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O PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA NO ESTADO DE SÃO PAULO: DOIS CASOS EM ESTUDO Teise de Oliveira Guaranha Garcia- FFCLRP-USP Theresa Maria Freitas Adrião-UNESP 1 Introdução Este artigo apresenta os resultados de pesquisa realizada no Estado de São Paulo, como parte integrante do Projeto interinstitucional Programa Dinheiro Direto na Escola – uma proposta de redefinição do papel do Estado na Educação?, que envolveu pesquisadores em instituições de ensino superior das cinco regiões geográficas brasileiras no estudo das peculiaridades da implantação e implementação do Programa Federal Programa Dinheiro Direto na Escola, PDDE, em redes municipais e estaduais de ensino 1 . O Programa em estudo, criado pelo governo federal em 1995, integra o conjunto de medidas que caracterizaram os esforços direcionados à reforma do Estado brasileiro, implementados a partir da eleição de Fernando Henrique Cardoso. Entende-se que tais medidas explicitam a proposição política de redimensionamento do papel do Estado como alternativa à uma crise, atribuída pelos reformadores a um modelo de administração pautado na forte intervenção do Estado, sobretudo no campo das políticas sociais. No Brasil, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, PDRAE, em 1995, elaborado no âmbito do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Aparelho do Estado, MARE, expressa com vigor a concepção segundo a qual o Estado passa por uma crise, decorrente de um determinado formato de gestão pública. O documento advoga ser pauta “universal” a necessidade de redefinição do papel do Estado. Trata-se da urgência de uma ampla reforma, ou mesmo reconstrução do Estado. Segundo o PDRAE: É importante ressaltar que a redefinição do papel do Estado é um tema de alcance universal nos anos 90. No Brasil, essa questão adquiriu importância decisiva, tendo em vista o peso da presença do Estado na economia nacional: tornou-se, 1 A pesquisa, parcialmente financiada pelo CNPq, contou com a participação, em âmbito nacional de pesquisadores vinculados à UCDB, UFPA, UFPI, UNESP, USP e UFRGS, sendo financiada no período de março de 2004 a dezembro de 2005.

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O PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA

NO ESTADO DE SÃO PAULO: DOIS CASOS EM ESTUDO Teise de Oliveira Guaranha Garcia- FFCLRP-USP

Theresa Maria Freitas Adrião-UNESP

1 Introdução

Este artigo apresenta os resultados de pesquisa realizada no Estado de São Paulo, como

parte integrante do Projeto interinstitucional Programa Dinheiro Direto na Escola –

uma proposta de redefinição do papel do Estado na Educação?, que envolveu

pesquisadores em instituições de ensino superior das cinco regiões geográficas

brasileiras no estudo das peculiaridades da implantação e implementação do Programa

Federal Programa Dinheiro Direto na Escola, PDDE, em redes municipais e estaduais

de ensino1.

O Programa em estudo, criado pelo governo federal em 1995, integra o conjunto de

medidas que caracterizaram os esforços direcionados à reforma do Estado brasileiro,

implementados a partir da eleição de Fernando Henrique Cardoso. Entende-se que tais

medidas explicitam a proposição política de redimensionamento do papel do Estado

como alternativa à uma crise, atribuída pelos reformadores a um modelo de

administração pautado na forte intervenção do Estado, sobretudo no campo das

políticas sociais.

No Brasil, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, PDRAE, em 1995,

elaborado no âmbito do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Aparelho

do Estado, MARE, expressa com vigor a concepção segundo a qual o Estado passa por

uma crise, decorrente de um determinado formato de gestão pública. O documento

advoga ser pauta “universal” a necessidade de redefinição do papel do Estado. Trata-se

da urgência de uma ampla reforma, ou mesmo reconstrução do Estado. Segundo o

PDRAE:

É importante ressaltar que a redefinição do papel do Estado é um tema de alcance

universal nos anos 90. No Brasil, essa questão adquiriu importância decisiva, tendo

em vista o peso da presença do Estado na economia nacional: tornou-se,

1 A pesquisa, parcialmente financiada pelo CNPq, contou com a participação, em âmbito nacional de pesquisadores vinculados à UCDB, UFPA, UFPI, UNESP, USP e UFRGS, sendo financiada no período de março de 2004 a dezembro de 2005.

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conseqüentemente, inadiável equacionar a questão da reforma ou da reconstrução do

Estado, que já não consegue atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele

dirigidas, sobretudo na área social. A reforma do Estado não é, assim, um tema

abstrato: ao contrário, é algo cobrado pela cidadania, que vê frustradas suas demandas

e expectativas.”(PDRAE,.p.1)

Na perspectiva de superação dessa “crise de administração” propõe-se uma ampla

reformulação do aparelho estatal, que objetiva, segundo o Plano “tornar a administração

pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania” (PDRAE, p,3) para o que se faz

a opção política por um modelo de administração pública “gerencial”, no qual são

fundamentais a descentralização, a avaliação de resultados e a redução de hierarquias

em todas as esferas de atuação do Estado. A proposta de reformulação do aparelho

estatal guarda estreita semelhança com o receituário neoliberal e com a proposição da

chamada “terceira via”.

Vários são os estudos que, ao se debruçarem sobre a suposta crise de administração,

analisam-na como uma crise de caráter estrutural do capitalismo, não solucionável por

medidas reformadoras na administração pública2. Concordando com tal reflexão,

localizamos o Programa em foco como uma das expressões políticas na tentativa de

redefinição do Estado brasileiro com vistas à superação de tal crise, compreendida como

administrativa. Entende-se que o PDDE materializa, em alguma medida, no campo

educacional, a proposição de reformulação do aparelho estatal e a opção por uma

administração gerencial.

O objetivo deste artigo, a partir dos pressupostos teóricos mencionados, é refletir sobre

o formato tomado pelo Programa no Estado de São Paulo, considerando dois diferentes

históricos de implementação: a rede estadual de ensino e a rede municipal de

Pirassununga. Em cada esfera administrativa na qual foi desenvolvida a pesquisa,

buscou-se apreender as peculiaridades do processo de descentralização de recursos e

suas conseqüências para a gestão do sistema e das unidades escolares.

2 Objetivos e Metodologia

O objetivo geral da pesquisa foi analisar o Programa Dinheiro Direto na Escola, PDDE,

e, uma vez que o Programa exigiu alterações ou adaptações nas unidades escolares a fim

de que os recursos pudessem ser repassados, suas implicações para a escola pública a 2 A esse respeito, em uma análise consultar Peroni (2003); Montanõ(2002); Peroni e Adrião (2005) Buchanan; Mccormick; Tollison (1984) entre outros. Para a compreensão do diagnóstico da necessidade de reforma do Estado brasileiro,consultar.Pereira (1996).

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partir da criação das Unidades Executoras com personalidade jurídica. De modo mais

específico a pesquisa objetivou:

• Compreender a natureza do Programa;

• Analisar as conseqüências da implantação do Programa no Estado no que se

refere à alteração ou produção de mecanismos decisórios no interior de cada

sistema, além da criação de mecanismos de controle financeiro;

• Analisar as conseqüências da implementação do Programa no âmbito das escolas

públicas no que se refere às práticas decisórias e à participação de diferentes

segmentos

• Analisar as diferentes configurações assumidas pelas unidades executoras e suas

conseqüências para a gestão escolar;

• Estudar as conseqüências financeiras do Programa;

• Compreender as características do Programa em cada uma das redes estudadas.

A coleta de dados realizou-se junto aos órgãos da gestão dos sistemas e nas unidades

escolares. Por meio de estudos dos casos, sem a pretensão de proceder-se a

generalizações (STAKE, 1983), buscou-se relacioná-los ao contexto mais amplo.

O município de Pirassununga foi escolhido com o objetivo de apreendermos uma

dinâmica bastante específica de implementação do Programa: o repasse de recursos por

meio de consórcio entre Associações de Pais e Mestres. Tal possibilidade,

regulamentada pela Medida Provisória nº 1.784, de 14 de dezembro de 1998, tornou

viável que municípios com escolas muito pequenas (menos de 99 alunos), promovessem

formas organizativas capazes de possibilitar o recebimento dos recursos. Outra

peculiaridade do município de Pirassununga é o fato de não haver, até a implantação do

PDDE, nenhum mecanismo de participação previsto na organização das escolas, de tal

modo que a criação das Associações de Pais e Mestres decorreu do interesse pelo

recebimento dos repasses do Programa, ao contrário do que ocorria na rede estadual, na

qual as Associações de Pais e Mestres já funcionavam como unidades executoras desde

1978 (Decreto 12.983/78).

Recorreu-se, além de levantamento bibliográfico, à pesquisa documental, entrevistas

semi-estruturadas realizadas a partir de roteiros precários no âmbito dos órgãos de

gestão dos sistemas e nas unidades escolares e observações de reuniões nas quais

estivesse em pauta a execução dos recursos provenientes do Programa.

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O período estudado recobre desde implantação do PDDE nas redes pesquisadas até o

ano de 2004, momento da coleta de dados. No caso da rede estadual de ensino tal

periodização implicou o estudo desde 1995, ano da implantação do Programa. Em

Pirassununga o PDDE foi implementado em 1999, ano a partir do qual foram coletadas

informações.

Na rede estadual de ensino foram entrevistados duas responsáveis por convênios

vinculadas diretamente à Secretaria de Estado da Educação (a Gerente de Projetos e sua

Assistente) e um dos técnicos responsáveis por convênios entre as Associações de Pais e

Mestres (APM)e escolas que atua em uma autarquia vinculada Secretaria de Educação,

a Fundação para o Desenvolvimento da Educação, FDE. Na escola foram entrevistados

aqueles mais envolvidos com o funcionamento da APM e com o Programa: (diretora e

vice-diretora) e uma professora (que também é mãe de aluno), membro da diretoria

executiva.

No município de Pirassununga, entrevistaram-se três funcionários/técnicos

governamentais (o chefe da Seção de Contabilidade e duas encarregadas do setor de

Educação), além dos três últimos Secretários de Educação (gestões de 1997 a 2005).

Nas escolas municipais, entrevistaram-se três pessoas escolhidas por seu envolvimento

direto com o PDDE: a assistente de direção da Escola sede, uma professora que atuou

nesta escola quando da constituição da APM, e um pai de aluno membro da APM.

3 O Programa Dinheiro Direto na Escola

O Programa federal Dinheiro Direto na Escola (PDDE), em sua origem denominava-se

Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE). Criado

em 1995, o Programa teve sua denominação alterada em 1998 pela Medida Provisória

nº 1.784, de 14 de dezembro de 1998, reafirmada pela Medida Provisória nº 2100-32, de

24 de maio de 2001. As justificativas para a existência do Programa referem-se à

necessidade de adoção de medidas menos burocráticas e mais racionais na transferência

de recursos diretamente para as escolas, conforme Resolução FNDE nº 12, de 10 de

maio de 1995 (BRASIL, 1995).

O Programa tem como objetivo repassar, diretamente às escolas públicas do ensino

fundamental e organizações não-governamentais sem fins lucrativos que atuem com

educação especial, dinheiro para custeio e manutenção de suas atividades, com recursos

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oriundos do salário-educação3, distribuídos pelo FNDE (Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação) segundo o número de alunos matriculados.

A forma de encaminhamento dos recursos privilegia a relação direta com a escola,

todavia nos dois primeiros anos do Programa o repasse ainda poderia ser para a

Secretaria de Educação(municipal ou estadual) ou para unidades executoras das escolas.

Naquela fase, o PDDE destinava-se exclusivamente ao custeio de despesas nas escolas,

manutenção e conservação do prédio escolar, aquisição de material com vistas ao

funcionamento da escola, capacitação e aperfeiçoamento de profissionais da educação,

avaliação da aprendizagem, implementação do projeto pedagógico, aquisição de

material didático/pedagógico e desenvolvimento de atividades educacionais. (BRASIL,

1995)

A partir de 1997, para que os repasses chegassem diretamente às unidades escolares,

passou-se a exigir que estas, deste que tivessem mais de 99 alunos matriculados,

criassem sua Unidade Executora, uma “entidade de direito privado, sem fins lucrativos,

representativos da comunidade escolar (caixa escolar, conselho escolar, associação de

pais e mestres, etc.), responsável pelo recebimento e execução dos recursos financeiros

recebidos pelo FNDE (...)” (BRASIL, 1997). É a Unidade Executora (UEx) a

depositária dos recursos, recebendo em sua conta o repasse anual.

O Programa induz, assim, que redes nas quais ainda não haviam sido implementadas

Unidades Executoras o façam, como única forma de acesso das unidades escolares ao

benefício dos recursos. Observamos que as funções de tais entidades não se esgotam no

recebimento dos repasses advindos do poder público, mais do que isso, elas são também

responsáveis por organizar campanhas de arrecadação junto à comunidade, podendo

ainda captar recursos junto à iniciativa privada. O PDDE, portanto, ao induzir a criação

das UExs em instituições educativas, estimula a criação de um mecanismo de execução

e arrecadação de recursos com funções para além daquelas referidas ao próprio

Programa. Segundo o FNDE, a Unidade Executora:

tem como função administrar recursos transferidos por órgãos federais,

estaduais, municipais, advindos da comunidade, de entidades privadas e

provenientes da promoção de campanhas escolares, bem como fomentar

atividades pedagógicas da escola. (BRASIL, 1997, p.11)

3 O salário-educação foi instituído pela Lei nº 4440, de 27 de outubro de 1964, sendo uma contribuição social correspondente a 2,5% da folha de pagamento das empresas vinculadas à Previdência Social.

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Os valores a serem recebidos foram fixados pelo FNDE em 1995 (Res.no.12/95). Em

1997, outra Resolução (Res. FNDE/CD no. 03,(art.2º), criou uma nova possibilidade

de utilização dos recursos, apresentando-os divididos em despesas de custeio e capital.

A escola pode, assim, adquirir material de natureza permanente, realizar sua

manutenção e conservação e investir na capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais

da educação. Abaixo são apresentados os valores anuais repassados para as escolas

regulares de ensino fundamental:

Quadro 1: Valor Anual por Escola para o Ensino fundamental

Fonte: Resolução. FNDE/CD no. 03, 1997.

Como se pode verificar no Quadro 1, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste

recebem um valor maior do que as regiões Sul, Sudeste e o Distrito Federal. No caso

destas últimas regiões, por exemplo, uma escola de 1.501 a 2000 alunos recebia

R$10.000,00; se ela tivesse 2.000 alunos, isso significaria uma quantia de R$ 5,00

aluno/ano.

Os recursos são de pequena monta, representando uma complementação às despesas

com ensino fundamental. De qualquer forma, para que possa recebê-los, a Unidade

Executora deve ser inscrita no Cadastro Geral de Contribuintes, do Ministério da

Fazenda, para poder abrir conta bancária e participar de benefícios, como subvenções e

isenção do Imposto de Renda, além de assinatura de convênios com órgãos

governamentais. Às escolas que atendem à Educação Especial são repassados recursos

segundo faixas e valores diferenciados daqueles destinados ao ensino fundamental,

como se pode verificar pelo quadro abaixo:

Valor Anual por Escola R$ 1,00 Número de Alunos por

Escola Regiões N, NE e CO* Regiões S, SD e DF

CUSTEIO CAPITAL TOTAL CUSTEIO CAPITAL TOTALDe 21 a 50 De 51 a 100 De 101 a 250 De 251 a 500 De 501 a 750 De 751 a 1.000 De 1.001 a 1.500 De 1.501 a 2.000 Mais de 2.000

600 1.300 2.300 3.200 5.300 7.500 8.600

12.000 16.000

- -

400 700

1.000 1.400 1.700 2.400 3.000

600 1.300 2.700 3.900 6.300 8.900

10.300 14.400 19.000

500 1.100 1.500 2.200 3.700 5.200 7.000 8.000

12.000

- -

300 500 800

1.000 1.200 2.000 2.500

500 1.100 1.800 2.700 4.500 6.200 8.200

10.000 14.500

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Quadro 2: Valor Anual por Escola para Educação Especial

Número de Alunos por Escola

Valor Anual por Escola R$ 1,00

Custeio Capital Total De 06 a 25 De 26 a 45 De 46 a 65 De 66 a 85

De 86 a 125 De 126 a 200 De 201 a 300 Mais de 300

525 900

1.350 1.800 2.400 2.850 3.450 4.500

525 900

1.350 1.800 2.400 2.850 3.450 4.500

1.050 1.800 2.700 3.600 4.800 5.700 6.900 9.000

Fonte: Resolução FNDE/CD nº 03, de 1997. (*) Para todas as regiões

A Resolução FNDE/CD nº 03, de 27 de fevereiro de 2003, reeditou as resoluções

anteriores reafirmando a função supletiva dos recursos, sua destinação a despesas de

custeio, manutenção e pequenos investimentos, com o objetivo de contribuir

“supletivamente”, para a melhoria pedagógica e física dos estabelecimentos

beneficiários (Art. 1º). O art. 1º. ainda, os beneficiários dos recursos: as escolas

públicas de ensino fundamental das redes estadual, municipal e do Distrito Federal.

No ano seguinte, todavia, a Resolução FNDE/CD, no. 10, de 27 de março de 2004,

incluiu como beneficiárias dos repasses, instituições privadas de educação especial,

afirmando em seu artigo 1º. que as transferências a que se referem o PDDE, destinam-se

a escolas públicas de redes estaduais, distrital e municipais de ensino fundamental

(inclusive nas modalidades especial e indígena) e instituições “privadas de educação

especial, mantidas por Organizações Não-Governamentais (ONG), ou outras entidades

similiares, sem fins lucrativos e inscritos no Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS)” (Art.1º.)

A fim de que a realidade das instituições privadas possa ser contemplada no modelo de

repasse direto de recursos, o FNDE revê a noção de Unidades Executoras, flexibilizando

o formato admitido para recebimento de recursos. Conforme a resolução, ficam assim

especificadas as Uexs:

Unidade Executora Própria (UEx) – entidade de direito privado, sem fins

lucrativos, representativa da comunidade escolar dos estabelecimentos de ensino

públicos beneficiários do PDDE (caixa escolar, associação de pais e mestres,

conselho escolar ou similar);

Entidade Executora (EEx) – prefeitura municipal e secretarias de educação

estadual e do Distrito Federal, ao receberem e executarem os recursos do PDDE

destinados às escolas públicas que não instituíram as UEx;

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Entidade Mantenedora (EM) – Organização Não-Governamental (ONG), ou outra

entidade similar, sem fins lucrativos e inscrita no CNAS, responsável pela

manutenção de escolas privadas de educação especial beneficiários do PDDE (art.

3º, § 2º).

A Resolução cria, ainda, a possibilidade de os recursos serem repassados,

excepcionalmente, para instituições de ensino fundamental vítimas de “desastre

natural” (art.2º.)

Os valores transferidos às instituições não sofreram alterações no período 1997- 2004,

ano em que a Resolução 10/2004, além de alterá-los, introduziu um fator moderador,

que possibilitava a correção referente ao número de alunos matriculados, visando a

contornar as disparidades verificadas nos repasses para escolas de mesma classe, com

matrículas diferenciadas, consistindo em R$ 1,30 por matrícula excedente entre o maior

e menor número da mesma classe.

Com relação às fontes de recursos para o PDDE, verifica-se, em 2004, conforme dados

sistematizados pela Diretoria Financeira do PDDE, a seguinte distribuição:

contribuição do Salário-Educação (23%); Produto da Aplicação dos Recursos à Conta

do Salário-Educação (15%); contribuição do Salário-Educação referente à contrapartida

de empréstimos internacionais (37%); e Produto da Aplicação dos Recursos à Conta do

Salário-Educação das contrapartidas (24%) (GONÇALVES, CRUZ e LUZ, 2004,

p.134-135).

Assim, dois aspectos são relevantes e merecem destaque: 1) o alto percentual de

recursos advindos das aplicações do Salário-Educação e 2) a utilização de parte dos

recursos do Salário-Educação como contrapartida de empréstimos internacionais

(GONÇALVES, CRUZ e LUZ, 2004, p.134).

No ano de 2005, a Resolução FNDE/ CD 17, de 9 de maio de 2005, introduz algumas

mudanças, dentre as quais destacam-se:

as escolas públicas com até 50 (cinqüenta) alunos, que não possuírem Unidade

Executora Própria (UEx), receberão recursos por intermédio da Entidade Executora

(EEx) – prefeitura municipal e secretarias estaduais de educação e do Distrito

Federal (art. 4º, inciso I).

as escolas públicas acima de 50 (cinqüenta) alunos receberão os recursos por

intermédio da Unidade Executora Própria (UEx); e

às escolas públicas com até 99 (noventa e nove) alunos é facultada a formação de

consórcio de modo a constituírem uma única UEx que as represente, desde que as

unidades escolares sejam integrantes da mesma rede de ensino. No entanto, os

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consórcios constituídos até 2003, poderão continuar com até 20 (vinte) escolas,

porém, os consórcios constituídos em 2004 e os que vierem a ser constituídos, a

partir da publicação desta Resolução, somente poderão congregar, no máximo, 05

(cinco) escolas, com o fim de constituir uma única UEx; (art. 4º, inciso III, alínea

b).

as escolas públicas, com mais de 50 (cinqüenta) alunos, deverão, obrigatoriamente,

desatinar, do montante recebido, 20% à cobertura de despesas de capital e 80% à

cobertura de despesas de custeio (art. 5º, § 2º), isso no caso de não terem informado,

ao FNDE, na fase de adesão ao PDDE, os percentuais de recursos que desejarão

receber, no exercício seguinte ao da informação, em custeio ou capital, ou em

ambas as categorias econômicas (art. 5º, § 4º);

as escolas públicas, com até 50 (cinqüenta) alunos, que não possuírem UEx somente

receberão recursos destinados à cobertura de despesas de custeio (art. 5º, § 4º);

O Programa Dinheiro Direto na Escola, como pôde ser observado nesta breve

restrospectiva sobre a normalização que o organiza, foi passando por um processo de

múltiplas correções a fim de atender com maior precisão seus objetivos relacionados à

descentralização de recursos. Todavia, o que mais chama a atenção é o fato de o

Programa ter funcionado como um poderoso mecanismo indutor na criação de

Unidades Executoras em escolas públicas de redes municipais e estaduais de ensino.

Apesar de os recursos terem função supletiva, o crescimento das UExs em todo o país é

significativo. Segundo o próprio FNDE, em 2003, nas redes estaduais de ensino os

repasses eram executados em quase 100% dos casos diretamente pelas UExs. Em

1995, quando se implantou o Programa, o percentual não chegava a 20%.

No caso das redes municipais de ensino a evolução na criação de Unidades Executoras é

impressionante: da quase inexistência de unidades executoras, salta-se para quase 60%

de repasses via UExs em 2003. Em termos numéricos, o FNDE informa que em 2004

havia 75.056 escolas com unidades executoras no país, contra 11. 643 em 1995

(FNDE, 2006)4. O quadro abaixo, produzido a partir dos dados fornecidos pelo FNDE,

mostra o crescimento das Unidades Executoras nas redes municipais e estaduais de

ensino, considerando o ano de 1995, quando o PDDE foi implantado e o ano de 2004,

último ano com informações apresentadas:

4 Disponível em http://www.fnde.gov.br/home/pdde/unidadesexecutorasnasescolas.pdf. Acesso em 20 de março de 2006

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Quadro 3- Dados de Execução do PDDE – 1995 e 2004 Itens 1995 2004

Escolas com unidade Executora* 11.643 75.056 Estadual 7.017 27.041 Muncipal 4.626 48.015 ONG 0 1.587 Escolas sem unidade Executora 132.663 40.677 Estadual 33.892 1.681 Municipal 98.771 38.996 Total de Escolas (c/s UEx) 144.306 117.320 Alunos 28.350.299 29.543.278 Valor (R$) 229.348, 00 257.744,50

Uma unidade executora, ou ONG, pode ter mais de uma unidade vinculada. Portanto, o número de uexs e de ONGs não corresponde necessariamente ao número de escolas. Fonte: FNDE. Disponível em: www.fnde.gov.br. Acesso em 25 de março de 2006.

O quadro mostra que um dos dados mais expressivos do Programa não se encontra no

crescimento do número de alunos atendidos, ou nos valores repassados, mas na

expansão de entidades de direito privado, as unidades executoras.

4 O PDDE na rede estadual de Ensino Paulista

A implantação do PDDE na rede estadual de ensino ocorreu em 1995, no início do

primeiro mandato do governador Mario Covas, eleito pelo Partido da Social

Democracia Brasileira, PSDB. O Partido atualmente administra o Estado pelo terceiro

mandato consecutivo. Em 1995, Mario Covas assume o governo do Estado, sendo

reeleito para o período 1999-2002. O pleito seguinte, foi vencido por seu vice-

governador, Geraldo Alckmin, com mandato até 2006.

A Secretaria de Estado da Educação, durante o primeiro mandato esteve a cargo de

Teresa Roserley Neubauer, que permaneceu à frente da pasta até quase o final do

segundo período de governo de Mario Covas. Com a eleição de Alckmin, Gabriel

Chalita tornou-se Secretário de Educação, afastando-se em abril de 2006.

Cabe registrar o gigantismo da rede estadual de ensino, a maior do país. Consideremos

exclusivamente a etapa da Educação Básica para a qual volta-se o PDDE, o Ensino

Fundamental: em 2004 eram 3.001.513 alunos matriculados e 135.633 funções

docentes (INEP, 2004).

A implantação do PDDE5 coube à Fundação para o Desenvolvimento da Educação

(FDE), autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Educação (SEE), responsável por

executar a política da Secretaria de Estado da Educação. A FDE firmou os convênios 5 O Comunicado GS, de 5 de julho de 1995, disciplinou a implantação do Programa na rede estadual paulista.

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com as APMs, por meio dos quais os recursos seriam repassados. Observe-se que a

implantação do Programa, portanto, transcorreu em uma relação estabelecida entre

autarquias (FNDE e FDE) e UExs nas unidades escolares, cabendo a SEE a finalização

das informações (ADRIÃO, GARCIA, 2003).

A FDE mantém um setor especificamente destinado ao estabelecimento de convênios

com as APMs,. Embora não seja mais este o caso do PDDE, uma vez que os repasses

são depositados diretamente nas contas das unidades executoras, é a autarquia que as

orienta na execução dos recursos e na prestação de contas.

A gestão do PDDE na rede estadual de ensino, desde sua implantação, portanto, é

compartilhada entre a Secretaria de Estado da Educação e a FDE. À SEE cabem as

orientações mais gerais aos órgãos regionais de gestão do sistema e às escolas, além da

prestação de contas ao FNDE. A análise dos dados das UExs, por sua vez, cabe à FDE.

Após a execução dos recursos, as unidades executoras encaminham a prestação de

contas aos órgãos regionais de gestão do sistema (Diretorias de Ensino). Homologada

pela Diretoria, a prestação de contas é enviada à FDE que procede à conferência e

digitação das informações, provenientes de todas as UExs, no Banco de Dados do

FNDE.

A Gerência de Projetos, setor que assume, no âmbito da SEE, projetos de repasse de

recursos envolvendo outras esferas administrativas, como é o caso do PDDE, recebe os

dados consolidados da FDE e faz a prestação de contas definitiva à autarquia federal. A

orientação aos órgãos locais de gestão (Diretorias de Ensino) é realizada pela SEE por

meio deste setor, que organiza tele-conferências para orientar diretores regionais de

ensino e supervisores em relação à função do Programa e procedimentos necessários.Às

diretorias de ensino, por sua vez, cabe repassar as orientações mais gerais aos diretores

escolares. Também cabe ao Diretor de Ensino homologar a prestação de contas das

Unidades Executoras. Nas unidades escolares, as APMs assumem o recebimento dos

recursos, as licitações necessárias para seu execução, a execução propriamente dita e a

prestação de contas.

Os períodos de recebimento e execução de recursos são delimitados pelo FNDE, prazos

dentro dos quais a SEE organiza a dinâmica na rede estadual. O repasse ocorre ao final

do ano letivo, momento a partir do qual a APM tem cerca de trinta dias para executá-

los, devendo prestar contas até o final do ano. O tempo, relativamente curto, para a

tomada de decisões poderia representar um problema, entretanto, é entendido pelo

técnico entrevistado na FDE como não oferecendo obstáculos à execução dos recursos,

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uma vez que a APM sabe com antecedência o montante a ser creditado, pois as faixas

nas quais enquadram as escolas são públicas e se referem às matrículas do ano anterior.

De qualquer maneira, os procedimentos de orientação são reproduzidos anualmente,

cabendo à FDE o acompanhamento mais contínuo e próximo às APMs.

A implantação do PDDE na rede estadual de ensino não provocou, segundo ainda os

entrevistados no âmbito da gestão do sistema, nenhum transtorno maior. Concorre para

esta avaliação o fato de as escolas já contarem, desde 1978, com APMs funcionando

como unidades executoras. Cabe observar que o Programa agrega repasses em um

contexto no qual já estava em andamento uma política de descentralização de recursos

para as unidades escolares via APMs6.

Associações de Pais e Mestres, Conselhos de Escola e o PDDE na rede estadual de

ensino de São Paulo

Introduzimos aqui, para compreensão das APMs como unidades executoras, uma

reflexão sobre o papel das Associações de Pais e Mestres na rede estadual de ensino e

suas relações com o Conselho de Escola, órgão colegiado de gestão, com funções de

natureza deliberativa instituídos de meados dos anos 1980.

O Conselho de Escola foi primeiramente introduzido no Regimento Comum das

escolas estaduais no final da década de 1970, por meio de dois decretos (Decreto

10.623/77 e Decreto 11.625/78) que delimitavam-no como órgão intraescolar de caráter

meramente consultivo, substituindo os Conselhos de Professores

No mesmo período são criadas as Associações de Pais e Mestres, substitutas das caixas

escolares, como órgãos auxiliares da administração escolar. Em 1978 o Decreto

11.983/78, estabeleceu seu Estatuto Padrão (Decreto 11.983/78) por meio do qual ficou

delimitado que suas funções auxiliares incluem a captação de recursos para provimento

das necessidades da escola, por meio de contribuições, campanhas ou captação junto a

outras fontes.

No ano de 1985, a Lei 444/85 que institui o Estatuto do Magistério, altera a condição

dos Conselhos de Escola que passam a ter caráter deliberativo, além de serem órgãos

consultivos e executivos.Sua composição é redimensionada, de tal modo que a 6 Atualmente, segundo informações obtidas no site da FDE além (www.fde.sp.gov.br,) há aproximadamente 20 tipos de recursos repassados às APMs, além do PDDE, desde àqueles destinados a desenvolvimento de projetos específicos e construções, até àqueles regularmente encaminhados para contratação de pessoal, manutenção do prédio, compra de materiais de consumo e aquisição de materiais didáticos.

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participação de profissionais e usuários é estabelecida em uma proporção de 50% para

cada segmentos: estudantes e seus pais ou responsáveis e profissionais (professores,

funcionários e especialistas em educação). O diretor escolar é presidente nato do órgão.

Nos primeiros anos de funcionamento dos Conselhos de Escola, a SEE ainda produz

comunicados exortando a comunidade escolar a valorizar sua função diretiva e seu

papel relevante na administração, esvanecendo-se progressivamente os estímulos

(GUERRA, 1988). os Conselhos convivem com as APMs que, progressivamente,

ganham relevância, na medida em que se vai introduzindo na política estadual

(notadamente nas três últimas gestões) a descentralização de recursos para as escolas

estaduais..

A posição ocupada pelas APMs, portanto, destaca-se em relação ao Conselho de Escola,

uma vez que a associação, que tem no diretor o presidente nato de seu conselho

deliberativo, executa grande parte dos recursos financeiros descentralizados para a

escola. Embora os Conselhos sejam órgãos gestores suas funções ficam apartadas de

questões relevantes para a consecução do projeto pedagógico.

No ano de 2004 o Estatuto Padrão das APMs foi alterado, com vistas, segundo próprio

decreto, a adequar as funções da Associação de Pais e Mestres ao novo código civil. A

mudança central foi a explicitação da entidade como pessoa jurídica, de direito privado

(Decreto mo. 48.408/04, art.1º.). A composição da entidade não foi alterada em relação

à normalização da década de 1970, permanecendo o diretor com a centralidade já

referida.

A APM, pouco permeável à participação da comunidade , desde a sua estrutura original,

configura-se como peça fundamental na política de descentralização de recursos e

autonomia nas escolas. O modo pelo qual o PDDE foi implantado reforça tal estrutura,

contribuindo para vitalizar a entidade em detrimento a ampliação da participação no

Conselho de Escola. Tal opção política contribuir para explicar porque entre os

entrevistados no âmbito da gestão do sistema estadual, a introdução do Programa não

causou grandes transtornos.

A forma por meio da qual são encaminhados os recursos para as APMs, por meio da

FDE, indica o papel relevante que tem a autarquia na gestão do sistema público de

ensino em uma política que opta por implementar um modelo de gestão no qual a

administração direta gerencia parcerias entre escolas e instituições.

O papel privilegiado da FDE na descentralização de recursos é visível quando são

considerados o volume de repasses recebidos pelas escolas por seu intermédio e o

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número de convênios estabelecidos entre a autarquia e APMs. Segundo a FDE, em

2005, havia convênios firmados com 5.540 APMs.

O PDDE, no conjunto dos recursos repassados às APMs já chegou a representar quase

40% do valor total (1999). Nos anos seguintes houve uma redução nos percentuais, com

novo crescimento, embora discreto em 2004, como podemos verificar no quadro abaixo,

organizado a partir de documento obtido junto a FDE:

Tabela - Participação do PDDE (convênio FDE/MEC-Secretaria de Educação no total de recursos repassados às APMs

Ano

Convênio-FDE/MEC

Total de Recursos (incluindo PDDE) Percentual representado

pelo PDDE no total de recursos repassados às APMs %

1999 31.115.700,00 83.985.812,41 37,04 2000 28.528.700,00 125.459.759,03 22,73 2001 27.428.700,00 180.004.034,40 15,23 2002 25.313.400,00 174.614.420,62 14,49 2003 23.606.000,00 169.936.131,88 13,89 2004 23.309.561,00 129.140.499,57 18,04

Fonte:Tabela organizada a partir do documento Levantamento dos Recursos Financeiros Disponibilizados pela Secretaria de Educação e Transferidos às Associações de Pais e Mestres- APMs por meio de Convênio firmado com a FDE. Documento fornecido pela FDE em junho de 2005, mimeo. OBS: O título do quadro reproduz a nomenclatura utilizada no documento pesquisado.

Os dados acima nos permitem verificar a materialização de duas características no

ensino fundamental paulista: a já referida ampliação expressiva de recursos

descentralizados para as APMs nos últimos cinco anos e a possibilidade de a redução no

percentual de recursos provindos do PDDE ser reflexo da diminuição de matrículas no

ensino fundamental em função da normalização do fluxo escolar e do processo de

muncipalização.

Segundo os entrevistados, embora os recursos do Programa possam ser utilizados em

diversas ações, o estímulo da SEE e FDE é para que as APMs priorizem investimentos

em manutenção do prédio escolar e manutenção de estoques de materiais que facilitem

o funcionamento da escola. Justifica-se este procedimento, ainda segundo os

entrevistados, por haver vários projetos e convênios (FDE) voltados especificamente ao

processo pedagógico.

A SEE e FDE valem-se dos recursos repassados pelo Programa para substituir a última

parcela anual de verbas encaminhadas à APM para manutenção do prédio escolar.

Segundo o entrevistado na FDE eram, antes do PDDE, repassados recursos em quatro

parcelas atualmente reduzidas a três, pois o quarto repasse corresponde o valor

encaminhado pelo Programa.

As entrevistas indicam que a possibilidade de a APM administrar recursos representa

um prenúncio de “autonomia total” (entrevistado FDE) da escola, por esta entidade

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contar com a representação da comunidade usuária. Paradoxalmente o entrevistado

reconhece que um dos problemas centrais na administração de recursos descentralizados

relaciona-se à “rotatividade do diretor escolar”, o que é mais um indício que a entidade

de direito privado ainda atua sob a batuta do diretor escolar.

A transferência de recursos diretamente para as escolas é também indicada pelos

entrevistados como uma qualidade do Programa. Novamente é o entrevistado que atua

na FDE que menciona, com clareza, a importância de os recursos deixarem de tramitar

por órgãos diversos, antes de chegar à escola:” agora(...) saem 100 do Ministério e

chegam 100 nas escolas. Isso foi fundamental. O dinheiro se perdia, porque todo mundo

usava”(Entrevista em 17/6/2005).

A possibilidade de a escola receber recursos de outra forma que não por intermédio da

APM não foi considerada pelos entrevistados na SEE e FDE por entenderem ser

inviável o repasse ao Conselho de Escola, pois este não tem personalidade jurídica. A

explicação jurídica encontra respaldo legal, todavia é pertinente considerar que a

escolha poderia ter sido outra, conforme se verifica em outros Estados e municípios

brasileiros que optaram por transformar o Conselho Escolar em unidade executora

(PERONI, 2005).

O fato de as escolas paulistas contarem com uma unidade executora que transfere para a

escola todos os benefícios decorrentes dos recursos que executa não parece representar

que seja fortalecida a autonomia e a participação nas escolas, especialmente se

considerarmos a centralidade do papel do diretor, na APM, como na estrutura

organizativa da escola como um todo.

O PDDE na escola

As entrevistas realizadas na escola confirmam a hipótese de que o papel do diretor

escolar é fundamental na administração dos repasses do PDDE. Ao buscarmos

informações sobre o processo de licitação e prestação de contas, apenas a diretora e a

vice-diretora foram capazes de localizar os documentos e informar sobre o processo.

A análise dos documentos indicou que, de fato, a APM administra, na escola

pesquisada, a maior parte dos recursos descentralizados. O PDDE representou para a

unidade escolar, em 2003, cerca de 40% desses recursos e em 2004, 31%. Verificou-

se, portanto que, se no conjunto dos recursos transferidos à APM pela SEE/FDE o

papel do PDDE não é central, na unidade escolar pesquisada acontece o contrário. O

Programa tem grande relevância na manutenção e funcionamento da escola.

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A participação de pais e professores nas decisões tomadas em relação ao destino dos

repasses do Programa é mínima, o que ficou expresso pela pouca informação da

comunidade escolar sobre o PDDE e sobre o encaminhamento dado aos repasses.

Segundo a diretora, os pais “têm medo de participar, porque envolve

dinheiro”(E.16/5/2005).

O exame de atas da APM e do Conselho Escolar indicou que em relação à unidade

executora, os registros referem-se, prioritariamente, aos procedimentos tomados e nunca

mencionam qualquer discussão sobre o emprego dos recursos. Supõe-se que, sendo

peças importantes na prestação de contas, os documentos são preparados

cuidadosamente, visando a registrar informações essenciais a serem apresentadas à

Diretoria de Ensino e à FDE. Observa-se ainda que o PDDE entra em pauta nas reuniões

de APM somente em duas reuniões anuais: quando da chegada dos recursos e quando da

prestação de contas. As atas do Conselho de Escola registram apenas, também nos

períodos de entrada de recursos e de prestação de contas, a homologação dos

encaminhamentos tomados pela APM.

A escola, aparentemente, incorporou o PDDE à dinâmica já em curso no processo de

descentralização financeira: as verbas entram na escola pela Associação de Pais e

Mestres e são executadas na prática pela direção escolar.

5 O PDDE na rede municipal de Pirassununga

Conforme o indicado na introdução deste trabalho, a realização da pesquisa de campo

no município de Pirassununga decorreu das características específicas de

implementação do Programa no formato de Consórcio entre APMs.

Pirassununga, com 68.834 habitantes em 2005, apresentava indicadores de uma boa

qualidade de vida em relação aos municípios paulistas , com IDH correspondente a

0,839(SEADE, 2005), além de certa capacidade orçamentária, uma vez que a

arrecadação de receitas próprias correspondia em média a 22,57% no período de 1999 a

2004, em relação ao total de transferências. No quadro dos municípios brasileiros, que

segundo Oliveira e Adrião (2001) arrecadam por meio de impostos próprios menos de

10% de sua receita total, Pirassununga se encontra acima da média municipal em

relação à capacidade orçamentária.

O município oferece atendimento no ensino fundamental, educação infantil e educação

de jovens e adultos. São, em área urbana, oito creches municipais, dezenove

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estabelecimentos municipais de educação infantil (EMEI), uma unidade que atende à

Educação Infantil e ao ensino Fundamental (EMEIF), uma unidade de atendimento ao

ensino fundamental (EMEF) e um Centro Integrado de Educação Infantil (CIE). Em

bairros de área rural há três EMEIFs. Existem ainda onde salas de Ensino Supletivo, seis

das quais administradas pela prefeitura, que também cede quinze professores para a

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) para a modalidade Educação

Especial.

No Ensino Fundamental as matrículas apresentaram crescimento constante no período

1999-2004, totalizando o percentual de 123,91% no período.

Cabe esclarecer que o município de Pirassunga não tem sistema de ensino e as escolas

não contam com a presença de um diretor, embora este cargo esteja previsto desde 2002

pelo Regimento Comum das Escolas Municipais. As atribuições do cargo de diretor

ficam sob a responsabilidade do assistente de direção, cargo criado em 1991 pela Lei

Municipal no.2152 e provido por concurso público. A atuação do assistente de direção

não se restringe a uma única escola, podendo assumir as funções em até três escolas,

definidas por designação do Secretário de Educação. O assistente de direção é auxiliado

pelo Encarregado do Setor de Educação, funcionário em cargo de confiança do

prefeito, que visita todas as escolas municipais suprindo as ausências do assistente de

direção. O Encarregado de Setor apóia a administração nas escolas e a gestão dos

recursos financeiros da Secretaria de Educação.

No ano de implantação do PDDE, em 1999, somente escolas rurais contavam com

assistentes de direção. Em 2000 foi realizado concurso que ampliou o número de

funcionários no cargo. Naquele ano, a escola que passou a sediar o recebimento de

recursos do PDDE, passou a contar com o profissional.

A implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola em Pirassununga transcorreu de

modo completamente diferenciado do observado na rede estadual, uma vez que dentre

as primeiras medidas necessárias para o recebimento dos repasses foi a criação das

unidades executoras.

A Secretaria Municipal de Educação (SME) tomou contato com o Programa em 1998,

segundo uma das entrevistadas na SME, por meio de reuniões promovidas pelo

Ministério da Educação em cidades vizinhas com o objetivo de orientar técnicos das

secretarias municipais de educação da região, a fim de orientá-los na implantação do

PDDE. No ano seguinte, a Secretaria Municipal de Educação toma as medidas

necessárias para a criação das UExs, fazendo a opção por criá-las como Associações de

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Pais e Mestres. Segundo o Secretário de Educação que respondia pela pasta no período,

tal medida foi entendida como necessária, dado que a APM poderia ter personalidade

jurídica, condição fundamental para recebimento dos repasses. Em maio de 1999, a

administração municipal instituiu o Estatuto Padrão das APMs.

A criação da APM e o repasse de recursos

Criado o Estatuto Padrão das APMs, procedeu-se a sua instalação em uma única escola

municipal de Ensino Fundamental (EMEF) situada na zona urbana. A escola, criada no

ano anterior (1998), foi escolhida para sediar a única APM da rede de ensino, por ter o

matriculados 214 alunos, número suficiente para o recebimento dos recursos do PDDE.

A constituição da APM, segundo os entrevistados, contou com a orientação do

Secretário Municipal de Educação, da encarregada do Setor de Educação e técnicos da

SME. Observe-se que a escola não dispunha de diretor ou assistente de direção, cabendo

as funções deste último à encarregada do Setor de Educação.

É relevante considerar que, apesar de não existir o cargo de diretor escolar, o Estatuto

Padrão das APMs o definia como membro nato da Associação (PIRASSUNUNGA,

1999). A encarregada do Setor de Educação assumiu então, não apenas as funções, mas

formalmente o cargo de Assistente de Direção para que a APM pudesse ser composta

com seus membros natos. A presidência do Conselho Deliberativo da entidade foi

assumida por uma das escriturárias da Secretaria Municipal de Educação. Observa-se

aqui, o distanciamento entre a APM real constituída na escola e a composição legal da

entidade, prevista em seu Estatuto.

A constituição da APM em maio de 1999 possibilitou que no mesmo ano a escola sede

do consórcio recebesse o primeiro repasse. O montante recebido, R$3.200,00, segundo

uma das técnicas entrevistadas foi totalmente destinados à pintura de paredes das

unidades escolares consorciadas. Tal orientação partiu da própria Secretaria Municipal

de Educação.

A implementação do PDDE em Pirassununga ocorreu com muitas dificuldades. Após

os dois primeiros anos de recebimento dos recursos,, nos anos seguintes ocorreram

sérias dificuldades na manutenção do Programa.

No ano de 2001, quando assumiu uma nova gestão municipal, não houve repasses.

Segundo o próprio secretário de educação do período, isto ocorreu porque não houve

solicitação. A justificativa para tal opção foi apresentada por uma das técnicas

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entrevistadas que afirmou ter o secretário entendido que os procedimentos eram por

demais complexos.

No ano de 2002, de acordo com a Técnica do Setor de Contabilidade da SME, as

escolas passaram a receber diretamente os recursos na conta da APM da escola sede,

ficando também responsáveis pela prestação de contas. As dificuldades naquele ano

decorreram de haver pendências na prestação de contas referente a 1999, o que exigiu

que esta fosse por diversas vezes refeita. Somente após a regularização das contas de

1999, a APM da escola sede pôde receber os recursos referentes a 2002.

As dificuldades foram tamanhas que uma das entrevistadas, técnica de Contabilidade da

SME, declarou:

(...) tem verbas que vêm da União. Assim, eu preferiria até que não

viessem para o município. Sabe por quê? As pessoas, elas não sabem

gastar o dinheiro, eles pedem, solicitam a verba para a União, aí,

quando vem, eles não seguem o próprio plano de trabalho. Só que

tem pessoas que ainda não estão preparadas para gastar no nosso

município. Então, seria até bom que o contador fosse convidado para

participar dos projetos (Técnica C, 15/07/2004).

Em 2003, novamente não houve solicitação de recursos.Dessa vez, o mesmo Secretário

que não havia solicitado em 2001, declarou que a não ocorreu a solicitação devido a

problemas na prestação de contas do ano de 2002. Tal informação não é confirmada,

pois o Setor de Contabilidade afirma que as contas de 2002 foram aprovadas. A atual

assistente de direção da escola sede do consórcio de APMs, quando entrevistada

manifestou suspeita de que o não recebimento tenha ocorrido por perda do prazo de

solicitação. Convém lembrar que em 2003 o município atravessava séria crise política,

em que o prefeito estava sendo processado por improbidade administrativa, devido à

má utilização de recursos públicos para a educação.

Em 2004, finalmente, os recursos foram solicitados no prazo correto e a prestação de

contas não gerou nenhum problema.

Todos os problemas vividos nos cinco anos de execução do Programa, registrados pela

pesquisa levaram a que alguns funcionários da administração municipal concluíssem

que a autonomia das escolas para executar os recursos dificultava o processo, como

afirma o Chefe de Contabilidade da Prefeitura Municipal: (...) a minha parte, minha função na Contabilidade é apenas registrar as despesas que são

realizadas pelas escolas. Aí, no final, é que, então, eles pedem para que gente faça a

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prestação de contas, mas eu não sei, assim, não tenho acompanhado, nunca acompanhei o

projeto nas escolas. (...) Porque nunca fomos convidados para fazer parte do plano de

trabalho, não é? Porque existe um plano de trabalho do município... da verba que é

repassada. Então, desde que eu estou aqui, o contador nunca foi convidado para projeto

nenhum (Técnico A,.15/07/2004).

A APM na escola sede e o funcionamento do consórcio

A criação da APM se deu, como já foi mencionado, com o objetivo de propiciar o

recebimento dos repasses do PDDE. Dado o pequeno porte das escolas e à exigência de

mais de 99 alunos para recebimento dos recursos, a alternativa encontrada foi a

organização das escolas em consórcio, no qual uma escola sediaria a APM que receberia

o total de recursos destinados ao ensino fundamental, repartindo-os, proporcionalmente

ao número de matrículas, entre as escolas consorciadas. Cinco escolas uniram-se em

uma única UEx sediada na zona urbana da cidade. Até 2003 somente as escolas

consorciadas recebiam os recursos. Em 2004, uma das unidades (EMEIF) integrantes

do consórcio, atingiu o número de alunos matriculados no ensino fundamental suficiente

para compor a sua própria Unidade Executora e continuar a receber os recursos do

PDDE autonomamente.

Observe-se que, diferente da rede estadual de ensino, o PDDE é o que induz à criação

das APMs, seja na condição de uma única associação, como ocorre na implantação do

Programa, ou na criação de UEx própria. Uma das professoras entrevistadas expressa

sua concepção sobre a função da APM. Diz ela: “veio uma verba, precisou abrir a APM

para que a gente pudesse receber a verba[...]nós fizemos uma reunião e abrimos a

APM”.

A ausência de informações sobre o Programa fui uma das dificuldades percebidas pelas

assistentes de direção das escolas consorciadas. Na busca de mais subsídios para a

compreensão do PDDE, professoras e assistentes de direção buscaram material em

escolas estaduais, além de contatos com assessoria do Programa em Brasília. Sobre as

dificuldades, manifesta-se uma professora: Que tinha que gastar a verba, e nós não sabíamos o que podia comprar, o que não

podia. Aí, como eu trabalho [no cargo de professora] no Estado, eu fui atrás pedir para

o diretor [da escola estadual onde leciona] que me desse um caderninho [informativo].

Aí, eu xeroquei, porque nós não recebemos nada. Com o caderninho, eu e a Presidente

da APM estudamos o que nós podíamos gastar. Ela ligou para Brasília também muitas

vezes. Ela ligava bastante. Ela era muito interessada nessa parte, e, aí, a gente, quer

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dizer, foi aprendendo assim (...). (Entrevistada B- entrevista realizada por Rochelle

Pegoraro)

As EMEIFs explicitam uma peculiaridade do Programa em Pirassununga. Uma vez que

atendem à educação infantil, além do ensino fundamental, verifica-se que alunos

matriculados em outras etapas da educação básica, que não aquela focada pelo PDDE

(EF) usufruem dos benefícios decorrentes do uso dos repasses.

A consulta aos documentos de prestação de contas também revela uma característica da

implementação do Programa no município: a progressiva diversificação na utilização

dos recursos. Se bem que não seja possível verificar os gastos em cada uma das escolas,

pois a prestação de contas refere-se ao montante recebido pela UEx na escola sede do

consórcio, depoimentos de professores referem-se à importância da ampliação na

participação dos docentes da escola na tomada de decisão sobre o uso de recursos.

Sobre a participação de usuários, no entanto, são poucas as referências. (PEGORARO,

2004). Para os agentes do sistema, o nível de informação era um pouco maior do que

para usuários, talvez pelo fato de estarem envolvidos diretamente com o processo que

antecedeu a implantação do Programa e também por terem participado de encontros que

esclareciam os procedimentos para recebimento dos recursos e prestação de contas.

Ainda assim, registramos a presença de muitas dúvidas.

6 Considerações finais

As informações obtidas na rede municipal de Pirassununga e na rede estadual levam-nos

a considerar alguns aspectos a respeito da implementação do PDDE em redes distintas.

Enquanto na rede municipal o Programa foi responsável pela criação das Associações

de Pais e Mestres como UEx, na rede estadual, sua implantação ocorreu em um contexto

diverso, uma vez que as APMs já recebiam recursos e os executavam com regularidade.

É necessário observar que, na rede estadual de ensino, a política da Secretaria de Estado

da Educação privilegiava desde a primeira gestão do PSDB a descentralização de

recursos para as UEx.

Observou-se que, na rede municipal pesquisada, o PDDE foi implantado em um quadro

de escassez de informações e precárias condições operacionais. Tal situação criou

diversos problemas na utilização dos recursos.

Os níveis de informação entre todos os entrevistados podem ser considerados inferiores

ao necessário, pois afirmavam que se tratava de uma “verba que viria para a escola” e

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poderia ser utilizada mediante instruções legais, mas não conseguiam explicar a

natureza do Programa.

O PDDE, entretanto, no município de Pirassununga, em face da precariedade para sua

consecução, acabou por auxiliar na configuração e formalização das APMs como UEx,

indicando o potencial indutor do Programa na institucionalização da rede no que diz

respeito a sua organização e à produção de instrumentos para normalização de seu

funcionamento.

Tal observação sugere a potencialidade do Programa em municípios de pequeno porte

como o estudado, mas também oferece indícios sobre as possíveis dificuldades de

administrações municipais na criação e normalização de suas redes de ensino.

As diferenças nas duas redes, no entanto, não ocultam que Programa contribui para o

estabelecimento de um padrão de relacionamento entre gestores do sistema,

profissionais da escola e comunidade usuária, pautado pela dimensão técnico-

operacional, em detrimento da dimensão política da gestão escolar. Não há, no conjunto

de informações produzidas pelo FNDE e reelaboradas, por exemplo, na esfera estadual,

algo que retrate a preocupação com a democratização da gestão e com a participação da

comunidade usuária nos processos decisórios para execução de recursos. Todas as

orientações, escritas ou verbais, restringem-se à correta utilização de recursos e

prestação de contas.

Finalmente, os dados, sobretudo os coletados em Pirassununga, permitem contrapor a

suposta autonomia que o PDDE tenderia a proporcionar às escolas, por meio da

atividade das UEx, à dependência das decisões tomadas no âmbito das Secretarias da

Educação, uma vez que, por dois anos seguidos, a decisão do Secretário de Educação de

não firmar o convênio impediu as escolas de receberem os recursos

As resoluções sobre recursos, quando tomadas pela APM, produzem, no mínimo, uma

separação entre esta e o conselho de escola. “Tal situação acaba por criar, na melhor das

hipóteses, uma sobreposição de decisões, quando não, um esvaziamento dos Conselhos

de Escola, uma vez que a instância responsável pela gestão dos recursos financeiros

possui uma posição de destaque em qualquer processo decisório” (ADRIÃO, GARCIA,

2003, p.6). Registre-se ainda que a contribuição para o enfraquecimento do Conselho de

Escola se encontra na própria origem da APM. Trata-se de um órgão auxiliar da direção

escolar que tem no diretor um membro importante, uma vez que é presidente nato de

seu Conselho Deliberativo (SÃO PAULO, Estatuto Padrão, art.16, 1978, 2004),

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Contrapondo o que dizem os gestores quanto ao que é verificado na escola, podemos

afirmar que, não apenas pela orientação da SEE em relação ao destino dos recursos ou

pelo fato de os recursos da SEE estarem sendo substituídos pela verba suplementar, mas

também pelo papel central da direção escolar no encaminhamento do processo, as noções

de autonomia e participação mencionadas merecem ser analisadas mais detidamente. O

fato de a escola contar com uma UEx e receber dela doações (todos os bens adquiridos

pela APM são doados e patrimoniados pelo poder público) não parece representar

ampliação da participação ou tratamento coletivo no processo de tomada de decisões

relativas aos recursos e ao projeto pedagógico.

Vale ressaltar que o modo pelo qual o PDDE foi implantado no caso paulista parece

reforçar a estrutura pouco permeável à participação de pais e alunos que tem

caracterizado nossas escolas. Explica, ainda, por que a implantação do PDDE, segundo

os entrevistados no âmbito do sistema, causou poucos transtornos ao funcionamento das

escolas, uma vez que a trajetória das APMs as fazia se configurarem como unidades

executoras sob a tutela do diretor escolar.

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