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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP
O PROCESSO DECISÓRIO EM POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DOS PODERES EXECUTIVO, LEGISLATIVO E PARTIDOS POLÍTICOS
Marina Pequeneza de Moraes* ([email protected])
Guilherme Simões Gomes Jr∗∗ ([email protected])
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo a análise do padrão e dinâmica da atuação do
Poder Legislativo na política externa brasileira após a promulgação da Constituição da
República em 1988. A análise destina-se à compreensão sobre as bases do comportamento
dos legisladores brasileiros, para tanto concentrar-se-á 1) na relação entre os poderes
Executivo e Legislativo em matérias internacionais; 2) na análise da estrutura organizacional
e decisória do Ministério da Relações Exteriores. No primeiro momento dessa análise,
pretende-se aferir se o padrão do comportamento dos legisladores brasileiros e os partidos
políticos dão suporte, ou não, a premissa da abdicação do Poder Legislativo em matérias de
política externa, buscando um avanço nas discussões do comportamento do legislador
mediante o confronto entre ideologia partidária e interesse nacional. O ponto de partida dessa
análise é o conceito de “presidencialismo de coalizão”, que nos permite compreender as
peculiaridades do sistema político brasileiro. O segundo momento entende o Ministério das
Relações Exteriores com participação ativa na formulação e execução da política externa, o
que o tem caracterizado ao longo da história diplomática por certo insulamento e autonomia
no que tange, não só as metas da diplomacia, mas também, as diretrizes da diplomacia
brasileira, o que pode ser caracterizado como um desequilíbrio entre os poderes a favor do
Poder Executivo. Após as referidas análises será possível compreender o comportamento e
* Marina Pequeneza de Moraes, autora deste artigo, é Bacharel em Relações Internacionais pela Belas Artes de São Paulo (2009), Especialista em Negociações Econômicas Internacionais pelo Programa Santiago Dantas da Unesp, Unicamp e PUC-SP (2011) e Mestranda em Ciências Sociais pela PUC-SP. ∗∗ Guilherme Simões Gomes Jr, orientador de mestrado da autora, é Bacharel em Ciências Sociais pela USP (1978), mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP (1986), Doutor em História Social pela USP (1996), Pós Doutorado na EHESS, em Paris (2002) e Livre Docente em Sociologia da Cultura pela USP (2003).
atuação do Poder Legislativo. Dessa maneira o presente artigo responderá se o Poder
Legislativo utiliza-se de maneira eficaz dos poderes de agenda a ele conferidos através da
Constituição de 1988 e se tem sido assertivo nas proposições ligadas à esfera da política
externa.
PALAVRAS CHAVES: Poder Legislativo; Poder Executivo; Presidencialismo de Coalizão;
Política Externa Brasileira
INTRODUÇÃO
O sistema democrático brasileiro estabelecido na Constituição Brasileira de 1988,
tornou-se um caso de estudo comparativo na literatura especializada, isso porquê, de acordo
com a corrente predominante, no sistema político brasileiro conteria todos os elementos
capazes de minar a consolidação da democracia, o que acarretou fortes críticas à Constituição
de 1988, os prognósticos dos cientistas políticos de paralisia e ingovernabilidade eram
sustentados pela combinação de um sistema presidencialista com um sistema partidário fraco
e fragmentado; uma legislação eleitoral que favorece os candidatos individualmente em
detrimento dos partidos políticos; um regime federalista forte.
No entanto as expectativas dos analistas não apontam mais para o fracasso do
sistema político nacional, percebeu-se, entre outros, os seguintes fatores que equilibram o
nosso sistema: centralização do sistema decisório; Poder Legislativo e Executivo; controle da
agenda pelos líderes; coalizões estáveis; incentivos à disciplina.
A análise aqui proposta destina-se à compreensão sobre as bases do comportamento
dos legisladores brasileiros, para tanto concentrar-se-á 1) na relação entre os poderes
Executivo e Legislativo em matérias internacionais; 2) na análise da estrutura organizacional
e decisória do Ministério da Relações Exteriores.
No primeiro momento dessa análise, pretende-se aferir se o padrão do comportamento
dos legisladores brasileiros e os partidos políticos dão suporte, ou não, a premissa da
abdicação do Poder Legislativo em matérias de política externa, buscando um avanço nas
discussões do comportamento do legislador mediante o confronto entre ideologia partidária e
interesse nacional. O ponto de partida dessa análise é o conceito de “presidencialismo de
coalizão”, que nos permite compreender as peculiaridades do sistema político brasileiro.
O segundo momento entende o Ministério das Relações Exteriores com participação
ativa na formulação e execução da política externa, o que o tem caracterizado ao longo da
história diplomática por certo insulamento e autonomia no que tange, não só as metas da
diplomacia, mas também, as diretrizes da diplomacia brasileira, o que pode ser caracterizado
como um desequilíbrio entre os poderes a favor do Poder Executivo.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO
Iniciaremos com a discussão de três categorias do sistema político nacional, afim de
contextualizar o cenário político brasileiro: a) partidos políticos; b) poder Legislativo e poder
Executivo e c) presidencialismo de coalização.
Só depois do entendimento destes será possível engendrar o debate da participação
do poder Legislativo na política externa brasileira, e responder as questões propostas pelo
trabalho: 1) Se o padrão do comportamento dos legisladores brasileiros e os partidos políticos
dão suporte, ou não, a premissa da abdicação do Poder Legislativo em matérias de política
externa; 2) Se o poder Legislativo cumpre assertivamente com sua capacidade de controlar
os atos do poder Executivo, no que tange as questões de política externa brasileira.
a) Partidos Políticos:
Nos regimes considerados democráticos os partidos políticos constituem um dos
elementos fundamentais para o sistema político. Autores como Sartori (1982) e Mair (1997)
colaboram ao chamar a atenção para o aspecto mais importante dos sistemas partidários que
é a estrutura de competição entre partidos, abrangendo, inclusive a competição pelo governo.
Segundo Mair (1997), as estruturas de competição podem ser fechadas, o que significa que
são previsíveis ou aberta, sendo, portanto, imprevisíveis, de acordo com os seguintes
aspectos: 1) dos padrões de alternância no governo; 2) do grau de inovação ou persistência
nos processos de formação do governo e 3) da gama de partidos que obtém acesso ao
governo. Uma estrutura de competição fechada favoreceria a estabilidade do sistema
partidário, entretanto qualquer mudança nessa estrutura poderia exercer um papel
desestabilizador.
Para avaliar o grau de institucionalidade dos sistemas partidários Mair (1997) utiliza
duas dimensões, a primeira estaria relacionada a estrutura de competição, deve-se avaliar se
compõe uma estrutura aberta ou fechada à inclusão de novos atores partidários, a segunda
dimensão refere-se a avaliação do relacionamento dessa estrutura com a formação do
governo. Mainwaring (1999), entretanto, propõe quatro dimensões: a primeira aborda sobre a
regularidade dos padrões de competitividade partidária, caracterizando-se pela estabilidade
do sistema, a segunda diz sobre o enraizamento dos partidos na sociedade, a terceira sobre
a legitimidade dos partidos e por último a independência das organizações partidárias em
relação aos interesses de seus líderes. A principal contribuição de Mainwaring é que seu
conceito possibilitou a classificação das democracias recentes segundo seu grau de
institucionalização.
Outro importante conceito é discutido nos trabalhos de Braga (2010), o de partidos
políticos, os quais são entendidos pela autora como “organizações que competem em
eleições para ocupar o governo e o legislativo, atuam em diferentes frentes, desenvolvendo
relações com o Estado sem necessariamente aprofundar vínculos societários e, ainda,
disputam com outras associações pela canalização de interesses dos diversos grupos que
conformam a sociedade civil” (p. 49, 2010).
A institucionalização dos partidos, segundo Rose e Mackie (1988) é fundamental para
a sobrevivência do partido político, em seu conceito a institucionalização é formada por três
dimensões: organização competitiva (no nível das eleições nacionais), os partidos
institucionalizados devem apresentar candidatos às disputas eleitorais nacionais e por fim os
partidos políticos devem participar no mínimo de três eleições consecutivas para serem
considerados institucionalizados, elemento este referente à permanência dos partidos na
competição por sucessivas eleições.
Outros autores, entretanto possuem uma abordagem de partido político distinta, uma
definição de partido que ressalta suas atribuições de representação de segmentos sociais e
de estruturação das preferências partidárias como fundamentos da democracia
(MAINWARING e SCULLY, 1995; MAINWARING, 1999; MAINWARING e TORCAL, 2005
apud BRAGA, 2010).
Outro aspecto a ser abordado no conceito de Braga (2010) é o da nacionalização,
como forma de avaliação dos fenômenos partidários, como uma extensão da
institucionalização do sistema partidário, correspondendo a um componente importante para
a estabilidade e estrutura da dinâmica da competição eleitoral, o que estaria vinculado à
permanência dos partidos nas eleições nacionais (ROSE e IRWIN, 1971; ROSE e MACKIE,
1988; CARAMANI, 2004 apud BRAGA, 2010).
Dessa maneira Braga (2010) pressupõe tanto a institucionalização quanto a
nacionalização como requisitos fundamentais para sobrevivência dos atores partidários em
uma democracia representativa e federativa, como é o caso da brasileira.
O trabalho da autora demonstra que o sistema partidário brasileiro seguiu para uma
estrutura de competição mais fechada. A emenda constitucional que instituiu a reeleição a
partir do pleito de 1994, contribuiu em grande parte para isso, uma vez que desde então, os
partidos que assumiram o governo federal acabaram governando em mandatos de oito anos,
demonstrando que a maioria do eleitorado aprovou os programas de governo desenvolvidos,
fato este que contribui para o desenvolvimento das principais organizações partidárias no
sistema político nacional. Como consequência temos uma estrutura de competição cada vez
mais concentrada em duas forças partidárias, o PT e o PSDB (ao menos no âmbito das
eleições pelo Executivo nacional), conformando num sistema federal bipartidário. Para o
Legislativo nacional, já é possível observar certo grau de concentração do sistema
parlamentar em um número maior de partidos, compondo uma estrutura de competição
multipartidária moderada.
No caso brasileiro também é possível o diagnóstico de que os partidos brasileiros
importam para explicar o comportamento dos eleitores e, portanto, para a estruturação do
sistema partidário contemporâneo. Pesquisas realizadas demonstram que para quase metade
dos eleitores brasileiros os partidos fazem algum sentido tanto do ponto de vista da
representação de ideias, seja pelos sentimentos a eles direcionados (BRAGA e PIMENTEL,
2011).
Tais evidências reforçam o argumento da autora de que “o Brasil finalmente construiu
um sistema de partidos viáveis, o que é fundamental para o funcionamento da democracia
representativa” (BRAGA, 2010, p. 70).
b) Poderes Legislativo e Executivo:
Diante do estabelecimento da Constituição de 1988, o Brasil reafirmou a separação de
poderes como princípio estruturante da ordem político-constitucional nacional, coroando uma
tradição de quase dois séculos com a separação de poderes do Estado como princípio
constitucional. Acrescente-se, porém, que no último processo constituinte atribuiu-se ao
princípio a condição de "cláusula pétrea", ou seja, impossível de ser alterado ou abolido
através de emenda à Constituição, configurando seu caráter de imprescindibilidade para a
efetivação do Estado Democrático de Direito (MORAES FILHO, 2000 apud MORAES, 2001).
A Constituição de 1988, em relação ao Poder Legislativo, aprovou dois conjuntos
distintos e, pode-se dizer, contraditórios de medidas. De um lado, os constituintes aprovaram
uma série de medidas tendentes a fortalecer o Congresso, recuperando assim os poderes
subtraídos do Legislativo ao longo do período militar. De outro lado, a Constituição de 1988
manteve muitos dos poderes legislativos com os quais o Poder Executivo foi dotado ao longo
do período autoritário. Desta forma, não foram revogadas muitas das prerrogativas que
permitiram ao Executivo dirigir o processo legislativo durante o regime militar (FIGUEIREDO
e LIMONGI, 1995).
Há, portanto, uma continuidade legal, entre o período autoritário e o atual, uma vez
que os poderes legislativos obtidos pela presidência ao longo do regime autoritário foram
mantidos. O fato destes poderes não terem sido revogados tem efeitos direto sobre a
produção legal do período estudado. Os dados levantados, por Figueiredo e Limongi (1995)
mostram que o Poder Executivo, em razão dos poderes legislativos que possui, comanda o
processo legislativo e, dessa forma, mina o próprio fortalecimento do Congresso como poder
autônomo. O resultado, segundo os autores “é a atrofia do próprio Legislativo e a
predominância do Executivo, principal legislador de jure e de fato” (FIGUEIREDO e LIMONGI,
1995, p. 2).
Nota-se, como demonstrado, que a Constituição de 1988, dotou o poder Executivo de
grandes possibilidades de influência na legislação, através de mecanismos de intervenção no
processo legislativo. De fato, os poderes de agenda do Executivo contemplam a capacidade
para editar medidas provisórias com força de lei, o que permite ao presidente implementar
sua agenda e além disso, há a constante utilização das medidas e a necessidade de reeditá-
las periodicamente para manter sua continuidade normativa, o que tende por congestionar a
pauta dos trabalhos legislativos, subtraindo o tempo que poderia ser destinado ao exame de
outras matérias, inclusive de origem do próprio Legislativo (SANTOS, 2000).
A atual Carta Constitucional recupera muitos dos poderes subtraídos durante as
reformas impostas pelos governos militares ao Congresso. Mais do que recuperar em diversos
pontos o Congresso teve seus poderes ampliados, o que possibilita uma contribuição efetiva
na formulação de políticas públicas.
Apesar do presidente da República ter a sua disposição ampla iniciativa das leis
complementares e ordinárias, possuir a iniciativa privativa da legislação, entre outras
matérias, sobre o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, o
Congresso consagra uma importante conquista através da Constituição atual, a redefinição
de sua participação no processo orçamentário. Entre as novas atribuições cabe ressaltar a
capacidade do Legislativo em emendar o orçamento enviado pelo Executivo, o fortalecimento
do Tribunal de Contas e a maior participação do Congresso na nomeação dos membros deste
Tribunal. Outros aspectos também podem ser levantados afim que consagram conquistas ao
poder Legislativo, entre elas ressalta-se a derrubada do veto presidencial que passa a
depender do voto da maioria absoluta e não mais de dois terços.
Incube-se acrescentar outra prerrogativa que assinala a transição de períodos pós
Constituição de 1988, a capacidade que as Comissões Permanentes possuem de aprovar
legislação sem a manifestação explícita do plenário.
Se de um lado a Constituição de 1988 resgatou e ampliou alguns dos poderes do
Legislativo perdidos durante os governos militares, ela deu ares de continuidade para algumas
prerrogativas do Executivo, como demonstrado por Figueiredo e Limongi (1995, p. 4):
Ainda que redefinida e conferindo menores poderes ao presidente, a capacidade de editar Medidas Provisórias pode ser vista como a manutenção do poder presidencial de editar Decreto-Leis. A Constituição de 1967, em seu Artigo 58 dotou o Presidente com o poder de editar Decreto-Leis em casos de "urgência ou relevante interesse público". De acordo com o texto legal, o Decreto-Lei entrava em vigor com sua publicação e o prazo para sua apreciação pelo Congresso era de 60 dias, ao fim desse período, o projeto era automaticamente aprovado por decurso-de-prazo. Ademais, não eram aceitas emendas e a rejeição do projeto não invalidava seus efeitos durante o período de sua vigência.
O Artigo 62 da atual Constituição capacita o presidente a editar medida provisória com força de lei a ser apreciada pelo Congresso Nacional em 30 dias. Ao contrário do que ocorria com o Decreto-Lei, a não manifestação implica na perda de efeito legal da medida. Em caso de rejeição, cabe ao Congresso regulamentar as relações decorrentes da aplicação anterior do ato, admitindo-se a possibilidade de declarar seus efeitos nulos desde sua edição. Uma outra diferença importante reside no fato do Congresso poder emendar a medida editada pelo presidente.
Conquanto as diferenças sejam importantes e não destituídas de efeito prático, é inegável a existência de uma continuidade entre o instituto do Decreto-Lei e o da Medida Provisória. Acima de tudo porque o Executivo não depende do Legislativo para que atos legislativos de sua autoria entrem em vigor. A Medida Provisória, não há dúvidas, abre maior possibilidade à intervenção do Legislativo cuja ação, no entanto, há de ser sempre reativa. Vale notar ainda que a reedição da Medida Provisória não é vedada. Assim, a não apreciação não equivale à rejeição.
Outra alteração decorrente da Constituição de 1988 é a garantia do presidente da
prerrogativa de solicitar urgência para os projetos de lei que inicia, dessa maneira se "a
Câmara dos Deputados e [de] o Senado Federal não se manifestarem, cada qual,
sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobre a proposição, será essa incluída na
ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime
a votação" (BRASIL, Art. 64, parágrafo 2°). Tal prerrogativa permite abreviar os prazos de
tramitação de sua agenda e retira dos órgãos diretivos e comissões legislativas a possibilidade
de engavetamento de proposições que contrariem os interesses do Executivo.
Esse amplo monopólio permite ao agente que inicia manipular estrategicamente a
distribuição de preferências do agente que aprecia, pois, se o agenda setter conhece as
preferências do Legislativo, simbolizado pela figura do legislador mediano, é possível àquele
calibrar o envio da proposta de forma a maximizar a própria utilidade, bastando para isso que
o projeto se encontre no interior da curva de preferência da maioria congressual (SANTOS,
1997).
Diante desse monopólio a única fonte de distribuição de benefícios é o próprio poder
Executivo, o que significa que o presidente ganha um enorme poder de barganha frente os
legisladores individuais, assim a cooperação com partidos parlamentares se torna a melhor
estratégia para os legisladores fortalecerem seu poder de barganha perante o chefe do
Executivo (SANTOS, 2002). Na próxima sessão, c) Presidencialismo de coalizão, veremos
este aspecto em maiores detalhes.
Em que pesem essas prerrogativas do Poder Executivo, é evidente que, em
contrapartida, mesmo executivos dotados de fortes poderes legislativos não podem governar
contra a vontade da maioria parlamentar, pois proposições legislativas só são aprovadas se
obtiverem apoio das maiorias.
Verifica-se, portanto, que a continuidade não é absoluta.
A legislação do período autoritário estabelecia que o silêncio do Congresso implicava a aprovação da matéria enviada. A atual Constituição força a manifestação do Congresso, seja para rejeitar, seja para aprovar. Isto é, não há como obstruir a tramitação das matérias consideradas importantes pelo presidente que, dessa forma, tem a capacidade de ditar unilateralmente a agenda de trabalhos legislativos (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1995, p. 5).
c) Presidencialismo de coalizão:
As sessões anteriores colaboraram para a compreensão do tema presente, estamos
agora em condições de entender, do ponto de vista do comportamento dos partidos
parlamentares, o sistema presidencialista de coalizão no processo decisório em especial nas
relações Executivo versus Legislativo.
Diante da nova ordem constitucional, desenvolveu-se um padrão de governança que
a literatura especializada denominou como "presidencialismo de coalizão" (ABRANCHES,
1988 e 2003; FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999; SANTOS, 2001), cujo principal eixo de impacto
está na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. E, como afirma Abranches (2003,
p. 76):
Por ser presidencialismo, esse regime de governança reserva à presidência um papel crítico e central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão. O presidente precisa cultivar o apoio popular - o que requer a eficácia de suas políticas, sobretudo as econômicas - para usar a popularidade como pressão sobre sua coalizão; ter uma agenda permanentemente cheia, para mobilizar atenção da maioria parlamentar e evitar sua dispersão; ter uma atitude proativa na coordenação política dessa maioria, para lhe dar direção e comando.
Assim, a combinação de sistema presidencialista, representação proporcional, lista
aberta e sistema parlamentar fragmentado, caracteriza o sistema político brasileiro em sua
singularidade. Uma vez que, o chefe do Executivo, diante deste cenário, é levado a negociar
e barganhar na intenção de implementar sua agenda de políticas públicas, usando para isso,
inclusive a distribuição de pastas ministeriais entre os membros dos principais partidos,
visando o apoio da maioria do Congresso.
A lógica do comportamento dos legisladores, estaria apoiada em duas correntes
teóricas, como adiantado na primeira sessão [a) Partidos Políticos]. De um lado, alguns
autores, vislumbram um cenário em que os partidos políticos no Brasil são indisciplinados e
por isso o comportamento da Câmara seria imprevisível. Ademais, os legisladores estariam
sempre buscando transferir benefícios para seus redutos eleitorais, o que converteria o
Executivo em um prisioneiro dos interesses locais e regionais. (AMES, 1995; 2000; AMORIM
NETO, 1998; GEDDES, 1994; LAMOUNIER, 1991; MAINWARING, 1999) De outro lado,
autores defendem uma situação oposta, em que o comportamento dos partidos é disciplinado,
as decisões da Câmara, por sua vez, são previsíveis e os legisladores são capazes de dissipar
seus interesses particularistas (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999; MENEGUELLO, 1998;
PEREIRA, 2000; SANTOS, 1997).
Ambas vertentes possuem aspectos a serem considerados em matéria do poder
Legislativo brasileiro. Se de um lado, é possível sustentar que os legisladores brasileiros têm
interesses particularistas e, em sua maioria, se esforçam para construir uma carreira de boa
reputação pessoal, sem consideração de sua filiação partidária. Do outro lado é possível
sustentar, também, que após a promulgação da atual Carta Constitucional, os partidos
brasileiros passaram a atuar disciplinadamente nas votações nominais do plenário (SANTOS,
2002).
Assim como Figueiredo e Limongi (1995) Santos (2002) observa o Colégio de Líderes,
como uma importante conquista da nova Constituição. Institucionalizado em 1989 como
organismo auxiliar da Mesa Diretora da Câmara para assuntos relacionados ao calendário de
votação da Casa, composto pelo Presidente da Câmara, líderes da Maioria, líderes da Minoria,
dos Partidos e dos Blocos Parlamentares, sua importância principal consiste no poder de
decisão efetivo ao encaminhar pedidos com urgência e urgência urgentíssima para a votação
de projetos específicos.
Santos (2002, p. 244-245) sustenta a seguinte hipótese:
[...] que os partidos políticos são mais relevantes no período recente porque sua existência traz vantagens para os parlamentares em suas negociações com o Executivo. Organizados em partidos minimamente disciplinados, eles protegem-se da ação monopólica do presidente. Isso, por sua vez, garante o fluxo de projetos no plenário da Câmara e, em compensação, os legisladores
recebem do Executivo benefícios de patronagem a ser distribuídos em seus redutos eleitorais. Nesse sentido, a adesão às proposições políticas do partido é um bem público para a bancada como um todo, e esse benefício somente pode ser alcançado se os parlamentares delegam aos líderes uma parte considerável de seu controle sobre a pauta legislativa com a finalidade de remover os problemas de coordenação. [...] Nesse sentido, o presidente seria um “maximizador de agenda” – ele depende de um Congresso cooperativo para pôr em prática um conjunto de políticas públicas coerentes [...].
POLÍTICA EXTERNA E A DEMOCRACIA BRASILEIRA: O PROCESSO DECISÓRIO
A política externa brasileira caracteriza-se pela tradição da instituição do Itamaraty, a
qual, independente do governo no poder, mantém diretrizes sólidas, sendo, portanto, uma
política de Estado e não de governo. Entretanto, cada governo analisa e entende a política
externa com visões distintas, percebendo o cenário que o cerca de formas singulares,
estabelecendo estratégias diversas para alcançar o que consideram o “interesse nacional”.
Partindo da premissa básica de que as relações internacionais são relações sociais,
assim, os Estados estão inseridos em uma complexa rede de relações sociais que molda sua
visão de mundo. Ou seja, o modo como um país se vê no sistema internacional e como
percebe o cenário que o cerca.
Portanto, as estratégias políticas dos países são construídas socialmente por ideias a
respeito da realidade social e do mundo externo (BERGER; LUCKMANN, 1997; HALL, 1993).
Uma das características que especialistas mais enfatizam é a continuidade da política
externa brasileira. Esse caráter de continuidade explica-se em função do forte componente
institucional na formação da política externa e a existência de um poder burocrático,
relativamente autônomo, configurado na existência de uma agência especializada, como é o
caso do Itamaraty.
É certo que elementos desse poder podem ser identificados no processo decisório e
uma organização dessa natureza garante continuidade nas escolhas e relativa consistência
nas orientações de política. É verdade, também, que a institucionalização dos serviços
diplomáticos contribui para uma análise, da grande maioria de suas matérias, “despolitizada"
da política externa. Porém, o Itamaraty e seus instrumentos burocráticos, não são suficientes,
por si só, para dar conta desse resultado. O que também parece ter contribuído para uma
relativa desvinculação da política externa da dinâmica doméstica, foi a natureza das questões
que, majoritariamente, compuseram a agenda externa, consequência para a qual muito
contribuíram certas características institucionais do processo de formação da política,
assegurando ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) influência decisiva na definição
dessa agenda (LIMA, 2000).
Apesar da característica de continuidade da política externa brasileira, desvinculada
do governo, as alterações políticas pós promulgação da atual Carta Constitucional (1988) foi
contemporânea de grandes mudanças no plano internacional constituído pós Guerra Fria
(1989). Tal cenário enfatiza claramente a dimensão causal da política doméstica na formação
da política externa e, por sua vez, a necessidade de integrar os níveis de negociação
internacional e ratificação doméstica, sob esta perspectiva encontra-se a concepção dos
“jogos de dois níveis”, modelo criado por Putnam (1988) para explicar o momento de
entrelaçamento da política doméstica e das relações internacionais.
A luta política das negociações internacionais se daria através do jogo entre o nível
nacional e o nível internacional. No nível nacional os grupos domésticos atuam em vistas de
pressionar o governo a optar por políticas públicas congruentes com seus interesses e
demandas particulares, partidárias ou regionais. Enquanto no nível internacional, os governos
procuram maximizar suas próprias capacidades de satisfazer as pressões domésticas,
concomitante a este fato os governos tentam minimizar as influências adversas dos interesses
externos.
A novidade desta concepção não é, somente, introduzir a inferência da política
doméstica na formação da política externa ou da sua causalidade na explicação dos
resultados da política internacional, mas apontar para a necessidade da ratificação interna de
compromissos internacionais, no momento em que estes envolvem questões distributivas no
plano interno, especialmente ao gerar custos para o cenário doméstico levando, portanto, à
mobilização dos atores afetados, positiva ou negativamente, compelindo a discussão da
política externa para a esfera pública nacional.
A política externa passa, dessa maneira, a modificar o status quo a ponto de mobilizar
os interesses organizados da sociedade brasileira.
Segundo Lima, (2000) a politização da política externa e, portanto, a influência da
política doméstica na sua formação, depende da existência de impactos distributivos internos
que ocorrem quando os resultados da ação externa deixam de ser simétricos para os diversos
segmentos sociais. Quando, ao contrário, os custos e benefícios não se concentram em
setores específicos, ou os resultados da ação externa são neutros do ponto de vista do conflito
distributivo interno, a política externa produz bens coletivos, aproximando-se do seu papel
clássico, de defesa do interesse nacional ou do bem-estar da coletividade, aqui entendidos
conforme a teoria realista das Relações Internacionais (GRIECO, 1997; KRASNER, 1978;
MORGENTHAU, 1948).
Ainda conforme a análise de Lima, a política externa brasileira do período
compreendido neste trabalho, portanto pós Constituição de 1988, se enquadraria em seu
terceiro momento, a fase da integração competitiva.
No plano mundial, o fim da Guerra Fria, a globalização financeira, maiores restrições no contexto negociador multilateral e pressão norte-americana por harmonização internacional de políticas internas, praticamente, inviabilizaram um comportamento "carona" do país nas negociações internacionais. [...] Por outro lado, o retorno à ordem democrática, a crise do Estado e do modelo de industrialização protegida e a abertura econômica vão redundar em uma importância renovada da política doméstica no processo de formação da política externa, com duas implicações que se reforçam: a potencial diminuição da autonomia decisória prévia do MRE na condução da política externa e a politização da política externa, em função de seu novo componente distributivo, com a possibilidade da criação de novas coalizões favoráveis a mudanças do status quo, em face dos incentivos e restrições presentes nos planos doméstico e internacional. (2000, p. 295)
O Brasil, entre os países em desenvolvimento, tem na sua burocracia profissional
especializada, o Ministério das Relações Exteriores e especialmente na estrutura que compõe
o Itamaraty, uma clara vantagem para a obtenção do equilíbrio de modo a garantir a
estabilidade de suas escolhas externas, em um contexto de democracia política. Os
mecanismos institucionais de controle político e ratificação doméstica, contudo, estão
claramente anacrônicos considerando-se o novo papel da política externa no conflito
distributivo interno.
A Constituição de 1988 manteve a tradição republicana de garantir ao Congresso
Nacional poder de ratificação ex-post de acordos internacionais. Em algumas situações,
porém, este poder praticamente se desvanece, uma vez que, o custo da modificação ou
anulação de acordos previamente negociados no plano externo pode ser muito alto (Lima e
Santos, 2001).
A Constituição de 1988, artigo 49, inciso II, quando define as atribuições do poder
Legislativo, estabelece que este é encarregado de “resolver definitivamente sobre tratados,
acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional” (Brasil, 1988, p.47). Para ratificar o que reza este artigo o inciso VIII, do
artigo 84, afirma que cabe exclusivamente ao Presidente da República celebrar tratados,
acordos ou atos internacionais “sujeitos a referendo do Congresso Nacional” (Brasil, 1988,
p.67).
A busca do equilíbrio entre os recursos de autoridade e de representação, necessário
à credibilidade junto aos organismos e parceiros internacionais, estaria demandando a
modernização das instituições decisórias da política externa. A criação de mecanismos que
garantam maior equilíbrio das informações, a regularidade do controle político ex-ante e da
prestação de contas ex-post ao Congresso Nacional são soluções possíveis para responder
aos novos desafios da política exterior brasileira em um contexto de democracia e integração
competitiva à economia mundial.
Faz-se importante notar que apesar de ser uma atribuição do poder Executivo, nada
pode ser feito em matéria de política externa sem o aval da maioria dos legisladores, ou seja,
sem que esteja de acordo com a preferência do poder Legislativo.
A sessão a seguir pretende, através dos subsídios argumentativos já explorados,
responder as questões centrais que motivaram e nortearam, até o momento, o presente
trabalho: 1) Se o padrão do comportamento dos legisladores brasileiros e os partidos políticos
dão suporte, ou não, a premissa da abdicação do Poder Legislativo em matérias de política
externa; 2) Se o poder Legislativo cumpre assertivamente com sua capacidade de controlar
os atos do poder Executivo, no que tange as questões de política externa brasileira.
O PODER LEGISLATIVO E A POLÍTICA EXTERIOR: ABDICAÇÃO OU DELEGAÇÃO?
Para além da discussão se o comportamento do legislativo, frente as questões de
política externa, caracteriza-se por uma abdicação de seus poderes ao poder Executivo ou se
trata-se de um comportamento de delegação, abro esta sessão com o entendimento dos
mecanismos de controle que a atual Carta Constitucional proporciona ao poder Legislativo.
Primeiramente, deve-se compreender que os mecanismos de controle legislativo
podem ser de duas ordens: ex ante e ex post. O primeiro é quando o Legislativo pode
manifestar-se mediante promulgação de leis altamente detalhadas nas quais ficam impressas
as primazias do poder Legislativo, deixando assim pouco espaço para as discricionariedades
do poder Executivo. O segundo visa limitar e ou alterar ações já iniciadas pelo poder
Executivo.
A literatura especializada tende a indicar que no Brasil há déficit em matéria de controle
legislativo (O’DONNELL, 1991; 1998a; 1998b; FIGUEIREDO, 2001; AMES, 2003).
Geralmente, predomina a afirmação de que a atuação do poder Legislativo é de apatia e ou
indiferença. As explicações mais comuns apresentadas são: o insulamento e o grau de
excelência do Itamaraty; a ausência de expertise no assunto nos membros do legislativo; o
argumento de que os legisladores só se interessam por questões que podem resultar em
ganhos eleitorais; e por fim o fato da própria Constituição brasileira atribuir ao poder
Legislativo prerrogativas que se restringem à deliberação ex post.
A política externa e, especialmente, a de comércio exterior são, segundo Lima e
Santos (2001), objeto natural de delegação de poder decisório do Legislativo para o poder
Executivo. Seguindo esse argumento os autores listam três principais motivos para a
delegação: 1) tratando-se de matéria de caráter distributivo diferentes setores políticos e
econômicos teriam interesse em criar obstáculos às práticas internacionais, dessa maneira a
delegação ao Executivo corresponderia a uma garantia contra posturas oportunistas dos
legisladores que tendem à defesa de interesses setoriais específicos ao invés de promover o
interesse geral da sociedade; 2) por se tratar de tema de conhecimento especializado, a
delegação agora seria instrumento de economia de tempo e recursos diante à baixa expertise
dos legisladores em matéria de política externa; 3) por questões de estabilidade das decisões,
o Legislativo preferiria delegar matérias de política externa ao Executivo, a fim de não se
sujeitar ao custo político de vetar ex-post acordos internacionais já assinados pelo Executivo.
Apesar da delegação ser objeto natural do poder Legislativo, o comportamento dos
parlamentares brasileiros coloca em embate duas correntes, uma que concorda que o poder
Legislativo delega seu poder ao Executivo em matéria de política externa e outro que defende
uma total apatia do Legislativo nesta questão, abdicando, portanto, suas prerrogativas em
função do poder do Executivo.
A delegação ocorreria quando há concordância entre os poderes, Legislativo e
Executivo, em relação às matérias discutidas em pauta. A abdicação por parte do poder
Legislativo, por sua vez, ocorreria quando são cedidos momentaneamente os direitos
constitucionais e regimentais da utilização dos instrumentos incumbidos ao poder Legislativo,
fazendo com que o poder Executivo tome a frente, geralmente na figura do Presidente da
República.
No momento da constituinte que celebrou a nova Constituição esperava-se que os
congressistas alterassem as bases da relação executivo-legislativo no âmbito da política
externa. Embora, a delegação fosse o comportamento esperado como compatível ao
processo de democratização do país, o Legislativo brasileiro optou, por abdicar do papel de
contrapeso, Lima e Santos (2001) chamam este fenômeno de “paradoxo da redemocratização
com abdicação congressual”.
Diante desse comportamento temos os seguintes cenários:
a) os legisladores brasileiros tendem a abdicar ao poder Executivo as matérias de
política externa, em face de invocar os mecanismos de controle disponíveis, agindo, então,
meramente como ratificadores das políticas internacionais iniciadas pelo Executivo. Isso quer
dizer que as posições do presidente, de iniciador de política, e a do Congresso, de mero
ratificador ex post facto, geram um equilíbrio em que o legislador mediano se vê obrigado a
aceitar as políticas negociadas pelo Executivo em fóruns internacionais, a despeito de
estarem para além de sua curva de indiferença.
b) o comportamento do legislador em respeito a temas de política externa é
determinado por orientação partidária e pela relação entre governo e oposição, não diferente,
portanto de quando se trata de temas da política doméstica. A predominância do poder
Executivo seria derivada do fato deste governar com a maioria do Legislativo, através do
princípio de presidencialismo de coalizão, o que torna a posição do legislador mediano
convergente a do Executivo. Outro aspecto potencialmente explicativo do posicionamento do
Legislativo em termos de política externa seria a origem regional do legislador, além dos
partidos políticos e da relação governo versus oposição (OLIVEIRA, 2013). Este
comportamento relaciona o federalismo e política externa ao sustentar que, os legisladores
de diferentes regiões possuem preferências particulares e distintas não apenas em questões
domésticas, mas em questões internacionais também. Por outro lado, a respeito das
demandas de cada unidade federativa em matéria de vínculo internacional, o comportamento
do legislador manter-se-ia sendo determinado pelo seu vínculo partidário, o que acarretaria
como fator estruturador do comportamento no Legislativo, a disciplina partidária.
Tais cenários esclarecem o motivo pelo qual, segundo Lima e Santos (2001), a atual
configuração institucional do processo decisório da política externa caracteriza uma situação
mais próxima da abdicação do que da delegação de autoridade.
Como já visto, no mundo globalizado, marcado por uma economia aberta e por uma
agenda positiva de negociação, a postura de defesa de temas de “interesse nacional” tende
cada vez mais para a oferta de concessões específicas.
[...] A barganha internacional produz efeitos distributivos relevantes para a
sociedade brasileira. Além disso, a politização da agenda internacional
transfere para instâncias multilaterais questões tradicionalmente da alçada
dos legislativos nacionais. Assim sendo, é, para dizer o mínimo, questionável
a continuidade de um papel meramente homologatório do Congresso
Nacional na política de [comércio] exterior. Tal papel [...] significa ao fim e ao
cabo a abdicação do Legislativo em favor do Executivo, com todas as
implicações em termos de agency losses que as formas ineficientes de
delegação podem trazer para quem delega (LIMA e SANTOS, 2001, p. 145).
O argumento aqui sugerido é que não se trata somente da questão de abdicação ou
delegação, e não somente de um caso de desinteresse, por parte dos nossos legisladores,
nas matérias de política externa, mas sim que as regras estabelecidas pela Constituição de
1988 e pelas normas regimentais deixam uma margem limitada de atuação do poder
Legislativo perante as iniciativas do poder Executivo. Além dessas limitações, Diniz e Ribeiro
(2010) constatam que a forma como o Congresso Nacional está estruturado e o poder de
agenda do Presidente da República cerceiam a participação dos parlamentares,
especialmente daqueles que não compõem as bases aliadas do governo. O que torna ainda
menor o espaço de atuação dos legisladores da oposição.
De acordo com Santos (2003, p. 166), “não foram criados instrumentos que
garantissem ao legislativo a competência de definir ex ante os parâmetros gerais das posições
negociadoras do executivo no plano internacional”. No Brasil, como já mencionado
anteriormente, por determinação constitucional os legisladores brasileiros não têm como
estabelecer parâmetros anteriores à negociação entre poder Executivo e os atores
internacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões e embates conceituais apresentados, no presente trabalho,
mostrou-se que o atual desenho constitucional regula a política externa de forma destoante
do espírito presidencialista. Isto porque cabe exclusivamente ao Executivo iniciar atos,
tratados, acordos e negociações internacionais, ao Legislativo resta, somente, ratificar as
decisões de maneira ex post, na medida em que, o país incorre em sanções e danos
significativos caso rejeite propostas previamente negociadas entre Executivo e atores
internacionais. Dessa maneira o Presidente acaba por, unilateralmente, possuir o poder de
agenda externa do Brasil, contradizendo a matriz institucional do presidencialismo, isso
porque, neste sistema, pressupõe-se a existência de freios e contrapesos. A ausência desses
mecanismos de check and balance no processo de tomada de decisão, negociação e
implementação de políticas externas seria desvantajosa para o país.
Uma vez tendo optado pela abdicação, a partir da instauração da Constituição de 1988,
de suas prerrogativas de atuar como contrapeso ao Executivo no processo de formulação e
condução da política externa nacional, os Legisladores deixam de instaurar mecanismos de
controle, operando de maneira ex post, figurando meramente como um ratificador das
decisões do Executivo.
Além das peculiaridades que o sistema brasileiro apresenta, alguns autores, como
Oliveira (2013) notam que a orientação partidária atua como um fator decisório ao
comportamento do legislador em política externa. O comportamento se altera conforme o
partido toma parte de uma das coalizões governistas, uma de centro-direita outra de centro-
esquerda. Atentando-se, portanto, para a necessidade de se considerar a dinâmica entre
governo e oposição, além disso, a pesquisa do autor evidencia que os partidos brasileiros
podem mudar e ou mudam de posição, conforme a coalização que tomam parte. Para o autor,
a orientação partidária é, portanto, elemento chave para a explicação da atividade legislativa
em política externa.
Outra maneira de limitar o exercício dos parlamentares de controle do executivo,
encontra-se no processo de escolha dos relatores, que como Figueiredo e Limongi (1995) e
Diniz e Ribeiro (2010) demonstram, apesar das regras formais não proibirem, as informais
dificultam a atuação dos parlamentares de oposição, nota-se isso ao analisar que a maioria
das relatorias são entregues aos parlamentares da coalizão com o governo.
Da forma como o Legislativo brasileiro está organizado, as medidas que vêm a ser
sancionadas dependem, em grande medida, da atuação do Colégio de Líderes, que segundo
Figueiredo e Limongi (1995), estrutura a pauta dos trabalhos e agiliza o processo legislativo.
Tal prática, segundo os autores, resultaria no esvaziamento do plenário, uma vez que o grosso
do trabalho legislativo independe da participação efetiva dos parlamentares, minando os
incentivos para sua participação.
Desta maneira, o Executivo não veria necessidade de negociar ou barganhar com o
Legislativo, uma vez que possui um órgão centralizado para isso, o Colégio dos Líderes, ao
se relacionar diretamente com o Colégio de Líderes, o Executivo vê minimizadas as incertezas
e dificuldades de negociação, por sua vez, o Colégio também têm interesses nesse
relacionamento direto, ao afirmar sua liderança institucional.
Tal cenário caracteriza, mais uma vez, o porquê do comportamento de abstenção do
Congresso, nas matérias de política internacional, subtraindo-se, portanto, devido aos
diversos fatores elencados durante o trabalho, a posição de mero ratificador ex post.
Assim, o Congresso Nacional estaria longe de se caracterizar como um obstáculo às
demandas do Executivo, inclusive nas matérias de política externa já que, da maneira como
se apresenta, trata-se de um Legislativo cuja contribuição efetiva para o processo governativo
é pequena.
Segundo Figueiredo e Limongi (1995, p. 39), são poucas as expectativas de alteração
deste quadro. A premissa que se deixado a própria sorte, o processo legislativo seria moroso
e falho justificam os amplos poderes legislativos que o Executivo e o Colégio dos Líderes
dotam, o que reforça o problema de abstenção. Com iniciativa legislativa e poder de agenda
inteiramente nas mãos do Executivo e do Colégio de Líderes, o trabalho legislativo efetivo
passa ao largo da contribuição da maioria dos legisladores brasileiros. Não há, portanto,
incentivo para que participem. E tão pouco de se desenvolver e de se institucionalizar as
instâncias decisórias em que essa participação poderia vir a ser mais efetiva.
O Brasil, que aqui foi contextualizado, possui na sua burocracia profissional
especializada (MRE) uma clara vantagem para a obtenção do equilíbrio, o que tende a garantir
a estabilidade de suas escolhas externas, em um contexto de democracia política. Os
instrumentos institucionais de controle político e ratificação no plano doméstico, entretanto,
estão claramente anacrônicos se se levar em conta o novo papel da política externa no conflito
distributivo interno, instaurado pós Constituição de 1988.
A procura pelo equilíbrio entre os recursos de autoridade e de representação,
necessário à credibilidade junto aos parceiros internacionais, estaria demandando a
modernização das instituições decisórias da política externa (Lima, 2000). A criação de
instrumentos que garantam maior equilíbrio das informações, a regularidade do controle
político ex-ante e da prestação de contas ex-post ao Congresso Nacional são soluções difíceis
de serem alcançadas segundo a atual organização institucional, como demonstrado por
Figueiredo e Limongi (1995), porém não são impossíveis, o que tornaria possível o retorno
satisfatório aos atuais desafios da política exterior brasileira em um contexto de democracia e
integração competitiva ao sistema internacional.
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