local dos coordenadores da iniciativa, composto de dois projetos, considerados por Irene importantes insumos para a estruturação da governança ambiental municipal.  

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Fonte: PRODES, 2013 Os atores e seus aportes A liderança política da formação da coalizão “pró-saída da lista” é exercida pela prefeita Izaura. Ela assume com Irene a tarefa de arquitetar um pacto entre as forças locais para fazer o CAR e reduzir o desmatamento. Simultaneamente, a prefeita defende interesses dos setores produtivos locais nas demais esferas federativas: organiza comitivas locais para ir a Cuiabá e Brasília para dialogar com as autoridades estaduais e federais sobre a saída da lista, enquanto participa ativamente na liderança de forças regionais contra a proposta de ZSEE, consagrando Alta Floresta como o centro político da região. Não seria por acaso que o presidente Lula elege o município para lançar o Mutirão Arco Verde Terra Legal em junho de 2009, em companhia do ministro da pasta ambiental Carlos Minc, do governador Blairo Maggi e do governador do Amazonas Eduardo Braga, além de outros governadores e autoridades conectados por teleconferência transmitida por telões no palco, em evento que reuniu cerca de 2 mil pessoas. A Secma coordena os trabalhos, mobiliza produtores rurais, elabora em seu escritório o CAR, responsabiliza-se pelos trâmites burocráticos dos processos junto à SEMA-MT e decide captar recursos para financiar o CAR e para a recuperação do passivo ambiental dos pequenos produtores junto ao Fundo Amazônia / BNDES através da submissão do Projeto Olhos d’Agua da Amazônia38. Seus parceiros de primeira hora são a Secretaria de Agricultura no Executivo municipal, o Ministério Público Estadual (ativo participante no tema das queimadas), o Sindicato Rural, além de atores da sociedade civil e de universidades com os quais já havia laços de confiança construídos ao longo das mobilizações contra as queimadas no Programa Fogo, o trabalho do Parque Estadual Cristalino e a Agenda 21 local. Segundo o então secretário de Agricultura Chico Gamba, a primeira decisão coletiva foi “apoiar os pequenos a fazer o seu CAR, um pacto assumido por todos”. Os recursos necessários para a elaboração do CAR para os pequenos produtores e o respectivo                                                                                                                38  O  Projeto Olhos d’Agua da Amazônia, no valor total de R$2,78 milhões, visou o fortalecimento da gestão ambiental no município por meio da realização do diagnóstico ambiental e da viabilização do processo de registro das pequenas propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR), além de promover ações de fomento à recuperação de áreas de preservação permanente degradadas próximas às nascentes localizadas nas pequenas propriedades.  

0,00  

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Alta  Floresta  -­‐  Trajetória  Taxa  Desmatamento  2004-­‐2012  (km2)    

Alta  Floresta  

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cumprimento da recuperação do passivo ambiental seriam em curto espaço de tempo captados pela Prefeitura, através da recém-criada Secma. Quanto aos demais, decide-se que seria feito um trabalho de convencimento junto aos médios e grandes produtores para que arcassem individualmente com os custos necessários para seu CAR. A Secretaria de Agricultura disponibiliza recursos humanos para contatar pequenos agricultores e emprestou veículos e equipamentos no período de estruturação da Secma. Decidido a custear o CAR para os pequenos produtores rurais, o município elabora através da Secma um projeto para captação de recursos junto ao Fundo Amazônia, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As taxas de desmatamento já haviam sido reduzidas desde o início das operações do Ibama, a partir de 2004. Para reduzir os focos remanescentes, o Ministério Público Estadual lança mais uma campanha contra as queimadas, "Alta Floresta Sem Fogo", que dá continuidade ao trabalho iniciado em 2000, de sensibilização da população para coibir desmatamentos, diminuir os focos de queimadas e organizar brigadas antifogo, pressionando a Prefeitura para capitanear a campanha e apoiando a Secma. Essa campanha conseguiu reduzir em 92% os índices de queimadas já em 2008. O MPE também ajuda a mobilizar os produtores rurais, iniciando procedimentos na Promotoria de Justiça junto aos proprietários que ainda não tinham o CAR - fez a notificação a praticamente todos os proprietários de gado, com o argumento de que os proprietários de gado tinham que comparecer ao Sindicato Rural para a vacinação obrigatória de febre aftosa. O MPE também apoia os gestores da Secma na elaboração das normas municipais, e participa no monitoramento de TAC e CAR. A cooperação tem duas mãos: a Prefeitura cedeu ao MPE dois servidores municipais para secretariar os trabalhos da Promotoria e exercer a função de oficial de diligência para ir a campo notificar as pessoas. O Sindicato de Produtores Rurais é considerado pelo município como o parceiro responsável pela conquista da confiança dos produtores rurais para adesão e inscrição no CAR. Além do trabalho de persuasão, o Sindicato foi o principal parceiro para as mobilizações de produtores pequenos, médios e grandes. O Sindicato colaborou com outro tipo de recursos: cedeu instalações, equipamentos e veículo para os primeiros meses de funcionamento da Secma, em sua própria sede. Entre os atores da sociedade civil, destaca-se o ICV, estabelecido no município em 1999 a partir de contato de Vitória da Riva com Sérgio Guimarães, que buscava uma sede regional para seu projeto na região Portal da Amazônia39. A formalização da cooperação do ICV com o município para excluir o município da lista seria chave em diversos aspectos e teria que superar melindres de certos setores da sociedade local para quem o tema ambiental era explosivo: havia desconfiança de todos os identificados como “ambientalista”. Isso era alimentado por boatos de que ambientalistas eram informantes das operações do Ibama. Conta Irene:

Eu disse [ao ICV}: “A prefeita [...] diz que a parceria com vocês pode ser muito prejudicial para saída da lista e por conta de toda essa história de que é o ICV que denuncia o desmatamento de Alta Floresta”. Foi onde nós fomos convidados para conhecer o Inpe e seu sistema [...] A prefeita foi ao Inpe. Quando a Izaura viu quando apertaram uma tecla que

                                                                                                               39  Desde então, o ICV mantém um de seus escritórios em Alta Floresta, promovendo projetos com municípios mato-grossenses para ajudar a construir acordos, frequentemente em parceria com outras OSC, tais como o ISA e o Imazon.  

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mostrou o monitoramento da Amazônia.... Aí foi onde nós fizemos uma parceria com o ICV e a Secretaria de Meio Ambiente.

O ICV participa do processo através de múltiplos aportes. Elabora a base cartográfica do município, mapeia as áreas de preservação permanente e áreas degradadas, dá apoio logístico e técnico, custeando a capacitação de um técnico em geotecnologia, contratando-o para cedê-lo à prefeitura e fazer o CAR dos pequenos produtores; apoia Irene nos contatos com o órgão ambiental estadual, e assessora Irene na elaboração de projeto para o Fundo Amazônia. Além disto, ajuda pontualmente o trabalho da prefeitura com o pagamento de diárias e hotel e cessão de veículo. Cinco técnicos foram remunerados pelo ICV e postos à disposição da prefeitura para fazer o CAR, alocando para tal recursos residuais de projetos captados em fontes diversas. O Instituto Florestas e o Instituto Ouro Verde colaboram em diversas frentes tais como a mobilização de produtores e educação ambiental junto ao público escolar e produtores rurais. A Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) coloca à disposição vários engenheiros florestais que ajudaram especialmente na estruturação do sistema municipal de meio ambiente, no início, como estagiários voluntários, a partir de termo de cooperação com o município. As diversas organizações integrantes do Conselho de Desenvolvimento da Região Norte-Matogrossense (Codam) também colaboram para o atingimento das metas para sair da lista, como, por exemplo, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), que providencia recursos para aluguel de carros e equipamentos. Na esfera estadual, a Sema-MT faz convênio com o município para a transferência de tecnologia de cadastramento ambiental rural para a capacitação técnica da Secma, dando assistência às demandas dos processos de CAR, e assistindo à legalização de recuperação de áreas degradadas com sistemas agroflorestais. Na esfera federal, o Ibama colabora por meio do seu escritório regional sediado na cidade: participa do monitoramento do CAR, notifica as propriedades dando prazo para que se inscrevam no CAR, faz palestras e - em um momento no qual se constata que só com a adesão dos pequenos não se atingiria os 80% e os grandes hesitavam em aderir - notifica os grandes proprietários dando prazo para sua adesão ao CAR. O MMA, através da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR-MMA), visita o município várias vezes, fazendo a ponte com o estado em algumas circunstâncias. Lança a Operação Arco Verde (OAV) no município em junho de 2009, tendo firmado em novembro de 2009 uma Agenda de Compromissos entre o MMA, o estado e o município. Foi reportado com destaque, por vários entrevistados, o apoio da atual Ministra Teresa Campelo, então na Casa Civil, tendo acompanhado o desenrolar das ações para sair da lista no município.

Processo e resultados Ao longo de 2009 ocorrem reuniões para mobilização dos produtores rurais nas 61 na cidade e nas comunidades rurais, lideradas pela Prefeitura Municipal, via Secma, em parceria com o Sindicato Rural, ICV, Instituto Florestas, Instituto Ouro Verde e outras OSC locais. A Secma elabora uma primeira consulta ao Fundo Amazônia, desenvolve a estrutura normativa da

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gestão ambiental municipal e se prepara para fazer o CAR em escala municipal, treinando sua equipe com o apoio do ICV e elaborando os primeiros registros. São estabelecidos procedimentos com a Sema para trâmites dos processos entre Alta Floresta e Cuiabá. Em dezembro de 2009 a Secma deixa as instalações do Sindicato Rural e ocupa sede própria. Nesse mesmo mês o município recebe a primeira visita de equipe do Fundo Amazônia, que se reúne para discutir o projeto com o Sindicato Rural, Codam, CDL, Rotary, lojas de Maçonaria e lideranças comunitárias. A Secma detalha a proposta para submissão ao Fundo Amazônia, o Projeto Olhos d’Água da Amazônia, com o apoio do ICV e do Ministério Público Estadual. Entre as atividades a serem financiadas pelo projeto estão o apoio ao processo de adesão dos pequenos proprietários rurais ao CAR, a elaboração de projetos técnicos de recuperação das áreas de preservação permanente dos imóveis rurais, a viabilização das ações de recuperação das nascentes nas pequenas propriedades, a implantação de projetos demonstrativos de sistemas agroflorestais com plantio de sementes e mudas, e de unidades de manejo ecológico de pastagens em 20 unidades rurais de Alta Floresta40 (BNDES, 2014). Em agosto de 2010, o rio Taxidermista diminui sua vazão até secar. Donos de represas se negam a liberar água de seus açudes - até que a Promotoria de Justiça entra com ação civil pública de antecipação de tutela para abrir os açudes e garantir água à população. A crise da água reforça de forma dramática a necessidade de recuperação das nascentes e das matas ciliares dos recursos hídricos responsáveis pelo abastecimento do município, na bacia Mariana (Folha de S. Paulo, 20/08/2010). Nesse mesmo mês, é aprovado o projeto apresentado ao Fundo Amazônia, no valor de R$ 2,78 milhões. No mês seguinte, é reforçada a importância do sistema de gestão ambiental municipal - Alta Floresta recebe habilitação para licenciamento de empreendimentos de impacto local, aprovado em 23 de setembro pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema), após um processo de entendimentos entre estado e município para municipalização do licenciamento ambiental de atividades. Em janeiro de 2011, é assinado o contrato com o Fundo Amazônia. O município já tinha preparado anteriormente todo o processo burocrático para iniciar imediatamente as aquisições e contratações. Em março/abril, é desembolsada a primeira parcela do projeto do Fundo Amazônia. As ações propostas no projeto apresentado ao Fundo Amazônia, que já haviam sido iniciadas em pequena escala já havia quase um ano, começam a ser implementadas na amplitude requerida, com a contratação de 15 pessoas. Em abril de 2012, da área cadastrável total do município (850,3 mil ha) estava cadastrada na Sema, 682,2 mil ha (80,2%). O desmatamento havia sido reduzido a níveis inexpressivos

                                                                                                               40    O projeto incluiu a realização de oficinas para a capacitação dos produtores em sistemas agroflorestais, em manejo ecológico de pastagem e coleta, beneficiamento e armazenamento de sementes; instalação de 20 unidades demonstrativas de sistemas agroflorestais (SAF) e de manejo ecológico de pastagens; fornecimento de insumos e apoio técnico aos pequenos produtores rurais para a implantação de SAF, manejo de pastagens, isolamento e recuperação ambiental de áreas de preservação ambiental alteradas; realização de um plano de comunicação para a adesão dos produtores rurais em ações de recuperação ambiental e proteção de nascentes; elaboração de projetos de recuperação de áreas degradadas das propriedades inseridas no CAR; implantação de sistema de monitoramento ambiental do desmatamento e das queimadas com capacitação de funcionários da Secma em técnicas de geoprocessamento; realização de diagnóstico ambiental, levantamento cadastral e georreferenciamento das pequenas propriedades rurais do Município de Alta Floresta para fins de adesão CAR e para obtenção de certificado do imóvel rural expedido pelo Incra. Mais informações em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/Lista_Projetos/Alta_Floresta.  

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(Tabela 1). A Secma desenvolve mais um projeto denominado Olhos d’Agua da Amazônia II para estender e aprofundar os resultados da primeira fase, que seria aprovado no ano seguinte41. No início de maio, Alta Floresta promove o seminário Estratégias e Projetos para Um Município Verde, com a presença de 500 pessoas e representantes dos governos das três esferas e do Fundo Amazônia, sendo assinado o Plano Município Sustentável de Alta Floresta42. Em junho de 2012 Alta Floresta é oficialmente excluída da lista do MMA.

Tabela 1 Amazônia Legal, Mato Grosso e Alta Floresta: Taxa anual de desmatamento, 2004 a 2012

(km2/ano)

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Amazônia Legal 27.772 19.014 14.286 11.651 12.911 7.464 7.000 6.418 4.571 Mato Grosso 11.814 7.145 4.333 2.678 3.258 1.049 871 1.120 757 Alta Floresta 230,9 124,9 97,1 61,4 15,3 7,2 3,0 5,8 1,6 Fonte: INPE/PRODES, 2013

Situação atual e tendências O desmatamento em Alta Floresta permanece sob controle, reduzido a níveis mínimos, conforme mostra a Tabela 1. Os resultados da atuação do Ibama – embargos e autuações - também fornecem indícios que práticas rurais estão ambientalmente adequadas: embargos e autuações são absolutamente residuais, sugerindo adequação ambiental do comportamento dos munícipes43 (Figuras 1 e 2).

Fonte: Ibama, 2013.

                                                                                                               41  A segunda fase do Projeto Amazônia Olhos d’Agua, no valor de R$ 7,1 milhões, visa concluir a fase de regularização ambiental e fundiária do município, recuperar o passivo ambiental, no que se refere às Áreas de Preservação Permanente Degradada (APPD`s) nascentes e curso de rio e apoiar a transição econômica do município de Alta Floresta de forma a construir um modelo econômico que atenda as necessidades da sociedade local sem comprometer a capacidade de atender as demandas de hoje e das futuras gerações. Mais informações em http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/Lista_Projetos/Alta_Floresta_II 42  O Plano de Desenvolvimento Sustentável de Alta Floresta (PDSAF) propunha ações em 13 áreas (educação, saúde, meio ambiente, agricultura, pecuária e desenvolvimento, cultura e juventude, assistência social, administração, finanças, indústria, comércio e turismo, segurança e transporte, infraestrutura, esporte e lazer, planejamento e gestão), em regime participativo, estabelecendo um calendário para o ano de 2013 que incluía a incorporação de novas sugestões pelos atores e a apresentação do Plano ao Legislativo municipal. 43  Neste trabalho, tanto para Alta Floresta quanto para os demais casos, não foi verificada a variável da frequência das fiscalizações do Ibama.  

0  

10  

20  

30  

40  

50  

2006   2007   2008   2009   2010   2011   2012   2013  

FIgura  1:  Alta  Floresta,  número  de  embargos  Ibama,  2006-­‐2013  

Por  desmatamento*  

Total  

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  20  

Fonte: Ibama, 2013.

A atual capacidade institucional de gestão ambiental no município de Alta Floresta: a agenda municipal fortalecida pelos recursos comprometidos com a gestão ambiental. O sistema municipal de gestão ambiental é atualmente composto por um órgão executivo (Secma), o conselho municipal de meio ambiente (Condema) e o Fundo municipal de meio ambiente. A Secma conta com estrutura administrativa simples, organizada nos departamentos técnicos de licenciamento, fiscalização e arborização. O município já conta com normas ambientais próprias: Código de Arborização Urbana, a Política de Meio Ambiente e o Código de Meio Ambiente. Quanto a recursos humanos, há três funcionários concursados e 28 pessoas contratadas com recursos do Projeto Olhos d’Agua da Amazônia, que constituem equipe estruturada dentro da Secma e a ela subordinada. No que diz respeito a cargos em comissão, dispõe-se até o momento dos cargos de Secretário, o Supervisor, o Gerente de Meio Ambiente (vago no momento da entrevista por cortes da prefeitura) e cinco Chefes de Núcleo. A Secma dispõe de quatro salas dotadas de microcomputadores (adquiridos com os recursos do projeto do Fundo Amazônia), três veículos e uma moto, quatro equipamentos GPS de previsão, e quatro máquinas fotográficas. O orçamento previsto para a Secma em 2013 alcançava RS3,7 milhões de reais, incluindo-se aí a previsão de gastos do projeto do Fundo Amazônia. O município demonstra, através da Secma, ter capacidade de trabalho em cooperação, tanto com as demais esferas governamentais (via Sema-MT e IBAMA e o INCRA) quanto com outras unidades da Prefeitura (Secretaria de Agricultura), OSCs, o Sindicato Rural e o MPE. A governança do Fundo municipal de meio ambiente é exercida pelo CONDEMA. Suas fontes de recursos consistem em multas que o MPE solicita serem depositadas na conta do Fundo. Até o momento da visita de campo ao município (novembro 2013) as taxas de licenciamento ambiental municipal estavam sendo destinadas à conta única da Prefeitura, sob o argumento de que necessitavam reforçar o caixa municipal. No campo do trabalho em regime de cooperação com OSCs, há a destacar a parceria com o ICV no projeto de Iniciativa Pecuária Integrada de Baixo Carbono, desenvolvido pelo ICV com suporte financeiro do Fundo Vale e da Fundação Moore, entrando também como parceiros o Sindicato Rural e a Embrapa. Constata-se progressiva capacidade de gasto do município em gestão ambiental (Tabela 2), decorrente da capacidade de captação de recursos financeiros (BNDES/Fundo Amazônia) através do Projeto Olhos d’Água da Amazônia segunda fase e de equipe com boa capacidade

0  

20  

40  

60  

80  

2008   2009   2010   2011   2012   2013**  

Figura  2:  Alta  Floresta,  número  de  autuações  Ibama    por  tipo,  2008-­‐2013  

  Cadastro  Técnico  Federal  Controle  ambiental  

Unidades  de  conservação  Outros*  

Total  

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de gestão de projetos - ainda que seja pequeno o período considerado. Esse projeto visa a dar continuidade e expandir as ações de recuperação de áreas degradadas com foco na regularização ambiental de propriedades rurais de agricultura familiar no município de Alta Floresta, incluindo o incentivo ao desenvolvimento de iniciativas produtivas sustentáveis como por exemplo a criação de abelhas e de peixes e a produção de verduras e legumes orgânicos. A segunda fase do projeto, apresentado ao Fundo Amazônia em junho de 2013 e contratado em setembro do mesmo ano, tem valor total de R$ 7,9 milhões, dos quais R$ 7,1 milhões foram aportados pelo Fundo. O primeiro desembolso ocorreu ainda no mesmo ano, em outubro44.

Tabela 2 Mato Grosso, Alta Floresta, Despesas na função Gestão Ambiental, 2006-2011 (R$ correntes)

2006 2007 2008 2009 2010 2011

Alta Floresta 4.793,00 120,00 34.897,00 378.642,00 463.803,00 2.272.696,12 MT 50.490.737,91 43.423.115,03 57.170.567,45 68.162.048,08 77.686.419,29 79.967.669,41 Fonte: STN, 2014.

Entraves na regularização ambiental: É frequente a menção à insegurança jurídica gerada nas esferas estadual e federal quanto aos procedimentos de CAR e licenciamento ambiental rural.

A gente quer que o estado regularize isso, até para avançar um pouco mais. Porque a gente agora está parada na questão do Código Florestal e é um entrave para a questão ambiental no município, quando se trabalha com a zona rural. [...]Alguns proprietários não se sentem motivados em recuperar porque o estado não regulariza o Código Florestal. [...] Isso tem um impacto na gestão ambiental dos recursos hídricos do município. Faz anos que estamos esperando e o estado não toma nenhum posicionamento quanto a isso. [...]O CAR é a primeira fase do licenciamento, e depois seria a LAU. Mas o estado não se manifestou se vai ou não haver a LAU. E a gente tem um projeto para poder fazer a LAU das propriedades, mas enquanto o estado não se manifesta, se regulariza, a gente fica à mercê de uma política pública que não está andando. (Gercilene, Secma, entrevista, 2013)

Precariedade na cooperação federativa para a defesa ambiental. O atual prefeito Asiel sublinhou que os únicos recursos de que dispõe são os captados externamente pelo município: “Recursos internos nós não temos. [...] Até hoje, nada. A única parceria que nós temos é com o BNDES, através do Fundo Amazônia. Única parceria que nós temos para desenvolver esse plano”. O apoio enunciado pelo governo federal aos municípios que saíssem da lista não ocorreu no município, fato apontado em diversas entrevistas, inclusive com produtor rural que já fez a adequação ambiental de sua propriedade, corroborado por produtores rurais como                                                                                                                44  As atividades financiadas abrangem a ampliação da área de manejo de pastagens em 200 ha, a implementação em três unidades demonstrativas já existentes de boas práticas da Embrapa para pecuária de corte e aprimoramento da prática do manejo de pastagens para a produção de leite em 17 unidades demonstrativas já existentes; implantação do Programa Guardião de Águas – Pagamento por Serviços Ambientais; realização e execução de um plano de comunicação para a adesão de proprietários rurais às atividades do projeto; isolamento e recuperação de 3.317 hectares de áreas de preservação permanente degradadas; implantação de piscicultura, meliponicultura e produção agroecológica integrada e sustentável (PAIS); aperfeiçoamento do sistema municipal de monitoramento ambiental do desmatamento, das queimadas e da recuperação de áreas degradadas; realização do georreferenciamento de 1.500 propriedades rurais do Município de Alta Floresta para fins de obtenção de licenciamento ambiental. Para mais informações, ver http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/Lista_Projetos/Alta_Floresta_II.

 

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Valdemir Ruggieri, que, com recursos próprios, já regularizou integralmente o passivo ambiental de sua propriedade: “Depois que saiu o CAR e da lista, não veio nenhuma ajuda, do governo de estado ou federal. Até o momento nada.” A redução do desmatamento não está totalmente consolidada. Não está descartada a possibilidade de retrocesso na adoção de práticas agropecuárias sustentáveis:

O ICV está vendo ainda a fragilidade e a necessidade de continuar acompanhando [o que] é uma transição política. Aquela gestão acabou, a nova gestão assumiu e não estava preparada para ter uma agenda ambiental tão forte como estava comprometida. Até pela dinâmica que já tinha, e pelos recursos do Fundo Amazônia que estavam ali à disposição. Tem que ter realmente uma agenda ambiental. Isso não estava nos planos do governo que se elegeu. Mas está entrando, forçadamente. Alta Floresta já tem um Programa de Pecuária, que o ICV está tocando. Então, já está no passo seguinte. Já saiu da lista. Agora vamos rumo à economia sustentável, e a pecuária é o carro chefe da economia. Se tem um lugar que deve dar certo é lá. (Laurent Micol, ICV, entrevista 2013)

Não é garantido que as práticas de desmatamento tenham sido banidas do município. O envelhecimento da população rural é um dos fatores que podem favorecer a mobilidade e chegada de novos habitantes descomprometidos com o processo vivido.

Alta Floresta fica muito vulnerável nessa história [...]você concorda que um doido pode vir lá de São Paulo, derrubar da noite para o dia, e a gente voltar para lista? Eu tenho medo de que isso pode se perder. Que um bom agricultor em busca de áreas boas para plantar, ele avança um pedacinho de terra porque ele não conseguiu calcar, ele não conseguiu adubo para recuperar a juquira dele, ou o solo todo degradado. [...], São pouquíssimos os jovens que estão na zona rural. A nossa zona rural é de idosos, são os pais que ficaram lá, ... . (Irene Duarte, entrevista, 2013)

Segundo Irene, a agenda atual, pós-CAR, tem que centrar nos pequenos produtores:

Assim, o pós-CAR para Alta Floresta representa o fortalecimento da agricultura familiar e isso é discutido fortemente dentro do Sindicato Rural, dentro do CDL. Você já ouviu falar em algum lugar que o grupo dos lojistas está envolvido com a cadeia do leite? Em Alta Floresta está. A gente fortalece os pequenos, que é a base econômica de um município como esse. Não está nos grandes. Está nos pequenos. A segurança alimentar de um município como esse, e isso tem sido pauta de discussão dentro do próprio município, dentro do CDL, dentro da própria Unemat. A segurança nossa alimentar está onde? Está na soja? Está na pecuária, a gente não come soja todo dia. Então essa discussão está permeando o município. O grande protagonista é a Secretaria de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar do Estado de Mato Grosso (Sedraf), junto com a Embrapa, de perceber que existem várias cadeias produtivas em Mato Grosso e não é só leite. (Irene Duarte, entrevista, 2013)

O quadro atual do pequeno produtor rural está marcado por desmobilização e desamparo de assistência técnica, segundo o secretário de Agricultura:

[...]Eu vivo hoje um momento na Secretaria de Agricultura de participação, principalmente, com o Governo Federal, que está ligado à merenda escolar, que é o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar, n.e.] [em] 2011 [em] 2011 participou comprando da agricultura familiar, 2,3% enquanto tinha que comprar no mínimo 30%. Em 2012, comprou 3,5% da agricultura familiar. Em 2013, quando eu entro na secretaria e identifico isso, achava que com um estalar de dedos ia resolver, porque não é possível a agricultura familiar não vender para o programa. Fizemos a chamada pública em julho desse

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ano e apareceu para participar uma cooperativa e uma associação. [...] O por quê disso? Sabendo que tem um monte de associações no município! Eu saí do gabinete, fui atrás e o que vi? Vi uma total desarticulação - por exemplo, o programa existe desde 2009, não sei o que aconteceu, mas não se conseguiu articular as associações e esse produtor, para estar participando disso e aproveitando esse quase um milhão de reais que tem. [...] Acredito que a gente precise de apoio para articular. A produção que temos em Alta Floresta é uma produção significativa. E não dá para entender porque o produtor vende para o mercado, mas não vende para a merenda escolar.(Weden Motta, Secretário Municipal de Agricultura, entrevista, 2013)

O município está sob influência de impactos associados a obras de infraestrutura de grande porte, tais como a implantação da usina hidrelétrica Teles Pires em Paranaíta e a perspectiva de construção da hidrovia Teles Pires-Juruena–Tapajós. A visão de um desenvolvimento baseado em práticas agropecuárias sustentáveis, defendida por segmento importante dos atores locais, pode vir a colidir com as facilidades abertas para a expansão da agricultura convencional baseada na soja, o que já se verifica com o aumento abrupto de área plantada de soja no município.

[...]houve uma mudança institucional de perspectiva para a região.[...]Porque parece uma bobagem falar isso, mas não fomos embora da região porque não tínhamos para quem vender. Houve uma determinada época, chamada de Arco de Fogo, chamado errado, que dá impressão que isso aqui é um dos ciclos do inferno de Dante. [...] A construção da BR-163, que houve sérias resistências a isso, e ela deve ser concluída agora em 2015, foi fundamental para a região. [...] Hoje nós temos um modelo totalmente diferente de sete ou oito anos atrás. Então, não dá para atribuir o que está acontecendo em Alta Floresta apenas à saída da lista. A saída da lista teve impactos interessantes, mas boa parte dos benefícios e desenvolvimento da região foi por outras medidas. Foi um conjunto de fatores que favoreceu isso. Mas é claro que a saída da lista de desmatamento criou possibilidades de crédito que não tinha. [...] Se bem que tudo isso tem que ser muito desmistificado - por exemplo, se você vai hoje numa região produtora de soja, grande parte do financiamento da atividade não é feita pelo governo, a maior parte é feito pelo próprio setor produtivo, que o financia. Tem empresas que fornecem insumos e emitem garantias. (Sandro Sicuto, presidente Codam, entrevista 2013)

No seminário Estratégias e Projetos para um Município Verde, realizado em maio 2012, presentes representantes de todos os setores locais e convidados dos governos federal e estadual, é aprovado um documento finalmente chamado de Protocolo de Construção do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Alta Floresta. Originalmente chamado de Pacto para o Município Verde, a proposta do Pacto revelou a existência de visões distintas para o desenvolvimento do município45.

[...] gerou uma desconfiança local do poder econômico, principalmente do pessoal ligado ao meio rural, os grandes proprietários rurais, de que esse pacto iria trazer restrições à economia local e aos interesses de avanço do cultivo de grãos com alta tecnologia em grande escala, que tem um movimento acontecendo no Cerrado. Nos últimos dias que antecederam o seminário e o momento de assinatura do pacto como Município Verde... Participei de reuniões com representantes do sindicato rural, setor comercial de Alta Floresta com a administração local onde eles deixaram bem claro [esta desconfiança]. (Ibama, Jocelita Giordani, entrevista 2013)

                                                                                                               45  O Presidente do Codam recusou-se a assinar o documento designado por “pacto por município verde” alegando que tal denominação acarretaria restrições à agricultura no município. A solução encontrada foi a mudança do título do documento, mantendo-se intacto seu conteúdo.    

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Sandro Sicuto, presidente do Codam:

para onde vai a transição: município verde, não, não à restrição do uso de agrotóxicos. (...). Faz parte dos programas dos municípios verdes. Na verdade, eles não declaram isso abertamente. Mas para bom entendedor basta. Se você fala em desenvolvimento e atividades sustentáveis, que seriam incentivadas e as outras desestimuladas. Em reuniões que tive com representantes do Banco Mundial, representantes do próprio Ministério da Agricultura, eu fiz umas perguntas muito contundentes que vou repetir agora para ilustrar meu pensamento. Eu perguntei: plantio de soja transgênica utilizando agrotóxico é sustentável? E o cidadão falou para mim que não é. Então, é óbvio que se a gente adotasse essas regras, que eu acho que são justas, perfeitas, limitariam o momento de transição que nós estávamos vivendo.

A perspectiva de entrada da soja no município aponta para riscos aparentemente distantes da situação atual.

A agricultura convencional traz no seu bojo grandes impactos. É uma monocultura com muito uso de agrotóxico, de defensivo agrícola, de insumos, enfim. Então, mais tarde, essa questão gera um grande desconforto dentro do Codam, no sentido de que se a gente fizesse um pacto com um Município Verde, a gente podia engessar a base econômica do município. Mas eles assinariam um plano de desenvolvimento sustentável para Alta Floresta. Então, essa questão da agricultura é um impasse. [...] E eu acho que você já encontrou isso em várias falas nas entrevistas que você viu defendendo uma base agroecológica forte, com responsabilidade socioambiental. Em contrapartida, um grupo que quer a soja na região, dizendo que para desenvolver essa região aqui é através da soja. Então a gente vive nesse momento, nessa incubadora [...] Então, o que está se esperando hoje é que a gente consiga aprovar uma lei na Câmara de Vereadores, e dentro da Câmara também a gente já sabe que existem dois segmentos: um que defende a base agroecológica de um município sustentável e outro que vê que se não chegar o desenvolvimento igual chegou a Lucas do Rio Verde, Tapurá, essa região é considerada por eles como não desenvolvida. (Irene Duarte, entrevista, 2013)

Vitória da Riva aponta a necessidade de consolidação dos aprendizados e as possibilidades de uma agricultura em bases sustentáveis com produtos amazônicos.

Os próximos passos, agora, é consolidar todo esse trabalho que está sendo feito. Consolidação porque demora, não é uma coisa que vai ser rápida, mas pelo menos a comunidade se empoderou desse processo, isso que eu acho mais importante, mesmo as pessoas mais velhas, porque é difícil mudar a cabeça de gente mais velha. Aí entra a educação ambiental mudando a cabeça das crianças, então é tudo um processo, porque a educação é um processo muito lento. Para você educar um adulto para ele mudar, você tem que mostrar que vai render mais. Eu acho outro grande desafio para frente é a gente investir em produtos, em uma agricultura que seja amazônica, voltar para as raízes. O guaraná é da Amazônia, aqui produz guaraná, muito bem. O cacau é nativo, anda na floresta para você vê o cacaueiro nativo, que tem na região amazônica inteirinha descendo. Então, trazer o cacaueiro [...]

   

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3.2 O Município de Marcelândia O município de Marcelândia está situado a 712 km de Cuiabá, na região Norte de Mato Grosso. Ocupa área da ordem de 12,3 mil km2, na qual reside uma população estimada de quase 12 mil habitantes. Seu território integra duas bacias hidrográficas, a do rio Teles Pires e a do rio Xingu, na microrregião de Sinop, área sob influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163). O acesso do município à BR-163 se dá por um trecho de 87 km de rodovia estadual (MT-320). O PIB per capita municipal de 2010, da ordem de R$ 14 mil, equivale a 72% do PIB per capita estadual. Tal como Alta Floresta, a ocupação da área se origina em projeto de colonização privado promovido pela Colonizadora Maiká, de propriedade do José Bianchini, que atraiu colonos da região Sul ao final da década de 1970 para ocupar a área com atividades agropecuárias. A área foi alçada à condição de distrito do município de Sinop em maio de 1982. Quatro anos depois foi promovida à condição de município46. A ocupação de seu território foi consolidada a partir da pecuária de corte e da exploração madeireira, em quadro marcado pelo incentivo à migração, precariedade de acesso e transporte terrestres. Segundo Alencar (2009), em 1987 já estavam instaladas no município cera de 150 empresas madeireiras que atraíam migrantes, dessa vez da região Nordeste. No Anexo 5, é apresentado um perfil socioeconômico do município. Marcelândia entrou para a lista de municípios prioritários do MMA em janeiro 2008, através da primeira portaria editada pelo MMA47, tendo sido excluído da lista em outubro de 201348. A seguir, é delineado o processo que levou ao cumprimento dos critérios estabelecidos pelo MMA para sua exclusão, concluindo com comentários dos atores sobre a situação atual da questão do desmatamento no município. O processo de desmatamento no município O processo de desmatamento em Marcelândia se inicia com a ocupação de seu território pelos primeiros colonos - “abrir o lote” pressupõe suprimir a mata, condição para ocupação definitiva dos lotes com atividades agrícolas e pecuárias. A taxa média de desmatamento da floresta entre 2001 e 2008 foi de 1,5%. Em 2009, cerca de 27% da área total do município já estava desmatada (3,3 mil km2). As dimensões das áreas desmatadas se reduzem a partir de 2004 até 200849 - nesse ano ocorre abrupto aumento das dimensões dos polígonos. Mais de metade da área desmatada nesse período é composta por polígonos maiores do que 100 hectares, indicando predominância de grandes e médios desmatadores (Lima e Nóbrega, 2009, p. 103). Depreende-se que o principal vetor de desmatamento nesse período é a atividade pecuária, com pequena participação da atividade agrícola. Indicadores (volume de exploração de toras) apontam que a atividade madeireira teve uma participação importante no desmatamento entre 2000 e 2007. Na área de assentamentos, pequena em relação à superfície total municipal, registra-se taxa de

                                                                                                               46  Lei n. 4.992, de 13 de maio de 1986.  47  Portaria MMA n. 28, de 28/01/2008.  48  Portaria MMA n. 412, de 07/10/2013.  49  No período agosto-dezembro 2007, Marcelândia ocupa o posto de campeão nacional do desmatamento (Bernasconi; Abad; Micol, 2008, p.1).  

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desmatamento superior ao dobro da taxa do município inteiro (ibid, p. 103). Agenda ambiental, 2008 Em 2008, as questões sobre meio ambiente e o futuro do município são familiares a setores do governo e da comunidade local. Há uma história de mobilização no município em torno desses temas desde a década anterior, por meio das iniciativas da Agenda 21 local, educação ambiental na rede pública sobre recuperação de APP, diagnóstico e zoneamento ambiental municipal. Além desses temas, sucintamente apresentados a seguir, políticas públicas participativas se enquadram no marco do Plano Plurianual municipal, realizado pela primeira vez de forma participativa em 2005, incluindo “exercício de participação comunitária” para o estabelecimento de metas para o período 2006-2009. No início de 2008 Marcelândia já dispõe de duas organizações municipais para governança e gestão ambiental, criadas em 2005: o Conselho de Defesa do Meio Ambiente, com funções deliberativas e consultivas, e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo. A capacidade operativa da secretaria é bastante limitada pela escassez de recursos humanos, financeiros e operativos, especialmente precária no exercício do controle ambiental. Quem efetivamente exerce o poder de polícia ambiental no município é o Ibama, naquele momento engajado nas operações de inteligência e ostensivas no âmbito do PPCDAm. Segundo o município, é baixo o grau de formalização/adequação ambiental das atividades agropecuárias e florestais. Sirlene Juliane, Secretária Municipal de Meio Ambiente de 2005 a 2010 e atual Secretária de Planejamento, ressalta a importância de haver esse histórico de mobilização para ações de defesa ambiental para tratar da agenda com a limitação de recursos50.

Em 2005, quando assumimos a secretaria, surgiu um edital do FNMA para construção da Agenda 21 dos municípios e nós respondemos a esse edital. Na verdade, eu assumi duas secretarias, o Planejamento e o Meio Ambiente, por conta do edital do FNMA. A gente formou uma equipe para responder esse edital com Planejamento, Meio Ambiente e Agricultura. Até juntamos todas as secretarias num espaço só. Foi fantástica essa troca. Também buscamos fora uma consultoria, que também não foi consultoria: uma amiga, que a gente achou em Alta Floresta [Ivone Nishi, integrante da ONG Sociedade Formigas, de Alta Floresta, n.e.] que já tinha uma experiência em responder este edital e se apaixonou por Marcelândia. Também sem receber nada, construiu todo esse processo junto com a gente e acabou vivendo com a gente esta experiência deste edital. [...] Fomos contemplados com o projeto e a partir daí o vínculo ficou muito forte com o Ministério do Meio Ambiente. Ao longo do desenvolvimento da Agenda 21, da execução dessas ações, o município começou a se mobilizar. Foi muito rico, uma experiência fantástica de [cerca de] dois anos - 2005, 2006, 2007, onde a sociedade acreditou que seria possível o desenvolvimento sustentável aqui em Marcelândia. A Agenda 21 serviu, no meu entendimento hoje, de alavanca para acontecer muitas coisas em Marcelândia para o nível ambiental. Infelizmente as ações que estavam na Agenda 21 não foram executadas, mas também existe na avaliação nossa o por quê elas não foram executadas, porque não chegou efetivamente. (Sirlene Juliane, entrevista, 2013)

                                                                                                               50  Atual secretária de Educação do município, Sirlene exerceu pela primeira vez esse cargo em 1994. No início da década de 2000, desenvolve trabalho de educação ambiental em escolas como secretária de Educação: é montado um laboratório em área cedida pela Colonizadora Pronorte à beira do rio Manito, para trabalho educativo com a rede escolar, desenvolvido em escolas públicas, de 2002 a 2004. Em 2005, Sirlene assume simultaneamente as pastas municipais de Planejamento e de Meio Ambiente, além da coordenação e da implementação do Projeto da Agenda 21 local.  

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Assim, a despeito da precariedade de recursos, no início de 2008 a Secretaria Municipal de Meio Ambiente apresenta experiência acumulada em promover processo de discussão sobre sustentabilidade e desenvolvimento local em todo o município. As limitações de recursos - aparentemente paralisadoras – são em parte superadas também pelo estabelecimento de laços de cooperação com outras áreas do governo municipal51 e com as OSCs Sociedade Formigas, ICV, Instituto Socioambiental (ISA) e Instituto Florestas. Educação ambiental e recuperação de APP. A Secretaria de Meio Ambiente dá sequência, em 2006, aos trabalhos desenvolvidos anteriormente junto ao público escolar com o projeto “Adote uma Nascente” em parceria com outras secretarias municipais e proprietários de sítios, envolvendo centenas de alunos do ensino fundamental, médio e superior no plantio de 5 mil mudas em 22 nascentes, em conjunto com a implantação de viveiro municipal. A Agenda 21 local de Marcelândia. O projeto foi elaborado em 2004 pela Secretaria de Meio Ambiente com o apoio de técnicos das Secretarias de Planejamento e de Agricultura e o suporte da ONG Sociedade Formigas. São também citadas como parceiras no projeto Agenda as OSC ICV, ISA e Instituto Floresta. Apresentado ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) em 2004, o projeto é aprovado. Os recursos começam a ser repassados em 200552. Cerca de 600-700 pessoas da sociedade participam do lançamento do programa. Os participantes acreditam que está em curso um processo decisório construído “de baixo para cima, não estando mais nas mãos deste ou daquele prefeito. O plano de governo do prefeito estava sendo construído pela sociedade”. Atividades de mobilização logram a participação de 3.350 pessoas mobilizadas por meio de oficinas, reuniões, audiências, seminários e cursos de capacitação, num total de 68 encontros, nos quais a população é familiarizada com os temas da sustentabilidade, defesa ambiental e o futuro do município. A Agenda 21 começa sua implementação em 2006, sob coordenação da secretária de Meio Ambiente. O projeto da Agenda, que permite viabilizar as instalações das secretarias municipais de Meio Ambiente e Planejamento, engloba a Agenda 21 stricto sensu, o projeto do sistema de informações municipais e parte do Plano Diretor municipal. O trabalho resulta em um plano organizado em seis temas: cadeias produtivas, regularização ambiental e fundiária, capacitação, infraestrutura, comunicação e ordenamento territorial. São definidas 55 ações consideradas como cruciais para o futuro do município. Entre elas, estão três iniciativas consideradas como as principais ferramentas da Agenda: o Sistema de Informação Territorial (SIT), o Plano de Desenvolvimento Sustentável e o Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Marcelândia. Constituído em maio de 200653, o Fórum da Agenda 21 desempenha papel importante através da participação nos encontros e na sistematização dos dados para a elaboração do Plano Local de Desenvolvimento Sustentável e do Plano Diretor Participativo.

                                                                                                               51  Nessa data, a Secretaria de Meio Ambiente compartia com a Secretaria de Planejamento um sistema de informações (Sistema de Informação Territorial-SIT), dotado de um software de informações geográficas. O SIT dispunha, entre outros, de CAD originais, dados sobre as escolas, dados do Programa Saúde da Família, imagens de satélite, mapas, pontos GPS, bases cartográficas, dados de desmatamento do Prodes e relatórios.  52  R$ 284 mil provenientes do FNMA.  53  Sem ter sido jamais formalizado em lei.  

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Nós tínhamos um Fórum da Agenda 21 com mais de 80 pessoas, todos os segmentos da sociedade estavam envolvidos nesta discussão. Eles se disponibilizaram a ser capacitados: empresários, comerciantes, agricultores, professores e alunos. Nós tínhamos reuniões de oficinas fantásticas, tanto do Plano Diretor como da Agenda 21, como do Zoneamento que nós também fizemos. Foi um momento em que a sociedade acreditou que as coisas iriam acontecer. (Sirlene Juliane, entrevista, outubro 2013)

No início de 2008, estão em elaboração pelo município o Sistema de Informação Territorial, plano diretor participativo e proposta de zoneamento municipal, com a assessoria do Instituto Centro de Vida (ICV). Essa iniciativa ocorre no contexto da Campanha Y Ikatu Xingu, lançada em 2004, que atuou em toda a bacia do Alto Xingu, coordenado pelo Instituto Socioambiental (ISA)54. O zoneamento elaborado pelo ICV se apoia no diagnóstico ambiental da bacia do rio Manissauá-Missu (ou Manito), elaborado pelo próprio ICV em 2007.

A gente elegeu Marcelândia como um dos municípios onde nós trabalhamos dentro do Projeto Diálogos. (...) A área já desmatada de Marcelândia é maior que o município de Lucas do Rio Verde, um dos municípios mais ricos de Mato Grosso. Então, precisa mais área do que a área que já tem em Lucas do Rio Verde para Marcelândia ser um município rico? Mas Lucas do Rio Verde não tem os 80% de floresta que Marcelândia tem, que também é uma riqueza. Foi concebida essa visão de que o município pode ter uma história diferente [em uma] proposta de zoneamento do município. Um zoneamento nesse sentido de áreas para serem conservadas para fazer manejo florestal e áreas para intensificar e melhorar as atividades pecuárias. (Laurent Micol, ICV, entrevista, 2013)

A proposta de zoneamento municipal elaborada pelo ICV é publicada em agosto de 2008. Foram digitalizadas pela organização cerca de 70% das propriedades rurais do município a partir de bases do Instituto de Terras de Mato Grosso / Intermat e da Sema, em um total de 928 propriedades rurais, além do assentamento rural (PA Bomjaguá), também georreferenciados no SIT (Alencar, 2009, p. 38). Nesse momento, estava em curso no âmbito estadual a discussão sobre o ZSEE estadual, cuja segunda versão havia sido apresentada à Assembleia Legislativa quatro meses antes. Entretanto, a proposta de zoneamento municipal contava com intensa discussão local:

A gente não vai fugir de se organizar, está vindo o ZEE do estado. Sabemos o que queremos, não somos nem um nem dois, somos uma sociedade inteira. (Sirlene Juliane, em entrevista a Maria Elisa Correa, ICV, 31/07/2008)

Operações ostensivas do Ibama e da Força Nacional: A partir de 2005 é intensificada a fiscalização ambiental promovida pelo Ibama por meios de operações ostensivas, aplicando multas, apreensões e prisões em escala inédita na região, o que causa grande impacto sobre Marcelândia – somente naquele ano foram demitidas 668 pessoas. A evasão populacional se reflete na população escolar: de 4 mil alunos matriculados em 2004, restaram apenas 3.114 em 2008 (Diário de Cuiabá, 02/08/2009). A gestora ambiental Elaine Corsini (Sema-MT), entrevistada para esta pesquisa, sublinha o impacto sobre Marcelândia: “(...) na verdade, na Operação Curupira a gente fez uma limpa. Marcelândia é um exemplo de quantidade de madeireiras que tinha na época, e que teve depois, porque quem estava trabalhando ilegal não conseguiu sobreviver e fechou”. (Elaine Corsini, SEMA-MT, entrevista, 2013)

                                                                                                               54 Relata Laurent Micol a participação do ICV: O ICV foi parceiro do ISA durante quatro anos num projeto na Bacia do Xingu. O ISA lançou a campanha das nascentes do Xingu e o ICV entrou como parceiro da campanha. Foi nossa entrada em Marcelândia.

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Janeiro de 2008: a entrada de Marcelândia na lista do MMA A entrada de Marcelândia na lista intensifica as tensões provocadas pelas consequências das operações ostensivas anteriormente realizadas. A Operação Arco de Fogo aprofunda os efeitos de suas antecessoras: fechamento da quase totalidade de estabelecimentos da indústria madeireira, ascensão dos indicadores de desemprego, evasão de população e redução de arrecadação municipal. A contração da população se reflete negativamente, por sua vez, no setor de comércio e serviços. Vários relatos dos entrevistados enfatizam os impactos sobre a economia local decorrentes da restrição ao crédito e da paralisação dos licenciamentos, tais como fechamento de estabelecimentos, aumento do desemprego e paralisia em atividades dependentes de crédito. A inclusão de Marcelândia na lista é especialmente desapontadora, frustrante, entre os setores que estavam se empenhando em buscar alternativas mais sustentáveis de desenvolvimento para o município: “Foi muito doído”. Essa medida atingiu tanto àqueles empenhados em promover uma gestão mais participativa e comprometida com a sustentabilidade do desenvolvimento quanto aos produtores rurais já enraizados no município, entre os quais é forte a cultura do pioneiro. Entre esses, não era raro encontrar desconfiança em relação aos promotores dos temas ambientais e às organizações do terceiro setor da área. No dizer de muitos, entrar na lista foi

colar uma tarja no município. Não tinha nada escrito na nossa testa, mas quando se falava em Marcelândia... É o maior desmatador, campeão de queimadas, destruidor de floresta e por conta disso, juntou todos esses esforços para tentar resolver e mudar o histórico.(Secretária de Meio Ambiente Suzana Barbosa, entrevista, 2013)

A resposta do município é imediata. Marcelândia contesta a validade dos dados do Prodes responsáveis pela entrada da lista, alegando que “a matriz de dados analisou lagoas e pedreiras como queimadas” (Marcelândia 100% Legal, p. 17)55. É deflagrada uma crise, sendo oferecido ao município o apoio do governador do estado Blairo Maggi, ambos contra o governo federal, representado neste momento pelo MMA, que sobrevoa a área no final de janeiro com o governador para verificação das contestações56. O helicóptero pousa em Marcelândia sem que a ministra desembarcasse e se encontrasse com o prefeito – mais um trauma que a cidade dificilmente esqueceria.

Ela desconhece o município. Nós é que vivemos aqui, quando acaba a primeira faixa de asfalto, voltando à esquerda 900 metros, já é outro município de União do Sul. Todo aquele desmatamento foi debitado em Marcelândia. O município de União do Sul, que é nosso vizinho, ela sobrevoou lá e colocou na conta de Marcelândia. Ali na BR-80, na parte de

                                                                                                               55  O questionamento de alguns se baseou no sistema de monitoramento territorial do município, então em implantação. A alegação de outros tinha raízes políticas.  56  Os entrevistados nesta pesquisa apresentaram distintos argumentos para contestar os dados do MMA. Um entrevistado argumentou que, em 2007, houve um incêndio de grandes proporções e a área queimada foi considerada área desmatada. Outro entrevistado arguiu que foram incluídas áreas desmatadas no município vizinho, União do Sul, na conta de área desmatada de Marcelândia. Um terceiro entrevistado afirmou que áreas desmatadas anteriormente foram contadas como um processo só e que isso prejudicou o município: “Alguns processos que já estavam desmatados anteriormente foram todos computados numa época só. Isso foi difícil para o município”. Já outro entrevisado assegurou que os dados do INPE estavam corretos.  

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Peixoto de Azevedo, está constando como se fosse de Marcelândia. (Prefeito Arnobio Andrade, entrevista 2013)

O Grupo de Trabalho: motivações e modus operandi. Entre 2007 e 2008, constitui-se um grupo de representantes de atividades locais e pessoas notáveis na comunidade de Marcelândia, criado inicialmente para discutir a situação do município, especialmente as pendências fundiárias o uso e ocupação do solo à luz da proposta de ZSEE estadual (ver Anexo 5). A criação do grupo, conhecido simplesmente como Grupo de Trabalho (GT), responderia em parte à carência de representações permanentes dos interesses locais junto às esferas estadual e federal. O GT reune informalmente 22 pessoas, abrangendo lideranças notáveis e representantes de setores diversos do município, tais como Sindicato de Produtores Rurais, Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Igreja Católica, governo municipal, associação dos madeireiros, cooperativas, produtores rurais grandes e médios. O GT é autofinanciado: seus integrantes custeiam as atividades do grupo e se responsabilizam eventualmente pelos gastos de integrantes sem recursos. É escolhido para a presidência do GT o produtor rural Arnóbio Vieira. O GT toma por sede as instalações do Sindicato de Produtores Rurais – havia a expectativa de que a Federação e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) pudessem ajudar, apoio recebido posteriormente na forma de apoio para articulação com as esferas estadual e federal com o agendamento de reuniões, etc. O GT começa a promover reuniões pequenas, com progressiva adesão. São discutidas as questões municipais, e é o local de discussão sobre a entrada na lista. Promove-se visita a Alta Floresta, aprimoram-se suas capacidades de voz e reivindicação. O GT pleiteia ao Ministério Público o enfrentamento da regularização fundiária do município. O trabalho do GT é potencializado com a chegada do juiz Anderson Candiotto, que assume no primeiro semestre de 2008 a Comarca de Marcelândia: cabe ao juiz enfrentar a grande demanda em relação às áreas ambiental e fundiária. Sua atuação no campo ambiental é marcada pela promoção de exitosa campanha contra as queimadas e pela estruturação do movimento “Marcelândia 100% Legal”, que gera programa homônimo. Quanto à campanha contra as queimadas, Candiotto organiza primeiramente reuniões públicas para esclarecer a população sobre o dano das queimadas. Em 10 de julho, é publicada a Portaria n. 26/2008 autorizando o oficial de justiça da comarca a atuar como fiscal do meio ambiente57. A partir da publicação desta portaria, o juiz conclama a comunidade local a se unir contra a queimada urbana – e a sociedade local efetivamente se mobiliza. O movimento “Marcelândia 100% Legal” passa a promover em um mesmo fórum o debate das questões relacionadas ao desmatamento, ao futuro da economia local, ao zoneamento e à pendência fundiária do município58. A palavra de ordem passa a ser a legalização do                                                                                                                57  Conforme a portaria, ao se deparar com uma queimada pública ou algum foco de calor, o oficial de justiça deve elaborar um laudo técnico minucioso com endereço e material fotográfico, averiguar quem deu início à queimada, o proprietário do imóvel onde estiver o fogo, incluindo no laudo o nome de todos os envolvidos, e remeter o documento aos órgãos competentes.  58  O Programa Marcelândia 100% legal é subscrito pelo Judiciário da Comarca, Ministério Público Estadual, Prefeitura, Câmara de Vereadores e Grupo de Trabalho. Suas metas são a legalização fundiária, a implantação da Agenda 21, a legalização ambiental, a criação do Selo Verde para a produção agrossilvopastoril de Marcelândia, a implantação do CAR em 100% das propriedade, e geração de tecnologias de baixo impacto amibiental para a agricultura familiar, a descentralização do licenciamento ambiental, promoção de tecnologias florestais, recuperação de 100% das APPs e educação ambiental.  

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município e de seus habitantes nas esferas fundiária e ambiental. É realizado em junho de 2009 um manifesto público, encabeçado pelo Poder Judiciário e apoiado pelo GT , com a participação do juiz, que reune mais de 5 mil pessoas. O chamamento prioritário neste momento à população local é o cumprimento das regras do governo federal. Elementos da estratégia para sair da lista No processo de exclusão de Marcelândia da lista do MMA, três atores são protagonistas, segundo os depoimentos colhidos neste trabalho: o juiz Anderson Candiotto, a coalizão organizada no Grupo de Trabalho e o Sindicato Rural. Lideram estratégia para exclusão da lista casada com o pleito de regularização fundiária, montando-se duas frentes: uma interna ao município, para reverter os processos de desmatamento, e uma segunda frente de reivindicação junto ao governo federal (MMA), para resolver a pendência fundiária. Dessa estratégia resulta importante avanço no comportamento da população em relação às queimadas e à captação de recursos a fundo perdido junto ao MMA para fazer o CAR a custo zero para o produtor rural. Os passos são sucintamente descritos a seguir. Em agosto de 2008, é consagrado o “Compromisso Socioambiental”, documento firmado por diversos atores entre os quais o Judiciário local, Ministério Público, poderes Executivo e Legislativo do município, Polícias Civil e Militar, Ordem dos Advogados do Brasil-subseção local, clubes de serviços, igrejas, associação comercial, Sindicato Rural Laboral, agricultores e pecuaristas da região e o Primeiro Ofício de Marcelândia. Nesse Compromisso foi incluída a criação da brigada comunitária para combate de queimadas e incêndios, a ser viabilizada pela prefeitura, empresários e madeireiros locais. Foram destinados oito caminhões pipa, quatro tratores e dez agentes em regime de plantão 24 horas para eliminar qualquer tipo de foco de calor existente no município. Proibiu-se armazenamento de resíduos produzidos nas madeireiras, sendo criado um depósito único e coletivo para destinação de todo o resíduo produzido no município, controlado e fiscalizado pela Associação dos Madeireiros. Também foi prevista uma extensa campanha de conscientização nas áreas rural e urbana com a realização de diversas audiências públicas, panfletagem nas casas, comércios, órgãos públicos e instituições financeiras (fonte: acervo do município). Ao final de 2008, são colhidos os primeiros resultados da conclamação, sobre um dos quesitos para sair da lista, a redução do desmatamento. É alcançada redução de 74,45% no número de queimadas urbanas e incêndios florestais em comparação ao mesmo período do ano de 2007 (no período proibitivo das queimadas). No período janeiro 2008-dezembro 2008, Marcelândia consegue uma redução de 94% em área desmatada em relação ao ano anterior, de 179 km2 para 10 km2 (Figura 3). Em 2009, mais avanços: a redução é de quase 50% em relação a 2008. Marcelândia ganha do governo estadual certificado de reconhecimento assinado pelo governador Blairo Maggi e pelo supervisor geral do Grupo Especial de Prevenção e Combate a Incêndio, e um prêmio de R$ 300 mil destinados a construção de uma praça59.

                                                                                                               59  Por meio de um convênio entre a Secretaria de Estado de Infraestrutura e a Prefeitura de Marcelândia.  

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Fonte: PRODES, 2013

As iniciativas para implementação do Programa “Marcelândia 100% Legal” prosseguem ao longo de 2009, ampliando as frentes de reivindicação junto ao governo federal. Promove-se em junho coleta de assinaturas em um manifesto dirigido ao ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, entregue em mãos no mesmo mês por comitiva liderada pelo prefeito Adalberto Diamante em um evento em Alta Floresta - Marcelândia pleiteia ao governo federal apoio para conter o desmatamento e recuperar áreas degradadas. Em novembro, o GT consegue audiência de 40 minutos com o Carlos Minc em Brasília, comparecendo uma comitiva de 40 pessoas, entre as quais o juiz, o prefeito, Arnóbio (presidente do GT), o representante da Câmara de Vereadores e outros integrantes do GT. Junto com o apoio para sair da lista, Marcelândia quer tornar as iniciativas de educação ambiental e mobilização popular do município referência de sustentabilidade, de desenvolvimento econômico e de serviços públicos de qualidade para a população amazônica: para começar, quer ser modelo de combate ao desmatamento. O trabalho desenvolvido é logo reconhecido publicamente: nesse mesmo mês, Marcelândia recebe do MMA o Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, categoria Município - e o juiz Candiotto, a Menção Honrosa do mesmo prêmio, na categoria liderança individual. Os atores e seus aportes Os produtores rurais, o Sindicato Rural e o GT são apontados como os principais atores no processo de saída da lista. O GT, que exerceu grande liderança na comunidade, manteve o apoio da população e exerceu intenso trabalho de representação/reivindicação (advocacy) junto ao MMA e a autoridades estaduais, para viabilizar os recursos necessários ao cumprimento das metas e, sobretudo, para retirar a tarja de município desmatador. Os produtores rurais respondem ao apelo e decidem aderir ao CAR. O Sindicato apoia permanentemente o trabalho de persuasão de produtores rurais, sedia as atividades do GT e apoia todas as mobilizações. Segundo os relatos, a prefeitura não participa da mobilização. A inscrição das propriedades rurais no CAR foi viabilizada financeiramente com doação de recursos financeiros pelo MMA, através de um projeto-piloto desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pelo Ministério do Meio Ambiente implementado no período 2011-2013. O MMA ofereceu o financiamento a custo zero para o CAR através do Projeto Plano Estadual de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia, com recursos doados pelo governo da Noruega60. Para a elaboração do CAR, foi assinado um Termo de Cooperação entre o MMA, a Sema-MT e o município, estabelecendo as atribuições de cada um.                                                                                                                  60   USD 782 mil (Sipam, 2011).  

0,00  

200,00  

400,00  

Figura  3  Marcelândia,  trajetória  taxa  de  desmatamento  

2004  a  2012  (Km2)  

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Processo e resultados No início de 2010 através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Marcelândia, apresenta ao Fundo Amazônia o Projeto Recupera Marcelândia61, aprovado ao final do ano. A execução do CAR foi viabilizada em duas fases, correspondentes a dois contratos. A primeira iniciativa foi promovida pelo MMA com a contratação de empresa privada (edital definido pelo Pnud), sem envolvimento da prefeitura. Segundo depoimentos, 40-50% da superfície cadastrável já dispunha de CAR no momento da contratação da empresa vencedora do edital.

A obrigação da empresa era cadastrar, fazer o levantamento georreferenciado de todo o município. Isso já tinha, boa parte foi feito pelo Intermat, os vazios eles preencheram, atualização de base cadastral do município de imagens, fazer a junção das bases do Intermat, do Incra com as bases do CAR já existente da Sema. Eles tiveram as obrigações deles. (Suzana Barbosa, entrevista, 2013)

O trabalho de cadastramento foi iniciado em 2011. , Ao término do primeiro contrato, em março de 2012, as metas estavam longe de ser cumpridas: havia-se avançado em menos de 10% da superfície cadastrável. Faz-se então o segundo edital de contratação, dessa vez para pessoas físicas. É contratada uma ex-funcionária da prefeitura, Suzana Barbosa, que aporta ao processo as capacidades das quais dependia a implementação do CAR. Atual secretária de Meio Ambiente, na época da entrada na lista Suzana era servidora municipal, tendo solicitado afastamento por licença da prefeitura (final de 2009-2010), quando capacitou-se para a elaboração de CAR, e em seguida montou um escritório.

Eu já trabalhava com o CAR no estado. Eu sou bióloga de formação e já trabalhava com licenciamento ambiental, então a gente já tinha noção do que era um CAR. Eu comecei a fazer CAR em 2010, mas já conhecia toda a legislação de CAR do estado, já tinha um acompanhamento. Nós participamos de todas as discussões para a elaboração do Termo de Referência para a contratação de uma empresa. Nós já percebemos falhas no Termo, lá mesmo em Brasília que até hoje sofremos consequências dessas falhas de elaboração, porque no Estado de Mato Grosso a legislação é diferente dos outros estados. No Estado do Mato Grosso o CAR é vinculado à recuperação de área degradada e nos outros Estados ele não é. O projeto não previa arcar com os custos da elaboração do Plano de Recuperação. (Suzana Barbosa, entrevista, 2013)

Esse segundo contrato deveria realizar o cadastramento da ordem de 40% da superfície cadastrável. A estratégia para fazer o CAR e cumprir a meta de 80% da superfície cadastrável consistiu em considerar todos os que poderiam contribuir independente do tamanho da propriedade, solicitar ajuda ao sindicato, que fez uma reunião com mais de mil pessoas em praça da cidade, e dispor de quatro pessoas no escritório ao Grupo de Trabalho,

                                                                                                               61  O Projeto Recupera Marcelândia, totalmente apoiado nos estudos anteriores realizados no contexto do zoneamento municipal e da Agenda 21, previu duas linhas de ação: o fortalecimento institucional da Secretaria de Meio Ambiente de Marcelândia e a recuperação da mata ciliar em torno de 50 nascentes do rio Manissauá-Missu através do plantio de sementes e mudas no viveiro municipal. Ver em http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/Lista_Projetos/Marcelandia  

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[...] e mais quem eu achava na minha frente que eu via que podia me ajudar... Ai eu estava implorando, pedindo “Por favor, nos ajude”. Iniciamos o trabalho. Esse contrato foi firmado com o número x de propriedades, não em hectares - e no dia 31 de julho encerrava o contrato. No dia 28 veio para cá a Rejane. Aí nós fizemos um ato com o Ministério, veio a Nazaré, o Francisco ‒ que é do departamento hoje ‒ que são pessoas fundamentais para o processo. A Rejane veio para acompanhar a finalização do processo no escritório e para ver como é que estava o percentual. Ela ficou comigo três dias no escritório e não parava de entrar e sair gente querendo fazer mais CAR. (...) eu já tinha atingido as duzentas propriedades, e ao mesmo tempo a gente precisava pegar por conta da quantia de hectares que eu precisaria atingir para chegar aos 80%. Então foi desesperador. Ela saiu daqui em pânico. (Suzana Barbosa, entrevista 2013)

Em setembro de 2012, faltava cerca de 5%. O processo foi concluído com a conquista da meta de 80% do território em outubro de 2012. Mas faltaria ainda a análise dos cadastros pela Sema-MT. Durante pelo menos quatro meses, os técnicos ficaram de braços cruzados em um processo de reivindicação. Segundo Suzana Barbosa, " A análise é toda feita em Cuiabá. Só que aí a gente tem os embaraços do projeto. Quais são os embaraços? A SEMA. No ano passado a SEMA passou por diversos momentos difíceis na análise dos processos. Teve um período de três ou quatro meses que os técnicos simplesmente cruzaram os braços, reivindicações internas, eles não fizeram greve estampada, mas lá dentro tinha. Então os processos ficavam parados (...) O processo que foi protocolado em janeiro entrou no check list em maio. Precisou de quatro meses para conferir se estavam todos os itens, para daí ser encaminhado para o setor de análise que é a COGER. Nas eleições municipais de 2012, concorre à prefeitura Arnóbio Vieira, presidente do GT e uma das principais lideranças nas mobilizações - e vence as eleições. Em outubro de 2013, Marcelândia é excluída da lista de municípios prioritários. Situação atual e tendências A evolução do processo de desmatamento no município indica que o processo está sob controle, não obstante o aumento observado em 2011 (ver tabela 3), que se situa bem abaixo dos níveis críticos observados no passado.

Tabela 3 Amazônia Legal, Mato Grosso e Marcelândia, Taxa Anual de Desmatamento, período 2004 a 2012

(km2/ano)

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Amazônia Legal 27.772 19.014 14.286 11.651 12.911 7.464 7.000 6.418 4.571 Mato Grosso 11.814 7.145 4.333 2.678 3.258 1.049 871 1.120 757 Marcelândia 281,7 145,7 62,8 79,6 177,4 3,6 6,0 21,1 12,3 Fonte: PRODES, 2013

A regularidade ambiental das atividades pode ser inferida através da observação da evolução da frequência de embargos e autuações do Ibama. A entrada na lista coincide com diminuição notável do número de autuações e embargos, especialmente no que diz respeito a desmatamento (Figuras 4 e 5). Entretanto, observa-se no final do período estudado nova inflexão de aumento do desmatamento e do número de embargos.

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Fonte: Ibama, 2013.

Fonte: Ibama, 2013.

Capacidade institucional de gestão ambiental no município de Marcelândia. O sistema de gestão ambiental do município de Marcelândia está em processo de reestruturação, deslanchada em 2013 com a posse do novo prefeito.

O processo de desconstrução do sistema municipal de gestão ambiental, vivenciado na gestão 2009-2012, é claramente expresso no destino dado aos projetos construídos através de dinamica participativa e na evolução de indicador de capacidade de gasto em gestão ambiental, reduzido a valores irrelevantes a partir da segunda gestão do prefeito Diamante (Tabela 4). Os processos cooperativos município-organizações da sociedade civil foram abandonados ou engavetados ao longo da segunda gestão do prefeito Diamante.

Tabela 4 Mato Grosso, Marcelândia, Despesas na função Gestão Ambiental, 2006-2011 (R$ reais correntes)

2006 2007 2008 2009 2010 2011

Marcelândia 121.867,02 106.674,12 168.583,18 146.904,51 1.014,90 930,00 MT 50.490.737,91 43.423.115,03 57.170.567,45 68.162.048,08 77.686.419,29 79.967.669,41 Fonte: STN, 2013.

0  10  20  30  40  

FIgura  4:  Marcelândia,  nº  de  embargos  Ibama,  2007-­‐2013    

Desmatamento  

Total  

0  

50  

100  

150  

2008  2009  2010  2011  2012  2013  

Figura  5:    Marcelândia,  no.    autuações  IBAMA    por  tipo,  2008-­‐2013  

Cadastro Técnico FederalControle ambiental

Outros*

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O projeto do zoneamento municipal foi descartado no contexto da discussão do ZSEE estadual. O ICV, que construía uma relação com os atores locais há tempos, encerrou o trabalho no município. No que diz respeito à Agenda 21 local, após a conclusão dos planos com ampla participação social, entrega ao prefeito e constituição do Fórum, sendo o passo seguinte a formalização do Fórum e incorporação dos planos na agenda municipal. Segundo os depoimentos, novos interesses predominantes na segunda gestão do Prefeito Diamante (2009-2012) forçaram a retirada destes trabalhos da pauta governamental.

[...] Nossa entrada em Marcelândia foi no momento em que é lançada a campanha das nascentes do Xingu (Projeto Diálogos, guiado pelo ISA, também com apoio da Comissão Europeia). Pouco tempo depois tem o edital do Fundo Nacional do Meio Ambiente para financiar o projeto de restauração de APP, de nascentes e matas auxiliares. O ICV escreveu uma proposta e foi contemplado, nosso primeiro projeto em Marcelândia. [...] Foi construída uma proposta de zoneamento do município [...] Essa proposta de zoneamento também não chegou a se efetivar como lei municipal, porque ela foi atropelada pelo zoneamento estadual. Teve uma discussão, até muito conflituosa. Então foi agenda que não conseguiu se efetivar legalmente, mas uma semente de visão foi plantada. De que o nosso município pode ter uma história diferente. [...] o Ministério do Meio Ambiente conseguiu um recurso para financiar alguns projetos em alguns municípios para promover o Cadastro Ambiental Rural. Escolheu que um deles seria Marcelândia. Não foi por acaso. Foi porque já tinha uma mobilização, um trabalho lá. E o município queria muito que o ICV ajudasse, participasse da execução desse projeto. Eles receberam esse recurso e tinham que executar através de uma contratação de serviços. Só que o formato daquele edital de contratação de serviços não era favorável à nossa participação. Então o ICV ficou sem recursos para atuar naquele município. Teve muita descontinuidade também de gestão por parte deles. Secretário de Meio Ambiente trocava a cada dois meses. Era uma dança de secretários. (...) O município tem uma população pequena, poucas pessoas com capacidade. Uma equipe reduzida na prefeitura. Então tinha rearranjos constantes. Então não se conseguiu ter uma continuidade de interlocutor. (Laurent Micol, ICV, entrevista, 2013)

Como cereja do bolo, surgem boatos de que a Agenda 21 teria laços com as ações repressivas do Ibama e o projeto passa a sofrer restrições de alguns setores – mais tarde neutralizadas.

A Agenda 21 começou a não se aplicar. Na segunda gestão seria o período de implementação das metas. Chegamos à legislação e tudo foi confeccionado. Foi feito o regimento e depois foi entrado em discussão do projeto. As implementações finais não chegaram. Por que? Porque aí, mudança no Legislativo, nós tivemos uma mudança no segundo mandato. [...]. A Câmara já não teve esse apoio mais dispensado para a Agenda 21. Já começou a defender interesses diferenciados de determinadas categorias, e a Agenda 21 começou a perder o campo, apesar de intensificarmos muito o magistrado, o Judiciário, a Secretaria de Meio Ambiente. A gente viu que começamos a perder, que surgiram outros interesses pelo meio, outras operações pelo meio. [...]Com isso a Agenda 21 começou a ter uma perda na mobilização [...] Aí já não houve uma participação política efetiva para dar suporte, porque começou a haver descrédito. Até então a Agenda 21 vinha tendo um crédito muito importante para todo mundo. Ela era tida como a solução para a situação de Marcelândia naquele período.[...] e a preocupação daí em diante era cumprir a parte teórica do convênio com o Meio Ambiente, a Secretária de Meio Ambiente, o Fundo, mas não teve mais como aplicar essas metas. Ela nasceu na gestão de um prefeito mas no final, na reeleição daquele prefeito ela também praticamente foi a óbito. Hoje sentimos muita falta pelo não cumprimento das metas da Agenda 21. Eu vejo isso. Eu falo assim, como um todo porque de repente se entrevistarem outra pessoa ele vai dizer que, “realmente eu que participei eu senti’. ( Fausto Nobres, vereador, presidente da Câmara dos Vereadores, entrevista 2013)

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O trabalho não teve prosseguimento. O que a gente mais tentou é que o planejamento, a Agenda 21, não dependesse de gestor. [...] Os menos informados achavam que a Agenda 21 estava trazendo essas operações [do IBAMA, n.e.] para Marcelândia. O próprio gestor Adalberto Diamante ia para TV defender a Agenda 21, que ela não tinha nada a ver com as operações que aconteciam. Só que as operações que aconteciam eram muito radicais. Ostensivas. Teve uma bem no meio da Agenda 21 que foi ostensiva demais, com armamento, com prisão de pessoas que faziam parte da Agenda 21, empresários, madeireiros, que aqui nós temos vários. Acreditávamos no desenvolvimento sustentável - nós acreditamos. (Sirlene Juliane, ex-secretária de Meio Ambiente, atual Secretária de Educação, entrevista, 2013)

No âmbito do Executivo municipal, após sucessivas trocas de gestores da área ambiental, o prefeito Diamante (2005-2012) acabou, na prática, com o sistema municipal de gestão ambiental, distribuindo seus funcionários em outras pastas e deixando vazia a do Meio Ambiente. Gestores municipais como Sirlene e Suzana se afastaram da prefeitura. Organizações como o ICV encerraram seus trabalhos no município. Atualmente está em curso processo de reestruturação do sistema municipal de gestão ambiental. Para isso contribuiu a apresentação de projeto da prefeitura ao BNDES/Fundo Amazônia via Secretaria Municipal de Meio Ambiente, em 2009. O projeto “Recupera Marcelândia”, no valor de R$ 669 mil, aprovado em novembro de 2010, foi elaborado por “empenho pessoal de gestores e lideranças locais, bottom-up, nada de control-c-control-v" (Sirlene). Em maio de 2011, o projeto “Recupera Marcelândia” é contratado. Uma série de tentativas malsucedidas de contato entre o Fundo Amazônia e a prefeitura, somadas à inércia desta última em seguir os trâmites junto ao Fundo, paralisam os procedimentos de contratação e transferência de recursos ao município. Os gestores do Fundo Amazônia consideram a possibilidade de cancelamento da aprovação do contrato. Em 2013, gestores do Fundo Amazônia fizeram contato com a nova administração da prefeitura, no início da atual gestão, quando o prefeito convidou Suzana Barbosa para assumir a pasta de Meio Ambiente:

O projeto aprovado pelo BNDES em 2011] já estava praticamente perdido, porque a secretaria já estava desfeita e o projeto não foi implantado. Nós resgatamos porque fiz contato com o pessoal do BNDES. Eles então entraram em contato para ver se a gente tinha interesse. Eu falei que nós tínhamos interesse, e que eu ia assumir a Secretaria de Meio Ambiente, e que eu havia participado da elaboração do projeto. (secretária de Meio Ambiente Suzana Barbosa, entrevista, 2013)

Em julho de 2013 é transferida a primeira parcela de R$ 182 mil para Marcelândia, que inicia a alocação dos recursos. O projeto é dividido em duas grandes ações: fortalecimento institucional da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo e recuperação da mata ciliar no entorno de 50 nascentes da sub-bacia do rio Manissauá-Missu, por meio do plantio de sementes e de mudas a serem produzidas no viveiro municipal. O principal objetivo da SMMA, atualmente, é estruturar a Secretaria “para funcionar” e implementar o projeto financiado pelo Fundo Amazônia e ações de educação ambiental. A reconstrução do sistema de gestão ambiental se inicia pela provisão de recursos ao Fundo municipal e reativação do Conselho municipal de meio ambiente, que em período anterior “funcionava maravilhosamente”, segundo a Secretária de Meio Ambiente. Isto demanda tipos variados de recursos, a começar pelo fator tempo, seguida pelo recurso financeiro: o financiamento do Fundo Amazônia não é a solução.

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Hoje a Secretaria não tem condição, está desestruturada. Nós temos que contratar técnicos. Já chamei, já fiz edital e não tem. O prefeito quer fazer um concurso público e vou colocar os cargos específicos para a Secretaria de Meio Ambiente, que nunca tem, para o ano que vem a gente conseguir estruturar a equipe. A gente quer uma equipe que funcione, que trabalhe, mas tem que ser efetivo para poder ter uma segurança, ter vontade, pertencimento, porque para contratar temporário é difícil. Eu estou tentando contratar um, para o projeto e não estou conseguindo. Nós vamos tocar o projeto do jeito que der, com o que tem. (Secretária de Meio Ambiente Suzana Barbosa, entrevista, 2013)

Os recursos humanos da Secretaria somam cinco pessoas: a Secretária, uma turismóloga e um biólogo, além de um administrativo e dois zeladores, apoiados pelo pessoal da Secretaria de Agricultura, que compartilha o mesmo prédio. Recursos do Fundo Amazônia viabilizaram recursos operacionais tais como duas caminhonetes 4x4, motos e um barco. O município ainda não está exercendo o controle ambiental: já foi solicitado ao Estado a descentralização de atividades de licenciamento e aprovadas as normas municipais necessárias. As normas municipais serão em breve objeto de revisão à luz das mudanças na legislação florestal instituídas em 2012. As atividades de defesa ambiental do município estão sendo realizadas através da iniciativa exclusivamente municipal. No âmbito desta pesquisa, não foram identificadas atividades de defesa ambiental exercidas pelo Município em cooperação com as demais esferas de governo. Os principais desafios As questões atuais abordadas pelos entrevistados se referem, antes de tudo, à resolução do problema fundiário. Em seguida, são ressaltadas a necessidade de consolidação dos avanços conquistados para sair da lista em uma agenda pós-CAR e a expectativa de receber recursos do governo federal:

Agora nós temos que adorar medidas para permanecer fora da lista. Continuar mobilizando, porque hoje nós temos a agricultura se instalando no município fortemente. A gente conversa muito com esses novos produtores que estão chegando no município em relação a queimadas, a novos desmatamentos, para o município não sofrer os embargos que sofreu no passado. A gente tenta convencê-los. “Se tiver que abrir uma área, faça uma abertura legal, dentro das normas, com autorização, porque aí não configura desmatamento. Desmate autorizado não vai para a quantificação.”

Na própria portaria diz que o município é prioritário para o recebimento de recursos. Nós estamos trabalhando muito nos projetos do município. Projetos de saneamento básico, esgoto, aterro, para melhorar a questão do meio ambiente no município também. Projetos para melhorar a questão do pequeno produtor, fomentar a agricultura familiar, porque isso possibilita frear um pouco mais a abertura de novas áreas, otimizar mais a utilização dessas áreas que já estão abertas, tanto para a agropecuária quanto para a agricultura. Isso já é um fator que auxilia o combate para a gente não entrar novamente nessa lista.[...] Não  há  recursos  previstos  pela  prefeitura  para  a  situação  pós-­‐CAR.  Nós  temos  que  buscar  recursos  ainda.  Buscar  apoio  junto  a  órgãos  financiadores.  No  caso,  Fundo  Amazônia  ,  só  que  o  recurso  é  bem  reduzido.   (secretária de Meio Ambiente Suzana Barbosa, entrevista, 2013)  

Será que nós vamos ter recurso para desenvolver essas ações? Porque o município, com o seu orçamento, não ia conseguir desenvolver. Só que o governo federal já pensava no pós-Agenda 21, em um programa de apoio aos municípios, só que não aconteceu em Marcelândia. Na verdade, a floresta está à mercê ainda está meio órfã. No meu entendimento, na minha ignorância, ela continua órfã. Estamos aqui tentando fazer alguma coisa. (Sirlene Juliane, Secretária de Educação, entrevista, 2013)

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Representam riscos às conquistas no campo ambiental a persistência de práticas ilegais e a chegada de “gente nova” no cenário municipal, descomprometidas com o processo vivido:

Está  chegando  gente  nova.  Chegando,  comprando,  porque  Marcelândia  é  uma  terra  plana,  bastante  agricultável.  Só  que  se  o  pessoal  tiver  a  consciência  (a  própria  área  aberta  que  nós  temos  de  350  mil  hectares),  não  precisa  abrir  mais.  Dá  uma  produção  muito  boa  e  concilia  com  a  preservação.    (Wilson Wallin, presidente Sindicato Rural, entrevista, 2013)    

O desafio de manter a floresta em pé:

Um  desafio  é  a  remuneração  pela  mata,  pela  floresta  em  pé,  que  hoje,  ainda,  não  temos  isso  em  prática,  apesar  de  muito  se  falar  na  relação  por  serviços  florestais.  Mas  hoje  de  fato  ainda  não  estão  recebendo.  A  partir  do  momento  que  isso  se  tornar  realidade,  acho  que  muda  um  pouco  a  visão,  o  histórico  e  o  pensamento  da  população.  O  principal  foco  são  os  jovens,  porque  o  filho  chega  em  casa  e  conversa  com  o  pai,  explica.  Tudo  que  a  gente  puder  fazer  de  conscientização,  por  mais  que  sejam  tinhosos,  acabam  absorvendo  alguma  coisa,  vai  mudando  os  hábitos.  (Suzana  Barbosa,  entrevista, 2013)    

A expectativa do município receber apoio de cooperação intergovernamental:

Nossa  maior  dificuldade  hoje  está  também  no  seguinte:  todas  as  vezes  que  a  gente  chamou  a  população,  ela  veio  e,  em  seguida,  nós  recebemos  uma  Operação  [do  IBAMA,  n.e.].  Em  todos  os  momentos.  Na  Agenda  21  foi  a  mesma  coisa.  Nós  chamamos  e  a  população  veio,  participou  e,  quando  estávamos  finalizando  a  Agenda  21,  deu  uma  grande  Operação  do  Ibama.  Muita  gente,  às  vezes  por  maldade  ou  por  desinformação,  achava  que  a  Agenda  21  é  quem  tinha  trazido.  Agora  nós  tivemos  uma  grande  mobilização  para  o  CAR  com  o  Ministério,  mostrar  propriedade  isso  e  aquilo,  aí  de  repente  chega  Exército,  Ibama,  Força  Nacional.  Então  aquela  pessoa  mais  simples  pensa  “Poxa,  toda  a  vez...”.  Essa  relação  já  foi  feita  e  já  foi  dita  por  muita  gente.  Isso  dificulta  a  sensibilização,  o  trabalho.  Porque  [acontece]  todas  as  vezes,  não  é  a  primeira  vez  que  isso  acontece.  São  coincidências  que  têm  estrago.  Nós  temos  um  órgão  ambiental  moroso,  por  mais  que  a  Sema  esteja  se  estruturando,  ainda  é  deficiente.  Tem  aquele  produtor  que  está  lá  com  o  seu  pasto  sujo  que  precisa  limpar,  não  é  uma  regeneração  natural,  é  um  pasto  que  está  lá,  que  tem  juquira,  coisas  assim.  Precisa  de  uma  vistoria  e  fica  um  ano,  dois  para  conseguir.  Aí  começa  a  fechar  e  não  consegue  mais.  Essas  situações  vão  desanimando.  Tudo  que  aparece  o  município  adere  e  faz,  é  sempre  isso  que  eles  falam  para  gente.  A  gente  adere  e  qual  é  o  ônus  que  nós  vamos  pagar  depois  de  receber  alguma  coisa?  Então,  eu  acho  que  está  na  hora  da  gente  colher  os  frutos  positivos  de  toda  essa  mobilização,  de  todo  esse  trabalho.  (Suzana  Barbosa,  entrevista, 2013)  

Foram recorrentemente mencionadas as demandas do município de apoio para melhoria de infraestrutura, perspectivas para produção mais sustentável, apoio necessário à agricultura familiar, mais agilidade na tramitação das licenças e autorizações a cargo da esfera estadual, dificuldades a serem vencidas nos procedimentos burocráticos de gestão pública presentes também na área ambiental, melhores relações entre as três esferas de governo e entre governo e sociedade.

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3.3 O Caso de Querência O município de Querência ocupa uma área da ordem de 17,8 mil km2 na região nordeste mato-grossense. Distando aproximadamente 912 km da capital estadual, abriga população de aproximadamente 13 mil habitantes. Dos municípios mato-grossenses selecionados para estudo, é o único cuja renda apresenta indicadores econômicos superiores à média estadual. Em 2010 o PIB municipal era da ordem de R$ 30,6 mil per capita, equivalente a 155% do PIB per capita estadual (IBGE, 2014). Seu território está inserido na bacia do rio Xingu: os principais rios são o Suiá-Missu e seus formadores. A iniciativa da ocupação do território hoje abrangido por Querência coube à Empresa de Colonização Consultoria Agrária (Conagro) S.C. Ltda, em 1975, na região chamada Gleba Mata Linda, entre os municípios de São Félix do Araguaia e Barra do Garças (Querência, 2010)62. O Projeto Querência, fundado em 1985, era composto por 881 parcelas entre lotes rurais de 200 hectares e chácaras, cuja base logística era o município de Canarana (IBGE, 2014). Em dois anos, a maioria dos lotes já havia sido adquirida por migrantes gaúchos, a quem se deve a denominação do município, termo típico sulino. A área foi alçada à condição de distrito do município de Canarana em 1991 e, dois anos depois, transformada em município a partir do desmembramento dos municípios de Canarana e São Félix do Araguaia63. No Anexo 5 é apresentado um perfil socioeconômico do município. Querência entrou em janeiro 2008 para a lista de municípios prioritários do MMA, na primeira portaria editada pelo MMA, e foi excluído da lista em abril de 201164. A seguir, é apresentado o processo que levou ao cumprimento dos critérios estabelecidos pelo o MMA para sua exclusão, concluindo com comentários dos atores sobre a situação atual da questão do desmatamento nos municípios. O processo de desmatamento, 2008 Em 2009, cerca de 28% do território de Querência já estava desmatado (4,9 mil km2). Tal como os demais municípios estudados, o processo de desmatamento em Querência se confunde com a ocupação de seu território. Já ao final da década de 1990, o município figura em quinto lugar no ranking dos municípios mato-grossenses mais desmatados até 1999 (total de 1,95 mil km2, segundo Azevedo, 2009, p. 107). A taxa média de desmatamento da floresta entre 2001 e 2008 foi de 2% – inferiores às taxas históricas de desmatamento, registradas entre 1997 e 2005 (Condema, 2011). A maior parte dos desmatamentos ocorreu em polígonos maiores do que 100 hectares, caracterizando presença de grandes desmatadores, com pequena contribuição de médios e pequenos. Entre 2007 e 2008, os desmatamentos estão concentrados na região central e sul, próximos a rodovias como a MT-109, rios e em assentamentos rurais. Nesses últimos, a taxa de desmatamento é quatro vezes maior que a taxa do município, tendo uma participação importante no total desmatado (Lima e Nóbrega, 2009, p. 158).                                                                                                                62  No site do IBGE consta que a ocupação foi promovida pela Cooperativa Mista de Canarana, que adquiriu 180 mil hectares da Fazenda Betis, da família Peres Maldonado, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.  63  Lei estadual n. 5.985, de 19/12/91, instalado em 01/01/1993 (IBGE, 2014). 64 Respectivamente Portarias MMA n. 28, de 28/01/2008 e MMA n. 139, de 20/04/2011.  

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Depreende-se que o principal vetor de desmatamento no município foi a atividade agrícola, especialmente a soja, com participação importante dos assentamentos (Lima e Nóbrega, 2009, p. 159). Mais de 4 mil km2, já desmatados ao longo de 20 anos, estão ocupados com sistemas agrícolas altamente tecnificados, basicamente de soja e pecuária (Rossete, 2008, p. 5). A localização do município em região de transição Cerrado-Amazônia é um ponto frequentemente abordado pelos entrevistados. Lotes adquiridos para uso agrícola teriam sido vendidos como cerradão, para o qual era previsto área de reserva legal (RL) de 35% do total do lote, “quando na verdade o município está dentro de uma floresta”. Um entrevistado alegou que “cientificamente somos área de transição, esta é a discussão: somos floresta, cerrado, transição, o quê?” Um segundo entrevistado pleiteou um tratamento diferenciado para a região, de transição entre o cerrado e a mata amazônica.  

Essa questão é muito importante para entender porque toda essa colonização se deu. Nós estamos chegando no Cerrado, [...]de um lado estou no Cerrado, de outro estou na Amazônia (…) Porém em várias áreas você vê que é uma área de floresta. Então não é um cerradinho.. Mas como não tem o valor da madeira, ela é derrubada como qualquer Cerrado. Só que, para efeitos da lei, você tem que cumprir com os 80% [...]. E isso é o grande drama deles (…) O Cerrado na Amazônia dentro da Amazônia Legal é 35%. [...]Não existe essa cultura florestal e obviamente, o que eles conheciam, o que eles foram estimulados era derrubar aquilo de uma maneira mais tranquila, sem essa pressão muito forte e plantar. (ISA, Rodrigo Junqueira, entrevista, novembro 2013)

Já outro entrevistado, grande produtor rural, sublinhou que esse argumento seria apenas uma retórica para desmatar. Segundo ele, a mudança do percentual da reserva legal de imóveis rurais na Amazônia [em 1996 e 2001 ,n.e.] foi responsável pela intensificação do desmatamento:

Já que a lei ia mudar, tinha que desmatar tudo que desse, foi a forma como foi comunicado. Em 2002, 2003, foi aí que o [Sr. X] desmatou tudo em 2003, foi nessa mentalidade, porque em breve a lei iria aperta, de vez em quando eu ia com ele e ouvia este papo, olha doutor, desmata tudo. Até ali era tudo certinho! Foi aí que tivemos três áreas sem autorização, que ele fez na raça. (Produtor rural, entrevista novembro 2013)

Segundo vários depoimentos colhidos, há atualmente mais um vetor de desmatamento no município - entre os agentes responsáveis atualmente pelo desmatamento na região estão as queimadas e o aumento do desmatamento nos projetos de assentamento:

“(...) grandes proprietários têm tentado usar os pequenos nos assentamentos com o objetivo de conseguir as áreas. A gente sabe, por exemplo, que tem prefeitos e grandes empresários envolvidos. Talvez porque a região seja assim, todo o entorno do município, pela influência de São Félix do Araguaia, há a especulação”. (Produtor rural, entrevista, novembro 2013)

Governança ambiental, 2008 No início de 2008 o município está em processo de recuperação econômica da crise da soja, ocorrida em 2005. O quadro da governança ambiental no município nesta data é marcado pela inexistência de sistema municipal de controle e gestão ambiental, resistência dos produtores rurais em cumprir o Código Florestal e razoável mobilização dos grandes produtores contra a proposta de ZSEE estadual. Em paralelo, há OSCs atuantes no município, com agenda ambiental baseada em relações de cooperação entre os produtores rurais e as OSC: foram mencionados o ISA, o Grupo de Restauração e Proteção a Água, Flora e Fauna

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(GRPAFF) e a Aliança da Terra. Essas relações de cooperação coexistem com o preconceito e desconfiança dirigidos a grupos de produtores em relação a entidades governamentais responsáveis pelo meio ambiente (Ibama e Sema-MT) e da sociedade civil envolvidas com a defesa ambiental. Na esfera do governo municipal, há uma secretaria municipal que responde ao mesmo tempo pelo tema pecuária, agricultura e meio ambiente. Para o tema ambiental especificamente, são inexistentes nesse momento recursos organizacionais, humanos e financeiros. É nula a capacidade de exercício do poder de polícia ambiental da esfera municipal. Nesse contexto, o Ibama é de fato o órgão responsável pelo controle ambiental no município. Até esse momento, as atividades das operações do Ibama no município haviam sido menos intensas se comparadas ao ocorrido nos municípios da região Norte e Noroeste do estado, do outro lado do Parque Indígena do Xingu (PIX). São frequentemente expressas restrições de produtores rurais contra as agências ambientais governamentais, estendendo-se por vezes as críticas a OSC com agenda ambiental:

Quando nós assumimos o governo [2005], Querência enfrentava uma crise muito grande de desemprego. Era na época do setor madeireiro ilegal, trabalhava-se o Mato Grosso [...] Primeiro que o setor de licenciamento ambiental de Mato Grosso não funcionava. Houve uma mudança de Fema para a Sema, que hoje é a Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Mesmo que você quisesse licenciar a sua área para derrubar e para extrair a madeira legalmente, era muito mais fácil você queimar essa madeira do que você conseguir uma licença para você fazer um aproveitamento para destinar ela, para o setor madeireiro aproveitá-la. Nós mesmos, a maioria da área que nós desmatamos, nós queimamos tudo para não se incomodar. Porque era muito mais fácil você queimar as toras e a madeira do que você conseguir uma licença para legalizar ela, para conseguir aproveitar ela e vender. Acho que mais de 80% do material lenhoso do município de Querência foi queimado, foi destruído, porque a gente não conseguia legalizar. Ninguém melhor que quer cuidar da terra, de quem vive da terra. Vinham pessoas que não tinham conhecimento nenhum dos Estados Unidos, do Canadá, da França, da Europa, de ONGs, dando pitacos de como que tinha que fazer[...] Quem melhor cuida da terra do que o produtor que vive dela? Ele é visto como criminoso, destruindo toda a terra, destruindo a água, destruindo a Amazônia. Nas escolas nós fizemos campanha porque as crianças tinham vergonha de dizer que eram filhos de produtores de Querência, porque eram vistos como criminosos. Um homem que na Bíblia é falado bem, o produtor de comida. O produtor de Querência era tratado pior do que o produtor de maconha da Bolívia, da Colômbia. Vinha pressão dessas ONGs de fora do país. Vinha pressão dos órgãos fiscalizadores. Não é que você não queria se legalizar, você não conseguia se legalizar. (Ex-prefeito e produtor rural Fernando Gorgen, entrevista 2013)

O trabalho das OCS ambientais. Como mencionado, diversas OSCs já atuavam no município antes de 2008, destacando-se o ISA, o Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia (Ipam), Aliança da Terra e GRPAFF. No que diz respeito ao processo da lista em particular, os relatos destacaram a participação do ISA – portanto é interessante recuperar rapidamente a trajetória das relações ISA/produtores no município. O município já fazia parte há anos da região focalizada no trabalho do ISA. Por conta da natureza do trabalho desenvolvido desde 1994-1995 até meados da década de 2000, os contatos do ISA no município se concentravam nos responsáveis locais pelos imóveis rurais confrontantes ao PIX.

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Querência é um dos municípios de saída do Parque Indígena do Xingu. Em 1994, aproximadamente, o ISA começa a trabalhar na região do Xingu (…) no final da década de 90, começo do ano 2000, tivemos um trabalho árduo, bastante forte, no final da década de 90, [...] trabalho de diagnosticar tanto com mapeamento como com trabalho mesmo de campo com os confrontantes do parque, as fazendas que estavam no entorno. Ninguém passava em Querência, Querência era só de passagem. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

Novas iniciativas são desenhadas na região no contexto da Campanha Y Ikatu Xingu em paralelo aos trabalhos de mapeamento e recuperação de nascentes e beiras de rio, as APP. A partir de 2004, os projetos do ISA pressupõem uma integração mais ampla e diversificada com os atores sociais e institucionais da região – incluindo Querência, considerado pela organização como um extraordinário laboratório de diversidades.

Em 2004, junto com um conjunto de parceiros, o ISA lança essa campanha Y Ikatu Xingu, [que] pressupõe um trabalho mais direto com esses parceiros, com os municípios e todos os atores que ali compõem, que estão no território. [...] colocam o desafio de estabelecer uma relação diferente com os nossos históricos “inimigos”, inclusive dentro da instituição. Nessa época que eu chego no ISA, em 2004 para 2005, para trabalhar um pouco com conflito também. [...] Nós tínhamos um objetivo central de trazer a maior quantidade de atores parceiros, por acreditar que não só Querência, mas essa região, era um verdadeiro laboratório socioambiental para se experimentar muitas coisas. Tudo: a universidade está aqui, ali dentro do parque são 16 povos indígenas, falam 16 línguas diferentes. É uma riqueza incrível junto com um agronegócio pujante e uma agricultura familiar pedinte, quase morrendo. Um turbilhão socioambiental. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

Em 2005-2006 o trabalho é ampliado para alguns assentamentoscomo Brasil Novo, para formação de agentes socioambientais, onde o ISA mantém até hoje trabalho. Em paralelo, são feitas articulações em Brasília através do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) para trazer unidades da Embrapa para a região. O ISA também contribui para a elaboração do ZSEE municipal, que viria a prover subsídios aos produtores rurais na proposta de ZSEE estadual. O estabelecimento de parcerias convive com a persistência de restrições.

Nós sempre vivemos uma relação de amor e ódio em Querência. O tempo todo. Eles abriam as portas mas fechavam na hora que a gente saía, falavam mal. Com a maioria deles - aí sempre tinha alguma informação que chegava por trás. A gente lidou com isso. Isso também ia nos desafiando sempre. Quando a gente colocou, isso é interessante, essa história dos 50%, dos 80%, porque o zoneamento elaborado e a gente defendeu, a gente apoiou isso. Quando a gente botou o mapa na mesa e mostrou quais as áreas consolidadas que eles poderiam se valer dos 50%, aí é que ele …Agora ficou beleza. [...]Tinha esse trabalho com esse zoneamento, quando essa campanha falou: "A gente quer fomentar, proteger, recuperar as nascente e as matas de beira de rio". A gente teve várias reuniões, os sindicatos diziam: "Quem é que quer recuperar as suas áreas?". Não importavam as motivações. O que importava era querer fazer e o Neuri foi um deles e em Querência tem um conjunto significativo de proprietários que recuperaram, que estão recuperando suas áreas. Não é pouco. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

A polêmica sobre o zoneamento proposto para Querência. Em agosto de 2004, foi enviada à Assembleia Legislativa estadual a segunda proposta de zoneamento estadual. Se comparada à proposta original, essa segunda proposta já representava diminuição do grau de controle sobre parte do território – a despeito disso, também a segunda proposta foi intensamente criticada, especialmente em dois pontos, considerados contrários aos interesses do agronegócio – a expansão controlada e a classificação das chamadas áreas de tensão ecológica.

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“(...) por setores de produção do estado, sobretudo porque grande parte do município de Querência como em outras regiões de Mato Grosso coincidia com as áreas de agricultura mecanizada e de expansão agrícola. Além disto, o termo “controlado” foi entendido como uma restrição ou mesmo proibição ao segmento do agronegócio”. Outro ponto crítico foi a falta de definição da chamada ‘área de tensão ecológica’, que corresponde as áreas dominadas pelas florestas de transição do mapa de vegetação elaborado pela Seplan e utilizado como uma das bases na definição das zonas. Pelo fato dessa área estar inserida no bioma amazônico, cujas propriedades rurais devem manter uma reserva legal de 80%, os setores ligados ao agronegócio e à Famato se opuseram veementemente tanto à manutenção dessa categoria de zona, como ao mapa de vegetação. Na concepção dos produtores locais, as Florestas Estacionais Perenifólias (Ivanauskas, 2004) contidas nas áreas de tensão ecológica são consideradas como cerradão de baixo aproveitamento madeireiro”. (Rossete, 2008, p. 83-84)

Em abril de 2008, foi apresentada nova (terceira) proposta do zoneamento estadual, mobilizando setores produtivos locais e representantes do agronegócio. 2008: a entrada de Querência na lista do MMA Diferentemente dos casos anteriormente relatados, em um primeiro momento a população do município não se deu conta de que tinha sido criada uma lista de exigências /restrições, e que o município nela tinha sido incluído. Mesmo dois meses após o ingresso do município na lista do MMA, a Operação Arco de Fogo no município só atingiria imediatamente aos produtores rurais que tiveram sua propriedade fiscalizada – diferentemente de outros municípios, nos quais a Operação havia sido responsável por traumas e conflitos com a população. O restante da população permanecia intrigada com a movimentação de forças de segurança, mas aparentemente indiferente. Conforme o relato do jornalista Homero Sergio, responsável pelo jornal eletrônico Querência Hoje:

Quando cheguei aqui em 2007, logo depois em 2008 todas essas questões começaram a estar presentes. Isso me levava o tempo todo a estar com o poder público, sindicato, tanto de produtores quanto de trabalhadores. A toda hora tinha [...] helicóptero do Ibama sobrevoando, chegava na cidade, pousava no meio da avenida, no meio do campo de futebol. Eu morava em frente ao campo.... Era um clima intimidador. Porque poderia estar acontecendo algumas situações na área rural, mas a cidade não conhecia, não sabia, não tinha muita noção, só os envolvidos. Quando o helicóptero baixava aquilo causava um impacto. (Homero Sergio, E-Jornal Querência Hoje, 2013)

Nesse momento, os desmatamentos ocorriam mais frequentemente em um dos quatro projetos de assentamento implantados no município:

“(...) Na verdade, quem estava mais em processo de desmatamento, infelizmente, eram justamente os assentamentos. Fizeram as derrubadas gradativamente para aumentar sua área de produção. [...] E se tinha a dificuldade ainda maior porque muitos não conhecem a legislação ambiental. Uma dificuldade imensa de acessar os órgãos ambientais para tirar as licenças que têm que tirar. E se conseguisse tirar essas licenças, também tem um custo para tirar e o pessoal com dificuldade financeira acabou fazendo de forma ilegal. Então essa Operação Arco de Fogo realmente, na época eu estava no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, trouxe um transtorno muito grande para nós. (…) O pessoal do Ibama chegava com 7, 8 caminhonetes, 15, 20 pessoas armadas de metralhadora. Às vezes desciam de helicóptero no pátio da casa das pessoas simples dos assentamentos. O pessoal ficava apavorado. Às vezes vinha mulher no Sindicato chorando, sem saber o que fazer: "O pessoal foi lá, me

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multou, 300 mil, 400 mil reais. Acho que não vou ganhar isso a minha vida inteira. Como é que eu vou pagar isso?" (secretário de Agricultura Eleandro Ribeiro, entrevista, 2013)

Médios e grandes produtores rurais eram também alvo das operações:

A lista criou bastante insegurança na questão principalmente da comercialização de commodities, de produto - principalmente da soja, que é o grão mais produzido no município. Porque as empresas que comercializam têm pacto sobre essa questão de comercialização do produto de origem, que não seja de desmatamento ilegal, aquela coisa toda. Com a entrada do município nessa lista, preocupou bastante as empresas que comercializam esse produto. (Secretário de Agricultura Eleandro Ribeiro, entrevista, 2013)

Para os produtores que já haviam promovido a regularização de suas propriedades (cerca de 40% da área cadastrável já tinha CAR em 2008), o impacto foi aparentemente nulo.

Eu não fui afetado em nada. Comprei a nossa propriedade de um grupo financeiro em 1980 e ela não tinha nenhum problema ambiental. Não é uma das maiores, mas ela tem 33 mil ha no município de Querência. No entanto, ela chegou a ser citada, num momento decisivo da falta de consistência, de conhecimento, de informações da máquina pública, como uma fazenda problema. Citada, mas nunca teve problema ambiental de ordem alguma. (José Ricardo Rezek, Fazenda Rica, entrevista, 2014)

As relações do ISA com Querência, no início de 2008. O período imediatamente subsequente à entrada na lista coincide com um (digamos) hiato nas relações entre o ISA e os produtores rurais de Querência. Quadros do ISA são ameaçados e se afastam do município por um bom tempo, sem trabalho direto no local, mas mantendo a assessoria a produtores.

O ISA prestava assistência técnica porque a gente desenvolveu o plantio mecanizado de floresta. Adaptação do maquinário que planta soja para plantar floresta. Então isso estimulava muito. A gente dava essa assistência técnica e os que tiveram no começo, como era um formador de opinião, toda aquela resistência, ele recebia alguns insumos necessários. Era semente e o produtor entrava com a mão de obra local, você tinha que fazer cerca. Isso foi juntando vários pequenos pedaços. O Daltro tinha um papel importante, até certo momento... Cai na boca do povo que eles [índios Wawi, n.e.] estavam querendo ampliar a sua área, requerendo toda uma área que a gente trabalhava, que era a sub-bacia do parque. Quer dizer que [se dizia que ] o ISA estava por trás disso. A gente ficou quase dois anos sem poder pisar em Querência, ameaça de morte. Fernando falou: "Olha, vocês não chegam aqui. Porque senão vai ser complicado". Inclusive ele veio aqui num encontro em 2008, que era um grande encontro que a gente fez, a gente convidou porque a gente mantinha a relação, ele participou da mesa de abertura e, para um público de mais de 500 pessoas, nos acusou assim: "Porque tem organizações que é lobo em pele de cordeiro". A gente realmente teve uma época em que a gente recuou. (…) a gente abandonou assim, essa relação mais direta. Mas a gente continuava. Tinha relação com alguns parceiros. Mostrava essa questão, por exemplo, essa história dessas bases para o zoneamento, ela estava elaborada. Era um trabalho bem feito. Estava inacabada, mas era um trabalho bem feito que podia ajudar a mobilizar a sociedade para poder, se quisesse fazer uma incidência [verificar] junto ao IBGE para tentar mudar. Eles teriam em tese uma força política para fazer isso. (Rodrigo Junqueira, entrevista, 2014)

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Elementos da estratégia para sair da lista O processo de mobilização para saída da lista pode ser classificado em certa medida como “incremental”, pois não se estruturou em resposta a uma situação de crise ou a mobilização imediata. Mesmo sem uma crise deflagrada, logo surgiria a primeira conclamação à população de Querência para excluir o município da lista do MMA, no blog Querência Mais, sob responsabilidade do jornalista Homero Sergio: “Vamos tirar Querência da lista”.

Em março de 2008, eu escrevi no blog, como se fosse um pedido, como se fosse uma conclamação. "Vamos tirar Querência da lista do Ibama". Foi uma inciativa minha, absolutamente solta no ar. Mas como quem diz: "Eu não estou com vontade de viver numa cidade que está na mídia internacional como um lugar de destruidores". E assim começou. A gente percebe que reuniões começaram a acontecer. Os produtores começaram a se mexer. O sindicato. Uma pessoa muito preocupada com essas questões, que eu conheci na época, atualmente é o vereador Neuri Wink, pioneiro, histórico na cidade, mas que também era sensível a isso porque ele já tinha parcerias com a Embrapa, parcerias com outras entidades que enxergavam essa possibilidade de se produzir com mais cuidado, no sentido ambiental. E tudo isso foi ganhando corpo. (Jornalista Homero Sergio, responsável pelo blog Querência Hoje, entrevista, 2014)

Quanto a motivações para sair da lista, as principais razões relatadas nas entrevistas pelos atores envolvidos no processo de saída da lista envolvem autoimagem e autoestima.

[...] uma visão ruim do município que acaba, ao invés de atrair, afastando investidores do município. A principal questão que levou a mobilizar para nós tirar da lista do desmatamento é essa questão. Aquela imagem que ficava do município que desestimulava investidores. Aí, um município novo, iniciando o desenvolvimento, essa mancha ia ficar ruim para o crescimento, para o desenvolvimento do município. (secretário de Agricultura Eleandro Ribeiro, entrevista, 2013) Eles tiveram os brios de dizer: bom, eu sou um cara daqui, minha família mora aqui, eu não quero ser conhecido como o cara que tá no município que mais desmata. (Adriana Ramos, ISA, entrevista, 2013) A gente queria ser o primeiro a desembargar, vamos mostrar que é possível produzir e preservar, ser um município verde que é um dos maiores produtores de soja, meio uma questão de orgulho. Eu não tanto, mas mostrar pros ambientalistas que a gente preserva mais que eles. Por que estes caras aqui chegam cagando regra, falando de preservar? Tinha um sentimento forte de que - este era o discurso dos produtores - o Brasil era o único país que tinha esse Código Florestal e que quem preservava mesmo eram os produtores, a gente sofrendo aqui. [...]Os produtores, o que os motivou [foi] provar que eram mais ambientalistas que os outros, quem preserva são eles, tem muito produtor legal. (Caio Penido, Fazenda Roncador, entrevista, 2013)

A rigor, esses são os mais importantes, mas não os únicos motivos. Ao longo do tempo começaram a se fazer sentir as pressões dos órgãos ambientais federais sobre os produtores rurais inadimplentes, decorrentes das sinergias estabelecidas entre a pressão das operações do Ibama e a pressão do Ministério Público Federal (MPF) sobre as cadeias produtivas da pecuária e dos grãos:

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Eu me deparei com aquela questão estranha, o acordo do Ministério Público com os frigoríficos. Eu fui embargado pelo Ibama, mas só uma determinada área. [Em função deste embargo, n.e.] Cerquei o pasto, vedei a única área determinada, o resto da fazenda continua normal. Só que perante o acordo com os frigoríficos e com o Ministério Público vinculava-se [à área embargada] o CNPJ da propriedade toda. Os frigoríficos tinham assinado o TAC com carabina na cabeça. Fui questionar com eles e eles disseram,‘se a gente não fizesse isto a exportação ia acabar e isto era a última coisa que a gente queria’. Eu disse a eles, ”vocês transferiram a responsabilidade totalmente para o produtor”. Minha área é embargada, devo, não nego, estou querendo consertar - o meu avô é que tinha desmatado, mas estão inviabilizando a atividade pecuária e agricultura [em toda a minha propriedade].  (Caio Penido, Fazenda Roncador, entrevista, 2013)

Ao longo de 2008, alguns grandes proprietários rurais com ascendência sobre seus pares fazem a ponte com o ISA para conversar sobre a situação do município, superando o ambiente de desconfiança. Em particular, destacam-se três: José Ricardo Rezek (Agropecuária Rica), Caio Penido (Fazenda Roncador) e Neuri Wink. A aproximação entre Penido, Rezek e o ISA foi decisiva para a desconstrução de preconceitos e viabilização de um trabalho em cooperação. Em alguns encontros de conversa formou-se a coalizão para sair da lista.

A gente marcou numa reunião onde estavam representantes da Aliança da Terra, o [Rodrigo] Junqueira do ISA, o Osvaldo Carvalho do Ipam, o Daltro, o prefeito que era o maior xiita de todos (Fernando Gorgen) - ele é louco, ele não está nem aí mas muito autêntico, muito carismático, [...] - meu engenheiro florestal Nilo Resende, Neuri, José Ricardo Rezek e mais alguém. Juntaram uns quatro produtores grandes, que tinham alguma influência e mais as ONGs. O ISA representava os ambientalistas, mais unilaterais, e o Gorgen era o produtor, o antagonista. Estudei no colégio com o Rodrigo e quando descobrimos que tínhamos sido amigos de infância fomos conversar. O ISA tinha me procurado aqui em São Paulo... [...] só fui ficar amigo deles na terceira reunião. Para provar que eu era razoavelmente legal demorou.  (Caio Penido, Fazenda Roncador, entrevista, 2013)

Lá foi desenvolvido assim, com gente com boa cabeça. Quando apareceu o jornalista, primeiro vem aquela dificuldade – o mundo é contra a gente, aquele negócio todo - , depois isso foi superado. Tínhamos na região algumas ONGs. Elas faziam um trabalho bem feito, mas as visões das pessoas eram diferentes. O que eu fiz? Logo me aproximei do ISA. (...) Dali para frente, tudo ficou muito fácil. Por que? Simplesmente porque entendemos que era uma questão de sentar e conversar. Então dali para frente construímos uma relação de respeito. Expliquei para ele: Aqui na minha casa, funciona assim. Na casa dos outros, a maior parte funciona assim. E os que não funcionam assim, temos que conversar com eles para que entendam como deve funcionar. Criou-se uma oportunidade para que o ISA conversasse com o pessoal. Como eram as conversas. Eram mais ou menos como uma conversa de marido e mulher quando estão brigados[...] Mas era exatamente isso que acontecia lá. Começava a conversa no nível certo e logo degenerava para um você fez isso e você aquilo, acabava a reunião e não prosperava. Ai sim, talvez tenhamos tido uma importância no processo porque tivemos habilidade suficiente para coordenar esse encontro – eu fiz questão de estar presente – e foi uma reunião muito iluminada, muito centrada, em que se abriu a possibilidade de confiança mútua e de entendimento com uma ONG que era compromissada. Uma ONG a quem eu sempre dei muita credibilidade e iniciamos a partir daí um bom trabalho, tudo prosperou, foi maravilhoso. Tinha muita injustiça, muita informação errada, mas o importante é que se realinhou, o que estava errado foi corrigido etc. O resto da história vocês conhecem. (José Ricardo Rezek, Fazenda Rica, entrevista, 2014)

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Na primeira vez foi o André Villas Boas com o Marcelo Hercowitz, que trabalha comigo e eles foram a um almoço com ele [Rezek] em São Paulo. E [...] teve um reconhecimento mútuo, totalmente respeitoso, uma afinidade de dizer: "Olha, tudo bem. Você pode ter cometido essas atrocidades e tal" mas rolou uma empatia verdadeira naquilo ali. E dali se sucederam vários almoços.... A gente começou a fazer trabalhos na fazenda dele. [...] Ele fez uma convocação - todos, prefeitos, vereadores, presidente de câmara e todos esse grandes fazendeiros lá. Ele foi , e disse o seguinte: "O ISA é mais que meu parceiro. Eu agora sou do ISA. Então, vocês podem confiar no ISA". Falou isso publicamente e ele é um cara que não precisava falar isso. Porque ele precisava fazer algum interesse com a gente? Interesse nenhum. E obviamente os caras ficaram loucos. [...] Na verdade essa conversa foi um pouco para limpar e acabar com essa história. Agora o seguinte: "Nós não vamos deixar de trabalhar com os nossos parceiros que estão aqui, os indígenas, porque a gente vai trabalhar com vocês. Para a gente existe a verdadeira possibilidade da coexistência. Para a gente existe a possibilidade de trabalhar tanto com um, quanto com outro. Isso dá para vocês? É aceitável?". Então foi assim que retomou um pouco esse processo, ele validando politicamente essa história.   (ISA, Rodrigo Junqueira, entrevista, 2013) Falei para eles, o que a gente tem em comum? É querer tirar o município da lista, pode ser uma oportunidade pra fazer uma ação bacana, não só para inglês ver, uma ação que traga impacto, os próprios produtores já tinham percebido que era bom preservar as APP. Acho que não foi só o embargo que fez pensar, foi uma mudança de mentalidade da humanidade mesmo, da mídia, a própria campanha da ONG. Então na estratégia radical deles com os frigoríficos foi bem, foi positiva, eu fui vítima, pego no contrapé, mas tinha que ter uma política forte mesmo para estancar, a gente vinha de um histórico que se desmatava o que quisesse.” (Caio Penido, Fazenda Roncador, entrevista, dezembro 2013)

Em relação ao CAR, apesar de quase 50% da área já dispor do cadastro, no início houve resistência dos produtores ainda não cadastrados para aderir - incluindo pressões sobre os que se dispunham a registrar suas propriedades. Caio Penido (Fazenda Roncador) foi pioneiro em aderir ao Programa Mato Grossense de Regularização Fundiária (MT Legal)65 e recuperar APP, decisão que teve repercussão na mídia. No relato do atual secretário de Agricultura Eleandro, em determinado momento a iniciativa foi tomada pelos demais produtores rurais:

[...] Foi iniciada com o pessoal do Sindicato Rural, através dos produtores, através da da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja) [...] Então a gente fechou um grupo no município de entidades: Sindicato Rural, Sindicato dos Trabalhadores, Aprosoja, a Prefeitura Municipal na época, junto com a Secretaria da Agricultura e o Conselho do Meio Ambiente. A gente correu muito atrás disso e teve o apoio também da Aliança da Terra. Quem trabalhou um bom tempo junto, iniciou e ficou até o fim desses trabalhos foi o Instituto Socioambiental, o ISA. (…) A Famato e a Aprosoja, a questão deles, por exemplo, com o desmatamento eles já não tinham tanto problema, então eles não teriam que combater o desmatamento, digamos assim, nas propriedades.

As restrições associadas à lista do MMA acabaram por mostrar seu poder de pressão como fator motivador para iniciar o processo de saída da lista,.

Então a gente se articulou. Parcerias com os sindicatos, viagens a Brasília, Ministério do Meio Ambiente, com os produtores, com gente da Aprosoja. Então se criou um ambiente favorável àquela parada do desmatamento. Primeiro o produtor estava endividado. Segundo

                                                                                                               65  O objetivo do MT-Legal era promover a regularização das propriedades e posses rurais e sua inserção no Sistema de Cadastramento Ambiental Rural e/ou Licenciamento de Propriedades Rurais –SLAPR.  

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muitas áreas deles estavam embargadas, não ia poder plantar, não ia ter acesso ao crédito. (ex-secretário Municipal de Meio Ambiente Daltro Barbosa, entrevista, 2013)

No início de 2009 é realizada uma grande reunião no Centro de Tradições Gaúchas (CTG). Segundo Junqueira, nela surge a decisão de se elaborar o projeto Querência Mais, construído ao longo dos meses seguintes por meio de acordos entre os protagonistas no município e apresentado publicamente em agosto 2010. A primeira etapa do Projeto visava a captar recursos para financiar a saída da lista e, na segunda etapa, seria ampliada e consolidada a recuperação de APPs66. Segundo Rodrigo,

[...]Uma coisa nova. Poder zerar, tinha isso, zerar. Passivo zero de APP em Querência em 10 anos! A gente disponibilizou equipe técnica para lá. [...] a ideia é que o “Projeto Querência Mais” tivesse financiamento de fora, uma linha de crédito que financiasse a recuperação das APP, como o Fundo Amazônia [...] Porque naquela época era o primeiro [projeto] do Mato Grosso, estavam abertas as portas para apresentar. E na verdade o projeto “Querência Mais” era uma parte do que seria o projeto [integral], era uma parte do que seria um embrião do que poderia ser. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

Era necessário ter uma estrutura organizacional para tocar as atividades. A Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente tinha formalmente mandato para dar suporte ao projeto mas, na prática, cuidava exclusivamente de agricultura e não tinha nenhuma expertise em meio ambiente. Optou-se por instituir uma entidade municipal dotada de mandato ambiental para conduzir os trabalhos, a ser decididos e liderados pelos próprios produtores rurais: em setembro de 2009, foi criado por Lei o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema)67. O Condema deveria ter um secretário executivo para apoiar a implementação das decisões. É contratado para exercer esse cargo o advogado do Sindicato Rural Marcelo Marins, cuja remuneração seria paga mediante contribuição de todos os empresários.

Seu José Ricardo Rezek, que era do perfil Roncador - um empresário que bancou mesmo porque acreditou, ele disse "então cada um dá 10.000 pra começar o movimento", para pagar o salário do Marcelo por seis meses. Fizemos uma vaquinha e bancamos os custos, porque se não tiver quem se dedica... ir lá... quanto é um salário de um executivo? Vamos pagar e cobrar. Botamos uma certa governança no conselho, cobrávamos a ata, ele se reportava aos conselheiros, tinha prestação de contas financeira e de serviços prestados. (Caio Penido, Fazenda Roncador, entrevista, 2013).

                                                                                                               66  O Programa Querência Mais foi elaborado originalmente pelo ISA, consistindo em uma proposta de trabalho. A prioridade chamada zero do Programa era a recuperação das áreas degradadas. Os componentes previstos eram a mobilização e engajamento dos atores sociais locais, a realização de um diagnóstico socioambiental municipal e intervenção nas APPs, apoio ao cadastramento, adequação e regularização socioambiental, e a restauração das nascentes e matas ciliares e implantação de Pagamento por Serviços ambientais (PSA).  67  Integram o Condema dez membros titulares e seus suplentes.: I – Representantes do poder público: a) um representante do Poder Executivo Municipal, vinculado à Secretaria Municipal de Indústria e Comércio, Agricultura, Meio Ambiente e Turismo de Querência ; b) um representante do Poder Legislativo Municipal, designado pelos vereadores; II – Representantes da sociedade civil: a) um representante da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa); b) um representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Querência;c) um representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Querência; d) um representante dos Proprietários Rurais de Querência; e) um representante da Igreja Católica de Querência; f) um representante das Igrejas Evangélicas de Querência; g) um representante do Rotary Clube de Querência; h) um representante da Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Querência; i) um representante da Loja Maçônica de Querência.  

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A coordenação das atividades do Projeto sempre esteve nas mãos dos produtores rurais, mas sem uma designação precisa:

Mas sempre a coordenação não era nossa, não ia ser, estava na mão deles [produtores]. Mas essa mão deles era sempre difusa. O Daltro [Secretário de Agricultura e Meio Ambiente então, n.e.] não queria assumir. O Marcelo [advogado contratado para secretário executivo do Condema n.e.] não tinha essa legitimidade, ele chegou um pouco depois. E eles não tinham uma expertise técnica para minimamente juntar as pontas, botar um processo para andar. E só quando se define, então agora vamos…Eu lembro, a gente tem um fluxograma mostrando - aquele fluxograma foi fruto de um senhor trabalho, uma reunião que tinha várias representações políticas dizendo: "É isso aqui que a gente vai fazer". Que tinha tudo a ver com você promover uma agenda socioambiental, numa linha. Tinha várias questões. Dali derivaram várias coisas. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

Depois de um certo tempo, reconhece-se que a adequação ambiental das propriedades teria que ser autofinanciada - o movimento de captação de recursos junto a agências financiadoras esbarrou em um empecilho de ordem institucional:

Só que o município estava embargado. Embargado por que? Porque o [prefeito] Fernando fez uma obra daquele jeito louco dele [a obra mencionada é um lago artificial situado na entrada da cidade, embargado por não ter licença ambiental, nota editor]. Então o município não podia apresentar o projeto para o Fundo Amazônia. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

Quanto ao CAR, o trabalho de elaboração foi autofinanciado pelos próprios produtores, grandes, médios e pequenos. Quanto às metas de desmatamento, não havia grande pressão para desmatar mais áreas (Figura 5).

Fonte: PRODES, 2013

Os atores e seus aportes Os principais responsáveis pela saída da lista foram os próprios produtores rurais de médio e grande portes, assessorados pelo ISA, tendo também contribuído outras OSCs, como a Aliança da Terra e o GRPAFF. Segundo Homero Sergio:

Dos ambientalistas, (…) propondo iniciativas que pudessem modificar as ações, era como se dissesse assim: "Existem soluções de reposição de beira de rio, de reflorestamento". Então, existiam possibilidades para que ele [Rodrigo Junqueira, n.e.], associado aos produtores, fizesse, vamos dizer, a coisa certa. E alguns toparam e ganharam com isso. O Neuri Wink, por exemplo, é um exemplo disso. Outros não toparam. Mas eles, os produtores, vieram dar essa resposta positiva e isso o próprio Fernando já tinha dito, quando chegou a hora de dizer "Vamos entrar na legalidade", todos eles se dispuseram. Isso eu vi de perto. Reuniões. Bancar com o próprio dinheiro. Tomar à frente, não ficar esperando de fora a iniciativa de colocar a casa em ordem. Pegaram, arregaçaram as mangas e foram para cima. (Entrevista, 2013)

0,00  

500,00  

Figura  5    Querência:  trajetória  da  taxa  de    desmatamento  2004  a  2012  (Km2)  

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Quanto ao município, o Condema foi o local institucional escolhido para agregar os esforços de todos para sair da lista, uma vez que os representantes da comunidade têm ali assento. Marcelo Cunha exerceu a secretaria executiva, sob coordenação direta dos produtores rurais. A Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, segundo Eleandro, não participou do processo de saída da lista. O ISA tem uma participação crucial na estratégia, aportando expertise em relação a desmatamento e ao CAR, viabilizando o acesso a informações técnico-científicas como monitoramento dos dados de desmatamento, compartilhando seu conhecimento detalhado dos procedimentos administrativos sobre o que se pode chamar provisoriamente de “gestão das entradas e saídas da lista”, trânsito nas esferas estadual e federal de governança ambiental e familiaridade com a dinâmica político-institucional das relações federativas no campo ambiental. O ISA foi o principal responsável pelo “Projeto Querência Mais” e pelo dossiê da lista para enviar ao MMA, descortinando para os produtores o funcionamento do sistema de governança ambiental e as relações intergovernamentais envolvidas no tema – além de ter sido o responsável pelo monitoramento doso indicadores para sair da lista (redução do desmatamento e pelo menos 80% de propriedades cadastradas) para os produtores rurais que eles já tinham atingido os critérios para sair.68 Algumas menções adicionais são feitas pelos demais atores sobre a contribuição do ISA. Por exemplo, aportar tecnologia de plantio de APP, mais barata (Caio). Segundo Marcelo e Eleandro, o aporte do ISA incluiu dar ao município a base cartográfica, mandar informações e articular dentro da Sema-MT e do MMA. Eleandro ressalta a qualidade da parceria e que o "ISA participou do começo ao fim". Marcelo enfatiza seus "contatos muito grandes". Efetiva participação e apoio nas articulações políticas junto ao MMA e à Sema-MT para tirar da lista. Segundo Marcelo, "o ISA fomentou essa organização". A natureza e a ordem de importância da contribuição do ISA é sublinhada por Rezek:

Eles tinham pouquíssima importância, mas adquiriram uma importância porque eles tinham mais conhecimento da parte ambiental do que a grande maioria. Não do que eu, mas do que a grande maioria. Então, como eles eram a referência, a gente conversava com eles e aconselhava os outros a fazerem isso. Então o ISA nos ajudou e isso foi muito importante para nós.

 O apoio técnico para produtores para recuperação de APP é destacado por Caio Penido:

A contribuição do ISA veio com essa tecnologia do plantio de APP, um plantio mais barato. As pessoas estavam fazendo plantio com mudas. Porque tem uma questão de dormência das sementes que é superdelicado. As sementes nativas têm um ciclo de chuvas anuais. No período que alagava ela ficava alagada... só a natureza conseguia fazer ela acordar... O ISA desenvolveu uma tecnologia pra reproduzir isso, sabe betoneira de construção civil? Joga a semente dentro da betoneira com areia pra dar um choque.

                                                                                                               68  Esta expertise era tão mais importante por rara entre as organizações públicas e privadas na região. Para começar, tal como em outros municípios, nenhuma entidade pública esclarecia integralmente os procedimentos necessários para sair da lista. Segundo Caio, ninguém tinha total domínio desse conhecimento. Segundo Homero, não havia difusão correta de informação dentro do município, nem na mídia regional ou, tampouco, na mídia nacional. Matérias antigas foram reproduzidas pela Globo em 2010 com distorções.    

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Na visão do próprio ISA,

O principal que a gente fez foi dar transparência a essa caminhada para eles. Ajudar eles a verem onde eles estavam e onde eles tinham que chegar. Era isso que a gente fazia. Através de monitoramento dos dados, contato com a Sema para acessar os dados de CAR. E a questão desse monitoramento do desmatamento, capturando todas as iniciativas socioambientais que estavam realizando no município, que foi o que a gente fez no dossiê. Querência, apesar de todos os seus problemas, tem muito coisa sendo feita. Só que fica aquela coisa dos caras [governos] sempre quererem bater e questionar o que eles [produtores rurais] fazem de errado e não mostrar o que eles fazem de certo. Então isso a gente fez. Eu, particularmente, com o pessoal da minha equipe, a gente ia muito trabalhando isso. Reuniões com o Marcelo semana sim, semana não, eu estava lá. Eu mostrava o material. E a gente ia fazendo isso. E mostrava onde eles estavam. A gente chegou até a propor na época fazer uma espécie de portal da transparência da saída do município [...]. (Rodrigo Junqueira, ISA, entrevista, 2013)

Segundo Marcelo Marins, o aporte do Ipam consistiu em subsídios técnicos sobre as APP. Eles tinham os dados sobre as áreas de APP degradadas que tinham de ser recuperadas. O Ipam elaborou publicações sobre o assunto. Houve parceria Ipam-Aliança, mas depois a Fazenda Tanguro ganhou prêmio da Aliança da Terra em final de 2013.

Fizemos um trabalho com o Ipam bem legal... O Osvaldo é super, não encabeçou mas trouxe credibilidade para o produtor, as pesquisas dele, pois mostrou que a biodiversidade estava preservada. Tinham sido cometidos alguns erros, desmatado a mais, mas se tinha onça naquela proporção significou que a cadeia estava preservada... São tantas as sementinhas que a gente vai plantando... Foi importante o trabalho que o Ipam fez, livros sobre isso. Na fazenda do Blairo, engraçado que a [Fazenda] Tanguro não entrou forte nisto mas teve um papel, o grupo Amaggi, ele começou essa coisa com a Aliança e com o Ipam quando ele virou motosserra de ouro. (Caio Penido, produtor rural, entrevista, 2013)

Segundo Caio, a OSC Aliança da Terra representa "um pouco o meio do caminho". A Aliança fez o diagnóstico da Fazenda Roncador. Seu aporte ao processo foi assim mencionado: contribuiu em articulação com o ISA para o diagnóstico e mapas, assessorou produtores na recuperação ambiental de APP e acompanhou a recuperação de APP através de cadastro próprio, segundo Marcelo. Um dos principais aportes do GRPAFF ao processo foi produzir mudas para o viveiro, com incentivo da prefeitura (Eleandro). São citados como atores relevantes na entrevista do secretário Eleandro e nos documentos do “Querência Mais” e no dossiê entregues ao MMA.69 Esfera Estadual. A delegação do Ministério Público Estadual em Querência apoiou a mobilização dos produtores rurais através da transformação em diligências das notificações emitidas pelo Ibama e pela Sema, e monitoramento dos procedimentos extrajudiciais. Quanto à Sema-MT, contribuiu mais com orientação e acompanhamento, segundo a gestora ambiental Elaine Corsini.

                                                                                                               69  O GRPAFF surgiu após uma visita de campo realizada em 2007, pelo grupo de jovens Jovens Unidos no Amor de Cristo (Junac), da Igreja Católica Imaculada Conceição do município de Querência. Após essa visita, alguns integrantes do Junac criaram um novo grupo, tendo registrado 2009 seu Estatuto Social (fonte: o site do GRPAFF).  

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Esfera federal. O Governo federal se fez presente nesse processo através do MMA em duas linhas de atuação, a da OAV e a das atividades do Ibama. O Ibama participou do processo através de suas rotinas de fiscalização e através de operações específicas de repressão ao desmatamento.Por meio da OAV, o governo federal visitou Querência algumas vezes. Diversos depoimentos reforçam a visão de que a contribuição do MMA, através da OAV, foi inexpressiva. Reconhece-se uma disposição para diálogo da parte da ministra Izabella Teixeira. Segundo Marcelo, o MMA deu via OAB caminhonete, equipamentos, capacitação de dois técnicos para leitura de mapa e das imagens de satélite. Segundo Eleandro, a contribuição da OAV se resumiu a dois notebooks, uma caminhonete Hilux, uma câmera fotográfica e uma patrulha mecanizada. Para Junqueira, o mínimo que pode dizer é que a contribuição foi pífia. De acordo com o dossiê do Condema, o município havia sido selecionado para projeto de restauração de APP e RL em parceria com Embrapa, Incra e outras organizações locais com início previsto para 2011 (Dossiê p. 28).

Não houve ação do governo federal no município. Dinheiro que é bom, dentro do meu governo, eu nunca vi. Mas havia, ao menos, através da ministra, um diálogo mais próximo do produtor. Ela se mostrava muito capaz de entender a realidade do campo. (…) Teve o mutirão. Isso fez parte em ajudar a conscientizar o produtor.  (Ex-prefeito Fernando Gorgen, entrevista, 2013)    Nós tivemos aquela [Operação] depois do Arco de Fogo, que foi aquelas multas. Ela teve um mutirão Arco Verde, (…) Foi discutido em quais áreas teria que investir. Quais as principais cadeias da agricultura familiar teria que se investir para desenvolver os assentamentos. Foi feito levantamento disso tudo aí. Só que concreto mesmo, a única coisa que veio do governo federal foi dois notebooks, uma caminhonete, um Hilux que a gente está usando na secretaria hoje. Eu [é que ]estou indo nos assentamentos, fazendo os levantamentos. Uma câmera fotográfica, um datashow e uma patrulha mecanizada que está no assentamento. Foi o que veio de concreto. (Eleandro, secretário de Agricultura, entrevista, 2013) [...] Simplesmente saímos da lista do desmatamento, porque prioridade de investimento nós não tivemos nenhuma. (Ex-prefeito Fernando Gorgen, entrevista, 2013)

Associações de classe: Segundo Marcelo Marins, o Sindicato de Produtores Rurais deu apoio institucional, cedeu espaço para que funcionasse como o centro das operações, pôs à disposição da estratégia de saída a ele próprio, para secretariar o Plano “Querência Mais”, articulou com os associados para o cumprimento das metas para sair da lista e com a consolidação de informações. "Nós é que fomos atrás de informações e conhecimento". (…) "Porque é lá que obtivemos informações e conhecimento". Segundo Eleandro, foi fundamental mobilizar os assentados e costurar institucionalmente com o Incra, o Ibama e a Sema, batalhar para que se abrisse a possibilidade do assentado individual conseguir seu CAR, ao invés da norma que estipula que o CAR deve ser emitido em nome de todo o assentamento. A Aprosoja também deu apoio, segundo Daltro, Eleandro e Rezek, que sublinhou a importância do apoio político de parlamentares, em particular do deputado Homero Pereira [deputado federal de MT, líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, falecido em outubro de 2013, n.e.]. A Famato e a Fetagri também deram apoio na forma de assessoria jurídica e logística, segundo Daltro e Eleandro. É possível identificar alguns atores cuja atuação individual foi importante para o processo. Entre eles estão Caio Penido, José Ricardo Rezek, Rodrigo Junqueira e Neuri Wink.

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José Ricardo Rezek. Proprietário da Agropecuária Rica. Assumiu em determinado momento a liderança entre produtores rurais para tirar o município da lista através da reuniões, elaborar o CAR de suas propriedades e propor a profissionalização do secretário executivo do Condema. Segundo Junqueira, seu papel é mais estratégico, de articulador de fundo. Segundo o ISA

"(…) além de iniciar a restauração florestal em suas nascentes e matas ciliares, [Rezek] foi o porta-voz e articulador junto a seus pares para deflagrar um processo político e técnico de ampla coalizão interinstitucional para tirar o município da lista dos maiores desmatadores".(ISA, 2011, p. 263)

Rodrigo Junqueira. Especialista do ISA. Morou durante anos no município vizinho de Canarana e, junto com André Vilas Boas e Marcelo Salazar, liderou os trabalhos do ISA na região. Sua importância no processo de Querência extrapola a importância da atuação do ISA no processo, por sua capacidade de persuasão e conciliação em torno de metas de sustentabilidade para o município. Sua atuação individual é potencializada pelo suporte institucional: o trabalho do ISA na região de abordagem é extremamente consistente e de porte. Particularmente para a saída da lista, assessorou técnica e institucionalmente os produtores e articulou com as instâncias estatais o processo. Caio Penido. Em 2008, passa a se envolver mais ativamente com as propriedades rurais da família. A família teve parte de uma propriedade rural embargada em 2003, o que pressionou para que ele fosse estudar o assunto. Buscou, então, contato com a Aliança da Terra, o ISA e o Ipam. Exerceu liderança entre os produtores rurais médios e grandes, tomou a dianteira para fazer o CAR das propriedades da família. Processo e resultados Quanto às metas de desmatamento, não havia grande pressão para desmatar mais áreas. Querência já tinha registrado em 2008 uma redução de 68% em relação ao ano anterior, de 62 para 20 km2. Segundo Marcelo, os trabalhos se iniciam verdadeiramente no início de 2010. Em agosto de 2010 o Projeto “Querência Mais” é concluído. Partilham sua autoria o Condema, o ISA e o GRPAFF70 (Condema, 2010). O Projeto “Querência Mais” é apresentado no dossiê como o primeiro projeto do Condema, elaborado com a parceira do ISA e do GRPAFF, cujo objetivo é a recuperação de APP e a implantação de um modelo de desenvolvimento sustentável em assentamentos e propriedades privadas, visando a busca da autossustentabilidade de pequenos agricultores, a retirada do município da lista e construção e divulgação de um município com boas práticas ambientais. O Projeto “propõe quatro linhas de atividades: realização de diagnóstico socioambiental municipal, mobilização dos atores sociais locais, restauração de nascentes e matas ciliares, avaliação, sistematização e difusão de experiências. No momento da publicação do projeto “Querência Mais”, 68% de território cadastrável já está inserido no CAR. A média de desmatamento no período havia sido reduzido para valores da ordem de 10 km2/ano. Além de organizar as estatísticas sobre CAR, são enunciadas no projeto as iniciativas que se incluem entre boas práticas agropecuárias, são quantificadas as áreas de APP recuperadas e se                                                                                                                70  Em nota publicada no site do ISA (em 23-09-2010), se informa que também participaram da parceria a prefeitura e a Secretaria de Agricultura. Os depoimentos colhidos, entretanto, enfatizam apenas a participação do ISA. Em entrevista, Marcelo declara que ele foi quem criou o “Querência Mais”.  

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demonstra que o aumento da área plantada produção de soja se dissociou do desmatamento. É apresentada a proposta de zoneamento ecológico-econômico feita pelo ISA, elaborada em 2009. No início de 2011 é alcançado o registro da quantidade de imóveis requerida para cumprir os 80% de áreas cadastráveis. Os quesitos referentes ao desmatamento também estavam cumpridos. O ISA contata o MMA, que visita o município, solicita um dossiê e documentação comprovadora de que os critérios para sair da lista haviam sido alcançados. Em março de 2011 a Sema-MT confere a área de Querência já cadastrada no CAR. O Condema conclui o dossiê ambiental para entrega ao MMA, provendo evidências de que se está em condições de sair da lista71. O ISA noticia que Querência já tem 80% de CAR. Em 31 de março de 2011 o prefeito Fernando Görgen e integrantes do Condema entregam aos técnicos do MMA um dossiê com dados sobre o desmatamento e o cadastramento de propriedades rurais. A comitiva que vai a Brasília falar com a ministra e entregar o dossiê inclui, segundo o entrevistado Rodrigo Junqueira, o prefeito Fenando Rezek, Rodrigo Junqueira, Neuri Wink, Ana Cristina Barros e Adriana Ramos. Na ocasião da entrega do dossiê no MMA, Gorgen louva a parceria com o ISA. A ministra do Meio Ambiente cita Querência como exemplo de articulação, segundo notícia do ISA publicada no mesmo dia. Quarenta dias após a entrega do dossiê à ministra, em 25 de abril de 2011, a portaria de saída da lista é assinada, tornando-se Querência o primeiro município mato-grossense a conquistar a exclusão da lista. Situação atual e tendências A taxa de desmatamento do município despencou a partir de 2004, tendo atingido o nível mais baixo em 2009 (tabela 5). A partir de então, observa-se tendência de alta em patamar inferior aos níveis históricos de desmatamento, mas tangenciando o limite de 40 km2 em 2012.

Tabela 5 Amazônia Legal, Mato Grosso e Querência, taxa anual de desmatamento, período 2004 a 2012

(km2/ano)

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Amazônia Legal 27.772 19.014 14.286 11.651 12.911 7.464 7.000 6.418 4.571 Mato Grosso 11.814 7.145 4.333 2.678 3.258 1.049 871 1.120 757 Querência 418,4 145,1 85,0 39,9 71,8 7,2 22,7 14,9 38,8 Fonte: PRODES, 2013

A atual capacidade institucional em gestão ambiental do município de Querência. A construção do sistema de gestão e governança ambiental avançou durante este processo para desmobilizar-se após a saída da lista e ser retomada em 2013. O Condema tinha começado a operar em bases regulares a partir de 2009. Inexistindo FMMA e a Secretaria responsável pelo meio ambiente, em conjunto com outros temas, mantinha-se o município praticamente inerte na área ambiental. O Condema cumpriu o papel de lugar institucional das iniciativas para sair da lista e logo em seguida desmobilizou-se.

                                                                                                               71  Na capa do dossiê, está o Condema e os logos do município, do ISA, do Sindicato, da campanhaY Icatu Xingu e do GPFAF.  

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Atualmente, o sistema de gestão ambiental municipal está em início de estruturação. Está em processo de criação uma Secretaria de Meio Ambiente em conjunto com o tema da agricultura, foi reativado o Condema e estruturado o Fundo municipal de meio ambiente. Os principais passos na construção de um sistema de gestão foram, em novembro de 2012, a instituição do Código Municipal de Meio Ambiente e, no ano seguinte, a criação do Fundo Municipal de Meio Ambiente (julho de 2013). As principais normas balizadoras da ação ambiental municipal são o Código Municipal de Meio Ambiente; a lei do SEM - Sistema Especial Municipal, do Uso de Ocupação do solo; do Parcelamento do Solo. Além das normas regulamentadoras do Conselho de Meio Ambiente, dispõe-se de normas para o Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável e do Fundo Municipal de Meio Ambiente (recém-criado). Vários entrevistados creem ser importante implementar e fortalecer o sistema municipal de gestão ambiental. Mas a institucionalidade ambiental permanece precária:

Tem que montar um time para tocar um processo para valer, resgatar o Conselho de Meio Ambiente, criar um observatório como estamos fazendo no Pará. (Rodrigo Junqueira, entrevista, 2014) O Município precisa ter uma Secretaria de Meio Ambiente, porque nós somos um dos municípios que mais recupera APP. E também para captar recursos, criar esta imagem, e hoje tem muito dinheiro para isto. (Advogado Sindicato Rural, Marcelo Cunha Marins, entrevista, 2013)

Depoimentos que relatam inércia e incipiência do sistema de gestão ambiental municipal durante o período de saída da lista são corroborados pelas estatísticas de gastos ambientais municipais no período (Tabela 6). No que diz respeito a recursos humanos, a equipe da Secretaria é composta de três pessoas – o Secretário, dois técnicos concursados, um engenheiro ambiental e um técnico agrícola cedido pela Secretaria de Educação e equipe responsável pelo viveiro de mudas (seis a oito trabalhadores diaristas). Para desenvolver atividades de licenciamento ambiental está sendo articulado, em fase inicial, o consórcio intermunicipal do Médio Araguaia. No que diz respeito a recursos operacionais, a Secretaria dispõe de duas salas e uma recepção, dois notebooks, uma caminhonete doada pela Operação Arco Verde, dois GPS, uma máquina fotográfica e um telefone celular. A única fonte de recursos da Secretaria é o Tesouro municipal.

Tabela 6 Mato Grosso, Querência, Despesas na função Gestão Ambiental, 2006-2011 (R$ reais correntes)

2006 2007 2008 2009 2010 2011

Querência 43.403,00 109.200,00 21.060,00 0,00 0,00 0,00 MT 50.490.737,91 43.423.115,03 57.170.567,45 68.162.048,08 77.686.419,29 79.967.669,41 Fonte: STN, 2014.

As prioridades da Secretaria de Meio Ambiente, segundo seu Secretário, são as ações de incentivo a quatro cadeias produtivas.

De início que nós estamos incentivando palmito e pupunha. Para isso nós fizemos um viveiro para capacidade de mais de 240 mil mudas, para a gente incentivar o plantio. Temos produzido a muda da seringueira também. O tanque de peixe, a gente vai fazer essa parte da regulamentação e está aguardando essa máquina do Ministério da Pesca para estar fazendo os tanques. O gado de leite a gente está cadastrando também. Estamos incentivando o melhoramento genético. Estamos cadastrando as propriedades para ver se a gente melhora a

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questão de pastagem de rebanho para, realmente, a gente conseguir produzir, ter uma produção no lote. Hoje, por exemplo, aquela área que tenha desmatado no lote, dê sustentabilidade para ele. Que ele não precise ir embora da propriedade e nem abrir mais áreas. [Em paralelo] esse trabalho de formiguinha aqui da Prefeitura, para ir fazendo aquilo que a gente consegue fazer com as nossas pernas. Aí temos, em paralelo, trabalhado esse Programa Município Sustentáveis, que através desse programa a gente vai colocar as propostas no Fundo Amazônia tanto para conseguir recurso para incentivar essas cadeias produtivas, fazer o melhoramento da propriedade, e uma parte vai entrar como proposta estruturação dos municípios, dar condições aos municípios para fazer. (Secretário de Agricultura Eleandro Ribeiro, entrevista, 2013)

A fiscalização e controle ambiental em área urbana, como por exemplo o controle da poluição sonora, tem sido feitos por funcionário municipal ligado à Secretaria Municipal de Fazenda, sem vínculos com a área ambiental. Além das já mencionadas, as demandas para o sistema municipal de gestão ambiental se referem a inspeção de abate de produtos de origem animal, o suporte à produção da agricultura familiar para suprir a demanda da merenda escolar, resposta às obrigações estabelecidas pela legislação nacional de resíduos sólidos (aterros sanitários) e a estruturação do sistema municipal de licenciamento. As atividades de defesa ambiental do município estão sendo realizadas através da iniciativa exclusivamente municipal. No âmbito desta pesquisa, não foram identificadas atividades de defesa ambiental exercidas pelo Município em cooperação com as demais esferas de governo. Principais desafios. A regularização ambiental das atividades rurais permanece como uma pendência importante, segundo sugerem as estatísticas do número de embargos do Ibama, tendo como fato gerador o desmatamento (Figura 6).

Fonte: Ibama, 2013.

As autuações do Ibama mostram redução importante do número de infrações notificadas, conforme ilustra a Figura 7.

Fonte: Ibama, 2013.

0  

50  

100  

2006   2007   2008   2009   2010   2011   2012  

FIgura  6:  Querência,  número  embargos  Ibama,  2006-­‐2012  

Por  desmatamento  

Total  

0  100  200  

Figura  7:  Querência,  número  autuações  IBAMA    por  tipo,  2008-­‐2013  

Cadastro  Técnico  Federal  

Controle  ambiental  

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Segundo o Secretário de Meio Ambiente, a principal dificuldade é o acesso ao crédito para o pequeno produtor, a ausência de investimentos e o desamparo da população dos projetos de assentamento, “para quem inexistem projetos”. Com o apoio do ICV, a secretaria está elaborando projeto para pleitear recursos ao Fundo Amazônia para promoção de boas práticas agropecuárias, de modo a aumentar a produtividade e evitar o desmatamento na pequena propriedade. Há pendências importantes na regularização ambiental no município. Em abril de 2013, a sede do Ibama em Barra do Garças (jurisdição que abrange Querência) sofreu intervenção e áreas cujo total monta a 45 mil hectares foram embargadas, assim permanecendo até a visita de campo desta pesquisa. Esse quadro é fonte de tensões políticas. Em outubro de 2013, comitiva de Querência (o prefeito, representantes da Sema-MT, Famato, Aprosoja, Sindicato Rural de Querência, vereador Elias, secretário Eleandro, Marcelo e outros) foi a Cuiabá discutir o embargo com o Ibama-MT (M. Keynes), apoiados por entidades de classe contando com a intervenção do governador do Estado. A proposta de solução apresentada, que contava com o apoio da Sema-MT, foi questionada pelo MPE. Promotor José Francisco:

O embargo faz diferença para o produtor. Mas muita gente não observa o embargo, não. Não observar embargo, aliás, é crime. E assim o embargo parcial é realmente porque o dano é local, pontual. O dano é X, aí embarga uma parte. Agora, não observar embargo é outra infração ambiental, outro crime ambiental. Às vezes o reincidente é porque não observou o embargo e aí cometeu um novo dano, ou porque plantou na área embargada. Isso acontece. Isso é extremamente comum. O embargo às vezes funciona mas a maioria não funciona. Quanto às multas, que eu saiba a multa não é paga, não. É muito alta. Ela é questionada ou então vai ficando. Vai ficando. Está lá. Os produtores continuam tocando a vida deles. Vão plantando, vão trabalhando com gado. Teve uma comitiva de Querência que foi questionar esses embargos… Já viram isso? O que eu sinto é que a população tem o Ibama como vilão.

Grande parte dos assentados está ainda desprovida de CAR. Segundo Eleandro, muitos dos mais de 1.200 agricultores familiares no município ainda estão sem CAR, apesar de vários haverem investido recursos próprios na contratação de serviços para tal.

[Há] esse Termo de Cooperação Técnica entre Sema, Incra e Ibama para resolver a questão do CAR nos assentamentos. [...] Cada produtor, cada assentado, foi procurar para fazer o seu. Procurou as empresas particulares que faziam e faziam o encaminhamento. Eu consegui com o Incra os mapas digitais dos assentamentos, eles jogavam no computador e o assentado indicava: "Meu lote é o lote 100 de tal assentamento". Eles pegavam as coordenadas daquele lote, a Sema tirava aquela imagem de satélite daquele lote e dessa forma eles foram fazendo o CAR individual. O próprio assentado pagava com recursos próprios, a um custo em média de 500 a 650 reais. Tanto que outros que não fizeram até hoje, justamente devido ao valor. Outros, uma grande quantidade, fizeram com uma empresa que tinha aqui nesse município que foi embora, deixou pela metade, alguns entregaram outros não entregaram. Teve gente que pagou todo o CAR e não conseguiu nem o protocolo até hoje. Então tivemos essa problemática, também. (Eleandro, entrevista, 2013)

Os assentados têm composto a maioria dos processos do município de Querência no escritório local do MPE – mas não são os únicos, havendo também grandes proprietários ambientalmente inadiplentes. Essa situação dos assentados é antiga: segundo Cibele (Ibama-MT), o Projeto de Assentamento / PA Pingo d'Água foi praticamente todo embargado em 2007. Em entrevista, o secretário de Agricultura insiste em que faltam projetos para os assentados. O promotor José Vicente ressalta que

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A maioria dos processos é sobre queimadas. Tem também ausência de licenciamento, bem numerosos. A maioria absoluta dos processos no MPE de Querência se refere a assentamentos. E um fator complicador é que a rotatividade nestes assentamentos é grande. A maioria é sobre queimadas, poucos são sobre desmatamentos. Mas não só assentados: o ex-prefeito também é réu lá - e renitente (…).A rotatividade de assentado é muito grande. Tem alguns antigos que não saem mais. Mas tem outros que "vendem lotes" e vão saindo. Essa realidade já foi vista em vários procedimentos. A gente notifica um assentado para fazer um Termo de Ajustamento de Conduta, quem vem já está no terceiro depois daquele que cometeu o dano ambiental. O trabalho é sempre que nem o do cachorro correndo atrás do rabo, não tem fim. A Comarca aqui em Querência é de 2004. Pelo que eu vi e senti do colega anterior (Daniel Carvalho Mariano), a herança, vamos dizer assim, que ele me deixou era muito maior o fluxo. Porque quando eu cheguei aqui era muito grande e eu sei que ele fez muito, fez muita coisa.(Promotor Ministério Público Estadual José Francisco, entrevista, 2013) A outra questão que Eleandro deve ter mencionado é a dos assentamentos. Ele depois teve que correr atrás, para tirar eles do embargo, para eles acessarem crédito. (...)Eles têm uma exclusão verdadeira ali. Eles são rodeados pela soja. No assentamento Pingo D'água mais da metade já tem soja. Cheio de laranja, de arrendatários lá. Eles têm umas linhas até com o prefeito, o antigo prefeito Fernando Gorgen tem áreas lá. Eles têm uma ganância absurda. É muito forte isso. Impregna as pessoas que estão na sua volta. Se você está numa sociedade, e que isso é um valor para mim, eu vou embora. E isso é uma coisa fortíssima. (Rodrigo Junqueira, entrevista, 2013)

Até o momento, inexistem evidências de que o município tenha recebido prioridades em investimentos, tal como mencionado no Decreto n. 6.321/2007. Aliás, depoimentos convergem na visão de que “[...] depois de sair da lista, não aconteceu mais nada importante” (Marcelo e Junqueira). “Os esforços para o ‘Querência Mais’ arrefeceram, não há técnicos para operar, as forças começaram a brigar entre elas porque era ano eleitoral” (Junqueira). Os relatos sublinham a ausência de cooperação intergovernamental no período pós-lista. Segundo Marcelo: “O MMA fez uma mídia danada: depois que a onça morre todo o mundo quer subir em cima. Mas o plano ‘Querência Mais’ continua, existe e está acontecendo em grande escala”. Segundo Eleandro, “simplesmente saímos da lista do desmatamento, porque prioridade de investimento nós não tivemos nenhuma”. Segundo Junqueira,

Vocês devem ter ouvido falar muito na história do teve o Arco de Fogo e logo depois o Arco Verde, uma grande política, envolvendo todos os ministérios, com caravanas de técnicos de quase todos os ministérios andando nos municípios que estavam na lista. [...]. É literalmente um circo que se monta. Se cria toda uma expectativa com relação a isso. E o que ficou no final concretamente foi uma caminhonete e um curso que um técnico fez e ponto final. A questão é que esse jeito de fazer política vai se reproduzindo. (...) Lamentavelmente é assim [...]

Quanto às perspectivas de uma expansão sustentável da produção agrícola, há questões a responder. Pergunta Rodrigo Junqueira: “a área de plantio de soja tem aumentado sobre áreas degradadas. E daqui a três anos, quando elas se esgotarem?”

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3.4 O Caso de Paragominas O município de Paragominas está situado no nordeste paraense, próximo à rodovia Belém-Brasília (BR-010), a 307 km de Belém. Ocupa uma superfície da ordem de 19,3 mil km2, com uma população estimada de 98 mil habitantes, cujo PIB per capita, da ordem de R$ 12,6 mil, é 20% superior ao PIB per capita estadual (IBGE, 2014). O território municipal abrange duas bacias principais: a do rio Capim (54% do município) e a do rio Gurupi (Pinto et al., 2009). No Anexo 5, é apresentado um perfil socioeconômico do município. O município foi instituído em 196572, tendo como pano de fundo iniciativas governamentais e privadas para ocupação da região amazônica, tal como os municípios anteriormente apresentados. No caso de Paragominas, o fundador pioneiro foi Celio Rezende de Miranda, que havia recebido títulos de terras do governo federal, havendo registros de formação de pequenas colônias agrícolas desde a década de 1930, segundo Oliveira (2012). Paragominas entrou em janeiro 2008 para a lista de municípios prioritários do MMA, na primeira Portaria73, e foi excluído em março de 201074. A seguir, é apresentado o processo que levou ao cumprimento dos critérios estabelecidos para o MMA para sua exclusão, concluindo com comentários dos atores sobre a situação atual do desmatamento no município. O processo de desmatamento, 2008 Em 2008, o desmatamento em Paragominas está em arrefecimento – a vegetação de cerca de 90% da área então desmatada tinha sido suprimida durante o período do apogeu da indústria madeireira e da expansão da pecuária, até a década de 1990. Em 2008, a área desmatada soma 7,48 mil km2 e 1,3 mil km2 de florestas degradadas, equivalente a 45% da superfície total do município (Pinto et al., 2009, p. 33 e seq.). No período 2001-2008, a taxa anual de desmatamento foi de 1,8%, reduzindo-se nos dois últimos anos do período. Os focos de calor detectados em 2008 (371) representam um decréscimo de 42% em relação ao ano anterior (634 focos) e 38% em relação a 2006 (Pinto et al., 2009, p. 33 e seq.). Atividades pecuárias e, mais recentemente, a soja, são apontadas como os principais vetores do desmatamento. Agenda ambiental, 2008 No início de 2008, o município de Paragominas conta com um sistema de governança ambiental instalado, integrante de um modelo de gestão municipal exitoso cuja construção, iniciada 12 anos antes, é marcada pelo compromisso com a efetividade e o interesse público. Em 1996, os produtores rurais haviam decidido dar um basta nos péssimos padrões de gestão pública então dominantes no município. Inaugurou-se neste momento um processo de estruturação da gestão municipal que resulta, em 2008, em excelentes indicadores de desempenho, alto grau de credibilidade do prefeito e dos gestores municipais junto à população e intenso diálogo entre a administração municipal e os setores produtivos – uma cultura de gestão única na região. Relata o atual prefeito Paulo Tocantins sobre aquele período:

                                                                                                               72  Lei Estadual n. 3.225, de 04/01/1965.  73  Portaria MMA n. 28, de 28/01/2008.  74  Portaria MMA n. 67, de 24/03/2010.  

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Vínhamos de administrações desastrosas com o funcionalismo sem receber durante meses, a cidade era um abandono total, uma poeira enorme, uma fumaça tremenda, 100 serrarias em torno da cidade poluindo tudo, queimando pó de serra e restos de madeira a céu aberto. Paragominas fica num vale – imaginem o que era isso daqui! Foi o primeiro pacto. Fomos para as ruas, tiramos o prefeito da prefeitura e rumamos para a Câmara. O prefeito foi cassado. Era tudo ilegal, errado, mostramos nossa insatisfação com a condução do nosso município. De um lado, estávamos preocupados com o futuro da economia do município – quando a atividade madeireira acabar, o que vamos fazer? [...] naquele ano elegemos o Sidney (Rosa, deputado estadual); sete candidatos, ele teve votos pelos sete. Fez uma mudança tremenda. De cara foram 1.100 demitidos, pessoas apenas contratadas. Fomos mudando a história do município. Hoje, somos um município premiado por dez vezes consecutivas – a última agora foi em 2013 – como gestor eficiente de merenda escolar. Não há nenhum outro no Brasil, de norte a sul, que tenha pelo menos cinco premiações consecutivas, e nós temos dez. Somos fiscalizados pelo pessoal do FNDE, que é do governo federal do PT, e nós aqui somos do PSDB, então não é marmelada política. A premiação é tanto na área urbana como rural e na indígena também. Os secretários são todos indicações do prefeito, nenhum é negociado com governador ou com partidos que tenham apoiado o prefeito. (...) Aqui o candidato não gasta dinheiro pessoal na campanha. E as pessoas que gastam, empresários ou produtores, não têm nenhum compromisso de retorno. Serviços sim, mas não serviços na prefeitura, como máquinas alugadas. [...]. São quatro anos do meu tempo que estou dando para o meu município, assim como fez o Sidney, o Adnan. É um período que você vai estar a serviço do município. (prefeito Paulo Tocantins, entrevista, 2014)

O primeiro órgão municipal de meio ambiente, a Coordenadoria de Meio Ambiente da Secretaria de Urbanismo, havia sido criada em 2005 na primeira gestão do prefeito Adnan Demachki. Em dezembro de 2007, é instituído o sistema municipal de meio ambiente no contexto da criação da política municipal de meio ambiente75. O sistema de gestão ambiental é composto por Conselho Municipal (Condema), uma nova secretaria, a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Semma) e um Fundo Municipal, dispondo inclusive da instituição de sanções ambientais. Desde seu início, ainda que com equipe extremamente reduzida, o órgão ambiental desempenha funções de controle, com o apoio do Sindicato de Produtores Rurais de Paragominas (SPRP). Naquele mesmo ano, a Semma recebeu habilitação para licenciamento ambiental (mas já licenciava pequenos empreendimentos mesmo antes da delegação). O recrudescimento do desmatamento já havia sido detectado pela prefeitura e notificado à Secretaria da Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) e Ibama, sem resposta. Pesquisadores vinculados a organizações da sociedade civil, tais como o Ipam e o Imazon (ver por exemplo em Lima et al, 2003), já estavam presentes em Paragominas desde 1992, desenvolvendo experimentos-piloto de manejo florestal, apoiados financeiramente pela Usaid e WWF. Segundo Paulo Amaral, pesquisador sênior do Imazon, o projeto piloto demonstrou que havia técnicas de manejo interessantes do ponto de vista da viabilidade econômica, tendo produzidoinsumos para posterior regulamentação da atividade madeireira. Paulo destaca de data desta época a construção de vínculos de confiança entre os pesquisadores das OSCs e os atores dos setores econômicos.

O processo de Paragominas é muito diferenciado de qualquer outro. A fazenda Vitória por exemplo, e outras foram objetos de pesquisa para a Amazônia inteira. Daniel Nepstad pesquisava lá. O Imazon surgiu por causa do Christopher Uhl que também pesquisava lá. Foi um berço de pesquisas com a flora, muitos pesquisadores trabalhavam em Paragominas. (Francisco Fonseca, coordenador TNC, entrevista, 2014)

                                                                                                               75 Lei Municipal n. 644, de 17/12/2007.

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2008: a entrada de Paragominas na lista do MMA A inclusão na lista do MMA é considerada um mancha. Deflagra-se no município uma crise já em marcha desde 2005 com as operações do Ibama, como a Curupira e seus desdobramentos, como a Ouro Verde.

Era preciso a gota d′água para transbordar o copo. Saiu a lista. Foi o divisor. Com essa lista, chamei o pessoal para uma reunião no sindicato. Reunimos todas as entidades e eu, que sou advogado, fui explicando: “Olha gente, saiu uma lista e isso vai ser tão prejudicial para a cidade, quanto é o SPC para o cidadão (...)”. Nossos produtos são todos do campo - grãos, madeira e gado das fazendas - tudo rural. Nós íamos ter dificuldades em colocar nossos produtos no mercado. Tinha chegado o momento de repensarmos as atividades do município. Dias depois, alguns agricultores me procuraram para dizer que a Cargill, a grande compradora de soja, estava nos boicotando. Percebi que tinha chegado o momento da transformação, era a gota d′água que faltava. (ex-prefeito Adnan Demachki, entrevista, 2014)

Entre os pecuaristas, o mal-estar se vincula à voz corrente de que seriam os principais desmatadores. O prefeito toma a si a responsabilidade de liderança política do combate ao desmatamento. Busca apoio com o Sindicato de Produtores Rurais e inicia rodadas de conversa com lideranças e formadores de opinião. Entre eles, Adalberto (Beto) Veríssimo, do Imazon, organização que desenvolvia desde a década de 1990 experimentos precursores de manejo florestal em Paragominas. Nessa conversa, ganha corpo a convicção de que não se poderia contar apenas com repressão, mas sobretudo com o capital social instalado. No dizer de Veríssimo:

Conhecia o Adnan, já tinha encontrado com ele rapidamente [...]. Já tínhamos feito um trabalho lá, mas estávamos focados em outras coisas. Eles nos procuraram e terminamos tendo uma conversa rápida num sushi, onde o Adnan nos disse que tinha esse problema. (...) Então pensamos em três coisas: um, pactuar, porque [..] não temos sistema repressivo para dar conta disso, não somos capazes e só vamos conseguir fazer isso se tivermos um mecanismo, capital social instalado, e que vocês cobrem um do outro. Dois, ter um acompanhamento, um monitoramento mensal. [...] isso é um elemento de fiscalização sobre o próprio pacto. Se alguém não estiver cumprindo, você tem os elementos na mão que vai contrapor a fala. O pacto acompanhado de um mecanismo de verificação com imagens de satélite dá um poder de verificação enorme que ninguém tinha testado antes. Através do SAD, confrontando. [...] E o Cadastro Ambiental Rural, porque a gente precisa descobrir quem são os proprietários lá. Isso era um instrumento novo e falamos de talvez trazer a TNC, uma instituição que já estava trabalhando com isso. Cadastro é uma ferramenta muito nova, estava sendo testado à época em Santarém. E conseguimos convencer a TNC de vir conosco, pois eles tinham a experiência, o que era muito importante. (Beto Veríssimo, Imazon, entrevista, 2014)

Da discussão entre o prefeito e o Imazon emergem as bases da estratégia: por em marcha um sistema de monitoramento do desmatamento, fazer o CAR e construir um pacto contra o desmatamento. Um dos princípios norteadores da estratégia era que se tratava de um dever de casa a ser resolvido pelos atores locais.

Comecei a procurar apoio nas entidades. A primeira foi a dos produtores rurais. O Carminatti era o presidente, hoje é o Mauro. Ele aderiu à ideia e nos sentamos para tentar encontrar outras formas de trabalhar. Juntos, procuramos o Florestal e depois o Comércio. Depois de ter juntado aqueles formadores de opinião, reuni todos os outros numa reunião que durou quatro horas. Contamos com 51 entidades: associação de bairro, Lyons, Rotary,

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Maçonaria. Nessa reunião, decidimos lançar o Pacto pelo Desmatamento Zero. (ex-prefeito Adnan Demachki, entrevista, 2014)

Em 28 de fevereiro, é anunciado em evento público o Pacto Paragominas Município Verde e lançado o Projeto Município Verde, pelo fim do desmatamento ilegal do município. O Pacto congrega a Prefeitura, a Câmara (os dez vereadores), 51 entidades representativas, inclusive Maçonaria, comerciantes e sindicato de trabalhadores. Nesse momento, mais que um projeto, o pacto é uma bandeira. É assinado em março o Termo de Cooperação entre Paragominas, Sema-PA, Imazon e TNC para elaboração do plano de combate ao desmatamento76.

Se não tinha dinheiro para fiscalizar, se não tenho carro nem polícia, vou ter que recorrer à tecnologia. Quem monitora por satélite? É o Imazon. Fizemos um termo de cooperação com eles e passamos a monitorar o município. (ex-prefeito Adnan Demachki, entrevista, 2014)

No governo estadual, a disposição do município é reconhecida e apoiada.

Fomos procurados pelas lideranças de Paragominas, que queriam repactuar um processo diferenciado - já estava incomodando e porque se sabia que o alvo natural na sequência era lá. Havia um setor madeireiro em Paragominas, apesar de ter diminuído muito, mas naquele caso, muito dependente de madeira ilegal, inclusive madeira vindo de área indígena – a área dos Tembés, no nordeste paraense[...]. Paragominas, sabendo do risco como aquele, procurou e a gente [Sema-PA] assinou. Logo na sequência fomos a Paragominas, assinamos o primeiro Acordo de Cooperação. (ex-secretário estadual de Meio Ambiente, Valmir Ortega, entrevista, 2014)

A chegada em abril da Operação Arco de Fogo em Paragominas mira a exploração ilegal de madeira, a produção ilegal de carvão e o desmatamento. Na visão do atual prefeito, Paulo Tocantins, é um marco na mudança do modelo de ocupação e desenvolvimento do município. As medidas da lista somadas às da Arco de Fogo desencadeiam forte crise econômica no município ao longo de 2008. Empresas fecham. O comércio se ressente. Acabar com a cadeia da ilegalidade no setor madeireiro representa, segundo o prefeito Adnan, a extinção de 1.879 postos de trabalho formais, à parte os informais. Dezenas de serrarias e carvoarias são fechadas. Quase 100 propriedades rurais são embargadas. Em 2008 e 2009, a área plantada de milho e soja ficou estagnada. Em 2009, ainda era reportado saldo negativo de 385 empregos. Em novembro, um novo evento aprofunda a crise na cidade. Madeireiros incendeiam a sede do Ibama local, acarretando a intensificação da presença federal e esgarçando as relações entre os signatários do pacto.

Eles [o Ibama] foram até a reserva indígena e prenderam uns 15 caminhões enfileirados no Parque Ambiental, sede do Ibama. Era um sábado, 22 de novembro. Domingo de manhã, o povo foi se juntando ali. Havia de tudo, os donos dos caminhões, os índios, pessoas que o projeto tinha desempregado [...] teor alcoólico elevado. Às 7 da noite, começou a confusão. Botaram fogo no prédio do Ibama. Fizeram ligação direta e levaram os caminhões. O restante do povo se juntou em passeata e marchou para linchar os funcionários que estavam no hotel e atear fogo na prefeitura. A polícia chegou a tempo e com bombas de gás lacrimogêneo dispersou a manifestação. A Globo News deu notícia em nível nacional. O Ministro Minc dizia que ia voltar com a operação Arco de Fogo, que aquilo era um absurdo, uma afronta ao estado de direito. (ex-prefeito Adnan Demachki, entrevista, 2014)

                                                                                                               76 Segundo IMAZON; TNC; PARAGOMINAS; PARÁ et al. (2009), o Projeto Município Verde foi lançado em março e firmado o Pacto no mesmo mês. Este projeto, que desenvolvido posteriormente, contempla cinco eixos de atuação: monitoramento mensal do desmatamento, diagnóstico socioeconomico e florestal do município, capacitação de agentes locais para monitoramento e gestão ambiental e educação ambiental nas escolas.  

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A crise passa a ser objeto de atenção nacional, com ampla cobertura da mídia. O prefeito Adnan, com o apoio do senador Flexa Ribeiro, vai a Brasília estabelecer diálogo direto com o governo federal, através do ministro do MMA Carlos Minc – em contato a princípio tenso, mas, ao final das contas, frutífero.

Pedi para a minha secretária convocar todo mundo para uma reunião no dia seguinte às 8 da manhã. Também mandei comprar passagem para eu ir a Belém e de lá ir para Brasília. Na manhã seguinte, na prefeitura, relatei os fatos. As pessoas estavam divididas. Alguns, por razões financeiras, queriam pegar esse tal de Minc […] Ficamos numa encruzilhada. Na minha frente, eles não diziam que o que incomodava era o projeto, diziam que era o governo. À noite eu não dormi: escrevi duas cartas que levei para a reunião. Lá eu defendi que tínhamos de reafirmar o pacto […]. Disse: "Gente, eu estou com duas cartas aqui, decidam qual delas eu assino. Uma delas é uma carta de desculpas à Nação pelo que ocorreu, e eu quero que todos vocês assinem essa carta junto comigo. Se vocês não assinarem essa carta, eu assino a segunda, renunciando ao meu mandato – eu tinha acabado de ser eleito com 80% dos votos. Vocês pediram que eu me candidatasse, aceitei e quero continuar o projeto. Aceitei concorrer à reeleição por esse motivo mas, se vocês estão abortando o projeto, se não querem continuar, então não há mais motivo para eu continuar". Deixei o local em silêncio. Voltei uma hora depois, e todos tinham resolvido assinar a carta de desculpas à Nação. Peguei um avião para Brasília. Liguei para o nosso senador em Belém, que era o Flexa Ribeiro. (Adnan Demachki, 2014).

Elementos da estratégia para sair da lista A estratégia adotada assenta-se no tripé pacto social envolvendo atores institucionais, sociais e econômicos, monitoramento intensivo do desmatamento e busca de recursos para viabilizar o CAR. Essa é a essência do Projeto Município Verde, segundo os entrevistados. Em março de 2009 é assinado um segundo acordo cooperativo, o Termo de Cooperação Técnica entre a prefeitura, o Sindicato de Produtores Rurais de Paragominas (SPRP), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), o Imazon e a TNC, para redução do desmatamento e elaboração do CAR – à época, a TNC, a única ONG que sabia fazer CAR77. O monitoramento mensal através do sistema SAD, desenvolvido pelo Imazon78 e operado desde 2006, teve início no mesmo mês.

Chegamos lá, testamos isso, em março de 2009 assinamos um termo de cooperação com a prefeitura, com o sindicato dos agricultores, com dezenas de outros parceiros, desde lojistas, o Imazon, cada um com a sua responsabilidade. Vamos testar agora com o município inteiro, foi isso o que fizemos lá. Tivemos um empurrão bastante forte do Minc. [...] (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014)

No que diz respeito ao desmatamento, havia que identificar mais precisamente os atuais responsáveis ainda resistentes – tarefa que apenas a fiscalização, denúncia a denúncia, permitiria cumprir - e definir uma estratégia efetiva de coibição.

A gente acabou descobrindo quem é que era o maior vilão do desmatamento. Era o carvoeiro. O carvoeiro nunca aparecia no cenário internacional como um vilão. Era o pecuarista, era o plantador de soja [que apareciam] nunca o carvoeiro. Mas dentro do nosso diagnóstico... porque foi a primeira vez, acho que na história do Brasil, que você lança um alerta de

                                                                                                               77 Entrevista Mauro Pires, 2013  78    O SAD detecta diariamente, por meio de imagens Modis, desmatamentos adjacentes a áreas desmatadas e degradação florestal resultante de queimada ou exploração madeireira.  

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desmatamento e vai uma equipe a campo diagnosticar. E dentro desse diagnóstico, a gente começou a identificar que quem estava desmatando era o carvoeiro. Que era pior: ele fomentava o pequeno produtor. Ele fomentava o colono. Ele aliciava com dinheiro. Ele dizia – “Olha, desmata, faz carvão, que eu te pago uma quantia ‘x’. Eu vou trazer o meu caminhão para pegar o teu carvão.” – para vender isso para as siderúrgicas. Quando a gente identificou esse ator, que a gente jogou isso para o pecuarista e para o agricultor, [eles] abraçaram de uma vez o projeto. Disseram: “Nós estamos levando uma culpa que não é nossa.”, e eles abraçaram. “Então, está na hora de acabar com o carvão em Paragominas”. E hoje não tem carvão em Paragominas. Não se faz. Quando nós começamos a acabar com as carvoarias de Paragominas, os desmatamentos reduziram em 90-91%. Por isso que foi muito rápido. Porque a gente foi no foco. [...] Então, a gente conseguiu provar que a Arco de Fogo veio em razão de um desmatamento, que não era nem o agricultor e nem o pecuarista. Foi o carvoeiro que causou. Quem chamou a pancadaria para todo mundo.... (secretário de Meio Ambiente Felipe Zagallo, entrevista, 2014) Felipe encontrou muitos fornos de carvão e desmatamentos. Ele percebeu que não era de gente grande, eram colonos pequenos. Eu disse a ele: “Felipe, não mexe com colono, vai lá na beira da estrada e prende o caminhão da guseira que está fazendo isso”. Aí ele passou o dia todo lá, esperando e à noite conseguiu prender um dos caminhões, o outro fugiu. Ele seguiu, filmou e botou na televisão. A guseira quis processar a prefeitura, falou um monte de besteiras. Então os colonos vieram na prefeitura com faixas, dizendo: “Prefeito, a gente quer trabalhar”. O que fazer numa situação dessa? Temos que conversar, debater, dialogar: “Por que vocês fazem carvão?” “Porque fazendo carvão a gente está abrindo mais terras.” “Mas por que abrir mais terras, se estão deixando a outra abandonada?” “A terra está abandonada porque o gado pisou, ela já endureceu, não tem mais adubo, não tem mais potássio; então se a gente abrir a terra e botar fogo, vai ficar cinza, aquilo é potássio, melhora o pasto, para o arroz e o milho crescerem mais fortes”. Eu disse a eles: “E se vocês pegarem um trator e gradearem essa terra abandonada para botar adubo e calcário? Eu não tenho o dinheiro para o adubo, mas darei um trator para vocês”. Eles responderam:“É já ameniza”. Isso é diálogo. Por exemplo, temos um frigorífico de pequenos animais e vamos ter que comprar suínos. Optamos por comprar dos pequenos. Os pequenos criam os suínos e nós compramos deles. Isso promove uma maior integração. Afinal, eles foram prejudicados, perderam dinheiro com o carvão. (Adnan Demachki, entrevista, 2014)

Os atores e seus aportes O prefeito Adnan é a liderança política e a coordenação da implantação da estratégia para sair da lista. Esteve à frente da implementação da estratégia adotada, inclusive na captação de recursos para financiamento do CAR. As raízes dessa liderança vão bem mais além da força de seu mandato no Executivo. Seu perfil está associado aos princípios de credibilidade, compromisso, firmeza e retidão. O produtor rural Mauro Lúcio, que assume em 2009 a presidência do Sindicato Rural, é outro ator notável, cuja influência vai além do posto de liderança da entidade de classe.

O Mauro é um empresário, ele fala: “Eu sou um industrial da carne, eu não sou um pecuarista, eu sou um empresário do setor de alimentos e eu preciso que a minha produção chegue à bancada de um supermercado. Então eu quero que a minha produção esteja regular, eu preciso que a minha produção esteja regular”. O Mauro teve uma participação interessante do ponto de vista de Paragominas, de trazer essa visão menos corporativa. Não que ele tenha se separado dos demais produtores do município, mas uma parte grande que contribuiu para a participação do sindicato de produtores rurais de Paragominas foi a própria visão do Mauro Lúcio, do ponto de vista de oportunidade de negócio de um mercado que não estava mais disposto a estar associado a um fator negativo como o desmatamento da

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Amazônia. Ele enxergou um mercado, mais além do que as restrições que o governo estava impondo. (Teresa Moreira, TNC, entrevista, 2014)

O titular do órgão de meio ambiente, Felipe Zagallo, é um gestor ambiental experiente, à frente da Semma desde sua criação, extremamente comprometido com todo o processo. A Semma assume o monitoramento em campo, estruturação para controle ambiental e demais atividades de apoio à redução do desmatamento. O sindicato rural de Paragominas oferece apoio político e material de primeira hora na mobilização dos produtores, cede espaço e equipamentos. Acolhe em sua sede a TNC. Além desse tipo de cooperação, junto com a Câmara de Diretores Lojistas apoia a solicitação da prefeitura de cassar a licença ambiental concedida pela Sema-PA para desmatamento legal de 1.000 hectares no município. O Ministério Público Federal oferece apoio direto importante através do procurador Daniel Azevedo. Produtores olham inicialmente o CAR com desconfiança: o procurador Daniel vem ao município em audiência pública para assegurar que quem fizesse o CAR não seria penalizado com multas.79 O aporte do Imazon se dá em várias instâncias. São coautores da estratégia norteadora da saída da lista. São os responsáveis pelo monitoramento do desmatamento. Realizam o diagnóstico socioambiental e florestal de Paragominas (2008), base para o zoneamento do município. Elaboram a base cartográfica digital do município, ferramentas e pessoal para o CAR (Imazon, 2010). Capacitam funcionários municipais para monitoramento no Centro de Geotecnologia do Imazon e participam das atividades de mobilização. Em 2010, assinam acordo de cooperação técnica com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater-PA) para fazer o CAR de pequenos produtores e Planos de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD). Trazem para o trabalho suporte financeiro de financiadores como a Clua. O trabalho de CAR dos grandes e médios proprietários, a cargo da TNC com apoio do Fundo Vale e dispondo como contrapartida recursos captados com a United Nations Agency for International Development (Usaid), envolve a adequação da base cartográfica, o georreferenciamento dos imóveis rurais, o diagnóstico e incorporação das informações no Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (Simlam), a elaboração de projetos para a regularização dos passivos ambientais e o sistema de monitoramento da implementação das medidas.

Tanto a TNC como o Imazon elaboramos um projeto para o Fundo Vale. Começa assim, chegamos lá com uma ideia. Tocam fogo no Ibama. Isso repercute em todos os jornais. O Adnan nos convida para escrever um projeto. O Adnan pega o projeto, vai até o Minc. Ele e o Zenaldo, que era deputado federal e hoje é prefeito de Belém. Chegaram lá e o Minc disse: “Eu vou lá.” Aparece o Minc com o seu coletinho, desce em Paragominas, sobe em cima das toras e fica lá bradando: “Prende isso, prende aquilo.” Foi logo depois do incêndio, uns três dias depois. (...) Decidimos não esperar o dinheiro [do leilão que seria realizado pelo MMA e repassado ao município n.e.] da madeira. Fomos para o Fundo Vale apresentar um projeto para fazer o Cadastramento Ambiental Rural, fazer base cartográfica com alta precisão – e fazer o CAR com alta precisão. Dividimos: a TNC fica com o CAR, o Imazon acompanha os desmatamentos, começa a pegar os shapes, fazendo treinamento para o pessoal ir localizar os

                                                                                                               79  Um apoio importante do MPF foi sua intervenção junto aos frigoríficos. Ver Capítulo 4.  

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focos de desmatamento etc. A prefeitura faz a mobilização política. O Mauro do Sindicato Rural se ocupava dos produtores. (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014)

O CAR dos pequenos proprietários foi viabilizado através de um convênio entre EMATER-PA (execução) e IMAZON (recursos financeiros e suporte técnico)80. A Sema-PA fez palestras sobre o CAR e os procedimentos legais, tendo apoiado o processo por meio de seu escritório regional em Paragominas, localizado na sede do SPRP. Em paralelo, são desenvolvidas experiências de modelos sustentáveis de produção pecuária, com a adesão de alguns produtores rurais.

 Paragominas tinha um “bando de iluminados”, com projeto de região, identificação. Como já vínhamos com a discussão de coalizão, nós levamos a Sema-PA, a Embrapa,o Ministério do Meio Ambiente. Em Paragominas, a Embrapa já estava desenvolvendo um projeto de boas práticas agropecuárias / BPA, totalmente independente. Mas nem todos ficaram no projeto. Muita gente não quis aderir ao projeto da pecuária verde por algum motivo. Ficaram seis dos que tinham lá. Depois foram fazendo adesões. O Mauro foi quem coordenou esse processo pós-CAR com pecuária verde. (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014)

Processo e resultados A implementação da estratégia é iniciada no primeiro semestre de 2008, apoiados no Termo de Cooperação entre Paragominas, Sema-PA, Imazon e TNC.

Depois que passou o Arco de Fogo, a gente chegou a seguinte conclusão: “Por que é que a gente não pode fazer o que o governo federal está fazendo? Por que é que a gente não autua? Por que é que a gente não fiscaliza? Por que é que a gente não resolve os nossos problemas? Por que a gente tem que chamar os outros para resolverem os nossos problemas? Nós temos capacidade para isso.” Daí é que foi. Eu fui treinado nessa questão da fiscalização pelo Ibama, arrumamos mais um fiscal para ser treinado. (secretário de Meio Ambiente Felipe Zagallo, entrevista, 2014).

O secretário de Meio Ambiente em uma primeira fase faz sozinho o monitoramento de campo já que, em 2008, é um dos dois únicos funcionários da secretaria, dispondo de um carro que, queimado na crise dos madeireiros de outubro 2008, teve que ser substituído por carros emprestados. O procedimento de monitoramento consistiu nos seguintes passos. O Imazon envia mensalmente os dados de monitoramento feito através do SAD à Sema-PA. A Semma valida as informações recebidas no campo, contando para isso com um carro e um GPS. Se confirmada a informação, através da conferência de coordenadas, Semma emite um relatório aos órgãos competentes - Sema-PA, Ibama e Ministério Público. O monitoramento é acompanhado de contatos diretos com o desmatador ou a entidade de classe. Posteriormente, agregou-se mais um fiscal. Foram feitas gestões junto ao Incra para que controlasse o desmate em áreas sob sua responsabilidade. Esse tipo de fiscalização permitiu a identificar os desmatadores remanescentes e focar neles a sua atuação: a atividade carvoeira ilegal (Paragominas et al., 2010). O prefeito inicia ofensiva contra as siderúrgicas que fomentavam o desmatamento de Paragominas e, em paralelo, estabeleceu conversações com os pequenos produtores.

                                                                                                               80  Fonte: entrevista com Felipe Zagallo, 2014.    

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Depois, notei que 90% do desmatamento era para fazer carvão. Depois eles introduziam outras atividades, mas o mote era o carvão. E não é carvão para churrasco! É para as guseiras do Vale do Carajás - Açailândia e Marabá. (Ex-prefeito Adnan Demaschki, entrevista, 2014)

Mirando o desmatamento zero, a prefeitura solicita à Sema-PA a cassação de licença ambiental concedida para desmatamento legal de 1.000 hectares em uma propriedade no município. A Sema cancela a licença e indefere outra para o desmatamento de mais 1.000 hectares (Paragominas et al., 2010). Em 2009 a Câmara aprova e o prefeito sanciona lei proibindo a produção de carvão vegetal com resíduos de manejo em Paragominas (segundo entrevistados, era a porta para “esquentar” as notas fiscais). Em paralelo, há uma estratégia e um pacto específico do município com o pequeno produtor.

Houve um pacto com os produtores familiares. Foi um pacto em separado, do município. Vou contar como foi o arranjo com os produtores familiares. Eu havia falado que nós estivemos em várias colônias, que estavam fazendo carvão? Pois é: fomos lá e derrubamos os fornos. Cadastramos todos. A gente pegava os nomes de todo mundo e mandava para lá a patrulha. Então, o pacto que nós fizemos era:”Não faça carvão que a gente te ajuda a plantar; a arrumar estrada; a mandar o caminhão para escoar a produção.” Então, esse é que foi o pacto que nós fizemos com eles. A gente começou a inscrever o pequeno produtor em projetos da assistência social – como esses projetos federais – na agricultura, para ajudar com galinha caipira; com frango; com semente de mandioca. Mandava preparar. Na verdade, a gente fazia o grande diagnóstico, fazíamos uma relação e dizíamos:”Olha prefeito, agora tem que dar uma atenção”, e existia essa parceria. Então, quando a gente passava isso, o Adnan dizia:“Agora eu tenho que entrar com a patrulha mecanizada, porque eu mandei o Felipe derrubar os fornos todos lá” Mas nós nunca multamos um pequeno produtor. Porque a gente sabia que não era ali que nós íamos resolver o problema. Nós resolvíamos o problema esperando o caminhão do carvoeiro. E nós prendíamos o caminhão do carvoeiro. Muitos eram daqui. Poucos casos não eram. Então, a gente prendia o caminhão do carvoeiro. Sempre cheio; claro. Pegávamos no flagrante. Aí, ele era autuado por estar esquentando nota, como a gente diz – porque está burlando o sistema; criando uma nota que não existe – autuado por estar transportando carvão ilegal; e o caminhão era preso. Aí, com a apreensão do bem, você afeta a quem? O empresário. [...] (secretário de Meio Ambiente Felipe Zagallo)

Segundo Zagallo, ao final de 2009 a meta exigida para o desmatamento havia sido alcançada., conforme mostra a Figura 8. Figura 8: Paragominas, desmatamento janeiro 2008-dezembro 2009

Fonte: Paragominas et al., 2010, p. 5.

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Encontram-se em andamento trabalhos para alcançar a meta do CAR, tema então pouco conhecido. No ano anterior, já haviam sido contatados os que detinham expertise no assunto: a TNC, que já tinha sua própria metodologia de cadastro testada anteriormente em três municípios.

Quando se falou em assumirmos o desafio, a TNC tinha 200 mil dólares de uma doação privada que foi destinada para Paragominas - para começar a trabalhar é excelente. Tinha seis meses para resolver muita coisa. Nesses meses, fomos atrás de outros parceiros. Foi criado o Fundo Vale, que incluiu Paragominas e chamou a TNC para trabalhar. Apresentamos uma proposta para a Usaid, que nos deu 1,3 milhão de dólares para trabalhar em Paragominas e em outro município. O Fundo Vale financiou um projeto de atividades do Imazon e as atividades da TNC em Paragominas, mas nós entramos com a contrapartida, que era Usaid e essa doação privada. O Fundo Vale dá 70%, mas 30% é de contrapartida. Tínhamos o dinheiro. Em termos financeiros, estávamos ótimos. Fui buscar o melhor cara que conhecia para esse trabalho, para trabalhar para nós, empresa. Falo que o enganei. Não sei se vocês conhecem o Fábio, mas falei que era só uma consultoria de três meses. Ele foi ficando seis, nove meses. Até que não teve jeito e o convidamos para trabalhar na TNC. Não havia outro jeito. Ele estava com filhos, mulher, todos instalados na cidade. [...]Então, quando começamos a fazer o CAR, trazemos todas as ferramentas técnicas, juntamente com o Fábio. Uma empresa de Minas Gerais chamada Terra Virgem veio ajudar. (TNC, Benito Guerrero, entrevista, 2014)

Em março de 2009, é assinado novo Termo de Cooperação entre o município, Imazon, TNC, SPRP, CDL, Sincopar, Sindiserpa e Aprosoja para realização do microzoneamento das propriedades rurais, a cargo da TNC, além de implementação de boas práticas agropecuárias e fortalecimento técnico da Semma. Os principais agentes de desmatamento a combater envolvem cadeia de interesses fora do município. Segundo Guerrero, a TNC já encontrou registrada cerca de 23% da superfície a ser cadastrada devido às exigências incidentes sobre as indústrias madeireiras. O desafio seria alcançar os 80%. (ou 83%, resultado obtido pela TNC). O trabalho da TNC é apresentado aos produtores rurais ao longo de reuniões, validados pelo SPRP, dirigido por Mauro Lucio. Cabe à equipe da TNC o desafio de conquistar a confiança dos produtores rurais e suas lideranças – segundo Guerreiro, “demorou uns três meses.”

Nossa relação com a TNC data do final 2008, princípio de 2009, que começamos a fazer. Mas daí é uma ONG... será que nós vamos mexer com esse negócio de ONG ou não? [...] Aqui no Parque o Adnan tinha a Semma, e tinha feito uma sala para o Ibama. (...) Eu disse: “Vamos pôr os caras aqui no sindicato.” Começamos a trabalhar para pôr os caras dentro do sindicato. Não podíamos contar nossos planos, mas tínhamos que fazer o que era preciso. O Benito é 10 e hoje em dia, todos eles – o Paulo Barreto, o Amaral – são amigos nossos e nossa convivência é muito legal. Mas naquele tempo a gente não conhecia os caras, então teve de se prevenir. [...]Éramos o município que mais tinha desmatado, tudo quanto era desgraça tinha acontecido aqui. Quando o Fabio trouxe o diagnóstico, vimos que tínhamos 67% da área em floresta! Ninguém sabia! Os resultados nossos eram bons. Com isso, viramos bicho – somos isso, somos aquilo. Nossa autoestima virou outra coisa. Daí nós batíamos em cima e a diferença é que nós tínhamos um diagnóstico, coisa que ninguém mais tinha. Esse diagnóstico foi feito por um cara fantástico. (Mauro Lúcio, presidente do SPRP, entrevista, 2004)

Fazer o CAR era uma experiência pioneira, com alto grau de demanda técnico-científica, para a qual ainda não tinham sido criados procedimentos-padrão. Para a TNC, o trabalho foi um processo de criatividade, learning-by-doing.

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A coleta e sistematização de informações para o CAR, para as bases cartográficas e zoneamento revelaram uma situação melhor do que a esperada, conforme relatam diversos atores. Praticamente inexistiam problemas de ordem fundiária - de um total da ordem de 1500 propriedades, foram identificados problemas de sobreposição em apenas 2%. A superfície florestada remanescente ocupava a maior parte da superfície municipal, quase 70% do total. No início de 2009 havia apenas 11 propriedades com CAR (SIMLAM-PA, 2013). Em menos de dois anos são alcançadas as metas de redução do desmatamento, e elaboração do CAR para 83% da superfície cadastrável cobrindo 14,6 mil km2, conforme atesta relatório enviado pelo município ao MMA e o SIMLAM-PA (Tabela 7). Em março de 2010, o município é formalmente excluído da lista. Em 30 de novembro, para dar o exemplo e motivar outros municípios, o município de Paragominas assina um termo de compromisso com o MPF-PA, cujo objeto é a melhoria da qualidade socioambiental dos municípios paraenses, estabelecendo a prorrogação de prazos para o licenciamento ambiental das atividades rurais.

Tabela 7 Dados em consolidação das áreas passiveis de Cadastro Ambiental Rural no Município de

Paragominas no âmbito do Projeto Município Verde Áreas Superfície (hectares)

Superfície município 1933.866,45 Terras Indígenas + perímetro urbano 99.341,70 Área correspondente aos 80% de território passível de CAR 1.467.619,80 Assentamentos rurais do INCRA (16) 110.175.28 Areas inseridas no SIMLAM (com Car emitido) 1.200.988.44 Areas com licença ambiental rural e autorizaçãoo de expliração florestal

198.082,00

Areas com licença de operaçãoo para exploraçãoo mineral 12.710,00 Areas Total com CAR, LAR, e LO na base de ados do SIMLAM (oficial)

1.521.955.72

Percentual referente a meta a ser cadastrada (80%) 103,7% Fonte: Paragominas et al., 2010, p. 12

Situação atual O prefeito Adnan pleiteia e consegue do Conselho Monetário Nacional (CMN) resolução especial para acesso a crédito aos produtores do município que tivessem solicitado o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Em novembro de 2010, o CMN abriu uma exceção para Paragominas na documentação exigida para a concessão de crédito rural para as safras 2010/2011 e 2011/2012 (Paragominas et al., 2010). Em 2011, foi estabelecida parceria entre o SPRP e o Fundo Vale para construção de modelos de produção agropecuária de baixo impacto, em uma primeira parceria do Fundo Vale com organização de produtores – o projeto Pecuária Verde, implementado pelo SPRP com o apoio de especialistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp), com duração prevista até 2014. Em abril de 2014, encontram-se cadastrados 88,5% do total da superfície municipal cadastrável (PMV, 2014). A atual capacidade institucional para gestão ambiental do município de Paragominas. O sistema de gestão ambiental municipal, composto pela Semma, pelo Conselho municipal

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criado em 2010 e pelo fundo municipal, está em pleno fortalecimento, como demonstra a trajetória de sua capacidade de gasto em gestão ambiental. A Semma dispõe das seguintes unidades administrativas: gabinete; assessoria, coordenadoria de licenciamento, coordenadoria de fiscalização e monitoramento, administrativo, havendo ainda um plano de criação de uma diretoria de geotecnologias. OS recursos humanos somam 10 funcionários permanentes: 5 de nível médio e 5 de nível superior. Havia mais 3 funcionários com DAS – o Secretário, a coordenadora jurídica e o engenheiro agrônomo. Quatro funcionários podem assinar Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Há um acordo de cooperação técnica, com engenheiros sanitaristas. Os recursos logísticos compreendem computadores, um carro, uma embarcação, cinco GPS’s, dois telefones celulares, duas máquinas fotográficas e quatro motos e cinco máquinas fotográficas. No que diz respeito a recursos financeiros, as despesas de custeio da Semma eram cobertas em grande parte com recursos arrecadados através das taxas para licenciamento ambiental, depositadas no Fundo municipal de meio ambiente, cujo ordenador de despesas é atualmente o Secretário de Meio Ambiente. Recentemente houve investimento do Município para aumentar o número de vagas. A contratação está por ora suspensa. No que diz respeito à capacidade de cooperação, a Semma mantém parceria com o IMAZON. As principais atividades da Semma são o licenciamento ambiental e a fiscalização, complementados pelo apoio às atividades de educação ambiental promovidas pela Secretaria Municipal de Educação. A prioridade do sistema municipal de gestão ambiental é o fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, que deve responder a demanda de uma miríade de atividades de impacto local, além do licenciamento da silvicultura e do manejo florestal. O município está habilitado a fazer o licenciamento de atividades de impacto local desde 2009. Atualmente a Semma expede as licenças ambientais, a autorização de funcionamento (AF), a licença ambiental rural (LAR) e a Autorização de Exploração Florestal (AUTEX), em razão do manejo florestal, municipalizado em 2012. A partir de 2014, a Semma está experimentando procedimentos inovadores no processo de licenciamento ambiental, com o objetivo de dar mais agilidade e ampliar a transparência do processo, através da inserção, nos procedimentos administrativos, de audiências de julgamento dos processos com a presença de todas as partes envolvidas. As capacidades de gasto e de controle ambiental têm se fortalecido progressivamente, como demonstram as despesas no período 2006 a 2011, apresentadas na Tabela 8.

As estatísticas sobre embargos e autuações do Ibama no município (Figuras 9 e 10) indicam que as atividades econômicas estão ambientalmente adequadas e regulares.

Tabela 8: Paragominas, Despesas em Gestão Ambiental e em Controle Ambiental, 2006-2011

2006 2007 2008 2009 2010 2011 Gestão Ambiental 1.584.218,34 1.711.897,68 3.006.178,07 1.382.994,36 1.324.097,67 3.512.289,69 Controle Ambiental 0,00 45.431,65 17.265,30 21.569,54 106.699,37 1.442.907,45 Fonte: STN, 2013.  

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Fonte: IBAMA, 2013

Fonte: IBAMA, 2013

Segundo os atores entrevistados, as questões mais importantes se referem à fase de transição em que se encontra o município, ao papel do município da direção de seu desenvolvimento, revisão do pacto assumido em 2008, escasso apoio das demais esferas federativas, a pendência da regularização fundiária e a questão da projeção nacional do município como modelo. Na visão do ex-prefeito Adnan, o momento é de transição do extrativismo para a economia verde.

[...]É difícil para muitos fazer a transição rapidamente. Em Paragominas há o frigorífico, a fábrica de móveis que usa MDF, e outros projetos. […] Dos 50 mil hectares de área plantada, estagnados desde 2008, subimos para 100.814 hectares na atual safra 2013/2014. Dobramos de área em cinco anos. Nesse ritmo, devemos chegar em breve a 150 mil hectares de área plantada sem desmatamento e com atividades e empreendimentos ambientalmente corretos e licenciados. Realizamos, ao longo dos oito anos de governo, diversas missões empresariais para atrair investidores e mostrar a nova face de Paragominas, inclusive atraindo os agricultores do sul do Brasil [...] que hoje nos ajudam a construir o nosso polo agrícola.[…] Em setembro de 2011, acompanhados dos empreendedores do Grupo Pagrisa, fomos até Chapecó em Santa Catarina conhecer vários frigoríficos de pequenos animais, para que os empreendedores ficassem cada vez mais interessados em implantar um empreendimento dessa natureza em Paragominas, que seria – e será – o primeiro no Pará. No retorno, a prefeitura cedeu uma área na rodovia PA-125 para instalação do frigorífico, buscamos os incentivos fiscais junto ao governo do estado e apoiamos a liberação do financiamento pelo Banco da Amazônia. Pois bem, o frigorifico está em obras e no final deste ano ou, no máximo, no começo de 2015 funcionará, gerando centenas de empregos na planta industrial, assim como em toda a cadeia de produção, sobretudo da agricultura familiar, que terá financiamento do Pronaf para produzir porcos e carneiros com mercado garantido para venda de seus

0  10  20  30  40  50  

Figura  9:  Paragominas,  número  embargos  Ibama,  2006-­‐2013  

Embargos  por  desmatamento  

Embargos  totais  

0  

100  

200  

300  

2008   2009   2010   2011   2012   2013  

Figura  10:  Paragominas,  número  autuações  IBAMA  por  tipo,  2008-­‐2013  

Cadastro Técnico Federal

Controle ambiental

Unidades de conservação

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produtos. Na área da madeira, avançamos muito no reflorestamento e na agregação de valor. A Floraplac implantou uma fábrica de MDF em Paragominas e isso possibilitou nossa ida em 2012 a Taquaritinga (SP), convencer a empresa Maq Móveis a se implantar em Paragominas. Doamos a área no distrito moveleiro, viabilizamos os incentivos fiscais e a empresa está praticamente com seus galpões prontos para começar a funcionar e deverá gerar em torno de 300 novos empregos diretos […] Com a economia voltando a crescer, os empregos foram aparecendo, de sorte que, em 2010, tivemos um saldo positivo de 1.559 empregos (dados do Caged/MTE). […] Em junho de 2011, com o propósito de fortalecer a economia da cidade, no ato da inauguração do Lago Verde, anunciamos um pacote de 200 milhões de investimentos em obras públicas e privadas […] Nos últimos meses, entretanto, sentimos uma retração na economia da cidade. O comércio, os trabalhadores e empresários reclamam de que a economia desaqueceu. Alguns saudosistas acham que a opção pelo desenvolvimento sustentável não é viável e que seria melhor voltar ao passado. Voltar para a economia do carvão, da madeira ilegal e do desmatamento. "Podia ser suja, mas, pelo menos, gerava emprego", foi um comentário que alguém me disse outro dia. A retração que, neste momento, afeta a economia de Paragominas é fruto da crise econômica que afeta dois importantes segmentos, atingindo grandes empreendimentos em nossa cidade: a mineração de bauxita e a fábrica de pisos e compensados, ambos fortes geradores de empregos e de divisas para a economia local […] Assim, acredito que, em 2014, a economia deverá retornar, progressivamente, seu ritmo normal. E os números já começam a mostrar isso. No primeiro semestre de 2013, dados do Caged/MTE informam um saldo negativo de 945 empregos. Já no segundo semestre de 2013, o saldo negativo caiu para 86 empregos. Não tenho dúvidas que o pior já passou. (Demachki, 2014, no artigo “Em razão do momento”)

O atual prefeito Paulo Tocantins enfatiza a necessidade de consolidação de processos localmente antes de ser consolidado como modelo.

Paragominas começou, teve essa iniciativa e o governo federal e o governo do Estado do Pará buscaram essa solução que Paragominas encontrou e acharam que era um modelo que pode ser levado a outros municípios. Sim, pode, mas não adianta querer levar a outros municípios sem que isso esteja realizado e confirmado dentro de Paragominas. Sem que se fortalecido isso no município de Paragominas, de modo que os outros poderem olhar e pensar: “Melhorou realmente. Nós queremos aderir”. Aí sim os municípios teriam vontade de aderir, porque estariam vendo que o produtor rural melhorou, que o produtor rural de Paragominas está tendo uma atenção diferenciada, que ele conseguiu a regulamentação fundiária, conseguiu acessar o crédito, ter um seguro agrícola, ter um outro tratamento. Eles veriam que o programa surtiu efeitos, recebeu o apoio dos governos federal e estadual, e teriam vontade de aderir, pois esse é o caminho. (prefeito Paulo Tocantins, entrevista, 2014)

Está na agenda da prefeitura a repactuação do Projeto Município Verde entre os atores municipais. Na visão do prefeito:

Vamos repactuar o Município Verde ou o Desmatamento Zero, que foi o primeiro pacto que fizemos lá atrás, em 2009. Vamos chamar a sociedade para repactuar, dizer que o programa permanece. Não é porque mudou o governo, de Adnan para Paulo, que haverá mudanças de linha. É lógico que eu tenho um modelo, um método e o Adnan tinha outros, mas o programa é o mesmo, a essência não muda. Esse não é mais um programa do prefeito Adnan ou do prefeito novo, é um programa da cidade, é um programa da sociedade, do município. Isso é inquestionável [...]. Vamos repactuar o Desmatamento Zero e o programa Municípios Verdes e dar um novo start na busca de auxílio junto ao governo federal e estadual, e junto aos ministérios, para que possamos revitalizar o programa Municípios Verdes. Pontos prioritários desse programa: temos o microzoneamento das propriedades. Cada proprietário

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já recebeu um diagnóstico de seu imóvel, do que ele precisa recompor, do que precisa recuperar de APP, recompor ou recuperar de reservas legais. Agora nós precisamos oferecer mecanismos para que esse proprietário faça isso da melhor forma possível ou simplesmente com regeneração ou com intervenção – com enriquecimento dessas áreas de reserva. Houve alguns experimentos que estão parados e que pretendemos retomar. Foram iniciativas feitas com professores da Esalq para o enriquecimento das reservas legais. Já temos um diagnóstico, já temos o que passar para os produtores.

As possibilidades de retrocesso político não estão descartadas:

Ainda existe uma aprovação grande. A questão é que pode chegar alguém com um discurso populista e convencer as pessoas que pode fazer melhor. Tomara que venha realmente alguém que possa fazer melhor. Não somos os donos da verdade. Pode mesmo vir uma cara nova que faça melhor. Mas temos muito medo do populismo, que promete milagres que a gente sabe que não são realizáveis. (prefeito Paulo Tocantins, entrevista, 2014)

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3.5 O Caso de São Félix do Xingu O município de São Félix do Xingu está situado no sudeste paraense, a cerca de 1.160 km de Belém, limítrofe ao Estado de Mato Grosso. Ocupa uma superfície da ordem de 84,3 mil km2 com uma população estimada de 107 mil habitantes, cujo PIB per capita, da ordem de R$ 5,8 mil, equivale a 56% do PIB per capita estadual (IBGE, 2014). O município foi instituído em 196181, emancipado de Altamira, com atividades econômicas baseadas em atividades extrativas. Originalmente habitado por diversos povos indígenas, recebeu os primeiros colonizadores no início do século XX, estabelecendo-se pequeno povoado na Ilhota São Félix baseado no extrativismo. Nos anos 1970, é construída a rodovia PA-279, que inaugura o acesso terrestre à área. O modelo de ocupação a partir de então é baseado na exploração predatória dos recursos naturais como primeiro passo para apropriação fundiária, com forte concentração de propriedades e renda, tendo como principal atividade econômica a pecuária e a própria apropriação fundiária (Escada el al., 2005, p. 10). No Anexo 5 é apresentado um perfil socioeconômico do município. São Félix do Xingu entrou em janeiro 2008 para a lista de municípios prioritários do MMA, na primeira portaria editada pelo MMA82. A seguir, é apresentado o processo em desenvolvimento para cumprir os critérios estabelecidos para o MMA para sua exclusão, concluindo com a apreciação dos atores sobre a situação atual. O processo de desmatamento, 2008 São Félix do Xingu ocupa o segundo lugar no ranking dos municípios brasileiros em extensão territorial: um total de 84,2 mil km2, equivalente a 7% do território do Pará. Esse território e sua cobertura vegetal estão protegidos por seis unidades de conservação que se estendem por 21% do território (17,4 mil km2) e seis terras indígenas, ocupando 52% do território municipal (43,7 mil km2). Em 2009, a área desmatada corresponde a quase 20% do território - em números absolutos soma 16,6 mil km2. O processo de desmatamento no município naquele momento aponta trajetória declinante: em 2005, tinha sido observado pico da ordem de 1,4 mil km2 (Figura 11).

Figura 11: São Felix do Xingu - Evolução do desmatamento 2002-2008 (km2)

Fonte: Prodes/Inpe, apud Amaral et al., 2012 Nota: (---) limite anual máximo estabelecido pelo MMA

                                                                                                               81  Lei n. 2460, de 29/12/1961. 82  Portaria MMA n. 28, de 28/01/2008.  

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A pecuária é considerada o principal vetor de desmatamento (1,8 milhão de cabeças de gado no município em 2008), em sinergia com a especulação fundiária. Concorrem também para o desmatamento focos de fogo, especulação fundiária, práticas ilegais de ocupação de terras e de exploração de madeira. Além dessas atividades, há que se considerar atividades de garimpo e de mineração, então em processo de implantação no município. Segundo BRASIL (2010), o foco mais intenso se localiza na região norte do território municipal, onde está sua sede, avançando sobre a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu. Áreas desmatadas também se alinham ao longo da rodovia PA-279 e da malha de vias informais. Apropriação ilegal de terras, exploração ilegal de madeira, conflitos fundiários e degradação ambiental são processos indissociáveis no município. Agenda ambiental, 2008 No início dos anos 2000, ocorrem no município as primeiras grandes operações do Ibama e da Polícia Federal, com o apoio do Exército. Em 2005-2006, as esferas governamentais federal e estadual promovem ações de política ambiental, além da fiscalização ostensiva: é instituído pelo governo federal o Mosaico de Áreas de Conservação da Terra do Meio. O governo estadual cria a APA Triunfo do Xingu em 2006, após o assassinato de Dorothy Stang83, para estancar o avanço da frente pioneira rumo a oeste. Com 16,8 mil km2, a APA abriga os maiores remanescentes florestais do município, situados na região da Terra do Meio – que possuía à época cerca da 25% de sua superfície desmatada. Em 2008, é extremamente precária a governança ambiental no município. Havia sido recentemente instituída a secretaria municipal encarregada do tema ambiental, com capacidade nula de exercício do poder de polícia ambiental. Não obstante, no ano seguinte o município receberia habilitação do governo estadual para fazer licenciamento ambiental de 177 tipos de atividades de impacto considerado local. Inexistem no município escritórios do órgão ambiental estadual (Sema-PA) e federal (Ibama) (ver em Castelanet, 2013, p. 12). Segundo as entrevistas, a Associação para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar do Alto Xingu (Adafax) desenvolve nesse momento um trabalho local relacionado à governança ambiental e desmatamento. A Adafax foi criada ao final de 2004 com a missão de fortalecer a agricultura familiar, como resultado da articulação entre três organizações locais atuantes junto aos agricultores familiares no Alto Xingu: a Comissão Pastoral da Terra (CPT), dirigida pelo padre Danilo Lago, a Cooperativa Alternativa dos Pequenos Produtores Rurais e Urbanos (Cappru) e a Casa Familiar Rural de São Felix do Xingu (CFR).

Já por sua missão, a Adafax sempre trabalhou com a questão do desmatamento. Incentivar os agricultores em sistemas que não precisam derrubar a floresta para se manter na terra. No início, o cacau era muito forte – e ainda é. Incentivávamos o plantio do cacau. A Adafax não era uma entidade ambientalista, mas tinha essa preocupação ambiental mais ligada à questão humana de fixar os agricultores na terra. (Pierre André Clavier, coordenador da Adafax, entrevista, 2014)

Em 2007, a Adafax se envolve com o processo de discussão sobre o Conselho Gestor da APA Triunfo do Xingu.

                                                                                                               83  Religiosa norte-americana naturalizada brasileira, integrante da Comissão Pastoral da Terra / CPT, trabalhava na Amazônia desde a década de 1970, e assassinada com seis tiros em fevereiro de 2005, em Anapu (PA).  

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A partir de 2008-2009, outras OSC se estabelecem com escritórios locais na sede municipal, para desenvolver trabalhos voltados para o combate ao desmatamento – TNC e Instituto de Educação do Brasil (IEB). A Sema-PA institui um escritório local, assim como o Ibama. 2008: entrada de São Félix do Xingu na lista do MMA Parte do governo federal a reação mais notável associada à entrada de São Félix do Xingu na lista: através do MMA, toma a dianteira na busca de uma agenda positiva para a saída de São Félix do Xingu da lista.

A proposta era de aprofundar a manutenção da estratégia dos municípios prioritários. Não quer dizer dar sequência ao que estava acontecendo. Porque o que estava acontecendo, por um lado, eram as ações de combate e controle e por outro a Operação Arco Verde, que se encontrava cambaleante. Era preciso enfrentar a realidade com mais força. Precisava se encontrar alternativas, uma delas foi captar recursos para apoiar esses municípios. Nós tínhamos um projeto no Ministério, que a Nazaré coordenava em São Félix do Xingu, uma espécie de projeto piloto. A ideia era eleger um município entre os que mais desmatavam na Amazônia, com problema fundiário crônico - e se o MMA conseguisse resolver a situação, se encontraria um modelo para resolver os demais. Então o ministério foi para dentro do município [...]. Essa foi uma iniciativa importante, o ministério sair de Brasília e enfrentar a realidade. No caso de São Félix do Xingu eu considero que funciona muito bem. [...] A questão era como seguir. Eu diria que a gente ainda olhava o município muito de cima para baixo. A diferença foi em São Félix do Xingu, onde o ministério teve uma atuação mais direta no município, montando uma equipe local. E a gente viu que nem tudo que se desejava em Brasília teria condições de rolar, pois a dinâmica local é outra. (Mauro Pires, MMA, entrevista 2013)

Em São Félix do Xingu, acho que foi mais uma ação do governo federal que puxou o governo do estado e do município. Não percebo uma vontade do prefeito, do poder local, é mais por conta da ação do governo federal. Foi uma operação internacional. Tem uma cooperação internacional da Comunidade Europeia, o que motiva. Faz uma emulação de todo o processo. Eles acabam indo meio que a reboque. E é muito desafiador porque o município é gigante, é enorme. (secretário Paulo Guilherme, MMA/SEDR, entrevista, 2013) Em São Félix, o MMA teve muito dinheiro para investir, uma estratégia de longo prazo e, principalmente, com ações mais amplas que não era só o CAR e a agenda de combate ao desmatamento. A agenda é muito mais ampla porque é um recurso muito maior, da Comissão Europeia, em parceria com a FAO. (Nazaré Soares, coordenadora nacional do Projeto Pacto para a Redução do Desmatamento em São Félix do Xingu, MMA/SEDR, entrevista, 2013)

A TNC relata ter promovido a ideia de se atuar diretamente em São Félix do Xingu desde o início dos entendimentos MMA-Comissão Europeia:

Quem convidou o MMA fomos nós. Esse projeto era de 6 milhões de euros. Esse dinheiro era para escolher uma área para trabalhar na BR-163. Acontece que estávamos saindo de Santarém que já estava com base pronta, todos os produtores que podiam desmatar já estavam no CAR, não aumentava nada, não entrou em lista nenhuma, estava sob controle. Era muito dinheiro para Santarém. Procuramos o Valmir e propusemos para pôr esse dinheiro em São Félix. Fizemos duas ou três reuniões em Brasília. [...]  Por que ir para São Félix? A pecuária está aumentando, o desmatamento é muito importante, é área de fronteira. Se passar por São Félix chega-se na Terra do Meio, que é o maior e último remanescente verde que tem na Amazônia Oriental. Ali é uma porteira de fato. Se o desmatamento passar dali vai se encontrar com a BR-163 e acabou todos aqueles 16 milhões

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de hectares de área protegida. Tudo isso nos levou a colocar um grande problema, um grande recurso. Eles toparam, foram nessa reunião, aquela da qual quase saímos corridos, literalmente. Só que os meninos do Ministério do Meio Ambiente que foram, em vez de ficarem com medo, disseram: “É aqui mesmo que temos que vir.” Voltaram, fizeram um relatório e depois teve uma missão da FAO, acompanhada por nós, e o projeto foi para São Félix, foi assinado e começou a se desenvolver lá. [...]. Eu acompanhei somente essa missão de decisão, a outra já não acompanhei. Porque nós montamos uma base lá. Não adiantava mais eu ir lá. Tinha uma colega que recebia todo mundo e acompanhava tudo, e hoje nós temos um escritório em São Félix. [...]. Porque estávamos nós, estava a FAO, que era um projeto grande, estava o Imazon, que também tinha umas ações lá mais ligadas à APA. Então decidimos criar um comitê para discutir esses projetos todos. (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014)

O MMA apresenta projeto à Comissão Europeia na qualidade de “iniciativa do PPCDAm em um local específico” (BRASIL, 2010, p.6). O foco da atuação do projeto é o município de São Félix do Xingu, mas o projeto abrange também outros municípios. Entre as justificativas para a escolha do local são citadas a concordância do governo municipal em sediar e participar do projeto e o interesse das esferas estadual (mencionada a Sema-PA) e federal (mencionado o Ibama), como perspectiva de colaboração intergovernamental (ibid, p. 10 e seq.). Negociações começaram em 2008 e o financiamento do projeto “Pacto Municipal para a Redução do Desmatamento em São Felix do Xingu” (doravante designado por PP-MMA), aprovado em outubro 2010. Elementos da estratégia para sair da lista O Projeto Pacto Municipal para a Redução do Desmatamento / PP-MMA, firmado em outubro 2010, identifica como principais desafios para reduzir o desmatamento a baixa implementação do CAR, os interesses da indústria madeireira e necessidade de novas áreas (sic) para expansão da agricultura e pecuária, baixa sensibilidade dos agricultores, pecuaristas e madeireiros e falta de conhecimento de práticas de produção sustentável e do cumprimento da legislação, e organizações públicas locais com baixa capacidade para identificar atividades ilegais e fazer cumprir a lei (PP-MMA, p. 14). Em sua versão original, o objetivo geral do projeto é contribuir para a redução do desmatamento na região amazônica e para a diminuição das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. O objetivo específico é prover o município de São Felix do Xingu de instrumentos adequados de gestão ambiental e territorial para controlar e monitorar o desmatamento. Face a esse quadro, o PP-MMA propõe originalmente quatro linhas de atuação84, que incluem promoção de um Pacto Municipal através de encontros de sensibilização, promoção do CAR (incluindo mapeamento de propriedades rurais, georreferenciamento e geoprocessamento; diagnóstico ambiental de imóveis; inserção de dados no Simlam; cursos de CAR); elaboração de plano municipal de recuperação de áreas degradadas (diagnóstico socioambiental do município); plano de recuperação; eventos de capacitação em práticas de produção sustentável e recuperação; implementação de viveiros de mudas; e fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais dos órgãos públicos atuantes em São Félix do Xingu                                                                                                                84  O projeto tem quatro componentes: promoção de pacto municipal de redução do desmatamento, negociado e endossado pelos atores relevantes; CAR e mapeamento dos imóveis rurais do município integrados ao SIMLAM; plano municipal de áreas degradadas elaborado e endossado pelos atores relevantes; e fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais dos órgãos públicos que operam no município. Esses componentes foram posteriormente ampliados.  

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eventos para estabelecer diretrizes; implementação de sala de situação; aprimoramento dos instrumentos municipais de financiamento, gestão, planejamento e normatização municipais; aprimoramento do sistema estadual de monitoramento e licenciamento ambiental. Lições aprendidas seriam posteriormente disseminadas e replicadas em outros municípios. Recursos para a implementação foram captados pelo SEDR-MMA a fundo perdido com a União Europeia (eu) - 4,9 milhões de euros. Instituições brasileiras aportaram um total de 1,9 milhão de euros, alcançado um valor total de 6,8 milhões de euros. A administração do recurso está a cargo da FAO. É mencionado também em entrevistas o apoio da Cooperação Alemã (GIZ). No período 2008 a 2011, o coração da estratégia para excluir o município da lista é a celebração do Pacto Contra o Desmatamento. Após sua assinatura, a estratégia a ser seguida consistiria na implementação dos acordos assumidos no pacto. Os atores e seus aportes Os atores participantes do processo para saída da lista formam um grupo numeroso de organizações governamentais das três esferas e da sociedade civil. Através do seu órgão ambiental, o município lidera a mobilização dos produtores para adesão ao pacto contra o desmatamento, em parceria, em uma primeira fase, com o MMA e OSC locais. Segundo a Semmas, o então Secretário de Meio Ambiente encabeçou o trabalho de mobilização, responsável pela primeira audiência pública com a TNC e o Projeto Pacto (PP-MMA). A Semmas arcou com custos de despesa de combustível e refeições para os envolvidos na mobilização para o pacto. O estado participa na assinatura do pacto assumindo diversos compromissos, pois assinam o pacto diversos órgãos estaduais: a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), Sema, Emater e Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Além disto, o governo estadual é partícipe em projetos conduzidos pelo IEB e pela TNC. A União federal está presente através do MMA, que se propõe a liderar o processo de saída da lista financiando as atividades para formação do pacto, como por exemplo financiando o fretamento de aeronaves para alcançar comunidades distantes (como Lindoia, praticamente inacessível por terra na ocasião) e executando os compromissos assumidos nas atividades acordadas no PP-MMA. Para a execução do PP-MMA, instalou um escritório na sede do município, atualmente composto por um coordenador, um especialista pago pela GIZ e uma assistente administrativa. Além do MMA, também participam do processo representando o governo federal, assinando o pacto, Fundação Nacional do Índio (Funai), Incra e Ibama, este último com agenda institucional própria. A Adafax participa de diversas formas: apoiada pelo MMA, é responsável pelo contato e mobilização das comunidades para o pacto, inclusive com cessão de carro. Sobretudo, tem uma relação de confiança com as comunidades locais que favoreceu o trabalho de outras OSC.

Essas ONG, a TNC e IEB, de modo especial, entraram atrás de nós, porque o povo confia em nós. Confia em nós porque somos da CPT, confia porque a Adafax era um grupo de trabalhador, no fundo, no fundo. Eu acho que a Adafax tem uma base de aceitação municipal. Ou, como digo, porque tem padre Danilo dentro, tem a CPT, ele era o presidente da CPT,

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eles sabem que nós estamos procurando o melhor para eles, estamos fazendo um esforço. [...].Mas nós da Adafax, eu considero que temos uma boa aceitação por parte do nosso povo. (Padre Danilo Lago, coordenador da CPT, entrevista, 2014).

A partir de 2009, a Adafax participa do Projeto Fronteiras Florestais, na região do Alto Xingu, coordenando trabalho que beneficiou diretamente 250 famílias e indiretamente 900 famílias. Também em 2009, participa na implantação do Projeto Xingu Ambiente Sustentável, coordenado pelo IEB com apoio do Fundo Vale, que visa aperfeiçoar a governança socioambiental através da produção sustentável, trabalha diretamente com 700 famílias. No âmbito do Projeto Pacto Municipal, coordenado pelo MMA, a Adafax estabelece parceria com a GIZ no período 2011-2012 para fortalecer cadeias produtivas da sociobiodiversidade. O Instituto de Educação do Brasil (IEB) participa na mobilização das comunidades, em parceria com o MMA, em espaço público, em torno da agenda do pacto com financiamento do Fundo Vale. Em outro plano, o IEB contribui através de seus projetos em andamento no município. O IEB iniciou suas atividades em São Félix do Xingu no início de 2009 com o Projeto Fronteiras Florestais (em parceria coma OSC francesa Professionels du Dévelopement Solidaire / GRET e Adafax). O projeto contribui com fortalecimento institucional com duração de dois anos, financiado pela União Europeia e liderado pela Adafax, contando com a participação do Imazon no monitoramento do desmatamento.No mesmo ano, com apoio do Fundo Vale e participação do Adafax, inicia o desenvolvimento do projeto Xingu Ambiente Sustentável. O Imazon participa nos trabalhos de mapeamento e monitoramento do desmatamento. A TNC é a responsável pela elaboração do CAR, trabalhando com o tema no município desde o início de 2009, quando havia apenas três propriedades com CAR (SIMLAM-PA, 2014).

Ali pegamos uma microrregião: São Félix, Ourilândia, Tucumã – a área da 279, que é a integração entre as áreas fortes de pecuária daquela região, o sul do Pará. Estamos ainda em Santana do Araguaia, no sul, foi o segundo município que saiu do embargo. Fomos para Marabá que também se saiu bem com o CAR, mais de 80% com o CAR. [...] Em 2009, fomos para São Félix. Tenho alguns gráficos bem interessantes. Começa com um “CARzinho” e depois vai subindo, subindo. Hoje temos alguns milhões de hectares de CAR em São Félix. Passamos de 80%. É a maior área cadastrada do Brasil. Não existe nenhuma outra área com um maior número de cadastros. Foi com o apoio do Fundo Vale e o BNDES, Fundo Amazônia. Temos lá quase 3 milhões de hectares de área cadastrável e, já cadastrada, temos aproximadamente 2 milhões e 700 mil. Tem duas Paragominas lá. [...] Essa já foi uma diferença, pois em São Félix assinamos um termo de cooperação com a indústria, com a prefeitura e o estado, e com a sociedade civil, porque pegamos o sindicato e atores de associações. O nome desse projeto foi Legal é Ser Verde. Esse programa já saiu pautado com desmatamento zero e CAR. Nossa meta era CAR. Fomos trabalhando nessa questão do cadastramento rural durante 2010 e 2011, e com muito mais dificuldades porque a região era muito maior. (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014)

No período 2008-2011, são desenvolvidas as relações entre lideranças locais e TNC. O início do processo de entendimentos para exposição do CAR espelhou as tensões políticas e sociais presentes no município e ilustra o processo delicado de construção de relações de confiança entre a comunidade e a TNC.

[...]Fizemos uma reunião que foi histórica, e todos os antigos se lembram disso. Combinamos essa reunião e o prefeito queria colocar 3 mil pessoas. A gente não concordou. Trocávamos

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muitos fax e chegamos ao número de 500 pessoas. Só que o prefeito escolheu um local e nós escolhemos outro, por segurança e uma série de coisas. Acabamos ficando num local que deveria caber 100 pessoas e tinha 300. E do lado de fora instalamos projetores de filmagem e alto-falantes, e couberam mais umas mil pessoas. Foi uma pressão muito forte. Primeiro porque eles tinham alguns consensos sobre quem eles odiavam: a Rede Globo, o Ibama, o Incra, a Funai. Temos até um documentário de quando chegamos lá. Havia faixas pela cidade inteira dizendo: “Não somos bandidos”, “Somos trabalhadores”. Temos outras [faixas], dois anos depois, dando boas-vindas ao projeto. Quando o Globo Rural mostrava eles, [era] como áreas de bandidos, de desmatamento, áreas de grileiros, áreas em que se matava índios e seringueiros, eles eram muito mal vistos. A ausência de governança era total. Não tinha Incra que funcionasse, não tinha Iterpa, o órgão de terra, não tinha Ibama. Não tinha Ministério Público, porque eles tinham até medo de ficar lá. Não tinha nada. Quando chegou a oportunidade de estarmos lá com governos, eles queriam fazer a catarse. Todo mundo veio e queria bater em alguma pessoa. Eu estava moderando essa reunião. Houve um momento em que eu estava chamando um para falar e pulou uma índia no meio da gente e começou gritar. Eu dizia: “Por favor, tira a índia.” Veio um outro, que estava dentro da terra dos índios, brigando com eles. Há um conflito grande. Apyterewa é uma área de terra indígena que foi muito invadida. Depois a Força Nacional foi lá e tirou os invasores, mas a área está muito degradada. [...] Nesse processo, tinham recém-criado a unidade de conservação federal da Terra do Meio e tinha gente dentro. Essas pessoas que estavam dentro vieram para a reunião para brigar porque que tinham criado isso lá. Depois o Minc prendeu uns bois lá, ninguém quis ficar com os bois, chamavam de boi pirata. Eles se organizaram e os bois ficaram rodando de um lado para o outro, ninguém queria comprar o boi, um solidário ao outro. Depois eles vinham para a reunião dizer que eram os índios que começaram tudo; era assim, eles diziam que criaram a terra indígena e que eles já estavam lá; o outro dizia que não era boi pirata porque a área era deles e que depois criaram a unidade. Cada um tinha uma reclamação diferente. A reunião demorou a manhã inteira e não conseguíamos entrar no CAR. Foi só à tarde que conseguimos falar sobre o CAR. Eles queriam que a gente resolvesse tudo. O Iterpa estava com a gente, conflito, muito difícil. No final, dissemos para eles: vocês querem que a gente vá [embora], iremos, se não acham que nós podemos ajudar. Aí foi apaziguando. Passamos um ano direto lá. Nosso escritório hoje tem bastante gente, uns dez ou mais. Mas naquela época ficamos com umas duas ou três [pessoas]. Íamos todos os meses; até 22 de dezembro de 2010 estávamos lá, que foi quando lançaram o Programa Mais Ambiente e nós fomos lá para explicar. Foi quase no Natal. Isso criou uma relação de grande confiança. Dessa forma, fomos pegando contato com as lideranças, depois montamos um grupo menor, até que chegamos a firmar um termo de cooperação. Esse termo envolveu a prefeitura, frigoríficos, que não eram atores comuns em Paragominas, órgãos do estado como Sema e Iterpa. [...]

Essa já foi uma diferença, pois em São Félix assinamos um termo de cooperação com a indústria, com a prefeitura e o estado, e com a sociedade civil, porque pegamos o sindicato e atores de associações. O nome desse projeto foi Legal é Ser Verde (...). Em São Félix também fizemos parceria com o sindicato. O sindicato chamava as regiões ou nós íamos no campo, fazendo reuniões setorizadas. Escolhíamos uma região e íamos. Sempre íamos com a Sema do lado, porque não queremos que nos confundam com o governo. Cada um assume a sua parte. Então fizemos muitas reuniões sobretudo para esclarecê-los, depois para recebê-los. E montamos a nossa unidade, nossa sala de apoio, que chamamos de Sala de Situação, dentro da prefeitura. (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014)

Quando a gente chega lá, era para fazer o mesmo tipo de trabalho de Paragominas. Dois desafios diferentes. Começar do zero. Lá não tinha CAR, não tinha política de desmatamento,

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não tinha parceiro, não conhecia nada. O próprio prefeito estava saindo, perdendo uma eleição, quando a gente começou. Essas coisas foram realmente impasse, pois a gente chegou lá e vimos 2 mil e poucos produtores lá no local, num lugar fechado que cabiam 300 pessoas. Tudo que eles odiavam era qualquer ONG que chegasse, qualquer IBAMA que chegasse. Por quê? Porque ninguém passa informação correta. O IBAMA chegava lá, apreendia e ia embora. O MMA chegava e fazia operações, a Polícia... então, lá estavam os 90% dos produtores que são bons e 10% dos que são ruins. Um fazia errado, dois faziam certo, mas todos eram maus. Cheguei a escutar de um produtor: “Benito, São Felix era tão complicado quando a gente chegou, quando o IBAMA começou a trabalhar aqui, ficou mais ainda porque teve um caso que foram multados três produtores e só dois terminaram pagando. Começamos a achar que aquele um tinha engabelado a gente.(Benito Guerrero, TNC, entrevista, 2014)

   Processo e resultados Em julho de 2009, o projeto Legal é Ser Verde é acordado. É estabelecida a cooperação técnica entre a Sema-PA, a Prefeitura Municipal de São Félix do Xingu, a TNC do Brasil, o Sindicato dos Produtores Rurais de São Félix do Xingu e a empresa frigorífica do Grupo Frigol para o cadastramento ambiental e a regularização de (médias e grandes) propriedades rurais em São Félix do Xingu. Em setembro deste ano, é realizado o Mutirão Arco Verde Terra Legal, para cadastramento fundiário no Terra Legal. Em outubro, é aprovado o projeto PP-MMA. Em 2010 é firmado termo de cooperação técnica entre prefeitura, Sema-PA, Sindicato de Produtores Rurais de São Felix do Xingu e TNC. A TNC aprova junto ao BNDES/Fundo Amazônia o Projeto de Adequação Ambiental das Propriedades Rurais: Conservação da Biodiversidade da Amazônia Legal. Em dezembro, o município assina o Termo de Compromisso com o Ministério Público Federal. Em maio de 2011, inicia-se uma série de 11 audiências públicas com as comunidades locais para mobilização para adesão ao pacto, financiadas pelo projeto PP-MMA e concluídas pela prefeitura e parceiros. Destas, uma foi realizada na área urbana e as demais nas comunidades rurais. Em agosto de 2011 o pacto é firmado em audiência pública com cerca de 500 pessoas. O pacto contém uma multiplicidade de demandas surgidas no diálogo nas comunidades e junto às organizações. Os compromissos assumidos abrangem um leque amplo de ações entre as quais regularização fundiária (individual e assentamentos), infraestrutura (estradas e energia elétrica), crédito (acesso), regularização ambiental (PRAD), CAR, agilização do licenciamento, produção (assistência técnica e projetos), gestão de áreas protegidas (Projeto Gestão Ambiental Territorial Indígena / Gati, TI Fronteira Bacajá), monitoramento e fiscalização (sensoriamento remoto, observatório). No mês seguinte, é elaborada a Agenda Pós-Pacto, com priorização de demandas em duas classes. As “prioridades 1” são as consideradas imprescindíveis - regularização fundiária, infraestrutura, financiamento e créditos, assistência técnica, mecanização da produção, fortalecimento de cadeias produtivas, fortalecimento de associações e entidades de base, diversificação da produção, acesso a tecnologias adequadas, pagamento por serviços ambientais, PRAD, combate e manejo do fogo. É assinado um termo de compromisso entre MPF, a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará / Faepa, Ibama e município específico sobre propriedades embargadas.

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Em 2012 o município de São Félix do Xingu adere ao Programa Municípios Verdes. Financiado pelo MMA através do PP-MMA (aquisição de equipamentos e capacitação de técnicos locais), é instituído em 2012 o Observatório Ambiental de São Felix do Xingu85, destinado a apoiar os trabalhos de gestão e monitoramento através de instrumentos de geotecnologia. Neste ano ocorre o primeiro aumento do desmatamento no município desde 2007, com um acréscimo de 169,5 km2 no desmatamento acumulado, correspondente a um aumento de 20% em relação ao ano anterior. A maior concentração de áreas desmatadas está na APA Triunfo do Xingu, especialmente no PA Pombal. Em 2013, o município encaminha à Casa Civil/governo federal pleito de reconsideração dos indicadores para sair da lista, apoiado pelo PMV, solicitando metas diferenciadas por tamanho de município (fonte MMA). Em agosto, a TNC recebe a primeira versão do diagnóstico da situação atual da Comissão do Pacto para elaboração de proposta de reestruturação organizacional. Situação atual Em 2013 quatro grandes projetos já estão em instalação no município: Jacaré (níquel, em fase de licenciamento, Anglo-American), Metalmig (wolframita-cassisterita), MSFA (cassiterita-estanho), pertencente à Mineração São Francisco de Assis, e MBAC (fosfato), o mais novo empreendimento, que também se encontra em fase de licenciamento ambiental. Quanto aos garimpos, estão em reativação na região com o preço do estanho bastante competitivo, processo indicado pela demanda por permissões de lavras garimpeiras no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que somam 166 requerimentos e 19 permissões, enquanto, em 2006, não havia nenhuma (ARBS, 2013). Após redução intensa, o processo de desmatamento mostra sinais de retomada, em patamar bastante inferior aos picos históricos. Em 2012, do desmatamento (total de 169,7 km2), 53% é feito em propriedades particulares (90 km2), 30% na APA Triunfo do Xingu (50,9 km2) e 16% em assentamentos do Incra (27,7 km2). Três assentamentos do município ocupam postos de destaque em superfície desmatada no universo de assentamentos paraenses. Pombal está em segundo lugar, Colônia São José do Xingu em quinto, e Sudoeste em oitavo, um aumento de 35% em relação a 2012.

Tabela 9 Amazônia Legal, Pará e São Félix do Xingu, taxa anual de desmatamento, período 2004 a 2012

(km2/ano)

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Amazônia Legal 27.772 19.014 14.286 11.651 12.911 7.464 7.000 6.418 4.571 Pará 8.870 5.899 5.659 5.526 5.607 4.281 3.770 3.008 1.741 São Félix do XIngu 1.081,7 1.405,3 762,1 877,6 761 441,6 353,8 140,1 169,4 Fonte: PRODES, 2013

Os novos padrões de desmatamento são de detecção mais difícil, conforme relatado pelo Superintendente do Ibama no Pará.

                                                                                                               85  Através da Portaria municipal n.4549/2012.  

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A Sema foi conosco no ano passado fazer uma operação de 20 dias, depois voltou, foi de novo, nós mandamos gente para lá e mesmo assim, fomos surpreendidos em São Félix do Xingu com movimento grande de pequenos desmatamentos que o Deter não enxergou. E na nossa análise, os pequenos desmatamentos representaram muito no Brasil, na Amazônia no ano passado. Municípios que não tiveram um alerta do Deter, porque só capta acima de 25 hectares, mas no Prodes, que capta até 6,25 hectares, 100% do município foi desmatado em áreas pequenas. Nós não enxergamos porque ficamos cegos para colocar a operação lá dentro. O município não enxergou. [...]A vontade que eles têm é grande. São Félix [...] também mostrou alguns avanços, mas fomos pegos de surpresa por aquilo que não enxergou. São Félix está no caminho bom mas ainda é preciso verificar o que aconteceu [...] Não tem como deixar só com essas ferramentas. Essas ferramentas não se mostraram [suficientes]. (Hugo Schaedler, superintendente do Ibama-PA, entrevista, 2014)

Ao final de 2013 há 5.460 propriedades dotadas de CAR, somando 5,6 milhões de hectares cadastrados. Um total de 11 propriedades rurais estão inscritas no Programa de Boas Práticas Agropecuárias no município. A atual capacidade institucional para gestão ambiental do município de São Felix do Xingu está caracterizada por notável avanço na construção de capacidades técnicas para controle ambiental, permanecendo precária em recursos humanos. O sistema de gestão ambiental municipal é composto pela secretaria (Semmas), o Conselho municipal de meio ambiente e pelo Fundo municipal. A Semmas possui um núcleo específico de licenciamento ambiental. Quanto a recursos humanos, a Semmas dispõe de um total de 24 funcionários, dos quais 13 permanentes e 11 temporários. Cerca de 7 funcionários estão alocados nas atividades-fim da Semmas, todos concursados. Os demais funcionários estão alocados em atividades de saneamento. O município está habilitado para exercer o licenciamento ambiental de atividades de impacto local desde novembro de 2009. Dispõe-se de algumas normas específicas para a gestão ambiental, em particular as regulamentadoras do exercício do licenciamento ambiental, como a lei de taxas. A principal fonte de recursos para a gestão ambiental é o Tesouro municipal, complementado com recursos do fundo municipal. A Semmas está sediada em edificação pertencente ao IBAMA, que pretende cedê-la definitivamente ao município. No mesmo prédio há salas ocupadas pelo IEB, TNC e pelo próprio IBAMA. Ao lado deste foi construída edificação para o Observatório ambiental, inaugurado em agosto de 2013, financiado com recursos do PP-MMA. O Observatório, operado por funcionários da Semmas, dispõe de equipamentos (computadores, impressora) e softwares de gerenciamento de dados geográficos, também financiados pelo MMA através do Projeto Pacto, contribuem para melhorar o desempenho das atividades de controle ambiental da Semmas. Para o monitoramento do desmatamento são usados dois sistemas, o DETER e o SAD, que capturam imagens a cada dois dias do desmatamento na região. No Observatório são geradas rotas de acesso e relatórios com as coordenadas das áreas indicadas, facilitando a localização dos desmatamentos.

Tem lugar que até hoje – há 27 anos que eu moro aqui – eu não sei como chegar, e através da sala de monitoramento, a gente já sabe como chegar, porque lá vai aparecer que tem uma estradinha aqui de Fulano de Tal, você vai entrar por aqui e tal. Joga no GPS e a gente vai bater em cima. O GPS, através da sala de monitoramento, jogou no GPS da gente Chegamos, já foi para o ponto, com nome de fazenda, com nome do proprietário, com tudo resolvido. Porque, dentro da sala de monitoramento, eles já veem ali a área da pessoa, tem o CAR da pessoa, tem o nome, o CPF, a identidade. Se você já vai para fazer um auto, vai com ele

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preenchido, só dá um jeito de a pessoa assinar. (Valdemir Silva, Diretor de Fiscalização, Semmas, entrevista, 2014)

Entretanto, é consenso que o número de fiscais é insuficiente para responder com efetividade à demanda de controle ambiental, sendo estimado o contingente mínimo de 20 fiscais para responder à demanda, apoiados por pelo menos 6 caminhonetes e um helicóptero. Foram identificadas atividades de defesa ambiental realizadas em cooperação intergovernamental e com OSCs: a Semmas desenvolve atividades em parceria com a TNC, o IEB e o MMA. Quanto aos registros de atividade ambiental, são precários. O Secretário de Meio Ambiente que assumiu em 2013 relatou ter constatado a ausência de sistemas de protocolos e de registros de atividades das gestões passadas. Os avanços registrados no campo são bem recentes: indicadores quantitativos da evolução da capacidade de gasto ambiental do município (Tabela 10), cujas estatísticas estão disponíveis até 2011, não refletem mudanças na capacidade de gasto específica em controle ambiental.

As prioridades da Semmas incluem intensificar o combate ao desmatamento, ampliar o licenciamento, inclusive de atividades minerárias, e enfrentar os conflitos envolvendo a pesca predatória e populações indígenas. O fortalecimento institucional da Semmas tem sido apoiado pelo MMA, que contratou consultoria para fazer um diagnóstico institucional, já concluído, planejamento estratégico, treinamentos e sistema de controle de gastos. Principais desafios A Agenda chamada de “pós-pacto” agrega as demandas expressas no processo de pactuação do PP-MMA, organizados nos eixos de produção, crédito, regularização ambiental, regularização fundiária, gestão de áreas protegias, infraestrutura, monitoramento e fiscalização. A própria Comissão do Pacto foi recentemente objeto de uma avaliação de desempenho promovida pela TNC. Os processos especulativos persistem como um dos principais fatores do quadro atual:

Se vocês se lembram, logo que o Minc assumiu e fez aquela megaoperação do Boi Pirata, houve uma fazenda em particular, em São Félix do Xingu, onde foram apreendidas 10 mil cabeças de boi. Era uma área desmatada de 10 mil km2 a 200 km da área urbana de São Félix do Xingu, a polícia desceu de helicóptero, fez uma megaoperação, o ministro veio. Depois disso, foi quase um ano para conseguir alguém para tirar o boi lá de dentro. Ao final das contas, o ministério teve que pagar para tirar o boi, pois nem dando alguém queria ir buscar o boi lá dentro. Por inviabilidade financeira. Você ir buscar a 200 km, em estrada de chão... é mais do que inequívoco que não existia nenhuma equação financeira que sustentasse pecuária naquelas condições. A equação só se fecha quando coloco o preço da terra, quando

Tabela 10: São Félix do Xingu, Despesas em Gestão Ambiental, 2006-2011

2006 2007 2008 2009 2010 2011 Gestão Ambiental 452.489,86 455.281,75 794.496,03 1.144.273,36 1.806.503,84 328.683,02 Controle Ambiental 0,00 9.347,70 0,00 0,00 0,00 0,00 Fonte: STN, 2013.  

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se coloca a operação da terra. Esse exemplo é muito simbólico, mas isso se fecha em qualquer outra frente de expansão. Então se você olhar aqueles 5 milhões de hectares que foram incorporados como terra produtiva ali na região da chamada Terra do Meio, ao longo de 7-8 anos, praticamente 1 milhão de hectares por ano, a equação econômica dessa expansão jamais se pagaria pela pecuária, jamais se pagaria pela soja com tal facilidade, ela se paga no preço da terra, ela se paga na valorização da terra. Sair de uma terra que você gasta 100-200 reais por hectare para ocupar, em muitos casos a custo negativo porque o preço da madeira para o madeireiro ilegal é paga, paga os custos de entrada, inclusive limpeza da área, a limpeza social etc. Portanto, com bom planejamento, pode-se chegar ocupar essas áreas com custo negativo e você sai de uma área que não te custou nada, ou custou muito próximo de zero, ou seja, imobilizar esses recursos, até 2 ou 3 anos depois, quando começaram a valer 1 mil, 2 mil reais por hectare. Hoje deve estar valendo 4- 5 mil reais por hectare. Portanto, uma fazenda de 10 mil hectares, deve ter saído um investimento inicial de 1 milhão de reais, 1 milhão e pouco, para colocar os bois lá dentro, parte disso se pagando com a retirada ilegal da madeira, a venda ilegal da madeira. 3 – 4 anos depois, quando se fez a operação, possivelmente naquele momento ela valia algo em torno de 20 milhões de reais. Aí, a operação se explica, a equação econômica se fecha. E porque estou falando isso? Porque se formos olhar o aspecto fundiário no Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia, ele ficou intocado. (ex-secretário Sema-PA Valmir Ortega, entrevista, 2014)

O déficit de desempenho na gestão da APA Triunfo do Xingu também foi apontado:

Você tem uma APA estadual que é a APA mais desmatada da Amazônia e, nesse caminho, a Sema tem falhado muito, o governo do estado por meio da Sema, na questão tanto de gestão da APA, a APA permite que tenha produtores lá, mas não permite novos desmatamentos. E a Sema tem recursos, e não está conseguindo fazer a gestão adequada dessa área de produção ambiental. Então o município fica um pouquinho prejudicado por isso. Ele é impactado pelos assentamentos também e ele está na divisa do Mato Grosso, na fronteira agrícola da soja. O pessoal da soja, de grãos, está entrando no município e a força especulativa é muito grande. Esse pessoal tem dinheiro, tem recurso, eles desmatam de madrugada, eles desmatam quando o satélite não está vendo, eles colocam 500 pessoas no campo para desmatar uma área grande de uma vez. Quando o Ibama chega lá, já não é tão fácil pegar. O fato é que o município reduz o desmatamento de 800 quilômetros por ano para 170, 180 quilômetros. Reduz de 70 a 80%, ainda não é suficiente para sair da lista, mas tem muito avanço ali. Talvez, se o prefeito tivesse um pouco mais de apoio, de fiscalização, ele está disposto, ele está fazendo. Talvez para combater esse desmatamento, ele conseguisse tirar o município de forma mais rápida. (procurador Daniel Azevedo, MPF-PA, entrevista, 2014)

Indícios da prática de desmatamento são percebidos na sede municipal à luz do dia:

Você andou de carro na cidade ontem? Vocês não viram uma corrente enorme em cima de um caminhão? Aquelas correntes de navio, sabe, com os anéis desse tamanho? Mas é para fazer o quê? Não tem navio aqui, não tem navio assim tão grande para puxar. O que ela tinha na borda desses anéis? Tinha pedaço de ferro para arrastar o correntão. Pega esses dois tratores enormes, coloca essa corrente enorme e faz a derrubada. Quem faz? Pequeno não faz, certamente. Porque para puxar uma corrente assim, não é um tratorzinho qualquer, tem que ter muito dinheiro.[...] Os pequenos fazem um pouquinho menos, mas os grandes, não sei, não, se estão fazendo menos ou mais. Ou se estão descobrindo um novo modo para enrolar os órgãos oficiais para dizer que não tem. A corrente não estava escondida, estava em cima do caminhão. [...] Corrente que para puxar de um lugar para outro tiveram que chamar um guincho, para puxar de um caminhão para o outro, porque é pesadíssima. Uma corrente assim não é para pouca coisa! (Danilo Lago, CPT)

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Os atores protagonistas do desmatamento continuam invisíveis, a despeito da amplitude de setores mobilizada para o pacto:

Sim há atores invisíveis e esses são complicados para nós. A primeira questão é que em São Félix o padrão de polígonos é bem maior do que em outros lugares. Tem fazendas de 7 mil hectares, de 8, de 10, 15 mil. São Félix tem muitos polígonos, muitas fazendas que são de deputados e senadores de outros estados. Você nunca vai vê-los lá. A gente não consegue, vai atrás, quer fazer o CAR deles. Sabemos que estão lá em Tocantins, estão em Goiás. O Giovane que está aqui dentro e fez esse trabalho de cadastramento conseguiu localizar vários. Mas eles nunca respondem, estão fora, nunca participam das reuniões. Mas desmatam. Esse é também um problema em São Félix. Temos uma parte aqui no norte onde estamos trabalhando, aí vem uma terra gigante de caiapó e lá no sul, em Vila Rica, conflito com Mato Grosso, tem 300 mil hectares de área ocupadas por fazendas. Já é fronteira com Mato Grosso, que tem conflito para saber se é Mato Grosso ou Pará. E os dois municípios estão embargados, tanto São Félix desse lado quanto Vila Rica do outro. Essa saída de cá é complicada também por causa disso. Tem uma saída de gado para Vila Rica, porque tem uma planta da JBS em Vila Rica. E tem uma outra planta da JBS em Santana, que é o município onde trabalhamos primeiro e que saiu do embargo. Tem invisíveis importantes para se trabalhar. Foi por isso que se criou esse observatório. (...) Para ajudar no combate ao desmatamento, mas também para subsidiar algumas ações de planejamento; não só de controle. E a fase do pós. Como eu falei para vocês, nós trabalhamos com o território, não adianta apenas fazer o CAR. (Francisco Fonseca, TNC, entrevista, 2014).

Segundo o atual Secretário municipal de Meio Ambiente,

99% da área de desmatamentos são feitos por um mínimo de produtores. O município hoje está atravessando uma situação que pode ser vista muito bem na região ao sul do município, divisa com o Mato Grosso. Ali temos a MBAC, que é uma multinacional e está trabalhando na exploração do fosfato. É uma região de pecuária forte, é uma região que está plantando muita soja. Essa região é culpada por grande parte do desmatamento. E tem alguns grandes pecuaristas aqui, que já desmataram muito e estão desmatando agora, sem consciência, sem querer cumprir aquilo que foi estabelecido.(Secretario de Meio Ambiente, Denimar, 2014)

A meta de registro das propriedades rurais no CAR já está cumprida (Tabela 10). Através do trabalho da TNC já foram cadastrados 26,9 mil km2, equivalentes a 81,4% da área cadastrável.

Tabela 10 São Félix do Xingu, Área Cadastrável e Área Cadastrada, valores

absolutos e relativos, 2013 Categorias Total (km2) % Área total do município 84.213,28 100 Área cadastrável 33.129,97 39,3 Área cadastrada 26.976,14 81,4

Fonte: SIMLAM-PA, 2014 Os registros de embargos e autuações do Ibama no município indicam tendência de diminuição dos ilícitos. Entretanto, a evolução das estatísticas sugerem dissociação entre a ocorrência de ilícitos ambientais e a entrada na lista do MMA. Na visão do Ibama-PA, é necessário aprimorar a estratégia de controle:

Não tem como deixar só com essas ferramentas. Essas ferramentas não se mostraram suficientes. A parte do monitoramento, do Observatório, foi feita, mas a parte do controle tem

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que estar próxima. Nos pautamos bastante no Deter e não viu o alerta. A operação foi mais focada em garimpo, uma ou outra operação para coibir o que apareceu de polígono, mas o que era pequeno, não conseguimos enxergar. (Hugo Schaedler, superintendente Ibama-PA, entrevista, 2014)

Fonte: IBAMA, 2013

Fonte: IBAMA, 2013

Entretanto, segundo o prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber, a prioridade do atual governo é equacionar conflito com as mineradoras em operação no município, tema prioritário em sua entrevista:

A Vale está implantada e retira níquel do nosso município e, infelizmente, nos deixa muito pouco, investiu muito pouco no nosso município. Faz dois anos que ela extrai o minério do nosso município, o projeto Onça Puma, mas não nos deixa nada a não ser as crateras....Na época que as licenças da Vale foram feitas e que ela comprou o projeto Onça Puma, o município deveria ter sido ouvido, ter audiência pública, mas essa parte foi pulada. […] muito grave, não poderia ter acontecido.

No que diz respeito à visão “do chão” sobre o desempenho das esferas estadual e federal, os relatos dos atores sublinham a insatisfação das organizações locais com o desempenho das esferas governamentais estadual e federal na agenda pós-pacto86. Estes atores enfatizam o déficit da ação estatal das esferas federal e estadual: a presença do estado no município permanece muito baixa. Apresentação da Semmas em agosto de 2013 aponta ausência de                                                                                                                86  Entre as justificativas para a escolha do município são citadas a concordância do governo municipal em sediar e participar do projeto e o interesse das esferas estadual (mencionada a Sema-PA) e federal (mencionado o Ibama), como perspectiva de colaboração intergovernamental (ibid, p. 10 e seq.).  

0  20  40  60  80  100  120  140  

2006  2007  2008  2009  2010  2011  2012  2013  

Figura  12:  São  Félix  do  Xingu,  número  embargos  Ibama,  2006-­‐2013  

Embargos  por  desmatamento  

Embargos  totais  

0  50  100  150  200  250  

2008   2009   2010   2011   2012   2013  

FIgura  13:  São  Félix  do  Xingu,  número    autuações  IBAMA    2006-­‐2013  

Cadastro  Técnico  Federal  

Controle  ambiental  

Unidades  de  conservação  

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corresponsabilidade do Estado e da União, expressa por ausência de instrumentos de incentivo e assistência técnica ao produtor rural para reduzir o desmatamento, ausência de investimentos em infraestrutura, ausência de regularização fundiária e falta de diálogo sobre ações preventivas e repressivas. A apresentação se encerra com a palavra “desmotivação”. Há, ainda, um amplo consenso no município sobre a necessidade de se rever os critérios de saída da lista, considerados injustos, apoiados pela esfera estadual.

Por ser um município gigante, também a regra do teto dos 40 km, para ele fica muito complicado. Então ele reduziu, já desmatou no passado 1.400 km/ano – que é praticamente o que o Pará desmatou no ano de 2012 – ele conseguiu reduzir a menos de 200 km. Mas para ele chegar nos 40 km, é como pegar alguém obeso – de 200 kg – e dizer que tem que chegar a 50 kg. Chegar nos 90 kg já é... mas não! Tem que chegar nos 50 kg. E, às vezes, não vai conseguir mesmo. Ou vai demorar um pouco para conseguir. (secretário do Programa Municípios Verdes, Justiniano Netto, entrevista, 2014)

Estima-se, também, que não há resultados concretos do trabalho da Comissão do Pacto. Pequenos agricultores começam a cobrar muito o apoio para a questão produtiva. Segundo a Adafax,

[...] a coordenação das demandas da Comissão está atualmente nas mãos da TNC. A coordenação das demandas é um problema para a Comissão, porque elas abrangem um público muito amplo, que vai do ribeirinho, extrativista, questão indígena, agricultura familiar, grandes fazendeiros. Quem tem legitimidade para coordenar uma discussão dessa, um processo como esse? Quem faz isso hoje é a TNC. (Pierre Clavier, Adafax, 2014)

OSCs são questionadas pela falta de apoio aos pequenos – segundo a CPT, o pacto teve consequências negativas para os pequenos produtores:

Pelos pequenos, o pacto foi, num certo sentido, quase negativo. Porque o pequeno era proibido de queimar. Só que para o pequeno, que tem 20 alqueires, não queimar é um problema, porque não tem outra fonte de lucro, não tem outra expectativa do que ele vai fazer. O pequeno estava acostumado – não digo que seja justo o que o pequeno faz, mas eu entendo um pouquinho – a derrubar uma linha, duas linhas, meio alqueire, planta e vai para frente. É uma destruição, concordo, mas não derrubar, deveria recuperar pasto, deveria ter maquinário, deveria ter todas essas coisas. O pequeno é até mais fácil até de controlar, porque está na beira da estrada, não está muito longe, o pequeno não vai muito longe, a dificuldade de transporte, é mais fácil controlar. Só que ele sentiu mais o peso da proibição de não desmatar. O que fazem as ONG diante de situações tão injustas? (Padre Danilo Lago, CPT, entrevista, 2014)

Segundo vários atores, está presente o descrédito em relação ao Pacto:

“O Pacto não cumpriu nada. Estamos em fase de descrédito. Não se sente compromisso do prefeito. Necessária repactuação. Parece ser difícil que São Félix Do Xingu saia da lista” (Ruth Correa, IEB, entrevista, 2014).

Acho que é muito para inglês ver. Na prática mesmo, os produtores não estão dispostos a mudar e vão querer se enquadrar porque é obrigatório. Mas o poder público, o município (não sei não); parece que para tudo tem um jeitinho. Parece que o interesse que prevalece é o interesse econômico da mesma galera que sempre esteve ali. (Fernando Niemeyer, Associação Floresta Protegida, entrevista, 2014)

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O coordenador do PP-MMA não tem clareza sobre as causas do desmatamento, e reconhece “que aumentou o desmatamento, cujas causas não estão claras [...] motivo de preocupação, ainda que em proporções inferiores ao passado. Sabemos exatamente quem está desmatando e a participação de cada um - grande produtor, pequenos, assentamentos. A ação de controle e punição é do Ibama, e o município, responsável pelas ações por ele licenciadas (Lei complementar n.140/2011)”, diz Marco Aurélio, PP-MMA. Apesar dos avanços já comentados da governança ambiental municipal em relação ao patamar de 2008, com a reestruturação do órgão ambiental municipal, investimentos do PP-MMA, especialmente a instalação do Observatório Ambiental, permanecem fragilidades nos recursos humanos e há indícios de instabilidade institucional. O secretário de Meio Ambiente nomeado na gestão inaugurada em 2013, Bruno Kono, não havia encontrado registros da gestão passada. Inexistiam sistema de protocolos de solicitações de licença. O secretário Kono permaneceu apenas pouco mais de um ano na pasta. Em 2014 assume novo secretário, Denimar Rodrigues, ex-prefeito da cidade no período 2005-2008, atualmente acumulando esse cargo com a pasta de Agricultura.

Recebemos de seis a sete denúncias por semana no telefone da secretaria ou no meu número pessoal também, porque a gente deixa esse telefone disponível. Mantemos anonimato. Temas mais frequentes são caça, como pesca, como poluição sonora, como carvão [...] Melhorou bastante nosso trabalho! Jogou no GPS chegamos já no ponto, com nome de fazenda, com nome do proprietário, com tudo resolvido. Dentro da sala de monitoramento, eles já veem ali a área da pessoa, tem o CAR da pessoa, no CAR da pessoa tem o nome, o CPF, a identidade. Se você já vai para fazer um auto, vai com ele preenchido, só dá um jeito de a pessoa assinar (diretor de Fiscalização Valdemir, Semmas, entrevista, 2014)

Os avanços são modestos se medidos à luz da magnitude dos problemas a serem enfrentados. Apenas recentemente o município formalizou sua integração ao PMV. Na visão de Justiniano Netto, secretário extraordinário do Programa Municípios Verdes,

é um município que tem uma estrutura de gestão ambiental melhor até que a de Paragominas, grande. (...). Tem uma secretaria grande – tem umas 30 pessoas – o comitê local do pacto funciona. Tem lá uns 30 membros. É bastante ativo. Tem várias entidades trabalhando esse tema do desmatamento. Agora, é um município gigante, que sofre com a pressão da especulação fundiária; é um município de fronteira. Paragominas foi fronteira há 20, 30 anos atrás. Sofreu aquela pressão; aquele impacto. Hoje, o produtor que está lá, que já abriu a sua fazenda; que desmatou há 10, 20 anos? Já consolidou; já veio o código que diz: “Olha, é até 2008. Agora se aquieta”.

Segundo o Superintendente do IBAMA no Pará, para conter o desmatamento são indispensáveis avanços no controle e monitoramento.

São Felix está no caminho bom, mas ainda é preciso verificar o que aconteceu, precisa ter um planejamento e manter a atenção. Não tem como deixar só com essas ferramentas. Essas ferramentas não se mostraram suficientes. A parte do monitoramento, do Observatório foi feita, mas a parte do controle tem que estar próxima. Nos pautamos bastante no DETER e não viu o alerta. (Hugo Américo, entrevista, 2014)

Segundo os entrevistados, além de mais presença do Estado fiscalizador as demandas abrangem a resolução dos problemas fundiários, política pública “maciça e clara para que os agricultores possam de fato se viabilizar com esse novo paradigma, não desmatar”. Estas demanda formam uma agenda cuja coordenação é em si mesma um desafio para a Comissão do Pacto. Pergunta Clavier:

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A coordenação das demandas é um problema para a Comissão, porque elas abrangem um público muito amplo, que vai do ribeirinho, extrativista, questão indígena, agricultura familiar, grandes fazendeiros. Quem tem legitimidade para coordenar uma discussão desse, um processo como esse?

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4. ANÁLISE DOS CASOS, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Nesta Seção são apresentadas as conclusões resultantes da análise dos casos, organizadas em três subseções. Na primeira subseção é sintetizada a análise conjunta dos cinco casos estudados, segundo aspectos selecionados. Na segunda subseção são alinhadas conclusões da pesquisa segundo seu objeto central: os processos desenvolvidos nos municípios para exclusão da lista do MMA. Na terceira subseção são apresentadas recomendações e sugestões para desdobramento e aprofundamento da pesquisa. 4.1 Os estudos de caso: análise de aspectos selecionados A seguir são apresentados os papéis desempenhados pelos atores considerados mais relevantes, as ações priorizadas, o apoio institucional, os principais resultados, demandas, desafios e oportunidades. 4.1.1 Os atores Os processos desenvolvidos para exclusão dos municípios da lista são produto da ação coletiva através da constituição de coalizões de interesse. Essas coalizões são multissetoriais, conjugando diversos atores. No Capítulo 3, foram descritas em detalhe as coalizões, os atores e processos desenvolvidos. Nesta subseção, a análise dos atores é feita segundo dois grandes grupos: os atores extralocais e os atores locais87. 4.1.1.1 Os atores extralocais A esfera executiva federal: o Ministério do Meio Ambiente Ao lado do IBAMA, o MMA é sem dúvida a entidade federal mais envolvida com os processos estudados. As unidades administrativas que participaram mais diretamente de ações relacionadas aos municípios da lista são o Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento (DPCD-Secex)88 e a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR). Em alguns municípios estudados o MMA cumpre dois papéis importantes para a consecução das metas para saída da lista do MMA: (i) a promoção do CAR (definição da estratégia e                                                                                                                87  Neste trabalho são considerados atores extralocais as organizações privadas de atuação em escala espacial que abranja diversos municípios, bem como organizações públicas das esferas estadual e federal. Estão incluídos nesse grupo (i) agências financiadoras/doadoras de recursos viabilizadores de ações vinculadas à política de combate ao desmatamento, assim como ações em âmbito municipal destinadas à consecução das metas que conduzem à exclusão dos municípios da lista do MMA; (ii) organizações da sociedade civil com atuação na estratégia de combate ao desmatamento no âmbito de políticas e programas; (iii) organizações estatais federais e estaduais pertencentes ao Executivo que têm atribuições diretas na implementação da estratégia de combate ao desmatamento; (iv) organizações estatais pertencentes ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público dos Estados do Pará e de Mato Grosso. São classificados como atores locais aqueles cuja identidade, inserção social e profissional se dá predominantemente através de vínculo nos municípios estudados, assim como aqueles que participaram do processo de saída da lista do MMA através de organizações públicas e privadas de atuação exclusiva no município. Na medida em que o papel das OSCs no campo da política federal de desmatamento, reconhecidamente importante, está fora do escopo da presente pesquisa, o papel das OSCs é analisado na categoria de “atores locais”.  88  Atualmente o DPCD está formalmente na Secretaria Executiva (Secex), mas, na prática, subordinado à Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental (SMCQ).  

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financiamento) em Marcelândia e São Félix do Xingu, e (ii) a promoção de estratégia para saída da lista (compreendendo o desenho da estratégia adotada, financiamento de sua implementação, execução de ações através de escritório local e em parceria com outras organizações, conforme Capitulo 3), em São Felix do Xingu. O MMA sempre teve presente que os procedimentos para o CAR, sucintamente descritos no Capítulo 2, são complexos, envolvem variados recursos e, especialmente à época, conhecidos apenas por minúsculo grupo de especialistas89. O CAR dos proprietários rurais em Marcelândia, financiado com recursos provenientes do governo norueguês (USD 782 mil para Marcelândia), foi executado por meio de contratação de empresa privada via Pnud90, em ação considerada como integrante do Plano de Combate ao Desmatamento no Estado do Pará (PPCAD), em parceria com a Sema-PA e a Emater. Segundo entrevistas com gestores do MMA, a justificativa para o financiamento do CAR a municípios selecionados ad hoc era a necessidade de experimentação de distintas estratégias para execução do CAR. Em São Félix do Xingu, o CAR foi realizado por meio da contratação da TNC. Em ambos os municípios estudados cujo processo de CAR foi promovido pelo MMA, a meta de registro de pelo menos 80% da superfície cadastrável já foi atingida. No que toca à promoção de estratégia para sair da lista pelo MMA, a atuação em São Félix é uma experiência única no contexto das relações MMA-municípios da lista. O projeto para redução do desmatamento em São Félix do Xingu foi desenhado no DPCD-MMA, tendo sido viabilizado com recursos provenientes da Comissão Europeia (€ 4,9 milhões). Sua implementação, atualmente em curso, é feita em parceria com a Sema, Iterpa, Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará / Ideflor, TNC, IEB, a então Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo / Sematur e os frigoríficos Bertin e Frigol (BRASIL, 2011), com conclusão prevista para o segundo semestre de 2014. A justificativa do MMA é fazer da experiência nesse município um case.

A proposta era de aprofundar a manutenção da estratégia dos municípios prioritários. Por um lado as ações de combate de controle e por outro a Operação Arco Verde que se encontrava cambaleante. Era preciso enfrentar a realidade com mais força, encontrar alternativas, uma delas foi captar recursos para apoiar esses municípios. Nós tínhamos um projeto no ministério, que a Nazaré coordenava em São Félix do Xingu, uma espécie de projeto piloto. A ideia era eleger um município que mais desmatava na Amazônia, com problema fundiário crônico, e se o MMA conseguisse resolver a situação, se encontraria um modelo para resolver os demais. Então o ministério foi para dentro do município, tanto que o nome do projeto era Pacto Municipal da Redução do Desmatamento, executado por um órgão municipal. [...]. (Mauro Pires, MMA, entrevista, 2013)

                                                                                                               89  O fato de o CAR ser um dos critérios colocou para a gente a seguinte questão: como é que se faz para aqueles municípios fazerem o CAR? Sendo uma ferramenta nova, naquela época, praticamente existentes apenas em Mato Grosso e Pará. Foi um desafio que a Isabela colocou para a gente. A Isabela (ministra do Meio Ambiente, n.e.), que não tinha nada a ver com o início da PPCDAm, que era agenda da Marina, quando ela assumiu perguntou: vocês colocaram esses municípios na lista, dizem que tem que sair. Como é que sai? Nessa época eu era diretor e era necessário achar uma solução. Conseguimos alguns recursos para ir a determinados municípios e efetuar o CAR. Essa feitura do CAR pode seguir várias estratégias. A estratégia que adotamos foi contratar uma empresa, que iria executar, seguiria a legislação estadual, mas de forma articulada com a administração local. Outra estratégia foi chamar a TNC (financiada pelo governo federal), e perguntamos que municípios ela mantinha relação mais direta, e que poderia fazer o CAR. Era a única ONG que sabia fazer o CAR. (Mauro Pires, MMA, entrevista, 2013)  90  Em duas tentativas, a primeira fracassada.  

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A esfera executiva federal: o Ibama O Ibama, braço executor da política federal de comando e controle ambiental, é dotado de agenda própria, na qual se inscreve sua participação no PPCDAm. Sua atuação nos municípios estudados se revelou decisiva para a consecução das metas para exclusão da lista do MMA91. Pode-se distinguir quatro papéis desempenhados pelo Ibama, importantes para os cinco processos estudados: (i) a fiscalização intensiva nos cinco municípios através da Operação Arco de Fogo e outras (de nomes diferentes, mas objetivos idênticos, tais como a Operação Boi Pirata em São Félix do Xingu), (ii) publicização dos autos de infração e de embargos em seu portal eletrônico, (iii) agente primário de controle ambiental nos municípios mato-grossenses e (iv) agente de apoio à mobilização de produtores e monitoramento de CAR92. A ação de fiscalização do Ibama nos municípios da lista a partir de 2008, por meio de operações associadas de inteligência e fiscalização intensiva (Arco de Fogo e similares), em parceria com outras organizações93, foi um dos fatores mais importantes para a redução do desmatamento nos municípios estudados, conforme relatos. Ao serem inseridos na lista do MMA em 2008, os cinco municípios já tinham experimentado de forma contundente os efeitos da ação do Ibama e seus parceiros através de operações como a Curupira e Ouro Verde, conforme relatado no Capítulo 3. Em 2008, o Ibama aprofundou o impacto na redução do desmatamento, tendo incluído todos os cinco municípios estudados nessas operações. O segundo papel do Ibama é o suporte dado à estratégia de responsabilização dos agentes das cadeias produtivas envolvidas com o desmatamento, promovida pelo MPF no Pará e em Mato Grosso. A publicização dos embargos e autos de infração no portal do Ibama a partir do primeiro semestre de 2008 forneceu a base material para cobrança de corresponsabilização ambiental aos demais agentes das cadeias produtivas. O papel de agente primário de controle ambiental foi assumido pelo Ibama em MT a partir de 2011, com o acordo feito com a Sema-MT segundo o qual caberia ao Ibama o controle ambiental acima do Paralelo 13 e à Sema a porção territorial abaixo do Paralelo. Tendo a seu cargo a região amazônica mato-grossense, o Ibama cumpriu com efetividade esse papel nos

                                                                                                               91  No dizer do superintendente do Ibama no Pará, o PPCDAm criou sinergias para a consecução de sua agenda.  92  Além da atuação nessas linhas, durante o período estudado foram reportadas melhorias de ordem institucional e organizacional que potencializaram resultados dos trabalhos de rotina da organização. A efetividade da atuação do Ibama aumentou por conta de inovações de ordem institucional e organizacional, ao longo do período de análise dos casos, essencialmente por conta de três novos fatores: obrigatoriedade de embargo da propriedade rural em situação ilegal, emprego de sanções combinadas com o objetivo de descapitalizar o infrator, e o aprimoramento dos procedimentos de análise de processo. A obrigatoriedade de embargo foi instituída pelo Decreto n. 6.321/2007, associada à obrigatoriedade de publicização dos imóveis embargados e dos autos de infração. A partir de 2008, a aplicação das sanções administrativas focalizou a descapitalização do infrator através da combinação de sanções - apreensão de bens (trator, de gado), com retirada imediata do bem das mãos do infrator (através de transporte, destruição ou perdimento, leilão, doação sumária). O aprimoramento interno dos procedimentos burocráticos de instrução, análise e julgamentos de processo de auto de infração, através de instruções normativas que definiram procedimentos mais ágeis, diminuiu o número de processos prescritos pela redução do tempo de análise e estabeleceu obrigatoriedade de depósito de parte da multa estipulada em caso de recurso à instância superior, no caso o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).  93  ICMBio, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Sipam, Força Nacional, Exército e as Polícias Militares estaduais.  

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três municípios estudados em MT94, controlando o desmatamento no campo das operações de rotina. O quarto papel foi a colaboração do Ibama de suporte à convocação dos produtores rurais e ao monitoramento da qualidade dos CAR, ocorrida em Marcelândia e Alta Floresta. A esfera executiva federal e a coordenação de ações interinstitucionais do PPCDAm: a Casa Civil, o MMA e a Operação Arco Verde A contribuição da OAV, já sumariamente apresentada no Capítulo 2, está aqui tratada essencialmente porque a expectativa gerada pelos mutirões realizados nos cinco municípios estudados foi um fator importante para as relações entre os atores locais e o MMA/PPCDAm. A OAV foi criada em meados de 2009 no âmbito do PPCDAm como um conjunto de ações positivas de apoio aos municípios da lista - antes de mais nada uma resposta às reclamações dos municípios acuados pelas ações da Operação Arco de Fogo. Foi lançada simbolicamente em junho de 2009 pelo presidente Lula, acompanhado do governador Blairo Maggi, em Alta Floresta, instituída formalmente em novembro do mesmo ano. Foram realizados mutirões da OAV nos cinco municípios estudados, com o estabelecimento de agendas de compromisso em cada um. A OAV durou pouco, tendo sido desmobilizada a partir de 201195. O fato de ser objeto da OAV “a produção de modelos produtivos sustentáveis nos municípios” da lista alinha esta Operação ao terceiro componente do PPCDAm, o fomento a atividades produtivas sustentáveis. Assim foram alimentadas as expectativas de que a OAV daria uma contribuição estruturante à transição para sistemas produtivos sustentáveis. Segundo os entrevistados, o aporte da OAV não correspondeu nem à missão formal nem às expectativas criadas. No que diz respeito ao objeto desta pesquisa, a OAV não foi importante para a saída da lista em nenhum dos municípios estudados. À exceção de Alta Floresta e Marcelância, foram unânimes nos demais municípios os relatos de decepção e frustração de expectativas entre os atores locais em relação ao desempenho do governo federal: no dizer de uma liderança local, “venderam sonhos (....). Não vi a OAV criar nenhum só emprego”. Foram mencionadas a ausência de ações estruturantes para sair da lista e a realização apenas de atividades pontuais, tais como cursos de capacitação, implantação de unidades demonstrativas, doação (ou repasse de recursos para aquisição) de alguns equipamentos96. Predominam os relatos de reconhecimento de que a OAV consistiu em “promessas muitas e ações poucas”, ações sem adicionalidade, “fogos de artifício”, “uma maneira de acariciar o que ocorreu na Arco de Fogo”, entrega parcial do que havia sido acordado”, inexistência de

                                                                                                               94  No Pará, essa responsabilidade é compartilhada com a Sema-PA em todo o território paraense, dentro de suas respectivas competências. 95  Segundo  o  entrevistado  Mauro  Pires,  a  OAV  teve  uma  vida  extremamente  curta:  “O auge da Arco Verde foi com o decreto que institui a operação, em 2009. Os mutirões aconteceram antes do decreto, durante o fim do primeiro semestre e início do 2º (maio a setembro/09). Mas em novembro desse ano, a Teresa Campello chamou todos os prefeitos e todos os governadores com uma agenda com o presidente da República, para realizarem um balanço da Operação Arco Verde, dentro do arranjo. Nesse dia o Lula assinou decreto formalizando a Operação. Mas no dia seguinte a Arco Verde morreu. Morreu porque qual seria o segundo passo? O segundo passo era dar sequência de todas as agendas compromissadas, com uma ação muito forte de cada um dos órgãos envolvidos. Mas já estávamos no fim de governo, pois era final de 2009, 2010 era eleição. E aí a Arco Verde morreu mesmo. Já no mandato da Dilma, aí morreu mesmo, pois a Teresa foi ser ministra que nada tinha a ver com esta agenda, e não tinha ninguém na Casa Civil que topasse esse formato, e o Johannes [Eck, n.e.] que era o responsável por operação, também não concordava com este modelo”.  96  Por exemplo, veículo 4x4, kits notebook/Datashow/GPS e impressora em alguns municípios; patrulhas agrícolas mecanizadas compostas de trator, carreta, arador e plantadeira.  

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ações estruturantes, sobretudo no que se refere a fomento a atividades sustentáveis e regularização fundiária. O Ministério Público Federal A participação do MPF nos municípios da lista tem sido desenvolvida através de diversas linhas de ação, três das quais são descritas abaixo pelo destaque que tiveram nos municípios estudados: (i) corresponsabilização das cadeias produtivas da pecuária, dos grãos e do carvão no Pará e em Mato Grosso, (ii) promoção de Termos de Compromisso (TC) com os Municípios no Pará e (iii) apoio direto à fiscalização. (i) Corresponsabilização das cadeias produtivas da pecuária, dos grãos e do carvão no Pará e em Mato Grosso. Em 2009, liderado por sua procuradoria no Estado do Pará, o MPF iniciou estratégia de corresponsabilização da cadeia da pecuária no estado. O primeiro passo foi a ajuização de ações, em junho de 2009, para indenização de danos ambientais causados ao meio ambiente pela criação irregular de gadocontra 20 fazendas e 11 frigoríficos. A essas se seguiram recomendações para redes de supermercados e indústrias, deflagrando negociações que culminaram na assinatura de Termos de Ajuste de Conduta do MPF-PA com frigoríficos, curtumes e empresas calçadistas – “para o país todo, mais de 70 redes de supermercados, o Pão de Açúcar, o Walmart, Nike, Timberland, todas as grandes marcas que consomem essa matéria-prima foram”, disse Daniel Azevedo, procurador geral do MPF-PA (entrevista, 2014). As empresas se comprometeram a condicionar a aquisição de produtos dos produtores rurais à comprovação de sua adimplência de obrigações ambientais, fundiárias e trabalhistas, além da apresentação do CAR, sendo obrigadas também a estarem cadastradas nas secretarias estaduais de Meio Ambiente, de acordo com prazos estipulados no acordo. Ao todo foram assinados TAC com cerca de 100 frigoríficos, curtumes e outras empresas que revendem produtos com matéria-prima da pecuária. Em paralelo, foi desenvolvida em 2010 uma campanha institucional para divulgar cuidados ambientais e respeito à legislação (Campanha Carne Legal). Em MT, essa estratégia começou a ser discutida em 2009 e, no ano seguinte, ações desse tipo foram replicadas pelo MPF-MT com os três maiores frigoríficos (Araújo; Barreto, apud Ipea/Cepal/GIZ, 2012; MPF-PA, 2013). (ii) Os TC firmados pelo MPF-PA com municípios paraenses. No final de novembro de 2010, o MPF celebrou com o município de Paragominas Termo de Compromisso (TC) do qual participaram o Estado do Pará, a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará / Faepa e o Ibama. Poucos dias antes TC similar havia sido firmado pelo MPF com o município de São Félix do Xingu. Nesses TCs foram estabelecidos prazos para que produtores rurais do município requeressem licença ambiental pelos produtores rurais, obrigações para o município celebrar um amplo pacto pelo controle do desmatamento e criar em duas semanas um grupo de trabalho para monitorá-lo e promover o alcance dos critérios de saída da lista do MMA em um ano, além de introduzir nas escolas municipais noções de educação ambiental de forma transversal. O estado deveria concluir em seis meses a implementação total da Guia de Trânsito Animal Eletrônica (GTAE) e emitir nota fiscal de comercialização de gado só para propriedades rurais dotadas de CAR. À Faepa caberia divulgar o TC entre produtores rurais e apoiar seu cumprimento. Ao Ibama caberia excluir através de TAC individuais os embargos impostos para os municípios que cumprissem as metas e não embargar áreas que já tivessem iniciado processo de regularização. Esses TC foram posteriormente celebrados com todos os municípios que aderiram ao PMV, conforme relatado no próximo item.

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(iii) Além destas há o apoio direto do MPF à fiscalização. Os alertas de desmatamento produzidos pelo SAD/Imazon e por ele enviados às prefeituras também são compartilhados com o MPF, que pode assim cobrar dos municípios a fiscalização, assim como cobrar dos frigoríficos o envio periódico da lista de seus fornecedores (MPF, 2013; MPF, 2014). A esfera estadual: os chefes do Executivo estadual, as secretarias de Meio Ambiente e o Programa Municípios Verdes / PMV-PA A participação da esfera governamental estadual nos processos de saída da lista apresenta feições diferentes segundo o estado do município-caso. Segundo a abordagem deste trabalho a diferença mais importante entre MT e PA é a existência, no Pará, de uma estratégia proativa de cooperação intergovernamental para a redução do desmatamento – iniciativa de política inexistente no governo de MT, Durante o período estudado, a partir da ótica dos casos a participação do governo estadual mato-grossense se deu através do acolhimento, pelo órgão estadual de controle ambiental, a pleitos específicos de municípios, tal como apoio técnico da SEMA-MT para o estabelecimento de procedimentos específicos de CAR pelo município e capacitação de funcionários municipais para operação do CAR em Alta Floresta. Já o governo estadual paraense, inspirado na experiência de Paragominas, foi mais além do apoio técnico da SEMA-PA para o estabelecimento de procedimentos específicos de CAR para os municípios. Construiu uma resposta proativa de caráter estratégico e alcance amplo para apoio aos municípios no combate ao desmatamento, fortalecimento da gestão ambiental municipal e estruturação de soluções para a transição rumo a padrões de produção mais sustentáveis, chamada Programa Municípios Verdes, descrita a seguir. O Programa Municípios Verdes é uma iniciativa do Governo do Estado do Pará que pretende reduzir o desmatamento e promover a transição para uma economia de baixo de carbono. Foi lançado em março de 201197 e, em novembro daquele ano, passou a ter uma organização própria, com a designação de um Secretário Extraordinário de Estado para a sua coordenação, que é exercida com o apoio de um Comitê Gestor composto por 25 representantes da sociedade civil, do Governo do Estado, Ibama, MPF e MPE. Da criação do PMV em 2011 até janeiro de 2014, 102 municípios aderiram ao programa, dos quais 92 assinaram Termos de Compromisso para Ajustamento de Conduta (TCAC) com o MPF, envolvendo o governo do estado, o Ibama, município e a Faepa. O MPF-PA entende a parceria com PMV como a ”fase 2 do TAC da pecuária”. A partir da adesão ao programa o município se compromete com um conjunto de sete metas, que passam a ser monitoradas pela coordenação do PMV98 e validadas pelo Comitê Gestor habilitando os municípios a receberem benefícios, como o desembargo ambiental, incentivos fiscais e prioridade na alocação dos recursos públicos estaduais99. O PMV tem obtido resultados importantes. A taxa de desmatamento no Pará após a criação do PMV (2011 a 2013) registrou uma queda de 21% (enquanto a Amazônia reduziu 9%). Dos 11 municípios que já conseguiram sair da lista do MMA, seis são paraenses. O estado possui

                                                                                                               97  Decreto Estadual n. 54/2011.  98  O  programa  desenvolveu  base  de  indicadores  com  informações  sobre  os  144  municípios  paraenses  que  é  constantemente  atualizada  e  pode  ser  acessada  em  www.municipiosverdes.com.br.  99  Nos termos da Resolução Coges n. 14/2013.  

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mais de 60% da área cadastrável inserida no CAR, com 105 mil imóveis cadastrados (aumento de 54% em 2013). Os pactos de combate ao desmatamento foram firmados em 37 municípios e o Pará conta hoje com 61 municípios habilitados a licenciar atividades locais. Com apoio do Imazon e da Clua, o PMV teve projeto apresentado e recentemente aprovado pelo Fundo Amazônia. O projeto terá duração de 30 meses, com financiamento não reembolsável de R$ 82,3 milhões, que permitirá um ganho de escala na ação realizada até aqui para ao menos 100 municípios do estado, e possibilitará, entre outros resultados, atingir 80% de CAR e estruturar 34 municípios para realizarem combate ao desmatamento e regularização ambiental. Os casos estudados no estado do Pará não permitem uma visão mais precisa da atuação do PMV junto aos municípios da lista: Paragominas saiu da lista antes da instituição do PMV e São Félix do Xingu aderiu ao PMV em 2011, posteriormente à assinatura do Pacto Municipal. Em 2013, no âmbito de projeto apoiado pela Clua, o PMV realizou oficinas de capacitação sobre cumprimento das metas do programa em São Félix do Xingu. Os dois municípios serão beneficiados pelo projeto Fundo Amazônia. As secretarias estaduais de Meio Ambiente As secretarias estaduais de Meio Ambiente contribuíram para a saída da lista no apoio ao processo de CAR, executado por meio de diversos arranjos estabelecidos nos municípios (o próprio município em Alta Floresta, uma empresa privada em Marcelândia, a TNC em Paragominas, aTNC e o município em São Felix do XIngu) – acompanhamento e orientação para da aprovação dos CAR, apoio à elaboração dos CAR, adaptação de procedimentos administrativos100 e capacitação de técnicos municipais e sindicatos para CAR. Em uma segunda linha de atuação apoiaram, com diferentes graus de intensidade, campanhas de queimadas, operações de fiscalização em ambos os estados, na medida de suas capacidades técnicas e operacionais, bastante limitadas. O Ministério Público Estadual (MPE-MT) Em MT, desde 2011 o MPE tem um trabalho de sensibilização sobre as queimadas. Conforme relatado nos casos, o MPE colaborou ao pressionar municípios como Alta Floresta para assumir a liderança das campanhas localmente, contribuindo para a redução do desmatamento. Desde 2011 o MPE-MT tem cooperação informal com o Ibama, tendo acesso ao sistema de registro de ocorrências e demandas pontuais de cooperação, comunicando-se diretamente com os escritórios locais do MPE. Nos municípios de Alta Floresta e Marcelândia atuou como auxiliar da fiscalização ambiental e sanções em parceria com o Ibama. Ajudou a mobilizar os produtores em Alta Floresta, como por exemplo notificando todos os proprietários de gado por meio do Sindicato Rural, assim como em Marcelândia, dando apoio ativo ao trabalho do GT. Entidades de classe de abrangência estadual e nacional Inicialmente porta-vozes de abrangência estadual e nacional das resistências dos produtores rurais ao pacote de medidas relacionadas à lista do MMA, Famato e FAEPA foram                                                                                                                100  A  Sema-MT fez convênio com a Prefeitura de Alta Floresta para que esta última pudesse lançar o CAR diretamente através da Secma municipal. Depois cada agricultor celebrava um TAC individual com a Sema. Troca de informações entre Sema-MT e os municípios sobre os proprietários que não tinham ainda o CAR.  

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mencionadas nos depoimentos colhidos, por conta do apoio político (FAMATO na articulação dos atores locais junto aos governos estaduais e federal, FAEPA integrando os Termos de Compromisso propostos pelo MPF-PA) e eventual apoio logístico às comissões locais em suas viagens às capitais estadual e federal. 4.1.1.2 Os atores locais A esfera governamental municipal: os chefes do Executivo Municipal, os órgãos executivos municipais e a Câmara de Vereadores Em Alta Floresta, Querência e Paragominas os prefeitos tiveram papel ativo desde a entrada da lista. Eleitos em 2004, os três foram reeleitos em 2008 para a gestão 2009-2012. Já em Marcelândia e São Félix do Xingu, a atuação dos prefeitos na gestão 2009-2012 foi inexpressiva, especialmente neste último. Entre os prefeitos ativos, destacam-se o prefeito de Paragominas, Adnan Demachki, como liderança política com visão, credibilidade e carisma extraordinários entre a população local, um dos grandes responsáveis pelo reconhecido caso de sucesso de Paragominas - e a prefeita de Alta Floresta, Izaura Dias Alfonso, que também gozava de credibilidade, apoiou integralmente a saída da lista, tendo delegado a execução da estratégia à sua assessora e secretária de Meio Ambiente, Irene Duarte, apoiando-a durante todo o processo. Em Querência, o prefeito Fernando Gorgen apoiou integralmente a coalizão de produtores rurais sem entretanto liderar o processo. No Executivo municipal as organizações de meio ambiente (secretarias e conselhos municipais) foram atores importantes para exercer sua missão institucional, especialmente em Alta Floresta, Paragominas e Marcelândia, tanto na articulação de atores locais quanto no cumprimento de suas competências no que concerne o combate ao desmatamento - fiscalização ambiental, respaldo técnico à proposição de normas e projetos, inclusive sua organização institucional, campanhas contra queimadas e projetos de recuperação ambiental, captação de recursos através da elaboração de projetos, mobilização de produtores para o CAR. Ainda está por ser mais bem compreendido o papel da Secretaria de Meio Ambiente de São Félix do Xingu, que recentemente foi fortalecida técnica e institucionalmente com financiamento do MMA (PP-MMA), pois as transformações são recentes. Foi frequente o apoio dado pelas secretarias municipais de Agricultura à mobilização dos produtores rurais para o registro do CAR (Alta Floresta, Querência, Paragominas). De acordo com os relatos, foi obtido o respaldo da Câmara de Vereadores nas situações em que ações para sair da lista dela dependiam – por exemplo, na aprovação da criação de órgãos governamentais e novos cargos (Alta Floresta) e de normas municipais contra o desmatamento (Paragominas). Organizações da sociedade civil Há várias OSC atuantes nos processos estudados, variadas em seus formatos, missões, estratégias e aportes ao processo de saída da lista. Seu desempenho já foi detalhadamente relatado no Capítulo 3. Exclusivamente para facilitar a síntese neste item, podemos dividir as OSC em dois grandes grupos – as de atuação exclusiva municipal, as “locais”, e as de grande porte, que atuam em toda ou parte da região amazônica, cuja atuação foi relevante nos casos estudados.

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Quanto às OSC “locais”, encontramos diversas configurações de organizações com variados graus de formalidade.Em um extremo, OSCs legalmente constituídas, tendo como missão a proteção ambiental, tais como o Instituto Floresta e o IOV em Alta Floresta, o GRPAFF em Querência e Adafax (e das organizações que a integram) junto aos pequenos produtores rurais em São Félix do Xingu101. Em dois municípios, foi essencial para sair da lista a organização de atores locais em moldes informais102,: Marcelândia e Querência. Em Marcelândia foi formada uma organização informal, o GT, que cumpriu o papel de grande protagonista para a exclusão da lista. Em Querência, a “organização local” foi ainda mais informal, sem sequer uma lista de integrantes (à diferença do GT de Marcelândia). Quanto às OSC “extralocais, desde uma visão de conjunto dos cinco municípios estudados, evidencia-se que sua participação nos processos estudados foi determinante em duas vertentes – que podemos provisoriamente chamar de contribuição indireta e contribuição direta aos processos locais. A primeira vertente de contribuição das OSC extralocais, a contribuição indireta, refere-se à construção de capacidades técnicas para gestão ambiental, incluindo-se a redução do desmatamento. No Capítulo 3 foi registrada, município a município, a contribuição das principais OSC e foram relatados processos de construção de capacidades locais desenvolvidos nos dez anos anteriores à instituição da lista, que se mostraram cruciais para a existência, em 2008, de atores locais com conhecimento especializado sobre o tema, capacidade crítica e de interlocução com as esferas governamentais. OSCs extralocais também contribuíram de várias outras formas para a constituição de organizações locais com condições de elaborar respostas, formando legados e laços baseados na confiança. Foi decisivo para vários avanços o trabalho enraizado em questões de interesse local, desenvolvido por organizações como o ISA, o Imazon, a TNC, o IPAM e o ICV desde o final da década de 1990, em particular para (i) formar um legado sob a forma de produção de conhecimento sobre a realidade local e formação de quadros dotados de capacidades para gestão ambiental e temas correlatos de desenvolvimento local. Boa parte dos atores locais havia tido experiência em projetos implementados por essas organizações – como por exemplo no manejo florestal, diagnósticos ambientais, combate a queimadas, projetos de Agenda 21 local; (ii) construir relações de confiança e respeito mútuo com atores locais, lastro fundamental das coalizões formadas. Finalmente, um último tipo de cooperação indireta observado nos casos é (iii) a atuação das OSC extralocais na arena de política pública do desmatamento na Amazônia, tais como o Greenpeace com a campanha da moratória da soja, Imazon, ISA, ICV e Ipam na análise e avaliação de políticas. Em Alta Floresta, Paragominas e Marcelândia, é unânime a opinião de que os resultados alcançados para sair da lista só podem ser explicados à luz das parcerias para construção de capacidades iniciadas vinte anos antes, em particular a capacidade de trabalho em regime de cooperação OSC-produtores-governo local. Em Querência, superando as restrições prévias, a viabilidade da construção de trabalho cooperativo entre ISA e produtores rurais assentou-se sobre o reconhecimento da integridade e valor do trabalho do ISA na região, desenvolvido desde dez anos antes. Em Paragominas, as relações de confiança entre o IMAZON e os produtores locais foram construídas desde 1992 a partir de trabalho em cooperação com interesses comuns.

                                                                                                               101O papel cumprido pela ADAFAX merece ser avaliado em mais profundidade para compreensão mais nítida de seu papel para a redução do desmatamento  102  Sem constituição de pessoa juridica  

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A segunda vertente, a contribuição direta, refere-se à atuação das OSC em prol das políticas municipais de redução do desmatamento e defesa ambiental tendo em vista a exclusão da lista do MMA. Esta contribuição foi viabilizada graças aos regimes de cooperação estabelecidos entre as OSCs e o poder público municipal na construção e operacionalização de ações de política ambiental. Entre outros estão os exemplos do Imazon com o monitoramento ambiental via SAD (em parceria com o ICV em MT), capacitação para geotecnologias e para gestão ambiental rural; a TNC, com a elaboração do CAR em Paragominas e São Félix; o Imazon, TNC, ICV e ISA com a produção de diagnósticos ambientais, e o ISA com recuperação de áreas degradadas e suporte aos atores locais com expertise em governança ambiental do tema do desmatamento e capacidade de articulação interinstitucional. Em Alta Floresta, Querência e Paragominas, as OSC cumpriram o papel de assessores do governo municipal para discussão e implementação da estratégia para sair da lista. Em São Félix do Xingu e em Paragominas, o trabalho da TNC foi fundamental para garantir CAR com a qualidade requerida, haja visto o conjunto de tarefas de complexidade técnica envolvidas conforme descrito em 2.2.3; o papel do Imazon no monitoramento do desmatamento, assim como o IEB. Em municípios como Paragominas e Alta Floresta, OSC captaram / alocaram recursos para atividades destinadas a cumprir as metas para exclusão da lista – nos demais, assessoraram atores locais a adquirir a expertise necessária para captar externamente recursos (como no Fundo Amazônia)103. Em alguns casos, sua atuação tem natureza similar à de coprodutores de políticas públicas em cooperação com o governo municipal. Entidades de classe locais As entidades de classe participaram ativamente dos processos de exclusão da lista. Sindicatos patronais de produtores rurais e de madeireiros cumpriram na maioria dos municípios papel protagonista nas coalizões em quatro municípios, especialmente em Paragominas e Alta Floresta, com apoio valioso às estratégias para sair da lista - seguindo-se Marcelândia e Querência. Conforme reiterado em diversas entrevistas, por sua influência e capilaridade os sindicatos de produtores rurais foram os principais responsáveis pela mobilização dos produtores rurais e pela conquista de sua adesão ao CAR. Nos cinco municípios estudados foi central a aliança entre prefeitura, sindicatos de produtores e madeireiros e organização responsável pelo CAR, formalizada em Termo de Cooperação (como em Alta Floresta) ou não (caso de Marcelândia). Além desse tipo de aporte, sindicatos patronais cooperaram de outras maneiras, como por exemplo convocando associados das suas federações sindicais para palestras de esclarecimento e incentivo à inscrição no CAR104. Em Paragominas o Sindicato dos Produtores Rurais alojou a equipe da TNC em suas instalações e seu presidente, Mauro Lúcio Costa, compartilhou a liderança do processo de saída da lista com o então prefeito Adnan Demachki. Em Alta Floresta o sindicato alojou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente durante o seu primeiro ano de existência, cedendo espaço, equipamentos e veículo,                                                                                                                103  No que diz respeito a São Felix, como a atuação da maioria das OSC regionais no município é relativamente recente, e o município está ainda na lista, seria prematuro querer qualificar seu trabalho de uma forma mais abrangente.  104  Registre-se que houve intensa oposição às medidas associadas à lista do MMA, tanto das federações sindicais mato-grossenses quanto paraenses, com ameaça de boicote e resistência ostensiva. Sua posição transformou-se gradualmente em apoio ao registro de produtores rurais no CAR.    

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e convidou o MPE para notificar proprietários rurais em suas dependências para registrar-se no CAR. O Sindicato de Produtores Rurais de Marcelândia foi considerado pelo atual prefeito como ator fundamental no processo de exclusão de Marcelândia da lista: mobilizou produtores, participou ativamente das negociações entre GT e governo federal para a obtenção de recursos, tendo sediado as reuniões do GT, tanto internas quanto com equipes do governo federal. Em Querência, o Sindicato de Produtores Rurais era o quartel-general dos envolvidos com a estratégia de saída da lista. Em São Félix do Xingu, a atuação do sindicato de produtores foi comparativamente mais passiva. Ainda que se tenha registrado a colaboração do Sindicato de Produtores Rurais com a TNC para o CAR e sua participação nas reuniões que culminaram na assinatura do pacto municipal pela redução do desmatamento, foi reportada resistência à colaboração da base de associados e mencionada a limitada representatividade das associações. Os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) tiveram participação expressiva nos municípios de Marcelândia e Querência, em particular junto aos pequenos produtores e aos assentamentos rurais. Em Paragominas, o STTR ofereceu alguma resistência mas terminou por assinar o pacto municipal. Em São Félix do Xingu, o STTR não assinou o pacto pela redução do desmatamento. Atores notáveis Nos cinco municípios estudados, foi observado que, no caso de alguns atores que exerceram a liderança do processo, seus atributos de liderança mostraram-se em certa medida independentes das organizações formais às quais estavam vinculados. A estes atores denominamos provisoriamente de “atores notáveis”. O exercício de liderança está associado a diversos atributos tais como confiança, competência, caráter e firmeza moral105, integridade, capacidade de assumir responsabilidade (autoridade merecida), capacidade de formular estrategicamente um curso de ação, interagir com grupos interessados de maneira inclusiva e atenção aos outros e, finalmente, habilidade de fazer com que as coisas aconteçam. Esses atributos podem ser associados a organizações e a indivíduos independentemente do seu vínculo com organizações (mesmo que a organização seja identificada também a esses atributos) ou de mandato (conquistado pelo voto). Nos processos estudados, destacaram-se atores capazes de motivar e conquistar o compromisso dos demais para com as metas de exclusão da lista. Esses atores, aqui chamados de atores notáveis, têm vínculos organizacionais distintos. Ora atores notáveis estavam exercendo cargos em instituições, ora atuavam sem vínculos com organizações formais. A liderança e desempenho de atores notáveis, observados nos cinco processos para sair da lista, pode ser em grande parte explicada por atributos e trajetória pessoal, aos quais são atribuídos valores compartilhados pela comunidade local. Em suma, neste estudo destacaram-se entre outros Adnan Demachki (ex-prefeito de Paragominas, município que há anos vinha reformulando e fortalecendo o modelo da gestão municipal), Arnóbio Vieira de Andrade (atual prefeito, presidente do GT em Marcelândia), Irene Duarte (ex-secretária de Meio Ambiente de Alta Floresta), Sirlene Juline (ex-secretária de Meio Ambiente de Marcelândia), Suzana Barbosa (secretária de Meio Ambiente de

                                                                                                               105  “Adnan mandaria prender a mãe e ela fizesse um desmatamento ilegal”, diz um entrevistado.  

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Marcelândia, responsável pelo CAR no município), Mauro Lúcio Costa (presidente do Sindicato de Produtores Rurais em Paragominas, uma das lideranças para adesão ao CAR e na difusão de práticas de produção de baixo impacto), José Carlos Rezek e Caio Penido (grandes produtores rurais em Querência), Neuri Wink (produtor rural e ex-vereador em Querência, uma das lideranças para adesão ao CAR e na difusão de práticas de produção de baixo impacto), Adalberto Veríssimo (pesquisador sênior do IMAZON/PA), Laurent Micol (coordenador ICV/MT) Rodrigo Junqueira (quadro do ISA em Canarana /Querência) e padre Danilo (CPT, São Félix do Xingu). 4.1.2 Agenda/ações priorizadas e consolidadas As ações priorizadas pelas coalizões para exclusão da lista do MMA têm perfil variado nos cinco municípios. Em Alta Floresta, no que diz respeito ao desmatamento, (i) foram reforçadas ações preventivas contra queimadas, em prática no município desde o ano 2000 através de um protocolo municipal, tendo abrangido trabalho educativo de forte capilaridade local, a Campanha Alta Floresta sem Fogo; (ii) foi desenvolvido pelo sindicato e por atores notáveis trabalho de conscientização sobre o desmatamento e o significado de estar na lista; (iii) foi intensificada a conscientização para recuperação de recursos hídricos, em particular as nascentes, e (iv) foi dado por ICV/IMAZON suporte para monitoramento do desmatamento. Estas quatro iniciativas tiveram efeito complementar ao que parece ter sido o principal fator para reduzir o desmatamento, as operações intensivas do Ibama106, tendo conseguido reduzir rapidamente a níveis mínimos a taxa municipal de desmatamento, em queda desde 2004. A meta do CAR foi encabeçada pela prefeitura, a ser viabilizada de forma coletiva, financiada através de recursos captados com a apresentação de projeto ao Fundo Amazônia e formação de expertise local com o suporte da expertise do ICV e apoio da Sema. Os demais recursos foram mobilizados de forma compartilhada entre os vários participantes, que recorreram a várias fontes de financiamento. Em Marcelândia, a estratégia se baseou (i) na articulação da regularização ambiental com a regularização fundiária como mote para a mobilização da comunidade e de conquista de apoio político nas esferas governamentais estadual e federal; e (ii) em pleito de recursos externos promovido pelo município junto ao MMA para cumprir a meta do CAR e mobilização através de uma organização informal. Foram priorizadas as ações de campanha contra o fogo107, mobilização de lideranças para pressão junto ao governo federal para viabilizar recursos para o CAR e uso de expertise técnica local para elaboração do CAR. Recursos para as mobilizações foram financiados pelos próprios participantes do GT, apoiados pelo sindicato para conquista de adesão dos produtores rurais. A meta do CAR foi viabilizada coletivamente com recursos financeiros aportados diretamente pelo MMA. Em Querência, foram priorizadas as ações de (i) criação de uma organização de governança ambiental municipal, o Condema, com a função de lócus organizacional, operando com apoio de secretário executivo pago pelos próprios produtores rurais; (ii) elaboração de projeto para captar recursos externos ao município para recuperar 100% de APP com assessoria do ISA,                                                                                                                106  Essa afirmação é a hipótese resultante das evidências colhidas na pesquisa, a ser corroborada mediante verificação complementar.    107  Como no caso de Alta Floresta, o principal fator redutor do desmatamento em Marcelândia parece ser a ação do Ibama nas operações intensivas secundado por trabalho de conscientização entre produtores rurais feito pelo sindicato e atores notáveis.  

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recursos financeiros desembolsados pelos produtores rurais. A redução do desmatamento foi predominantemente conquistada através do trabalho do Ibama, secundado por trabalho de conscientização entre produtores rurais feito pelo sindicato e atores notáveis. A meta do CAR foi viabilizada individualmente: o convencimento para adesão ao CAR foi realizado pelos próprios produtores rurais em contatos pessoais, com os custos financiados por cada produtor e registros contratados individualmente. Em Paragominas, foram priorizadas as ações de (i) celebração de um pacto social Município Verde, (ii) monitoramento do desmatamento para identificar (em imagens e no campo) os agentes e a lógica do desmatamento, (iii) viabilização do CAR com recursos externos – tanto financeiros quanto de expertise técnica – captados / fornecidos por parceiros OSC (TNC e IMAZON). Considere-se ainda como parte da estratégia (iv) pleito do prefeito ao CMN solicitando tratamento especial de crédito rural para as safras 2010-2011 para produtores com problemas de registro. A redução do desmatamento foi alcançada pela ação do IBAMA combinada com monitoramento intensivo do Município, com apoio técnico do IMAZON, para identificação dos desmatadores remanescentes e condução, pelo município, de estratégia para isolar os agentes fomentadores do desmatamento (guseiras da região) e fornecer alternativas para os agentes desmatadores (pequenos agricultores)108. A meta do CAR foi viabilizada coletivamente através de recursos captados pela Prefeitura, TNC e IMAZON junto ao Fundo Vale e outros financiadores. Em São Félix do Xingu as ações foram fruto de projeto desenhado pelo MMA em parceria com atores locais: (i) mobilização de comunidades e atores locais, atividade liderada pelo então Secretário municipal de meio ambiente; (ii) realização do pacto municipal contra o desmatamento, (iii) elaboração do CAR pela TNC de forma coletiva para todos os produtores rurais, (iv) fortalecimento da capacidade técnica e institucional municipal para gestão ambiental e (v) montagem de agenda pós-pacto para monitoramento do cumprimento dos compromissos. A arquitetura de execução do projeto inclui a participação de diversas OSC como a TNC, o IMAZON, o IEB e a Adafax, entre outros. O projeto MMA tem sido viabilizado através de recursos financeiros da Comissão Europeia, o que incluiu também a viabilização do CAR. Um ponto comum entre as agendas das coalizões é a formalização da estratégia em projetos que, em momentos variados do processo, sintetizaram os acordos e ordenaram ações para exclusão da lista: Projeto Município Verde/Desenvolvimento Sustentável em Alta Floresta, Projeto Marcelândia 100% Legal, Projeto Município Verde em Paragominas, Projeto Querência Mais e Projeto Pacto para Redução do Desmatamento em São Félix do Xingu. Estes projetos, descritos no Capítulo 3, têm abrangência diversa, formatos e estilos variados de formalização. Alguns aspectos chamam a atenção: abordam aspectos da etapa pós-saída da lista e a recuperação ambiental das propriedades, dão centralidade à regularização fundiária e à reorganização da produção e à inserção no mercado em bases mais sustentáveis, explicitando a perspectiva do desenvolvimento local sustentável. 4.1.3 Apoio institucional para sair da lista Como já comentado, o apoio institucional da esfera estadual foi distinto em cada estado. Em MT, consistiu predominantemente na ação da Sema-MT para a adaptação de procedimentos                                                                                                                108  Como nos casos anteriores, o principal fator redutor do desmatamento em Paragominas parece ser a ação do Ibama nas operações intensivas secundado por trabalho de conscientização entre produtores rurais feito pelo sindicato e atores notáveis.  

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burocráticos para o CAR e transferência de tecnologia, junto aos dois municípios que tomaram a si a consecução da meta CAR (Alta Floresta e Marcelândia). No Pará, desde 2012 o apoio tem sido dado a partir de uma política de governo, o PMV. Há a mencionar também os convênios entre município e a Sema-MT para aspectos do CAR e com o Incra para questões nos assentamentos rurais. O apoio do MMA foi dado caso a caso, em regime ad hoc. Para dois municípios, Marcelândia e São Félix do Xingu, o MMA aportou recursos que viabilizaram a elaboração do CAR por meio de doação do governo norueguês e da Comissão Europeia. Em São Félix, o MMA tomou a si o papel protagonista de promoção da estratégia municipal. 4.1.4 Aportes financeiros investidos nessa agenda/nesses locais Os aportes financeiros para sair da lista constituíram uma composição de recursos originados de variadas fontes, internas e externas aos municípios, captados junto a terceiros pelos atores locais ou diretamente aportados por atores extra-locais. Predomina a configuração de uso de (i) recursos financeiros do município para consecução da meta do desmatamento, com o apoio de recursos orçamentários federais e estaduais que financiam programas estaduais de controle ambiental e a ação do Ibama, e (ii) recursos financeiros captados em fontes externas para o CAR (exceção de Querência). Sem a pretensão de inventariar todas as fontes de financiamento, as fontes identificadas são sumarizadas a seguir. Em Alta Floresta, foram utilizados recursos do próprio município para a meta de redução do desmatamento, apoiados por recursos federais orçamentários que viabilizaram a ação do Ibama e seus parceiros no controle do desmatamento. Para o CAR, os recursos foram captados pelo próprio município com assessoria de entidades como MPE e ICV, junto ao Fundo Amazônia. Foram mencionados financiamentos de pequeno porte para atividades específicas de atores pela Avina. Em Marcelândia, o combate ao desmatamento foi feito predominantemente com recursos municipais com apoio de recursos financeiros de programas estaduais antiqueimadas, apoiados por recursos federais orçamentários que viabilizaram a ação do Ibama e parceiros no controle do desmatamento. Recursos financeiros para o CAR foram captados com a esfera federal: o CAR foi integralmente financiado pelo MMA (USD 782 mil), captados junto ao governo da Noruega. Em Querência, o processo de viabilização do CAR foi autofinanciado pelos produtores rurais, com assessoria do ISA. Para o controle do desmatamento, os produtores foram apoiados por recursos federais orçamentários que viabilizaram a ação do Ibama e parceiros no controle do desmatamento, e pelas OSC atuantes. Em Paragominas, o combate ao desmatamento foi feito predominantemente com recursos municipais com apoio de programas estaduais antiqueimadas e do Imazon (monitoramento por imagens), apoiados por recursos orçamentários federais, que viabilizaram a ação do Ibama e parceiros no controle do desmatamento. Recursos financeiros para o CAR foram captados pelo município junto ao Fundo Vale, através da TNC e do Imazon (por sua vez estas OSCs captaram recursos com Clua e Usaid, segundo depoimentos). Em São Félix do Xingu, o processo tem sido financiado predominantemente pelo MMA, tanto a mobilização para o pacto, quanto as demais atividades do Projeto Pacto, inclusive

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elaboração de CAR, captados externamente (Comissão Europeia), apoiados por recursos federais orçamentários que viabilizaram a ação do Ibama e parceiros no controle do desmatamento. Há aportes financeiros de fontes como o Fundo Vale para a ação de OSC (TNC e IEB) para saída da lista. 4.1.5 Principais resultados alcançados nos municípios Quatro dos cinco municípios conseguiram sair da lista – a exceção é São Félix do Xingu, que permanece até a data de revisão deste relatório na lista dos municípios do MMA. Em Alta Floresta, as metas do MMA foram alcançadas e o município saiu da lista em 2011. O desmatamento foi reduzido a níveis mínimos. O sistema de governança ambiental municipal foi estruturado e fortalecido como parte do processo. O sistema de gestão ambiental está atualmente com uma agenda forte e provido de recursos financeiros para atividades, captados pela gestão anterior junto ao Fundo Amazônia (Projeto Olhos d’Água da Amazônia fase II) e há experiências em curso de práticas agropecuárias de baixo impacto. Em Marcelândia, as metas do MMA foram alcançadas e o município saiu da lista em 2013. O desmatamento está reduzido a níveis mínimos. O sistema de gestão ambiental municipal, desestruturado no período 2010-2012 pela gestão municipal anterior, está sendo reestruturado pelo atual prefeito, contando com recursos captados pela gestão anterior junto ao Fundo Amazônia para atividades de regularização ambiental (Projeto Recupera Marcelândia). O processo de saída da lista colaborou para o reconhecimento da importância de se estruturar o sistema de governança ambiental municipal. Em Querência, as metas do MMA foram alcançadas e o município saiu da lista em 2011. O processo de saída da lista colaborou para o reconhecimento da importância de se estruturar o sistema de governança ambiental municipal. Em Paragominas, as metas do MMA foram alcançadas e o município foi o primeiro do Brasil a sair da lista, em 2010. O sistema de governança municipal está fortalecido, com experiências inovadoras. Há experiências em curso de práticas agropecuárias de baixo impacto. Em São Félix do Xingu já foi alcançada a meta de registro do CAR de 80% da área cadastrável. Persiste o desmatamento, em níveis bem inferiores aos patamares observados na primeira metade da década de 2000, mas ainda muito altos, em grande parte ocorrentes em áreas fora do controle do município, sob responsabilidade do Incra, ICMBio, Funai e Iterpa. Foi estruturado o sistema de gestão ambiental municipal, dotado de estrutura física de monitoramento para controle ambiental e melhores condições de estrutura operacional e logística. 4.1.6 Demandas dos municípios, desafios e oportunidades São a seguir sumarizadas as demandas e desafios apontados em detalhe no Capítulo 3, a partir das entrevistas realizadas para esta pesquisa, Em todos os cinco municípios foram registradas demandas prioritárias para resolução das pendências fundiárias e apoio para consolidação dos avanços conquistados para sair da lista

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do MMA. Entre os avanços a serem consolidados, para os quais é necessário suporte, destacam-se o fortalecimento dos sistemas municipais de gestão ambiental e a melhoria de condições do pequeno produtor (assistência técnica, acesso a mercados, infraestrutura, organização, conversão de sistemas produtivos predatórios para sistemas produtivos ambientalmente amigáveis, entre outros). Em Querência, áreas de assentamento ainda estão com sérias irregularidades ambientais e fundiárias. Em Alta Floresta, as oportunidades identificadas se referem à continuidade do processo participativo que levou à adoção do Projeto Município Sustentável (na nova gestão municipal a implementação do plano transferido da Secretaria de Meio Ambiente para a Secretaria das Cidades), à necessidade de apoio à consolidação do sistema municipal de gestão ambiental e à replicação de práticas agropecuárias sustentáveis, atualmente promovidas pelo ICV em iniciativa envolvendo algumas propriedades rurais. Os principais riscos se referem à interrupção do processo de institucionalização da gestão ambiental, entrada da produção de soja em regime de uso intensivo de agrotóxicos (em 2013, a área plantada de soja no município saltou de 35 mil para 78 mil hectares) e pela possibilidade de que impactos relacionados a grandes obras e melhorias de acesso à região não sejam adequadamente mitigados. Em Marcelândia, persiste a demanda uníssona por resolução do problema fundiário em todo o município, secundada pelo reconhecimento da necessidade de se estruturar e apoiar uma “agenda pós-CAR”, que inclui a resolução do passivo ambiental das propriedades. A reconstrução do sistema de governança ambiental municipal, desestruturado na gestão 2009-2012, assim como a melhoria de infraestrutura física, e uma estratégia de transição para práticas de produção agrícola mais sustentável necessitam de apoio externo, dadas as limitações de recursos do município. Foram relatados riscos de retrocessos na redução do desmatamento com a vinda de "gente nova" não comprometida com os acordos estabelecidos anteriormente. Em Querência, houve clara descontinuidade dos processos deflagrados pela coalizão para excluir o município da lista, por conta de disputas relativas às eleições municipais em 2012. Não foram encontradas, na visita de campo, evidências de que o Projeto Querência Mais esteja sendo implantado. Há importantes pendências de regularização ambiental junto ao Ibama de imóveis rurais embargados e reembargados, tanto entre os assentamentos quanto em propriedades de maior porte. São registradas pendências fundiárias importantes nos projetos de assentamento. É recorrente a demanda de apoio para a melhoria das condições de produção dos assentados e pequenos produtores. Há riscos de retrocesso no desmatamento, que retomou tendência de alta em 2012, margeando o limite de 40 km2. A ausência de uma visão estratégica para consolidar a redução do desmatamento e práticas agropecuárias sustentáveis torna esse risco mais importante. Em Paragominas, ao lado da questão fundiária, as principais demandas se referem a apoio para as oportunidades vislumbradas: apoio à transição da economia local para uma economia mais sustentável, consolidando os avanços conquistados anteriormente, incluindo o sistema de governança ambiental local que iniciou recentemente práticas inovadoras de controle ambiental. Não é descartada a existência de risco de retrocesso no desmatamento. Em São Félix do Xingu, ficou evidenciada nos depoimentos a existência de déficit na presença do Estado, tanto no controle ambiental quanto no tema fundiário, no que pese as ações do IBAMA e a implantação do Observatório. Constata-se que a realização do CAR em

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mais de 80% das áreas cadastradas não tem conseguido por si só conter o desmatamento em áreas registradas. Sugere-se que o controle do desmatamento está fortemente associado à desestruturação de práticas especulativas e ao controle de atividades ilegais. Delineia-se a presença de desmatadores “invisíveis”. Um traço marcante nos depoimentos é a desmobilização dos participantes da Comissão do Pacto no período posterior à sua assinatura. O município encaminhou ao MMA pleito para rever os critérios de saída da lista em seu caso, substituindo o método de contagem atual para o alcance do teto máximo de 40 km2 de área desmatada/ano (que considera toda a área desmatada, incluindo o desmatamento legal e o desmatamento em áreas fora da alçada do poder de polícia ambiental do município), em prol de considerar apenas a área sob efetiva responsabilidade municipal. 4.1.7 Resultados inesperados Desde o ponto de vista da lista de municípios do MMA como instrumento de política federal de redução do desmatamento, todos os processos objeto desta pesquisa podem ser considerados inesperados, conforme evidenciado nos depoimentos:

Quem desenhou lá em Brasília não sabia que isso ia acontecer. Isso foi muito positivo, derivado daquela lista. Então, acho que são os três elementos: a lista, com todos os itens de punição que estão bem explicitadas; o aparato repressivo que estava vindo, mais eficiente e que se apresentou na Operação Arco de Fogo ainda mais ostensivo e o fato de que Paragominas reagiu. (Adalberto “Beto” Veríssimo, Imazon, entrevista, 2014)

Foi evidenciado ao longo da pesquisa que a “municipalização” do combate ao desmatamento proposta pelo governo federal era essencialmente uma intuição, brilhante mas desprovida de estratégia para enfrentar adequadamente todas as suas implicações – que permanecem em grande medida como um desafio a ser mais bem analisado.

A história do local foi surgindo com o decorrer do processo. Não foi pensada estrategicamente desde o início, porque não havia nenhuma ponte, link, relação; não havia nada! Na verdade, não havia política pública para a Amazônia. Nem canais, nem mecanismos. O ministério não tinha relações estabelecidas com as prefeituras, mal se relacionava com alguns estados. Acre, Amapá... era muito difícil esse processo. (...) As relações mais próximas que nós tínhamos com o chamado poder local limitava-se às Polícias Estaduais, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Polícia Militar e Exército. (...) Começamos a bater de frente, isso e mais as UC; de um lado negávamos o direito que as pessoas achavam que tinham porque sempre tinha sido assim. (...)Nossa ideia era de que, se a gente estabelece uma lista de municípios críticos, estabelecendo que os municípios que entrarem na lista terão uma serie de restrições, tais como de crédito, mas se saírem da lista viram prioridades do inverso, nossa tese era que iríamos criar um processo interno de conflito dentro do município (por exemplo o fazendeiro não quer ficar restrito a crédito) que poderia levar a ter um novo ator relevante dentro desse processo, que são as forças locais que estariam sendo punidas pela irresponsabilidade de alguns, digamos assim. Propusemos o decreto, que foi uma guerra aprovar, realmente uma guerra, mas que foi assinado. (...) O que a gente esperava é que a maioria dos municípios saísse da lista e alguns a gente tivesse que empurrar. O que está acontecendo é que alguns municípios saem e outros entram e um grupo que não se mexe. (ex-secretário executivo do MMA João Paulo Capobianco, entrevista, 2014).

No que se refere ao termo municipalização, no contexto do PPCDAm, não havia essa expressão. Isso surgiu no dia a dia do contexto, era percebido que o termo não dava conta da realidade. O termo que se usava era que precisava levar a agenda de combate do desmatamento para os municípios, porque estava ficando claro que os municípios, tinham que ter um papel. (...) Em 2008, surgiu a lista dos municípios porque também começava a se

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perceber que não era suficiente a participação dos estados, uma vez que o desmatamento estava concentrado em alguns lugares. Tem expressão nacional, estadual, mas tem expressão em determinados municípios. Então falar em Amazônia inteira no desmatamento, não ajudava muito. Então era necessário focalizar. A lista dos municípios surgiu com esse conceito, de focalização. A necessidade de levar o PPCDAm para determinados lugares. A partir daí começou a surgir o envolvimento dos municípios na agenda do desmatamento, com a divulgação da lista dos municípios críticos. Essa lista estabelece critérios para a saída dos municípios da lista. Eu mesmo tinha dúvida dessa estratégia, de supor que a inserção de um município em uma lista faria que os agentes locais criassem uma sistemática própria para reduzir o desmatamento. O argumento contrário era que quem desmata passa pela economia local, então se você cria um constrangimento na economia local, aqueles que estão sendo afetados vão constranger aqueles que desmatam. Aqueles atores vão constranger aqueles que desmatam. (...) Eu acreditava que a lógica do desmatamento passava por outras vias. Mas a realidade mostrou que eu estava errado, pelo menos em alguns lugares. (...)O problema dessa estratégia era que se chegava nesses municípios por essa via e não pela via do diálogo, e não era procurando, previamente, as instituições estabelecidas, para caminhar para uma agenda da sustentabilidade. A chegada era pela via do enforcement, que teve uma objeção muito forte, por parte de forças locais e com suas conexões estaduais e municipais, o que levou a uma oposição da agenda do PPCDAm muito grande. (ex-diretor do DPCD- MMA Mauro Pires, entrevista, 2014)

Tão importante e inesperada quanto a resposta dos municípios é a iniciativa do Estado do Pará de promover o processo de inclusão dos municípios e demais atores locais na política regional de redução do desmatamento através do PMV, pondo em marcha uma estratégia de cooperação federativa para a redução do desmatamento por meio da instituição de uma instância participativa de gestão interinstitucional, apoio e incentivos para empoderar os municípios. Mais que inesperado, é fato pioneiro no campo da governança ambiental no Brasil.

O PMV, em certa medida, é uma espécie de Arco Verde paraense. Mas revitalizado, com uma agenda mais estruturada e com um comitê gestor. (....) É um modelo, mas talvez tenha outros. Acho que se tem que encontrar o caminho de como trazer esses municípios, como municipalizar realmente esta agenda. (ex-diretor do DPCD-MMA Mauro Pires, entrevista, 2014)

O Programa acaba sendo em boa medida uma espécie de elemento catalizador. Nas plenárias do comitê gestor do programa, os vários órgãos – eu desconheço; eu acho que não há nenhum ator importante, nessa agenda de combate ao desmatamento, que não se faça representar no Programa. Então nessa plenária, o Ministério Público do Estado; Federal; o IbamaA; a Sema, sentam e noticiam: “Estamos fazendo isso; estamos fazendo aquilo”. Não é o comitê gestor que decide; que opina; ou coordena essas ações, mas eles trazem; eles informam. Há um mínimo de diálogo e de sinergia entre esses atores. Então eu vejo o papel do programa como sendo o elemento catalizador desse processo; mas que não esgota essa agenda, dentro do programa; obviamente. (Justiniano Neto, secretário PMV-PA, entrevista, 2014).

4.2 Conclusões finais Os estudos de caso realizados constituem uma mostra relevante dos municípios que conquistaram a exclusão da lista, tanto por seu peso quanto pela variedade de situações analisadas. Considera-se que a mostra, englobando municípios de pequeno, médio e grande

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portes, ofereceu um quadro com notável diversidade de situações. A análise dos cinco casos propiciou evidências que fundamentam as seguintes constatações e proposições. Pelo menos em parte dos municípios considerados críticos para o desmatamento (da lista do MMA), foi possível deflagrar dinâmica de mudança que reduz o desmatamento a partir da ação em cooperação entre atores estatais e da sociedade civil (incluídos os agentes econômicos): em quatro dos cinco municípios foi atestada essa dinâmica. O alcance das metas para exclusão da lista do MMA tem sido promovido por amplas coalizões multissetoriais, promovendo regimes de cooperação entre governo municipal e sociedade civil, setores produtivos locais, OSC de atuação local e regional e instâncias governamentais das esferas estadual e federal. No que diz respeito ao papel dos atores locais e aos municípios (entendidos como entidades político-administrativas), nos quatro casos estudados que conseguiram sair da lista a liderança da coalizão coube a atores locais. Essa capacidade de liderança para estabelecer coalizões, cuja ação acarreta a redução drástica do desmatamento, desponta como uma capacidade exclusiva dos atores locais. Em São Félix do Xingu, a coalizão formal para sair da lista parece carecer de lideranças locais, assim como não foram identificadas nesta pesquisa lideranças de expressão municipal. A singularidade da contribuição de atores locais se traduz, entre outros, na capacidade de estabelecer processos cooperativos apoiados em laços de confiança que permitem (i) identificar dinâmicas de desmatamento em pequena escala de difícil detecção através dos meios utilizados até o momento; (ii) estabelecer entendimentos/negociações com agentes responsáveis por esse tipo de desmatamento, pactuar alternativas que excluam o desmatamento; (iii) mobilizar os recursos e capacidades requeridos para implementar as opções escolhida; e (iv) conquistar a adesão de produtores rurais para a regularização ambiental. Os casos fornecem valiosos insumos sobre as dificuldades dos demais 41 municípios atualmente na lista do MMA para conquistar sua exclusão. Em todos os casos analisados nesta pesquisa a construção e mobilização dos recursos e capacidades necessárias contaram com atores externos aos municípios: há fortes evidências de que, sozinhos, os atores locais não seriam capazes de mobilizar todos os recursos necessários para sair da lista do MMA. Quanto ao CAR, apenas em um dos quatro municípios – Querência - ocorreu viabilização do CAR através de iniciativas individuais e financiamento do CAR pelos próprios produtores rurais: não por acaso o único município da mostra cujos indicadores econômicos são bem superiores à média estadual, com capacidade de gasto bem mais alta, fator raro no universo dos municípios amazônicos109. No que diz respeito à meta de redução do desmatamento a valores inferiores a 40 km2, em todos os municípios que saíram da lista o exercício do controle ambiental da esfera federal foi apontado como fundamental para a diminuição da taxa de desmatamento, tanto através da ação direta do Ibama (operações de rotina, operações assemelhadas à Arco de Fogo e                                                                                                                109  Em Querência, há fortes indicadores dos riscos a serem enfrentados por produtores rurais ao tentar contratar por conta própria o CAR. Foram registrados casos de assentados rurais que contrataram empresa para CAR com seus próprios recursos e não o obtiveram porque a empresa, mesmo tendo cobrado antecipadamente, abandonou o contrato sem fazer o CAR.

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aplicação de sanções) quanto através da ação indireta do MPF (envolvimento da cadeia produtiva com barreiras aos produtores inadimplentes), secundado pelo exercício do poder de polícia ambiental local, que demanda recursos permanentes. Foram colhidas evidências de que a política federal de combate ao desmatamento prescindiu até o momento de arranjo institucional que incluísse os municípios. A municipalização da estratégia consistiu até o momento em um processo tentativo de acertos e erros, learning-by-doing, tendo produzido lições que ainda não foram dadas a conhecer. Municípios responderam de forma inovadora – mas até o momento apenas uma minoria dentro do universo dos municípios da lista (21%) logrou alcançar as condições para sua exclusão110. Um dos fatos relevantes vislumbrados nos cinco casos é a inédita associação da atuação do governo federal (e, no Pará, estadual) à municipal no terreno das políticas públicas de desmatamento. Essa aliança se mostrou extremamente profícua, como visto no caso de Paragominas: lá a ação federal coibiu parte substantiva dos desmatamentos a partir da primeira metade da década de 2000, enquanto a ação municipal foi capaz de detectar a lógica e os agentes dos processos de desmatamento remanescentes, estabelecer relações diretas com os agentes executores e conduzir a estratégia de isolamento dos desmatadores. Fortalece-se a hipótese que, se a ação federal tem sido fundamental para reduzir a taxa de desmatamento, atores locais podem ser determinantes para promover as mudanças necessárias para manter a taxa de desmatamento em valores baixos, em curto e médio prazos. Entretanto, dificilmente a ação local, sozinha, poderá cumprir este papel. Até o momento, o papel dos atores locais tem sido apenas informalmente reconhecido e incipientemente levado em conta nas políticas estaduais e federais de redução do desmatamento. Como foi revelado nos depoimentos, na esfera federal a “municipalização” do combate ao desmatamento tem tratado tendencialmente o município como “o lugar” da política em detrimento do reconhecimento do município e dos atores locais como atores da política. Mais que uma linha de atuação de política pública, a “municipalização” do combate ao desmatamento tem sido uma experiência exploratória assistemática que necessita ser mais bem analisada. Exceção a esse comportamento é o estado do Pará, que está explorando essa possibilidade através de políticas públicas de apoio aos municípios, com o PMV. Em todos os municípios que saíram da lista, mostrou-se essencial contar com um sistema municipal de governança e gestão ambiental minimamente estruturado. Para enfrentar os desafios próprios do período pós-exclusão da lista do MMA, o fortalecimento da capacidade de agir autonomamente desses sistemas de gestão e governança ambiental se faz mais importante ainda, sem expectativas de que o apoio recebido durante o processo de saída da lista mantenha no futuro um constante fluxo de recursos externos ao governo municipal para dar suporte, financeiro e não financeiro, às responsabilidades inerentes ao mandato ambiental. Há fortes evidências de que os municípios estão desprovidos das condições de, sozinhos, prover o fortalecimento e autonomia de seus sistemas de gestão ambiental, e dar conta de sua agenda ambiental e de transição para modelos de produção mais sustentáveis. No que diz respeito às motivações para reduzir o desmatamento, as primeiras respostas dos atores locais são de rechaço e resistência às medidas do MMA. Entretanto, em período

                                                                                                               110  Até dezembro de 2015, data da revisão 1 do texto, mais dois municípios lograram sua exclusão da lista: Cumaru do Norte e Santa Maria das Barreiras, ambos do estado do Pará.    

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relativamente curto, pode-se observar nos quatro casos que saíram da lista o surgimento de novas motivações que favoreceram a formação de coalizão para sair. Das entrevistas, depreende-se que as principais motivações se referem a: (i) autoimagem; (ii) reconhecimento da necessidade de enquadramento na ordem institucional ambiental; (iii) garantia de acesso a mercado; e (iv) valor dado à qualidade ambiental e à sustentabilidade do desenvolvimento do lugar. A autoimagem diz respeito à autoestima e identificação dos atores com o lugar e a região. Trata-se do desejo de “tirar a mancha, a tarja, a energia negativa”, causada pela publicizacão da lista do MMA e da lista dos embargos do Ibama. O empenho em não mais estar exposto ao chamado “name and shame” diz respeito indistintamente ao indivíduo, à sua família e a seu “lugar”, identificável ao seu município. A necessidade de inserção na nova ordem institucional é sentida como apelo moral (cidadãos corretos, de bem) e necessidade de integração institucional (legalizar-se, cumprir com as regras, não mais estar vulnerável a sanções, deixar a ”marginalidade”). Parte das restrições decorrentes de estar na lista se refere a restrições de acesso ao mercado através da corresponsabilização da cadeia produtiva, com poderosa influência sobre os produtores. Finalmente, foram frequentemente encontrados atores relevantes cujo vínculo com o processo é de ordem ética: consideram como valor importante a proteção ambiental, consideram a floresta em pé como um ativo e sua proteção parte integrante do desenvolvimento em bases sustentáveis. A identidade (e decorrente compromisso) dos produtores rurais com o local emerge como um dos fatores explicativos importantes para (i) a adesão dos produtores ao cumprimento das medidas estipuladas na lista, (ii) a disposição para tirar o nome do município de uma lista oficial valorada negativamente e (iii) a disposição de inserir-se dentro da moldura jurídico-institucional, ainda que ela signifique uma ruptura com os sistemas historicamente enraizados de apropriação dos recursos naturais. Não por acaso, nos quatro municípios estudados há uma característica comum – raízes plantadas nos municípios através de uma história de envolvimento e compromissos com a comunidade local e com sua propriedade. Esta trajetória, assim como os vínculos construídos historicamente podem ser vislumbrados no Anexo 5, que apresenta o histórico da ocupação dos cinco municípios e seu perfil socioeconômico). Essa identidade (e consequente compromisso com seus pares) favoreceu claramente o combate ao desmatamento e o isolamento dos agentes desmatadores. Em outras palavras, a identificação da pessoa do produtor e de sua família ao “lugar” está associada (a) aos valores cidadãos (não estar à margem das regras), (b) à disposição do produtor para respeitar as determinações ambientais à suas atividades produtivas (como, por exemplo, disposição para cuidar adequadamente dos serviços ambientais), (c) à disposição individual de considerar a adoção de práticas amigáveis com uso sustentável dos recursos naturais. No plano das relações sociais, essa identidade com o lugar favorece os laços de cooperação e o reconhecimento de lideranças. Dois tipos de restrição, referidos na literatura especializada como restrições econômicas, fazem parte dos processos estudados. Tanto o primeiro tipo quanto o segundo tipo de restrição foram amplamente citados nas entrevistas como poderosos fatores de coerção. O primeiro tipo é a restrição de crédito decorrente das medidas adotadas pelo Banco Central (Bacen) na Resolução n. 3545/2008. Esta medida integra o PPCDAm. O segundo tipo é expresso pela estratégia de responsabilização da cadeia produtiva levada adiante pelo MPF no Pará, a partir de 2009, e em MT, a partir de 2010. Esta medida foi promovida independentemente do PPCDAm. Não obstante, parte dos atores locais e extralocais reconhece que as restrições decorrentes da responsabilização da cadeia produtiva foram decisivas. Os depoimentos, associados à pesquisa expedita nas estatísticas de crédito rural fornecidas pelo Bacen para o período 2006-2013, não confirmam em todos os municípios a intensidade de redução de

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crédito rural mencionada nas entrevistas (ver Anexo 4). Enuncia-se a hipótese da responsabilização dos frigoríficos, supermercados e da cadeia da soja ter papel mais importante que a restrição de crédito rural. A capacidade de tratar dos requisitos centrais para a exclusão da lista, desmatamento e CAR está fortemente associada à disponibilidade de capacidades técnicas e institucionais para gestão ambiental, como mostram os casos de Paragominas, Marcelândia e Alta Floresta. Em Querência, experiência na qual a liderança teve formato mais difuso e localizado no setor dos produtores rurais, julgou-se necessário instituir um Conselho Municipal de Meio Ambiente, o Condema, para ser o lócus organizacional dos trabalhos de mobilização de recursos. Uma das linhas-mestras do projeto federal em São Félix do Xingu foi o fortalecimento institucional da gestão ambiental municipal. Em todos os municípios foi observado esforço de construção / aperfeiçoamento da capacidade institucional e técnica em gestão e governança ambiental como elemento da estratégia. O papel das OSC socioambientais na construção de capacidades para gestão ambiental e nas estratégias implementadas para sair da lista é de importância crucial. O trabalho enraizado em questões de interesse local, desenvolvido por OSC como o ISA, o Imazon e o ICV, foi decisivo para formar um legado sob a forma de capacidades locais em gestão ambiental e gestão pública, assim como para a construção de recursos e capacidades. O estabelecimento de coalizões baseadas em laços de confiança no espaço de um-dois anos, observado nos quatro municípios que saíram da lista, está associado à existência prévia de experiências positivas de cooperação de média e longa duração entre atores locais e extralocais, e entre atores sociais e atores institucionais. Os atores líderes das coalizões em Alta Floresta e Paragominas, e em alguma extensão Marcelândia e Querência, são unânimes em afirmar que, sem entender a história da construção das relações de confiança, não se pode compreender o processo vivido para saída da lista nem explicar a rapidez com que foram estabelecidas as alianças e a efetividade de seu trabalho. O aporte dos atores extra-locais para o funcionamento dos sistemas municipais de governança ambiental aponta tanto para a importância de sua participação dos sistemas municipais de governança ambiental quanto para a necessidade de prover os atores locais de um grau de autonomia e fortalecimento institucional bastante forte para enfrentar os desafios inerentes ao período pós-lista, assim como neutralizar os riscos de retrocessos de desempenho associados ao término das atividades das OSCs nos locais. As políticas implementadas até o momento mostram que é possível reduzir as taxas de desmatamento. Os casos estudados indicam que ainda está por ser vencido o desafio de definir políticas para manter baixas as taxas de desmatamento, promovendo a transição do município de situações “businness as usual” para outros modelos de atividades econômicas e de valores compartilhados, que deem durabilidade e solidez às inciativas e padrões de comportamento mais sustentáveis. Além dos desafios próprios de cada município estudado, a agenda ambiental dos municípios brasileiros foi ampliada recentemente com a definição de competências para licenciamento ambiental, partir da aprovação da Lei Complementar n. 140/2011. Desde então os municípios passaram a ser responsáveis pelo licenciamento de um amplo leque de empreendimentos, para os quais inexistem previsão de fontes de financiamento, estratégias de capacitação técnica e institucional, cooperação federativa e controles e contrapesos das três esferas. Esse processo de municipalização parece responder, por um lado, a demandas dos próprios municípios, de

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participar mais dos processos de licenciamento. Mas, desprovido de elementos fundamentais para uma estratégia de compartilhamento federativo (fontes estáveis de financiamento para a dotação de recursos e capacidades, formas de cooperação intergovernamental, controles e contrapesos), o aumento de responsabilidades agrava as fragilidades técnicas e institucionais dos municípios e representa um risco de retrocesso da qualidade da ação estatal no campo do controle ambiental, a duras penas construído no país desde o final da década de 1970. 4.3 Recomendações As políticas implementadas até o momento mostram que é possível reduzir as taxas de desmatamento. Ainda está por ser vencido o desafio de definir políticas que mantenham as taxas baixas. Considera-se importante avançar na identificação de alternativas para a transição da situações “businness as usual” nos municípios para outros modelos de atividades econômicas om padrões mais sustentáveis. Os sistemas de governança municipais têm um papel a cumprir nesta transição. Em particular, delineia-se uma agenda municipal que contemple: regularização ambiental e validação de CAR, licenciamento de atividades rurais, monitoramento e fiscalização, e planejamento do território. É parte desta agenda a viabilização do financiamento de sistema de monitoramento dos processos de regularização ambiental, inclusive validação do PRA e seu cumprimento - trata-se que ação de política de longa duração, podendo durar até 20 anos. Recomenda-se: Apoiar as iniciativas de suporte à construção da agenda municipal de regularização ambiental e validação de CAR, licenciamento de atividades rurais, monitoramento, fiscalização e planejamento do território. Aprofundar a análise das limitações impostas à redução do desmatamento em São Felix do Xingu. Na experiência de Paragominas, é ressaltada a importância política de se identificar os agentes do desmatamento e a lógica econômica que o sustenta para nomear, dar publicidade e isolá-lo. Isto parece não ser possível em São Felix do Xingu, a despeito de o município já contar com mais de 80% de sua superfície cadastrável registrada no CAR – portanto, área na qual os responsáveis pelo desmatamento seriam identificáveis e passíveis de responsabilização. Aprofundar a análise das experiências de “municipalização” do combate ao desmatamento, para: (i) avançar no conhecimento das possibilidades e limites dos municípios na redução do desmatamento, na qualidade de entes federativos, em curto e médio prazos; (ii) subsidiar os esforços de construção/aperfeiçoamento da capacidade institucional e técnica em gestão e governança ambiental como elemento da estratégia; assim como (iii) dar suporte à construção e mobilização dos recursos e capacidades necessárias, explorando as potenciais sinergias com atores não-institucionais. Avançar no conhecimento das atuais responsabilidades dos municípios da Amazônia no campo ambiental, à luz das novas responsabilidades trazidas pela Lei Complementar n.140/2011 e pela nova legislação sobre florestas (Lei n.12.651/2013 e suas regulamentações), tendo em vista o suporte a estratégias de fortalecimento institucional municipal que promovam o cumprimento integral do mandato ambiental dos municípios e a adoção de visão integrada, na agenda municipal, dos temas rurais e urbanos.

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Acompanhar e analisar os resultados da experiência de cooperação federativa promovida pelo Programa Municípios Verdes entre estado e municípios paraenses, que desponta como um importante laboratório para a identificação das possibilidades abertas pela inclusão da esfera municipal no combate ao desmatamento e na gestão ambiental sustentável. Avançar na pesquisa sobre a ação de fortalecimento da gestão ambiental através de (i) regimes de cooperação intergovernamental e (ii) entre estado e atores da sociedade civil, de interesse para o fortalecimento da capacidade institucional dos municípios da Amazônia. Analisar e identificar possibilidades e limites de atuação do Ministério Público Federal no combate ao desmatamento e no fortalecimento da ação municipal: atores locais e extralocais reconhecem que as restrições decorrentes da responsabilização da cadeia produtiva foram as decisivas. A lei que substituiu o Código Florestal de 1965 criou um desafio para os entes federados. Para garantir a qualidade do CAR, atualmente cabe ao poder público o ônus da prova sobre a pertinência das informações sobre CAR e PRA, onde o monitoramento do desmatamento, infrações e compromissos para regularização ambiental ganham especial importância. Capacidades estatais indispensáveis para o exercício dessa responsabilidade ainda estão por ser construídas em âmbito federal, estadual e principalmente municipal. Recomenda-se promover estudos sobre o papel exercido na política ambiental pelo acesso à informação, contribuindo para o melhor entendimento da importância de se assegurar o acesso de todos os atores e integração de informações, tais como publicização dos embargos e autos de infração; monitoramento e base de indicadores do PMV, lista de embargo estadual (Pará, em construção com apoio Clua), lista de imóveis que cumprem a lei (em construção, Ipam), oficinas do PMV para capacitar municípios sobre o cumprimento das metas, cooperação entre Ibama, MPF, MPE e governos estaduais para acesso a registro de ocorrências e processos de licenciamento (autorização de supressão, principalmente). Aprofundar análise sobre o papel da lista do MMA e das demais ações previstas para os municípios no PPCDAm (2012-2015) e na atuação do MMA, incluindo a atualização dos critérios de inclusão e exclusão da lista. Promover a revisão das análises sobre o impacto das restrições ao crédito rural como fator contribuinte à queda do desmatamento a partir de 2008.  

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ANEXO 1 RELAÇAO DOS ENTREVISTADOS Atores entidades governamentais federais, atuação regional João Capobianco, ex-secretário executivo do MMA Mauro Pires, ex-coordenador PPCDAm Paulo Guilherme, Secretário MMA/ SEDR Nazaré Soares, Gerente de Projeto MMA/ SEDR Atores entidades governamentais federais com atuação em Mato Grosso e Pará Alessandro Amaral Oliveira, Procurador IBAMA-MT Cibele Ribeiro, ex Superintendente IBAMA -MT Daniel Azeredo, Procuradoria da República no Pará Hugo Américo Schaedler, Superintendente IBAMA -PA Marcus Keynes Santos Lima, Superintendente IBAMA-MT Atores entidades governamentais estaduais Carneiro Corumbá, Roni, SEMA-PA Diana, SEMA-PA Elaine Corsini, SEMA-MT Justiniano Neto, Secretário PMV-PA Luiz Alberto Esteves Scaloppe, Procurador da Justiça MT/MPE Valmir Ortega, ex Secretário da SEMA-PA Vicente Falcão, ex-Secretário SEMA-MT Atores organizações da sociedade civil Adalberto Veríssimo, IMAZON Adriana Ramos, ISA Arnaldo Carneiro, SAE Cássio Alves Pereira, IPAM-PA Francisco Fonseca, TNC-PA Gina Thimóteo, TNC-MT Laurent Micol, ICV Manoel Serrão, FUNBIO Paula Ellinger, Fundação AVINA Paulo Barreto, IMAZON Tereza Moreira, TNC-PA Atores Entidades organizações de classe (sindicatos) Amado de Oliveira, Assessor ACRIMAT / FAMATO - MT Carlos Fernandes Xavier, FAEPA- PA

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Universidades Clarissa Gandour, CPI-PUC Agências de financiamento Angela Skaf, BNDES – Fundo Amazônia Eric Stoner, USAID Atores relevantes casos estudados Alta Floresta Aparecida Scatambuli Sicuto, Secretária de Meio Ambiente Asiel Bezerra de Araujo, Prefeito Gercilene, gestora Secretaria de Meio ambiente Irene Duarte, ex-Secretária Municipal de Meio Ambiente/ SECMA Jocelita Giordani, IBAMA Luciano Martins da Silva, Ministério Público Estadual Maria Izaura Dias Alfonso, ex-Prefeita Marilia Carnhelutti, Instituto Floresta Sandro Sicuto, coordenador da CODAM Valdemar (Chico) Gamba, ex-Secretário Municipal de Agricultura Valdemir Ruggieri, produtor rural Valdinei Trujillo Secretário Secretaria Cidades Vando Telles de Oliveira, ICV Vitória da Riva, Fundação Ecológica Cristalino Weden José da Mota, Secretário de Agricultura Marcelândia Agenor Vieira, presidente do Sindicato de Produtores Rurais Arnóbio Vieira de Andrade, Prefeito Municipal Eloi Lazarin, Presidente Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Fausto Nobres, Presidente da Câmara Municipal Nivaldo Rúbio, Presidente da COOPERFAMA Sirleni Julini, Secretária Municipal de Educação, ex-Secretária Municipal de Meio Ambiente Suzana Barbosa, Secretária Municipal de Meio Ambiente Wilson Vallin, Vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais Querência Caio Penido, Proprietário rural Daltro Barbosa, ex Secretário Municipal de Agricultura e Ambiente Eleandro Mariani Ribeiro, Secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente Fernando Gorgen, ex Prefeito Homero Sérgio, Jornalista responsável pelo e-jornal Querência Hoje José Carlos Rezek – Grupo Resek José Vicente Gonçalves de Souza, Promotor Ministério Público Estadual Marcelo Cunha, Secretário do Sindicato de Produtores Rurais

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(Querência, cont.) Rodrigo Junqueira ISA Paragominas Adnan Demachki, ex Prefeito Benito José Guerreiro, TNC Dionan, coordenador Secretaria Municipal de Agricultura Felipe Zagallo, Secretário Municipal de Meio Ambiente Mauro Lucio Costa, produtor rural e Presidente do Sindicato Rural Paulo Pombo Tocantins, Prefeito Municipal Tais de Souza Fiorese, assessora de imprensa Prefeitura Municipal São Felix do Xingu Celma Gomes de Oliveira, TNC Denimar Rodrigues, Secretário Municipal de Agricultura Fernando Niemeyer, assessor Associação Floresta Protegida João Cleber, Souza Torres, Prefeito Marco Aurelio de Carvalho Silva, MMA, coordenador Projeto Pacto Para Redução Desmatamento Marco Antonio Rosa de Carvalho, Conselho Gestor APA do Triunfo Padre Danilo Lago, Comissão Pastoral da Terra Pierre Clavier, ADAFAX Raimunda de Mello, TNC Rosa Laine, gerente Secretaria Municipal de Meio Ambiente Ruth Correa, IEB Valdemir, fiscal Secretaria Municipal de Meio Ambiente Ulianópolis João Jair Alves, Secretário Municipal de Meio Ambiente Max Antonio R. de Souza, gerente Secretaria Municipal Agricultura Valdomir Ciprandi, empresário setor madeireiro

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 ANEXO 2 BIBLIOGRAFIA ALENCAR, T. R. Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, contendo a relação do Macrozoneamento com os ZEEs estaduais e Locais. Projeto PNUD BRA 00/022, Brasília, setembro 2009

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ARBS Consultoria. Diagnóstico da Implantação do Plano Diretor de São Felix do Xingu. Análise e Recomendações. Responsável técnico Alberto Rogério Benedito da Silva. Belém, 2013 ASSUNCAO, J.; GANDOUR, C; ROCHA, R; ROCHA, R. Does credit affect deforestation? CPI Technical Report. Climate Policy Initiative. Rio de Janeiro: January 2013 Autor não identificado. Marcelândia 100% Legal – O desafio do desenvolvimento sustentável. História de Marcelândia, sem data AZEVEDO, A. A. Legitimação da insustentabilidade? Análise do Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais – SLAPR (Mato Grosso). Tese de doutoramento. Centro de Desenvolvimento Sustentável/ UNB, Brasília, DF, junho 2009

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BNDES. FUNDO AMAZONIA. Recupera Marcelândia. Disponível em http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/Lista_Projetos/Marcelandia Acessado em 30/04/2014 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente . Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal PPCDAm. Documento de Avaliação 2004-2007. Brasília, dezembro 2008

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BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal. Grupo Permanente de Trabalho Interministerial para a Redução dos Índices de Desmatamento da Amazônia legal. Brasília, DF: março 2004 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal. 2a fase (2009-2011). Rumo a desmatamento ilegal zero. Grupo Permanente de Trabalho Interministerial para a Redução dos Índices de Desmatamento da Amazônia legal. Brasília, DF: novembro 2009 BRASIL. Casa Civil. Relatório de Situação 2010. Operação Arco Verde. Brasília, 2011

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SÃO FELIX DO XINGU. Boletim Observatório Ambiental do Município de São Felix do Xingu, edição 01, agosto 2013.

SÃO FELIX DO XINGU. Boletim Observatório Ambiental do Município de São Felix do Xingu, edição especial para escolas, novembro 2013.

SÃO FELIX DO XINGU. Boletim Observatório Ambiental do Município de São Felix do Xingu, edição 2, janeiro 2014.

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THUAULT, A. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas

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ANEXO 3 REFERENCIAS ANALÍTICAS E ABORDAGEM METODOLÓGICA

A pesquisa foi realizada através de estudos de caso apoiados em pesquisa bibliográfica e documental. A metodologia de estudo de caso é apropriada para o estudo dos processos objeto do contrato com a CLUA, uma vez que as aplicações do método incluem descrever o contexto da vida real no qual a intervenção ocorreu, descrever a intervenção realizada e explorar aquelas situações onde as intervenções avaliadas não possuam resultados claros e específicos. O trabalho realizado tem características de dois tipos: pesquisa exploratória (uma vez que o tema da municipalização na estratégia de combate ao desmatamento na Amazônia é de fronteira, tanto no campo das políticas públicas quanto da pesquisa acadêmica, oferecendo-se previamente escassas informações ao pesquisador) e pesquisa descritiva (ao incluir o registro de fatores e da sequência de fatos ocorridos nos municípios selecionados para sua exclusão da lista). A abordagem institucional foi adotada por dois motivos. Em primeiro lugar, considera-se que as instituições modelam, condicionam e provocam mudanças. O Estado é considerado um ator-chave neste processo, atuante através de uma diversidade de organizações não isentas de dissenso, descoordenação, diferentes interesses e objetivos políticos (Evans, 1996, 2002). A ordem institucional relacionada ao meio ambiente é considerada através de um enfoque duplo: o reconhecimento da matriz institucional específica para meio ambiente e a ordem federativa do estado brasileiro. A investigação de processo desenvolvido na escala municipal deve ser necessariamente contextualizada nas molduras jurídico-institucionais pertinentes, a saber o campo de competências municipais e o marco institucional da política de controle e prevenção do desmatamento na Amazônia Legal. Em segundo lugar, está definido no Termo de Referência o interesse na caracterização das capacidades estatais dos municípios em estudo para gestão ambiental, importante para compreensão da amplitude e limite da ação do Município no combate ao desmatamento. A categoria analítica de “dependência de trajetória” se mostra útil como ponto de partida. Assume-se nesta pesquisa que, a partir de um mesmo evento inicial contingente – a inclusão de municípios na “lista negra” com a consequente incidência de sanções e restrições a atores locais - não se deve esperar encontrar uma resposta uniforme nos municípios incluídos na lista, em particular porque a exclusão da lista requer mudanças significativas de comportamento de grupos sociais e econômicos. Situações herdadas do passado podem levar a trajetórias diferentes por diferenças sistêmicas em condições anteriores e na interação de processos político-econômicos específicos (Hall; Taylor, 1996). Assim sendo, serão consideradas nesta pesquisa as informações que permitam uma contextualização da história e do perfil socioeconômico dos Municípios, previamente à realização da investigação de campo propriamente dita. O Município tem papel de destaque na estratégia adotada para sair da lista do MMA. Assumiu-se na hipótese adotada para o desenvolvimento da pesquisa que as estratégias para sair da lista contaram com mais atores protagonistas - o poder público municipal é sem dúvida protagonista, mas não é o único ator detentor da responsabilidade exclusiva pelo desenho, implementação e custeio das estratégias adotadas para exclusão do Município da lista do

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MMA. Para este pressuposto a coalizão de causa111 foi utilizado em perspectiva analítica, tendo sido extremamente útil para a compreensão e descrição dos processos municipais. Designa-se como coalizão de causa a perspectiva interessada em “padrões de mudança nas políticas públicas em um mundo cada vez mais interdependente e marcado pela incerteza” (Faria, 2003, p. 24). Para tal, são focalizadas as interações no interior de distintas coalizões compostas por atores vinculados a várias instituições, estatais e não–estatais, que compartilham um conjunto de crenças / interesses e atuam dentro de uma área específica de políticas. Buscou-se distinguir em cada coalizão o núcleo duro de axiomas, as posições fundamentais acerca dos cursos de ação preferenciais consensuais entre os participantes (policy core, no caso desta pesquisa a disposição para sair da lista) e uma miríade de decisões instrumentais necessárias para implementar o policy core. Mais abordagens foram se mostrando úteis ao longo do trabalho e utilizadas exploratoriamente (tais como sinergias estado-sociedade civil, cooperação & governança ambiental). Para a estruturação da pesquisa, foi adotada uma hipótese de partida, segundo a qual o processo de de sair da lista estaria ligado a (i) mudanças institucionais, inclusive no campo da política ambiental (mudar as regras do jogo no plano local), (ii) enquadramento de estratégias no  marco institucional da política ambiental nacional, (iii) papel do Estado como protagonista na através de diversas organizações na condução de mudanças institucionais, e (iv) criação de coalizões de apoio para uma agenda de sustentabilidade. Ademais, (v) assume-se que a construção da capacidades para sair da lista não envolve apenas habilidades operativas mas também a habilidade de articular consensos. O trabalho consistiu no estudo dos processos desenvolvidos em cinco municípios incluídos na lista do MMA, situados em dois Estados, Mato Grosso e Pará. Originalmente estava prevista a realização de mais um caso, no município de Ulianópolis /PA. Entretanto, duas dificuldades impediram o estudo de caso neste município. A maioria dos atores considerados relevantes estava inacessível no momento de realização do trabalho de campo e não se obteve acesso a registros e documentação sobre um dos processos-chave, a saber o processo pelo qual o MMA assumiu o financiamento do CAR no município e como foi implementada esta decisão. A unidade de análise adotada é o processo desenvolvido em cada município selecionado, por coalizão de atores estatais e extra-estatais, com o objetivo de cumprir com os requisitos exigidos para a exclusão dos municípios incluídos na “lista do MMA”, a saber o registro de pelo menos 80% das propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural e a redução da taxa de desmatamento a valores inferiores a 40 km2/ano, taxa de desmatamento igual ou inferior a taxas médias nos dois anos anteriores. Procedimentos de trabalho Inexistindo documentação sistematizadora das iniciativas tomadas nestes municípios por força de sua inclusão na lista, o trabalho se iniciou com levantamento e a sistematização de documentação sobre as ações empreendidas pelos seis municípios com o objetivo de excluir-se da lista do MMA e sobre a moldura institucional das ações de política que enquadram a lista do MMA.

                                                                                                               111  Livre tradução do termo cunhado por Sabatier e Jenkins-Smith “advocacy coalitions”.    

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As duas primeiras atividades desenvolvidas na pesquisa foram a construção de um modelo analítico e a pesquisa de fontes. Cinco tipos de fontes de informação secundária foram considerados para exploração. O primeiro grupo é constituído pelas organizações governamentais das três esferas, tais como o Ministério do Meio Ambiente, a Casa Civil da Presidência de República, os governos dos estados do Pará e Mato Grosso e as Prefeituras municipais dos casos selecionados; o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística / IBGE e a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda / STN, além do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos estaduais. O segundo grupo é composto pelas organizações da sociedade civil atuantes na região tais como Instituto para o Homem e Meio Ambiente na Amazônia / Imazon, The Nature Conservancy / TNC e o Instituto Socioambiental, que têm desenvolvido projetos voltados a auxiliar municípios na exclusão da lista do MMA, assim como o Instituto de Pesquisas da Amazônia / Ipam, o IEB e a Adafax. O terceiro grupo é composto pelos bancos de estudos acadêmicos – teses de doutorado, dissertações de mestrado e assemelhados – que podem conter pesquisas sobre os casos em estudo de interesse para a pesquisa. O quarto grupo reúne os arquivos de mídia local e regional. O quinto grupo é composto por relatórios, documentos de projeto e registros (tais como memorandos, ajudas-memória de reuniões e demais documentos administrativos, listas de nomes, mapas, planilhas e tabelas, orçamentos) de organizações governamentais e da sociedade civil envolvidas nos processos. Atividades desenvolvidas A estratégia de desenvolvimento da pesquisa consistiu em aproximações sucessivas aos casos para a identificação do contexto socioeconômico e regional das experiências a serem analisadas, identificação e qualificação do envolvimento de atores extra-locais, em especial entidades estatais, agencias financiadoras e doadoras, identificação de atores e interlocutores relevantes e nas seis experiências a serem analisadas, a moldura regulatória, assim como as capacidades e recursos mobilizados nos processos. Grupos de atividades – inicialmente chamadas de etapas, pois se previa sua realização em sequência – foram realizados parcialmente superpostas cronologicamente, para cumprimento dos prazos finais. A primeira etapa do trabalho, realizada em setembro-outubro 2013, consistiu na identificação de fontes, pesquisa documental políticas públicas regionais relevantes e os casos em tela, levantamento de informações secundárias imediatamente disponíveis, elaboração de hipóteses-guia para o desenho dos estudos de caso, seleção de indicadores de caracterização e análise, e desenho preliminar do modelo analítico dos estudos de caso. As segunda etapa compreendeu a realização de entrevistas com atores extra-locais da esfera federal, organizações da sociedade civil com atuação na região amazônica e agências financiadoras / doadoras sediadas no Rio de Janeiro e em Brasília, em setembro 2013. A terceira etapa compreendeu a consolidação dos resultados das entrevistas com os atores regionais inicialmente entrevistados, revisão do modelo analítico e da lista de atores a entrevistar, detalhamento do desenho dos estudos de caso e entrevistas preliminares com atores locais para identificação e seleção dos entrevistados em cada caso. Foram elaborados roteiros previamente acordados com a CLUA para entrevistas em profundidade, semi-abertas, com atores e representantes de entidades relevantes; e entrevistas com grupos focais. Foram realizadas ao todo cinco campanhas para entrevistas de 86 atores nos seguinte locais:

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  128  

• Brasília (BSB) em setembro 2013, • Cuiabá (MT), Alta Floresta (MT), Marcelândia (MT) e Querência (MT), em outubro-

novembro 2013, • Belém (PA), Paragominas (PA) e Ulianópolis (PA), em janeiro 2014, • Belém (PA) e São Felix do Xingu (PA), em fevereiro 2014, e • São Paulo, em dezembro 2013 e abril 2014.

Foram consolidados os resultados parciais e revisto o modelo de análise entre outubro 2013 e fevereiro 2014. As entrevistas sistematizadas através de transcrição e editadas. Os processos foram reconstituídos nos cinco municípios, focalizando-se os recursos e capacidades mobilizados para o alcance das metas relacionadas à saída da lista do MMA. Para a sistematização e análise dos casos foram experimentadas várias técnicas analíticas, tais como matriz de categorias, fluxograma (mapa mental), identificação de eventos-marco para a reconstituição dos processos nos municípios analisados, disposição de informações em ordem cronológica, verificação de aspectos dos depoimentos colhidos com documentação e com indicadores estatísticos (capacidade de gasto em gestão ambiental municipal, embargos e autuações IBAMA, serie histórica do desmatamento 2004-2012, estatísticas de crédito rural). Sobre estas reconstituições foram elaboradas as conclusões e recomendações. A reconstituição e análise dos casos em estudo, realizadas no período março-abril 2014, obedeceram ao seguinte roteiro: visão geral das medidas de política de combate ao desmatamento que circunscrevem os casos, características históricas e perfil socioeconômico dos municípios em estudo, agenda ambiental dos atores locais no momento da entrada na lista, reação dos atores locais à entrada na lista, elementos de estratégia para sair da lista, atores relevantes, processo, resultados e situação atual. Os objetivos alcançados estão circunscritos ao terreno da aproximação e familiarização com o objeto de estudo. Estudos de caso são marcos de referência para o aprofundamento do estudo de situações complexas, ou seja, guias para orientar a formulação de hipóteses a serem posteriormente verificadas. À parte esta característica estruturante dos estudos de caso, há mais um fator que realça o caráter exploratório dos resultados alcançados, que diz respeito à coleta de evidências. As entrevistas foram realizadas em uma única rodada de visitas aos locais onde se encontrariam os atores relevantes. Nem todos os atores relevantes se encontravam nos locais ou estiveram disponíveis para entrevistas nos períodos de tempo em diversas cidades em uma única “rodada” de trabalho de campo. Portanto, a consolidação definitiva da reconstituição dos processos de saída da lista requerem complementação de trabalho de entrevistas com atores ainda não entrevistados e verificação com atores já entrevistados uma primeira vez. Em segundo lugar, no assunto objeto deste trabalho, o principal objetivo-alcance de estudos de caso é delinear uma agenda de hipóteses a serem testadas.

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  129  

ANEXO 4 Notas sobre as estatísticas de crédito rural nos municípios estudados, 2006-2013 Para subsidiar as entrevistas em campo, foi solicitado ao Banco Central, em setembro de 2013, informações sobre o crédito rural nos municípios a serem estudados para o período 2006 em diante. Foram obtidas informações sobre o crédito rural para o período de 2006 até 2013 (parciais), organizadas nas seguintes variáveis: quantidade total e valor total de contratos, número total de contratos e valor total dos contratos por tipo de instituição; quantidade total e valor total de contratos para atividades agrícolas, número total de contratos e valor total dos contratos por tipo de instituição para atividades agrícolas; quantidade total e valor total de contratos para atividades pecuarias, número total de contratos e valor total dos contratos por tipo de instituição para atividades pecuárias. Foi observada, através de procedimentos descritivos expeditos, a evolução destas variáveis nos cinco municípios à luz das restrições vigentes a partir de julho de 2008. Não foram encontradas evidências que dessem suporte à associação entre a vigência das medidas de restrição ao crédito (a partir de 2008) e a redução das atividades de crédito nos municípios de Alta Floresta, Marcelândia, Querência e Paragominas. Esta exploração inicial encoraja a recomendação para a análise mais sistemática e aprofundada sobre o papel do crédito rural na redução do desmatamento nos municípios da lista do MMA. A seguir, são apresentados à guisa de exemplo gráficos com o comportamento de variáveis selecionadas em alguns dos municípios estudados: Alta Floresta, Marcelândia, Querência e Paragominas. Em Alta Floresta, as estatísticas de crédito rural total apresentam trajetória ascendente, mesmo no período pós-2008, especialmente por conta do crédito para as atividades pecuárias, tanto no que se refere ao valor quanto ao número de contratos, conforme figuras abaixo.

0  200  400  600  800  1000  

Figura  14:  Alta  Floresta,  Credito  rural,  número  de  contratos,  2006-­‐2013  

Agricola  

Pecuária  

Total  

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  130  

Os estabelecimentos oficiais federais de crédito são os principais agentes para o município.

Em Marcelândia, a evolução do crédito rural no período considerado é discretamente ascendente, por conta das atividades pecuárias, tanto no que se refere ao número de contratos quanto aos valores totais, até 2012.

 -­‐        

 20.000.000,00    

 40.000.000,00    

 60.000.000,00    

 80.000.000,00    

Figura  15:  Alta  Floresta,  Credito  rural,  valor  de  contratos,  2006-­‐2013  

Agricola  

Pecuária  

Total  

0  

500  

1000  

Figura  16:  Alta  Floresta,  número  de  contratos  por  tipo  de  instituição  

Agências/Bancos  Estaduais  

Bancos  Oeiciais  Federais  

Bancos  Privados  

0  

200  

400  

Figura  17:  Marcelândia,  Credito  rural  total,  numero  de  contratos  

Agricola  

Pecuária  

Total  

0,00  

10.000.000,00  

20.000.000,00  

30.000.000,00  

40.000.000,00  

Figura  18:  Marcelândia,  Credito  rural  total,  valor  de  contratos  

Agricola  

Pecuária  

Total  

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  131  

Os bancos oficiais federais são em Marcelândia os principais agentes de crédito.

Em Querência, a evolução do crédito agrícola mostra aumento de crédito rural para atividades agrícolas pós- 2008, tanto no que se refere ao número quanto aos valores totais de contratos. Bancos oficiais federais compartilham com estabelecimentos privados o financiamento das atividades agrícolas.

Em Paragominas, observa-se uma queda no número e no valor dos contratos em 2008 e imediata retomada em 2009.

0  

100  

200  

300  

400  

Figura  19:  Marcelândia,    número  de  contratos  por  tipo  de  instituição  

Bancos  Oeiciais  Federais  

Bancos  Privados  

Cooperativa  de  Crédito  

0  200  400  600  800  1000  

Figura  20:  Querência,  Credito  rural  total,  numero  de  contratos  

Agricola  

Pecuária  

Total  

0  50000000  100000000  150000000  200000000  

Figura  21:  Querência,  Crédito  agrícola,  valor  de  contratos  

Bancos  Oeiciais  Federais  

Bancos  Privados  

Cooperativa  de  Crédito  

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  132  

Bancos oficiais federais lideram a concessão de crédito no período analisado.

 

0  100  200  300  400  500  

2006   2007   2008   2009   2010   2011   2012   2013*  

Figura  22:  Paragominas,    Credito  rural  total,  numero  de  contratos,  2006-­‐2013  

Agricola  

Pecuária  

Outros  

Total  

 -­‐          10.000.000,00      20.000.000,00      30.000.000,00      40.000.000,00      50.000.000,00      60.000.000,00      70.000.000,00    

Axis  Title  

Figura  23:  Paragominas,  Credito  rural  total,  valor  de  contratos  

Agricola  

Pecuária  

Outros  

 -­‐          10.000.000,00      20.000.000,00      30.000.000,00      40.000.000,00      50.000.000,00      60.000.000,00    

Figura  24:  Paragominas,  valor  de  contratos  por  tipo  de  instituição  

Bancos  Oeiciais  Federais  

Bancos  Privados  

Cooperativa  de  Crédito  

0  50  100  150  200  250  300  350  400  

2006   2007   2008   2009   2010   2011   2012  2013*  

Figura  25:  Paragominas,  número  de  contratos  por  tipo  de  instituição  

Bancos  Oeiciais  Federais  

Bancos  Privados  

Cooperativa  de  Crédito  

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  133  

ANEXO 5 Perfil dos municípios selecionados para estudo 1 Alta Floresta, MT O município de Alta Floresta está situado ao Norte do estado de Mato Grosso a aproximadamente 700 km de Cuiabá, a capital estadual (Figura 26). Ocupa uma superfície da ordem de 8,9 mil km2, com uma população estimada de 49,5 mil habitantes, cujo PIB per capita, da ordem de 14 mil reais, equivale a 71% do PIB per capita estadual (IBGE, 2014). Está situada na bacia hidrográfica do rio Tapajós, em região de colonização recente abrangida pelo Território Portal da Amazônia (tabela 11).

Tabela 11: Alta Floresta, evolução da população, 1991-2012, segundo situação urbana e rural,

valores absolutos e relativos

1991 2000 2010 Estimativa 2012 1991 2000 2010

Urbano 37.504 37.287 42.718 nd 73,5 79,4 86,9 Rural 29.422 9.695 6.446 nd 26,5 20,6 13,1 Total 66.926 46.982 49.164 49.494 100,0 100,0 100,0

Fonte: IBGE, 2013

A cidade foi fundada pelo paulista Ariosto da Riva em 1974, através da colonizadora Integração, Desenvolvimento, Colonização, INDECO S.A., em área de aproximadamente 800 mil hectares, integralmente florestada.

Figura 26 – Município de Alta Floresta, localização regional

Fonte: IBGE, 2014, Google maps. Acesso em 14/04/2014

Para sua ocupação foram construídos 142 km de estradas, hospital, escola, igreja, em um projeto de cidade baseado na agricultura de produtos amazônicos. Em 1976 chegam os primeiros colonos, a maioria pequenos agricultores paranaenses dispostos a tentar o plantio de café e em seguida a cultura de produtos amazônicos. A área ganhou emancipação político-administrativa em dezembro de 1979, tendo sido instalado em fevereiro de 1981, sobre uma área total de 8,9 mil km2. A população era então estimada em 8,3 mil habitantes (Seluchineski, 2008).

“O sonho dele [Ariosto da Riva] era ter aqui uma agricultura de produtos amazônicos, que ele começou com cacau, guaraná, café e foi introduzido e o extrativismo de castanha. Esses

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  134  

produtos eram à base dos pequenos agricultores, que ficavam em volta. Foi ele (o pai) que deixou inúmeros parques ecológicos e áreas verdes na cidade também. Infelizmente, alguns prefeitos, um em específico, tiraram essas áreas verdes.”(Vitoria da Riva, filha do fundador, 2013).

Em quatro décadas de existência, o município de Alta Floresta viveu três ciclos - ouro, madeira e agropecuária - que rapidamente a afastariam do projeto original. No início da década de 1980 a cidade apoiou a breve corrida do ouro de garimpo, tendo se consagrado como importante apoio de serviços na região. Intenso conflito social entre colonos e garimpeiros112 e brutal crescimento marcam a trajetória do município até a década de 1990. Neste período, a população aumentou vertiginosamente (segundo IBGE, 2014, chegou a contar 100 mil habitantes). Inicialmente formada por pequenos agricultores das regiões sul e sudeste, forte com cultura de pioneiro, mesclou-se à população flutuante vinda das regiões norte e nordeste, atraída pelo garimpo. Lotes agrícolas são abandonados pela adesão dos agricultores ao garimpo:

“Os pequenos agricultores acharam que iam ganhar dinheiro. Naquela época a inflação estava muito grande, produtos agrícolas estavam perdendo o preço. Desanimados, eles acharam que iam ganhar dinheiro no ouro e foram para o ouro. Quando voltaram, você sabe o que é agricultura, em 2, 3 anos você pode perder uma cultura, principalmente cacau... acharam que não valeria a pena continuar na parte agrícola, colocaram o gado, a partir de 1988 (Idem)

Na década de 1990 a escassez do ouro, a queda de preço e efeitos da política econômica federal provocaram o êxodo dos garimpeiros e significativa perda de população. O novo ciclo econômico na região é capitaneado pela indústria madeireira (PDSAF, p. 3), sucedida pela pecuária. Atualmente, a economia de Alta Floresta é predominantemente pecuária, secundada por culturas de soja, arroz e milho, atividades agroindustriais e turismo (PDSAF, p. 27). Atualmente, Alta Floresta abriga aproximadamente 50 mil habitantes, em sua grande maioria residentes em área urbana. A população rural está em progressivo declínio, em contraste com a população urbana, como evidenciado na Figura 27.

Fonte: IBGE, 2013

O setor de serviços é o responsável pela maior parte do PIB municipal, seguido pelas atividades agropecuárias cuja participação é crescente (Tabela 12). No período 2006-2010, o PIB municipal está em ascensão liderado pelo setor serviços e, em seguida, pelas atividades agropecuárias – Alta Floresta possui o quarto maior rebanho bovino do Estado.

                                                                                                               112  Seluchineski menciona intervenção federal na região para contenção de conflitos entre garimpeiros e colonos (p. 46)  

0  

20.000  

40.000  

60.000  

80.000  

1991   2000   2010  

Figura  27:  Alta  Floresta,  evolução  da  população,  1991-­‐2010  

Urbano  

Rural  

Total  

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  135  

Tabela 12: Alta Floresta, PIB - composição e evolução, 2006-2010

(R$1.000, preços correntes )

2006 2007 2008 2009 2010

Agropecuária 70.743 85.104 108.599 145.781 165.223 Indústria 57.654 61.257 59.751 57.975 100.192 Serviços 220.252 258.060 298.188 324.042 362.582 Impostos 43.182 44.761 49.873 52.535 62.146 PIB 391.831 449.182 516.411 580.332 690.143 Fonte: IBGE, 2013

A qualidade do desenvolvimento cumpre também rota de ascensão, segundo FIRJAN (2013). O índice de desenvolvimento humano deixa a faixa considerada regular em 2000 para a faixa moderada (entre 0,6 e 0,8). O sub-índice de emprego e renda parte de patamar considerado baixo em 200 (até 0,4), ascendendo à faixa regular (Figura 28).

Fonte: FIRJAN, 2013

Segundo IBGE (2006), do total de 2.317 estabelecimentos 62% têm até 50 hectares, que ocupam 4,3% da área total dos estabelecimentos, ao passo que 1,5% dos estabelecimentos têm área superior a 2.500 hectares, ocupando 45,6% (Figura 29). Alta Floresta não apresenta problemas fundiários – os colonos adquiriram regularmente suas propriedades. A maior parte do território municipal está sob responsabilidade direta do Município. Há apenas um assentamento (0,24% do território) e pequeno percentual do território (1,5%) em Unidade de Conservação de Proteção Integral, o Parque Cristalino (139 km2).

Fonte: IBGE, 2008

0  

0,2  

0,4  

0,6  

0,8  

2000   2005   2006   2007   2008   2009   2010  

Figura  28:  Alta  Floresta,  IFDM  Total  e  Emprego  e  Renda,  2000  a  2010  

Alta  Floresta,  IFDM  total,  2000,  2005  a  2010  

Alta  Floresta,  IFDM  emprego  e  renda,  2000,  2005  a  2010  

0,0  

10,0  

20,0  

30,0  

40,0  

50,0  

0  -­‐  10  ha  

10  a  50  ha  

50  a  100  ha  

100  a  500  ha  

500  a  1.000  ha  

1.000  a  2.500  ha  

acima  de  2500  ha  

Figura 29: Alta Floresta, concentração da terra, 2006 (%)

Estabelecimentos  

Área  

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  136  

2. Marcelândia, MT O município de Marcelândia está situado a 712 km de Cuiabá, na região Norte do Estado (Figura 30). Ocupa área da ordem de 12,3 mil km2 na qual reside população estimada de quase 12 mil habitantes. Seu território integra duas bacias hidrográficas, a do rio Teles Pires e a do rio Xingu, na microrregião de Sinop, área sob influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163). O acesso do município à BR-163 se dá por um trecho de 87 km de rodovia estadual (MT-320). O PIB per capita municipal de 2010, da ordem de R$14 mil reais, equivale a 72% do PIB per capita estadual. Tal como em Alta Floresta, a ocupação da área e origina em projeto de colonização promovido pela Colonizadora Maiká, de propriedade do Sr. José Bianchini, que atraiu colonos da região Sul ao final da década de setenta para ocupar área com atividades agropecuárias. A área foi alçada à condição de distrito do município de Sinop em maio de 1982. Quatro anos depois é promovida à condição de Município113. A ocupação de seu território foi consolidada a partir da pecuária de corte e da exploração madeireira, em quadro marcado pelo incentivo à migração, precariedade de acesso e transporte terrestres. Segundo Alencar (2009), em 1987 já estavam instaladas no município cera de 150 empresas madeireiras que atraíam imigrantes, desta vez da região Nordeste.

Figura 30 – Município de Marcelândia, localização regional

Fonte: IBGE, 2014; Google maps. Acesso em 10/04/2014

A dinâmica demográfica do município é marcada por picos, mantendo-se na classe populacional considerada de pequeno porte, inferior a 20 mil habitantes. A população municipal se situa progressivamente nas áreas consideradas urbanas (Tabela 13).

Tabela 13 - Marcelândia, evolução da população, período 1991-2012, segundo situação urbana e rural, valores absolutos e relativos

Valores absolutos (hab) %

1991 2000 2010 Estima 2012 1991 2000 2010

Urbano 4.249 9.161 7.426 nd 47,6 63,4 61,9 Rural 4.686 5.287 4.580 nd 52,4 36,6 38,1 Total 8.935 14.448 12.006 11.638 100,0 100,0 100,0 Fonte: IBGE, 2013

                                                                                                               113  Lei n. 4.992, de 13 de maio de 1986  

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  137  

A população de Marcelândia experimentou intenso crescimento ao longo da década de noventa, reduzindo sua população na década seguinte, acompanhando os movimentos de expansão e contração da atividade madeireira. A redução da população total é mais intensa entre a população urbana que no contingente rural (Figura 31).

Fonte: IBGE, 2013

Desde sua fundação o extrativismo madeireiro tem sido a base da economia municipal, desenvolvido até recentemente em bases insustentáveis, através da exploração predatória das florestas em áreas utilizadas em seguida por pecuária de corte ou, em menor extensão, culturas perenes e de subsistência (ICV, 2007). No período 2006-2010 o PIB municipal apresenta um pico de crescimento em 2009, valor equivalente a 178% do ano anterior, retomando em seguida os patamares observados em 2006-2007 (Tabela 14). Os setores agropecuário se alterna com o setor serviços para a formação do PIB municipal, destacando-se o desempenho da agropecuária em 2009.

Tabela 14

Marcelândia, PIB composição e evolução, 2006-2010, valores absolutos (R$1.000, preços correntes )

2006 2007 2008 2009 2010

Agropecuária 43.425 53.812 69.701 178.656 67.051 Indústria 15.006 18.822 18.160 18.637 20.309 Serviços 52.192 57.361 65.121 79.125 71.792 Impostos 7.617 8.458 9.267 13.450 10.134 PIB 118.240 138.453 162.250 289.867 169.286 Fonte: IBGE, 2013

Segundo FIRJAN (2013) a qualidade do desenvolvimento humano mostra discreta ascensão no período 2000-2010 (2013), deslocando-se da faixa considerada regular para a faixa moderada. O sub-índice FIRJAN de emprego e renda cumpre trajetória inversa, regredindo da faixa regular para a o grupo considerado como baixo (até 0,4) (Figura 32).

 -­‐        

 5.000    

 10.000    

 15.000    

 20.000    

1991   2000   2010  

Figura  31  -­‐  Marcelândia,  evolução  da  população,  2000-­‐2010  

Urbano

Rural

Total

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  138  

Fonte: FIRJAN, 2013

O tema fundiário em Marcelândia O conflito fundiário originado na época da ocupação da área persiste até a atualidade, tendo oposto durante três décadas a União e o Estado em disputa sobre o reconhecimento da competência para titulação de terras no Município. O impasse começou em 1985, data de promulgação de decreto-lei que estabeleceu passarem a ser propriedade da União as terras localizadas a 100 km de rodovias federais planejadas ou em construção. Em 1987 o mesmo decreto-lei foi revogado e as terras públicas que ainda não haviam sido arrecadadas voltaram ao domínio do Mato Grosso. Está em tramitação no Supremo Tribunal Federal o processo que traduz o impasse histórico entre União, que reivindica do Estado de Mato Grosso toda a área do município, alegando não ter autorizado a titulação das terras. Esta questão tem impedido até o momento a titulação definitiva dos proprietários rurais do município. Menções feitas em entrevistas indicam que está na iminência de ter uma solução definitiva. A doação da gleba da União para o Estado ocorreu em 2010114, tendo sido regulamentada em 2011115. O Parque Indígena do Xingu ocupa cerca de 13% da área total do município. Há três assentamentos no município. Um sob responsabilidade do INCRA (Bom Jaguá), um da INTERMAT (Tupã) e um da Prefeitura (Santos Reis).

Segundo o Censo Agropecuário (IBGE, 2006), dos 1.095 estabelecimentos rurais, cerca de 57% têm até 50 hectares, ocupando 2,5% da área, enquanto que 5,4% dos estabelecimentos ocupam área superior a 2.500 hectares, ocupando 66% da área.

                                                                                                               114  Através da Lei n. 12/01/2010  115  Decreto n. 7.452/2011  

0  

0,2  

0,4  

0,6  

0,8  

2000  2005  2006  2007  2008  2009  2010  

Figura  32:  Marcelândia,  IFDM  total  e  Emprego  &  Renda,  2010    

IFDM  Total  

IFDM  Emprego  e  Renda  

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  139  

Fonte: IBGE, 2008

3. Querência, MT O município de Querência ocupa uma área da ordem de 17,8 mil km2 na região nordeste mato-grossense (Figura 34). Distando aproximadamente 912 km da capital estadual, abriga população de aproximadamente 13 mil habitantes. Dos municípios mato-grossenses selecionados para estudo, é o único cujo renda apresenta indicadores superiores à média estadual. Em 2010, o PIB municipal era da ordem de R$30,6 mil reais per capita, equivalente a 155% do PIB per capita estadual (IBGE, 2014). Seu território está inserido na bacia do rio Xingu: os principais rios são o Suiá-Missu e seus formadores. Segundo CONDEMA (2010, p. 3), as peculiaridades da região do Alto Rio Xingu “de relevo, solo e clima propiciaram o desenvolvimento de uma floresta própria, e que a rigor é distinta (...) das formações florestais do entorno, como a Floresta Ombrófila e a Floresta Estacional Semidecidual, ainda pouco pesquisada”. A iniciativa da ocupação do território hoje abrangido por Querência coube à Empresa de Colonização Consultoria Agrária / CONAGRO S.C. Ltda, em 1975, na região chamada Gleba Mata Linda, entre os municípios de São Felix do Araguaia e Barra do Garças (Querência, 2010)116. O Projeto Querência, fundado em 1985, era composto por 881 parcelas entre lotes rurais de 200 hectares e chácaras, cuja base logística era o município de Canarana (IBGE, 2014). Em dois anos a maioria dos lotes já havia sido adquirida por imigrantes gaúchos, a quem se deve a denominação, termo típico sulino. A área foi alçada à condição de distrito do município de Canarana em 1991 e dois anos depois transformada em município a partir do desmembramento dos municípios de Canarana e São Felix do Araguaia117.

                                                                                                               116  No site do IBGE consta que a ocupação foi promovida pela Cooperativa Mista de Canarana, que adquiriu 180 mil hectares da Fazenda Betis, da família Peres Maldonado, fonte Confederação Nacional dos Municípios.  117  Lei estadual 5.985, de 19/12/91,  instalado em 01/01/1993 (IBGE, 2014).    

0,0  10,0  20,0  30,0  40,0  50,0  60,0  70,0  

0  -­‐  10  ha  

10  a  50  ha  

50  a  100  ha  

100  a  500  ha  

500  a  1.000  ha  

1.000  a  2.500  ha  

acima  de  2500  ha  

Figura 33: Marcelândia, concentração da terra, 2006 (%)

Estabelecimentos  

Área  

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  140  

Figura 34 - Município de Querência, localização regional

Fonte: IBGE, 2014; Google maps. Acesso em 10/04/2014

O crescimento demográfico do município é intenso, sobretudo considerando-se o curto período de existência. Registra-se notável aumento da população total entre 1996 e 2010 (Querência, 2011), em movimento que persiste, com menor intensidade no período 2000-2010. (Tabela 15).

Tabela 15 - Querência, evolução da população, período 1991-2012, segundo situação urbana e rural, valores absolutos e relativos

Valores absolutos (hab) %

1991 2000 2010 Estima 2012 1991 2000 2010

Urbano nd 3.920 5.972 nd nd 53,9 45,8 Rural nd 3.354 7.061 nd nd 46,1 54,2 Total nd 7.274 13.033 13.903 nd 100,0 100,0 Fonte: IBGE, 2013

O crescimento populacional se mostra mais intenso na população considerada rural (+ 110%) que na urbana (+52%), em distribuição equilibrada (Tabela 16 e Figura 35).

Fonte: IBGE, 2013

Desde o início de sua ocupação o carro-chefe das atividades econômicas é o setor primário: agricultura, (soja, seguida por arroz e milho) e pecuária. No período 2006-2010 a composição

0  

5.000  

10.000  

15.000  

2000   2010  

Figura  35  -­‐  Querência,  evolução  da  população  2000-­‐2010  

Urbano

Rural

Total

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  141  

do PIB municipal se altera: a partir de 2008 o setor de serviços passa a ser o mais importante (Tabela 16). No período estudado, o PIB municipal atinge seu valor máximo em 2009, apresentando redução da ordem de 22 pontos percentuais em relação ao ano anterior.

Tabela 16 Querência, PIB composição e evolução, 2006-2010, valores absolutos

(R$1.000, preços correntes )

2006 2007 2008 2009 2010

Agropecuária 79.833 117.088 187.393 194.834 124.340 Indústria 10.102 10.508 11.777 16.296 17.364 Serviços 63.343 135.809 181.304 237.217 205.072 Impostos 16.563 37.205 45.171 61.442 51.941 PIB 169.841 300.610 425.644 509.789 398.718 Fonte: IBGE, 2013

O comportamento do IFDM municipal no período 2000-2010 é superior ao dos demais municípios mato-grossenses estudados: está situado na faixa considerada moderada, imediatamente inferior à faixa mais alta (>0,8), em movimento discretamente ascendente rumo à faixa de desenvolvimento alta.

Fonte: FIRJAN, 2013

Estrutura fundiária de Querência Aproximadamente 40% do território municipal está ocupado por Terras Indígenas (32,8% no Parque Indígena do Xingu / PIX e 8,3% na Terra Indígena Wawi). Há aproximadamente 1.000 km2 ocupados por assentamentos, com mais de 1 mil famílias, onde são registradas pendências fundiárias. Em CONDEMA (2011, p.1), destaca-se a extrema diversidade socioambiental do município, no qual coexistem Terras Indígenas, Assentamentos de Reforma Agrária, agricultura familiar, média e grande produção agropecuária. A estrutura fundiária de Querência é marcada por intensa concentração. Em 2006, do total de 611 estabelecimentos cerca de 13% tinham mais de 1000 hectares, ocupando 90% do total da área de estabelecimentos rurais, ao passo que os 65% dos estabelecimentos tinham até 100 hectares, ocupando 3,4% da área total de estabelecimentos (ver figura 37).

São cerca de 50 produtores que detêm aproximadamente 80% das áreas agricultáveis do município. Alguns são do passado, poucos, como o José Ricardo Rezek, os outros foram chegando depois, comprando as suas áreas, juntando e tal. [...] lá atrás, que era uma

0  

0,2  

0,4  

0,6  

0,8  

2000   2005   2006   2007   2008   2009   2010  

Figura  36:  Querência,  IFDM  Total  e  Emprego  &  Renda,  2010  

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  142  

colonização privada com os lotes menores, eles foram vendendo as suas áreas. (Rodrigo Junqueira, entrevista, 2014)

Fonte: IBGE, 2008

4. Paragominas, PA O município de Paragominas está situado no nordeste paraense, próximo à rodovia Belém-Brasília (BR-010), a cerca de 307 km de Belém (Figura 38). Ocupa uma superfície da ordem de 19,3 mil km2, com uma população estimada de 98 mil habitantes, cujo PIB per capita, da ordem de 12,6 mil reais, é 20% superior ao PIB per capita estadual (IBGE, 2014).O território municipal abrange duas bacias principais: a do rio Capim (54% do município) e a do rio Gurupi (Pinto et al, 2009).

Figura 38 – Município de Paragominas, localização regional

Fonte: IBGE, 2014, Google maps. Acesso em 14/04/2014

O município foi instituído em 1965118, tendo como pano de fundo iniciativas governamentais para ocupação da região amazônica, tal como os municípios anteriormente apresentados. No caso de Paragominas, o pioneiro fundador foi Celio Rezende de Miranda que havia recebido títulos de terras do governo federal, havendo registros de formação de pequenas colônias agrícolas desde a década de 1930, segundo Oliveira (2012).

O governo decidiu construir rodovias federais para integrar o Pará ao restante do Brasil. Havia aqueles ditados: Integrar a Amazônia para não entregar; Homens sem terra para uma

                                                                                                               118  Lei estadual n. 3225, de 04 de janeiro de 1965  

0,0  

20,0  

40,0  

60,0  

80,0  

100,0  

0  -­‐  10  ha  

10  a  50  ha  

50  a  100  ha  

100  a  500  ha  

500  a  1.000  ha  

1.000  a  2.500  ha  

acima  de  2500  ha  

Figura  37:  Querência,  concentração  da  terra  (%),  2006  

Estabelecimentos  

Área  

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  143  

terra sem homens. Construiu a BR até Santarém, a Transamazônica, e a rodovia Belém-Brasília vai até a minha cidade. Foi assim que ela surgiu. Antes era floresta. O sonho de vida de construir uma cidade era do Célio Miranda. Tem gente que quer ser jornalista, outros, advogado. O Célio queria construir uma cidade. Ele tinha um irmão, chamado Onofre Miranda, que era amigo do Juscelino Kubitschek. Todos mineiros. O Juscelino encontrou-se com o Onofre e disse: “Onofre, chama aquele teu irmão aqui. Estou construindo uma rodovia que vai até o Pará. Ele não quer construir uma cidade? Eu apoio e recomendo para o Governador”. O Célio Miranda estudou toda a região, com as poucas informações que dispunha na época, e decidiu construir uma cidade, que hoje é Paragominas. Não havia estrada, só um picadão por onde não passava carro. Com espírito bandeirante, ele alugou um barco chamado Bitia, em Aruanã, uma cidade goiana às margens do Araguaia. Quarenta homens, entre agrimensores e trabalhadores, viajaram nesse barco, uma odisseia. Chegaram até a baía do Guajará, onde foram confundidos com contrabandistas e presos. Depois desceram, do Guamá ao rio Capim, até chegar a 40 km de onde hoje é a cidade. Alguns morreram de malária pelo caminho – isso agora, no século XX! Chegando nesse ponto, Célio decidiu avançar mais uns 40 km para construir a cidade perto do lugar onde ia passar rodovia. Foram mais trinta dias, andando a pé, embrenhados na mata. Finalmente chegaram e fundaram Paragominas. Montaram acampamento e escreveram numa placa de madeira, com um pedaço de carvão que tinham usado para fazer comida: “Paragominas, um por todos e todos por um”. Por que Paragominas? Para porque estavam em terras paraenses; GO porque saíram de Araguanã em Goiás; Minas, porque ele era de Patrocínio em Minas Gerais. Decidiu na hora e batizou: Paragominas. Então começaram a construir a cidade. (Adnan Demachki, entrevista, 2014).

A dinâmica populacional do município é marcada por crescimento intenso ao longo das últimas duas décadas. Segundo IBGE (2013), estima-se que Paragominas já pertence ao pequeno grupo de cerca de 300 municípios brasileiros com população superior a 100 mil habitantes (Tabela 17).

Tabela 17: Paragominas, evolução da população, 1991-2012, segundo situação urbana e rural, valores absolutos e relativos

1991 2000 2010 Estimativa 2012 1991 2000 2010

Urbano 41.833 58.240 76.511 nd 55,4 76,2 78,2 Rural 33.719 18.210 21.308 nd 44,6 23,8 21,8 Total 75.552 76.450 97.819 101.046 100,0 100,0 100,0 Fonte: IBGE, 2013

A população urbana é progressivamente predominante sobre a população rural, cuja participação na população total está em franco declínio. (Figura 39).

Fonte: IBGE, 2013

- 20.000 40.000 60.000 80.000

100.000 120.000

1991   2000   2010  

Figura  39:  Paragominas,  evolução  da  população  

Urbano  

Rural  

Total  

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  144  

Paragominas tem cerca de 53% de cobertura vegetal remanescente, mais concentradas na área da Terra Indígena Alto Guamá (IMAZON, 2014, p. 2). [e TI Barreirinha do Campo, mencionada em IMAZON 2009) Durante a década de 90 o município foi um dos grandes pólos produtores de madeira, substituída pela pecuária, cultivo de grãos e mineração (mineradora Hydro). O PIB municipal tem expressivo crescimento no período 2006-2010, tendo dobrado o seu valor no período. Segundo IBGE (2010), o setor secundário é o mais importante na composição do PIB municipal. Sua participação no PIB total é crescente no período 2006-2010, tendo substituído o setor de serviços na liderança da composição do PIB, cuja participação no PIB municipal total decresce no período 2006-2010.

Tabela 18: Paragominas, PIB - composição e evolução, 2006-2010 (R$1.000, preços correntes )

2006 2007 2008 2009 2010

Agropecuária 104.475 103.903 108.337 120.060 126.994 Indústria 125.036 171.344 281.547 268.449 530.634 Serviços 292.363 354.479 400.266 435.645 495.452 Impostos 54.591 58.375 61.473 57.076 82.299 PIB 576.464 688.100 851.623 881.230 1.235.379 Fonte: IBGE, 2013

A qualidade do desenvolvimento cumpre também trajetória de ascensão, com inflexão no ano de 2008 e regresso à faixa considerada de desenvolvimento moderado, segundo FIRJAN (2013). O índice de desenvolvimento humano deixa a faixa considerada regular em 2000 para a faixa moderada (entre 0,6 e 0,8). O sub-índice de emprego e renda, no ano de 2000 situado em patamar considerado baixo (até 0,4), com um pico de expansão em 2005, queda até o ano de 2009 e expressiva recuperação, já na faixa considerada moderada, em 2010 (Figura 40).

Fonte: FIRJAN, 2013

O território de Paragominas tem 5,6% ocupado por assentamentos (SEMA, 2012, apud PMV, 2013) e 5,2% são áreas protegidas (ISA, 2012, apud PMV, 2013). Do total de 461 estabelecimentos rurais (IBGE, 2008) cerca de 39% tem até 100 hectares, ocupando 0,8% do

0  

0,2  

0,4  

0,6  

0,8  

2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010

FIgura  40:  Paragominas,  IFDM  

Paragominas,  IFDM  total,  2000,  2005  a  2010  

Paragominas,  IFDM  emprego  e  renda,  2000,  2005  a  2010  

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  145  

total da área de estabelecimentos. Os estabelecimentos acima de 2.500 ha representam 17% do total, ocupando 67,4% da área total de estabelecimentos.

Fonte: IBGE, 2008

2.4.5 São Felix do Xingu, PA O município de São Felix do Xingu está situado no sudeste paraense a cerca de 1.160 km de Belém (Figura 42). Ocupa uma superfície da ordem de 84,2 mil km2, com uma população estimada de 107 mil habitantes, cujo PIB per capita, da ordem de 5,8 mil reais, equivale a 56% do PIB per capita estadual (IBGE, 2014). O município foi instituído em 1961119, emancipado do município de Altamira, com atividades econômicas baseadas em atividades extrativas. Originalmente habitado por diversos povos indígenas, recebeu os primeiros colonizadores no início do século XX, estabelecendo-se pequeno povoado na Ilhota São Felix baseado no extrativismo. Nos anos setenta do século passado é construída a rodovia PA-279, que inaugura o acesso terrestre e à área. O modelo de ocupação a partir de então é baseado na exploração predatória dos recursos naturais como primeiro passo para apropriação fundiária, com forte concentração de propriedades e renda, tendo como principal atividade econômica a pecuária e a própria apropriação fundiária (Escada el al, 2005, p. 10).

                                                                                                               119  Lei n. 2460, de 29/12/1961.  

0,0 20,0 40,0 60,0 80,0

0  -­‐  10  ha  

10  a  50  ha  

50  a  100  ha  

100  a  500  ha  

500  a  1.000  ha  

1.000  a  

2.500  ha  

acima  de  2500  ha  

Figura  41:  Paragominas,  concentração  da  terra,  por  nº  estabelecimentos  e  área,  2006  (%)  

Estabelecimentos  

Área  

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  146  

Figura 42 – Município de São Felix do Xingu, localização regional

Fonte: IBGE, 2014, Google maps. Acesso em 14/04/2014

O crescimento populacional no município é vertiginoso ao longo das décadas de noventa do século passado e da primeira década deste, como ilustrado na Tabela 19, com predomínio da população rural em termos absolutos. Entretanto, a participação da população rural na total segue em declínio ao longo do período 1991-2010.

Tabela 19: São Felix do Xingu, evolução da população, 1991-2012, segundo situação urbana e rural, valores absolutos e relativos

1991 2000 2010 Estimativa 2012 1991 2000 2010

Urbano 8.172 12.530 45.113 nd 32,9 36,2 49,4 Rural 16.662 22.091 46.227 nd 67,1 63,8 50,6 Total 24.834 34.621 91.340 99.905 100,0 100,0 100,0 Fonte: IBGE, 2013

A base da economia é a pecuária de corte, atividade desenvolvida em regime extensivo: o rebanho bovino no município é considerado como o maior do país, responsável pela maior parte do PIB municipal. Este mostra aumento no período 2006-2010, liderado pelas atividades agropecuárias seguidas pelo setor de serviços, cuja participação cresce 10 pontos percentuais no período (Tabela 20). No setor agrícola, a cultura de mandioca foi a que mais contribuiu (IDESP / IMAZON / PMV, 2013)

Tabela 20: São Felix do Xingu,, PIB - composição e evolução, 2006-2010 (R$1.000, preços correntes )

2006 2007 2008 2009 2010

Agropecuária 174.982 186.550 175.261 173.903 247.605 Indústria 11.802 16.164 27.829 23.942 50.595 Serviços 97.066 133.970 141.681 164.817 214.897 Impostos 7.535 8.926 12.552 11.539 14.923 PIB 291.385 345.610 357.323 374.201 528.021 Fonte: IBGE, 2013

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No período 2000-2010, segundo FIRJAN (2013) a qualidade do desenvolvimento mostra movimento de ascensão a partir do patamar considerado baixo, estabilizando-se na faixa considerada de desenvolvimento regular. O sub-índice de emprego e renda experimenta declínio, permanecendo na faixa considerada baixa depois de um pico de crescimento em 2005 (Figura 43).

Fonte: FIRJAN, 2013

Do total de 6.171 estabelecimentos rurais contabilizados no município em IBGE (2008), 63% ocupavam estabelecimentos até 50 hectares (5,4% do total da área de estabelecimentos), conforme ilustra a Figura 44. Já 4,5% do total de estabelecimentos tinham mais de 1000 hectares, ocupando 67,3% da área total de estabelecimentos rurais.

Fonte: IBGE, 2008

0,00  

0,20  

0,40  

0,60  

2000   2005   2006   2007   2008   2009   2010  

Figura  43:  São  Félix  do  Xingu,  IFDM  total  e  Emprego  e  Renda  

IFDM  Total  

IFDM  Emprego  e  Renda  

0,0  10,0  20,0  30,0  40,0  50,0  60,0  

0  -­‐  10  ha  

10  a  50  ha  

50  a  100  ha  

100  a  500  ha  

500  a  1.000  ha  

1.000  a  2.500  ha  

acima  de  2500  ha  

 Figura  44:  São  Félix  do  Xingu,  concentração  da  terra,  estabelecimentos  e  área,  2006  (%)  

Estabelecimentos  

Área  

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