O PROGRAMA TRAVESSIA INTERSETORIALIDADE COMO … · Programa Travessia a partir de elementos...
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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 25, 26 e 27 de março de 2014
O PROGRAMA TRAVESSIA: INTERSETORIALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE
SOLUÇÃO PARA PROBLEMAS COMPLEXOS
TATIANA LEMOS SANDIM
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Painel 24/071 O Programa Travessia: estrutura institucional, metodologia de diagnóstico e planejamento, arranjos de governança do programa intersetorial de enfrentamento da pobreza do Governo de Minas Gerais
O PROGRAMA TRAVESSIA: INTERSETORIALIDADE COMO
ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO PARA PROBLEMAS COMPLEXOS
Tatiana Lemos Sandim
RESUMO O texto apresenta o Programa Travessia - iniciativa do Governo de Minas de inclusão social e produtiva das camadas mais pobres da população por meio da articulação de ações - ao mesmo tempo em que aborda os fundamentos teóricos da intersetorialidade. O entendimento que norteia o Travessia é o de que a pobreza é um fenômeno multidimensional que demanda intervenções abrangentes, capazes de abordar as múltiplas facetas de forma simultânea, integrada e intersetorial. O texto discorre sobre as premissas da intersetorialidade e defende que projetos dessa natureza são adequados para o enfrentamento de problemas complexos Evidencia-se que trabalhar intersetorialmente pressupõe: 1) intervenções em conjunto são diferentes do conjunto das intervenções; 2) não se trata de fazer junto o que se fazia de forma isolada; 3) a eficiência de um serviço ou setor é insuficiente para garantir respostas adequadas. São destacadas as ferramentas e instrumentos implantados no âmbito do Programa Travessia que procuram operacionalizar pressupostos da intersetorialidade, tais como: instâncias colegiadas de gestão, grupos de trabalho temático e planejamento integrado.
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INTRODUÇÃO
O Programa Travessia foi proposto no plano de governo para o segundo
mandato do governador de Minas Gerais, em 2008. O objetivo central do Programa
é “promover a emancipação social e econômica das camadas mais pobres e
vulneráveis da população através da articulação de ações integradas de base local”
(MINAS GERAIS, 2008). Desde seu primeiro ano de execução o Travessia aborda a
questão da pobreza – e as consequentes formas de minimizar os impactos deste
fenômeno – de forma inovadora em relação às demais políticas voltadas para esta
finalidade em nível subnacional no Brasil.
Dois conceitos importantes norteiam esta ação. O primeiro é o conceito
de pobreza multidimensional, no qual a insuficiência de renda não é critério bastante
para caracterizar a situação de pobreza. Assume-se que a pobreza é um fenômeno
multidimensional e se operacionaliza este conceito por meio do Índice de Pobreza
Multidimensional – IPM, o mesmo adotado pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD). Nele estão incluídas as dimensões saúde, educação e
padrão de vida para a caracterização da pobreza1.
A adoção de um conceito de pobreza multidimensional traz consigo a
necessidade de uma intervenção intersetorial como contra face. Com esta premissa
chega-se ao segundo conceito importante para o Travessia. A intersetorialidade
enquanto condição fundamental para intervenções efetivas na redução da pobreza.
Isto porque, ao considerar que a pobreza é uma situação caracterizada por múltiplos
fatores que se constelam na vida de um indivíduo ou de uma família, uma
intervenção coerente deve ser capaz de atuar sobre diversas dimensões do
fenômeno. Considerando que os governos se estruturam classicamente em setores,
1 O IPM é baseado, como dito, no enfoque da pobreza enquanto privação de capacidades. Por sua vez, este enfoque integra a perspectiva do desenvolvimento humano elaborado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em parceria com a Universidade de Oxford, especificamente com o OPHI (Oxford Poverty & Human Development Initiative). O IPM é dividido em três dimensões: educação, saúde e padrão de vida. As dimensões são avaliadas em dez indicadores. Cada dimensão tem 33,33% de peso cada e dentro de cada dimensão o peso é dividido igualmente entre os indicadores que a compõe. A unidade de análise é o domicílio. Os indicadores que compõem o IPM são: Anos de estudo e escolarização infantil; mortalidade infantil e nutrição; eletricidade, saneamento, água, assoalho, combustível para cozinhar e bens domésticos. Fonte: ALKIRE, SANTOS, 2010 apud SOUSA, 2011.
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secretarias e/u departamentos, altamente especializados, nenhum deles detêm o
conhecimento necessário para solucionar a questão em sua totalidade. Assim, a
articulação de mais de um segmento governamental deve ser considerado inerente
para uma intervenção efetiva e responsável.
A partir da consideração da produção sobre a intersetorialidade a partir de
vários autores relacionados à temática, este trabalho empreenderá uma análise do
Programa Travessia a partir de elementos extraídos de seu desenho e de sua
execução, buscando evidenciar o aprendizado prático sobre o trabalho intersetorial
que esta estratégia pode aportar para outras intervenções com finalidade similar ou,
ainda para estudos que possam contribuir para a compreensão e a
operacionalização da intersetorialidade.
OBJETIVOS
O objetivo do presente trabalho é apresentar o Programa Travessia e os
conceitos teóricos subjacentes ao seu desenho e à sua intervenção, em especial, os
princípios da intersetorialidade. Espera-se demonstrar que a estratégia de
intervenção adotada é coerente com o conceito de pobreza adotado e visa alcançar
resultados efetivos no desenvolvimento de suas ações. Esta discussão é parte
integrante de um trabalho mais amplo, proposto no âmbito do VII Congresso do
Consad. Além deste texto, outros dois dedicam-se ao tema de forma complementar.
Assim, indica-se a leitura dos três trabalhos, se deseja-se uma compreensão mais
abrangente desta intervenção do governo de Minas Gerais.
A INTERSETORIALIDADE COMO FERRAMENTA PARA O DESENHO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Debates relativamente recentes na Administração Pública têm destacado
a necessidade desta resgatar a noção de que seus objetivos estão em seu exterior,
ou seja, na população sobre a qual pretende intervir. Nesse sentido é condição sine
qua non reconhecer a crescente complexidade e a diversidade que caracterizam
este entorno. Partindo destas premissas, as tentativas de modernização da gestão
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devem tem como objetivo dotar a Administração da capacidade para resolução de
problemas complexos e para o equilíbrio das diversas perspectivas presentes na
sociedade atual. Brugué, Canal e Payá (2009) afirmam que há algum tempo os
profissionais e analistas da administração estão conscientes da crescente
complexidade dos assuntos em relação aos quais devem intervir. São os “problemas
malditos”, ou seja, assuntos resistentes às soluções tradicionais porque são de
irredutível complexidade. O “grau de maldade” desses problemas varia de acordo
com a complexidade, a incerteza e o número e a diversidade dos atores envolvidos
(BRUGUÉ; CANAL; PAYÁ, 2009).
Tais problemas, resistentes às soluções já existentes, exigem, portanto, o
transbordamento da capacidade da administração e das políticas públicas,
pressionando-as para a consecução de soluções novas ao mesmo tempo em que
alimentam uma crescente insatisfação entre os cidadãos. O eixo central da questão
localiza-se no contraste entre a simplicidade das ações de intervenção – traço
comum nas administrações públicas – e a complexidade dos problemas a resolver.
Dada a impossibilidade de tornar os problemas mais palatáveis para a estrutura
governamental já existente – fracionando-os aos âmbitos das estruturas setoriais
tradicionais, opção mais comum até tempos atrás, resta a alternativa de encarar a
transformação da administração pública e dota-la de capacidade de construção de
intervenções multissetoriais para resolver problemas multidimensionais. E é
exatamente neste ponto radica o principal desafio da administração pública na
atualidade (BRUGUÉ, CANAL, & PAYÁ, 2009).
Entre os vários “problemas malditos” demandantes de respostas
provenientes de intervenções governamentais, um deles têm sido recorrentes em
diversas agendas públicas: a pobreza. Para Codes (2008), estudos relacionados à
pobreza costumam se justificar pela relevância que o tema tem assumido no
mundo atual.
De acordo com Bronzo (2005), a concepção de pobreza adotada
influencia diretamente a estratégia de intervenção a ser desenvolvida. Assim,
enfoques multidimensionais de pobreza demandam, por parte da atuação do
Estado, políticas distintas das utilizadas quando da adoção de paradigmas
unidimensionais. O que se pretende concluir é que o enfoque multidimensional da
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pobreza demanda intervenções ao mesmo tempo abrangentes, capazes de
abordar as múltiplas facetas do fenômeno de forma simultânea e intersetorial, ou
seja, desenhadas e implementadas por meio do envolvimento sinérgico de vários
setores governamentais. Para esta autora, a pobreza é um fenômeno coletivo de
tal forma complexo e multidimensional que deve ser enfrentado coletivamente “pelo
conjunto de políticas e pelo conjunto dos diversos atores e setores sociais”
(BRONZO, 2007, p. 8).
O que se conclui é que complexidade exige intersetorialidade. Por meio
desta forma de trabalhar – inter-relacionada, transversal – é possível ser mais eficaz
nas respostas a problemas complexos. É possível trabalhar junto, superando o
trabalho isolado mesmo que muito eficientemente desenvolvido, eliminar a
superposição de tarefas, propondo atividades que prevejam uma atuação conjunta e
compartilhada. Nas palavras de Kaleidos.red, a transversalidade como solução
implica que a convertemos em uma fórmula mágica para trabalhar juntos e para
multiplicar nossos potenciais particulares. Em um mundo de renovadas
complexidades, a transversalidade é a resposta2” (KALEIDOS.RED, 2010, p. 14).
Apesar de parecer uma panaceia para atuação frente à complexidade, a
transversalidade é um problema de gestão. Isto porque ela coloca prerrogativas
para o trabalho que constituem-se como desafios, tais como: necessidade de
incorporar o diálogo na rotina de trabalho e de destituir a centralidade da eficiência,
da hierarquia e da competência, entre outros. Porém, a questão mais inquietante
que a transversalidade impõe para os que optam por adota-la é: como
operacionalizar este conceito?
O que se percebe é que vários modelos têm sido propostos para balizar
as formas de intervenção da Administração Pública na sociedade complexa e em
crescente diversificação como a atual. Esses vários modelos têm apontado para
estruturas de gestão compartilhada, ao mesmo tempo em que colocam em xeque a
própria estrutura organizacional setorializada e preparada para trabalhar de forma
isolada. O que se observa é que temas como intersetorialidade, transversalidade,
2 Tradução da autora. Texto original: “la transversalidad como solución implica que la convertimos en la fórmula mágica para trabajar juntos y para multiplicar nuestros potenciales particulares. En un mundo de renovadas complejidades, la transversalidad es la respuesta” (KALEIDOS.RED, 2010, p. 14).
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gestão em rede são vocalizados e ganham e força em espaços de discussão
institucionais, inclusive, pautando novas agendas de reformas. Para Veiga e Bronzo,
A emergência do tema da intersetorialidade na agenda pública vem mesclado com a emergência de outros termos e noções conceituais – transversalidade, cross cutting, matricialidade – sendo difícil estabelecer, sem ambiguidades, os limites e as distinções entre eles. O ponto é que tais concepções acenam para um conjunto de inovações no âmbito da gestão pública, em um contexto no qual os sistemas técnicos especializados e as estruturas fortemente hierarquizadas e verticais são confrontados com novos objetivos e demandas políticas e sociais, novas temáticas e novos segmentos da população, que demandam uma remodelagem das velhas estruturas organizacionais, exigindo novas respostas organizativas das quais a intersetorialidade é apenas uma das alternativas possíveis (VEIGA; BRONZO, 2007, p. 11).
Os desafios estão postos e se avolumam quando se trata da
operacionalização destes instrumentos, campo no qual ainda há muito para se criar,
testar e adaptar até que tecnologias mais sólidas sejam constituídas. Vários são os
autores que têm se dedicado a contribuir para a compreensão deste conceito.
Para Menicucci (2002), a intersetorialidade é uma nova abordagem dos
problemas sociais que enxerga o cidadão de forma não fragmentada e, com isso,
coloca para a gestão da cidade uma nova lógica, na qual a forma tradicional,
hierarquizada e fragmentada são superadas. Seria necessário, para tanto, um
esforço de articulação de políticas e de síntese de vários conhecimentos buscando
unificar conhecimento e práticas com vistas à inclusão social (MENICUCCI, 2002).
Similarmente, para Junqueira (2000), a intersetorialidade é uma
articulação de saberes e práticas de planejamento, realização e avaliação de ações
com vistas a alcançar um efeito sinérgico em situações complexas, promovendo o
desenvolvimento social, superando a exclusão social. Com este modelo seria
possível ainda otimizar a utilização dos recursos disponíveis no trato dos problemas
da população (JUNQUEIRA, 1999 apud JUNQUEIRA, 1998).
Magalhães (2004), por sua vez, afirma que a intersetorialidade “procura
superar a fragmentação, a dispersão ou a sobreposição de projetos ou ações”
(MAGALHÃES, 2004, pág. 35). Inojosa afirma algo semelhante quando diz que
intersetorialidade é mais que justapor ou compor políticas públicas. Mas também
não é apenas estabelecer um diálogo entre as políticas. O que se pretende é fazer
com que essas políticas tenham um foco comum e trabalhem em conjunto para
alcançar esse objetivo. (INOJOSA, 2001).
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Para Kaleidos.red (2010), a transversalidade é termo mais adequado.
Alguns elementos são fundamentais para sua construção. O primeiro deles é
reconhecer que “sozinhos somos impotentes” que expressa a realidade na qual a
eficiência de um profissional, serviço ou setor não é suficiente garantir para a
construção das respostas aguardadas pelos cidadãos provenientes das instituições
públicas. A segunda afirmação é “a soma não soma” e quer expressar que a simples
superposição, acumulação ou soma das atuações também não é suficiente para
solucionar os problemas. Nesse caso, não se trata de fazer junto o que era
desenvolvido de forma isolada. É preciso fazer de forma compartilhada. Por fim, o
desafio é “como juntar para multiplicar”? Fazer juntos multiplica o potencial, mas,
ainda não são dominadas as técnicas para colocar em prática esta ideia
(KALEIDOS.RED, 2010).
Contudo, como reconhecer se um projeto é transversal ou não?
Kaleidos.red (2010) relaciona as características que um projeto transversal deve
possuir: 1) participação de múltiplos atores; 2) compartilhamento de objetivos
mínimos comuns; 3) relações continuadas e não hierárquicas entre os atores,
baseadas em negociação e confiança; 4) interdependência para alcance dos
objetivos; 5) modelo de relações de interdependência funcionando de forma
autônoma e autorregulada; 6) relações regidas por reciprocidade e colaboração.
Para afirmar se um projeto é ou não transversal são estes os elementos que devem
ser focalizados.
Percebe-se, então, o alinhamento entre as proposições da
intersetorialidade e os princípios da transversalidade. Para esta última, não basta
começar a fazer junto o que se fazia separado até então. De forma similar ao que
propõe Inojosa (2001), o que se pretende é trabalhar em conjunto a partir de um
foco comum, elaborado a partir do diálogo entre as partes. Contudo, é preciso deixar
claro que as alterações nas dinâmicas e nos conteúdos das políticas setoriais, como
propõem abaixo Veiga e Bronzo (2007) constituem um fator fundamental para que a
administração supere a modelo em que sempre faz “mais do mesmo” e consolide
outro no qual a ação pública seja capaz de resolver os problemas com os quais a
sociedade convive atualmente, os “problemas malditos”, nas palavras de Brugué,
Canal, & Payá (2009). Deve ficar claro, ainda, que todo o diálogo, toda a a tentativa
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fundada no sentido de estabelecer rotinas de trabalho comuns, parte do
reconhecimento de que “sozinhos somos impotentes”, para utilizar a expressão de
Kaleidos.red (2010). Nas palavras de Veiga e Bronzo observar-se a ratificação de
que a “soma não soma”, é preciso ir além da mera articulação das ações:
(...) intersetorialidade se diferencia, ainda que de maneira sutil, da articulação ou coordenação das ações, uma vez que envolveria alterações nas dinâmicas e processos institucionais e nos conteúdos das políticas setoriais, introduzindo uma perspectiva inovadora no desenho e na abordagem das políticas setoriais e na gestão pública. A intersetorialidade, do ponto de vista substantivo, requereria mais do que a articulação ou a comunicação entre os diversos setores sociais, tais como saúde, educação, habitação, emprego e renda, saneamento e urbanização, por exemplo (VEIGA;BRONZO, 2007, p. 10).
Para Nuria Grau a intersetorialidade trata da integração de diversos setores
com vistas a solução de problemas sociais. Mas a autora reconhece que é um termo
com diversas conotações, a depender das premissas adotadas e, inclusive, pelo que
se entende como “setor”. Para ela, duas premissas devem ser consideradas ao
delimitar a noção de intersetorialidade e esclarecer o sentido de sua adoção. A
primeira delas é a de que a conexão possibilita a busca de soluções integrais e,
assim, são alcançados objetivos de desenvolvimento. Este fundamento
expressamente político coloca a prerrogativa de que as políticas públicas devam ser
planejadas e executadas intersetorialmente. Setor, nesse caso, corresponde à
organização convencional da estrutura governamental (saúde, educação, etc.). A
segunda premissa é que a integração entre os setores possibilita a utilização
produtiva das diferenças entre eles na resolução de problemas sociais. Este
fundamento técnico afirma, em última instância, que a intersetorialidade permite o
compartilhamento dos recursos de cada setor e, com isso, a criação de soluções
melhores. Por setor, de acordo com essa premissa, deve ser considerado também as
lógicas de ação coletiva e os mecanismos de coordenação social e, assim, pode
significar a articulação entre o setor público, o mercado e a sociedade (GRAU, 2005).
Para esta autora, os elementos que frequentemente compõem a
intersetorialidade são a integración (conceitual, de objetivos, de processos e a
derrubada de alguns feudos), a inclusividad (pauta de ação comum para a
implementação, definição das estratégias, atividades e recursos a partir das
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repercussões e efeitos nos objetivos, estratégias, atividades e recursos dos demais
setores) e a mancomunidad (compartilhamento de recursos, responsabilidade
e ações).
É preciso compreender, porém, que a intersetorialidade não contém a
resposta para todos os problemas enfrentados pela Administração Pública. Para
Serra, “a gestão transversal não deveria ser percebida como una panaceia universal
para todos os males organizativos senão, ao contrário, como um instrumento
específico e limitado, adequado ao tratamento e gestão de aspectos muito precisos
da gestão pública3” (SERRA, 2004 apud VEIGA; BRONZO, 2005, p. 13).
Para Grau (2005), é preciso existir algum tipo de evidência de que a
solução do problema não pode ser alcançada por um único setor. Quando da
ocorrência das situações relacionadas adiante, a intersetorialidade tem maiores
probabilidades de aflorar: a) o tema ou o problema transborda a competência de um
único órgão; b) o projeto envolve a cidade como um todo; c) envolve a
descentralização da execução das políticas sociais; d) demanda a centralização da
formulação ou coordenação das políticas sociais. Em cada uma destas situações, “a
operacionalização da intersetorialidade tende a sustentar-se na hipótese de que
novas institucionalidades de caráter plural podem induzir a melhores padrões de
desempenho organizacional” (GRAU, 2005, p. 4).
Após esta exploração, a autora afirma que na operacionalização da
intersetorialidade existem diversas combinações institucionais dependendo dos
âmbitos de sua aplicação. São eles: 1) as fases de gestão: a intersetorialidade pode
se aplicar na formulação e na implementação da política ou só no primeiro; 2) a
cobertura das políticas: podem ser intersetoriais todas as políticas, todas as políticas
sociais ou apenas algumas destas. A combinação destes eixos delimita o ambiente
em que se aplica a intersetorialidade bem como seu grau de complexidade. E,
prevê, em cada uma delas, modelos organizativos diversos que contemplam a
necessidade de criação de estruturas diferentes para operacionaliza-los. As
combinações, contudo, não são excludentes, podendo coexistir ou se combinar.
3 Tradução da autora. Texto original: “la gestión transversal no debería ser percibida como una panacea universal a todos los males organizativos sino, bien al contrario, como un instrumento especifico y limitado adecuado al tratamiento y gestión de aspectos muy precisos de gestión pública” (SERRA, 2004 apud VEIGA; BRONZO, 2005, p. 13).
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Cada uma delas aporta uma relação custo-benefício específica e que deve ser
considerada quando se optar por uma ou por outra.
Bronzo (2005) corrobora com Serra (2004 apud BRONZO, 2005) ao
reafirmar que o arranjo intersetorial não implica necessariamente numa mudança na
estrutura básica (ou hard) da organização. Implica apenas em uma mudança na
parte soft, dimensão complementar à básica. Ou seja, não se pretende substituir as
estruturas setoriais existentes, embora pressuponha a introdução de novas linhas de
trabalho e objetivos (BRONZO, 2005). Para Serra, as estruturas transversais não
incluem a gestão operacional nem tampouco a produção, estas faculdades cabem à
estrutura vertical. As estruturas transversais incluem, isso sim, a análise e a relação
com o entorno, o desenho dos objetivos e o planejamento estratégico e operacional,
o desenvolvimento, a avaliação do resultado operacional e a avaliação estratégica.
Esta premissa estabelece os órgãos transversais como sistemas de relacionamento
e de conhecimento que alimentam as organizações com visões específicas e
objetivos estratégicos de mudança social e, ainda, acompanham e monitoram o
impacto da gestão transversal. As atividades principais para estes órgãos seriam a
produção, análise e difusão de informação e conhecimento, o desenho e formulação
de objetivos estratégicos, concepção e desenvolvimento de políticas e metodologias
de trabalho e a estruturação e gestão de redes internas e externas. Os principais
recursos são estruturados em torno dos eixos conhecimento e capacidade relacional
(SERRA, 2004 apud BRONZO, 2005).
Para se criar viabilidade política para a intersetorialidade, Grau (2005)
afirma que é preciso minimizar as diferenças percebidas de poder. É preciso ser
ingênuo para desconsiderar que o compartilhamento de recursos, responsabilidades
e ações traz consigo a possibilidade de resistências e lutas de poder. O que se
sugere é que sejam desenhados mecanismos organizacionais que permitam a
criação de comunidades de sentido. Tais mecanismos poderiam ser planejamentos
elaborados de forma participativa entre os atores ou plataformas eletrônicas que
facilitam a interlocução e a disseminação das informações. Outro fator
preponderante para o sucesso de estratégias intersetoriais é a existência de um
“agente catalítico”. Este agente é uma pessoa que goza de legitimidade ou
autoridade para convocar os atores pertinentes para a ação coletiva.
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Veiga e Bronzo (2007) apontam que um arranjo político e organizacional
descentralizado e intersetorial deve ter, pelo menos, três componentes: 1) a decisão
política, fundamental para a construção de consensos e para a pactuação de
compromissos com os atores relevantes. Como se trata de um contexto fortemente
marcado por níveis de incerteza e dependente de processos de negociação
complexos, a legitimação e o grau de adesão afetam o sucesso do processo de
implementação; 2) a redefinição dos marcos institucionais, certamente advindos dos
desdobramentos da decisão política, induzirão à criação de novos instrumentos de
gestão apropriados para o novo arranjo e, ainda, o remanejamento de recursos
humanos e financeiros para viabiliza-lo. 3) alterações na lógica de operação são
requeridas para instituir posturas flexíveis e cooperativas e estabelecer novos fluxos
de trabalho. Também para criar ou integrar sistemas de informação que permitam o
acompanhamento das atividades e a identificação do rol de ações necessárias junto
ao conjunto de interessados; a organização dos serviços para o acionamento
quando necessário; a realização de consultas que permitam aferir a qualidade e a
prontidão dos serviços e processar correções identificadas como necessárias; o
estabelecimento de procedimentos sistemáticos para revisão do planejamento e das
rotinas; e a criação de mecanismos de acompanhamento das atividades dos
parceiros não governamentais. O posicionamento das iniciativas em todo dessas
três dimensões caracterizam uma intersetorialidade de baixa ou alta densidade
(VEIGA, BRONZO, 2007).
É sabido que a intersetorialidade propõe uma nova forma de atuação e
que, com isso, acarreta mudança nas práticas e na cultura das organizações
gestoras de políticas sociais. Esse processo não acontecerá à revelia de
resistências previsíveis dos variados grupos de interesses (JUNQUEIRA, 2000) e
nem tampouco da superação de vários desafios que se interpõem ao sucesso desse
novo arranjo. Para Grau (2005) o primeiro desafio é a construção de um
conhecimento consolidado acerca da intersetorialidade e de sua gestão. Outro
desafio a ser superado é a destinação dos recursos. Segundo esta autora, esse é
um elemento chave porque tem o poder de atuar como mecanismo integrador e
produtor de intersetorialidade. Mas, esse não é um ponto simples. Segundo Inojosa
(2001), pela observação do orçamento percebe-se claramente a lógica fragmentada
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e competitiva predominante nas organizações públicas. O foco desloca-se da
preocupação com as pessoas para a competição entre os grupos de interesse que
ocupam os vários setores.
Outro obstáculo a ser enfrentado se insere no campo da tecnologia. É
imprescindível a construção de sistemas de informação integrados que promovam a
transparência e a acessibilidade às informações que, na atualidade, são
componentes essenciais para a gestão da intersetorialidade (GRAU, 2005).
Por fim, o último e nem por isso menos importante obstáculo é a
institucionalidade política da intersetorialidade. É um processo lento e complexo que
envolve mudança organizacional. Esse tipo de mudança não se faz apenas pela
vontade política dos dirigentes. A organização tem que aprender a superar as
diferenças e orientar suas atividades por um referencial comum, por normas e
prioridades integradas (JUNQUEIRA, 1998). Para Menicucci (2002), uma vez que se
pressupõe o deslocamento de poder, de liberação e de campos do saber, as
resistências provenientes de diferentes origens são previsíveis. Trata-se, contudo,
de criar práticas institucionalizadas que privilegiem a cooperação e a parceria com o
fim único de promover o desenvolvimento social (MENICUCCI, 2002).
Para Nuria Grau, a solução está em criar “mecanismos integradores
internos” que se materializam através de planos de trabalho elaborados em conjunto
por todos os atores, sistemas de informação compartilhados e outros que colaborem
na criação de uma comunidade de sentidos (GRAU, 2005). Através desses
mecanismos supõe-se ser possível alinhar os objetivos e percepções sobre um
problema e, sobretudo, sobre as formas de solucioná-lo (BARBOSA, 2010).
Estes desafios colocam de forma implícita que avançar de forma
intersetorial exige um aprendizado de gestão. Selecionar os elementos considerados
fundamentais para a elaboração e a execução de uma intervenção de caráter
intersetorial e, a seguir, buscar desenvolver os elementos envolvidos neste modelo é
o primeiro passo. A seguir há uma apresentação sucinta do Programa Travessia. Em
seguida, analisaremos os elementos teóricos da intersetorialidade presentes nesta
ação.
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A ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DA POBREZA DO GOVERNO DE MINAS GERAIS: PROGRAMA TRAVESSIA
O Programa Travessia foi criado em 2008, sob a coordenação da
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE). De acordo com o
decreto que o institui, esta ação dedica-se ao “planejamento, a coordenação e a
execução das diversas políticas públicas do Estado, em localidades determinadas,
nas quais se concentrem famílias em condições de vulnerabilidade social, visando a
inclusão e a promoção das mesmas” (MINAS GERAIS, 2008). Este dispositivo legal
prevê, ainda, que as ações a serem executadas no âmbito do Programa Travessia
sejam classificadas como prioritárias pelos órgãos e entidades da Administração
Pública. Na prática, o Programa surge com o intuito de articular as ações
governamentais voltadas para a redução da pobreza e, em pouco tempo, se
constitui como a maior estratégia articulada em âmbito estadual com esta finalidade.
É importante destacar que o esforço de superação da segmentação da
ação governamental presente no Programa Travessia é parte integrante de um
esforço maior, presente em toda a ação governamental mineira, facilmente
identificável por meio da análise de seus documentos de planejamento de médio
(PPAG) e de longo prazo (PMDI). As ações são consideradas fundamentais para a
realização da visão de futuro estão alocadas na estrutura do governo, em suas
secretarias e/ou órgãos estaduais. Estas ações são agrupadas em Programas. Os
Programas, por sua vez, são agrupados em Redes de Desenvolvimento Integrado.
Cada Rede tem seus objetivos e finalidades que, uma vez alcançadas, contribuirão
para que o Estado alcance sua visão de futuro: Tornar Minas o melhor Estado para
se viver. Como num “efeito dominó”, o que se espera é que as inúmeras ações
desenvolvidas contribuam para o alcance dos objetivos dos projetos. Os projetos
contribuem para que os Programas alcancem seus objetivos que permitirão às
Redes de Desenvolvimento também fazê-lo. Uma vez que todas as Redes obtém
seus resultados, a visão de futuro torna-se uma realidade visível para toda a
população mineira.
O Programa Travessia se insere na Rede de Desenvolvimento Social e
Proteção e a nova configuração, instaurada com a eleição do atual governador do
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estado, cria seis projetos em quatro secretarias. Para cada um deles há um gerente
responsável. Foi criada a figura do gerente de programa, responsável pelo
acompanhamento e pela articulação das ações desenvolvidas pelos projetos nos
âmbitos das secretarias envolvidas. É importante destacar contudo, que esta
configuração atendia a prerrogativas governamentais, de modo que para todos os
programas dispostos no PPAG 2012-2015 foi criado um gerente do Programa,
responsável por acompanhar todos os projetos a ele vinculados.
O gerente do Travessia conta com uma assessoria responsável por
acompanhar os projetos, facilitar as estratégias intersetoriais e responder às
demandas externas e internas relacionadas ao Programa.
Abaixo, uma representação de sua estrutura organizacional:
Figura 1 - Estrutura Organizacional do Programa Travessia
Fonte: Elaboração própria.
Cada um dos projetos tem autonomia para definir, de acordo com critérios
definidos em sua pasta, em quais municípios participantes do Programa Travessia
naquele ano serão desenvolvidas suas ações e, consequentemente, onde serão
aplicados os recursos definidos para o Projeto. O planejamento é feito anualmente e
dele participam, além da equipe da secretaria, o gerente do programa e sua
assessoria. Abaixo encontra-se uma descrição sucinta de cada projeto.
Programa Travessia
Porta a Porta
Travessia Social
Travessia Educação
Travessia Saúde
Travessia Renda
Banco Travessia
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Projeto Porta a Porta
O Projeto Porta a Porta é um diagnóstico social das famílias que vivem
em situação de privação social. Coordenado pela SEDESE, sua finalidade é realizar
um diagnóstico relativo às privações em educação, saúde e padrão de vida nos
municípios do Programa Travessia.
O produto da execução do Porta a Porta é o Mapa de Privações Sociais.
Por meio deste mapa, os demais projetos podem verificar as privações identificadas
em cada município e definir as melhores estratégias para reduzi-las.
Travessia Educação
Este projeto é coordenado pela Secretaria de Estado de Educação (SEE)
e se dedica a realizar melhorias na qualidade da gestão e da infraestrutura
educacional contribuindo para a melhoria do ensino e da aprendizagem do aluno.
Sua finalidade é promover a inclusão social da população em situação de pobreza
por meio da melhoria na qualidade da gestão e da infraestrutura educacional nos
Ensinos Fundamental e Médio, contribuindo para o avanço no ensino e
aprendizagem do aluno.
Suas ações são dedicadas basicamente à reforma de escolas estaduais
de Ensino Fundamental e Médio e a capacitação de gestores das redes estaduais e
municipais. Mais recentemente foi incluída a execução da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) nos municípios que apresentem demanda.
Travessia Social
Este projeto dedica-se à realização de intervenções de duas naturezas. A
primeira delas é melhorar a infraestrutura social à disposição da população. E, nesse
sentido, o projeto disponibiliza recursos para construção ou ampliação de CRAS
(Centro de referência da assistência social), adquire equipamentos ou mobiliário
para equipamentos sociais, entre outras. A outra ação desenvolvida é a construção
ou reforma de módulos sanitários, obras de ampliação do acesso a água e/ou
reforma de domicílios. Coordenado pela SEDESE, a finalidade deste projeto é
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realizar intervenções de infraestrutura e aquisição de bens móveis e equipamentos,
com vistas a minimizar as privações sociais identificadas no diagnóstico (Porta a
Porta), melhorando a qualidade de vida dos moradores dos municípios beneficiados.
Sua ação tem conexão direta com o projeto Porta a Porta e o Mapa de
Privações Sociais. Os beneficiários das ações deste projeto são sempre famílias que
vivem em domicílios identificados em situação de privação pelo Porta a Porta. As
ações são executadas por meio de convênio com o município que tem
responsabilidade pela execução direta do plano de trabalho. O convênio tem valor
variável e considera o número de habitantes e o IPM.
Travessia Saúde
Este projeto se dedica à melhoria da infraestrutura das unidades básicas
de saúde e aumento do número de domicílios atendidos pelo Programa Saúde da
Família. Sua coordenação é responsabilidade da Secretaria de Estado de Saúde
(SES) e sua finalidade é adequar a estrutura em atenção à saúde e melhorar os
processos de trabalho utilizando como principal estratégia a educação em saúde
como forma de promover a inclusão e o desenvolvimento social das comunidades
em situação de pobreza e vulnerabilidade social.
Travessia Renda
O Travessia Renda dedica-se à criação de oportunidades de emprego e
geração de renda. Coordenado pela Secretaria de Estado de Trabalho e Emprego
(SETE), tem como finalidade promover a inserção da população em situação de
pobreza e vulnerabilidade social no mundo do trabalho, por meio da educação
profissional, da elevação de escolaridade e do incentivo à geração de renda
utilizando como ferramenta o microcrédito. Há também a realização do “Mutirão da
Cidadania” nos municípios beneficiários. Esta ação consiste na emissão de
documentação civil básica, numa ação articulada com outros órgãos e entidades
estaduais.
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Banco Travessia
Seu objetivo é incentivar os membros da família a se inserirem e/ou se
manterem no sistema educacional. Coordenado pela Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social (SEDESE), tem como finalidade contribuir para o aumento
da escolaridade dos integrantes das famílias que apresentam ao menos uma grave
privação educacional identificada pelo Porta a Porta4.
A existência de projetos estratégicos formalmente criados e vinculados ao
Programa Estruturador Travessia traz consigo alguns elementos: 1 – a garantia de
recursos financeiros a serem investidos nos municípios beneficiários pelo Programa;
2 – a existência de uma equipe vinculada, responsável pelas ações do projeto; 3 –
localização formal nas agendas das secretarias diretamente envolvidas.
A legislação referente ao Programa garante elementos normativos
importantes para a operacionalização da intersetorialidade:
1) Uma etapa diagnóstica, executada pelo projeto Porta a Porta, para
subsidiar as ações a serem desenvolvidas pelas secretarias
envolvidas no Programa.
2) A determinação de uma instância governamental – a Assessoria de
Articulação, Parceria e Participação Social (AAPPS) – como
responsável por acompanhar as ações dos órgãos e entidades
estaduais no âmbito do Programa com vistas a assegurar a gestão
transversal, a partir dos princípios de colaboração institucional e de
intersetorialidade.
3) A instituição de um Comitê de Acompanhamento do Programa
Travessia, composto por 16 órgãos e secretarias de Estado, direta ou
indiretamente envolvidas com ações de redução da pobreza.
A legislação não foi sempre a mesma e, durante o período de 2008 a
2010, não havia Projetos Estruturadores vinculados a outras secretarias. Cada
4 Este projeto prevê que a família identificada em privação educacional se cadastre e abra uma “poupança” para toda a família. Cada comprovante apresentado relativo a um avanço no sistema educacional (matrículas, conclusões de séries, cursos de qualificação profissional) é considerado como um “depósito” nessa “poupança”. A família assina um contrato com duração pré-definida e, ao final desse prazo, ela pode sacar o valor acumulado e usar da forma como quiser. O Banco Travessia tem uma moeda fictícia também denominada travessia e remunera as famílias no valor equivalente em moeda corrente nacional. Cada travessia vale um real.
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secretaria elaborava seu planejamento e considerava prioritários os municípios que
recebiam o Programa Travessia naquele ano porque assim eram chamados a fazer
a partir de um ofício enviado diretamente do gabinete do vice-governador, agente
catalítico importante para determinação da localização institucional do programa.
Assim, cada secretaria de estado destinava uma parcela dos recursos previstos para
a intervenção naquele ano para a execução de ações nos municípios do Programa.
O Programa era coordenado pela SEDESE e possuía uma gerente e uma equipe
responsável pela articulação das ações entre os órgãos do Estado e, ainda, pelo
acompanhamento das atividades nos municípios beneficiados.
O Comitê de Acompanhamento é uma instância decisória colegiada
importante para a definição das diretrizes do Programa Travessia. É uma instância
estratégica para o Travessia. Cabe ao gerente do programa e aos gerentes do
projetos acatarem e cumprirem suas decisões. Outras instâncias foram criadas a fim
de garantir a articulação das ações. Uma delas foi o Comitê Técnico de
Acompanhamento do Programa Travessia formado por representantes das mesmas
secretarias presentes no Comitê de Acompanhamento. Porém, os componentes aqui
estão no nível técnico da estrutura de gestão e sua principal função é discutir,
preparar e organizar as informações para as reuniões do Comitê de
Acompanhamento.
Outros grupos fundamentais para a articulação das ações são os dois
grupos temáticos: Água e Elevação de Escolaridade. Destes grupos5 participam as
secretarias e órgãos a fins a cada uma das temáticas e o ganho aportado por estas
instâncias é a realização de discussões altamente técnicas travadas por pessoas
que ocupam cargos decisórios em seus órgãos de origem. O resultado é que a
articulação acontece de forma efetiva tanto no que se refere ao tempo de execução
das ações, ao fluxo das informações no nível municipal e ao encaminhamento do
público, quando é o caso. Evita-se a sobreposição das ações e, sobretudo, elimina-
se as lacunas – quando existem.
A Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) providencia a
ocorrência mensal de reuniões de acompanhamento da execução de todos os
5 A apresentação detalhada destes dois grupos é o objetivo de outros dois trabalhos sobre o Travessia neste Congresso.
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programas estruturadores (Status Report). No caso do Travessia, as reuniões
acontecem sob a coordenação da gerência do programa e conta com a presença de
todos os gerentes dos projetos, da Assessoria de Articulação, Parceria e
Participação Social e da própria Seplag. Nestas reuniões, dificuldades relacionadas
à implementação são identificadas e estratégias de solução são identificadas e
providenciadas com urgência.
Em 2013 foi elaborado e executado um Planejamento Integrado do
Programa Travessia. Este planejamento esteve pactuado ao Acordo de Resultados6
de oito secretarias vinculadas ao programa e nele constavam ações consideradas
estratégicas para o alcance dos objetivos propostos. O cumprimento das metas
propostas neste acordo facilitavam o desenvolvimento das ações previstas no
programa Travessia uma vez que ele foi desenhado considerando as ações
consideradas mais importantes, sua sinergia e os atores envolvidos.
A INTERSETORIALIDADE NO PROGRAMA TRAVESSIA
Todo o planejamento do governo de Minas está pautado por premissas
intersetoriais, uma vez que se estrutura a partir de Redes de Desenvolvimento
Integrado, que se desdobram em Programas que são, necessariamente,
desenvolvidos por mais de uma Secretaria de Estado. Considerando a classificação
proposta por Grau (2005), isto implica que todas as políticas estão sujeitas a
premissas advindas da intersetorialidade. Por outro lado, deve-se olhar caso a caso
quando se pretende verificar se tais premissas são mais evidentes quando
observada a execução do que o planejamento destas ações, visto que todos os
órgãos têm autonomia sobre ambos.
De acordo com o proposto por Grau (2005), uma intervenção precisa ser
intersetorial quando seus objetivos transbordam a competência de um único setor. O
6 O Acordo de Resultados é um instrumento de pactuação de resultados que estabelece, por meio de indicadores e metas, os compromissos dos órgãos e entidades do Poder Executivo Estadual perante à estratégia governamental. Em contrapartida, são concedidas aos acordados autonomias gerenciais e, em caso de desempenho satisfatório, pagamento de prêmio de produtividade aos servidores, como incentivo.
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conceito de pobreza multidimensional traz consigo esse transbordamento, como foi
evidenciado ao longo do texto. Para o Travessia, assim, a intersetorialidade é
condição sem a qual não é possível alcançar os objetivos.
Considerando os apontamentos trazidos por Kalidos.red (2010) de que a
“soma não soma” e que “sozinhos somos impotentes”, o desafio posto é “como
conseguir somar para multiplicar?”. Este desafio vai de encontro ao que afirmam
vários outros autores quando dizem que o trabalho intersetorial implica em superar a
fragmentação, alcançar um efeito sinérgico com a intervenção e articular saberes e
práticas, minimizando ou eliminando a sobreposição nas ações (MAGALHÃES, 200
4; JUNQUEIRA, 2000; MENICUCCI, 2002; INOJOSA, 2001). O desenho do
Travessia aporta vários indícios de que estratégias são empreendidas para superar
este desafio. Vamos a elas.
A existência da Assessoria de Articulação, Parceria e Participação Social
visa o estabelecimento de um agente catalítico, que amplia a legitimidade política e
facilita o funcionamento da intersetorialidade. Considerando sua localização
institucional (suprasecretaria, com vínculo direto com o gabinete do Governador),
tem a discricionariedade necessária para tal. Esta Assessoria se incumbe de
vocalizar a decisão política do governo de investir no programa, aumentando, assim,
o grau de adesão dos atores nele envolvidos. (VEIGA, BRONZO, 2007).
A criação formal dos projetos em quatro secretarias traz consigo alguns
pontos no que concerne a intersetorialidade. A vinculação de recursos financeiros e
humanos dedicados à execução das ações é um elemento favorável uma vez que
minimiza a necessidade de “barganhar” com as várias secretarias recursos para a
execução de ações nos municípios beneficiários. A delimitação destes recursos,
então, altera as pautas de diálogo. Migra-se da negociação por recursos para o
estabelecimento de parceria que permitam a articulação no tempo e nos territórios
beneficiados por cada uma das ações previstas.
Estas pautas de diálogo são trabalhadas de forma direta nas instâncias
colegiadas de gestão. Nestes espaços são negociados o momento adequado para o
desenvolvimento das ações, a articulação entre elas no âmbito municipal, o público
alvo adequado e formas de mobilizá-lo. A materialização da intersetorialidade pode
ser vista por meio de estratégias colaborativas empreendidas pelos vários projetos
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envolvidos: cronogramas são alterados (na medida do possível), contatos com
gestores municipais são direcionados para os objetivos comuns, múltiplos atores são
envolvidos na consecução de objetivos de uma das ações, sob a responsabilidade
formal de um dos projetos mas, de forma compartilhada com todos.
Observando as proposições de Grau (2005), é possível considerar estas
instâncias decisórias colegiadas também como uma tentativa de “integración” dos
processos, pautas e processos envolvidos e de estabelecimento de
“mancomunidad”, ao serem compartilhadas as responsabilidades inerentes à
execução deste programa. Estas instâncias contribuem para a eliminação de
diferenças de poder já que todos os participantes são convidados a contribuir na
tomada de decisão sobre o Programa.
A manutenção da horizontalidade na tomada de decisões, o
estabelecimento de pautas de interesse comuns, a definição de estratégias e
atividades compartilhadas e a interdependência na execução das ações são
desafios permanentes do Programa Travessia. A inclusividad proposta por Grau
(2005) é uma premissa sempre em mente nesses momentos.
De acordo com Veiga e Bronzo (2007), é preciso ainda criar novos
instrumentos de gestão, capazes de viabilizar o trabalho intersetorial. Estes novos
instrumentos são observados sob a forma do Planejamento Integrado, das reuniões
de Status Report e da socialização do diagnóstico do Porta a Porta.
O planejamento integrado suplanta a estrutura da secretaria para sua
execução. O alcance de uma determinada meta só é possível com a participação de
vários atores. Com vistas ao seu cumprimento, equipes em cada uma das
secretarias envolvidas estão sempre atentas às metas, as ações a serem
executadas. O diálogo é permanente e o alcance das metas ocorreu com sucesso.
As reuniões de Status Report, ocorrem a partir da convocação da Seplag.
Estas reuniões são mensais e permitem a resolução rápida de problemas
relacionados aos projetos com a presença deste um importante ator decisório.
Entraves comuns podem ser resolvidos com envolvimento de atores indiretos,
facilitando a execução do planejamento. São apresentadas a execução de cada
projeto, as medidas corretivas adotadas por cada um e, ainda, elaborados planos de
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ações – para um ou para vários projetos – com vistas à resolução dos problemas
identificados.
A disponibilização do diagnóstico (Mapa de Privações) elaborado por um
dos projetos – Porta a Porta – para outros projetos planejarem suas ações a partir
dos dados levantados nos municípios é um elemento importante para a
intersetorialidade também. A busca de soluções integrais é facilitada com este
compartilhamento. Dota-se a administração pública de maior capacidade de resolver
efetivamente um problema social e, sobretudo, altera a lógica da operação, ao criar
um mecanismo de interdependência entre ações de secretarias diferentes (VEIGA;
BRONZO, 2007; GRAU, 2005).
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
De forma bastante inovadora, todo o planejamento governamental do
estado de Minas Gerais se estrutura a partir de premissas da intersetorialidade.
Contudo, características tradicionais da Administração Pública burocrática colidem
de frente com demandas trazidas pelas intervenções intersetoriais. Há que se
considerar, porém, que a intersetorialidade exige aprendizado e, sabe-se, que a
mudanças na cultural organizacional carecem de tempo e esforços contínuos.
O objetivo do Programa Travessia, todavia, coloca para esta intervenção
a prerrogativa da ação intersetorial, visto que problemas complexos – como a
pobreza – demandam intervenções que transbordem a estrutura setorializada,
promovendo estratégias articuladas e coordenadas entre vários órgãos
competentes.
A análise de seu desenho apresenta elementos importantes para a
intersetorialidade: o planejamento integrado, a existência de instâncias colegiadas
de gestão com pautas de diálogo importantes para a execução, a existência de um
agente catalítico e instrumentos de gestão que potencializam a interdependência
entre os projetos. O que se percebe é a existência de um esforço ininterrupto de
aprendizagem da intersetorialidade. Desafios como a institucionalidade política e a
transposição da lógica fragmentada estão sendo superados conjuntamente. É
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preciso reconhecer que estas características do Programa facilitam a ação
intersetorial ao mesmo tempo em que interpõe o repto cotidiano de suplantar a
lógica intersetorial de intervenção.
Outros desafios ainda devem ser vencidos e esta vitória não cabe
somente ao Programa. A superação da lógica fragmentada na destinação dos
recursos é, talvez, um dos mais difíceis de serem superados. A criação de sistemas
de informação consistentes e compartilhados para subsidiar a tomada de decisão,
considerando os resultados conjunto é também um desafio importante a ser
encarado.
De todo modo, a análise do desenho do Programa Travessia apresenta
uma intervenção coesa, com objetivos desafiadores e em busca permanente por
inovação para a consecução de resultados efetivos. Esta inovação tem sido pautada
pelas premissas apresentadas na literatura acerca da intersetorialidade e tem
alcançado considerável sucesso na implementação das estratégias a que se propõe.
Pode ser utilizado como exemplo para outras intervenções em governos
subnacionais e, ainda, contribuir para o aporte de elementos para a consolidação de
conhecimento acerca da intersetorialidade.
REFERÊNCIAS
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AUTORIA
Tatiana Lemos Sandim – Já integrou a equipe do Programa Travessia como empreendedora Pública do Governo de Minas. Atualmente é doutoranda do Programa de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas.
Endereço eletrônico: [email protected]