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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
GISELE TEIXEIRA MAGALHÃES
O PROCESSO DE TOMADA DA DECISÃO DE INTERNACIONALIZAÇÃO EM NOVOS
EMPREENDIMENTOS: Estudos de casos de empresas brasileiras em aceleradoras
Rio de Janeiro
2016
GISELE TEIXEIRA MAGALHÃES
O PROCESSO DE TOMADA DA DECISÃO DE INTERNACIONALIZAÇÃO EM NOVOS
EMPREENDIMENTOS: Estudos de casos de empresas brasileiras em aceleradoras
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto
COPPEAD de Administração, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Administração.
ORIENTADOR: Luís Antônio da Rocha Dib
Rio de Janeiro
2016
Ficha Catalográfica ATENÇÃO: 1) Deve ser feita com o auxílio de um bibliotecário. 2) Deve ser impressa no verso da folha anterior.
GISELE TEIXEIRA MAGALHÃES
O PROCESSO DE TOMADA DA DECISÃO DE INTERNACIONALIZAÇÃO EM NOVOS EMPREENDIMENTOS: Estudos de casos de empresas brasileiras em
aceleradoras Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.
Aprovada por:
_________________________________________________ Luís Antônio da Rocha Dib, Doutor em Administração de Empresas
Instituto COPPEAD de Administração - UFRJ
_________________________________________________ Renato Cotta de Mello, Doutor em Engenharia de Produção
Instituto COPPEAD de Administração - UFRJ
_________________________________________________ Jorge Manuel Teixeira Carneiro, Doutor em Administração
IAG – PUC/RJ
AGRADECIMENTO
RESUMO
MAGALHÃES, Gisele. O PROCESSO DE TOMADA DA DECISÃO DE
INTERNACIONALIZAÇÃO EM NOVOS EMPREENDIMENTOS: Estudos de casos
de empresas brasileiras em aceleradoras. 2016. 75f. Dissertação (Mestrado em
Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
Este estudo teve como principal objetivo geral entender como são feitos a identificação e o desenvolvimento de oportunidades internacionais por empresas empreendedoras. Para isso, desenvolveu-se uma análise em três dimensões: 1. observação do uso de lógicas de causation e effectuation por empreendedores à frente de startups que passaram por processos de aceleração; 2. identificação de semelhanças e diferenças entre as decisões sobre se e como internacionalizar; 3. avaliação de como as aceleradoras contribuíram para esses processos decisórios. As principais conclusões foram que os empreendedores utilizam ambas lógicas, de acordo com suas capacidades de determinar possíveis retornos futuros, e que o uso de uma lógica na decisão de se internacionalizar não parece impactar a escolha no processo de decisão de como internacionalizar. Ainda, as aceleradoras tiveram diferentes graus de importância para a internacionalização, mas mostraram-se importantes na construção de redes de relacionamento.
Palavras-chave: internacionalização, processo decisório, startup, effectuation, causation, aceleradoras de empresas
ABSTRACT
MAGALHÃES, Gisele. Título: subtítulo. 2016. 75f. Dissertação (Mestrado em
Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
The general goal of this research was to understand how the identification and the development of new international opportunities are made by entrepreneurial companies. To accomplish that the author created an analysis based on three pillars: 1. observation of the use of the logics of causation and effectuation by entrepreneurs leading startup companies that had been through acceleration programs; 2. investigation of differences and similarities between the decision processes of “whether to” and “how” to internationalize (inter-company and between companies); 3. evaluation of how accelerators contributed to these decision making processes. The main conclusions were that entrepreneurs use both logics, depending on the capability of determining possible future returns for each event, and that the use of a logic in the decision of “if” internationalize does not seem to impact the decision making process on “how” to internationalize. Yet, accelerators had different degrees of importance to internationalization, but they seem to be important on building networks.
Keywords: internationalization, decision making, startup, effectuation, causation, startup accelerators
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Processo de Effectuation ........................................................................... 19
Figura 2: Comparação entre UE Model e Modelo de Internacionalização por
Effectuation ............................................................................................................... 22
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Causation vs Effectuation ......................................................................... 15
Quadro 2: Evolução das Teorias de Internacionalização Comportamentais ............. 23
Quadro 3: Método de análise dos casos ................................................................... 30
Quadro 4: Resumo da análise da categoria Decisão de Internacionalização ........... 51
Quadro 5: Resumo da análise da categoria Processos Decisórios ........................... 57
Quadro 6: Resumo da análise da categoria Papel da Aceleradora ........................... 60
LISTA DE ABREVIATURAS
MU Modelo de Uppsala
FGV Fundação Getúlio Vargas
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 2
2. REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................................ 4
2.1. TEORIAS COMPORTAMENTAIS DE INTERNACIONALIZAÇÃO ......................... 4
2.2. EFFECTUATION .......................................................................................................... 11
2.3. EFFECTUATION NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO ..................... 19
2.4. O PAPEL DAS ACELERADORAS DE EMPRESAS ............................................... 24
3. MÉTODO DA PESQUISA ................................................................................................... 26
3.1. PROBLEMA E QUESTÕES DE PESQUISA ............................................................ 26
3.2. ESCOLHA DO MÉTODO ............................................................................................ 26
3.3. COLETA DE DADOS ................................................................................................... 28
3.4. ANÁLISE DE DADOS .................................................................................................. 29
3.5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO ........................................................................................ 31
4. DESCRIÇÃO DOS CASOS ................................................................................................ 32
4.1. CASO SUPERELA ....................................................................................................... 32
4.2. CASO SOCIALCONDO ............................................................................................... 37
4.3. CASO DEVICELAB ...................................................................................................... 42
5. ANÁLISE DOS CASOS ....................................................................................................... 50
6. CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 61
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 64
APÊNDICE I - ROTEIRO DE ENTREVISTA ........................................................................ 68
2
1. INTRODUÇÃO
O contexto de crescente globalização e desenvolvimento tecnológico em
que vivemos permitiu a eliminação de inúmeras barreiras à internacionalização
de empresas. Percebeu-se o aparecimento de mais casos de empresas
interessadas em ter atuação fora do mercado doméstico, mesmo que ainda com
poucos anos de vida (RENNIE, 1993). Tal fato instigou os pesquisadores da
internacionalização de empresas, que começaram a buscar entender esses
movimentos de empresas novatas rumo ao exterior, dando origem às teorias
sobre o empreendedorismo internacional (OVIATT e MCDOUGALL, 1994;
OVIATT e MCDOUGALL, 2005).
Atualmente as pesquisas desenvolvidas neste campo tem focado cada
vez mais no entendimento dos processos de descoberta, criação, avaliação e
exploração de oportunidades internacionais por empresas empreendedoras
(COVIELLO & MUNRO, 1995; OVIATT & MCDOUGALL, 2005; MAINELA,
PUHAKKA & SERVAIS, 2013). O presente estudo se propôs a analisar tais
processos à luz da teoria de effectuation (SARASVATHY, 2001). A importância
da incorporação dessa teoria nos estudos de internacionalização já foi destacada
por diversos autores. Estudos como os de Sarasvathy, Kumar, York e
Bhagavatula (2014) e de Andersson (2011) trouxeram resultados significantes
para a ampliação do conhecimento na área, mostrando como a lógica de
effectuation se enquadra nos processos decisórios em empresas
empreendedoras.
Assim, essa pesquisa buscou estudar como é feita a identificação e o
desenvolvimento de oportunidades internacionais por empresas
empreendedoras. No entanto, apesar da literatura identificar que processos de
effectuation e de causation não são excludentes, ela ainda foi pouco
desenvolvida no sentido de entender como as empresas combinam lógicas de
effectuation com a de causation (HARMS e SCHIELE, 2012). Desta forma,
pretende-se levantar essa discussão a fim de entender como os processos de
tomada de decisão se enquadram na dualidade entre causation e effectuation, e
se eles diferem entre si para decisões de “se” internacionalizar para “como”
internacionalizar.
3
Para o desenvolvimento do estudo o método proposto é o de estudos de
casos múltiplos com firmas já desenvolvidas em aceleradoras de empresas.
Eficiências de capital no mercado permitiram uma redução dos custos de abrir
uma startup, o que por sua vez contribuiu para o surgimento do modelo de
negócios das aceleradoras. Nesse modelo, uma aceleradora é uma empresa
que aporta capital e conhecimento em startups a fim de desenvolvê-las, em troca
de uma parcela de seu capital social. A primeira aceleradora se instalou no Brasil
há apenas 4 anos, mas dados da Associação Brasileira de Startups indicavam
um surgimento de 39 aceleradoras até 2014 (AGUILHAR, 2014). O objetivo da
realização do estudo de caso com startups dentro desse ambiente é o de
entender a importância das aceleradoras para os processos de tomada de
decisão e internacionalização das firmas.
Para atender aos objetivos, este estudo está organizado em mais quatro
seções, além desta introdução. Na seção 2, será apresentada uma discussão
das teorias comportamentais de internacionalização, a dualidade entre as teorias
de effectuation e de causation, e a incorporação dessas últimas nas teorias de
internacionalização de firmas. A seção 3 contém a descrição do método de
pesquisa escolhido para o desenvolvimento deste estudo. Já a quarta seção
apresenta a descrição dos casos estudados, seguida de suas análises na seção
5. A seção 6 encerra o trabalho com as conclusões mais relevantes levantadas
pelo mesmo.
4
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 TEORIAS COMPORTAMENTAIS DE INTERNACIONALIZAÇÃO
A internacionalização é um fenômeno que vem sendo estudado há muitas
décadas e sob diversas perspectivas. Segundo Carneiro e Dib (2007), a literatura
de negócios internacionais pode ser dividida em duas categorias distintas. A
primeira delas é a de uma abordagem econômica, que engloba os modelos de
Comércio Internacional, as teorias de Portfólio de Investimentos, o modelo de
Ciclo de Vida do Produto, a teoria do Poder de Mercado, a da Internalização e o
Paradigma Eclético. As teorias enquadradas nessa categoria pretendem explicar
a internacionalização através da busca racional pela maximização de lucros da
firma. A segunda categoria é a abordagem comportamental, na qual “(...) o
processo de internacionalização dependeria das atitudes, percepções e
comportamento dos tomadores de decisão, que seriam orientados pela busca da
redução de risco nas decisões sobre onde e como expandir.” (CARNEIRO e
DIB, 2007, p. 3).
A pesquisa aqui proposta foi desenvolvida em cima da abordagem
comportamental, que inclui três vertentes principais, cuja unidade de análise é a
firma, e uma vertente mais recente que estuda o empreendedorismo
internacional com o foco na pessoa do empreendedor. Nesta sessão serão
abordadas as três primeiras, e a mais recente será tratada na última sessão
desta revisão de literatura.
A primeira teoria comportamental tem origem com a pesquisa de
Johanson e Wiedersheim-Paul (1975), e se consolidou como o Modelo de
Uppsala (JOHANSON & VAHLNE, 1977). As segunda e terceira linhas de
pesquisa são compostas respectivamente pelas teorias de redes, que tiveram
início com o trabalho de Johanson e Mattson (1988), e pelas teorias de
empreendedorismo internacional, dentre as quais se destaca a teoria de Oviatt
e McDougall (1994). Essas três linhas de pesquisa não são concorrentes. Ao
contrário, elas se alimentam e desenvolvem mutuamente.
O trabalho seminal de Johanson e Vahlne (1977) tem origem na pesquisa
realizada por Johanson e Wiedersheim-Paul publicada em 1975, que apresentou
uma nova maneira de olhar para a internacionalização de firmas – diferente das
5
perspectivas econômicas. A conclusão do trabalho foi a de que o processo de
internacionalização ocorria como uma sequência ao processo de
desenvolvimento de uma firma em seu país, disparado após a saturação da
demanda do mercado doméstico e “(...) consequência de uma série de decisões
incrementais.”1 (JOHANSSON e WIEDERSHEIM-PAUL, 1975, p. 306). Isso
porque depois da exploração completa do mercado doméstico por uma firma, a
internacionalização é a maneira que ela encontra para manter – ou ampliar – seu
crescimento. Essas conclusões foram futuramente criticadas por estudos de
teóricos de redes e empreendedorismo internacional (JOHANSON e MATTSON,
1988; COVIELLO e MUNRO, 1995; OVIATT e MCDOUGALL, 1994), porém
constituíram importante base para o desenvolvimento do Modelo de Uppsala
(MU).
Johanson e Vahlne (1977) elaboraram as premissas para seu modelo
pautadas nos resultados de Johanson e Wiedersheim-Paul (1975). Por isso,
também consideraram que o processo de internacionalização ocorre após a
saturação do mercado interno e que as principais barreiras a ele são
conhecimento e recursos. Quanto mais conhecimento sobre um mercado, menor
o risco percebido de entrar nele; e quanto mais recursos a firma detém, poderá
suportar maiores perdas, logo maiores riscos. Assim, esse processo tenderá a
ocorrer de maneira gradual, de acordo com a proximidade psíquica e
acompanhando um nível crescente de comprometimento, exceto em três casos
específicos: 1) a firma possui grandes recursos; 2) os mercados são estáveis e
homogêneos; 3) a firma já possui conhecimento de mercados similares
(JOHANSON e VAHLNE, 1977).
A partir daí, então, os autores descreveram que a internacionalização da
firma é um processo cíclico, resultado da interação de variáveis dinâmicas –
decisões de comprometimento e atividades correntes da firma – com variáveis
estáticas – conhecimento de mercado e comprometimento de recursos
(JOHANSON e VAHLNE, 1977).
Conhecimento do mercado é importante para determinar se a empresa é
capaz de identificar oportunidades e alternativas disponíveis. É necessário
1 Este e os demais trechos de citação direta de produções em línguas estrangeiras incluídos no presente
documento foram traduzidos pela autora Gisele Teixeira Magalhães.
6
conhecer o ambiente de mercado e a performance de diferentes atividades
incluídas nele, i.e., comportamento dos consumidores, canais de distribuição,
competidores, regulamentações, etc. Somente ele é capaz de permitir à empresa
identificar e desenvolver oportunidades de negócio, bem como compreender
especificações singulares do mercado de interesse (JOHANSON e VAHLNE,
1977). Os autores argumentaram que o conhecimento acumulado é um recurso
da empresa: quanto maior é o conhecimento do mercado, mais valor esse
recurso tem e, por isso, mais forte é o comprometimento da empresa nesse
mercado. Parte desse conhecimento pode ser aprendido através de pesquisas,
por exemplo, mas outra só se desenvolve a partir da experiência dentro do
próprio mercado, ou seja, através das atividades da empresa no mercado.
Comprometimento de recursos engloba a quantidade de recursos
comprometidos e o grau de comprometimento, i.e., a dificuldade de recuperar ou
transferir esses recursos. Ele é feito gradativamente, de acordo com o nível de
experiência dentro de um mercado. As atividades correntes da empresa por sua
vez ditam o nível de comprometimento da empresa com a internacionalização,
por existir um intervalo de tempo entre a execução delas e suas consequências.
Segundo Johanson e Vahlne (1977), quanto maior esse intervalo, maior o
comprometimento da empresa com a empreitada. As decisões de
comprometimento de recursos dependem das alternativas levantadas e do
processo de escolha (como são escolhidas). Elas são decisões a respeito de
problemas ou oportunidades. Quanto mais comprometimento, mais problemas e
oportunidades surgirão; i.e., mais decisões deverão ser tomadas, alterando o
nível de comprometimento da firma com o mercado.
O MU sofreu diversas modificações ao longo do tempo (JOHANSON e
VAHLNE, 1990; JOHANSON e VAHLNE, 2003; JOHANSON e VAHLNE, 2009;
VAHLNE e JOHANSON, 2013) para incorporar críticas e evoluções teóricas
(JOHANSON e MATTSSON, 1988; OVIATT e MCDOUGALL, 1994). Essas
alterações acabaram limitando o modelo tradicional de internacionalização em
estágios, porque a incorporação das redes de relacionamento no modelo permite
considerar os “atalhos” que elas provêm.
A teoria das redes trabalha com a lógica de que a divisão de trabalho entre
as firmas torna necessário o envolvimento entre elas para que obtenham
recursos necessários para suas produções e consigam colocar seus produtos no
7
mercado. Esse envolvimento ocorre através de redes de relacionamento, onde
as firmas atuam de forma dependente umas das outras (JOHANSON e
MATTSSON, 1988). Essa dependência pode ser direta entre firmas que se
relacionam, ou indireta entre atores da mesma rede que não se relacionam
diretamente (fornecedor do fornecedor, cliente do cliente, competidores).
O estabelecimento de relacionamento entre firmas requer tempo e
esforço, pois exige que as partes ganhem conhecimento e confiança umas com
relação às outras. Além disso, quando uma relação se estabelece, as partes
adaptam seus sistemas, processos, produtos, etc., tornando muito custosa
qualquer tentativa de rompimento de relação (JOHANSON e MATTSSON,
1988). Por isso a teoria considera que o desenvolvimento de relações entre
firmas é um investimento (JOHANSON e VAHLNE, 1990), e as relações são
consideradas como ativos valiosos, já que garantem acesso a diversos recursos
e oportunidades.
“As redes são estáveis e dinâmicas” (JOHANSON e MATTSSON, 1988,
p. 291). São estáveis porque as empresas tendem a manter suas transações
com empresas que estão na sua rede, a fim de reduzir os custos de transação.
Porém, ao mesmo tempo, os elos entre as empresas estão constantemente
sendo alterados pela entrada e/ou saída de empresas na/da rede. A posição
obtida por uma empresa depende de seu papel e importância para com outra
empresa e força da relação entre as duas (micro-posição), ou em relação à rede
inteira juntamente com a identidade das outras empresas com a qual se
relaciona (macro-posição). As posições perante uma firma ou à rede também
determinarão as possibilidades e barreiras a novas ações da empresa no futuro.
As macro-posições também são afetadas pelas interdependências de toda a rede, bem como pela complementaridade das micro-posições na rede. Portanto, no contexto da rede como um todo, a macro-posição não é uma agregação das micro-posições. (JOHANSON e MATTSSON, 1988, p. 293)
Nessas circunstâncias, a internacionalização de uma firma é motivada
pela estratégia de uma firma em buscar uma nova posição na rede onde já está
ou uma posição numa nova rede nacional2. As oportunidades e barreiras que
2 Johanson e Mattsson (1988), argumentaram no artigo que a rede de relacionamentos (network) que existe
entre as empresas pode ser particionada em diversas categorias de redes (nets). Redes nacionais são os
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encontrará serão fruto da posição que obtém atualmente na rede, i.e., a quais
recursos tem acesso e quais conhecimentos possui (JOHANSON e MATTSSON,
1988). Neste ponto a teoria se assemelha ao MU, onde recursos e conhecimento
também são as barreiras à internacionalização (JOHANSON e VAHLNE, 1977).
No entanto a teoria de redes entende o resultado do processo de
internacionalização de uma maneira diferente, pois a escolha de mercados e do
nível de comprometimento com eles (modo de entrada) ocorrerá de acordo com
as oportunidades da rede e não de acordo com a distância psíquica e com a
cadeia de estabelecimento.
Essa dinâmica entre firmas em redes pode trazer consequências positivas
e negativas. Do lado negativo, é possível perceber que uma firma que se torna
muito dependente de uma rede limita as oportunidades que é capaz de enxergar
e pode perder poder sobre sua estratégia, submetendo-se somente às intenções
das outras firmas às quais se conecta (COVIELLO e MUNRO, 1995). Porém,
quase sempre essas oportunidades da rede são cruciais para o desenvolvimento
da firma. Quando ela amplia suas conexões, ou seja, reduz a possibilidade de
dependência a uma empresa única, a rede é capaz de gerar um crescimento
muito mais acelerado à firma. Isso porque o acúmulo de conhecimento e
recursos numa rede pode ser apropriado por uma nova empresa que se liga a
ela, poupando a mesma de gastar tempo e esforço em conquistar esses
conhecimentos e recursos – advantage of insidership3 (VAHLNE e JOHANSON,
2013). Isto significa que a conexão através de redes de relacionamento permite
a uma firma pular as barreiras psíquicas e culturais de um mercado (JOHANSON
e VAHLNE, 2003).
Ao adotar-se a visão de redes, tem-se como resultado que a dinâmica do
MU ocorre não só dentro da firma, mas também inter-firmas (JOHANSON e
VAHLNE, 1990). Ou seja, o processo cumulativo de recursos e conhecimento se
dá dentro das firmas, mas também ao longo da rede, como descrito no parágrafo
agrupamentos de empresas por fronteira de operação. Redes de produção são aquelas agrupadas pelas
empresas da cadeia produtiva de um determinado produto, por exemplo, a rede de carros.
3 O termo advantage of insidership foi utilizado por Vahlne e Johanson (2013) em referência à dualidade
entre insidership e outsidership introduzida no modelo de Johanson e Vahlne (2009). Um membro de uma
rede nacional (insider) possui vantagens na entrada no mercado (advantage of insidership) que uma firma
de fora dessa rede (outsider) não possui (liability of outsidership).
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anterior. Isso implica que os resultados do MU de que as firmas se
internacionalizam de acordo com a distância psíquica e a cadeia de
estabelecimento são coerentes apenas com processos de internacionalização
quando a firma e a rede de produção possuem poucos e/ou insignificantes
relacionamentos com firmas estrangeiras (JOHANSON e MATTSSON, 1988).
Oviatt e McDougall (1994) introduziram uma perspectiva ainda mais
questionadora ao MU com o desenvolvimento da teoria do empreendedorismo
internacional. Os autores endereçaram em seu estudo uma visão sobre a
internacionalização das firmas que com pouco tempo de vida já possuem
operações internacionais – conhecidas como INVs (International New Ventures)
ou Born Globals (RENNIE, 1993) – que, segundo eles, haviam sido deixadas de
lado pelas teorias até então existentes. Para os autores, o MU não seria capaz
de explicar a internacionalização desses novos empreendimentos e esses
também não se enquadram nos três casos de exceção da teoria de Uppsala, já
que possuem restrição de recursos, atuam em mercados voláteis e não dispõem
de conhecimento prévio sobre qualquer mercado (OVIATT e MCDOUGALL,
1994).
Madsen e Servais (1997) uniram as teorias de Uppsala e de redes com a
crítica levantada pela teoria do empreendedorismo internacional ao enfatizarem
a importância da construção da rede de relacionamentos antes mesmo da
criação de uma firma. A rápida internacionalização de novos empreendimentos
não seria apenas possível por causa das evoluções tecnológicas e do
desenvolvimento de competências únicas por parte deles (OVIATT e
MCDOUGALL, 1994), mas porque o empreendedor desenvolve conhecimentos
e relacionamentos prévios à concepção da firma. Portanto, os processos de
acúmulo de conhecimento e recursos, e desenvolvimento de redes de
relacionamento descrito pelas teorias de Uppsala e de redes também está
presente na internacionalização de INVs (MADSEN e SERVAIS, 1997;
CHANDRA, STYLES e WILKINSON, 2012).
Adaptações do MU a partir da década passada (JOHANSON e VAHLNE,
2003, 2009; VAHLNE & JOHANSON, 2013) já incorporaram as críticas trazidas
pelas teorias de empreendedorismo internacional. Os autores concordaram que
as condições do ambiente mudaram muito desde a concepção original do
modelo e que, por isso, elas são mais favoráveis à ocorrência de processos de
10
internacionalização mais rápidos, principalmente através das redes de
relacionamento. Mais precisamente, o trabalho de Johanson e Vahlne de 2009
unificou a teoria de redes com o MU. Apesar disso, nesse trabalho,
argumentaram que o conceito de distância psíquica ainda é importante, mas
agora no nível do tomador de decisão e não da firma; e a dinâmica do modelo
mantêm-se bastante similar ao modelo original. No entanto, é possível perceber
que as variáveis do MU passaram a ser analisadas considerando o nível do
empreendedor – ou tomador de decisão (JOHANSON e VAHLNE, 2009;
VAHLNE e JOHANSON, 2013).
A importância desse novo sujeito nas empreitadas de empresas no
estrangeiro foi introduzida inicialmente no trabalho seminal de Oviatt e
McDougall (1994), que deu início à teoria do empreendedorismo internacional.
Os autores citaram a relevância do empreendedor e suas interações em redes
sociais para a dinâmica da internacionalização da firma. Outros autores também
trabalharam a internacionalização destacando o papel do empreendedor. As
hipóteses levantadas por Madsen e Servais (1997) trouxeram insights para
literatura futura. Andersson (2000) introduziu a ideia de que o processo de
internacionalização da firma é diretamente afetado pelas características do
empreendedor que define sua estratégia. Suas preferências são capazes de
propiciar ou inibir tal processo. Na mesma linha, Oviatt e McDougall (2005)
apresentaram como tipos diferentes de empreendedor podem contribuir para
moldar processos de internacionalização mais ou menos velozes.
Oviatt e McDougall (2005) atualizaram o conceito de empreendedorismo
internacional para “(...) a descoberta, criação, avaliação e exploração de
oportunidades – além das fronteiras nacionais – para criar futuros bens e
serviços.” (p. 540), ampliando-o para que compreendesse e destacasse o papel
das oportunidades e das atividades empreendedoras (da firma ou interna à ela).
Mainela, Puhakka e Servais (2013) conceitualizam duas dualidades importantes
para os estudos de oportunidades: oportunidade por inovação versus
arbitragem, e descoberta versus criação de oportunidades. Segundo os autores,
existem duas fontes para o surgimento de oportunidades, que são os
desequilíbrios de mercados e as combinações criativas de recursos existentes
para o desenvolvimento de novas invenções. No primeiro caso, empreendedores
atentos identificam as oportunidades e tomam decisões que envolvem riscos. Já
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no segundo, as atividades correntes do empreendedor permitem que ele crie
novas oportunidades, imerso em interações em um meio de incerteza.
Essa literatura de empreendedorismo internacional proporcionou uma
mudança de perspectiva de análise da firma (JOHANSON e VAHLNE, 1977) e
do ambiente da firma (JOHANSON e MATTSSON, 1988) para a figura do
empreendedor, ao argumentar que o processo de internacionalização de uma
firma é semelhante ao de qualquer outra atividade empreendedora – como o
lançamento de um produto e a entrada num novo mercado – e que o mesmo
ocorre como uma consequência da estratégia da firma (ANDERSSON, 2000).
Tal mudança de foco nas pesquisas motivou o desenvolvimento de
estudos direcionados para o processo decisório do empreendedor e como ele
impacta na identificação ou criação de oportunidades. Dentro desse contexto,
como será esclarecido nas próximas seções, existem dois debates importantes.
O primeiro em relação a se o processo decisório envolve planejamento prévio
das ações que devem ser seguidas ou se o mesmo ocorre através de decisões
menos deliberadas e ao longo do processo em si (ALVAREZ e BARNEY, 2007).
Já o segundo existe em torno da discussão de se as oportunidades estão
disponíveis e são identificadas pelo empreendedor, ou se o empreendedor é
capaz de criá-las e desenvolvê-las (ALVAREZ e BARNEY, 2007). O encontro da
teoria de empreendedorismo internacional com a teoria de effectuation4
(SARASVATHY, 2001) foi importante para introduzir esses debates na literatura
de empreendedorismo internacional e gerar diversos insights na busca por
entender como empreendedores empreendem em ambientes de incerteza.
2.2 EFFECTUATION
O desenvolvimento da Effectuation Theory tem origem na percepção de
alguns acadêmicos de que as teorias sobre tomada de decisão até então
existentes eram restritas e não conseguiam explicar todos os processos
decisórios desse meio (SARASVATHY, 2001, 2008; KALINIC, SARASVATHY e
4 Optou-se por não traduzir o termo “effectuation”, pois não existe uma tradução consagrada da palavra
em português. Assim, a autora desta dissertação entende que a tradução livre do termo poderia provocar
uma perda de significado da palavra utilizada originalmente por Sarasvathy (2001). A explicação do termo
será discutida mais à frente no texto.
12
FORZA, 2013; SARASVATHY, KUMAR, et al., 2014). A literatura clássica se
baseia em modelos racionais de tomada de decisão, em que o homo economicus
age de maneira a maximizar a utilidade que obtém em cada julgamento, de
acordo com as suas preferências (SARASVATHY, 2001). Em oposição a ela,
surgiu a ideia de racionalidade limitada e diferentes autores começaram a
introduzir novas variáveis, levantando hipóteses mais sofisticadas e refinando os
estudos sobre processos decisórios (SARASVATHY, 2008).
Kahneman e Tversky(1979) utilizaram o conceito de racionalidade
limitada para desenvolver experimentos a fim de testar modelos cognitivos de
julgamento e tomada de decisão. A teoria desenvolvida por eles, e que rendeu
um Nobel a Kahneman em 2002, apresenta o processo decisório como limitado
por heurísticas, que são empregadas para facilitar e agilizar o raciocínio humano
(KAHNEMAN, 2011). Diferente do que a teoria clássica apresenta, eles
defenderam que, por sermos incapazes de analisar todas as variáveis
disponíveis para tomar decisões e por utilizarmos heurísticas para resolver
problemas, acabamos incorrendo em vieses. São estes que fazem parecer que
tomamos muitas decisões irracionais.
Apesar da teoria de Kahneman e Tversky (1979) especificamente não ter
influenciado o desenvolvimento da teoria de effectuation, essa se desenvolve
numa linha similar de pensamento, que considera que os julgamentos são
baseados em heurísticas. Os acadêmicos envolvidos em sua construção
(SARASVATHY, 2001 e 2008; WILTBANK, DEW, et al., 2006) vão contra a
literatura tradicional que explica a tomada de decisão simplesmente como um
processo racional em que os empreendedores realizam análises preditivas a fim
de determinar quais cenários podem enfrentar no futuro. O objetivo central desse
método é que seja possível, a partir da previsão de conjecturas, controlar as
consequências das decisões tomadas (WILTBANK, DEW, STUART e
SARASVATHY, 2006).
Sarasvathy (2001), autora seminal da teoria de effectuation, explicou que
o processo decisório descrito pela literatura de julgamento é disparado quando
surge um novo objetivo ou uma nova decisão a ser tomada. O caminho desse
processo é determinado pelo conjunto de recursos disponíveis (ou que podem
ser criados), limitado por restrições impostas pelo ambiente e definido pelos
critérios de escolha do indivíduo envolvido. Esse método, o qual a autora
13
denomina causation5, prevê que os julgamentos ocorrem dentro de ambientes já
constituídos, onde os tomadores de decisão trabalham com artefatos pré-
existentes. Desta forma, ele não seria capaz de representar ações em
circunstâncias novas. “Em outras palavras, nenhuma dessas decisões envolve
a criação de artefatos tais como firmas, mercados e economias.”
(SARASVATHY, 2001, p. 243).
Essa dificuldade é proveniente do fato de existir uma dualidade entre
previsibilidade e incerteza. Quanto menos um empreendedor conhece sobre o
ambiente em que se situa e as variáveis que o influenciam, ou seja, quanto mais
incerta a conjuntura em que se encontra, menor é sua capacidade de prever as
consequências de suas ações (WILTBANK, DEW, et al., 2006). Nessas
circunstâncias, o empreendedor também não é capaz de determinar suas
preferências sobre os problemas que se apresentam, nem definir quais
elementos do ambiente são relevantes para seu processo decisório
(SARASVATHY, 2008).
Portanto, a teoria da effectuation pretende preencher essa lacuna e
explicar o comportamento dos empreendedores nos processos de tomada de
decisão em situações de incerteza. O contexto desses processos é delimitado
pela presença de três elementos: a) incerteza Knightiana; b) ambiguidade de
objetivos; e c) isotropia do ambiente (SARASVATHY, 2008). Por isso, a) o futuro
é desconhecido e imprevisível – não é possível calcular probabilidades para
consequências futuras; b) o tomador de decisão não tem certeza de suas
preferências; e c) não se pode determinar quais elementos do ambiente devem
ser considerados ou ignorados na tomada de decisão. Eles determinam que, o
fato do espaço onde o empreendedor se insere ser instável não lhe permite
calcular probabilidades para possíveis consequências de suas ações, determinar
ou ordenar suas preferências, nem identificar quais variáveis conjunturais são
relevantes para suas escolhas.
Assim, o surgimento do conceito de effectuation cria uma divisão entre os
métodos de tomada de decisão. Apesar disso, os processos de causation e
effectuation não são excludentes e podem ocorrer de forma simultânea
5 Assim como o termo “effectuation” não foi traduzido para que não houvesse perda do significado original
da palavra, “causation” também será utilizado neste documento na forma da língua inglesa.
14
(SARASVATHY, 2008). O processo de causation foi descrito por Sarasvathy
como mais adequado quando o futuro é previsível, objetivos são claros e o
ambiente é independente das ações dos indivíduos. Isso porque causation é a
lógica de decisão que se baseia em definir um objetivo (ou efeito) final e
selecionar entre meios existentes (ou criar novos meios) para atingir aquele
objetivo (SARASVATHY, 2001; SARASVATHY, 2008). Portanto pressupõe que
o tomador de decisão seja capaz de analisar variáveis que poderão influenciar
suas ações no presente e no futuro para determinar o objetivo ou o efeito que
deseja obter e os meios necessários para atingi-lo.
“Processos de causation identificam um determinado efeito como dado e tem como foco a seleção de meios para criar tal efeito. Processos de effectuation identificam uma gama de meios dados e tem como foco a seleção dos efeitos possíveis de serem criados com esse conjunto de meios.” (SARASVATHY, 2001, p. 245)
O modelo de effectuation é caracterizado pela incapacidade do
empreendedor em desenvolver previsões sobre o futuro. Por isso, as estratégias
utilizadas são baseadas em um conjunto de heurísticas que permitem ao
tomador de decisão controlar melhor os rumos de suas decisões
(SARASVATHY, KUMAR, YORK, BHAGAVATULA, 2014). Essas terão foco em
combinar meios que ele já tem à sua disposição e adaptar-se às contingências
do caminho. Os resultados dessas ações são incertos, mas o objetivo do
tomador de decisão é conseguir controlá-los, pois acredita que suas ações são
capazes de interferir no futuro6. Essas características tornam o processo de
effectuation mais aberto a novas ideias e, por isso, criativo, enquanto o de
causation não necessariamente o é (SARASVATHY, 2008).
É possível visualizar uma comparação entre as variáveis componentes
dos processos de causation e effectuation no quadro abaixo.
6 A lógica de effectuation é: na medida em que se pode controlar o futuro, não é preciso prevê-lo
(SARASVATHY, 2001).
15
Quadro 1: Causation vs. Effectuation
CAUSATION EFFECTUATION
Situação inicial Um objetivo a ser alcançado ou uma
decisão a ser tomada
Um conjunto de meios pré-definidos
Restrições Meios possíveis Meios disponíveis
Seleção De meios De efeitos
Tipo do problema Decisão Design
Lógica Escolha Construção
Contexto Útil quando o futuro é previsível,
objetivos são claros e o ambiente é
independente das ações dos indivíduos
Útil quando o futuro é imprevisível, os
objetivos não são definidos e o
ambiente é movido pelas ações
humanas
Resultado Pode ou não ser criativo Inerentemente criativo
Ótica em relação ao
futuro
Previsão Controle
Racional Na medida em que se pode prever o
futuro, é possível controlá-lo
Na medida em que se pode controlar o
futuro, não é preciso prevê-lo
Competências Exploração de conhecimento Exploração de contingências
Fonte: Elaboração da autora.
A teoria de effectuation apresenta que essa lógica de tomada de decisão
é composta por cinco princípios que o regem, sendo eles: orientação a meios,
perda suportável, construção de parcerias, alavancagem de contingências e
controle não preditivo (SARASVATHY, 2008; SARASVATHY et al., 2014).
Sarasvathy et al. (2014) introduziram a diferença entre esses fundamentos,
caracterizados pelos autores como estáticos, e outros dois que determinam
effectuation como um processo dinâmico. Esses serão tratados mais adiante.
Como apresentado por Sarasvathy em sua obra de 2008, os princípios
foram observados a partir de entrevistas realizadas junto a empreendedores. Os
estáticos foram categorizados como “princípios da expertise empresarial”, cujas
lógicas são contrárias àquelas da literatura clássica de tomada de decisão.
Todos eles introduzem características do racional do empreendedor dentro da
lógica de effectuation.
16
O primeiro fundamento versa sobre a característica do effectuator7 ser
orientado aos meios disponíveis – pássaro na mão (bird-in-hand). O
empreendedor inicia o processo decisório a partir dos recursos que se
apresentam para ele (SARASVATHY, 2001):
Quem é: envolve identidade do effectuator, suas habilidades e
preferências; ou recursos físicos disponíveis, no nível empresarial;
O que sabe: compreende fontes de conhecimento; ou recursos
humanos (no caso da firma);
Quem conhece: abrange as redes de relacionamento; ou recursos
organizacionais (nível da firma).
O empreendedor toma decisões com base nesses recursos e o que pode fazer
com eles e não em o que deveria fazer para atingir um resultado sugerido por
uma análise preditiva. “A ênfase aqui é em criar algo novo com os meios já
existentes, ao invés de descobrir novos meios de atingir objetivos já
determinados.” (SARASVATHY, 2008, p. 15).
Isso evita que ele precise elencar suas preferências para cada
consequência de cada escolha, já que toma decisões baseado em preferências
de processos (como tomamos decisões ao invés de quais decisões tomamos –
heurísticas). Essa forma auxilia a tomada de decisão quando os resultados não
são previsíveis. Nessa situação as preferências tornam-se ambíguas, pois criam-
se preferências quando elas não existem ainda (SARASVATHY, 2001).
O segundo princípio, nomeado pela autora de affordable-loss (perda
suportável) introduz a ideia de que no processo decisório o effectuator não
realiza análises de possíveis retornos futuros, nem busca a maximização de
lucros do processo de causation. Ele é tolerante à perda, ou seja, determina um
orçamento que pode ser perdido sem que traga graves consequências
(SARASVATHY, 2001). Seu objetivo é impulsionar esse pequeno orçamento
usando os recursos limitados para gerar novos efeitos (e meios). Tal processo
acelera a tomada de decisão e estimula a criatividade, já que torna as estratégias
mais flexíveis (SARASVATHY, 2008).
7 O termo “effectuator” também será mantido como o original em inglês para evitar perdas de significado.
O termo representa o empreendedor que age seguindo os princípios da effectuation.
17
A estimativa de uma perda suportável não depende do tipo de firma que
o empreendedor quer abrir e sim de sua identidade, diminuindo a dependência
com relação a previsões futuras e o papel da incerteza (não precisa calcular
vendas futuras, para prever um lucro futuro que vai dar o retorno máximo).
Significa fazer planos com os recursos que tem e que podem ser obtidos através
de parcerias, mas não com o que precisará obter no futuro (independe de cálculo
de resultado e de determinação de probabilidades para as preferências).
Essa ideia de utilizar recursos de parceiros para expandir o orçamento dá
origem ao terceiro fundamento, chamado de crazy-quilt (colcha de retalhos) por
Sarasvathy (2008). Segundo a autora, o empreendedor está imerso dentro de
uma rede de relacionamentos que constrói com pessoas e/ou instituições ao seu
redor. No processo de tomada de decisão ele pode utilizar os recursos desses
atores para complementar aqueles que ele tem, tanto financeiros quanto de
identidade.8 Na lógica effectuation, a “colcha de retalhos” se forma porque ela
permite que as parcerias se auto-selecionem a partir da rede de relacionamentos
do empreendedor e da vontade da parceria de comprometer recursos na
empreitada.
O sistema de auto-seleção ocorre porque o effectuator não realiza
pesquisas e planejamento de abordagem de parceiros (SARASVATHY et al.,
2014). Ao invés, está aberto a todas oportunidades à sua volta e, através da sua
rede de relacionamentos, comunica suas intenções. Tal abertura e comunicação
criam espaço para a atração de diversos parceiros. A ênfase do processo é em
alianças e acordos de acionistas como uma forma de reduzir incerteza
(SARASVATHY, 2001). Se todas as partes comprometem recursos em uma
empreitada, a confiança entre elas se amplia. Sarasvathy (2008) argumentou
que essa característica do modelo de effectuation faz com que o effectuator
diminua a importância de análises de concorrência, pois foca em parcerias para
criação de novos mercados.
Em coerência com a lógica de que o effectuator está inserido num
contexto de incerteza e recursos escassos, o princípio de alavancagem de
contingências, que a autora denomina lemonade (limonada), versa sobre a
possibilidade de o empreendedor “utilizar” surpresas como oportunidades. “O
8 Essa lógica utilizada é similar ao da teoria de redes de Johanson e Mattsson, 1988.
18
effectuator alavanca a incerteza ao tratar eventos inesperados como
oportunidades para exercer controle sobre a situação emergente.”
(SARASVATHY, 2008, p. 90). Como os objetivos não são pré-definidos, os
empreendedores não têm um plano pré-determinado a seguir. Eles podem usar
a incerteza e informações contingenciais como recursos para criar novos efeitos.
Assim, conseguem trabalhar o processo decisório de maneira incremental,
incorporando consequências de eventos inesperados para criar valor.
O último princípio estático é o pilot-in-the-plane (piloto no avião).
Sarasvathy (2008) introduz a variável de controle não preditivo no modelo de
effectuation, exaltando o papel do empreendedor no processo decisório. A ideia
é que este faz uso das informações do ambiente não como indicadores de
tendência, tal qual no processo de causation, mas como fonte de aprendizado
para que ele consiga interferir no meio. Porque o ambiente depende das ações
dos atores em si inseridos, o empreendedor é capaz de interferir nele e moldá-
lo a seu favor. Ao invés de fazer previsões para as suas ações, os effectuators
agem por “tentativa e erro”, ou seja, testam hipóteses de sucesso colocando em
ação o que pretendem fazer.
Esses cinco fundamentos estáticos da teoria de effectuation definem os
comportamentos dos empreendedores dentro do modelo e as variáveis que
guiam as tomadas de decisão. Os princípios dinâmicos, por sua vez, introduzem
elementos que dão caráter cíclico ao processo. O primeiro deles é a expansão
de recursos, caracterizado pelo alargamento da rede de relacionamentos do
empreendedor e, por consequência, o crescimento do número de stakeholders.
O segundo é conversão de objetivos, quando a auto-seleção dos stakeholders e
a execução dos comprometimentos determina restrições ao processo, causando
alinhamento dos objetivos. (SARASVATHY et al., 2014)
A Figura 1 apresenta a estrutura do processo de effectuation na sua
composição estática e dinâmica. Como representado, o effectuator inicia o
processo partindo dos recursos dos quais dispõe (pássaro na mão) para definir
quais caminhos pode seguir dentro do orçamento que estabelece (perda
suportável). A partir daí e de suas interações com sua rede de relacionamento,
ele e seus parceiros (colcha de retalhos) comprometerão recursos na empreitada
(piloto no avião), agindo de forma a alavancar contingências (limonada) e criando
novos meios e novos objetivos. Os novos meios serão acrescentados aos pré-
19
existentes, expandindo recursos disponíveis para a tomada de decisão. Quanto
mais recursos são adicionados ao processo, maior é o alinhamento dos objetivos
entre os parceiros, à medida que objetivos rejeitados impõem restrições a
oportunidades que possam surgir. Tal fato promove uma convergência de
objetivos, que culminará numa solução única final. Sarasvathy (2008) inclui
novos mercados como o resultado porque considera que o processo de
effectuation é sempre aplicável às situações onde eles se desenvolvem, já que
o ambiente é muito incerto e os objetivos e preferências do empreendedor não
podem ser determinados.
Figura 1: Processo de Effectuation
Fonte: SARASVATHY, 2008, p. 101.
2.3 EFFECTUATION NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO
Diversos autores já se apropriaram de conceitos elaborados pela teoria
de effectuation a fim de complementar o entendimento sobre processos de
internacionalização de INVs. Esses autores perceberam que a incorporação de
tal teoria era coerente, já que esses processos ocorrem em contextos de alto
risco e incerteza, onde o uso de effectuation seria mais propício (ANDERSSON,
2011; SCHWEIZER et al., 2010; VAHLNE e JOHANSON, 2013; SARASVATHY
et al., 2014). Johanson e Vahlne (2009) e Schweizer et. al (2010), por exemplo,
utilizaram a teoria para explicitar novas variáveis no Modelo de Uppsala. No
entanto, ainda se limitam a estudar o processo de internacionalização com o foco
nas redes de relacionamento (ANDERSSON, 2011). Segundo Andersson
20
(2011), a incorporação da teoria de effectuation permite um passo além,
possibilitanto entender a dinâmica entre o empreendedor, a firma e o ambiente
(rede) em que se insere.
Literatura de internacionalização mais recente introduziu a teoria de
effectuation na análise de processos de internacionalização a fim de tentar
explicar como o comportamento do empreendedor ao longo de processos
decisórios influencia na internacionalização de INVs (ANDERSSON, 2011;
KALINIC, SARASVATHY e FORZA, 2013; SARASVATHY et al., 2014).
Kalinic et. al (2013) mostraram como os empresários alternam entre as
lógicas de causation e effectuation durante o processo decisório de acordo com
as características do ambiente, e como podem se beneficiar com essa mudança.
Perceberam que o uso da lógica de effectuation “permite um rápido aumento no
nível de comprometimento em um mercado exterior” (p. 11) e facilita o
desenvolvimento de novas redes de relacionamento, eliminando facilmente a
liability of outsidership.
Andersson (2011) e Sarasvathy et. al (2014) descreveram casos reais
para mostrar como ocorre o processo de internacionalização guiado pela lógica
de effectuation. O estudo desses casos permitiu-lhes mostrar a aplicação da
teoria de effectuation na prática, além de destacar como características,
experiências e preferências do empreendedor impactaram no processo de
internacionalização das firmas. Outro estudo de caso foi desenvolvido por Harms
e Schiele (2012) que tentaram identificar como os diferentes processos
decisórios poderiam impactar na escolha de modos de entrada. Os autores
concluíram que enquanto effectuation não determina um modo de entrada
específico, causation tende a implicar que o modo de exportação é o primeiro a
ser escolhido.
A incorporação da teoria de effectuation também permite desenvolver um
olhar sobre o reconhecimento de oportunidades internacionais. Alvarez e Barney
(2007) identificam dois tipos de oportunidades: as que são descobertas e as que
são criadas pelos empreendedores. A descoberta de oportunidades pressupõe
que essas são criadas de maneira exógena, a partir de choques econômicos e
tecnológicos, que independem das ações dos empreendedores. O
empreendedor é caracterizado por estar em estado de alerta e descobre
oportunidades através de um processo ativo de busca por elas (MAINELA,
21
PUHAKKA e SERVAIS, 2013). A identificação de uma oportunidade permite ao
empreendedor determinar as variáveis envolvidas e, assim, determinar o risco
da exploração de tal oportunidade. Por isso, esse processo é caracterizado por
um contexto de risco (ALVAREZ e BARNEY, 2007). A criação de oportunidades
é resultado das ações dos empreendedores, ao invés de um processo de busca
pelas mesmas. Assim sendo, só é possível compreender as variáveis envolvidas
na oportunidade depois que ela foi criada (ALVAREZ e BARNEY, 2007).
Portanto, o contexto que envolve a criação de oportunidades é caracterizado por
incerteza.
Johanson e Vahlne explicitaram a variável de oportunidade no modelo de
internacionalização de Uppsala revisitado em seu artigo de 2009. Consideraram
que a identificação de oportunidades é produto do processo de aprendizagem
da firma, seja essa identificação relativa a oportunidades já existentes ou criadas
pela firma (SCHWEIZER, VAHLNE e JOHANSON, 2010). Como as firmas não
possuem acesso ao mesmo conhecimento, uma mesma oportunidade não está
disponível a todas. Quanto maior o nível de conhecimento, mais oportunidades
estarão ao acesso do empreendedor. Como o acúmulo de conhecimento é uma
variável endógena ao MU e depende das atividades correntes da firma e das
redes onde se insere, a identificação de oportunidades também é dependente
dessas duas variáveis.
Esse modelo foi revisitado por Schweizer et al. (2010), que percebeu que
a teoria de effectuation era completamente compatível com o Modelo de
Uppsala. Eles acrescentaram ao modelo a variável das habilidades do
empreendedor a fim de levar para o MU o mesmo foco do tomador de decisão
que a teoria de effectuation tem, e a variável de exploração de contingências,
para destacar a característica de que o empreendedor é capaz de transformar
incertezas em oportunidades.
Sarasvathy et al. (2014), que denominou esse modelo de UE Model,
reconheceram o grande passo que essa incorporação representou e reiteraram
a compatibilidade entre as teorias ao comparar o UE Model com o modelo que
propôs para a teoria de effectuation em sua obra de 2008. Nessa comparação
os autores destacaram a característica endógena das oportunidades e os
constantes ciclos de interação entre stakeholders, que modificam os objetivos e
meios obtidos no processo. Tal comparação é apresentada na Figura 2, tal como
22
apresentada em Sarasvathy et al. (2014). Os números representados em
círculos indicam as variáveis que se equivalem em cada modelo.
Figura 2. Comparação entre UE Model e Modelo de Internacionalização por
Effectuation
Fonte: (SARASVATHY et al., 2014)
Portanto, o UE Model representa uma evolução das teorias
comportamentais de internacionalização de firmas que emergiram com o modelo
original de Uppsala (JOHANSON e VAHLNE, 1977). O Quadro 2 abaixo
apresenta as principais características de cada uma das teorias desenvolvidas
desde então – Uppsala, Redes, Empreendedorismo Internacional e UE Model.
23
Quadro 2: Evolução das Teorias de Internacionalização Comportamentais
Teoria Contribuições
Uppsala A internacionalização é resultado de um processo de interação entre variáveis
estáticas (conhecimento e comprometimento de mercado) e dinâmicas
(atividades correntes da firma e comprometimento de recursos).
A internacionalização das firmas ocorre em estágios de comprometimento de
recursos, que se dão de acordo com o nível de experiência e conhecimento que
a firma possui em relação a certo mercado.
Redes Os mercados nos quais as firmas se inserem são tidos como redes de
relacionamentos entre elas. Uma firma é internacionalizada quando está
presente em mais de uma rede nacional. A posição de uma firma na rede
determina os recursos e conhecimentos aos quais tem acesso.
A internacionalização de uma firma é produto do esforço da mesma em manter/
alcançar uma nova posição em uma rede. As oportunidades e barreiras que
encontrará serão fruto da posição que obtém atualmente na rede.
A escolha de mercados e do nível de comprometimento com eles (modo de
entrada) ocorrerá de acordo com as oportunidades da rede e não de acordo com
a distância psíquica e com a cadeia de estabelecimento.
Empreendedorismo
Internacional
Explicação para o movimento de internacionalização de firmas recém-nascidas,
que possuem poucos recursos, atuam em mercados voláteis e não dispõem de
conhecimento prévio sobre qualquer mercado.
Identificação de que os processos de internacionalização ocorrem de maneira
semelhante a de qualquer outra atividade empreendedora, trazendo para a
literatura a discussão do papel do empreendedor – suas preferências e suas
redes de relacionamento profissionais e sociais – para a condução desses
processos.
Impulso para o desenvolvimento de estudos direcionados para a identificação –
descoberta ou criação – de oportunidades.
UE Model Discussão dos movimentos de internacionalização também a partir do processo
decisório do empreendedor, seguindo a linha de análise das teorias de
empreendedorismo internacional com foco no empreendedor.
Destaque à variável de incerteza dos modelos de internacionalização ao
incorporar a lógica de effectuation, identificando que ela é capaz de trazer
vantagens para o empreendedor inserido no ambiente de incerteza.
Fonte: Elaboração da autora.
24
2.4 O PAPEL DAS ACELERADORAS DE EMPRESAS
Aceleradora é um termo recente utilizado para designar diferenciar uma
nova tipologia de incubadoras. De acordo com Peters, Rice e Sundararajan
(2004), incubadoras são organizações que oferecem recursos e suporte para o
desenvolvimento de startups. Dentre essas organizações, encontram-se
diferentes tipologias, sendo uma delas a aceleradora.
A aceleradora de empresas se caracteriza, segundo Malek, Maine e
McCarthy (2014), por comportar em seu portfólio um número maior de startups
do que as incubadoras, e desenvolvê-las por um período mais curto de tempo e
em uma intensidade mais elevada. Além disso, a aceleradora comumente se
apropria de uma porcentagem geralmente entre 5% e 20% do patrimônio da
startup em troca dos serviços prestados.
Apesar da literatura sobre a influência de aceleradoras no processo de
internacionalização de firmas aceleradas ser incipiente, alguns trabalhos
voltados para incubadoras proporcionam a percepção de importância das
mesmas no estímulo à internacionalização das firmas aceleradas. Engelman e
Fracasso (2013) apresentaram em seu estudo que mesmo incubadoras que não
possuem programas de desenvolvimento de atividades internacionais explícitos
são capazes de proporcionar estímulo à internacionalização das incubadas.
As autoras também destacaram que a incubadora tem a capacidade de
ampliação de fortalecimentos das redes de relacionamento das incubadas com
firmas, investidores, associações e instituições de ensino internacionais,
facilitando futuros movimentos das incubadas ao exterior (ENGELMAN e
FRACASSO, 2013). Ebbers (2014) mostrou que as incubadoras podem não
influenciar diretamente a formação de novos vínculos na rede, mas elas de fato
ampliam o conhecimento e o acesso a parceiros de negócios em potencial.
Tais conclusões foram reforçadas por um estudo mais recente de
Engelman, Zen e Fracasso (2015). As autoras desenvolveram uma pesquisa
quantitativa com 115 incubadoras focadas em tecnologia no Brasil (a maioria das
respondentes eram de São Paulo, 19,1%, Porto Alegre, 14,8%, e Rio de Janeiro,
12,2%). Elas concluíram que o período de incubação influencia positivamente a
internacionalização das empresas incubadas e que os serviços prestados pelas
incubadoras são capazes de contribuir para que ela ocorra. Apesar disso, a
25
pesquisa também mostrou que o construto “características organizacionais” das
incubadas tem uma influência mais forte para o processo de internacionalização
que os demais construtos analisados – “redes de relacionamento nacionais e
internacionais”, “experiências internacionais dos empreendedores” e
“características do ambiente de mercado global e específicas do mercado onde
a empresa incubada atua”. O estudo também concluiu que a contribuição dos
serviços prestados pelas incubadoras no processo de internacionalização é
maior após a graduação da empresa incubada. Isso se deveria ao fato de que
durante a incubação as empresas estão mais preocupadas em consolidar
estruturas internas e em se estabilizarem no mercado interno.
Portanto, a importância das incubadoras e, por consequência,
aceleradoras para o desenvolvimento das firmas e suas redes de relacionamento
já foi identificada pela literatura existente. O presente estudo traz o cenário das
aceleradoras a fim de tentar aprofundar o entendimento de como esses elos
diferentes da rede de relacionamento podem atuar nos processos decisórios de
internacionalização das firmas.
26
3. MÉTODO DA PESQUISA
O objetivo desta seção é descrever a estratégia de pesquisa adotada pelo
presente estudo, inicialmente apresentando as questões propostas e, em
seguida, oferecendo uma análise da metodologia abordada.
3.1 PROBLEMA E QUESTÕES DE PESQUISA
O estudo descrito neste trabalho teve como objetivo entender como são
realizados os processos decisórios 1. da descoberta (ou criação) de
oportunidades internacionais em startups que foram aceleradas, e 2. do
desenvolvimento dessas oportunidades, à luz das teorias comportamentais de
internacionalização, da teoria de effectuation e das teorias sobre a influência de
aceleradoras na internacionalização de startups. Para nortear a direção do
estudo, como sugerido por Yin (2003), foram definidas três proposições de
estudo:
Como as empresas alternam o uso das lógicas de effectuation e
causation nas decisões de internacionalização?
As lógicas de decisão – effectuation ou causation – utilizadas para
decidir se internacionalizar e como internacionalizar são as
mesmas?
Qual o papel das aceleradoras no processo de
internacionalização?
3.2 ESCOLHA DO MÉTODO
A partir da pergunta de pesquisa definida foram analisadas as
possibilidades de métodos para conduzir o estudo. A metodologia escolhida para
desenvolver este estudo foi a pesquisa qualitativa positivista e a estratégia
adotada (PIEKKARI e WELCH, 2011; YIN, 2003) foi o estudo de caso.
Yin (2003) argumenta que, quando pesquisas pretendem entender
questões de “como” e “por quê”, o estudo de caso é a estratégia mais adequada.
Ainda acrescenta que ela é ideal para estudos em que o investigador tem pouco
ou nenhum controle sobre os eventos e que focam em fenômenos
contemporâneos da vida real.
27
(…) perguntas de ‘como’ e ‘por quê’ são mais de cunho explicativo e suscetíveis ao uso de estudos de caso, histórias e experimentos como as estratégias de pesquisa preferenciais (…) esse tipo de pergunta lida com conexões operacionais que precisam ser analisadas ao longo do tempo, ao invés de meras frequências ou incidências. (YIN, 2003, p. 6)
Segundo Yin (2003) existem pelo menos cinco aplicações distintas do
estudo de caso. A primeira delas é aquela que tem como objetivo explicar
ligações causais entre eventos da vida real e que são muito complexos para
outras estratégias de pesquisa. A segunda é a descrição desses eventos e dos
contextos em que ocorreram. Uma terceira aplicação é a ilustração de
determinados tópicos dentro de uma análise, também de uma maneira
descritiva. A quarta é a exploração de situações em que o evento analisado não
tem resultados claros. E a quinta aplicação é a meta-análise de um caso já
existente, ou seja, um estudo para avaliar outro estudo pré-existente. O estudo
dos casos descritos no presente trabalho tem como aplicação a descrição de
eventos e dos contextos em que ocorreram.
A escolha do estudo de caso para o presente estudo também se justifica
por ele ser ideal para pesquisas que precisam analisar diversas fontes de dados
para obter os resultados em situações em que os limites entre o fenômeno e o
contexto não são claros (YIN, 2003). Ainda, problemas de pesquisa que
procuram entender uma decisão ou conjunto de decisões são mais bem
entendidos à luz do estudo de casos. A estratégia de pesquisa através de
estudos de caso também tem demonstrado ser bastante popular e bem sucedida
nos estudos de administração (YIN, 2001). A estrutura escolhida para o estudo
de caso é a de múltiplos casos, já que é uma estratégia enxergada como mais
robusta (YIN, 2003), uma vez que é capaz de testar as proposições da pesquisa
em mais de um evento.
A escolha dos casos seguiu uma lista de requisitos pré-definida de acordo
com as perguntas de pesquisa, tendo como base as teorias estudadas. Segundo
Eisenhardt (1989), é preferível que os casos abordados numa pesquisa que
utiliza múltiplos estudos de casos não sejam selecionados aleatoriamente. Isso
porque, dado o número limitado de casos em uma pesquisa, a mesma se
beneficia quando o processo de interesse pode ser observado com
transparência nos casos selecionados.
28
Os requisitos para a escolha dos casos foram: i) ser uma empresa
empreendedora; ii) ser internacionalizada, ter intenção de se internacionalizar,
ou ter realizado alguma tentativa de internacionalização; iii) fazer parte de uma
aceleradora. Os dois primeiros requisitos eram necessários para a proposta da
pergunta de pesquisa. O terceiro foi acrescentado com o intuito de entender o
papel da rede de relacionamentos da empresa no processo decisório na mesma.
Estar dentro de uma empresa aceleradora tornaria essa um elo importante na
rede de relacionamentos da empresa, como observado na literatura sobre
incubadoras, por isso entedeu-se que a avaliação do papel da rede no processo
decisório seria mais clara.
Três casos foram selecionados para serem estudados. Buscou-se
escolher casos que apresentassem as similaridades descritas anteriormente
(replicação literal), mas também diferenças significativas (replicação teórica)
para que fosse possível abordar o mesmo problema com diferentes óticas (YIN,
2001). Por exemplo, as empresas selecionadas atuam em diferentes mercados
e estavam em diferentes estágios de vida. Tais diferenças poderiam interferir no
nível de incerteza do ambiente onde as startups se inseriam e no poder de
influência das aceleradoras em seus processos decisórios, condicionando
diferentes respostas às perguntas propostas pelo estudo. O número de casos
selecionados esteve mais relacionado com a dificuldade de encontrar startups
que cumprissem todos os requisitos desejados, no espaço de tempo que a
autora dispunha para desenvolver a pesquisa.
3.3 COLETA DE DADOS
A pesquisa foi desenvolvida tendo como base tanto dados primários
quanto secundários. Os dados primários foram coletados a partir de entrevistas
semi-estruturadas com os empreendedores à frente das três startups
selecionadas e com líderes de destaque nas respectivas aceleradoras. Cada
startup foi entrevistada duas vezes e as aceleradoras, uma. As entrevistas foram
guiadas a partir de um roteiro elaborado a partir das questões principal e
secundárias da pesquisa – o roteiro de entrevista encontra-se no Apêndice I
deste documento. As entrevistas foram realizadas entre os meses de janeiro e
abril de 2016, exceto a primeira entrevista com a startup Superela e a entrevista
29
com sua aceleradora, 21212, que foram conduzidas em julho de 2015. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas. Algumas questões mais simples, como
confirmação de datas de eventos, também foram endereçadas via e-mail após
as entrevistas.
Notas tomadas durante a condução das entrevistas e também ao longo
de suas transcrições. Eisenhardt (1989) destaca a importância das notas de
campo no auxílio da justaposição entre os processos de coleta de dados e
análise dos casos. Elas facilitaram destacar pontos e questões a serem
aprofundadas em cada caso, e identificar quando novas entrevistas deveriam ser
realizadas.
Os dados secundários foram acessados mais com o intuito de
confirmação de algumas informações públicas comunicadas durante as
entrevistas. Algumas fontes de dados foram os sites das startups e das
aceleradoras, bem como notícias de jornais virtuais e sites de algumas
instituições e programas mencionados, como o Startup Brasil, StartX e outros.
Como as startups são jovens e possuem pouco envolvimento com mídias, esses
dados foram menos ricos como fontes de informação.
3.4 ANÁLISE DE DADOS
A análise dos dados teve como base a descrição dos casos e as
perguntas de pesquisa. As descrições foram realizadas de forma narrativa,
dividida em três temáticas: histórico da empresa, histórico do empreendedor e
decisão de internacionalização. Dentro de cada seção tentou-se seguir uma linha
temporal.
A fim de facilitar a linha de raciocínio da análise em relação aos objetivos
de pesquisa, aquela foi seccionada de acordo com esses. Por isso, foram criadas
três categorias de análise: processo decisório, decisão de internacionalização e
papel da aceleradora na internacionalização. A partir da primeira categoria,
buscou-se definir qual lógica de decisão foi utilizada em cada um dos processos
decisórios – de se internacionalizar e de como internacionalizar. Com relação à
categoria de decisão de internacionalização, analisou-se as características da
internacionalização – se foi sob incerteza, se seguiu o MU, se foi facilitada por
redes de relacionamentos e outros. A última categoria de análise centrou-se na
30
relação entre as startups e aceleradoras e no poder de influência dessas nos
processos decisórios daquelas. O quadro abaixo sumariza a estrutura de análise
de acordo com cada categoria selecionada.
Quadro 3: Categorias de análise dos casos
CATEGORIA CONCEITOS TEORIAS
Processo decisório Decisão de se e como interna-
cionalizar: effectuation, causation
Sarasvathy (2001; 2008)
Sarasvathy et al. (2014)
Decisão de
internacionalização
Oportunidades internacionais:
identificação e criação de
oportunidades
Internacionalização sob incerteza
Facilitadores da internacionali-
zação: Internacionalização em
estágios; Redes
Oviatt & Mcdougal (1994)
Mainela, Puhakka & Servais (2013)
Andersson (2011)
Schweizer et al. (2010)
Vahlne & Johanson (2013)
Sarasvathy et al. (2014)
Johanson & Vahlne (1977)
Johanson e Mattsson (1988)
Papel da
aceleradora
Desenvolvimento de conheci-
mento e redes
Grau de envolvimento das
aceleradoras com a internacio-
nalização
Engelman e Fracasso (2013)
Ebbers (2014)
Engelman, Zen e Fracasso (2015)
Fonte: Elaboração da autora.
Cada categoria de análise foi, por sua vez, explorada de acordo com
diferentes conceitos. Esses conceitos foram dicutidos na seção de Revisão de
Literatura deste trabalho. Destacaram-se os conceitos elaborados pela teoria
central de effectuation e pelas teorias-chave de internacionalização (Uppsala,
Redes e Empreendedorismo Internacional). Cada uma das oportunidades
identificadas nos casos foi categorizada de acordo com a conceitualização
trazida por Mainela, Puhakka & Servais (2013). Os processos de decisão para
se e como internacionalizar foram caracterizados como effectuation ou
causation. Além disso, houve uma tentativa de relacionar os dois processos
decisórios para cada caso e entre os casos. Finalmente, a análise voltou-se para
tentar entender a influência das aceleradoras nos processos decisórios à luz da
teoria de Redes.
31
3.5 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
As limitações do presente estudo têm origem na escolha do método de
casos múltiplos com base em entrevistas. A pesquisa qualitativa não permite a
generalização estatística das conclusões, já que não envolve amostras grandes.
Apesar de não ser esse o principal objetivo da pesquisa qualitativa, pois ela
busca propiciar a generalização analítica, esse é um limitador das conclusões
alcançadas (PARTINGTON, 2002).
Esse método pode também incorrer no viés do entrevistado. É impossível
garantir que os dados informados são todos verdadeiros, nem que foram
comunicados na sua total amplitude. Por isso fez-se o uso da triangulação de
informações com o cruzamento de dados do empreendedor, da aceleradora e
alguns dados secundários. No entanto, como o foco dessa pesquisa é
principalmente o processo decisório dos empreendedores, uma importante
quantidade de informações é exclusiva do mesmo e, portanto, não é passível de
triangulação. Outro viés que pode limitar o estudo é o do entrevistador,
determinado por sua visão particular (PARTINGTON, 2002).
Mais limitações ao presente estudo estão mais relacionados à escolha
dos casos. A dificuldade de encontrar startups que se encaixassem na
delimitação do estudo ocasionou que os casos analisados fossem de firmas com
nenhum ou pouco desenvolvimento internacional. Isso não impacta o estudo do
processo da decisão de ‘se’ internacionalizar, mas pode ter impactado no estudo
do processo da decisão de ‘como’ internacionalizar, dado que o mesmo não foi
concluído em nenhum dos casos.
32
4. DESCRIÇÃO DOS CASOS
A pesquisa aqui apresentada baseou-se em estudos de casos de três
startups brasileiras que foram ou estavam sendo aceleradas por diferentes
aceleradoras. A Superela era uma startup carioca acelerada pela 21212 em
2015, que, apesar de ter decidido se internacionalizar, acabou cancelando seus
planos poucos meses depois. No mesmo ano a SocialCondo participou do
programa de aceleração da Wow, no Rio Grande do Sul. Após esse período a
SocialCondo se inscreveu em outro processo de aceleração no Chile, onde
estava executando sua primeira empreitada internacional. A terceira startup
estudada foi a deviceLab, que estava sendo acelerada pelo programa de pós-
aceleração da Acelera Partners, no Rio de Janeiro, durante o desenvolvimento
desta pesquisa. A startup ainda não era internacionalizada, porém já havia
decidido que o caminho internacional era o mais óbvio para a empresa e operava
com esse objetivo em foco.
4.1 CASO SUPERELA
O Superela era uma plataforma online de comunicação e
compartilhamento de conteúdos relacionados a vida, sexo, relacionamento,
moda e estilo, direcionada para o público feminino. Na época deste estudo, ela
contava com um site, onde colunistas-leitoras postavam conteúdos originais, e
uma comunidade de interação entre colunistas e leitoras. A comunidade, Clube
Superela, funcionava como um fórum e existia em versões online e mobile. Em
janeiro de 2016 o site contava com publicações de mais de 100 colunistas e mais
de 500 mil acessos mensais. Já a comunidade possuía um número superior a
15 mil usuários (homens e mulheres).
Histórico da empresa
O Superela foi criado em janeiro de 2014 por Juliana Brêtas, no Rio de
Janeiro. A ideia inicial de Juliana partiu de sua habilidade e interesse em dar
conselhos para outras mulheres. Sua intenção era de criar uma plataforma onde
mulheres pudessem encontrar profissionais capacitados a ajudar-lhes para
conversar sobre seus problemas. O modelo de negócios do Superela seria
33
cobrança por minutos de conversa entre as duas partes envolvidas. Essa ideia
foi então testada e modificada diversas vezes até chegar no modelo que existe
hoje. Durante esse tempo, Juliana conseguiu entrar em contato com Frederico
Lacerda, seu colega de faculdade e sócio-fundador da 21212.
A 21212 é uma aceleradora de startups, que iniciou sua operação no
Brasil em 2011, quando teve sua primeira turma de aceleração. Ela possuía
escritórios no Brasil e em Nova Iorque, mas seus programas de aceleração eram
concentrados somente em território brasileiro. Seu programa de aceleração
durava de 4 a 6 meses e formava em média 10 startups por ciclo. A aceleradora
adquiria parcelas de 10 a 20% das startups aceleradas através de um
investimento médio de 50 mil reais, e ainda oferecia estrutura física para a
empresa durante o período de aceleração, bem como suporte técnico, aulas,
mentorias, acesso a investidores, e outros. Após o período de aceleração, se a
21212 optava por continuar na sociedade da startup, ela mantinha a rede de
contatos com mentores e investidores aberta à startup, que deveria manter boas
práticas de gestão, reportando à 21212 seus principais indicadores
mensalmente.
O Superela entrou no portfólio da 21212 em 2014, quando ingressou
também no Startup Brasil. O Startup Brasil era um programa de aceleração do
governo federal que apoiava semestralmente uma turma de startups,
contribuindo com até 200 mil reais em bolsas de pesquisa, além de outros
benefícios. Para participar do programa as startups deveriam estar associadas
a uma aceleradora, já que o desenvolvimento e mentoria era todo realizado por
essa. Durante o ano de 2015 o Superela contou com essa verba do programa
para desenvolver sua plataforma e testar diferentes modelos de negócio.
A primeira fonte de receita do Superela foi introduzida no meio do ano de
2015, e era baseada em publicidade online. Porém, como Juliana pretendia não
fazer da publicidade sua primeira fonte de receita, a empresa começou a buscar
outros modelos de negócio. Em janeiro de 2016 introduziu uma nova ferramenta:
o Super Profissionais. Essa ferramenta funcionava como uma base cadastral de
profissionais que atuassem em áreas de apoio a mulheres (astrólogos,
psicólogos, coachs, etc.). O Super Profissionais oferecia três modalidades de
planos mensais desde o Básico, em que o profissional apenas aparecia na
listagem da ferramenta, até o Top Premium, que apresentava o nível máximo de
34
serviços prestados. Após a validação do novo modelo de negócios, a previsão
era de que ele representasse 80% da receita do Superela, enquanto os outros
20% seriam provenientes de publicidade.
Histórico do Empreendedor
Juliana Brêtas é CEO e fundadora da Superela. Formada em
Comunicação Social no Rio de Janeiro, Juliana sempre teve um espírito
empreendedor e desde nova desejava abrir sua própria empresa. Para isso,
após a universidade ela investiu em acumular conhecimentos empresariais a
partir do trabalho em grandes empresas, como Souza Cruz, do grupo
multinacional British American Tobacco, e Fundação Roberto Marinho, e
consecutivo MBA em Gestão Empresarial.
Apesar de ter tido sua formação no Brasil, o fato de seu pai ser diplomata
deu a Juliana diversas experiências internacionais. Ela nasceu nos Estados
Unidos e morou em diversos países, entre eles Nigéria e Portugal. Quando seu
pai morava em Dublin, ela passou uma temporada lá estudando inglês e
negócios.
Decisão de internacionalização
Em 2014, ao mesmo tempo em que Juliana desenvolvia as relações com
investidores e a 21212 no Brasil, surgiu a possibilidade de seu marido ser
transferido para Nova Iorque a trabalho. Foi quando Juliana começou a pensar
em uma possível investida do seu novo negócio já fora do Brasil. Essa
possibilidade de mudança na sua vida condicionou a escolha da aceleradora à
qual gostaria de se associar. A 21212 concordou em apoiar a internacionalização
do Superela, caso esse movimento fizesse sentido para o futuro da plataforma.
No início do ano de 2015 a mudança para os Estados Unidos se
concretizou. Segundo Juliana, o principal fator influenciador na decisão de
internacionalizar o Superela foi sua ida compulsória para Nova Iorque.
Se eu não tivesse essa parte do meu marido para lá de repente eu não teria pensado em tão cedo começar a internacionalizar a empresa e ir para lá. – Juliana Brêtas, CEO e fundadora do Superela
A partir de então Juliana resolveu dedicar seu tempo para entender o
mercado norte-americano, ao mesmo tempo em que sua equipe tocava o
35
Superela no Brasil. Seu pensamento na época era de que sua plataforma poderia
ser facilmente adaptada a diversos mercados, uma vez que trazia uma solução
para problemas femininos, que existem independente de nacionalidade, cultura,
etc. “Porque mulheres tem problema em todos os lugares, né?” – Juliana Brêtas,
CEO e fundadora do Superela.
Nos meses que se seguiram à sua mudança, Juliana iniciou uma busca
estruturada para entender o mercado nos Estados Unidos. Ela utilizou suas
redes pessoal e profissional de contatos e a rede da 21212 para alcançar
profissionais do ramo e entender o potencial de mercado, quais seriam as
necessidades da empresa lá, os custos envolvidos, potenciais concorrentes, e
outras variáveis. Porém, ela afirmava que contatos realizados através do
LinkedIn e de eventos de empreendedores e investidores promovidos pela
MeetUp nos Estados Unidos foram uma fonte melhor de informações para ela e
de acesso a possíveis parceiros, mesmo não tendo nenhuma ligação prévia com
as pessoas que conheceu.
Nesses últimos meses eu comecei a estudar lá o mercado. Falei com pessoas
que já trabalharam na Cosmopolitan, pessoas idosas no mercado, inclusive.
(...) Você vai no LinkedIn, vê a Cosmopolitan, vê quem já trabalhou, e manda
convites de conexão e mensagens para as pessoas...
E você vai numa reunião com várias pessoas e fala do seu negócio, distribui
seu cartão para o máximo de pessoas possível e pega o cartão da pessoa,
manda um email para ela (...). E ela espalha para sua rede.
(...) um site que é bem conhecido, que é o Meetup. Você tem meetup de
investidores... e você consegue ir lá e falar com outras pessoas, e fazer
contatos, distribuir seu cartão. Eu conheci muitos potenciais investidores
assim, mas os mais legais são aqueles que as pessoas te indicam.
- Juliana Brêtas, CEO e fundadora do Superela.
O resultado dessa pesquisa foi um documento extenso que continha toda
informação acumulada. Juliana chegou a encaminhar esse documento para
potenciais investidores até que um pediu para que ela enviasse um planejamento
financeiro sobre a empreitada. Foi quando ela percebeu que o negócio seria
36
economicamente inviável, já que os custos associados ao mercado norte-
americano eram muito mais elevados e ela ainda não tinha um modelo de
negócio sólido a ser replicado.
(...) no que eu parei nesse Excel eu pensei: “Não vou conseguir fazer isso.
Eu vou precisar de muito mais dinheiro, vai ser muito mais difícil de eu colocar
essa quantidade de dinheiro se eu ainda nem tenho um modelo de negócios”.
Não tem ainda uma matemática que eu justifique que vamos replicar a
mesma coisa e grandes chances de dar certo. Aqui eu tenho um negócio que
deu certo no Brasil em termos de base de usuários. Não quer dizer que vai
dar certo lá. – Juliana Brêtas, CEO e fundadora do Superela.
Nesse momento Juliana revisou sua decisão de internacionalizar o
Superela. Ela percebeu que precisava investir seu tempo para desenvolver ainda
mais o site brasileiro, tanto em número de usuários, quanto o modelo de negócio.
Sua intenção era tornar a plataforma ainda mais sólida para que pudesse ser
replicada no futuro de maneira mais consistente.
A minha decisão primeiro focar em continuar crescer a base e testar novos
modelos de negócio aqui no Brasil. Eu testando isso e aprendendo mais o
que o Superela é e o que a gente consegue fazer realmente financeiramente,
eu replico para lá. – Juliana Brêtas, CEO e fundadora do Superela.
Apesar de ter suspendido o processo de internacionalização em junho de
2015, Juliana ainda fazia planejamentos para dar continuidade ao mesmo até
janeiro de 2017. Pretendia testar outros modelos de negócio ao mesmo tempo
que levantaria investimentos brasileiros e norte-americanos para custear tanto
os desenvolvimentos nacionais quanto a nova possível empreitada internacional.
Eu vou ter o ano que vem inteiro para testar um modelo de negócio, para
continuar crescendo o mais agressivo possível a nossa base de usuários e
testar o nosso modelo de negócio. (...) Então a ideia de começar de novo
esse processo de fund raising, provalvemente, para os Estados Unidos no
início de 2016. Mas eu vou ter esse 1 ano para descobrir se vai ser isso
mesmo, entende? [...] [e esse deadline é] Para entrar no mercado lá porque
pro Brasil já [...] é vida que segue – Juliana Brêtas, CEO e fundadora do
Superela.
37
Já em fevereiro de 2016 o planejamento havia mudado e ela decidiu que
não tinha mais um horizonte para a internacionalização. Juliana cancelou toda a
iniciativa de internacionalização e resolveu focar todos seus esforços no
mercado brasileiro. Segundo ela a decisão foi tomada para que o Superela não
ficasse dividido em dois mercados ainda a serem desenvolvidos. Ela pretendia
amadurecer a plataforma nacionalmente e não fazia mais planos para levá-la
para fora do país, por enquanto.
4.2 CASO SOCIALCONDO
A SocialCondo era uma ferramenta de comunicação e gestão de
condomínios residenciais. Ela funcionava através de um site e aplicativos
customizados para cada cliente, de acordo com suas necessidades e regras. O
objetivo da plataforma era modernizar os condomínios residenciais, que, em sua
maioria, ainda funcionavam por meio de processos arcaicos e informais. A
SocialCondo automatizava a comunicação entre a administração, os
funcionários e os condôminos, propocionando facilidades como reserva de salão
de festas, envio de comunicados e documentos, abertura de chamados, envio
de sugestões, e outros.
Os clientes da SocialCondo eram os próprios condomínios e seu modelo
de negócios era baseado em mensalidades cobradas por cada licença de uso
dos sistemas emitida, ou seja, de acordo com o número de unidades
habitacionais do condomínio. Alguns condomínios pequenos também pagavam
uma taxa única de aquisição das licenças no momento de contratação do
serviço.
Histórico da empresa
A SocialCondo foi criada no Rio Grande do Sul em novembro de 2013 por
quatro sócios-fundadores: João Alberto David de Souza, Marcos Eich, Denys
Hupel e Paulo Cesar Büttenbender. Em março de 2014 eles conseguiram
finalizar a primeira versão do produto que queriam levar para o mercado. No
mesmo mês conseguiram seu primeiro cliente. Naquela época a venda era
realizada pelos próprios sócios, era pró-ativa e concentrada no estado do Rio
Grande do Sul.
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Desde o início do desenvolvimento da empresa, a SocialCondo tinha
interesse em fazer parte do programa Startup Brasil. Para isso precisava estar
inscrita em um programa de aceleração numa aceleradora brasileira. Foi quando
os sócios começaram a mapear as possibilidades de aceleradoras e decidiram
entrar no processo seletivo da Wow. A Wow era a única aceleradora de Porto
Alegre e uma das principais aceleradoras do Brasil. Ela era suportada por dois
grupos de investimento para os programas de aceleração. Ela contava com
aproximadamente 97 investidores e mentores, e 21 startups graduadas e em
processo de graduação, dentre elas 1 colombiana. O processo de aceleração
durava de 6 meses a 1 ano, quando a Wow fazia um aporte financeiro e oferecia
programas de formação e mentorias às startups, em favor de uma parcela da
sociedade. Após o período de aceleração a aceleradora continuava dando
suporte às startups, que era mais ou menos intenso de acordo com a
demanda/interesse dos próprios empreendedores das startups, e também
permitia que a startup permanecesse no espaço físico da Wow, desde que ele
comportasse toda a estrutura.
Em 2016, dois anos mais tarde, a empresa contava com mais de 30 mil
licenças emitidas para clientes de todo território nacional. As vendas eram mais
passivas, através do site da empresa. Os potenciais clientes podiam solicitar
uma demonstração da ferramenta online e todas as negociações e
especificações do serviço eram feitas online. A SocialCondo tinha uma equipe
de nove colaboradores, dentre eles cinco sócios, e saiu do espaço de co-working
da Wow no final de 2015.
Histórico dos Empreendedores
João Alberto, Marcos, Paulo e Denys eram profissionais com formações
relacionadas a computação e experiências em desenvolvimento de software,
análise de sistemas, programação, entre outros. Denys era o único sócio-
fundador que já havia morado fora do Brasil. Ele estudou por dois anos na
universidade Kaiserslautern, na Alemanha. Os demais já haviam ido para o
exterior em viagens de trabalho e lazer. Todos os sócios tinham facilidades com
línguas e falavam múltiplos idiomas, os quais aprenderam através de cursos na
internet. Os quatro sócios se conheceram na SAP, empresa multinacional de
desenvolvimento de soluções de software, onde trabalharam juntos numa área
39
responsável por inovação. A ligação entre eles ficou mais próxima após
ganharem um concurso interno da SAP e passarem um tempo juntos na
Alemanha.
Logo perceberam que o interesse em empreender era comum a todos.
Por isso decidiram fazer um curso online de empreendedorismo tecnológico da
universidade de Stanford, que tem foco em ensinar processos e metodologias
para a criação de startups. Ao mesmo tempo os sócios trabalhavam em ideias
de soluções que poderiam originar uma empresa. João, Denys e Marcos então
abandonaram seus empregos na SAP para abrir a SocialCondo em 2013.
Decisão de internacionalização
A vontade de buscar novos mercados além do brasileiro já existia nos
sócios desde a fundação da SocialCondo. No tempo em que permaneceram na
SAP, eles trabalharam no desenvolvimento de um software para o mercado
imobiliário norte-americano. Essa oportunidade permitiu-lhes desenvolver
conhecimentos da indústria tanto nos Estados Unidos quanto na América Latina.
Com isso, eles conseguiram perceber que existia um grande potencial para o
produto deles, principalmente na América Latina. Isso porque os países do
continente possuíam deficiências similares no quesito segurança. Por isso os
grandes condomínios de prédios fechados eram os mais comuns, principalmente
em grandes cidades, em comparação aos Estados Unidos. Ainda, os sócios
enxergavam na América Latina um grande potencial de mercado também por
causa da proximidade da língua em relação ao português e pelo fato de todos
os países (fora o Brasil) terem o mesmo idioma oficial. Isso facilitaria a
comercialização da plataforma SocialCondo, já que os ajustes seriam pequenos
a cada entrada em novos mercados.
A América Latina inteira tem problema de segurança, então a constituição
[dos condomínios] é um pouco parecida com o Brasil. E outro ponto positivo
é que, além de ser perto, é espanhol para todo mundo. Então a gente viu que
o segundo mercado interessante seria a América Latina. – João David, sócio-
fundador da SocialCondo.
Os sócios também conheciam os programas de apoio a aceleração
existentes no Brasil (Startup Brasil). Por essa razão eles buscaram um programa
40
de aceleração junto a uma aceleradora que já fosse habilitada para participar do
Startup Brasil. O prestígio da Wow e sua proximidade geográfica com a
SocialCondo acabaram por definir a escolha dos sócios pelo programa dessa
aceleradora. A empresa então aplicou e foi escolhida no processo de seleção da
Wow e ingressou no programa de aceleração em meados de 2014.
Durante o processo de aceleração na Wow, era comum surgir ideias de
internacionalização, propostas tanto pelos empreendedores quanto pelos
mentores. O papel da Wow mais comumente era de oferecer conhecimentos e
percepções que normalmente o empreendedor não tem a fim de auxiliar no
processo de tomada de decisão. Porém, a decisão final é do empreendedor.
A gente estimula, conversa, tenta passar a nossa mentoria, os nossos
conhecimentos, a percepção que a gente tem do mercado e do negócio das
startups, mas a grande maioria das coisas, para não dizer tudo, parte do
empreendedor. (...) a gente dá o suporte para ele, conversa para ver se essa
é realmente a melhor estratégia e valida isso com ele. Depois que a gente
decide que é de fato a internacionalização, vamos buscar dentro do nosso
grupo de mentor, dentro da nossa rede de contatos qual vai ser a melhor
forma de fazer esse processo de internacionalização. – Pedro Deos, Wow
Aceleradora.
No caso da SocialCondo, a intenção de internacionalização existia desde
o início da empresa, quando os sócios perceberam o potencial em mercados
similares ao Brasil. Além disso, eles conheciam também um programa de
fomento ao empreendedorismo no Chile, similar ao Startup Brasil; o Startup
Chile. Esse programa oferecia um investimento sem contrapartida financeira, um
time de mentoria e alguns eventos de relacionamento entre empreendedores e
investidores. Uma das diferenças do Startup Chile com relação ao Startup Brasil
era que aquele não exigia que a startup estivesse participando de um programa
de aceleração.
Diante disso, o apoio da Wow foi mais relacionado à preparação para a
aplicação no edital da Startup Chile. A aceleradora também possibilitou que
durante a aceleração na Wow os sócios da SocialCondo entrassem em contato
com a Tarefa, uma empresa colombiana que também estava sendo acelerada
naquele momento pela Wow e que havia participado do Startup Chile. Esse
41
contato ajudou a SocialCondo a tomar maior conhecimento das etapas do
programa e a se preparar de maneira mais robusta para participar do futuro
processo seletivo.
A gente fez o Diego, que é o empreendedor da Tarefa, e o João conversarem
bastante para o Diego passar as recomendações para o João, explicar como
funciona o processo seletivo. Na época da aplicação, que eles fizeram
autonomamente, a gente fez carta de recomendação e demos o apoio que
eles precisavam. – Pedro Deos, Wow Aceleradora.
Além da recomendação de investidores e parceiros, o edital do programa
exigia que as startups inscritas preenchessem diversos formulários para
apresentar a empresa e seus indicadores, além do envio de vídeos,
planejamentos estratégico e financeiro. Porém, João David afirmava que o
processo dava maior peso para o resultado que a empresa tinha obtido com suas
operações do que aos planejamentos que as startups apresentavam.
Tanto para entrar em aceleradoras quanto para passar nesses editais do
Startup Brasil e Startup Chile, conta muito mais o seu resultado até então do
que seu planejamento. É muito mais fácil mostrar o potencial da nossa
empresa em um mercado que é parecido com aquele onde já temos sucesso
– João David, sócio-fundador da SocialCondo.
A SocialCondo conseguiu ser selecionada para o programa Startup Chile,
que teve início em fevereiro de 2016. Por exigência do programa, a SocialCondo
precisou abrir uma operação no Chile. Marcos foi o responsável por se mudar
para o país com o objetivo de desenvolver o novo mercado. O relacionamento
da empresa com a Wow ainda existia nessa época e a aceleradora pretendia
estar com uma presença mais ativa junto à startup na definição do caminho
estratégico, já que a SocialCondo foi a primeira startup acelerada pela Wow que
iniciou uma operação internacional.
Antes mesmo de iniciar a operação no Chile, a SocialCondo já havia
iniciado um processo de análise de outros mercados para uma segunda
expansão na América Latina. Para isso contratou um estudante colombiano, que
ajudou na elaboração de um estudo de mercado da Colômbia, bem como na
tradução do software para o espanhol. Após a ida de Marcos para o Chile a
42
empresa passou a ter dois focos: testar o produto no mercado chileno, tendo 10
pilotos até abril e aproveitar as novas conexões desenvolvidas no Chile como
fonte de informação para a prospecção de novos mercados na América Latina.
Esse segundo foco passou a ser tratado de maneira a coletar informações de
potenciais novos mercados para tentar identificar se havia possibilidade de
venda direta para esses países, ou se seria necessária alguma adaptação do
modelo comercial que a SocialCondo tinha então.
Com relação ao primeiro foco, Marcos passou a trabalhar para entender
as particularidades do mercado chileno e adaptar o produto para que ele fosse
mais adequado às necessidades do novo mercado. A empresa percebeu que as
similaridades com o mercado Brasileiro não eram tão grandes quanto
imaginavam. Por isso, a SocialCondo precisou realizar ajustes no seu produto e
revisar o planejamento de ter 10 pilotos até o fim de abril. Outro motivo de atraso
foi que Marcos não se dedicava exclusivamente ao Chile. Por isso, urgências
para o negócio no Brasil eram tratadas com prioridade.
Portanto, a fase da SocialCondo no Chile no início de 2016 era de
prospecção de clientes para testar o produto. A empresa estipulou um prazo até
maio de 2016 para identificar se o produto estaria adequado para o mercado
chileno. Caso não estivesse, os empreendedores reavaliariam a estratégia. Se
as modificações necessárias fossem muito profundas eles até considerariam
voltar a focar só no mercado brasileiro.
4.3 CASO DEVICELAB
A deviceLab era uma startup carioca especializada em testes de
confiabilidade e usabilidade de sites e aplicativos móveis. O objetivo desses
testes era de medir o grau de responsividade dos sites e apps a fim de melhorar
a experiência do usuário. A empresa contava com um laboratório de testes com
mais de 120 ambientes reais (aparelhos celulares e tablets de diferentes
modelos e marcas).
O principal negócio da empresa era a venda de licenças do software
próprio, o Blink: um software de programação e execução automática das rotinas
de testes nos aparelhos. O Blink simplificava o trabalho antes especializado de
programadores, permitindo que profissionais de outras áreas (gestor de
43
marketing, Quality Assurance, etc.) pudessem realizar os testes e de uma forma
constante. Para Leandro Ginane, sócio-fundador e idealizador do negócio, o
Blink “faz com que as empresas comecem a entregar mais qualidade, a
aumentar a taxa de conversão etc.”.
Histórico da empresa
A deviceLab foi fundada em 2012 pelo empresário Leandro Ginane no Rio
de Janeiro. A empresa foi lançada como um laboratório físico de testes de
confiabilidade e usabilidade de sites e aplicativos móveis. A solução que Leandro
comercializava era a execução manual desses testes principalmente para
empresas que tinham negócios que dependiam de muitas transações ou
transmissões de vídeos, como bancos, e-commerces, grupos de mídia,
companhias aéreas e outras.
Poucos meses depois, Leandro foi contatado por um cliente que tinha
intenção de automatizar seus testes, pois precisava realizar milhares deles por
dia. Foi quando Leandro chamou João de Souza para desenvolver em parceria
um sistema que permitisse tal automatização. João tinha uma empresa de
tecnologia há muitos anos e conhecia Leandro de um trabalho que realizaram
juntos anos anteriormente. Ele entrou como sócio da deviceLab, alocando
recursos e seus conhecimentos de tecnologia na empresa. Os sócios passaram
um ano e meio desenvolvendo o que se tornou o Blink em 2015, trabalhando sob
três premissas principais: i) os aparelhos de teste deveriam ser reais; ii) o
software deveria ser acessível para qualquer pessoa; iii) o script precisaria
funcionar em qualquer aparelho.
O desenvolvimento do software exigiu um investimento de mais de 5
milhões de reais, que foi realizado com capital dos sócios e da empresa. O Blink
foi uma inovação que permitiu a automatização e simplificação da criação e
aplicação de rotinas de testes. Isso possibilitou que a empresa repassasse para
seus clientes o trabalho que antes era realizado por ela de forma manual.
Portanto houve uma evolução na oferta da deviceLab, que passou a ter foco na
comercialização de licenças de uso do software que a empresa desenvolveu.
O modelo de negócios central desenvolvido a partir de então era de
mensalidades cobradas por essas licenças de uso. Além disso, a empresa
também oferecia serviços de instalação do sistema Blink nos aparelhos de
44
clientes que já possuíssem seus ambientes de teste e preferiam não utilizar o
laboratório da deviceLab. Ela também oferecia serviços de desenvolvimento de
soluções de melhorias para a experiência de usuários em sites e aplicativos
móveis.
A introdução da nova tecnologia no negócio da deviceLab permitiu que a
empresa deixasse de oferecer serviços personalizados para cada cliente, para
introduzir uma solução única adequada a todos eles. Segundo Leandro, a
criação do Blink proporcionou um produto escalável para a deviceLab. Além
disso, o software era uma tecnologia inovadora e exclusiva da deviceLab, já que
não existiam nenhum produto semelhante no mercado. Mesmo os maiores
laboratórios de testes globais concorrentes realizavam os testes de forma
manual.
Isso aqui que você está vendo, da forma que a gente fez, não existe e é
completamente escalável. Então eu posso ter clientes no mundo inteiro
comprando em minutos, comprando testes e acessando o meu sistema e
usando. – Leandro Ginane, CEO e sócio-fundador da deviceLab.
A ideia de venda global em grande escala só não era ainda possível porque a
empresa não havia desenvolvido um sistema de venda que acompanhasse a
escalabilidade do produto. Porém esse trabalho vinha sendo realizado em
conjunto com a Acelera Partners, a primeira parceira da deviceLab.
A Acelera Partners era uma espécie de aceleradora de empresas, no
entanto com um conceito um pouco diferenciado. A empresa se posicionava num
segmento intermediário entre as aceleradoras e os grandes fundos de
investimento, trazendo para o mercado brasileiro um novo conceito, que ela
chamava de pós-aceleração.
A Acelera Partners teve origem na Microsoft Ventures, a aceleradora
corporativa da Microsoft, que atuava em sete países. O objetivo principal da
Acelera Partners era adaptar o modelo da Microsoft Ventures para países
emergentes, onde as startups tinham necessidade de mais tempo de maturação
nas aceleradoras e os retornos financeiros não estavam no mesmo patamar
daqueles em países como os Estados Unidos e Israel. Aqui no Brasil as startups
normalmente saíam das aceleradoras num estágio ainda pouco desenvolvido
para receberem grandes investimentos. Por isso a Acelera Partners surgiu com
45
um modelo de pós-aceleração, que tinha como alvo startups mais maduras do
que aquelas que entram em aceleradoras.
Apesar do programa ter o nome de pós-aceleração, ele não exigia que as
startups tivessem de fato sido aceleradas previamente, como é o caso da
deviceLab. A Acelera Partners oferecia um investimento em torno de 400 mil
reais – suportado pelo fundo FIP, cujos cotistas são Microsoft, Qualcomm,
AgeRio e Totvs Ventures – e também um processo de mentoria. No entanto,
como ela investia em menos startups do que as aceleradoras tradicionais, o
trabalho de desenvolvimento era mais próximo dos empreendedores e com
objetivos mais ousados, se comparado àquele das demais aceleradoras atuando
no Brasil. Um desses objetivos era a internacionalização. A Acelera Partners
entendia que as empresas nas quais investiam tinham potencial para serem
empresas globais e esse caminho era até mais interessante, pois o modelo de
negócios da aceleradora era conseguir vender a startup no futuro, e quanto mais
ampla a atuação dela, maior seria seu valor de mercado.
Leandro buscou a Acelera Partners por entender que, apesar de seu
negócio já ter atingido um nível elevado de desenvolvimento, a deviceLab
precisava de ajuda principalmente de governança corporativa para que ela
pudesse crescer e alcançar o máximo do seu potencial.
A deviceLab passou pelo processo rigoroso de seleção da Acelera
Partners em meados de 2015 e em dezembro do mesmo ano iniciou o processo
de pós-aceleração, que teria fim em maio de 2016. Nesse período as parceiras
estavam trabalhando em conjunto principalmente para dar mais robustez à
empresa e para criar um modelo de vendas do Blink que fosse tão escalável
quanto a solução que ele oferecia.
Histórico do empreendedor
Leandro Ginane era carioca, formado no curso de Comunicação Social da
Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro. Sua experiência como
empreendedor começou logo cedo, quando, após sair da faculdade em 2002,
ele se juntou a um grupo de amigos para abrir duas empresas: uma lan house e
uma agência digital. Alguns anos mais tarde eles tiveram que abandonar os
negócios e Leandro foi trabalhar numa outra agência digital. No período de 2005
a 2012, ele fez um MBA em Marketing na FGV, trabalhou em duas empresas
46
onde lidou com experiência de usuários online, internet banking, arquitetura
digital, etc. Além disso iniciou uma outra empreitada empreendedora em 2010,
que evoluiu até culminar na criação da deviceLab em 2012.
Em sua carreira profissional Leandro teve a oportunidade de trabalhar
com grandes clientes brasileiros e internacionais. Algumas dessas
oportunidades surgiram já com a deviceLab. Por exemplo, a empresa realizou
uma análise de todo o site da Ford no Brasil e toda a interação foi feita com o
time de Detroit do cliente.
Decisão de internacionalização
Desde a concepção da ideia da deviceLab e do Blink em 2012 Leandro já
pensava na internacionalização de sua empresa. Isso porque durante esse
processo a análise do mercado através do mapeamento das ofertas de
concorrentes e substitutos permitiu a Leandro identificar um grande potencial de
mercado nacional e internacional para o produto que desejava criar. Naquela
época ele não sabia se seria de fato possível criar a solução que havia
idealizado, mas já entendia que, se ela pudesse se tornar realidade, seria uma
inovação para o mercado e, por isso, teria apelo global.
Então quando a gente olha para os nossos substitutos e concorrentes, eles
já são globais. Então a gente não tem nem muita escolha. – Leandro Ginane,
CEO e sócio-fundador da deviceLab.
Apesar disso, Leandro não desenvolveu nenhum plano de
internacionalização durante os anos nos quais desenvolveu a empresa e sua
nova solução. A deviceLab ainda não contava com um planejamento para sua
expansão global. Entretanto, a parceria com a Acelera Partners estava guiando
a startup nessa direção.
O CEO da Acelera Partners, Beny Rubinstein, afirmou que a visão da
aceleradora era de elevar o nível do empreendedorismo no Brasil. Para isso
entendia que o papel da Acelera Partners era, além de investir em startups
brasileiras, de ampliar o potencial de mercado delas, levando-as para o exterior,
e também importando startups de outras nacionalidades para desenvolverem
suas soluções aqui no Brasil.
47
A visão de longo prazo realmente é colocar o Brasil num patamar um pouco
mais dos maiores centros de empreendedorismo. E como é um projeto que
vai levar tempo, a ideia é que a gente não só invista em empresas locais, mas
que a gente tenha condições de eventualmente levá-las para o exterior na
hora certa, e vice-versa. – Beny Rubinstein, CEO da Acelera Partners.
Beny ainda afirmou que o fato da Acelera Partners ter cotistas globais e a
sua própria vivência e rede de contatos em diversos países, principalmente
Estados Unidos e Israel, seriam capazes de oferecer melhores condições para
tornar reais as possibilidades de internacionalização.
(...) a gente formalizou com a Microsoft Ventures uma parceria em que as
empresas que eles têm que são mais "high-potential", elas se qualificam para
o programa global da Microsoft Alumni. Então são muitos benefícios. Entre
eles, as startups poderem passar um tempo em qualquer país onde eles
tenham o programa de aceleração. Elas podem ter espaço físico lá, ter
mentores. – Beny Rubinstein, CEO da Acelera Partners.
No mesmo ano em que Leandro se aproximou da Acelera Partners, ele
recusou dois investimentos-anjo, pois entendia que a empresa precisava de mais
que capital para poder decolar. Ele tomou conhecimento do programa de pós-
aceleração através de uma mentora da aceleradora e antes de se inscrever no
processo seletivo, nunca tinha pensado em participar de outros programas de
aceleração, pois não acreditava no modelo tradicional de aceleradoras. Segundo
Leandro Ginane, o principal fator da aproximação da deviceLab ao programa de
pós-aceleração da Acelera Partners foi uma busca por governança para o
desenvolvimento da startup. Apesar disso, ambas partes já tinham interesse na
internacionalização. Os parceiros enxergavam que ela era o caminho natural
para a deviceLab.
Uma das razões porque a gente investiu nela foi que a gente realmente viu
uma oportunidade global. (...) E uma coisa que estamos fazendo é continuar
aperfeiçoando o produto deles em algumas áreas específicas. – Beny
Rubinstein, CEO da Acelera Partners.
A Acelera, desde o primeiro momento que a gente foi selecionado, sempre
falou que via a gente sendo vendida para uma empresa internacional e não
48
para uma empresa aqui. Porque quem compete nesse mercado são
empresas internacionais. Então na cabeça dela, a deviceLab está no portfólio
deles para ser global. E, como eu sempre quis, a coisa alinhou. Isso é legal.
– Leandro Ginane, CEO e sócio-fundador da deviceLab.
Por isso, o contrato de parceria entre as partes determinou diversas metas
para guiar a evolução da empresa rumo ao mercado internacional. Algumas
dessas metas foram a abertura de um processo de requisição de patente para o
Blink e o desenvolvimento de um modelo comercial que consiga desenvolver e
atender a múltiplos clientes simultaneamente.
Além disso, durante os ciclos de mentoria com a Acelera Partners,
Leandro buscou estruturar a empresa para que ela operasse sem que fosse
necessário que ele estivesse à frente das atividades. Essa necessidade surgiu
após a deviceLab ter perdido a oportunidade de concretizar uma parceria com a
Stanford University para participar do StartX, que era um programa de
aceleração desenvolvido pela universidade nos Estados Unidos. A Acelera
Partners tomou conhecimento do programa e apresentou a deviceLab para os
organizadores em janeiro de 2016. No entanto a startup não pôde se
comprometer a cumprir o programa, pois Leandro entendia que a empresa ainda
não tinha capacidade de operar sozinha. Beny acreditava que a participação da
deviceLab no StartX seria o primeiro passo para sua internacionalização, mas
essa estava suspensa até que as operações da startup estivessem mais
afinadas e independentes de Leandro. Outro caminho possível para a
internacionalização da deviceLab, segundo Beny, seria através de seus cotistas,
principalmente a Microsoft, com a parceria Acelera Partners-Microsoft Ventures,
e a Qualcomm.
Então a gente tem como possibilidade uma parceria com a Stanford
University (...). Essa é uma opção: uma parceria internacional para ajudar a
internancionalizar. Eles ficariam em Palo Alto durante um período. A outra é
justamente através desse programa que a gente oficializou com a Microsoft
do alumni. (...) Então em teoria eles poderiam escolher o melhor mercado
para eles (...) e ter espaço físico lá, mentores, inclusive ter ajuda da Microsoft
local para apresentar clientes, eventos. (...) A Qualcomm também é de San
Diego, também é global, e poderia ofertar alguma coisa para eles. – Beny
Rubinstein, CEO da Acelera Partners.
49
Mesmo que já existissem muitas ideias sobre caminhos para a
internacionalização, Leandro afirmava que não havia um planejamento definido
para que o movimento ocorresse. O foco da deviceLab era organizar a estrutura
de vendas, que até o início do ano de 2016 era centralizada no Leandro, em
março já contava com mais um funcionário, mas cujo modelo ainda precisava de
definição; conseguir a patente para o Blink; e desenvolver novos clientes no
Brasil e no exterior. Em março de 2016 a empresa foi contatada por dois
potenciais clientes externos – um norte-americano e outro coreano – e pretendia
fechar o contrato e iniciar a venda em poucos meses. Esses potenciais clientes
chegaram até a deviceLab de maneira espontânea. A conclusão dessas vendas
caracterizaria a primeira atividade concreta da startup. Uma última possibilidade
considerada tanto pela startup quanto pela aceleradora era que a deviceLab
fosse internacionalizada mediante sua compra por um concorrente mesmo antes
da empresa conquistar espaço significativo no mercado internacional.
A gente quer conquistar o mercado brasileiro, pegar uns quatro clientes lá
fora, para poder mostrar que a gente vai para um processo de
internacionalização. Eu acho que a deviceLab talvez seja comprada antes
disso. – Leandro Ginane, CEO e sócio-fundador da deviceLab.
50
5. ANÁLISE DOS CASOS
O presente trabalho descreveu três casos de startups de tecnologia que
passaram por processos de aceleração, porém que se encontram em momentos
diferentes com relação à sua internacionalização. O objetivo de possuir casos
em diferentes estágios da internacionalização foi entender como cada lógica
utilizada pode interferir no resultado obtido de cada processo decisório que será
analisado a seguir.
Decisão de Internacionalização
Existem semelhanças e diferenças na identificação das oportunidades
internacionais nos três casos. Podemos dizer que em todos eles as
oportunidades foram criadas pelos empreendedores. Isso porque os três
perceberam que suas soluções representavam inovações para os mercados
onde desejavam entrar. Portanto, é possível afirmar que em todos os casos os
empreendedores estavam imersos em um meio de incerteza (MAINELA,
PUHAKKA & SERVAIS, 2013). Essa conclusão está alinhada com a teoria de
que movimentos de internacionalização são realizados em meios de grande
incerteza (ANDERSSON, 2011; SCHWEIZER et al., 2010; VAHLNE e
JOHANSON, 2013; SARASVATHY et al., 2014).
Outro ponto comum aos três casos aqui estudados é que a criação de
inovações parece ser a razão pela qual todas as startups perceberam
oportunidades fora de seus mercados nacionais logo no início de suas vidas. Ou
seja, a criação de competências únicas num mundo tecnológico parece ser o
motivo pelo qual essas empresas tão jovens já enxergaram oportunidades
internacionais, o que está em linha com a teoria levantada por Oviatt & McDougal
(1994). Nos três casos descritos a racionalização da decisão de internacionalizar
as startups foi similar para todos os empreendedores. Os três percebiam que
seus produtos eram, segundo eles, claramente atrativos para outros mercados
além do brasileiro. No entanto, essa percepção foi desenvolvida de maneiras
diferentes por cada uma das empresas.
Nota-se que nenhum dos três processos de internacionalização está
alinhado com as conclusões originais do MU (JOHANSON & VAHLNE, 1977), já
que eles não foram realizados em estágios, após a saturação do mercado
51
interno. No entanto, a SocialCondo levou em consideração as proximidades
psíquica, cultural e linguística como fator facilitador do processo.
Além disso, as redes (JOHANSON e MATTSSON, 1988) pré-existentes
também parecem ter pouca importância para o início do processo de
internacionalização da Superela, já que as ligações que tinha no Brasil
contribuíram pouco ou nada para facilitar o início da internacionalização da
startup. Porém, no caso da SocialCondo, apesar de não ter havido influência da
rede na decisão de internacionalização, ela foi condição central para o início do
processo, já que sem o Startup Chile a empresa dificilmente cogitaria tal
iniciativa. Finalmente, apesar da deviceLab não ter iniciado seu processo de
internacionalização, a participação da sua rede nesse processo parece ter
importância significativa para que ele ocorra. Essa questão da influência de sua
rede de relacionamento será tratada com mais detalhes na seção seguinte.
O quadro abaixo resume a análise dos conceitos envolvidos na categoria
de análise a respeito da decisão de internacionalização.
Quadro 4: Resumo da análise da categoria Decisão de Internacionalização
Decisão de internacionalização
CONCEITOS SUPERELA SOCIALCONDO DEVICELAB
Oportunidades
internacionais
Criação da sua
oportunidade, por
meio de inovação
Criação da sua
oportunidade, por
meio de inovação
Criação da sua
oportunidade, por
meio de inovação
Internacionalização
sob incerteza
Sim, pois ainda não
existe mercado
consolidado para o
produto
Sim, pois ainda não
existe mercado
consolidado para o
produto
Sim, pois ainda não
existe mercado
consolidado para o
produto
Facilitadores da
internacionalização -
Distância psíquica,
cultural e linguística
Redes profissionais
Redes profissionais
Fonte: elaboração da autora
52
Processos Decisórios
“Se” internacionalizar
A motivação da decisão de internacionalização da Superela foi um
acontecimento na vida pessoal da fundadora. Sua possível mudança para os
Estados Unidos levou Juliana Brêtas a tomar a decisão de levar sua empresa
para o mercado americano, antes mesmo da Superela ter seu modelo de negócio
definido. Juliana concluiu que a ida para o mercado americano seria possível
porque, segundo seu entendimento, não havia outra plataforma como o Superela
no país. Ainda, acreditava que a sua solução de empoderamento feminino seria
atratativa, pois “(...) mulheres têm problema em todos os lugares, né?” – Juliana
Brêtas, CEO e fundadora do Superela.
É possível perceber que a construção desse novo objetivo para a empresa
ocorreu de uma maneira contingencial. Juliana utilizou a sua ida compulsória
para outro país para alavancar uma nova oportunidade para sua empresa. Então,
a partir do conhecimento de mercado e de negócio que desenvolveu com a
Superela no Brasil e, sem ter qualquer análise de risco como base, Juliana tomou
essa decisão para sua empresa. Esse comportamento está alinhado com o
pensamento dos teóricos que argumentam que movimentos de
internacionalização são realizados em meio a ambientes de grande incerteza e,
por isso, os empreendedores tendem a seguir processos decisórios dentro da
linha de effectuation (ANDERSSON, 2011; SCHWEIZER et al., 2010; VAHLNE
e JOHANSON, 2013; SARASVATHY et al., 2014).
No caso da SocialCondo, o entendimento da atratividade do mercado
externo surgiu de maneira conjunta com o do interno. Os sócios perceberam o
potencial de mercado para o Brasil, América Latina e Estados Unidos após
realizarem um estudo de mercado durante um projeto para a empresa onde
trabalhavam antes de abrirem a SocialCondo. Foi nesse momento que também
tomaram conhecimento do projeto Startup Chile e identificaram que ele talvez
fosse uma boa oportunidade para a startup. Porém, apesar do interesse pela
internacionalização existir desde o início da empresa, a decisão de
internacionalizar só surgiu em um momento futuro e estava condicionada à
aprovação no Startup Chile. Quando perguntado se a internacionalização
aconteceria caso a empresa estivesse sozinha, João David respondeu:
53
Ainda não porque o mercado do Brasil tem 7 milhões de unidades em
condomínio. A gente tem 30 mil (...) o mercado inicial é muito grande, mas já
que a gente recebeu essa verba que tem que ser investida lá não tem porque
não ir. Seria talvez burrice dispensar essa oportunidade. Então acho que foi
conveniência mesmo.
Nesse caso também é possível concluir que o empreendedor construiu
seu processo decisório através de uma combinação das lógicas de causation e
effectuation. Isso porque, apesar de poder-se considerar a identificação de
potencial de mercado na América Latina como um processo mais causation, é
possível igualmente identificar alguns princípios da lógica de effectuation nesse
caso, bem como no anterior (SARASVATHY, 2008). O empreendedor utilizou os
meios que detinha e sua rede de conexões para criar uma oportunidade para a
SocialCondo (orientação a meios). Nesse processo, apesar de conhecer um
possível potencial de mercado na América Latina, ele não realizou análises de
risco específicas para o movimento de internacionalização para o Chile (perda
suportável). João David ressaltou que a avaliação da parceira Startup Chile
depende mais do que a empresa já conquistou do que de justificativa de sucesso
futuro. A SocialCondo também utilizou de parcerias para auxiliar no processo
decisório, através do apoio da Tarefa e da Wow (construção de parcerias).
O processo decisório no caso da deviceLab foi o único que não se
apropriou dos elementos da lógica de effectuation. Como descrito no caso,
Leandro Ginane elaborou uma pesquisa de mercado estruturada para o
planejamento da solução e do modelo de negócios da deviceLab. Tal pesquisa
levou-o à conclusão de que seu produto era uma inovação em termos globais e
que, por isso, poderia competir com grandes players já estabelecidos no resto
do mundo.
Portanto, o processo de decisão da internacionalização da deviceLab,
apesar de estar também imerso em um ambiente incerto, se aproximou mais de
uma lógica causation. Essa conclusão foi alcançada ao analisar que o
empreendedor realizou análises de potencial de mercado nacional e
internacionalmente, bem como utilizou essa análise para a definição da solução
que ele queria trazer para o mercado. No entanto, como será apresentado na
próxima seção, essa decisão de internacionalização inicial não condicionou uma
atividade planejada da deviceLab em busca de mercados internacionais.
54
“Como” internacionalizar
O objetivo da análise do processo de internacionalização é entender
principalmente por que os empreendedores escolheram cada lógica de decisão
e como a lógica escolhida influenciou no resultado do processo de
internacionalização.
Tem-se aqui três casos de startups de tecnologia em momentos
completamente distintos do seu processo de internacionalização. A Superela
anulou seu processo após alguns meses da decisão de internacionalização. A
deviceLab estava trabalhando no desenvolvimento corrente da empresa à luz de
uma futura internacionalização – que poderia vir a ser antecipada graças à
aproximação de dois clientes. E por último a SocialCondo que recentemente
iniciou sua primeira operação em terras estrangeiras.
O processo de internacionalização da Superela teve início com a ida de
Juliana Brêtas para os Estados Unidos. As primeiras atividades da
empreendedora foram entender o mercado para onde pretendia internacionalizar
sua empresa e buscar investidores que pudessem financiar esse movimento.
Para isso, Juliana usou de diversas ferramentas para aumentar sua rede de
contatos em solo americano, mas contatos já presentes em suas redes social e
profissional tiveram menor relevância.
Pode-se notar que as atividades da empreendedora seguiram uma
estruturação. Ela definiu dois principais objetivos: conhecer o mercado e os
custos de operação lá, e a busca por investidores para suportarem o lançamento
do Superela nos Estados Unidos aos moldes do que era no Brasil. Para isso,
desenvolveu análises de viabilidade do seu negócio nos Estados Unidos.
Como Sarasvathy (2008) pontuou, sob a lógica de effectuation o
empreendedor não define objetivos claros. Além disso, ele possui tolerância a
perdas, ou seja, não realiza análises de possíveis retornos, e constrói parcerias
de forma auto-selecionável, i.e., não busca pelas mesmas. Diante disso, é
possível observar aqui um movimento contrário à ideia central da teoria de
effectuation e a alguns de seus princípios. Assim, conclui-se que a lógica
utilizada pela empreendedora no processo de internacionalização foi a de
causation.
55
O uso dessa lógica condicionou Juliana principalmente a buscar um
parceiro para financiar a internacionalização do Superela. Mesmo ela já tendo
uma estrutura no Brasil que funciona bem remotamente, ela não utilizou esses
meios para desenvolver um piloto nos Estados Unidos. Isto é, não utilizou os
meios e conhecimentos que detinha como fonte de criação de uma oportunidade
fora. E com esses meios que possuía, não conseguiu oferecer benefícios que
convencessem parceiros potenciais a ingressarem na empreitada. Por isso sua
conclusão foi de que o projeto não poderia seguir, e cancelou os planos de
internacionalização.
Diferentemente, a SocialCondo iniciou seu processo de
internacionalização a partir da combinação de sua situação na época – startup
de tecnologia detentora de uma inovação que poderia usufruir dos benefícios de
um programa como o Startup Chile – (pássaro na mão) com a construção da
parceria com o Startup Chile (colcha de retalhos). Além disso, a empresa não
realizou análises de possíveis retornos para a nova empreitada e utiliza o
investimento do parceiro para suportar erros e eventualidades na operação
(perda suportável). Ainda, os empreendedores utilizaram a obrigatoriedade de
Marcos ter que se mudar para o Chile como uma oportunidade para a startup
estar mais próxima do mercado, podendo entender melhor suas particularidades
(limonada). Ademais a empresa está agindo através de tentativa e erro, com
marcos decisórios de go/no-go para a continuação do projeto (piloto no avião).
Pode-se perceber isso através da determinação do desenvolvimento de testes
até o fim de maio de 2016 para decidir se o produto seria adequado para o
mercado ou se precisaria sofrer modificações.
Dessas características do processo de internacionalização da
SocialCondo, conclui-se que todos os princípios da lógica de effectuation
(SARASVATHY, 2008) podem ser identificados. Além disso, é possível notar que
não existe um objetivo claro que guia as ações da empresa. Ela possui intenções
de continuar com suas operações no Chile, no Brasil e até já cogita outros
mercados, mas elas não guiam suas atividades. Pelo contrário, são as atividades
correntes da firma, tanto no Brasil quanto no exterior, que definirão novos
objetivos no futuro, como a permanência ou saída do mercado chileno.
A análise do processo de internacionalização do caso da deviceLab é um
pouco mais limitada, dado que ele ainda não foi de fato iniciado. No entanto,
56
percebe-se uma grande orientação do empreendedor para o desenvolvimento
das atividades correntes da empresa. Leandro Ginane entende que o futuro da
deviceLab não poderá ser diferente de expandir rapidamente para outros
mercados fora do Brasil. Apesar disso, não existe um objetivo claro para esse
processo de internacionalização, muito menos um planejamento que a empresa
busque seguir. A partir da decisão de internacionalização a empresa está
trabalhando para que ela possa se estruturar, porém entende que ela será fruto
do que a empresa for capaz de construir e desenvolver no presente.
Por isso Leandro não buscou uma parceria que oferecesse capital para
que o negócio se expandisse, mas um parceiro que pudesse acrescentar
também conhecimento e estratégia à deviceLab. Os parceiros acreditam que
essa parceria tem potencial para facilitar ou provocar a internacionalização, a
partir da provisão de conexões para a startup em outros mercados – StartX,
Microsoft Ventures Alumni, Qualcomm. Leandro também está atento para
abraçar oportunidades que possam surgir, como, por exemplo, o atendimento
aos dois clientes estrangeiros potenciais que apareceram, ou a compra da
deviceLab por um player internacional.
O que há em comum com todas essas possibilidades é que todas
aparecem como resultantes das atividades correntes da empresa, que não
realiza planejamentos para sua internacionalização, mas desenvolve parcerias
relevantes e busca a alavancagem de contingências. Por isso, apesar de não
ser possível identificar todos os princípios de effectuation nesse processo
decisório, ele possui características mais condizentes com essa lógica do que a
de causation.
O quadro abaixo resume a análise dos conceitos envolvidos na categoria
de processos decisórios de “se” e “como” internacionalizar e discutidos nessa
seção.
57
Quadro 5: Resumo da análise da categoria Processos Decisórios
Processos Decisórios
CONCEITOS SUPERELA SOCIALCONDO DEVICELAB
Processo decisório de
SE internacionalizar Effectuation: motivado
por um motivo
pessoal/contingencial
Effectuation:
condicionado pela
aprovação no Startup
Chile
Causation: analisou
potencial de mercado
Processo decisório de
COMO
internacionalizar Causation: realizou
estudos de mercado e
análise financeira
Effectuation: seguiram
os 5 princípios da
teoria
Effectuation (em
potencial): não há
objetivo claro e parece
que será feita de
acordo com a parceria
selecionada no futuro
Resultado Cancelou
internacionalização Internacionalizou
Internacionalização
iminente
Fonte: elaboração da autora
Papel da Aceleradora
Considerando os três casos apresentados, existem dois tipos diferentes
de aceleradoras. Os programas da 21212 e da Wow se enquadravam no tipo
tradicional de aceleração, em que comumente as startups recebem um
investimento de 50 mil reais combinado com atividades de educação e mentoria
de grandes executivos e potenciais investidores. A aceleradora tem uma
contrapartida de participação acionária da startup que costuma variar entre 10 e
20%. O segundo tipo de aceleração é o oferecido pela Acelera Partners, que é
único. Ele segue os mesmos princípios da aceleração comum, porém o
investimento da aceleradora é maior e ela acompanha uma turma menor de
startups. Além disso, nesse segundo tipo a aceleração volta-se para startups
num estágio de desenvolvimento superior ao das startups aceleradas pelos
programas tradicionais no Brasil. Essas diferenças entre programas parecem ser
significativas para determinar o grau de envolvimento das aceleradoras nos
processos de internacionalização.
Primeiro nota-se que nenhuma aceleradora participou da tomada de
decisão a respeito de ‘se’ a empresa deveria se internacionalizar. As três startups
58
aqui estudadas já apresentavam a intenção de se internacionalizar antes mesmo
que as parcerias entre elas e as aceleradoras se concretizassem. O papel das
aceleradoras aqui foi simplesmente de apoiar a decisão dos empreendedores.
Mesmo nos casos da Superela e da SocialCondo, nos quais as startups
decidiram pela internacionalização após a parceria ter sido firmada, no primeiro
a decisão foi motivada por uma razão pessoal e, no segundo, pela concretização
de uma nova parceria.
Onde a participação das aceleradoras poderia ter sido mais significativa
foi durante os processos de internacionalização, já que eles foram iniciados após
o firmamento das parcerias. Porém essa participação também foi pouco ou nada
significativa nos casos da Superela e da SocialCondo. A razão principal para isso
acontecer no caso da SocialCondo é que a aceleradora não possuía conexões
no Chile e a startup desenvolveu uma nova parceria – com a Startup Chile – que
possibilitou sua internacionalização. O papel da Wow nesse processo foi mais
de auxílio à conquista da nova parceria.
Em ambos os casos, no entanto, outro motivo plausível para esse
distanciamento é que as duas startups já haviam acabado seus programas de
aceleração. Tal fato tornou o relacionamento entre startups e aceleradoras mais
suave, mesmo ainda havendo uma ligação acionária entre elas. Isso porque as
startups não precisavam mais reportar resultados para as aceleradoras (ou não
com a mesma frequência). Ou seja, elas se tornaram mais independentes e
passaram a acionar menos a mentoria das aceleradoras. Portanto essa deixa de
ter o mesmo espaço para o aconselhamento, ficando afastada dos processos
que se seguem na startup.
O mesmo não parece ter ocorrido no caso da deviceLab. A empresa
contava com uma parceria muito presente da Acelera Partners, que parecia
exercer uma influência maior no processo de internacionalização, mesmo esse
sendo ainda incipiente. Esse comportamento pode ser devido a cinco razões.
Em primeiro lugar pode-se destacar a natureza do modelo de aceleração
da Acelera Partners. Isso porque, em alinhamento com seu objetivo de tornar o
Brasil em um dos maiores polos empreendedores do mundo, a
internacionalização é importante para tornar as startups e o mercado brasileiros
mais atrativos. Por isso a Acelera Partners procura investir em empresas com
potencial para serem globais, como é o caso da deviceLab. Um segundo fator é
59
que, por investir mais capital em menos empresas, o acompanhamento da
aceleradora podia ser mais próximo do dia-a-dia da startup. Outro motivo pode
ser o fato de que quando o estudo foi realizado a deviceLab ainda estava
participando do programa de pós-aceleração da Acelera Partners, quando o
relacionamento entre aceleradora e acelerada parece ser mais intenso, como
visto nos demais casos.
Apesar disso, a Acelera Partners, assim como a Wow e a 21212, também
exerce um trabalho mais de mentoria junto à deviceLab, onde a decisão principal
é do fundador Leandro. Porém, como a deviceLab já está num estágio mais
avançado do seu desenvolvimento, essa mentoria existe mais no sentido de
facilitar o escalonamento da venda de uma solução já existente – que facilitará
a internacionalização – do que de validação de uma solução, como foi o caso da
Superela e da SocialCondo. Essa é uma quarta razão possível, pois é esse
escalonamento que proporcionará vias para a internacionalização da deviceLab.
O quinto e último fator que parece explicar a maior influência da Acelera
Partners no processo de internacionalização da deviceLab, e talvez o mais claro
deles, está na origem da criação da aceleradora. O fato de ela fazer parte de
uma rede ampla e próxima de investimento e aceleração internacional garante
grande acesso a diversas frentes plausíveis para a internacionalização da
deviceLab. Tanto Leandro quanto Beny enxergam essas frentes como o caminho
mais óbvio para facilitar ou garantir a expansão internacional. O fato da
deviceLab acreditar nessa capacidade da aceleradora parece condicionar uma
maior abertura da startup à Acelera Partners.
O quadro abaixo resume a análise dos conceitos envolvidos na categoria
de processos decisórios de “se” e “como” internacionalizar e discutidos nessa
seção.
60
Quadro 6: Resumo da análise da categoria Papel da Aceleradora
Papel da Aceleradora
CONCEITOS SUPERELA SOCIALCONDO DEVICELAB
Desenvolvimento de
conhecimentos e
redes
Fora da aceleradora Em parte pela
aceleradora
Maior parte pela
aceleradora
Grau de envolvimento
das aceleradoras com
a internacionalização Nenhum/muito pouco:
apenas indicou um
possível contato nos
EUA
Algum: ampliou a rede
de relacionamento e
auxiliou na aplicação
para o programa
Startup Chile
Extremo: oferece
múltiplas
oportunidades de
internacionalização e
trabalha em conjunto
para que ela possa
ocorrer
Fonte: elaboração da autora
61
6. CONCLUSÃO
O presente estudo teve como principal objetivo entender como é feita a
identificação e o desenvolvimento de oportunidades internacionais por empresas
empreendedoras. Para isso buscou-se responder a três questões principais:
Como as empresas alternam o uso das lógicas de effectuation e causation nas
decisões de internacionalização? As lógicas de decisão – effectuation ou
causation – utilizadas para decidir se internacionalizar e como internacionalizar
são as mesmas? Qual o papel das aceleradoras no processo de
internacionalização?
Para responder a essas perguntas, recorreu-se à literatura de
internacionalização, bem como àquelas que estudam as diferentes formas de
identificação de oportunidades e os processos decisórios de empreendedores.
A análise procurou mostrar quais fatores podem ter influenciado as diferentes
decisões de ‘se’ e ‘como’ se internacionalizar, bem como as razões para uma
maior ou menor atuação das aceleradoras nos processos de internacionalização.
Verificou-se que, apesar da literatura argumentar que a lógica de
effectuation é mais adequada para situações que envolvam incerteza
(SARASVATHY, 2008), e de processos de internacionalização poderem ser
definidos como tal (ANDERSSON, 2011; SCHWEIZER et al., 2010; VAHLNE e
JOHANSON, 2013; SARASVATHY et al., 2014), não houve um condicionamento
nas escolhas das lógicas pelos empreendedores. Isto é, tanto nas decisões de
‘se’ e ‘como’ internacionalizar, ambas lógicas de effectuation e causation foram
utilizadas.
Apesar disso, a escolha da lógica de causation para guiar o processo de
internacionalização pareceu encaminhar a empreendedora do Superela numa
trajetória limitante de soluções. Isso porque ela focou em estudos de viabilidade
econômica e busca de investidores para tornar o objetivo que tinha em mente
real. Ou seja, limitou escolhas mais criativas por parte da empreendedora que,
ao perceber que os meios que possuía não podiam ser repetidos fielmente no
novo mercado, optou por cancelar o processo de internacionalização.
Outra conclusão da análise é que não parece existir uma associação entre
escolhas das duas diferentes lógicas. Isso significa que um empreendedor que
escolhe uma lógica em uma decisão não necessariamente utilizará a mesma
62
lógica em outro processo decisório, mesmo que o resultado anterior tenha sido
satisfatório, como é possível verificar com os casos da Superela e da deviceLab.
Sobre o envolvimento das aceleradoras no processo, quando houve,
como esperado de acordo com a literatura (ENGLEMAN e FRACASSO, 2013;
EBBERS, 2014), ele apareceu principalmente ligado à sua capacidade de criar
elos em redes de relacionamento. Mesmo no caso da deviceLab onde a
aceleradora mostrou um grau de envolvimento maior com o processo de
internacionalização, a decisão de buscar por mercados externos em si foi
definida pelo empreendedor. Como apresentado por Engelman, Zen e Fracasso
(2015), características da empresa, como motivação internacional e inovação de
produtos, foram os principais influenciadores da decisão de internacionalização.
As redes de relacionamento pareceram cruciais em todos os casos, mas
elas não foram representadas pelos mesmos atores entre eles. No caso da
deviceLab, a aceleradora cumpre o papel de criador de conexões e definidor de
novas oportunidades internacionais para a startup. Nos demais casos, as redes
de relacionamento com empreendedores e investidores criadas pelas
aceleradoras pareceram de menor ou nenhuma importância para a
internacionalização das startups. Para a SocialCondo ela representou alguma
importância através das indicações feitas pela Wow à Startup Chile, bem como
pela conexão com a Tarefa, mas não é possível avaliar se essas ações foram
condicionantes da aprovação da SocialCondo no Startup Chile. Já a 21212
contribuiu apenas com poucos contatos não muito aptos a ajudar o
desenvolvimento da Superela nos Estados Unidos.
Apesar do papel das aceleradoras ter sido menor nos casos da Superela
e da SocialCondo, é possível concluir que as redes de relacionamento também
foram críticas para a internacionalização nesses casos. Essa conclusão se
alinha com as teorias de empreendedorismo (OVIATT e MCDOUGALL, 1994;
ANDERSSON, 2000; CHANDRA et. al, 2012; MADSEN e SERVAIS, 1997), que
justificam a rápida internacionalização de empresas jovens por meio de redes, e
as teorias sobre a influência positiva das aceleradoras em processos de
internacionalização (ENGELMAN e FRACASSO, 2013; EBBERS, 2014;
ENGELMAN, ZEN e FRACASSO, 2015). A SocialCondo prova isso por um
exemplo positivo. Foi através da parceria com o programa Startup Chile que a
empresa conseguiu concretizar sua ida para o mercado chileno. Já a Superela
63
tem um exemplo negativo. Como Juliana Brêtas tinha poucas conexões nos
Estados Unidos e dependeu mais de tentativas de entrada em redes externas,
ela encontrou dificuldades em conseguir parcerias que pudessem embarcar na
sua empreitada.
Nesse ponto, a conclusão de Engelman, Zen e Fracasso (2015) de que
os serviços prestados pelas aceleradoras têm maior contribuição após o período
de aceleração só foi observada no caso da SocialCondo, que foi auxiliada – em
pequena escala, mas foi – pela aceleradora Wow no seu processo de
internacionalização. No caso da Superela, a aceleradora não teve qualquer
envolvimento em nenhuma etapa e no da deviceLab a Acelera Partners teve
contribuição significativa para promover o processo de internacionalização ao
mesmo tempo que fazia o desenvolvimento da startup.
Pesquisas futuras devem ter como objetivo realizar estudos com
empresas que possuam processos de internalização mais desenvolvidos a fim
de entender diferentes impactos das lógicas para os processos de
internacionalização. Outra vertente que pode ser interessante é tentar
correlacionar as escolhas das duas lógicas com sucesso ou insucesso das
internacionalizações.
A importância do empreendedor foi levantada por literaturas como a de
empreendedorismo internacional e de effectuation (OVIATT e MCDOUGALL,
2005; JOHANSON e VAHLNE, 2009; VAHLNE e JOHANSON, 2013; KALINIC,
SARASVATHY e FORZA, 2013). Uma questão que não foi abordada no presente
estudo e também se relaciona com a pergunta central dessa pesquisa é tentar
entender como diferentes perfis de empreendedores impactam os movimentos
de internacionalização. Isso exigiria uma mudança no objeto de análise da
empresa para o empreendedor.
64
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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App Clube Superela:
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Startup Brasil: http://startupbrasil.org.br/
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21212: http://21212.com/
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Curso online de Stanford: http://online.stanford.edu/course/technology-
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Relatório Panorama Empreendedorismo Brasil:
http://startupi.com.br/2014/06/brazil-startup-report-um-guia-para-
empreendedores-e-investidores-que-querem-fazer-negocios-no-brasil/
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APÊNDICE I - ROTEIRO DE ENTREVISTA
Empresa
1. Dados básicos:
a. Nome da empresa
b. Fale um pouco da história da empresa.
i. Em que ano foi fundada?
ii. Quem foram os fundadores?
iii. Qual o tipo da empresa (sociedade, limitada, etc.)?
iv. Se houver, qual a composição acionária?
v. Qual o tamanho da empresa em número de funcionários?
2. Qual é (quais são) o(s) produto(s) comercializado(s) pela empresa?
3. Qual é o público-alvo dos produtos?
a. Quem são os clientes?
b. Qual a dispersão geográfica deles no Brasil?
4. Qual o modelo de negócios?
5. Como funcionam as operações?
a. Onde e por quem o produto é produzido?
b. Como ele é comercializado?
c. Como as vendas e o marketing são gerenciados?
i. As vendas são ativas?
ii. Como é estabelecido e mantido o relacionamento com
clientes?
6. Quais são os produtos e empresas concorrentes e substitutos?
7. O que diferencia a oferta da empresa das demais?
Empreendedor
8. Qual a formação acadêmica dos fundadores? Houve alguma experiência
de estudo no exterior?
9. Existe algum conhecimento muito específico relacionado à concepção
do produto e/ou modelo de negócios e/ou alguma outra atividade da
empresa?
10. Descreva a carreira dos empreendedores?
a. Houve experiência em multinacionais?
b. Já houve alguma experiência empreendedora prévia?
c. Já trabalharam fora do país?
Redes
11. Da empresa
69
a. Como a empresa passou a fazer parte da 21212? Ela procurou a
aceleradora ou vice-versa?
b. Como a empresa estava organizada antes de se unir à 21212?
c. Qual o papel da aceleradora no desenvolvimento da empresa? E
na internacionalização?
12. Sociais
a. Como os sócios decidiram se juntar para montar a empresa?
Não haverão perguntas muito diretas sobre esse tópico. As respostas
devem aparecer em outros pontos.
Identificação das oportunidades
13. Motivação para a internacionalização
a. Por que vocês decidiram que a empresa deveria seguir um
caminho internacional?
b. O que motivou essa decisão?
c. Como foi feita essa decisão?
d. Houve construção de um plano de negócios?
i. Se sim, esse plano foi seguido?
ii. Como ele foi desenvolvido?
14. Abrangência geográfica
a. Como foi realizada a escolha dos mercados?
b. Qual foi o primeiro?
c. Em quantos e quais mercados vocês atuam hoje?
15. Quando vocês iniciaram o processo de internacionalização, qual era o
objetivo inicial?
16. E qual foi o resultado no fim do processo?
17. Qual era sua percepção com relação ao mercado externo no momento
da entrada?
a. Qual era o nível de conhecimento sobre ele na época?
b. Quais eram as conexões da empresa com o mercado?
18. Como você classificaria o nível de incerteza com relação a esse
mercado (alto ou baixo)?
a. Quando havia muita incerteza envolvida nas decisões, como você
procedia?
b. Era possível calcular retornos sobre o investimento?
c. Em quais elementos você baseou suas decisões?
Processo de internacionalização
19. Início das atividades internacionais
a. Quando tiveram início as operações internacionais?
70
b. Como e com quem foram realizados os primeiros contatos?
c. Como foi realizada a expansão das atividades?
20. Houve algum momento em que você contatou novas pessoas/empresas
que contribuíram para a internacionalização da sua empresa?
a. Como você as conheceu?
b. Como elas influenciaram o processo de internacionalização?
21. Durante o processo de internacionalização a empresa desenvolveu ou
adquiriu alguma competência ou recurso?
a. Se sim, quando isso ocorreu e qual o impacto disso no processo
de internacionalização?
22. Quando você obteve resultados inesperados de suas decisões, como
você se comportou diante deles?
23. Quais são os planos para o futuro?
a. Esse processo foi intencional (planejado) ou não intencional (algo
que simplesmente aconteceu)?
b. Qual foi o modo de entrada escolhido?