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EULANGE DE SOUSA O PROCESSO EDUCACIONAL E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE ANEMIA FALCIFORME Universidade Católica de Goiás Mestrado em Educação Goiânia - 2005

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EULANGE DE SOUSA

O PROCESSO EDUCACIONAL E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE ANEMIA FALCIFORME

Universidade Católica de Goiás Mestrado em Educação

Goiânia - 2005

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EULANGE DE SOUSA

O PROCESSO EDUCACIONAL E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE ANEMIA FALCIFORME

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da professora Dra. Annete Scotti Rabelo

S725p Sousa, Eulange de. O processo educacional e as crianças e adolescentes portadores de

anemia falciforme [manuscrito] / Eulange de Sousa. – 2005. 96 f. Datilografado. Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Goiás,

Mestrado em Educação, 2005. “Orientação: Profª. Drª. Annete Scotti Rabelo” .

1. Anemia falciforme - educação escolar - crianças e

adolescentes. 2. Educação - saúde - crianças e adolescentes. I. Título.

CDU: 376.24:616.155.194-053.4/.5

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PPaarraa MMiinnhha a mmããee VViirrggíínniiaa MMiinnhhaas fs fililhhaas s MMaarriia a GGoorreette ee e CCiibbeelle e dde e GGuuaaddaalluuppee MeMeu u ffililhhoo RRaammoon n JoJosséé DDeeddiicco o eestste e ttrrababaallhhoo

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Agradecimentos PPeello o AAppooiio o e e iinncecennttiivvo o aaggrraaddeçeçoo:: ÀÀs s mmiinnhhaas s iirrmmããs s MMôônniiccaa, , MMaarriia a ddo o SSooccoorrrro o e e RRaaqquueell AAoos s mmiliilittaannttees s ddo o MMoovviimmeenntto o NNaacciioonnaal l dde Mee Menniinnoos s e Mee Menniinnaas s dde e RRuua a À À eeqquuiippe e ddo o PPrrogogrraamma a IInntteerrnnaacciioonnaal l dde e bboollssaas s dde e PPóóss--GGrraadduuaaççãão o dda a FFununddaaççãão o FFoorrdd A A ttooddoos s oos s pprrooffeessssoorrees s e ce coolleeggaas s ddo o PPrrogogrraamma a MeMeststrraaddo o eem Em Edduuccaaççãão o dda a UUnniivveerrssiiddaadde e CCaattóólilicca a dde e GGooiiááss AAoos s pprrooffeessssoorrees s e ce coolleeggaas s ddo o PPrrogogrraamma a dde Mee Meststrraaddo o eem m PPrroommooççãão o dda a SSaaúúdde e e e ddo o MeMeiio o aammbbiieenntte e dda a UUnniivveerrssiiddaadde e ddo o MMiinnhhoo ÁÁs s ccoolleeggaas s dda a SSeçeçãão o dde e SSeerrvviiçço o SSoocciiaal l ddo o HHoossppiittaal l ddaas s CClílínniiccaass À EÀ Eqquuiippe e dde e HHeemmaattoollogogiia a ddo o HHoossppiittaal l ddaas s CClílínniiccaass AAoos s ccoommppaannhheeiirroos s dda a TTeerraappiia a LLiinnddoommaarr, , ÂÂnnggeellaa, , MMaaiíiíaa, , , , AApprrííggiioo, , DDeenniis s e e EEggmmaarr À À OOlilinnddaa, , LLiliiliaann, , HHeellooííssaa, , JoJossuué e é e FFeerrnnaannddoo PPeello o AAppooiioo, , iinncecennttiivvo o e e ppaacciiêênncciia aa aggrraaddeçeçoo:: À À PPrrooffeessssoorra a AAnnnneette e RRababeelloo AAo o PPrrooffeessssoor r MMaarrcecello o MeMeddeeiirrooss Á Á PPrrooffeessssoorra a MMaarriia a EEssppeerraannççaa

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ÍNDICE INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 11 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................... 23 2 - ANÁLISE DOS RESULT ADOS..................................................................................... 61 3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 91 ANEXOS................................................................................................................................. 96

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RESUMO Este trabalho objetiva conhecer a influência da anemia falciforme no processo de

escolarização das crianças e adolescentes portadores de tal doença segundo a concepção dos

mesmos. Para tanto, se realizou uma pesquisa, cujo problema de investigação foi: Qual a

influência da anemia falciforme no processo de escolarização das crianças e adolescentes

portadores desta anemia? A pesquisa foi desenvolvida à luz do referencial qualitativo, em

uma abordagem sócio-histórica. A população foi constituída por crianças e adolescentes

portadores de anemia falciforme, atendidos pelo Hospital das Clínicas da UFG. Os

instrumentos de pesquisa foram entrevistas semi-estruturadas e prontuários.Utili zou-se de

análise estatística e de conteúdo para interpretação dos dados encontrados. A pesquisa indicou

que a anemia falciforme interfere significativamente no cotidiano de seus portadores

provocando a vivência de um processo de exclusão parcial ou total dos espaços, grupos e

atividades presentes no cotidiano de crianças e adolescentes.

Palavras chaves: Educação, Saúde, Anemia falciforme.

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Abstract

This study aims to know the influence of the sickle cell anemia in the education process of

children and adolescents carrying sickle cell anemia in the perception of themselves. The

research was developed searching an answer to the main inquiry: What is the influence of the

sickle cell anemia in the education process for children and adolescents carrying this anemia?

The research was developed by the qualitative research in a social-historical approach

methodogical referential. Children and adolescents carrying sickle cell anemia at the Federal

University of Goiás – Hospital, constituted the population. Data was collected by semi-

structured interviews and from the hospital archives. It was used an analysis of content and a

statistical analysis for interpretation of the data research indicated that the sickle cell anemia

intervenes significantly the daily routine of its carriers causing an experience of partial or total

exclusion process of the spaces, groups and activities present in daily routine of children and

adolescents.

Key Words: Education, Health, Sickle Cell Anemia

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RELAÇÃO DE GRÁFICOS E TABELAS GRÁFICOS GRÁFICO 1. RELAÇÃO ENTRE A PROCEDÊNCIA E O TIPO DE MORADIA DOS

ENTREVISTADOS.............................................................................................64 GRÁFICO 2. COMPOSIÇÃO FAMILIAR DOS ENTREVISTADOS .....................................65 GRÁFICO 3. RENDA FAMILIAR DOS ENTREVISTADOS...................................................65 GRÁFICO 4: DEMONSTRATIVO DOS ANOS DE DISTORÇÃO IDADE/SÉRIE DOS

ENTREVISTADOS........................................................................................... 66 TABELAS TABELA 1: BRASIL - INDICADORES EDUCACIONAIS POR COR OU RAÇA NO

ANO DE 2001 ................................................................................................... 12

TABELA 2. ESCOLARIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATENDIDOS

NO AMBULATÓRIO DE HEMOGLOBINOPATIAS DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UFG ....................................................................................... 16

TABELA 3: BRASIL - INDICADORES EDUCACIONAIS POR COR OU RAÇA ........ 39

TABELA 4: TAXA DE DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE POR NÍVEL/MODALIDADE DE ENSINO SEGUNDO COR OU RAÇA BRASIL E REGIÃO CENTRO OESTE - 1992-2001........................................................................... 40

TABELA 5: DIFERENÇA ENTRE INDICADORES EDUCACIONAIS DA POPULAÇÃO BRANCA E NEGRA BRASILEIRAS NOS ANOS DE 1992 E 2001........................................................................................................ 41

TABELA 6: POPULAÇÃO POTENCIALMENTE DEMANDANTE DE SERVIÇOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, COM RENDA DOMICILIAR PER CAPITA (RDPC) ABAIXO DE 1/4 E 1/2 SALÁRIO MÍNIMO, SEGUNDO FAIXA ETÁRIA E COR OU RAÇA BRASIL E GRANDES REGIÕES - 1992 – 2001...................................................................................... 43 TABELA 7: TAXA DE PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS DE 10 A 17 ANOS SEGUNDO

COR OU RAÇA BRASIL - 1992-2001 ...............................................................44

TABELA 8: TAXA DE OCUPAÇÃO DAS PESSOAS DE 10 A 17 ANOS SEGUNDO COR OU RAÇA BRASIL - 1992-2001................................... 45

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TABELA 9: PROPORÇÃO DE PESSOAS DE 10 A 17 ANOS DE IDADE POR CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO SEGUNDO COR OU RAÇA E FAIXA ETÁRIA BRASIL – 1992 – 2001 ...................................................................... 45

TABELA 10: PROPORÇÃO DE PESSOAS DE 10 A 17 ANOS DE IDADE QUE FREQÜENTAM ESCOLA, POR CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO SEGUNDO COR OU RAÇA E FAIXA ETÁRIA BRASIL – 1992 – 2001..... 46 TABELA 11: QUANTIDADE E DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES, SEGUNDO LOCALIZAÇÃO E COR OU RAÇA DO CHEFE DO DOMICÍLIO BRASIL - 1992-2001.......................................................................................... 46 TABELA 12: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO POBRE POR COR OU RAÇA BRASIL - 1992-2001......................................................................................... 47 TABELA 13: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO INDIGENTE POR COR OU RAÇA BRASIL - 1992-2001.......................................................................................... 47

TABELA 14: MÉDIA DA RENDA DOMICILIAR PER CAPITA POR COR OU RAÇA

BRASIL - 1992-2001 ......................................................................................... 48

TABELA 15: MÉDIA DA RENDA DE TODAS AS FONTES POR COR OU RAÇA BRASIL - 1992-2001........................................................................................... 48 TABELA 16: TAXA DE DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE POR NÍVEL/MODALIDADE DE ENSINO NA COR OU RAÇA NEGRA BRASIL E REGIÃO CENTRO OESTE - 1992-2001 E DOS ENTREVISTADOS............................. 67

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INTRODUÇÃO

A educação é o pressuposto fundamental para a convivência humana. É através dela

que os ensinamentos necessários à sobrevivência individual e coletiva são disseminados.

Desde a família, primeiro grupo em que o ser humano é inserido, até aqueles que possuem

uma abrangência maior como um país, um continente ou o planeta observa-se o

estabelecimento de processos educacionais. Nas sociedades modernas estes processos ocorrem

de maneira informal nos menores grupos ou formal por meio da intervenção do estado que

regulamenta e põe em execução o sistema educacional de cada país.

A sociedade atual configura-se como a sociedade do conhecimento e por esta razão a

educação formal tornou-se indispensável. Essa significa para o homem a possibili dade de

inclusão e de sobrevivência, uma vez que, sem ela, não pode participar com a qualidade

exigida no mercado de trabalho, cuja característica fundamental é a utili zação de alta

tecnologia no processo de produção e comercialização de serviços e mercadorias.

No Brasil, a educação figura como direito do cidadão a partir de 1824. 1 No entanto as

estatísticas mostram que um grande contingente de pessoas encontra-se excluído do sistema

educacional. Esta exclusão da educação formal traz como conseqüência a exclusão do

trabalho, do exercício de uma vida saudável e da sociedade como um todo.

Entre estes excluídos estão os descendentes de africanos que foram forçados a emigrar

para este país durante o período escravista. Diversos estudos como os de Paixão (2003), Silva e

Hasenbalg (2000) e Brasil (2001) mostram que este grupo populacional está em desvantagem

1 A Constituição outorgada em 1824, no seu artigo 179 § 32 estabelece que a instrução primária seja gratuita a todos os cidadãos, sendo que a partir de 1834 o dever de garantir esta gratuidade passa a ser das províncias. A última regulamentação a este respeito é a Constituição Federal de 1988, que diz em seu a no art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua quali ficação para o trabalho.

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em relação ao grupo branco no que se refere ao acesso e à permanência no sistema educacional.

Observa-se uma diferenciação marcante em relação à população negra, a qual apresenta

índices de escolaridade menores e de analfabetismo maiores do que os da população branca,

conforme a tabela 1 elaborada com base no estudo do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada, intitulado: Desigualdade Racial: Indicadores Socioeconômicos – Brasil, 1991-2001.

TABELA 1:BRASIL - INDICADORES EDUCACIONAIS

POR COR OU RAÇA NO ANO DE 2001 *

I N D I C A D O R Brasil Brancos Negros

Média de anos de estudo de instrução formal

das pessoas de 25 anos ou mais de idade 6.0 6.9 4.7

Proporção de pessoas de 25 anos ou mais de

idade com 15 a 17 anos de estudos 7.0 10.2 2.5

Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos

ou mais de idade 12.4 7.7 18.2

Taxa de escolarização líquida no ensino

fundamental 93.3 94.9 91.8

Taxa de escolarização líquida no Ensino

Médio 37.8 50.7 25.1

Taxa de escolarização líquida no Ensino

Superior 9.0 14.3 3.2

Taxa de distorção idade-série no ensino

fundamental 35,8 25,0 45,3

Taxa de distorção idade-série no ensino médio 48,9 40,7 60,3

Fonte IPEA

*Notas (1) A população negra é composta de pardos e pretos

(2) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá

*Notas do IPEA

Outro grupo populacional que se encontra em situação de exclusão em relação ao

sistema educacional é o das pessoas que têm necessidade de que a escola as proporcione o

acesso a recursos que as possibili tem, de acordo com suas necessidades, participar do referido

sistema e atingir os mesmos resultados e objetivos dos demais alunos. Este grupo de pessoas

apresenta dificuldades relacionadas a sua capacidade sensório-motora ou mental.

Presenciamos neste momento, no Brasil, uma grande discussão a este respeito no sentido de

que o sistema educacional crie condições para a inclusão destas pessoas na rede de ensino.

Segundo Sassaki (1998 ) a cada dia que passa , mais pessoas estão falando e escrevendo sobre

a inclusão. Para ele a preocupação com a educação das pessoas com algum tipo de deficiência

resultou no estabelecimento de ações que podem ser divididas em quatro fases:

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- fase da exclusão: ocorrida, principalmente, no período anterior ao século XVI, em

que as pessoas com deficiência e outras condições eram consideradas ineducáveis e

por este motivo excluídas do convívio social, quer seja por meio de execução

sumária ou de isolamento;

- fase da segregação: nesta as pessoas deficientes, inicialmente, eram atendidas em

grandes instituições e a partir da década de 50, do século XX, se concretiza por

meio de escolas especiais e de classes especiais dentro de escolas comuns. Estas

classes não tinham nenhuma ligação com as classes comuns configurando-se como

sistemas paralelos, neste período ocorre uma bifurcação na educação escolar em

educação regular, normal e educação especial;

- fase da integração: acontece na década de 70 e tem como característica o fato de que

a escola permite aos alunos com deficiências freqüentar salas de aula comuns desde

que se adaptassem às mesmas, o que não provocava nenhuma mudança na escola e

mantinha na exclusão aqueles que não se adaptassem;

- fase da inclusão: surgiu na segunda metade da década de 80, tem como pressuposto

fundamental a adaptação do sistema escolar às necessidade dos alunos. È proposto

um sistema educacional único e de qualidade para todos os alunos, com ou sem

deficiência e com ou sem outros tipos de condição atípica.

A proposta da escola inclusiva tem como principal marco a “Conferência Mundial

sobre Educação de Pessoas com Necessidades Especiais: Acesso e Qualidade”, realizada na

cidade de Salamanca, Espanha, em 1994. Nela o documento “A Declaração de Salamanca e o

“Plano de ação para a Educação de Pessoas com Necessidades Especiais” foram adotados por

mais de 300 participantes representando 92 países, inclusive o Brasil, e 25 organizações

internacionais. De tal declaração extraiu-se o trecho a seguir, traduzido por Sassaki :

“O princípio fundamental da escola inclusiva consiste em que todas as pessoas devem aprender juntos, onde quer que isto seja possível, não importam quais dificuldade ou diferenças elas possam ter. Escolas inclusivas precisam reconhecer e responder às necessidades diversificadas de seus alunos, acomodando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando educação de qualidade para todos mediante currículos apropriados, mudanças organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com suas comunidades.”(UNESCO, 1994)

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Se, possuir ascendência africana já corrobora a participação em um grupo social

excluído do sistema educacional, como demonstrado na tabela 1, quando acrescido nos

membros deste grupo o porte de uma necessidade educacional especial a exclusão torna-se

quase que um processo normal e inevitável. Aqueles que pertencem a este grupo constituem-

se nos excluídos dos excluídos, o que configura uma experiência perversa e desumana.

Entre as pessoas impedidas de participar de forma integral do sistema educativo estão

aquelas que apresentam doenças congênitas ou adquiridas cujas características as impedem

de desenvolver adequadamente as atividades educativas escolares. Fazem parte deste grupo

as pessoas com doenças como insuficiência renal crônica, neoplasias, diabetes, anemia

falciforme e outras.

A Anemia falciforme é uma doença hereditária considerada como um problema de

saúde pública no Brasil. Segundo Oliveira (2003, p. 125):

A anemia falciforme resulta de uma mutação na molécula de hemoglobina, que adquiriu a forma de meia lua ou foice, dando origem ao nome: anemia falciforme, também conhecida pelos nomes de drepanocitose ou siclemia (do inglês, sickling: falciforme; derivado de sickle: foice; siclemia).(....) É uma doença que surgiu na África, em zonas endêmicas de malária, e chegou ao Brasil , e a toda a América, via tráfico de escravos (RAMALHO, 1978; NAOUM, 1984; ZAGO, 1994; TEIXEIRA, 1993; SILVA, 1995). Trata-se de uma resposta da natureza que preservou a espécie humana naquele habitat malárico. Na ausência de tal mutação a espécie humana, naquela região, talvez tivesse sido extinta, pois pessoas com anemia falciforme não contraem malária, posto que o Plasmodium não se desenvolve em células em forma de foice. A explicação de tal fenômeno é que o Plasmodium consome oxigênio em grande quantidade e na medida em que ele solicita mais oxigênio a hemácia assume a forma de foice. Ao adquirir essa forma ela é destruída pelos leucócitos, o que destrói também os parasitas da malária.(grifos da autora)

A resistência à infecção pelo parasita da malária, pode ser comprovada em estudos

históricos sobre saúde e doença em Goiás conforme Karasch(1999), para quem, durante os

séculos XVII e XIX, em Goiás, a grande praga era a malária. A autora conclui que a doença

era um sério problema de saúde no norte, mas que o povo da comarca do sul não ficou

completamente livre da doença. Suas conclusões têm como fonte de pesquisa afirmações

contidas em diversos documentos históricos, sendo um deles os escritos do viajante Johann

Emanuel Pohl para quem a quantidade de brancos estava diminuindo em Vila Boa ‘de ano

para ano’, referindo-se a eles como tendo ‘uma constituição franzina’ enquanto ‘os mulatos e

os negros são, ao contrário, robustos e sadios’ . (grifos da autora) Para ela:

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Considerando-se que algumas populações africanas são mais resistentes aos efeitos mortais de parasitas maláricos, o fato de os negros e mulatos serem mais fortes pode indicar que alguma forma de malária existiu na região do Rio Vermelho.(KARASCH, 1999 p.24)

Ainda referindo-se à anemia falciforme Zago (2002, p.10) a caracteriza por sua

variabili dade clínica, afirmando que:

Alguns pacientes apresentam quadro grave da doença, estão sujeitos a inúmeras complicações, e freqüentes hospitalizações. Outros apresentam evolução mais benigna, em alguns casos quase assintomáticas. Esta variabili dade clínica está associada tanto a fatores hereditários como adquiridos. Entre os fatores adquiridos mais importantes está o nível sócio-econômico, com as conseqüentes variações nas qualidades de alimentação, de prevenção de infecções e de assistência médica.

A população atingida pela anemia falciforme no Brasil é predominantemente negra, em

razão de emigração forçada de africanos durante o período escravista, porém segundo Daudt e

cols, (2002, p.834).

Apesar da incidência de anemia falciforme ser mais comum em pessoas da raça negra, estudos populacionais têm demonstrado a presença de hemoglobina S em pessoas descendentes de populações do Mediterrâneo, Caribe, América Central e do Sul, Arábia e Índia.

O Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás é referência em Goiás no

atendimento a portadores de doenças falciformes. O atendimento é realizado no Ambulatório

de hemoglobinopatias, por uma equipe multiprofissional composta por médicos, enfermeiras,

assistentes sociais, psicólogos e nutricionistas. Se houver necessidade o atendimento é

realizado em outros serviços do próprio hospital como o Ambulatório de ginecologia, Pronto

socorro, Clínica médica, Clínica pediátrica e Maternidade.

Nas atividades da Seção de Serviço Social do Hospital das Clínicas da Universidade

Federal de Goiás no atendimento aos portadores de anemia falciforme, constatou-se, que estes

possuíam distorção em relação à idade série em que estavam estudando ou até que estavam

excluídos do sistema escolar, como ilustra a tabela 2, elaborada a partir das informações

encontradas em prontuários que dispunham de fichas de caracterização social.(Anexo A)

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TABELA 2. ESCOLARIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATENDIDOS NO

AMBULATÓRIO DE HEMOGLOBINOPATIAS DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UFG

ESCOLARIDADE

Ensino Fundamental Ensino Médio

IDADE não estuda

Analfa- beto Pré-

escola 1ª

2ª. 3ª 4ª 6ª 8ª 1ª II grau

completo TOTAL

2

1 3 8 2 1 1 4 9 2 2

10 1 1 11 1 1 2 12 1 2 1 4 13 1 2 3 14 1 2 1 4 15 1 1 16 1 1 18 2 1 2 5 19 1 1 2

TOTAL 2 1 2 4 5 2 3 7 1 1 2 32 Fonte: fichas de caracterizaçãosocial HC/UFG

Observa-se que das 32 crianças e adolescentes em idade escolar 13 (40,64%)

apresentam distorção idade/série2, que 2 (6.2%) estão excluídas do sistema escolar e 1 (3,1 %)

é analfabeta. Esta situação das crianças e adolescentes evidenciou a necessidade de

intervenção na trajetória de vida delas, no sentido que apontam Sarmento e cols (1997, p. 273)

Os contextos sociais geram as possibili dades de construção de trajetos de vida. O leque das possibili dades é, deste modo, condicionado pela disposição no campo social de instrumentos de realização individual. Estes são limitadas: as condições de existência abrem reduzidas possibili dades de autonomia aos atores sociais, sobretudo quando a construção desigual do processo histórico atirou para as margens sociais um considerável número de pessoas. Todavia é no quadro dessas margens limitadas de autonomia que se encontra a abertura à pluralização das existências individuais e a própria possibili dade de ruptura com o contexto gerador.

��Considera-se a idade recomendada para cada série/nível de ensino, ou seja, sete anos para a 1� série do ensino

fundamental, oito anos para a 2� série e assim sucessivamente. Se o aluno apresenta idade acima (2 anos ou mais) da recomendada para a série que freqüenta, encontra-se em distorção em relação à sua idade e à série em que está matriculado

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No Brasil, as crianças e adolescentes têm direitos estabelecidos pela Constituição

Federal (BRASIL,1988) e pela Lei 8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

(BRASIL, 1990). O artigo 4° desta lei estabelece que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência famili ar e comunitária.

A concepção de criança e adolescente presente em todo o texto do Estatuto da Criança

e do Adolescente, conforme o artigo 6,° é a de que elas são sujeitos de diretos “na condição

peculiar de pessoas em desenvolvimento”(BRASIL, 1990). Para isto esta Lei estabelece

direitos que asseguram o exercício de um protagonismo infanto-juvenil.

Gaitán (1988, p.86) define protagonismo infantil como: O processo social mediante o qual se pretende que meninas, meninos e adolescentes desempenhem o papel principal em seu próprio desenvolvimento e no de sua comunidade, para alcançar a realização plena de seus direitos, atendendo a seu interesse superior. É por em prática a visão da infância como sujeito social de direitos.

No capítulo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). destinado

ao direito à educação, à cultura , ao esporte e ao lazer,este direito está definido da seguinte

forma:

Inciso I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Inciso II – direito de ser respeitado por seus educadores; Inciso III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instância escolares superiores; Inciso IV - direito de organização e participação em entidades estudantis.

Soares e Tomás (2004, p.142) contextualizam a concepção de crianças e adolescentes

como sujeitos protagônicos afirmando que:

Ao longo do século XX emergem sucessivas imagens da criança como sujeito de direitos, das quais não podem ser dissociados os contributos dados pelos sucessivos esforços legislativos, consubstanciados em documentos com a Declaração de Genebra(19230, a Declaração Universal dos Direitos da Criança (19590 e a Convenção dos Direitos da Criança(1989)(...) No início do século XXI, (...) assume-se como impreterível a promoção de uma imagem de criança cidadã (Sarmento, 1999), acentuando-se a indispensabili dade da promoção da sua inclusão no processo de cidadania, o que implica, para além de outros aspectos, a valorização e aceitação da sua voz e a sua participação nos seus cotidianos, ou seja, nos diversos ‘mundos’ que a rodeiam e onde está inserida.(citação das autoras)

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O que se postula é que as crianças e os adolescentes são sujeitos com capacidade para

opinar, decidir e agir. Assim sendo, conhecer suas trajetórias de vida, a partir da concepção

deles, é um pressuposto para que se possa intervir nas mesmas, quando se fizer necessário.

De acordo com Sarmento e Pinto (1997, p.25):

O estudo das crianças a partir de si mesmas permite descortinar uma outra realidade social, que é aquela que emerge das interpretações infantis dos respectivos mundos de vida. O olhar das crianças permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece totalmente.

A atuação do Serviço Social do Hospital das Clínicas da UFG junto aos portadores de

anemia falciforme indicou a necessidade de um conhecimento maior a respeito da influência

da doença na trajetória escolar dos seus portadores. Para isto consultou-se a literatura

disponível a respeito da participação dos portadores no sistema educacional brasileiro. No

entanto, não foram encontradas informações suficientes para subsidiar intervenções em relação

a garantia do direito à educação conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente o que

motivou a realização desta pesquisa visando responder à seguinte questão:

Qual a influência da anemia falciforme no processo de escolarização das crianças e

adolescentes portadores desta anemia?

A pesquisa foi realizada a partir dos seguintes pressupostos:

- a concepção de criança e adolescente como sujeitos capazes de ações protagônicas;

- a constatação de que as crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme

estavam em situação de distorção idade/série escolar ou excluídos da instituição

escolar.

O objetivo geral da pesquisa foi conhecer a influência da anemia falciforme no

processo de escolarização das crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme na

concepção dos mesmos e o objetivo específico foi levantar as principais conseqüências da

doença para o portador, principalmente, as relacionadas à educação, na concepção dos

portadores.

Para atingir tais objetivos a pesquisa foi desenvolvida à luz do referencial qualitativo,

numa abordagem sócio-histórica que, conforme Freitas (2002), consiste numa preocupação de

compreender os eventos investigados, descrevendo-os e procurando as suas possíveis relações,

integrando o individual e o social. Apesar do referencial qualitativo, foram coletados dados

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quantitativos com objetivo de contextualizar as informações obtidas durante as entrevistas para

possibili tar uma melhor interpretação das mesmas.

Acerca da pesquisa qualitativa, Minayo (2002) acrescenta que ela responde a questões

muito particulares, preocupando-se, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não

pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das

relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis.

O que se busca com a pesquisa qualitativa é verificar as relações entre trajetórias

individuais e grupais com os fatos gerais do contexto social em que estas trajetórias estão

inseridas.

Realizou-se um estudo do perfil sócio econômico das crianças e adolescentes

portadores de anemia falciforme, atendidos no Hospital das Clínicas da UFG por meio dos

dados encontrados nos prontuários, utili zando também entrevistas3 semi-estruturadas com o

objetivo de verificar as conseqüências da anemia falciforme no cotidiano dos adolescentes a

partir de sua visão particular. A opção por entrevistar as crianças e adolescentes foi motivada

pela necessidade de proporcionar espaço para que eles expressassem sua opinião acerca de seu

cotidiano e em especial o escolar para que se procedesse o estabelecimento de relações entre a

interpretação deles e o contexto social em que estão inseridos

A população da pesquisa foi constituída por crianças e adolescentes, atendidos pelo

Hospital das Clinicas da UFG. Para o levantamento do perfil sócio econômico das crianças e

adolescentes foram consultados todos os prontuários de portadores da doença, indicados pelo

Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas. Tendo em vista a metodologia qualitativa

adotada, foram entrevistados adolescentes atendidos no ambulatório de Hemoglobinopatias do

Hospital das Clínicas no período de Setembro a Dezembro de 2004, pois de acordo com

Duarte (2002, p. 144):

no que diz respeito ao número de entrevistas, o procedimento que se tem mostrado mais adequado é o de ir realizando entrevistas,(....) até que o material obtido permita uma análise mais ou menos densa das relações estabelecidas naquele meio e a compreensão dos significados, sistemas simbólicos e de classificação, códigos, práticas, valores, atitudes, idéias e sentimentos.

3 As entrevistas foram realizadas apenas com adolescentes, devido às peculiaridades que este tipo de pesquisa com crianças.

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Foram utili zados como instrumentos na pesquisa:

• entrevistas semi-estruturadas cujo roteiro de entrevista abarcou as condições da

vida familiar, social e educacional dos portadores; (Anexo B4)

• fichas de caracterização social da Sessão de Serviço Social do Hospital das

Clinicas encontradas nos prontuários consultados.

• gravador

Durante a pesquisa foram observados os seguintes aspectos éticos:

• Sigilo quanto à identidade dos participantes, assim os nomes citados nos relatos das entrevistas são fictícios;

• Espontaneidade para participar da pesquisa sendo que para isto os participantes

da pesquisa, bem como seus responsáveis, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido(anexo C);

• Permissão para gravar e utili zar resultados.(anexo C); • Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do

Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (anexo D);

Os dados obtidos nas fichas de caracterização social dos prontuários foram tabulados e

analisados estatisticamente. As entrevistas foram analisadas através da técnica de análise de

conteúdo, tendo como base a perspectiva de Bardin (1979) , Chizzotti (2001), Minayo(1996 e

2002) e Gomes (2002) , conforme expõe-se a seguir.

Segundo Chizzotti (2001 p. 98):

a análise de conteúdo é um método de tratamento e análise de informações, colhidas por meio de técnicas de coleta de dados, consubstanciados em um documento. A técnica se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento. (...) O objetivo da análise de conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas.

Para Bardin (1979, p.42)

A Análise de Conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens.

4 No anexo B está o roteiro para as entrevistas reali zadas, no entanto este foi alterado em algumas entrevistas para permitir que os entrevistados pudessem expressar melhor suas concepções.

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A análise de Conteúdo possibili ta ao pesquisador o estabelecimento de triangulações

entre o conteúdo das falas dos entrevistados, a realidade objetiva e as concepções teóricas que

fornecem explicações acerca desta realidade.

Minayo, (1996, p.42) enfatiza a importância da análise de conteúdo para o campo das

investigações sociais:

A expressão mais comumente usada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa quali tativa é Análise de Conteúdo. No entanto o termo significa mais do que um procedimento técnico. Faz parte de uma histórica busca teórica e prática no campo das investigações sociais.(...) Na busca de atingir os significados manifestos e latentes no material quali tativo tem sido desenvolvidas várias técnicas como Análise de Expressão, Análise de Relações, Análise Temática e Análise da Enunciação.

No presente estudo utili zou-se a Análise temática, tendo como referência os autores

citados. Para o estabelecimento de temáticas o conteúdo da comunicação é recortado no

sentido de buscar informações acerca do assunto que é objeto de estudo. Segundo Bardin,

(1979, p.105): o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto

analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura.

A operacionalização da análise temática segundo Minayo (1996, p.209):

consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado.(...) quali tativamente a presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso.

Na operacionalização da análise foram seguidas as três etapas da análise temática

sugeridas por Gomes(2002):

• Pré-análise: Parte-se de uma li teratura de primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado;

• Exploração do material: Codificação, categorização e Inferência; • Interpretação: Relaciona-se estruturas semânticas (significantes) com

estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. Articula-se a superfície do texto descrita e analisada com os fatores que determinam suas características.

Para tanto as entrevistas foram lidas exaustivamente buscando encontrar categorias

para proceder a análise. Deste trabalho emergiram três eixos temáticos: Convivendo com a

Doença; a Trajetória escolar e as Perspectivas de vida.

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O desenvolvimento do trabalho deu origem aos três capítulos que se seguem. O

primeiro será destinado à fundamentação teórica que serviu de suporte à pesquisa e está

subdividido em três sub itens:

9� Educação limites e possibili dades, que apresenta um panorama das diferentes

concepções sobre o processo ensino-aprendizagem;

9� Educação dos afro-descendentes no Brasil num contexto de exclusão social em

que se busca situar a população brasileira afro-descendente em relação à política

educacional brasileira ;

9� Anemia Falciforme e o processo saúde-doença que estabelece uma descrição

desta patologia e suas conseqüências no processo saúde-doença dos portadores da

mesma.

O segundo capítulo tratará da análise dos dados colhidos. No terceiro serão

apresentadas as considerações finais e recomendações a que o estudo conduziu.

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1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. EDUCAÇÃO: LIMITES E POSSIBILIDADES

A educação é vista como o meio de acesso aos bens culturais e materiais da sociedade.

É pela educação escolar, particularmente, que são transmitidos para as novas gerações os

ensinamentos que são necessários para o exercício de pertencer a uma determinada sociedade.

Segundo Cury (2002a), a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania e como tal é

reconhecida como direito que, por esta razão, é concretizado em leis de caráter nacional.

Neste sentido, Viana (2002) afirma que a educação é um dos processos sociais mais

importantes em nossa sociedade e que se realiza fundamentalmente na escola.

A escola é a instância legítima para transmitir conhecimentos e habili dades para a vida

em sociedade e sua atuação tem sido objeto de diversos estudos cujos resultados levaram a

diversas posições teóricas das quais serão apresentadas algumas que se relacionam à presente

investigação.

Segundo Bordieu e Passeron, (1975) a legitimidade da escola provem do fato de que

em uma formação social existem instâncias que estão encarregadas de reproduzir, através da

imposição e inculcação o arbitrário cultural necessário à reprodução das relações de força

presentes nesta formação. Esta imposição é realizada por meio de ações pedagógicas que são:

objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário de um arbitrário

cultural.(BORDIEU E PASSERON, 1975, p 20)

As ações pedagógicas podem ser exercidas por todos os educadores de uma formação

social ou grupo, pela família ou pelo sistema de agentes da educação institucional. Elas

correspondem aos interesses materiais e simbólicos de grupos ou classes diferentemente

situadas nas relações de forças. E por este motivo tendem sempre a reproduzir a estrutura da

distribuição do capital cultural5 entre esses grupos ou classes , contribuindo do mesmo modo

para a reprodução da estrutura social., definida como reprodução da estrutura das relações de

forças entre as classes.

5 Capital cultural é formado pelos bens culturais que são transmitidos pelas diferentes ações pedagógicas familiares e cujo valor enquanto capital cultural é função da distância entre o arbitrário cultural imposto pela ação pedagógica dominante e o arbitrário cultural indicado pela ação pedagógica familiar nos diferentes grupos ou classes( Bordieu e Passeron, 1975)

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Para Bordieu e Passeron:

a ação pedagógica implica o trabalho pedagógico como trabalho de inculcação

que deve durar o bastante para produzir uma formação durável; isto é, um

habitus como produto da interiorização dos princípios de um arbitrário cultural

capaz de perpetuar-se após a cessação da ação pedagógica e por isso de

perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado(1975, p. 44)

O trabalho da escola está assim relacionado com a organização social em que está

inserida, na medida em que reproduz os habitus necessários à manutenção das relações

existentes nesta organização.

Para explicar como se dá a relação entre habitus e organização social

Bourdieu,(1997, p. 21) afirma que:

o espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas de posição

pela intermediação do espaço de disposições (ou do habitus ) ou, em outros

termos, ao sistema de separações diferenciais nas propriedades dos agentes (ou

de classes construídas como agentes), isto é, em suas práticas e nos bens que

possuem. A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus (ou de

gostos) produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição

correspondente e, pela intermediação desse habitus e de suas capacidades

geradoras, um conjunto sistemático de bens e de propriedades, vinculadas entre

si por uma afinidade de estilo.

Nesta perspectiva para cumprir seu papel e ter legitimidade o trabalho da escola

precisa ser eficiente. Bourdieu e Passeron (1975) afirmam que o trabalho pedagógico possui

uma produtividade específica que é medida objetivamente:

- pelo seu efeito de reprodução;

- pelo grau em que o hábito que produz é durável;

- pelo grau em que o habitus que produz é transferível, isto é, capaz de engendrar

práticas conformes aos princípios do arbitrário inculcado num maior número de

campos diferentes;

- Pelo grau em que o habitus que ele produz é exaustivo, isto é reproduz mais

completamente nas práticas que ele engendra os princípios do arbitrário cultural

de um grupo ou de uma classe.

Segundo os autores citados:

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A integração de um grupo repousa sobre a identidade (total ou parcial) dos

habitus inculcados pelo trabalho pedagógico(....) e um mesmo habitus pode

engendrar tanto uma prática quanto seu inverso, quando tem por princípio a

lógica da diferenciação(1975, p.47)

De acordo com esta perspectiva a legitimidade da instituição escolar permite que ela

estabeleça o que será ou não ensinado àqueles a quem se destina, bem como quem pode ou

não ter acesso a estes ou aqueles conhecimentos. No seu interior se estabelece uma hierarquia

vertical na relação professor aluno e horizontal na relação entre os alunos. Ou seja todas as

relações se estabelecem de forma desigual, ocupando a posição de supremacia aqueles que

tem o domínio do objeto principal da escola, o conhecimento. Para que isto aconteça a

escola desenvolve mecanismos que se traduzem em sanções e prêmios para os alunos.

Mecanismos inquestionáveis devido à legitimidade citada anteriormente.

Bourdieu e Passeron (1975) caracterizam a instituição escolar como um instrumento

de reprodução das relações de força presentes numa sociedade. No entanto toda a produção da

ciência da educação indica que existe um movimento no sentido de mudar este papel

contribuindo na alteração destas relações de força. Este movimento se concretiza no

estabelecimento de propostas que tem por objetivo a mudança das relações que ocorrem no

processo ensino aprendizagem. Elas estão relacionadas principalmente com a concepção sobre

como se aprende e nomeadamente como a criança aprende e qual a melhor forma de

proporcionar aprendizagem significativa e crítica em que todos os alunos sejam sujeitos no

processo ensino aprendizagem.

Tais propostas não têm por objetivo o estabelecimento de uma escola a redentora da

humanidade, mas que o processo ensino/aprendizagem seja capaz de proporcionar aos alunos a

construção do conhecimento coletivo e compartilhado, através do estabelecimento de relações

carregadas de significado pessoal e social, fornecendo ferramentas de decodificação da

realidade para a construção de novas relações na sociedade.

Paulo Freire(1975,28) afirma que .

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O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. O autor define a educação tradicional reprodutivista como educação bancária na qual o educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. A relações estabelecidas no cotidiano são de dominação onde o que possui o saber o deposita naquele está vazio de saber. Este tipo de educação conduz à memorização mecânica dos conteúdos e nesta perspectiva o educador deve proporcionar o maior volume possível de informações aos educandos e estes devem ser capazes de docilmente armazená-las.

Para Freire, (1975 p.83-85), a educação bancária tem como consequências:

• a mistificação da realidade;

• a inibição da criatividade

• a domesticação da consciência

• o desconhecimento da historicidade dos seres humanos;

• a percepção fatalista da realidade;

• a aceitação da dominação;

• negação dos homens na sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se.

Na educação bancária educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta

distorcida visão de educação não há criatividade, não há transformação, não há saber pois ele

só existe na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os

homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Freire (1975, p.66).

Para modificar a relação bancária no processo ensino aprendizagem Freire propõe uma

educação libertadora, problematizadora que busca a superação da contradição

educador/educandos, através de relações dialógicas em que os dois são sujeitos. Nesta relação

educador/educandos se educam, pois os educandos são investigadores críticos em diálogo com

o educador e nesse diálogo tanto o educador quanto o educando alternam o papel de quem

ensina e de quem aprende. Para ele “a educação problematizadora de caráter autenticamente

reflexivo implica num constante ato de desvelamento da realidade”(Freire, 1975: 80)

A prática da educação libertadora é de liberdade e implica na negação do homem

abstrato, isolado, solto, desligado do mundo bem como na negação do mundo como uma

realidade ausente dos homens e propõe uma reflexão sobre os homens e sua relação com

mundo numa busca que não pode realizar-se no individualismo, mas na comunhão e

solidariedade. Parte do caráter histórico e da historicidade dos homens reconhecendo-os como

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seres inacabados.e propondo a eles sua realidade como problema para que, através do

aprofundamento de sua tomada de consciência, possam resolvê-los.

Esta prática tem como conseqüências:

• o desenvolvimento por parte dos educandos de seu poder de captação e de

compromisso com o mundo que lhes aparece como uma realidade em

transformação, em processo;

• a desmistificação da realidade

• a capacidade de criticizar os acontecimentos;

• a criatividade

• o estímulo à reflexão verdadeira dos homens sobre a realidade

• A apropriação do caráter histórico da realidade como premissa da

possibili dade de sua transformação.

Outra proposta no sentido da mudança no processo ensino aprendizagem é a

abordagem construtivista que surgiu em meados da segunda década do século XX e que tem

sido objeto de constante debate e reconstrução por seus adeptos e críticos. É necessário

estabelecer uma diferenciação entre duas correntes desta proposta.

Mesmo sendo Piaget e Vygotsky os principais teóricos do construtivismo, as

contribuições dos dois, apesar de apresentarem o aluno como construtor do seu conhecimento

diferem quanto ao papel que o fator social desempenha na construção do conhecimento.

Diferença esta que leva ao estabelecimento de práticas pedagógicas distintas.

Vygotsky (2002:117) afirma que o aprendizado humano pressupõe uma natureza social

específica e um processo através do qual as crianças participam da vida intelectual das

pessoas que as cercam.

Neste processo elas se apóiam e transformam o conhecimento, tendo como referência

suas experiências vivenciais, num eterno entrelaçar da história social com a história individual.

A teoria de Vigotsky tem em comum com Freire a perspectiva teórica do ser humano

como ser crítico, que transforma o social e a si mesmo através das interações sociais.

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Para Piaget o conhecimento vem da ação interiorizada e não da linguagem estabelecida

nas relações sociais. Apenas quando a criança está próxima de completar determinadas

estruturas lógicas, é que poderá construir o conhecimento por si mesma, pois está pronta para

realizar e enfrentar os desafios da etapa seguinte do seu desenvolvimento psicológico.

Vygotsky tem como ponto de partida o fato de que o aprendizado das crianças começa

muito antes de estas freqüentarem a escola e que aprendizado e desenvolvimento estão inter-

relacionados desde o primeiro dia de vida da criança. Para ele existe uma unidade entre os

processos de desenvolvimento interno e os de aprendizado e embora estejam diretamente

ligados estes processos nunca são realizados em igual medida ou em paralelo, podendo,

inclusive, a aprendizagem influir no desenvolvimento.

Para ele podem-se distinguir duas linhas qualitativamente diferentes de

desenvolvimento que diferem quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que

são de origem biológica e de outro, as funções psicológicas superiores, que acrescentam ao

fator biológico a dimensão sócio cultural. Durante a infância surgem duas formas culturais de

comportamento: o uso de instrumentos e a fala humana.

Os instrumentos são ferramentas que a criança usa para provocar mudanças nos objetos

de sua atividade.

A fala tem um papel essencial na organização das funções psicológicas superiores, pois

para ele:

o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem.(...) Com a ajuda da fala elas adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu próprio comportamento.( VYGOTSKY, 2002 p. 33 e36)

Em relação à fala, Piaget desenvolve o conceito de fala egocêntrica, que não tem uma

função de troca com o outro. Para ele as crianças pequenas falam sozinhas, falam todas ao

mesmo tempo, falam do que estão fazendo e só quando atingem uma etapa posterior de

desenvolvimento da fala socializada é que conseguem estabelecer trocas com os outros através

da linguagem. (Souza e Kramer, 1991)

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Vigotsky afirma que Piaget não dá a dimensão necessária à fala na organização da

atividade infantil, uma vez que em suas pesquisas observou que a quantidade de fala

egocêntrica aumenta em relação direta com a dificuldade do problema prático enfrentado pela

criança e desenvolveu a hipótese de que a fala egocêntrica das crianças deve ser vista como

uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. Para ele a fala social que,

inicialmente, é usada na comunicação com outras pessoas é, posteriormente, internalizada,

passando a ter uma função intrapessoal que impõe à criança comportamentos sociais, e

organiza seu pensamento tornando-se uma função mental interna fundamental para a

construção do conhecimento.

O processo de internalizaçao constitui-se numa reconstrução interna de uma operação

externa passando pelas seguintes de transformações:

a) Uma atividade que num primeiro momento é externa, social, é reorganizada e passa

a acontecer internamente;

b) A conversão de processo coletivo para individual não é automática, mas sim

produto da ação dos processos psíquicos superiores, de avaliação crítica do que é

negociado socialmente, sendo aceito ou não, e, se aceito, internalizado junto às

experiências posteriores, produzindo conhecimento.

Na concepção de Vigotsky linguagem e ação estão relacionadas num processo

dinâmico.A linguagem, num primeiro momento, segue a ação, sendo provocada e dominada

pela atividade. Posteriormente ela se desloca para o inicio da atividade, ou seja, a criança

planeja o que vai fazer, surgindo uma nova relação entre palavra e ação.Neste instante a

linguagem dirige, determina e domina o curso da ação passa a ter uma função planejadora.

Vigotsky (2002, p.38) resume sua concepção sobre a linguagem da seguinte forma:

A capacitação especificamente humana para a linguagem habili ta as crianças a providenciarem instrumentos auxili ares na solução de tarefas difíceis , a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais.

Outro elemento considerado por Vigotsky como fundamental no processo de

construção do conhecimento é o signo. Para ele os seres humanos têm a capacidade de

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inventa-los e utili za-los como meio para solucionar problemas, sendo sua produção de caráter

histórico e social. Ele relaciona signo e instrumento da seguinte forma:

• Existe uma analogia entre os dois na função mediadora que os caracteriza. .

Tanto signo quanto instrumento são mediadores entre a realidade e o indivíduo,

sendo que a essência do uso do signo consiste em que os homens afetam seu

comportamento através dos mesmos;

• A diferença essencial entre signo e instrumento é correspondente às diferentes

maneiras com que eles orientam o comportamento humano. A função do

instrumento é a de ser a ferramenta com a qual o ser humano influencia no

objeto de sua atividade. Ele é orientado externamente e constitui um meio pelo

qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da

natureza. O signo tem a função de ser um meio da atividade interna constitutiva

do próprio indivíduo que o utili za.

• Existe uma ligação real entre signo e instrumento pois a combinação entre o

instrumento e o signo na atividade psicológica produz a função psicológica

superior no sentido de que:

O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda, fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de instrumentos amplia de forma ili mitada a gama de atividades em cujo interior as novas funções psicológicas podem atuar. (VYGOTSKY 2002, p. 73)

É interessante observar também que a contribuição de outros autores em relação ao

signo aponta na mesma perspectiva de Vigotsky:

Bakthin (1990, p.44) reafirma que todo signo resulta do consenso entre indivíduos

socialmente organizados no decorrer de um processo de interação sendo as formas do signo

condicionadas pela organização social em que os indivíduos estão inseridos e pelas condições

em que a interação acontece. Para ele o organismo e o mundo encontram-se no signo e a

atividade mental é expressa exteriormente através do signo e para o indivíduo ela só existe

sob forma de signos dos quais a expressão de sua relação, como realidade isolada, com uma

outra realidade, por ela substituível, representável, simbolizável constitui o processo de

significação.

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Segundo Silva (2001) Os significados são produzidos através de processos sociais de

conhecimento nos quais estão contidas relações de poder. Eles são organizados em sistemas de

representação que definem o mundo e produzem a identidade humana.

Um conceito central na teoria de Vigotsky do processo ensino/aprendizagem é o de

Zona Proximal de desenvolvimento(ZPD). Para descobrir as relações reais entre o processo de

desenvolvimento e a capacidade de aprendizado o autor afirma que é necessário determinar

pelo menos dois níveis de desenvolvimento.

O primeiro é o nível de desenvolvimento real que é o nível de desenvolvimento das

funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos processos de

conhecimento já construídos.

O segundo é o nível de desenvolvimento proximal determinado através da solução de

problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

À distância entre o nível de desenvolvimento real e o proximal Vigotsky chama de zona de

desenvolvimento proximal (ZDP).

O processo ensino/aprendizagem se realiza na ZDP. Ele desperta os processos

psicológicos superiores, que são ativados somente quando a criança interage com pessoas em

seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados esses

processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.

Para Onrubia, 2001 a ZDP tem origem nos processos interativos que ocorrem no

processo ensino/aprendizagem em função dos conhecimentos prévios do participante menos

competente e da ajuda que o participante mais competente possa oferecer.

O brinquedo, atividade corriqueira no cotidiano da criança, tem para Vigotsky um

importante papel no desenvolvimento da criança, uma vez que, no brinquedo as crianças se

utili zam dos signos e assumem comportamentos que estão além daqueles relativos à sua idade.

Ou seja, ele cria uma ZDP e, além disso, o brinquedo estabelece relações entre o pensamento e

a realidade.

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Outra contribuição que o autor atribui ao brinquedo no processo de construção do

conhecimento é a de que nele a criança realiza um processos de significação que distingue

como sendo de primeira ordem quando um objeto adquire o significado de outro por

apresentar características comuns com o mesmo e de segunda ordem no qual um objeto pode

ter a função de signo independente de suas características serem ou não similares às do objeto

representado. Esse simbolismo de segunda ordem contribui para o desenvolvimento da

linguagem escrita por ser esta também um sistema de simbolismo de segunda ordem.

Sarmento (2004, p.25) também fala da importância do brinquedo no cotidiano infantil:

a ludicidade constitui um traço fundamental das culturas infantis. Brincar não é exclusivo das crianças; é próprio do homem e uma das suas atividades sociais mais significativas . Porém as crianças brincam contínua e abnegadamente. Contrariamente aos adultos, entre brincar e fazer coisas sérias não há distinção, sendo o brincar muito do que as crianças fazem de mais sério.... Com efeito, a natureza do brincar das crianças constitui-se como um dos primeiros elementos fundacionais das culturas da infância. O brincar é a condição da aprendizagem e, desde logo, da aprendizagem da sociabili dade. ...O brinquedo e o brincar são também um fator fundamental na recriação do mundo e na produção das fantasias infantis.

Vejamos agora algumas contribuições de seguidores de Vigotsky sobre o

construtivismo.

Coll e Solé , (2001, p.23) afirmam que

a concepção construtivista assume a posição de que, na escola, os alunos aprendem e se desenvolvem, na medida em que podem construir significados adequados sobre os conteúdos que constituem o currículo escolar. (...) A aprendizagem não limita a sua incidência às capacidades cognitivas, entre outras coisas porque os conteúdos da aprendizagem, entendidos de uma forma ampla, afetam todas as capacidades; repercutindo no desenvolvimento global do aluno.

Em relação à aprendizagem na perspectiva construtivista, Onrubia, (2001), diz que a

aprendizagem escolar é um processo ativo do ponto de vista do aluno, no qual este constrói,

modifica, enriquece e diversifica os seus esquemas de conhecimento, relativamente aos

diversos conteúdos escolares, a partir do significado e do sentido que consegue atribuir a esses

mesmos conteúdos, e ao próprio fato de os aprender. Em relação ao ensino o autor afirma que

deve ser entendido como ajuda ao processo de aprendizagem. Ajuda necessária, pois sem ela é

altamente improvável que os alunos consigam aprender, e aprender da forma o mais

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significativa possível, os conhecimentos necessários ao seu desenvolvimento pessoal e à sua

capacidade de compreender a realidade e de atuar nela.

Esta ajuda deve ser adequada ao contexto escolar que envolve elementos como a

diversidade cultural dos alunos e as características da atividade mental construtiva destes.

Deste modo o desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem se revela um desafio

para o professor que tem que proporcionar ajudas suficientes a todos alunos. O mesmo tipo de

ajudas não é suficiente para todas as situações, uma vez que os alunos vêm de realidades

diferentes e, portanto tem conhecimentos prévios diferentes.

Para Miras (2001, p. 58):

Desde que possam contar com a ajuda e orientação necessárias, grande parte da atividade mental construtiva dos alunos deve consistir em mobili zar e atualizar os seus conhecimentos anteriores, a fim de entenderem a relação ou as relações que eles mantêm com o novo conteúdo. A possibili dade de estabelecer estas relações irá determinar que os significados a construir sejam mais ou menos significativos, funcionais e estáveis.(...) Para ensinarmos de uma forma conseqüente com o estado inicial de nossos alunos, temos de procurar descobrir que disposição, que recursos e capacidades gerais e que conhecimentos prévios eles têm.

Segundo Mauri (2001) os conhecimentos que possuímos estão armazenados na mente

na forma de unidades chamadas esquemas de conhecimento, que estão ligadas entre si. Estes

esquemas de conhecimento não são de material experencial mas simbólico, ou seja, não são

uma cópia da realidade, mas uma construção em que intervieram outras idéias já existentes,

enfim na mente se encontra a idéia ou representação pessoal de uma realidade objetiva.

A tarefa do professor é fazer com que o aluno estabeleça ligações entre os esquemas de

conhecimento que já possui e aqueles que deseja que o aluno aprenda. Para Mauri, (2001),

os conhecimentos prévios que os alunos possuem são um requisito indispensável indispensável

para a aprendizagem, pois aprendem através desses conhecimentos.

Concordando com Vigotsky de que as atividades individuais se realizam a partir da

interação entre os homens, Davidov (1999) considera que a atividade é um fenômeno de

natureza social-pública, de natureza humana. Para ele as atividades individuais partem da

atividade coletiva, sendo o sujeito individual pura simultaneidade em relação a sucessividade

do indivíduo coletivo ou atividade coletiva. A interiorização está ligada ao processo de

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transformação da atividade coletiva em atividade individual. A atividade estrutura-se da

seguinte forma: desejo, necessidades, tarefas, emoções, ações, motivos para as ações, meios

usados para as ações, planos. Alem do desejo Davidov apresenta um outro elemento que ajuda

as pessoas a atingirem seus objetivos através da realização de certas tarefas que é a vontade.

A educação deve ser um processo em que o aluno construa seu conhecimento e para

isto é necessário que ele seja concebido como um ser capaz de fazê-lo. É necessário o

estabelecimento de relações professor/aluno em que ambos sejam sujeitos no processo

ensino/aprendizagem. Entretanto, observamos que as crianças ocupam na sociedade um lugar

de inferioridade em relação aos adultos A criança ocupa o lugar da incapacidade, incapacidade

para falar, emitir juízos, de decidir, de agir.

Neste sentido Soares e Tomás (2004, p.137) afirmam que os cotidianos infantis são

caracterizados pela ausência de voz e ação da parte da criança e perfeitamente moldados pela

ação do adulto e dependentes da leitura que esse mesmo adulto faz sobre o “melhor interesse

da criança” .

As autoras relatam que existe um movimento mundial para que a criança ocupe um

lugar de protagonista em sua própria história. É um movimento no sentido que as crianças

sejam cidadãs portadores de direitos civis e políticos:

Essa proposta sustenta-se na idéia de que as crianças também são seres sociais, atores sociais, e a valorização da sua ação e voz é imprescindível na discussão e concretização dos referidos direitos civis e políticos. Sustenta-se ainda na indispensabili dade de considerar as crianças como atores sociais competentes – obviamente têm competências diferentes das dos adultos, mas não são, indiscutivelmente, incompetentes: os processos de ` elações, negociações, confrontos, que desenvolvem entre elas e com os adultos são bem reveladores da referida competência e da legitimidade da sua ação nas esferas privada e pública dos seus cotidianos. (SOARES E TOMÁS, 2002, p.156)

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1.2. EDUCAÇÃO DOS AFRODESCENDENTES NO BRASIL NUM

CONTEXTO DE EXCLUSÃO SOCIAL

A educação apresenta-se como campo de luta em que as forças sociais travam

embates, seja por razões políticas, econômicas ou culturais, objetivando definir a dinâmica a

ser concretizada pela educação nacional a ser exercida como direito. No Brasil observamos

diversas forças presentes nesse campo de luta, mas em geral observamos dois grandes grupos

que podemos caracterizar como um do mundo real e um do mundo oficial6. Do mundo real

faz parte a população em geral que tem como representantes de suas aspirações os educadores

e estudantes que se reúnem em organizações e movimentos sociais. No mundo oficial está o

governo, cujas propostas expressam os desejos das forças hegemônicas do país, porque detém

o poder de decisão sobre as políticas educacionais.

No Brasil, desde o século XIX, ainda no período imperial, a educação figura no

panorama legal como objeto de leis e decretos. A Constituição outorgada em 1824, no seu

artigo 179 § 32 estabelece que a instrução primária seja gratuita a todos os cidadãos, sendo que

a partir de 1834 o dever de garantir esta gratuidade passa a ser das províncias. Esse direito não

foi garantido para todos, sendo objeto de definição legal quais seriam os excluídos. Segundo

Siss, (2003) três anos mais tarde, o Presidente da Província do Rio de Janeiro, que abrigava a

capital do Império, ao decidir sobre o acesso às escolas públicas dessa Província, sanciona a

Lei nº 1, de 4 de Janeiro de 1837 que, no seu artigo 3º determinava o seguinte:

Art. 3º São proibidos de freqüentar as escolas públicas:

1º Todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas

2º Os escravos, e os pretos Africanos, ainda que sejam livres ou libertos.

Ao lado dessa exclusão legal figurava também um efetivo desinteresse do governo

central pela educação, pois não repassava verbas para as províncias para tal fim.

Podemos encontrar explicação para isto em Cury, (2002a), para quem, nos países

colonizados, a escravidão, o caráter agrário-exportador desses países e uma visão

preconceituosa em relação ao “outro” determinaram uma estratificação social de caráter

hierárquico. Nesta visão o outro não era visto como igual mas como “inferior” . Logicamente,

as elites atrasadas desses países, considerando-se “superiores” , determinaram o pouco peso

atribuído à educação escolar pública para todos. Na perspectiva dessas classes dirigentes, era

suficiente para as classes populares serem destinatárias da cultura oral. Bastava-lhes um tipo

6 Brzezinki (1999) se vale de comparações feitas por Anísio Teixeira (1962) entre os valores reais e proclamados para trabalhar essa tensão que invade as questões de políti cas educacionais: o mundo real e o mundo oficial.

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de catequese em que o “outro” deveria ser aculturado na linha da obediência e da lealdade

servil.

Com o advento da República, em 1989 é promulgada uma nova Constituição na qual a

instrução pública primária continua sob a responsabili dade dos governos locais (Estados e

Municípios).

A Constituição mantém a interdição dos direitos políticos dos analfabetos, o que

exclui da participação política um grande contingente de brasileiros e entre estes a maior parte

do segmento afro-brasileiro. Para Siss (2003) ao mesmo tempo em que não se estabeleceu

constitucionalmente a obrigatoriedade do Estado propiciar escolarização básica à população,

exige-se, para o exercício pleno dos direitos políticos, a qualidade de alfabetizados. A

educação era universal, mas na prática o que se viu foi a exclusão de um grupo grande de

brasileiros da escola.

Face à exclusão vivenciada os afro-descendentes iniciam um processo de luta pelo

acesso à educação. Fundam escolas e incentivam os negros a estudar. Eles viam na exclusão

uma das causas para sua sofrível situação econômica, que comprovamos através das duas

citações que se seguem.

Todos falam com entusiasmo que os pretos da América do Norte são mili onários, industriaes, médicos pharmaceuticos, engenheiros, etc. tem sua razão,sabem por que? – Porque os pretos da América do Norte recebiam instrução e, os pretos do Brasil só recebiam instrução sobre plantação de café e cereaes.7 (CUNHA, 1925 apud SISS, 2003 p.38) Ser negro é sofrer o vexame de não poder galgar as escadarias da conquista nos planos ili mitados das sociedades brasileiras, é ser quasi um estrangeiro indesejável destinado de longínquas plagas, talvez, por ter cometido um crime nacional(...) e onde ou como conseguiremos vencer esse symptomático phenômeno? Cerrando fileiras e erguendo castelos de cimento armado, transformando-se em templos educativos, aonde haja luz, mas muita luz (MORAES, 1927 apud SISS, 2003 p. 41)

A exclusão marca também o início do século. Os educadores se organizam para que

ocorram mudanças no setor educacional. Em 1927 realiza-se a primeira das Conferências

Nacionais de Educação sendo que de 1920 a 1930 são promovidas diversas reformas

educacionais no país. Neste período os educadores se articulam em torno do movimento pela

escola nova que tem seu ponto culminante com o Manifesto dos Pioneiros em 1932. Apesar do

avanço que significou este movimento, segundo Siss (2003) nenhuma linha do documento faz

referências à situação dos negros.

7 Preservamos a grafia da época, para garantir a originalidade do li vro consultado.

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A proposta da escolanovista é a de atuar na formação integral do educando. No

contexto de exclusão presente na escola naquela época, um movimento dessa envergadura

provoca a sensação de que se preocupar com a formação integral significa um olhar sobre

todos aqueles que se constituem como clientela da escola os alunos (todos) e em conseqüência

os que se achavam fora fossem incluídos. No entanto a citação a seguir deixa claro que não foi

bem assim:

Ainda há grupos escolares que recebe negros porque é obrigatório, porém os

professores menos prezam a dignidade da criança negra, deixando-os de lado

para que não aprendam, e os pais pobres e desacorçoados pelo pouco

desenvolvimento dos filhos resolvem tira-los da escola e entregar-lhes serviços

pesados. ( SILVA,1934 apud SISS, 2003 p. 45).

Nos anos 1940 e 1950 continua desigual o acesso desse contingente populacional a

escola, bem como continuam as situações de discriminação racial por parte dos professores,

nos currículos escolares. Esses quando mostram os negros apresentam-nos como raça inferior

, indolente, em alguns casos e noutros, submissa ou no papel de serviçal.

A década de 1960 é marcada no Brasil pelo golpe militar de 1964. Neste período todos

aqueles que se manifestavam contra formas de exclusão e desigualdades eram amordaçados

pelos militares. As questões raciais foram encaradas como problema de segurança nacional

sendo, inclusive, proibidas de divulgação através de decreto do governo do general Emílio G.

Médici.(SISS, 2003 p. 101)

Com o fim da Ditadura militar instaura-se no país um regime democrático.É instalada

uma assembléia Nacional Constituinte que elabora e aprova uma nova Constituição em 1988.

Nela a educação figura como: direito do cidadão e dever do Estado. Para que isto fosse

estabelecido foi necessária uma grande mobili zação de todos os setores do mundo real. As

organizações da sociedade civil se articularam mantendo uma vigilância constante no

Congresso Nacional para que os Constituintes não se curvassem ao projeto do mundo oficial.

Para regulamentar este direito é aprovada a lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996. O

mesmo processo de luta entre o mundo real e o oficial marcou a tramitação e aprovação desta

lei.

Segundo Brzezinski (1997) o anteprojeto de LDB nº 1.258-C/88 teve como ponto de

partida os princípios propostos durante a IV e a V Conferências Brasileiras de Educação

realizadas em 1986 e 1988. Estas duas conferências subsidiaram a elaboração deste

anteprojeto que teve como eixo a universalização do ensino fundamental e a organização de

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um sistema nacional que, de um lado, assegurasse a articulação orgânica dos diversos níveis e

modalidades de ensino na esfera federal, estadual e municipal e, de outro, propiciasse “a

continuada melhora de sua qualidade e a perene democratização, seja de sua gestão, seja em

sua inserção social”8.

Este anteprojeto era defendido pelo movimento social denominado Fórum em Defesa

da Escola Pública e após exaustivas negociações entre os educadores e os parlamentares,

chega-se a um texto final em 1993. No entanto, o mundo oficial, através do Senador Darcy

Ribeiro, apresenta um outro projeto em 1992 que é aprovado em 1996.

Vejamos agora como se expressam as desigualdades em relação à educação nas últimas

décadas do século XX e início do século XXI.

Silva e Halsembag (2000)realizaram uma análise das tendências da desigualdade

Educacional no Brasil no período de 1976 a 1998 e constataram que em relação a escolaridade

média a população branca apresentava em 1976 1,8 anos a mais que a não branca e que em

1988 essa diferença aumentou para 2,1 anos, contudo a diferença relativa entre os grupos de

cor diminui, já que a média de escolaridade dos não-branco, que representava 58,9% da dos

brancos em 1976, passa a ser de 60% em 1988.A conclusão dos mesmos é a de que, no

período analisado, houve uma ligeira convergência educacional entre brancos e não-brancos,

mas que as diferenças educacionais dos grupos de cor não seriam eliminadas sem uma

igualação das oportunidades de acesso de brancos e não brancos aos níveis de ensino mais

elevados.

Paixão (2003) analisando os indicadores de desenvolvimento humano do Brasil em

1997 demonstra que os indicadores educacionais apresentavam o índice de alfabetização da

população branca era treze pontos percentuais acima da população afro-descendente. Isto

implica que a taxa de analfabetismo do primeiro grupo era igual a 9% e a do segundo 22%,

isto é 144% maior. O mesmo se verifica em relação ao índice de escolaridade, sendo a média

da população branca (82%) superior em nove pontos percentuais á da população negra (73%).

O IPEA produziu em 2002 uma análise das desigualdades raciais no Brasil no

documento intitulado: Desigualdade Racial: Indicadores Socioeconômicos – Brasil, 1991-

2001. Com base nos indicadores deste documento elaboramos as tabelas a seguir. No primeiro

apresentamos alguns indicadores educacionais brasileiros do período e no segundo a taxa de

8 Revista ANDE, ano 8, nº 14, 1989, p.73, apud Brzezinki (1997) p.9.

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distorção idade série por nível/modalidade de ensino segundo cor ou raça do Brasil e da região

Centro-Oeste9.

TABELA 3:BRASIL - INDICADORES EDUCACIONAIS POR COR OU RAÇA *

P E R Í O D O

1992 2001

I N D I C A D O R

Brasil Brancos Negros Brasil Brancos Negros

Média de anos de estudo de instrução formal

das pessoas de 25 anos ou mais de idade 4.9 5.9 3.6 6.0 6.9 4.7

Proporção de pessoas de 25 anos ou mais de

idade com 15 a 17 anos de estudos 5.5 8.0 1.8 7.0 10.2 2.5

Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos

ou mais de idade 17.2 10.6 25.7 12.4 7.7 18.2

Taxa de escolarização líquida no ensino

fundamental 81.3 87.5 75.3 93.3 94.9 91.8

Taxa de escolarização líquida no Ensino

Médio 18.5 27.4 9.3 37.8 50.7 25.1

Taxa de escolarização líquida no Ensino

Superior 4.6 7.3 1.5 9.0 14.3 3.2

Taxa de distorção idade-série no ensino

fundamental 46,0 34,8 58,1 35,8 25,0 45,3

Taxa de distorção idade-série no ensino

médio 53,4 47,1 66,6 48,9 40,7 60,3

Fonte IPEA

*Notas (1) A população negra é composta de pardos e pretos

(2) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000

(3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá

*Notas do IPEA

9 Inserimos os dados relativos à região Centro-Oeste para comparação com os dados obtidos nas entrevistas

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TABELA 4: TAXA DE DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE POR NÍVEL/MODALIDADE DE ENSINO SEGUNDO COR OU RAÇA10BRASIL E REGIÃO CENTRO OESTE - 1992-2001**

Ensino Fundamental Ensino médio Brasil – Centro Oeste e Cor ou Raça

1ª a 4ª série

5ª a 8ª série

1ª a 8ª série

Ensino médio (1ª a 3ª serie)

2001 2001 2001 2001

Brasil 30,4 42,3 35,8 48,9 População Em Geral

Centro Oeste 22,9 43,6 32,9 51,5 Brasil 19,2 31 25 40,7

Branca

Centro Oeste 16,8 34,9 25,8 43,7 Brasil 39,1 53,6 45,3 60,3

Negra

Centro Oeste 26,4 49,6 37,5 59,1

Fonte IPEA

** Notas (1) A população negra é composta de pardos e pretos (2) A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000

*Notas do IPEA

Constatamos pelos indicadores da tabela 4 que a taxa de distorção idade-série da população afro-descendente é maior que a da população branca em todos os níveis de escolaridade.

Os indicadores da tabela 3 são transparentes. Não há necessidade de submetê-los a

tratamento estatístico para comprovar a diferença existente entre os dois grupos, basta realizar

as operações fundamentais de subtração e adição para percebê-las, conforme a tabela 5.

Constata-se que há uma redução, ainda que mínima, da diferença da média de anos de estudo

de instrução formal entre os dois grupos. Na taxa de analfabetismo esta redução é bem maior,

(4,59 pontos), porém na proporção de pessoas que concluíram o curso superior ou seja, com

15 a 17 anos de estudos houve um aumento da diferença. Em relação à diferença entre as taxas

de escolarização de brancos e negros no ensino fundamental houve uma diminuição, no

entanto à medida que avançamos nos níveis de ensino ela aumentou( 7,5 pontos no ensino

médio e 5,3 no ensino superior). No que se refere á taxa de distorção idade-série houve uma

10 Taxa de distorção idade/série: permite dimensionar e avali ar a distorção entre a idade dos alunos e a série

que freqüentam. Considera-se a idade recomendada para cada série/nível de ensino, ou seja, sete anos para a 1� série do ensino fundamental, oito anos para a 2� série e assim sucessivamente. Se o aluno apresenta idade acima (2 anos ou mais) da recomendada para a série que freqüenta, encontra-se em distorção em relação à sua idade e à série em que está matriculado, contribuindo para gerar distorção do fluxo escolar. Tal taxa é fornecida pelo quociente entre o número de alunos com distorção escolar em determinada série (2 anos ou mais acima da idade recomendada para a série) e o número de alunos matriculados nessa série.

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redução de 3 pontos no ensino fundamental, porém no ensino médio a diferença permaneceu

praticamente inalterada uma vez que aumentou em 0,1 ponto).Tal constatação significa que a

política educacional brasileira investiu em mecanismos que garantissem a escolarização

referente ao ensino fundamental, mas não em outros níveis de ensino.

TABELA 5: DIFERENÇA ENTRE INDICADORES EDUCACIONAIS DA

POPULAÇÃO BRANCA E NEGRA BRASILEIRAS NOS ANOS DE 1992 E 2001

Diferença entre

brancos e negros

I N D I C A D O R

1992 2001

Redução

da

diferença

Aumento

da

diferença Média de anos de estudo de instrução

formal das pessoas de 25 anos ou mais de

idade

2.3 2,2 0,1

Proporção de pessoas de 25 anos ou mais

de idade com 15 a 17 anos de estudos

6,2 7,7 1,5

Taxa de analfabetismo das pessoas de 15

anos ou mais de idade

15,1 10,51 4,59

Taxa de escolarização líquida no ensino

fundamental

12,2 3,8 8,4

Taxa de escolarização líquida no Ensino

Médio

18,1 25,6 7,5

Taxa de escolarização líquida no Ensino

Superior

5,8 11,1 5,3

Taxa de distorção idade-série no

ensino fundamental

23,3 20,3 3,0

Taxa de distorção idade-série no

ensino médio

19,5 19,6 0,1

Fonte: IPEA

Cury (2002) analisando as mudanças no âmbito da educação escolar nos dois mandatos do

Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 – 1999/2002) afirma que essas mudanças

se caracterizaram por políticas focalizadoras, com especial atenção ao ensino fundamental, a

fim de selecionar e destinar os recursos para metas e objetivos considerados urgentes e

necessários.

Para Azevedo (2002):

O crescimento quantitativo das oportunidades de acesso à escola pública possibili tou que significativos contingentes de alunos das camadas populares a

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freqüentem, porém trouxe, como problemática fundamental, a questão da precariedade da qualidade do ensino ministrado, e por conseguinte, da impropriedade das políticas educacionais para o segmento em pauta. Estas políticas não conseguem garantir processos efetivos de escolarização que combatam as desigualdades educacionais, uma vez que não equacionam os problemas de repetência, da evasão e do desempenho.

As desigualdades raciais em educação no Brasil refletem as relações raciais

estabelecidas em nosso país. Pode-se distinguir três correntes que caracterizam o pensamento

social brasileiro sobre relações raciais.

A primeira delas , tem origem no pensamento de Gilberto Freyre (Casa grande e

senzala) e tem como premissa a existência de uma democracia racial no Brasil.

A segunda, ligada a Florestam Fernandes, reconhece a existência da desigualdade

entre brancos e negros no Brasil, mas encontra explicação para isto nas relações existentes

entre as classes sociais. De acordo com esta concepção as desigualdades desapareceriam à

medida que o processo de industrialização se desenvolvesse aumentando a participação da

população pobre na economia.

Segundo Rosemberg, (2001, p.134)

Esta corrente influenciou marcadamente o pensamento educacional brasileiro que, ao reconhecer a concentração maciça do alunado negro nas camadas mais pobres da população, tende a identificar as dificuldades interpostas à escolaridade dos negros com os problemas enfrentados pela pobreza, não considerando a especificidade da origem racial.

A terceira corrente seria representada por Carlos Hasenbalg, citado anteriormente, e

outros autores que verificam de forma mais acentuada o peso da raça nas análises das

desigualdades entre brancos e negros no Brasil, não desprezando os fatores relacionados à

organização social e econômica do país .

A primeira corrente influenciou na ausência de ações destinadas à população negra. Se

existe democracia racial não há motivos para diferenciação de ações a qualquer grupo. Da

mesma forma a segunda pois o que é importante é resolver a questão da pobreza, pois se assim

acontecer os negros não terão mais problemas.

A terceira corrente demonstra a necessidade de ações específicas para o grupo negro e

o estudo do IPEA que citamos atesta ser esta a posição mais coerente para a análise das

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relações raciais no Brasil. Além das desigualdades educacionais o referido estudo indica que a

situação de desigualdade enfrentada pelos negros se manifesta em todas as áreas analisadas. A

seguir serão apresentadas algumas destas desigualdades.

Em termos de Assistência Social, no estudo do IPEA verificou-se que a população

negra é sistematicamente muito mais presente entre aqueles que estariam em situação de

demandar eventualmente um benefício assistencial pela sua vulnerabili dade. Outra constatação

do estudo é a de que não há, ao longo do período observado, nenhuma diminuição da

distância entre brancos e negros, isto é, as proporções entre ambos os grupos populacionais

seguem razoavelmente constantes ao longo da década analisada, conforme a tabela abaixo.

Tabela 6 - População potencialmente demandante de serviços da Assistência Social, com Renda

Domiciliar Per Capita (RDPC) abaixo de 1/4 e 1/2 salário mínimo, segundo faixa etária e cor ou

raça Brasil e Grandes Regiões - 1992 - 2001.

1992 2001 Brasil, Faixa Etária e Cor ou Raça

Total(A) <1/2 S.M. (B) (B/A) <1/4 S.M. (C) (C/A) Total(A) <1/2 S.M. (B) (B/A) <1/4 S.M. (C) (C/A)

� � � � � � � � � � � �Brasil

140.543.314 55.711.565 39,6 26.253.474 18,7 164.835.674 49.809.528 30,2 20.796.273 12,6

Branca 76.406.241

21.141.209 27,7 8.576.947 11,2 87.853.982 17.073.259 19,4 6.289.308 7,2

Negra 63.436.627

34.456.441 54,3 17.605.826 27,8 76.029.212 32.545.195 42,8 14.401.446 18,9

Fonte: Ipea. Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (4) Considerou-se a renda domicili ar per capita excluindo do domicílio empregados domésticos e pensionistas. (5) As linhas de corte de 1/4 e 1/2 salário mínimo (SM) estão propostas na LOAS(Lei orgânica da assistência Social)

A inserção no mercado de trabalho é essencial para o acesso aos bens necessários à

sobrevivência, a qualidade de vida e aos direitos de cidadania. No Brasil, por exemplo, a

Previdência Social e o benefício do seguro desemprego estão ligados à inserção no mercado

formal de trabalho

Uma das conclusões apresentadas no estudo do IPEA ( BRASIL,2002) a este respeito é a de

que:

os negros estão sendo absorvidos em condições mais desfavoráveis no mercado de trabalho em relação aos brancos. É possível que estas inserções desfavoráveis no mundo do trabalho – desemprego e informalidade – não estejam refletindo discriminação racial no mercado de trabalho e, sim, diferenças raciais oriundas de outras esferas, como a escola.

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Optou-se por inserir a totalidade da análise do Ipea, inclusive as informações relativas

à região Centro-oeste, referente ao trabalho infantil devido ao fato de que na presente

investigação foram entrevistadas crianças adolescentes na faixa etária do estudo, sendo estas

informações importantes para contextualizar a situação na qual se inserem.

O trabalho infantil11 é visto como atividade que compromete o desenvolvimento das

crianças e adolescentes, uma vez que as retira de atividades como a escola e, lazer e o

convívio com os pares. Em razão disto há um movimento mundial no sentido de que as

crianças e adolescentes não sejam inseridos no mercado de trabalho.

A taxa de participação12, conforme a tabela 7 reduziu-se ao longo do período 1992-

2001 para as crianças e os adolescentes, em 10 pontos. No entanto a diferença entre branco e

negros continuou, praticamente inalterada reduzindo-se apenas nas faixa etária de 16 e 17 anos

de idade.

Tabela 7 - Taxa de Participação das pessoas de 10 a 17 anos

segundo cor ou raça Brasil - 1992-2001

10 a 15 anos de idade 16 e 17 anos de idade Brasil, Região Centro-Oeste e Cor ou Raça

1992 2001 1992 2001

Brasil 26,4 16,0 57,9 44,9 População em geral Centro Oeste 28,4 15,2 61,4 48,0

Brasil 13,5 55,8 43,6 Brancos Centro Oeste 25,9 14,5 56,0 46,8 Brasil 29,1 18,4 60,2 46,3 Negros Centro Oeste 30,1 15,8 66,3 49,0

Fonte: Ipea Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

11 O Estatuto da Criança do do adolescente regulamenta o trabalho do adolescente da seguinte forma: Art. 60 - é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.

12 Taxa de Par ticipação da Força de Trabalho: é uma medida da extensão da população em idade ativa

que é economicamente ativa. Ela provê um indicador do tamanho relativo da oferta de trabalho disponível para

produção de bens e serviços em um dado instante do tempo.

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A taxa de ocupação13 para o grupo de 10 a 15 anos também reduziu-se em todas as

categorias analisadas. Novamente aqui a diferença entre brancos e negros permanece.(tabela 8)

Tabela 8 - Taxa de Ocupação das pessoas de 10 a 17 anos

segundo cor ou raça Brasil - 1992-2001

10 a 15 anos de idade

16 a 17 anos de idade

Brasil e região Centro -Oeste Cor ou Raça

1992 2001 1992 2001 Brasil 23,7 13,9 50,3 35,1

População em geral

Centro Oeste 24,8 12,3 53,9 37,1

Brasil 21,0 11,5 48,1 33,9 Brancos Centro Oeste 22,6 11,6 48,3 36,5 Brasil 26,3 16,1 52,5 36,3 Negros Centro Oeste 26,3 12,9 59,0 37,4

Fonte: Ipea Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

A inatividade (nem está ocupado, nem busca trabalho) entre as pessoas de 10 a 17 anos

foi, no período, maior entre brancos que entre negros, enquanto a ocupação e a desocupação

(não ocupado em busca de trabalho) foram maiores entre negros que entre brancos, indicando

sua maior participação na PEA14 na busca de atividade remunerada conforme a tabela 8.

Tabela 9 - Proporção de pessoas de 10 a 17 anos de idade por condição de ocupação

segundo cor ou raça e faixa etária Brasil – 1992 - 2001

1992 2001 Brasil e Cor ou Raça

Faixa Etária inativo ocupado desocupado inativo ocupado desocupado

Branca 10 a 13 87,0 11,8 1,2 94,5 4,9 0,6 14 e 15 63,4 30,6 6,0 78,4 16,8 4,8 10 a 15 71,8 24,3 3,9 89,0 8,9 2,0 16 e 17 45,9 46,3 7,9 58,2 31,9 9,9 Negra 10 a 13 81,3 17,0 1,7 90,2 9,0 0,8 14 e 15 58,0 36,6 5,4 74,6 20,1 5,4 10 a 15 66,7 29,3 4,0 84,7 12,9 2,4 16 e 17 42,1 50,0 7,9 56,3 33,4 10,3

13 Taxa de Ocupação: é definida com a proporção da PIA (População em Idade Ativa) que está ocupada.

14 População Economicamente Ativa (PEA): é constituída pela soma dos ocupados

mais desocupados

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Fonte: Ipea. Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Entre crianças e jovens de 10 a 17 anos que freqüentavam escola, conforme a tabela 8

no período analisado, a inatividade também foi maior entre os brancos, indicando melhores condições de cumprir as exigências escolares. A ocupação, ao contrário, era mais freqüente entre negros, bem como a desocupação, apesar da diferença pouco acentuada.

Tabela 10 - Proporção de pessoas de 10 a 17 anos de idade que freqüentam escola, por condição de ocupação segundo cor ou raça e faixa etária Brasil – 1992 - 2001

1992 2001 Grandes Regiões E Cor ou Raça

Faixa Etária inativo ocupado desocupado inativo ocupado desocupado

Brasil Branca 10 a 13 89,4 9,6 1,0 94,8 4,6 0,5 14 e 15 72,1 22,6 5,3 80,5 15,2 4,3 10 a 15 79,6 17,1 3,3 90,2 8,1 1,8 16 e 17 55,4 36,2 8,3 62,0 28,5 9,4 Negra 10 a 13 85,0 13,5 1,5 90,7 8,6 0,7 14 e 15 68,0 27,2 4,8 77,0 18,1 4,9 10 a 15 75,9 20,7 3,4 86,2 11,7 2,1 16 e 17 52,0 38,9 9,1 59,7 29,9 10,4 Fonte: IPEA Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Em relação ao setor habitacional, no período 1992-2001, segundo o IPEA houve uma

melhoria nas condições de moradia da população brasileira como um todo. Contudo se

observarmos a tabela 9 perceberemos que em relação a quantidade e distribuição dos

domicílios particulares permanentes a diferença entre brancos e negros permanece.

Tabela 11 - Quantidade e distribuição percentual dos domicílios particulares permanentes ,

segundo localização e Cor ou raça do chefe do domicílio Brasil - 1992-2001

Estoque de Domicílios Grandes Regiões, Localização e Cor ou Raça

1992 2001

Brasil 36.026.749 46.507.196 Total 100,0 100,0 Urbano 79,8 85,2 Rural 20,2 14,8 Branca 20.273.241 25.897.257 Total 56,3 55,7 Urbano 47,2 49,0 Rural 9,1 6,7 Negra 15.531.165 20.271.298 Total 43,1 43,6 Urbano 32,1 35,5

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Rural 11,0 8,1 Fonte: IPEA (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000

Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos.

(3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá

Em relação à Pobreza15, Distribuição e Desigualdade de Renda podemos observar de

acordo com a tabela 12 que a população brasileira em situação de pobreza permanece

praticamente inalterada no período de 1999 e 2001. A população negra tem uma maioria

significativa do número de pobres sendo que há uma redução no número de brancos pobres e

um aumento número de negros durante o período.

Tabela 12 - Evolução da população pobre por cor ou raça

Brasil - 1992-2001

Período 1992 2001

Brasil

57.227.088

55.429.500

População Branca

22.049.546

19.667.301

População Negra

35.056.644

35.545.970

Fonte: IPEA

Em relação ao número de pessoas em situação de indigência16 constata-se que há uma redução geral, sendo esta redução também não se verifica na diferença entre os brancos e negros, conforme a tabela 13. Tabela 13 - Evolução da pop ulação indigente por cor ou raça Brasil, - 1992-2001 Período 1992 2001

Brasil

27.045.666

24.085.833

População Branca

8.932.778

7.409.663

15 A pobreza, entendida de forma simplificada como uma condição de insuficiência de

renda, é determinada, simultaneamente, pelo nível de renda per capita e pelo grau de

desigualdade na distribuição da renda.

16 A linha de indigência, endogenamente construída, refere-se somente à estrutura de

custos de uma cesta alimentar, regionalmente definida, que contemple as necessidades de

consumo calórico mínimo de um individuo. A linha de indigência é construída a partir das

informações regionalizadas das cestas de consumo e dos preços médios por grupos de

alimentos.

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População Negra

18.040.847

16.561.720

População Negra

18.040.847

16.561.720

Fonte: IPEA Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos (2) A Pnad não foi reali zada em 1994 e 2000 (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá (4) Em Unidade da Federação com população reduzida o erro amostral pode atingir até 3%

Quando comparamos a média de renda domicili ar per capita (tabela 14)observamos

que a diferença entre os dois grupos permanece apesar de um aumento no valor, o mesmo

ocorrendo com a média de renda de todas as fontes por cor ou raça (tabela 15)

TABELA 14 - Média da renda domiciliar per capita por cor ou raça

Brasil - 1992-2001

Período 1992 2001

Brasil

273,3

356,4

População Branca

363,0

481,6

População Negra

161,1

205,

Fonte: IPEA Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (4) Renda a preços de janeiro de 2002, deflacionada pelo INPC (5) Em unidade da federação com população reduzida pode ocorrer problemas amostrais

Tabela 15 - Média da renda de todas as fontes por cor ou raça Brasil - 1992-2001 Período 1992 2001

Brasil

545,9 642,8

População Branca

685,8 815,5

Fonte: IPEA Notas: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. (2) A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. (3) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (4) Renda a preços de janeiro de 2002, deflacionada pelo INPC (5) Em unidade da federação com população reduzida pode ocorrer problemas amostrais

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Os indicadores mostrados anteriormente revelam a situação de exclusão vivenciada

pela população afro-descendente no Brasil. Em todos os eles a desigualdade permanece

praticamente inalterada durante uma década. Observa-se que a análise se repete em relação a

quase todas as tabelas. A exclusão na perspectiva de Castel (2000, p.8-41) pode se dar de três

formas:

• exclusão através da supressão completa da comunidade seja sob forma de

expulsão, condenação à morte ou genocídio;

• exclusão através da constituição de espaços fechados e isolados da comunidade

no seio mesmo da comunidade:como guetos, dispensários para leprosos, asilos e

outros;

• exclusão na qual certas categorias da população se vêem obrigadas a um status

especial que lhes permita coexistir na comunidade, mas com a privação de certos

direitos e da participação em certas atividades sociais17;

Observamos na educação brasileira a ocorrência simultânea das duas últimas formas de

exclusão.

A exclusão por separação institucional que se traduz no acesso à escola e que está

ligada ao número de vagas disponíveis, locais das escolas, possibili dade que os alunos tem de

freqüentar aulas.

A exclusão através da inclusão verificada no interior da escola que decorre dos

instrumentos que ela utili za para promover educação: os currículos, os manuais e também da

prática pedagógica desenvolvida pelos professores.

Em relação ás relações estabelecidas no interior da instituição escolar Bourdieu,

(1997, p. 46) diz que:

é freqüentemente com uma grande brutalidade psicológica que a instituição escolar impõe seus julgamentos totais e seus veredictos sem apelação, que classificam todos os alunos em uma hierarquia única de formas de excelência – dominados atualmente por uma disciplina, a matemática. Os excluídos são condenados em nome de um critério coletivamente reconhecido e aprovado, portanto, psicologicamente indiscutível e indiscutido, o da inteligência

17 Skliar (2003, p.83) define esta modalidade de exclusão através da inclusão: uma aproximação somente

momentânea do outro que logo resultará, isto é, será traduzida, será compreendida e será praticada mais cedo ou

mais tarde, como seu aniquilamento ou sua separação.

A inclusão nesta perspectiva se dá apenas como inclusão física.

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Candau e equipe, (2002, p.71) afirmam que:

A escola vive uma tensão que emerge entre, de um lado, ignorar a diversidade sob o ideal da igualdade de trato e acabar empurrando um número cada vez maior de alunos(as) para o fracasso escolar e, de outro, reconhecer e tratar pedagogicamente a diversidade existente, a fim de fazer do espaço escolar um espaço múltiplo e capaz de propiciar a todos um ambiente de construção do conhecimento e de formação humana e cidadã. Esta tensão só estará totalmente superada quando educadores(as), alunos(as) e comunidade entenderem que tratamento igual não significa tratamento uniformizante, que desrespeita, padroniza e apaga as diferenças.

Na mesma direção outros autores relacionam desigualdade e diferença. Ruiz (2003, p.

152) afirma que:

Para explicar (legitimar) as desigualdades sociais, muitas vezes realiza-se uma (con)fusão entre diferença e desigualdade. (...)A diferença, que é natural e enriquece a convivência pela diversidade por ela oferecida, (con)funde-se com a desigualdade, que é social e provocada pela injustiça embutida nos mecanismos de poder e nas estruturas sociais. (Con)fundindo ambos os símbolos, procura-se apresentar a diferença como um elemento natural irrefutável que legitima a desigualdade social e que, conseqüentemente, se pretende seja também natural . Sempre haverá desigualdade social, porque sempre haverá diferenças! Esta é a sentença lapidária que fecha o círculo da legitimação simbólica da ordem ultraliberal.

Este autor estabelece uma relação entre diferença, normalidade e exclusão que é

realmente interessante para compreender o processo de exclusão:

Dentro do marco de hegemonia cultural (político-econômica) define-se o

que é normal e o que deve ser considerado anormal. O normal é tolerado e

promovido, o anormal, por diferente, é excluído, censurado ou reprimido.

Ao definir o modo normal de ser, normaliza-se os indivíduos que, para se

adaptarem à norma estabelecida, se normatizam. A padronização cultural

normaliza indivíduos, normatizando-os segundo o padrão de normalidade

socialmente estabelecido e legalmente definido.(RUIZ, 2003 p.149 )

Outro autor que identifica essa relação entre normalidade e anormalidade é Franz

Fanom (1975) para quem o sentimento daqueles que estão em situação de anormalidade em

relação ao grupo social do qual fazem parte é ambíguo, pois constroem uma identidade em que

é o outro (o normal) que está no indivíduo, ou seja, ele é normal e anormal. H. Bhabha

caracteriza essa ambigüidade como a possibili dade de ocupar um entre-lugar, que ele chama

de terceiro espaço e que carrega a possibili dade da fuga de definições binárias configurando-se

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como lugar híbrido, no qual” temos a possibili dade de evitar a política da polaridade e

emergir como os outros de nós mesmos” (Bhabha, 2003, p.69)

No mesmo sentido Carlos Skliar apresenta uma reflexão sobre exclusão, diferença .

Para Skliar (2003, p.54)

Essa opinião entre ordem, como primeiro termo, como termo fundador, e o caos ou a ambivalência, como alternativa à ordem, tornou a existência moderna uma forma de poder que permite definir e instaurar as definições; e ao mesmo tempo, um esforço para acabar com a ambigüidade e a polissemia. (...) Os que não são nem isto nem aquilo são os inomináveis. Aquilo que não se presta ao jogo da oposição nem de sua lógica. Aquilo que deixa a ordem sem efeito, que a desordena. Os inomináveis fragili zam todo conhecimento, toda determinação. São, por isso mesmo, a indeterminação, o adiamento do conhecimento, o deixar para depois – e sempre para depois – toda classificação, toda definição, toda catalogação. E, ao chegar esse depois, deixar outra vez de lado a certeza de todo nome para continuar órfãos e órfãs do malefício da ordem. (...) Em todas essas percepções e concepções do outro existe um único deslocamento temporal, uma mesma referência – a ação sobre, acerca, ao redor, em torno, do outro –, mesmo quando se manifesta em uma aparente tripla trajetória: o outro como diverso, o outro como diferente, o outro como distinto18.

As relações a serem estabelecidas com esse outro devem ser de “tolerância”.Tolerância que

adquire um novo significado, que traz embutido o isolamento do outro, a indiferença. Tolerar

equipara-se a deixar que os outros façam o que quiserem, contando que não interfiram na minha

vida(RUIZ, 2003, p.151 ).

É neste contexto que Skliar, (2003, p.92) afirma que:

a exclusão não pode ser vista como um fenômeno meramente econômico, uma vez que ela, circula na cultura, ou melhor, em um fragmento pontual dela como um significado que não é natural e que foi naturalizado. É um mecanismo de poder centralizador que consiste em proibir pertencimentos e atributos aos outros.

No caso da educação a superação da exclusão pressupõe o enfrentamento dessas duas

faces: Uma no plano do acesso à escola , que envolve problemas que estão fora da escola mas

que tem impacto na educação; e outra no interior da escola. A formação dos professores

18 No mesmo trecho Skliar define estes termos: Diverso, como o desviar-se, como o afastar-se de seu caminho, como algo que habita em diferentes sentidos, como algo que se dirige para diversas e opostas partes, como alguma coisa a ser albergada, hospedada (DICCIONARIO LATINO-ESPAÑOL, 1950, P. 147). Diferente: Diferente, em sua raiz latina: dis, como divisão e/ou como negação; ferre, que significa levar com violência, arrastar. Distinto, também em seu significado latino: dis, como divisão e/ou negação; tinguere, cujo sentido mais próximo é tingir, pintar,etc.

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aparece como locus privilegiado para o enfrentamento dos problemas relacionados à exclusão

vivenciada no interior da escola. Isto porque, na perspectiva da educação como campo de luta

são os professores aqueles que tem mais capacidade de contribuir na elaboração e efetivação

de propostas educacionais que expressem as necessidades do mundo real, sendo a qualidade

de sua formação condição essencial para tal fim.

Para Brzezinski (1999) a formação de professores é uma preocupação constante

desde o período imperial. Esta preocupação apesar de estar refletida em decretos e leis não se

concretizou em ações. Em relação às ultimas décadas do séc. XX para a autora:

o que se evidencia nas atuais políticas de formação de professores é que, apesar de a educação básica do brasileiro ter tomado lugar central no discurso oficial e no dos detentores do capital, as ações do governo são de desvalorização do papel social e cultural dos profissionais da educação, e de desmantelamento das estruturas das instituições superiores responsáveis pela formação de professores.

Pode-se afirmar que o acesso à escola aumentou, diminuíram as desigualdades, porém

elas continuam para os afro-descendentes. Isso significa que ainda há muito que fazer para a

conquista de políticas educacionais eficazes do ponto de vista da igualdade em nosso país, que

aqueles que fazem parte do mundo real tem que continuar sua luta para a inclusão efetiva de

todos os brasileiros no sistema educacional. .

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1.3. ANEMIA FALCIFORME E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

Anemia falciforme é uma doença hereditária considerada um problema de saúde

pública no Brasil. Estima-se, com base na freqüência gênica, que existem no Brasil mais de 2

milhões de pessoas afetados por alguma forma desta anemia e também que anualmente entre

700 e 1000 nascidos vivos apresentam-se sintomaticamente afetados de doenças falciformes. 19(ZAGO, 2002)

Segundo Zago (2002) as diferentes formas de doenças falciformes podem ocasionar em

seus portadores:

- anemia crônica e numerosas complicações que podem afetar quase todos os órgãos e

sistemas, com expressiva morbidade;

- redução da capacidade de trabalho e da expectativa de vida;

- episódios de dores osteoarticularres e abdominais;

- infecções e enfartes pulmonares;

- retardo do crescimento e maturação sexual;

- acidente vascular cerebral;

- comprometimento crônico de múltiplos sistemas e aparelhos, como alterações

cardíacas, complicações pulmonares e ulceras de membros inferiores.

Para Figueiredo (2002, p.64)

Uma das manifestações mais características da doença falciforme é a crise dolorosa. Consiste de dor em extremidades, região lombar, abdome ou tórax, usualmente associada a febre e urina escura ou vermelha. (...) As áreas mais freqüentemente envolvidas são joelho, coluna lombo-sacra, cotovelo e fêmur e, em crianças menores de 5 anos a dactali te que ocorre nos pequenos ossos das mãos e dos pés (também chamada “síndrome mão-pé”). (...) Infecções , alterações climáticas e fatores psicológicos têm sido freqüentemente sugeridos como possíveis fatores desencadeantes. Outros fatores associados são: altitude, acidose, sono e apnéia, stress e desidratação.

19 O termo doença falciforme engloba todas as hemoglobinopatias, ou seja, doença genética da

hemoglobina. Na doença falciforme existe a presença da hemoglobina S em associação com outra

hemoglobinopatia e na anemia falciforme a hemoglobina está sozinha (HBSS)

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Carvalho (2002) identifica como fatores podem causar altos níveis de stresse em

portadores de anemia falciforme:

o trabalho;

o exercício intenso;

o anorexia;

o gravidez;

o aumento da osmolaridade;

o baixos níveis de pH;

o exposição a baixas tensões de oxigênio

o ainda infecção;

o estresse emocional;

o quedas de temperaturas corporais ou ambientais;

o anestesia.

Outra situação vivenciada pelos portadores de doença falciforme é o priapismo, que é

uma falha na detumescência do pênis acompanhada de dor sendo que a anemia falciforme é o

fator causal em cerca de 25% dos casos de priapismo.(Figueiredo 2002, p. 71)

Carneiro e Murad (2002) afirmam que a anemia falciforme tem impacto no

crescimento e desenvolvimento20 da criança e do adolescente. Este impacto se verifica no

peso e estatura, atraso na maturação sexual e prejuízo no desempenho escolar. Para eles:

este prejuízo no desempenho escolar teria como possíveis causas fatores associados com a doença crônica como hospitalizações freqüentes, faltas escolares, dificuldades sócio-econômicas e lesões cerebrais sub-clinicas causadas por episódios repetidos de vaso oclusão. (CARNEIRO E MURAD 2002 p.79-80)

O fato da população atingida pela doença no Brasil ser predominantemente negra

agrava o problema uma vez que em nosso país esta população apresenta baixo nível sócio-

econômico e encontra-se em grande parte excluída do acesso ás políticas sociais básicas,

conforme descrito no item anterior.

O fato de possuir um membro da família com doença falciforme algumas vezes

demanda um cuidador, o que impede que o mesmo desenvolva adequadamente suas

20 Crescimento e desenvolvimento são fenômentos distintos embora intimamente relacionados. Crescimento significa aumento físico do corpo enquanto desenvolvimento refere-se ao aumento da capacidade do indivíduo na reali zação de funções cada vez mais complexas. Careiro e Murad p. 79

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atividades econômicas. A doença, portanto, traz conseqüências de variados matizes, para todo

o núcleo familiar.

Silva e cols. (1993), evidenciam como principais aspectos de saúde pública a serem

considerados em relação à anemia falciforme o diagnóstico tardio, a falta de tratamento

adequado, a alta taxa de desinformação sobre a doença e a interferência dela na vida

profissional dos portadores.

Alves (1996) corrobora a insuficiência de assistência médica e a incapacidade do

sistema de atenção à saúde detectar a doença ao analisar as informações sobre óbitos causados

pela anemia falciforme no Brasil no período compreendido entre 1979 e 1995. Estas

informações apontaram também que quase 80% das pessoas que morreram em decorrência da

doença não tiveram o registro correto de sua causa mortis.

A saúde é um desejo incontestável de todos os seres humanos. Para Gutierrez e

Oberdiek (2001, p. 01) desde os primórdios da humanidade é possível imaginar que a pergunta

“o que é ter saúde” e o que é “ter doença” já fazia parte da preocupação do cotidiano das

pessoas.(grifos dos autores)

A seguir será apresentado um resumo do histórico das concepções sobre saúde e

doença de acordo com estes mesmos autores.

Quando os humanos viviam em agrupamentos ou tribos a explicação encontrada para

os acontecimentos era mágica, religiosa e sobrenatural, sendo portanto as doenças oriundas

das vontades de divindades.

Com o aparecimento de grandes civili zações mudam as explicações e conceitos sobre

os fatos. As doenças são então vistas como decorrentes de causas externas ao corpo do

homem, como elementos da natureza e/ou espíritos sobrenaturais, sem que o organismo

tivesse participação no processo.

Gutierrez e Oberdiek (2001, p. 2) destacam que os povos do Oriente Médio:

Ao terem os problemas de saúde, pela complexidade dos fatores que são envolvidos, e ao considerarem que as doenças são de causas externas, tiveram de criar a instituição conhecida hoje como hospital. (...) Nos hospitais primitivos destas grandes culturas eram realizadas atividades cirúrgicas limitadas aos socorros ministrados aos ferimentos e fraturas, principalmente dos soldados.

O Cristianismo provoca um redirecionamento do pensamento sobre as causas das

doenças sendo a mais difundida a que considera o pecado como responsável pelos males

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físicos e a segunda a introdução de um mau espírito que domina a alma e o corpo do doente. O

cristianismo primitivo reinventa o caráter mágico religioso.

Em outros povos como Egito, China e Índia desenvolveram-se teorias onde os

elementos mágico-religiosos eram colocados em segundo plano. A saúde é um estado de

harmonia perfeita entre os quatro elementos que compõem o corpo humano: terra, ar, água e

fogo e a doença é um desequilíbrio causado por fatores externos.

Na civili zação grega buscava-se uma explicação racional para as doenças e já nos

séculos VI e IV a. C. os elementos mágicos e religiosos eram descartados como causadores

das doenças. A medicina seguia duas linhas:

- uma para a qual doenças diferentes podem ter causas e sintomas iguais e

que preconizava a terapêutica intervencionista localizada nos exames

diretos dos doentes;

- outra21 que valorizava mais o prognóstico, onde as doenças eram vistas

dentro do quadro de cada indivíduo e a terapêutica era apoiada nas reações

defensivas naturais.

Na idade média onde a igreja era hegemônica a ocorrência de doenças tinha duas

interpretações, uma dos pagãos e outra dos cristãos. Para os primeiros existiam devido à

possessão do diabo ou como conseqüência de feitiçarias. Já para os segundos eram sinais de

purificação e da expiação dos pecados e a terapêutica adotada era baseada em milagres.

Neste período diversas moléstias assolaram a população22 e em conseqüência disto

retoma-se a questão da causalidade das doenças. A tradição hipocrática é transmitida aos

médicos da época sendo enfatizada a importância dos fatores físicos do ambiente na causa das

doenças.

Na idade moderna presencia-se o Renascimento que foi um movimento de oposição à

conduta dominante peculiar na Idade Média: o acatamento incontestável da autoridade

magistral(senhores feudais e reis) e o dogmatismo religioso-filosófico(Igreja). (GUTIERREZ

E OBERDIEK, 2001)Por este motivo o estudo do homem e da natureza é impulsionado com a

ciência utili zando-se de técnicas como a experimentação e a observação para obter explicações

racionais para os fenômenos da natureza.

21 Esta linha era chamada de hipocrática, pois foi fundada por Hipócrates. 22 a lepra, a peste bubônica, varíola, difteria, sarampo. Influenza, ergotismo, tuberculose, escabiose, erisipela, antraz, tracoma, miliára e a mania dançante.

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Na área médica desenvolve-se a teoria miasmática segundo a qual as condições

sanitárias ruins criavam um estado atmosférico local, que vinha a causar as doenças

infecciosas e os surtos epidêmicos.

Pode-se observar a utili zação desta teoria neste trecho dos Estudos sobre a história das doenças e dos cuidados médicos na capitania de Goiás de 1720 a 1820, realizado por Karasch, (1999, p 25):

A causa da morte de indígenas e soldados, por febre, foi explicada por Cunha Matos, que chamou a atenção para os lagos às margens do Araguaia e Nova beira como uma causa de “grandes moléstias” , porque eram rasos com “miasmas tão malignos que infectam a atmosfera”.(grifos de Karasch)

A concepção miasmática da causalidade das doenças permaneceu hegemônica até a

metade do século XIX. No entanto, uma nova concepção surge entre os revolucionários

ligados aos diversos movimentos políticos, que estabelece uma causação social para as

doenças:

Ao lado das condições objetivas de existência, o desenvolvimento teórico das ciências sociais permitiu, no final do século XVII , a elaboração de uma teoria social da Medicina. O ambiente,origem de todas as causas de doença, deixa, momentaneamente, de ser natural para revestir-se do social. É nas condições de vida e trabalho do homem que as causas das doenças deverão ser buscadas.

(GUTIERREZ E OBERDIEK, 2001, p. 20)

Na metade do século XIX ocorrem as descobertas bacteriológicas que restabelecem a

importância das causas externas no aparecimento de doenças. A teoria dominante é a chamada

teoria da unicausalidade para a qual cada doença é causada apenas por um agente etiológico.

No início do século XX fica evidenciado que esta teoria não consegue explicar

satisfatoriamente a causa das doenças e há um retorno às concepções multicausais. Esta

concepção evolui durante o século XX passando por três modelos: o modelo da balança, o

modelo de Rede de Causalidade e o modelo ecológico23.

Durante a década de 60, surge o chamado modelo de determinação social da doença,

no qual procura-se enfrentar a necessidade da construção de um marco explicativo para a

determinação do processo saúde-doença, que, de modo hierarquizado, articule todos os

23Gutierrez e Oberdiek (2001, p. 23)definem estes modelos da seguinte forma: Modelo da balança: Surge na década de 20. No fulcro desta balança estão representados os fatores ligados ao meio ambiente e , para cada prato da balança, os fatores ligados ao agente de um lado e ao hospedeiro do outro.(...) a doença aparece quando há um desequilíbrio da balança. Rede de Causalidade: Proposto por MacMahom , tem como idéia central a existência de relações entre os múltiplos fatores envolvidos na doença, bastando intervir sobre um componente mais frágil da rede de causalidade sem necessidade de provocar alterações nos demais. Ecológico: Propõe o estudo das intervenções médicas a partir do desenvolvimento da História Natural da doença. Este modelo ao buscar a interpretação das relações sociais que o homem estabelece com a natureza e com os outros homens, na produção de sua vida material, coloca todos os elementoes num mesmo patamar ou mesmo plano e a vida fica humana reduzida à sua condição animal

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processo que participam de forma essencial na produção de uma doença. (GUTIERREZ E

OBERDIEK, 2001, p. 24).

Pode se verificar esta concepção em Laurell (l983, p. 156-7):

Em termos muito gerais, o processo saúde – doença é determinado pelo modo como o homem se apropria da natureza em um dado momento, apropriação que se realiza por meio de processo de trabalho baseado em determinado desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção.(...)e que existe uma relação entre processo social e o processo saúde – doença. O vínculo entre processo social e o processo biológico saúde-doença é dado por processos particulares, que são ao mesmo tempo sociais e biológicos.

Ao explicar a geração do momento do processo saúde-doença definido como doença

diz que: Em primeiro lugar, é claro que o próprio padrão social de desgaste e reprodução biológica determina o marco dentro do qual a doença é gerada. É neste contexto que se deverá recuperar a não especificidade etiológica do social e, inclusive, do padrão de desgaste e reprodução biológica relativo à doença, pois não se expressam em entidades patológicas específicas, mas no que chamamos o perfil patológico, que é uma gama ampla de padecimentos específicos mais ou menos bem definidos. (LAURELL, l983, p.157)

Na presente pesquisa a definição de saúde adotada é a da determinação social da

doença, pois ela permite perceber no contexto social as determinações histórico sociais

presentes no processo saúde-doença.

Para Oliveira e Souza o conceito de saúde está relacionado às concepções sobre

organismo vivo e de sua relação com o meio ambiente. Para estes autores de acordo com o

contexto histórico e social que se concretiza determinadas condições de existência é que se

estabelece a definição do processo saúde-doença. Assim esta definição pode variar tanto em

relação à distintas organizações sociais como no interior de uma mesma sociedade.

Moreira e Dupas (2003, p. 761) ao pesquisarem o significado de saúde e de doença na

percepção da criança em idade escolar afirmam que:

A concepção de saúde das crianças, em sua essência, está relacionada a algo que lhes proporciona liberdade, mas que, para tê-la, depende de cuidados com o corpo e com a alimentação e, em última instância, causa-lhe uma sensação de bem-estar, de felicidade.

Estas autoras constataram em seus estudos que a concepção das crianças em relação à

doença se altera conforme a situação vivenciada. Quando vivenciando um processo de doença

levantam questões acerca de sua experiência, tanto física quanto emocional. Quando não estão

procuram compreendê-la e questioná-la.

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Uma outra conclusão importante destas autoras é a de que a criança não entende saúde

e doença enquanto processo, concebendo-as muito mais como determinados por uma causa e

conseqüência, do que enquanto processo multicausal e multifatorial.

No interior da sociedade essa concepção de saúde como um processo não é

hegemônica. Convivem com ela outras concepções, sendo a mais comum aquela que define

saúde como ausência de doença. De acordo com esta concepção aqueles que estão doentes

estão em situação de anormalidade em relação aos que não apresentam nenhum sintoma de

doença.

É interessante notar que esta concepção entre saúde como normalidade e doença

como anormalidade está presente até mesmo em materiais educativos de saúde.

Diniz e Guedes (2003, p.1765) analisando o folheto informativo do Ministério da

Saúde intitulado Anemia Falciforme: Um Problema Nosso (Anexo E) afirmam que:

A frase de encerramento da seção sobre a pessoa portadora do traço falciforme, “ ... é uma pessoa saudável e pode levar uma vida normal...” , introduz um conceito delicado para um folheto informativo sobre doença crônica: o de normalidade. O conceito de normalidade pode tanto ser um alento para as pessoas portadoras do traço falciforme, quanto uma sentença de anormalidade para as pessoas doentes da anemia falciforme, um mal-entendido simbolicamente reforçado pelo fato de a hemoglobina S ser chamada de hemoglobina anormal.

O fato é que o conceito de normalidade deveria ter sido deliberadamente abandonado em um folheto educativo como este

Para Canguilhem (1978) o limite entre o normal e o patológico é impreciso pois o

que é normal em determinada situação pode se tornar patológico em outra, sendo que o

indivíduo é que pode avaliar a transformação de um estado em outro por ser aquele que sofre

as conseqüências de tal transformação. Conseqüências que se manifestam na sua incapacidade

de realizar tarefas que a nova situação pode provocar.

Para este autor:

Para julgar o normal e o patológico não se deve limitar a vida humana à vida vegetativa. Em última análise, podemos viver, a rigor, com muitas malformações ou afecções, mas nada podemos fazer de nossa vida, assim limitada, ou melhor, podemos sempre fazer alguma coisa e é neste sentido que qualquer estado do organismo, se for uma adaptação a circunstâncias impostas, acaba sendo, no fundo, normal, enquanto for compatível com a vida.(CANGULHEM, 1978, p. 162)

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No processo saúde–doença aquelas pessoas que se encontram doentes geralmente

sentem dor. No caso da Anemia Falciforme, como foi dito anteriormente, a experiência de dor

é intensa. Para Fernandes (2000, p. 11)

A experiência da dor é universal e tem início precoce na vida de cada um de nós. Enquanto experiência de vida individual, ela marca de forma variável a construção psicológica e social da pessoa. Podendo ser a resposta a um problema de saúde ou ser , ela mesma , o problema de saúde, a dor é influenciada por variáveis ligadas à própria pessoa, ao processo de saúde ou doença em que ocorre e ao contexto em que é vivenciada.

A experiência da dor é uma construção social e em função disto observam-se

manifestações diferentes em relação à dor, conforme a organização histórico-social da

sociedade em que a pessoa está inserida.

Neste sentido Pimenta, (2001) afirma que:

Crianças aprendem com seus pais e com outras pessoas significativas o modo de interpretar um sintoma, de atribuir-lhe significado, de expressar um desconforto e de responder à doença, lesão ou dor. (....) Comportamentos de dor podem ser manifestados pelos doentes em freqüência e magnitude diferentes e não representam apenas a magnitude da lesão tecidual. Fatores socioculturais, emocionais e ambientais também contribuem para sua manifestação e perpetuação.

Outro autor que considera a dor como uma construção social e Ivan Illi ch . Para ele:

A sensação da dor é provocada por mensagens recebidas no cérebro. A experiência da dor, a que reservo a designação de sofrimento, depende, em qualidade e intensidade, de pelo menos quatro fatores, independentes da natureza e da intensidade do estímulo: a linguagem, a ansiedade, a atenção e a interpretação. Através desses fatores que dão forma à dor, agem como determinantes sociais a ideologia, as estruturas econômicas, as características sociais. (ILLICH, 1975, P. 129)

De acordo com os autores citados percebe-se que a experiência humana relacionada

com a saúde deve ser contextualizada, para que se possa compreender as manifestações

presentes nos momentos do processo saúde-doença.

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61

2- ANÁLISE DOS RESULT ADOS

A coleta de dados foi realizada no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de

Goiás, uma instituição de ensino da área de saúde, que tem por objetivos: Assistência, Ensino,

Pesquisa e Extensão. Fundado em 23 de janeiro de 1962, é o único hospital universitário

público federal do estado de Goiás e presta assistência nas seguintes especialidades:

• $QDWRPLD�3DWROyJLFD��• $QHVWHVLRORJLD��• &DUGLRORJLD��• &LUXUJLD�*HUDO��• &LUXUJLD�3HGLiWULFD��• &LUXUJLD�3OiVWLFD��• &LUXUJLD�9DVFXODU��• &OtQLFD�0pGLFD��• 'HUPDWRORJLD��• 'RHQoDV�,QIHFFLRVDV�H�3DUDVLWiULDV��• (QGRFULQRORJLD��• *DVWURHQWHURORJLD��• *LQHFRORJLD�2EVWHWUtFLD�• +HPDWRORJLD��• 1HIURORJLD��• 2IWDOPRORJLD��• 2WRUULQRODULQJRORJLD��• 2UWRSHGLD�7UDXPRWRORJLD��• 3HGLDWULD��• 3QHXPRORJLD��• 3URFWRORJLD��• 3VLTXLDWULD��• 5DGLRORJLD��• 5HXPDWRORJLD��• 8URORJLD��

��

O Hospital das Clinicas da UFG realizou, em 2003, 364.723 consultas médicas 13.580

cirurgias e 11.620 internações, conforme dados de sua Seção de Planejamento, Orçamento e

Custos, disponíveis em sua página eletrônica www.hc.ufg.br.

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62

Os usuários atendidos foram 47% da grande Goiânia, 23% da Região metropolitana,

20% do Interior do Estado de Goiás e 10% de outros Estados do Brasil, evidenciando a

importância do Hospital das Clínicas no Sistema Único de Saúde na região Centro-Oeste.

O acesso dos usuários ao hospital é realizado através da Secretaria Municipal de

Saúde de Goiânia, no caso dos procedimentos ambulatoriais e também por demanda

espontânea, no caso de urgências.

Os portadores de doenças falciformes chegam ao Hospital das Clínicas das duas formas

citadas, sendo que, a partir do mês de outubro de 2001, foi instituída, em Goiás, a

investigação de doenças falciformes no teste do pezinho e, por este motivo, todas as crianças

residentes em Goiânia, em cujo teste do pezinho constata-se alguma forma de doença

falciforme, são encaminhadas ao ambulatório de Hemoglobinopatias, que faz parte do Serviço

de Hematologia, para acompanhamento. As crianças das demais cidades do estado são

atendidas pela unidade da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais)de

Anápolis, que também executa o exame do teste do pezinho em todo o estado.

Segundo a responsável pelos exames na APAE durante o período de Outubro de 2001

a Julho de 2005 foi constatada a ocorrência de 8.380 crianças portadoras do traço falciforme

em todo o estado de Goiás excetuando o município de Goiânia 24. Isto significa que

anualmente nascem cerca de 2.184 crianças portadoras de traço falciforme que, mesmo não

sendo doentes necessitam de informações para suas vidas futuras uma vez que caso tenham

filhos com outra pessoa portadora do traço falciforme estes poderão nascer com anemia

falciforme.

No mesmo período nasceram 204 crianças com anemia falciforme em todo o estado de

Goiás, excetuando o município de Goiânia, o que significa que, anualmente nascem em média

de 48 crianças portadoras de anemia falciforme em 254 municípios do estado de Goiás. Em

24 Em razão da diferença nos procedimentos de acompanhamento, os dados são enviados e deveriam ser

controlados pelos responsáveis pelo atendimento na Secretaria Municipal de Saúde. Estes responsáveis , no

entanto, não possuíam informação. Sobre o n° de crianças do município que foram diagnosticadas com traço

falcêmico, através do teste do pezinho.

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63

Goiânia nasceram 33 crianças portadoras de anemia falciforme o que dá uma média de 8

crianças por ano. Estes dados são relativos às crianças que tiveram acesso ao teste do pezinho

o que significa que podem existir crianças que estão fora deste levantamento. Salienta-se

também que não foi estabelecida uma relação com o número de nascidos vivos porque neste

trabalho a concepção que adotamos é a do direito à vida para todas as crianças e, assim sendo,

se apenas uma criança nascesse portadora de anemia falciforme seu direito à vida deveria ser

garantido, independentemente de ser uma em um milhão, ou em dez.

Todos as crianças estão sendo acompanhadas na APAE ou no Hospital das Clínicas da

UFG. Este acompanhamento inclui consultas25 trimestrais ou semestrais, conforme a

necessidade, vacinação diferenciada e, no caso dos que são acompanhadas pelo Hospital das

Clínicas, internações nas diversas clínicas do hospital de acordo com as especificidades

apresentadas pelo portador.

Os portadores de anemia falciforme estão organizados em uma associação que busca

melhores condições para o cotidiano dos portadores tanto no sentido do atendimento realizado

pelo setor saúde quanto os que estão relacionados as demais políticas públicas, sendo que a

inclusão, no teste do pezinho, da investigação sobre a anemia falciforme em Goiás, foi

resultado de uma luta encabeçada por esta associação e outras organizações do movimento

negro.

Estas informações corroboram com mais intensidade a necessidade a da realização

desta pesquisa. O projeto de pesquisa foi apresentado ao Comitê de ética em pesquisa humana

e animal do Hospital das Clinicas para apreciação.Após a aprovação do mesmo, procedeu-se à

coleta de dados, através de um roteiro semi-estruturado aplicado a crianças e adolescentes

portadores de anemia falciforme atendidos no Hospital das Clínicas da UFG. Foram

realizadas 10 entrevistas. A proposta inicial era realizá-las no ambulatório, mas devido às

condições encontradas optamos por faze-lo nas residências dos entrevistados. Apresentam-se,

a seguir, os dados encontrados na caracterização social dos entrevistados.

Os entrevistados apresentavam idades entre 11 e 19 anos sendo 5 do sexo feminino e 5

do sexo masculino. Quanto ao local de residência 20% residiam em Goiânia e 80% em

25 A primeira consulta é agendada pela APAE, que comunica o resultado do teste e encaminha a criança para a consulta.

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municípios do entorno da capital. Sendo que 70% possuíam casa própria 20% alugada e 10%

residiam em moradia cedida, conforme o gráfico a seguir.

A renda mensal familiar dos entrevistados variou de 0,5 a 4,0 salários mínimos, para

uma composição familiar que variou de 3 a 7 pessoas, conforme os gráficos 2 e 3. Isto

significa uma renda familiar média de 1,4 salários mínimos e uma renda per capita média de

0,29 salários mínimos . Isto se tomarmos por base a renda média pois observando-se

isoladamente temos uma família de 4 pessoas que sobrevive com meio salário mínimo

proveniente de um programa de assistência social, o que significa uma renda per capita

mensal de 1/8 do salário mínimo (R$ 37,50 – Trinta e sete reais e cinqüenta centavos) e que

equivale a R$ 1,25 (um real e vinte e cinco centavos) por dia para sobreviver.É uma situação

de miséria total, de indigência.

Gráfico 1. RELAÇÃO ENTRE A PROCEDÊNCIA

E O TIPO DE MORADIA DOS ENTREVISTADOS

CIDADE DE PROCEDÊNCIA

Outras cidades de GO Goiânia

N° DE EN T RE V IST ADOS

5

4

3

2

1

MORADIA

propria

alugada

cedida

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65

Esses dados revelam que o contexto social em que estão inseridos os entrevistados

apresenta poucas alternativas até mesmo para a sobrevivência. O que pode se inferir é que a

busca para tal sobrevivência é a preocupação central em suas vidas e que as condições

nutricionais das crianças e adolescentes entrevistados são deficitárias.

Eles estão inseridos no grupo demandatário de serviços de assistência social, pois

apresentam renda per capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo conforme a tabela 5,

confirmando a situação de desigualdade vivenciada pelos afro-descendentes no Brasil,

evidenciada nos estudos do IPEA.

GRÁFICO 2. COMPOSIÇÃO FAMILIAR

DOS ENTREVISTADOS

N° DE PESSOAS NA FAMÍLIA

76543

ME

RO

DE

FA

MÍL

IAS

3

2

1

0

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66

GRAFICO 3. RENDA FAMILIAR DOS

ENTREVISTADOS EM SALÁRIOS MÍNIMOS

RENDA FAMILIAR

4 S

M

mai

s de

2 at

é 3

SM

mai

s de

1 a

2 S

M

1 S

M

0,5

SM

DE

EN

TR

EV

IST

AD

OS

3

2

1

0

Observando-se os gráficos 1, 2 e 3 percebe-se que apesar da baixa renda familiar 70%

possuem casa própria, o que poderia parecer incompatível. Entretanto este fato é explicado

nas entrevistas quando as crianças relatam que vieram de outros estados em busca de

tratamento, quando a família percebeu que necessitariam de um deslocamento constante para

Goiânia , vendeu o que tinha e com este dinheiro adquiriram o local de moradia. O que

podemos inferir é que esta mudança provocou uma redução na qualidade de vida familiar dos

entrevistados, pois já possuíam bens suficientes para aquisição de casa própria em Goiânia ou

na região metropolitana.

Em relação à escolaridade, 8 estavam estudando e 2 tinham interrompido os estudos

em função de complicações relacionadas à doença. Elaboramos o quadro a seguir para

demonstrar a distorção idade serie encontrada. Para isto consideramos também os que haviam

interrompido os estudos.

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67

0

12

34

56

78

anos de distorção

idade série

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

entrevistados

Gráfico 4. Demonstrativo dos Anos de distorção idade série dos entrevistados

Comparando a taxa de distorção idade série entre a população negra brasileira e do

centro oeste e a dos entrevistados obtemos a tabela 14 que evidencia que na 1ª fase do ensino

fundamental os entrevistados apresentaram o dobro da taxa distorção idade-série obtida pela

população negra em 2001 mas que à medida que conseguem transpor a 1ª fase do ensino

fundamental estas taxas se aproximam.

Tabela 16 - Taxa de distorção idade-série por nível/modalidade de ensino na pop ulação em geral e cor ou raça negra Brasil e Região Centro Oeste - 1992-2001 e dos entrevistados

Ensino Fundamental Ensino médio Brasil – Centro Oeste e Cor ou Raça

1ª a 4ª série

5ª a 8ª série

1ª a 8ª série

Ensino médio (1ª a 3ª serie)

2001 2001 2001 2001 População em Geral Brasil 30,4 42,3 35,8 48,9 Centro Oeste 22,9 43,6 32,9 51,5 População Negra Brasil 39,1 53,6 45,3 60,3 Centro Oeste 26,4 49,6 37,5 59,1 Entrevistados 60,0 50,0 66,6 0,0 Fonte: IPEA e entrevistas

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As entrevistas mostraram que a anemia falciforme influencia na maioria das atividades

desenvolvidas pelos entrevistados. A escola foi avaliada como boa ou normal pelos

entrevistados e durante a entrevista mesmo sem um questionamento específico, eles

manifestaram a opinião de que o tratamento ministrado pelo Hospital das Clínicas é melhor do

que os que receberam em outras instituições de saúde.

A seguir serão analisados os três eixos temáticos Convivendo com a Doença; a

Trajetória escolar e as Perspectivas de vida, conforme descrito na introdução.

2.1 CONVIVENDO COM A DOENÇA

Neste eixo foram encontrados os 6 núcleos de sentido: a busca da normalidade, a

negação da doença, as limitações, a dor, o tratamento e o rompimento de vínculos os quais

serão analisados a seguir.

Tudo o que está fora do padrão é considerado anormal. As pessoas que, em seu

processo saúde–doença, estão no momento definido como doença estão fora do padrão. E até

mesmo no Manual de doenças Falciformes, material destinado aos portadores e profissionais

de saúde, podemos observar a mensagem de que os portadores não podem levar uma vida

normal, conforme a análise de Diniz e Guedes(2003).

Para os entrevistados a normalidade aparece como estado exterior ou seja pertencente

aos pares que não são portadores e também como interior, conforme afirmou Fanon é um

sentimento ambíguo.

O lugar que ocupam não é o da normalidade, mas não estão no seu oposto, pois não se

consideram diferentes. O que demonstram é que ocupam um entre-lugar. Este entre-lugar

carrega em si a inferioridade de seus ocupantes em relação ao grupo normal. É o entre-lugar

falado por Bhabha ou que são os inomináveis citados por Skliar. Por esta razão presenciamos

neles um esforço par a serem normais:

quando eu estou sadio, pra mim eu sou uma pessoa normal como qualquer um.(...) Procuro me ver assim como uma pessoa normal (Teixeira Filho) Minha vida assim é normal, (Ringo)

O que não é normal é o patológico, a doença. Sobre a doença os entrevistados fizeram as seguintes afirmações:

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69

Tem vez que ataca só as costas, as costas atrás aí eu não consigo andar, assim as costa fica dura, aí tem vez que ataca os braços, o pescoço.(...) Qualquer hora só tiver a hemoglobina abaixa e aí já ataca. .(...)muito ruim... .... quando eu estava no hospital que eu fechava o olho e via que eu me via morrendo. Eu já tava morrendo eu só via que eu falava pra minha mãe que eu ia morrer, eu pedia pra Deus pra morrer.(Teixeira Filho) É ruim.- (silêncio) ( Jacinta)

É uma dor que tem nas pernas(...) a coisa ruim que teve foi a anemia.... - Sente dor. (Teresa)

Sei que tem que tomar muito líquido, num posso comer coisas que contem ferro e também num posso fazer muito exercício. (Ringo)

Eu acho muito ruim. Sentia muita dor nas pernas.... Chorava. Dói.- Eu acho ruim.(Carlos) Acho chata (risos). (Magda) Nada... - Não sei...- Porque eu nasci assim, né... (risos) - Ah, é ruim..... (silêncio). (Debora) Só sei que dói, os ossos. - Que me deu crise, que eu fiquei quase 13 dias com a crise, internado aí. Não podia fazer nada, nada, nada. Vomitava...( José) Nada.- Ah, sei lá! Eu não entendo esse trem direito... - eles falam que a gente tem que ter esse trem pro resto da vida, e não sei o quê, e não sara... Só isso. (Edmundo)

A doença é uma coisa ruim, que ataca e traz sofrimento. Um sofrimento do qual é

melhor não falar, ser reticente, e que é tão grande que se chega a desejar a morte para

interrompe-lo. As afirmações dos entrevistados confirmam a conclusão de Moreira e Dupas de

que as crianças não concebem saúde e doença como parte de um processo e sim como

determinados por uma causa e conseqüência, do que enquanto processo multicausal e

multifatorial.

A concepção de saúde presente nestas falas é a de ausência de doenças uma vez que a

doença aparece como algo que é independente de suas vontades e comportamentos e é

identificada através de suas conseqüências. Ela só é concreta no momento em que se manifesta

e, sendo assim, não a encaram como parte de um processo no qual influenciam todos os

fatores de seu contexto social.

A doença os afasta da normalidade, porém mesmo aqueles que tem consciência dela

ser incurável procuram fazer parte do grupo social ao qual pertencem como normais. Somente

aqueles sintomas que os impedem de exercer as atividades no grupo são considerados como

doença. A normalidade para eles está relacionada ao exercício de um papel social,

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confirmando as afirmações de Canguilhem (1978) de que o indivíduo é que pode avaliar sua

condição de normalidade ou não e de que esta normalidade existe em relação à sua capacidade

ou não de realizar tarefas

Na busca do exercício de seus papéis sociais os entrevistados preferem esconder ou

negar a doença. Essa negação se manifesta claramente nas falas dos que estão saindo da

adolescência:

Evito de contar, eu prefiro esconder(...) tem muitas pessoas que gostam de curtir com a gente porque eles querem ser melhor, então eu escondo de todo mundo.. meus amigos, ninguém sabe.... Eu acho que vão achar que eu sou inferior. (Teixeira Filho, 19 anos) Você conta? - Não. (Debora, 18 anos)

Negar e esconder a doença aparece como uma forma de buscar a inclusão no grupo de

pares e de evitar situações constrangedoras. Novamente aqui percebemos o estabelecimento de

estratégias de resistência a assumir o papel que a sociedade destina aos doentes. Aqueles que

não negam a doença utili zam como estratégia o esclarecimento aos pares sobre a mesma ou

sobre os procedimentos a que são submetidos.

Um dia minha colega falou assim: "Kica, por que você é amarela?" Aí eu falei: "porque eu tenho anemia, tenho que tomar sangue." "Eca, você toma sangue?" Eu falei: "Ih, mas não é tomar pela boca não, é pela veia..." Elas falou "eca" porque pensou que eu tomava sangue pela boca. Expliquei pra elas, tudinho (Teresa)

Esta negação se observa também no nível individual. Uma das adolescentes

entrevistadas que já havia concluído o ensino médio, ao ser perguntada sobre o que sabia da

anemia falciforme respondeu que não sabia nada. Com os conhecimentos adquiridos no

ensino médio ela teria condições para ter informações mais detalhadas sobre a doença uma

vez que o conteúdo do mesmo inclui ensinamentos sobre o sangue e seus componentes. Este

fato pode também estar relacionado ao sentido e significado dos conteúdos da aprendizagem

que Onrubia (2001) cita como característica importante no processo ensino/aprendizagem, ou

seja, os conteúdos que adquiriu na escola possivelmente não tiveram nem uma coisa nem outra

para ela.

Os entrevistados afirmaram que a anemia faz com que seu cotidiano seja carregado de

limitações:

O que eu não podia fazer era brincar de futebol ficar no meio dos meus amigos mas quase que eu num brincava, porque ficava só doente direto,(...) então meus

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pais também me prendiam dentro de casa Não vou em festa não.... tenho vontade de ir (festas) e chegar lá e ficar pulando a noite toda. (Teixeira Filho)

Eu não posso brincar de golzinho, brincar com meus colegas, num posso fazer muito exercício (Ringo)

Ah, eu não posso jogar bola, não posso andar muito de bicicleta, Eu não posso nadar, assim... Eu não posso brincar de pula-pula...Não posso correr muito, assim, que dói também. Não posso um monte de coisa... - Ah, eu acho muito ruim. O dia que eu sarar aí eu posso fazer tudo, né. - Jogar bola, esses trem, eu não posso.... - Ah, eu não gosto. (silêncio)... (José)

(impedimentos) Só correr, pular... eu mesma ficava quieta, né. Ficava em casa...(na escola, no recreio)- Sentava. (Debora)

eu não posso andar muito de bicicleta nem tomar coisa gelada porque eu sinto dor, né. .. No frio. Mas agora no calor... - Pode. ... eu não posso pegar resfriado.... . (Teresa)

A proibição de brincar aparece como a limitação mais forte. Brincar faz parte do

cotidiano infantil de forma intensa. Como afirma Sarmento (2004) as crianças brincam

contínua e abnegadamente. Podemos afirmar que brincar é um habitus infantil na acepção

definida por Bourdieu (1977), ou seja um sistema de disposições e hábitos permanente. Assim

como também é um habitus, em quase todas as sociedades, a segregação das pessoas doentes

e sua exclusão das atividades diárias.

Não, eu mesma ficava quieta, né. Ficava em casa... – Sentava(no recreio). (Debora) Tinha vez que quando eu brincava, eu passava mal, ficava ruim, por isso eu evitava de brincar ( Teixeira Filho) Nós foi lá pros clube lá... . voltou de novo a dor no braço, eu fiquei lá embrulhado na coberta, os meninos brincava e eu só olhava... Eu não posso ir...Ah, eu fico triste. Os meninos direto... No "tchibum"...- (silêncio)- (José)

As crianças doentes, são afastadas e impedidas de brincar com seus pares e no caso

dos portadores de anemia falciforme este impedimento é justificado na necessidade de não

realizarem atividades que demandem esforços contínuos. Às pessoas que não realizam as

atividades praticadas pelos pares em seu grupo social é relegado o espaço da exclusão como

bem descreveram as falas dos entrevistados.

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Observou-se que os entrevistados resistem às limitações que lhes são impostas

indicando que a criança é capaz de decidir, possui uma autonomia e a exerce, conforme a

definição de Gaitám sobre o protagonismo infantil. Neste sentido é interessante observar

atitude dos entrevistados em relação ás proibições a que estão sujeitos:

Ah, ela(mãe) saía... Eu ficava brincando, jogava bola, não esquentava com nada. Os meninos chamava eu ficava.... eu falava: ah, eu vou brincar... É. Ah, eu vou brincar um pouquinho. Aí eu brincava, depois chegava aqui com a perna doendo, minha mãe me dava os remédios, melhorava...(José) Antes, eu só via o dinheiro e eu gastava.- Com coisa gelada.... - Era, geladinhos, sorvete.(Teresa) Mas tinha vez que a vontade era mais forte e eu brincava (Teixeira Filho)

A impossibili dade de brincar com seus pares traz consigo o sentimento de tristeza. A

vivência desse sentimento por si só traz conseqüências para o desenvolvimento infantil. No

entanto esse afastamento do brinquedo e dos pares influencia também na sua trajetória escolar,

uma vez que o brinquedo desempenha um importante papel no processo ensino/aprendizagem

segundo o pensamento de Vigotsky (2002)já referido. No brinquedo a criança participa de

práticas sociais organizadas, com papéis definidos e seguem normas para a ação grupal.

Assim, afastada do brinquedo e conseqüentemente de seus pares a criança portadora de

anemia falciforme fica sem uma ferramenta que a ajuda na construção de signos e no processo

ensino/aprendizagem e terá certamente mais dificuldades no processo de internalização de

conhecimentos e conceitos produzidos em seu meio social, bem como de compreender

processos de significação de 2a. ordem como é o caso da escrita, fundamental na trajetória

escolar.

A diferença no crescimento e desenvolvimento corporal, conforme concepção de

Carneiro e Murad (2002) já citados, também traz limitações que influenciam no cotidiano dos

entrevistados. Um dos entrevistados cuja aparência é a de um adolescente de 12 anos mas que

tem 18 afirmou:

Achava ruim, né, porque uns grande outros pequenos(Mota) Você é menor que as outras meninas de 13 anos, da sua idade? - Não. Sou mais velha do que elas. - São do mesmo tamanho. Mais pequena... Tem uma menina que não tem problema nenhum... Tem um menino lá, que eu brinco com eles lá, tem um menino que tem 12 anos, vai fazer 13 anos também e ele é do meu tamanho. Não tem nada, de anemia nem nada..... A minha mãe fala que eu vou crescer..(Teresa) (tem 13 anos e aparenta 8)

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Esta adolescente compara sua altura com seus pares, afirma que não é menor e sim

mais velha, o que não tem o mesmo significado em relação aos pares. Percebe a diferença, mas

nega. Quando ela afirma que a mãe diz que ela vai crescer podemos inferir que existe um

desejo de atingir a mesma altura e desenvolvimento dos pares de sua faixa etária.

Um outro afirma que brinca com adolescentes de 12 e 13 anos apesar de ter 19.

Eu brinco com meus colegas.... tem uns deles que é bem mais pequeno que eu. Tem 12, 13 anos...(Teixeira Filho)

Percebemos que esta diferença faz com que eles tenham que conviver com

adolescentes que são mais novos que eles, o que certamente representa uma dificuldade em

relação a interesses e atividades. Acrescenta-se a isto o fato de que eles têm que assumir

comportamentos sociais de faixas etárias inferiores às deles e assim sendo as atividades

lúdicas provavelmente não têm o mesmo efeito que Vigotsky (2002) encontrou no ato de

brincar, pois para este autor as crianças podem simular comportamentos além de sua idade

cronológica durante as brincadeiras.

Os episódios de dor são constantes na vida dos portadores de anemia falciforme

conforme afirmou Figueiredo (2002), citado anteriormente. Uma das entrevistadas não

conseguiu descreve-la respondendo com um longo silêncio e um choro sufocado.

Uma dor muito ruim fica latejando assim tipo seu coração fica batendo assim ..só que nas costas nas pernas... uma dor insuportável, muito ruim (Teixeira Filho) -Dói! - Dói demais(José) . Quando eu tomei coisa gelada tem vez que dói. Porque eu sentia dor... A minha mão, né. Porque eu escrevo muito. - Dói.(Teresa)

A intensidade da dor que sentem faz com que minimizem a própria dor ou a de seus

pares e estabeleçam um comparativo entre as conseqüências de sua própria dor e a de seus

pares:

Só por causa de um dedinho eles leva( a escola providencia atendimento a alunos com algum problema de saúde). Mas quebrou. Mas cortou. Aí a menina chorou. Ela fez o maior escândalo. Saía sangue pra todo lado lá, porque ela foi e cortou e saiu muito.( Teresa) meus pais também me prendiam dentro de casa porque qualquer feridinha infeccionava e ficava doente (Teixeira Filho)

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Isto confirma o que Fernandes (2000), Pimenta (2001)e Illi ch (1975) dizem sobre a

experiência da dor no sentido de que é uma construção social e cultural, podendo variar

conforme os indivíduos. Para aquela criança a dor da outra que foi provocada por um acidente

não tinha a intensidade da sua, que não necessitava de nenhum acidente para manifestar-se,

bastando para isto realizar um ato corriqueiro como tomar algum alimento gelado. A dor da

colega se acabaria após cuidados médicos enquanto a sua voltaria, sempre. O mesmo

sentimento é expresso pelo outro entrevistado quando afirma que “qualquer feridinha” era

motivo de ser impedido de conviver com os pares. O que se percebe é que ele se refere aos

pequenos ferimentos comuns durante os jogos infantis para os quais as expressões “não

chora que é coisa à toa”, ou “vai sarar logo” são corriqueiras no cotidiano infantil

demonstrando o pouco valor social destinado a este tipo de ferimento. Porém para o

entrevistado até mesmo a estes tipo insignificante de dor ele não poderia estar exposto devido

à anemia falciforme.

Os cuidados recebidos durante o tratamento de saúde foram avaliados de duas formas:

no sentido do sofrimento que as intervenções causam e no sentido das relações estabelecidas

com os profissionais de saúde.

Em relação às intervenções eles levantaram que são ruins e dolorosas. Revelaram

também conhecimento sobre procedimentos e medicamentos que utili zam

Em que situação ficava internada? Só quando eu sentia alguma dor forte assim. Só uma semana, duas... Por aí.... Só três ou quatro vezes(ano de 2004). Eu não sei falar o tempo.. (Joana) Esses tempos atrás, mesmo, tava doendo meu baço, aqui em mim tava inchado, assim..., Na barriga? - Hum, hum. Aí deu o remédio, foi sarando, foi assim. (José)

Alguns entrevistados estabeleceram uma diferenciação entre os serviços de saúde nos

quais foram atendidos:

Me levava no médico direto e nunca descobriram o que eu tinha não aí uma vez minha mãe me levou em Curitiba, parece e aí descobriram que eu tinha anemia falciforme. Aí que começou mais controlar porque descobriram, aí sabia qual que era os remédios certos aí começou mais controlar. Teve muitas vezes, que(médicos) num entendia, era difícil ... não sabia que remédio te dava(...) muitas vezes que eu já quase morri porque eles não sabiam que tinham que fazer transfusão de sangue e eu amarelo e eles não sabiam.. Por causa.dos médicos.. porque num sabia. Num sabia que tinha aquela doença que eu precisava desse remédio de tomar sangue , pronto aí ficava daquele jeito.(Teixeira Filho)

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Aí nós foi lá pro hospital, descobriram que eu tinha anemia. Aí foi fazer o encaminhamento, porque eu passei umas crises aí, levava no hospital e eu ficava internado, internado, internado. Tomava injeção, antigamente, aí ficava lá no hospital. Fez o encaminhamento, acabou minhas crises, aí de vez em quando dava umas crises.(José)

Estas falas confirmam as afirmações de Silva e cols.(1993) e Alves(1996) sobre o

diagnóstico tardio e o tratamento inadequado em relação à anemia falciforme. Elas

demonstram a necessidade de mudanças na formação profissional na área da saúde no sentido

da identificação e tratamento da anemia falciforme em crianças.

A seguir apresentaremos o relato da mãe17 de Jacinta que evidencia ainda mais esta

necessidade e que, além disso, aponta para a necessidade de mudanças nas relações entre os

profissionais e os usuários da saúde.

A primeira vez que ela começou a sentir essas crises de dor, que eu levei ela(no médico), morava lá na Bahia. Aí ele passou dois remedinhos pra ela. Ela tomou e melhorou. Aí mandou ela pra outro médico, a Drª Carla, ela mandou ir rapidão pra outra cidade, disse que ela tava com meningite. Aí eu fui. Quando chegou lá o médico internou ela e disse que eu tava doida só de falar que ela tava com meningite. Aí internou ela. Ela ficou de 8 a 9 dias internada, aí eu levei pra casa. Ele falou que ela tava com reumatismo e anemia. Anemia profunda, né. Aí eu voltei pra casa com ela.

Aí ficou nesse intervalo, de seis em seis meses, cinco meses, quatro meses... Sempre ela voltava a sentir essas crises de dores fortes. Aí eu levei ela nessa mesma médica que eu levei. Aí foi, internou, falou que ela tava com pneumonia e anemia profunda, ficou 10 dias internada.

Aí, todo mundo que internava, ficava com os filhos na Pediatria, falava assim: que eu tirasse ela de lá porque senão eles iam matar ela. Que eu tirasse e trouxesse ela praqui. Porque lá, a cada dia que passava, ela ficava pior, pior. Eu não tinha condições de nada. O que eu vou fazer? Ela tem que ficar é aqui. Aí, quando completou 10 dias eu pedi à médica. Eu vi que ela tava ficando pior. Aí ela disse: "É. Então você quer? então eu vou liberar." E foi, deu alta pra ela, ela foi pra casa. Foi num sábado. E aí foi, antes de fechar os 8 dias, ela começou a sentir a dor, ela entrevou. As duas pernas dela virou pra trás e travou assim. Aqui na perna dela, a gente pegava aqui e não ia. Tava duro. Aí foi pra outra cidade. Aí ela ficou mais dois dias internada. Dessa época pra cá, Dr. Raul falou assim pra mim: que ela ia me dar um trabalho que eu nem imaginava. Quando eu perguntei o que é que era, ele falou que não, que deixasse quieto, que depois, com o tempo, eu ia vendo. (...) Ela começou a sentir de novo. Eu peguei ela e fui para o hospital com ela. Quando chegou lá, A médica que mandou internar... Não, ela não mandou eu vir. Eu cheguei lá com a menina e ela perguntou assim, lá da emergência: "mulher, você já viajou pra fora com essa criança?". Eu falei: "não. Você acha que é bom, Drª Carla?" "Ah, eu acharia que era bom você sair com ela porque..." Aí foi que ela falou o restante. Pediu um ultrassom e falou assim... Já passou um exame de sangue e pra fazer rápido eu teria que pagar. Era R$ 120 os dois. Aí eu falei pra ela que eu não

17 Optou-se por apresentar o relato de forma integral, tendo em vista que a maioria dos entrevistados tem trajetórias semelhantes, uma vez que somente 1 é originário de Goiânia

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tinha na hora pra mim pagar pra ela. Ela falou assim: "você tem que dar um jeito porque ela tem que fazer, porque ela tá com calazar." Eu falei assim: "o que é calazar?". "É leishmaniose, doença de cachorro" Aí eu peguei, fui na Prefeitura. A menina falou assim: "eu pago a metade você paga a outra, tá bom?" "Então tá." Então fez. Voltei rapidão, fez o ultrassom e o exame de sangue. Quando o exame de sangue saiu ela não quis me entregar. Eu pedi o encaminhamento dela para o CAIS18 pra menina e ela falou que sim e depois ela não quis me dar mais. Falou que não ia me dar o encaminhamento, que não precisava de vir, que a menina ia morrer de calazar e não tinha jeito dela vir pra cá. Aí eu falei: pelo menos o resultado, Drª Carla, pra eu levar. Eu vou levar ela sem encaminhamento. "Ah, mas o resultado não pode sair daqui, tem que ficar na ficha dela." Aí eu falei: "o exame é dela, eu que paguei, eu quero." Ela falou que não ia me dar. Aí meu irmão chegou lá e falou assim: "cadê o resultado?" Eu falei "a doutora disse que não vai entregar" Ele falou assim "então eu vou quebrar o pau aqui agora. Porque você pagou, o histórico é da sua filha, você tem que levar pra onde você for. Chega lá o médico procura qual o exame que ela fez e você vai dizer que não fez?" "Ela tem que entregar agora." Ela foi e saiu. Aí eu ficou a secretária dela. Eu falei assim "me dá o resultado da minha filha." Ela falou assim que não podia dar, porque a médica não autorizou, era pra não entregar. Aí meu irmão falou assim: "pois é. Se vocês não entregar eu vou quebrar o pau aqui agora. Vou entrar, pegar o resultado dela e não vai ficar só nisso não. Porque a gente sabe que ela não é médica formada pra atender paciente. Ela veio praqui porque não tem outro lugar e agora ela ainda vai prender o resultado do povo ainda? Por que ela falou que a menina tava com a doença e ela não quer entregar o resultado? A menina ficou com medo, pegou e entregou e nós veio. Quando chegou aqui, no primeiro dia que cheguei, , levei ela num pronto-socorro. O médico pegou e me deu o encaminhamento , pra trazer ela aqui, pro HC. Só que quando eu cheguei lá fora, o guarda falou assim "ah, esse papel aqui você não pode vir por HC agora." Primeiro, o que tava lá dentro falou "não, você pega a ambulância aí fora e pede pro rapaz da ambulância ir direto pro HC." Aí, quando eu cheguei lá o guarda falou assim: "não, você tem que ir é pro CAIS Amendoeiras pra lá eles marcar, eles agendar e aí fica sabendo o dia." Aí eu fiquei sem saber o que fazia e ela estava ruim, ruim mesmo. A barriga (da filha)tava bem grande. Eu pensei: já sei. Amanhã eu vou lá no CAIS. Aí fui pro CAIS com ela. Quando cheguei lá, tinha aquele monte de fila, peguei a fila pra ir conversar com a assistente social, pra agendar pra mim. Eu tava sendo a terceira. A moça falou assim, que ia abrir lá: que não tava agendando e não tinha nem previsão de quando ia agendar. Eu mostrei o papel pra ela, falei a situação que tava a menina. Ela falou que não podia fazer nada pra me ajudar, porque não tava agendando e não sabia quando. Aí eu falei: "pronto. E agora, o que é que eu faço?" Eu falei: "já sei. Então eu vou entrar na fila da Pediatria, vou consultar com o médico daqui, vou ver o que ele vai fazer pra mim. Aí, quando eu peguei a senha, preenchi a ficha. Aí quando chamou ela, ele procurou o que ela tava sentindo, eu falei pra ele o que ela começou a sentir, há quanto tempo e mostrei o exame que eu tinha trazido de lá. Ele só falou assim: "sua filha não tá com essa doença. E você vai sair daqui agora e vai lá pro HC." Aí eu mostrei o encaminhamento. Ele falou: "então por que você não foi pro HC ainda?". Eu falei. "Não, não tem disso. Você vai agora. Me acompanha" Eu acompanhei ele. saímos do hospital, foi lá na ambulância, chegou e mandou vir praqui. Aí eu cheguei com ela, era umas 9:15 da manhã. Aí os

18 CAIS: Centro de Atendimento Integral à Saúde

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médicos daqui tomou conta dela, fez os exame. Aí foi, cuidou dela bem rapidão, bem direitinho, no mesmo dia fez os exames tudinho. Eu cheguei aqui às 9:15, aí eu saí com ela às 7:30 da noite. Aí descobriu tudo. Desse dia em diante encaminhou. Marcou mais exame pra ela, o retorno de seis em seis meses. O retorno dela tava pra novembro de 2003. Não deu pra mim vir. Aí, quando foi em dezembro, dia 20 mais ou menos de dezembro, ela sentiu mal. Eu falei: "vou correr com ela". Aí quando foi dia 22 eu saí de lá correndo com ela, e nós estamos aqui até hoje.

Outra questão em relação ao tratamento é a de que a participação das crianças durante

os procedimentos se dá no sentido de receber as intervenções sendo seus responsáveis os que

recebem as explicações sobre o que está acontecendo.

Eles explicaram pra você ? - Pra mim não, pra minha mãe.(Joana)

Na relação com as crianças os profissionais adquirem a postura de que a criança é um

ser inferior, sem capacidade de manifestar-se sobre suas dores ou para receber explicações

sobre seu estado de saúde, que ocupa o lugar da incapacidade para falar, emitir juízos

confirmando o que Soares e Tomás afirmam sobre os cotidianos infantis.

O silenciamento da voz da criança aparece claramente na opinião deste

entrevistado:

Pretendo medicina, minha vontade é medicina...Ah Sei lá acho legal assim cuidar dos outros, assim, interessante, queria me formar na minha área hematologia. Sei lá porque eu já entenderia mais. Se eu visse os paciente assim eu entenderia porque já passei por aquilo, acho que seria mais fácil seria legal (Teixeira Filho)

Podemos inferir que este entrevistado não foi consultado ou ouvido sobre a intensidade

de suas queixas, uma vez que entende que os profissionais não são capazes de compreender a

extensão e a profundidade de seu sofrimento.

Entre as conseqüências que a anemia falciforme traz para o cotidiano dos portadores o

rompimento de vínculos evidenciou-se em todas as entrevistas.

Esse rompimento se deu em relação à cidade de origem, pois a maioria veio de outras

cidades ou estados em busca de tratamento médico, sendo que apenas 1 entrevistado havia

nascido em Goiânia. A mudança de cidade significou também uma mudança de estilo de vida

uma vez que vieram de cidades localizadas na zona rural. Isso representa uma alteração

substancial no cotidiano dos portadores e suas famílias que, repentinamente, se vêem

obrigadas a assumir condutas e papéis estranhos e que, não raras vezes, lhes causam um

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choque cultural muito grande. Agregado a isso o portador tem o sentimento de

responsabili dade pela mudança, uma responsabili dade que não é cobrada mas é explicitada:

Mas quando eu vim pra cá, lá do Tocantins, que minha mãe me trouxe aqui com a roupa do corpo, ela me trouxe pra cá, direto, né.( Teresa)

Nós decidimos vir pra cá, porque meus tios moram aqui, irmãos da minha mãe.Deu crise lá (José)) Foi deu crise lá(Mato Grosso) e eu vim pra cá de ambulância, meu pai viu que eu estava sofrendo demais por causa da viagem e resolveu mudar pra cá(Teixeira Filho)

Outro vínculo que é rompido é com a família tanto com a família em geral que ficou

em outra cidade como com o núcleo central, pois as constantes internações os retiram do

convívio familiar periodicamente. Da mesma forma são rompidos vínculos com os pares,

quer através da separação motivada pelas internações e mudança de cidade, quer pela sua

exclusão do grupo de pares.

2.2. A TRAJETÓRIA NA ESCOLA

Outro eixo temático que emergiu das entrevistas foi a trajetória na escola. Para este

eixo apareceram como núcleos de sentido:

• A Escola

• Os professores

• Os colegas

A escola foi avaliada como boa por todos os entrevistados. Ela é vista como capaz de

proporcionar um futuro uma profissão confirmando a força que o conhecimento adquirido,

principalmente através da educação formal, tem na sociedade atual. Além disso a escola foi

citada como um lugar onde há brincadeiras, diversão e no qual se pode ter um relacionamento

com os pares.

Boa Aprender, ler, fazer os números...estudar (dificuldade)Só matemática Mais ou menos boas(notas), tem hora que tem nota baixa. Tem umas matérias que eu não sei. Não entendo. A conta de dividir (silêncio) (Inês)

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Boa... - Lanche... Professor... Os colegas... – (serve para) Pra estudar. - Pra aprender. Qual série estuda? - Segunda. sabe escrever. Sei não. ler? – Não - Não aprendia.(qdo estava em Goiânia para tratamento.) E aí você ficava sem aprender? - Hum, hum. Você ficou sempre na primeira série lá? - Foi. Ficou os quatro anos na primeira série? - Foi. Por que? - Porque eu tava praqui.(Goiânia) E quando você chegava lá? - Eu não acertava. –(sentia)Que eu não ia passar... - Que os outros iam passar e eu ia ficar... - Ficava triste. (Jacinta)

A escola é boa. Lá a gente brinca, lá tem recreação, tem bastante coisa pra gente brincar. - Lá na hora da recreação eles dá pula corda pra gente, dá tic-tac... Os amigos... a professora... - É porque tem meus amigos... Um monte de coisa lá que tem... De brincar... - Pra aprender.- Aprender mais. A ler... Essas enfermeiras que tá aqui, elas tudo teve que estudar bastante, ainda estuda... Vou fazer a quarta. Eu acho que foi só na segunda. Não sei não.(reprovação) - Porque (a escola) é um pouco longe. Se eu sair meio-dia e meia, por aí, eu chego lá atrasada. Porque lá eu entro à uma hora, né. Eu vou chegar lá à 1:30, eu entro até a 1:15, só. O ruim é isso: só entra até 1:15. (Teresa)

É boa né, se eu não estudar num vai ter emprego. Se você estudar muito pode ser advogado, médico ou enfermeiro, juiz, muita coisa a escola ensina.( Ringo)

Eu achava era bom.- Brincava. – Gostava (Carlos) . É bom.- Normal. (quando voltava de alguma internação)Chegava lá... Normal mesmo. .Alguém te ensinava o que tinha sido ensinado naquela semana? - Não, passava pra frente. Como é que você fazia com a matéria que você não via? - Deixava de mão. E aí você ficava sem aprender aquela matéria? - Ficava. Copiava depois, Das amigas... Você é que ia atrás das suas colegas e procurava? – Procurava Foi reprovada ?- Já fui, na terceira série. Por que ? Porque eu fiquei sempre internada...(Débora) Bão - É boa. Trata a gente bem... Ainda(na 5ªsérie). Ficava internado...(José)

Ah, quando eu morava lá (Bahia) eu ia bem, até a 4ª série. Depois fui pra São Paulo, vim morar pra cá, aí acho que piorou tudo. Não dei mais conta de fazer mais nada. Só repetindo, todo ano, todo ano... - Repeti na 4ª, na 5ª e agora três vezes na 6ª. - Ah, não sei. Acho que eu não entendo as matérias direito, algumas matérias direito. - Tem dia que a gente não tá querendo ir, né, aí é melhor não ir. (Edmundo)

Faltava(durante a internação). - Voltava pra escola. - Meu irmão estudava comigo e ele falava o que aconteceu. E as tarefas? - Pegava com as colegas depois (Joana)

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Os entrevistados estabeleceram uma diferenciação entre as escolas:

Como é que era a escola? - Ruim. O que tinha de ruim nela? Tudo.- Ah, ela não ensinava direito não E quando você passava mal? Mandava eu embora. E você vinha sozinha? Era longe? Era! E eu vinha passando mal...(Débora)

Na aula de educação física. Por causa que não posso fazer esforço e não teve como tirar nota e fiquei com a nota zero.Só na 5ª. Na 6ª(mudou de escola) eu peço pra ele passar pra escrever e eles passam(Ringo)

Alguns explicitaram, inclusive, que as escolas necessitam de mudanças na metodologia

de ensino, na organização e na estrutura física e que se a escola é muito ruim, os alunos

devem buscar outro estabelecimento escolar para obter um melhor atendimento.

O que você acha que devia mudar nas escolas pra ficar melhor? - Quase tudo (risos) - Dar lanche (risos) - Os professores... (risos) - O jeito deles ensinar. Principalmente Matemática, né. (Joana) Ah, eu espero melhorar, né... bastante. Que lá é tudo desorganizado. - Ah, a gente tá no horário de uma matéria, chega outro professor na sala, vai aplicando tarefa, trem valendo ponto, sendo que nem era dia dele, dia da aula dele... Essas coisas.(Edmundo) Que melhora um pouco seja um pouquinho mais melhor né. Ter as coisa que não tem. Mais carteiras porque estão quebradas (Ringo)

A instituição escolar é encarregada de produzir habitus que reproduzam es relações de

dominação estabelecidas na sociedade em que está inserida, conforme Bourdieu (1997). Na

sociedade o individualismo é um valor predominante, pois serve para que os sucessos ou

insucessos dos participantes da mesma sejam de responsabili dade única e exclusivamente

individual. É interessante notar na fala do entrevistado que não realizou os testes de educação

física e por este motivo ficou com nota zero o ano todo como este mecanismo de

responsabili zação individual pode chegar ao extremo. Podemos observá-lo também neste

trecho da entrevista com a adolescente Joana:

Foi reprovada? - Só uma...- Fazia muita bagunça na sala (risos)... - Conversava demais com os colegas... Quando você foi reprovada, você internou muitas vezes? - Não. Só três ou quatro vezes. Eu não sei falar o tempo...- E ficou muito tempo?M - A primeira vez, sim. Dois meses e seis dias. - Ah, o ano passado? Em 2003? - Não. 2004.- Então foi esse ano agora? - Fevereiro desse ano. - Eu fui internada com paralisia na perna. Aí depois fez drenagem Eu vim pra casa depois... - Na mesma perna.Teve internada outra vez Aí, quando você voltou dos dois meses, nem deu tempo de ir pra escola? - Não...Internou de novo. Aí você foi na escola só um mês, então?Mãe - Foi em julho... Você nem foi na escola esse ano passado?Mãe - Não passou nem

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quinze dias de quando ela ficou internada com a paralisação da mão. M - Foi, em julho. .- Quer dizer: no primeiro semestre você não foi pra escola por causa da perna. Ficou internando, indo e voltando... E depois, em julho, paralisou a mão, aí você nem voltou à escola? - Não.

Observa-se que ela apresenta como razão para sua reprovação os motivos que, nas

escolas tradicionais, são apresentados como causa de reprovação e que estão relacionados ao

comportamento do aluno configurando-se como um habitus , conforme a concepção de

Bourdieu e Passerom (1975) já citada, tal a força que exerce sobre toda a sociedade. A

adolescente assume a responsabili dade por estar retida na 6ª série (Fazia muita bagunça na sala

- Conversava demais com os colegas..), mesmo que tenha estado ausente da sala de aula

praticamente o ano todo, devido às constantes internações.

A responsabili dade pela exclusão é individual, não importando qual o contexto

gerador, cabe ao aluno se adaptar à escola. Sua ausência não é sentida ou questionada, apenas

não cumpriu seu papel e teve as conseqüências normais e naturais. Tornam-se invisíveis para

a instituição, representando apenas 1 número a mais na lista de reprovados.

Os professores foram encarados como aqueles que tem a função de ensinar, de

conversar, de entender os alunos. Durante as entrevistas , perguntamos como é que os

entrevistados faziam para obter o conteúdo ensinado durante o período em que estavam fora

da escola devido às crises falcêmicas em que ficam em casa ou internados. Eles responderam

que:

Eles(professores) ficam falando porque eu faltava, eu falava, eu explicava pra eles porque eu faltava: porque eu tava internada. Eles não entendiam. Aí eu ficava triste porque com as minhas amigas, porque elas passou de ano, só que agora eu vou fazer a quarta série. - Acho que na sexta série.(colegas) (Teresa)

Pergunta se eu estou melhor, o que eu estava sentindo. Quando você chega da internação a professora dá aula separado? Não O ano passado a professora me explicou a matéria separado dos outros.( Inês)

Os professores sempre me trataram normal, como qualquer aluno dentro da sala de aula. Só que menos o professor de educação física, como ele sabia evitava de me colocar pra brincar junto com os outros colegas, aí ele me colocava pra fazer um trabalho, pra brincar de outra coisa, jogar uma dama, isso. (...) Uns ensinavam outros não ensinava,(conteúdo ensinado durante a ausência) tinha uns professores que não queriam nem saber ...Deixavam sem a nota e com a falta. (Teixeira Filho)

A matéria que a professora explicou quando você não estava, quem te ensinava

depois?

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Ninguém. (Daniela )

E aí, ninguém te ensinava? - Hum, hum. - Ah, ela não ensinava direito não.(Gisele)

A falta de atividades para que estes alunos adquiram o conteúdo faz com que estes não

consigam ser promovidos, sendo que conforme o gráfico 4 apenas 1 entrevistado não

apresentou distorção idade série e conforme as entrevistas somente 2 não ficaram retidos em

nenhuma série.

A atitude de indiferença em relação aos alunos evidencia a utili zação de métodos

tradicionais nas escolas freqüentadas pelos entrevistados. Na escola tradicional o trabalho do

professor é o de repassar conteúdos não importando se quem pagou quis ouvir e sem buscar o

caminho que vai dar no céu26, ou seja, se o aluno desejou aprender e compreendeu ou não o

que foi ensinado, configurando-se no que Paulo Freire denominou de educação bancária. O

processo não é de ensino/aprendizagem mas de ensino. Neste enfoque os alunos que

apresentarem alguma dificuldade em relação ao conteúdo são os outros, os inomináveis de que

falou Skliar (2003), os excluídos na inclusão. A diferença é apagada em nome de um

tratamento igualitário com todos os alunos. Esta escola reproduz as relações de dominação

estabelecidas na sociedade e contribui para alicerçar e reproduzir a dominação, conforme a

concepção de Bourdieu e Passerom (1975). As relações estabelecidas neste tipo de escola

fazem com que o aluno internalize habitus fundamentais para a manutenção de relações de

caráter autoritário e excludentes, onde o outro é aquele que está só e depende de suas

capacidades para se incluir.

É uma escola em que o aluno é visto como depositário dos conhecimentos que o

professor ensina na qual o papel do professor é o de depositar o máximo possível de

informações e o do aluno é o de armazená-las, é a educação bancária definida por Paulo

Freire. Caso o aluno não seja capaz de armazenar o conteúdo, até mesmo a força pode ser

empregada conforme explicitado por uma das entrevistadas:

Quando estavam saindo da sala, após a entrevista, a mãe de Inês me disse que era bom que ela recebesse ajuda na divisão porque havia acontecido um incidente desagradável na escola entre a professora e Inês. Perguntei a Inês o que aconteceu ela disse que a professora beliscava e puxava seu cabelo(longo) dizendo: você tem que aprender dividir. Perguntei porque ela achava que não conseguia dividir ela me disse que provavelmente não estava na aula quando ensinaram. A mãe foi chamada na escola para ser informada que nada havia acontecido com sua filha, que ela não havia sido agredida pela professora. O fato foi motivado por uma

26Foi impossível resistir a fizer uma analogia com um trecho da musica “ Nos Bailes da Vida” de Milton Nascimento e Fernando Brant.

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denúncia realizada por uma colega de classe de Inês que tem aproximadamente 10 anos de idade, que foi à diretoria e disse que se não houvesse providencias denunciaria a escola.

No entanto, alguns professores têm outra atitude:

Então essa professora Marta, quando você vinha do hospital, ela explicava o que ela tinha falado pros outros? - Explicava. Só ela? As outras não? - Só os meus amigos. (Teresa) Os professores são legais comigo. Quando eu adoeço assim eles me tratam bem. Faz

tudo de bom num faz nada de mal não. Os trem que passou pros alunos, que eu perdi, ela me dá de novo. Aí passa, explica assim. Aí vai assim, pra frente. É, me ensinaram, eu dei conta, aí eu passei.(José) Quando tem prova passa. Quando num tem passa não. Eles me ensinam e depois passa exercício.(Ringo)

Lá é bom (outra escola). - Às vezes eu ficava de recuperação, né. A matéria dela era muito complicada - Complica.(se perder a seqüência)..(maior dificuldade) - Mais? Ix! Ai, ai... dividir...(Débora) Bom. Trata bem. Quando eu falto à aula eles me ajudam, passa tarefa depois(Edmundo)

dependia do professor tinhas uns que ensinava, me chamava, explicava tudinho, eles já sabiam também. me dava a matéria mas tinha outros que não O professor de educação física não sabe (da anemia falciforme) porque eu nunca conversei com ele não, mas ele é gente boa. Ele sabe.. Qualquer coisa que você chega nele e fala ó professor hoje eu não vou jogar por isso e por isso ele é gente boa, ele reconhece também os lado da gente.Deixa você ficar sem jogar, tanto eu como os outros alunos. Se falar que está com dor de cabeça ou que não vai jogar porque você vai passar mal, ele te libera te coloca fazer outra coisa, jogar dama, dominó. Ping-pong. (Teixeira Filho)

Essas atitudes demonstram que existe a possibili dade de construir uma escola na qual

as relações se estabeleçam de forma inclusiva, conforme Sassaki (1998), a partir dos alunos e

dos professores. Uma escola em que o processo ensino/aprendizagem seja realizado com todos

os educandos se inserindo num processo de libertação como afirmou Freire e de construção do

conhecimento como propôs Vigotsky (2002).

Evidencia-se aqui também o protagonismo infantil na atitude da criança que vai à

diretoria e solicita providências diante da agressão sofrida pela colega demonstrando sua

capacidade de agir autonomamente

No interior da escola os entrevistados se encontram com outras crianças e adolescentes

de sua mesma faixa etária. A relação estabelecida com estes também apresentou diferenças.

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Alguns colegas ridicularizam a situação dos portadores e questionam os portadores sobre suas

ausências da escola e sua aparência:

Quando meus colegas me chamam pra jogar bola, "ah, ele não pode não, ele não pode não, ele tá doente." Eles fazem é gozar da minha cara. "Ah, que essa doença sua, essa doença velha sua..." Não sei o que. Aí eu fico triste, né, que meus colegas... Tem uns também que goza...- Ah, essa doença sua..." Não sei o que... Aí eles me chamam pra jogar bola só pra gozar em mim: "ih, não pode não, pode não. (José)

Quando eu era mais pequeno , até meus amigos desconfiavam, porque eu faltava muito na escola aí eles ficavam perguntando demais, querendo investigar. (Teixeira Filho)

Outros se mostram solidários em relação à doença e em relação á situação de exclusão

vivenciada por eles

(colegas)Pergunta se eu tô boa Pergunta se eu estou melhor, o que eu estava

sentindo(Inês)

É bom. Eles me tratam bem, todos os colegas. Só os meus amigos.(explicavam a matéria) - Fica falando: "tadinha"... Fica falando... Elas ficam brincando comigo. Elas não me tratam mal não. Ficam brincando comigo. "Kica, vamos brincar. Você tá tão quietinha." Quando eu passo mal elas ficam: " Kica, agita. Vamos agitar pra você não passar mal. Agita, vamos brincar..." Ficam falando assim... " Tem algumas que me dá brinquedo, tem algumas que me dá algumas coisas. É assim. São bem comigo(Teresa) Trata bem.(Carlos)

O sentimento de inferioridade é externado por aqueles que afirmam que ocultam o fato

de serem portadores de anemia falciforme. Esse medo se justifica pela atitude dos pares que se

referem de forma pejorativa á condição dos portadores, ou que os questionam sobre sua

aparência e sua ausências da escola. Novamente o entre-lugar de que falou Bhabha (2003).

Estão no grupo, porém não exercem de forma integral as atividades deste mesmo grupo. Na

relação com os pares ficou evidenciada que o fato dos portadores não participarem das

atividades é motivo de preocupação e solidariedade, ou seja elas são reconhecidos como

integrantes do grupo, sua ausência é sentida demonstrando que as crianças agem de forma

diferente dos professores para quem as ausências mesmo que constantes não constituem

motivo de preocupação ou de atitudes diferenciadas, conforme a fala abaixo:

O que diz quando falta?. - Porque eu tava internada Mas aí você não fala o porquê? - Tch, tch.

Por que você não conta? - Eles não pergunta...( Débora)

Os entrevistados buscam nos pares a ajuda para adquirir o conteúdo das aulas que não

assistiram. A aquisição do conteúdo ministrado durante a ausência da escola se processa na

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ZDP, na interação com os pares, confirmando a teoria Vigotskiana. Ninguém explica o

conteúdo, mas eles conseguem ser promovidos.E o fazem porque se observa neles o desejo de

aprender, que, conforme explicitou Davidov (1999), é fundamental para a atividade

cognitiva.

Essa ação, algumas vezes é bem sucedida, mas em outras não, pois nem sempre os

pares dominam o conteúdo de modo suficiente, evidenciando a necessidade de um

participante que domine os conhecimentos a serem adquiridos e utili ze métodos que

possibili tem a construção do conhecimento na ZDP, como afirmou Onrubia (2001). O que

demonstra ser o professor uma das pedras angulares no processo ensino/aprendizagem

realizado na escola.

A atitude evidencia também a capacidade que as crianças e adolescentes tem para

buscar soluções para seus problemas exercendo um protagonismo no sentido que Tomás e

Soares apresentam.

2.3. PERSPECTIVAS DE VIDA

O terceiro eixo temático presente nas entrevistas foram as Perspectivas de vida. Eles

manifestaram desejos ligados à manutenção de sua saúde ao exercício de uma profissão , ou

mesmo de retornar à escola e ser bem sucedido nela.

Doutora, de criança.Trabalhar muito e estudar, fazer muitas coisas.De aprender a fazer crochê....Fazer continha de dividir.(Inês) .Ser médico, ter uma família , ter um lugar pra mim morar, espero viver, curtir a vida...Dançar?É, dançar, curtir a vida muito tempo, não quero morrer jovem.(Teixeira Filho) Estudar ainda. Vai ser bom. Enfermeira. - É porque é bom ajudar os outros. Que dá muitos anos de vida pra minha mãe, pro meu pai, pras minhas irmãs e pra mim também.- É. Pras minhas colegas também, porque elas me ajudam.( Teresa) Se eu continuar na escola posso ter uma vida boa Quero ser advogado ou médico (Ringo) - Melhorar... Pra poder brincar, estudar (Carlos). Vamos ver, se eu presto vestibular, vou pra faculdade Farmácia Trabalhar de alguma coisa, Secretária, alguma coisa...(Débora) Ah, um trem bão quando crescer. Médico. Ir pra faculdade (José)

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Ser professora (Joana)

: Em relação ao exercício de uma profissão no futuro a escola foi apresentada como

instituição essencial para o projeto de futuro dos entrevistados. A valorização da escola como

espaço de garantia de uma profissão não representou, entretanto uma identificação com o

papel que ela desempenha, pois apenas 1 entrevistada manifestou o desejo de ser professora.

Em contrapartida a maioria dos entrevistados tinham como aspiração o exercício de uma

profissão ligada à saúde, evidenciando a identificação com aqueles que lhes dispensam

cuidados e asseguram sua saúde. Podemos inferir que esta identificação tem um peso

relevante nas aspirações dos adolescentes, pois a maioria das profissões ligadas ao setor saúde

requer um considerável dispêndio de energia física e a maioria demonstrou conhecimentos a

respeito da necessidade de não fazer muitos esforços físicos, devido à anemia falciforme.

O valor do homem que possui como instrumento de sobrevivência apenas a sua força

de trabalho está em sua capacidade de usar esta força. Assim sendo aqueles que não possuem a

capacidade para usar esta força possuem não valor, ocupam um não lugar, estão fora do

padrão,das normas estabelecidas para o seu grupo social. Pertencem a um grupo, no entanto

não podem exercer as atividades a ele destinadas. Ocupam pois um não lugar . Este fato é tido

como atributo individual como os depoimentos abaixo indicam.Uma adolescente chegou a

externar o desejo de se aposentar, prenunciando sua perspectiva de não conseguir sobreviver

através de seu trabalho, ou de não poder exercer a profissão que deseja. Nesta entrevista

percebemos a incerteza quanto ao futuro, pois a mesma entrevistada havia manifestado o

desejo de exercer uma profissão na idade adulta.

Eu ia ficar melhor ainda se eu me aposentasse. - Que eu ganhava meu dinheiro, porque eu não posso trabalhar nem nada Mas você já está na idade de trabalhar? Não, mas eu não quero trabalhar não. Eu quero trabalhar assim, só se for em hospital.( Teresa)

Mesmo após uma explicação de que não estava na idade de trabalhar e que, portanto

não teria que se aposentar ela continuou argumentando.

Só quando eu conseguir, ficar cansada, aí eu...( Teresa)

Outra observação quanto às perspectivas de futuro, é a manifestação de uma

adolescente de 12 anos que, apesar de estar na escola desde os 7 não sabe ler ou escrever.

Trabalhar.(quando for adulta)

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de que? - (silêncio) E o que você acha melhor trabalhar? O que você gostaria? (silêncio) Tem alguma coisa que você gostaria de fazer quando você tiver essa idade? Um sonho...? O que é que você gostaria de fazer? Limpar casa dos outros. Você conhece gente que trabalha limpando a casa dos outros? Hum, hum. Amiga da minha mãe. (Jacinta)

Para esta entrevistada a escola não oferece possibili dades de aquisição de uma

profissão. O que ela tem como perspectiva de futuro é o exercício das atividades que pessoas

de sua convivência exercem e que ela executa, pois quando indagamos sobre as atividades

que desenvolvia respondeu:

Lavo louça, limpo casa... - Varro... - Só. Não brinca? - Faço comida... (Jacianta)

O que é atividade é o trabalho que tem um valor de uso, mesmo aqueles que tem um

cotidiano cheio de brincadeiras apresentam como atividade principal o trabalho:

Ah, - eu arrumo casa... Lavo vasilha... Tudo. Eu faço tudo.... Eu arrumo primeiro a casa, depois eu brinco com meus amigos.( Teresa)

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A anemia falciforme interfere significativamente no cotidiano de seus portadores. Em

todas as atividades que realizam a preocupação com a doença é uma constante. No caso das

crianças e adolescentes a doença provoca a vivência de um processo de exclusão parcial ou

total de quase todos os grupos sociais do qual fazem parte como a família, a escola e os pares.

Este processo de exclusão se dá também em relação aos espaços de convivência como a rua, o

campo de futebol, o clube, o rio, a festa e dá-se também em relação à participação em

atividades rotineiras de sua faixa etária como os jogos e brincadeiras, a dança ou o consumo

de alimentos e bebidas geladas. Quando não estão excluídos dos espaços, grupos ou

atividades os portadores de anemia falciforme têm que assumir comportamentos que estão

aquém de sua idade, como é o caso das brincadeiras e jogos. Esta situação de exclusão é

provocada por proibições de familiares, pela auto-exclusão e pelas ausências dos grupos

sociais e espaços devido a constantes internações, crises e outros agravos relacionadas às

características da anemia falciforme.

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A situação de exclusão encontra sua sustentação nas relações sociais estabelecidas em

nossa sociedade. Relações de extrema desigualdade social, na qual alguns têm todas as

condições necessárias para o pleno exercício de uma vida saudável e feliz e um grande

contingente de pessoas se encontra privado das condições mínimas de sobrevivência. O

contexto social em que estão inseridos os entrevistados desta pesquisa demonstra claramente

esta situação. Sobreviver com um real e vinte e cinco centavos, por dia, como é o caso de uma

das entrevistadas é um ato quase impossível. Este caso não é isolado e não está relacionado

ao fato desta pessoa ser portadora de anemia falciforme. Está sim relacionado à situação de

desigualdade social em que ela vive por estar inserida em um grupo populacional, o afro-

descendente, que, no Brasil, se encontra em situação de exclusão e desigualdade em relação à

população branca.

As formas de exclusão servem para reproduzir e perpetuar estas relações e a escola

é um lugar no qual esta reprodução se manifesta de forma cruel. Nela aos que são diferentes é

reservado o lugar da invisibili dade, como esta pesquisa indicou. Sendo invisíveis não são

demandatários de ações específicas, pois o que é visível é o normal, o que se enquadra nos

parâmetros estabelecidos para o papel de aluno. O que ficou evidenciado foi a premência do

estabelecimento de uma escola inclusiva para todos os seus integrantes, uma vez que não há

um processo de exclusão especificamente relacionado aos portadores de anemia falciforme,

mas sim de todos aqueles que se mostram diferentes, que não se enquadram nas normas

estabelecidas pela instituição educacional.

A educação formal é um fator primordial para que os portadores de anemia

falciforme possam estabelecer percursos de vida que apontem para um processo saúde-

doença, em que o momento definido como doença tenha uma dimensão menor e mais

suportável. Para estas pessoas, a educação, além de toda a dimensão que possui na construção

da cidadania, está também ligada a sua própria sobrevivência, isso porque a anemia falciforme

interfere em suas vidas impedindo que elas participem da mesma maneira que a maioria da

população de ações cotidianas, principalmente, naquelas relacionadas ao exercício de papéis

que requerem o dispêndio de força física. Isso significa que devem exercer profissões que não

necessitam de tal dispêndio, ou seja profissões que requerem uma escolaridade maior. Além

disso, a escola pode proporcionar lazer conjunto e orientado por meio de outras formas de

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jogos e brincadeiras, como jogos de dama, xadrez, dominó, que a maioria dos alunos não

encontram em casa e que favorecem a convivência e a inclusão no grupo de pares.

Neste contexto é essencial para os portadores o acesso, a permanência e o sucesso

na escola. Para tanto, apresentou-se como um imperativo a necessidade de mudanças nas

instituições educacionais destinadas às crianças e aos adolescentes em termos de estrutura e

metodologia para proporcionar o estabelecimento de uma escola inclusiva. Pode se afirmar

que em uma escola inclusiva a anemia falciforme teria uma influência bem menor no processo

de escolarização dos portadores e que a escola, como se configura atualmente, interfere no

processo saúde-doença destes portadores, tanto individualmente, em suas trajetórias escolares

por meio das reprovações e falta de atividades para aquisição de conteúdos, quanto

coletivamente uma vez que reproduz os valores que asseguram a exclusão dos diferentes.

Outra necessidade evidenciada para o setor educacional foi no nível da formação

dos profissionais que atuam tanto na área da educação quanto na da saúde. A formação do

profissional não está desligada da organização da sociedade na qual está inserido. O que se

observou nesta pesquisa é que a formação que recebem profissionais de saúde precisa ser

modificada no que respeita aos conhecimentos específicos sobre o diagnóstico e tratamento

da anemia falciforme e ao relacionamento a ser estabelecido entre os profissionais e os

usuários, principalmente, em relação ao conceito de criança e ao papel que esta pode

desempenhar no próprio processo saúde-doença.

Em relação aos profissionais da educação conduz para o estabelecimento de uma

escola tradicional, que provoca exclusão e que reproduz as relações de desigualdade

existentes na sociedade, evidenciando a necessidade de mudanças na formação de professores

para que estes contribuam no estabelecimento de uma escola inclusiva.

A escola configura-se como instituição em que convivem diversos projetos, sendo

o principal deles o da escola tradicional que exclui os que não se adequam a suas normas.

Nestas escolas não há construção e sim aquisição de conhecimento. Um conhecimento que

existe para ser guardado, que é desprovido de sentido e significado, e que, portanto não pode

ser aplicado no cotidiano. Um conhecimento que diferencia os que o possuem e que alicerça as

relações de desigualdade e exclusão.

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Ao lado do projeto tradicional e em situação de confronto com ele existem outros

que buscam o estabelecimento de novas relações no interior da escola. Para estes, na escola

deve acontecer um processo de ensino/aprendizagem e não só de atividades de ensino. O

conhecimento deve ser construído de maneira compartilhada entre alunos e professores, por

meio de relações em que o conhecimento de todos os envolvidos é valorizado. Esta escola que

aponta para a construção de novas relações entre os homens pode se tornar uma realidade e se

manifesta na ação de alguns professores, conforme esta pesquisa apontou.

Outra consideração que este estudo apontou é a de que as crianças exercem um

protagonismo que se manifesta em sua capacidade de buscar soluções para seus problemas e

de atuar de forma autônoma em relação aos adultos. São, portanto, sujeitos ativos e não devem

ser considerados meros objetos das ações dos adultos.

Este estudo indicou também algumas recomendações para que se possa

dimensionar o fenômeno educacional em relação aos portadores de anemia falciforme:

• Verificar a existência de ações relacionadas aos portadores de anemia

falciforme junto aos outros atores envolvidos no setor educacional formal: os

professores e as instituições responsáveis pela política educacional;

• Investigar nas instituições encarregadas da formação de profissionais da

educação quais são as concepções relacionadas à escola inclusiva e sua relação

com a práxis estabelecida no interior das escolas e quais os conhecimentos que

possuem acerca das características da diversidade encontrada na população

brasileira e, em especial, em relação aos portadores de anemia falciforme;

• Investigar nas instituições encarregadas da formação de profissionais de saúde

quais são suas perspectivas em relação ao conceito de saúde e de doença e

como estes conceitos interferem na prática estabelecida nos procedimentos

destinados aos portadores de anemia falciforme, especialmente no que tange a

ações de promoção da saúde;

• Caracterizar e dimensionar a participação da família nos processos de saúde-

doença e educacional das crianças e dos adolescentes portadores de anemia

falciforme bem como o impacto de possuir um membro da família com tal

doença.

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Por fim o presente estudo indicou que o contexto social no qual as crianças e

adolescentes portadores de anemia falciforme estão inseridos é o de uma sociedade em que

todos os momentos de seus cotidianos são marcados pela exclusão e na qual a escola

configura-se como instituição encarregada de delimitar, de maneira permanente e profunda, o

espaço destinado a estes portadores. Entretanto, os portadores desenvolvem ações para resistir

a esta exclusão e buscam exercer os papéis desempenhados por seus pares. Por esta razão é

imperativo que aqueles que atuam nos diversos espaços em que eles estão inseridos busquem o

estabelecimento de práticas inclusivas.

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ANEXOS

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ANEXO A - FICHAS DE CARCTERIZAÇÃO SOCIAL DA SEÇÃO DE SERVIÇO

SOCIAL DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UFG

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ANEXO B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA

PESQUISA: O PROCESSO EDUCACIONAL E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

PORTADORES DE ANEMIA FALCIFORME

ROTEIRO PARA ENTREVISTA 1 -Identificação: Prontuário n º:___________________ Idade:_____________ Sexo: fem( ) masc( ) Cidade onde reside _______________________________ 2 - O que você sabe sobre a anemia falciforme? Fale sobre sua vida depois que você soube que tem anemia falciforme. 3 - Você estuda? Se não: Porque? (Verificar se já estudou) Fale sobre sua vida escolar. As seguintes questões serão levantadas durante a fala caso o entrevistado não relate:

• O que acha da escola ? • Tem dificuldade de aprendizagem? • Como é tratado na escola? • Tem faltas? • Já interr ompeu os estudos ? • Existe alguma relação entre sua doença e a sua vida escolar? • O que espera da escola? (levantar as possibilidades que o entrevistado acha que tem na escola e que a escola tem para ele)

4 - Qual a profissão que espera exercer quando for adulto? Como vai fazer para conseguir isso? Já participou de curso profissionalizante? Fale sobre isso.

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ANEXO C – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estamos soli citando sua autorização para participação de _________________________________________, adolescente, sob sua responsabili dade na qualidade de seu (sua)________________________como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa você ou seu(sua)_________ não serão penalizados de forma alguma. Em caso de dúvida sobre seus direitos você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas/UFG, pelo telefone 269 8338.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: O PROCESSO EDUCACIONAL E AS CRIANÇAS E

ADOLESCENTES PORTADORES DE ANEMIA FALCIFORME

Pesquisadora Responsável: EULANGE DE SOUSA Telefones para contato: 223 43 97 ou 227 11 38 Orientadora Acadêmica: Annete Scotti Rabelo

Você foi solicitado a participar de um estudo que tem a finalidade de verificar a influência da Anemia Falciforme na sua educação.

Durante o estudo nenhum medicamento ou vacina será administrado na sua pessoa, e sua participação é somente a de responder a perguntas que lhe serão feitas.

Nenhum risco para a sua saúde está relacionado com a pesquisa que será realizada. Sua participação neste estudo poderá beneficiá-lo diretamente ou não, mas com certeza

ajudará nas informações para melhor conhecimento da Doença Falciforme. Você não pagará nada para participar do estudo. As informações e resultados obtidos destinam-se a aplicação relacionada à ciência. Por

esta razão todas as normas éticas e do segredo profissional são aplicadas em seu caso e à sua pessoa. Isto significa que em nenhuma hipótese seu nome será divulgado.

DECLARAÇÃ O DE CONSENTIMENTO: Eu, ____________________________________________________________declaro ter lido todas as informações neste documento cuja cópia ficou em meu poder. Declaro ainda que estou de acordo em que o(a) adolescente_______________________________________________meu(minha)______________________sob minha responsabili dade participe do estudo que me foi apresentado. Goiânia, _______de _________________de 2004. ____________________________ __________________________________ Nome da Testemunha Assinatura da testemunha ___________________________________________ ___________________________________________________ Nome da Pesquisadora Assinatura da Pesquisadora

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estamos soli citando sua participação como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma. Em caso de dúvida sobre seus direitos você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas/UFG, pelo telefone 269 8338.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: O PROCESSO EDUCACIONAL E AS CRIANÇAS E

ADOLESCENTES PORTADORES DE ANEMIA FALCIFORME

Pesquisadora Responsável: EULANGE DE SOUSA Telefones para contato: 223 43 97 ou 227 11 38 Orientadora Acadêmica: Annete Scotti Rabelo

Você foi solicitado a participar de um estudo que tem a finalidade de verificar a influência da Anemia Falciforme na sua educação.

Durante o estudo nenhum medicamento ou vacina será administrado na sua pessoa, e sua participação é somente a de responder a perguntas que lhe serão feitas.

Nenhum risco para a sua saúde está relacionado com a pesquisa que será realizada. Sua participação neste estudo poderá beneficiá-lo diretamente ou não, mas com certeza

ajudará nas informações para melhor conhecimento da Doença Falciforme. Você não pagará nada para participar do estudo. As informações e resultados obtidos destinam-se a aplicação relacionada à ciência. Por

esta razão todas as normas éticas e do segredo profissional são aplicadas em seu caso e à sua pessoa. Isto significa que em nenhuma hipótese seu nome será divulgado.

DECLARAÇÃ O DE CONSENTIMENTO: Eu, ____________________________________________________________declaro ter lido todas as informações neste documento cuja cópia ficou em meu poder. Declaro ainda que estou de acordo em participar do estudo que me foi apresentado. Goiânia, _______de _________________de 2004. ________________________________________

______________________________ _____________________________ Nome da Testemunha Assinatura da testemunha _____________________________________________ _____________________________________________ Nome da Pesquisadora Assinatura da Pesquisadora

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ANEXO D – AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA MÉDICA

HUMANA E ANIMAL DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

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ANEXO E – FOLHETO INFORMATIVO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE: ANEMIA

FALCIFORME UM PROBLEMA NOSSO

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